Download - Relatorio Final de Pesquisa Justiça criminal
Relatório final de pesquisa
Os novos procedimentos penais
Uma análise empírica das mudanças introduzidas
pelas leis 11.719/08 e 11.689/08
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Relatório Final - Pensando o direito CONVOCAÇÃO BRA Nº 01/2009 - Linha temática: Os novos procedimentos penais
Equipe técnica
Ludmila Ribeiro – coordenadora da pesquisa Julita Lemgruber – supervisora técnica Igor Suzano – Pesquisador Klarissa Silva - Pesquisadora Diogo Tebet – Advogado Carlos Eduardo Rebelo – Advogado Gustavo Sá – Advogado Leonardo Paris - Estatístico Thiago Araújo – Assistente Carolina Moreira - Estagiária Adriana Ferreira - Revisora Ana Paula Andrade - Gerente Administrativa Fernanda Terrazas - Coordenação da pesquisa junto ao Ministério da Justiça
Financiamento: Ministério da Justiça (MJ) Secretaria de Assuntos Legislativos (SAL) Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) Execução: Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESEC) Databrasil – Ensino e Pesquisa Universidade Candido Mendes (UCAM)
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Sumário INTRODUÇÃO............................................................................................................................. 27
Objeto da pesquisa..................................................................................................................... 31
Metodologia............................................................................................................................... 32
CAPÍTULO I - AS ALTERAÇÕES OPERADAS PELA REFORMA LEGISLATIVA............. 36
I.1 – O tempo prescrito pelo Código de Processo Penal Brasileiro para processamento de uma dada infração – as alterações introduzidas pelas Leis 11.719/08 e 11.689/08. ......................... 37
I.2 – Alterações produzidas pela Lei 11.719/08 no Rito Ordinário........................................... 46
I.3 – Alterações produzidas pela Lei nº11.689/08 no Rito do Tribunal do Júri ....................... 26
I.4 – As alterações globais produzidas pelas leis 11.719/08 e 11.689/08 sob o tempo de processamento dos crimes comuns e dos crimes dolosos contra a vida.................................... 33
I.5 – Tempo legal e tempo necessário para processamento das infrações penais ..................... 34
1.5.1 O tempo legal nos diplomas internacionais...................................................................... 35
I.5.2 O tempo necessário na justiça criminal brasileira: uma revisão dos estudos empíricos realizados sobre o tema.............................................................................................................. 51
CAPÍTULO II - ANÁLISE EMPÍRICA DO ASPECTO TEMPORAL DAS NOVAS LEIS...... 63
II.1. O tempo do processo penal no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ)................... 64
II.1.1. Metodologia – a preparação dos dados para a análise .................................................... 66
II.1.2 – O tempo do processo no caso dos delitos de roubo distribuídos no TJRJ.................... 82
II.1.2 – O tempo do processo no caso dos delitos de homicídio doloso distribuídos no TJRJ . 88
II.1.3 – Conclusões gerais da análise do banco de dados do TJRJ............................................ 92
II.2 O tempo do processo penal no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP)........................... 94
II.2.1. Metodologia – a preparação dos dados do TJSP para a análise...................................... 95
II.2.2 – O tempo do processo no caso dos delitos de roubo distribuídos no TJSP.................. 110
II.2.3 – O tempo do processo no caso dos delitos de homicídio doloso distribuídos no TJSP 114
II.2.4 – Conclusões gerais da análise do banco da dados do TJSP ......................................... 119
II.3 - Considerações finais – comparando os resultados da análise da base de dados do TJRJ e da base de dados do TJSP........................................................................................................ 120
CAPÍTULO III. A REFORMA PROCEDIMENTAL SOB A ÓTICA DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS.............................................................................................. 126
III.1 – Importância da análise constitucional da reforma ........................................................ 127
III.2 – Análise dos dispositivos legais sob a luz das garantias fundamentais ......................... 131
III.2.1. A dignidade da pessoa humana e o tratamento isonômico.......................................... 131
III.2.2. A presunção de inocência e o respeito à integridade física e moral do preso ............. 134
III.2.3. O Devido processo legal.............................................................................................. 136
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III.3. Algumas considerações acerca da efetividade das garantias constitucionais pela a reforma procedimental .......................................................................................................................... 159
CAPÍTULO IV. ESTUDO DO POSICIONAMENTO DOS TRIBUNAIS ACERCA DA REFORMA PROCESSUAL PENAL ......................................................................................... 166
IV.1 – A reforma do processo penal a partir da publicação das Leis 11.719/08 e 11.689/08. 169
IV.2 – O papel da jurisprudência na interpretação dos pontos controversos de uma dada lei 173
IV. 3 - Metodologia da pesquisa.............................................................................................. 178
IV. 4 – As decisões dos tribunais: uma análise descritiva....................................................... 183
IV.4.1 - Excesso de prazo........................................................................................................ 196
IV.4.2 - Ausência de Justa Causa para Continuidade da Prisão Cautelar ............................... 203
IV.4.3 – Identidade física do juiz ............................................................................................ 207
IV.4.4 - Aplicação do Novo Procedimento - Direito Intertemporal ........................................ 211
IV.4.5 – Cerceamento do direito de defesa – Audiência Una ................................................. 214
IV.4.6 – Nulidade Processual .................................................................................................. 216
IV.4.7 - Absolvição Sumária ................................................................................................... 219
IV.4.8 - Ausência de justa causa para exercício da ação penal ............................................... 224
IV.4.9 - Critérios de Fixação de Quantum Indenizatório ........................................................ 226
IV.4.10 - Reexame necessário revogado pela Lei 11.689/08 .................................................. 230
IV.4.11 – Critérios para a decisão de pronúncia...................................................................... 232
IV.4.12 Mutatio e Emendatio Libelli....................................................................................... 236
IV.4.13 – Suspensão Condicional do Processo ....................................................................... 239
IV.4.14 – Recurso em Sentido Estrito recebido como Apelação ............................................ 242
IV.4.15 – Uso de Algemas....................................................................................................... 242
IV.5 – As decisões do STJ e STF no que se refere às Leis 11.719/08 e 11.689/08 ................ 243
IV.6 – Considerações finais..................................................................................................... 245
CAPÍTULO V - ALTERAÇÕES PRODUZIDAS PELA REFORMA LEGISLATIVA NA PRÁTICA: A VISÃO DOS OPERADORES DO DIREITO NOS TRIBUNAIS DO JÚRI E NAS VARAS CRIMINAIS DO RIO DE JANEIRO........................................................................... 247
V.1. Introdução........................................................................................................................ 247
V.2. Metodologia..................................................................................................................... 248
V.3. Estrutura organizacional e as novas leis .......................................................................... 252
V.5. As varas criminais e os tribunais do júri.......................................................................... 254
V.6. Percepções dos operadores sobre as novas leis ............................................................... 274
V.7. Comentários finais ........................................................................................................... 278
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................................... 280
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................................ 283
ANEXOS..................................................................................................................................... 295
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INTRODUÇÃO
A pesquisa pensando o direito – os novos procedimentos penais – teve por objeto a análise
empírica da aplicação das reformas operadas no Código de Processo Penal pelas Leis 11.689, de
9 de junho de 2008 e 11.719, de 20 de junho de 2008 em suas mais diversas dimensões. Essas
duas legislações, em conjunto, integram o que se convencionou denominar, para fins deste
relatório, de reforma penal de 2008.
De maneira simplificada, tal como destacado no edital de Edital de Convocação da
Secretaria de Assuntos Legislativos (SAL) n. 01/2009, é possível afirmar que essas reformas
tiveram como principal objetivo simplificar e agilizar o procedimento processual penal, mas a
partir da conciliação entre tempestiva prestação jurisdicional e fortalecimento das garantias
processuais penais inerentes ao sistema acusatório.
No entender de Bottini (2008), para a adequada compreensão da necessidade destas duas
leis no ordenamento jurídico brasileiro, é necessário revistar alguns outros marcos legais. Isso
porque desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, a discussão sobre a necessidade de
se reformular o funcionamento da justiça tornou-se mais premente, posto que o funcionamento
inadequado desta instituição traz conseqüências graves para todos, e não apenas para os
operadores do direito.
Para tal compreensão, cumpre-se, portanto, começar do momento de origem do Código de
Processo Penal atual. Este é do ano de 1941 e, desde o seu nascimento até os dias atuais, poucas
tinham sido alterações pelas quais este diploma havia passado até a reforma de 2008.
Em boa medida, esta ausência de “reformas” levou à consolidação de problemas graves
no âmbito da administração da justiça criminal brasileira. Neste sentido, destaca Moreira (2001)
que:
Este Código, elaborado sob a égide e os influxos autoritários do Estado Novo, decididamente
não é, como já não era um estatuto moderno, à altura das reais necessidades de nossa Justiça
Criminal, como dizia Frederico Marques. Segundo o genial mestre paulista, continuamos
presos, na esfera do processo penal, aos arcaicos princípios procedimentalistas do sistema
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escrito (...) O resultado de trabalho legislativo tão defeituoso e arcaico está na crise tremenda
por que atravessa hoje a Justiça Criminal, em todos os Estados Brasileiros.
Diante desta realidade em crise desde a sua origem e há muito debatida pelos
doutrinadores da área,1 o Código de Processo Penal fora objeto de vários projetos de reforma que
nunca se transformaram em realidade, posto que nunca alcançaram a fase de votação no
Congresso Nacional. Entre os principais desdobramentos dos movimentos realizados pela aliança
sociedade civil e operadores do direito tem-se o “Pacto por um Judiciário mais Rápido e
Republicano”, apresentado em dezembro de 2004, pelos chefes dos três Poderes da nação, com
propostas efetivas para a reforma constitucional, infraconstitucional e administrativa do sistema
judicial.
Bottini (2008) salienta que este pacto trouxe em seu bojo uma série de propostas de
reforma infraconstitucional: foram apresentados mais de 20 projetos de alteração do processo
civil, penal e trabalhista, praticamente todos aprovados pelo Congresso Nacional. Em linhas
gerais, os projetos guardam relação principiológica, no entanto, é necessário e indispensável
frisar que, no que concerne ao processo penal, algumas distinções qualitativas foram feitas, diante
da peculiaridade dos valores envolvidos, quase sempre direitos fundamentais e indisponíveis.
Em certa medida, todos esses projetos (tanto os que lograram como os que não lograram
êxito) tinham um ponto em comum: tornar o sistema de justiça criminal mais célere e mais
permeável às demandas dos cidadãos, institucionalizando o ideal de acesso à justiça, tal como
discutido na obra de Cappelletti e Garth (1988). 2
A exceção a esta regra – afora o advento da Lei dos Juizados Especiais Criminais de 1995
– foi a reforma de 2008, que alterou o procedimento ordinário (Lei 11.719/08) e o procedimento
do Tribunal do Júri (Lei 11.689/08). Apesar de estas reformas terem sido amplas no âmbito de
1 Vide Quadro 01 – Temáticas debatidas e principais expoentes, localizado ao final desta seção.
2 De acordo com Cappelletti e Garth (1988: 20), o acesso à justiça está intimamente relacionado ao tempo do processo porque em razão da demora as parte podem inclusive aceitar uma solução que não consideram justa apenas para não ter de aguardarem um novo pronunciamento judicial. Apesar de as demoras serem mais problemáticas na questão do acesso à justiça no âmbito civil “quando muitas vezes as partes abandonam os seus casos ou aceitam acordos por valores inferiores àqueles que teriam direito” os seus efeitos também se fazem sentir no âmbito criminal.
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tais institutos, alguns doutrinadores (Moura, 2009 e Queijo, 2009) destacam que elas ainda são
bastante incipientes no propósito de se transformar a forma como a justiça criminal é
administrada no Brasil, especialmente, no que diz respeito às mazelas da tradição inquisitorial
brasileira.
Ou seja: apesar de novas leis (11.719/08 e 11.689/08) terem trazido inovações
importantes, especialmente, no que diz respeito às exigências de uma justiça mais ágil, moderna e
mais garantidora dos direitos dos cidadãos brasileiros, elas ainda não foram capazes de
transformar o cerne da ideologia fascista (Moreira, 2001) que sustenta a edição original do
Código de Processo Penal (CPP) de 1941. Assim, questões que desde a publicação da
Constituição Federal de 1988 restam controversas no âmbito do processo penal brasileiro, ainda
permaneceram sem solução, mesmo após a edição das referidas leis.
Em parte, alguns doutrinadores argumentam que isso ocorreu porque os projetos de
reforma foram baseados muito mais em reclamações constantes dos cidadãos e da própria mídia
do que em diagnósticos empíricos sobre o que de fato acontece no sistema de justiça criminal
brasileiro. Neste sentido, tem-se o posicionamento de Coutinho (2008):
Falar apenas em celeridade como parâmetro de justificação política neste caso é mais uma
reafirmação do princípio da eficiência que pauta os sistemas penais em tempos de
neoliberalismo. Pode-se, inclusive, argumentar que a principal causa da tão falada
“morosidade” seja ligada aos problemas infra-estruturais do próprio Poder Judiciário, como por
exemplo a carência de magistrados e serventuários, o que vem também demonstrar como a
questão não se dá nem se soluciona no plano normativo, tampouco com o rigor da lei.
Apesar das inúmeras críticas feitas à maneira como a reforma foi empreendida e à
ideologia que subjaz os seus objetivos principais, fato é que as Leis 11.719/08 e 11.689/08 foram
publicadas em meados do ano de 2008 e, dada a vacatio legis a que ambas foram submetidas (de
60 dias), entraram em vigor, respectivamente, em 9 de agosto de 2008 e em 22 de agosto de
2008.
O foco primordial destas reformas foi, de fato, a celeridade processual, como bem salienta
a maioria dos juristas que se ocuparam de analisar a natureza e a pertinência de tais institutos no
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cenário atual.3 Mesmo porque ambas as leis estabeleceram a aglutinação de diversos atos em um
único momento, sendo que tal modificação deveu-se especialmente à necessidade de se
materializar o ideal de que “justiça justa é justiça ágil”.
Imbuídas deste espírito, ambos os diplomas legais demarcaram de maneira mais clara os
prazos processuais com o objetivo de se criar balizas mais pontuais sobre as discussões
relacionadas, por exemplo, ao excesso de prazo e aos seus efeitos especialmente sobre o
indivíduo privado de liberdade.
No entanto, estes não foram os únicos pontos alterados pela reforma, a qual estabeleceu
ainda, por exemplo, que o juiz poderá determinar, na sentença, o valor da indenização à vítima,
sem necessidade de processo de liquidação, quando for de fácil constatação o quantum do
prejuízo sofrido pelo ofendido (Nucci, 2008).
Exatamente pela grande diversidade de pontos abordados pela reforma a proposta desta
pesquisa foi a de verificar em que medida as alterações propostas pelas leis 11.719/08 e
11.689/08 encontram-se adequadas do ponto de vista de sua técnica legislativa aos preceitos
constitucionais de garantia. No entanto, de nada adianta a legislação infra-constitucional estar
adequada aos princípios da constituição se os operadores do direito não são capazes de aplicar
tais dispositivos na realidade cotidiana do sistema de justiça criminal brasileiro.
Por fim, pode acontecer ainda de a lei ser perfeita do ponto de vista da técnica, ser aplicada
pelos operadores do direito, mas não ser capaz de produzir os efeitos que se espera, por motivos
que não foram levados em consideração pelo legislador quando da redação de tais dispositivos
legais.
Neste sentido, examinar os bancos de dados dos tribunais, a sua respectiva produção
decisória, acompanhar a administração da justiça e ainda entrevistar os operadores do direito com
o propósito de verificar os pontos apoiados e rechaçados por estes pareceram procedimentos
indispensáveis para se compreender se a ficção legal tem sido capaz de se materializar na
3 Entre estes, cumpre destacar os seguintes: Pagliuca (2008); Coutinho (2008); Fuller (2008); Bottini (2008); Nucci (2008) e Queijo, (2008).
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realidade dos tribunais ou se a nova lei permanece ainda como um dispositivo mais temido do
que conhecido pelos operadores do direito.
Ou seja, no intuito de verificar em que medida as leis 11.719/08 e 11.689/08 podem ou não
padecer de um dos problemas acima destacados e, por isso, não é capaz de alcançar os seus
efeitos esperados, e ainda no propósito de verificar quais são os institutos que gozam de ampla
aplicabilidade e os que não desfrutam de status semelhante é que o Centro de Estudos de
Segurança e Cidadania (CESeC) da Universidade Candido Mendes (UCAM) se candidatou à
realização desta pesquisa.
A perspectiva deste centro de pesquisa era a de que compreendendo como estas regras
legais encontram-se sendo aplicadas pelos operadores do direito e quais são os efeitos que essas
tem sido capaz de produzir, seria possível a esta instituição colaborar com o processo de
aperfeiçoamento de tais regulamentos e, por conseguinte, alcance da maior celeridade processual
a partir de uma maior garantia aos direitos constitucionais do acusado.
Objeto da pesquisa
Como vistas a enriquecer o debate acerca da reforma processual penal tão aguardada
pelos operadores do Direito, o presente trabalho visa lançar luz sobre os pontos inovadores
trazidos por esses diplomas, não só sob o aspecto dogmático-processual, mas também operando
uma análise crítica, empírica e interdisciplinar da matéria.
Este relatório tem como objetivo analisar o impacto das leis 11.719/08 e 11.689/08 sobre a
forma e tempo de processamento das causas criminais. Para tanto, este estudo pretendeu: a)
analisar as alterações legislativas introduzidas e compará-las com a legislação anterior; b)
construir um diagnóstico quantitativo do impacto dessas leis, com mensuração de seu efeito sobre
o tempo de duração dos processos; c) elaborar um quadro dos direitos e garantias constitucionais
efetivamente alterados por essas legislações na realidade do sistema jurídico brasileiro; d) estudar
os caminhos adotados pela jurisprudência relativa às novas leis no período subsequente a sua
publicação e; e) traçar um diagnóstico qualitativo de como são as novas leis estão sendo
apropriadas pelos operadores do direito tanto do ponto material, no sentido de como eles as
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colocam em prática como do ponto de vista simbólico, no sentido de como eles entendem os
ganhos e perdas trazidos por essas novas regras.
Metodologia
Para análise das transformações introduzidas pelas leis 11.719/08 e 11.689/08 no cenário
brasileiro foram utilizadas diversas fontes de informação e estratégias metodológicas,
dependendo do objetivo que se pretendia alcançar.
Para a análise das alterações legislativas no que diz respeito à forma e temporalidade dos
atos judiciais foram adotados três procedimentos metodológicos, quais sejam: 1) Contraste da
legislação processual penal vigente antes e depois da publicação das leis 11.719/08 e 11.689/08;
2) Cálculo do tempo de processamento em cada um das duas legislações (CPP de 1941 e CPP
reformado em 2008); 3) Revisão das pesquisas já realizadas sobre o tempo de processamento da
justiça criminal no Brasil, para situar o pesquisador em qual era o cenário existente antes da
publicação das novas leis.
Com o objetivo de se realizar o diagnóstico quantitativo do impacto das leis 11.719/08 e
11.689/08 sobre o tempo de processamento das causas criminais, foram analisados os bancos de
dados dos Tribunais de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e do Estado de São Paulo. Os dados
analisados foram os referentes a crimes cujo processo fora distribuído em período anterior e
posterior às novas leis. Contudo, cumpre destacar que, como cada uma das leis alterou ritos
processuais diferentes (a lei 11.719/08 alterou o rito ordinário e a lei 11.689/08 alterou o rito do
tribunal de júri), esta análise foi realizada utilizando-se como base dois crimes particulares: roubo
e homicídio doloso.
O exame das garantias constitucionais afetadas pelas Leis 11.689/08 e 11.719/08, por sua
vez, foi realizado a partir do contraste das principais mudanças introduzidas pelas leis 11.719/08
e 11.689/08 com os princípios constitucionais relacionados a esta temática.
Em parte, as contradições existentes entre os princípios constitucionais e as novas
legislações foram verificadas do ponto de vista dogmático no item anterior, foram reificadas do
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ponto de vista empírico quando da análise da produção decisória dos tribunais brasileiros no que
se refere aos pontos polêmicos das leis 11.719/08 e 11.689/08.
Para a realização de tal análise foi construído um banco de dados que codificava, dentro de
uma linguagem estatística, as informações coletadas nos julgados disponibilizados como
“jurisprudência” no âmbito dos sites dos Tribunais Estaduais de Justiça, Tribunais Regionais
Federais; Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal. O recorte temporal utilizado
foi o seguinte: todas as decisões publicadas entre setembro de 2008 e setembro de 2009. A partir
deste catálogo, foram problematizadas as mudanças inseridas pelas novas leis em relação ao
Código de Processo Penal de 1941. Cumpre destacar que a análise deste banco de dados permitiu
uma concatenação interessante entre a dogmática jurídica e a produção dos tribunais.
Por fim, com o objetivo de se construir um diagnóstico qualitativo da forma como as leis
11.719/08 e 11.689/08 tem sido operacionalizadas na realidade cotidiana dos tribunais, foram
utilizados dois procedimentos metodológicos. O primeiro foi a observação participante dos
julgamentos dos crimes comuns e crimes dolosos contra a vida que tiveram lugar no fórum
central da capital entre dezembro de 2009 e fevereiro de 2010. O objetivo deste procedimento foi
o de identificar como as mudanças que essas leis introduziram na forma de processamento e,
especialmente, na forma condução das audiências estão sendo implementados no âmbito das
varas criminais da cidade do Rio de Janeiro.
Por outro lado, mas ainda com o propósito de se construir um diagnóstico qualitativo da
implementação das novas leis na realidade cotidiana dos tribunais foram realizadas uma série de
entrevistas semi-estruturadas com operadores do direito (juízes, promotores, advogados,
defensores e funcionários de cartório), que atuam na comarca do Rio de Janeiro, com o objetivo
de avaliar o sistema de crenças, valores e atitudes destes diante das novas leis.
É importante destacar que, em princípio, tanto a pesquisa quantitativa como a pesquisa
qualitativa encontravam-se restritas à cidade do Rio de Janeiro por diversos motivos. Primeiro, o
CESeC, responsável pela realização desta pesquisa, encontra-se localizado nesta cidade, o que
diminuiu os problemas de coordenação, tanto no que diz respeito ao deslocamento da equipe de
pesquisa, como no que diz respeito a formação de uma rede de contatos para a realização desta
análise.
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Segundo, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJERJ) é um dos poucos de
toda a federação brasileira que possui um sistema de informações processuais que permite não
apenas o cálculo do tempo médio de duração do processo como ainda a análise do tempo do
processo de acordo com as seguintes variáveis: presença de flagrante, concurso de agentes,
presença de qualificadora e presença de condenação. Somou-se a isso o fato de que em pesquisa
anterior (Mensurando a Impunidade no Rio de Janeiro), o TJERJ já havia garantido o acesso aos
pesquisadores do CESeC tanto para o acompanhamento das audiências, como para a consulta aos
processos judiciais e, assim, tinha-se uma certa segurança de que a pesquisa era viável já no
momento de sua propositura.
No entanto, já na primeira reunião entre os pesquisadores do CESeC e da SAL foi
colocada a necessidade, por parte do órgão financiador da pesquisa, de que esta análise
contemplasse pelo menos mais um estado da federação. Após inúmeros esforços (descritos no
capítulo 02 deste volume) foi franqueado o acesso dos pesquisadores ao banco de dados do TJSP.
No entanto, dadas as limitações de tempo e de recursos financeiros, a parte qualitativa
permaneceu restrita às varas criminais da cidade do Rio de Janeiro.
É importante destacar, já na introdução, que a não realização de um trabalho de cunho
mais qualitativo no âmbito do TJSP implica em determinadas limitações, especialmente, no que
diz respeito ao significado que o tempo do processo tem para os operadores do direito daquela
localidade e ainda aos significados que os operadores do direito desta localidade concedem às
novas leis. Ou seja, este relatório apresenta apenas de um ponto de vista objetivo o tempo de
processamento do TJSP, mas não discute o seu significado do ponto de vista simbólico e muito
menos do ponto de vista daqueles que contribuem para que este prazo seja tanto maior ou menor.
Portanto, um possível desdobramento desta pesquisa seria a replicação da metodologia
desenvolvida por esta no que se refere à análise qualitativa e quantitativa de administração dos
tempos pelos tribunais em outras localidades da federação. Com isso, poder-se-ia apreender
particularismos regionais que podem impactar de maneiras diferenciadas na forma como as novas
leis são implementadas e, por conseguinte, na forma como a celeridade processual e as garantias
constitucionais do acusado são materializadas. Estes pontos são de suma importância quando se
tem em mente a pesquisa jurídica como subsídio para o processo legislativo, dada a necessidade
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de se criar regras de cunho nacional, mas cujo impacto seja o mesmo independente da localidade
em questão.
Destacadas estas questões metodológicas e feitas as ressalvas quanto à abrangência da
pesquisa, cumpre apresentar a forma de organização deste volume. A forma de organização e o
conteúdo de cada capítulo refletem os objetivos pretendidos pela pesquisa de acordo com os
procedimentos metodológicos adotados para alcance destas metas.
