RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 1
Apresentação ................................................................................................................................ 3
Aula 1: Responsabilidade civil e direito de danos ......................................................................... 4
Introdução ............................................................................................................................. 4
Conteúdo ................................................................................................................................ 5
Responsabilidade civil e sociedade ................................................................................ 5
Referências........................................................................................................................... 23
Exercícios de fixação ......................................................................................................... 24
Notas ........................................................................................................................................... 31
Chaves de resposta ..................................................................................................................... 32
Aula 1 ..................................................................................................................................... 32
Exercícios de fixação ....................................................................................................... 32
Aula 2: O dano moral .................................................................................................................. 40
Introdução ........................................................................................................................... 40
Conteúdo .............................................................................................................................. 41
Contextualização ............................................................................................................. 41
Aplicação da função punitivo-pedagógica da responsabilidade civil no Brasil .. 49
Aplicabilidade prática da função punitivo-pedagógica conforme a
jurisprudência ................................................................................................................... 54
Considerações finais ....................................................................................................... 56
Atividade proposta .......................................................................................................... 58
Referências........................................................................................................................... 62
Notas ........................................................................................................................................... 68
Chaves de resposta ..................................................................................................................... 69
Aula 2 ..................................................................................................................................... 69
Exercícios de fixação ....................................................................................................... 69
Aula 3: A sociedade de risco........................................................................................................ 72
Introdução ........................................................................................................................... 72
Conteúdo .............................................................................................................................. 73
Contextualização ............................................................................................................. 73
Surgimento da sociedade de riscos ............................................................................. 74
Danos Reflexos ...................................................................................................................... 82
A responsabilidade civil por abandono afetivo .......................................................... 87
Princípio da afetividade .................................................................................................. 88
Referências........................................................................................................................... 95
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 2
Chaves de resposta ................................................................................................................... 101
Aula 3 ................................................................................................................................... 101
Exercícios de fixação ..................................................................................................... 101
Aula 4: Responsabilidade civil objetiva ..................................................................................... 105
Introdução ......................................................................................................................... 105
Conteúdo ............................................................................................................................ 106
Responsabilidade civil objetiva ................................................................................... 106
Código de Proteção e Defesa do Consumidor ........................................................ 115
Proteção da incolumidade físico-psíquica do consumidor .................................. 115
Referências......................................................................................................................... 124
Notas ......................................................................................................................................... 129
Chaves de resposta ................................................................................................................... 130
Aula 4 ................................................................................................................................... 130
Exercícios de fixação ..................................................................................................... 130
Conteudista ............................................................................................................................... 133
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 3
Esta disciplina tem como objetivo o estudo das novas tendências da
Responsabilidade Civil, sempre levando em consideração a evolução dos
institutos do Direito Civil em decorrência da proclamada Constitucionalização do
Direito Civil e do processo de Repersonalização do Direito.
Demonstraremos que as funções da Responsabilidade Civil sofreram nítidas
mudanças, abrindo espaço para a proteção da vítima, em essencial, buscando
alternativas de indenização que não foquem critérios subjetivos fundados na
culpa e na punição do causador do dano.
Em seguida, examinaremos os efeitos da sociedade de risco com a
multiplicação dos danos, criando-se novas espécies de danos que exigem uma
resposta imediata do Direito que não se coaduna com as proposições clássicas
da disciplina.
Sendo assim, esta disciplina tem como objetivos:
1. Examinar os reflexos da Constitucionalização do Direito Civil e da
Repersonalização do Direito no âmbito da Responsabilidade Civil.
2. Distinguir as soluções propostas pela doutrina visando fazer frente às
novas espécies de dano, bem como dando efetividade ao objetivo primordial da
Responsabilidade Civil – a indenização da vítima.
3. Analisar os novos danos que surgem da Sociedade de Risco e as
possíveis soluções para a prevenção e também ressarcimento da vítima.
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 4
Introdução
Em nossa primeira aula, vamos compreender os reflexos dos processos de
Constitucionalização do Direito Civil e de Repersonalização do Direito no âmbito
da Responsabilidade Civil.
Assim, constataremos que as funções clássicas da Responsabilidade Civil se
alteraram e o foco primordial da disciplina passa a ser a indenização da vítima,
razão pela qual se busca alternativas para o alcance desse objetivo, como, por
exemplo, os Seguros de Responsabilidade Civil e a criação de Fundos Públicos e
Privados que garantam à pessoa lesada uma efetiva indenização.
Perceberemos como uma disciplina nitidamente patrimonialista na sua origem,
a qual se preocupava tão somente com o restabelecimento do status quo ante,
o reequilíbrio do patrimônio da vítima, com a consequente punição do agente
causador do dano, na atualidade, busca alternativas para a socialização do
dano. Bons estudos!
Objetivo:
1. Descrever a evolução histórica da Responsabilidade Civil, examinando a
influência do processo de Constitucionalização do Direito Civil e da
Repersonalização do Direito Civil para a mudança de uma Responsabilidade Civil
fundada essencialmente na culpa para um Direito de Danos;
2. Analisar os chamados “mecanismos de socialização dos riscos”, como
alternativas indicadas pela doutrina para alcançar de forma efetiva a
indenização da vítima, em especial os Seguros de Responsabilidade Civil e os
Fundos Públicos e Privados.
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 5
Conteúdo
Responsabilidade civil e sociedade
Vamos fazer uma breve análise sobre a evolução da Responsabilidade
Civil?
Ao analisar a história da Responsabilidade Civil, constata-se que esse é um dos
ramos do Direito que mais sofreu mutações no decorrer da evolução da ciência
jurídica, pois a sua existência está intrinsecamente vinculada às relações
sociais.
É comum na doutrina se estabelecer a correlação entre a Responsabilidade Civil
e a Sociologia, afirmando que a noção daquela é nitidamente sociológica,
decorre dos fatos sociais, está imbricada nas relações sociais. Não raramente,
as relações sociais provocam prejuízos às pessoas a elas vinculadas exigindo
uma resposta por parte do Direito para restabelecer o equilíbrio dessas relações
(AGUIAR DIAS, 1995, p. 1).
A evolução da sociedade como um todo refletirá diretamente na necessidade de
criação de institutos jurídicos que possam regular a nova realidade social.
Sendo assim, é óbvio que a passagem de uma sociedade nitidamente ruralista
para uma sociedade decorrente da Revolução Industrial e Tecnológica
acarretará em mudanças significativas no Direito.
Nesse contexto, entenda, a seguir, algumas passagens da história da
Responsabilidade Civil, visando descrever os reflexos sofridos por essa disciplina
em razão dos processos de Constitucionalização do Direito Civil e
Repersonalização do Direito.
Início da história da responsabilidade civil
A Responsabilidade Civil se origina há milhares de anos, desde o Código de
Hamurabi e de Manu, bem como no Direito Hebreu. Mas é no Direito Romano
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 6
que é possível se encontrar vestígios mais evidentes desse instituto. A sua
evolução passa pela fase da vingança e depois pela fase da composição de
danos. Vamos entender melhor? Acompanhe.
Fase da vingança
A evolução da responsabilidade civil passa inicialmente pela fase da vingança,
primeiramente coletiva para, posteriormente, vingança individual, representada
claramente na Lei de Talião. De uma retaliação privada passa a ser alçada ao
espaço público pela Lei das XII Tábuas, cabendo ao legislador definir como
seria a retaliação.
Contudo, a fase de vingança não solucionava o prejuízo sofrido pela vítima,
pelo contrário, fazia surgir um duplo dano (AGUIAR DIAS, 1995, p. 17), razão
pela qual surge a chamada fase de composição dos danos.
Fase de composição de danos
Na fase de composição dos danos, o agressor é chamado a indenizar a vítima,
inicialmente por uma iniciativa voluntária e, posteriormente, em razão de
previsão legal.
Procedimento civil e procedimento penal
Percebe-se que no período pós-clássico do Direito Romano, as funções
punitivas e reparatórias, representadas pela pena e pela indenização, passam a
atender a interesses diversos, de um lado o interesse público e de outro o
interesse privado, com uma distinção nítida entre procedimento civil e
procedimento penal (LEVY, 2012, p. 37-39).
Lex Aquilia de Damno
É com a Lex Aquilia de Damno que surgem dois fundamentos que irão
influenciar a Responsabilidade Civil no Direito Moderno:
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 7
a) sua função reparadora do dano por meio de uma pena pecuniária, com a
consequente restituição do status quo ante; e
b) a noção de culpa como requisito indispensável para surgir o dever de
reparar, estabelecendo estrita ligação com a concepção de punição.
A função reparadora do dano por meio de uma pena pecuniária, com a
consequente restituição do status quo ante.
A noção de culpa como requisito indispensável para surgir o dever de reparar,
estabelecendo estrita ligação com a concepção de punição.
São essas duas premissas que se revelaram no nosso Código Civil de 1916, sob
nítida influência do Código Civil Francês, estabelecendo como regra a
responsabilidade civil subjetiva, a qual tem como pressuposto indispensável a
comprovação da culpa do agente causador do dano.
Do código civil de 1916 ao código civil de 2012
Nossa legislação civil, claramente liberal, individualista e patrimonialista, não se
preocupava com a proteção da vítima, como pessoa, ser humano, mas voltava-
se para a proteção do seu patrimônio, aqui na sua acepção mais estrita, como
conjunto de bens passíveis de valoração econômica.
A Revolução Industrial e Tecnológica, as guerras mundiais e, principalmente, a
Constituição de 1988 fizeram com que a legislação ficasse ultrapassada,
influenciando de forma significativa a Responsabilidade Civil, passando a
acontecer a Repersonalização do Direito Civil.
A sociedade brasileira da época do Código Civil de 1916 era de estrutura
eminentemente agrária, fundada na exportação de matérias-primas e
importação de manufaturados, sendo que evidentemente as circunstâncias em
que se fazia presente a Responsabilidade Civil eram restritas à atuação dos
particulares, num âmbito bastante limitado pelas características daquele núcleo
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 8
social, acabando por serem suficientes as regras de reparação fundadas na
noção de culpa.
Contudo, a história muda seu curso, esse ideário de uma sociedade liberal
burguesa não mais consegue solucionar a nova realidade social advinda da
Revolução Industrial e Tecnológica, bem como da Sociedade de Consumo; a
nítida separação entre o Direito Público e o Direito Privado não mais se sustenta
diante da necessidade de um Estado de índole social; a propriedade como
direito absoluto e núcleo do ordenamento jurídico não mais se ajusta à
sociedade após as duas Grandes Guerras Mundiais e o fortalecimento da pessoa
humana como fim último de todo o Direito, representado na consagração
internacional do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
A legislação brasileira sofre profundas modificações, em especial no âmbito
constitucional com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil
de 1988, a qual vem consagrar a proteção da dignidade da pessoa humana
como fundamento da nossa República e dedica considerável número de
dispositivos aos direitos e garantias fundamentais, adotando os ideais de um
Estado Social, com a intervenção do Estado nas relações privadas visando
efetivar os objetivos de uma sociedade livre, justa e solidária.
Todavia, no campo da legislação infraconstitucional, ainda permanecemos
dentro das concepções de uma sociedade capitalista, individualista e
patrimonialista revelada pela legislação civil de 1916.
Surge, consequentemente, a necessidade de adaptação da legislação civil, já
ultrapassada pela nova realidade social, às normas e valores constitucionais. O
Código Civil deixa de ser a constituição do Direito Privado e a Constituição deixa
de ter a função estruturante e limitadora do Poder Estatal.
O Código Civil de 1916, ainda fundado naquele ideal burguês liberal, não se
coaduna com os novos valores e princípios constitucionais, sendo necessária a
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 9
sua releitura a partir das normas constitucionais, o que Paulo Ricardo Schier
chama de “Filtragem Constitucional” (SCHIER, 2005), com o reconhecimento da
eficácia normativa das normas constitucionais.
Paulo Lobo afirma que “a constitucionalização tem por fito submeter o direito
positivo aos fundamentos de validade constitucionalmente estabelecidos”
(1999), ou seja, institutos como a família, o contrato, a propriedade devem ser
relidos a partir de principios como dignidade da pessoa humana, igualdade
entre homem e mulher, funcionalização do contrato e da propriedade aos
aspectos sociais visando à proteção da pessoa humana e à adequação ao
principio da solidariedade.
Como consequência direta dessa interpretação das normas infraconstitucionais,
a partir dos valores e princípios estampados na nossa Constituição Federal,
passamos para o fenômeno chamado de Repersonalização do Direito Civil, com
a realocação da pessoa humana como centro do ordenamento jurídico e não
mais como mero elemento abstrato da relação jurídica, passa-se a reconhecer a
pessoa na sua concretude, com a valorização da sua dignidade (MEIRELLES,
1998, p. 90 e segs).
Por evidente que essa nova realidade sociojurídica também possui reflexos na
disciplina da Responsabilidade Civil, a qual passa a representar uma das facetas
da valorização da pessoa humana, deixando apenas de se preocupar com os
aspectos patrimoniais, no sentido clássico desta expressão, passando a ser um
instrumento destinado à proteção da pessoa humana, ultrapassando a proteção
dos bens jurídicos passíveis de valores econômicos, mas alçando,
principalmente, os direitos de personalidade ao seu abrigo.
A Responsabilidade Civil deixa de se preocupar essencialmente com a culpa,
como elemento preponderante para a fixação do dever de indenizar
(fundamento da Responsabilidade Civil Subjetiva), passando a buscar
elementos que facilitem o alcance da reparação/compensação do dano, como,
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 10
inicialmente, as hipóteses de presunção de culpa (essencialmente usadas no
Código Civil de 1916), passando para a Teoria do Risco (Responsabilidade Civil
Objetiva, agora consagrada pelo Código Civil de 2012, em seu parágrafo único
do art. 927) e estabelecendo as primeiras linhas teóricas do chamado “Direito
de Danos”.
Nova perspectiva da responsabilidade civil
A nova perspectiva da Responsabilidade Civil se dá pela preocupação com a
indenização do dano, em atenção à proteção da vítima. Acompanhe.
Em atenção à proteção da vítima, criam-se institutos jurídicos que facilitam o
alcance dessa função reparatória, como as hipóteses de presunção de culpa, já
presentes na legislação civil anterior, quando, em situações legalmente
previstas, afastava-se a necessidade de comprovação do elemento subjetivo,
cunhando as figuras clássicas de culpa in eligiendo, <font culpa in
vigilando, culpa in custodiendo, entre outras.
Das hipóteses de presunção de culpa, passamos à Responsabilidade Civil
Objetiva, a qual prescinde da comprovação da culpa, visando solucionar os
novos danos que surgem em razão da multiplicação das situações de riscos
com a Revolução Industrial e Tecnológica, aqui abrangendo os meios de
comunicação, as ciências biomédicas, entre outras realidades sociais que
reproduzem de forma ilimitada as possibilidades de danos, fazendo surgir o que
alguns autores chamam de Sociedade de Risco.
Alguns exemplos citados pela doutrina são os danos ambientais cada vez mais
frequentes e decorrentes do exercício de atividades econômicas (ou seja,
lícitas), mas que podem engendrar prejuízos no futuro, como a contaminação
dos solos (LEVY, 2012, p. 15); os chamados danos em série ou em cadeia,
como o que ocorreu na cidade de Goiânia, em 13 de setembro de 1987, pela
contaminação de milhares de pessoas em razão da radiação da bomba de Césio
137, fato que possui reflexo danoso até nos dias atuais, não se sabendo ao
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 11
certo qual será a sua amplitude no decorrer dos anos; situações que atingem
muitas vezes populações inteiras, como os casos de Chernobyl e Bhopal, cujas
sequelas muitas vezes são imprevisíveis (HOFMEISTER, 2002, p. 43-46); danos
sofridos em razão do uso de medicamentos cujos efeitos, na época em que
foram ministrados, sequer eram conhecidos, o que dificulta, também, a
identificação das empresas que os colocaram em circulação, como ocorreu no
caso americano Sindell versus Abbott Laboratories, de 1980, “envolvendo droga
cujo princípio ativo era o diethilstibestrol (por isso ficaram conhecidos como
casos ‘DES’), indicado para mulheres grávidas a fim de evitar o aborto
espontâneo, mas cujos efeitos colaterais, descobriu-se posteriormente,
potencializavam o surgimento de câncer em seus filhos” (LEVY, 2012, p. 10).
Percebe-se, neste ponto, uma preocupação latente dos efeitos futuros e ainda
imprevisíveis desses eventos lesivos, em especial, com as gerações futuras, pois
os novos danos têm a potencialidade de ameaçar além do sujeito singular, mas
a própria humanidade (MENEZES, 2012, p. 9).
Direito dos Danos ao Direito das Condutas Lesivas
Ainda no âmbito dos riscos e consequentes danos advindos do desenvolvimento
das pesquisas tecnológicas e científicas, Daniel de Andrade Levy (2012, p. 17)
afirma que:
Esses riscos “não têm pátria, viajam de um país ao outro, com uma rapidez
nunca imaginada, carregando com eles as ameaças de dano e o medo”, citando
“o avanço da pesquisa genética, na física quântica, no enriquecimento do
urânio” e salientando que o risco é inerente nessas atividades próprias da
sociedade pós-moderna, sendo que a sua principal característica é o seu
potencial de dano que ainda é “desconhecido no momento de produção do
evento lesivo”.
Como solucionar esses casos?
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 12
Constatamos a insuficiência da categoria da culpa, o que dá surgimento às
Teorias do Risco com o objetivo de fundamentar a responsabilização sem a
necessidade de comprovação de culpa, como a aplicação da Teoria do Risco
Integral nas hipóteses de danos ambientais.
Portanto, há uma crescente centralização da matéria sobre a figura da vítima,
“deslocou-se o seu eixo da obrigação do ofensor de responder por suas culpas
para o direito da vítima de ter reparadas as suas perdas” (MORAES, 2003, p.
12).
Salientando o reflexo da Constitucionalização do Direito Civil no âmbito da
responsabilidade civil e as suas consequências diante da Sociedade de Risco em
que vivemos, Maria Celina Bodin de Moraes afirma:
O princípio da proteção da pessoa humana, determinado constitucionalmente,
gerou no sistema particular da responsabilidade civil a sistemática extensão da
tutela da pessoa da vítima, em detrimento do objetivo anterior de punição do
responsável. Tal extensão, nesse âmbito, desdobrou-se em dois efeitos
principais: de um lado, no expressivo aumento das hipóteses de dano
ressarcível; de outro, na perda de importância da função moralizadora, outrora
tida como um dos aspectos nucleares do instituto.
Vamos exemplificar?
Exemplificando essa nova tendência decorrente da proteção e valorização da
pessoa humana diretamente relacionada à Responsabilidade Civil, é possível
citar o regime de indenização dos acidentes de trabalho e de trânsito, o seguro
obrigatório (DPVAT), o regime de indenização das vítimas de produtos
industrializados (ou também dos riscos de desenvolvimento citados por
Menezes, 2012), a extensão da responsabilização objetiva dos hospitais ao lado
da responsabilidade subjetiva dos médicos, entre outras circunstâncias que
demonstram a primordial função de nossa disciplina: a proteção da vítima.
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 13
Essa nova realidade da Responsabilidade Civil traça uma nova nomenclatura – o
Direito de Danos, centrado essencialmente na proteção da vítima,
afastando da perspectiva baseada na culpa, ou seja, da sua função
moralizadora.
Daniel de Andrade Levy defende a construção metodológica independente de
uma disciplina sob a nomenclatura de Direito de Danos, ao lado do que o
autor chama de Direito das Condutas Lesivas. Este se preocuparia com a
função punitiva-pedagógica e preventiva da Responsabilidade Civil, enquanto
aquela se preocuparia essencialmente com o ressarcimento da vítima (2012, p.
221-227). Propaga a possibilidade da construção de dois sistemas autônomos
que permita a coexistência da reparação eficiente e da prevenção das condutas.
Na próxima aula, faremos a análise do Direito das Condutas Lesivas, quando
examinaremos a Responsabilidade Civil Punitiva.
Vamos entender mais sobre o Direito de Danos?
No que tange ao Direito de Danos, o qual tem como pressuposto a proteção da
pessoa da vítima, a eficiência de sua reparação, percebe-se a propagação de
alternativas para alcançar este objetivo, que vão muito além das demandas
indenizatórias individuais que conhecemos com maior abrangência. Essas
alternativas decorreriam da criação de sistemas de indenizações extrajudiciais
ou mecanismos de socialização dos riscos (LEVY, 2012, p. 25) ou, ainda,
mecanismos de diluição dos danos (SCHREIBER, 2012, p. 228), os quais partem
da concepção da socialização do dano, nosso próximo objetivo nesta aula.
Socialização do dano
Como efeito imediato da Constitucionalização da Responsabilidade Civil, além
da busca incessante pela proteção da pessoa humana (decorrente do
Princípio da Dignidade da Pessoa Humana), é possível incorporar outros
princípios constitucionais no regime dessa disciplina: o princípio da
solidariedade social e da justiça distributiva.
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 14
Constitucionalização da Responsabilidade Civil
Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
Princípio da Solidariedade Social
Justiça distributiva
Como consequência, como defende Daniel de Andrade Levy, seria necessário se
organizar “um sistema eficiente de indenizações extrajudiciais, no qual a
reparação não ficaria mais sempre a cargo do agente. Isso porque, se
considerarmos que mesmo condutas lícitas ou cercadas da máxima prevenção
poderão causar danos indenizáveis, não seria justo responsabilizar agentes que
tudo fizeram para evitá-los” (2012, p. 25).
Os instrumentos estatais atuais serão insuficientes para a
reparação/compensação da vítima, diante da Responsabilidade Civil, como
Direito dos Danos, voltada à indenização do dano injusto e sem dar relevância à
existência ou não de uma conduta ilícita.
Responsabilidade Civil
Indenização do dano injusto
Direito dos Danos
Existência ou não de uma conduta ilícita é irrelevante
Qual a origem do evento danoso?
Assim, haverá casos em que não será possível identificar a origem do evento
danoso. Não serão raros os casos em que não se conseguirá identificar a
origem do evento danoso, como no exemplo do DES (Sindell versus Abbott
Laboratories, de 1980), cuja identificação das empresas que colocaram o
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 15
medicamento em circulação não era possível diante do transcurso do tempo.
Todavia, eram evidentes os danos sofridos pelos filhos das mulheres que foram
tratados com o medicamento para evitar aborto, quando, anos após, constata-
se a sua correlação com o desenvolvimento de câncer nessas pessoas (LEVY,
2012, p. 10).
Portanto, o tema vai além de afastar a culpa como elemento preponderante da
Responsabilidade Civil, mas sim de até mesmo flexibilizar outros pressupostos
do dever de indenizar, como a conduta e o nexo da causalidade. Isso aconteceu
no exemplo do DES, pois alguns tribunais americanos determinaram a
repartição da responsabilidade proporcionalmente à participação de mercado de
cada uma das empresas que colocaram o medicamento em circulação (LEVY,
2012, p. 10).
Outro exemplo de nova roupagem para o nexo causal é o caso nacional das
“pílulas de farinha”, em que o STJ, na decisão do REsp n.º 1.096.325/SP, não
exigiu prova cabal do nexo causal, sendo que o acórdão examinou as provas a
partir de princípios do direito material (princípio da proteção do consumidor),
não exigindo a prova de que a consumidora teria adquirido exatamente a
cartela de anticoncepcional que foi fabricada para teste, não contendo o
princípio ativo. Analisando tal precedente jurisprudencial, Carlos Eduardo
Pianovski Ruzyk salienta a sua relação direta com as concepções doutrinárias
contemporâneas a respeito da responsabilidade civil que mira a construção de
um Direito de Danos (2013, p. 2).
Como solucionar questões como essas, como assegurar a indenização dos
danos sofridos injustamente quando sequer se consegue indicar o causador do
dano, ou quando a prova cabal do nexo causal é impossível?
Brota aqui como fundamento principiológico para dar uma resposta a tão
intrigantes casos a noção de socialização dos danos, a qual parte dos princípios
constitucionais da solidariedade social e da justiça distributiva.
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 16
Analisa-se o dano não somente no seu aspecto individual, mas, sim, e,
essencialmente, nos seus reflexos para toda a sociedade. A própria figura do
neminen laedere – a ninguém é dado causar prejuízo a outrem – traz ínsita a
questão social, a preocupação do Direito com a defesa da ordem constituída,
com o equilíbrio das relações sociais.
A doutrina passa a aceitar não só a responsabilização sem a culpa, fundada na
noção do risco da atividade, mas também admite a flexibilização de outros
pressupostos (nexo causal, conduta e dano), visando sempre ao ressarcimento
da vítima como uma resposta ao dano injusto. E vai além, não mais se
preocupa diretamente com o vínculo entre o agente causador do dano e a
vítima, pretende-se se diluir os danos na sociedade, buscando aqueles que têm
melhores condições de evitar a repetição do dano, em especial naquelas
atividades que envolvam riscos que vão além da questão individual,
abrangendo um aspecto nitidamente social: acidentes de trânsito, relacionados
ao trabalho, à saúde, sempre tendo como norte a multiplicação dos riscos
inerentes à nossa sociedade decorrente do progresso tecnológico.
Portanto, busca-se a diluição dos danos, a sua repartição ou redistribuição –
aqui a noção de justiça distributiva – dentro dos agentes sociais que
diretamente estão vinculado à atividade geradora do risco, atendendo ao
interesse de toda a sociedade no ressarcimento das vítimas e na não
prevalência de danos injustos sem reparação, alçando aqui a noção de
socialização do dano fundada no dever geral de solidariedade previsto no art.
3º, inciso I da nossa Constituição Federal.
Há quem defenda que essa socialização dos danos acarretaria na negação da
própria função da responsabilidade civil, a qual teria nítido caráter
individualista, visando à responsabilização do agente causador do dano.
Contudo, como bem adverte Anderson Schreiber (2012, p. 233), o que há é a
transformação da responsabilidade individual para uma responsabilidade social,
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 17
readequando a estrutura da disciplina à sua função primordial – o
ressarcimento da vítima.
Como alcançar esse ideal da efetiva reparação, mesmo diante de
tantos entraves que podem surgir no decorrer da atribuição da
responsabilidade?
Neste caminhar da evolução da Responsabilidade Civil para um Direito de
Danos, nascem novas figuras que visam à construção de mecanismos
extrajudiciais de indenização, por meio dos seguros de responsabilidade
civil e dos fundos públicos ou privados.
Analisaremos inicialmente os Seguros de Responsabilidade Civil, os quais
passam a exercer um papel auxiliar na concretização do objetivo maior da
nossa disciplina: garantir o ressarcimento da vítima.
Seguro de responsabilidade civil
O que é o contrato de seguro de responsabilidade civil?
