Coletivo, lição de casa, pesquisa, Zumbi dos Palmares, estudo do meio... Foram muitas as palavras e
narrativas ditas pelas crianças ao longo do semestre que convidaram vocês, pais, a entrarem em contato
com alguns fragmentos da história vivida e construída pela turma do segundo ano. São pensamentos,
imagens e percepções que nos guiam pelo universo infantil , nos fazendo compreender a apreensão de
mundo que os pequenos fazem com as suas experiências dentro e fora de sala de aula. Convido você a se
familiarizar com essa história pela perspectiava do adulto, que na relação com as crianças torna-se
personagem nessa construção. Para Machado:
“Quando ouvimos e lemos um conto, adultos ou crianças, temos
uma experiência singular, única, que particulariza cada um de nós,
no instante da narração, uma construção imaginativa que se
organiza fora do tempo da história cotidiana. Tal experiência diz
respeito a universalidade do ser humano e, ao mesmo tempo, a
existência pessoal como parte dessa universalidade. A medida que
ouvimos histórias somos trasportados para esse local desconhecido
que se torna familiar.” (2004,P.23)
Era uma vez um pequeno vilarejo. Na entrada desse vilarejo observamos um portão sempre aberto para
que o acesso a todos seja livre em qualquer horário do dia. Na entrada desse vilarejo há um senhor que
cuida dos portões. Ele está lá faz muito tempo e torna-se praticamente impossível, para muitos moradores,
dissociar a entrada e os portões de sua persona. Ele cuida de todos com carinho e conhece cada cantinho
do vilarejo, o nome das árvores, as pessoas que passaram por lá e também aquelas que acabaram de
chegar. Esse vilarejo é composto por várias casinhas e dentro delas, histórias muito diferentes são
contadas ano após ano. Essa que vou contar para vocês envolve 25 crianças de seis e sete anos e duas
professoras que compartilham a casa localizada próximos ao quiosque no número 5. Toda vez que abrimos
a porta de uma casinha nos deparamos com as novas experiências que as pessoas daquele local nos
apresentam. Me deparei, esse ano, com um grupo de crianças bastante resistente em aceitar as propostas
Relatório de grupo – 1º semestre/2019
Turma: 2º ano
Professora: Giselle Cristina Gaudencio Vale
Professora auxiliar: Liz Vitoria do Amaral
Coordenadora: Lucy Ramos Torres
de trabalho coletiva, demonstrando divergência de opinões, conflitos e pequenos grupos que não
dialogavam em sua diversidade com grupos maiores, porém vi crianças interessadas em estudar, conhecer
e descobrir novas possibilidades de interação e envolvimento com os amigos. Vi também, crianças
sedenteas de informações, questionadoras e com muita vontade de brincar. Diante disso, resolvi
apresentar-lhes um objeto, que aqui no vilarejo chamamos de objeto disparador, e assim, observar a
impressão de cada um.
Descobri, através de observação, várias lideranças nos pequenos grupos que eram formados na casa e que
as outras crianças tendiam a imitá-las com admiração. Com isso, não expunham suas opiniões por receio
de serem criticadas ou copiavam o que os pequenos líderes já tinham falado. Resolvemos apresentar o
obejto de uma forma diferente: cobrimos com um tecido preto e fizemos um furo para que cada um,
individualmente, fizesse a sua observação e tivesse a sua experiência. Os moradores da casinha de número
5 esperavam ansiosos a sua vez e enquanto observavam, falavam com o corpo: eram pernas que pulavam,
olhos atentos , muitas caretas e falas:
― Nossa, to vendo a mão de uma boneca. Tem coisa aqui dentro? Ahhhhhh, olha só é o pezinho de uma
boneca. Deve estar ai dentro sozinha! (Laura)
―Meu olho tá me vendo! Como isso é possível? (Davi Braga)
― Tem um esqueleto preto ali, Meu Deus, como assim? (Maria Eduarda)
―Eu vejo a pele de um animal. Vocês colocaram um bicho morto ai dentro? (Phillip)
Depois que cada um dos pequenos moradores tiveram a sua experiência individual, abrimos o tecido e
revelamos o que tinha nele: um grande espelho. Dialogamos então sobre a importância da diversidade de
opiniões no trabalho que é construído coletivamente, por pessoas diferentes e com experiências
diferentes. Surgem algumas perguntas:
― Alguém acha que esse espelho é mágico?