No capítulo 01, buscou-se a análise do conteúdo das referidas leis inovadoras e a
identificação das alterações introduzidas especificamente no que diz respeito a forma e a
temporalidade dos atos judiciais. Num segundo momento, foi feito o contraste entre os
parâmetros temporais e as formas dos atos processuais antes e após a reforma legislativa,
identificando-se ainda as pesquisas acadêmicas anteriores que se ocuparam desta temática sob a
vigência da sistemática processual anterior.
O capítulo seguinte mensura o impacto desta reforma sobre o prazo de duração dos
processos de primeira instância a partir da análise dos casos de crimes de homicídio doloso e
roubo distribuído no período anterior e posterior à vigência das referidas leis nos tribunais de
justiça dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro.
No terceiro capítulo, foram examinadas as garantias constitucionais afetadas e/ou
exaltadas pelas Leis 11.719/08 e 11.689/08, no sentido de se verificar em que medida esta
reforma implicou (ou não) em sacrifício aos direitos e garantias fundamentais do acusado em
sede processual penal. Já o quarto capítulo apresenta a sistematização de todos os julgados dos
tribunais brasileiros que abordaram, de alguma forma, as mudanças decorrentes das novas duas
leis.
Na última parte da pesquisa, averiguou-se, através da observação da rotina das varas
criminais do Tribunal de Justiça da cidade do Rio de Janeiro, como os operadores do direito
internalizaram as mudanças veiculadas por essas novas leis no cotidiano, realizando-se ainda,
série de entrevistas semi-estruturadas, a fim de compreender quais são as crenças, valores e
atitudes que esses indivíduos parecem demonstrar quando o assunto é a reforma processual penal
de 2008.
Por fim são apresentadas as conclusões deste estudo.
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CAPÍTULO I - AS ALTERAÇÕES OPERADAS PELA REFORMA LEGISLATIVA
Uma das temáticas mais relevantes no que se refere ao direito em ação é aquela relativa à
capacidade de o sistema judicial processar com eficiência as demandas que chegam ao seu
conhecimento. De acordo com Santos et al (1996), um desses indicadores é o tempo despendido
pelos sistemas judiciais (Cíveis, Criminais, Trabalhistas, dentre outros) no processamento do caso
desde sua ocorrência até a sentença que encerra, institucionalmente, o conflito.
No entender de Ferreira e Pedroso (1997), no caso da seara penal, a análise do tempo dos
sistemas de justiça é importante por ser este um indicador da capacidade dos órgãos que
compõem o sistema da justiça penal em implantar a própria ideia de justiça.
Desta forma, se o tempo da justiça criminal é demasiadamente longo, torna-se cada vez
menos provável corrigir falhas técnicas na condução administrativa dos procedimentos, por
exemplo, desperdício de tempo em localizar testemunhas, eventuais vítimas e possíveis
agressores. Por outro lado, se o tempo da justiça é abreviado demais, corre-se o risco de recair-se
na denominada sumarização dos direitos do acusado, consistente na supressão, limitação ou
atropelo de seus direitos e garantias fundamentais consagrados no texto constitucional e
infraconstitucional, sendo o inverso pois um processo justo.
Tendo em vista essa dicotomia, a lentidão da justiça como forma de vitimização do
cidadão pelo Estado tem se tornado a tônica de vários estudos da sociologia do direito desde o
início dos anos 1980 (Santos, 1996).
Em conjunto, estes estudos consolidam a idéia de que uma justiça eficiente é aquela que
imputa às partes envolvidas apenas o tempo necessário ao processamento de suas demandas, não
prolongando demasiadamente o seu processamento, nem julgando apressadamente o conflito
(Adorno e Izumino, 2007).
A questão que se coloca neste sentido é como definir qual é o tempo necessário e razoável
para o processamento e o julgamento de uma pessoa acusada do cometimento de um delito?
Na tentativa de responder a esta questão, a sociologia do direito contemporânea tem
analisado o tempo da justiça criminal a partir dos seguintes procedimentos metodológicos: (i)
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cálculo do tempo prescrito pelos códigos para processamento de uma dada infração4; (ii) cálculo
do tempo efetivamente despendido pelo sistema de justiça criminal no processamento desta
mesma infração; (iii) contraste entre os “tempos legais” (estabelecidos pelos códigos) e os
“tempos efetivados” pelos tribunais para processamento de um crime e (iv) implicações que a
diferença entre o tempo legal e o tempo real dos tribunais no processamento das causas penais
possuem para o sistema de garantias do acusado. Basicamente, estes são os quatro pontos
principais que este capítulo pretende abordar.
I.1 – O tempo prescrito pelo Código de Processo Penal Brasileiro para processamento de uma dada infração – as alterações introduzidas pelas Leis 11.719/08 e 11.689/08.
No Brasil, as diversas pesquisas empíricas realizadas sobre o tempo de duração do
processamento de uma conduta delituosa têm demonstrado a incapacidade dos tribunais estaduais
em implementar os prazos estipulados pelo Código de Processo Penal.
De acordo com estes estudos, o tempo efetivado pela justiça criminal brasileira é, em
média, três vezes superior ao tempo prescrito pela legislação para tanto (Ribeiro e Duarte, 2008),
sendo as causas apontadas para tal fenômeno as seguintes: excesso de formalismo judicial
(Svedas et al, 2005); requisições de laudos ausentes e complementares (Pinheiro et al, 1999);
solicitação de informações a outros órgãos (Batitucci et al, 2006); mandados de citação e
intimação não cumpridos (Ratton e Cireno, 2007); lentidão cartorária (Vargas et al, 2005); uso de
recursos – especialmente, o protesto por novo júri – (Beal, 2006), dentre outras.
Um dos principais efeitos perversos deste problema é a contribuição para a disseminação
da sensação de impunidade junto à sociedade, acabando por favorecer desta forma o surgimento
de propostas legislativas reacionárias ou opiniões radicais, traduzidas em medidas extremas –
4Especialmente neste caso, tal como destacado por Justo e Singer (2001), as análises tem como fonte de sustentação teórica a seguinte obra: BLACK, Donald. The behavior of law. New York: Oxford University Press, 1989. Neste trabalho, o Black (denominado de grande jurista sociológico por pesquisadores brasileiros do direito) argumenta sobre a importância de se quantificar os processos de aplicação da lei (que são eminentemente qualitativos) para se compreender como determinadas categorias legais são re-significadas pelos operadores do direito no âmbito de sua atividade cotidiana de administração da justiça.
38
fruto de campanhas punitivistas como “Lei e Ordem” e “Tolerância Zero” –, seja pelo
encorajamento de se fazer justiça pelas próprias mãos, seja pela legitimação da banalização da
utilização de instrumentos cautelares, notadamente a prisão cautelar, transformando o processo
penal num verdadeiro instrumento de antecipação de pena5.
Apenas para se ter uma idéia da gravidade do problema, de acordo com o survey LAPOP6
aplicado pela Vanderbilt University em uma amostra representativa da população brasileira no
ano de 2006, 43% dos entrevistados, apoiam, em alguma medida, as pessoas fazerem justiça com
suas próprias mãos quando o Estado não castiga os criminosos.
Diante deste cenário de pouca credibilidade da justiça criminal, dada a visão de que esta é
ineficiente no que se refere à aplicação dos dispositivos do Código de Processo Penal relativos
tanto ao sistema de garantias do acusado quanto ao tempo para o processamento de uma infração,
as regras que regulamentam o funcionamento do sistema de justiça criminal brasileiro passaram
por uma série de transformações com o objetivo de conciliar, simultaneamente, celeridade
processual e maior garantias constitucionais ao acusado.
Ou seja, desde a re-abertura democrática o Código de Processo Penal (promulgado em um
cenário também ditatorial – Estado Novo) e as demais regras que regulamentam o processo penal
brasileiro tem sido constantemente reformuladas de maneira a viabilizar o tratamento do crime
como um problema humano e político. O propósito destas reformas foi o de dotar a norma
processual penal de um caráter garantista:
“afiançando ao agente, que porventura acabe infringindo um dos tantos preceitos
penais, a segurança de que a descrição típica se apresenta mais próxima da realidade e com
elementos de fácil assimilação e percepção por parte do sujeito ativo, tornando possível uma
aplicação segura e previsível do Direito Penal, subtraindo-o à irracionalidade, ao arbítrio e à
improvisação” (Amaral Júnior, 2005).
5Neste sentido, verificar: PANDOLFO, Alexandre Costi, MAYORA, Marcelo. A crise em São Paulo : a resposta (des)esperada, a reiteração da dialética dos discursos autoritários e garantistas e a necessária resistência dos operadores do direito. Boletim IBCCRIM. São Paulo, v.14, n.164, p. 8-9, jul. 2006.
6O LAPOP (Projeto Latino Americano de Opinião Pública) foi iniciado há mais de duas décadas pela Universidade de Vanderbilt. Entre os seus méritos esta o fato de esta ser a única pesquisa de opinião pública democrática e comportamento que cobre as Américas do Norte e do Sul. Maiores informações encontram-se disponíveis no seguinte Web site: http://library.wustl.edu/databases/about/lapop.html.
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A primeira destas reformas foi implementada através da Lei nº 9.099/95, que
regulamentou o funcionamento dos juizados especiais, cíveis e criminais, introduzindo o
procedimento sumaríssimo para os crimes cuja pena máxima cominada não fosse superior a um
ano de reclusão – pena limite esta que foi alterada para 2 anos com a publicação posterior das
Leis 10.259/01 e 11.313/06.
Este procedimento, entre outras inovações, dispensou a realização do inquérito policial,
estabelecendo que a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará Termo
Circunstanciado de Ocorrência – TCO – e encaminhará os envolvidos imediatamente ao Juizado
Especial Criminal (art. 69 da Lei 9.099/95). Esta legislação, apesar das críticas 7, inovou também
ao estabelecer algumas medidas despenalizadoras, como a possibilidade de o suposto autor do
fato: (i) realizar conciliação com a vítima para a composição de danos; (ii) aceitar a proposta de
transação penal oferecida pelo Ministério Público para o cumprimento de pena alternativa (pena
restritivas de direitos ou de multa) sem assunção de culpa; (iv) aceitar a suspensão condicional do
processo (Azevedo, 2008).
A pretensão era a de que, a partir da vigência da Lei 9.099/095, os conflitos de menor
potencial ofensivo recebessem uma apreciação imediata do Estado, que administraria
prontamente a controvérsia evitando que esta se transformasse em algo mais grave ou de maiores
proporções. Cabe ressaltar, porém que a Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006, por sua vez,
retirou dos Juizados Especiais Criminais a competência pelas infrações de menor potencial
ofensivo cometidas contra a mulher no âmbito doméstico ou familiar. Nesses casos, o
processamento e o julgamento ocorrem perante os Juizados de Violência Doméstica e Familiar
contra a Mulher 8 (Gomes, 2006).
7 Sobre o tema, ver CARVALHO, SALO; WÜNDERLICH, Alexandre (org.). Diálogos sobre a Justiça Dialogal: teses e antíteses sobre os processo de informalização e privatização da justiça penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2002. 219p.
8De acordo com Gomes e Bianchini (2006), o processamento de tais instâncias é diferenciado do processamento do JECRIM porque, nesses casos, não cabe transação penal, nem suspensão condicional do processo, nem composição civil dos danos extintiva de punibilidade, não se lavra termo circunstanciado, deve ser instaurado inquérito policial, a denúncia deverá vir por escrito, o procedimento será o previsto no Código de Processo Penal e em se tratando de lesão corporal leve a ação penal será de iniciativa pública incondicionada.
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Já no plano político, registre-se que no ano de 2003, foi criada uma estrutura dentro do
Ministério da Justiça denominada de Secretaria Nacional da Reforma do Judiciário. De acordo
com notícias publicadas à época, a primeira iniciativa da nova Secretaria seria a de realizar um
grande diagnóstico sobre os problemas e gargalos do setor, de forma a iniciar uma reforma do
Judiciário eficaz e efetiva 9.
No entanto, a partir do processo de implementação dessas reformas e do insucesso em
relação ao alcance dos objetivos que se inicialmente pretendiam, foi possível perceber a
necessidade de se realizar uma mudança mais profunda, com a reforma não apenas da legislação
infraconstitucional, mas do próprio texto constitucional especialmente no que diz respeito às
iniciativas capazes de resolverem problemas como a “morosidade processual” e “falta de
transparência na prestação jurisdicional”. Tal tarefa foi realizada pelo constituinte derivado que
promulgou a Emenda Constitucional 45, publicada em 08.12.2004 (Hertel, 2005).
A Emenda Constitucional no. 45/2004 acrescentou ao art. 5º da Constituição Federal, o
inciso LXXVIII, que dispõe o seguinte:
“a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do
processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
No entanto, como este dispositivo não estabelece qual o parâmetro a partir do qual a
duração de um processo passa a ser considerada como “pouco razoável” ou “morosa”, diversos
diplomas infraconstitucionais foram publicados no sentido de regulamentar a previsão
constitucional, viabilizando desta forma a aplicabilidade o seu comando.
Ou seja, para que este dispositivo constitucional pudesse se consolidar efetivamente no
âmbito da justiça criminal, em 09/06/08, o Presidente da República sancionou o conjunto de
proposições da mini-reforma do Código de Processo Penal. O também chamado “Pacote da
Segurança”, composto por três projetos de lei (PLs 4203/01; 4205/01; e 4207/01), fez parte do
Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci) e teve como objetivo tornar
9Importante salientar que até os dias de hoje esta atividade ainda não foi realizada pela Secretaria Nacional de Reforma do Judiciário.
41
o Poder Judiciário mais célere, efetivo e eficiente do ponto de vista das garantias processuais
inerentes ao sistema acusatório.
O PL 4207/01 se consubstanciou na Lei nº 11.719/08 e estabeleceu novas regras tanto no
que se refere à temporalidade para a prática dos atos processuais penais, como ainda no que diz
respeito à forma como esses deverão ser praticados. De maneira específica, entre as principais
alterações introduzidas por esta lei, cumpre destacar as seguintes:
1. A citação do réu poderá ser feita também por hora certa (cf. art. 362 do CPP), ao contrário
do que ocorria antes, quando ela apenas poderia ocorrer pessoalmente (o que atrasava muito o
prazo dos julgamentos);
2. O réu, as testemunhas de acusação e as de defesa serão ouvidos pelo juiz em uma única
audiência (cf. art. 400, CPP), ao contrário do que ocorria antes, quando eram necessárias três
audiências para a prática de tais atos: uma para interrogatório do réu, uma para oitiva das
testemunhas de acusação e outra para oitiva das testemunhas de defesa.
Já de acordo com o relatório publicado em 09/06/08 pela Secretaria de Imprensa da
Presidência da República do Brasil, o Projeto de Lei 4203/01 se transformou na Lei nº
11.689/2008 e com isso, modificou as regras do Tribunal do Júri, a partir do estabelecimento, por
exemplo, de:
1. Impossibilidade de protesto por novo júri caso a pena fixada fosse superior a 20 anos de
prisão. Antes, a lei acabava por beneficiar o réu, que podia até ser absolvido em outro
julgamento, caso fosse condenado a mais de duas décadas de prisão privativa de
liberdade. Embora a defesa do réu continue podendo recorrer da decisão, o fato de uma
condenação ser igual ou superior a 20 anos não será mais motivo para a realização
obrigatória de novo julgamento;
2. Mudança das regras para realização de perguntas às testemunhas durante as audiências.
As perguntas durante o julgamento poderão ser feitas diretamente às testemunhas, não
havendo mais a necessidade da intermediação do juiz, o que não impedirá que o
42
magistrado indefira determinados questionamentos. Tal regra tornou-se aplicável a todos
os procedimentos (cf. art. 212 do CPP).
Para compreender o impacto destas novas legislações sobre o tempo de processamento de
um delito pelo sistema de justiça criminal brasileiro, a primeira atividade realizada no âmbito
desta pesquisa foi a de calcular o prazo prescrito pelo Código de Processo Penal (CPP) de 1941 e
o prazo prescrito pelas mudanças introduzidas pelas Leis 11.719/08 e 11.689/08. Com isso, foi
possível verificar, de maneira global, qual a diferença entre o prazo prescrito antes e depois da
reforma do CPP. A partir deste exercício foi possível ainda verificar quais foram as fases ou os
atos que alterados em termos de forma e momento de sua ocorrência.
Considerando que essas leis estabeleceram mudanças diferenciadas de acordo com a
natureza do rito, as análises das Leis 11.719/08 e 11.689/08 serão realizadas separadamente de
acordo com o procedimento que cada qual altera: se o ordinário ou o do Tribunal do Júri,
respectivamente.
Esta diferenciação se faz necessária, uma vez que, no Brasil, o fluxo de processamento de
um delito no âmbito do sistema de justiça criminal obedece, a partir da reforma dos
procedimentos, as sequências e ritos específicos de acordo com a natureza da infração e o
quantum cominado de pena a cada figura típica. 10
Aliás, um dos méritos da reforma foi estabelecer uma diferenciação mais clara sobre que
procedimentos são aplicados a que crimes e quais são as minúcias aplicáveis a cada rito
processual. Exatamente por isso, estas alterações serão analisadas nos parágrafos subseqüentes.
Com a reforma ficou evidente que o rito ordinário é o procedimento aplicável aos crimes
cuja pena máxima cominada for igual ou superior a 4 anos de pena privativa de liberdade. O rito
sumário é o procedimento aplicável aos crimes cuja pena máxima privativa de liberdade seja
inferior a 4 anos; e o sumaríssimo, procedimento aplicável às infrações de menor potencial
10Neste ponto é importante salientar que para o caso dos procedimentos comuns o grande critério é o quantum da cominação da pena; para os procedimentos especiais, o critério é a natureza da infração propriamente dita. Como o tamanho da pena guarda nítida conexão com a natureza da infração, os pesquisadores da área (como Azevedo, 2008, e Sapori, 2007) terminam por afirmar que o maior critério para a diferenciação de qual rito se aplica a qual caso é a natureza da infração.
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ofensivo, cujas as penas máximas não excedam a 2 anos (cumuladas ou não a pena de multa),
sendo de competência do Juizado Especial Criminal (JECRIM). Este é ainda o procedimento
aplicável às contravenções penais cuja diminuta potencialidade ofensiva faz com que esses
delitos sejam processados pelo JECRIM. Por fim, cumpre ressaltar que o rito do Tribunal do Júri
também foi completamente alterado por esta reforma.
Estas leis introduziram mudanças na forma de classificação dos ritos processuais penais.
De acordo com Borges de Mendonça (2009: 242), a partir da Lei 11.719/08, não se utiliza mais a
diferenciação entre processo comum e processo especial, sendo esta terminologia substituída por,
respectivamente, procedimento comum e procedimento especial.
Na sistemática anterior, o procedimento comum era composto por rito ordinário e rito do
júri, sendo o procedimento sumário considerado como rito especial. Com a nova lei, o
procedimento continua a ser dividido em comum e especial, mas as categorias de rito que cada
um inclui passam a ser distintas. O procedimento comum se aplica a uma generalidade de
infrações, em situações nas quais o direito material não exige uma adaptação de procedimento. Já
os especiais são aqueles cujo procedimento deve ser adaptado para o processamento de delitos
específicos, como é o caso, por exemplo, dos crimes relativos a entorpecentes e dos crimes contra
a propriedade imaterial.
De maneira sintética, a partir da reforma processual penal de 2008, os procedimentos
penais previstos na legislação brasileira, de acordo com os tipos de infração aos quais se aplicam,
podem ser representados da seguinte maneira (Quadro 01):
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Quadro 01 – Procedimentos penais de acordo com os ritos e os tipos de crime aos quais se aplicam Código de Processo Penal, Brasil - 2009
Tipo de procedimento Tipo de rito Crimes aos quais se aplica Rito Ordinário Crimes cuja pena máxima privativa de liberdade
cominada seja superior a 4 anos. Rito Sumário Crimes cuja pena máxima privativa de liberdade
cominada seja superior a 2 anos e inferior a 4 anos.
Comum: aplicável aos crimes em geral, sendo diferenciado de acordo com o quantum da pena
Rito Sumaríssimo
Infrações de menor potencial ofensivo (incluindo-se contravenções) com pena máxima cominada de até 2 anos.
Outros ritos especiais
Crimes de falência, entorpecentes, contra a propriedade material, contra mulheres, dentre outros.
Especial: aplicável a determinados delitos específicos.
Rito do tribunal do júri
Crimes dolosos contra a vida.
Fonte: Art. 394 do CPP, alterado pela Lei nº 11.719/08
Os ritos se diferenciam por estabelecerem momentos e formas distintas para a realização
de determinados atos processuais, tais como forma de realização da fase pré-processual,
momento da defesa, número de testemunhas a serem arroladas, processamento de recursos e
momento de publicação da sentença. De acordo com esta formulação, a partir da reforma
processual penal de 2008, os ritos incluídos na categoria “procedimento comum” passaram a ser
diferenciados da seguinte forma (Quadro 02):
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Quadro 02 – Diferenças entre os ritos que integram o procedimento comum Código de Processo Penal, Brasil - 2009
Ritos
Documento que reúne as
informações da fase pré-processual
para o exercício da opnio delicti
Resposta
Prazo para AIJ (após a resposta ou nomeação
do defensor)
Número de testemunhas
Possibilidade de fracionamento dos atos postulatórios e
decisórios da audiência
Ordinário Inquérito policial
Deve ser apresentada por escrito, 10 dias
após a citação do réu.
60 dias 8
Permitida – no caso de realização de diligências
imprescindíveis (art. 402), complexidade da
causa (art.403) ou excessivo número de acusados (art. 403).
Sumário Inquérito policial
Deve ser apresentada por escrito, 10 dias
após a citação do réu.
30 dias 5
Permitida – no caso de realização de diligências
imprescindíveis (art. 402), complexidade da
causa (art.403) ou excessivo número de acusados (art. 403).
Sumaríssimo Termo
Circunstanciado de Ocorrências
Deve ser apresentada oralmente na audiência de instrução de
julgamento, antes da apreciação do recebimento da
denúncia.
Imediata A lei não define.
Não permitida pela lei.
Fonte: Oliveira (2009)
De acordo com Lopes Júnior e Badaró (2009: 150), as diferenças principais entre o rito
ordinário e o rito sumário seriam o número de testemunhas e o prazo para a designação da
audiência de instrução e julgamento. Exatamente por isso os autores acreditam que melhor seria
criar um único procedimento, estabelecendo prazos globais distintos para o seu término de acordo
com a gravidade da pena. A grande diferença existente no âmbito dos procedimentos comuns se
refere, portanto, à sistemática adotada pelo procedimento sumaríssimo (ou do Juizado Especial
Criminal) em relação aos demais (ordinário e sumário).
Uma vez apresentadas as semelhanças e diferenças entre os ritos que integram o
procedimento comum, cumpre salientar que esses se diferenciam dos procedimentos especiais em
46
quesitos outros que não os apresentados no Quadro 02, o que impede a diferenciação destes a
partir da utilização de tais critérios.
Cumpre ainda destacar que a Lei 11.719/08 alterou substancialmente a forma e o tempo
do rito ordinário, e a Lei 11.689/08 modificou a forma e o tempo do rito do Tribunal do Júri.
Assim, para a melhor compreensão das mudanças introduzidas por cada uma destas leis,
subdividiu-se esta seção em duas outras, cada qual destinada ao exame de uma dada lei.
I.2 – Alterações produzidas pela Lei 11.719/08 no Rito Ordinário
Conforme explicitado na seção anterior, o rito pode ser entendido como uma sequência de
atos em um dado fluxo que tem por objetivo o processamento de uma determinada conduta
capitulada como crime pelo Código Penal.
Assim, para melhor compreensão de como a Lei 11.719/08 alterou o fluxo de
processamento de um crime no âmbito do rito ordinário, elaborou-se o Quadro 03, onde são
apresentados os momentos previstos pelo CPP para a realização desta atividade, bem como a
forma que esses atos possuíam no âmbito do CPP de 1941 e passaram a possuir após o início da
vigência da legislação supra-citada.
Quadro 03 – Fluxo de processamento de um delito de acordo com o rito ordinário. Forma de prática dos atos antes e depois da reforma penal de 2008
Código de Processo Penal, Brasil - 2009 Procedimento Penal Antes da reforma Depois da reforma
Inquérito policial Permanece enquanto tal, devendo ser concluído em 10 dias para o caso de réu preso e em 30 dias para o caso de réu solto.
Oferecimento da denúncia
Permanece enquanto tal, devendo ser realizada 5 dias após a distribuição do processo em caso de réu preso e em 15 dias em caso de réu solto.
a) Rejeição imediata da denúncia (Art. 395)
Diferenciavam-se os casos de não recebimento (por falta dos requisitos da inicial) dos casos de rejeição (por falta de condições da ação).