Defende-se que o seguro tem um caráter mais distributivo. Por quê?
É “o negócio jurídico bilateral por meio do qual a seguradora assume, mediante
o pagamento de um prêmio, as consequências desfavoráveis ou danosas, no
âmbito econômico-financeiro, que possam recair sobre o patrimônio do
segurado, em razão do risco de responsabilização civil deste último por danos
causados a um terceiro” (LACERDA, 2013, p. 4030).
Porque é considerado um instrumento de diluição dos danos (SCHREIBER,
2012, p. 232), pois atingiriam um maior número de agentes atuantes em
determinada atividade geradora de riscos para a sociedade, e seria uma forma
de garantir o ressarcimento efetivo da vítima, sem, contudo, acarretar em
prejuízos evidentes a determinados agentes econômicos em razão da
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 18
condenação, podendo inclusive acarretar na sua falência, a um custo social
evidente.
Por outro lado, é imprescindível se observar que os seguros permitiriam uma
indenização mais eficiente, desviando de obstáculos comuns do atual processo
de reparação, como a discussão sobre a conduta do ofensor e a sua falta de
patrimônio, o que seria “adiado para uma eventual ação de regresso da
seguradora contra o seu cliente – ou contra o causador do dano, após a
reparação prioritária da vítima” (LEVY, 2012, p. 187).
Fonte: http://nsassessoriadpvat.com.br/sobre-o-dpvat/
No Brasil, onde não possui natureza de seguro de responsabilidade civil, mas
sim de seguro de danos, o DPVAT (Lei n.º 6.194/74) seria um exemplo de
socialização do dano, atribuindo a todos os agentes daquela atividade
(condução de automotores) o dever de pagar um prêmio, que será revertido
em prol das vítimas de acidentes de trânsito.
Daniel de Andrade Levy (2012, p. 186-187), além de ressaltar a importância
dos seguros de responsabilidade civil para o novo Direito de Danos, indica os
números de crescimento desse nicho de mercado:
Se Tunc relata que, em 1978, o valor total dos prêmios dos seguros de
responsabilidade nos EUA chegavam a 7,7 bilhões de dólares; hoje, esse
número chega a 419 bilhões de dólares apenas no ano de 2009! No Brasil,
relatório aponta um crescimento de 15,3% da receita dos seguros em geral,
entre 2006 e 2007, chegando a R$ 76,2 bilhões. É impossível, diante dessa
realidade, ignorar a importância dos seguros como premissa para a construção
de uma nova dinâmica da reparação.
No Direito Brasileiro, o Código Civil expressamente regula essa espécie de
seguro no Artigo 787, o qual define o seguro de responsabilidade civil como o
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 19
contrato por meio do qual “o segurador garante o pagamento de perdas e
danos devidos pelo segurado a terceiro. O § 4º do referido dispositivo
demonstra a preocupação com o ressarcimento integral da vítima ao
estabelecer que subsiste “a responsabilidade do segurado perante o terceiro, se
o segurador foi insolvente”.
Fundos públicos e privados
Ao lado dos seguros de responsabilidade civil, em especial dos seguros
obrigatórios, podemos encontrar como mecanismo extrajudicial de diluição ou
socialização dos danos os fundos públicos e privados de indenização.
O que é fundo?
É a constituição de receitas, recursos monetários, que são afetados a uma
finalidade específica, sem necessária atribuição de personalidade jurídica.
Lei Federal nº 4.320/64
A Lei Federal nº 4.320/64, recepcionada pelo Supremo Tribunal Federal
como sendo a norma mencionada no artigo 165, § 9º da Constituição da
República, dispõe o que são fundos especiais ou de natureza financeira:
“Constitui fundo especial o produto de receitas especificadas que, por lei, se
vinculam à realização de determinados objetivos ou serviços, facultada a
adoção de normas peculiares de aplicação.”
Qual sua finalidade?
No caso dos fundos de responsabilidade civil, a sua finalidade precípua é o
ressarcimento dos danos sofridos pelas vítimas de determinadas atividades
especificadas nas regras atinentes aos fundos.
Fundos no exterior
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 20
Alguns países têm se destacado na criação de fundos, em especial a França,
os EUA e a Nova Zelândia. Na França, foram criados fundos públicos com os
objetivos mais diversos, desde a indenização das vítimas de acidentes de
circulação, de indenização dos danos causados por infrações penais, de
indenização de vítimas de atentados terroristas, de indenização das vítimas de
HIV num período em que houve a propagação da doença em razão da
negligência do governo na permissão das doações sem análise do histórico dos
doadores, entre outros (LEVY, 2012, p. 194-197).
Nos EUA, o fundo com maior repercussão é o fundo de Compensação das
Vítimas do 11 de setembro de 2001, criado pelas Leis n.º 107-42 e 107-34. A
Nova Zelândia criou um sistema de fundos públicos, transferindo “para o Estado
a responsabilidade pelas indenizações dos danos resultantes dos acidentes de
seus cidadãos”, estabelecendo-se de forma efetiva a completa socialização dos
riscos, sendo considerado um exemplo de sistema no que tange à criação de
fundos, claro que dentro dos padrões sociais e territoriais daquele país (LEVY,
2012, p. 197-207).
Fundos públicos X Fundos privados
Os fundos públicos são constituídos por dotações públicas, decorrentes dos
orçamentos públicos, enquanto os fundos privados decorrem da contribuição,
em regra obrigatória, por parte dos principais agentes causadores de danos,
como, por exemplo, no caso dos acidentes de trabalho, dos decorrentes de
danos ambientais, cuja multa aplicada pode ser revertida em prol de um fundo
que vise à reparação do meio ambiente.
Lei n.º 7.347/85
No Direito Brasileiro, pode-se citar a Lei n.º 7.347/85 – Lei da Ação Civil
Pública – a qual determina que as condenações decorrentes dessas ações
deverão ser revertidas para um fundo público, o qual será usado para
reconstituir o bem lesado.
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 21
Outro exemplo de fundos na nossa legislação se refere ao Fundo de Defesa
dos Direitos Difusos criado pelo Decreto n.º 1.306/94, o qual visa à
recomposição do dano coletivo.
Imprescindível se desenvolver o fundo indenizatório que cria uma pensão
vitalícia para as vítimas do acidente nuclear em Goiânia, em razão do Césio-137
(Lei n.º 9.425/96).
A nossa legislação ainda está engatinhando na criação de fundos de
responsabilidade civil, sendo que esta não é uma realidade presente no nosso
ordenamento jurídico, cabendo, a esse respeito, o desenvolvimento doutrinário
sobre o assunto.
Atividade proposta
Vamos fazer uma atividade relacionada ao tema visto anteriormente!
ADMINISTRATIVO - TRANSPORTE - PASSE LIVRE - IDOSOS – DANO MORAL
COLETIVO - DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA DOR E DE
SOFRIMENTO - APLICAÇÃO EXCLUSIVA AO DANO MORAL INDIVIDUAL -
CADASTRAMENTO DE IDOSOS PARA USUFRUTO DE DIREITO – ILEGALIDADE
DA EXIGÊNCIA PELA EMPRESA DE TRANSPORTE - ART. 39, § 1º DO ESTATUTO
DO IDOSO - LEI 10741/2003 VIAÇÃO NÃO PREQUESTIONADO.
1. O dano moral coletivo, assim entendido o que é transindividual e atinge uma
classe específica ou não de pessoas, é passível de comprovação pela presença
de prejuízo à imagem e à moral coletiva dos indivíduos enquanto síntese das
individualidades percebidas como segmento, derivado de uma mesma relação
jurídica-base.
2. O dano extrapatrimonial coletivo prescinde da comprovação de dor, de
sofrimento e de abalo psicológico, suscetíveis de apreciação na esfera do
indivíduo, mas inaplicável aos interesses difusos e coletivos.
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 22
3. Na espécie, o dano coletivo apontado foi a submissão dos idosos a
procedimento de cadastramento para o gozo do benefício do passe livre, cujo
deslocamento foi custeado pelos interessados, quando o Estatuto do Idoso, art.
39, § 1º, exige apenas a apresentação de documento de identidade.
4. Conduta da empresa de viação injurídica se considerado o sistema
normativo.
5. Afastada a sanção pecuniária pelo Tribunal que considerou as circunstâncias
fáticas e probatórias e restando sem prequestionamento o Estatuto do Idoso,
mantém-se a decisão.
6. Recurso especial parcialmente provido.
(STJ, Recurso Especial nº 1.057.274 - RS (2008/0104498-1), Relatora: Ministra
Eliana Calmon, DJe: 26/02/2010).
Analise o caso concreto exposto na decisão da Corte Superior a partir das novas
tendências da responsabilidade civil, isto é, da Constitucionalização do Direito
Civil e da consequente socialização dos danos.
Chave de resposta: O reconhecimento do dano moral coletivo, assim
entendido, aquele que não atinge um indivíduo especificamente, mas toda uma
coletividade, a qual poderá ser representada por um órgão estatal visando à
cessação do ato danoso e até mesmo à reparação dos danos sofridos, como no
caso, os idosos, representa não somente a ideia de socialização dos danos,
decorrente do dever geral de solidariedade previsto no Artigo 3º, inciso I da CF,
mas também e, necessariamente, correlacionada preocupação com a
indenização da vítima.
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 23
Material complementar
Para saber mais sobre a constitucionalização do direito civil, leia os
artigos relacionados, disponíveis em nossa biblioteca virtual.
Referências
AGUIAR DIAS, José de. Da responsabilidade civil. 10. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1995. v. 1.
CAVALLIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. São Paulo:
Atlas, 2005.
HOFMEISTER, Maria Alice Costa. O dano pessoal na sociedade de risco. Rio
de Janeiro: Renovar, 2002.
LACERDA, Maurício Andere Von Bruck. O seguro de responsabilidade civil –
aspectos gerais sobre a Lei Portuguesa do Contrato de Seguro. RIDB. ano 2
(2013), n. 5, 4023-4067. Disponível em: http://www.idb-fdul.com/"
http://www.idb-fdul.com/;. Acesso em: 13 ago. 2014.
LEVY, Daniel Andrade. Responsabilidade civil: de um Direito dos Danos a
um Direito das Condutas Lesivas. São Paulo: Atlas, 2012.
LOBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do Direito Civil. Jus Navigandi,
Teresina, ano 3, n. 33, jul. 1999. Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=507. Acesso em: 13 ago.
2014.
MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. O ser e o ter na codificação civil brasileira:
do sujeito virtual à clausura patrimonial. In: FACHIN, Luiz Edson. (Coord.).
Repensando fundamentos do direito civil brasileiro. Rio de Janeiro:
Renovar, 1998.
MENEZES, Joyceane Bezerra de. O direito dos danos na sociedade das
incertezas: a problemática do risco de desenvolvimento no Brasil.
Civilistica.com. ano 1, n. 1, 2012. Disponível em: <
http://civilistica.com/direito-dos-danos/. Acesso em: 13 ago. 2014.
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 24
MORAES, Maria Celina Bodin de. A caminho de um direito civil
Constitucional. Disponível em: <
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_____. A constitucionalização do direito civil e seus efeitos sobre a
responsabilidade civil. Direito, estado e sociedade. v. 9. n. 9, jul/dez 2006.
p. 233-258. Disponível em: <
http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/Bodin_n29.pdf. Acesso em: 13
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RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski. Comentários ao Acórdão proferido no REsp
1.096.325/SP: O “caso das pílulas de farinha” como exemplo da construção
jurisprudencial de um “direito de danos” e da violação da liberdade positiva
como “dano à pessoa”, 2013. Disponível em: <
http://fachinadvogados.com.br/artigos/Comenta%CC%81rios%20a
o%20Acordao.pdf . Acesso em: 13 ago. 2014.
SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da
erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos. 4. ed. São Paulo: Atlas,
2012.
SCHIER, Paulo Ricardo. Novos desafios da filtragem constitucional no momento
do neoconstitucionalismo. Revista eletrônica de direito do estado,
Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, n. 4, out./nov./dez., 2005.
Disponível em: http://www.direitodoestado.com/revista/REDE-4-
OUTUBRO-2005-PAULO%20SCHIER.pdf. Acesso em: 13 ago. 2014.
Exercícios de fixação
Questão 1
Assinale V ou F:
( ) A tendência de objetivação da responsabilidade civil decorre da
mudança de paradigmas do Direito Civil contemporâneo, em especial
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 25
em razão da repersonalização das relações privadas com uma nítida
centralização do direito na proteção da pessoa humana.
( ) As ameaças decorrentes da Revolução Industrial e Tecnológica
multiplicaram as possibilidades de danos, exemplo dessa Sociedade de
Risco são as possíveis e imprevisíveis consequências decorrentes do uso
de alimentos transgênicos.
( ) A categoria dos direitos da personalidade, como direitos que visam em
essência à proteção da pessoa nos seus aspectos personalíssimos, não
possui correlação com às novas tendências da Responsabilidade Civil.
( ) O acolhimento jurisprudencial do chamado dano moral reflexo não
pode ser indicado como um dos exemplos dessa mudança da
responsabilidade civil clássica, preocupada com a conduta culposa, para
uma responsabilidade civil preocupada claramente com a proteção da
(s) vítima (s).
Questão 2
A proteção da pessoa é uma tendência marcante do atual direito privado, o que
leva alguns autores a conceberem a existência de uma verdadeira cláusula
geral de tutela da personalidade. Partindo dessa afirmativa, bem como após
examinar as consequências das novas tendências da Responsabilidade Civil, é
correto afirmar que:
a) Havendo lesão a direito da personalidade, em se tratando de morto, não
é possível que se reclamem perdas e danos, visto que a morte põe fim à
existência da pessoa natural, e os direitos personalíssimos são
intransmissíveis.
b) Havendo lesão a direito de personalidade de terceiro, cujo patrimônio
não foi diretamente atingido pela conduta lesiva, não é possível a
reparação pelo chamado dano moral reflexo.
c) A adoção de uma cláusula geral de tutela da personalidade
predeterminada pelo princípio da dignidade da pessoa humana não
permite o reconhecimento do direito à indenização pela ofensa de outros
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 26
direitos de personalidade além daqueles expressamente previstos na
legislação civil.
d) A criação de outras categorias de danos, como dano moral reflexo, dano
estético, dano coletivo, etc., são reflexos do reconhecimento da pessoa
humana como centro do ordenamento jurídico, bem como da tendência
da responsabilidade civil em proteger o ser humano em face de
quaisquer danos sofridos injustamente.
Questão 3
Podem ser consideradas formas de ampliar e facilitar a indenização da vítima,
exceto:
a) Responsabilidade subjetiva por culpa presumida.
b) Responsabilidade objetiva, fundada nas Teorias do Risco.
c) Imputação de responsabilidade objetiva fundada no risco integral,
mesmo quando estão presentes hipóteses caracterizadoras de
excludentes da responsabilidade civil.
d) Responsabilidade objetiva do Código de Defesa do Consumidor, com a
possibilidade de inversão do ônus da prova.
e) Responsabilidade subjetiva em acidentes de trânsito, com a necessária
comprovação da culpa do agente causador do dano.
Questão 4
Assinale a alternativa INCORRETA:
a) O Direito Brasileiro ainda não possui instrumentos efetivos da tutela de
interesses coletivos ou difusos, obrigando as vítimas a utilizarem das
ações indenizatórias individuais, o que resulta em dificuldades na efetiva
reparação da vítima.
b) O estado de necessidade, como causa excludente da ilicitude, embora
afaste a natureza de ato ilícito, mantém o dever de reparar do agente
causador do dano, caso a pessoa lesada não for culpada pelo perigo, o
que demonstra claramente uma preocupação maior com a vítima,
impondo um dever de reparar mesmo em caso de ato lícito.
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 27
c) O Código de Processo Penal, após a reforma perpetrada pela Lei n.º
11.719/2008, passou a permitir ao juízo criminal fixar, na sentença
condenatória, o valor mínimo para a reparação dos danos causados pela
infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido. Tal inovação
da legislação processual penal demonstra a tendência da legislação
brasileira em se preocupar com a reparação dos danos sofridos pela
vítima.
d) A Lei n.º 9.099/95, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e
Criminais, estabelece a fase da composição dos danos civis no âmbito do
Juizado Criminal, inclusive prevendo como critério orientador da atuação
junto àquele órgão a reparação dos danos sofridos pela vítima, o que
pode ser considerado um instrumento facilitador de reparação das
vítimas pelos danos injustamente sofridos.
Questão 5
O Direito de Danos se representa no desvio da atenção da Responsabilidade
Civil da conduta do ofensor para a reparação da vítima. O Código de Defesa do
Consumidor, embora de 1990, já demonstra claramente a preocupação do
legislador brasileiro com a vítima de danos. Representa a concretização das
afirmações anteriores, exceto:
a) O disposto no Artigo 6º, inciso VI do CDC, o qual coloca como direito
básico do consumidor a efetiva prevenção e reparação dos danos
patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.
b) O disposto no Artigo 6º, inciso VIII do CDC, o qual determina a inversão
do ônus da prova, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou
quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de
experiências.
c) O disposto no parágrafo único do Artigo 7º do CDC, que dispõe que a
ofensa, havendo mais de um autor, todos responderão solidariamente
pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo.
d) A previsão do Artigo 17 do CDC que equipara a consumidor todas as
vítimas do evento danoso.
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 28
e) A responsabilidade subjetiva dos profissionais liberais, prevista no § 4º
do Artigo 14 do CDC.
Questão 6
Podem ser considerados exemplos da socialização dos danos, exceto:
a) As hipóteses de responsabilidade civil solidária previstas no Código de
Defesa do Consumidor.
b) A flexibilização do nexo da causalidade para a fixação do dever de
ressarcimento, em especial quando não é possível se identificar o
causador específico, atribuindo responsabilidade solidária ou proporcional
à sua participação no evento danoso.
c) A criação dos chamados seguros obrigatórios, como, por exemplo, o
DPVAT no Direito Brasileiro.
d) A busca incessante da comprovação da culpa para a atribuição da
responsabilidade civil ao agente causador direto do dano.
Questão 7
Assinale V ou F:
( ) O uso de cláusulas gerais ou conceitos jurídicos indeterminados, como
dignidade da pessoa humana, equidade, justiça distributiva, entre
outros, pode ser instrumento de concretização dos ideais do Direito de
Danos representado na atuação da jurisprudência.
( ) Na França, existe um fundo público destinado à indenização das
vítimas de acidentes médicos, independentemente da comprovação da
culpa (LEVY, 2012, p. 196). Fundos como este acabam por impedir o
ressarcimento da vítima.
( ) O STJ, em acórdão proferido no REsp n.º 64.682/RJ, analisando a
responsabilidade pela reparação dos danos sofridos pela vítima
decorrente da arremessa de objetos da janela de edifícios, atribuiu o
dever de reparar ao condomínio, haja vista a impossibilidade de
identificação de qual apartamento foi arremessado o objetivo, o que
não poderia acarretar em mais ônus à vitima. Da análise do acórdão,
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 29
proferido em 10 de novembro de 1998, constata-se que exemplifica a
tendência de socialização dos danos em atenção à proteção da vítima.
( ) Exemplo do uso dos fundos públicos criados no Direito Brasileiro para
ampliar os instrumentos de ressarcimento de vítimas, são os fundos
estaduais ou municipais de proteção ao consumidor previstos no Artigo
57 do Código de Defesa do Consumidor.
Questão 8
Assinale a alternativa incorreta:
a) Os fundos públicos e privados são constituições de receitas, recursos
monetários, que são afetados a uma finalidade específica (ex.:
ressarcimento de vítimas por danos sofridos em razão dos riscos de uma
determinada atividade), sem necessária atribuição de personalidade
jurídica.
b) A socialização dos danos é uma tendência da responsabilidade civil atual,
quando o seu objetivo primordial – ressarcimento da vítima – será
alcançado por outras vias, que não somente as ações indenizatórias
individuais, como, por exemplo, pelo uso dos seguros de
responsabilidade civil.
c) Alguns autores defendem que a socialização dos danos acarretaria na
negação da própria função da responsabilidade civil, a qual teria nítido
caráter individualista, visando à responsabilização do agente causador do
dano.
d) O novo Direito de Danos defende a manutenção das ações indenizatórias
individuais, pois o objetivo da responsabilidade civil é responsabilizar o
indivíduo que praticou um ato ilícito e gerou danos a outrem.
Questão 9
Assinale a alternativa incorreta:
a) Os fundos públicos são importantes instrumentos para assegurar a
efetiva indenização das vítimas de danos, principalmente em situações
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 30
em que não é possível se identificar com certeza o agente causador do
dano.
b) O uso dos seguros de responsabilidade civil tem reflexo tanto na
proteção da vítima, pois assegura a esta uma efetiva reparação, como
em relação ao ofensor, pois garante uma maior previsibilidade dos custos
dos acidentes, evitando assim consequências econômicas que afetariam
não somente diretamente o agente, como também toda a economia e a
sociedade.
c) No direito brasileiro, já existem espécies de seguro obrigatório, além do
conhecido DPVAT, podemos citar o seguro obrigatório de
responsabilidade civil dos proprietários de veículos automotores
hidroviários, o seguro obrigatório de responsabilidade civil do construtor
de imóveis em zonas urbanas a pessoas ou coisas e o seguro obrigatório
de edifícios divididos em unidades autônomas.
d) A criação de fundos públicos ou privados, bem como a instituição de
seguros obrigatórios contraria os nossos princípios constitucionais, pois
impõe o dever de reparar a pessoas que não deram causa ao dano.
Questão 10
O Artigo 7º da Lei n.º 8.441/92 estabelece que “a indenização por pessoa
vitimada por veículo não identificado, com seguradora não identificada, seguro
não realizado ou vencido, será paga nos mesmos valores, condições e prazos
dos demais casos por um consórcio constituído, obrigatoriamente, por todas as
sociedades seguradoras que operem no seguro objeto desta lei”. Nesse caso,
temos um exemplo de:
a) Responsabilidade civil subjetiva.
b) Responsabilidade civil subjetiva por presunção de culpa.
c) Socialização dos danos.
d) Da preocupação da responsabilidade civil com a comprovação da culpa
do agente ofensor.
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 31
Culpa in eligiendo: O agente não toma as cautelas necessárias para a escolta
de uma coisa e de pessoa para exercer uma atividade.
Culpa in vigilando: Decorre da falta de atenção ou cuidado com o
procedimento de outrem que estava sob a guarda ou responsabilidade do
agente.
Culpa in custodiendo: Que advém da falta de cautela ou atenção em relação
a uma pessoa, animal ou objeto, sob os cuidados do agente.
Lex Aquilia de Damno: O princípio pelo qual se pune a culpa por danos
injustamente provocados, independentemente da relação obrigacional
preexistente.
Status quo ante: É uma expressão em latim que significa, literalmente, "o
estado em que as coisas estavam antes da guerra".
Código de Hamurabi: Compilação de 282 leis da antiga Babilônia (atual
Iraque), composto por volta de 1772 a.C.. Hamurabi era o rei da época.
Justiça distributiva: Relaciona-se à maneira como as pessoas avaliam as
distribuições de bens positivos (renda, liberdade, cargos políticos) ou negativos
(punições, sanções, penalidades) na sociedade.
Lei de Talião: Consiste na rigorosa reciprocidade do crime e da pena —
apropriadamente chamada retaliação. Essa lei é expressa pela máxima olho por
olho, dente por dente.
Lei n.º 6.194/74: Dispõe sobre Seguro Obrigatório de Danos Pessoais
causados por veículos automotores de via terrestre, ou por sua carga, a
pessoas transportadas ou não.
Manu: Legislação indiana que estabelece o sistema de castas na sociedade
Hindu. Escrito entre os séculos II a.C. e II d.C.
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 32
Princípio da solidariedade social: Refere-se à importância da função social
da propriedade e dos negócios jurídicos, conciliando as necessidades da
coletividade e dos interesses particulares.
Reparação/compensação da vítima: São demandas indenizatórias em que
é necessária comprovação da conduta – lícita ou ilícita – o dano e o nexo da
causalidade.
Teorias do Risco: Se alguém exerce uma atividade criadora de perigos
especiais, deve responder pelos danos que ocasionar a outrem.
Aula 1
Exercícios de fixação
Questão 1 - V, V, F, F
Justificativa: a) Gabarito: V
Percebe-se pelos estudos empreendidos nesta aula, bem como a partir da
leitura dos textos indicados, que o processo de Constitucionalização do Direito
Civil tem reflexos evidentes na disciplina da Responsabilidade Civil, com a
centralização dos instrumentos jurídicos na proteção da pessoa humana, em
consonância com o fundamento da República Federativa do Brasil: a dignidade
da pessoa humana.
b) Gabarito: V
Muito se discute na atualidade sobre as consequências do uso dos alimentos
transgênicos, bem como de outros adventos da Revolução Tecnológica (os
problemas possíveis decorrentes do uso do celular, etc.). Ainda não se sabe e
nem mesmo se tem certeza da segurança da utilização desses alimentos,
restando evidente a sua ligação com o que a doutrina tem chamado de
sociedades de risco. Como ensina Maria Celina Bodin de Moraes, as sociedades
de riscos não se vinculam diretamente somente às crescentes hipóteses de
risco, mas, em especial, às sociedades que, diante dessa nova realidade
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 33
decorrente dos avanços tecnológicos, passam a se preocupar com o seu futuro,
com a sobrevivência das gerações futuras (2006, p. 237).
c) Gabarito: F
A categoria dos Direitos da Personalidade decorre de uma mudança de
paradigmas no âmbito do sistema jurídico brasileiro, decorrendo, em especial,
do reestabelecimento do ser humano como o centro do ordenamento jurídico,
haja vista que os direitos da personalidade são aqueles inerentes à pessoa
humana, sobre os quais todos os demais direitos se apoiam. Portanto, resta
evidente a correlação das novas tendências da Responsabilidade Civil (do
atualmente chamado Direito de Danos), com o fortalecimento da categoria dos
direitos da personalidade. Exemplo evidente dessa ligação é a consolidação do
dano moral como instrumento de proteção dos direitos da personalidade.
d) Gabarito: F
O dano moral reflexo ou em ricochete consiste no dano que atinge pessoa
indireta, gerando prejuízo a uma vítima indireta ligada à vítima direta do ato
ilícito.
