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Uma Assembléia Geral das NaçõesUnidas, realizada em 21 de novembro de2001, proclamou 2002 como o Ano dasNações Unidas para o Patrimônio Cultural.“Ao retraçar sua pró-pria filiação cultural,ao reconhecer asdiversas influênciasque marcaram suahistória e moldaramsua identidade, umpovo torna-se maiscapaz de construir relações pacíficas comoutros povos, a continuar diálogos iniciadosem tempos imemoriais e a forjar seu futuro.”

Segundo o diretor geral da Unesco,Koichiro Matsuura, o grande desafio da

2002 foi o Ano das Nações Unidas para o Patrimônio Cultural

Diversidade culturalpromove diálogo e paz

Preservação

Essa edição especial do Revelação é umgrito, um urro. O objetivo é trazer ao leitor aurgência da discussão sobre a importância eo sentido da preservação do patrimônio cul-tural da cidade.

Resultado de três meses de pesquisa emdocumentos públicos, processos administra-tivos e judiciais, arquivos, cartórios, legisla-ções, além de diversas entrevistas com algunsdos principais envolvidos, o repórter procu-rou esboçar os bastidores de um caso de de-molição que provocou muitas discussões emUberaba no final do ano passado – a derru-bada do Palacete de Antônio Pedro Naves,

2 29 de abril a 5 de maio de 2003

Jornal-laboratório do curso de Comunicação Social, produzido e editado pelos alunos de Jornalismo e Publicidade & Propaganda da Universidade de Uberaba ([email protected])

Supervisora da Central de Produção: Alzira Borges Silva ([email protected]) • • • Edição: Alunos do curso de Comunicação Social • • • Projeto gráfico: André Azevedo ([email protected]) Diretor doCurso de Comunicação Social: Edvaldo Pereira Lima ([email protected]) • • • Coordenador da habilitação em Jornalismo: Raul Osório Vargas ([email protected]) • • •Coordenadora da habilitação em Publicidade e Propaganda: Érika Galvão Hinkle ([email protected]) • • • Professoras Orientadores: Norah Shallyamar Gamboa Vela ([email protected]), Neirimar deCastilho Ferreira ([email protected]) • • • Técnica do Laboratório de Fotografia: Neuza das Graças da Silva • • • Suporte de Informática: Cláudio Maia Leopoldo ([email protected]) • • •Reitor: Marcelo Palmério • • • Ombudsman da Universidade de Uberaba: Newton Mamede • • • Jornalista e Assessor de Imprensa: Ricardo Aidar • • • Impressão: Gráfica ImprimaFale conosco: Universidade de Uberaba - Curso de Comunicação Social - Jornal Revelação - Sala L 18 - Av. Nenê Sabino, 1801 - Uberaba/MG - CEP 38055-500 • • • Tel: (34)3319-8953http:/www.revelacaoonline.uniube.br • • • Escreva para o painel do leitor: [email protected] - As opiniões emitidas em artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores

“Portadoras de uma mensagem espiritual do passado, as obras monumentais dospovos constituem actualmente o testemunho vivo das suas tradições seculares. Ahumanidade, que toma cada dia consciência da unidade dos valores humanos,considera-os como um patrimônio comum e, face às gerações futuras, reconhece-se solidariamente responsável pela sua salvaguarda. Ela compromete-se atransmiti-los em toda a riqueza da sua autenticidade.”

Trecho da Carta Internacional sobre a Conservação e Restauro dos Monumentos e dos Sítios (Carta de Veneza), 1964

Além de ser um instrumentode paz e reconciliação, opartrimônio cultural é tambémum fator de desenvolvimento

Unesco é mostrar para os poderes públicos,para o setor privado e para a sociedade que opatrimônio cultural, além de ser uminstrumento de paz e reconciliação, é também

um fator de desenvol-vimento.

“São numerosos osexemplos nos quaisuma nova abordagemda gestão do patri-mônio cultural favo-receu o crescimento

econômico criando oportunidades deemprego para as populações locais, seja pormeio do artesanato, do turismo cultural ou dosurgimento de novas profissões, assim comode novas expressões da criatividade.”

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)Detalhe de casarão ameaçado,localizado na rua Senador Pena

Fachada da Igreja Santa Teresinha,localizada na praça de mesmo nome

Manifestantes realizaram um protesto, dias depois da demolição do palacete.Caso levou à renúncia de quatro membros do conselho de patrimônio histórico e teveampla repercussão na imprensa. Na foto, repórteres registram momento em que livrosde história foram queimados para simbolizar a destruição da memória na cidade

imóvel tombado provisoriamente pelo conse-lho de patrimônio histórico da cidade.

Todos os esforços foram direcionados nosentido de fazer um jornalismo de compreen-são. Para realizar a reportagem, tentou-serespeitar a complexidade do caso e as diver-gências de opinião. Afinal, o intuito não é fe-char um juízo de valor, mas oferecer algumsubsídio para um debate aberto, crítico econsciente, colaborando para que a socieda-de consiga encontrar uma solução viável parasatisfazer, ao mesmo tempo, os usos econô-micas dos imóveis e a preservação da memó-ria dos uberabenses.

Ao leitor

Para entender opatrimônio cultural

André Azevedo

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André Azevedo da Fonseca3º período de Jornalismo

Na sexta-feira 13 de dezembro de 2002, oPalacete Antônio Pedro Naves, uma dasedificações mais significativas do patrimôniocultural da cidade, começou a ser demolido apedido do empresário lotérico Idivaldo OdiAfonso, o proprietário. Primeiro o palacetefoi destelhado. Depois, as paredes internasforam derrubadas. Finalmente, a fachadadestruída. Na manhã de domingo, o segundopiso já estava praticamente em ruínas. Nasegunda-feira, os comerciantes foram abrir aslojas e não acreditavam no que viam. Aquelecasarão, destruído! O prédio localizava-se naesquina das ruas Manoel Borges e MajorEustáquio.

Para compreender o que Uberaba perdeusob esses escombros, e para elucidar oscaminhos que permitiram a destruição de umsímbolo da memória coletiva, em favor de umnegócio particular, é preciso, primeiro, daralguns mergulhos na história da cidade;depois, meter-se a bisbilhotar registros emcartório de partilhas de heranças e negóciosimobiliários; finalmente, entrincheirar-seentre uma furiosa batalha jurídica paradesembaraçar a trama de argumentações queacabaram por justificar, perante a Justiça, ademolição.

Para conhecer um pouco de Antônio PedroNaves, é necessário voltar os olhos para o fimdo século XVIII, quando o fabuloso períodode abundância do ouro de Minas Gerais entrouem decadência e os mineradores, alucinadospor riquezas, passarama buscar novos pontosde exploração. Foramdescobertas algumasjazidas isoladas nasregiões do antigo Ser-tão da Farinha Podre,atual Triângulo Mineiro– o suficiente para chamar a atenção de muitosdeles e disparar uma pequena corrida do ouro.Depois que esgotaram as jazidas doDesemboque, esses homens tiveram queprocurar novas atividades para sobreviver.Foram organizadas, então, expedições depovoamento para buscar terras férteis nointerior.

Nessas expedições o Sargento-morAntônio Eustáquio da Silva e Oliveira,Comandante Regente dos Sertões da Farinha

Podre (mais tarde conhecido por MajorEustáquio), encontrou terras mais férteis edecidiu construir a Chácara Boa Vistapróxima ao Rio Uberaba. Dois quilômetrosadiante, mandou fazer um retiro onde crioualgumas cabeças de gado. Atraídas porAntônio Eustáquio, famílias passaram ainstalar-se nos arredores de sua propriedade.

Esse povoamento foio embrião do que viria aser a praça Rui Barbosa.A casa de Major Eus-táquio, o fundador deUberaba, não existemais. Localizava-se noterreno onde hoje está

erguido o Chaves Palace Hotel. Durante oséculo XX, o imóvel foi ocupado peloportuguês Borges Sampaio (personagem im-portante da história da cidade), e mais tardepela loja Notre Dame de Paris, muito popularaté os anos 70. A casa de Major Eustáquio foidemolida no início da década de 80 para aconstrução do hotel.

Voltemos agora rumo ao século XIX.Uberaba foi um importante posto avançadode comércio – chamado de “boca do sertão”

– por ser passagem obrigatória dosmercadores que atravessavam a estrada doAnhangüera e desbravavam sertão emcaravanas de carros-de-boi para comercializarprodutos de São Paulo (como o sal) e gadode Goiás e Mato Grosso. Depois de umperíodo de baixo crescimento no século XIX,a chegada da Companhia de Estradas de Ferroe Navegação Mojiana,em 1889, incrementou adistribuição de merca-dorias, aqueceu a eco-nomia da cidade e esti-mulou o surgimento dearmazéns, bancos eindústrias.

Mais tarde, abalados por uma crise no co-mércio e pela abolição da escravatura,proprie-tários e políticos de Uberabaincentivaram a imigração. Para se ter umaidéia, até 1901, Uberaba recebeu 156famílias de italianos. Depois vieramportugueses, espanhóis, árabes, sírios earmênios. Mas a superação da crise sedeu quando a criação de gado Zebu –introduzida em 1875 – passou a atingiralta rentabilidade.

Mascate de ZebuLogo chegaremos ao nosso personagem,

Antônio Pedro Naves, o primeiro dono dopalacete. Muitos uberabenses foram à Índiabuscar o “boi de cupim”. Até 1921, cerca de5 mil cabeças foram trazidas para a região.Os criadores do Triângulo Mineiro adaptaramo gado, de forma que o Zebu daqui ficou

melhor que o da Índia –mais pesado, precoce emanso, característicasincomuns na raça tidacomo indomável. OZebu teve dois períodosáureos na primeirametade do século XX:

um de 1913 a 1921, e outro de 1935 a 1945,ambos impulsionados pelo alto consumo decarne brasileira na Europa, no período dasGuerras Mundiais.

Uma das formas que os chamados “Barõesdo Zebu” encontravam para ostentar suariqueza era mandando erguer palacetessuntuosos, projetados por arquitetosestrangeiros – especialmente italianos – quesoltavam a imaginação para criar cenários deopulência e prosperidade. A arquitetura

O triste fim deAntônio Pedro Naves

Dossiê

Edificação convidava à reflexão sobre importante período da história da cidade

Primeiro o palacete foidestelhado. Depois, as paredesinternas foram derrubadas.Finalmente, a fachada destruída

Para conhecer um pouco deAntônio Pedro Naves, énecessário voltar os olhospara o fim do século XVIII

André Azevedo

Na manhã de domingo, dia 15 de dezembro de 2002, o 2º piso já estava praticamente em ruínas

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predominante na época era a chamada eclética– ou seja, reunia em si diversos estilos eescolas estéticas. Essa era a moda nos grandescentros da época, e uma forma de parecercosmopolita era aderindo ao que de melhorse fazia na arquitetura das metrópoles.

Apesar da ostentação e glória dos barões,outros personagens tiveram papelfundamental na história do Zebu. Foram osmascates – comerciantes aventureiros quedesafiavam o sertão, enfrentando sol, chuvae mormaço, cobras, mosquitos e doenças,montando lombo de burro ou cavalo,arrastando cangas de bois para apresentar evender a raça ainda desconhecida pela maioriados pecuaristas brasileiros. Chamados de osprimeiros “marketeiros” do Zebu, esseshomens enfrentaram muita resistência devidoà intensa campanha difamatória que a raçasofreu nesta época. – Zebu não é raça, ébicho!, dizia o político Assis Brasil.

Segundo informações no processo detombamento, Antônio Pedro Naves foi umdesses mascates. De acordo com o registrono Cemitério Municipal, Naves nasceu em 9de fevereiro de 1871 – época do BrasilImpério. Aos 18 anos, Naves vivenciou operíodo da Proclamação da República, em1889. Há dúvidas em relação à sua origem. Olivro do cemitério informa que ele éuberabense. A certidão de óbito, disponívelno Arquivo Público, registra que ele é deSacramento. No entanto, fontes da famíliaafirmam que ele nasceu em Iraí de Minas, masveio morar em Uberaba porque procurava umlugar melhor para educar os filhos (vejaentrevista).

Enfrentando todas as dificuldadesimagináveis na condu-ção do gado peloTriângulo Mineiro eMato Grosso, conse-guiu acumular certodinheiro e comprouumas terrinhas, inclu-indo a fazenda Marim-bondo. Tornou-se entãocriador e comerciante de gado, e foi sóciofundador e contribuinte do Herd Book Zebu– a primeira associação criada para exportaçãode animais, em 1918, e que mais tarde dariaorigem à Associação Brasileira dos Criadoresde Zebu (ABCZ).

Na primeira crise do Zebu, Naves teve quepenhorar boa parte de suas propriedades parasaldar dívidas. Mas Naves enriqueceu deverdade no período de grande exportação decarne para suprir o mercado europeu durantea 1ª Guerra Mundial. Seu palacete foiconstruído nessa época.

Não consta que Naves tenha viajadopessoalmente à Índia. Segundo uma notapublicada no jornal Lavoura & Comércio, nodomingo de 3 de agosto de 1919, o negocianteLuiz de Oliveira Ferreira seguira naquele diapara o Rio de Janeiro, com destino à Índia,para adquirir “uma grande leva dereprodutores indianos para si e para os srs.

Dr. José de Oliveira Ferreira e Major AntonioPedro Naves”. No entanto, era possívelimaginar a admiração de nosso personagemprincipal por aquele país, sobretudo devido àarquitetura de seu palacete – com nítidasinfluências orientais, especialmente do TajMahal –, além do nome indiano de uma desuas filhas, Rasma.

Arquitetos sabem que, em um projeto, oprofissional “estuda” o seu cliente, ou seja,conhece a visão de mundo e os anseios do

futuro proprietário paraexpressá-los na arquite-tura. Aquele palacete,portanto, edificara ouniverso mental deNaves, um contempo-râneo de um dos períodosáureos da história deUberaba.

O palacete de esquina correspondia a umaárea de aproximadamente 900m2 e possuíadois pavimentos divididos em 20 cômodos –treze no térreo e sete no porão. A coberturaera de telhas francesas, e as fachadas divididasem duas partes simétricas, com uma escadariade acesso central ao térreo. Essa escadariafazia conjunto com uma pequena galeriaprotegida por uma balaustrada e umacobertura estilizada, onde elevava-se ummirante.

Nosso personagem não frequentava muitoas páginas dos jornais da época. O Revelaçãoconsultou os arquivos do jornal Lavoura &Comércio e só foram encontradas duasocorrências: a nota sobre a viagem de José deOliveira à Índia e a notícia do falecimento deNaves em 1941, sem foto, onde são louvadasas suas virtudes de “conceituado pro-prietário”, “apreciáveis dotes de caráter”,“chefe de família exemplar”, “cidadão digno

e prestimoso”, etc. A pedido do Revelação, aestudante de História da Uniube, CristianeFerreira, pesquisou nos periódicos do ArquivoPúblico Municipal, e nada de Naves. Foramencontrados sete processos judiciais docomerciante, basicamente relacionadas àdívidas de inadimplentes.

Não é difícil imaginar Antônio PedroNaves, o próspero, numa tarde de sábado,vitorioso no mirante de seu recém construídopalacete, relaxando o corpo na cadeira debalanço, lendo asúltimas da Gazeta deUberaba, endereçandocuspidelas na escar-radeira de porcelana,enquanto recebia de-monstrações de carinhoe consideração de seusherdeiros: a esposa,Maria Rosa, e os cinco descendentes, Rasma,Stellita, Dagoberto, Alaor e João.

Simbologia históricaO projeto arquitetônico do palacete foi

concebido por Francesco Palmério, italianode Torre de Passeri. Palmério veio paraUberaba com um grupo de engenheiros,contratados na Itália, para trabalhar na Estradade Ferro Cia Mogiana. Francesco era tambémtopógrafo e teve muito serviço quando, emconsequência do artigo da ConstituiçãoRepublicana de 1891, os herdeiros desesmarias tiveram que realizar partilhas entreos condôminos para regularizar a docu-mentação.

Francesco naturalizou-se brasileiro epassou a assinar Francisco. Teve nove filhos,entre eles Mário Palmério, criador dasfaculdades que deram origem à Universidadede Uberaba. De seus projetos arquitetônicos,

restavam apenas dois: o palacete de AntônioPedro Naves e o palacete de Arthur Castro eCunha, localizado na praça Rui Barbosa, aolado da Câmara Municipal. Hoje, em 2003,só resta este último.

O executor do projeto de Palmério foi oconstrutor Miguel Laterza, responsáveltambém pela edificação da Igreja SãoDomingos, pela antiga penitenciária (hojeFaculdade de Medicina) e várias casas na ruaSegismundo Mendes.

Por carregar todaesta simbologia histó-rica e por ser umexemplo precioso deuma arquitetura proje-tada e construída porengenheiros das me-lhores escolas italianas,o palacete chamou a

atenção do Instituto Estadual de PatrimônioHistórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG) e foi registrado no Inventário deProteção do Acervo Cultural de Minas Gerais(Ipac-MG) em 1987. O Ipac é um relatóriode pesquisa cuja finalidade é rastrear,identificar e conhecer o acervo de todos os853 municípios do Estado. O objetivo éformar um banco de informações para servirde instrumento à definição de políticaspúblicas de proteção ao patrimônio. Nofichamento assinado pela arquiteta DeniseThomaz Teixeira, está escrito que “aedificação encontra-se em satisfatório estadode conservação. Apresenta descaracterizaçãono porão, acesso principal, e outras de caráterreversível como o uso de anúnciospublicitários nas fachadas”. Era evidente queo palacete deveria ser restaurado e protegido.Era um dos mais importantes símbolos daformação histórica da cidade.

Projeto arquitetônico foiconcebido por FrancescoPalmério, italiano de Torre dePasseri, pai de Mário Palmério

Palacete edificara o universode Naves, contemporâneode um dos períodos áureosda história de Uberaba

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Mascates foram considerados os primeiros “marketeiros” do Zebu. Na foto, grupo posa com o lote de novilhas vendidas a Maroveo Torres Pereira, em 1946

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O Conselho Deliberativo Municipal dePatrimônio Histórico e Artístico de Uberaba(Codemphau) é o órgão institucionalencarregado de executar o tombamento dosbens culturais de interesse público. É tambématribuição do conselho a realização de laudos,pareceres técnicos, pesquisas históricas eassessoria em projetos urbanísticos e planosde obras em áreas de preservação. Além disso,é o órgão responsável pela notificação dosproprietários, estabelecimento de medidasdefinitivas de proteção, fiscalização documprimento das leis e decisões sobre aaplicação de recursos. Sempre que as açõesde qualquer secretaria municipal envolveremo patrimônio cultural da cidade, o Codemphaudeve ser consultado e tem autonomia paraimpedir modificações que comprometam apreservação.