―A professora acha que é?
― Não sei, mas posso ver! Me aproximei do espelho, olhei para ele e me vi numa roda gigante comendo
maçã do amor. Sim, era um espelho mágico, pois eu tenho medo de altura e jamais estaria numa roda
gigante tranquilamente. Um alvoroço começou na sala 5. Quero ver, quero ver:
― Ixi, não vejo nada. Vou inisitir. Ainda não vejo! (Olivia)
― Eu to no futuro com um carro voador e uma casa voadora (Eduardo)
―Ahhhhhh, estou na maior escola de artes do Brasil ! (Liz)
― Vejo o meu tio que morreu...saudade de você tio! (Davi Braga)
A casinha de número 5 silencia, ouvimos o barulho do vilarejo. Lá de fora, vinham gritos felizes de crianças
que brincavam, choros e risos. Dentro da nossa casa surge um abraço voluntário que se transforma em
abraço coletivo. A primeira manifestação de acolhida coletiva desde que entrei nessa casa.
Para Calvino:
“As vezes o espelho aumenta o valor das coisas, às vezes, anula. Nem tudo o que parece valer acima do
espelho resiste a si próprio refletido no espelho”. (P.65)
Nesse momento compreendi que precisávamos trabalhar em nós mesmos os nossos reflexos, nos
conhecermos individualmente, para depois reconhecer-nos como parte de um coletivo. Iniciamos a
construção de um livro individual com os seguintes capítulos: Apresentação pessoal, Coisinhas que me
fazem feliz, Amigos, Borboletas (qualidades), Nós (coisas que nos entristecem). Com o passar do tempo as
crianças foram se apropriando do trabalho e percebendo a valorização do diálogo e da fala construtiva nas
relações que estabeciam com os amigos. Após esse momento era hora de inicar a valorização da
consciência coletiva e começamos então um estudo sobre crianças ativistas que lutaram por causas
coletivas como, por exemplo: a Malala, Kaciane Marques, Iqbal e algumas outras. Discutimos história geral
e o surgimento dos direitos humanos:
― Essas crianças lutam por outras pessoas por que essas pessoas perderam seus direitos. Então os direitos
humanos não valem para todo mundo? (Helena)
― Vamos lutar também! (Lisa)
Criamos um coletivo chamado pelos pequenos moradores de: “Um por todos e todos por um”, nele
decidimos solicitar mudanças no banheiro já que a maioria dos moradores achava o banheiro escuro e
medonho.
Solicitamos um diálogo com o Renato que é o homem responsável por todas as casinhas do vilarejo. Ele
nos disse que faria a mudança, porém precisaria que converssássemos com todos os moradores a respeito
do uso consciente do banheiro. Para isso, criamos cartazes e passamos em todas as casas para ouvir as
sugestões dos outros moradoroes, já que aquele é um espaço de uso comum, e também para pedir a
consientização sobre o uso de espaços públicos. Algumas mudanças já foram feitas como a iluminação e
um palete de apoio na pia para a hora de lavar as mãos, mas ainda temos muito o que construir juntos.
(Imagens feitas pelas crianças)
O tempo foi passando e os pequenos moradores da casa 5 estavam intrigados com o espelho mágico:
― O que está acontecendo que não vemos mais nada no espelho?
― Será que ele quebrou?
―Será que a magia acabou?
Todos os dias, pela manhã, os pequeninos chegavam até o espelho, se olhavam, conversavam entre si e
também com o objeto na tentativa de perceber o que havia de errado.
No nosso vilarejo temos o hábito de sentar em roda para conversar, é um ritual que praticamos todos os
dias. Nesse momento somos convidados a ouvir histórias, partilhá-lhas e também exercitamos nossos
direitos, deveres e consciência coletiva dentro do pequeno grupo ao qual pertencemos. Num desses
exercícios estávamos fazendo a leitura de uma lição de casa proposta por um morador da casa 5: pesquisar
pedras preciosas. Surge então uma ideia:
__ As pedras preciosas unidas podem trazer de volta a magia do espelho.
―Isso mesmo. Eu acho que temos que juntar todas as pedras e formar um coletivo de Pedras (Bernardo)
―Tem pedras de muitas cores aqui (Cora)
―Eu acho que cada pedra é um elemento da natureza: a vermelha é do fogo, a marron é da terra, a azul
da água e a branca do ar (Amaya)
― Então vamos juntar os quatro elementos da natureza e trazer a magia do espelho de volta (Bernardo)
Diante disso, cada criança escolheu um elemento para estudar. Achamos importante essa escolha
individual, mas queríamos também algo que pudesse representar o coletivo e decidimos, juntos, trabalhar
primeiro com o elemento terra. Nos rituais de roda estávamos lendo Um livro do Graciliano Ramos: “A
terra dos meninos pelados” e pudemos explorar dois sentidos da palavra terra: a terra como local de
origem e pertencimento e a terra como chão que pisamos.