A jurisprudência está se assentando no reconhecimento do dano moral
reflexo:RECURSOS ESPECIAIS - RESPONSABILIDADE CIVIL - ALUNA BALEADA
EM CAMPUS DE UNIVERSIDADE - DANOS MORAIS, MATERIAIS E ESTÉTICOS -
ALEGAÇÃO DE DEFEITO NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO, CONSISTENTE EM
GARANTIA DE SEGURANÇA NO CAMPUS RECONHECIDO COM FATOS
FIRMADOS PELO TRIBUNAL DE ORIGEM - FIXAÇÃO - DANOS MORAIS EM R$
400.000,00 E ESTÉTICOS EM R$ 200.000,00 - RAZOABILIDADE, NO CASO -
PENSIONAMENTO MENSAL - ATIVIDADE REMUNERADA NÃO COMPROVADA -
SALÁRIO MÍNIMO - SOBREVIVÊNCIA DA VÍTIMA - PAGAMENTO EM PARCELA
ÚNICA - INVIABILIDADE - DESPESAS MÉDICAS - DANOS MATERIAIS -
NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO - JUROS MORATÓRIOS -
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL - TERMO INICIAL - CITAÇÃO - DANOS
MORAIS INDIRETOS OU REFLEXOS - PAIS E IRMÃOS DA VÍTIMA -
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 34
LEGITIMIDADE - CONSTITUIÇÃO DE CAPITAL - TRATAMENTO PSICOLÓGICO -
APLICAÇÃO DA SÚMULA 7/STJ.
1 - Constitui defeito da prestação de serviço, gerando o dever de indenizar, a
falta de providências garantidoras de segurança à estudante no campus,
situado em região vizinha à população permeabilizada por delinquência, e tendo
havido informações do conflagração próxima, com circulação de panfleto por
marginais, fazendo antever violência na localidade, de modo que,
considerando-se as circunstâncias específicas relevantes, do caso, tem-se, na
hipótese, responsabilidade do fornecedor nos termos do artigo 14, § 1º do
Código de defesa do Consumidor.
2 - A Corte só interfere em fixação de valores a título de danos morais que
destoem da razoabilidade, o que não ocorre no presente caso, em que
estudante, baleada no interior das dependências de universidade, resultou
tetraplégica, com graves consequências também para seus familiares.
3 - A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que a pensão mensal
deve ser fixada tomando-se por base a renda auferida pela vítima no momento
da ocorrência do ato ilícito. No caso, não restou comprovado o exercício de
atividade laborativa remunerada, razão pela qual a pensão deve ser fixada em
valor em reais equivalente a um salário mínimo e paga mensalmente.
4 - No caso de sobrevivência da vítima, não é razoável o pagamento de
pensionamento em parcela única, diante da possibilidade de enriquecimento
ilícito, caso o beneficiário faleça antes de completar sessenta e cinco anos de
idade.
5 - O ressarcimento de danos materiais decorrentes do custeio de tratamento
médico depende de comprovação do prejuízo suportado.
6 - Os juros de mora, em casos de responsabilidade contratual, são contados a
partir da citação, incidindo a correção monetária a partir da data do
arbitramento do quantum indenizatório, conforme pacífica jurisprudência deste
Tribunal.
7 - É devida, no caso, aos genitores e irmãos da vítima, indenização
por dano moral por ricochete ou préjudice d'affection, eis que, ligados
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 35
à vítima por laços afetivos, próximos e comprovadamente atingidos
pela repercussão dos efeitos do evento danoso na esfera pessoal.
8 - Desnecessária a constituição de capital para a garantia de pagamento da
pensão, dada a determinação de oferecimento de caução e de inclusão em
folha de pagamento.
9 - Ultrapassar os fundamentos do Acórdão, afastando a condenação ao custeio
de tratamento psicológico, demandaria, necessariamente, o revolvimento do
acervo fático-probatório dos autos, incidindo, à espécie, o óbice da Súmula
7/STJ.
10 - Recurso Especial da ré provido em parte, tão somente para afastar a
constituição de capital, e Recurso Especial dos autores improvido.
(STJ, RECURSO ESPECIAL Nº 876.448 - RJ (2006/0127470-2), Relator: Ministro
Sidnei Beneti, DJe: 21/09/2010)
Percebe-se que o dano moral reflexo ou em ricochete aumenta o campo da
indenização, pois admite os reflexos da conduta lesiva em terceiros que não
diretamente à vítima, visando dar efetividade à proteção do ser humano em
toda a sua extensão.
Questão 2 - D
Justificativa: Visivelmente as demais alternativas não visam concretamente
aumentar as hipóteses de indenização das vítimas, pelo contrário, inclusive vão
de encontro às previsões mais modernas dentro da disciplina da
Responsabilidade Civil. A letra “a” confunde a questão da instransmissibilidade
dos direitos da personalidade, os quais se extinguem com a morte, com a
transmissibilidade do direito à indenização pelos danos sofridos pela pessoa,
ainda em vida, em seu complexo de direitos da personalidade. Veja-se, a
ofensa a um direito de personalidade pode gerar um dano moral – violação da
imagem ou privacidade de uma pessoa, sendo que do ato ilícito surge
imediatamente a obrigação de reparar, a qual, como direito de crédito, é
perfeitamente transmissível. A letra “b” contraria as posições mais recentes
sobre a possibilidade de ressarcimento do dano moral reflexo, ou seja, aquele
sofrido por terceiro que não a pessoa que foi diretamente atingida pela conduta
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 36
lesiva. A letra “c” está equivocada, porque exatamente a aceitação doutrinária
de um direito geral de personalidade pressupõe que o rol de direitos previstos
na legislação infraconstitucional é meramente exemplificativo, sendo que o
princípio da dignidade da pessoa humana, como cláusula geral, permitiria a
mais ampla e irrestrita indenização de quaisquer danos sofridos pela pessoa
humana. A letra “d” mostra a tendência doutrinária e jurisprudencial de não
enfaixar a classificação dos danos às categorias clássicas do dano moral e
material, permitindo uma ampla extensão da proteção da vítima.
Questão 3 - E
Justificativa: As hipóteses previstas nas outras alternativas demonstram a
criação de novos institutos jurídicos que permitam a mais ampla indenização da
vítima, através da exclusão da prova da culpa (seja por presunção de culpa ou
por responsabilidade objetiva), bem como flexibilização do nexo da causalidade,
não admitindo como excludente do dever de reparar quando presente a Teoria
do Risco Integral.
Questão 4 - A
Justificativa: A legislação brasileira, em especial, a Lei n.º 7.347/85 – Lei da
Ação Civil Pública – que cria mecanismos para o ressarcimento dos danos
causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico,
estético, histórico, turístico e paisagístico, nítidos interesses coletivos ou
difusos.
Questão 5 - E
Justificativa: Partindo do pressuposto de que o Direito de Danos visa ao
ressarcimento da vítima e, para tanto, afasta os obstáculos tradicionais da
Responsabilidade Civil como, responsabilidade subjetiva, ônus da prova em
relação ao nexo causal, responsabilização individualizada, resta evidente que o
§ 4º do Artigo 14, ao manter a responsabilidade subjetiva nas situações em que
estão presentes os profissionais liberais, não retrata a adoção dessa nova
sistemática.
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 37
Questão 6 - D
Justificativa: As outras alternativas demonstram a intenção da legislação de
diluição dos danos entre os fornecedores e demais agentes econômicos, no
caso do CDC, entre os os possíveis causadores do dano, entre todos os agentes
que exercem determinada atividade de risco, como no caso do DPVAT. A
segunda alternativa prevê a flexibilização do nexo da causalidade, sendo esta
teoria conhecida como “teoria da causalidade alternativa” permitindo o
reconhecimento de solidariedade entre os diversos agentes que tenham
contribuído de alguma forma para o evento danoso. Já na quarta alternativa,
constata-se que o objetivo é a responsabilização individual.
Questão 7 - V, F, V, V
Justificativa: a) Gabarito: V
O uso de cláusulas gerais ou conceitos jurídicos indeterminados possibilita a
incidência de princípios e valores constitucionais nas relações intersubjetivas,
permitindo ao aplicador do direito tentar alcançar os ideais de proteção da
pessoa humana e da socialização dos danos. Neste sentido, Maria Celina Bodin
de Moraes afirma que:
“o mecanismo da responsabilidade civil é composto, em sua maioria, por
cláusulas gerais e por conceitos vagos e indeterminados, carecendo de
preenchimento pelo juiz a partir do exame do caso concreto. Como a incidência
dos princípios e valores constitucionais se faz, em via mediata, justamente
desta maneira, através do preenchimento valorativo destes conceitos, vê-se
que a constitucionalização da responsabilidade civil pode se dar naturalmente.
Já a canônica finalidade de moralização da responsabilidade civil parece ter sido
substituída com vantagens pela concepção que vislumbra no instituto a
presença, e a consequente realização, de um dever geral de solidariedade,
também hoje previsto constitucionalmente (CF, Artigo 3º, I), que se encontra
na base do aforismo multissecular do neminem laedere, isto é, da obrigação de
comportar-se de modo a não lesar os interesses de outrem. Trata-se aqui de
tomar consciência de importante atualização de fundamento, fruto daquela
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 38
historicidade, imprescindível à ciência jurídica, que se permite atribuir novo
conteúdo a conceitos radicados.”
b) Gabarito: F
Verificamos que, visando dar azo à ampla reparação/compensação das vítimas,
o Direito tem criado instrumentos extrajudiciais de diluição dos riscos, entre os
quais se enquadram os fundos públicos e privados de indenização, no qual são
aportadas dotações orçamentárias específicas ou há contribuições dos principais
agentes causadores de danos, permitindo, com isso, o efetivo ressarcimento do
dano, função primordial da Responsabilidade Civil, bem como evitando as
consequências maléficas da atribuição de responsabilidade, muitas vezes sem
exame da culpa ou até por atos lícitos, a um agente específico, o que poderia
levar à falência desses entes econômicos com efeitos para toda a sociedade.
c) Gabarito: V
Sim, o acórdão indicado é exemplo de socialização dos danos, em nítida prática
da noção de justiça distributiva, cuja diluição dos danos entre os condôminos
visa ao efetivo ressarcimento da vítima.
d) Gabarito: V
O Código de Defesa do Consumidor, no seu Artigo 57, prevê que as multas
auferidas em razão das infrações às suas normas podem reverter a um fundo
que vise à proteção dos consumidores.
Questão 8 - D
Justificativa: No contexto do atual Direito de Danos, percebe-se que o direito
está buscando soluções mais eficazes para o ressarcimento da vítima,
afastando os possíveis obstáculos existentes (comprovação da culpa e do nexo
da causalidade, ações indenizatórias individuais em situações em que há
dificuldade de identificar o agente causador do dano). Entre esses
instrumentos, estão os seguros de responsabilidade civil e os fundos públicos e
privados, sendo que estes visam constituir renda através de dotações
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 39
orçamentárias ou contribuições obrigatórias por parte dos agentes que exercem
atividade de risco, com o fim último de servir para a reparação/compensação
da vítima.
Questão 9 - D
Justificativa: As outras assertivas descrevem os novos instrumentos
extrajudiciais de indenização da vítima demonstrando a nova roupagem da
Responsabilidade Civil voltada ao Direito de Danos. A quarta afirmativa é
incorreta, pois ao se referir aos princípios constitucionais contraria-os, haja vista
que diante do princípio da solidariedade social e da dignidade da pessoa
humana, os fundos públicos ou privados, bem como os seguros obrigatórios são
instrumentos de concretização desses valores constitucionais.
Questão 10 - C
Justificativa: Esse é um nítido exemplo da aplicação do dever geral de
solidariedade previsto no Artigo 3º, inciso I da Constituição Federal, pois visa à
indenização de uma vítima desprotegida, com a criação de um consórcio
constituído, obrigatoriamente, por todas as sociedades seguradoras que
operem no seguro DPVAT, ampliando assim as hipóteses de ressarcimento.
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 40
Introdução
Nesta aula vamos analisar a aplicabilidade da função punitivo-pedagógica da
Responsabilidade Civil, a qual é defendida por parte da doutrina nacional, em
comparação com a punitive damages do sistema anglo-saxão. A partir do
exame da punitive damages, dos critérios para a sua aplicação nos EUA e na
Inglaterra, demonstrar-se-á as posições doutrinárias favoráveis e contrárias à
sua adoção pelo Direito brasileiro, demonstrando as diferenças entre os
sistemas anglo-saxão e germânico-romano.
Em seguida, vamos analisar a jurisprudência sobre o tema, quando você
constatará que essa função punitiva tem sido usada como critérios para
quantificação do dano moral, na busca de se estabelecer uma pena privada ao
agente causador do dano, bem como servir de desestímulo para evitar a
repetição de atos danosos tanto para o próprio agente, como para toda a
sociedade, servindo como instrumento de novos danos.
Bons estudos!
Objetivo:
1. Examinar a função punitivo-pedagógica da responsabilidade civil, explorando
a categoria do punitive damages do direito norte-americano e inglês;
2. Demonstrar que no Direito brasileiro a função punitivo-pedagógica está
sendo aplicada, de forma subsidiária, como critério para a fixação do quantum
indenizatório do dano moral, apontando as posições doutrinárias e
jurisprudenciais favoráveis e contrárias a essa aplicação.
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 41
Conteúdo
Contextualização
Vamos relembrar a aula anterior?
Vingança
Na sua origem, como vimos na primeira aula, a Responsabilidade civil fundava-
se na ideia de vingança, seja coletiva, seja individual, mas sempre como uma
punição para o agente causador do dano, como, por exemplo, ocorria na Lei de
Talião: “olho por olho, dente por dente”.
Vítima
Constatamos, também, que essa tendência punitiva foi dando passagem para a
fase da composição dos danos, centrando na questão patrimonial. Percebemos
que na atualidade cada vez mais a nossa disciplina está se voltando ao
ressarcimento da vítima, com a criação de instrumentos auxiliares para o
alcance desse objetivo principal.
Punição
Todavia, ao lado desta tendência marcante da responsabilidade civil, alguns
autores defendem o fortalecimento da função punitivo-pedagógica desse
ramo do Direito, o que gera críticas por, aparentemente, dar nova valorização
do elemento subjetivo – culpabilidade.
Retorno da culpa?
O que esses autores realmente pensam? Percebe-se, porém, que o objetivo dos
defensores da função punitiva da responsabilidade civil não é meramente o
retorno da culpa como elemento preponderante da nossa disciplina,
dificultando-se o alcance da função reparatória. O alvo desses estudiosos é o
engenho de um Direito de Condutas Lesivas (LEVY, 2012) ao lado daquele
que estudamos, o Direito de Danos, precipitando-se a efetivar ambas as
funções, sem que uma seja obstáculo para a outra.
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 42
Vamos entender melhor? Acompanhe a seguir.
Análise da retomada da culpa
Ao falar de um Direito de Condutas Lesivas estamos dando abertura à
retomada da culpa no exame da responsabilidade civil, pois não há como se
separar a ideia de punição da concepção de culpa. Contudo, a questão que
se coloca em análise é:
A retomada da culpa não passaria a ser um obstáculo ao
ressarcimento da vítima?
Pela análise da obra de Daniel de Andrade LEVY (2012, p. 91) é possível
responder negativamente a essa pergunta, pois defende a possibilidade de
cisão, de bifurcação da Responsabilidade Civil, “por meio de duas diferentes
frontes, uma concentrada na vítima, e outra, no ofensor”, demonstrando que
cada uma destas funções não pode ser concentrada em um dos campos de
divisão do direito (Direito Público e Direito Privado), como já o foi, quando a
função penalizadora seria exercida pelo Direito Público (no âmbito do Direito
Penal e Administrativo), visando o interesse da coletividade, enquanto a função
reparatória seria efetiva pelo Direito Privado, através da Responsabilidade Civil,
visando o interesse do particular, do indivíduo singular, na proteção do seu
patrimônio.
Veja mais detalhes sobre a análise do Daniel de Andrade Levy.
Antes
Responsabilidade civil = Responsabilidade penal
O autor faz uma análise da culpa como elemento integrante da concepção de
punição, bem como uma avaliação histórica da ligação entre a ideia de
punição e a de indenização, lembrando que nas civilizações antigas não
havia uma nítida distinção entre o papel punitivo e o reparatório das penas
aplicadas. Salienta que essa linha tênue entre ambas as funções demonstrava
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 43
que no início não havia uma separação cabal entre a concepção de
responsabilidade civil e penal, uma visando o interesse privado e outra o
interesse público.
Depois
procedimento civil = procedimento penal
Essa realidade se alterou quando, na época pós-clássica do Direito Romano,
passa a existir uma crescente intervenção estatal, surgindo uma divisão entre
procedimento civil e procedimento penal, aquele visando à reparação do dano e
este visando à punição do ofensor (LEVY, 2012, p. 37-43).
A seguir acompanhe a visão do Direito brasileiro com relação a este
assunto.
Visão do Direito brasileiro
No Direito brasileiro, no qual as regras relacionadas à reparação civil estavam
ínsitas na legislação penal (Código Criminal de 1830 e Código Penal de 1890),
aos poucos se concretizou a independência das esferas civil e penal (decorrente
da summa divisio entre o Direito Público e Direito Privado, influenciado pelo
Código Civil Francês).
Todavia, a culpa se mantém como elemento preponderante na responsabilidade
civil quando do advento do Código Civil de 1916, perdendo aos poucos seu
papel de destaque com o surgimento das hipóteses de responsabilidade
objetiva, a qual tinha como fim afastar os obstáculos existentes para a
reparação da vítima, em especial, a prova da culpa.
Na atualidade, há uma crescente defesa da responsabilidade civil
punitiva, seja em razão:
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 44
da influência do sistema da commow law, com a figura do punitive
damages, ou da carência de medidas de punição e prevenção adequadas
em nossa sociedade, quando então começa a se defender a utilização da
função punitiva da responsabilidade civil, como instrumento auxiliar de
penalização do agente, considerando que os demais ramos do Direito Público
(Direito Penal e Administrativo) são ineficientes para tal desiderato (LEVY,
2012, p. 33-36).
Definição da função punitiva da responsabilidade civil
punir o agente causador do dano
prestar papel preventivo
Maria Amélia Lisbão Senra (2009, p. 7) afirma que “apesar da pena privada se
mostrar um instrumento útil e autônomo, é um instrumento que não afasta a
tipicidade do direito penal e tampouco o ressarcimento típico do direito civil, eis
que se trata de instituto de colaboração, pois auxilia no alcance da justiça,
finalidade própria do ordenamento jurídico”.
O que pensa Maria Amélia Lisbão Senra sobre este assunto?
A responsabilidade civil punitiva prega a punição através de uma pena privada
ou sanção civil, de conteúdo pecuniário, a qual vai além do quantum necessário
à reparação do dano, servindo ao propósito de punir o agente causador do
dano, bem como se presta ao papel preventivo, como função desestimuladora
da prática de condutas semelhantes.
Função punitiva do punitive damages norte-americana e inglesa
Como podemos identificar o fortalecimento da função punitivo-pedagógica da
responsabilidade civil?
O fortalecimento da função punitivo-pedagógica da responsabilidade civil pode
ser encontrada de forma explícita nos sistemas da commow law, em
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 45
ordenamentos dos EUA e da Inglaterra, com a figura do punitive damages,
os quais, desde o século XVIII, tem desenvolvido naturalmente este instituto
punitivo dentro do campo do Direito Privado (LEVY, 2012, p. 48).
Daniel Andrade Levy
Imprescindível se faz advertir que a função punitiva do punitive damages
decorre essencialmente do desrespeito intencional aos direitos de outrem,
sendo uma forma de reprimir condutas deliberadamente desrespeitosas (LEVY,
2012, p. 49).
Maria Amélia Lisbão Senra
Maria Amélia Lisbão SENRA (2009, p. 15-16) afirma que o punitive damages
“definem-se como os danos concedidos, sem prejuízos dos danos
compensatórios, quando se verifica que o réu agiu com culpa grave
(recklessness), malícia ou dissimulação (deceit)”, tendo como função “punir e
deter condutas reprováveis”.
Agora acompanhe as considerações dos autores com relação ao punitive
damages do Direito inglês e do Direito americano.
No Direito inglês a figura do punitive damages restringia-se a hipóteses
específicas:
• quando o dano decorria da conduta arbitrária ou opressiva de
funcionários públicos;
• quando a conduta lesiva foi destinada a produzir lucro ao ofensor, cuja
reparação do dano é nitidamente inferior ao lucro;
• quando houve previsão legal expressa.
No Direito norte-americano a disciplina alcança uma expansão evidente, não
havendo limitações tão rígidas, sendo fruto do poder discricionário do juiz no
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 46
caso concreto, o que tem resultado em indenizações milionárias que são
habituais nas Cortes Americanas.
Como exemplo é possível citar o caso da Philip Morris, quando a companhia foi
condenada a danos compensatórios de US$ 821.000,00 pela morte culposa de
um fumante e a US$ 79,5 milhões em punitive damages (LEVY, 2012, p. 50-62
e SENRA, 2009, p. 17).
Atenção
Cumpre advertir que a punitive damages não é um direito
subjetivo da parte, mas decorre da discricionariedade do
magistrado, examinando cada caso concreto e a conduta do
agente causador do dano (através do elemento subjetivo).
Outrossim, observa-se que esta condenação punitiva somente
são aplicáveis em situações de responsabilidade civil
extracontratual, ou seja, não podem ser impostas por violação
de um contrato. “A mera negligência, na ausência das
circunstâncias agravantes, não é razão suficiente para a
condenação de punitive damages, porém a Gross negligence
(negligência grave), em alguns estados, os enseja” (MARTINS-
COSTA; PARGENDLER, 2005, p. 19).
Analisando os exemplos da aplicação dos punitive damages no direito norte
americano, percebe-se que em situações que a conduta do agente causador do
dano era extremamente reprovável. Constata-se, portanto, que a
responsabilidade civil volta-se, novamente, à sua função moralizadora da
conduta humana.
Judith Martins-Costa e Mariana Souza Pargendler citam alguns casos para
demonstrar em que circunstâncias são aplicáveis essas penas. Um dos casos
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 47
citados foi o da Ford Corporation v. Grimshaw, o qual evidencia claramente que
o objetivo punitivo está atrelado à conduta reprovável do agente.
Neste caso a Ford foi condenada a pagar os punitive damages após um
acidente de trânsito em que o automóvel explodiu causando a morte de três
passageiros, sendo que se constatou que a explosão decorreu do fato de que o
tanque havia sido colocado na parte traseira do veículo para se obter uma
economia de 15 dólares por veículo fabricado, demonstrando que houve uma
análise de custo e benefícios financeiros para a tomada da decisão (2005, p.
19).
Função punitiva do punitive damages brasileira
Ao se examinar o Direito brasileiro percebe-se que não há expressamente
prevista na nossa legislação civil uma regra que permita a condenação do
agente causador do dano em soma que não se destine exclusivamente à
reparação/compensação do dano sofrido pela vítima, até mesmo em razão do
princípio da reparação integral (princípio do restitutio in integrum), o qual
vincula o valor da indenização à extensão do dano (Artigo 944 do Código Civil
Brasileiro).
Todavia, já há posicionamentos contrários à interpretação do Artigo 944 do
Código Civil Brasileiro como restritiva à condenação em responsabilidade civil
punitiva, como se observa pelo Enunciado nº 379 da IV Jornada de Direito Civil
do Conselho da Justiça Federal, o qual estabelece que “o Artigo 944, caput, do
Código Civil não afasta a possibilidade de se reconhecer a função punitiva ou
pedagógica da responsabilidade civil”.
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 48
Atenção
É imprescindível mencionar a existência do Projeto de Lei nº
276/2007, de iniciativa do Deputado Federal Léo Alcântara, que
visa acrescentar ao Artigo 944 do Código Civil um novo
parágrafo que abarcaria a Teoria do Valor Desestímulo: “Artigo
944 (...) § 2º A reparação do dano moral deve constituir-se em
compensação ao lesado e adequado desestímulo ao lesante”.
A doutrina sugere como previsão expressa de caráter punitivo no Direito
brasileiro o disposto no parágrafo único do Artigo 42 do Código de Defesa do
Consumidor:
Artigo 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto
a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.
Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à
repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso,
acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano
justificável.
Atenção
Alguns doutrinadores afirmam que esse dispositivo representa a
função punitiva da conduta negligente do fornecedor.
Outra interpretação dispensada é que esta condenação em
dobro representaria, na verdade, uma parcela de danos morais,
“por conta da violação dos direitos da personalidade inerente à
extrapolação dos limites impostos pela boa-fé na conduta do
infrator” (MELO, 2013, p. 33-34).
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 49
Aplicação da função punitivo-pedagógica da responsabilidade
civil no Brasil
Como é aplicada a função punitivo-pedagógica no Brasil?
No Direito brasileiro a função punitivo-pedagógica da responsabilidade civil tem
sido aplicada nos casos de compensação por danos morais, como um dos
critérios para aferição do quantum devido a título de ressarcimento dos danos
sofridos.
Por isso tem sido chamada de Teoria do Valor Desestímulo, pois se
restringe às hipóteses de ressarcimento por danos morais, quando a punitive
damages também é aplicável quando não estão presentes essas espécies de
danos.
Como é aplicada a função punitivo-pedagógica no Brasil? A
jurisprudência tem elencado, dentre os pressupostos utilizados para a fixação
do valor do dano moral o grau de culpa do agente causador do dano, a
gravidade do dano, visando realizar uma ponderação do valor levando em
consideração a função punitiva e preventiva, como um fator de desestímulo
para a prática de novos atos pelo próprio ofensor como por toda a sociedade.
Há várias posições doutrinárias em relação ao tema e serão abordadas aqui
sem qualquer intuito de adotar uma das posições ou esgotar o assunto, apenas
objetivando dar início a pesquisa acadêmica e instigá-lo no estudo do tema.
Judith Martins-Costa e Mariana Souza Pargendler afirmam que no nosso
ordenamento jurídico a regra é que a pena somente pode ser aplicada na
esfera do Direito Penal, desde que efetivamente tipificada, em respeito ao
princípio nulla poena sine lege.
Aduzem, ainda, que a punitive damages são usadas no direito anglo-saxão
somente em casos em que é possível a comprovação de elementos subjetivos
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 50
(culpa grave, dolo, malícia, fraude etc.). Contudo, advertem que, no Direito
Brasileiro, estas penas privadas estão sendo usadas de forma abusiva, inclusive
nas hipóteses de responsabilidade objetiva, onde o elemento subjetivo é
irrelevante (como nas demandas consumeristas), podendo acarretar em
“fenômenos indesejáveis de hiper-prevenção e supercompensação, não tendo
nenhuma eficácia no plano ético-pedagógico se estendida à responsabilidade
objetiva (2005, p. 23-24).