Os conselheiros, nomeados pelo prefeito,são pessoas de destaque na sociedade e nãorecebem remuneração. Normalmente sãohistoriadores, arquitetos, artistas erepresentantes institucionais como vereadorese funcionários de secretarias estratégicas. Oconselho municipal foi instituído em 1984,com função apenas consultiva. Em 1997passou a ser deliberativo – isso significariamais poder de decisão e execução. Opresidente do Codemphau era o entãopresidente da Fundação Cultural, JoséThomaz da Silva Sobrinho.

Em uma reunião no dia 9 de fevereiro de2000, o Codemphau determinou que opalacete de Antônio Pedro Naves deveria sertombado. De acordo com a planta dosperímetros de entorno de três bens protegidos(Paço Municipal Major Eustáquio, PalaceteSão Luís e residência na Praça Rui Barbosa),estava claro que o palacete já estava protegidopor localizar-se entre dois deles. Além disso,como citado anteriormente, a casa já forainventariada pelo Iepha-MG e indicada paratombamento, ainda em 1987.

Nessa reunião, o advogado Alaor Ribeiro,um dos conselheiros, chegou a redigir umparecer recomendando o tombamento, mas ascoisas não passaram disso. Em 2000 houveapenas três reuniões do conselho, conformeos registros em ata disponíveis na FundaçãoCultural. A historiadora Sonia Fontoura foiafastada do arquivo e, em 2001, o Codemphausimplesmente se esvaziou e deixou de exerceras atividades.

Em março de 2002 o conselho foi

Importância históricajustificava preservaçãoCodemphau havia sugerido tombamento em fevereiro de 2000

reestabelecido, deixou de ser vinculado aoArquivo Público, criou equipe técnicaprópria e passou a ser ligado à FundaçãoCultural. Sonia Fontoura – agora assessorado conselho – e o historiador AugustoRischiteli trabalhavam no processo detombamento do palacete desde 1999, ainda

Em abril de 2002 oproprietário foi notificado eSonia Fontoura assinou oparecer estabelecendoo início do processode tombamento

no Arquivo Público. Esse processoconstitui-se em um detalhado dossiê queregistra a contextualização histórica dacidade e do bem cultural, faz a descriçãoe análise do imóvel, delimita seu perímetrode entorno e reúne documentaçãocartográfica e fotográfica para instituir o

tombamento definitivo. Grande parte dasinformações históricas do começo destareportagem tiveram essa pesquisa comofonte.

Em 11 de abril de 2002, o proprietárioIdivaldo Odi Afonso foi notificado e SoniaFontoura assinou o parecer estabelecendo oinício do processo de tombamento. Foi afaísca que detonaria uma guerra furiosa,combatida em uma série de batalhasexaustivas, travadas em duas frentessimultâneas, que acabaria por soterrar olegado de Antônio Pedro Naves, em um aindadistante 13 de dezembro.

Nesse ponto da história, no entanto, surgeuma pergunta intrigante, que uma alma curiosanão poderia deixar de formular: como o imóvelda família – que supostamente deveria prezarpela memória do patriarca – veio parar nasmãos de Idivaldo, um empresário que nuncaescondeu sua intenção em destruí-lo? É issoque examinaremos a seguir.

Patrimônio Cultural

Rua Manoel Borges, em foto da primeira metade do século XX. À direita, a loja Notre Dame de Paris(antiga casa de Major Eustáquio), demolida para a construção do Hotel Chaves.O prédio seguinte é o cine Politeana, também demolido. Hoje o terreno abriga umgalpão abandonado, onde há alguns anos funcionava uma filial das Lojas Brasileiras

arquivo Eliane Mendonça

Nosso malogrado personagem principal járecebeu aquela clássica homenagem póstumado poder público, que um dia resolveu batizaruma rua com seu ilustrenome. A rua AntônioPedro Naves, no centroda cidade, fica paralelacom as ruas JaymeBilharinho e José Fur-tado Nunes, e liga asruas Governador Vala-dares e Afonso Rato, cruzando a avenidaLeopoldino de Oliveira.

Em 1996, o então vereador Edivaldo

Antônio Pedro Naves é nome de ruaMascate ilustre já recebeu homenagem clássica do poder público

Moreira dos Santos propôs uma lei queinstituiria o “Calçadão do Camelô” na ruaAntônio Pedro Naves. O “camelódromo”

interromperia o tráfegono trecho que liga aGovernador Valadarescom a Leopoldino deOliveira. Curiosamente,instalar pontos de ven-dedores ambulantes narua batizada com o

nome de um mascate seria até apropriado –visto de uma perspectiva histórica. Mas alei foi vetada.

Em 1996, o então vereadorEdivaldo Santos propôs umalei que instituiria o “Calçadãodo Camelô” nesta rua

André Azevedo

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Uma consulta minuciosa em cartórios deregistros de imóveis mostra que o históricoda propriedade dessa casa é um complicadolabirinto de divisões do espólio de AntônioPedro Naves entre duas gerações de herdeiros,incluindo maridos e esposas casados emregime de partilha de bens, envolvendo maisde 30 pessoas de pelo menos 17 núcleosfamiliares. Mas antes de tudo, um recado dealívio prévio: o leitor não precisa se preocuparem decorar nomes nesta confusão de genteenvolvida no emaranhado da partilha que serámostrado a seguir. Pode continuar a leitura noritmo normal, sem se assustar com a frenéticasucessão de herda-compra-e-venda da ventaniade escrituras a seguir. O objetivo da exposiçãoé acompanhar a desconstrução e reconstruçãoda propriedade, até o dono final.

A história começa assim: O velho Navesmorreu em sua residência aos 70 anos, decâncer no pulmão, no dia 25 de outubro de1941, às 8h da manhã. A esposa, Maria Rosa,herdou a casa gravada com a cláusula deinalienabilidade vitalícia – isso significa queo imóvel não poderia ser vendido, nem pelosfilhos, enquanto a viúva estivesse viva. A trêsdias do aniversário de dez anos de morte deNaves, no dia 22 de outubro de 1951, morreMaria Rosa, pouco antes de completar 72anos. O palacete foi então dividido entre cincoherdeiros e seus cônjuges. Rasma, casada comAzor Ferreira Santos; Stellita, casada com ofazendeiro José Ribeiro Junqueira; Alaor, quemais tarde se casaria comNina Cardoso; e Dago-berto, que se casaria comAracy de Oliveira, her-daram 20% cada um.João Naves fez diferente:preferiu transferir aherança diretamente parasua esposa, a ex-miss Uberaba, Leonor DimasNaves; e para a filha, Maria Norma Naves,que herdaram, cada uma, 10% do imóvel.

Rasma faleceu na cidade de São Caetanodo Sul (SP), em abril de 1969, aos 69 anos.Como não deixara testamento, os 20% doimóvel que era de seu direito foi rateado entresete herdeiros, de acordo com um processode partilha que só foi resolvido em julho de1976. Ficou assim: cinco deles herdaram oequivalente a 3,3% do imóvel. Osbeneficiados foram Maria da Conceição

Naves Santos; Maria de Lourdes NavesVentura; José Eduardo Naves Ferreira;Antônio Jesuino Naves Ferreira (estes trêsúltimos moradores em São Paulo); e MariaRosa Naves Ferreira, que morava em Araxá.Dois outros acabaram por herdar, cada um, oequivalente a 1,6% do palacete: Ana MariaMoraes Ferreira e Arnaldo de MoraesFerreira, ambos moradores em São Paulo.

Eis que Dagoberto Naves falece em julhode 1978. A viúva, Aracy de Oliveira Naves,

herda os 20% dapropriedade. Aracy tam-bém veio a falecer e, emmarço de 1994, Leonor,cunhada de Dagoberto,realiza uma negociação eacaba por herdar seus20%. Leonor passou,

então, a ser dona de 30%, pois acumulara aherança de Dagoberto com os 10% que ela jáhavia herdado da sogra, Maria Rosa Naves.

A divisão da propriedade vai secomplicando mais ainda. Alaor Naves e suaesposa, falecem. No inventário, realizado emagosto de 1991, os 20% da propriedade quelhes cabiam foi dividida entre dois herdeiros:Elizabeth Naves Doti, casada com AttílioDoti; e Antônio José Cardoso Naves, casadocom Roseli Fornazier Naves – todosmoradores em Belo Horizonte.

Stellita Naves Junqueira, também da

primeira leva de herdeiros, faleceu em julhode 1967, e seu marido, José Ribeiro, morreuum pouco depois, em agosto. Os beneficiadospelo espólio foram João Francisco NavesJunqueira, casado com Regina Maura CostaJunqueira; e Luiz Antônio Naves Junqueira,casado com Martha Villela Martins Junqueira,todos então moradores em São Paulo. Cadaum ficou com 10%.

Maria Rosa Naves Ferreira casou-se comOlavo Martins Maneira e seu nome de casadaficou Maria Rosa Santos Maneira. Ana MariaMoraes Ferreiracasou-se em 1973com Jácomo Andre-ucci Filho e passou aassinar Ana MariaFerreira Andreucci.Eles se separaramem 1986, mas elacontinuou a usar o nome de casada. Por fim,Arnaldo de Moraes Ferreira casara-se com EthelNeves Ferreira. É importante lembrar que, aose casarem, a comunhão de bens faz com queos cônjuges tenham também direto à frações dapropriedade, complicando ainda mais a questão.Fica evidente, portanto, o motivo pelo qual opalacete de Antônio Pedro Naves, patrimôniocultural de Uberaba, ficou por tanto tempoesquecido, desprezado, encoberto de placas,sujeira e musgo. Havia tantos donos, e não havianenhum ao mesmo tempo.

O homem de negóciosE então entra na jogada Idivaldo Odi

Afonso, o empresário lotérico que tinhainteresse em comprar o palacete por causa dovalor imobiliário do terreno. Que os leitoresperdoem a efusão de datas e centavos, maseles são importantes para elucidar acronologia da destruição. O calendário estavacontra o palacete. A cada dia que passava, eraum baque a mais para a demolição.

Em 9 de março de 2000, Idivaldo deu oprimeiro peteleco: adquiriu, de Maria Rosa

Santos Maneira,3,3% do palacete.Pagou R$4.914. Em17 de abril, com umasó cajadada, fechounegócio com 11 dosherdeiros (incluindomaridos e esposas) e

comprou um total de 53,3% do palacete. Acoisa se deu assim: Ele adquiriu 20% deLeonor Dimas Naves, por R$40 mil. Levou os10% de Maria Norma Naves Marques e maridopor R$20 mil. Comprou a parte pertencente aAna Maria Ferreira Andreucci, o ex-maridoArnaldo de Moraes Ferreira e sua nova esposa,que em conjunto detinham 3,33%, porR$6,666,60. Adquiriu a parte reunida de JoãoFrancisco Naves e esposa com Luiz AntônioNaves Junqueira e esposa, que detinham juntos20% do imóvel, por R$40 mil.

Uma herançaembrulhada

Fragmentos

Histórico da propriedade é um labirintode divisões do espólio de Naves

Em 9 de março de 2000,Idivaldo deu o primeiro peteleco:adquiriu, de Maria Rosa SantosManeira, 3,3% do palacete

O calendário estava contrao palacete. A cada dia quepassava, era um baquea mais para a demolição

André Azevedo / arte: Revelarte

segue

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Em 24 de abril, Idivaldo comprou 10%de Antonio José Cardoso Naves e esposa, porR$20 mil. Em 14 de junho, através de comprae venda de direitos hereditários, obteve os3,3% de Antonio Jesuíno Naves Ferreira,falecido em 1995, por R$4.374,74. Da mesmaforma, obteve o espólio de José EduardoNaves Ferreira e Maria de Lourdes AndreucciNaves, que correspondia a 3,3% do imóvel,ao preço de R$4.374,74.

Em 18 de setembro, comprou 10% deElizabeth Naves Doti, por R$15 mil. Através dacompra dos direitos hereditários de Maria daConceição Naves Santos e seu marido, obteve,em 19 de dezembro, mais 3,3%, ao custo deR$6.666,65. Em 26 de abril de 2001, comproude Leonor Dimas Naves, mais 10% do imóvel,ao custo de R$20 mil. Isso lhe conferia 96,7%da propriedade. (Mais tarde descobriremos ondeestavam os 3,3% que ainda faltavam). Até então,desconsiderando as correções monetárias,gastara quase R$182 mil.

Para iniciar o processo de tombamento, alei determina que os proprietários sejamnotificados da decisão do conselho. No dia11 de abril de 2002 Idivaldo fora notificado.Conforme a lei, o proprietário teria o direitode recorrer na Justiça, caso não desejasse queseu imóvel fosse tombado. Foi o que fez. Jáno dia 16 seus advogados solicitaram àFundação Cultural uma cópia dosdocumentos para “fins de apresentar suadefesa plena”. E no processo de impugnação,assinado no dia 25, deixam explícito queIdivaldo “não tem o mínimo interesse deexplorar o imóvel nas condições em que omesmo encontra-se, tendo em vista ainsignificante renda que o mesmo porventurapoderá proporcionar-lhe”.

Logo veremos com detalhes osargumentos apresentados neste processo. Efica aqui mais um recado: em algummomento dessa batalha, talvez o leitorcomece a se sentir exausto perante o furiosodesenrolar de informações. No entanto, osmais curiosos podem ficar certos de que setrata de uma verdadeira aventura no universoda retórica e da persuasão, pois – isso énecessário admitir – trata-se de um processoexemplar, que atuou nos trâmites legais (oprédio só foi demolido depois da sentençada juíza), explorou as brechas e alternativaspossíveis e foi hábil ao interpretar os laudospara impor a versão que o proprietáriodesejava. Para as pessoas particularmenteinteressadas em patrimônio cultural, essaanatomia será de grande valor e deve serobjeto de estudo, pois será possívelcompreender minuciosamente a mentalidade,os argumentos e os instrumentos jurídicos quepodem ser usados na guerra da destruiçãocontra a preservação de um bem histórico.

O médico João Francisco NavesJunqueira, e a estilista Naná Naves Rodriguesda Cunha, netos de Antônio Pedro Naves,concederam uma entrevista ao Revelação natarde de 14 de abril, no atelier de Naná,localizado no grande Hotel de Uberaba.Segundo eles, o “vô Tonico” veio de Iraí deMinas para Uberaba porque preocupava-seem encontrar um lugar melhor para educaros filhos. Rasma e Stellita acabaram porestudar no Sion – colégio das FreirasDominicanas – em Campanha, no sul deMinas. Dagoberto e Alaor estudaram emcolégio Jesuíta, em Friburgo.

O Revelação apurou que, assim comoUberaba, Iraí de Minas também originou-secom as expedições à procura de jazidasminerais. De acordo com dados da Secretariade Cultura de Minas Gerais, a descoberta dodiamante Estrela do Sul, em 1852, provocoua chegada de muitos garimpeiros, dandoorigem ao povoado de Espírito Santo doCemitério. Em 1909 o lugarejo passou a sechamar Iraí, palavra deorigem tupi que significa“rio de mel”. Em 1943passou a chamar-se Ba-gagem, em referência aorio em cujas margens foiinstalado o primeiro povoado. O nome atualsó foi definido em 1953. Iraí de Minas foidistrito de Monte Carmelo e, em dezembrode 1962, foi elevado à categoria de município.

De acordo com os netos, o velho Naves

possuía duas fazendas: Baguaçu e SantaHelena. Eles não se lembram da fazenda

Marimbondo, citada napesquisa do dossiê detombamento. Eles tambémafirmam que Naves não foimascate, mas comerciante.“O vovô, quan-do veio pra cá,comprou a fazenda e se

dedicou ao comércio. Ele comprava,engordava, criava, – era um comerciante degado. Ele não era mascate, ele não saía pravender. Tinha fazenda, tinha seu gado próprio

Netos falam do avôPara João Francisco Naves Junqueira e Naná Rodrigues da Cunha,“Vô Tonico” não foi mascate, mas comerciante de gado

e comer-cializava”, afirmou João FranciscoNaves.

Naná confirmou a história. “Ele tinha umavida muito confortável, muito acomodada,tinha carro. Ele ficava mais em casa,recebendo os amigos, porque Uberaba erapequena naquela época, então todo mundo iapra lá. As meninas faziam saraus, essascoisas”.

No entanto, o presidente do conselhocurador da Fundação Museu do Zebu, MárcioCruvinel Borges, confirma os dados dapesquisa do tombamento. Márcio mostrou queAntônio Pedro Naves inclusive está listadono livro Cem anos de mascates, editado peloMuseu do Zebu. É provável que Naves tenhacomeçado a vida como mascate, depoiscomprou terras e tornou-se criador.

Em relação à casa, Naná brinca quegostaria de ter ganho na loto para podercomprá-la. Ela disse que, quando Borsoi e aesposa Janete Costa – famosos arquitetosbrasileiros – estiveram em Uberaba, Janetechegou a afirmar que, no Brasil, em termosde estilo, “tinha visto poucas casas tãoperfeitas e com um material tão maravilhosocomo o palacete”. Naná lamentou ademolição, dizendo que aquela casa era muitoimportante. “Mesmo para Uberaba naquelaépoca, ela fazia um sucesso muito grande.”Segundo ela, todo o material era importado,especialmente da França e Portugal. “Asportas eram todas de pinho de riga, todas!”.

Até o fechamento da edição, nenhum dosdois conseguiu encontrar fotos do avô nosarquivos da família. “Quando vovô morreueu tinha uns 10 anos”, explica João Naves.

Memória

“Ele tinha uma vidamuito confortável, muitoacomodada, tinha carro”

De acordo com os netos, antes de construir o palacete, Antonio Pedro Naves morou nesta casaonde hoje está instalado o bar Archimedes. Adelino Pagani Filho, o Piola, um dos atuais proprietá-rios, conta que Archimedes Geraldo de Almeira comprou a casa de Paulo Finhold em 1950 paramontar o bar, que funciona desde então. Os donos mantiveram as características originais dafachada. “Eu nem penso em mexer em nada. A casa tem 100 anos e continua firme. Aposto que émais firme que muito prédio novo da Leopoldino de Oliveira”, desafia Piola.