Não se diferencia mais os casos de não recebimento dos casos de rejeição.
b) Recebimento da denúncia (Art.396)
Implicava em citação do acusado, ainda que este estivesse em local incerto. Havia possibilidade de citação por edital quando o réu estivesse se esquivando de ser citado.
Citação do réu por hora certa, pessoalmente ou edital – no caso de o réu estar se esquivando da citação, esta será realizada por hora certa. Não se admite a citação por edital de pessoa incerta. O réu poderá ser citado por edital, no prazo de 15 dias, quando não for encontrado por outros meios de citação.
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Efeitos da citação
Comparecimento do réu em juízo para interrogatório e apresentação da defesa prévia.
Apresentação de resposta escrita 10 dias após a citação ou caso esta resposta não ocorra, nomeação de defensor público para apresentação da mesma.
Efeitos da apresentação da resposta
Designação de Audiência de Prova Testemunhal.
Absolvição Sumária (caso manifesta causa excludente da ilicitude do fato ou culpabilidade do agente; caso o fato narrado não constitua crime; caso extinta a punibilidade). Não sendo o caso de nenhuma destas hipóteses, o juiz receberá a denúncia e, no prazo de 60 dias, designará dia e hora para audiência.
Audiências
Uma para cada momento processual – iniciava-se com a audiência para oitiva de testemunhas de acusação, a qual era seguida de uma audiência de testemunhas de defesa. Após estas duas, abria-se prazo para últimas diligências de ambas as partes, alegações finais de ambas as partes e entrega do processo ao juiz para conclusão.
Concentradas na Audiência de Instrução e Julgamento (AIJ), na qual são ouvidos o ofendido, as testemunhas (de acusação e de defesa), peritos, assistentes técnicos e interroga- se o próprio réu. Neste momento, podem ser realizadas ainda diligências como acareação e reconhecimento de pessoas. Por fim, abre-se espaço para sustentação de alegações finais, seguidas pela proferição de sentença pelo juiz.
Interrogatório do réu
5 dias após o recebimento da denúncia, era realizado apenas de maneira presencial.
Último ato da Audiência de Instrução e Julgamento, sendo que, a partir da Lei 11.900/09, torna-se possível a realização do interrogatório do réu preso por videoconferência, em excepcionais condições.
Forma de interrogatório do réu Por intermédio do juiz
Inicia-se por intermédio do juiz, seguida de inquirição direta pelas partes.
Oitiva das testemunhas de acusação
20 dias (se réu preso) ou 40 dias. (se réu solto) após a apresentação da defesa prévia Primeiras a serem ouvidas na AIJ.
Oitiva das testemunhas de defesa
Logo após a oitiva das testemunhas de acusação. Segundas a serem ouvidas na AIJ.
Forma de inquirição das testemunhas Por intermédio do juiz (repergunta) Pelas partes.
Possibilidade de fracionamento da audiência
Não existia porque as audiências já eram fracionadas.
Pode ocorrer em casos de realização de diligências imprescindíveis; em casos de elevada complexidade ou em se tratando de mais de um réu – neste caso abrem-se prazos sucessivos de 5 dias às partes para o oferecimento de memoriais, após os quais se abre o prazo de 10 dias para a sentença pelo juiz.
Alegações finais
Prazos sucessivos de três dias para acusação e defesa após o requerimento das últimas diligências pela defesa.
Apresentadas em audiências em prazos sucessivos de 20 minutos concedidos primeiro para a acusação e depois para a defesa.
Sentença Apresentada pelo juiz 10 dias após as alegações finais da defesa.
Apresentada pelo juiz em audiência logo após a sustentação oral das alegações finais da defesa.
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O Quadro 03 pode ser transformado ainda no Fluxograma 01, que representa,
graficamente, o fluxo de atos procedimentais que um determinado caso penal deve perpassar no
âmbito do sistema de justiça criminal brasileiro até alcançar uma condenação ou absolvição.
Importante destacar que esta representação gráfica foi concebida a partir da formulada
anteriormente pelo Convênio FSEADE - IBCCRIM (www.ibccrim.org.br; www.seade.gov.br),
que, por sua vez, fora concebido com o objetivo de tornar compreensível aos operadores do
direito e ainda aos pesquisadores desta temática as diferentes fases do processo penal. Em razão
da utilidade deste desenho enquanto instrumento de pesquisa nesta seara, a pretensão aqui foi
atualizar o desenho antigo a partir das alterações introduzidas pela Lei nº 11.719/08.
Contrastando o Fluxograma 01 com o confeccionado pelo IBCCRIM para o rito ordinário
antes da reforma processual de 2008 (em anexo) é possível perceber que a Lei nº 11.719/08
alterou o fluxo de processamento dos crimes comuns especialmente com:
1) Alteração do momento para a prática de determinados atos processuais (como o
interrogatório do réu);
2) Concentração de diversos atos processuais em um único momento: se antes as audiências
para interrogatório do réu, oitiva de testemunhas de acusação e oitiva de testemunhas de
defesa eram separadas, agora esses atos são realizados no mesmo momento, juntamente
com as alegações finais de defesa e acusação, caso não sejam necessárias novas
diligências e leitura da sentença. Caso se mostrem necessárias, abrem-se prazos
sucessivos de 5 dias para cada uma das partes – defesa e acusação – ao final dos quais é
aberto o prazo de 10 dias para a sentença.
Por outro lado, esta legislação também produziu impacto direto sobre o tempo de
processamento de um delito pelo sistema de justiça criminal brasileiro. Com o objetivo de tornar
mais clara a compreensão destas mudanças, foi necessária a construção de um quadro que
contrastasse o tempo previsto para a realização de cada ato pela legislação processual anterior
(Código de Processo Penal – CPP – de 1941) e o prazo prescrito a partir das mudanças
introduzidas pela Lei 11.719/08.
Assim, contrastando as colunas 01 e 02 do Quadro 04 é possível perceber como esta lei
alterou o prazo previsto para a prática de cada ato processual no âmbito do rito ordinário.
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Quadro 04 – Tempo para processamento dos crimes punidos com detenção ou prisão simples (rito ordinário) Antes e depois da publicação da Lei 11.719/08
Código de Processo Penal, Brasil - 2009 CPP 1941
(1) CPP 2008
(2) Procedimento processual Mudanças introduzidas pela Lei 11.719/08
Réu solto
Réu preso
Réu solto
Réu preso
Inquérito policial (art.10) Permanece como antes. 30 10 30 10 Oferecimento da denúncia (art. 46) Permanece como antes. 15 5 15 5
Duração total da fase pré-judicial 45 15 45 15 Recebimento da denúncia pelo juiz (art.800, I)
Art. 396 – Ao receber a denúncia o juiz ordena a citação do acusado para se defender em 10 dias, em detrimento de designar o dia e a hora de seu interrogatório. 10 10 10 10
Defesa prévia (art. 395)
Art. 396A – Resposta à denúncia deve já arrolar as testemunhas a serem ouvidas na audiência de instrução e julgamento. Nesta resposta o acusado poderá arguir ainda sobre a possibilidade de absolvição sumária. 3 3 10 10
Análise da defesa apresentada pelo acusado ao juiz (art. 800, I)
Art. 397 – Neste caso, ao contrário do previsto na legislação anterior, o juiz deve analisar a possibilidade de absolvição sumária do réu ou nomeação de defensor público caso o acusado não apresente resposta prévia (art. 396-A, §2º). 10 10
Interrogatório do réu (art. 394) 10 10 Audiência de inquirição de testemunhas de defesa e de acusação (art. 401)
Art. 400 – Todos esses atos passam a ser realizados em um só momento - audiência de instrução e julgamento - no qual são apresentadas as alegações finais de acusação e defesa e proferida a sentença, desde que não seja requerida nenhuma diligência especial. 40 20 60 60
Pedido de diligências (art. 499)
Art. 404 – O juiz poderá determinar a realização de diligência que considerar imprescindível. Neste caso, utiliza-se o prazo padrão de 10 dias. 2 2 10 10
Alegações finais da acusação (art. 406) 5 5 Alegações finais da defesa (art. 406)
Art. 403 §3º. e Art. 404 §único – Procedimentos aplicáveis apenas aos casos de elevada complexidade ou que demandem diligências.
5 5 5 5
Saneamento de nulidades (art. 502)
Não há mais menção na nova legislação ao saneamento de nulidades, que devem ser sanadas quando ocorre a apreciação do juiz, antes da sentença final. 5 5
Sentença do processo ordinário (art. 408; art. 800, I)
Sentença do procedimento ordinário - Art. 404 § único e Art. 800 §3º. – Em casos de elevada complexidade o juiz, possuirá 10 dias para proferir a sentença para além dos 10 dias já fixados em lei11. 10 10 10 10
Duração procedimento ordinário (apenas fase judicial) 100 80 105 105 Duração global do procedimento (desde o crime até a sentença) 145 95 150 120
11Tal como entendem Lopes Júnior e Badaró (2009: 146)
26
Considerando as informações sumarizadas no Quadro 04, é possível afirmar que a partir
da publicação da Lei 11.719/08 houve um aumento no tempo global de processamento. Esses
novos lapsos temporais são importantes na medida em que parecem se adequar melhor à
realidade dos tribunais, uma vez que os prazos muito curtos não eram capazes de permitir que os
operadores do direito realizassem suas atividades dentro do legalmente previsto. Em outras
palavras: é preferível que o fluxo de processamento de um delito conte com o um prazo passível
de ser implementado em sua realidade cotidiana a contar com um prazo reduzido que na prática
dos tribunais não é realizado.
Por outro lado, tal como destacado por Lopes Júnior e Badaró (2009), outra inovação
trazida pela Lei 11.719/08 foi o fim da diferença dos prazos judiciais, propriamente ditos, para
réus presos e réus soltos. Agora, em ambos os casos, apenas durante a fase pré-judicial (inquérito
policial) em que se encontre investigado preso é que se verifica a redução dos prazos processuais.
Contudo, a constatação mais surpreendente a ser extraída do Quadro 04 é o fato de que a
reforma ampliou e não reduziu os prazos processuais. Neste sentido, cumpre aventar a hipótese
de que esse aumento de prazos esteja relacionado à regulamentação explícita dos prazos de atos
que antes não possuíam previsão legal do tempo que demandariam para serem realizados. Isto é,
a reforma pode dar a entender que se ampliou o tempo necessário do processo quando, na
verdade, apenas foi estipulado legalmente prazos para atos que já ocorriam na sistemática
anterior, mas não contavam com explicitação legal do prazo dentro do qual deveriam acontecer.
I.3 – Alterações produzidas pela Lei nº11.689/08 no Rito do Tribunal do Júri
Se a Lei nº 11.719/08 modificou de forma substantiva o rito ordinário, a Lei nº 11.689/08
foi responsável por alterar profundamente o processamento dos crimes de competência do
Tribunal do Júri. Animada pelo mesmo propósito de dar ao processo penal maior celeridade, ela
foi responsável, por exemplo, pela extinção do protesto por novo júri, recurso que obrigava a
realização de novo júri pelo único motivo de o réu ser apenado com pena superior a 20 anos de
reclusão.
Para melhor se compreender o rito do Tribunal do Júri e as modificações nele inseridas
pela Lei nº 11.689/08, é necessário destacar que o processamento dos crimes de sua competência
27
obedece a um procedimento bifásico. Este compreende um primeiro momento, em que é julgada
a viabilidade da acusação (sumário de culpa), e um segundo momento, quando o que é julgado é
o mérito da acusação propriamente dito.
A primeira fase do procedimento do Tribunal do Júri tem início com o recebimento da
denúncia pelo juiz e termina com a decisão de pronúncia/impronúncia/absolvição sumária do
acusado. Já a segunda, compreende da pronúncia ao veredicto dos jurados. Essa divisão se
manteve com a promulgação da nova lei. Mesmo assim, modificações importantes, decorrentes
dessa lei, tiveram lugar em ambas as fases. As diferenças entre o procedimento da primeira
dessas fases, antes e depois da promulgação da Lei nº 11.689/08, são as sumarizadas pelo Quadro
05.
Quadro 05 - Diferenças no processamento da primeira fase do rito do júri Antes e depois da Lei 11.689/08
Código de Processo Penal, Brasil - 2009 Procedimento
Penal Antes Depois
Inquérito policial Permanece enquanto tal, devendo ser realizado em 10 dias para o caso de réu preso e em 30 dias
para o caso de réu solto (art. 10). Oferecimento da
denúncia Permanece enquanto tal, devendo ser realizada 5 dias após a distribuição do processo em caso de
réu preso e em 15 dias em caso de réu solto (art. 46).
Recebimento da denúncia
Implicava em citação do acusado, ainda que este fosse incerto. Havia possibilidade de citação por edital
quando o réu estivesse se esquivando de ser citado.
Citação do réu por hora certa, pessoalmente ou edital – No caso de o réu estar se esquivando da citação, esta será
realizada por hora certa. Não se admite a citação por edital de pessoa incerta. O réu poderá ser citado por edital, no prazo de 15 dias quando não for encontrado por outros
meios de citação (art. 406, art. 361, art. 362).
Efeitos da citação
Comparecimento do réu em juízo para interrogatório e apresentação
da defesa prévia em 3 dias.
Apresentação de resposta escrita 10 dias após a citação ou, caso esta resposta não ocorra, nomeação de defensor
público para fazê-lo em mais 10 dias (art. 408).
Efeitos da apresentação da
resposta Designação de Audiências.
Oitiva do MP em 5 dias (art. 409).Inquirição de testemunhas e realização de diligências no prazo de 10 dias
(art. 410). Designação, pelo juiz, de dia e hora para audiência, dentro do prazo máximo de 90 dias (art. 412),
contados desde o recebimento da denúncia.
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Audiências
Uma para cada momento processual – Iniciava-se com a audiência para oitiva de testemunhas de acusação, a qual era
seguida de uma audiência de testemunhas de defesa. Apenas após
estas duas abria-se prazo para alegações finais de ambas as partes e entrega do
processo ao juiz para conclusão.
Concentradas na Audiência de Instrução e Julgamento (AIJ), na qual são ouvidos o ofendido, as testemunhas (de acusação e defesa), peritos, assistentes técnicos e interroga-se o próprio réu. Neste momento podem ser
realizadas ainda diligências como acareação e reconhecimento de pessoas. Por fim, abre-se espaço para sustentação de alegações finais, seguidas pela
proferição de sentença pelo juiz (art.411).
Interrogatório do réu
5 dias após o recebimento da denúncia, era realizado apenas de maneira
presencial
Último ato da audiência de instrução e julgamento, sendo que, a partir da lei 11.900/09, torna-se possível a
realização do interrogatório do réu preso, excepcionalmente, por videoconferência.
Forma de interrogatório do
réu Por intermédio do juiz.
Inicia-se por intermédio do juiz, seguida de inquirição direta pelas partes.
Oitiva das testemunhas de
acusação
20 dias (se réu preso) ou 40 dias (se réu solto) após a apresentação da defesa
prévia. Primeiras a serem ouvidas na AIJ.
Oitiva das testemunhas de
defesa
Logo após a oitiva das testemunhas de acusação.
Últimas a serem ouvidas na AIJ.
Forma de inquirição das testemunhas
Por intermédio do juiz. Pelas partes.
Alegações finais Prazos sucessivos de três dias para acusação e defesa após a oitiva de
testemunha de defesa.
Apresentadas em audiências em prazos sucessivos de 20 minutos concedidos primeiro para a acusação e
depois para a defesa.
Sentença Apresentada pelo juiz 10 dias após as
alegações finais da defesa. Apresentada pelo juiz em audiência logo após a sustentação oral das alegações finais da defesa.
Possibilidade de fracionamento da audiência
Não existia porque as audiências já eram fracionadas.
Prazo de 10 dias para a sentença pelo juiz (art. 411, §9º).
Como no caso do rito ordinário, o processamento da primeira fase do rito do júri, exposto
no quadro acima, também pode ser representado por um fluxograma nos moldes do elaborado a
partir do Convênio FSEADE - IBCCRIM (www.ibccrim.org.br; www.seade.gov.br). Trata-se da
representação gráfica a seguir.
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A sentença do juiz de que trata o quadro e o fluxograma anteriores engloba
quatro possibilidades, que permanecem as mesmas de antes da promulgação da nova lei:
absolvição sumária, impronúncia, desclassificação e pronúncia. O que muda, nesse
caso, é apenas o recurso adequado às decisões de impronúncia ou absolvição sumária.
Anteriormente, o recurso cabível contra tais decisões era o recurso em sentido estrito;
após a promulgação da Lei nº 11.689/08, esse recurso passou a ser a apelação.
Destas possíveis decisões, a pronúncia é a que confirma a competência dos
jurados para julgamento do feito, ante a presença da materialidade do fato e da
existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, e dá início à segunda
fase do rito do tribunal do júri. As mudanças introduzidas nessa fase processual pela
nova lei são as sumarizadas no quadro comparativo abaixo:
Quadro 06. Modificações introduzidas pela lei 11.689/08 na segunda fase do rito do tribunal do júri
Código de Processo Penal, Brasil - 2009 Procedimento
Penal Antes Depois
Intimação da sentença de pronúncia
Intimação pessoal do acusado, escusável apenas em caso de crime
afiançável.
Possível citação por edital no caso do acusado não ser encontrado, mesmo no
caso de crime inafiançável (art. 420, parágrafo único).
Preparação do processo para julgamento em
plenário
Apresentação do libelo acusatório pela acusação, em 5 dias (prorrogáveis por mais 2), e intimação, no prazo de 3
dias, para a contrariedade do libelo pela defesa, também em 5 dias. Após isso, o
juiz deve ordenar as diligências necessárias para saneamento de
eventuais nulidades.
Extinção do libelo e contrariedade. Intimação das partes para arrolarem
testemunhas (máximo de 5) e apresentarem provas e requerimentos em 5 dias (art. 422). Após isso, o juiz
deliberará sobre as requisições das partes, determinará diligências
saneadoras de eventuais nulidades e elaborará relatório sucinto do processo
(art. 423).
Desaforamento por excesso de prazo e reclamação para
julgamento imediato
Poderia ser requerido o desaforamento se não ocorresse o julgamento em 1 ano
desde o recebimento do libelo.
O desaforamento por excesso de prazo pode ser exigido, por comprovada
sobrecarga de serviço, se o julgamento não puder ser realizado no prazo de 6
meses, contados do trânsito em julgado da decisão de pronúncia. Se, passado esse prazo, houver possibilidade de julgamento pelo mesmo tribunal, o acusado pode requisitar a realização imediata do julgamento (art. 428).
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Instrução em plenário
Só era permitida a ausência do acusado em crimes afiançáveis. O interrogatório do réu era o primeiro ato da instrução, seguido pela oitiva das testemunhas de acusação e de defesa. Era permitida a
leitura de quaisquer peças do processo. O uso de algemas pelo acusado era a
regra. Os depoimentos das testemunhas deveriam ser reduzidos a escrito, de
maneira resumida. Os debates previam 2 horas para a acusação, 2 horas para a defesa, meia hora para a réplica e mais meia hora para a tréplica. Em caso de
mais de um réu, o tempo de acusação e defesa era acrescido de 1 hora, sendo
elevados ao dobro o tempo da réplica e da tréplica.
Não é mais necessária a presença do acusado, mesmo em crimes
inafiançáveis. Não implica, igualmente no adiamento da sessão, a ausência do
querelante, salvo se justificada em ações exclusivamente privadas (art. 457). O
interrogatório do réu passa a ser realizado após toda colheita de provas.
Antes serão ouvidos o ofendido (se possível), as testemunhas de acusação e
as de defesa, inquiridos diretamente pelas partes ou indiretamente pelos
jurados. É permitida a leitura somente de peças que digam respeito a provas
colhidas por carta precatória e as provas cautelares, antecipadas ou não repetíveis
(art. 473). O uso de algemas pelo acusado é exceção, só permitida quando a segurança da sessão o faz necessário. O depoimento das testemunhas pode ser gravado. Os debates destinarão 1 hora e 30 minutos para a acusação, 1 hora e 30
minutos para a defesa, 1 hora para a réplica e mais 1 hora para a tréplica. Em
caso de mais de um réu, o tempo de acusação e defesa será acrescido de 1
hora, sendo elevados ao dobro o tempo da réplica e da tréplica (art. 477).
Diligências essenciais durante
a instrução em plenário
Se a verificação de qualquer fato essencial à decisão da causa não
pudesse ser realizada imediatamente, cabia ao juiz dissolver o conselho de
sentença, formulando com as partes os quesitos para as diligências necessárias.
Se a verificação de qualquer fato essencial ao julgamento da causa não puder ser realizada imediatamente, o juiz presidente dissolverá o conselho, ordenando a realização das diligências
necessárias que, na hipótese de se constituírem em produção de prova pericial, fará com que o juiz e partes
nomeiem perito e assistentes técnicos e formulem quesitos, no prazo de 5 dias
(art. 481).
Quesitos A prescrição legislativa para sua
formulação era menos diretiva e mais complexa.
O legislador guia a ordem e maneira de formulação dos quesitos pelo juiz presidente, exigindo um quesito
genérico de absolvição (art. 483).
Julgamento pelo júri
Preferencialmente em sala especial, por maioria de votos.
Prossegue sendo por maioria de votos, preferencialmente em sala especial, mas
não é mais necessária a contagem de todos os votos, dando-se por encerrada a votação do quesito assim que mais de 3
jurados expressarem a mesma orientação (art. 483).
Como já explicitado, a Lei nº 11.689/08 provocou mudanças importantes na
segunda fase do julgamento pelo Tribunal do Júri. Dentre essas, têm importância crucial
para o cômputo do tempo de processamento dos crimes e para a efetivação das garantias
processuais do acusado e dos jurados a possibilidade de citação de réu ausente por edital
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– mesmo em crimes inafiançáveis –, a extinção do libelo e a nova sistemática da
audiência em plenário, sem contar a já aludida extinção do protesto por novo júri.
A possibilidade de citação do réu ausente por edital, mesmo em crime
inafiançável, veio a sanar um problema criado pela legislação anterior que fazia com
que, quando não fosse possível encontrar o réu para sua citação pessoal, o processo
fosse suspenso sem que, por sua vez, fosse suspenso o prazo prescricional. Num mesmo
sentido, a extinção do libelo-acusatório veio à tona no intuito de diminuir as arguições
de nulidade derivadas da dificuldade de sua elaboração com respeito à sua grande
quantidade de regras (Borges de Mendonça, 2009).
No que concerne à nova dinâmica da instrução em plenário, pode-se destacar
como fatores que contribuem para a celeridade processual a proibição da leitura das
peças em plenário e a simplificação da formulação de quesitos, que, anteriormente –
assim com o libelo –, ensejavam diversos questionamentos por nulidades. Quanto ao
reforço das garantias do acusado, como a presunção de inocência, ganham destaque a
proibição, em regra, do uso de algemas e a consideração de seu depoimento pessoal
como meio de defesa, ocorrendo após a produção das demais provas.
Cumpre destacar ainda, no que tange ao tempo legalmente previsto para o
processamento dos crimes de competência do Tribunal do Júri, a nova regra relativa ao
desaforamento por excesso de prazo. De acordo com a interpretação da redação do
artigo que lhe dá suporte (art.428 do CPP), pode-se concluir que o legislador quis dar
efetividade à garantia constitucional de razoável duração do processo, assegurando
meios para que a segunda fase do rito do júri não ultrapasse seis meses de duração.
Com isso, as alterações derivadas da Lei nº 11.689/08 fixam os prazos para
finalização da primeira e da segunda fase do rito do Tribunal do Júri, respectivamente,
em 90 dias e 6 meses.
Assim, é possível afirmar que o tempo global de processamento para o caso do
réu solto é de 315 dias: 30 dias para o inquérito policial, 15 dias para o oferecimento da
denúncia, 90 dias para encerramento da primeira fase de instrução e 6 meses para
encerramento da fase do júri propriamente dita.
Comparando este prazo com o vigente anteriormente, tal como ocorreu com o
rito ordinário, é possível afirmar que os prazos do rito do tribunal do júri, com a nova
legislação, não apenas ficaram melhor delimitados como foram ainda ampliados, com o
objetivo de viabilizar um tempo que seja razoável aos operadores do direito para a
33
prática de tais atos. Com isso, espera-se que tais procedimentos não venham a incorrer
no que se denomina excesso de prazo.
I.4 – As alterações globais produzidas pelas leis 11.719/08 e 11.689/08 sob o tempo de processamento dos crimes comuns e dos crimes dolosos contra a vida
No intuito de mensurar a alteração global produzida pela Lei nº 11.719/08 e Lei
nº 11.689/08 sobre o tempo de processamento, respectivamente, dos crimes regidos pelo
procedimento ordinário e dos crimes regidos pelo rito do júri, elaborou-se o Quadro 07.