E finalizam:
É preciso, pois, distinguir: uma coisa é arbitrar-se a
indenização pelo dano moral que, fundada em critérios de
ponderação axiológica, tenha caráter compensatória à
vitima, levando-se em consideração – para a fixação do
montante – a concreta posição da vítima, a espécie de
prejuízo causado e, inclusive, a conveniência de dissuadir
o ofensor, em certos casos, podendo mesmo ser uma
indenização "alta" (desde que guarde proporcionalidade
axiologicamente estimada ao dano causado); outra coisa é
adotar-se a doutrina dos punitive damages que, passando
ao largo da noção de compensação, significa efetivamente
– e exclusivamente – a imposição de uma pena, com
base na conduta altamente reprovável (dolosa ou
gravemente culposa) do ofensor, como é próprio do
direito punitivo.
Também crítico da aplicação da função punitivo-pedagógica no Direito
brasileiro, Anderson Schreiber afirma que a possibilidade de fixação de uma
pena privada não tem amparo legal. Ademais, salienta que a sua aplicação
jurisprudencial no âmbito do dano moral, como critério para estabelecimento do
quantum indenizatório, permite uma condenação em quantia superior ao dano
moral efetivamente sofrido, em clara ofensa ao disposto no art. 944 do Código
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 51
Civil, o qual estabelece o princípio do restitutio in integrum, cuja indenização se
mede pela extensão do dano (2012, p. 210).
Ademais, ressalta que a doutrina tem se distanciado da figura do punitive
damages da tradição anglo-saxã, pois neste sistema se distingue claramente o
compensatory damages, o qual tem a finalidade de compensar os danos
sofridos, do punitive damages, que tem o objetivo de punir o ofensor que agiu
com negligência grave, com dolo ou ainda em fraude, enquanto que no Brasil a
aplicação está sendo realizada como critério para fixação do valor do dano
moral, ou seja, com a finalidade compensatória (SCHREIBER, 2012, p. 210-
211).
Adverte, ainda, que a aplicação desta teoria contraria o princípio de proibição
ao enriquecimento sem causa, bem como fere frontalmente a dicotomia entre
ilícito civil e ilícito penal (SCHREIBER, 2012, p. 211), inclusive podendo
caracterizar hipótese de bis in idem (responsabilização na esfera civil e penal),
proibida pelo nosso ordenamento jurídico.
Entre a doutrina defensora da função punitiva da responsabilidade civil, André
Gustavo Corrêa de Andrade discorre (2003, p. 43):
A indenização punitiva surge como instrumento jurídico
construído a partir do princípio da dignidade da pessoa
humana, com a finalidade de proteger essa dignidade em
suas variadas representações. A ideia de conferir o caráter
de pena à indenização do dano moral pode ser justificada
pela necessidade de proteção da dignidade da pessoa e
dos direitos de personalidade, pelo menos em situações
especiais, nas quais não haja outro instrumento que
atenda adequadamente a essa finalidade. Além disso,
responderia a um imperativo ético que deve permear todo
o ordenamento jurídico.
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 52
O autor defende que a indenização punitiva atende a dois objetivos principais
que a distinguem da indenização compensatória: a dissuasão (ou prevenção) e
a retribuição (punição). Ademais, adverte que a sua aplicabilidade deve se
restringir “aos casos de dano moral nos quais o comportamento do lesante se
revele particularmente reprovável. Assim, a princípio, deve ela ser imposta
apenas quando comprovada a existência de dolo ou culpa grave do agente”. E
entende, também, que a fixação do valor deve ser feita de forma separada em
relação ao valor da indenização compensatória (ANDRADE, 2003, p. 265-266).
Ao lado dos defensores da Responsabilidade Civil Punitiva, a qual o autor
chama de Direito das Condutas Lesivas, Daniel de Andrade Levy, após extensa
análise do papel da indenização vs. punição na construção da teoria da
responsabilidade civil, conclui pela sua aplicabilidade no Direito brasileiro em
determinadas circunstâncias. Defende que a função punitiva, a ser exercida a
partir da análise das condutas do agente causador do dano, seria um
instrumento de prevenção e precaução dos danos em nossa sociedade de risco
(LEVY, 2012, 103-167).
Entre as hipóteses em que seria cabível a condenação do agente causador do
dano a uma pena privada, o autor cita: a) as situações de microlesões que
representam comportamentos cujo grau de ilicitude é muito brando numa
análise individual, porém se agiganta numa perspectiva coletiva (ex.: serviços
prestados pelas telefonias); os ilícitos lucrativos, quando se percebe que a
prática do ato ilícito gera para o responsável vantagem econômica que é
superior aos eventuais prejuízos de uma condenação (ex.: a divulgação de
imagens de uma comunidade naturista sem autorização por um canal de
televisão, cujas vantagens dos altos índices de audiência compensam às
condenações por danos morais – REsp nº 838.550/RS); os danos coletivos de
excepcional gravidade (ex.: danos ambientais, danos à saúde decorrentes dos
avanços da tecnologia) e os ilícitos cometidos com dolo ou culpa grave (LEVY,
2012, p. 103-118).
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 53
Seguindo posição semelhante em relação ao objetivo preventivo das penas
privadas, Fernando de Noronha (2003, p. 439) leciona a possibilidade de
aplicação dessas punições no âmbito, inclusive, da responsabilidade objetiva:
Quando se fala na função sancionatória da
responsabilidade civil, pretende-se realçar que ela,
impondo sempre um sacrifício, maior ou menor, ao
lesante, acaba também punindo este. Todavia, em rigor,
na responsabilidade civil uma finalidade punitiva não é
facilmente justificável. Quando a responsabilidade civil
tem por fundamento uma conduta dolosa ou culposa
(responsabilidade subjetiva), ainda se pode compreender
que se fale na possibilidade de, através dela, se punir o
responsável; todavia, quando se entra no domínio da
responsabilidade objetiva, por definição independente de
culpa, somente será possível falar de uma função
sancionatória nos casos em que for possível incentivar as
pessoas à adotar medidas de segurança preventivas, para
evitar a ocorrência de danos.
Ainda de extrema relevância se citar a posição de Antonio Junqueira de
Azevedo (2009, p. 382), o qual defende a existência de uma nova categoria de
danos, ao lado do dano material e moral, os danos sociais, os quais refletiriam
“lesões à sociedade, no seu nível de vida, tanto por rebaixamento de seu
patrimônio moral – principalmente a respeito da segurança – quanto por
diminuição de sua qualidade de vida.” Para o autor os danos sociais permitiriam
uma indenização punitiva por dolo ou culpa grave, em especial se os atos
lesivos reduzem as condições coletivas de segurança, bem como permitiriam
uma indenização dissuasória, quando os atos lesivos acarretam numa
diminuição do índice de qualidade de vida da população.
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 54
Atenção
Antonio Junqueira de Azevedo afirma que o uso da função
punitiva se distingue da função preventiva, a qual o autor chama
de função didática. Aduz o autor que a pena se refere a um
fato passado, enquanto o desestímulo visa afastar um
comportamento futuro, por isso estaríamos na presença de duas
vertentes: punição versus prevenção (2009, p. 380).
Contudo, a adoção desta função punitiva ainda é controvertida
tanto na doutrina, como na jurisprudência nacional, conforme
veremos na sequência.
Aplicabilidade prática da função punitivo-pedagógica conforme a
jurisprudência
Após abordar as posições doutrinárias, imprescindível se faz analisar a
jurisprudência sobre o assunto, demonstrando a sua aplicabilidade prática no
Direito brasileiro.
O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou contrário à adoção dos punitive
damages afirmando que a sua aplicação irrestrita “encontra óbice regulador no
ordenamento jurídico pátrio que, anteriormente à entrada do Código Civil de
2002, vedava o enriquecimento sem causa como princípio informador do direito
e após a novel codificação civilista, passou a prescrevê-la expressamente, mais
especificamente, no Artigo 884 do Código Civil de 2002” (AgRg no AI nº
850.273/BA; REsp nº 401.358/PB e AgRg no REsp nº 704.224/MG).
Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal, no AI nº 455846/RJ reconheceu
essa função punitiva.
RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO PODER PÚBLICO. ELEMENTOS
ESTRUTURAIS. (...) DANO MORAL. RESSARCIBILIDADE. DUPLA FUNÇÃO DA
INDENIZAÇÃO CIVIL POR DANO MORAL (REPARAÇÃO-SANÇÃO): (A) CARÁTER
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 55
PUNITIVO OU INIBITÓRIO (“EXEMPLARY OR PUNITIVE DAMAGES”) E (B)
NATUREZA COMPENSATÓRIA OU REPARATÓRIA. (...) Impende assinalar, de
outro lado, que a fixação do quantum pertinente à condenação civil imposta ao
Poder Público – presentes os pressupostos de fato soberanamente reconhecidos
pelo Tribunal a quo – observou, no caso ora em análise, a orientação que a
jurisprudência dos Tribunais tem consagrado no exame do tema, notadamente
no ponto em que o magistério jurisprudencial, pondo em destaque a dupla
função inerente à indenização civil por danos morais, enfatiza, quanto a tal
aspecto, a necessária correlação entre o caráter punitivo da obrigação de
indenizar (“punitive damages”), de um lado, e a natureza compensatória
referente ao dever de proceder à reparação patrimonial de outro. Definitiva,
sob tal aspecto, a lição – sempre autorizada – de Caio Mário da Silva Pereira
(“Responsabilidade Civil”, p. 55 e 60, itens ns. 45 e 49, 8ª ed., 1996, Forense),
cujo magistério, a propósito da questão ora em análise, assim discorre sobre o
tema: “Quando se cuida do dano moral, o fulcro do conceito ressarcitório acha-
se deslocado para a convergência de duas forças: ‘caráter punitivo’ para que o
causador do dano, pelo fato da condenação, se veja castigado pela ofensa que
praticou; e o ‘caráter compensatório’ para a vítima, que receberá uma soma
que lhe proporcione prazeres como contrapartida do mal sofrido. (...) O
problema de sua reparação deve ser posto em termos de que a reparação do
dano moral, a par do caráter punitivo imposto ao agente, tem de assumir
sentido compensatório. (...). Somente assumindo uma concepção desta ordem
é que compreenderá que o direito positivo estabelece o princípio da reparação
do dano moral. A isso é de se acrescer que na reparação do dano moral insere-
se uma atitude de solidariedade à vítima (Aguiar Dias). (STF. AI 455846/RJ.
Rel. Min. Celso de Mello. Julgamento: 11.10.2004)
O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, dentre outros Tribunais, tem
aplicado a função punitiva da Responsabilidade Civil (ex.: Ap. Cív. 478.673-4,
Ap. Cív. 1182116-8, Ap. Cív. 950178-6, Ap. Cív. 827.606-2), embora, em alguns
casos, de certa forma mascarada quando da indicação dos critérios
relacionados à conduta do agente para a fixação do montante da indenização
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 56
por danos morais: grau de culpa do agente, a condição econômica do
responsável pela lesão, o grau de reprovação ético-jurídico à conduta e o
objetivo didático da penalização do agente.
Como você pode verificar, mesmo que não diretamente, a própria legislação
pátria tem abordado a conduta do agente causador do dano como critério de
aferição do valor do dano moral, como se pode citar na Lei de Imprensa (Lei
nº 5.250/67), em seu Artigo 53.
Atenção
Artigo 53. No arbitramento da indenização em reparação do
dano moral, o juiz terá em conta, notadamente:
I - a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade, a
natureza e repercussão da ofensa e a posição social e política do
ofendido;
II - a intensidade do dolo ou o grau da culpa do responsável,
sua situação econômica e sua condenação anterior em ação
criminal ou cível fundada em abuso no exercício da liberdade de
manifestação do pensamento e informação;
III - a retratação espontânea e cabal, antes da propositura da
ação penal ou cível, a publicação ou transmissão da resposta ou
pedido de retificação, nos prazos previstos na lei e
independentemente de intervenção judicial, e a extensão da
reparação por êsse meio obtida pelo ofendido.
Considerações finais
Antes de finalizar, vamos correlacionar os assuntos já estudados até o
momento?
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 57
Vamos analisar o disposto na Lei nº 7.347/85, a qual disciplina a ação civil
pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao
consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e
paisagístico, prevendo expressamente em seu Artigo 13 uma solução bastante
viável para as condenações em penas privadas, evitando assim o
enriquecimento sem causa da vítima (MARTINS-COSTA; PARGENDLER, 2005, p.
24)
Atenção
Artigo 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo
dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho
Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão
necessariamente o Ministério Público e representantes da
comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição
dos bens lesados.
Esta poderia ser uma solução hábil a alcançar o objetivo da função punitiva da
responsabilidade civil – prevenção e punição – e ao mesmo tempo criando os
fundos de responsabilidade civil, os quais serão aproveitados para dar
efetividade a mais ampla reparação/compensação das vítimas em prol da
socialização dos danos, matéria estudada em nossa primeira aula.
Outra solução a adequação entre a fixação de uma pena privada e a proibição
do enriquecimento sem causa seria a destinação desses valores a instituições
de caridade, a critério do Juiz, numa aplicação analógica do disposto no Artigo
883, parágrafo único do Código Civil Brasileiro.
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 58
Atenção
Antonio Junqueira de Azevedo (2009, p. 382-383), defensor da
teoria do dano social como fundamento para a aplicação das
indenizações punitivas e dissuasórias, defende que
essencialmente que esses valores sejam entregues, como um
plus, para a vítima, pois entende que o particular demandou pela
indenização, agindo como um defensor da sociedade, exercendo
um munus público, merecendo, portanto, a recompensa, o que
estimularia essas pessoas, mesmo em interesse próprio, a
agirem em benefício da sociedade.
Atividade proposta
Vamos fazer uma atividade relacionada ao tema visto anteriormente!
Partindo do estudado nesta aula, bem como da Teoria dos Danos Sociais,
examine o acórdão (o que pressupõe a análise da íntegra do acórdão) e
explique os critérios para aplicação de uma penalização no caso em comento.
TOTO BOLA. SISTEMA DE LOTERIAS DE CHANCES MÚLTIPLAS. FRAUDE QUE
RETIRAVA AO CONSUMIDOR A CHANCE DE VENCER. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE
DANOS MATERIAIS E MORAIS. DANOS MATERIAIS LIMITADOS AO VALOR DAS
CARTELAS COMPROVADAMENTE ADQUIRIDAS. DANOS MORAIS PUROS NÃO
CARACTERIZADOS. POSSIBILIDADE, PORÉM, DE EXCEPCIONAL APLICAÇÃO DA
FUNÇÃO PUNITIVA DA RESPONSABILIDADE CIVIL. NA PRESENÇA DE DANOS
MAIS PROPRIAMENTE SOCIAIS DO QUE INDIVIDUAIS, RECOMENDA-SE O
RECOLHIMENTO DOS VALORES DA CONDENAÇÃO AO FUNDO DE DEFESA DE
INTERESSES DIFUSOS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1.Não há que se falar em perda de uma chance, diante da remota possibilidade
de ganho em um sistema de loterias. Danos materiais consistentes apenas no
valor das cartelas comprovadamente adquiridas, sem reais chances de êxito.
2.Ausência de danos morais puros, que se caracterizam pela presença da dor
física ou sofrimento moral, situações de angústia, forte estresse, grave
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 59
desconforto, exposição à situação de vexame, vulnerabilidade ou outra ofensa a
direitos da personalidade.
3.Presença de fraude, porém, que não pode passar em branco. Além de
possíveis respostas na esfera do direito penal e administrativo, o direito civil
também pode contribuir para orientar os atores sociais no sentido de evitar
determinadas condutas, mediante a punição econômica de quem age em
desacordo com padrões mínimos exigidos pela ética das relações sociais e
econômicas. Trata-se da função punitiva e dissuasória que a responsabilidade
civil pode, excepcionalmente, assumir, ao lado de sua clássica função
reparatória/compensatória. “O Direito deve ser mais esperto do que o torto”,
frustrando as indevidas expectativas de lucro ilícito, à custa dos consumidores
de boa fé.
4.Considerando, porém, que os danos verificados são mais sociais do que
propriamente individuais, não é razoável que haja uma apropriação particular
de tais valores, evitando-se a disfunção alhures denominada de
overcompensantion. Nesse caso, cabível a destinação do numerário para o
Fundo de Defesa de Direitos Difusos, criado pela Lei 7.347/85, e aplicável
também aos danos coletivos de consumo, nos termos do art. 100, parágrafo
único, do CDC. Tratando-se de dano social ocorrido no âmbito do Estado do Rio
Grande do Sul, a condenação deverá reverter para o fundo gaúcho de defesa
do consumidor.
Recurso parcialmente provido. (Recurso Inominado nº 71001249796. 3ª Turma
Recursal Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Rel. Dr.
Eugenio Facchini Neto. Julgado em: 27.03.2007)
Chave de resposta: Na situação específica em análise houve condenação por
dano material (valor da cartela), afastando-se o dano moral por entender que
os danos morais puros “caracterizam-se pela presença de dor física, sofrimento
moral, situações de forte angústia, estresse, exposição a graves desconfortos,
situações de vulnerabilidade, etc.”, o que não estaria presente no caso em
comento. Todavia, expressamente impôs ao réu a condenação por danos
sociais, visando a sua punição, pois não poderia ficar sem resposta uma
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 60
situação de fraude em que o réu acumulou lucros ilegais, em prejuízo de
milhares de apostadores de boa-fé.
Na situação específica em análise houve condenação por dano material (valor
da cartela), afastando-se o dano moral por entender que os danos morais puros
“caracterizam-se pela presença de dor física, sofrimento moral, situações de
forte angústia, estresse, exposição a graves desconfortos, situações de
vulnerabilidade, etc.”, o que não estaria presente no caso em comento.
Todavia, expressamente impôs ao réu a condenação por danos sociais, visando
a sua punição, pois não poderia ficar sem resposta uma situação de fraude em,
que o réu acumulou lucros ilegais, em prejuízo de milhares de apostadores de
boa-fé, e finaliza o acórdão:
Independentemente da resposta já dada na esfera administrativa, com a
suspensão de tal loteria, e que eventualmente venha a ser dada na esfera
penal, parece claro que essa é uma situação em que o direito civil também
deve ter uma palavra a dizer. Afinal de contas, gostaria de acreditar que “o
Direito deve ser mais esperto do que o torto”. Uma solução em que
simplesmente se restitua, no máximo, o valor das cartelas a quem se aventure
em juízo (e obviamente que ninguém viria a juízo para recolher algumas
unidades – quiçá dezenas – de míseros reais), significaria, sob outro ângulo,
um incentivo a tal tipo de conduta. Isso porque a suspensão administrativa da
gestão da loteria não acarreta a obrigação de devolver a vantagem ilicitamente
percebida.
E - é preciso que se reconheça – muitas vezes é ineficaz a tentativa de
repressão penal nesse tipo de delito. Isso porque, em face do princípio
fundamental da presunção de inocência e com todas as garantias que cercam o
processo penal, em razão do relevantíssimo valor que está em jogo (a
liberdade), nem sempre se consegue provar, além da dúvida razoável, os
elementos necessários a uma condenação penal.
Daí porque é necessário que, por vezes, também o Direito Civil dê sua
contribuição, via responsabilidade civil, para que a vida de relação gire em
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 61
torno de condutas éticas e morais compartilhadas por todos os cidadãos de
bem. E essa contribuição pode ser dada através de uma excepcional função
punitiva da responsabilidade civil – que, é bom que se apresse a dizer, não se
confunde com um simples critério de quantificação do dano moral.
(...)
Enquanto função – e não simples critério auxiliar para a mensuração dos danos
morais – deve ela ser invocada apenas de forma excepcional, para evitar sérias
distorções já mapeadas no cenário norte-americano, ensejando a crítica de isso
acarretar uma verdadeira tort lottery (a loteria da responsabilidade civil).
Sendo esta uma decisão, e não um artigo doutrinário, não é de se expor, em
forma sistemática, os casos em que abstratamente se aceita a invocação de tal
instituto. Concretamente, porém, o caso em tela integra uma das hipóteses em
que se tem como razoável a invocação da função punitiva, pois representa
situação em que “os danos sociais são superiores aos danos individuais”. Isso
porque individualmente os danos sofridos foram ridiculamente ínfimos. Mas na
sua globalidade, configuram um dano considerável. Tratando-se de fenômeno
de massa – e fraudes do gênero só são intentadas justamente por causa disso
(pequenas lesões a milhares ou milhões de consumidores) – a Justiça deve
decidir levando em conta tal aspecto, e não somente a faceta individual do
problema.
(...)
Assim, como os danos sociais causados pela ré foram maiores do que os danos
individualmente sofridos pelos autores das diversas demandas que já aportaram
na justiça – e que servem de termômetro da justa indignação do povo gaúcho,
que não tolera fraudes e desonestidades, mormente quando nela estão
envolvidas pessoas oriundas de países vizinhos – é caso de aplicação da função
punitiva da responsabilidade civil, condenando-se a requerida a pagar uma
espécie de pena privada.
Tenho que o valor pleiteado na inicial, equivalente a 40 salários mínimos à data
do ajuizamento da ação – R$10.400,00 – pode ser acolhido, tendo em vista a
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 62
dimensão milionária da fraude. Valores pequenos não terão efeito dissuasório
de condutas semelhantes.
(...)
Dentro desse espírito, considerando que se trata de uma lesão aos
consumidores e atentando, repita-se, mais para a repercussão social e coletiva,
do que propriamente individual, do dano, tenho que é razoável que se destine o
valor da condenação a um fundo de defesa de interesses difusos, a fim de ser
aplicado em projetos que digam respeito à proteção de interesses dos
consumidores.
Material complementar
Para saber mais sobre a responsabilidade civil, leia os artigos
relacionados, disponíveis em nossa biblioteca virtual.
Referências
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Janeiro: Forense, 1995.
ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Dano moral e indenização punitiva.
Dissertação de Mestrado, Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro, 2003.
Disponível em:
http://portal.estacio.br/media/2476068/nilson%20de%20castro%2
0di%C3%A3o%202003.pdf
AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Por uma nova categoria de dano na
responsabilidade civil: o dano social. In: Novos estudos e pareceres de
direito privado. São Paulo: Saraiva, 2009.
CAVALLIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. São Paulo:
Atlas, 2005.
HOFMEISTER, Maria Alice Costa. O dano pessoal na sociedade de risco. Rio
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RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 63
LEVY, Daniel Andrade. Responsabilidade civil: de um Direito dos Danos a
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MARTINS-COSTA, Judith e PARGENDLER, Mariana Souza. Usos e abusos da
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MELO, Álisson José Maia. Breves notas sobre a função punitiva da
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Disponível em:
http://www.revistadireito.ufc.br/index.php/revdir/article/view/95/7
7.
MORAES, Maria Celina Bodin de. A constitucionalização do direito civil e seus
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NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. São Paulo: Saraiva, 2003.
SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da Responsabilidade Civil: da
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SENRA, Maria Amélia Lisbão. Responsabilidade civil punitiva. Revista
eletrônica da faculdade de direito da PUC-SP. v. 2. ano de 2009.
Disponível em:
http://revistas.pucsp.br/index.php/red/article/view/1727/1110.
Exercícios de fixação
Questão 1
Assinale a alternativa correta:
a) A função punitivo-pedagógica da responsabilidade civil acarretará
necessariamente no retorno da culpa como elemento preponderante
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 64
desta disciplina, obstaculizando a indenização da vítima, nos moldes da
responsabilidade civil clássica.
b) O punitive damages adotado pelo Direito norte-americano e inglês é
aplicável de forma irrestrita a qualquer conduta lesiva,
independentemente do caráter subjetivo – dolo ou culpa grave – do
agente causador do dano.
c) O uso do punitive damages pelo Direito norte-americano é um direito
subjetivo da vítima, o qual deve necessariamente ser aplicado pelo
magistrado como forma de compensar a vítima pelos danos sofridos.
d) Os defensores da Responsabilidade Civil Punitiva ou do Direito das
Condutas Lesivas no Direito Brasileiro afirmam que a sua aplicação seria
com o objetivo de auxiliar os demais ramos do Direito Público (Direito
Penal e Direito Administrativo) na punição dos agentes ofensores,
visando à moralização da conduta.
Questão 2
Seriam justificativas para a aceitação da função punitivo-pedagógica da
responsabilidade civil, exceto:
a) A função punitivo-pedagógica agiria como instrumento auxiliar da
moralização das condutas ilícitas, haja vista que os meios atualmente
existentes (Direito Penal e Administrativo) com a finalidade de punir têm
se mostrado ineficazes.
b) A responsabilidade civil brasileira adota como parâmetro de indenização
o princípio do restitutio in integrum, previsto no Artigo 944 do CCB, o
qual determina que o valor da indenização deve ser medido pela
extensão do dano.
c) Em situações especificas, em especial quando está presente uma
conduta dolosa, a qual deve ser reprovável pelo Direito, a indenização
meramente compensatória não faria frente ao objetivo da legislação de
controle social.
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 65
d) A fixação de uma pena privada exerceria uma função dissuasória ou
didática, desestimulando o restante da sociedade para que condutas
semelhantes não sejam repetidas.
Questão 3
São situações em que seria possível se aplicar a punitive damages no Direito
inglês, exceto:
a) Quando o dano decorria da conduta arbitrária ou opressiva de
funcionários públicos.
b) Em hipótese em que o dano deriva de condutas caracterizadas pela culpa
leve, aquelas decorrentes de mera negligência.
c) Quando a conduta lesiva foi destinada a produzir lucro ao ofensor, cuja
reparação do dano é nitidamente inferior ao lucro.
d) Quando houver previsão legal expressa determinando a aplicação de
uma pena privada.
Questão 4
Assinale a alternativa incorreta:
a) Os punitive damages surge no século XVIII, em especial no Direito
Inglês, passando esta tradição ao direito norte-americano, como forma
de punir condutas graves.
b) Nos EUA a sua aplicação não é tão restrita como no Direito inglês, porém
mesmo assim são aplicáveis a situações em que a conduta do agente
está impregnada de dolo ou culpa grave.
c) Mesmo sendo uma punição civil às condutas graves, no direito norte-
americano as punitive damages restringem-se a valores baixos que tão
somente terão a função de reparar ou compensar os danos sofridos pela
vítima.
d) Os punitive damages somente são concedidos nas relações
extracontratuais.