André Azevedo

André Azevedo

João Francisco e Naná contaram que Naves veio a Uberaba para educar os filhos

Page 8: Revelação 244

8 29 de abril a 5 de maio de 2003

Agora é guerra!Batalha de argumentos, laudos e versões incendeiam o furioso e exaustivo processo administrativo

Conselho x proprietário

Exércitos postos, e a guerra começa pravaler. O Codemphau e a Procuradoria Geraldo Município reuniram os dossiês,documentos e laudos técnicos para defendero tombamento no processoadministrativo. O laudo daarquiteta Izabela de SouzaAlves Torres, realizado emmarço de 2002, consi-derava bom o estado deconservação da edificação.A estrutura do telhado(madeira, lage e perfil metálico) foiconsiderada regular, e foi notado um provável“ataque de cupins no madeiramento”, alémde telhas quebradas. Ainda segundo o laudo,o estado das alvenarias, revestimento evedações era bom, com exceção da pinturadesgastada, de trincas no reboco e de portas ejanelas em estado ruim, “necessitando inter-venção”. Foi notada a ausência de instalaçãode prevenção de combatea incêndio e outros siste-mas de segurança (umdos critérios do formu-lário do laudo). No en-tanto, a avaliação acabouficando incompleta por-que o proprietário nãopermitiu a entrada para vistoria interna.

Por sua vez, Idivaldo contratou os serviçosdos advogados Néliton Furtado dos Santos,José Marques de Queiroz Júnior e RicardoJulien Lóes, e movia o processo adminis-trativo para impugnar o tombamento edefender a demolição.

Já nas preliminares, os advogadoscomeçam por alegar algumas pendênciasprocessuais, tais como ausência da ata dareunião que decidiu pelo tombamento,

existência de um documento assinado porapenas uma das conselheiras, e outrasquestões formais – tais como ausência denumeração e rubricas em todas as páginas do

processo. Por causa disso,pediam o cancelamentodo tombamento pro-visório.

Foi apontado outroproblema. A lei determinaque, para se efetuar otombamento, todos os

proprietários devem ser notificados. Até aí,nenhuma novidade, pois Idivaldo já receberaa notificação em abril. No entanto, eis quesurge uma co-proprietária: Maria de LourdesNaves Ventura – aquela que ainda detinha os3,33% do espólio de Rasma Naves. Não sesabia o endereço de Maria de Lourdes. Sabia-se apenas que morava em São Paulo. E comoela não havia sido notificada, o tombamento

provisório não tinha valor.Isso serviu como uma

dica para o Codemphau.Em uma Folha de Infor-mações e Despachos(FID) datada em 7 demaio de 2002, dirigida aoprocurador geral do

município, Paulo Eduardo Salge, osconselheiros pediram para que a Procuradoriaacertasse as formalidades, como autuar eregistrar o processo, assim como numerar asfolhas em sequência. No final de abril, SoniaFontoura chegou a redigir um ofício ao entãodiretor do Iepha-MG, Flávio Lemos Cassolati,

solicitando assessoria para a defesa contra aimpugnação do tombamento. No entanto,o ofício não foi enviado porque o conselhoe seu presidente, José Thomaz, recusarama idéia.

O segundo passo era notificar a co-proprietária. O procedimento legal, quando apessoa mora em local desconhecido, é tornarpública a notificação, divulgando-a pelaimprensa. Em 26 de julho, a notificação à

Maria de Lourdes Naves Ventura foipublicada no Porta-Voz, o jornal oficial daPrefeitura. Assim, o palacete Antônio PedroNaves estava provisoriamente tombado.

Laudo técnicoPara avaliar as condições da edificação,

Idivaldo encomendou um laudo técnico doEscritório de Avaliações e Perícias de

Com a notificação,o palacete AntônioPedro Naves já estavaprovisoriamente tombado

Idivaldo contratou trêsadvogados para defendera demolição no processode impugnação

reprodução

A co-proprietária Maria de Lourdes Naves Ventura foi notificada no dia 26 de julho

Capa do processo de tombam

ento - reprodução

Page 9: Revelação 244

3929 de abril a 5 de maio de 2003

Engenharia (Esape), assinado em 20 de abrilpelo engenheiro José Delfino Sobrinho. Olaudo descreve a casa de “excelente cotaçãoimobiliária”, dotada de benfeitorias públicascomo pavimentação, energia, iluminaçãopública, etc. Aponta “razoáveis condiçõesestruturais” apesar do “péssimo estado deconservação” dos forros, instalaçõessanitárias, elétricas e hidráulicas do 2ºpavimento. Foi admitido, no entanto, o bomestado do 1º pavimento.

A má conservação do pavimento superiore as boas condições do porão não eramnenhuma surpresa. O porão, dividido em dois,era ocupado, de umlado, pela lanchonetede João Alves Batista,que alugava o cô-modo há 26 anos.Segundo um membroda família, quem“administrava” a pro-priedade era LeonorNaves, que, através de uma imobiliária dacidade, recolhia o pagamento do aluguel erateava o valor entre os herdeiros, de acordocom a porcentagem que cada um tinha direito.O contrato com a lanchonete venceria apenasem outubro, mas a imobiliária haviacomunicado que o novo proprietário queria oponto. Como havia uma sala desocupada aolado do palacete, João fez um acordo e saiuno dia 15 de julho. No outro cômodofuncionava uma casa de loterias, que fechouas portas neste mesmo dia 15.

Já o pavimento superior encontrava-seabandonado há vários anos. O histórico daocupação desta casa merece um breve relato:depois da morte de Naves, o palacete abrigou,de 1945 a 1951, o Hospital de Clínica Médico-cirúrgica e Ortopedia de Uberaba – o primeirohospital ortopédico do Brasil Central. Depois,tornou-se uma pensão. A partir de 1961,abrigou parte do Fórum Mello Viana, cujoprédio submetia-se à uma reforma, concluídaquase no final da década. No anos 70, voltou

a ser pensão e república de estudantes. Oúltimo locatário foi um empresário, dono deuma pizzaria chamada Fogão de Lenha, quenem se preocupou em retirar a enorme placade seu comércio quando saiu do imóvel, emmeados dos anos 90. Essa placa ficoudependurada durante vários anos, rasgada,suja e mofada.

Já foi dito que relegar um imóvel aoabandono é similar a uma ordem dedemolição. É evidente que a falta de cuidadosleva à lenta degradação. E muitas vezes essedesprezo é proposital, pois serve de pretextopara eventuais pedidos de demolição. Idivaldo

chegou a ser acusadode usar esse expe-diente, como vere-mos à frente.

Voltemos aolaudo. O relatório daEsape aponta des-caracterização da fa-chada do imóvel: a

escada original fora obstruída e os pontoscomerciais instalados no porão haviamalterado as divisões internas do projetooriginal. O laudo acusa deficiências naventilação e iluminação natural, assinala“péssimo estado de conservação” em vidros,esquadrias, janelas de madeira e na pintura, eindica fissuras na fachada e cupim nos forros.Na fachada lateral, anota problemas nosistema de coleta deáguas pluviais, res-ponsáveis, segundo olaudo, por parte dasinfiltrações.

De acordo com aprópria avaliação daEsape, a construção“não oferece, até o momento, lesões capaz(sic) de provocar desabamento”. No entanto,alega que, nas condições em que se encontra,o excesso de madeira na construção,proveniente do forro, do piso e de outraspeças, aumenta o risco de eventuais incêndiosno período de seca.

ConclusõesA conclusão do laudo deixa evidente que

o conselho de patrimônio histórico e oproprietário estavam falando duas línguastotalmente diferentes. Enquanto este

Em certo momento, chegam a afirmar quedonos de imóveis normalmente não agem “deforma a incentivar esta valorização histórico-artística de seu patrimônio”.

De acordo com o decreto-lei n° 25 de 30de novembro de 1937, que organiza a proteçãodo patrimônio histórico e artístico nacional,o proprietário do bem tombado que nãodispuser de recursos para a conservação deveinformar a necessidade das obras ao serviçode patrimônio histórico, que, por sua vez, deveexecutá-las às custas do poder público. Casocontrário, o proprietário poderá requerer queseja cancelado o tombamento. Pois bem. Com

isso, afirmavam queIdivaldo não possuía osrecursos para a manu-tenção do imóvel e ale-gavam que a própriacoletividade deveriasuportar os custos do bemque ela mesmo entendeuser digno de conservação.

Nos finalmentes, argumentam que oprocesso de tombamento de um imóvel trazsérias responsabilidades que vão muito alémda simples vontade de tombar. Alegam que émuito fácil “escolher um imóvel e, como queem um ‘passe de mágica’, tombá-lo, deixandotoda a responsabilidade de manutenção,vigilância e restauração às expensas doproprietário.” Para eles, “tal atitude seriacomo ‘gerar um filho’ e virar-lhe as costas,literalmente, ‘deixando todas as responsa-bilidades inerentes ao ato com o primeiro queencontrar pela frente”. E finalizam dizendoque é muito fácil fazer cortesia com o chapéualheio. Assim, concluíam que, se a Prefeituranão possuísse os recursos no orçamento para“manter, restaurar e vigiar “ o palacete,deveria desistir da idéia de tombá-lo.

AtaqueO bombardeio intensificava-se. Em um

requerimento encaminhado no dia 28 de maioao presidente do Codemphau, José Thomazda Silva Sobrinho, os advogados alegam quejá haviam alertado sobre os riscos dedesmoronamento e informam que, após umaforte chuva na noite de 20 de maio, ocorrerao “desabamento do telhado de parte doimóvel”. Anexam fotos e cópia dos relatóriosde ocorrência dos bombeiros e reiteram o

preocupa-se com seu negócio particular,aquele evocava a defesa da história, da culturae da memória da cidade. Enquanto umdesprezava o valor histórico do palacete, ooutro não levava em conta o prejuízo doproprietário. O laudo aponta que houve perdade harmonia econômica, pois o terrenopassara a valer mais que a construção.Registra “mau aproveitamento do terrenotendo em vista em se tratar de construçõesantigas e obsoletas, causando prejuízos aoproprietário pelo não aproveitamento doimóvel” impedindo-o de “obter a renda justa”.Afirma que a construção “não oferece asmínimas condições derecuperação ao ponto deatender o mercadoimobiliário e conse-quentemente atender àsexpectativas do pro-prietário no que serefere a imobilização docapital empregado”. Etermina assinalando que, economicamente,só a demolição permitiria o aproveitamentoda área.

A tropa avançava. Baseando-se nesselaudo, os advogados argumentam que, se oimóvel viesse a sofrer ou provocar qualqueravaria nas proximidades, a responsabilidadeseria da prefeitura, pois o proprietário nãotinha condições financeiras para “mantê-lo,

restaurá-lo ou vigiá-loadequadamente”. Ale-gam que, caso a decisãodo conselho pelo tom-bamento provocasseperda econômica, omunicípio seria obri-gado a indenizar o

proprietário. Afirmam que valores sociaisinconscientes de uma coletividade não podemlesar direitos individuais. Para eles, “o bemde valor histórico e artístico deve ser pre-servado, concomitantemente ao direito depropriedade dos indivíduos”. Além disso,afirmam que, se depois do tombamento o pro-prietário não fosse ressarcido, estariamdispostos a exigir indenização por via judicial.

De acordo com o laudo da Esape,a edificação não oferecia, atéaquele momento, lesões capazesde provocar desabamento

“O bem de valor histórico eartístico deve ser preservado,concomitantemente ao direitode propriedade dos indivíduos”

segue

“Construção não ofereceas mínimas condições derecuperação ao ponto deatender o mercado imobiliário”

Page 10: Revelação 244

29 de abril a 5 de maio de 200310

dever da Prefeitura em restaurar o imóvel.Um desse relatórios, assinado no dia 21

de maio pelo cabo Carlos Eimar Elias, registraque o destelhamento ocasionado pela chuvadeixara “a parede exposta para ruacomprometida com trincas e rachaduras,colocando em risco pedestres e veículos”.Informa também que os bombeiros decidiramisolar a área. As fotos mostram detalhes docômodo dos fundos parcialmente destelhado.O outro, assinado no dia 27 pelo cabo GustavoFerreira Delfino, menciona rachaduras,infiltração e cupins, “suspeitando-seaparentemente de risco de desabamento”. Ocabo orienta Idivaldo a procurar umengenheiro de segurança para fazer umaanálise mais técnica.

A artilharia mantinha-se firme. No dia 16de julho é enviado mais um requerimento aoCodemphau pedindo o cancelamento dotombamento provisório. Desta vez a alegaçãoera de que haviamsido ultrapassados osprazos de 15 dias parasustentação do tom-bamento e 60 diaspara a decisão ad-ministrativa. Os advo-gados entendem queessa “inobservânciados prazos processuais” caracterizava “tantoa falta de interesse do poder público, quantoo desrespeito aos ditames legais e aosprincípios constitucionais”. Essa questão dosprazos será discutida mais a frente.

A batalha ficava cada vez mais feroz. Naterceira semana de julho, mesmo com oprocesso em andamento, Idivaldo entrou comum pedido de demolição na Secretaria

Municipal de Obras.Osório Joaquim Gui-marães Neto, o secre-tário de obras, fez umaconsulta ao Codemphaupara saber se poderiaemitir o alvará. SoniaFontoura respondeuque havia impedi-

mento, pois, com a notificação da co-proprietária, o processo estava em nova fasee a edificação estava provisoriamentetombada. Sonia esclarecia também que olaudo desfavorável emitido pelo cabo do

Corpo de Bombeiros se referia, na verdade, aum cômodo de 15m2, construído nos fundosdo terreno – quando no palacete funcionouum hospital – não sendo, portanto, parteintegrante da casahistórica em processode tombamento. Porfim, deixava claro que,conforme o laudo rea-lizado em março, nãohavia risco de desaba-mento do palacete emsi. O alvará, portanto,não foi autorizado.

Bomba desarmada, pensaram todos. Masesse alvará negado, na verdade, era uma isca.Veremos isso mais à frente.

Em 5 de agosto, José Thomaz é notificado

pelo advogado de Idivaldo para que, caso nãoacate os pedidos do proprietário, procedaampla reforma do prédio “ante o iminenterisco de desabamento (…) conforme atestadooficialmente pelo Corpo de Bombeiros e porperícia técnica, d’onde se conclui que ademolição é inevitável”. A notificação insisteque “reparos não serão suficientes para afastaros riscos de desabamento”. É possívelobservar que a tática adotada era repetirexaustivamente a idéia de que o prédio estavapor cair a qualquer momento.

Neste ponto, perante a alegação do riscode desabamento causado pela chuva, convémevocar aquele laudo técnico da Esape,realizado três meses antes, anexado ao próprioprocesso de Idivaldo, onde está registrado que“a construção em pauta não oferece, até omomento, lesões capaz (sic) de provocardesabamento”. Para eles, o que ameaçava oprédio, além de sua lenta deterioração natural,

era a existência de“excesso de materiaiscombustíveis (madeira)provenientes do forro,assoalho, portas, cober-tura etc., que com achegada do período deseca, aumenta o risco deacidente”.

Contra-ataqueNo dia seguinte, José Thomaz encaminha

todo o material (processo de impugnação,laudos técnicos dos bombeiros, requerimento

O Instituto do Patrimônio Histórico eArtístico Nacional (Iphan), vinculado aoMinistério da Cultura, foi criado em 1937,no governo de Getúlio Vargas. O Institutofoi instituído por Rodrigo de Melo Franco,que contou com a colaboração deintelectuais como Mário de Andrade,Manuel Bandeira, Afonso Arinos, LúcioCosta e Carlos Drummond de Andrade.

O Iphan é responsávelpela proteção dos bensculturais do país, através darealização de tombamentos,restaurações e revitalizaçõesque assegurem o acervoarquitetônico, urbanístico, documental,etnográfico e artístico do território brasileiro.

O trabalho do Iphan conta com mais de16 mil edifícios tombados, 50 centros econjuntos urbanos, 5 mil sítios arqueológicoscadastrados e mais de um milhão de objetos.Conta também com aproximadamente 250mil volumes bibliográficos, documentos eregistros fotográficos, cinematográficos evideográficos. Hoje o Brasil possui nove

monumentos culturais e naturais consideradospela Unesco como Patrimônio Mundial. Oúnico bem cultural de Uberaba tombado peloIphan, em nível nacional, é a igreja Santa Rita.

A atual presidente do Iphan – nomeadapelo Ministro da Cultura, Gilberto Gil – é aarquiteta Maria Elisa Costa, filha de LúcioCosta – arquiteto que ajudou a fundar o Iphanem 1937, e nos anos 50 planejou Brasília. No

ano passado, Maria Elisaesteve em Uberaba paraparticipar da Semana deSeminários da Uniube. Ela jáveio algumas vezes à cidadee desenvolveu, junto com os

arquitetos Marcondes Nunes e MarceloSuzuki, o projeto das oficinas do CentroCultural de Peirópolis.

IphanSBN Q. 02 - Ed. Central Brasília - 6º andarBrasília - DF - 70.040-904Telefone (61) 326-7111, 414-6280Fax (61) 414-6275e-mail: [email protected]://www.iphan.gov.br

Iphan é o órgão nacional de proteçãoMaria Elisa Costa, a atual presidente do Instituto, já visitou Uberaba e desenvolveu projeto em Peirópolis

O trabalho do Iphanconta com mais de 16mil edifícios tombados

captura de tela

segue

Em julho, mesmo com o processoem andamento, Idivaldo entroucom um pedido de demoliçãona Secretaria de Obras

Fachada lateral do palacete nos traços do arquiteto Marcelo Temponi para o dossiê de tombamento

Segundo Codemphau, cômodoanexo destelhado pela chuvanão fazia parte da edificaçãoem processo de tombamento

reprodução

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329 de abril a 5 de maio de 2003 11

solicitando que o conselho assumisse oimóvel, pedido de extinção e arquivamentodo processo e cópias de documentos) para oconselheiro e advogado Alaor Ribeiro. Erahora do contra-ataque. Alaor examinou adocumentação e trabalhou na redação de umparecer. Neste documento, assinado em 22 deagosto, ele reafirmou a posição do conselho,frisando que havia interesse público napreservação do valor histórico e artístico dopalacete. Citou os princípios constitucionaise os artigos da Lei Orgânica do Municípioque recomendam a proteção do patrimôniocultural da cidade e estabelecem as punições,assinalou a legitimidade do tombamentocomo instrumento de planejamento urbano eevocou a colaboração da comunidade para aproteção desse patrimônio “por meio deinventários, registros, vigilância, tombamentoe desapropriação”.

O conselheiroesclareceu que essasleis municipais efederais são os instru-mentos jurídicospara a atuação doCodemphau – o ór-gão institucional quedelibera sobre o valorhistórico e artísticodos bens municipais, “sejam públicos ouparticulares”. Ele argumentou que o patri-mônio cultural “pertence à comunidade queproduziu os bens culturais”, e reivindicou aautonomia do Codemphau nas deliberações

sobre o assunto na cidade.Para ele, a preservação do bem histórico

está vinculada à sua utilização e integraçãoao cotidiano da comunidade. “A ação dopoder público é exercida em caráterexcepcional, onde faltarem recursos técnicos,materiais ou organizações coletivas capazesde assumirem as ações necessárias para apreservação do bem cultural, procurando-seevitar a especulação e o mau uso dapropriedade”. Lembrou que o Codemphau éintegrado por profissionais cientes de suasfunções institucionais de preservar a memóriada cidade, independente das “pressõesnaturais de interesses pessoais, políticos eeconômicos, compreensíveis mas que podemsucumbir diante do interesse público”. Paraele, o “interesse público sobrepõe aointeresse particular”.