Quadro 07 – Tempo global de processamento (ordinário e Tribunal do Júri)
Desde a data do crime até a data da sentença Antes e depois da publicação das Leis 11.689/08 e 11.719/08
Código de Processo Penal, Brasil - 2009 CPP 1941
(1) CPP 2008
(2) Tempo para processamento
(desde o crime até a sentença) Réu solto
Réu preso
Réu solto
Réu preso
Crimes cuja pena máxima cominada é igual ou superior a 4 anos de prisão Rito ordinário 145 95 150 120
Crimes dolosos contra a vida Rito do Tribunal do Júri 310 260 315 295
De acordo com o Quadro 07, a partir da publicação das Leis 11.689/08 e
11.719/08, tanto o prazo para a realização do procedimento ordinário como prazo para a
execução do procedimento do Tribunal do Júri foram aumentados. Em parte, este
fenômeno decorre da constatação de que de nada adianta haver uma lei processual penal
cujos prazos são exíguos se os operadores do direito não são capazes de adimplir este
prazo.
Considerando ainda essas informações, é possível afirmar que, no Brasil,
atualmente, o tempo de processamento dos crimes dolosos contra a vida é, em média,
2,1 vezes maior do que o tempo prescrito para o processamento dos crimes comuns.
Esses resultados apontam, por um lado, para a expectativa de um processo penal mais
complexo, no caso de crimes dolosos contra a vida em comparação com o
processamento de crimes comuns.
Uma vez apresentadas as considerações necessárias para o entendimento de que
atos são necessários para o processamento de um dado delito e ainda de qual é o tempo
global prescrito para tanto, cumpre realizarmos a discussão referente ao tempo
necessário para o processamento dos delitos no rito ordinário e ainda dos crimes dolosos
34
contra a vida. Para tanto, a revisão dos estudos empiricamente realizados neste sentido,
no Brasil, serão sumarizados na seção seguinte.
Esta revisão é importante na medida em que um dos propósitos desta pesquisa é
o de verificar se as alterações legais têm surtido o efeito prático esperado, agilizando o
processamento das demandas criminais e adequando-as ao tempo que o legislador
elegeu como apropriado à razoável duração do processo.
Assim, para que seja possível compreender se houve ou não mudanças em
relação ao tempo de processamento é preciso verificar qual era o cenário anterior.
I.5 – Tempo legal e tempo necessário para processamento das infrações penais
Qualquer estudo que tenha como objetivo classificar o funcionamento de um
determinado sistema de justiça criminal como moroso deve se iniciar pelo cálculo do
tempo prescrito por esta realidade como necessário para o processamento de um dado
delito.
Nestes termos, o tempo legal pode ser entendido como aquele prescrito pelos
códigos ou pelos tratados internacionais, ou seja, o estabelecido pelo Estado como o que
deve ser utilizado pelo sistema judicial no cumprimento de todas as atividades
necessárias para o processamento de um conflito (desde a sua ocorrência até a sentença
que delibera sobre a controvérsia).
Ao contrário do tempo legal, o tempo necessário se refere ao tempo ideal de
duração dos processos, no qual estão equacionados os tempos legais previstos pelo
código, os tempos necessários para a proteção dos direitos e o tempo demandado para a
eficiência das práticas de cada uma das organizações que compõem os sistemas de
justiça.
Esta distinção entre tempo legal e tempo necessário é importante porque, apesar
de os diplomas legais estabelecerem um determinado prazo para o processamento de
cada infração, isso não significa que este seja o tempo realmente despendido na
realidade dos tribunais.
Para realizar esta discussão entre tempo legal e tempo necessário, a primeira
estratégia adotada foi verificar o que os tratados internacionais estabelecem como tempo
razoável para o processamento de uma infração. Esta revisão dos tratados internacionais
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pareceu relevante na medida em que eles procuram dar conta de uma diversidade de
realidades, estabelecendo para cenários essencialmente distintos prazos semelhantes.
A idéia desta seção é verificar em que medida os prazos prescritos por estes
tratados é ou não semelhante ao prescrito pelo CPP (antes e depois da reforma), para em
seguida contrastar o prazo prescrito pelo CPP com o prazo verificado nas pesquisas
empíricas sobre o tema. Realizando esta análise em duas etapas acredita-se que será
possível aos interessados no tema terem uma noção mais adequada do significado que
os prazos processuais brasileiros possuem em termos de consonância com as demais
realidades: internacionais e nacionais.
Por outro lado, a revisão dos diplomas internacionais pode evidenciar o quão
antiga é esta preocupação com o excesso de prazo e ainda quais foram as soluções
encontradas em outras realidades para equalizar as diferenças entre tempo legal
(prescrito pelas leis) e tempo necessário (efetivado na realidade cotidiana dos tribunais).
Esta revisão é de suma importância quando se considera ainda o objetivo desta
pesquisa, qual seja, fornecer subsídios à Secretaria de Assuntos Legislativos para que
esta possa aperfeiçoar o Código de Processo Penal no que diz respeito a tentativa de
equalizar celeridade processual com garantias dos direitos fundamentais do acusado.
1.5.1 O tempo legal nos diplomas internacionais
O direito ao processo penal justo e rápido foi consagrado em diversos diplomas
legais que orientam o funcionamento dos sistemas de justiça criminal em todo o mundo.
Entre estes, cumpre destacar os seguintes: (i) art. 10, da Declaração Universal dos
Direitos Humanos; (ii) art. 6º, da Convenção Européia dos Direitos do Homem; (iii)
Sexta Emenda a Constituição Federal dos Estados Unidos da América, (iv) Convenção
Americana sobre Direitos Humanos (da qual o Brasil é signatário). Neste sentido, as
seções subsequentes procurarão abordar como o tempo do processo penal é
administrado no âmbito de cada uma destas legislações e, com isso, mapear algumas
medidas que possam ser incorporadas pela Secretaria de Assuntos Legislativos como
propostas de leis que tenham como objetivo conceder maior efetividade aos dispositivos
do CPP que prescrevem tempos para a prática de dados atos processuais.
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A - Declaração Universal dos Direitos do Homem e Convenção Européia dos Direitos do Homem
Um dos primeiros tratados internacionais a se preocupar em definir o que é um
prazo razoável para processamento de uma determinada demanda foi a Declaração
Universal dos Direitos do Homem, a qual estabelece em seu art. 10 que:
“Toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja
equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que
decida dos seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria
penal que contra ela seja deduzida.”
Com objetivo de tornar alguns dispositivos acordados por diversos países no
âmbito da Declaração Universal dos Direitos do Homem mais explícitos e com isso
garantir, dentro de uma perspectiva mais factual, os Direitos do Homem bem como suas
Liberdades Fundamentais tem-se, no ano de 1950, a publicação da Convenção Européia
dos Direitos do Homem.
Este diploma legal, em seu art. 6º., I, explicita que qualquer pessoa tem direito a
que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um
tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a
determinação dos seus direitos e obrigações de caráter civil, quer sobre o fundamento de
qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela.
Uma vez signatários desta convenção, os países devem aplicar em seus
respectivos territórios estes princípios. Assim, a questão que se coloca para os
administradores dos sistemas de justiça criminal destas diversas localidades é a
seguinte: o que se entende por prazo razoável no âmbito do processo penal?
Na tentativa de responder a esta questão, a bibliografia disponível no âmbito do
Conselho Europeu de Direitos Humanos foi revisada, bem como os casos célebres que
servem de baliza para julgamento de casos posteriores que questionam a violação de
direitos fundamentais do indivíduo em razão do excesso de prazo para a instrução
criminal.
Um dos primeiros casos célebres neste sentido é o Lawless v. Ireland, o qual foi
julgado (e diversos outros) pelo Conselho Europeu de Direitos Humanos em 1961.
Neste caso, Gerard Richard Lawless, militar irlandês, fora preso em 11 de julho de
1957, quando cruzava do Rio Unido para a Irlanda, sob a acusação de crime contra o
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Estado. Lawless permaneceu preso e sem qualquer tipo de julgamento até o ano de
1961. Em 01 de julho de 1961, o mérito do caso foi julgado pelo CEDH e Lawless foi
condenado por crime privativo de militares. A importância deste caso está relacionada
ao fato de este ter sido o primeiro processo a ser analisado por uma corte internacional
no qual houve a aplicação de tratados de direitos humanos para dirimir uma disputa
entre um indivíduo e o Estado. Afinal, o que Lawless pleiteava não era a sua liberação,
mas o direito a ser julgado por um tribunal, num prazo razoável (European Union,
2010)
Contudo, foi a partir dos anos 1990 que causas de indivíduos pleiteando o direito
de serem processados e julgados em um período razoável de tempo passaram a aparecer
com mais freqüência perante o CEDH. Em todos estes casos, o que os acusados
questionavam não era a sua culpabilidade, mas o direito a ter o seu processo encerrado
no menor lapso de tempo, cabendo a corte entender se este tempo pleiteado pelo
acusado era ou não viável e, por isso, se cabia ou não o questionamento por excesso de
prazo.
Diversos foram os casos de cidadãos europeus que acionaram o Conselho
Europeu de Direitos Humanos para garantir a efetividade do direito a instrução criminal
em um razoável espaço de tempo ao longo da década de 1990. Em todos eles, o CEDH
procurou equalizar os direitos fundamentais do indivíduo a realidade das cortes da cada
país, produzindo uma medida de prazo razoável de acordo com cada caso, em
detrimento de estabelecer uma única medida, válida para todos os contextos em todos os
tempos.
No ano de 1999, o caso Ferrari, A.P. v. Italy e o caso Di Mauro and Bottazi v.
Italy demonstraram que as demoras sistemáticas da justiça Italiana eram incompatíveis
com a Convenção Européia dos Direitos do Homem da qual este país era signatário.
Estes processos foram emblemáticos porque representavam, na realidade, uma série de
outros casos que eram levados ao CEDH em razão da incapacidade da justiça Italiana
em processar em um razoável espaço de tempo as demandas que eram levadas a seu
conhecimento.
Visando dissuadir os indivíduos a recorrer ao tribunal supranacional, o CEDH
colocou a possibilidade de aqueles que se sentissem lesados com a demora poderem
questionar no âmbito doméstico (justiça italiana) uma indenização entre 1.500 e 2.000
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euros para cada ano de atraso no julgamento da ação em relação ao prazo previsto pela
legislação italiana, desde que não houvesse recurso ao CEDH.
Contudo, ao contrário do que se previa, o estabelecimento da possibilidade de
indenização não foi capaz de reduzir substancialmente o número de queixas em
desfavor da justiça italiana junto ao CEDH. Este fato, aliado à constatação de que várias
causas relacionadas ao excesso de prazo no processo criminal eram bastante
semelhantes, fez com que este órgão publicasse uma espécie de “guia prático para a
implementação do art. 6 da Convenção Européia dos Direitos do Homem” (Mole e
Harby, 2006).
De acordo com esta publicação, o tempo do processo tem como marco inicial o
dia do recebimento da denúncia (e não o dia do crime, como muitos estudos fazem) e
como marco final o dia em que o processo alcançou a instância máxima de julgamento
possível em cada país. O caso não precisa ter chegado à última instância para que a
CEDH o examine em relação à dissonância existente entre este e o tempo razoável, mas
o momento do processo no país de origem é levado em consideração por este órgão até
para se verificar quantos atos ainda precisariam ser praticados para que este chegasse à
sua instância máxima.
Interessante notar que a cartilha “The right to a fair trial: a guide to the
implementation of Article 6 of the European Convention on Human Rights” não
estabelece um prazo fixo para duração máxima do processo penal. Apenas estabelece
que os tempo dos casos criminais serão examinados pela CEDH de acordo com as
seguintes variáveis: (i) complexidade do caso; (ii) conduta da pessoa que recorreu a
corte; (iii) conduta do Poder Judiciário e das autoridades administrativas da nação de
origem e (iv) o que o acusado pretende recorrendo ao CEDH e questionando a violação
ao art. 6º da Convenção (Mole e Harby, 2006).
Ainda de acordo com este documento, a CEDH preferiu não fixar um limite fixo
de tempo porque, dependendo da complexidade do caso e da necessidade de provas a
serem reunidas, a razoabilidade pode ser distinta. Assim, estabelecer um tempo que a
própria corte poderia justificar o seu desrespeito pareceu a este órgão algo pouco
prático: em detrimento de fixar o limite máximo de tempo, o que o CEDH fixou foram
as balizas para se considerar o tempo de processamento de um crime. Soma-se a isso o
entendimento desta corte de que o processo no prazo razoável não é o processo em sua
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celeridade máxima, mas aquele capaz de equilibrar a garantia da ampla defesa com o
tempo adequado para a instrução e julgamento do acusado.
Nestes termos, o que esse tribunal tem observado é que diversos países têm
procurado fixar estes limites temporais de tal maneira que apenas os casos que excedam
este prazo sejam submetidos a exame da corte internacional. Estes mesmos países têm
procurado estabelecer medidas para que o atraso na instrução criminal não resulte em
dano ao acusado.
Assim, especialmente para os casos nos quais o indivíduo está mantido em
custódia, há um limite para encerramento do processo. Caso este limite não seja
respeitado, o indivíduo deverá ser colocado em liberdade, ainda que o seu
processamento continue. A idéia que norteia este procedimento é a de que o indivíduo
não pode ser punido pela dificuldade do Estado em implementar uma justiça ágil.
Por outro lado, com o objetivo de garantir que os Estados venham a implementar
esta idéia de justiça dentro de um tempo razoável, o Conselho Europeu tem sugerido aos
diversos países a implementação de multas para quem der ensejo à demora e ainda a
possibilidade de o acusado pleitear indenizações distintas em razão da demora no
julgamento de sua causa.
A Holanda, por exemplo, estabeleceu no ano de 2006, a partir de jurisprudência
de seu Supremo Tribunal, que o prazo máximo para a persecução criminal é de dois
anos. Depois disso, caso o réu esteja preso, ele deve ser imediatamente colocado em
liberdade, já que após este prazo o Estado perde o direito a processar o indivíduo
mantendo-o em custódia. A exceção a esta regra é colocada no caso de o atraso no
exame da causa ter sido ocasionado pelo réu. O direito de indenização por excesso de
tempo é contemplado nesta realidade desde 1993 (ano da reforma do Código de
Processo Penal Holandês). Desde então, poucos foram os casos que siguiram até a corte
européia questionando a violação ao art. 6º. da Convenção (Jehle, 2006).
Já a Inglaterra prevê que qualquer processo com duração de mais de um ano
ofende a dignidade da pessoa humana e, por isso, os processos criminais devem ser
encerrados antes deste limite. Caso contrário, é possível indenização do acusado pelo
excesso de prazo (European Union, 2009).
Estes dois países são exemplos de como a definição do tempo razoável para
processamento e julgamento de um crime é algo extremamente complexo: o que parece
40
razoável em uma localidade nem sempre é em outra (em termos de número de dias). As
medidas garantistas asseguradas ao acusado para que este não seja lesado, seja pela
prisão cautelar injusta, seja pela demora na instrução criminal, também são
diferenciadas dependendo da localidade em questão. Ou seja: o significado do tempo
razoável não é algo que possa ser imediatamente descolado do contexto imediato de
processamento da infração. Este é um conceito construído socialmente, já que o tempo a
partir do qual o processo pode ser considerado como em excesso de prazo é distinto
dependendo da realidade em análise.
No entanto, o que os documentos relacionados à administração do tempo da
justiça criminal na Europa e o art. 6º da convenção parecem denotar é o estabelecimento
de: (i) indenizações ao acusado não julgado em tempo razoável, (ii) medidas como a
soltura do réu encarcerado após um dado número de dias sem encerramento da instrução
e (iii) multas para os operadores do direito que deram ensejo ao excesso de prazo. Essas
são políticas que, na perspectiva destes países, contribuem senão para a redução do
tempo de processamento, para a não violação ao direito do acusado em ter um
julgamento justo e rápido.
Além destas medidas, o que se percebe é a concessão de um poder cada vez
maior às promotorias de Justiça para a realização de acordos na fase pré-processual com
o acusado para que o caso não venha a se tornar um processo. O que se pretende é que,
especialmente no caso de pequenos crimes, ou de infrações de menor potencial
ofensivo, o promotor de Justiça negocie com o acusado a aplicação imediata de uma
pena, a aplicação de uma medida despenalizadora (que seria o equivalente a transação
penal) e a suspensão condicional do processo (Smit et al, 2005).
Países como Holanda, Suíça, Alemanha, França e Bélgica são exemplos de
localidades nas quais a justiça passou a ser considerada como mais eficiente,
especialmente no que se refere ao tempo de processamento, desde que esta política
passou a ser implementada. Neste contexto, apenas casos de elevada complexidade são
submetidos ao exame dos magistrados, sendo que o restante sequer chega a ser
registrado pelas cortes, encerrando-se no Ministério Público (Jehle e Wade, 2006).
Este procedimento vai ao encontro do ideal de justiça, na medida em que o caso
penal é efetivamente examinado por uma autoridade judicial competente e o acusado
recebe algum tipo de sanção (que pode variar desde pagamento de multa até a prisão
41
propriamente dita) em momento não muito distante de sua ocorrência. Exatamente por
isso este procedimento tem sido amplamente estudado no âmbito da União Européia e
aceito como ideal de funcionamento do sistema de justiça criminal de maneira mais
justa.
B - Speed Trial Act – O direito a razoável duração do processo nos Estados Unidos da América
O art.6º da Constituição Federal dos Estados Unidos da América estabelece que
em todos os processos criminais é direito do acusado ter um julgamento rápido e
público, realizado por um júri imparcial do estado ou do distrito no qual o crime
aconteceu.
Este distrito deve ter previamente disposto em lei as regras para a persecução
criminal e deve informar ao suspeito a natureza e causas da acusação. O distrito deve
viabilizar ainda que as versões do acusado sob o fato sejam confrontadas com as versões
de diversas outras testemunhas sob a assistência de um advogado particular ou
patrocinado pelo Estado.
De acordo com Siegel e Senna (2007), neste cenário, a polêmica em torno do
tempo despendido pelos sistemas judiciais no processamento de um conflito, seja no
meio acadêmico, seja na sociedade como um todo, se tornou evidente quando do
julgamento do caso “Klopfer vs. North Carolina” no ano de 1967.
No julgamento deste caso, ocorrido em 08 de dezembro de 1967, ficou decidido
que um promotor não poderia, indefinidamente, processar um indivíduo sem fornecer
uma razão para tanto à corte. Neste caso, Klopfer sentia-se vencido por um promotor
que, incapaz de conseguir a sua condenação num primeiro julgamento, decidiu
suspender a acusação indefinidamente. Klopfer, o réu, pressionou a justiça para obter
um julgamento ou um acordo mais rapidamente. Sem sucesso, ele questionou que a
decisão do promotor em processá-lo indefinidamente feria a Sexta Emenda da
Constituição Norte-Americana, a qual garantia o direito a um julgamento rápido para
todos os indivíduos. A Suprema Corte, ao aceitar os argumentos apresentados por
Klopfer, determinou ainda que nestes casos a garantia a um julgamento rápido deveria
acontecer de acordo com os padrões estabelecidos pelo governo federal. Com isso, a
42
Suprema Corte apresentou a sua primeira interpretação do significado da Sexta Emenda
a um julgamento rápido. Nesta decisão, o tribunal assegurou que o direito a um
processamento rápido era “um fundamento como qualquer outro dos direitos segurados
pela Sexta Emenda”. Além disso, a Suprema Corte determinou que, embora o acusado
não estivesse sob custódia nem sob nenhum tipo de restrições ao seu movimento, “a
ansiedade e o interesse em acompanhar uma acusação pública”, assim como o desprezo
do Estado em relação ao encerramento do seu processo, transgrediam o seu direito a um
julgamento rápido (386 EUA/ 213, 1967).
A partir do julgamento do caso “Klopfer vs. North Carolina”, o direito a um
processamento ágil foi incorporado ainda no âmbito da 14ª Emenda à Constituição
Norte-Americana (Listokin, 2007). Na exposição de motivos desta interpretação, foi
colocado que o direito ao julgamento rápido deveria ser efetivado em todos os casos, na
medida em que apenas desta forma seria possível: (i) aumentar a credibilidade no
processo, fazendo com que a testemunha pudesse se apresentar ao tribunal o mais rápido
possível; (ii) evitar que os acusados permanecessem presos por um tempo superior ao
necessário; (iii) afastar a excessiva publicidade dos tribunais que, muitas vezes, colocam
estas instâncias como pouco efetivas ou excessivamente morosas; (iv) evitar que os
promotores de justiça viessem a interpor recursos desnecessários; e (v) evitar qualquer
tipo de demora que pudesse afetar a habilidade do acusado em se defender (Siegel e
Senna, 2007).
A grande questão colocada do julgamento do caso “Klopfer vs. North Carolina”
foi, portanto, compreender o que deveria ser entendido como um processamento rápido.
Este cenário teve ainda como consequência não apenas o aumento do interesse de
criminólogos por esta temática, mas, ainda, sucessivos debates públicos sobre o que
seria um tempo justo e o que deveria ser, dentro deste cenário, definido como
morosidade.
A resposta a este questionamento ocorreu apenas em 1974, após o julgamento do
caso Baker vs. Wingo Factors. Este caso motivou o Congresso Americano a publicar,
no ano de 1974, uma interpretação da Sexta Emenda Constitucional, que estabelecia o
direito do réu a um julgamento ágil. Esta interpretação foi denominada Speed Trial Act
(Miller, 1986). Esta medida estabelecia que o tempo para a averiguação da autoria e
materialidade do delito e, por conseguinte, apontamento de um suspeito (indictment)
43
não poderia ser superior a 30 dias. A partir da acusação de um suspeito, o
processamento (trial) deveria se encerrar em até 70 dias (Listokin, 2007).
O Speed Trial Act assinalava que a demora na administração do sistema de
justiça criminal era um problema que deveria ser solucionado dadas as implicações que
a morosidade poderia ter sobre os demais direitos garantidos pela Constituição Norte-
Americana. Em termos práticos, o Federal Speed Trial Act estabelecia que todos os
casos criminais, a partir de certo limite temporal, deveriam ser necessariamente objeto
de apreciação pelo juízo competente, e este ato apenas não ocorreria caso as partes
(defesa e acusação) acordassem em sentido contrário.
Para se garantir, por um lado, o direito do réu de ser julgado no menor tempo
possível e, por outro lado, a credibilidade dos tribunais no âmbito da sociedade
americana, o congresso havia fixado, em 1974, 100 dias como prazo médio de duração
dos processos criminais. Em 1978, este dispositivo legal foi reforçado pela Suprema
Corte, com destaque especial para os casos nos quais o réu encontrava-se preso. Com
isso, ficou estabelecido que:
“Under the provisions of the federal Speedy Trial Act, the maximum
permissible time for processing criminal cases initiated after July 1, 1978, is 100
days from arrest to trial.” Trotter e Cooper (1981: 114)
Esta medida foi entendida por vários operadores do direito como uma solução
“mágica” para a morosidade da justiça criminal. A perspectiva era de que a mudança na
legislação seria capaz de, em um passe de mágica, fazer com que todos os processos
passassem a ser encerrados no momento estipulado pela lei. De outro lado, esta solução
foi amplamente criticada pelos criminólogos. De acordo com eles, o problema é que
este tipo de solução (publicação de uma interpretação que fixa o prazo do processo em
um determinado número de dias) não seria capaz de alterar as práticas cotidianas dos
tribunais. A perspectiva era a de que o tempo de processamento reflete uma série de
crenças, valores e atitudes dos operadores dos indivíduos e não o resultado combinado
da aplicação de determinados dispositivos legais. Assim, não se trata de mudar a lei tão
somente, mas de mudar a cultura organizacional.
No entender de Talarico (1984) apenas mudar as regras temporais, sem mudar a
realidade prática dos tribunais, não implicaria em nenhuma alteração no tempo de
44
processamento. Em certa medida, esta crítica parece ter sido confirmada pelas pesquisas
que se sucederam à publicação do Federal Speed Trial Act.
A revisão dos estudos sobre esta temática realizada por Ribeiro (2009) indica
que, no ano de 1966, eram necessários, em média, 180 dias para se encerrar o
processamento de uma causa criminal. Já no ano de 1996, eram necessários 259 dias
para a realização desta mesma atividade. Por fim, entre todas as cortes que tiveram o
tempo médio mensurado em 30 anos de estudo sobre o tema, poucos foram os tribunais
capazes de apresentar um tempo médio de processamento inferior ao prescrito pelo
Speed Trial Act.
Aqueles que conseguiram materializar o tempo prescrito pelo Speed Trial Act o
fizeram a partir da institucionalização de mecanismos como: (i) punição daqueles que
deram ensejo ao excesso de prazo, (ii) liberação imediata do suspeito preso no caso de o
processamento não se encerrar dentro do prazo prescrito; (iii) instituição de órgãos
responsáveis pelo monitoramento constante das atividades dos operadores do direito de
maneira a alertá-los quanto às conseqüências que o não respeito ao prazo implica.
C - Convenção Americana sobre Direitos Humanos e o direito a razoável duração do processo na América Latina
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos foi assinada em 22 de
Novembro de 1969 em São José da Costa Rica. Contudo, esta apenas entrou em vigor
na ordem internacional em 18 de Julho de 1978, em conformidade com o artigo 74.º, n.º
2. deste mesmo tratado.