Questão 5
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 66
Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 276/2007, de iniciativa
do Deputado Federal Léo Alcântara, que visa acrescentar ao Artigo 944 do
Código Civil um novo parágrafo: “Artigo 944 (...) § 2º A reparação do dano
moral deve constituir-se em compensação ao lesado e adequado desestímulo
ao lesante”. Tal acréscimo permitiria a aplicação da Teoria do Valor Desestímulo
nas demandas indenizatórias. Indique se é Verdadeiro ou Falso.
a) Verdadeiro
b) Falso
Questão 6
Alguns autores, contrários à função punitiva da responsabilidade civil, aduzem
que não cabe ao Direito Civil a função de punir condutas dolosas ou com culpa
grave, a qual seria do Direito Penal. Contudo, é possível se constatar que o
Direito Civil, não raramente, prevê algumas espécies de punições,
demonstrando que esta afirmativa não deve prevalecer como obstáculo à
fixação de pena privada. São exemplos de punições no âmbito do Direito Civil,
exceto:
a) Previsão do Artigo 1.992 e 1.993 do CCB que determina que o herdeiro
que sonega bens da herança perde o direito que sobre eles tinha.
b) A pena pela cobrança indevida prevista tanto nos arts. 939, 940 e 941 do
CCB, como no Artigo 42 do CDC.
c) O dever de reparar os danos morais ou materiais sofridos por terceiro
em razão do exercício de atividade de risco (Artigo 927, parágrafo único
do CCB).
d) A perpetuatio obligationis previsto no Artigo 399 do CCB, a qual impõe
ao devedor em mora a responsabilidade pela perda e deterioração do
bem ainda que em caso fortuito ou força maior.
Questão 7
A jurisprudência nacional tem aplicado a função punitivo-preventiva da
responsabilidade civil, em especial na análise dos critérios para a fixação do
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 67
quantum indenizatório do dano moral. Para tanto, utiliza os seguintes critérios
que indicam o exame da conduta do agente, exceto:
a) Grau de culpa do ofensor.
b) A condição econômica do responsável pela lesão.
c) A extensão do dano.
d) O grau de reprovação ético-jurídico à conduta.
e) O objetivo didático da penalização do agente.
Questão 8
Antonio Junqueira de Azevedo defende a criação de uma nova categoria de
dano, cuja indenização abarcaria o objetivo punitivo e dissuasório:
a) Dano moral
b) Dano social
c) Dano coletivo
d) Dano individual
Questão 9
Outro ponto debatido no âmbito da condenação punitiva no âmbito da
responsabilidade civil é sobre a destinação do valor da condenação. Sobre o
tema, assinale a alternativa incorreta:
a) Efetivamente não se pode afirmar que caracterizará enriquecimento sem
causa da vítima condenação por pena privada sem expressa previsão
legal.
b) Uma solução bastante viável para as condenações em penas privadas,
evitando assim o enriquecimento sem causa da vítima, seria a destinação
dos valores pagos pelo agente ofensor a fundos destinados a
responsabilidade civil.
c) Outra solução dada pela doutrina é a aplicação analógica do disposto no
Artigo 883, parágrafo único do Código Civil Brasileiro, com a destinação
destes valores a instituições de caridade, a critério do Juiz.
d) Antonio Junqueira de Azevedo defende que estes valores sejam
entregues, como um plus, para a vítima, pois entende que o particular
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 68
demandou pela indenização, agindo como um defensor da sociedade,
exercendo um munus público, merecendo, portanto, a recompensa, o
que estimularia essas pessoas, mesmo em interesse próprio, a agirem
em benefício da sociedade.
Questão 10
No Direito brasileiro a função punitivo-pedagógica da Responsabilidade Civil
tem sido chamada como Teoria do Valor Desestímulo, pois tem sido aplicada
somente nos casos de compensação por danos morais (ou extrapatrimoniais,
como alguns autores preferem), como um dos critérios para aferição do
quantum devido a título de ressarcimento dos danos sofridos. Indique se é
Verdadeiro ou Falso.
a) Verdadeiro
b) Falso
Commow law: O direito é criado ou aperfeiçoado pelos juízes: uma decisão a
ser tomada num caso depende das decisões adotadas para casos anteriores e
afeta o direito a ser aplicado a casos futuros. Nesse sistema, quando não existe
um precedente, os juízes possuem a autoridade para criar o direito,
estabelecendo um precedente. O conjunto de precedentes é chamado
de common law e vincula todas as decisões futuras.
Munus: Trata-se de obrigação decorrente de acordo ou lei, sendo que, neste
último caso, denomina-se munus público. O dever de prestar depoimento como
testemunha, por exemplo, é considerado um munus público, assim como o
dever de votar.
Punitive damages: Indenização decorrente do Dano Moral, deve possuir a
finalidade de compensar a vítima e punir o autor da lesão.
Compensação por danos morais: Outros autores preferem chamar de
extrapatrimoniais.
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 69
Lei de imprensa: A lei, criada durante a ditadura para instituticionalizar a
restrição a liberdade de expressão e consolidar o regime autoritário, servia para
punir de forma mais dura os jornalistas, eventuais litígios. Com a revogação da
lei, passaram ao regime normal dos códigos penal e civil brasileiros. Assim,
ficaram extintas as penas mais duras para jornalistas em casos de calúnia,
injúria e difamação, dentre outras mudanças, mantendo apenas a prisão
preventiva especial, caso possuam título de bacharel.
Teoria do valor desestímulo: Aplicação de uma punição para que o agressor
não venha a cometer outra vez aquele mesmo ato.
Aula 2
Exercícios de fixação
Questão 1 - D
Justificativa: A alternativa “a” está incorreta porque a simples análise da culpa
para fins de fixar uma pena privada não acarretará em obstáculos à
reparação/compensação do dano, pois, em regra, o uso da função punitivo-
pedagógica seria restrito aos casos de responsabilidade subjetiva. A assertiva
“b” está incorreta, pois existem sim restrições a aplicação do punitive damages,
pois os mesmos somente são aplicados em situações em que está caracterizado
o dolo ou culpa grave do agente causador do dano. A alternativa “c” também
está incorreta, pois o punitive damages não é um direito subjetivo da vítima,
sendo que cabe ao prudente arbítrio do magistrado, em casos de dolo ou culpa
grave, aplicar esta sanção civil, a qual não possui como objetivo compensar a
vítima pelos danos sofridos.
Questão 2 - B
Justificativa: O princípio do restitutio in integrum tem sido levantado como um
empecilho a utilização da pena privada dentro da responsabilidade civil, pois o
valor fixado no âmbito de uma demanda indenizatória, obrigatoriamente, teria
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 70
que seguir como parâmetro máximo a extensão do dano, não sendo possível
fixar um valor extra com o objetivo de punir o agente ou dissuadi-
-lo da repetição do ato.
Questão 3 - B
Justificativa: Como ficou bem claro durante a aula o direito inglês aplica o
puntive damages em situações específicas, em especial quando o ofensor agiu
com dolo ou culpa grave, não sendo aplicável, portanto, em situações de mera
negligência.
Questão 4 - C
Justificativa: Pelo contrário, o que se percebe no Direito norte-americano é que
o uso dos punitive damages alcançam indenizações milionárias, havendo
inclusive preocupação por parte da Suprema Corte na utilização abusiva desse
instrumento, razão pela qual, no caso Honda Motors Corp v. Karl Oberg (1994),
a Suprema Corte anulou a decisão estadual invocando “a cláusula do devido
processo legal da Emenda 14 da Constituição norte-americana para condenar o
sistema de punitive damages de um Estado, por violação ou ataque a garantia
constitucional do direito de propriedade, determinando a redução do valor da
condenação” (MARTINS-COSTA; PARGENDLER, 2005, p. 20-21).
Questão 5 - A
Justificativa: Na justificativa do Projeto de Lei se constata que o deputado
demonstra que o objetivo primordial da inclusão do parágrafo segundo no
Artigo 944 do CCB seria especificamente para possibilitar ao magistrado o uso
dos danos morais como instrumento pedagógico para evitar a repetição de atos
lesivos. Inclusive o deputado ressalta que o caput do Artigo 944 do CCB
restringe a sua aplicação as hipóteses de danos materiais, pois aplica o critério
de extensão do dano, o que não é possível no âmbito dos danos morais, pois
não há possibilidade de restauração destes danos.
Questão 6 - C
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 71
Justificativa: A hipótese prevista na letra C não é uma punição, apenas impõe o
dever de reparar, na exata dimensão do dano, aos agentes que exercem
atividade de risco e geram danos a terceiros. As demais hipóteses demonstram
a tendência do Direito Civil em exercer a função punitiva, contrariando a defesa
da divisão absoluta entre o Direito Civil e Penal, servindo aquela ao
ressarcimento da vítima e este à punição do agente ofensor.
Questão 7 - C
Justificativa: A questão solicita os critérios que indicam o exame da "conduta do
agente", sendo que dentre as hipóteses presentes apenas "a extensão do dano"
não se refere à conduta do agente.
Questão 8 - B
Justificativa: Antonio Junqueira de Azevedo defende a tese de que a
responsabilidade civil deve impor indenização não somente pelos danos
individuais, mas também pelos danos sociais, estes caracterizados pelas lesões
à sociedade, aos valores sociais, como segurança e qualidade de vida, quando
então seriam causa de indenização punitiva e dissuasória.
Questão 9 - A
Justificativa: Este é o obstáculo mais levantado pela doutrina à aplicação da
responsabilidade civil punitiva, a proibição legal do enriquecimento sem causa,
o que impediria a condenação por uma pena privada sem que haja expressa
previsão legal.
Questão 10 - A
Justificativa: Tem sido chamada como Teoria do Valor Desestímulo, pois o
nosso Direito não se aplica como os punitive damages na sua essência, como
nos Direitos norte-americano e inglês, pois não se aplica estritamente como
uma punição ao agente causador do dano, com um valor a parte da
indenização compensatória, mas sim como critério de fixação dos danos morais.
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 72
Introdução
Partindo do já examinado nas demais aulas, percebe-se que a Responsabilidade
Civil tem proporcionado o aumento das hipóteses indenizatórias, seja em razão
do afastamento da culpa como elemento preponderante, seja em virtude do
fortalecimento do dano como objetivo primordial da nossa disciplina, seja
diante da flexibilização, inclusive, do nexo causal, como elemento probatório
para fins de procedência da demanda indenizatória.
Tais soluções decorrem de uma necessidade de resposta efetiva para os
constantes danos sofridos em razão da evolução de nossa sociedade, em
virtude do visível desenvolvimento tecnológico dos últimos tempos que fazem
surgir o que a doutrina costuma chamar de sociedade de risco.
Essa proliferação de novos danos também é reflexo do estabelecimento da
dignidade da pessoa humana como cláusula geral dos direitos da
personalidade, propagando as hipóteses de tutela dos interesses individuais.
Bons estudos!
Objetivo:
1. Compreender o reflexo da sociedade de risco na proliferação dos novos
danos, bem como os efeitos decorrentes do estabelecimento da dignidade da
pessoa humana como cláusula geral dos direitos da personalidade na
deflagração de novas hipóteses de incidência da responsabilidade civil;
2. Examinar os danos decorrentes da perda de uma chance e o dano moral
pelo abandono afetivo no âmbito do Direito de Família.
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 73
Conteúdo
Contextualização
O processo de Constitucionalização e Repersonalização da Responsabilidade
Civil recoloca a proteção da pessoa humana como o centro de toda a
disciplina ressarcitória, tendo como ponto de extrema relevância o
estabelecimento da dignidade da pessoa humana como cláusula geral dos
direitos de personalidade.
A categoria dos direitos da personalidade visa essencialmente à proteção do
ser humano, referindo-se aqueles direitos inerentes à pessoa humana, entre
eles, a vida, a integridade física, a integridade psíquica, a privacidade, a honra,
a imagem, etc., ou seja, aqueles que buscam tutelar os interesses existenciais.
Atualmente se reconhece que o princípio da dignidade da pessoa humana
é uma cláusula geral dos direitos da personalidade (Enunciado n.º 274 da IV
Jornada de Direito Civil do CJF), pois a proteção dos valores existenciais não
prescinde de tipificação, bastando a manutenção da pessoa humana como
centro de todo ordenamento jurídico brasileiro para se permitir a tutela de
quaisquer interesses que estejam diretamente relacionados a esse valor
primordial.
A consequência imediata, como já salientado, é o reposicionamento do dano
como principal elemento da responsabilidade civil, pois a nossa disciplina passa
a se preocupar com a vítima e o seu ressarcimento, afastando-se dos
obstáculos da comprovação do elemento culpa e até mesmo do nexo causal,
em algumas circunstâncias. Somente este fator já seria suficiente para a
proliferação de novos danos, porém outro fator propicia a ampliação da
ressarcibilidade: a sociedade de risco.
Considerando os temas estudados até o momento, quais pontos levam à
proliferação de novas espécies de danos?
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 74
Surgimento da sociedade de riscos
Vamos relembrar como surgiu a sociedade de riscos?
Os riscos antes da Revolução Industrial
Os problemas advindos do exercício de atividades de risco já foram
determinantes para o desenvolvimento da Responsabilidade Civil Objetiva,
porém, na atualidade, a ideia de risco vai muito além daquela resultante da
Revolução Industrial.
Os riscos após a Revolução Industrial
Na Sociedade Pós-Industrial, chamada de Sociedade de Riscos, os riscos são
“exsurgentes do processo produtivo incrementado pelo avanço da ciência e
tecnologia na era pós-industrial (megatecnologia química e nuclear, pesquisas
genéticas e farmacológicas e impactos causados por intermédio das diversas
investidas sobre o meio ambiente)” (MENEZES, 2012, p. 4), entre os quais
podemos também inserir os riscos inerentes ao desenvolvimento da informática
e, consequentemente, dos meios de comunicação instantânea, como, por
exemplo, do exercício de atividades econômicas virtuais.
Riscos e danos na contemporaneidade
Questionamentos surgem sobre o equilíbrio entre os benefícios e os
consequentes riscos decorrentes da Revolução Tecnológica, ainda mais quando
se constata que tais riscos muitas vezes são imperceptíveis, num momento
inicial, sendo que, a posteriori, podem se transformar em catástrofes.
A sociedade e o direito passam a se preocupar com a sobrevivência das futuras
gerações em razão da multiplicação desses danos imprevisíveis (MORAES,
2006, p. 236-237).
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 75
Podemos exemplificar indicando os danos decorrentes dos riscos inerentes às
novas técnicas terapêuticas, novos medicamentos que podem, num futuro não
muito remoto, trazer consequências ainda imprevisíveis.
O mesmo se pode afirmar da indústria de alimentos, com a criação de novas
técnicas para aumentar a produção (alimentos transgênicos) e que podem,
também, causar danos inesperados.
Isso sem contar os danos ambientais que se afastam da classe dos danos
individuais e se elevam à categoria dos danos coletivos. Ao lado destes, e
diretamente relacionados, os danos advindos da exploração de novas fontes de
energias (energia nuclear).
Anderson Schreiber (2012, p. 84-85) afirma que a expansão dos danos
ressarcíveis não alcança tão somente o aspecto quantitativo, diante do aumento
do número de ações indenizatórias decorrentes, em especial, de facilidades
processuais criadas – os Juizados Especiais, a justiça gratuita, etc. – que
acabam por assegurar o efetivo acesso ao Poder Judiciário; mas também pelo
aspecto qualitativo.
“à medida em que novos interesses, sobretudo de natureza existencial e
coletiva, passam a ser considerados pelos tribunais como merecedores de
tutela, consubstanciando-se a sua violação em novos danos ressarcíveis. De
fato, o reconhecimento da necessidade de tutela de interesses existenciais
atinentes à pessoa humana, e, de outro lado, a verificação de danos demasiado
abrangentes, identificados com interesses transindividuais ou supraindividuais,
que passam a ser considerados dignos de proteção, vieram exigir o repensar da
estrutura individualista e eminentemente patrimonial das ações de reparação.”
Fonte: Anderson Schreiber (2012, p. 84-85).
Conceito de dano
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 76
Agora que percebemos a complexidade da proliferação das novas
espécies de danos, vamos iniciar uma análise mais profunda?
Analisemos a etimologia da palavra:
O vocábulo dano provém do latim damnum...
Dano seria qualquer lesão a um bem jurídico pertencente ao patrimônio de um
indivíduo ou de toda uma coletividade.
...sendo o efeito de danar (damnare).
Percebeu que pelo conceito transcrito há dois temas subentendidos?
Tema 1
O primeiro é a própria noção de bem jurídico e de patrimônio, englobando
neste tanto os bens materiais, passíveis de valoração econômica, como os bens
imateriais, aqueles que se correlacionam à noção de personalidade e os direitos
inerentes a esta, a vida, a honra, a dignidade, a integridade física, a integridade
psíquica, a privacidade, etc.
Tema 2
O segundo é o afastamento da responsabilidade civil do âmbito individual,
englobando também os danos coletivos como passíveis de ressarcimento, como
verificaremos ainda nesta aula.
As espécies tradicionais de danos são o dano material, também chamado de
patrimonial, denominação que não se adota porque restringe a noção de
patrimônio ao conjunto de bens valoráveis economicamente; e de outro lado o
dano moral, o qual é de difícil conceituação.
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 77
Avance a tela e veja mais detalhes sobre os clássicos danos materiais e
danos morais, assim como outros tipos de danos.
Dano material e dano moral
Dano material
aquele que acarreta num prejuízo material, de consequências pecuniárias,
passível de ser apurado por mera operação matemática.
é subdividido em
Dano emergente
É dano positivo, pois representa a efetiva perda sofrida pela vítima, a
diminuição econômica do seu patrimônio, englobando, inclusive, as despesas
necessárias para minorias as consequências do dano.
Lucro cessante
(Artigo 402 do CCB) É o lucro provável que não foi obtido em razão da conduta
lesiva, é aquilo que razoavelmente se deixou de lucrar, é a frustração do lucro
esperável.
Ao lado do dano material, de fácil conceituação e constatação, temos o dano
moral, cujo tema, mesmo consagrado na legislação pátria desde 1988, com o
advento da Constituição Federal, é ainda objeto de constantes estudos que
visam à sua definição e delimitação. A conceituação do dano moral parte de
duas vertentes distintas. Acompanhe.
Vertente 1
Dano Moral
Vertente 2
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 78
Define dano moral a partir das consequências sofridas pela lesão a bens
jurídicos (dor, sofrimento, vexame, angústia, estresse e demais sentimentos
negativos).
Examina o dano moral a partir dos direitos lesados, apontando que os danos
morais decorrem da lesão aos direitos de personalidade, numa concepção mais
abrangente, decorre da lesão à dignidade de um indivíduo.
Maria Celina Bodin de Moraes (2006, p. 245-248) distingue a conceituação de
“dano moral subjetivo” como aquele que define o dano a partir dos efeitos
morais da lesão a um bem jurídico, do conceito do “dano moral objetivo”, que
seria a lesão à dignidade da pessoa humana, a qualquer dos “aspectos ou
substratos que compõem ou conformam a dignidade humana, isto é, a violação
à liberdade, à igualdade, à solidariedade ou à integridade psicofísica de uma
pessoa humana”.
Dano estético e danos sociais
Ao lado das categorias clássicas, parte da doutrina já tem como sedimentada
uma terceira espécie de dano, o dano estético, o qual se distingue do dano
moral e tem sido reconhecido como autônomo em relação àquele, permitindo
assim também o seu ressarcimento.
Tereza Ancona Lopez (2004, p. 44-45) afirma:
“Estética vem do grego aisthesis que significa sensação. Tradicionalmente é o
ramo da ciência que tem por objeto o estudo da beleza e suas manifestações
na arte e na natureza. Na concepção clássica, que vem de Aristóteles, é a
estética uma ciência prática ou normativa que dá regras ao fazer humano sob o
aspecto do belo. Portanto, é a ciência que tem como objeto material a atividade
humana (fazer) e como objeto formal (aspecto sob o qual é encarado esse
fazer), o belo.”
O que é dano estético?
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 79
Portanto, dano estético seria toda “lesão à beleza física, ou seja, à harmonia
das formas” (LOPEZ, 2004, p. 45), alterações morfológicas que acarretem em
deformidades, marcas ou defeitos, resultando no afeiamento da vítima,
ocasionando sentimentos de humilhação e ridicularização, atingindo a sua
autoestima. A integridade física e o consequente dano estético possuem ligação
direta com o direito à saúde consagrado no Artigo 196 da Constituição Federal.
O Superior Tribunal de Justiça, seguindo a posição dominante da doutrina
brasileira, sumulou que “é lícita a cumulação das indenizações de dano estético
e dano moral” (Súmula n.º 387), reconhecendo a autonomia daquele em
relação a este.
Antonio Junqueira de Azevedo (2009) é o criador de uma nova categoria de
danos indenizáveis, os danos sociais, sua tese se refere à possibilidade de
aplicação da função punitivo-pedagógica no âmbito da responsabilidade civil,
conforme vimos na aula anterior. Mas o que seriam os danos sociais?
Danos sociais = lesões à sociedade
Acompanhe o que pensa os seguintes autores a respeito:
Antonio Junqueira de Azevedo
Antonio Junqueira de Azevedo (2009):
Os danos sociais seriam aquelas lesões à sociedade, haja vista que para o autor
“um ato, se doloso ou gravemente culposo, ou se negativamente exemplar, não
é lesivo somente ao patrimônio material ou moral da vítima, mas sim, atinge a
toda a sociedade, num rebaixamento do nível de vida da população”. Adverte
que isso é particularmente visível quando se trata de segurança, quando o ato
diminui a tranquilidade social, ou quebra a confiança da sociedade, ou reduz a
qualidade coletiva de vida (AZEVEDO, 2009, p. 380-381).
Flávio Tartuce
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 80
Flavio Tartuce (2008):
Esta espécie de dano mantém relação direta com o princípio da socialidade que
reina no nosso Código Civil (2008), diria mais, que fundamenta o nosso
ordenamento jurídico, a partir da Constituição Federal e da funcionalização de
vários institutos do direito privado (função social da propriedade, do contrato,
da família, etc.). E defende a função social da responsabilidade civil, a qual
aduz que “deve ser encarada como uma análise do instituto de acordo com o
meio que o cerca, com os objetivos que as indenizações assumem perante o
meio social. Mais do que isso, a responsabilidade civil não pode ser dissociada
da proteção da pessoa humana, e da sua dignidade como valor fundamental”
(TARTUCE, 2008).
Outras novas espécies de danos
Para finalizarmos nossa análise das novas espécies de danos, temos:
Tutela de interesses transindividuais ou supraindividuais e os danos
morais coletivos
Estes superam a ideia individualista da responsabilidade civil, reconhecendo que
determinadas condutas lesivas podem atingir um número indeterminado de
pessoas, acarretando na indivisibilidade da ofensa e da consequente reparação
(SCHREIBER, 2012, p. 86-89).
Danos reflexos
Categoria que não é tão nova, mas também demonstra a amplitude que a
responsabilidade civil tem alcançado quando se busca a indenização dos danos
sofridos. O dano reflexo ou indireto ou, ainda, Dano por Ricochete, consiste
no dano que atinge pessoa indireta ligada à vítima direta da conduta lesiva.
Flavio Tartuce afirma que o dano moral coletivo tem como vítimas titulares de
direitos individuais homogêneos, coletivos ou difusos (para uma distinção
dessas categorias, remete-se à análise do disposto no art. 81 do CDC).
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 81
Exatamente a impossibilidade de identificação da vítima acaba sendo o
argumento levantado pela doutrina e jurisprudências contrárias ao
reconhecimento de um dano moral coletivo (REsp n.º 598281/MG).
Exemplos do reconhecimento do dano moral coletivo no âmbito do Superior
Tribunal de Justiça podem ser citados (AMARAL; SILVA, 2013, p. 8-9):
a) caso em que se reconheceu a lesão à dignidade dos
consumidores o fato de a empresa de telefonia deixar de
informar a seus clientes acerca do plano de assinatura
básica com redução de custo (STJ - REsp REsp
1291213/SC - Rel. Ministro Sidnei Beneti - DJ
25/09/2012);
b) danos causados à biota em virtude do desmatamento
de vegetação nativa sem autorização da autoridade
ambiental (STJ- REsp 1198727/MG - Rel. Min. Herman
Benjamin - DJ: 09.05.2013);
c) danos aos consumidores com dificuldade de locomoção,
obrigados por agência bancária a subirem escada com 23
degraus, sendo que o local possuía condições de propiciar
melhor forma de atendimento (STJ - REsp 1221756/RJ -
Rel. Min. Massami Uyeda - DJ: 10.02.2012);
d) danos aos consumidores idosos, na conduta da
empresa que exigia o cadastro prévio do idoso para a
obtenção do direito ao passe livre, tutelado pelo art. 39, §
1º, do Estatuto do Idoso (STJ- REsp 1057274/RS - Rel.
Min. Eliana Calmon - DJ: 26.02.2010);
e) danos causados à população em virtude de fraude em
processo licitatório (STJ- AgRg no REsp 1029927/PB - Rel.
Min. Benedito Gonçalves - DJ: 20.04.2009).
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 82
Em que pese ainda não haver aceitação pacífica da doutrina e jurisprudência, o
seu exame é imprescindível para se entender as mais novas perspectivas de
danos que surgem na nossa Sociedade de Risco.
Danos Reflexos
Sergio Cavalieri (2005, p. 124) afirma que:
[...] os efeitos do ato ilícito podem repercutir não apenas
diretamente sobre a vítima, mas também sobre pessoa
intercalar, titular de relação jurídica que é afetada pelo
dano não na sua substância, mas na sua consistência
prática. [...] é o que a doutrina convencionou chamar de
dano reflexo, dano em ricochete ou, ainda, como querem
outros, dano indireto. [...] o ofensor deve reparar todo o
dano que causou, segundo a relação de causalidade. [...]
sendo assim, somente o dano reflexo certo e que tenha
sido consequência direta e imediata da conduta ilícita
pode ser objeto de reparação, ficando afastado aquele
que se coloca como consequência remota, como mera
perda de uma chance [...]
A questão é relevante quando se fala na transmissibilidade do dano moral
(lesões à dignidade ou à memória de pessoa morta e os reflexos aos seus
familiares ou até mesmo pessoas íntimas) ou, ainda, do dano-morte (termo
usado por SCHREIBER, 2012, p. 93), quando se questiona a titularidade do
ressarcimento.
Transcrevemos abaixo jurisprudência nacional que demonstra a amplitude do
tema:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO
ARTIGO 535, II, DO CPC NÃO CARACTERIZADA. AÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 83
REPARATÓRIA. DANOS MORAIS. LEGITIMIDADE ATIVA
AD CAUSAM DO VIÚVO. PREJUDICADO INDIRETO. DANO
POR VIA REFLEXA. I - Dirimida a controvérsia de forma
objetiva e fundamentada, não fica o órgão julgador
obrigado a apreciar, um a um, os questionamentos
suscitados pelo embargante, mormente se notório seu
propósito de infringência do julgado. II – Em se tratando
de ação reparatória, não só a vítima de um fato danoso
que sofreu a sua ação direta pode experimentar prejuízo
moral. Também aqueles que, de forma reflexa, sentem os
efeitos do dano padecido pela vítima imediata, amargando
prejuízos, na condição de prejudicados indiretos. Nesse
sentido, reconhece-se a legitimidade ativa do viúvo para
propor ação por danos morais, em virtude de ter a
empresa ré negado cobertura ao tratamento médico-
hospitalar de sua esposa, que veio a falecer, hipótese em
que postula o autor, em nome próprio, ressarcimento pela
repercussão do fato na sua esfera pessoal, pelo
sofrimento, dor, angústia que individualmente
experimentou. Recurso especial não conhecido. (REsp
530.602/MA, Rel. Min. CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA,
DJ 17/11/2003)
Concluímos este assunto. Avance para iniciarmos a análise dos danos
decorrentes da perda de uma chance e o dano moral pelo abandono afetivo no
âmbito do Direito de Família.
A teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance
Origem
A Teoria da Perda de uma Chance teve origem na jurisprudência francesa, em
especial no âmbito da responsabilidade civil médica, quando da realização de
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 84
diagnóstico equivocado e redução das chances da vítima de obter a cura da
doença sofrida (ANDREASSA, 2009, p. 16-18).
Característica
“A perda de uma chance se caracteriza como a situação em que o ofensor
interfere em um processo aleatório em que a vítima se encontrava que poderia
ou não levar a uma vantagem ou a evitar um dano, mas que, em consequência
da intervenção, jamais se poderá averiguar qual seria o desfecho.” (LOVATO;
LOVATO, 2013, p. 6).
Exemplos
Aqui podemos citar, além da hipótese relacionada à responsabilidade civil
médica, a decorrente de responsabilização do advogado pela perda do prazo
(tanto para a propositura da demanda como para a interposição de recurso), a
circunstância decorrente de fraude em jogos de azar, perda da chance de
realizar uma prova de vestibular ou concurso em razão de problemas no
sistema de transporte contratado, entre outras.
Cavalieri Filho
Na realidade, “a doutrina francesa, aplicada com frequência pelos nossos
Tribunais, fala na perda de uma chance (perte d’une chance), nos casos em
que o ato ilícito tira da vítima a oportunidade de obter uma situação futura
melhor, como progredir na carreira artística ou no trabalho, conseguir um novo
emprego, deixar de ganhar uma causa pela falha do advogado etc. É preciso,
todavia, que se trate de uma chance real e séria, que proporcione ao lesado
efetivas condições pessoais de concorrer à situação futura esperada”.
(DIREITO; CAVALIERI FILHO, 2004, p. 95).
A partir do examinado até o momento, já se constata a dificuldade da
caracterização da hipótese ensejadora de indenização, demonstrando que
dependerá efetivamente da análise do caso concreto pelo magistrado, não
podendo ser aferível sem exame de provas e dos fatos correlacionados.
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 85
Somente para exemplificar essa dificuldade, adota-se para análise o caso da
responsabilização dos médicos e advogados pela perda de uma chance, sendo
que é imprescindivel se ressaltar que as obrigações desses profissionais liberais,
em regra, são de meio e não de resultado, ou seja, os mesmos assumem a
obrigação de aplicar todo o seu conhecimento e instrumentos possíveis para a
obtenção do resultado, mas não lhe garante como consequência necessária,
pois outros fatores externos podem implicar no não alcance do efeito esperado.
Portanto, como identificar se realmente a atuação desses profissionais liberais
acarretaram, necessariamente, na perda da chance de obter o resultado
esperado pela prestação dos serviços contratados?
Outro item que gera acirrada discussão doutrinária e jurisprudencial é sobre a
natureza do dano indenizável e a forma de sua fixação. Há quem defenda que
seria hipótese de lucro cessante, ou seja, aquilo que a vítima deixou de ganhar
em razão da conduta lesiva, enquanto outros defendem a condenação por
danos morais, visando assim somente se compensar a chance perdida, haja
vista que seria impossível o seu restabelecimento.
Portanto, resta evidente que, não sendo possível mais se alcançar o resultado
perdido em razão da conduta lesiva, não há como se reparar este dano, mas
sim se deve compensá-lo, razão pela qual a doutrina defende que o valor da
indenização seja inferior ao valor da vantagem esperada e efetivamente perdida
pela vítima (entre outros, Glenda Gonçalves Goldim, Carlos Roberto Gonçalves e
Rafael da Silva Santiago).
Carlos Roberto Gonçalves (2008, p. 258) defende que a quantificação do dano
deverá ser feita por arbitramento (art. 946 do CCB), de modo equitativo pelo
magistrado, “que deverá partir do resultado útil esperado e fazer incidir sobre
ele o percentual de probabilidade de obtenção da vantagem esperada”. É
possível se afirmar que esse é o critério utilizado pela jurisprudência francesa
que indeniza proporcionalmente ao montante da chance perdida (SANTIAGO,
2012, p. 17).
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 86
Verifica-se que a Teoria da Perda de Uma Chance no âmbito do direito
brasileiro ainda está em fase de construção doutrinária e jurisprudencial,
porém, fazendo uma breve pesquisa nos Tribunais pátrios, é possível se
constatar uma tendência pela aplicação dessa teoria, nas mais diversas
hipóteses.
Analisando alguns posicionamentos jurisprudenciais, Antonio Carlos Lovato e
Renato Lovato Neto concluem (2013, p. 18):
Desta forma, há um movimento na jurisprudência que
tende a aplicar a teoria da perda de uma chance em
relações jurídicas em ramos além do Direito Civil, como no
âmbito do Direito do Trabalho (como nas diversas fases
dos contratos de trabalho), Tributário (proibição de
participação em processo de licitação ou contrato com o
Poder Público em decorrência de irregularidade fiscal por
conta de erro da Fazenda Pública, como inscrição indevida
em Dívida Ativa ou não concessão de parcelamento), de
Família (como a chance de ter um relacionamento com
um filho ao qual foi negado o exercício da paternidade),
Administrativo (quando há fraudes à licitação) e Ambiental
(oportunidade de usufruir de saúde, vida e Meio Ambiente
equilibrado), na tentativa ainda de investigar se o sujeito
ativo pode ser o Estado (ou Administração Pública) e se a
vítima pode ser uma coletividade.
Caso de extrema repercussão no nosso Direito foi a questão do programa do
SBT chamado Show do Milhão, o qual será objeto de questão discursiva a ser
examinada pelos alunos a partir da análise feita em aula e das leituras
indicadas.
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 87
Fonte: http://www.cartaforense.com.br/autor/sergio-cavalieri-filho/177
(CAVALIERI FILHO, 2004, p. 95).
Atenção
A chance tem que ser concreta (afastando-se aqui do chamado
dano hipotético, quando para a obtenção do resultado se
dependeria de outros fatores que não somente o decorrente da
chance perdida), demonstrada por provas contundentes que
houve a perda da chance de obter uma situação melhor, bem
como que esta decorreu necessariamente da conduta do agente.
A responsabilidade civil por abandono afetivo
Como já observamos, a Responsabilidade Civil tem se expandido diante do
surgimento de novas hipóteses de danos passíveis de ressarcimento e isso não
poderia ser diferente no âmbito das relações familiares, inclusive pelos mesmos
motivos que acarretaram na evolução da Responsabilidade Civil para um Direito
de Danos.
O processo de Constitucionalização e Repersonalização do Direito Civil, já
examinado nos seus efeitos no campo da Responsabilidade Civil, também
produziu efeitos marcantes nas relações familiares, acarretando no
redirecionamento de todas essas relações para a proteção da dignidade da
pessoa humana.
Mas... O que mudou?
A família afastasse das características marcantes do Código Civil de 1916 –
matrimonializada, patrimonialista, patriarcal, individualista – para assumir uma
nova dimensão em conformidade com os novos valores de nosso ordenamento
jurídico.
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 88
A família deixa de lado o matrimônio como única forma de constituição para
alçar o princípio da pluralidade das entidades familiares, o qual pressupõe que o
principal requisito para a constituição de uma entidade familiar é o vínculo de
afeto existente entre seus membros, o que gerará a efetividade do princípio da
dignidade da pessoa humana.
O caráter patrimonial das relações familiares da legislação civil anterior, o que
marcava a maioria de suas regras, é substituído pela repersonalização dessas
relações, reestabelecendo a pessoa humana e o alcance da consagração de sua
dignidade como os objetivos das relações que unem os membros de uma
mesma família.
A repersonalização e a afetividade ínsitas nas relações familiares atingem
diretamente as relações paterno-filiais, deixando de haver um vínculo de
subordinação dos filhos em relação ao pai (exatamente, ao genitor do sexo
masculino) para se estabelecer uma relação de colaboração entre pais e filhos.
Os filhos passam a ser reconhecidos em toda a sua dimensão como sujeitos de
direitos e os pais passam a ter muito mais do que um poder sobre os filhos,
mas sim um poder-dever que vai muito além dos aspectos materiais, expande-
se para os aspectos imateriais, pois exigem dos genitores uma obrigação de
usar de todos os meios existentes para alcançar o mais amplo desenvolvimento
da personalidade dos seus filhos, da forma mais digna possível.
Restringindo-se ao exame das relações paterno-filiais para o alcance do nosso
objetivo será imprescindível se examinar os princípios do direito de família, com
roupagem constitucional, que regem essas relações. Siga em frente e confira!
Princípio da afetividade
O princípio do direito da família mais relevante é o Princípio da Afetividade,
que está diretamente relacionado ao princípio da dignidade da pessoa humana.
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 89
O desenho do afeto como elemento preponderante nas relações paterno filiais
remonta texto de João Baptista Vilella, escrito no início da década de 1980,
tratando da Desbiologização da Paternidade, criando a figura hoje amplamente
aceita de paternidade socioafetiva, aquela decorrente não de laços
consanguíneos ou legais, mas sim de laços afetivos, o famoso “filho do
coração”.
Paulo Lôbo afirma que se encontra “na Constituição Federal brasileira três
fundamentos essenciais do princípio da afetividade, constitutivos dessa
aguda evolução social da família, especialmente durante as últimas décadas do
Século XX:
todos os filhos são iguais, independentemente de sua origem (Artigo 227, §
6º);
a adoção, como escolha afetiva, alçou-se integralmente ao plano da igualdade
de direitos (Artigo 227, §§ 5º e 6º);
a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo-se
os adotivos, tem a mesma dignidade de família constitucionalmente
protegida. (Artigo 226, § 4º).”
Fonte:
http://www2.al.rs.gov.br/valdecioliveira/Portals/valdecioliveira/Legisla%C3%A7
%C3%A3o/constituicao_federal.jpg.
Outros princípios relacionados ao direito da família
O acolhimento da afetividade como elemento preponderante nas relações de
família, em especial nas relações paterno-filiais, exige uma releitura do antigo
“pátrio-poder”, hoje chamado de poder familiar ou autoridade parental.
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 90
Esta releitura exige o acolhimento de outros princípios diretamente
relacionados ao tema:
Princípio da paternidade responsável (§ 7º do Artigo 226 da CF).
Princípio da convivência familiar.
Princípio da soliadariedade familiar (ambos decorrentes da análise do
Artigo 227 da CF).
Partimos desse exame prévio dos princípios constitucionais que exigem uma
releitura de todo o direito de família para analisar um tema que tem gerado
exacerbadas discussões doutrinárias e jurisprudenciais: a Responsabilidade
Civil por Abandono Afetivo.
Nova concepção de poder familiar
Diante do que vimos até aqui, o afeto, a convivência contínua, o amor e
atenção são elementos integrantes da nova concepção de poder familiar?
Sem sombra de dúvidas que sim, não há como se afastar desses elementos
neste “novo” direito de família, nesta “nova” qualificação da relação paterno-
filial, como bem descreve Rodrigo da Cunha Pereira, “nem só de pão vive o
homem”.
O desenvolvimento amplo e digno da personalidade humana é um dos deveres
inerentes ao poder familiar, cabe aos pais, dentro do exercício deste dever, na
criação de seus filhos, a assistência material, afetiva e moral (art. 229 da CF).
Examinando o art. 229 da Constituição Federal, bem como a amplitude do
dever de assistência, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel (2010, p. 119)
assinala que:
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 91
Esta regra engloba, além do sustento, a assistência imaterial
concernente ao afeto, ao cuidado e ao amor. [...]
Analisando a redação do art. 229 da CF/88, no que tange ao dever
dos pais de assistir os filhos menores, notamos a amplitude do termo
e as suas vertentes possíveis. Se, por um lado, significa ajudar,
auxiliar e socorrer, por outro, há a vertente de estar presente, perto,
comparecer, presenciar, acompanhar e até mesmo coabitar.
Portanto, é dever dos pais assistir os filhos, participar continuamente de sua
criação, de sua educação, serem presentes na vida dos mesmos, serem seus
exemplos e pontos de apoio, não somente nos aspectos materiais, mas
essencialmente morais e afetivos.
Para o campo restrito dessa análise, já se pode perceber a extensão deste
conceito e, consequentemente, visualiza-se as possíveis consequências lesivas
do abandono afetivo para a formação da personalidade dessas crianças, os
danos sofridos pelos mesmos.
Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka (p. 07) esclarece sobre os danos
advindos do abandono afetivo:
O dano causado pelo abandono afetivo é antes de tudo um dano à
personalidade do indivíduo. Macula o ser humano enquanto pessoa,
dotada de personalidade, sendo certo que esta personalidade existe e
se manifesta por meio do grupo familiar, responsável que é por incutir
na criança o sentimento de responsabilidade social, por meio do
cumprimento das prescrições, de forma a que ela possa, no futuro,
assumir a sua plena capacidade de forma juridicamente aceita e
socialmente aprovada.
Parte significativa da doutrina nacional admite o ressarcimento destes danos
decorrentes do abandono afetivo (Rolf Madaleno, Rodrigo da Cunha Pereira,
Maria Berenice Dias, Paulo Lôbo, entre outros – GOMES, 2011), reconhecendo
que o dever de cuidado decorrente da relação paterno-filial inclui
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 92
necessariamente estar presente, exercer efetivamente as suas funções
paternais com todos os benefícios e encargos decorrentes da mesma para o
alcance de seu objetivo primordial – o desenvolvimento pleno da personalidade
daquele indivíduo.
Portanto, o abandono dos pais, em especial em razão da dissolução do vínculo
existente entre os genitores, ou até mesmo em razão da negativa de assumir a
paternidade ou maternidade, pode acarretar em danos ao filho, sejam estes
materiais (decorrentes do não cumprimento do dever de sustento), sejam estes
morais, estes, sim, advindos do abandono moral e afetivo, do não exercício
efetivo do poder familiar, independentemente do cumprimento da obrigação
alimentar.
De outro lado, os defensores da impossibilidade da indenização pelo
abandono afetivo (Angelo Carbone, Francisco Alejandro Horne, Danielle
Alheiros, entre outros – GOMES, 2011) afirmam que não é possível se obrigar a
ninguém a amar, não se podendo coagir os pais a amarem e terem afeto por
seus filhos, portanto, não se pode conceber o direito ao ressarcimento pela não
concessão do afeto. Outro argumento é que a simples manutenção da
contribuição material, pagamento de alimentos, seria suficiente e representaria
a afetividade (GOMES, 2011, p. 306). Da mesma forma, é plausível se utilizar
como argumento contrário à responsabilização dos pais pelo abandono dos
filhos a própria concepção de repersonalização do direito de família, sendo que
o ressarcimento financeiro seria uma forma de patrimonialização do afeto.
Ademais, ainda como argumento contrário se poderia levantar a intervenção
mínima do Estado nas relações familiares.
A par das posições doutrinárias, é possível se apontar decisões jurisprudenciais
tanto favoráveis (REsp n.º 1.159.242/SP, Apelação Cível nº 408.550-5/TJMG,
Apelação Cível n.º 0768524-9/TJPR, Apelação Cível n.º 640566-7/PR, entre
outras) como contrárias (REsp n.º 757.411/MG, REsp n.º 514.350/SP, Apelação
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 93
Cível n.º 639544-4/TJPR, Apelação Cível n.º 576938-4/TJPR, entre outras) a
essa hipótese.
Para finalizar, transcreve-se o posicionamento de Rodrigo da Cunha Pereira (p.
2), que faz uma análise do tema em questão em correlação com a função
punitivo-pedagógica da responsabilidade civil, anteriormente examinada:
Tudo isso é bem compreensível, claro: não é possível obrigar ninguém
a amar. No entanto, a esta desatenção e a este desafeto devem
corresponder uma sanção, sob pena de termos um direito acéfalo, um
direito vazio, um direito inexigível. Se um pai ou uma mãe não
quiserem dar atenção, carinho e afeto àqueles que trouxeram ao
mundo, ninguém pode obrigá-los, mas à sociedade cumpre o papel
solidário de lhes dizer, de alguma forma, que isso não está certo e
que tal atitude pode comprometer a formação e o caráter dessas
pessoas abandonadas, afetivamente. Afinal, eles são os responsáveis
pelos filhos e isto constitui um dever dos pais e um direito dos filhos.
O descumprimento dessas obrigações significa violação ao direito do
filho. Se os pais assim não agem, devem responder por isso. Esta é a
resposta que a sociedade deve dar, por meio da Justiça, aos pais
abandônicos. A indenização estaria então monetarizando o afeto? De
maneira alguma. O valor da indenização é simbólico e tem apenas
uma função punitiva. Mais que isso: uma função educativa. Afinal,
não há dinheiro no mundo que pague o dano e a violação dos deveres
morais à formação da personalidade de um filho rejeitado.
A Responsabilidade Civil por Abandono Afetivo é mais um dos temas
intrigantes dentro da Responsabilidade Civil, porém, partindo-se da concepção
de proteção da dignidade da pessoa humana, bem como do amplo
ressarcimento da vítima, além de todo o exame principiológico inerente ao
tema, demonstramos a necessidade de ampliação das pesquisas em relação à
aplicação da responsabilidade civil no campo das relações familiares.
Atividade proposta
Vamos fazer uma atividade relacionada ao tema visto anteriormente!
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 94
O caso do Show do Milhão ficou famoso no Direito Brasileiro, pois a Justiça da
Bahia julgou procedente a demanda indenizatória condenando a parte ré ao
pagamento de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), além do prêmio que já
havia obtido até o momento em que surgiu a pergunta irrespondível (outros R$
500.000,00). Leia o caso, examine as razões do acórdão do STJ e disserte
sobre o acerto ou desacerto do julgado.
O caso do Show do Milhão ficou famoso no Direito Brasileiro, pois a Justiça da
Bahia julgou procedente a demanda indenizatória condenando a parte ré ao
pagamento de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), além do prêmio que já
havia obtido até o momento em que surgiu a pergunta irrespondível (outros R$
500.000,00). Contudo, a parte autora havia pleiteado o montante total do
prêmio de um milhão, pois entendeu que este teria sido o prejuízo auferido em
razão da perda da chance de continuar a disputa e chegar à “pergunta do
milhão”. Em grau de Recurso Especial, o Superior Tribunal de Justiça proveu
parcialmente o recurso para o fim de reduzir o valor da condenação por danos
morais para R$ 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil reais), conforme ementa
abaixo. Examine as razões do acórdão do STJ e disserte sobre o acerto ou
desacerto do julgado.
RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. IMPROPRIEDADE DE
PERGUNTA FORMULADA EM PROGRAMA DE TELEVISÃO.
PERDA DA OPORTUNIDADE. 1. O questionamento, em
programa de perguntas e respostas, pela televisão, sem
viabilidade lógica, uma vez que a Constituição Federal não
indica percentual relativo às terras reservadas aos índios,
acarreta, como decidido pelas instâncias ordinárias, a
impossibilidade da prestação por culpa do devedor,
impondo o dever de ressarcir o participante pelo que
razoavelmente haja deixado de lucrar, pela perda da
oportunidade. 2. Recurso conhecido e, em parte, provido.
(STJ, REsp 788459/BA, DJ 13/03/2006)
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 95
Chave de resposta: No âmbito da Teoria da Perda de uma Chance, um dos
temas que causa ainda bastante discussão doutrinária e jurisprudencial é sobre
a natureza do dano indenizável e a forma de sua fixação. Todavia, tem sido de
consenso que, não sendo possível mais se alcançar o resultado perdido em
razão da conduta lesiva, não há como se reparar este dano, mas sim se deve
compensá-lo, razão pela qual a doutrina defende que o valor da indenização
seja inferior ao valor da vantagem esperada e efetivamente perdida pela vítima
(entre outros Glenda Gonçalves Goldim, Carlos Roberto Gonçalves e Rafael da
Silva Santiago). Consequentemente, acertada a decisão do STJ determinando a
redução do quantum indenizatório, pois este visa tão somente compensar a
perda da chance de alcançar o prêmio final, sendo evidente que não havia
absoluta certeza de que o autor lograria este objetivo se tivesse passado pela
pergunta questionada.
Material complementar
Para saber mais sobre as tendências da responsabilidade civil
brasileira leia os artigos disponíveis em nossa biblioteca virtual.
Referências
AMARAL, Ana Claudia Corrêa Zuin Mattos do; SILVA, Fernando Moreira Freitas
da. Dano moral coletivo e sociedade globalizada: o estado atual da arte e
perspectivas futuras. Disponível em:
http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=81a6f51d90af2c00. Acesso em:
18 ago. 2014.
ANDREASSA JUNIOR, Gilberto. A responsabilidade civil pela perda de uma
chance no direito brasileiro. In: NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de
Andrade. Revista de Direito Privado, São Paulo: Revista dos Tribunais,
2009. p. 177-214. Disponível em: http://andreassaeandreassa.adv.br/wp-
content/uploads/2013/01/artigo13.pdf. Acesso em: 18 ago. 2014.
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 96
DIREITO, Carlos Alberto Menezes; CAVALHIERI FILHO, Sérgio. Comentários
ao novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 95. v. 13.
GOMES, Fernando Roggia. A responsabilidade civil dos pais pelo abandono
afetivo dos filhos menores. Revista da ESMESC, v. 18, n. 24, 2011, p. 291-
320. Disponível em: http://www.revista.esmesc.org.br/re/article/view/33/.
Acesso em: 18 ago. 2014.
GONÇALVES, Carlos Alberto. Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil.
3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 3.
GONDIM, Glenda Gonçalves. Responsabilidade civil: teoria da perda de uma
chance. Revista dos Tribunais, São Paulo, a. 94, n. 840, out. 2005.
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Pressupostos, elementos e limites
do dever de indenizar por abandono afetivo. Disponível em:
http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/93
65/. Acesso em: 18 ago. 2014.
LÔBO, Paulo. Princípio jurídico da afetividade na filiação.Jus Navigandi,
Teresina, a. 5, n. 41, 1 maio 2000. Disponível em:
http://jus.com.br/artigos/527" http://jus.com.br/artigos/527. Acesso em:
18 ago. 2014.
LOPEZ, Teresa Ancona. O dano estético. São Paulo: Revista dos Tribunais. 3.
ed. 2004.
LOVATO, Renato Neto; LOVATO, Antonio Carlos. Novas aplicações da Teoria
da Perda de uma Chance no Direito Brasileiro. Disponível em:
http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=9ad97add7f3d9f29. Acesso em:
18 ago. 2014.
MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade. Poder familiar. In: MACIEL, Kátia
Regina Ferreira Lobo Andrade (Coord.). Curso de direito da criança e do
adolescente: aspectos teóricos e práticos. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2010.
p. 81-149.
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense,
2009.
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Nem só de pão vive o homem:
Responsabilidade civil por abandono afetivo. Disponível em:
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 97
http://www.mpce.mp.br/orgaos/CAOCC/dirFamila/artigos/05_nem.so.de.pao.viv
e.o.homem.pdf. Acesso em: 18 ago. 2014.
SANTIAGO, Rafael da Silva. Responsabilidade civil: aspectos da Teoria da
Perda de uma Chance e sua distinção dos punitive damages. Disponível em:
http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=7fe1f8abaad094e0. Acesso em:
18 ago. 2014.
SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da Responsabilidade Civil: da
erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos. 4. ed. São Paulo: Atlas,
2012.
_____. Novas tendências da Responsabilidade Civil Brasileira.
Disponível em:
http://www.andersonschreiber.com.br/downloads/novas_tendencias_da_respon
sabilidade_civil_brasileira.pdf. Acesso em: 18 ago. 2014.
TARTUCE, Flávio. Reflexões sobre o dano social. In: Âmbito Jurídico, Rio
Grande, v. 11, n. 59, nov. 2008. Disponível em: http://www.ambito-
juridico.com.br/ site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3537.
Acesso em: 18 ago. 2014.
Exercícios de fixação
Questão 1
A ampliação dos danos ressarcíveis decorrem necessariamente dos seguintes
fatores, exceto:
a) Dos riscos advindos da Revolução Tecnológica, incluindo aqui os
decorrentes da megatecnologia química e nuclear, pesquisas genéticas e
farmacológicas e impactos causados por intermédio das diversas
investidas sobre o meio ambiente.
b) Do reconhecimento da dignidade da pessoa humana como cláusula geral
dos direitos da personalidade, estendendo a proteção desses direitos a
quaisquer aspectos da personalidade, estejam estes previstos
expressamente pela legislação ou não.
c) A manutenção da Responsabilidade Civil Subjetiva como regra geral na
legislação civil brasileira.
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 98
d) A ampliação das hipóteses de titularidade das ações indenizatórias, por
meio do reconhecimento do dano moral coletivo, o qual visa proteger
interesses transindividuais ou supraindividuais.
Questão 2
Assinale a alternativa incorreta:
a) Na atualidade, não se pode mais estabelecer como espécies de danos
somente os materiais e morais, sendo que a ampliação das hipóteses de
danos ressarcíveis tem gerado construções doutrinárias relacionadas a
novas categorias.
b) O conceito de dano moral na doutrina brasileira ainda é permeado por
dúvidas, o que faz surgir dois conceitos distintos, um chamado de “dano
moral subjetivo”, como aquele que define o dano a partir dos efeitos
morais da lesão a um bem jurídico e outro denominado de “dano moral
objetivo”, que seria decorrente da lesão à dignidade da pessoa humana.
c) Os danos sociais seriam aquelas lesões à sociedade decorrentes de
condutas dolosas ou com culpa grave, que atingem além da vítima o
sentimento coletivo, acarretando num rebaixamento do nível de vida de
toda a sociedade.
d) O dano estético tem sido reconhecido por toda a doutrina como
subespécie de dano moral, não sendo, portanto, possível a sua
cumulação.
Questão 3
Sobre os danos morais coletivos, assinale a assertiva incorreta:
a) Os nossos Tribunais não têm reconhecido a possibilidade dos herdeiros
pleitearem indenização por danos morais sofridos pelo de cujus em vida,
haja vista a intransmissibilidade dos direitos da personalidade.
b) O dano moral coletivo tem como vítimas titulares de direitos individuais
homogêneos, coletivos ou difusos.