Sobre os laudos dos bombeiros, AlaorRibeiro alegou queeles não tinham“nenhum valor téc-nico” pois, eramassinados por doiscabos, pertencentesà 3ª Cia Indepen-dente de BombeirosMilitar, “a pedido daparte interessada, que

não têm competência técnica e nem funcionalpara manifestar-se em nome da Companhia deBombeiros local”. Além disso, laudos anteriorescomprovavam a solidez da edificação edesmentiam o risco de desabamento.

A propósito, o arquiteto e conselheiro doCodemphau, Marcondes Nunes Freitas, haviafeito um novo laudo técnico, no dia 20 deagosto, desta vez na presença de Idivaldo queo acompanhou pelos cômodos da edificação.Sonia Fontoura e José Thomaz também osacompanharam na vistoria. O laudo constatoubom estado de conservação do tijolo maciçoe da estrutura de madeira e da alvenaria emgeral, apesar do cupim em algumas peças dopiso. A estrutura do telhado foi considerada

regular. O telhado em si, assim como ascalhas, condutores e o coroamento estavambons. O reboco e os elementos artísticos foramconsiderados bons, notando-se a presença dealgumas trincas. A platibanda necessitava depintura, e foi notada a falta de alguns artefatos.A pintura em geral, os forros de madeira, oladrilho hidráulico e as vedações de portas ejanelas foram avaliadas como “ruim,necessitando intervenção”. O muro foiavaliado como regular, e o gradil ruim. Osoutros elementos externos, tais como varanda,escada e torre estavam bons. Para Marcondes,definitivamente, o prédio “não corria nenhumrisco de desabamento”.

De volta ao parecer. Sobre a reivindicaçãodo prazo esgotado, Alaor argumenta que, coma recente notificação da co-proprietária, Mariade Lourdes, no dia 26 de julho, o processoestava em curso, “aguardando a manifestaçãoda interessada quanto ao tombamento doimóvel”. Além disso, alegou que Idivaldo,como co-proprietário, não teria poderes pararepresentá-la, ou seja, não poderia manifestar-se por ela. Para o conselheiro, Idivaldo estariaatropelando o trâmite do processoadministrativo “ao tentar forçar uma tomadade posição precipitada”, passando por cimado direito da co-proprietária que deveria sertratada “nas mesmas condições dos demaisinteressados”.

Neste momento, convém esclarecerdefinitivamente essa questão dos prazoslegais. De acordo com a lei, quando oproprietário é notificado, o imóvel já está

O Instituto Estadual do PatrimônioHistórico e Artístico de Minas Gerais(Iepha/MG) é um órgão vinculado àSecretaria de Estado da Cultura e possuiatribuições iguais ou complementares aoInstituto do Patri-mônio Histórico eArtístico Nacional(Iphan), o órgão fe-deral de proteção dopatrimônio.

O Iepha tem afunção de preservar oacervo cultural de Minas Gerais através deações de proteção, fiscalização, conser-vação e restauração. O órgão tambémrealiza estudos, pesquisas, promove cursos,presta assessoria e edita publicações paraauxiliar os municípios que desejampreservar seu patrimônio cultural.

A página do Instituto na Internetesclarece que, “o envolvimento das comu-nidades locais é fator essencial para osucesso das medidas de preservação” e “amanifestação de interesse por parte das

prefeituras é decisiva na definição dasprioridades do Instituto”.

Bens tombados de uso público têmprioridade na aplicação dos recursos doInstituto. No entanto, o Iepha também fornece

assessoria aos projetose obras em proprie-dades particulares,difundindo normas deproteção e orientandoproprietários na buscade fontes de recursospara a preservação de

suas edificações históricas.Em Uberaba, não há nenhum tombamento

feito pelo Iepha.

Iepha/MGEdifício da Secretaria de Estado deTransportes e Obras - 4º andarPraça da LiberdadeBelo Horizonte - MG - 30140-010Telefone (31) 3213-6000Fax (31) 3213-5999e-mail: [email protected]://www.iepha.mg.gov.br

Iepha cuida do patrimônio cultural de MinasInstituto ligado a Secretaria de Estado da Cultura presta assessoria e orienta na captação de recursos

Iepha orienta proprietários nabusca de fontes de recursospara a preservação de suasedificações históricas

segue

captura de tela

“A ação do poder público éexercida em caráter excepcional,onde faltarem organizaçõescoletivas capazes de assumiremações para a preservação”

Trecho da vistoria realizada na presença deIdivaldo, Sonia Fontoura e José Thomaz

repr

oduç

ão

Page 12: Revelação 244

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provisoriamente tombado. O dono do imóveltem um prazo de 15 dias para, caso nãoconcorde, entrar com o processo de impug-nação. Depois desse prazo, se não houver opedido formal, basta um despacho dopresidente do conselho para inscrever o bemno Livro do Tomboe concluir o tomba-mento definitivo.Maria de LourdesNaves não havia semanifestado. Quan-do o proprietário entracom o processo noprazo, o conselho temmais 15 dias parasustentar o pedido de tombamento, e depois mais60 dias para proferir decisão final. De acordocom a lei, “dessa decisão não caberá recurso”.

Mas o próprio Iphan entende que nãoexistem prazos determinados para adeliberação final de um processo detombamento. “Por se tratar de uma decisãoimportante e criteriosa, muitos estudos devemser realizados para instrução do processo e,conforme sua complexidade, cada casodemandará prazos diferenciados”, registra emseu sítio na Internet (www.iphan.gov.br).

Voltemos. Alaor Ribeiro concluiu que ospedidos do co-proprietário não deveriam seracatados, e que a posição da Secreteraria deObras seria “contra a pretensão dedemolição”. Além disso, informou que a co-proprietária deveria se manifestar até o dia27 de setembro, (dois meses após a publicaçãoda notificação no Porta-Voz), “sob pena de

ser nomeado curador para defesa de seusinteresses processuais”.

No dia 26 de agosto, uma Folha deInformações e Despachos (FID) da Procu-radoria registrou que o procurador foicontrário ao acatamento do pedido de

demolição, “umavez não caracteri-zado o risco dedesabamento queserviu de suporteao pleito”. Infor-mou também queos advogados deIdivaldo estavamcientes do parecer

de Alaor Ribeiro. Conclui sugerindo que aFundação Cultural dê “normal e ágil tramitaçãoao processo”. Nessa mesma FID, o advogadode Idivaldo declara ter recebido os documentospara instituir eventual ação judicial.

Ataques e contra-ataquesEnquanto perdurava o processo

administrativo, Idivaldo partiu para aguerrilha: foi acusado de deixar as janelas eportas abertas – de propósito – para que asparedes e assoalhos fossem atingidos pelachuva e o palacete ficasse vulnerável ainvasores. O provável objetivo seria fornecermais pretextos para a demolição. No dia 2 desetembro, passando de carro na rua ManoelBorges, em frente ao palacete, Sonia Fontourae o historiador Augusto Rischiteli perceberama estratégia. Acionaram a polícia, e realizaramum Boletim de Ocorrência, registrando que o

prédio provisoriamente tombado encontrava-se com o portão destrancado, com as portas ejanelas abertas, “propiciando a entrada devândalos e ou possível deterioração”, alémde “poder ser utilizado por infratores e oucriminosos, podendo comprometer asegurança pública no local”. Naquele dia, elesmesmos – Sonia e Augusto – fecharam oportão. Ainda assim, passados alguns dias, asjanelas do palacete continuavam abertas. Nodia 10 de setembro o Codemphau enviou umanotificação a Idivaldo, exigindo que fechasse acasa, cumprindo a deliberação do conselho.Segundo Sonia, depois disso a casa foi trancada.

No dia seguinte, Idivaldo enviou umrequerimento à Prefeitura, questionando se omunicípio detinha orçamento para a reformado prédio. No mesmo dia a Procuradoriaencaminhou o pedido à Fundação Cultural.José Thomaz respondeu no outro dia,informando quenão tinha orça-mento. Além disso,alega que essa des-pesa era de respon-sabilidade do pro-prietário, “uma vezque o domínio lhepertence”. A des-peito do laudo favorável do próprioCodemphau, José Thomaz declara estarciente “do posicionamento técnico daSecretaria de Obras, onde se denota aexistência de riscos de desabamento”. Dadoisso, registra que a Fundação Cultural nãoassume nenhuma responsabilidade, porque

a manutenção da solidez da obra seriaobrigação do dono.

Da mesma forma, o secretário de obras,Osório Guimarães, afirma não ter orçamentopara esse tipo de despesa. Ao mesmo tempo,reitera a “necessidade imperiosa, e com amaior urgência, de reforma no prédio”, eassinala que “não assume qualquerresponsabilidade pela segurança e solidez daobra”. O secretário ainda esclarece que oalvará de demolição não fora autorizadoporque o impedimento estava respaldadojuridicamente pela Procuradoria. Essasdeclarações, como se verá mais a frente, serãopeças chave no vitorioso mandado desegurança – impetrado contra OsórioGuimarães – que finalmente garantiu aIdivaldo a licença para demolir o prédio.

Uma semana depois, o advogado enviauma contranotificação à Fundação Cultural,

dizendo já ter avi-sado que Idivaldonão tinha “a me-nor condição derestaurar, manterou dioturnamentevigiar” o palaceteque comprara.Afirma que o pro-

prietário verifica, “sempre que possível”, oestado do imóvel, já tendo consumido maisde 20 cadeados e várias trancas para fecharjanelas, portas e portões abertos por “mendigose andarilhos” que passaram a noite por lá.Conclui reafirmando a responsabilidade dopoder público perante o imóvel.

A Constituição Federal determina que osEstados devem repassar aos seus municípios25% da receita arrecadada com ICMS. Osrepasses são feitos até o segundo dia útil decada semana, com base na receita estadualobtida na semana anterior. O valor creditadoao município é proporcional a um índiceapurado pelo Estado, conforme critériosestabelecidos em lei.

Em Minas Gerais, parte dessa receita édistribuída de acordo com a lei Robin Hood.Entre os critérios de pontuação analisados (áreageográfica, população, gasto com saúde, meioambiente, etc), está incluído o ítem PatrimônioHistórico e Cultural, que tem peso de 1% nocálculo da distribuição dos recursos.

Para garantir essa verba, o município deveprovidenciar, anualmente, um conjunto dedocumentos que comprovem a atuação pelapreservação do patrimônio cultural da cidade– processos de tombamento, aplicação derecursos, restauros, etc. Esses documentosdevem ser enviado ao Iepha até 15 de abril,

Preservação do patrimôniogarante recursos estaduaisRelatórios enviados ao Iepha são pontuados e conquistam repasse na distribuição do ICMS

Confira, na tabela abaixo, a pontuaçãode 2003 de algumas cidades da região

Araxá - TE 12.40Patos de Minas 8.00Araguari 7.40Ibiá - TF 6.60Uberlândia - TE 6.50Monte Carmelo 6.00Patrocínio 5.80Uberaba - TF 5.60Sacramento - TE 3.35Campina Verde 2.65Nova Ponte 0.85Indianópolis 0.70Água Comprida - TE 0.60

(Para comparar: a pontuação de Ouro Preto é 25.15;Tiradentes, 12.15; São João del Rei, 11.35; BeloHorizonte, 10.20 e São Tomé das Letras, 9.30)(fonte: http://www.iepha.mg.gov.br/pontuacaofinalabril2003.xls)

Uberlândia166,6 mil77 mil36,1 mil62,5 mil

Araguari182 mil92,4 mil123,1 mil91,4 mil

Araxá285 mil154 mil193,8 mil149,3 mil

Uberaba2002 26,1 mil2001 123,2 mil2000 140,7 mil1999 99,7 mil

(fonte: http://www.leirobinhood.mg.gov.br)

para avaliação. A verba é repassada no decorrerdo ano seguinte, de acordo com a pontuaçãodo município e a arrecadação do Estado.

A pontuação de 2003 foi resultado dotrabalho de Sonia Fontoura, que passou a serassessora do conselho em março de 2002 erelatou as atividades de 2000. Sonia pediuauxílio à empresa especiali-zada Miguilim, de Betim(MG), para auxiliar no tra-balho. A firma enviou doisarquitetos especializadospara agilizar os relatórios.Apesar da pressa, odocumento foi enviado emtempo hábil, e conquistou 5.6 pontos.

De acordo com dados da Fundação JoãoPinheiro, neste ano, até março de 2003, Uberabajá recebeu R$24,2 mil de verba relativa ao

patrimônio cultural. Neste mesmo período,Uberlândia já recebeu R$30,6 mil; AraguariR$35,5 mil e Araxá, R$72 mil. Veja no gráficoas verbas anuais recebidas por estas cidades nos

últimos 4 anos (pelo critériopatrimônio cultural).

Segundo a ex-assessorado Codemphau, SoniaFontoura, em 2002 Uberabarecebeu apenas R$26,1 milporque o relatório não foienviado no ano anterior. O

valor recebido veio em função de valores fixosobtidos pelo tombamento da Igreja Santa Rita,o único bem cultural de Uberaba protegidoem nível nacional, pelo Iphan.

Em 2002 Uberaba recebeuapenas R$26,1 milporque o relatório não foienviado no ano anterior

Em um requerimento, José Thomazdeclara que está ciente doposicionamento da Secretariade Obras, “onde se denota aexistência de riscos de desabamento”

A conclusão do laudo doarquiteto Marcondes Nunes,realizado em agosto, era que,definitivamente, o prédio“não corria risco de desabamento”

segue

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Mais contra-ataque. O prazo para amanifestação da co-proprietária, Maria deLourdes, havia se esgotado. No dia 3 deoutubro é enviada uma notificação a um dosadvogados de Idivaldo, designando-o aresponder por ela, como curador, no prazo de10 dias. Como não houve manifestação, nodia 1º de novembro o conselho nomeou aadvogada Simone Ribeiro da Silva pararesponder pela proprietária. Em um parecerassinado no dia 18, a advogada registrou que,na qualidade de proprietário parcial, IdivaldoOdi Afonso, não teria poder de representaçãopela outra co-proprietária. Por isso,

considerava nulo o pedido de demolição doimóvel. A curadora reconhece o valorhistórico e artístico do Palacete Antônio PedroNaves, concorda com a sua preservação ediscorda da demolição para exploraçãocomercial. No dia 27, o Codemphau remete aIdivaldo o parecer de Simone Ribeiro. Oconselho estabelece um prazo de 5 dias paraque ele se manifeste, o que não ocorreu.

Tombamento definitivoNeste mesmo dia, o advogado e

conselheiro Alaor Ribeiro assinou o parecerfinal, decidindo pelo tombamento definitivo.Nesse parecer, registra que, no início doprocesso de impugnação, o co-proprietárioateve-se a discorrer sobre a legislação e fazerameaças descabidas ao Codemphau,demonstrando ser “mero especuladorcomercial do imóvel”. Entende que o processode impugnação emnenhum momento entrouno mérito da questão – ouseja, Idivaldo não atacouo valor histórico eartístico do palacete. Parao conselheiro, isso signi-ficava que o proprietáriosabia que esses ele-mentos estavam presentes e eram legítimosna justificativa do tombamento. Da mesmaforma, não houve contestação à documen-tação para fundamentar o tombamento(referências bibliográficas, fotográficas econclusões do Conselho de PatrimônioHistórico), e tampouco impugnação à

notificação da co-proprietária que, por suavez, não havia se manifestado no prazo legal.

Desconsiderou a ocorrência dos Bom-beiros sobre o desabamento parcial, por setratar de uma “garagem independente” quenão fazia parte do imóvel em processo detombamento. Acusa o“tom ameaçador” danotificação “extra-judicial” ao presidentedo Codemphau, assimcomo a decisão deIdivaldo de deixar oimóvel aberto com asportas “escancaradas”para tentar justificar a demolição e, “segundoinformações, para se instalar no local umestacionamento de automóveis de altarotatividade”. Evocou o laudo de vistoriarealizado pelo arquiteto e conselheiro

Marcondes Nunes deFreitas – onde foi con-firmado o bom estadode preservação – e anomeação de curadorapara a co-proprietáriaausente, cujo parecer semostrou favorável aotombamento. Em um

trecho do parecer, Alaor Ribeiro registra queo co-proprietário “ameaçou” buscar aproteção do Poder Judiciário, mas, até aquelemomento, “não houve qualquer manifestaçãoda Justiça a respeito da matéria”. Mal sabiaque o despacho fatal estaria tão próximo.

Assim, em uma reunião no dia 11 de

dezembro (quarta-feira), baseado no parecerfinal do conselheiro Alaor Ribeiro, oCodemphau rejeita a impugnação e decidepelo tombamento definitivo.

O decreto do Poder Executivo nº 1633 –que determinava o registro do Palacete Antônio

Pedro Naves no livro detombo – estava redi-gido desde abril de2002. Para que entrasselegalmente em vigor, sófaltava publicá-lo noórgão de imprensaoficial do município, ojornal Porta-Voz. Dessa

forma, a edificação estaria definitivamenteprotegida e irrevogavelmente tombada.

O Porta-voz é impresso semanalmente, ecircula às sextas-feiras. Para que os decretos,avisos de licitações e comunicados oficiaissejam publicados, é preciso enviar o texto atéa terça-feira da semana de circulação – prazopara dar tempo de preparar e enviar o jornalpara a gráfica. Estava tudo certo. Como areunião se dera no dia 11 de dezembro, umaquarta-feira, o decreto seria publicado napróxima semana, no dia 20. Missão cumprida.Sonia Fontoura, exausta, marcou uma viagemde repouso. Renata Bananal, funcionáriaadministrativa à serviço do Codemphau, ficouincumbida de encaminhar o decreto para apublicação no Porta-Voz, até a terça-feira, dia17. Depois da exaustiva batalha, era hora dorepouso do guerreiro: o palacete estava, afinalprotegido… não fosse a última bala no gatilhode Idivaldo: o mandado de segurança.

