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9 a 15 de março de 2004

Jornal-laboratório do curso de Comunicação Social, produzido e editado pelos alunos de Jornalismo e Publicidade & Propaganda da Universidade de Uberaba([email protected])Supervisora da Central de Produção: Alzira Borges Silva ([email protected]) • • • Edição: Alunos do curso de Comunicação Social • • • Projeto gráfico: André Azevedo da Fonseca

([email protected]) Coordenador da habilitação em Jornalismo: Raul Osório Vargas ([email protected]) • • • Coordenadora da habilitação em Publicidade e Propaganda: Karla Borges([email protected]) • • • Estagiário: Fábio Luís da Costa ([email protected])• • • Técnica do Laboratório de Fotografia: Neuza das Graças da Silva • • • Analista de Sistemas: Tatiane Oliveira AlvesReitor: Marcelo Palmério • • • Jornalista e Assessor de Imprensa: Ricardo Aidar • • Impressão: Gráfica Jornal da Manhã • • • Fale conosco: Universidade de Uberaba - Curso de Comunicação Social - JornalRevelação Sala L18 - Av. Nenê Sabino, 1801 - Uberaba/MG - CEP 38055-500 • Tel: (34)3319-8953 • http:/www.revelacaoonline.uniube.br • • • Escreva para o painel do leitor: [email protected]

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No ínicio do mês, o Grupo de Apoio Peda-gógico e Pesquisa (Gapp), da Uniube apresen-tou trabalho de comunicação científica na XVInternational Conference,Society For InformationTechnology & TeacherEducation (SITE), a 15ª Confe-rência Internacional da Socieda-de da Tecnologia da Informa-ção e Formação de Professores,em Atlanta, EUA.

A conferência do SITE contou com 1500

participantes de 54 países. O GAPP foi repre-sentado pela professora Martha Prata Linhares

que apresentou o trabalho"Spinning the Web ofContinuing Education:Challenges of Using Educationat Distance Technology inUniversity Level Courses" ondeé relatada parte da experiênciado GAPP com formação de pro-

fessores do Ensino Superior no ambiente deaprendizagem digital TelEduc.

Pesquisadores da Uniubeapresentam trabalho nos EUARepresentante do Gapp falou sobreformação de professores do Ensino Superior

Samantha Regina da Silva1º ano de jornalismo

Me passaram uma tarefa fácil: fazer umperfil da professora de História ElianeMarquez. Ela acaba de ser homenageadapela Associação das Mulheres de Negóciopor sua história dedicada à educação.Evidentemente, as fontes mais interessantesque poderiam compor um quebra-cabeça desua personalidade são os seus alunos. Vamosa eles.

Conversei com vários estudantesdurante esta semana, pedindo que fizessemcríticas e elogios àprofessora. Foium problemão.Ninguém quisapontar os defei-tos. Aí percebi quenão seria umatarefa tão fácilassim. Perfil sem críticas não vale!

Profundamente apaixonada pelo seutrabalho e por seus alunos, elétrica, inquieta,Eliane Marquez ela não se restringe a serapenas professora. Valter da Silva, aluno deHistória, diz com todas as letras: ela é umae-d-u-c-a-d-o-r-a!

É bem provável a grande maioria dosalunos de História concordem que as aulasde Eliane são particularmente dinâmicas eextrovertidas. Valter diz que “viaja” em suasexplicações. Lembra que, esfuziante,exigente com os trabalhos, Eliane pega nopé de quem chega em sala-de-aula apenascom “recortes” de texto. O que ela quer são“hiper-textos” — não no sentido da Internet,mas “super-textos”, trabalhos deslum-brantes que façam jus ao entusiasmo pelaHistória.

Eliane começou cedo. Foi na infânciaque a História, com agá maiúsculo,despertou e mudou profundamente sua vida

(sobretudo os estudos sobre Uberaba eMinas Gerais). O primeiro passo acadêmicoera evidente: Eliane formou-se em Históriapela Faculdade de Filosofia, Ciências eLetras São Tomás de Aquino (Fista).