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 99
c) A impossibilidade de identificação da vítima acaba sendo o argumento
levantado pela doutrina e jurisprudências contrárias ao reconhecimento
de um dano moral coletivo.
d) O dano reflexo consiste no dano que atinge pessoa indireta ligada à
vítima direta da conduta lesiva.
Questão 4
O dano estético tem sido reconhecido como outra categoria de danos, ao lado
do dano moral e do dano material. Independe para a sua configuração de que a
vítima utilize a sua beleza estética para fins profissionais, haja vista que
eventual deformidade ou afeiamento pode causar sentimentos de vexame e
humilhação em quaisquer pessoas.
a) Verdadeiro
b) Falso
Questão 5
Na ementa abaixo, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná manteve decisão
de primeiro grau que condenou um estabelecimento comercial que teve seu
alvará invalidado porque desvirtuava a sua atividade, haja vista que se tratava
de um hotel, porém funcionava no local uma casa de prostituição e um motel.
Equivocou-se, todavia, o acórdão em condenar por danos morais coletivos, pois
não há como se individualizar o titular do direito à indenização.
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - ESTABELECIMENTO COMERCIAL
CUJO ALVARÁ FOI INVALIDADO ANTE AO DESVIRTUAMENTO DE SUAS
ATIVIDADES - SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DO PEDIDO, CONDENANDO O
REQUERIDO À CESSAÇÃO DAS ATIVIDADES E AO PAGAMENTO DE DANO
MORAL COLETIVO - DECISÃO ESCORREITA - CONJUNTO PROBATÓRIO APTO A
COMPROVAR AS IRREGULARIDADES PERPETRADAS - MESMO APÓS A
IMPOSIÇÃO DE VÁRIOS AUTOS DE INFRAÇÃO E TAMBÉM APÓS A CASSAÇÃO
DO ALVARÁ, O EXERCÍCIO DAS ATIVIDADES IRREGULARES PERMANECEU -
ESTABELECIMENTO QUE ERA AUTORIZADO A FUNCIONAR COMO HOTEL E NA
PRÁTICA OPERAVA COMO MOTEL E CASA DE PROSTITUIÇÃO - DANO MORAL
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 100
COLETIVO DEVIDAMENTO ARBITRADO - VULNERABILIDADE DOS
CONSUMIDORES E TAMBÉM DOS MORADORES DA REGIÃO - SENTENÇA
MANTIDA - APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E DESPROVIDA.
a) Verdadeiro
b) Falso
Questão 6
Sobre a teoria da perda de uma chance, assinale a alternativa incorreta:
a) Essa teoria teve origem na jurisprudência francesa, em especial no
âmbito da responsabilidade civil médica.
b) Não é aceita no direito brasileiro, pois acarretaria em indenização de
danos hipotéticos.
c) Essa teoria defende a possibilidade de indenização de situação em que o
ofensor interfere em um processo aleatório em que a vítima se
encontrava, a qual poderia lhe gerar uma vantagem, mas em razão
desta interferência perdeu a oportunidade de êxito.
d) A chance passível de indenização tem que ser concreta, demonstrada por
provas contundentes que houve a perda da chance de obter uma
situação melhor.
Questão 7
(CESPE-MPU-2013 - adaptada) Caso o paciente morra em decorrência de ter
recebido tratamento médico inadequado, a teoria da perda de uma chance
poderá ser utilizada como critério de apuração da responsabilidade civil por erro
médico, de acordo com entendimento do STJ.
a) Verdadeiro
b) Falso
Questão 8
Considere que James, ator profissional, tenha sido atropelado por Joaquim e,
por isso, não tenha conseguido chegar a tempo para um teste para a
contratação do novo protagonista da novela das 8 da Rede Globo. Nessa
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 101
situação hipotética, de acordo com a teoria da perda de uma chance, James
terá direito a ser reparado pelos danos materiais consistentes no valor total dos
salários a serem percebidos se fosse contratado (dano emergente), num valor
proporcional ao que um ator famoso ganha em publicidade durante a gravação
de uma novela desse porte (lucros cessantes) e por danos morais. Verdadeiro
ou falso.
a) Verdadeiro
b) Falso
Questão 9
Em demanda indenizatória por abandono afetivo, o pai do autor da ação poderá
alegar que a sua condenação fere o Princípio da Legalidade, pois não há no
Direito Brasileiro.
a) Verdadeiro
b) Falso
Questão 10
O pai que contribui financeiramente com o sustento do seu filho, pagando
regiamente os alimentos judicialmente estipulados, não pode ser condenado a
compensar os danos advindos do abandono afetivo, sendo tal posição
consolidada na doutrina.
a) Verdadeiro
b) Falso
Aula 3
Exercícios de fixação
Questão 1 - C
Justificativa: Todas as demais assertivas indicam circunstâncias que acarretam
no surgimento de outras espécies de danos, exceto a hipótese prevista na letra
C, a qual reitera a regra clássica da responsabilidade civil subjetiva.
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 102
Questão 2 - D
Justificativa: No que tange ao dano estético, ainda há muita divergência na
doutrina brasileira, sendo que parte da doutrina reconhece como dano
autônomo, ao lado do dano moral e do dano material, porém esta não é uma
posição unânime, pois alguns autores defendem que o dano estético é
subespécie de dano moral.
Questão 3 - A
Justificativa: Na atualidade, os nossos Tribunais, bem como a doutrina pátria,
têm defendido a transmissibilidade do dano moral, possibilitando aos herdeiros
pleitearem indenização pelos danos sofridos pelo de cujus em vida.
Reconhecem que não são os direitos personalíssimos do falecido que se
transmitem aos herdeiros, até mesmo porque com a morte esses se extinguem.
O que se transmite é o direito à indenização, direito este de conteúdo
econômico, disponível e transmissível.
Questão 4 - A
Justificativa: Por óbvio que os profissionais que dependem de sua aparência
sofreram ainda mais em decorrência do dano estético, inclusive com reflexos
econômicos em virtude do mesmo. Todavia, qualquer pessoa que venha a ser
atingida na sua integridade física e sofra deformações que causem afeiamento,
vexame ou sentimento de humilhação podem pleitear dano estético.
Questão 5 - B
Justificativa: Os Tribunais pátrios têm reconhecido a possibilidade de
condenação por danos morais coletivos, visando à tutela de bens que
extrapolam o interesse individual, como no caso das relações de consumo, o
meio ambiente, o patrimônio cultural e artístico, entre outros. Portanto, correta
a decisão ao manter a condenação por danos morais coletivos, diante do
objetivo de tutelar os valores e interesses sociais dos consumidores e dos
moradores da região. Inclusive, no corpo do acórdão cuja ementa acima foi
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 103
transcrita, é possível se examinar a posição do Superior Tribunal de Justiça em
situações semelhantes:
“(...) I - A dicção do artigo 6º, VI, do Código de Defesa do Consumidor é clara
ao possibilitar o cabimento de indenização por danos morais aos consumidores,
tanto de ordem individual quanto coletivamente. II - Todavia, não é qualquer
atentado aos interesses dos consumidores que pode acarretar dano moral
difuso. É preciso que o fato transgressor seja de razoável significância e
desborde os limites da tolerabilidade. Ele deve ser grave o suficiente para
produzir verdadeiros sofrimentos, intranquilidade social e alterações relevantes
na ordem extrapatrimonial coletiva.”(REsp 1221756/RJ, Rel. Ministro MASSAMI
UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/02/2012, DJe 10/02/2012).
Questão 6 - B
Justificativa: Em que pese ainda timidamente, a Teoria da Perda de uma
Chance tem sido aceita tanto pela doutrina como pela jurisprudência nacional.
Questão 7 - A
Justificativa: Como já tem se assentado na jurisprudência nacional, “A teoria da
perda de uma chance pode ser utilizada como critério para a apuração de
responsabilidade civil ocasionada por erro médico na hipótese em que o erro
tenha reduzido possibilidades concretas e reais de cura de paciente que venha
a falecer em razão da doença tratada de maneira inadequada pelo médico.”
(REsp 1.254.141-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 4/12/2012).
Questão 8 - A
Justificativa: No âmbito da Teoria da Perda de uma Chance, um dos temas que
causa ainda bastante discussão doutrinária e jurisprudencial é sobre a natureza
do dano indenizável e a forma de sua fixação. Há quem defenda que seria
hipótese de lucro cessante, ou seja, aquilo que a vítima deixou de ganhar em
razão da conduta lesiva, enquanto outros defendem a condenação por danos
morais, visando assim somente se compensar a chance perdida, haja vista que
seria impossível o seu restabelecimento. Todavia, tem sido de consenso que,
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 104
não sendo possível mais se alcançar o resultado perdido em razão da conduta
lesiva, não há como se reparar este dano, mas sim se deve compensá-lo, razão
pela qual a doutrina defende que o valor da indenização seja inferior ao valor
da vantagem esperada e efetivamente perdida pela vítima (entre outros,
Glenda Gonçalves Goldim, Carlos Roberto Gonçalves e Rafael da Silva
Santiago). Consequentemente, não haveria como condenar o Joaquim pelos
danos materiais (emergentes e lucros cessantes), pois não há como se ter
certeza de que James seria o ator escolhido para interpretar o protagonista
caso tivesse comparecido ao teste.
Questão 9 - B
Justificativa: Em que pese não haver expressa previsão legal em relação ao
abandono afetivo, este decorre da violação do dever de cuidado inerente ao
Poder Familiar, cuja definição além de decorrer de previsão legal expressa
(Artigo 1.634 do CCB e Artigo 19 do ECA) decorre de princípios constitucionais,
como o da afetividade, da solidariedade familiar, da paternidade responsável e,
em especial, da dignidade da pessoa humana. Consequentemente, a sua
violação caracteriza ato ilícito e gera o dever de indenizar (Artigo 186 e 927 do
CCB).
Questão 10 - B
Justificativa: A simples manutenção da contribuição material, pagamento de
alimentos, não é suficiente para demonstrar afetividade, sendo evidente que o
dever de cuidado representa muito mais do que cuidado material, mas inclui os
aspectos morais e afetivos. Todavia, há autores que defendem esta tese
(GOMES, 2011, p. 306).
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 105
Introdução
Nesta nossa última aula, iremos examinar a responsabilidade civil objetiva,
fazendo um retrospecto histórico do seu surgimento até os dias atuais na
legislação pátria, demonstrando que boa parte da doutrina tem entendido que o
nosso Código Civil consagra, ao lado de uma regra geral de responsabilidade
subjetiva, uma cláusula geral de responsabilidade civil objetiva prevista no seu
Artigo 927, parágrafo único.
Após um breve histórico, analisaremos algumas das hipóteses legais de
responsabilidade objetiva, sempre com o intuito de demonstrar as suas novas
tendências e objetivos, correlacionando com os demais assuntos tratados nas
aulas anteriores.
Ao final, teremos como objetivo examinar a responsabilidade civil no Código de
Defesa do Consumidor, demonstrando que a legislação consumerista tem como
regra a responsabilidade civil objetiva, pois visa à mais ampla proteção do
consumidor. Ao final, será examinada especificamente a aplicabilidade das
normas consumeristas visando à reparação do dano decorrente do risco de
desenvolvimento.
Objetivo:
1. Estudar a responsabilidade civil objetiva, demonstrando a sua evolução
histórica e legislativa, bem como examinando as previsões do Código Civil;
2. Analisar a responsabilidade civil nas relações de consumo, em especial o
dano decorrente do risco de desenvolvimento.
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 106
Conteúdo
Responsabilidade civil objetiva
Vamos relembrar o que é responsabilidade civil objetiva?
1. Para que foi criada?
A responsabilidade civil objetiva, como já analisado na primeira aula deste
curso, foi criada como um instrumento para facilitar o alcance do objetivo
primordial da nossa disciplina – o ressarcimento da vítima, afastando o principal
obstáculo a tal concretização, a comprovação da culpa.
2. Como surgiu?
O seu surgimento tem ligação direta com a Revolução Industrial, com a
mudança de uma sociedade eminentemente ruralista para uma sociedade
industrializada, a qual acarreta necessariamente na ampliação das hipóteses de
riscos decorrentes destas atividades ou, como afirma Teresa Ancona Lopez
(2006, p. 112), “os perigos da nova sociedade comandada por máquinas de
todos os tipos”.
3. Comprovação de culpa?
A necessidade de comprovação do elemento subjetivo – culpa – como
pressuposto para a condenação ao dever de indenizar acaba por ser uma
barreira para o alcance da função reparatória/compensatória da
responsabilidade civil, diante da multiplicação dos danos decorrentes do surto
do progresso e desenvolvimento industrial.
4. Anderson Schreiber
Anderson Schreiber (2012, p. 17) exemplifica a dificuldade de fazer prova da
culpa afirmando que:
A exigência de que a vítima demonstrasse a culpa em acidentes desta natureza
– basta pensar em acidentes de transporte ferroviário ou em acidentes de
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 107
trabalho ocorridos no interior de fábricas – tornava-se verdadeiramente odiosa
diante do seu desconhecimento sobre o maquinismo empregado, da sua
condição de vulnerabilidade no momento do acidente e de outros tantos fatores
que acabaram por assegurar à prova a alcunha de probatio diabolica.
Diante de tão odiosa prova, a qual não era possível à vítima na grande maioria
das situações, haja vista que os danos acabam surgindo do mero exercício da
atividade perigosa, o direito passou a criar instrumentos para o fim de driblar
esta exigência e possibilitar o mais amplo ressarcimento da vítima, entre eles é
possível se indicar as hipóteses legais de presunção de culpa e a aceitação da
teoria do risco (SCHREIBER, 2012, p. 18).
Primeiros estudos
Você sabia?
O marco inicial da responsabilidade civil objetiva foi a obra de Raymond
Saleilles, Les accidents de travail et la responsabilité civile: essai d’une théorie
objective de la responsabilité délictuelle, datada de 1897, a qual propunha a
imposição do dever de indenizar por um princípio simples de causalidade, que
não exigisse o exame do comportamento do agente causador do dano.
Outra obra de relevância para o estudo da responsabilidade civil objetiva é a de
Loius Josserand, o qual “defendia a ideia de risco como critério de
responsabilização”. (SCHREIBER, 2012, p. 19).
A partir dessas obras doutrinárias, desenvolveu-se o estudo da
responsabilidade civil objetiva e da teoria do risco como mecanismos
facilitadores da indenização da vítima em situações tais em que a prova da
culpa é difícil, senão impossível.
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 108
Começam a surgir gradativamente legislações que abarcam a responsabilização
independentemente de culpa, amadurecendo um dos principais institutos da
nossa disciplina na atualidade.
O Código Civil de 1916
No direito brasileiro percebe-se, numa análise breve, que o legislador do
Código Civil de 1916 se manteve na esteira da responsabilidade civil
subjetiva, exigindo como requisito indispensável para o surgimento do dever
de reparar a comprovação da culpa do agente causador do dano.
Imprescindível se faz observar, com apoio na doutrina de Anderson Schreiber
(2012, p. 20), que o Código Civil de 1916, embora tenha como regra a
responsabilidade fundada na culpa, possuía dispositivo que atendia à ideia da
responsabilidade sem culpa consubstanciado no art. 1.529, que previa que
“aquele que habitar uma casa, ou parte dela responde, pelo dano proveniente
das coisas, que dela caírem ou forem lançadas em lugar indevido”. Todavia, o
autor afirma “que a leitura objetivista deste dispositivo somente veio a ser
plenamente aceita com a consagração doutrinária da teoria do risco e com a
crescente simpatia do legislador especial pela responsabilidade objetiva”.
Outro exemplo de hipótese de responsabilidade independentemente de culpa
na legislação anterior é a previsão do seu art. 15: “As pessoas jurídicas de
direito público são civilmente responsáveis por atos dos seus representantes
que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário
ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra
os causadores do dano.”
Não podemos nos esquecer, por óbvio, as hipóteses de presunção de culpa dos
arts. 1.527 e 1.528 da legislação anterior.
O nosso legislador, da época, consagrou a responsabilidade civil objetiva em
legislações esparsas, como o Decreto n.º 2.681/1912 (Lei das Estradas de
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 109
Ferro), Lei de Acidentes de Trabalho, Código Brasileiro de Aeronáutica, Lei n.º
6.453/77 (relativa às atividades nucleares), Lei n.º 6.938/81 (que trata dos
danos causados ao meio ambiente), e o Código de Defesa do Consumidor,
entre tantas outras, sendo este último o marco determinado da adoção dessa
teoria no Direito Brasileiro.
A própria Constituição Federal adota a teoria do risco administrativo no
parágrafo 6º do seu art. 37, impondo a responsabilidade objetiva ao Estado e
seus agentes e concessionários.
Ou seja, até então a regra era a responsabilidade civil subjetiva, fundada na
comprovação da culpa, e a exceção era a responsabilidade civil objetiva,
fundada na noção de risco, a qual pressupunha a existência de legislação
expressa para a sua aplicação.
Por óbvio que todo aquele processo de Constitucionalização e Repersonalização
da Responsabilidade Civil possui efeito direto sobre a modificação desta regra
na legislação civil brasileira, pois prepondera a função
reparatória/compensatória da nossa disciplina em nítido respeito ao princípio da
dignidade da pessoa humana, bem como passa a influenciar a disciplina
reparatória também o princípio da solidariedade social.
Nesse sentido, segundo Maria Celina Bodin de Moraes (2006, p. 250):
A objetivação da responsabilização, neste ponto, nada mais é do que um
aspecto de um processo maior de releitura do direito civil em virtude da
incidência dos princípios constitucionais. Ela traduz a passagem do modelo
individualista-liberal de responsabilidade, compatível com a ideologia do Code
Napoléon e do Código de 1916, para o chamado modelo solidarista, baseado na
Constituição da República, fundado na atenção e no cuidado para com o
lesado: questiona-se se à vítima deva ser negado o direito ao ressarcimento e
não mais, como outrora, se há razões para que o autor do dano seja
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 110
responsabilizado. Trata-se, assim, de vincular diretamente a responsabilidade
civil aos princípios constitucionais da dignidade, da igualdade e da
solidariedade.
O Código Civil de 2012
Passada mais de uma década da vigência da nossa Constituição Federal, entra
em vigência o Código Civil de 2012 consagrando, por definitivo, a
responsabilidade civil objetiva, ao lado da responsabilidade civil
subjetiva.
Artigo 186 e 187 do CCB
O primeiro passo para esta mudança foi a separação da noção de ato ilícito
(Artigo 186 e 187 do CCB) das disposições atinentes à responsabilidade civil
(Artigo 927 e segs do CCB), ficando claro que o dano é o principal
pressuposto da nossa disciplina (LOPEZ, 2006, p. 113).
Artigo 927, caput combinado com o Artigo 186 do CCB
Ao lado da previsão da responsabilidade civil subjetiva (Artigo 927, caput
combinado com o Artigo 186 do CCB), a nova legislação estabelece uma
cláusula geral de responsabilidade civil objetiva em seu parágrafo único:
“haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos
especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo
autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”
Anderson Schreiber (2012, p. 21-22) afirma que esta norma teve como
inspiração o disposto no Artigo 493 do Código Civil Português e o Artigo 2.050
do Código Civil Italiano de 1942.
Responsabilidade subjetiva e objetiva
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 111
A partir da vigência do Código Civil de 2012, as duas regras, a
responsabilidade subjetiva e a responsabilidade objetiva, devem
conviver pacificamente no ordenamento jurídico pátrio.
Na análise do caso concreto, deverá o intérprete analisar a aplicabilidade das
regras partindo da responsabilidade civil objetiva e tendo como regra de
remanescente a responsabilidade subjetiva.
1
A partir da situação concreta deve o intérprete primeiro examinar se há
legislação expressa prevendo a aplicação da responsabilidade civil objetiva
(como o CDC, a Legislação Ambiental, de Transportes, etc.).
2
Em caso negativo, deve examinar a aplicabilidade do parágrafo único do Artigo
927 do CCB, ou seja, se a hipótese se enquadra na categoria de atividade
normalmente desenvolvida que gere riscos para os direitos de outrem.
3
E, por último, desde que não se enquadre em nenhuma das situações
anteriores, aplicável seria a regra da responsabilidade civil subjetiva.
Boa parte da doutrina nacional entende que a regra geral ainda permanece
como sendo a responsabilidade subjetiva, sendo que na insuficiente desta é
que será aplicada a responsabilidade objetiva (Caio Mario da Silva Pereira,
Carlos Roberto Gonçalves, Sérgio Cavalieri Filho, Teresa Ancona Lopez, entre
outros).
Artigo 927 do Código Civil Brasileiro
A nossa aula se restringirá à análise detalhada da cláusula geral de
responsabilidade civil prevista no parágrafo único do Artigo 927 do Código
Civil Brasileiro. Contudo, imprescindível se faz observar outra regra de
responsabilidade civil objetiva prevista no Artigo 931 do Código Civil:
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 112
Artigo 931:
“ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e
as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados
pelos produtos postos em circulação.”
Vamos examinar alguns pontos em que ainda pairam dúvidas na aplicabilidade
do referido parágrafo. Vários questionamentos relevantes surgem, entre eles:
Quais seriam essas atividades de riscos?
Como caracterizar uma atividade normalmente desenvolvida?
Percebe-se, como bem observa Anderson Schreiber (2012, p. 23), que o
legislador permitiu uma ampla discricionariedade jurisdicional, permitindo ao
juiz, na análise do caso concreto, partindo dos valores e princípios
constitucionais, estabelecer o que é atividade de risco normalmente
desenvolvida.
Várias são as interpretações possíveis dessas expressões.
Várias são as interpretações possíveis destas expressões (SCHREIBER, 2012, p.
24-25), há quem afirme que a atividade deve, necessariamente, ter como
finalidade a obtenção de proveitos econômicos (Carlos Roberto Gonçalves), há
quem afirme que a atividade deve ser organizada sob a forma de empresa, e
outros que afirmam que a hipótese já estava consagrada no art. 14 do Código
de Defesa do Consumidor, referente à responsabilidade pelo fornecimento de
serviços (Sérgio Cavalieri Filho).
Numa análise mais condizente com o dispositivo em comento, pode-se afirmar
que o exercício de atividade de risco não se restringiria a hipótese em que o
agente obtém proveito econômico (teoria do risco-proveito), pois em momento
algum o legislador inclui este requisito, sendo evidente que basta que a
atividade, mesmo que não lucrativa, gere riscos à coletividade (teoria do risco
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 113
criado). Outrossim, o dispositivo em comento não se esvai na previsão do art.
14 do CDC, pois este se refere especificamente às relações de consumo,
enquanto aquele se aplicaria às demais relações em que a vítima não é o
destinatário final do serviço.
Mas então o que seria atividade normalmente desenvolvida? Teresa Ancona
Lopez (2006, p. 124) afirma que se refere, “na maioria dos casos, à atividade
empresarial e, excepcionalmente, a série de atos que a pessoa física pratica
com habitualidade pondo em risco a segurança alheia”. Adverte, por fim, que
“não podemos colocar no mesmo conceito uma atividade individual e isolada,
como a de dirigir automóveis. Nesse caso, serão os atos do motorista, e a sua
conduta diligente ou não, que estarão em julgamento.”
Finalmente, quais são esses riscos advindos de tal atividade? Anderson
Schreiber (2012, p. 25) afirma que as atividades devem gerar um “grau de risco
elevado seja porque se centram sobre bens instrinsecamente danosos (como
material radioativo, explosivos, armas de fotos, etc.), seja porque empregam
métodos de alto potencial lesivo (como o controle de recusos hídricos,
manipulação de energia nuclear, etc.).”
Por óbvio que a maioria das atividades do ser humano gera riscos a terceiros.
Poderíamos afirmar: “Viver é um risco”! Contudo, por evidente que o objetivo
da legislação não é atingir todos os riscos inerentes ao convívio social, mas,
sim, e, preponderantamente, as atividades que geram um risco fora do comum,
um risco elevado, como as atividades de transporte em geral, as atividades que
dependem para seu exercício do uso de armas de fogo, algumas atividades
esportivas, vendas de combustíveis, a construção imobiliária, fábricas de fogos
de artifícios, entre outras.
Por óbvio que cabe ao intérprete usar do bom senso, da ponderação, da
equidade, para examinar o caso concreto e distinguir as atividades que
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 114
naturalmente são perigosas e decorrem da prática cotidiana, daquelas que
geram um risco extraordinário.
Mas devemos ir mais além na Responsabilidade Objetiva, como defende
Anderson Schreiber (2012, p. 28-30). O legislador civil não previu hipóteses de
responsabilização sem a necessidade de comprovação de culpa somente
quando a atividade desenvolvida pelo agente gera risco de dano a terceiro, mas
impõe a responsabilização objetiva em situações diversas, em que não se
discute o risco da atividade, como, por exemplo, responsabilidade do habitante
pela queda de objeto de prédio (art. 938 do CCB), responsabilidade dos pais,
tutores ou curadores pelos atos dos filhos, tutelados ou curatelados (art. 932,
incisos I e II do CCB).
Nessas hipóteses não se vislumbra a análise da existência de uma atividade de
risco, mas sim constatamos, o que já analisamos anteriormente, uma
socialização dos danos, a busca da indenização tão só pela indenização, não
pela ideia de culpa, nem mesmo tão somente pela prova do exercício de
atividade de risco, mas sim pela especial finalidade de nossa disciplina: o
ressarcimento dos danos sofridos pela vítima.
Portanto, nessas circunstâncias, percebemos que a responsabilidade objetiva
revela “a sua verdadeira essência na contemporaneidade: não a de uma
responsabilidade por risco, mas a de uma responsabilidade independente de
culpa ou de qualquer outro fator de imputação subjetiva, inspirada pela
necessidade de se garantir reparação pelos danos que, de acordo com a
solidariedade social, não devem ser exclusivamente suportados pela vítima”
(SCHREIBER, 2012, p. 30).
A partir dessa constatação, voltamos ao início, ao objetivo primordial da
responsabilidade civil: a reparação ou compensação da vítima.
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 115
Código de Proteção e Defesa do Consumidor
O Código de Proteção e Defesa do Consumidor foi um marco no âmbito da
responsabilidade civil objetiva no Direito Brasileiro, pois estabelece
expressamente como regra geral que:
A responsabilidade nas relações consumeristas independe da comprovação
da culpa do fornecedor.
Única exceção: a responsabilidade dos profissionais liberais, quando então
é indispensável a comprovação do elemento subjetivo.
Se não bastasse o quase absoluto afastamento das regras da responsabilidade
subjetiva, o CDC também instituiu como regra:
A responsabilidade solidária de todos os membros da cadeia produtiva e de
distribuição dos produtos e serviços, demonstrando o caráter de socialização
dos danos.
Observe a nítida intenção do legislador em oportunizar a mais ampla proteção
do consumidor nos seus primeiros artigos.