O tombamento não altera a propriedadede um bem, apenas proíbe que venha a serdestruído ou descaracterizado. Um bemtombado também não necessita serdesapropriado. De acordo com informaçõesno sítio do Iphan na Internet(www.iphan.gov.br) – adaptadas da

publicação “Tomba-mento e Partici-pação Popular” doDepartamento doPatrimônio Histó-rico, do municípiode São Paulo – nãoexiste qualquer im-

pedimento para a venda, aluguel ou herançade um bem tombado. Reformas devem serpreviamente aprovadas pelo órgão queefetuou o tombamento. No caso de venda,deve ser feita apenas uma comunicaçãoprévia. Na verdade, o tombamentoestabelece limites aos direitos individuaiscom o objetivo de resguardar e garantirdireitos e interesses de conjunto dasociedade.

O tombamento é um ato administrativorealizado pelo poder público com o objetivode preservar, através de legislação específica,os bens de valor histórico, cultural,arquitetônico, ambiental e afetivo de umacomunidade. O objetivo é impedir legalmenteque esse patrimônio coletivo (fotografias,livros, mobiliários,utensílios, obras dearte, edifícios, flo-restas, cachoeiras,etc) seja descarac-terizado ou destruído.

Esse procedi-mento pode ser feito pela União, através doInstituto do Patrimônio Histórico e Artísticonacional (Iphan); pelo Governo Estadual, pormeio do Instituto Estadual do PatrimônioHistórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG); ou pela administração municipal, porintermédio do Conselho DeliberativoMunicipal de Patrimônio Histórico e Artísticode Uberaba (Codemphau), utilizando leisespecíficas ou a legislação federal.

EntornoQuando se efetua o tombamento, o órgão

responsável estabelece também os limites eas diretrizes para as intervenções nas áreasde entorno de bens tombados. “O entorno é aárea de projeção localizada na vizinhança dosimóveis tombados, que é delimitada comobjetivo de preservar a sua ambiência eimpedir que novos elementos obstruam oureduzam sua visibilidade”.

De acordo com o Iphan, a proteção dopatrimônio ambiental urbano está diretamentevinculada à melhoria da qualidade de vida dapopulação, “pois a preservação da memóriaé uma demanda social tão importante quantoqualquer outra atendida pelo serviço público”.Assim, o tombamento não tem por objetivo“congelar” a cidade. “De acordo com aConstituição Federal, tombar não significacristalizar ou perpetuar edifícios ou áreas,inviabilizando toda e qualquer obra que venhacontribuir para a melhoria da cidade.Preservação e revitalização são ações que secomplementam e, juntas, podem valorizarbens que se encontram deteriorados.”

Tombamento não compromete propriedadeAto estabelece limites aos direitos individuais com o objetivo de resguardar interesses do conjunto da sociedade

Preservação da memóriaé uma demanda social tãoimportante quanto qualqueroutra atendida pelo serviço público

Como a reunião se dera emuma quarta-feira, e o prazopara publicação é na terça,o decreto sairia na próximasemana, no dia 20

Em uma reunião no dia 11 dedezembro, o Codemphau rejeitaa impugnação e decide pelotombamento definitivo

continua na página 18

Palacete de Arthur Castro Cunha (detalhe), tombadopelo município, localiza-se na pça Rui Barbosa.Fachada descascada precisa de cuidados

fotos: Juliana Borin (arquivo Revelação)

Fachada do antigo cine Royal, na praçaComendador Quintino, foi preservada. Hoje,no local, funciona uma pizzaria

fotos: Juliana Borin (arquivo Revelação)

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Na 19ª Conferência da Unesco, realizadaem Nairobi (Quênia) no ano de 1976, foidiscutida e aprovada uma carta derecomendações sobre a importância e afunção dos conjuntos históricos na vidacontemporânea. A Recomendação de Nairobié hoje um dos instrumentos adotadosinternacionalmente para a proteção dopatrimônio cultural.

O documentoregistra que os con-juntos históricos“constituem a pre-sença viva dopassado”, e assegu-ram a variedadenecessária para res-ponder à diversi-dade da sociedade. Assim, adquirem um valore uma dimensão humana que vão muito alémde seu mero valor imobiliário. A carta diz queos conjuntos históricos são “os testemunhosmais tangíveis da riqueza e da diversidade dascriações culturais, religiosas e sociais dahumanidade”. A sua salvaguarda e integraçãona vida contemporânea devem ser metasfundamentais do planejamento territorial.

A recomendação de Nairobi assinala aindaa preocupação perante os “perigos dauniformização e da despersonalização que semanifestam constantemente em nossa época”,pois os conjuntos históricos são peçasfundamentais da identidade de cada serhumano e da nação em que está inserido.

“No mundo inteiro, sob pretexto de

expansão ou de modernização, destruiçõesque ignoram o que destroem e reconstruçõesirracionais e inadequadas ocasionam gravesprejuízos a esse patrimônio histórico”, acusa,alertando que essa destruição “provoca muitasvezes perturbações sociais”.

Considerando que essa situação implicaa responsabilidade de cada cidadão, e

impondo tambémaos poderes pú-blicos obrigaçõesque “só eles podemassumir”, reco-menda que os Es-tados devam adotar“urgentemente umapolítica global eativa de proteção e

de revitalização (…) como parte doplanejamento nacional, regional ou local”.

Conjuntos históricos devem serconsiderados como “patrimônio universalinsubstituível” e devem ser compreendidosem sua globalidade, como um todo coerente,cujo equilíbrio depende de todos os elementosque o compõem. Essa harmonia deve serrespeitada. Devem ser também protegidos“contra quaisquer deteriorações, parti-cularmente as que resultam de uma utilizaçãoimprópria, de acréscimos supérfluos e detransformações abusivas ou desprovidas desensibilidade que atentem contra suaautenticidade”.

A recomendação regisra que, no ritmo daurbanização moderna, com o aumento na

“A maneira mais eficaz de proteção é aeducação.” Essa foi uma das principaisconclusões da Oficina de Cultura, curso queocorreu de 23 a 27 desetembro de 2002 naSemana de Patri-mônio Histórico,Artístico e Cultural deUberaba, durante aSemana de Semi-nários da Uniube.Ângela DolabelaCânfora, coordenadora de inventários doInstituto Estadual de Patrimônio Históricode Minas Gerais (Iepha-MG), e Marília

Conferências da Unesco sãoinstrumentos de proteçãoRecomendação de Nairobi alerta sobre o perigo da uniformização arquitetônica para a diversidade cultural

Patrimônio mundial

escala e na densidade das construções, alémdo perigo da destruição direta dosconjuntos históricos, existe o risco de queeles sejam destruídos indiretamente,através da destruição da ambiência e daidentidade histórica no entorno. A cartarecomenda que que arquitetos e urbanistasse empenhem para que esses conjuntos “seintegrem harmoniosamente na vidacontemporânea”.

O maior risco nessa época deuniversalidade das técnicas construtivas eformas arquitetônicas é provocar a

“uniformização dos assentamentos humanosno mundo inteiro”. Ou seja, a padronizaçãode técnicas estaria construindo cidadestambém padronizadas, monolíticas,medíocres, sem identidade, todas iguais, feitoblocos pré-fabricados, bem ao gosto dacultura de massa. Daí a importância vital dasalvaguarda dos conjuntos históricos, quepodem “contribuir extraordinariamente paraa manutenção e o desenvolvimento dosvalores culturais e sociais peculiares de cadanação e para o enriquecimento arquitetônicodo patrimônio cultural mundial”.

Sob pretexto da modernização,destruições que ignoram o quedestroem e reconstruções irracionaisocasionam graves prejuízosao patrimônio histórico

Construções aleatórias descaracterizaram conjunto histórico do “calçadão” da rua Arthur Machado

André Azevedo (fevereiro de 2002)

Machado Rangel, superintendente dedesenvolvimento e promoção do mesmoInstituto, explicaram conceitos de educação

patrimonial, legislaçãoe mecanismos oficiaisde proteção do patri-mônio cultural paraestudantes, profes-sores e representantesda prefeitura.

Para elas, o pontofundamental para a

efetiva preservação da cidade é o despertarda consciência histórica dos própriosmoradores para o sentido de seu patrimônio

cultural. Essas realizações caracterizam aoriginalidade de cada população, fazem comque as pessoas se identifiquem com seucotidiano e estabeleçamligações afetivas com acidade. Esses bens cul-turais, repletos de signi-ficados, são as refe-rências que fazem comque as comunidades sesintam participantes desua própria história, sepercebam integrados na vida de seumunicípio. Daí o sentido da conservação.O que se pretende preservar, portanto, é a

Patrimônio Cultural dá sentido à vida dos moradores

Edificações fazem comque as pessoas seidentifiquem com seucotidiano e estabeleçamligações afetivas com a cidade

Esses símbolos são asreferências que fazemcom que as comunidadesse sintam participantesde sua própria história

Oficina de Cultura realizada na Semana de Seminários ensinou noções de educação patrimonialprópria vivência cultural dos moradoresda cidade.

Segundo Sonia Fontoura, uma dasorganizadoras, Idi-valdo e diversos ou-tros proprietários decasas históricas fo-ram convidados atra-vés de carta para parti-cipar do curso. Ne-nhum deles apareceu.

Leia a reportagem inteira sobre o curso:http://intermega.com.br/andreazevedo

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O Conselho Internacional da Monumentose Sítios (Icomos) redigiu, em 1986, na cidadede Washington (EUA), a Carta Internacionalpara a Salvaguarda das Cidades Históricas, –ou Carta de Washington. Neste documento, oIcomos traz definições muito importantes paracompreender a questão do patrimônio culturalem uma sociedade.

“Resultantes de um desenvolvimento maisou menos espontâneo ou de um projetodeliberado, todas as cidades do mundo sãoexpressões materiais da diversidade dassociedades através da história e são todas, poressa razão, históricas”, registra. Isso significaque não tem mais sentido dizer que apenaseste ou aquele município é considerado“cidade histórica”, pois todas as cidades sãohistóricas, na medida em que todas sedesenvolveram a partir da ação humana etodas deixaram um legado para a posteridade.

A idéia da cidade como documentohistórico é uma decorrência desta noção. Cadaedificação exprime os valores de determinadaépoca. É possível “ler” na arquitetura dascasas informações capazes de decifrar oestado de espírito do tempo em que foramconstruídas. Portanto, essas edificações napaisagem da cidade são como páginas em umlivro aberto, cuja função é, entre outras, fazercom que os habitantes percebam, em seucotidiano, que são sujeitos históricos.

A carta registra ainda que, atualmente,muitas dessas casas/documentos históricos“estão sendo ameaçadas de degradação, de

deterioração e até mesmo de destruição sob oefeito de um tipo de urbanização nascido naera industrial e que hojeatinge universalmentetodas as sociedades”. Otexto define princípiose métodos de ação paragarantir a qualidade dascidades históricas eperpetuar o conjunto debens que, “mesmomodestos, constituem a memória da hu-manidade”.

Patrimônio mundial

Cidade é documento históricoCarta de Washington propaga noção de que toda cidade é histórica. Edificações são como páginas em um livro aberto

Princípios e objetivosA carta recomenda que a salvaguarda das

cidades e bairros histó-ricos deve ser parte essen-cial de uma “políticacoerente de desenvol-vimento econômico esocial”, capaz de promo-ver a adaptação harmo-niosa desses conjuntos deedificações históricas à

vida contemporânea. As ameaças que possamcomprometer a autenticidade do caráter

histórico da cidade devem ser combatidas. “Aparticipação e o comprometimento doshabitantes da cidade são indispensáveis aoêxito da salvaguarda e devem ser estimulados”.A carta assinala que não se deve esquecer quea preservação do patrimônio cultural “dizrespeito primeiramente a seus habitantes”.

Para assegurar a participação e oenvolvimento dos habitantes, a cartarecomenda que sejam efetuados programasde informação e educação ainda nos primeirosanos escolares. Para o Icomos, é fundamentalo estímulo às pesquisas urbanas e incentivo àdivulgação do resultados para um melhorconhecimento do passado das cidades.

O Icomos esclarece que um dos objetivosfundamentais da salvaguarda é a melhoria dohabitat humano. Escreve que as novasconstruções e acréscimos devem respeitar aorganização espacial existente na cidade. “Aintrodução de elementos de carátercontemporâneo, desde que não perturbe aharmonia do conjunto, pode contribuir parao seu enriquecimento”.

Este documento também orienta que “acirculação de veículos deve ser estritamenteregulamentada” e as áreas de estacionamentodevem ser “planejadas de maneira que nãodegradem seu aspecto nem o do seu entorno”.Além disso, diz que o poder público devefavorecer a ação de associações depreservação e tomar “medidas de caráterfinanceiro para assegurar a conservação e arestauração das edificações existentes”.

Salvaguarda de bairroshistóricos deve ser parteessencial de uma políticacoerente de desenvolvimentoeconômico e social

André Azevedo (fevereiro de 2002)

Teste de autenticidade desafiou pensamento tradicionalA Conferência sobre autenticidade em

relação a convenção do patrimônio mundial– Conferência de Nara (Japão, 1994) – buscoudesafiar o pensamento tradicional a respeitoda conservação edebater caminhospara promover ummaior respeito àdiversidade. Umdos objetivos foidiscutir o “teste deautenticidade” paraexaminar o valor universal atribuído aos bensculturais listados pelo Patrimônio Mundial.

De acordo com a carta, “num mundo quese encontra cada dia mais submetido às forçasda globalização e da homogeneização, e ondea busca de uma identidade cultural é, algumasvezes, perseguida através da afirmação de um

Carta de Nara discute papel do patrimônio cultural no contexto da globalizaçãonacionalismo agressivo e da supressão dacultura das minorias”, a principal contribuiçãodo patrimônio cultural é “clarificar e iluminara memória coletiva da humanidade”.

A diversidade deculturas é vistacomo uma insubsti-tuível fonte de infor-mações a respeitoda riqueza espirituale intelectual dahumanidade. “A

proteção e valorização da diversidade culturale patrimonial no nosso mundo deveria serativamente promovida como um aspectoessencial ao desenvolvimento humano”.

Um dos princípios fundamentais daUnesco é considerar o patrimônio cultural decada um como patrimônio de todo o planeta.

A carta de Nara afirma que equilibrar aexpressividade da cultura local com a riquezada cultura global é extremamente desejável,“desde que, ao alcançar este equilíbrio, nãoabra mão de seus própriosvalores culturais”.

AutenticidadeA Carta explica que a

conservação do patri-mônio cultural de umpovo está fundamentadanos valores atribuídos aos bens que sedeseja proteger. “Nossa capacidade deaceitar esses valores depende, em parte, dograu de confiabilidade conferido ao trabalhode levantamento de fontes e informações arespeito destes bens”. Isso quer dizer que,enquanto representação simbólica, o

patrimônio cultural depende da atribuição desentido conferida pelo grupo humano paraadquirir valor. E esses valores são sólidosquando a pesquisa e o levantamento histórico

são confiáveis.Daí a importância

que a Carta concede ao“conhecimento e acompreensão dos le-vantamentos de dadosa respeito da origina-lidade dos bens, assim

como de suas transformações ao longo dotempo”. Para se cer t i f icar da au-tenticidade do patrimônio cultural, énecessário, portanto, conhecer o históricodo bem cul tural , ass im como astransformações de seu significado nahistória.

A diversidade de culturas é umainsubstituível fonte de informaçõesa respeito da riqueza espiritual eintelectual da humanidade

Patrimônio cultural dependeda atribuição de sentidoconferida pelo grupohumano para adquirir valor

Placas, letreiros, cartazes, pintura e reformas inadequadas descaracterizaram casarão localizado na ruaArthur Machado. Revitalização histórica poderia ser um atrativo para os pontos comerciais lá instalados

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A Lei Orgânica do Município trata, emdiversos momentos, dos deveres do poderpúblico em relação ao patrimônio cultural dacidade. Ainda nas disposições preliminares,a lei determina que é objetivo prioritário dopoder público “assegurar a permanência dacidade, enquanto espaço viável e de vocaçãohistórica, que possibilite o efetivo exercícioda cidadania”. Além disso, diz que aidentidade deve ser preservada, “adequandoas exigências do desenvolvimento àpreservação de sua memória, tradição epeculiaridades”. A lei também estabelece queo município deve “aprofundar sua vocaçãode centro aglutinador e irradiador da culturaregional e nacional”. Priorizar as demandassociais – educação, moradia, lazer, etc – eproporcionar a justiça social e o bem comumtambém estão entre as principais responsabi-lidades do poder público.

No artigo 149 da seção VII – que defineas responsabilidades da administração emrelação à cultura – a lei determina que “oacesso aos bens da cultura e às condiçõesobjetivas para produzi-la é direito do cidadãoe dos grupos sociais”. A lei estabelece que opoder público deve incentivar, de formademocrática, os diferentes tipos demanifestação cultural existentes nomunicípio.

No parágrafo 5º, está definido que“constituem patrimônio cultural do Municípioos bens de naturezamaterial e imaterial,tomados individual-mente ou em conjunto,que contenham gruposformadores do Povouberabense”. No pará-grafo 6º, determina-seque o município, com a colaboração dacomunidade, “promoverá e protegerá, pormeio de plano permanente, o patrimôniohistórico e cultural, através de inventários,pesquisas, registros, vigilância, tombamen-tos, desapropriação eoutras formas de acau-telamento e preser-vação.”

No artigo 152,parágrafo 3º, a leiestabelece que, parapromover o acesso aosbens culturais, cabe ao poder público ainiciativa de “promover a articulação entre oEstado e a União, como objetivo de captar

recursos junto a órgãos e empresas, para amobilização e execução das ações culturais”.Além disso, a lei permite que sejam adotados“incentivos fiscais para as empresas de caráter

privado que desejaremcontribuir para aprodução artístico-cultural e na preser-vação e recuperação dopatrimônio histórico doMunicípio”. A lei esta-belece também que o

poder público tem o dever de assegurar, “juntoaos órgãos públicos dos Poderes LegislativoExecutivo e Judiciário, uma política depreservação e recuperação do conjuntodocumental, com vistas a garantir sua integridade,

para o resgate e con-servação da história eda memória cultural doMunicípio de Ube-raba.”

O arquivo da LeiOrgânica do Muni-cípio está disponível

na Internet e pode ser baixado através doendereço:http://www.uberaba.mg.gov.br/controladoria

Legislação municipal assegurapreservação da identidadeVocação histórica da cidade é objetivo prioritário na Lei Orgânica do Município

Os recursos ao tombamento e àdesapropriação (por interesse social,necessidade ou utilidade pública) naformulação do planejamento urbano sãoinstrumentos assegurados na Lei Orgânica doMunicípio. No capítulo da Ordem Econômica,a lei determina que o objetivo da políticaurbana executada pelopoder público é pro-mover o “pleno desen-volvimento das fun-ções sociais da cidade ea garantia do bem-estarde sua população”.