Goiana de origem, Eliane passou 25anos na capital do seu estado, especia-lizando-se em Educação. Fez mestrado emHistória do Brasil pela Universidade Federalde Goiás (UFG) e, entre dezenas de projetos

simultâneos, temem seu currículoum livro em par-ceria com MariaAntonieta BorgesLopes, chamado:História e His-tórias – um

extenso trabalho de pesquisa sobre a ABCZ.O orgulho e a paixão pelo que faz são

sentidos diariamente nas salas-de-aula. Essefôlego a torna extremamente jovem emoderna. Atenciosa, compreensiva, Elianetem um dom de sedução capaz de fisgar aatenção de qualquer pessoa que entra na suasala-de-aula. Generosa, está sempre prontapara ajudar — independente do assunto ouda pessoa, diz Hilder Alves. Para Rafael deOliveira, há momentos em que ela secomporta como uma segunda mãe – quechama a atenção, exige o cumprimento dastarefas, mas logo depois adula com palavrasde afeto: “Você sabe que eu te amo” .

Sobre os defeitos... bem, um alunodisse que ela é muito exigente. Mas, con-venhamos, isso não é defeito! Não dá paraser preguiçoso com esse furacão demulher!

*colaborou: André Azevedo da Fonseca

Atenciosa, compreensiva, Elianetem um dom de sedução capaz defisgar a atenção de qualquer pessoaque entra na sua sala-de-aula

Eliane Marquez,essa é pra vocêEducadora foi homenageadapor sua história dedicadaa educação

História

O ensaio fotográfico publicado nestaedição especial traz uma oportunidade sin-gular para refletir a cidade que construímos.

Quando estamos imersos no cotidiano,vivenciando dia-a-dia as pequenas mudan-ças, nossos sentidos ficam desatentos, aco-modados, quaseanestesiados. Pre-sos às circunstân-cias do presente,desligados das re-ferências do pas-sado, deixamos deperceber que a ci-dade é histórica – ou seja, que o que somoshoje é resultado direto do que planejamosontem. Conseqüentemente, devido a essacarência, aceitamos as transformações comose fossem naturais, inevitáveis.

O discurso da “modernização” normal-mente é usado para justificar todas as trans-formações urbanas. Em um tributo aopositivismo, proprietários destróem opatrimônio cultural dos moradores da cida-de em nome de um modelo de progressoque, como podemos perceber, no final dascontas favorecem poucos.

Para percebero presente

Mas sabemos que transformação não sig-nifica necessariamente evolução. Como escre-veu Juvenal Arduíni, o tempo cronológiconem sempre corresponde ao tempo antropo-lógico. Da mesma forma em que como hojeconvivemos com pensamentos ultra-retrógra-

dos, podemos en-contrar idéias avan-çadas no passado. Evice-versa. A histó-ria mostra, porexemplo, que já su-peramos muitaspráticas abominá-

veis e construímos uma sociedade em muitosaspectos melhor do que há algumas décadas.

Normalmente, temos mais facilidadepara perceber se as coisas são boas ou ruinsquando as colocamos em relação a outrascoisas. Assim, para compreender o que me-lhorou e o que piorou em nossa urbanida-de, é preciso, antes de mais nada, ter acessoàs referências históricas, ou seja, conhecera memória da cidade. É na análise do pas-sado que podemos ter uma referência paraperceber com clareza o que estamos fazen-do com o nosso presente.

Presos às circunstâncias do presente,desligados das referências dopassado, deixamos de perceberque a cidade é histórica

A conferência doSITE contou com1500 participantesde 54 países

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Luis Felipe Silva5º Período de Jornalismo

Finalmente uma manhã de sol emUberaba, depois de vários dias de chuvaque, se não impedia, pelo menosdesencorajava a maioria dos pedestres a sairde casa.

Meu destino é a Rua Vigário Silva, amais antiga da cidade, que também já foiconhecida como rua “Grande” ou “Direita”– este último de-vido ao fato de queela está à direita dequem sai da Ca-tedral na Praça RuiBarbosa. Ela iniciaexatamente nestapraça, no mesmoda Coronel ManuelBorges, a rua “Esquerda” – porém, é claro,em sentido oposto. Curiosamente não existeuma casa com número um na rua VigárioSilva: sua numeração se inicia com onúmero 5 o Restaurante da Praça,terminando no 2231, em uma residência.