Isto acontece quando estabelece que as normas consumeristas são de ordem
pública, ou seja, de observância obrigatória.
Proteção da incolumidade físico-psíquica do consumidor
A responsabilidade civil no CDC parte de duas óticas distintas (BENJAMIN,
1990, p. 17):
Responsabilidade civil no CDC
Proteção da incolumidade físico-psíquica do consumidor através da
responsabilidade civil pelo fato do produto ou serviço.
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 116
Proteção da incolumidade econômica do consumidor por meio da
responsabilidade civil por vício do produto ou serviço.
Proteção da incolumidade físico-psíquica do consumidor através da
responsabilidade civil pelo fato do produto ou serviço.
Sobre esta ótica estão enquadrados o que chamamos de:
Acidentes de consumo, ou seja, eventual defeito do produto ou serviço
extrapola a simples utilidade do mesmo atingindo a integridade físico-psiquíca
do consumidor, trazendo danos à sua saúde. Nessa circunstância, percebe-se
que:
“o fundamento material da responsabilidade civil pelo fato do produto (...) é o
defeito que está associado à quebra do dever geral de segurança.” (MENEZES,
2012, p. 14)
Vamos a um exemplo?
O defeito nos freios de um veículo acaba acarretando num acidente que causa
a morte ou lesões à integridade física do consumidor ou de terceiros
(consumidores equiparados pelo Artigo 17 do CDC).
Ao lado do fato do produto ou serviço, o CDC impõe responsabilidade pelo vício
do produto ou serviço, quando o produto ou serviço contratados possuem
defeitos que os tornem impróprios para a finalidade para a qual foram criados.
Portanto, relaciona-se a uma anomalia intrínseca do produto ou serviço que
causa o seu mau funcionamento ou até mesmo o seu não funcionamento. Aqui
seria o próprio defeito nos freios, independentemente de causar outros danos.
O objetivo primordial deste item é examinar os riscos de desenvolvimento, por
isso iremos nos ater às regras da responsabilidade pelo fato do produto ou
serviço.
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 117
Riscos de desenvolvimento
Mas o que seria o risco de desenvolvimento? Vamos a dois exemplos:
Caso DES
O caso americano Sindell versus Abbott Laboratories, de 1980, “envolvendo
droga cujo princípio ativo era o diethilstibestrol (por isso ficaram conhecidos
como casos ‘DES’), indicado para mulheres grávidas a fim de evitar o aborto
espontâneo, mas cujos efeitos colaterais, descobriu-se posteriormente,
potencializavam o surgimento de câncer em seus filhos” (LEVY, 2012, p. 10).
Pois então, quando do desenvolvimento do medicamento era desconhecido o
seu potencial danoso, o qual somente passou a ser percebido a posteriori,
quando atingiu os filhos das mulheres que tinham usado a droga, inclusive para
evitar o aborto espontâneo.
São riscos invisíveis e imprevisíveis, que quando do desenvolvimento do
medicamento eram desconhecidos, imperceptíveis para a sociedade científica
da época, diante dos conhecimentos existentes até aquele momento.
Caso da Talidomia
Outro exemplo de risco de desenvolvimento é o caso da Talidomida,
“medicamento utilizado por gestantes para aliviar os enjoos da gravidez e que
fora responsável diretamente pelo nascimento de bebês com deformidades
congênitas” (RODRIGUES, 2007, p. 4707).
Podemos citar diversas pesquisas que visam analisar os riscos do uso de alguns
produtos e que ainda não chegaram a qualquer conclusão, como o uso dos
celulares, do micro-ondas, dos alimentos transgênicos, entre outros, os quais já
são usados ou consumidos diariamente sem que se saiba ao certo se estes
podem trazer um prejuízo em longo prazo aos seres humanos.
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 118
A questão que se coloca em análise é sobre a possibilidade ou não de
responsabilização dos seus fornecedores em caso de danos advindos num
futuro muitas vezes remoto.
Inicialmente cumpre advertir que a legislação consumerista não faz referência
expressa a estes riscos de desenvolvimento e consequentes danos, muito
menos sobre a possibilidade de responsabilização dos fornecedores.
Cabe examinar as regras aplicáveis à responsabilidade pelo fato do produto ou
serviço para se verificar a sua aplicabilidade nos casos de riscos de
desenvolvimento.
O defeito no produto ou no serviço
Como vimos, a responsabilidade pelo fato do produto ou serviço é aquela
decorrente do acidente de consumo, quando o defeito no produto ou no
serviço extrapola a sua funcionalidade atingindo a integridade físico-psíquica
do agente (Artigo 12 e 14 do CDC).
O que seria este defeito capaz de atingir a incolumidade física ou
psíquica do consumidor?
O próprio CDC estabelece que se considera defeituoso o produto ou serviço
quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera (Artigo
12, § 1º e Artigo 14, § 1º, ambos do CDC).
Artigo 12 do CDC
Artigo 12. (...)
§ 1° O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele
legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias
relevantes, entre as quais:
I - sua apresentação;
II - o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 119
III - a época em que foi colocado em circulação.
E é exatamente no limite temporal acima destacado que paira a dúvida sobre a
possibilidade de responsabilização dos fornecedores pelo risco de
desenvolvimento.
Examinando o disposto no Artigo 12 do CDC, percebe-se que o legislador
estabelece a necessidade de análise de algumas circunstâncias para se
averiguar a constatação desse defeito.
Parte da doutrina defende que essa limitação temporal acarreta na exclusão da
responsabilidade do fornecedor, por isso defendem que o risco de
desenvolvimento é uma hipótese de excludente de responsabilidade do
fornecedor pelos danos causados ao consumidor.
Rui Stoco (2007, p. 53) leciona:
Pode-se afirmar que qualquer causa ou condição que tenha o poder
de excluir o nexo de causa e efeito assume a qualidade de excludente
da responsabilidade. Do que se conclui que, ademais do chamado
risco de desenvolvimento não ser causa ou condição que empenha
responsabilização, posto que a legislação de regência não previa tal
possibilidade por expressa vontade do legislador, por outro lado,
constitui excludente implícita da responsabilidade.
Arthur Martins Ramos Rodrigues indica ainda como um dos fundamentos
utilizados por essa parte da doutrina o disposto no inciso I do art. 6º do CDC, o
qual dispõe que “o consumidor tem o direito à proteção da vida, da saúde e da
segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de
produtos ou serviços considerados ‘perigosos ou nocivos’”. Por isso, questiona:
“como proteger um consumidor do risco criado por um produto ou serviço que
não é considerado perigoso ou nocivo?”
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 120
Ainda seria um argumento favorável a essa tese o fato de que se impormos
responsabilização a estes fornecedores, isto acarretaria numa derrocada na
pesquisa e desenvolvimento de novos produtos, diante da responsabilização
pelo estado da arte, pelos conhecimentos obtidos até aquele momento.
De outro lado, cita-se o Enunciado n.º 43 da I Jornada de Direito Civil do
Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal que estabelece
que o art. 931 do Código Civil (dispositivo semelhante ao art. 12 do CDC), ao
impor a responsabilização pelo fato do produto também incluir os riscos de
desenvolvimento.
Entre os defensores da responsabilização do fornecedor pelo risco de
desenvolvimento, Sérgio Cavalieri Filho (2005, p. 476) enquadra esses defeitos
como fortuito interno, inerente à atividade do fornecedor, razão pela qual deve
ser responsabilizado. E adverte que o risco do desenvolvimento diz respeito a
um defeito de concepção, que, por sua vez, dá causa a um acidente de
consumo por falta de segurança. Irrelevante saber, como já demonstrado, se
esse defeito era ou não previsível e, consequentemente, evitável.
Por outro lado, cumpre advertir que a imposição de responsabilização aos
fornecedores pode inclusive fomentar o desenvolvimento de pesquisas,
aumentando a segurança dos consumidores.
Considerações finais
Joyceane Bezerra de Menezes (2012, p. 17), relembrando parte do já
examinado na nossa disciplina, em especial a socialização dos danos e a tutela
à dignidade da pessoa humana, defende que:
“o cenário da sociedade de riscos está armado e os riscos de desenvolvimento
são uma realidade”, porém “não se pode creditar apenas ao consumidor o ônus
do desenvolvimento”, razão pela qual não se pode negar a responsabilização do
fornecedor pelos riscos de desenvolvimento.
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 121
Se fizermos uma retrospectiva do que já foi examinado até aqui durante todo o
nosso curso, percebemos que, partindo-se:
Das concepções da Constitucionalização e Repersonalização do Direito;
Da evolução da responsabilidade civil para um Direito de Danos;
Da socialização dos danos e dos riscos,
Da criação de mecanismos extrajudiciais capazes de garantir o mais amplo
ressarcimento das vítimas.
...não podemos negar que é dever do fornecedor indenizar os
consumidores pelos riscos de desenvolvimento, até mesmo se partirmos de
uma interpretação teleológica do CDC, diante da nítida intenção do legislador
em proteger o consumidor.
Atividade proposta
Vamos fazer uma atividade relacionada ao tema visto anteriormente! Elabore
uma pesquisa sobre os riscos de desenvolvimento dos alimentos transgênicos,
desenvolvendo análise sobre a responsabilização ou não dos produtores.
Chave de resposta: Para iniciar a pesquisa, primeiramente, é imprescindível
examinar o que seriam os alimentos transgênicos. Para tanto, cita-se parte do
voto do desembargador Saldanha da Fonseca na Apelação Cível nº
2.0000.00.387120-5/000 do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
Para iniciar a pesquisa, primeiramente, é imprescindível examinar o que seriam
os alimentos transgênicos. Para tanto, cita-se parte do voto do desembargador
Saldanha da Fonseca na Apelação Cível nº 2.0000.00.387120-5/000 do Tribunal
de Justiça de Minas Gerais:
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 122
Pois bem, depois de um estudo minucioso a respeito da questão,
cheguei à conclusão de que os transgênicos são organismos vivos,
formados a partir de alterações no seu genoma. Os genes são
alterados de forma a conferir ao organismo características
importantes para que este se destaque em relação aos outros e
aumente sua capacidade de adaptação ao meio, como: resistência a
determinadas pragas, maiores índices de componentes da sua
composição, aumento de sua produtividade, entre outros.
Pude também observar que a Engenharia Genética é uma ciência que
propicia um conjunto de técnicas que permitem, artificialmente,
alterar o material genético de um organismo, podendo referidas
modificações ocorrer das seguintes formas: transformação do material
genético entre organismos de espécies diferentes artificialmente;
transferência de material genético entre si; modificação, retirada ou
multiplicação do material genético de um organismo vivo; construção
de novos materiais genéticos fora dos organismos e posteriormente
incorporação neles próprios; etc.
Portanto, a alteração do genoma pode ser natural quando ocorre sem
a interferência do homem, ou por processos artificiais, os quais
ocorrem sob a influência única antrópica e é feita em laboratórios. Os
organismos que tiveram o seu genoma alterado, natural ou
artificialmente, são chamados de Organismos Geneticamente
Modificados (OGM).
Aí sim, chega-se no ponto que necessitamos mencionar, para não
dizer refletir, pois que as células têm a capacidade de identificar
material genético que seja estranho à sua espécie e, dessa forma,
existem mecanismos complexos para evitar que ele se integre ao seu
genoma. É através da sua membrana celular, na qual estão inseridos
complexos mecanismos que agem sobre sua estrutura, que a célula
determina o que entra e o que sai de seu interior e também, através
de outros mecanismos os quais podem fragmentar o material genético
invasor, impedindo sua replicação e inativando-o.
Assim sendo, ainda que exista uma enorme variabilidade de
organismos em cada espécie, a natureza traça limites. Espécies
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 123
diferentes não fazem cruzamento natural, já que isto é impossível que
ocorra. Porém, artificialmente, em laboratório, é possível
transferirmos um ou mais genes (ou parte de um gene) entre
espécies diferentes. O organismo resultante deste cruzamento será
um organismo geneticamente modificado, porém um OGM
transgênico.
Nesse breve relato, pude detectar que as técnicas que “enganam” a
membrana celular de outra espécie, isto é, enganam a natureza, para
modificar organismos, fazem uso de outros micro-organismos tais
como vírus e bactérias, que possuem a capacidade de transferir seus
conteúdos genéticos para os organismos que se pretende modificar.
Referido processo de transferência de material genético de um
organismo para outro é que origina a chamada modificação genética,
com a obtenção de um transgênico.
Ainda é discutível entre os pesquisadores os possíveis riscos para a saúde das
pessoas, entre eles (http://www.idec.org.br/consultas/dicas-e-direitos/saiba-o-
que-sao-os-alimentos-transgenicos-e-quais-os-seus-riscos):
1. Aumento das alergias.
2. Aumento de resistência aos antibióticos.
3. Aumento das substâncias tóxicas.
4. Maior quantidade de resíduos de agrotóxicos.
A questão que se mostra tormentosa é se saber se de fato estes riscos se
concretizarão e quais os danos à saúde das pessoas. Em que pese existir doutrina
contrária à responsabilização pelos riscos de desenvolvimento, cumpre advertir que
numa análise principiológica não há como se negar à vítima, que em regra será a
coletividade, o direito ao ressarcimento desses danos.
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 124
Material complementar
Para saber mais sobre danos pelo risco de desenvolvimento, indica-
se a leitura de: RODRIGUES, Arthur Martins Ramos. A tutela do
consumidor frente aos riscos do desenvolvimento, disponível
em nossa biblioteca virtual.
Referências
CAVALLIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. São Paulo:
Atlas, 2005.
GONÇALVES, Carlos Alberto. Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil.
3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 4.
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Universidade de São Paulo, v. 101, p. 111-152, jan./dez. 2006.
MENEZES, Joyceane Bezerra de. A Reengenharia da Responsabilidade
Civil na Sociedade de Riscos – Da Culpa à Socialização dos Riscos.
Disponível em:
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Disponível em: http://civilistica.com/direito-dos-danos/. Acesso em: 21 ago.
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MORAES, Maria Celina Bodin de. A constitucionalização do direito civil e seus
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RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 125
PÜSCHEL, Flavia Portella. Funções e princípios justificadores da
responsabilidade civil e o Artigo 927, § único do Código Civil. Revista Direito
GV, v. 1, n. 1, p. 091-107, mai.2005.
RODRIGUES, Arthur Martins Ramos. A tutela do consumidor frente aos
riscos do desenvolvimento. Disponível em:
http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/bh/arthur_martins_ramos_r
odrigues2.pdf. Acesso em: 21 ago. 2014.
SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da Responsabilidade Civil: da
erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos. 4. ed. São Paulo: Atlas,
2012.
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. São Paulo: RT, 2007.
TARTUCE, Flávio. A responsabilidade civil subjetiva como regra geral do
Novo Código Civil Brasileiro. Disponível em:
http://www.flaviotartuce.adv.br/index2.php?sec=artigos&totalPage=2. Acesso
em: 21 ago. 2014.
Exercícios de fixação
Questão 1
(TRT 1ª 2012 - FCC - JUIZ DO TRABALHO SUBSTITUTO) No Código Civil atual,
a responsabilidade civil:
a) Continua em regra como subjetiva, excepcionando-se, entre outras, a
hipótese da atividade exercida normalmente pelo autor do dano com
risco para os direitos de outrem, quando então a obrigação de reparar
ocorrerá independentemente de culpa.
b) É objetiva como regra, excepcionando-se situações expressas de
responsabilização subjetiva.
c) É subjetiva sempre, em qualquer hipótese.
d) Em regra é subjetiva, admitida porém a responsabilidade objetiva do
empresário, como fornecedor de produtos ou de serviços, na modalidade
do risco integral.
e) É objetiva para as pessoas jurídicas, de direito privado ou público, e
subjetiva para as pessoas físicas.
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 126
Questão 2
(TRT 2R (SP) - 2014 - TRT - 2ª REGIÃO (SP) - Juiz do Trabalho) Ressalvados
outros casos previstos em lei especial, é correto afirmar que os empresários
individuais e as empresas respondem pelos danos causados pelos produtos
postos em circulação:
a) Se houver prova de dolo ou culpa
b) Apenas se houver prova de dolo
c) Apenas se houver prova de culpa
d) Independentemente de prova de culpa
e) Desde que tais produtos tenham sido gratuitamente entregues.
Questão 3
Sobre o instituto da responsabilidade civil, assinale a alternativa incorreta:
a) A cláusula geral de responsabilidade objetiva prevista no Código Civil em
vigor está ligada à teoria do risco criado.
b) Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos
casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente
desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os
direitos de outrem.
c) O disposto no parágrafo único do Artigo 927 do CCB se refere às
atividades que geram risco fora do comum, um risco elevado, como as
atividades de transporte em geral, as atividades que dependem para seu
exercício do uso de armas de fogo, algumas atividades esportivas,
vendas de combustíveis, a construção imobiliária, fábricas de fogos de
artifícios, entre outras.
d) A legislação civil atual não adota a teoria do risco, apenas se
fundamentando na teoria da culpa.
Questão 4
A adoção da responsabilidade civil objetiva por meio de cláusula geral prevista
no parágrafo único do Artigo 927 do Código Civil é um reflexo do processo de
Constitucionalização e Repersonalização do Direito.
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 127
a) Verdadeiro
b) Falso
Questão 5
A legislação civil previu hipóteses de responsabilidade objetiva em que não há
análise da existência de atividade de risco.
a) Verdadeiro
b) Falso
Questão 6
(TRF - 4ª REGIÃO - 2010 - TRF - 4ª REGIÃO - Juiz Federal) O advogado que
eventualmente perder o prazo de interposição de recurso contra decisão
prejudicial ao seu constituinte:
a) Responderá pelos danos causados em responsabilidade objetiva.
b) Nada responderá já que é de seu livre-arbítrio recorrer ou não.
c) Responderá por vício na prestação do serviço, devendo saná-lo.
d) Responderá pelos danos causados, mediante verificação de culpa.
e) Todas as alternativas anteriores estão incorretas.
Questão 7
(TJ-PR - 2010 - TJ-PR – Juiz) O fabricante, o produtor, o construtor, nacional
ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência
de culpa (responsabilidade civil objetiva) pela reparação dos danos causados
aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção,
montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus
produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua
utilização e riscos. Partindo desse contexto, marque a alternativa INCORRETA:
a) O produto é considerado defeituoso pelo fato de outro de melhor
qualidade ter sido colocado no mercado.
b) O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele
legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias
relevantes, entre as quais a sua apresentação; o uso e os riscos que
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 128
razoavelmente dele se esperam e a época em que foi colocado em
circulação.
c) O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não serão
responsabilizados quando provarem que não colocaram o produto no
mercado; ou quando, embora tenham colocado o produto no mercado, o
defeito inexiste; ou ainda quando por culpa exclusiva do consumidor ou
de terceiro.
d) O comerciante é igualmente responsável; quando o fabricante, o
construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados;
quando o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante,
produtor, construtor ou importador; ou não conservar adequadamente
os produtos perecíveis.
Questão 8
Considere a seguinte situação hipotética. Em razão de falha no sistema de
freios do automóvel de sua propriedade, recém-adquirido e com poucos
quilômetros rodados, Fábio atropelou Silas. Nessa situação hipotética, Silas
pode acionar a montadora do veículo, sob o argumento da ocorrência de
acidente de consumo, em virtude de ser consumidor por equiparação.
a) Verdadeiro
b) Falso
Questão 9
Assinale a afirmativa correta:
a) Não é admitido, pela doutrina e pela jurisprudência, enquadramento dos
riscos de desenvolvimento como causa para responsabilidade civil pelo
fato do produto.
b) Em se tratando de ações de responsabilidade civil de fornecedor de
produtos e serviços de consumo, o réu que houver contratado seguro de
responsabilidade não poderá chamar ao processo o segurador, uma vez
que o CDC veda qualquer espécie de intervenção de terceiros nesse tipo
de ação.
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 129
c) No âmbito do CDC, a responsabilidade civil é em regra subjetiva e
individual, tendo como exceção a responsabilidade do profissional liberal.
d) Uma pessoa jurídica contratou os serviços de uma empresa de
transporte aéreo de valores para transportar vários documentos e
instrumentos profissionais de São Paulo para o Rio de Janeiro. Ocorre
que, ao efetuar o transporte, a aeronave da contratada caiu sobre uma
residência localizada na cidade do Rio de Janeiro. Nesse caso, as pessoas
atingidas em solo, vítimas do acidente, devem ser consideradas
consumidoras, em conformidade com o que dispõe o CDC.
Questão 10
Um exemplo da importância do desenvolvimento da doutrina em relação aos
riscos de desenvolvimento é o caso da “Síndrome da Talidomida”. A Talidomida
é um medicamento que foi desenvolvido na Alemanha em 1954, inicialmente
como sedativo, usado para controlar a ansiedade, tensão e náuseas. Em 1957 a
Talidomida passou a ser comercializada mundialmente, mas apenas alguns
anos depois, em 1960, descobriu-se que o referido medicamento, quando
consumido por gestantes nos 3 (três) primeiros meses de gestação, interfere na
formação do feto, gerando casos de Focomelia, síndrome caracterizada pelo
encurtamento dos membros junto ao tronco do feto, podendo provocar ainda
problemas visuais, auditivos, na coluna vertebral e em casos mais raros,
problemas cardíacos e no tubo digestivo. Assim, a talidomida foi retirada do
mercado a partir de 1961. (Fonte: http://www.talidomida.org.br/oque.asp)
a) Verdadeiro
b) Falso
Probatio diabolica: Mesmo que prova diabólica, é aquela modalidade de
prova impossível ou excessivamente difícil de ser produzida como, por exemplo,
a prova de um fato negativo.
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 130
Aula 4
Exercícios de fixação
Questão 1 - A
Justificativa: Essa é a posição majoritária na doutrina, que entende pela
manutenção da responsabilidade subjetiva como regra geral, sendo que a
responsabilidade objetiva somente seria aplicável nas hipóteses previstas
expressamente por lei, ou na hipótese do parágrafo único do Artigo 927 e do
Artigo 931 do Código Civil.
Questão 2 - D
Justificativa: A letra D está correta, conforme preceitua o Artigo 931 do CCB:
“Ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais
e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados
pelos produtos postos em circulação.”
Questão 3 - D
Justificativa: Expressamente o parágrafo único do Artigo 927 adota a teoria do
risco criado, a qual imputa o dever de indenizar a toda atividade que
habitualmente exercida gere riscos de danos a outrem, independentemente
dessa atividade trazer benefício ou não para o agente causador do dano.
Questão 4 - A
Justificativa: Por óbvio que todo aquele processo de Constitucionalização e
Repersonalização da responsabilidade civil possui efeito direto sobre a
modificação desta regra na legislação civil brasileira, pois prepondera a função
reparatória/compensatória da nossa disciplina em nítido respeito ao princípio da
dignidade da pessoa humana, bem como passa a influenciar a disciplina
reparatória também o princípio da solidariedade social.
Questão 5 - A
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 131
Justificativa: O legislador civil não previu hipóteses de responsabilização sem a
necessidade de comprovação de culpa somente quando a atividade
desenvolvida pelo agente gera risco de dano a terceiro, mas impõe a
responsabilização objetiva em situações diversas, em que não se discute o risco
da atividade, como, por exemplo, responsabilidade do habitante pela queda de
objeto de prédio (Artigo 938 do CCB), responsabilidade dos pais, tutores ou
curadores pelos atos dos filhos, tutelados ou curatelados (Artigo 932, incisos I e
II do CCB).
Questão 6 - D
Justificativa: O Artigo 14, § 4º do CDC estabelece que a responsabilidade
pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.
Contudo, na situação em comento, se fosse uma questão subjetiva, deveria ser
examinada a aplicabilidade da Teoria da Perda de uma Chance.
Questão 7 - A
Justificativa: Artigo 12, § 2º O produto não é considerado defeituoso pelo fato
de outro de melhor qualidade ter sido colocado no mercado.
Questão 8 - A
Justificativa: O Código de Defesa do Consumidor estabelece no seu Artigo 17
que, para os efeitos desta Seção (Responsabilidade pelo Fato do Produto),
equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.
Questão 9 - D
Justificativa: A alternativa “a” está equivocada, pois não há posicionamento
unânime na doutrina e na jurisprudência sobre a possibilidade de
responsabilidade civil por riscos de desenvolvimento, sendo que parte da
doutrina admite a sua inclusão como hipótese de responsabilidade pelo fato do
produto e outra parte entende que esta circunstância caracteriza excludente da
responsabilidade civil, conforme preceitua o Artigo 12, § 1º, inciso III do CDC.
A alternativa “b” está incorreta, pois segundo o CDC:
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 132
Artigo 101. Na ação de responsabilidade civil do fornecedor de produtos e
serviços, sem prejuízo do disposto nos Capítulos I e II deste título, serão
observadas as seguintes normas:
II - o réu que houver contratado seguro de responsabilidade poderá chamar ao
processo o segurador, vedada a integração do contraditório pelo Instituto de
Resseguros do Brasil. Nesta hipótese, a sentença que julgar procedente o
pedido condenará o réu nos termos do Artigo 80 do Código de Processo Civil.
Se o réu houver sido declarado falido, o síndico será intimado a informar a
existência de seguro de responsabilidade, facultando-se, em caso afirmativo, o
ajuizamento de ação de indenização diretamente contra o segurador, vedada a
denunciação da lide ao Instituto de Resseguros do Brasil e dispensado o
litisconsórcio obrigatório com este.
A assertiva “c” está equivocada, pois no âmbito do CDC a regra é a
responsabilidade civil objetiva e solidária entre os fornecedores, com exceção
da responsabilidade dos profissionais liberais que demanda comprovação de
culpa.
A alternativa “d” está correta, porque se refere à categoria dos consumidores
por equiparação prevista no Artigo 17 do CDC.
Questão 10 - A
Justificativa: A doutrina tem citado como exemplo de risco de desenvolvimento
o caso da Talidomida, pois quando do desenvolvimento do medicamente não se
pôde identificar, pelas técnicas existentes à época, eventuais riscos para o
consumidor, porém após um período de utilização do produto ou serviço
constatou-se graves danos que poderiam acarretar ao feto de mulheres
grávidas que administrassem o medicamento.
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 133
Gisele Echterhoff é Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do
Paraná (2007). Especialista em Direito Civil pelo Instituto de Direito Romeu
Felipe Bacellar (2004) e Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade
Católica do Paraná (2002). Professora do Curso de Graduação em Direito e do
Curso de Pós-Graduação em Direito Civil e Processual Civil das Faculdades
Estácio Curitiba. Assessora Jurídica da Corregedoria-Geral da Justiça do
Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Autora de vários artigos científicos e
do livro "O direito à privacidade dos dados genéticos".