Neste diploma legal, o direito ao processo penal em um prazo razoável encontra-
se prescrito no art. 7º e no art. 8º, sendo a diferença primordial entre estes o fato de o
primeiro se referir a pessoas detidas enquanto, o segundo se referir a todos os indivíduos
em geral:
“Art. 7º. Toda a pessoa detida ou retida deve ser conduzida sem demora à
presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções
judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em
liberdade sem prejuízo de que prossiga o processo. A sua liberdade pode ser
condicionada a garantias que assegurem a sua comparência no juízo.” Grifos nossos
45
“Art. 8º. Toda a pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e
dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e
imparcial, estabelecido anteriormente por lei, no apuramento de qualquer acusação
penal formulada contra ela, ou para que se determinem os seus direitos ou
obrigações de natureza civil, de trabalho, fiscal ou de qualquer outra natureza.”
No que se refere às implicações de cada artigo, tem-se que, no caso do indivíduo
detido, o desrespeito ao prazo prescrito como razoável por cada país signatário implica,
necessariamente, em sua liberação. Em parte, esta medida pode ser explicada pela idéia
de que a prisão provisória para além do prazo razoável para a instrução criminal implica
em execução antecipada da pena e, portanto, fere o princípio de presunção da inocência.
Exatamente por isso, em se tratando de indivíduos mantidos em custódia, a Corte
Interamericana de Direitos Humanos entende que a análise do tempo deve ser
diferenciada.
O Brasil é signatário desta convenção desde 25 de setembro de 1992 e, desta
forma, o art. 7º teria aplicabilidade no ordenamento jurídico nacional. Isso significa
dizer que, entendendo os prazos prescritos pelo Código de Processo Penal (CPP) como
razoáveis para a instrução criminal, em todas as circunstâncias nas quais o indivíduo
estiver custodiado provisoriamente, caso o seu processo ultrapasse tal lapso temporal, o
indivíduo deverá ser imediatamente colocado em liberdade. Como bem destaca
Andrighi (2005: 08):
“à luz dos preceitos constitucionais, o Brasil integra o sistema internacional
de proteção de direitos humanos, cuja base jurídica iniciou-se com a adoção da
Declaração Universal dos Direitos Humanos e da Declaração Americana de Direitos
e Deveres do Homem. A inserção do País no sistema da ONU e da OEA deu-se
mediante adesão voluntária aos principais tratados de direitos humanos pontificados
por estes organismos internacionais, com o nítido propósito de beneficiar-se de
mecanismos auxiliares de reforço às tentativas nacionais de defender e promover os
direitos humanos, entre outros. Como resultado da adesão a esses instrumentos
internacionais, o Brasil passou a dialogar com os principais órgãos voltados para o
controle do cumprimento das obrigações convencionais, tais como a Comissão de
Direitos Humanos – CDH, a ONU e a Comissão Interamericana de Direitos
Humanos - CIDH da OEA. Grande parte do trabalho incumbido a CIDH, consiste na
tramitação de petições sobre denúncias de violações de direitos consagrados na
Convenção Americana de Direitos Humanos, a qual o Brasil aderiu em 1992.”
46
De acordo com Lopes Júnior e Badaró (2008: 29), o fato de o Brasil ser
signatário da Convenção Interamericana de Direitos Humanos faz com que o direito ao
processo no prazo razoável já fosse assegurado no ordenamento nacional antes mesmo
da Emenda Constitucional n. 45/04. O mesmo poderia ser dito em relação ao direito do
acusado preso cautelarmente ser colocado em liberdade se o processo penal superasse a
duração razoável. Isso significa ainda que, desde 1992, sempre que um acusado sentisse
que o seu direito a ser julgado em um prazo razoável de tempo estava sendo colocado
em questionamento, este poderia recorrer diretamente a CIDH. Aliás, Vários são os
casos envolvendo o Brasil que se encontram em trâmite no âmbito da CIDH (Gráfico
01).
47
Gráfico 01 - Total de casos em trâmite na CIDH por país
Relatório anual de atividades, 2007
Fonte: http://www.cidh.oas.org/annualrep/2007sp/cap3ab.sp.htm#Estad%C3%ADsticas, acesso em 14/03/2010
Apesar de, no ano de 2007, o Brasil apenas possuir, no âmbito da CIDH, menos
processos que Peru, Argentina, Colômbia e Equador, como os relatórios deste órgão não
discriminam a matéria abordada em cada um desses casos não é possível saber qual o
percentual destes que se referem à questão do excesso de prazo. No entanto, a simples
possibilidade de a instrução criminal que dura muito mais do que o previsto legalmente
para tanto poder ser questionada em um tribunal internacional já se configura como
medida assecuratória dos direitos fundamentais do acusado. Mas, por outro lado, a
apresentação de uma demanda desta natureza perante a CIDH tem como efeito deletério
reduzir o grau de confiabilidade no sistema de justiça criminal brasileiro como um todo
(tanto do ponto de vista interno - - cidadãos brasileiros - como do ponto de vista externo
– comunidade internacional).
Andrighi (2005: 09) salienta que a tramitação de uma demanda relacionada à
violação do direito de um acusado a ser julgado em um prazo razoável pelo Estado
Brasileiro junto a CIDH segue um modelo quase judicial, contemplando réplicas,
tréplicas e audiências. Ao final, caso não seja possível alcançar uma solução amistosa
no curso da tramitação regulamentar, o caso é concluído e inicia-se a fase de elaboração
48
de um relatório final, no qual poderá constar a declaração da responsabilidade do Estado
violador dos direitos humanos em um determinado caso específico. Neste caso, a
sentença do CIDH obrigará o Estado Brasileiro a fazer cessar a violação que lhe é
imputada e, ainda, a indenizar a vítima ou seus herdeiros legais.
Neste sentido, analisando a jurisprudência compilada pelo site do IBCCRIM, foi
possível constatar a existência de 42 decisões do STJ que fazem referência a este pacto
e ao direito ao julgamento em um prazo razoável. Um exemplo de jurisprudência desta
natureza é a seguinte: “Jur. ementada 1633/2001:
Processo penal. Excesso de prazo na formação da culpa (CADH, art. 8º).
Morosidade estatal. Revogação da prisão. STJ - RECURSO ORDINÁRIO EM
HABEAS CORPUS N° 10.823 –PI (2000/0137411-7) (DJU 18.11.01, SEÇÃO 1, P.
158, j. 13.03.01) RELATOR : MINISTRO JORGE SCARTEZZINI
RECORRENTE: J.L.B. E OUTRO ADVOGADO : JUSCELINO LOPES
BEZERRA E OUTRO RECORRIDO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO
DO PIAUÍ PACIENTE : E.P.S. (PRESO) EMENTA PROCESSO PENAL -
EXCESSO DE PRAZO - CRIME DE TENTATIVA DE HOMICÍDIO - PRISÃO
PREVENTIVA – DEMORA POR CULPA EXCLUSIVA DO ESTADO. - Como
alertado pela douta Subprocuradoria-Geral da República, às fls. 74/78, a despeito da
possível necessidade da segregação cautelar, o ora paciente foi preso em 12.02.2000,
sendo somente interrogado em 11.05.2000, e, até o presente momento, nenhuma
testemunha arrolada na denúncia foi ouvida, conforme atestam as informações de
fls. 40/41. Há uma patente morosidade na conclusão da fase instrutória, sem que a
defesa tenha concorrido para tanto, o que evidencia constrangimento ilegal. -
Recurso provido para que o acusado seja posto em liberdade decorrência do excesso
de prazo para a conclusão da instrução criminal.”
Neste sentido, qual o papel efetivamente desempenhado pelas Leis 11.719/08 e
11.689/08 no que se refere ao direito à garantia de um processo penal em um tempo
razoável quando o Brasil é signatário de um tratado internacional que estabelece não
apenas um limite temporal sobre o que é um prazo razoável como ainda medidas a
serem adotadas em caso de excesso de prazo na instrução criminal?
De acordo com os resultados sumarizados nas seções precedentes, a grande
inovação destas leis foi estabelecer limites mais claros acerca do que se deve
compreender como um tempo razoável, uma vez que no âmbito da legislação anterior
estes prazos eram de difícil compilação. Ao estabelecer limites mais claros para a
contagem do prazo viabiliza-se ainda que aquele indivíduo que se sentir lesado pelo
49
Estado em relação ao tempo despedindo pelos tribunais na realização de sua instrução
criminal poderá questionar tal problema junto a CIDH.
Contudo, as novas leis ainda parecem falhas em termos de garantias do acusado,
especialmente em relação ao preso provisório, na medida em que esta não acolheu o
direito a liberação deste indivíduo sempre que o prazo verificado na realidade cotidiana
dos tribunais ultrapassar o prescrito no diploma legal e, ao contrário da sistemática
anterior, rechaçou a diferenciação entre réu preso e réu solto para regras de contagem do
prazo processual.
A contemplação de medidas como a liberação imediata do preso provisório
quando do excesso de prazo na instrução criminal, de maneira explícita na legislação
nacional, poderia contribuir se não para a redução da lentidão processual de maneira
substancial, pelo menos para a não violação do direito a presunção de inocência. Se o
indivíduo tem uma instrução criminal muito longa, durante a qual este encontra-se
privado de sua liberdade, pode-se inclusive argumentar que este está sendo submetido a
uma execução antecipada da pena, o que viola diretamente o direito constitucional
acima referido.
Alguns juristas brasileiros também parecem concordar com esta realidade ao
colocarem que o problema da legislação anterior (CPP vigente antes da reforma
processual) não era a ausência de prazos claros, mas a inexistência de medidas punitivas
para aqueles que dão ensejo aos prazos mortos.
“No dia-a-dia forense brasileiro é comum a demora para a conclusão do
inquérito policial, oferecimento da denúncia, para a citação do réu, intimação de
testemunhas, realização de audiências e, principalmente, o enorme tempo morto nas
pilhas dos cartórios e gabinetes dos juízes e tribunais. Neste caso, evidencia-se a
efetiva mora jurisdicional. O problema não é a dilação dos prazos fixados em lei,
mas a ausência de mecanismos que impeçam os “tempos mortos”.” (Lopes Júnior e
Badaró, 2009: 71).
Isso significa que outras mudanças na legislação instituindo mecanismos que
supervisionem o trabalho dos operadores do direito, no que se refere ao tempo de
processamento, mas que equalizem esta demanda por maior controle da atividade
judiciária com o princípio da independência dos juízes ainda se fazem necessárias.
Mas, por outro lado, esta revisão das mudanças ocorridas na legislação pátria e
ainda da forma como tempo é administrado em outras localidades deixam evidente que
50
o problema atual não parece ser apenas de ausência de regulamentação legal do
problema. O ponto neurálgico do fenômeno é, na realidade, a inexistência de
mecanismos organizacionais propriamente ditos que viabilizem uma maior supervisão e
controle das atividades dos funcionários das repartições públicas.
A ausência de tais institutos pode, inclusive, contribuir para que os operadores
do direito não se sintam obrigados a adimplir o prezo prescrito pelo CPP, uma vez que
esta não ação não implica em nenhum tipo de sanção. No entanto, o que esses
operadores parecem esquecer é o fato de que o excesso de prazo na instrução criminal
viabiliza a abertura de um processo contra o Estado Brasileiro junto a CIDH.
O maior problema de os processos cuja instrução é extremamente longa serem
levados ao conhecimento da CIDH não é o custo financeiro de se ter um processo
tramitando em território outro que não o Brasil, mas o fato de que a inadimplência das
obrigações internacionais relativas aos direitos humanos acarreta custos políticos ao
País, tais como:
“arranhaduras em sua imagem e credibilidade nas relações exteriores e
diversos reflexos econômicos na conjuntura nacional que poderão alcançar desde a
diminuição do fluxo de turistas estrangeiros no país até o acréscimo de exigências
condicionantes à concessão de créditos por parte de organismos financeiros, todas
predispostas a ver cumpridas obrigações relativas a direitos humanos.” Andrighi
(2005: 09)
Em um cenário como este é preciso não apenas o conscientizar os magistrados
brasileiros acerca da possibilidade do Estado ser responsabilizado pelo atraso
injustificado na tramitação dos processos (Andrighi, 2005; Lopes Júnior e Badaró,
2009), como ainda instituir uma série de mecanismos que obriguem os operadores da
justiça a não apenas adimplir os prazos legais como ainda a não violar garantias
fundamentais dos acusados pelo excesso de prazo.
Aliás, estas são exatamente as previsões que os demais tratados analisados nesta
sub-seção apresentam como medidas para se equalizar o direito a celeridade processual
com respeito a garantias fundamentais do acusado (Quadro 08).
Quadro 08 - Elementos que viabilizam a aproximação do tempo necessário (ou tempo efetivado pelos sistemas de justiça criminal) do tempo legal (estabelecido por leis ou códigos) - Medidas previstas nas
legislações internacionais revisadas nesta seção para administração do excesso de prazo Localidade Medidas adotadas para evitar o excesso de prazo. Países que integram o CEDH
i) indenizações ao acusado não julgado em tempo razoável, (ii) medidas como a soltura do réu encarcerado após um dado número de dias sem encerramento da
51
instrução e (iii) multas para os operadores do direito que deram ensejo ao excesso de prazo
Holanda, Suíça, Alemanha, França e Bélgica
Concessão de poder cada vez maior às promotorias de Justiça para a realização de acordos na fase pré-processual com o acusado para que o caso não venha a se tornar um processo
Estados Unidos da América
(i) punição daqueles que deram ensejo ao excesso de prazo, (ii) liberação imediata do suspeito preso no caso de o processamento não se encerrar dentro do prazo prescrito; (iii) instituição de órgãos responsáveis pelo monitoramento constante das atividades dos operadores do direito de maneira a alertá-los quanto às conseqüências que o não respeito ao prazo implica
Países que integram o CIDH
(i) liberação imediata do suspeito preso no caso de o processamento ter duração superior àquela que a legislação pátria estabelece como razoável ou necessária a instrução criminal.
Essas medidas são importantes de serem destacadas porque enfatizam que o
direito à justiça compreende não só a defesa dos direitos e interesses legalmente
protegidos do cidadão, mas, principalmente, a entrega da prestação jurisdicional dentro
de um prazo razoável (Andrighi, 2005; Lopes Júnior e Badaró, 2009).
Assim, no sentido de se verificar em que medida os tribunais brasileiros eram ou
não capazes de efetivar o ideal de processamento do acusado em um prazo razoável de
tempo, tem-se a seção seguinte. Esta analisa as pesquisas sociológicas sobre o tempo de
processamento dos tribunais brasileiros discutindo as diferenças entre as idéias de
tempo legal e tempo necessário e como a pesquisa empírica aponta para as necessidades
de equalização entre as dissonâncias legais e operacionais do sistema de justiça criminal
brasileiro.
I.5.2 O tempo necessário na justiça criminal brasileira: uma revisão dos estudos empíricos realizados sobre o tema
Nesta seção serão apresentadas apenas as pesquisas já realizadas sobre o tempo
de processamento da justiça criminal brasileira. Este fenômeno faz com que o
pressuposto inicial de estudos que visem à avaliação do tempo de duração de um
processo penal seja, exatamente, a definição do delito a ser estudado, já que infrações
diferenciadas podem implicar modalidades distintas de processamento e, por
conseguinte, tempos prescritos diversos.
Neste sentido, ressalta-se que a maioria das pesquisas já desenvolvidas sobre
esta temática tem como foco de análise o delito de homicídio doloso. As razões
apontadas pelos autores para a escolha de tal delito são múltiplas e variadas. Dentre as
principais, destaca-se a maior confiabilidade que os dados desta natureza apresentam
por se tratar de um dos crimes mais graves para a sociedade brasileira e que, por isso,
52
tende a contar com um registro mais completo (em termos do seu andamento
processual) do que os demais delitos.
É interessante notar ainda que maioria das pesquisas aqui sumarizadas foi
realizada sob a vigência da legislação anterior. Como marco do tempo legal, serão
considerados os prazos de 145 dias para o processamento dos crimes comuns e de 310
dias para o dos crimes dolosos contra a vida. Por fim, cumpre destacar que o propósito
desta seção é apenas descrever os estudos já realizados sobre esta temática e não criticar
sua metodologia ou a composição de suas bases de dados ou ainda a pouca
possibilidade de generalização dos resultados.
Adotando uma perspectiva histórica para a apresentação dos estudos sobre o
tempo de processamento da justiça criminal já realizados no Brasil, é possível afirmar
que o primeiro destes foi o intitulado “Continuidade Autoritária e Construção da
Democracia”. 12 Esta pesquisa, coordenada por Paulo Sérgio Pinheiro, teve como
objetivo analisar os processos de linchamentos 13 ocorridos no Brasil no período
compreendido entre 1980 a 1989.
Neste período, foram identificados aproximadamente 3.519 casos de
linchamentos ocorridos em todo o território brasileiro. Diante do volume de casos e, por
conseguinte, da impossibilidade de se analisar detidamente todo esse universo, os
pesquisadores realizaram uma seleção de apenas alguns casos para serem examinados
em profundidade. Os critérios adotados para tanto foram os seguintes: presença da
opinião pública por intermédio da mídia; intervenção do poder público por meio das
agências policiais, judiciais e judiciárias; e participação da sociedade civil, organizada e
não organizada, seja em virtude da identificação das comunidades onde os casos
ocorreram, seja em virtude da intervenção dos movimentos sociais.
O resultado desse trabalho foi a identificação de 162 casos, ocorridos no eixo
Rio–São Paulo. Destes, foi possível ter acesso aos inquéritos e processos penais de 28
casos ocorridos no estado de São Paulo. A análise desses, por sua vez, permitiu verificar
que o tempo médio deste processamento era de 74,34 meses, tempo este 738% maior
12Este trabalho baseou-se nas pesquisas desenvolvidas pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e centrou-se na investigação do tempo de processamento de casos de violação de direitos humanos. Esta ressalva é importante na medida em que a maioria dos estudos realizados sobre este tema, no Brasil, se utiliza não apenas da metodologia empregada por este centro de pesquisa como ainda as distinções teóricas que estes analistas fazem entre tempo legal, tempo ideal e tempo efetivado pelos tribunais para o processamento de um dado delito.
13Assim classificadas pela pesquisadora os homicídios qualificados praticados em co-autoria ou participação.
53
que o estabelecido pelo Código de Processo Penal como necessário à duração deste tipo
de ação penal.
Tabela 01 – Tempo médio (em meses) de duração dos processos de linchamentos APENAS casos que resultaram em condenação
São Paulo, Estado - 1980 a 1989 Comarca competente Tempo médio (em meses) Campinas 120,33 Lapa 101,41 Ribeirão Pires 100,34 Itapec. Serra 92,28 Carapicuíba 91,3 Mauá 68,48 Praça da Sé 61,11 Jardim Noronha 22,52 Osasco 11,29 Média das médias 74,34 Tempo do CPP 10,16 Fonte: Pinheiro et al (1999: 785).
A segunda parte do estudo se concentrou na análise dos determinantes do tempo
necessário para o processamento de um delito, os quais dizem respeito, basicamente, às
requisições de laudos ausentes e complementares, à solicitação de informações a outros
órgãos, a mandados de citação e intimação não cumpridos. Ou seja, nos casos de
linchamentos ocorridos e processados em São Paulo, no período de 1980 a 1989, as
causas para a extensão do prazo prescrito do CPP são relacionadas a uma série de
atividades que são indispensáveis ao andamento do processo e que, em razão do excesso
de formalismos, implicam um tempo demasiado longo para serem cumpridas (Pinheiro
et al, 1999).
O segundo estudo desenvolvido neste sentido foi realizado por Izumino (1998),
que coletou informações sobre casos de violência contra a mulher, registrados nas
delegacias especializadas de atendimento à mulher de São Paulo, no ano de 1996. A
partir desta amostra, a autora analisou a intervenção judicial em conflitos nas relações
de gênero que resultaram em desfecho fatal para mulheres ou em lesões corporais.
A autora constatou que, nos casos com desfecho fatal, 40,96% dos processos
instaurados foram encerrados entre 12 e 24 meses. Em idêntica proporção (21,69%),
situam-se processos que tiveram desfecho em menos de 12 meses ou entre 24 e 36
meses. É bem menor a proporção de processos encerrados em 48 meses (8,43%), e
menor ainda a proporção daqueles que consumiram tempo superior a 48 meses (1,20%).
Portanto, de acordo com a autora, para casos de violência doméstica nos quais
ocorre a morte da mulher pelo parceiro ou por alguém da família, espera-se que o
54
encerramento do processo criminal que coloca a punição ou a absolvição do autor do
fato ocorra em um prazo médio de 12 a 24 meses, contados da data do delito.
No livro intitulado Morosidade da justiça: causas e soluções, o tempo da justiça
é analisado por diversas monografias de direito organizadas por Svedas et al (2001)
para a publicação em um único volume. De acordo com os autores, a morosidade
processual, apesar de ainda não se constituir enquanto foco dos estudos diretamente
relacionados ao funcionamento dos tribunais, deve ser melhor compreendida para que
soluções pontuais possam ser propostas para o tema.
Segundo Beal (2006, p.97), a causa maior da morosidade processual no Brasil
reside no formalismo processual, que faz com que muitos processos que chegam até o
Supremo Tribunal Federal gastem de 3 a 5 anos para que se decida quem é o juiz
competente ou se é adequado este ou aquele caminho procedimental.
No que diz respeito aos responsáveis – ou seja, a quem dá ensejo a esta
morosidade –, verifica-se que os funcionários dos cartórios são os que mais contribuem
para a extensão dos prazos processuais para além dos limites previstos em lei. Isso
porque, de acordo com o levantamento dos autores, os juízes são responsáveis por 10%
do tempo de uma ação, os advogados e membros do Ministério Público por 20% da
demora e o cartório (a burocracia) retém o processo 70% do tempo total de
processamento (Svedas et al: 2001).
O estudo dos determinantes do tempo de processamento foi realizado de maneira
detalhada por Vargas (2004), ao analisar todos os Boletins de Ocorrência de Estupro 14
registrados na cidade de Campinas entre 1980 e 1996. Para proceder à descrição do
tempo despendido nas fases de processamento, a autora utilizou informações sobre 446
registros iniciais de estupro e seus desdobramentos. Os primeiros registros datam de
1988 e os últimos desdobramentos na justiça datam de 1999.
A análise estatística do tempo entre o registro da queixa e a sentença neste caso
demonstrou que são fatores que influenciam o tempo de processamento dos casos de
estupro: a) a idade da vítima, já que réus acusados de estupro de vítimas com até 14
anos de idade têm seus processos tramitando quase quatro vezes mais rápido do que
aqueles com vítimas de 14 anos ou mais; e b) prisão durante o processo, posto que o
14 É importante destacar que a análise de Vargas (2004) se restringiu ao crime de estupro porque este delito possui regras diferenciadas no que se refere ao tempo de processamento quando a vítima tem menos de 14 anos. Isso porque, nesses casos, de acordo com o art. 224 do Código Penal, há presunção de violência e, por conseguinte, aumento do juízo de reprovação sobre este delito.
55
fato de o réu ter sido preso neste momento diminui em cinco vezes o tempo do registro
da queixa até a sentença.
Apesar da grande contribuição do trabalho de Vargas (2004) para o
entendimento do tempo da Justiça Criminal, bem como dos fatores associados à
morosidade processual, sua análise restringiu-se a poucos casos, não permitindo
identificar padrões e regularidades e, menos ainda, fazer generalizações.
Em estudo publicado em 2005, Vargas, Blavatsky e Ribeiro analisaram o tempo
de tramitação dos processos de homicídio no estado de São Paulo a partir de duas bases
de dados: a da Fundação SEADE (que possuía informações sobre homicídios simples e
qualificados registrados e processados em todo o estado de São Paulo no período
compreendido entre 1991 e 1998) e a resultante da análise de todos os casos de
homicídios dolosos cujo arquivamento do processo ocorreu em 2003.
A base de dados da Fundação SEADE foi analisada por interligar as
informações relativas às bases de dados das instituições da área de Justiça, de Segurança
Pública e administração penitenciária do Estado de São Paulo, viabilizando, dessa
forma, a análise longitudinal dos crimes de homicídio (simples e qualificados) iniciados
e encerrados no período compreendido entre 1991 e 1998. As análises estatísticas dos
casos com informações completas (7226) desta base indicaram que o delito de
homicídio doloso demorava, em média, 2,69 anos (993 dias) para ser julgado pelos
tribunais.
A segunda base trabalhada pelas autoras referia-se a todos os processos de
homicídio arquivados pelo tribunal do júri de uma cidade paulistana em 2003. Após
uma análise minuciosa de todos os 93 processos e reunião das informações em uma
base estatística, foi possível constatar que são variáveis que afetam o tempo
compreendido entre o registro da ocorrência e a sentença final (Quadro 09):
Quadro 09 – Principais variáveis que explicam o tempo de processamento do homicídio doloso. Casos encerrados em 2003 em Campinas (93 no total)
Variável Direção de causalidade com o tempo de processamento Tipo de crime Crimes mais graves aumentam o tempo de processamento, pois, em regra,
contam com a presença de advogado particular a utilizar os recursos processuais protelatórios que podem levar à materialização da prescrição.