Levo cerca de trinta minutos parapercorrer, a pé, toda a rua no sentido de suanumeração. Neste trajeto pude perceber uma

imensa transformação à medida que vou medistanciando do centro da cidade. A rua quecomeça na praça mais importante da cidade,termina em um enorme terreno baldio, ondesó existe mato e algumas casinhas após umaenorme depressão. As lojas, com coresberrantes e letreiros “chamativos” vãodando lugar a pequenos barracos de tonsfoscos, que dividem espaço com inúmerosterrenos baldios. Ainda se fazem presentesalguns prédios imponentes, condomínios

fechados, de se-gurança máxima,garantida por enor-mes muros de pro-teção, completa-dos com cercaseletrificadas. Tudopara garantir umacerta distância

daquele universo de pobreza.Os barracos ao contrário, estão quase

sempre de portas abertas, mas não sãoconvidativos para que alguém entre, visto apobreza e o mal estado em que se encon-tram. Na verdade, elas parecem estar prestesa ruir a qualquer instante.

Grande parte destes barracos tem comovizinhos apenas o mato que cresce nos

terrenos baldios. Em boa parte dos casos omatagal chega a cobrir uma pessoa. Malpodemos imaginar o que pode existir ali!Pude ver duas vezes um mesmo gato preto,com uma perna machucada, entrando nomato para se esconder. Um pouco depois,uma galinha, que aparentemente tinhafugido de um galinheiro nos fundos de umdaqueles barracões, imitou o gato e sumiuno matagal.

O comércio da região central, por suavez, quer sempre dei-xar bem claro o quepode ser encontradoem seus interiores.Músicas de natal,vitrines, letreiros,cartazes e folhetosnos dão uma idéia do que podemosconsumir. É muito variado o cardápio doque pode ser encontrado: automóveis eeletrodomésticos, cereais e alimentosdietéticos, além dos diversos tipos deserviços prestados, como fotocopiadorase lojas de fotografias 3X4 reveladas emapenas uma hora. Difícil é arranjar umlugar para estacionar, fato que explica aexistência de vários estacionamentos

nesta parte da rua, cobrando em média R$1,50 por hora.

Não falta nada!Para o comerciante José Clementino

Ribeiro nada falta na rua Vigário Silva,principalmente clientes para a sorveteria queseu filho comprou a cerca de um ano, e queele costuma tomar conta. “O movimentosempre é grande, vejo uma infinidade derostos todos os dias”, confessa, dizendo

passar o tempo obser-vando o movimento.A sorveteria ironica-mente estava vazianaquele momento,mas não demoroumuito para que ele,

fosse atender a clientela. “Não dá pra ficarparado” brinca.

Monótona é a região final da VigárioSilva, no bairro São Bendito. Quase nãopassam carros pela região, o que permiteque crianças joguem bola no meio da rua.As pessoas ficam na porta de suas casasconversando. Tocos de árvore servem comobancos. Alguns preferem ir para o bar, logode manhã. “Afugentar os problemas!”, diz

O cotidiano da ruamais antiga de UberabaCom mais de cento e vinte anos de história, a Rua Vigário Silva tem dentro de sium universo próprio, onde predominam os contrastes

Cidade

Bunda, dinheiro, coca-cola e placas de trânsito se confundem na poluição visual do começo da rua

Grande parte destes barracos tem como vizinhos apenas um desenfreado matagal

Levo cerca de trinta minutospara percorrer, a pé, toda a ruano sentido de sua numeração

Lojas com cores berrantes eletreiros “chamativos” vão dandolugar a pequenos barracos detons foscos e terrenos baldios

fotos: Luis Felipe Silva

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Sílvio Campelo de Miranda, comentando oshábitos de sua clientela. “A maioria daspessoas que vem aqui dá um duro danadotodo dia pra poder sobreviver, e vive tendoproblemas na convivência com os outros.”Sílvio revela morarna rua há mais dequarenta anos. “Fuicriado aqui, e for-mei a minha famíliaaqui também”. Se-gundo o comer-ciante o grande di-ferencial da região é a tranqüilidade, comquase todas as pessoas se conhecendo esendo grandes amigas. Neste local o antigosistema de contas pagas sempre no final domês ainda vinga, e é o que sustenta ocomércio, que é obrigado a competir comas lojas e mercados da ilustre vizinhaparalela, a avenida Guilherme Ferreira.