A lei estabelece que, na promoção dodesenvolvimento urbano, devem serobservados, entre outras coisas, a “ordenaçãodo crescimento da cidade”, a “contenção deexcessiva concentração urbana” e a “proteção,preservação e recuperação do meio ambiente,do patrimônio histórico, cultural, artístico earqueológico”.

O Plano Diretor deve conter objetivosestratégicos e diretrizes de preservação ao

patrimônio cultural. Deve também definir,entre os perímetros especiais de urbanização,as áreas restritas onde a ocupação deve serdesestimulada ou contida em decorrência de“necessidade de proteção ambiental e depreservação do patrimônio histórico, artís-tico, cultural, arqueo-lógico e paisagístico”.

TurismoA lei estabelece

que o município deveapoiar e incentivar oturismo como ativi-dade econômica, “re-

conhecendo-o como forma de promoção edesenvolvimentos social e cultural”. Cabe aopoder público definir a política municipal deturismo, devendo, entre outras coisas,“proteger o patrimônio ecológico ehistórico-cultural e incentivar o turismosocial”, assim como “promover aconscientização do público para apreservação e difusão dos recursos naturaise do turismo”.

Regras estabelecemcrescimento ordenado

Lex, sed lex!

Lei permite que sejamadotados incentivos fiscaispara empresas que desejaremcontribuir na preservação

Identidade deve serpreservada, adequando asexigências do desenvolvimentoà preservação da memória

Leonardo Boloni

Conjunto de casas localizadas na rua Olegário Maciel são exemplo de preservação. Cores e placas comerciais discretas respeitam arquitetura original

Turismo deve ser incentivado ereconhecido como forma dedesenvolvimento social e cultural

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329 de abril a 5 de maio de 2003 17segue

O sociólogo Luís Sérgio Lopes estáconcluindo o doutorado em Filosofia pelaEscola de Altos Estudos em Ciências Sociais,em Paris, e esteve por três anos morando naFrança. Em 2003, voltou ao Brasil e veio daraulas de Sociologia e Filosofia na Uniube.

Em entrevista ao Revelação, Luís Sérgiodeclarou sua admiração à exuberância daarquitetura de Uberaba do começo do século– quando pôde observar um painel defotografias antigas em um supermercado – mastambém seu espanto ao verificar que aquelacidade belíssima já foi toda destruída. “Quemsão os responsáveis por evitar que Uberaba,hoje, seja uma cidade turística?”, desafia.

R e v e l a ç ã o :Quando você viuaquele mural de fotosantigas, o que lheocorreu?

Luís Sérgio Lopes:Tem um supermercadoaqui próximo à univer-sidade, e tem um painel inteiro lá, ocupandopraticamente toda aquela parte frontal, comfotos antigas de Uberaba. Eu fiqueiespantado! Uberaba é tão bonita assim, eninguém sabe?

A Uberaba que você vê hoje é umaUberaba sem forma, sem um patrimôniohistórico definido, uma cara definida. Entãoeu virei a cabeça e, pôxa… Até conversei comalguém que estava no supermercado: o quefizeram com Uberaba? O que aconteceu?Quem acabou com Uberaba? Quem foram osresponsáveis pela destruição dessa fachadaarquitetural de Uberaba? Ao mesmo tempo,quem é o responsável por evitar que Uberaba,hoje, seja uma cidade turística? Imagine oprejuízo que tem Uberaba, por causa do quefizeram com a cidade.

Revelação: O que significa morar emuma cidade que, como Paris, preservao patrimônio cultural?

Luís Sérgio: Em Paris você está, aomesmo tempo, na capital mundial –praticamente todos os povos da Europa afluempara Paris, todos vão a Paris – e apesar de ser ocentro mundial, considerada a capital domundo hoje, é uma cidade onde os prédios têmbaixa estatura, existe uma legislação muitorigorosa para que eles não tenham determi-nadas dimensões. E são prédios antiquíssimos,que mantém a Paris dos séculos anteriores.

Economia da contemplação

“Temos que voltara interpretar”Sociólogo analisa importância econômica do turismoe compara o patrimônio cultural ao rio de Heráclito

Há uma legislação rigorisíssima sobre aocupação do espaço em Paris. E vale a penadestacar que talvez uma de suas maioresreceitas, hoje, seja o turismo. Então, quandovocê chega de um lugar superdesenvolvido,– que têm a tradição de preservar seu meiopaisagístico, arquitetônico – chega no Brasile vê a falta de cuidado que a gente tem aoquerer ser desenvolvido…

Em Uberaba você tem a impressão de queos caras quiseram ser desenvolvidos! Sei láquem foram os responsáveis, se foram fazen-deiros, governantes que transformaram acidade em caixas sem graça. Acabaram coma cara da cidade com a idéia de modernizar,enquanto que os países superdesenvolvidos

mantêm a sua estrutura.Tem museus medievaisno centro de Paris,praças medievais nocentro de Paris!

Revelação: Deonde vem essa idéia

de que para desenvolver tem quedestruir sua memória?

Luís Sérgio: A gente pode dizer que aidéia de desenvolver e civilizar é sempre umdesafio contra tudo que lembra a natureza,contra tudo que lembra o antigo. A partir domundo moderno, existe uma tentação olím-pica de destruir tudo que se parece com o maisantigo possível. A idéia de modernidadeaparece como uma febre.

É claro que na Europa essa febre tinhadeterminados controles, porque quando amodernidade aparece a Europa já tinha umacúmulo de espiritualidade, de artisticidade– enfim, obras – então não era fácil você pen-sar em destruir sim-plesmente o antigo.Assim as coisas sepreservaram.

Agora, no Bra-sil, nós não tínha-mos essa tradiçãoartística. Essa idéiade modernidadeveio deturpada.Então tudo que é antigo, que é indígena, queé afro, é algo que lembra a natureza. E se éalgo que lembra a natureza, é algo que se opõeà idéia de civilização. A dicotomia dostrópicos parece que foi muito mal trabalhada.Quem é que iria dizer que ia proteger? Nósnão tínhamos uma arte muito desenvolvida

no século XVI, XVII,XVIII. Praticamente foio movimento artísticodo século XIX queinfluenciou nossomovimento artístico.

Então, a gente nãose reconhece, a gentenão quer reconhecer anossa cara, não quersaber dos nossos passosdados, a gente não querse identificar em fotosantigas. É uma vontadede negar a nossaidentidade, talvez issoexplique. Vontade dequerer parecer o que agente não é. E é uma coisa louca. Se ao mesmotempo você tem Ouro Preto, que mantém essatradição, por que Uberaba não mantém? Essaé a questão.

Revelação: Por que se devepreservar o patrimônio histórico?

Luís Sérgio: Existem dois motivos. Ummotivo cultural e um motivo – que a gente éobrigado a considerar – é o econômico, emfunção do turismo. Porque o turismo é umaatividade que tem tudo de auto-sustentabilidade. Aquela economia predadorados direitos individuais, da exploração dotrabalho humano, ela hoje pode se deslocarpara uma exploração da contemplação.

A idéia de contemplar bate de frente coma idéia da prática, da tal da praxis, que a genteherda do mundo moderno. A idéia detransformar tudo que está ao seu redor. Entãoessa idéia econômica que está colocada no

turismo parece quese alia com essaidéia de contem-plação do patri-mônio cultural. Aí,a economia e acultura conseguemdialogar melhor,porque estimular acontemplação de

prédios, a contemplação de rios, é umparadigma diferente de se relacionar com oobjeto, de se relacionar com a natureza.Contemplar, até um tempo atrás, era pecado!Na época, por exemplo, das transformaçõessociais, Marx já havia dito que nós estamosaí para transformar, e não para interpretar.

Acabaram com a cara da cidadecom a idéia de modernizar,enquanto que países desenvolvidosmantêm a sua estrutura

Se você destrói o patrimôniohistórico, você destróiessa possibilidade dever as coisas passarem

Então a contemplação ficou durante muitotempo desfalcada – é pecado, é crime con-templar, temos que mudar constantemente!Essa febre prática, da filosofia prática dequerer transformar as coisas, hoje em dia nãoresolve muito. Nós temos que voltar ainterpretar, e para interpretar… você tem umpequeno rio que passa na cidade, se mantiveresse rio, você vai observar pessoas simples,sem salário, sem dinheiro, sem casa, emesmo assim elas vão à beira do rio olhar orio passar.

Heráclito já dizia, no século VI antes deCristo, que nós não entramos duas vezes nomesmo rio. O rio que passa dentro de umacidade dá a idéia de movimento. Essa idéiade passagem, que as pessoas que vivem emuma vida miserável, mesmo essas pessoastêm um espírito que consegue apreciar o rio,e através disso elas estão querendo dizeralguma coisa.

Já estive em Rio Branco, no Acre, emuma cidade que não tem um patrimôniohistórico, mas tem um rio, barrento, quepassa, e você observa pessoas que chegamda floresta e ficam vendo o rio passar,namorando e tal. Então o patrimôniohistórico tem algo de rio também, porque éalgo que passou, e algo que passou te levaa algo que poderá vir também. Então sevocê destrói o patrimônio histórico, vocêdestrói essa possibilidade de ver as coisaspassarem. Essa idéia de contemplar omovimento, essa idéia de rio, de Heráclito,pode ser transferida para indicar essaimportância do patrimônio histórico. Essacontemplação faz parte da construção doseu espírito.

O que fizeramcom Uberaba?O que aconteceu?

Cine São Luís, em foto da primeira metade do século XX

arquivo Eliane Mendonça

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29 de abril a 5 de maio de 200318

Uma outra frente de batalha, ao lado doprocesso administrativo, havia sido abertapara forçar a demolição do palacete deAntônio Pedro Naves. No dia 7 de outubroIdivaldo entrara com um mandado desegurança, no Fórum Melo Viana, contra osecretário de obras, Osório Guimarães. Oobjetivo era conseguir uma “tutela judicialautorizativa de demolição”, já que seu alvaráfora barrado naSecretaria deObras, devido aoimpedimento doC o d e m p h a u .Quem cuidou docaso foi a juíza da3º Vara Cível,Régia Ferreira deLima. Sonia Fon-toura, assessora do Codemphau, ficousabendo do processo através de uma nota nocoluna Em Tempo, do jornalista Racib Idaló,no Jornal de Uberaba. A Fundação Culturalnão havia sido citada no mandado desegurança.

Nesta ação, os advogados explicam queIdivaldo postulara o pedido de demolição doimóvel “que apresenta sérios riscos em suasolidez”, mas que a Fundação Cultural foicontrária, “sob o pretexto de que o prédioestaria em processo de tombamento”.Afirmam que engenheiros da Secretaria deObras – incluindo o próprio OsórioGuimarães – verificaram “as péssimascondições estruturais e desolidez do prédio”, assimcomo sua descaracterizaçãoarquitetônica. (No entanto,em entrevista ao Revelação,o secretário de obrasafirmou que não foipessoalmente ao local navistoria) Citam trechos da avaliação daSecretaria de Obras, registrando que aedificação não era dotada de arcabouçosestruturais, laje, e todos aqueles problemasexaustivamente colocados nos laudosanteriores (irregularidades na alvenaria einstalações elétricas e hidráulicas; janelas eportas que não atendiam às normas atuais deiluminação e ventilação, etc). Citam tambéma demolição parcial devido a “chuvas evendavais” do cômodo de “+ ou - 30m2”(Nota: o laudo dos bombeiros mencionava15m2), mas não informou que se tratava de

um cômodo anexo, deixando entender que eraparte do imóvel.

O processo segue afirmando que essaproibição evidenciava uma postura ilegal eafrontosa, que ocasionaria “grave lesão” aodireito líquido e certo do proprietário, que seviu prejudicado no “constitucional direito depropriedade”. Alega que a negativa não seamparava na lei, nem em regras adminis-

trativas, e que nãohavia motivo paraimpedir a “lícitapretenção (sic) dop r o p r i e t á r i o ,quanto ao uso egozo plenos dap r o p r i e d a d e ” .Explica que, atéaquele momento,

não havia um decreto, mas apenas uma atade uma reunião do Conselho, do início de2000, decidindo pelo tombamento. Afirmatambém que o procurador redigiu seu parecer“pensando cegamente na defesa de supostosinteresses públicos”, mas ignorando a vontadede Idivaldo, que além de não ter interessealgum na reforma do palacete, também nãopossuía os “valores avultantes para essafantasiosa reforma, que seria mais umareconstrução”.

Os advogados argumentam que a reformado palacete “não merece aquele enfoquepúblico”, porque o prédio fora descarac-terizado e estava “basicamente em ruínas”.

Além disso, alegam que a“malsinada reforma” não semostrava tecnicamenteviável e que “questões eco-nômicas conspiram contraessa medida”, tornando arestauração “impraticávelfinanceiramente”. Neste

momento, citam um levantamento feito pelaConstrutora Costa Ferreira Ltda, que avaliaos custos da reforma em aproximadamenteR$180 mil. Depois disso, fazem comentáriosem torno do relatório da Esape, argumentando“consequente risco de ruína” e “incon-veniência” da reforma.

Os advogados acusam a administraçãopública de colocar o proprietário “em estadode dúvida e incerteza, uma vez que, de umaopinião de ‘idealistas’, há quase três anos, atéo momento, não se chegou a qualquer atoconcreto de tombamento”. Para eles, essa

atitude impõe restrição ao direito depropriedade sem a adoção das “mais mínimascautelas” para resguardar o interesse públicona preservação. Assim, acusam a Prefeitura denão planejar um orçamento específico paraessas “urgentes reformas”. Por tudo isso,alegam que o poder público não teria o direitode dar “esse tipo de tratamento ao proprietário”.

Para reforçar essas acusações, transcrevemaquelas declarações de José Thomaz e OsórioGuimarães, registradas em uma FID quecirculara de 3 a 6 de setembro, quando constatama “necessidade imperiosa” e urgente de reforma,ao mesmo tempo em que não se responsabilizampela “manutenção da solidez da obra”. Nessemomento, os advogados ironizam, afirmandoque essa hesitação – vinda da própria autoridadeque impunha o tombamento – tinha razão deser, pois o prédio estaria, de fato, em “iminenterisco de desabamento”.

A seguir, mais uma vez, citam o laudo dosbombeiros e anexam fotos do cômodo anexodestelhado que, segundo eles, “comprovamessa situação de ruína do prédio”, e a“inviabilidade da reforma”. Ao mesmo tempo,defendem que a única solução seria construirum novo prédio. Essa associação entre odesabamento parcial do cômodo anexo e ascondições estruturais do palacete em si foramexaustivamente exploradas e, como se verá,surtiram efeito.

Por fim, os advogados consideraram um“ridículo absurdo” a situação colocada pelaadministração pública perante um imóvel queteve “parte destruída em razão dedesabamento” devido à chuva, colocando emrisco pedestres e veículos, cujo “estadocrítico” estaria devidamente reconhecido pelaperícia do Esape; pelo Codemphau, atravésde seu presidente, José Thomaz; pela

A um passo dadestruiçãoMandado de segurança abriu outra frente debatalha e garantiu licença para a demolição

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Na sequência, palacete um dia antes de ser demolido; no dia seguinteà investida do guindaste; e o terreno vazio em foto de 24 de abril de 2003

Reviravolta

Construtora avaliouos custos da reformaem aproximadamenteR$ 180 mil

Para os advogados, a hesitaçãovinda da própria autoridade queimpunha o tombamento tinha razão deser, pois o prédio estaria, de fato, emiminente “risco de desabamento”

Page 19: Revelação 244

Secretaria de Obras; e finalmente, pelo Corpode Bombeiros. Assim, chamam de uma“sinuca” o fato de o proprietário ter em seuimóvel um processo de tombamento, no qualo próprio órgão emanador do pedidoreconhece o risco iminente de desabamentoe, por sua vez, não possui recursos pararestaurá-lo. O proprietário, por sua vez,declarava não ter condições nem interessepara restaurá-lo, “e muito menos vigiá-lo”, eque desejava demoli-lo “para evitar danos aterceiros”.

Depois disso tudo, alegando então que haviaameaça ao direito e abuso depoder, requeriam a concessãode uma liminar determinandoque o secretário de obrasfornecesse o alvará para queIdivaldo procedesse “imediatademolição”.

No dia 1º de novembrode 2002 um oficial de justiça entregou o ofíciode mandado de segurança ao secretário deobras, Osório Joaquim Guimarães Neto, comas cópias dos documentos da ação impetradacontra ele, dando prazo de 10 dias para quefornecesse as informações necessárias.

No dia 11, Osório Guimarães prestouinformações à juíza Régia Ferreira,confirmando que Idivaldo havia requerido a

licença para demolir o prédio e explicandoque a Procuradoria recomendara rejeitar opedido porque a edificação estavaprovisoriamente tombada e, segundo oCodemphau, tinha condições de serrecuperada. Reafirmou “preocupação quantoao estado físico do prédio”, registrando queprecisava de “urgentes providênciasrestauradoras” para garantir sua segurança.Informa também que o motivo dotombamento poderia ser explicado à exaustãopelo “lúcido parecer” do conselheiro AlaorRibeiro, capaz de oferecer todas os

esclarecimentos neces-sários à Justiça. (O pareceré anexado ao ofício.) OsórioGuimarães conclui que oindeferimento foi um ato“prudente, cauteloso, abso-lutamente legal e entre-meado a interesses públicos

preponderantes, ante a complexidade” dasituação.

No dia 20 de novembro é a Promotoria deJustiça que envia um ofício à juíza,salientando que Idivaldo era co-proprietáriosub judice, uma vez que era casado emcomunhão de bens. Para isso, pedia a inclusãode sua esposa, Maria José dos Reis GuaratoAfonso, no processo. Já no dia 25, Maria José

é incluída. Além disso, aquele ofício requeriacópias dos documentos, pois logo entrarianessa história um personagem do MinistérioPúblico que desempenhará um papel muitoimportante, como veremos mais à frente.

No dia 2 de dezembro, a promotora dejustiça Sandra Maria da Silva envia outroofício, afirmando que, pelo que estudara nosautos, não se encontrava “direito líquido ecerto” para que o proprietário pudesse demoliro palacete, pois existia o processo detombamento e a recuperação era possível.Para a promotora, fazia-se necessária arealização de uma “provapericial” para verificar oestado do imóvel e a conve-niência ou não do tomba-mento, e essa perícia nãoestava prevista no mandadode segurança. Assim, solicitaque a juíza não conceda aliminar. Além disso, requer que cópiasdo processo se jam remet idas aoPromotor Especializado em Defesa doPat r imônio His tór ico e Cul tura l ,Emmanuel Aparecido Carapurnala, paraque e le tome as p rov idênc ias queentender pertinentes.