Réu revel Implica em aumento do tempo, dada a dificuldade dos funcionários judiciais em se comunicarem com outros cartórios e delegacias de polícia para, desta forma, encontrar o réu.
Problemas na fase policial A fase com maior tempo de duração é a do inquérito policial, dada a dificuldade de obtenção de provas, de demora na realização de perícias e, inclusive, de identificação do autor do delito.
Adiamento do julgamento O adiamento do julgamento, em qualquer fase do processo, faz com que o tempo de processamento seja aumentado. Advogados particulares manejam este instituto neste sentido e a ausência de defensores públicos faz com que
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ele termine por ocorrer sucessivas vezes. Dificuldade na localização de testemunhas
Implica em aumento do tempo em razão da demora dos tribunais em processarem as cartas precatórias.
Prisão do indivíduo ao longo de todo o processo ou em algum momento deste
Fazem com que o tempo de processamento seja muito menor, pois, a maioria desses casos pede urgência dos tribunais.
Natureza da defesa Advogados particulares fazem com que o processo dure mais, ou para que seu cliente seja beneficiado com a prescrição ou para que este alcance uma pena menor.
Número de recursos O uso de recursos legalmente previstos visa atender aos interesses do acusado da prática do delito de homicídio, dado que os atrasos no processamento podem implicar em uma punição menor ou mesmo na extinção do processo pelo decurso do tempo.
Fonte: Vargas, Blavatsky e Ribeiro (2005)
Com a análise dessas duas bases de dados, as autoras puderam constatar que as
variáveis determinantes do tempo das três fases principais do procedimento (inquérito
policial, denúncia, processo) atuam seguindo a seguinte relação: para cada dia de
acréscimo em cada um destes tempos há o acréscimo de uma unidade na probabilidade
de se ter um processo mais moroso. Ou seja, demanda-se mais tempo do que o
delimitado pelos códigos para percorrer todas as fases previstas entre o registro da
ocorrência e a sentença final do júri.
Este resultado enfatiza ainda a constatação de Santos (1996: 442) acerca da
morosidade nos tribunais portugueses, qual seja: “A morosidade é tanto mais forte
quanto mais variadas, intensas e cumulativas forem as suas causas.”
Em 2006, ocorre a publicação do trabalho intitulado “Fluxo do crime de
homicídio no sistema de justiça criminal em Minas Gerais”, desenvolvido pela
Fundação João Pinheiro sob a coordenação de Eduardo Cerqueira Batitucci. O trabalho
analisou uma amostra de processos de homicídios dolosos baixados e arquivado no
Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que foram julgados pelos tribunais do júri das
comarcas de Belo Horizonte, Ipatinga e Coronel Fabriciano entre 1985 e 2003.
Os resultados indicam que a maior parte do tempo de processamento é referente
ao encerramento do Inquérito Policial, que demora, em média, 304 dias. Quando o
Inquérito Policial, já terminado, é devolvido pelo Ministério Público à Organização
Policial para a continuidade das investigações, o tempo médio ultrapassa 680 dias. Ao
final, a pesquisa constatou, a partir do estudo de 90 casos de homicídio doloso, que o
tempo médio de processamento para o período analisado era de 1611 dias. Estes
resultados, de acordo com Batitucci, Cruz e Silva (2006), evidenciavam a falência do
modelo investigativo adotado pela Polícia Civil em Minas Gerais e sua incapacidade
institucional de fazer frente às demandas dos casos de homicídio doloso.
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Ainda neste ano, em dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Santa Catarina, Ruschel
(2006) analisou os casos de homicídio doloso, julgados em primeiro grau em 2004, na
cidade de Florianópolis. Com isso, o autor pôde constatar que: os réus foram
processados em um tempo médio de 784 dias, sendo que o menor tempo dos Processos
Penais estudados foi de 303 dias e o maior, de 2378 dias. Ou seja, o tempo máximo
identificado foi sete vezes maior que o menor tempo.
No que se refere aos elementos que podem dar ensejo à morosidade, a pesquisa
constatou que as cartas precatórias e os recursos de habeas corpus, bem como outros
pleitos ao Juiz, prolongaram a duração do Processo Penal. Casos com recursos aos
tribunais superiores são os que demandam mais tempo, pois, para tanto, são necessários
de 1 a 9 meses para a volta da resposta ao Fórum, acrescidos de mais dois meses para
agendamento de uma nova data para o julgamento, na concorrida agenda do juiz.
Uma análise recente, porém circunscrita ao tempo policial – ou seja, a fase
compreendida entre a data do fato e a data de início do caso na justiça criminal –, é a
coordenada por Ratton e Fernandes (2007). Este trabalho analisou os casos de
homicídio doloso que ocorreram na cidade de Recife, entre 2000 e 2004 e cuja autoria
foi esclarecida.
Os resultados desta pesquisa apontam para o fato de que o tempo médio de
duração do período compreendido entre a data do fato e a de sua distribuição no
judiciário é de 86,55 dias para casos que envolvem apenas um réu e 150,29 para os de
mais de um réu. Considerando que o tempo previsto para a duração desta fase é de 35
(se o réu estiver preso) ou 65 dias (se o réu estiver solto), é possível afirmar que os
casos de homicídio doloso ocorridos em Recife sofrem de certa morosidade para o
encerramento do inquérito policial.
Em 2007, ocorre a publicação do trabalho de Adorno e Izumino (2007), que
analisaram a questão da morosidade no julgamento de crimes específicos, como os
casos de linchamentos. Para tanto, eles se basearam nos resultados relativos a dez casos
de linchamentos, que tiveram lugar em são Paulo, no período compreendido entre 1980
e 1989 e que se constituíam em parte da base de dados resultante do projeto temático de
pesquisa realizado pelo Núcleo de Estudos da Violência (NEV/USP), sob a coordenação
de Paulo Sérgio Pinheiro.
A maior preocupação dos autores consistia em mensurar o tempo médio real
para o processamento de 71 casos de linchamento ocorridos e processados em São
58
Paulo. Para tanto, utilizaram como base os dados estatísticos relativos ao tempo de
processamento destes crimes julgados pelo IV tribunal do júri do Fórum Regional da
Penha (município de São Paulo) no período compreendido entre 1984 e 1988. Estes
dados encontram-se sumarizados na Tabela 02:
Tabela 02 – Tempo médio (em meses) de duração dos processos de linchamento na cidade de São Paulo
APENAS casos julgados pelo IV tribunal do júri do Fórum Maria da Penha - 1984 a 1988 Natureza da Sentença
Absolvição Condenação Desclassificação Total Tempo médio de duração N % N % N % N %
< 12 meses 26 37% 70 41% 20 37% 116 39% 12-24 meses 32 45% 73 42% 27 50% 132 44% 24-36 meses 9 13% 24 14% 7 13% 40 13% 36-48 meses 3 4% 2 1% - 5 2%
Sem informação 1 1% 3 2% - 4 1% Total 71 100% 172 100% 54 100% 297 100%
Fonte: Adorno e Pazinato (2007: 148)
A pesquisa de Adorno e Izumino (2007) apontam para o fato de que a maioria dos
casos de linchamento julgados no Fórum da Penha no período compreendido entre 1984
e 1988 demorou entre 12 e 24 meses para receber uma sentença de absolvição,
condenação ou desclassificação do delito.
Ribeiro e Duarte (2008) analisaram 624 casos de homicídio doloso cujo processo foi
iniciado e encerrado nos quatro tribunais do júri da cidade do Rio de Janeiro entre 2000
e 2007. A vantagem desta base de dados diz respeito ao fato de ela ser uma cópia do
sistema original de movimentação processual do próprio tribunal de justiça. Ou seja,
para esta análise foram considerados os dados oficiais do processo.
O estudo desta base de dados permitiu às autoras constatar que o tempo de
processamento global médio destes casos é de 707 dias (desde a data do crime até a data
da sentença). Isso significa que o TJERJ demora, aproximadamente, 1,93 anos para
decidir o destino dos réus que praticaram este delito.
No que se refere aos fatores processuais capazes de explicar o tempo de
processamento (únicos disponíveis nesta base de dados) evidencia-se que apenas as
variáveis flagrante e condenação foram estatisticamente significantes. De um lado, o
flagrante atua como fator de redução da morosidade necessária. Por outro lado, o fato de
o caso se encerrar com uma condenação atua como fator de extensão do tempo global
de processamento do caso. Já as outras variáveis (homicídio qualificado, homicídio
praticado com concurso de agentes e presença de testemunhas) não interferiram
expressivamente no tempo de duração do processo.
59
Por fim, dois estudos recém publicados permitem ainda uma maior compreensão
de quais são os fatores que contribuem para o maior ou menor tempo de processamento
de uma causa e ainda qual é o tempo despendido pelos tribunais brasileiros.
Analisando 131 casos de homicídio doloso ocorridos entre 1977 e 1992 e cujo
arquivamento do processo criminal se deu em um dos quatro tribunais do júri do fórum
central da cidade do Rio de Janeiro em 1996, Ribeiro (2009) pôde concluir que para o
processamento global de tais crimes são necessários, em média, 1915 dias.
Os resultados encontrados pela análise estatística realizada pela autora
apontaram que, controlando pelas características dos envolvidos, características legais e
características processuais dos casos de homicídio doloso ocorridos na cidade do Rio de
Janeiro entre 1977 e 1992, as variáveis idade do réu, sexo da vítima, presença de
assistente da acusação, presença de arma de fogo e presença de flagrante são as que
melhor explicam a variação do tempo da justiça criminal brasileira. De maneira sucinta,
verifica-se que:
a) Idade do réu: aumenta o tempo de duração do processo, ou seja, para cada ano
acima de 18 anos, o tempo de processamento do delito é acrescido em 0,2 %;
b) Sexo da vítima: se a vítima é do sexo feminino, o tempo de duração de seu
processo é inferior quando comparado ao tempo de duração de processos cuja
vítima é do sexo masculino;
c) Presença de assistente da acusação: reduz o tempo de duração do processo penal
em comparação com os casos nos quais esta figura não se faz presente;
d) Presença de arma de fogo: crimes cometidos com o uso de arma de fogo tendem
a demandar 33% mais dias do que crimes cometidos com outros instrumentos;
e) Presença de flagrante: se o processamento do caso foi iniciado a partir de
flagrante, sua duração é 64% menor do que a de processamentos iniciados por
motivos outros (como o caso em que a investigação policial é iniciada por
portaria).
Ribeiro, Cruz e Batitucci (2009) analisaram uma base de dados referente a 51
casos de homicídio doloso registrados entre 1978 e 2002 na cidade de Belo Horizonte e
julgados pelos Tribunais do Júri desta comarca no período compreendido entre 1982 e
2002. Com isso, os autores puderam constatar que o tempo para o processamento de tais
casos era maior do que o prescrito pelo CPP – o tempo médio em Belo Horizonte era de
1580,14 dias enquanto o maior tempo prescrito pelo CPP para processamento deste tipo
de infração era de 310 dias. Ou seja, uma diferença de 510%.
60
Portanto, no Brasil, até 2009, as pesquisas sobre o tempo de duração do processo
penal tiveram como foco, primordialmente, os casos de homicídio doloso. Em todos
eles, ficou evidente a incapacidade dos tribunais estaduais em implementar os
diapositivos do Código de Processo Penal no que se refere ao tempo de processamento.
Em nenhuma das análises o tempo dos tribunais foi, sequer, equivalente ao tempo
calculado pelos autores. Em todos os casos, o tempo necessário foi, pelo menos, três
vezes o tempo máximo de processamento previsto pelo CPP.
Por outro lado, é importante ressaltar que as pesquisas que utilizaram as bases de
dados originais dos tribunais (como é o caso de Vargas, Blatavisky e Ribeiro, 2007;
Ribeiro e Duarte, 2008) tendem a apresentar tempos globais menores do que as demais
bases, construídas pelos pesquisadores a partir da consulta aos documentos jurídicos-
penais (inquéritos e processos). Em parte, este fenômeno pode ser explicado pelo fato
de que, quando se analisa a base de dados do próprio sistema, os casos excessivamente
rápidos contribuem para redução do número médio de dias que um crime leva para ser
processado.
No entanto, esta revisão dos estudos sobre o tema foi realizada com o objetivo
de discutir o tamanho da diferença existente entre os prazos prescritos pelo Código de
Processo Penal e os prazos efetivados pelos sistemas de justiça criminal brasileiro.
Assim, elaborou-se o Quadro 10, que sumariza os resultados de todas as pesquisas que
calcularam o tempo global (ou seja, desde a data do crime até a data da sentença) dos
casos de homicídio doloso.
Quadro 10 – Sumário das pesquisas empíricas sobre o tempo da justiça criminal. Apenas estudos que tiveram como foco o delito de homicídio doloso.
Brasil – 1999 a 2009
Referência bibliográfica
N. de casos analisados
Natureza dos casos analisados
Recorte temporal
Tempo de processamento global (do fato à sentença em
dias)
Pinheiro et al. (1999) 28
Homicídios dolosos (linchamentos) ocorridos e processados no estado de São Paulo 1980-1989 2230
Vargas, Blavatsky e Ribeiro (2005) 7226
Homicídios dolosos ocorridos e processados no estado de São Paulo 1991-1998 993
Vargas, Blavatsky e Ribeiro (2005) 93
Homicídios dolosos cujo processo fora arquivado em Campinas 2003 1648
Batitucci et al. (2006) 90
Homicídios dolosos julgados em Minas Gerais 1985-2003 1611
Ruschel (2006) 17 Homicídios dolosos julgados em Florianópolis 2004 784
Ribeiro e Duarte (2008) 624
Homicídios dolosos processados na cidade do Rio 2000-2007 707
61
de Janeiro
Ribeiro (2009) 131
Homicídios dolosos cujo processo fora arquivado na cidade do Rio de Janeiro 1996 1915
Ribeiro, Cruz e Batitucci (2009) 51
Homicídios dolosos julgados na cidade de Belo Horizonte 1982-2002 1580
Média das médias (em dias) 1434
Entendendo que a média do tempo das médias de tempo de processamento
calculadas pelas pesquisas empíricas sobre homicídio doloso é uma medida acurada do
tempo necessário para o processamento de um delito, contrastando este tempo (1434
dias) com o tempo máximo previsto pelo Código de Processo Penal antes de sua
reforma em 2008 (310 dias), é possível afirmar que os sistemas de justiça criminal
brasileiros despendem 4,6 vezes mais tempo que o prescrito para o processamento do
delito de homicídio doloso.
A partir desta conclusão, é possível afirmar que essa distinção entre tempo legal
e tempo necessário é relevante para a análise de como a garantia dos direitos do cidadão
encontra-se vigente na realidade do sistema de justiça criminal. Por exemplo: pode
acontecer de, em virtude das circunstâncias de encarceramento do acusado, o
processamento ter de ser mais ágil do que o previsto nos códigos porque, caso contrário,
a vida do réu pode ser colocada em perigo.
Por outro lado, casos em que a coleta de provas é complicada podem demandar
um maior tempo do que o previsto pelos códigos, o que não compromete o processo
como um todo, na medida em que pode implicar no alcance de um resultado mais justo
para o réu.
Apesar de esta distinção entre tempo legal e tempo necessário ser controversa,
esta converge para a idéia de que determinados parâmetros estabelecidos por normativas
externas à própria lógica dos sistemas judiciais devem ser relativizados diante da lógica
de funcionamento do sistema e da necessidade do caso. Em outras palavras, caso a
realidade dos sistemas de justiça criminal fosse capaz de se acoplar perfeitamente ao
tempo previsto nos códigos legais, a distinção entre tempo legal e tempo necessário não
faria sentido.
Portanto, o que esses estudos sobre o tempo de duração dos processos de
homicídio doloso denotam é o fato de que a justiça criminal brasileira desrespeita o
tempo previsto pelo Código de Processo Penal para processamento deste tipo de
ocorrência ultrapassando-o em 4,6 vezes. Este resultado, por sua vez, permite afirmar
que existe uma discrepância entre o tempo previsto nos códigos e o tempo efetivado
62
pelos tribunais e, por isso, uma reforma que tenha como objetivo fixar prazos passíveis
de serem implementados pelos tribunais brasileiros quando do processamento de um
delito poderia ser uma estratégia interessante no sentido de tornar o sistema de justiça
criminal mais eficiente.
As análises realizadas nas seções precedentes indicam que os tempos prescritos
pela legislação processual penal brasileira estão longe de serem verificados na realidade
cotidiana dos tribunais. Ou pelo menos, este era o cenário vigente antes da reforma de
2008, quando foram coletados os dados utilizados nas análises supra-citadas. Isso
significa ainda que, a julgar pelas pesquisas empíricas realizadas no cenário da
legislação pretérita, o Brasil poderia ter tido a eficiência do seu sistema de justiça
criminal amplamente questionada no âmbito da CIDH, já que a média do tempo de
processamento de um delito de homicídio doloso era 4,6 maior do que a prescrita como
razoável pela própria legislação penal. Esse fato é preocupante, por outro lado, quando
se discute a credibilidade dos tribunais brasileiros e ainda a sua capacidade em
transmitir confiança para a população.
A questão que se coloca neste sentido é se a legislação atual, que apresenta
mudanças na forma e no tempo para a prática dos atos processuais, mas que não
apresenta medidas assecuratórias para o cumprimento de tais prazos foi ou não capaz de
reduzir a diferença existente entre o tempo legal e o tempo necessário para o
processamento de crimes comuns e crimes dolosos contra a vida.
No capítulo que se segue, é feita a análise dos bancos de dados dos tribunais de
justiça do Rio de Janeiro e de São Paulo a fim de mensurar o impacto dessas leis sobre o
prazo de duração dos processos de primeira instância a partir da análise dos casos em
que se processam homicídio doloso e roubo distribuídos no período anterior e posterior
à vigência da referida legislação nos respectivos estados.
63
CAPÍTULO II - ANÁLISE EMPÍRICA DO ASPECTO TEMPORAL DAS NOVAS LEIS
O objetivo deste capítulo é apresentar uma análise empírica do tempo de
processamento dos delitos de roubo e homicídio doloso nos tribunais de justiça dos
estados do Rio de Janeiro e São Paulo. Para tanto, o recorte adotado foi a análise do
tempo de duração dos processos em curso nos anos anteriores e no ano posterior à
reforma operada pelas Leis 11.719/08 e 11.689/08. A proposta desta análise é verificar
em que medida a mudança das regras relacionadas ao tempo de processamento no
âmbito do CPP foi ou não capaz de implicar em um cenário de menor diferença entre
tempo legal e tempo necessário (conceitos estes discutidos em detalhe no capítulo
anterior).
Estes estados da federação não foram escolhidos aleatoriamente. Pelo contrário.
A principal dificuldade para a operacionalização de estudos sobre o sistema de justiça
criminal no Brasil diz respeito à inexistência de um sistema oficial de estatística que
congregue informações sobre todas as fases, desde a policial até a execução penal.
Soma–se a isso o fato de que instituições de mesma natureza (como os tribunais de
justiça) podem possuir bancos de dados diferenciados ou podem até não possuírem
nenhum mecanismo de registro sistemático de suas informações. Assim, com o
propósito de se mapear quais tribunais poderiam disponibilizar as informações
necessárias para a realização desta pesquisa, em maio de 2009, foi realizada uma
reunião em Brasília entre o CESeC, a SAL/MJ e a Diretoria de Pesquisa do Conselho
Nacional de Justiça (CNJ).
Como é sabido, um dos projetos que o CNJ vem executando desde sua criação
(realizada no bojo da Emenda Constitucional nº 45/04) é a implementação das tabelas
processuais de tal maneira que seja possível, a este órgão, monitorar o tempo do
processamento no âmbito dos diversos tribunais existentes no país (CNJ, 2008).
A partir desta primeira reunião, alguns tribunais foram identificados como
aqueles que possuíam sistemas de informação condizentes com o objetivo da pesquisa.
Então, a SAL enviou ofícios aos tribunais de justiça dos estados de Sergipe, Minas
Gerais, Porto Alegre e ainda ao Distrito Federal solicitando o repasse dos respectivos
sistemas de informação.
64
Os tribunais do Rio de Janeiro e São Paulo, depois de alguns meses
(aproximadamente outubro de 2009), responderam os ofícios enviados pela SAL se
prontificaram a ceder os dados. Neste mesmo mês, o Tribunal de Justiça do Distrito
Federal informou não possuir tais informações. Cabe registrar que os demais sequer
responderam à solicitação feita.
Contudo, é importante destacar que a resposta aos ofícios não significou o
repasse imediato dos bancos de dados. Pelo contrário. Além desta resposta, foram
necessários diversos contatos telefônicos com os administradores dos respectivos
sistemas de informação de cada tribunal e ainda visitas com o objetivo de se garantir
que estas informações seriam recebidas antes do encerramento da pesquisa.
Ao final, os dados do Rio de Janeiro foram recebidos em 18/11/2009 e os dados
de São Paulo em 10/12/2009, apesar de ambos terem sido solicitados em Junho de 2009.
Portanto, Rio de Janeiro e São Paulo foram os únicos inseridos nesta análise por
possuírem e terem cedido bases de dados que contemplam questões como: data do
crime, data da denúncia, data da sentença final e tipo de crime, bem como por terem se
disponibilizado a ceder as bases para este estudo.
Como as bases de dados possuem informações distintas, os procedimentos
adotados para a análise do tempo do processo também foram diferenciados. Assim, este
capítulo será dividido em duas seções: uma relacionada aos procedimentos e ao tempo
de duração dos processos no Rio de Janeiro e outra relacionada às mesmas questões,
mas para o estado de São Paulo. Ao final serão apresentadas as conclusões deste estudo.
II.1. O tempo do processo penal no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ)
Para a análise do tempo de duração dos processos criminais de roubos e
homicídios dolosos no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), a
primeira providência foi a requisição da cessão de uma cópia do sistema de informação
deste órgão no que se refere a todos os processos distribuídos (independente de estes
terem ou não sido encerrados) no período compreendido entre os anos de 2000 e 2009.
Como em pesquisa anterior15 o CESeC havia trabalhado com uma cópia da base
de dados do TJRJ, além da requisição das informações relacionadas a datas (crime, 15A pesquisa foi a "Mensurando a Impunidade no Rio de Janeiro" que foi coordenada por Ignacio Cano a partir dos recursos da Secretaria Nacional de Segurança Pública que teve como objetivo analisar processos de homicídios dolosos que se encontravam na fase de execução da sentença de condenação no período compreendido entre os anos de 2000 e 2004
65
denúncia, sentença) foram solicitadas ainda as seguintes informações: Tipo de crime;
Peça de origem 16; Situação do Processo (ativo ou baixado); Tipo do Processo (comum,
execução, recurso, sumário); Natureza da sentença; Presença ou Ausência de
Testemunhas. Estas são exatamente as variáveis que compõem o banco de dados cuja
análise será realizada nas seções seguintes.
As informações solicitadas foram encaminhadas ao CESeC em novembro de
2009 e correspondem aos processos de roubos e homicídios dolosos distribuídos e
encerrados em primeira instância entre 01/01/2000 e 30/09/2009.
Esta ressalva é importante de ser realizada na medida em que alguns processos
existentes no âmbito desta base de dados encontram-se classificados como ativos,
apesar de possuírem sentenças terminativas do feito. Isso significa, inclusive,
fenômenos diferenciados dependendo do delito em questão.
Para os casos de roubo, o processo é considerado como ativo se a sua sentença
ainda não transitou em julgado ou se a sua sentença de primeira instância está sendo
discutida em segunda instância. Para os casos de homicídio doloso, o processo é
considerado como ativo se: (i) o procedimento ainda não alcançou a fase de plenária do
júri, ou seja, alcançou apenas a fase da pronúncia; (ii) a sentença de plenária ainda não
transitou em julgado; (iii) a sentença de pronúncia ou de plenária está sendo discutida
em segunda instância.
Isso significa que os dados repassados pelo TJRJ ao CESeC são aqueles cujo
processo recebeu pelo menos uma sentença, qualquer que seja a natureza desta. Como
antes da reforma de 2008 a pronúncia era também considerada uma sentença e não uma
decisão, os homicídios dolosos processados até esta fase também foram incluídos na
base de dados.
Isso significa que apesar de a solicitação do CESeC ter enfatizado que a cópia do
sistema deveria ser de todos os casos distribuídos independente de estes terem sido ou
não objeto de sentença (qualquer que fosse essa), apenas foram repassados os dados
referentes aos casos que alcançaram pelo menos alguma decisão. Esta forma de repasse
de dados possui implicações diretas especialmente para a análise do impacto da nova
legislação sobre o tempo de processamento.