LadrõesSe a tranqüilidade é o grande mérito para

Sílvio, o mesmo não pode ser dito para osapateiro Gaspar Reis Moraes, que nãoreside na Vigário Silva, mas tem seu pontocomercial ali há vinte dois anos. Sua sa-pataria localiza-se próxima ao ShoppingUrbano Salomão, importante centrocomercial da cidade, em um ponto que traçauma espécie de linhadivisória entre a Vi-gário Silva rica e asua metade pobre.Gaspar diz que amaior peculiaridadeda rua são os seusladrões, e seus impressionantes furtos emplena luz do dia. “Já vi inúmeras vezesmoleques roubando toca-fitas bem aqui dolado, com sol forte batendo na cara” relata,contando também que seu estabelecimentotambém já foi vítima de dois assaltos.“Levaram só a cola. São moleques, pegaram

a cola pra cheirar, roubam pra comprardrogas”, afirma, explicando que só continuanaquele ponto em virtude da grandefreguesia que adquiriu durante todos estesanos.

Mais ao centroencontramos oCartório de Regis-tro Civil da cidade,onde no momentoda reportagemeram realizadospelo menos dois

casamentos. As calçadas da rua estavamtomadas pela multidão que disputava umlugar de onde pudessem ver o que aconteciado lado de dentro. Era impossível entrar nocartório. Fotógrafos e cinegrafistas seengalfinhavam em busca do melhor ângulo,aquele que seria capaz de justificar os seuscachês. A pressa e a emoção não deixam aspessoas falarem, mas nem é preciso dizermuito para saber o que pensavam. Bastavaolhar em seus rostos. Os mais velhos serecordam do dia de seus casamentosenquanto os mais novos imaginam comoserá na sua vez. Mesmo sem falarem nada,pode-se ouvir um desejo de boa sorteemanando de cada um ali presente.

Na parte calma da Vigário Silva o Sr.Nelson Castro de Paula chega das compras

para uma pequenareunião de família.Cumprimenta tanto aapressada vizinhaque está indo para oserviço quanto àsmeninas que cami-

nham tranqüilamente pelo meio da rua. SeuNelson vive somente há vinte cinco anosna Vigário Silva, e mesmo assim diz:

- Meu filho, esta Rua tem história paracontar...

Ele também diz gostar bastante do localgraças à tranqüilidade. “Aqui todo mundo

é amigo, quase não existem problemas”conta o morador, que só tem uma queixacontra a rua. “Como eu moro em umdeclive, toda a água usada pelas casas daparte de cima acaba escorrendo direto paraa minha residência” protesta, dizendotambém que isso não é motivo para que eleabandone a vi-zinhança. “Gostomuito daqui!”.

A chuvae a noiteO verão brasi-

leiro, e sua chuvacaracterística, fazem o ambiente da ruaVigário Silva mudar por completo. Pessoascorrem para se proteger, pisando em poçasd‘água criando um singuar efeito visual. Nocentro, o movimento diminui. Os despre-venidos que esqueceram de trazer o guarda-

chuva são obrigados a esperar dentro daslojas, ou sobre os toldos e marquises. Algunsnem dão bola e seguem em frente. O mesmonão acontece na outra parte da rua, que ficacompletamente deserta quando a chuvacomeça.