Mas não houve muito tempo para isso. Nodia 9 de dezembro sai a sentença fatal.

SentençaNo relatório da sentença, a juíza registra

a posição de Idivaldo, relatando que “noexercício do direito de propriedade e por forçade interesse e conveniência” postulara ademolição do prédio “que apresenta riscos emsua solidez”. Fala do indeferimento por causado processo de tombamento, e das “péssimascondições estruturais e de solidez do prédio”,assim como a descaracterização atestada porengenheiros e pela Secretaria de Obras.Menciona a alegação do direito líquido ecerto, assim como a postura ilegal e afrontosa

do impedimento. Alémdisso, acrescenta que, noentendimento de Idivaldo,o tombamento não era real,pois não havia decreto dochefe do executivo, massomente uma ata, assinadaem 2000, onde os conse-

lheiros “que não têm poder para a prática doato opinaram no sentido de tombar o imóvel”.Aponta também que o prédio fora descarac-terizado, “está em ruínas” e “não se mostraviável a reformas”, pois o proprietário teriaque desembolsar por volta de 180 mil pararestaurá-lo. Assinala ainda a existência delaudos comprovando risco iminente dedesabamento.

O secretário municipal de obras, OsórioJoaquim Guimarães Neto, concedeu umaentrevista ao Revelação na tarde de 24 deabril. Ao contrário da afirmação dosadvogados de Idivaldo no mandado desegurança, ele disse que não compareceupessoalmente na vistoria que engenheiros dasecretaria de obras realizaram no palacete.Leia os trechos principais da entrevistagravada em seuescritório.

Revelação: Ha-via risco de desmo-ronamento no pa-lacete?

Osório Guima-rães: Havia rachaduras nas paredes…isso aí… vou te falar um negócio, édifícil… vamos dizer, um engenheirodesses nossos aqui, vai lá e fala: não,aquilo lá não vai cair. O cara tem um riscodanado de falar isso! Você vê aquelasfavelas em Belo Horizonte , es tãoprocurando um engenheiro lá que falouque não ia cair. Morreu quanta gente lá?É difícil. Normalmente o engenheiroalerta: olha, a situação está crítica. Se cai,mandam o cara pra cadeia . Aresponsabilidade é grande.

Revelação: Enquanto secretário deobras, o que diria sobre o patrimôniocultural da cidade?

Osório: A gente é por preservar, isso nãotem dúvida. Agora, tem o outro lado também:tem que ter uma forma de ajudar napreservação. O proprietário fica com aquelenegócio ali, ele é obrigado a preservar, e oque e le lucra daqui lo lá? Isso é

importante, tem queouvir os lados. Vocêvê, Ouro Preto ,agora, pegou fogo.Eu morei em Itabira– não sei se vocêconhece lá – naépoca que eu morei

lá, uma casa dessas pegou fogo. Mas porque pegou fogo? Eram as herdeiras, e elasdeixaram as portas abertas, e os sujeitosiam lá , esquentar marmita , fazerbesteira… e pegou fogo. Era o que elasqueriam mesmo. Elas não conseguiriamnunca uma autorização para derrubaraquilo.

Revelação: Podemos dizer que háuma estratégia deliberada?

Osório: Muitas vezes. Tem uma naVigário Silva, você precisa ver como é

“A responsabilidade é grande!”Secretário de obras justifica receio em garantir integridade física do palacete

Você vê aquelas favelas emBelo Horizonte, estão procurandoum engenheiro que falou queo barraco não ia cair...

Osório Guimarães diz que há casos de proprietá-rios que provocam acidentes de propósito

Em entrevista por telefone ao Revelação natarde de 26 de abril, o arquiteto e ex-conselheirodo Codemphau, Marcondes Nunes Freitas,insistiu que o prédio estava em perfeitascondições de estrutura e solidez. “Inclusive, temum documento assinado por nós, provandoisso”. Para ele, o palacete não estava, “de formanenhuma”, em risco de desabamento. “Tantoque precisou de guindaste pra jogar no chão. Sefosse mesmo assim tão frágil, bastava um trator,uma pá, uma carregadeira”.

Marcondes afirmou que, antes de terrealizado o laudo, a secretaria de obras deveriater entrado em contato com o Codemphau,visto que o conselho já havia feito uma vistoriatécnica. “Ele tinha que tomar conhecimento decomo estava o processo, e não tomar ainiciativa de forma independente.” ParaMarcondes, isso demonstra a falta de contadoentre os órgãos municipais.

O arquiteto contesta o exemplo da favelaem Belo Horizonte, citado por Osório, parajustificar o receio em garantir a solidez doprédio. “São duas situações totalmente distintas.Uma é questão de solo, outra da própriaestabilidade do edifício. No caso de BH, o soloera frágil, não havia solidez na encosta, haviaforte infiltração, falta de escoamento. No casodo palacete, não tem nada disso!”

“Palacete estavasólido”

Osório Guimarães Marcondes Nunes

André Azevedo

Secretário de obrasreafirmou preocupaçãoquanto ao estadofísico do prédio

Promotora queriarealização de umaperícia para verificaro estado do imóvel

que es t á l á . Nós f i zemos uma no-tificação para o proprietário, pra eleprocurar pelo menos preservar a inte-gridade daquilo lá.

329 de abril a 5 de maio de 2003 19

segue

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Na referência à posição da Secretaria deObras, assinala que, para Osório, oindeferimento foi baseado em parecer daProcuradoria, pois o prédio podia serrecuperado e, além disso, estava provisoria-mente tombado. Aponta ainda que, com asinformações, o secretário juntara “apenas” umparecer do conselho.

Não houve qualquer menção ao textodesse parecer – que explicava, por exemplo,o fato de o cômodo destelhado não fazer partedo palacete; além de apresentar o laudocertificando a solidez do prédio e mostrar que,com a notificação daco-proprietária, o pro-cesso havia iniciadonova fase. Da mesmaforma, não houvesequer uma alusão àimportância histórica,artística e cultural daedificação para a preservação da memória dacidade.

No decorrer da fundamentação dasentença, a juíza faz um resumo daargumentação do proprietário, evocandoriscos na solidez do prédio, “atestadoinclusive pela secretaria de obras”. Registraque Idivaldo provara a propriedade do imóvel,mas “nada foi juntado com relação ao ditoTombamento provisório”, a não ser aindicação pelo conselho em 9 de fevereiro de2000. Fala da estimativa do orçamento dareforma e do laudo técnico do “Sr. Perito quepresta serviços ao Judiciário”. Diz que osriscos apresentados no laudo, assim como asfotografias, “não foram contestados” nasinformações. Falou da falta de orçamento dopoder público para restaurar o prédio, aomesmo tempo em que este admitia anecessidade urgente de reforma e não assumiaqualquer responsabilidade pela segurança.Logo mais, citou também o laudo dosBombeiros.

Em sua análise, a juíza acata a idéia deque o tombamento “não é real”, pois não foraapresentado o “decreto do executivo

tombando o imóvel”, mas “apenas umparecer” do Codemphau, juntamente com aata da reunião do Conselho, datada de 9 defevereiro de 2000. Ela entendeu que a aberturado processo de tombamento através do órgãocompetente asseguraria a preservação atédecisão final, que deveria ser tomada dentrode 60 dias – “É o que se denominatombamento provisório, cujos efeitos sãoequiparados aos do tombamento definitivo”,assinalou. Em seguida, argumentou que “essetombamento provisório não pode serprotelado além do prazo legal, sob pena de

a omissão ou retarda-mento transformar-seem abuso de poder,corrigível por viajudicial”. No seu enten-dimento, portanto, se areunião do conselho sedeu em 9 de fevereiro de

2000, o prazo legal do tombamento provisóriojá estava esgotado há tempos, protelá-lo eraabuso de poder e, portanto, havia espaço parao mandado de segurança.

Neste ponto, no entanto, há doisesclarecimentos importantes a fazer. Para isso,convém primeiro reproduzir o artigo 10º dodecreto-lei nº 25, que organiza a proteção dopatrimônio histórico nacional:

Artigo 10º - O tombamento dos bens(…) será considerado provisório oudefinitivo, conforme esteja o respectivoprocesso iniciado pela notificação ouconcluído pela inscrição dos referidos bensno competente Livro do Tombo.

Fica claro portanto que, de acordo coma lei, a data do início do tombamentoprovisório não se dá com a ata da reunião,mas é marcada a partir da notificação doproprietário. Idivaldo fora notificado no dia11 de abril de 2002. A co-proprietária em 26de julho do mesmo ano.

A outra questão é em relação aos períodoslegais. Seguindo rigidamente os prazos,partindo da notificação de Maria de Lourdes,

o tombamento deveria ter-se dado a, nomáximo, 90 dias da publicação no Porta-Voz(15 para a eventual impugnação, mais 15 paraa defesa do tombamento e 60 para a decisãofinal), ou seja, até o dia 24 de outubro de 2002.No entanto, no decorrer dessa pendenga,ocorreram fatos não previstos – como anecessidade de nomeação da curadora para aco-proprietária ausente – fazendo com que oconselho concedesse prazos extras. Mas essaquestão merece mais discussão jurídica. Parao Iphan, como dito anteriormente, nãoexistem prazos de-terminados para adeliberação final deum processo detombamento, poiscada caso demandaum prazo diferen-ciado. O promotorE m m a n u e lCarapurnala também entende de formadiferente. (veja entrevista a seguir).

Voltando à sentença, no decorrer de suafundamentação, a juíza afirma que o direitoconstitucional de propriedade deve prevalecersobre o pedido de tombamento. Abraça aversão de que o palacete “é um prédio velho,que poderá a qualquer momento vir adesmoronar” e causar “acidentes graves”,enquanto afirma que o proprietário é uma“pessoa simples” que trabalhara “árduos” 35

anos para adquirir o imóvel.A seguir, melhor do que qualquer

descrição jornalística, é mais esclarecedorreproduzir um trecho da sentença, paramostrar o raciocínio da juíza Régia Ferreiraem relação ao patrimônio cultural da cidade.

(…) “Questiono é fundamental investir emreformar um imóvel, que não poderá de formaalguma servir ao comércio?

O autor já alegou que não possui R$200mil reais para gastar em reformas, a Fundação

Cultural não teminteresse em reformar enão possui orçamento,a Prefeitura não temdotação orçamentáriapara esse tipo dereforma e também nãose responsabiliza pelasegurança do imóvel.

N o v a m e n t equestiono: O que é mais

primordial para uma sociedade, terinvestimentos em educação, saúde, trabalho,saciar a fome daqueles que não tem o quecomer, ou reformar prédios velhos com o deleiteapenas de “olhar” e num instante em que sefecham os olhos, desaparecem com o tempo?

Ora, penso que é tempo de acordar para oprogresso, é tempo de construir para aspresentes e futuras gerações.

Não comungo o entendimento de quereformar e tombar um prédio velho é melhordo que construir um novo, moderno e com

Palacete São Luís (Palácio do Bispo), na rua São Sebastião,é um dos 11 bens imóveis, dentro da cidade, tombados pelo município

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“É fundamental investir nareforma um imóvel, quenão poderá de forma algumaservir ao comércio?”

Prédio da Faculdade de Medicina também é tombado pelo município

“Pedido de demolição é cabível eprevisto até mesmo em prédiostombados em caráter definitivo,quando existe o risco iminente àsegurança dos transeuntes”

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329 de abril a 5 de maio de 2003 21

geração de empregos e progressos tendo umafunção social, mais abrangente.

Necessário se faz repensar sobre apriorização do que é mais satisfatório para umasociedade que anseia por progressos emodificações.

Prédios tombados, na cidade, pelo quepercebo tem aos montes, e todos estão fechados,sem reformas a ponto de caírem, pois, osproprietários não tem interesse em investiremnesses casarões.” (…)

Para ela, o “direito líquido e certo” estavacomprovado pelo direito de propriedade, pelointeresse do proprietário, pelos riscos deacidentes e pelo próprio estado do palacete –

“Não comungo o entendimentode que reformar e tombar umprédio velho é melhor do queconstruir um novo, modernoe com geração de empregose progressos tendo uma funçãosocial, mais abrangente”

“prédio em ruínas, pondo em risco asegurança dos transeuntes”. Assinalou queuma nova perícia nãoera necessária, pois jáhavia laudo técnico erelatório dos bom-beiros “confirmando areal situação do imó-vel”. Invocou maisuma vez o direito àpropriedade, garan-tido pela Constituição,e afirmou que con-siderava o pedido de demolição cabível eprevisto até mesmo em prédios tombados em

caráter definitivo, quando existe o risco imi-nente à segurança dos transeuntes.

Dado tudo isso,julga procedente opedido e, em sentençaproferida no dia 9 dedezembro, é conce-dido o mandado desegurança determi-nando a autorizaçãopara a demolição. Ofim estava muitopróximo. Idivaldo

comemora e vai agilizando os procedimentospara derrubar o prédio. No dia 11 a sentença

foi publicada. No dia 12 foi expedido o ofícioao secretário de obras, determinando aliberação do alvará. Na sexta-feira 13, OsórioGuimarães recebeu o ofício, liberou o alvaráe o palacete Antônio Pedro Naves, uma dasedificações mais significativas dopatrimônio cultural da cidade, começou a serdemolido. Primeiro foi destelhado. Depois,as paredes internas foram derrubadas.Finalmente, a fachada destruída. Na manhãde domingo, o 2º piso já estava praticamenteem ruínas. Na segunda-feira, oscomerciantes foram abrir as lojas e nãoacreditavam no que viam. Aquele casarão,destruído…

Na tarde de 28 de abril, a juíza RégiaFerreira de Lima concedeu uma entrevista aoRevelação em sua sala da 3ª Vara Cível noFórum Melo Viana. Elaexplicou que decidiupela concessão da li-cença para demolir opalacete por causa dasprovas que tinha emmãos – os laudos daEsape e do Corpo deBombeiros – que deno-tavam iminente risco de desabamento. “Setodas as provas informam que aquele prédioestava oferecendo risco para a população quepassa por ali, achei por bem deferir ademolição”, disse.

“Vamos supor que eu negasse o mandadode segurança, e porventura nesse prédioocorresse um acidente e matasse váriaspessoas? Pesaria muito na minha consciência.

“Eu acho bonito”Régia Ferreira

Juíza diz o que pensa sobre patrimônio culturale justifica sua sentença no mandado de segurança

Imagina minha filha pequena chegar pra mime falar: mãe, mas a senhora esteve com oprocesso na mão, a senhora poderia ter

impedido essas mor-tes, poderia ter feitoalguma coisa. Vocêentendeu? Pra mim,seria muito maisgrave.”

Esse receio dedesmoronamento foievocado várias vezes

durante a entrevista. “A gente não podebrincar com isso. Quando você fala emvida, em ser humano, a gente não podebrincar. Pelas provas que estavam ali noprocesso, eu não tinha como indeferir [ademolição].”

Ela confirmou que, nos autos, nãohavia nenhum laudo garantindo o estadoda solidez da edificação. “Não tem nada

nesse sentido. Pelo contrário, os laudosque estavam ali apontavam para umareforma que precisava ser de formaimediata.”

Régia Ferreira afirmou ainda que, “já queninguém queria se responsabilizar por nada(…) eu não tinha outra alternativa senão julgaro mandado de segurança procedente.” Noentanto, afirmou que, se houvessemdocumentos provando que o prédio não corriarisco, e se os interessados mostrassem quepoderiam ser captados recursos para arestauração, evidentemente, a decisão seriadiferente. “O juiz decide de acordo com aquiloque ele tem nos autos.”

VerbasAinda assim, a juíza manteve o raciocínio

da sentença ao afirmar que é injusto reformarcasa antiga, enquanto as pessoas estãopassando fome. “A gente vê tanta gentesofrendo, com fome, nosso sistema de saúdecaótico, você vê a escola pública como está.Então, já que o município fala que não temessa verba, por que vai investir? E mesmo setivesse, seria injusto investir nisso e deixaras pessoas. Veja bem: é um prédio, é umobjeto. Criança, ser humano, é vida, somosnós. O que é primordial, zelar pela sua vida,ou pelo seu carro?”, comparou.

Um trecho muito criticado de sua sentençaforam as considerações finais, onde a juízaafirma que é melhor construir casas novas doque restaurar prédiosvelhos. “Eu me referia aprédios que estão caindo,que estão oferecendorisco de vida. É essa alinha do meu entendi-mento. Você pode con-servar o prédio, desde quevocê tenha condição – eque você realmente conserve!”

Durante as manifes-tações que ocorreramem dezembro de 2002 para protestar contra ademolição, Régia foi muito criticada. “Aspessoas perguntam: a doutora Régia é contracasarões antigos? Não! Eu acho bonito. Eumesmo compraria um pra eu morar! Eu achobonito um casarão antigo. Desde que vocêtenha condições para reformar, que aquilo não

desabe e não cause um risco sério para apopulação”, afirmou.

Responsabilidades“Então eu pensei, um prédio desse – tudo

bem, é muito bonito – mas o cidadão me falaque não tem o dinheiro, a Prefeitura fala quenão tem verba, e que não vai se responsabilizar,a Fundação Cultural fala que não está nem aípara o prédio, o que eu posso decidir?”

Régia vê com naturalidade a iniciativa doMinistério Público entrar com o recurso deapelação ao Tribunal de Justiça. “O Tribunalvai examinar. Eu decidi de acordo com o meuentendimento, meu livre arbítrio. Eu não fuicoagida por ninguém, não decidi porque nãogosto de fulano ou sicrano. Eu tive meu livrearbítrio de entendimento para julgar, paradar essa sentença. Agora, acima de mim,tem um Tribunal, tem uma corte superior,que vai examinar todas as peças doprocesso, vai examinar a sentença. Ela podemuito bem cassar minha sentença, comopode mantê-la.”

A juíza também afirmou que não é umaadversária da preservação do patrimôniocultural da cidade “Não fiquem preocupados,achando que a doutora Régia não gosta decasas antigas. Não, absolutamente. Eumoraria numa casa antiga, porque eu achobonito. Então, isso aí você pode tirar dacabeça. A minha sentença foi só nesseprédio, em vis ta daqueles aspectos

trazidos aqui. Se tiverum outro caso, nósvamos analisar tudode novo, de outraforma, porque cadaprocesso é um pro-cesso, cada situação éuma situação.”

“Vamos supor que eu negasseo mandado de segurança, eporventura nesse prédioocasionasse um acidentee matasse várias pessoas?