16Esta variável se refere ao primeiro documento policial existente no âmbito do processo penal – o qual pode ser: registro de ocorrência, auto de prisão em flagrante ou inquérito policial. Para preservar todas estas informações, foram criadas três variáveis que identificavam a ausência ou presença de cada uma destas peças. Este procedimento é importante na medida em que ele viabiliza a conservação desta informação mesmo quando a unidade de análise deixa de ser o indivíduo para ser o processo.
66
Contudo, para uma melhor compreensão de todos os procedimentos adotados
para preparação desta base de dados desde o seu recebimento, passemos para a subseção
metodologia.
II.1.1. Metodologia – a preparação dos dados para a análise
O primeiro procedimento realizado após o recebimento da base de dados foi a
agregação das informações de tal maneira que cada registro correspondesse a um
processo. Isso porque a unidade de registro do TJRJ corresponde ao indivíduo que está
sendo processado e não o caso (ou o processo). Assim, como um mesmo processo pode
ter dois réus, que foram denunciados e sentenciados no mesmo momento, a não
realização desta operação poderia implicar a contagem do caso por duas vezes e, por
conseguinte, a distorção da análise da média de tempo, dentre outras análises relevantes.
Por outro lado, tal como evidenciado em pesquisa anterior (Ribeiro e Duarte,
2008), no caso de um processo com dois réus ser desmembrado, cada qual recebe uma
numeração específica 17. Ou seja, de acordo com a sistemática adotada pelo TJRJ, o réu
julgado em primeiro lugar permanece com a numeração antiga, enquanto o réu julgado
em segundo lugar recebe uma nova numeração.
Pode acontecer ainda, por problemas técnicos ou outras questões, de o caso
contar de maneira duplicada no âmbito do banco de dados e, assim, para evitar que este
caso seja contado duas vezes na análise do tempo (o que pode distorcer o resultado) é
necessário retirar a repetição.
Apenas para se ter uma idéia do universo de repetições no banco de dados, foi
criada uma variável que identificava quantas vezes um processo de mesmo número
aparecia repetido neste sistema. Se o número era zero (0), isso indicava que aquele
processo fora computado no banco de dados apenas uma vez. O número um (1)
significava que o caso contava com ele e mais uma repetição, sendo que os demais
números possuíam exatamente o mesmo significado. Os resultados de tal operação
encontram-se consolidados na Tabela 03.
17Isso ocorre porque, no âmbito do Código de Processo Penal, há uma série de circunstâncias que permitem a cisão do processo principal e, com isso, a abertura de outros processos (um para cada réu). Neste caso, como há nova distribuição, há uma nova numeração e este se torna mais um caso no banco de dados dos Tribunais de Justiça. Apenas para se ter uma idéia de quando este tipo de situação pode acontecer, tem-se o art. 413 do CCP, o qual estabelece em seu parágrafo único que “o processo não prosseguirá até que o réu seja intimado da sentença de pronúncia”, e, havendo “mais de um réu, somente em relação ao que for intimado prosseguirá o feito”.
67
Tabela 03 – Distribuição absoluta e percentual do número de repetições dos processos de roubos e homicídios dolosos presentes na base de dados consultada.
Rio de Janeiro, Estado: jan/2000 a set/2009
Roubos Homicídios dolosos
Número de repetições Números Absolutos
Percentual Válido
Números Absolutos
Percentual Válido
Nenhuma repetição 3.256 16,7% 3.130 36,8% Uma repetição 15.188 77,8% 5.082 59,8% Duas repetições 556 2,8% 159 1,9% Três repetições 509 2,6% 126 1,5% Quatro repetições 4 0,0% 1 0,0% Cinco repetições 2 0,0% 1 0,0% Seis repetições 1 0,0% 0 0,0% Sete repetições 1 0,0% 0 0,0% Oito repetições 1 0,0% 0 0,0% Nove repetições 1 0,0% 0 0,0% Total 19.519 100,0% 8.499 100,0% Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
De acordo com as informações sumarizadas na tabela anterior, um mesmo
processo poderia estar contemplado na base de dados apenas 1 (uma) vez ou até 9
(nove) vezes. A maioria dos casos de roubos conta com processos com uma repetição
(77,8%), sendo raros os casos nos quais o processo aparece de maneira única (16,7%).
Nos processos de homicídios dolosos, apesar de pouco mais de 1/3 dos casos
aparecerem sem nenhuma repetição (36,8%), mais da metade do conjunto observado
conta com uma repetição na base de dados (59,8%). Estes dados indicam que apenas 1/4
dos registros do banco de dados do TJRJ, relacionados aos casos de roubos e homicídios
dolosos, distribuídos e julgados entre 01/01/2000 e 30/09/2009 não contavam com
repetições, ou seja, referiam-se a apenas um processo.
De acordo com Cicourel (1995 (1968)), os números registrados pelas
organizações que compõem o sistema de justiça criminal são destinados a se
constituírem em abstrações numéricas de determinadas realidades. Assim, não é
possível analisar tais números sem compreender o que eles significam para os seus
próprios operadores. Caso a análise dos números produzidos pelas agências seja
realizada sem considerar o significado que as agências que o produzem concedem a
eles,as informações extraídas das tabelas e gráficos serão abstrações que estarão longe
de corresponder à realidade.
Neste caso, após inúmeras conversas e entrevistas com os operadores do sistema
de informações do TJRJ realizadas no âmbito da pesquisa “Mensurando a Impunidade”
foi possível verificar que como um processo com vários réus pode ser desmembrado e,
68
desta forma, ter um andamento distinto, parece útil ao TJRJ ter acesso em alguma
medida a esta informação. Daí porque se ao invés de computar em uma coluna o
número de réus ele computa tantas vezes o número do processo quanto ao número de
réus.
As informações repassadas pela Diretoria Geral de Tecnologia da Informação,
que foi o setor com quem a equipe entrou em contato para a obtenção da base de dados,
estiverem corretas, indicam que apenas 1/4 dos processos de roubos e homicídios
dolosos distribuídos e encerrados entre janeiro de 2000 e setembro de 2009 se referem a
apenas um indivíduo. Todos os demais casos se referem a processos com mais de um
réu.
Destaca ainda Cicourel (1995 (1968)) que as tabelas de informações no âmbito
do sistema de justiça criminal tendem a materializar a rotina de determinados
operadores do direito e, por isso, em boa parte dos casos, elas tentam armazenar tanto
informações sobre procedimentos como informações sobre indivíduos. Neste caso,
pode-se dizer que o sistema de informações do TJRJ armazena tanto informações sobre
processos como sobre os acusados. Estas informações parecem mais claras quando se
analisa a Tabela 04.
Tabela 04 – Distribuição dos números absolutos de processos e de indivíduos processados Roubos e homicídios dolosos
Rio de Janeiro, Estado: jan/2000 a set/2009 Unidade Roubos Homicídios dolosos Total Processos 10.850 5.671 16.521 Indivíduos 19.519 8.499 28.018 Razão 1,8 1,5 1,7 Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Isso significa que para o período compreendido entre janeiro de 2000 e setembro
de 2009 existia aproximadamente 1 processo para cada 1,8 acusados de roubos e 1
processo para cada 1,5 acusados de homicídios dolosos. Diante da tabela anterior, a
segunda pergunta que a equipe se fez foi a seguinte: será que o número de processos
(distribuídos e encerrados) e o número de ofensores crescem em tendência proporcional
ao longo dos anos analisados?
Esta pergunta pareceu interessante à equipe porque de acordo com a teoria
desenvolvida por Cicourel (1995 (1968)) para explicar a organização e o funcionamento
do sistema de justiça criminal destinado aos menores infratores nos Estados Unidos,
estas curvas de números devem possuir tendências semelhantes. Assim, fazendo os
cálculos para o Rio de Janeiro, tendo como base de análise o ano da distribuição do
69
processo, foi possível perceber que o número de indivíduos cresce proporcionalmente à
quantidade de papéis, considerando os dois crimes.
Gráfico 02 (a): Variação anual do número absoluto de indivíduos processados e número absoluto de processos por roubos
Rio de Janeiro, Estado: jan/2000 a set/2009
Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Gráfico 02 (b): Variação anual do Número absoluto de indivíduos processados e número absoluto de processos por homicídios dolosos
Rio de Janeiro, Estado: jan/2000 a set/2009 (ano de distribuição dos processos)
Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Ambos os gráficos denotam que a movimentação do número de processos e do
número de réus processados segue tendência constante ao longo do tempo, quando
comparados entre si. Assim, considerando a razão número de indivíduos por processos,
70
de acordo com o ano de distribuição do processo, é possível perceber que a tendência é
exatamente a mesma nos dois crimes analisados (Gráfico 03). Inclusive, o movimento
das curvas de razão (número de indivíduos processados por processo) é bastante similar
às curvas mostradas nos gráficos anteriores.
Gráfico 03 – Variação anual dos valores da proporção entre número de indivíduos e número de processos, para roubos e homicídios dolosos
Rio de Janeiro, Estado: jan/2000 a set/2009
Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Uma vez apresentadas as informações existentes na base de dados em relação ao
número de processos e processados e seguindo a mesma linha de análise desenvolvida
por Cicourel (1995 (1968)), o passo seguinte foi decidir qual unidade de análise deveria
ser utilizada como referência da pesquisa. Como este estudo pretende mensurar o tempo
do processo e como, de acordo com as informações repassadas pela DGTEC, sempre
que um processo que conta com mais de um réu é desmembrado ele recebe um novo
número, seguindo apenas apenso ao original, a unidade de análise escolhida foi o
processo em detrimento do indivíduo.
Assim, a estratégia adotada para esta seleção de informações foi a preservação
do número inicial de cada processo e o caso considerado foi aquele cujo processo
possuía o maior número de informações (datas e demais informações constantes no
banco de dados). Contudo, para não se perderem as informações relacionadas ao
número de réus (inferida do número de repetições) foi criada uma variável
contemplando exatamente esta informação.
71
Para a análise do tempo propriamente dito, a primeira variável submetida ao
escrutínio dos pesquisadores foi a denominada “situação processual”, a qual
basicamente classifica o processo em ativo (A) e baixado (B), foi possível perceber o
seguinte (Tabela 05):
Tabela 05 – Distribuição absoluta e percentual dos processos analisados De acordo com tipos de crimes e situação processual
Rio de Janeiro, Estado: jan/2000 a set/2009 Roubo Homicídio doloso
Situação Processual Números Absolutos Percentual Válido Números Absolutos Percentual Válido Baixado 6.085 56% 2.746 48% Ativo 4.765 44% 2.925 52% Total 10.850 100% 5.671 100% Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Processos ativos são aqueles que ainda estão tramitando no Judiciário. Processos
baixados são aqueles que já transitaram em julgado, ou seja, aqueles em relação aos
quais já se tomou uma decisão judicial definitiva qualquer que seja ela. Os dados
sumarizados na Tabela 05 indicam que 44% dos casos de roubos e 52% dos casos de
homicídios dolosos distribuídos entre os anos de 2000 e 2009 estavam ativos, isto é, em
trâmite no TJRJ em outubro de 2009. Este procedimento é importante porque, para fins
desta análise, interessa sobremaneira comparar os casos iniciados antes da reforma
operada pelas Leis 11.719/08 e 11.689/08 e iniciados depois das referidas leis.
Assim, o procedimento seguinte foi identificar quais eram os casos iniciados
antes e depois das novas leis. Isso porque, conforme será destacado nos capítulos
seguintes da presente pesquisa, a regra estabelecida no art. 2 do CPP18 é a da auto-
aplicabilidade da lei processual penal, ou seja, a lei processual penal se aplica a todos os
processos em curso desde o momento de sua vigência. Mas, há toda uma polêmica em
torno do momento de aplicação desta lei está relacionada à possibilidade de esta
retroagir ou não para beneficiar o réu 19. Neste sentido, casos cuja distribuição se operou
após a vigência das novas leis estão imunes a esta polêmica, posto que foram iniciados
sob a égide do CPP reformulado, não existindo, portanto, dúvida acerca de que
procedimento aplicar.
18 Art. 2o A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior.
19Vide capítulo IV.
72
Desta forma, considerando a referida polêmica, é possível afirmar que todos os
casos iniciados após o momento de vigência das novas leis deveriam ser processados de
acordo com o novo procedimento. A idéia que subjaz esta separação é a de que o efeito
das leis 11.719/08 e 11.689/08 apenas pode ser mensurado se comparados os tempos
dos casos iniciados antes da nova lei com os iniciados depois das novas leis, quando não
há dúvida sobre qual procedimento aplicar.
Contudo, como para a seleção destes casos é necessário primeiro a identificação
dos casos que foram iniciados antes e depois da nova lei. Para tanto, é necessário ainda
identificar os casos cujo processamento fora completado, já que são esses os que
possuem informações completas sobre o tempo de processamento. Para a identificação
de tais casos, foram utilizadas as variáveis relacionadas a sentenças no banco de dados,
quais sejam: primeira sentença (data e natureza) e última sentença (data e natureza).
Assim, passou-se ao entendimento das categorias das variáveis “primeira
sentença” e “última sentença”. Primeiro foi criada uma variável que identifica se uma
sentença era igual a outra. Com isso foi possível perceber que a maioria das sentenças
de roubos – classificadas como primeiro e segunda – eram iguais, enquanto que para o
delito de homicídios dolosos, um grande percentual de sentenças era diferente (Tabela
06).
Tabela 06 – Distribuição absoluta e percentual da relação entre as variáveis “primeira e última sentença” Processos de roubos e homicídios dolosos. Rio de Janeiro, Estado: jan/2000 a set/2009
Roubos Homicídios dolosos Relação entre a primeira e a última sentença
Número Absoluto
Percentual Válido
Número Absoluto
Percentual Válido
Sentenças iguais 10.661 98% 3.225 57% Sentenças diferentes 189 2% 2.446 43% Total 10.850 100% 5.671 100% Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Depois foi criada uma segunda variável que identifica se a data da primeira
sentença era igual a da última sentença. O objetivo com isso era verificar se este banco
era realmente relacionado a casos apenas da primeira instância e se as suas informações
eram consistentes. Os resultados encontram-se sumarizados na Tabela 07.
Tabela 07 – Distribuição absoluta e percentual da relação entre as variáveis “data da primeira e data da última sentença”, para os processos de roubos e homicídios dolosos.
Rio de Janeiro, Estado: jan/2000 a set/2009 Roubo Homicídio doloso
Relação entre a primeira e a última sentença
Número Absoluto
Percentual Válido
Número Absoluto
Percentual Válido
73
Iguais 10.291 97% 3.083 54% Diferentes 559 5% 2.588 46% Total 10.850 103% 5.671 100% Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
As distribuições percentuais observadas na tabela anterior permitem inferir que
em quase todos os casos de roubos as datas da primeira e da segunda sentença eram
iguais (97%), enquanto em pouco mais da metade dos casos de homicídios dolosos
essas datas eram diferentes (54%). A pergunta passou a ser então porque os casos de
homicídios dolosos contavam com um número menor de sentenças iguais e de datas de
sentença iguais.
Analisando as informações relacionadas à primeira sentença (que eram distintas
da segunda sentença) foi possível perceber que a maioria destas se referia exatamente às
decisões que o juiz pode tomar ao final da primeira fase do procedimento do júri. A
distribuição percentual para tais tipos de decisões encontram-se sumarizadas na Tabela
08:
Tabela 08 – Distribuição absoluta e percentual dos tipos de primeira sentença que não eram iguais aos tipos de segunda sentença nos casos dos homicídios dolosos.
Rio de Janeiro, Estado: jan/2000 a set/2009 Tipos de 1a. Sentença Número absoluto Percentual Pronúncia 2.206 85,01 Condenatória 115 4,43 Ext. punibilidade - morte do agente 54 2,08 Impronúncia 47 1,81 Desclassificação 43 1,66 Mista 40 1,54 Absolutória 34 1,31 Ext. punibilidade - outros motivos 27 1,04 Absolvição sumária 10 0,39 Ext. punibilidade - prescrição, decadência ou perempção 7 0,27 Art. 269 I CPC - Com mérito - procedência 3 0,12 Art. 76 da Lei 9099/95 - Transação penal 2 0,08 Extinção do Processo sem Exame de Mérito 2 0,08 Art. 269 I CPC - Com mérito - improcedência 1 0,04 Art. 89 §5 da Lei 9.099/95 1 0,04 Ext. punibilidade - retroatividade de lei 1 0,04 Outras Sentenças 1 0,04 Rejeição de Denúncia 1 0,04 Total 2.595 100 Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
A tabela anterior denota que a maioria dos casos (85%) são pronúncias,
confirmando que a primeira sentença, nos casos de homicídios dolosos, é na realidade a
decisão que encerra a primeira fase do procedimento do júri. Mesmo porque apenas com
a reforma penal de 2008 esta decisão deixou de ser classificada como sentença. Outras
categorias que também se enquadram neste critério são a impronúncia, a
74
desclassificação20 e a absolvição sumária 21. Esses casos foram, portanto, reclassificados
em uma nova variável denominada “decisão da primeira fase do júri”.
A pronúncia foi contemplada com uma variável “pronúncia” já que estes são os
casos que poderão alcançar uma decisão de plenária do júri e, por isso, estes são os
casos que devem ser levados em consideração quando da análise do tempo da segunda
fase deste rito.
A segunda categoria mais freqüentemente classificada como primeira decisão no
caso dos homicídios dolosos foi a condenação (4,43% dos casos). Estes são os casos nos
quais o juiz, ao desclassificar o delito de homicídio doloso para homicídio culposo
simples aplica imediatamente a pena, ao invés de remeter o processo para as varas
criminais comuns. Esta situação é especialmente rotineira nas varas criminais do
interior, já que consistem em varas únicas, onde o juiz da vara comum é também o juiz
do tribunal do júri.
Como esta base inclui todos os casos de homicídios dolosos processados no
estado do Rio de Janeiro no período correspondente, esta explicação parece bastante
pertinente. O mesmo é aplicável à categoria sentença mista (1,54%). Mas, como
explicar que essas sentenças (primeira) são distintas da segunda? Como a pesquisa
qualitativa sobre o funcionamento da justiça criminal se concentrou apenas na cidade do
Rio de Janeiro e como este banco de dados se refere apenas a casos de primeira
instância, a opção foi, para estes casos, utilizar apenas as informações relacionadas na
segunda sentença.
Alguns outros casos se referem à extinção da punibilidade, as quais se referem
às circunstâncias previstas, em sua maioria, no art. 10722 do Código Penal23 e implicam
o encerramento do processo pela perda do direito do Estado em punir o acusado. Como
para estes casos os cruzamentos com a variável última sentença revelaram que há
mudança na causa da extinção da punibilidade, mas não na decisão propriamente dita,
20 Trata-se de caso no qual o juiz desclassifica o delito de doloso para culposo e remete os autos ao juízo competente.
21 Quando presente causa que exclua o crime. Para maiores detalhes, capítulo IV desta pesquisa.
22 Art. 107 - Extingue-se a punibilidade: I - pela morte do agente; II - pela anistia, graça ou indulto; III - pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso; IV - pela prescrição, decadência ou perempção; V - pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada; VI - pela retratação do agente, nos casos em que a lei a admite; IX - pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei.
23A ressalva em sua maioria deve-se ao fato de outras causas extintivas da punibilidade estarem contempladas em legislações extraordinárias ao Código Penal Brasileiro.
75
estes casos também foram computados como encerramento da primeira fase do
procedimento do Tribunal do Júri.
Algumas questões curiosas também apareceram. Primeiro, a aplicação da
suspensão condicional do processo (Art. 89 §5 da Lei 9.099/95) e da transação penal
(Art. 76 da Lei 9099/95). Como a equipe não possuía informações sobre por que essas
medidas despenalizadoras foram aplicadas aos homicídios dolosos, quando a pena de tal
crime não permite o uso de tais institutos, estas categorias foram sumariamente
excluídas.
A atividade subsequente foi a de compreender o que o tribunal classifica ou não
como “última sentença”, já que analisando as variáveis anteriores foi possível perceber
que um grande número de casos conta com informações para a “última sentença”,
apesar de uma grande quantidade de casos ser classificada pelo tribunal como processos
“ativos”. Os resultados desta operação encontram-se sumarizados na Tabela 09.
Tabela 09 – Distribuição absoluta da classificação da última sentença De acordo com a situação do processo (ativo ou baixado) para os casos de roubos e homicídios dolosos.
Rio de Janeiro, Estado: jan/2000 a set/2009 (Ordenados por ordem alfabética) Roubo Homicídio doloso
Tipo de sentença Baixado Ativo Total Baixado Ativo Total Absolutória 1.375 461 1.836 191 64 255 Arquivamento da Representação 1 0 1 38 31 69 Art. 267 I CPC - Indeferimento da petição inicial 0 0 0 0 1 1 Art. 267 IV CPC - Ausência de pressupostos processuais 1 1 2 0 1 1 Art. 267 V CPC - Perempção, litispendência ou coisa julgada 10 13 23 4 17 21 Art. 267 VI CPC - Falta de condições da ação 2 12 14 10 0 10 Art. 267 XI CPC - Outros casos 2 1 3 5 0 5 Art. 269 I CPC - Com mérito - improcedência 2 0 2 1 0 1 Art. 269 I CPC - Com mérito - procedência 0 0 0 1 0 1 Art. 74 Lei 9.099/95 - Homologatória (comp. de danos civis) 1 0 1 0 0 0 Art. 76 Lei 9.099/95 - Homologatória de transação penal 0 1 1 4 0 4 Art. 82 do CP - Extinção da pena 1 1 2 12 5 17 Art. 89 §5 da Lei 9.099/95 12 5 17 113 190 303 Condenatória 3.891 3.679 7.570 28 27 55 Desclassificação 2 1 3 160 77 237 Ext. punibilidade - morte do agente 133 71 204 134 22 156 Ext. punibilidade - outros motivos 160 21 181 1 0 1 Ext. punibilidade - prescrição, decadência ou perempção 32 12 44 124 32 156 Ext. punibilidade - ren. à queixa ou perdão (ação privada) 0 0 0 0 1 1 Ext. punibilidade - retratação 0 0 0 0 1 1 Extinção do Processo sem Exame de Mérito 34 5 39 8 1 9 Habeas Corpus denegado 1 0 1 0 0 0 Impronúncia 1 0 1 390 147 537
76
Mista 115 211 326 19 37 56 Pronúncia 0 2 2 109 1.067 1.176 Reabilitação 1 1 2 3 0 3 Rejeição de Denúncia 3 2 5 1.355 1.721 3.076 Total 5.780 4.500 10.280 2.710 3.442 6.152
Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
A Tabela 09 possui informações, no mínimo, surpreendentes. Primeiro, a maior
parte dos roubos conta com sentença condenatória, apesar de classificados como ativos.
Isso pode estar indicando que estas sentenças estão sendo questionadas em segunda
instância e, por isso, o processo ainda não fora “baixado”. No entanto, como os novos
procedimentos penais se aplicam apenas até a prolação da sentença em primeira
instância, estes casos cumprem os requisitos necessários para a análise. Segundo, ainda
no âmbito dos roubos, alguns casos foram classificados como “pronúncia” o que nos
permite conjecturar que esses podem ser casos de latrocínio, que o juiz entendeu por
bem remeter ao júri.
No caso dos homicídios dolosos, foi possível perceber que mesmo na última
decisão há uma grande quantidade de casos classificados como “pronúncia”,
“impronúncia” e “desclassificação”. Assim, estes casos foram “retirados” da variável
última sentença e computados na variável “primeira decisão do procedimento do júri”.
Os casos cuja primeira e segunda sentenças são iguais na data e na natureza foram
adicionados à variável anteriormente criada e denominada de decisão da primeira fase
do júri.
Interessante destacar ainda que em ambos os casos, para a decisão sobre a
procedência ou não da extinção do processo, o juiz se vale do Código de Processo Civil.
Como estes casos podem ser considerados como sentenças terminativas do feito, eles
também foram considerados na análise.
A partir destas discussões, as sentenças foram reclassificadas em: absolvição,
condenação, extinção do processo (categorias que aplicam o procedimento do processo
civil), extinção da punibilidade, outras sentenças (que incluem as sentenças mistas -
divididas em capítulos cíveis e criminais24, e as suspensões condicionais do processo),
decisões da primeira fase do júri e decisões não terminativas. Utilizando estas
categorias, a variável última sentença ficou reclassificada da seguinte maneira (Tabela
10).
24 Para mais detalhes, vide capítulo IV, na seção “critérios para fixação de quantum indenizatório”.
77
Tabela 10 – Distribuição absoluta e percentual da natureza da última sentença Para os casos de roubos e homicídios dolosos Rio de Janeiro, Estado: jan/2000 a set/2009
Roubo Homicídio doloso Total
Sentença final Número Absoluto
Percentual Válido
Número Absoluto
Percentual Válido
Número Absoluto
Percentual Válido
Absolvição 1937 18% 1037 18% 2974 18% Condenação 7894 73% 1593 28% 9487 57% Extinção do processo (categorias que aplicam o procedimento do processo civil) 82 1% 48 1% 130 1% Extinção da punibilidade 534 5% 825 15% 1359 8% Outras sentenças – mista e lei 9.099/95 35 0% 139 2% 174 1% Decisões da primeira fase do júri 359 3% 2020 36% 2379 14% Decisões não terminativas 9 0% 9 0% 18 0% Total 10850 100% 5671 100% 16521 100% Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Outra questão que pareceu relevante foram as implicações que a análise
concentrada apenas nos casos que já possuíam algum tipo de decisão poderiam ter para
a compreensão dos efeitos das Leis 11.719/08 e 11.689/08 sobre o tempo de
processamento. Para responder esta questão, um ponto de partida interessante é a
construção de gráficos com curvas do número de processos de roubos e homicídios
dolosos distribuídos e sentenciados a cada ano (Gráficos 04a e b).