Durante a noite também fica difícil veralguém por ali,salvo alguns estu-dantes e trabalha-dores pegando ôni-bus. Às onze danoite a rua nadalembra a VigárioSilva das manhãs e

tardes, com grande movimento na regiãocentral, e fluxo constante de carros. Não sevê quase ninguém, e um clima de medo co-meça a permear o lugar, principalmentedepois de ouvir o sapateiro Gaspar contarrelatos sobre roubos na região. “Antiga-

Na “metade pobre” passam menos carros e os moradores utilizam o espaço público para jogar

Gaspar diz que a maiorpeculiaridade da rua são os seusladrões, e seus impressionantesfurtos em plena luz do dia

“Aqui todo mundo é amigo,quase não existem problemas”conta um morador

“Como eu moro em um declive,toda a água usada pelas casas daparte de cima acaba escorrendodireto para a minha residência”

Uma rua de contrastes. Antena parabólica “das antigas”parece brotar como um cogumelo no mato selvagem. Prédios são erguidos ao lado de terrenos baldios infestados por lixo

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mente não existia muito disso não, mas hojeem dia é terrível. Se de dia já roubam tudoquanto é gente carro, de noite então eu nemquero imaginar como deve ser” conta,revelando não passar pela rua à noite.“Prefiro não me arriscar. Pra que ficar dandobobeira?”

Os únicos locaisque permanecem aber-tos são os bares, quepredominam na partemenos central da rua.Neles ainda podemosver algumas pessoas,que bebem aos sons debandas de pagode, rap e principalmenteduplas sertanejas.

Fico com a sensação de que a regiãocentral é mais perigosa nesta parte do dia,pois não se vê ninguém nas ruas. Parece umlocal muito mais propício para alguém

querer efetuar um roubo. Melhor ir embora,afinal, como disse o sapateiro Gaspar: “Praque ficar dando bobeira?”

Mais históriasAntônio José da Silva foi o primeiro

vigário de Uberaba, pela Igreja Paroquialda Vila de Uberaba, afamosa Catedral deUberaba. O PadreAntônio se tornouVigário da cidade deUberaba através de umdecreto, que determi-nava que o então Vigário

do Bispado de Goiás passasse a ser o Vigáriode Uberaba.

Vigário Silva sempre se preocupou emengrandecer a sua paróquia, residindo aquipor muitos anos, tendo sido até nomeadoprefeito da cidade pelo governo imperial.

Se destacou nos negócios públicos dacidade, tendo contribuído para a abertura docomércio da região. Em 1855 ele se mudapara o Rio de Janeiro, onde faleceu no anode 1858.

Devido à suas importantes realizaçõespara a cidade de Uberaba, em 1880, acomissão recen-seadora das ruas dacidade resolveubatizar a margemdireita da rua gran-de de Rua VigárioSilva em sua ho-menagem.

A Rua Vigário Silva tem por si sóinúmeras histórias. O barbeiro do Salão DonFernandes, Altamiro José de Souza conhecemuitas delas, já que trabalha em um salãocom mais de quarenta anos de história.Altamiro está no salão desde 1960, e dizque na parte central pouco mudou de lá pracá. “Apenas o Hotel do Comércio, quehoje é o Magazine Luiza, e um ou outroprédios novos, que são construídos nolugar de casarões velhos demolidos”observa o barbeiro.

Um de seus clientes, o arquitetoespanhol Carlos Passón, que foi responsávelpelos projetos de restauração da CâmaraMunicipal e da Igreja Santa Terezinha é quelamenta o descaso dos governantesuberabenses, que não procuram preservar ahistória da cidade. “Na Europa conserva-se a fachada original da casas,modernizando apenas o seu interior” relata,dizendo ainda que muitos destes casarõesderrubados poderiam servir de cartão devisita para a cidade.

Altamiro se lembra da famosa CasaFernando Sabino, o maior comerciante dacidade. Segundo ele, podíamos encontrarquase tudo na casa, e como antigamentevendia-se fiado, só se pagavam as contas

Altamiro José de Souza guarda quarenta anos de história na barbearia

Vigário Silva é um retrato perfeitoda própria cidade de Uberaba,marcada pelo contraste da regiãocentral com a região periférica

Antônio José da Silva foi oprimeiro vigário da cidade,pela Igreja Paroquial daVila de Uberaba,

no final do ano. “Isto gerou um episódiolendário, pois Fernando Sabino conseguiureunir mais de 2000 contas, indo cobrar maisda metade na porta das casas dos devedores”recorda aos risos.