“Já que ninguém queria seresponsabilizar por nada, eunão tinha outra alternativasenão julgar o mandado desegurança procedente”

André Azevedo

Régia Ferreira: “pelas provas que estavam ali no processo, eu não tinha como indeferir a demolição”

Idivaldo Odi AfonsoO proprietário Idivaldo Odi Afonso en-

contrava-se ocupado para uma entrevista du-rante a semana, mas atendeu gentilmente aum telefonema da reportagem do Revelação,na noite de 29 de abril, um pouco antes dofechamento da edição. Ele se colocou à dis-posição para um futuro contato, para regis-trar sua visão do caso.

Page 22: Revelação 244

No dia 12 de fevereiro de 2003, opromotor de justiça Emmanuel AparecidoCarapurnala, especializado em Defesa doPatrimônio Histórico e Cultural, entrou comum recurso de apelação ao Tribunal de Justiça,em Belo Horizonte, pedindo a revisão dasentença que autorizou a demolição. Oobjetivo é avaliar a possibilidade de instauraruma ação civil pública contra Idivaldo,exigindo indenização por danos moraiscausados à sociedade.

O primeiro pontoconsiderado irregular é aausência do chamamentoà Fundação Cultural noprocesso de mandado desegurança. “Sendo parteinteressada, a Fundação Cultural não foivalidamente citada”, embora sua presençafosse obrigatória e indispensável, já que oCodemphau – o órgão responsável pelas açõesrelativas ao patrimônio histórico da cidade –trabalhava justamente no tombamento dopalacete, assinala. Para Carapurnala, nãohavia como negar o interesse jurídico doConselho neste processo; e sem sua presença,“a relação processual jamais foi completada”.Assim, afirma que se a Fundação Culturaltivesse comparecido ao processo, em razãodas informações quetinha a prestar, prova-velmente a decisão dajuíza teria sido di-ferente.

O promotor es-creve que, dado ovalor cultural de-monstrado em pes-quisa histórica, oPalacete de Antônio Pedro Naves “constituía-se de verdadeira relíquia”. Ele esclarece queas alegações de que o prédio ameaçava ruireram contestadas por outros laudos. “Não senega que o imóvel necessitasse de reformas,contudo, nada justificava sua demolição”.Carapurnala constatou que os laudos dosbombeiros se referiam a um imóvel que defato não pertencia ao conjunto tombado, poistratava-se de um “barracão” construído nosfundos. Em relação a alegada desca-racterização, afirma que essa argumentação

não era consistente, pois “bastava arestauração de sua fachada, sem qualquernecessidade de demolição”. O promotormenciona também que o laudo pedido porIdivaldo levou em consideração “somenteaspectos econômicos que poderiam favorecerao seu proprietário”.

Quanto aos argumentos da juíza –afirmando que o imóvel não estavajuridicamente protegido por falta de um ato

oficial – o promotor afir-ma que “não podemprevalecer”. Primeiro por-que, para ele, o valorhistórico do palaceteantecede ao seu tomba-mento. Além disso, en-

tende que a prova mais contundente de quehavia um processo em andamento eram “asinvestidas do proprietário na faseadministrativa”, ou seja, o próprio processode impugnação. Carapurnala afirma aindaque, em investigação da Promotoria deJustiça, confirmou-se que o imóvel foi“efetivamente tombado” no dia 11 dedezembro.

No entanto, à despeito dessa discussãosobre datas, o promotor argumenta que,“verificando o interesse histórico do imóvel,

impõe-se ao PoderPúblico (e tambémao Judiciário) aobrigação de pre-servar o bem, inde-pendentemente detombamento defi-nitivo”. Assim, citaum trecho de PauloAffonso Leme

Machado, dizendo que, enquanto se discuteo tombamento, o bem deve permanecerintocável; “caso contrário, as forças dedestruição, que, em geral, são mais rápidas,se põem em ação”.

Citando trechos do Manual do promotorde justiça, de Hugo Nigro Mazzili, diztambém que o tombamento não é o únicosistema de proteção ao patrimônio cultural.Há leis específicas que protegemmonumentos arqueológicos, defendem osdireitos de autor e protegem propriedades

contra vandalismo e pichações. O CódigoPenal também prevê a proteção do patrimôniopúblico tombado e do não-tombado.

Além disso, para Ministério Público, nessecaso não era cabível a ação do mandado desegurança. “Qual o direito líquido e certo deuma pessoa demolirum prédio que estáprotegido adminis-trativamente contraa demolição?”, ques-tionou, em entre-vista ao Revelação.No recurso, o pro-motor assinala que o procedimento detombamento provisório transcorrera dentrodos parâmetros estabelecidos pela legislação.Dessa forma, cita também o trecho daConstituição que inclui o tombamento entreos meios de proteção do patrimônio culturalbrasileiro.

Sobre a argumentação da juíza de que amanutenção do palacete não cumpria funçãosocial, o promotor argumenta ser incorreto oraciocínio que liga a função social ao “lucro”que ela possa proporcionar, pois há muitosângulos para analisar os benefícios de um bem

Ministério Público entra comrecurso para rever sentençaObjetivo é analisar a possibilidade de uma ação de indenização por danos morais causados à coletividade

Mais reviravolta

“Qual o direito líquido e certo deuma pessoa demolir um prédio queestá protegido administrativamentecontra a demolição?”

“Não se nega que o imóvelnecessitasse de reformas,contudo, nada justificavasua demolição”

para a sociedade. “Por óbvio, a função socialdo imóvel, em tais casos, é aferida exatamentepelo conteúdo histórico e cultural posto àdisposição de toda a população”. Para ele, oculto à memória é um “valor social cujoconteúdo econômico não se pode mensurar”.

Ele insiste emconsiderar um erroa concepção de quea função social dapropriedade estádiretamente ligadaao fator produtivi-dade. Para e le ,

este conceito está ligado a todo e qualquerbenefício social advindo da propriedade,inclusive na área ambiental . Assim,argumenta que se uma propriedade ruralcom altos índices de produtividade nãorespeita normas ambientais, descumpresua função social. “Portanto, o imóveldemolido estaria cumprindo sim suafunção socia l , caso t ivesse s idopreservado em favor da sociedadeuberabense”.

Hoje, o processo está sendo analisado peloTribunal de Justiça de Minas Gerais.

Se a Fundação Cultural tivessecomparecido ao processo, emrazão das informações que tinha aprestar, provavelmente a decisãoda juíza teria sido diferente

André Azevedo

Emmanuel Carapurnala é promotor especializado em Defesa do patrimônio Histórico e Cultural

29 de abril a 5 de maio de 200322

Page 23: Revelação 244

Emmanuel Aparecido Carapurnala,promotor de Justiça especializado em Defesado Patrimônico Histórico e Cultural,concedeu uma entrevista ao Revelação natarde de 11 de abril, gravada em sua sala noMinistério Público. Leia os trechosprincipais.

Revelação: Para o Ministério Públicoa juíza errou?

Carapurnala: Veja que não é críticapessoal, mesmo porque o direito é assim; nodireito existem posições diversas, as pessoasdefendem posições diferentes. O MinistérioPúblico entende que não era cabível ademolição daquele imóvel. Primeiro porquea argumentação do proprietário, no sentidode que o prédio ameaçava a ruir, não procedia.Há provas no processo de que não procediaessa argumentação – de que a comunidadecorria risco por causa de um possíveldesabamento. Não é verdadeira essainformação. Segundo, existia umprocedimento administrativo de tombamento.Terceiro, ainda que não houvesse esseprocedimento, o valor histórico daqueleprédio era inegável. No processo há provasde que era um imóvel de valor históricoímpar em Uberaba. E isso agora está perdidopara sempre.

Exatamente por discordar nessespontos, a Promotoria propôs um recursoao Tribunal de Justiça para tentar provarque não era cabível essa concessão dasegurança e, futuramente, para oMinistério Público pensar em uma possívelação indenizatória por danos morais à

“Derrubar não!”Promotor de Justiça afirma que mesmo casas históricas não tombadas devem ser protegidas

Emmanuel Carapurnala

Terreno na rua São Sebastião, onde localizava-se casa historica demolida no fim do ano passado. Caso é um dos que estão sendo analisados pelo Ministério Público

sociedade – para o proprietário deste e deoutros imóveis onde ocorreram situaçõessemelhantes.

Revelação: Alei prevê umperíodo máximode 90 dias para aconclusão dos procedimentos dotombamento. Houve inobservância dosprazos por parte do Codemphau?

Carapurnala: Não. Porque ali nesse casoocorreu a necessidade de citar a herdeira co-

proprietária, e o próprio proprietário tinharequerido isso. Mas, de qualquer forma, o

interesse histórico, o valorhistórico do imóvel,supera qualquer procedi-mento administrativo.Mesmo o imóvel que nãotenha nenhum proce-dimento de tombamento

deve ser protegido judicialmente.

Revelação: No processo houve umaalegação de que o edifício não cumpria

função social. Como o MinistérioPúblico entende isso?

Carapurnala: Uma fazenda tem umaltíssimo índice de produtividade, mas queexplora mão-de-obra escrava, ela estádesempenhando função social? Claro quenão! Apesar da lucratividade, de serextremamente produtiva. Da mesma forma,uma empresa que dá muitos empregos, pagaimposto, que gera vários benefícios sociaismas que polui o meio ambiente, ela estádesempenhando sua função social? Não está!Porque essa função social não está ligada sóao lucro.

Nesse casarão é a mesma coisa. Qual afunção social de um imóvel que tenha valorcultural? Exatamente permanecer dessaforma, para que a nossa geração e as futurasgerações possam desfrutar disso. A funçãosocial do imóvel é seu valor histórico.

Revelação: Idivaldo alegava que nãotinha dinheiro para a reforma. Otombamento não pode se tornar umônus ao proprietário?

Carapurnala: Isso ninguém nega. Masessa argumentação do proprietário – no sentidode que o imóvel precisava de reformas, queele não tinha recursos para isso, que omunicípio também se manifestou no sentidode que não poderia gastar – também não émotivo para a demolição. Os autores nessa áreado Direito dizem o seguinte: o sujeito tem quepreservar o prédio. Não tem como? Não éinteresse do governo? Ele pode até entrar comuma ação de indenização contra o municípiopara receber recursos; mas derrubar, não.

“O valor histórico doimóvel, supera qualquerprocedimento administrativo”

André Azevedo

De acordo com informações do Institutodo Patrimônio Histórico e Artístico nacional(Iphan), além do tombamento, existemoutras formas de preservação do patrimôniocultural da uma co-munidade. “O in-ventário é a primeiraforma para o reco-nhecimento da im-portância dos bensculturais e ambien-tais, por meio do registro de suas carac-terísticas principais.”

Ainda segundo o órgão, os PlanosDiretores, através do planejamentourbano, também podem estabelecerformas de preservação do patrimônio, em

Existem várias formas de preservaçãoInventários, planejamento urbano e ações no Ministério Público são formas de proteção

nível municipal. Além disso, municípiospodem criar leis específicas que esta-beleçam incentivos à preservação (a leiorgânica de Uberaba já prevê esses

estímulos). Para oIphan, os municípiosdevem promover odesenvolvimento dascidades sem a des-truição do patrimônio.

O órgão esclareceainda que, “atualmente, pela ação doMinistério Público, qualquer cidadãopode impedir a destruição ou descarac-terização de um bem de interesse culturalou natural, solicitando apoio ao PromotorPúblico local”.

Através do Ministério Público,qualquer cidadão pode impedira destruição de um bem cultural,solicitando apoio ao promotor local

Casarão histórico localizado na rua Tristão de Castro sofre descaracterização da fachada

André Azevedo

329 de abril a 5 de maio de 2003 23

Page 24: Revelação 244

A historiadora e ex-assessora doCodemphau, Sonia Fontoura, falou aoRevelação na noite de 24 de abril, em suacasa. Assim como os quatro conselheiros querenunciaram ao cargo dias depois dademolição, Sonia decidiu se afastar nocomeço de 2003. Veja os trechos principaisda entrevista.

Revelação: Por que a casa caiu?Sonia Fontoura: Porque não houve

interesse do poder público de mantê-la de pé.Em nenhum momento isso se manifestou.

Revelação: Mas a autorização dademolição não foi uma decisão judicial?

Sonia: Sim, depois de uma sentençajudicial. Mas as medidas que teriam que sertomadas não dependiam da sentença judicial.O fato é que não existe uma política,realmente, para a preservação do patrimôniohistórico da cidade. Não existia uma equipede trabalho. O trabalho que eu realizava, decoordenar a questão do patrimônio epreservação, não dava, não saía do papel! Nóstínhamos um monte de planos, projetosprontos de preservação, mas nós não tínhamosequipe de trabalho especializada.Demandaria, em primeiro lugar, um arquiteto.Eu sou historiadora. Tinha o AugustoRischiteli, que foi contratado depois que eucomecei a trabalhar, e a Renata Bananal, quenos ajudava na parte administrativa. Mas nãoexistia uma equipe de trabalho voltada para opatrimônio. Era um trabalho altamentedesgastante, e eu sentia que o que nósfazíamos por um lado, pelo outro era desfeito.

Revelação: O que foi desfeito?Sonia: A casa não foi demolida? Nós

fizemos o tombamento através de umprocesso dificílimo! Aquele processo custoua andar, foi um processo administrativopesado. Você vê pelo número de páginas. E,por outro lado, estava ocorrendo um outroprocesso e foi facilitada essa demolição.

Revelação: Os conselheiros nãopoderiam substituir a equipe técnica?

Sonia: Tínhamos o melhor conselhopossível para Uberaba. O arquitetoMarcondes fazia parte da equipe técnica, eufazia parte, mas há uma diferença entre umconselheiro, que é um trabalho não-remunerado, fazer parte de uma equipetécnica; e ter um arquiteto que trabalha comvocê todo o tempo, que está disponível para

aquele trabalho. Então o Marcondes, o Dr.Alaor Ribeiro, o Dr. João D’Amico tiveramgrande disponibilidade. Eles trabalharamrealmente, duramente. Mas era necessáriomais. Porque não era só aquela casa a sertombada, tinha outras. E um trabalho detombamento exige um estudo histórico, umajustificativa e um estudo arquitetônico – senós estamos falando de imóveis.

Revelação: Ninguém mais ajudava?Sonia: Foi contratado o trabalho de um

restaurador que nos ajudou – quando eu jáestava saindo é que eleassinou o contrato; euestava tentando essecontrato desde junho de2002, e ele foi sercontratado em final dejaneiro de 2003 – parafazer um restauro dacabeça daquela estátuaque fica sobre amarquise do prédio da Câmara Municipal, olevantamento dos bens móveis da Câmara, eoutros trabalhos [restauro do Cruzeiro doCachimbo e prospecção de cores do MercadoMunicipal e do prédio dos Correios]. Mas foisó. A igreja de São Domingos, que nóstínhamos um estudo histórico pronto, a igrejaMetodista, pronto também os estudos parafazer os tombamentos, nós não conseguimos,não foi contratado arquiteto. Não é porqueeu não me esforçasse. Agora, não dava parao Marcondes fazer todo o trabalho. Ele nãoestava sendo remunerado para isso. No

entanto, ele fez muitos trabalhos.Acompanhou os processos de restauro doprédio dos Correios, por exemplo. Ele fez oestudo das plantas, do projeto, isso tudo foifeito por ele. E muitas outras coisas.

Revelação: A senhora adoeceudepois da demolição do palacete?

Sonia: Adoeci. Todos nós adoecemos. ODr. Alaor, creio que também outras pessoas.Você se envolve afetivamente com o trabalhoe dedica uma grande parte do seu tempo. Enão é só aquele tempo que você fica ali, parado,

dentro da FundaçãoCultural. A gentepesquisa em casa, a gentelê, não é só por causa doedifício do Pedro Naves,fizemos um seminário noano passado, e nóstrabalhamos de umamaneira muito difícil,não tinha recurso para o

patrimônio. Então você tem que solicitar ofavor de um, solicitar um trabalho gratuito deoutro, e o trabalho de patrimônio histórico nãoé um trabalho filantrópico, é um trabalhoprofissional, que rende dividendos para acidade, que pode render empregos. Ele é umtrabalho especializado e altamente profissional.Então eu me dediquei bastante a esse trabalho.E essa casa – isso foi registrado em atas –significou pra nós um peso, uma medida dotrabalho que nós poderíamos fazer. Porque nóspensávamos assim: se essa casa for demolida,dificilmente nós seguramos as outras. Se essa

casa for preservada, facilmente vamos preservaras outras. Então ela foi um modelo, nós nosdedicamos àquele tombamento, porque ela eracomo um símbolo para o conselho. Daí que todasas pessoas se envolveram afetivamente nessetrabalho, e saiu aquele resultado…

Eu não estava presente na cidade no dia queaconteceu a demolição, e só fui tomarconhecimento quase que uma semana depois.Os conselheiros que estavam presentesrenunciaram – com muita sabedoria, porque foiuma renúncia didática, pedagógica – e eu sófui fazer isso depois, porque além de ser doConselho, eu era também assessora dopatrimônio. Então não poderia me afastarassim de qualquer maneira, eu tinha que deixaro trabalho completo, fechar as portas, etc.[nota: os conselheiros que renunciaram emprotesto foram Alaor Ribeiro, Aparecido JoãoD’Amico, Marcondes Nunes e mariaAntonieta Borges Lopes]

Revelação: E agora?Sonia: Agora fico sonhando que algum dia

ainda possa fazer alguma coisa pelo patrimônio,mas não fico omissa não. O restauro da igrejaSanta Rita ainda está em nossas mãos. Nósconseguimos fazer o projeto junto com aprojetista Marlene Maia. Eu reuni os dados econseguimos que a Casa do Artesão assumisseporque não se capta recurso em instituiçãopública, nós só podemos em instituiçãoindependente. Mas eu vou continuarcoordenando o projeto de restauro.

Revelação: Ainda é possível salvaro patrimônio cultural de Uberaba?

Sonia: Eu tenho muita esperança, porqueé um patrimônio rico, ainda tem muita coisa.Mas existem muitas pessoas interessadas emdemolir, eu mesma já visitei uma casa que aintenção do proprietário que adquiriu édemolir. Sem uma política voltada para apreservação, vai ser impossível. Mas euacredito que ainda há possibilidade de haveresse interesse, de desenvolver uma política.

“Não existe política depatrimônio cultural na cidade”Historiadora e ex-assessora do Codemphau diz que não houve interesse do poder público na preservação

Tem que solicitar o favor de um,solicitar um trabalho gratuitode outro... e o trabalho depatrimônio histórico não éum trabalho filantrópico,é um trabalho profissional, querende dividendos para a cidade,que pode render empregos

Nós tínhamos um montede planos, projetos prontosde preservação, mas nósnão tínhamos equipe detrabalho especializada

Sonia Fontoura

Sonia Fontoura: “eu sentia que o que nós fazíamos por um lado, pelo outro era desfeito”

André Azevedo


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