Para explorar a terra que pisamos decidimos montar um laboratório de ciências na sala e observar
fragmentos de terra no microscópio:
Fizemos também experiências para descobrir os diferentes tipos de solo e os processos de formação do
solo pela ação da chuva:
Em paralelo a isso os pequenos moaradores da casa 5 perguntavam a seus pais de qual terra eles tinham
vindo, o que gostavam de lá e o que lhes dava saudade. Conversamos muito sobre descendência, origem e
anscestralidade até chegamos num assunto que despertou o interesse das crianças: o continente africano.
Para conhecer mais sobre esse lugar que é tão diverso e rico culturalmente, iniciamos a leitura do livro
“Pilar na África”. O interesse pelos povos escravizados e pela história do nosso país despertou no grupo
uma vontade de investigar essas questões no coletivo e começamos a pensar no nosso espelho: nele
vemos o reflexo da formação da sociedade brasileira.
Fizemos um estudo do meio na fazenda Ibicaba onde foi possível ver, sentir e conhecer de perto tudo o
que tínhamos estudado em sala de aula. Foi um momento de muito envolvimento e alegria para os
pequenos moradores do vilarejo, da casinha de número 5.
Estar nesse vilarejo, dentro da sala de número 5 , ao lado de pequenas pessoas tão especiais me
proporcionou entrar em contato com as minhas maiores dificuldades, medos e receios. Diante de tudo o
que vivemos, saio desse semestre com uma linda história para contar em que aprendi a olhar o hoje e
pensar no amanhã com calma e tranquilidade, sabendo dizer não e encontrando o afeto no limite.
Agradeço todos vocês, pequenos moradores, que com a sua sabedoria me mostraram um mundo de
possibilidades onde cada pedacinho do que vivemos é importante, de maneira diferente, para cada um de
nós. O poeta Manoel de Barros conta que:
“Um fotógrafo- artista me disse outra vez: veja que pingo de sol no couro de um lagarto é para nós mais importante do que o sol
inteiro no corpo do mar. Falou mais: que a importância de uma coisa não se mede com a fita métrica, nem com balanças, nem
com barômetros, etc. Que a importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós”
(2010. P.109)
Obrigada pequenos moradores por me encantarem todos os dias!
Projeto de leitura: ler é brincar, é divertir e viajar:
Esse ano o projeto de leitura foi pensado numa interação coletiva que envolvesse o grupo em
brincadeiras, escuta e compartilhamento de ideias e sugestões. Escolhemos o livro de parlendas : Salada,
Saladinha e as crianças puderam ler, brincar e vivenciar individual e coletivamente cada uma das parlendas
lidas. Além disso, fizemos um dia de leitura especial em que as crianças levavam uma ficha de leitura para
casa, liam para os seus familiares e depois apresentavam, em dia marcado pelas professoras, a leitura para
os amigos. Esse era um dia de festa com piquenique, música e muita diversão.
Matemática:
Descobrir que a matemática está na vida e em todos os lugares foi o foco do trabalho que desenvolvemos
com a turma durante o primeiro semestre. Para que as crianças pudessem observar de perto os conteúdos
que estávamos trabalhando em sala de aula, fizemos um estudo do meio, passeando pelo bairro da escola
até chegar numa praça. Durante o percurso, as crianças puderam observar: as formas geométricas, a
sequencia de números nas casas, a ordem crescente e decrescente dos números, a contagem oral dos
passos, a localização e muito mais. Após o estudo fomos aprofundando os conteúdos de maneira lúdica,
através de jogos, descobrindo o prazer nos jogos cooperativos e os desafios em jogos coletivos e
individuais de competição. Contamos também com a presença da professora Eleonora que uma vez por
mês veio na nossa sala contribuir com suas histórias de surgimento dos números e trouxe desafios incríveis
deixando a turma muito contente e satisfeita com essa disciplina.