Todos também se recordam com tristezado tradicional jornal Lavoura e Comércio,

que encerrou suasatividades no anopassado. “Os me-ninos ficavam aquipertinho vendendoo jornal para quempassava de carro”recorda o arquiteto

Carlos. “Mais uma vez a história vai sendoapagada” comenta Altamiro.

Sendo uma das ruas mais importantesda cidade, foi a segunda a ser asfaltadana cidade. “Nem me lembro mais háquanto tempo foi” observa Altamiro,tentando puxar pela memória. Carlos selembra da época em que a rodoviária dacidade ficava na praça Rui Barbosa.“Quando cheguei da Espanha, a mais dequarenta anos tomávamos o ônibus aqui.Só depois de alguns anos a rodoviária semudou para a praça Jorge Franje” recorda.O arquiteto se lembra ainda que nãoexistia nada no final da rua, a não sermato. Naquela época os córregos dacidade ficavam abertos para o céu. “Sóapós o golpe militar, o prefeito ArnaldoRosa Prata começou as obras para cobrí-los”, relata.

A história da Vigário Silva continua ase desenrolar, onde vagarosamente ocomércio vai se expandindo, se apro-ximando da parte mais pobre da rua,trazendo consigo o desenvolvimento. AVigário Silva é portanto, um retrato perfeitoda própria cidade de Uberaba, marcada pelocontraste da região central com a regiãoperiférica.

Comércio e serviços variados atraem muitos consumidores para a “metade rica” da rua

Nelson Castro de Paula vive há 25 anos na Vigário Silva

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Praça Rui Barbosa, na entrada do calçadão da Rua Arthur Machado.Na década de 30, os semáforos eram operados diretamente pelos guardas detrânsito, que acionavam uma alavanca para acender as luzes de “siga’ ou “pare”.(De qualquer maneira, esse aí certamente não tinha muito trabalho naquela época)Em tempo: é um barato observar que o buraco do bueiro é o mesmo!

Uberabas que se foramEscombros da memória coletiva

Ensaio fotográfico revela a cidade que poderia ter sido

Incrementando a matéria anterior do colega LuisFelipe Silva, eis a esquina da Rua Vigário Silva naPraça Rui Barbosa, em 1900

André Azevedo da Fonseca8ª período de Jornalismo

Quando eu via fotos antigas de Uberaba, alguma coisa me inco-modava profundamente. Por mais que eu soubesse que aquilo era aminha cidade, confesso que nem sempre conseguia associar aquelagente e aquela geografia difusa à Uberaba que conheço. Às vezes,as fotos pareciam de algum lugar longínquo, em outro país. Outrasvezes, sugeriam um cenário fantástico, representando pessoas e lu-gares que na verdade nunca haviam existido. Eu olhava e sabia per-feitamente: é Uberaba. Mas alguma coisa dentro de mim não con-seguia estabelecer essa ligação histórica.

Qual o motivo dessa minha falta de discernimento? Por que aque-la Uberaba parecia tão desconhecida? Como estabelecer vínculossensoriais verdadeiros com o passado da cidade?

Destas perguntas surgiu este ensaio fotográfico.Foi assim: primeiro escolhi com a equipe do Arquivo Público de

Uberaba algumas fotos do cotidiano espontâneo da cidade, em di-versos períodos históricos. O que eu queria era, observando essasfotografias, procurar na Uberaba de hoje o mesmo local daquelasfotos antigas. Mas não queria só o local, eu precisava do ânguloexato, do mesmo recorte, da mesma espontaneidade retratada pelofotógrafo original. Assim, medindo cuidadosamente as referênciasarquitetônicas, testando posições, aproximações e enquadramentos,subindo em bancos, deitando no asfalto e supervisionado pelo olharcrítico da estudante de História (e minha esposa), Cristiane Ferreira,tirei treze fotografias bastante parecidas com as originais. Pude per-ceber, com clareza e detalhamento nunca antes experimentados, asintensas transformações da cidade nesses lugares específicos.

É isso que compartilho com os leitores nesta edição. Nas legendas,que na verdade tratam-se de comentários pessoais, informo a datadas fotografias originais. As fotos recentes foram tiradas em máqui-na digital, na tarde de 25 e na manhã de 26 de março de 2004.

Não sei ainda se respondi às minhas perguntas. Mas percebi que,depois deste exercício, já vejo vestígios de Uberaba nas fotos anti-gas.

fotos da esquerda: Arquivo Público de Uberaba

fotos da direita: André Azevedo da Fonseca

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Edifício da Prefeitura e Palacete de Arthur Castro e Cunha integravam exuberanteconjunto arquitetônico da Praça Rui Barbosa, como podemos ver nesta foto tirada entreos anos 40 e 50. Hoje, os dois são exceções no cenário de edifícios caixotões da praça.

Rua Arthur Machado, década de 20, na altura onde hoje está instalado o“calçadão”. Praticamente tudo foi destruído. O segundo andar da antigajoalheria de Raul Terra, a única fachada que restou, está quase invisívelem seu amarelo pálido, submerso na intensa poluição visual

“Nem tudo está perdido”, escreveu o doador da foto que hoje pertence ao Arquivo Público.Com exceção de uma das casas, pintada de um vermelho e de um amarelo constrangedores,o conjunto permanece com a arquitetura surpreendentemente preservada.No entanto, grades, postes e placas desordenados conseguiram enfeiar o entorno.

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Puro charme. O Cine São Luiz, em foto tirada entrea década de 20 e 30, surge entre as palmeiras, em sua majestade negrade curvas e linhas, em foto tirada da escadaria da Igreja.Conjunto arquitetônico permitia perfeita visão da igreja São Domingos.

Teatro São Luís, em 1900, na primeira construção do prédio que viria a ser o Cine São Luiz.O terceiro homenzinho, da esquerda para a direita, é Borges Sampaio, uma das figuras mais interessantes da história da cidade.Seus textos são importantes referências históricas para toda a região.

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Rua Arthur Machado, na década de 70. Propaganda da Drogasil ainda está pintada no prédio, mas toda desbotada.Igreja matriz trocou de cor e foi engolida pelos prédios. O fuscão branco velho de guerra está firme e forte!

Rua Arthur Machado, em outro momento da década de 70.Edificações da direita foram demolidas para a construção do prédio quadradão das Pernambucanas.

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O fotógrafo desta reprodução dos anos 80 é muito bom, e pegou um ângulomuito espertinho. Além disso, é um perigo ser atropelado por um ônibus empleno cruzamento Rua Vigário Silva com a Praça Rui Barbosa. Fiz o que pude.De qualquer maneira, eis o Notre Dame de Paris, uma das lojas maispopulares na época, instalada na casa que já tinha sido de major Eustáquio e,mais tarde, de Borges Sampaio. O casarão foi demolido no final dos anos 80.

Primeiro prédio daprefeitura, em 1900.Confesso que fiquei tentatoa acreditar que a árvorefosse a mesma.Mas definitavamente não é.Além de localizar-se emoutro lugar e ostentar umoutro porte e altura, sabemosque alguns anos depois apraça passou por umnovo projeto paisagístico.Foram plantadas palmeirasem diversos pontos.De qualquer maneira, acomparação das duas cenas eárvores é uma delícia,não é mesmo?

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Colegas da minha geração,acreditem: a AvenidaLeopoldino de Oliveira eraassim em 1960.Namorados se perdiam embeijos molhados nessasmargens de concreto.

Avenida Leopoldino de Oliveira, em 1957.Pois é, eu deveria mesmo ter pesquisado a época em que a rua foi pavimentada.Mas não deu tempo. Fica como sugestão de pauta aos colegas.

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Faça você mesmo!O Revelação convida os leitores a um exercício de fotografia

Memória

Não há segredo. A idéia é procurar as referências arquitetônicas, fazer uma minunciosa comparaçãocom a reprodução antiga, buscar o mesmo ângulo do fotógrafo original e bater a foto.Garanto que é um exercício delicioso de observação e de redescoberta da própria cidade.Eis aí algumas sugestões. Divirtam-se.

Rua ArthurMachado,1904

Rua ArthurMachado,

década de 40

Rua ArthurMachado,

década de 50

Cine São Luís,década de 20

Avenida Leopoldino de Oliveira, 1968


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