(História da criação dos (números) (Formas geométricas com tangram)
(Ordem crescente e decrescente)
(Contando sem usar números) (Jogo cooperativo: calculadora quebrada)
Conteúdos trabalhados:
Conteúdos específicos de Língua portuguesa:
• Desenvolver a capacidade de escrever, ler, compreender e pensar de modo consciente, a sua
realidade;
• Expressar-se oralmente e por escrito;
• Reconhecer nas palavras os seus símbolos,
• Grafar e fazer leitura da letra imprensa.
• Identificar e empregar o ponto final em frases e em pequenos textos;
• Ler, copiar e interpretar pequenos textos envolvendo as palavras estudadas;
• Realizar diversas formas de leitura, quadro, cartazes, livros, fichas;
• Compreender para que serve a escrita e a leitura;
• Construir e reconstruir palavras e frases,
• Ler e interpretar textos de forma individual e coletiva, oralmente e silenciosamente;
• Ortografia: Lh, nh, P e B. V e F, T e D, G e J
• Produção de texto livre e texto dirigido
• Leitura e interpretação de texto
• Compreender a coerência na escrita para a recepção do leitor
• Entender que a escrita e a leitura são fontes de informação e pesquisa
• Compreender a importância de filtrar informações para os trabalhos de pesquisa
Conteúdos específicos de Matemática:
• Conhecer, reconhecer e utilizar corretamente o sistema de numeração decimal;
• Ordenar corretamente os números nas ordens crescente e decrescente;
• Resolver situações problemas do cotidiano, fazendo uso das quatro operações;
• Reconhecer situações envolvendo adição, subtração;
• Identificar antecessor e sucessor;
• Resolver situações problemas – sabendo validar estratégias de qualificação como contagem, o
pareamento, a estimativa e a correspondência;
• Relacionar subtração as ideias de separar, tirar, diminuir, perder;
• Reconhecer e utilizar corretamente os símbolos +,- =,
• Explorar cálculo mental;
• Observar formas geométricas presentes na natureza ou criadas pelo homem e representá-las;
• Decomposição de números
• Agrupamentos
Conteúdos Específicos Geografia
• Conhecer o espaço geográfico e o funcionamento da natureza em múltiplas relações;
• Identificar o semáforo, os meios de transporte e os cuidados ao atravessar a rua;
• Reconhecer a rua como espaço de locomoção de pedestres e automóveis;
• Conhecer a origem das famílias e das diversas etnias da nossa escola;
• Reconhecer os meios de comunicação e suas utilidades;
Conteúdos Específicos História
• Desenvolver a capacidade de expressar-se de forma crítica diante dos problemas sociais;
• Conhecer o meio social em que vive, possibilitando-o descobrir a existência de realidades
diferentes;
• Entender a evolução dos fatos históricos e geográficos do seu bairro, de seu município, do seu
estado e de seu país como resultantes de um longo processo de transformação;
• Reconhecer as vivencia cotidianas das famílias, respeitando a diversidade
• Compreender a formação do nosso povo a partir do conhecimento dos povos indígenas , africanos
e europeus.
Conteúdos específicos de ciências
• Despertar a curiosidade a respeito das coisas que nos cercam;
• Despertar a consciência sobre a importância do solo para nossa vida;
• Identificar pelas características os principais tipos de animais que estão presentes em nosso meio
ambiente;
• Reconhecer a importância da água em nossa vida, assim como a sua conservação para manutenção
da vida na terra;
• Reconhecer a necessidade das regras de higiene para manutenção e conservação de nossa vida;
• Reconhecer que nem tudo que vai para o lixo é realmente lixo, reconhecer e compreender a
natureza como um todo dinâmico, sendo o ser humano parte integrante e agente de transformação
do mundo em que vive;
• Identificar relações entre o conhecimento científico, produção de tecnologia e condições de vida,
no mundo de hoje e sua evolução histórica;
• Compreender a saúde como bem individual e comum que deve ser promovido pela ação coletiva.
Referencias bibliográficas:
- Barros, Manoel de. Memórias inventadas: as infâncias de Manoel de Barros, iluminuras de Martha Barros-
São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2010.
- Calvino, Ítalo. As cidades invisíveis: tradução Diogo Mainardi, ilustração Matheus Pericoli- São Paulo:
Companhia das letras, 2017
- Hernandez, Marcia Strazzacappa. Era uma vez uma história contada outra vez- Campinas: Librum Editora,
2013.