Gráfico 04a – Variação anual do número de processos de roubos considerados para cálculo do tempo processual, considerado o ano de distribuição e o ano de encerramento do processo.
Rio de Janeiro, Estado: jan/2000 a set/2009
Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
78
Gráfico 04b – Variação anual do número de processos de homicídios dolosos considerados para cálculo do tempo processual, considerado o ano de distribuição e o ano de encerramento do processo.
Rio de Janeiro, Estado: jan/2000 a set/2009
Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Os gráficos acima não deixam dúvidas de que à medida que se caminha no fluxo
de processamento, considerando o marco inicial de 01/01/2000, tem-se um número
maior de casos sendo encerrados e um número menor de casos distribuídos para os
crimes de roubos e de homicídios dolosos.
Como o tempo médio de processamento destes crimes, de acordo com as
pesquisas prévias realizadas neste campo 25 é superior a um ano, isso significa que casos
distribuídos em 2009 e que não podem ser classificados como muito rápidos apenas
serão incluídos nesta base nos anos seguintes.
Por outro lado, comparando os números iniciais e finais das séries seria possível
afirmar que o número de processos decaiu enquanto o número de sentenças aumentou
substancialmente. Contudo, esta conclusão é equivocada uma vez que a forma como a
base de dados foi construída faz com que o número de casos que preenchem os
requisitos para sua inclusão na análise seja decrescente. Ou seja, se o critério para a
inclusão do caso no banco de dados é que o processo tenha sido iniciado E encerrado no
período compreendido entre 01/01/2000 e 30/09/2009, isso significa que os casos mais
antigos têm mais chances de serem incluídos nesta base que os casos mais novos.
25 Para mais detalhes sobre esses estudos, vide capítulo I.
79
Tal como apresentado no capítulo I, as pesquisas empíricas sobre este tema
denotam que o tempo médio de processamento dos delitos de homicídios dolosos é de
1.434 dias (ou 3,98 anos). Isso significa que se todos os casos deste crime seguirem este
prazo médio, a base apenas possuirá informações completas sobre todos os processos
distribuídos até julho de 2005. Depois desta data, especialmente para os homicídios
dolosos, apenas os casos substancialmente rápidos poderiam ser contemplados.
Em suma: como a base inclui apenas processos distribuídos e sentenciados ao
longo do período analisado ao invés de processos distribuídos (independente de estes
terem ou não alcançado uma sentença) isso faz com que, para os anos posteriores a
2005, apenas os casos mais rápidos possam ser contemplados como objeto de análise.
Como os casos mais rápidos são apenas uma parte do total de casos registrados, o
número de processos incluídos na base decai ao longo do tempo, dando a falsa
impressão de que o número de processos de roubos e homicídios dolosos distribuídos no
TJRJ decai ao longo do tempo.
A forma como a base de dados foi construída também é problemática quando se
pretende analisar o tempo do processo e o impacto de leis editadas no ano de 2008 sob
este tempo 26. Isso porque ao considerar apenas os casos distribuídos e encerrados no
período, os casos “muito rápidos” (que são aqueles distribuídos e encerrados em poucos
dias) terminam por reduzir a média de dias, dando ainda a falsa impressão de que o
TJRJ é cada vez mais eficiente no processamento dos crimes que chegam ao seu
conhecimento.
A partir de todas estas análises decidiu-se considerar como casos para os quais
os novos procedimentos eram aplicáveis aqueles cuja distribuição ocorrera após a
publicação das novas leis. A distribuição foi tomada como categoria de análise por
vários motivos. Entre estes cumpre destacar o fato de que é a partir deste momento que
o processo começa a existir no tribunal. Além disso, foi esta a variável que orientou a
própria geração do banco de dados, pois foi a partir dela que todas as demais
informações foram geradas.
A equipe escolheu estes casos por entender que impactos de procedimentos
como a audiência una e outras questões apenas poderiam ser verificadas a partir da
análise dos processos distribuídos depois da lei, uma vez que a base de dados não
26Outro detalhe interessante é o fato de que a forma como esta base de dados foi construída inviabiliza ainda a realização de análises de fluxo, as quais procuram mensurar o percentual de perdas entre as respectivas fases de processamento. Para maiores detalhes sobre este tipo de análise vide
80
apresenta informações sobre a data da audiência. Além disso, os processos distribuídos
depois do início da vigência das novas leis não podem ser incluídos na discussão supra-
citada posto que não há dúvida sobre qual o procedimento aplicável e ainda não há que
se falar em retroatividade, já que o caso não existia antes da lei27. A partir da criação
destas variáveis, que só se aplicam ao crime que estas regulamentam, foi possível
perceber o seguinte (Tabela 11).
Tabela 11 – Distribuição absoluta e percentual dos processos distribuídos antes e depois da lei ao qual o seu procedimento se sujeita.
Rio de Janeiro, Estado: jan/2000 a set/2009
Lei 11.719/08 Aplicável aos roubos
Lei 11.689/08 Aplicável aos homicídios dolosos
Natureza do caso Número absoluto
Percentual Válido
Número absoluto
Percentual Válido
Caso distribuído antes da lei em questão 16.147 98% 16.317 99% Caso distribuído depois da lei em questão 374 2% 204 1% Total de casos na análise 16.521 100% 16.521 100%
Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
A partir desta tabela, ficou evidente que apenas uma quantidade muito diminuta
de casos fora distribuída depois do início da vigência da reforma de 2008. Assim, os
resultados apresentados devem ser analisados com cautela, posto a existência de um
percentual muito pequeno de casos distribuídos após o início da vigência das novas leis.
Esclarecidos os critérios a serem considerados na análise, a equipe se ocupou da
análise dos tempos de processamento de acordo com as datas existentes no banco de
dados. Contudo, antes de apresentar os resultados, é importante salientar a própria
qualidade dos dados recebidos. Primeiro, vários são os campos referentes a datas que
restam sem preenchimento pelo tribunal, especialmente, no que se refere à data do
delito, data da denúncia e data do recebimento da denúncia. Segundo, cumpre destacar a
qualidade do preenchimento destas informações. Isso porque várias datas são
inconsistentes, fazendo, por exemplo, que o caso tenha uma sentença antes mesmo de
ser distribuído ou ainda antes mesmo de o crime ter ocorrido. Assim, apenas para
se ter uma ideia da magnitude dos problemas destacados, tem-se a Tabela 12, a qual
apresenta a quantidade de casos sem informação e com data negativa em cada uma das
fases para as quais se possuía informação sobre data.
27Este assunto será analisado em detalhe no capítulo IV deste relatório.
81
Tabela 12 – Distribuição dos números absolutos dos processos de roubos e de homicídios dolosos que apresentaram “informação negativa” e que estavam “sem informação”, de acordo com a fase processual
em questão. Rio de Janeiro, Estado: jan/2000 a set/2009
Roubo Homicídio doloso
Tempos levados em consideração
Percentual de casos com informação negativa
Percentual de casos em branco
Percentual de casos com informação negativa
Percentual de casos em branco
Tempo entre a data do crime e a data da distribuição do processo 0,1% 66,7% 0,2% 61,9% Tempo entre a data de distribuição do processo e a data do recebimento da denúncia 0,4% 63,9% 1,5% 48,7% Tempo entre a data do recebimento da denúncia e a data da primeira sentença 1,9% 63,9% 2,8% 48,7% Tempo entre a data da distribuição e a data da primeira sentença 2,5% 0,0% 3,6% 0,0% Tempo entre a data da primeira sentença e a data da última sentença 0,1% 0,0% 0,1% 0,0% Tempo entre a data da distribuição e a data da última sentença 0,3% 0,0% 1,3% 0,0% Tempo entre a data do recebimento da denúncia e a data da última sentença 0,1% 63,9% 0,4% 48,7% Tempo entre a data do crime e a data da última sentença 0,0% 66,7% 0,0% 61,9% Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
As informações sumarizadas pela Tabela 12 apontam que os maiores problemas
de não preenchimento estão relacionados às primeiras fases do fluxo de processamento
(desde o crime até o recebimento da denúncia).
Já as datas de distribuição do processo, da primeira sentença e da última
sentença são mais bem preenchidas pelos funcionários dos cartórios, mas ainda assim
apresentam alguns problemas. Não obstante, os problemas relacionados à consistência
do preenchimento permanecem. Isso porque, especialmente para a fase entre a
distribuição e a primeira sentença, há um grande número de casos com informações
negativas e, dada a impossibilidade de o processo ter sido sentenciado em primeira
instância antes de ter sido distribuído, isso denota que uma percentagem significativa de
casos apresenta problemas.
Por fim, considerando que um caso pode ter data negativa em um momento, mas
também em outro (ou seja, o mesmo caso foi sistematicamente mal preenchido), foi
criada uma variável que contava o número de “tempos negativos” que o caso possuía,
82
denotando a quantidade de casos a ser excluída da análise em cada um dos momentos
(Tabela 13).
Tabela 13 – Distribuição absoluta e percentual do número de vezes que o mesmo processo apresentou informações negativas em relação às datas, de acordo com o tipo de crime
Rio de Janeiro, Estado: jan/2000 a set/2009 Roubos Homicídios dolosos
Número de tempos negativos que cada caso possuía
Número absoluto
Percentual Válido
Número absoluto
Percentual válido
O caso não tem tempo negativo 10.507 97% 5.307 94% O caso tem um tempo negativo 112 1,0% 179 3,2% O caso tem dois tempos negativos 220 2,0% 171 3,0% O caso tem três tempos negativos 11 0,1% 15 0,3% Total 10.850 100% 5.671 100% Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Isso significa que em razão do inadequado preenchimento das datas necessárias
para cálculo de cada uma das fases, foram excluídos 3,4% dos casos de roubos e 6,2%
dos casos de homicídios dolosos.
Uma vez realizadas todas estas seleções e filtragens, o passo seguinte foi a
reconstituição do fluxo de processamento de um delito, em termos temporais, a partir
das informações disponíveis no banco de dados do TJRJ de acordo com os fluxogramas
desenhados no capítulo I. A proposta aqui é testar a aderência da legislação à realidade
do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Contudo, não serão novamente
mencionadas as etapas pelas quais o caso deve passar desde a sua ocorrência, já que
todas essas informações foram apresentadas de maneira detalhada no capítulo anterior.
II.1.2 – O tempo do processo no caso dos delitos de roubo distribuídos no TJRJ
Os delitos de roubo, de acordo com a sistemática do Código de Processo Penal
Brasileiro, devem ser processado pelo rito ordinário. Na legislação anterior, o prazo
para a realização de todas as atividades relativas ao processamento do indivíduo desde a
ocorrência do delito até a sua sentença final, se este estivesse preso, era de 95 dias. Na
legislação atual, este prazo é de 120 dias. Ou seja, tal como destacado no capítulo I, a
reforma ampliou e não reduziu o tempo de processamento para os crimes comuns para o
caso dos réus presos. No caso dos réus soltos a extensão do prazo foi menor, saindo de
145 dias para 150 dias.
Em termos de tempos, a Lei 11.719/08 não alterou a fase do inquérito policial,
mas tão somente o procedimento judicial e, entre as várias mudanças promovidas, tem-
83
se o fim da redução dos prazos processuais para quem se encontrava custodiado durante
a fase processual. No entanto, esta diferenciação de prazos ainda se faz presente durante
a fase policial 28
Ou seja, se antes da reforma o CPP estabelecia que o réu solto deveria ser
processado em 145 dias e o réu preso em 95 dias (contados desde a data da consumação
do delito), com a reforma de 2008, estes prazos passaram a ser, respectivamente, de 150
e 120 dias, sendo a diferença de 20 dias entre estes devida, tão somente, à fase policial.
Isso significa dizer que tanto antes, quanto depois da reforma, tal como prescrito
pelo art. 10 do CPP 29, o inquérito policial deve ser encerrado em 10 dias para os casos
de réu preso e em 30 dias para os demais casos. A denúncia, da mesma forma, deve ser
oferecida em 5 dias após a distribuição do processo, para o caso de réu preso e em 15
dias após a distribuição do processo, tal como prescrito pelo art. 46 do CPP 30. Mas,
após a reforma, uma vez que a denúncia é recebida, os prazos processuais prescritos são
exatamente os mesmos, independente de o réu estar ou não custodiado.
Assim, esta análise foi dividida em três momentos. O primeiro apresenta o
tempo de processamento dos casos de roubos antes da Lei 11.719/08; o segundo
apresenta o tempo de processamento dos casos de roubos depois da Lei 11.719/08; e a
terceira seção faz um contraste destes resultados levando em consideração o tempo
prescrito em cada uma das duas legislações (CPP – 1941 e CPP reformado em 2008).
Considerando o período anterior à Lei 11.719/08, o que inclui nesta base de
dados todos os casos de roubo distribuídos entre 01/01/2000 e 22/08/2009 e julgados até
30/09/2009 (data em que a base de dados em análise foi repassada ao CESeC), foi
possível constatar algumas questões interessantes, como destacado na Tabela 14.
28 Interessante destacar que, neste caso, o Brasil reformulou a sua legislação em sentido contrário ao que se observa no restante do mundo, onde a grande preocupação é em garantir que o processo do acusado custodiado dure o menor número de dias possível.
29Art. 10. O inquérito deverá terminar no prazo de 10 dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de 30 dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela.
30Art. 46. O prazo para oferecimento da denúncia, estando o réu preso, será de 5 dias, contado da data em que o órgão do Ministério Público receber os autos do inquérito policial, e de 15 dias, se o réu estiver solto ou afiançado. No último caso, se houver devolução do inquérito à autoridade policial (art. 16), contar-se-á o prazo da data em que o órgão do Ministério Público receber novamente os autos.
84
Tabela 14 – Tempos das fases processuais para processos de roubos distribuídos entre jan/2000 e o momento de início da vigência da Lei 11.719/08 31 (em dias)
Rio de Janeiro, Estado: jan/2000 a ago/2008
Tempo considerado
Número de casos com informações válidas 32
Valor mínimo
Valor máximo Média
Desvio Padrão
Tempo entre a data do crime e a data da distribuição do processo 3.219 0 17.323 238 611 Tempo entre a data da distribuição do processo e a data do recebimento da denúncia 3.327 0 3.152 83 323 Tempo entre a data do recebimento da denúncia e a data da última sentença 3.327 0 3.177 339 324 Tempo entre a data do crime e a data da última sentença 3.219 34 18.128 641 796 Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
De acordo com a Tabela 14, um primeiro fenômeno a ser destacado é a
qualidade dos dados. Por mais eficiente que o sistema de justiça criminal possa ser,
seria impossível a ele realizar todos os atos relacionados ao processamento de um delito
de roubo exatamente no mesmo dia. Assim, os zeros como tempos mínimos terminam
por reforçar a negligência de muitos funcionários ao completar os campos dos sistemas
dos tribunais de justiça com informações que, nem sempre, são as constantes no
processo. Apenas para a fase entre a data do crime e a data da última sentença, o valor
mínimo não é zero, mas 34 dias.
Considerando cada uma das fases processuais para as quais se possui
informação, tem-se que para os casos de roubo distribuídos ainda sob a égide da
legislação anterior tem-se que:
1. A fase policial - que computa o número de dias transcorridos desde a ocorrência
do crime até a distribuição do processo em juízo33 - durava, em média, 238 dias;
2. A fase do Ministério Público - partindo do pressuposto que este teve acesso aos
autos no dia da distribuição e que juiz recebeu sua denúncia imediatamente 34 -
durava, em média, 83 dias;
31Lembrando que neste caso já foram excluídas as sentenças não terminativas do feito e os casos com problemas em razão de terem apresentado tempos negativos.
32Considerando apenas os casos cujas informações não eram inconsistentes ou cujos campos estavam em branco.
33Já que por força do art. 23 do CPP o delegado deverá enviar primeiro o processo ao juiz para que este envie ao Ministério Público e quando do envio do processo ao juiz este deve ser distribuído. “Art. 23. Ao fazer a remessa dos autos do inquérito ao juiz competente, a autoridade policial oficiará ao Instituto de Identificação e Estatística, ou repartição congênere, mencionando o juízo a que tiverem sido distribuídos, e os dados relativos à infração penal e à pessoa do indiciado.”
34 Já que os casos de rejeição de denúncia foram excluídos da análise do tempo.
85
3. A fase processual propriamente dita, se considerada a data entre o recebimento
da denúncia e a sentença, durava, em média, 339 dias.
O tempo global médio, considerando o período compreendido entre a data do
crime e a data da última sentença era de 641 dias. Isso significa que, sob a égide da
legislação passada, os casos de roubos demoravam 4,3 vezes mais tempo que o prescrito
legalmente para a duração de um processo desta natureza para os casos de réus soltos.
Por outro lado, considerando os processos de roubo distribuídos após o início da
vigência da Lei 11.719/08, isto é, após 22 de Agosto de 2008, é possível afirmar que
(Tabela 15).
Tabela 15 – Tempos das fases processuais para processos de roubos 35 distribuídos depois do início da vigência da Lei 11.719/08 (em dias)
Rio de Janeiro, Estado: ago, 2008 a set/2009
Tempo considerado
Número de casos com informações válidas 36
Valor mínimo
Valor máximo Média
Desvio Padrão
Tempo entre a data do crime e a data da distribuição do processo 197 0 2.968 250 474 Tempo entre a data da distribuição do processo e a data do recebimento da denúncia 337 0 300 23 42 Tempo entre a data do recebimento da denúncia e a data da última sentença 337 0 386 153 79 Tempo entre a data do crime e a data da última sentença 197 57 3.109 423 481 Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Antes de iniciar a análise, duas ressalvas devem ser realizadas. Primeiro, mais
uma vez, fica evidente o problema da qualidade das informações judiciais, uma vez que
o único valor mínimo que não é zero é o da fase entre a data do crime e a data da última
sentença, o qual é de 57 dias. Por outro lado, os tempos médios para casos iniciados
após a reforma são menores que para os casos iniciados antes da reforma.
Contudo, é preciso cautela ao analisar estas informações, já que a forma como a
base de dados foi construída pode levar a distorções nos resultados, posto que, para os
anos finais da série, apenas os casos substancialmente rápidos podem ser incluídos nesta
análise. Soma-se a isso o fato de que o número de casos considerados para a construção
desta análise é substancialmente menor que o número de casos considerados para
cálculo do tempo do processo na legislação passada.
35Lembrando que neste caso já foram excluídas as sentenças não terminativas do feito e os casos com problemas em razão de terem apresentado tempos negativos.
36Considerando apenas os casos cujas informações não eram inconsistentes ou cujos campos estavam em branco.
86
Assim, considerando as informações disponibilizadas pelo TJRJ, foi possível
constatar que, os processos iniciados e encerrados após a reforma, demandaram, em
média: a) 250 dias para realização da fase policial; b) 23 dias para realização da fase do
Ministério Público; c) 153 dias para realização da fase judicial. Por fim, o tempo médio
global de processamento dos delitos de roubos cujo processo foi iniciado após a
vigência da reforma de 2008 e encerrado até Setembro de 2009 foi de 423 dias. Este
tempo é 180% maior que o prescrito pela legislação atual, mas 34% menor que o
verificado no período anterior à vigência da nova lei.
No entanto, dados os vieses que podem surgir em termos de interpretação destes
resultados e dada a forma como esta base de dados foi construída, optou-se por se
construir um gráfico com a média de tempo do processo de acordo com o ano da
distribuição. Para tanto, foi utilizada como referência a variável “tempo entre a data do
recebimento da denúncia e a data da última sentença” (Gráfico 05).
87
Gráfico 05 37 – Variação do tempo médio de duração processos de roubos De acordo com o ano em que foram distribuídos.
Rio de Janeiro, Estado: Jan/2000 a set/2009
Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
O gráfico acima denota questões interessantes. Primeiro, a grande maioria dos
casos de roubo tem o seu intervalo de tempo concentrado em até 1000 dias. O intervalo
de tempo (variação de dias entre o menor e o maior tempo) de 2001 é maior que o
tempo de 2000 (provavelmente porque este ano tem um número substancialmente maior
de casos, tal como destacado nos gráficos 02 a 04), mas depois este vai diminuindo
progressivamente, assim como os tempos médios. Ou seja, este gráfico parece denotar
que a redução do tempo de processamento dos delitos de roubo não pode ser atribuída
às novas leis, posto que este fenômeno vem ocorrendo desde o ano de 2002.
37Este gráfico, também chamado de Blox Plot, apresenta os valores centrais dos dados e alguma informação a respeito da amplitude deles. a caixa central inclui os 50% dos dados centrais. As linhas inferiores e superiores ("whiskers") mostram a amplitude dos dados, isto é a diferença entre o maior e o menor valor. A simetria é indicada pela caixa e pelas marcas ("whiskers"), as quais localizam, entre outras coisas, a média e a mediana. Este gráfico é bastante utilizado por ser relativamente fácil comparar grupos, construindo diagramas de caixa lado a lado, tal como será realizado nos diversos gráficos desta natureza construídos neste relatório.
88
Por outro lado, a forma como a base de dados encontra-se estruturada também
não viabiliza nenhuma afirmação relacionada à progressiva redução do tempo de
processamento dos casos de roubos, posto que, especialmente para os últimos anos,
tem-se um pequeno número de casos incluídos neste sistema de informação.
II.1.2 – O tempo do processo no caso dos delitos de homicídio doloso distribuídos
no TJRJ
Conforme destacado anteriormente, as grandes inovações trazidas pela Lei
11.689/08 quanto ao tempo de processamento dos crimes dolosos contra a vida foram: a
previsão do prazo de 90 dias para conclusão da primeira fase do procedimento
judicial,38 o fim da distinção de prazos entre réu preso e réu solto, a extinção do protesto
por novo júri, o desaforamento por excesso de prazo e a concentração dos atos. Em
suma: foram grandes inovações no que diz respeito ao tempo de processamento, mas
uma alteração mister de ser destacada é o fato de independente de o réu estar ou não em
custódia, a decisão que decide pela pronúncia (ou não) do suspeito deverá ocorrer em
até 90 dias a partir do recebimento da denúncia pelo juiz. 39
Concomitante com este dispositivo, tem-se que o art. 428 do CPP 40 estabeleceu
a possibilidade de desaforamento 41 quando tiverem transcorrido mais de seis meses do
trânsito em julgado da pronúncia. A doutrina 42 tem entendido que o prazo para o
desaforamento pode ser aplicado de maneira analógica como limite máximo para a
duração da segunda fase do júri e, assim, quando se concatena o art. 412 com o art. 428
do CPP, tem-se que o prazo máximo para duração do processamento dos casos de
competência do júri é de 270 dias ou nove meses (90 dias até a pronúncia e 180 dias
entre a pronúncia e a decisão do júri).
38 Art. 412. O procedimento será concluído no prazo máximo de 90 (noventa) dias.
39 Mesmo porque é a partir do recebimento da denúncia (art. 406) que se inicia a contagem do prazo para que o juiz ou absolva sumariamente ou mande citar o réu para responder a acusação que lhe é feita.
40 Art. 428. O desaforamento também poderá ser determinado, em razão do comprovado excesso de serviço, ouvidos o juiz presidente e a parte contrária, se o julgamento não puder ser realizado no prazo de 6 (seis) meses, contado do trânsito em julgado da decisão de pronúncia.
41 O desaforamento é o deslocamento de um processo de competência do Tribunal do Júri, já iniciado, de um foro para outro, transferindo-se para este a competência para o seu julgamento, o qual deve ocorrer imediatamente.
42 Ávila, Thiago André Pierobom. “O novo procedimento dos crimes dolosos contra a vida (Lei nº 11.689/08)”. In: BuscaLegis.ccj.ufsc.br (http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/journals/2/articles/18820/public/18820-18821-1-PB.pdf), acesso em 26/02/2010.
89
Contudo, há que se destacar que este é o prazo judicial e, portanto, para cálculo
do prazo processual global a este deve ser acrescido o prazo do inquérito policial (10
dias para réu preso e 30 dias para réu solto) e o prazo para oferecimento da denúncia (5
dias para réu preso e 15 dias para réu solto). Assim, apesar de a reforma ter acabado
com a diferenciação do prazo judicial para réu preso e réu solto, o prazo processual
permanece diferente, dependendo se o réu encontra-se ou não em custódia, sendo este
de 295 dias para réu preso e 315 dias para réu solto.
Da mesma forma que na seção anterior, serão realizados os cálculos para cada
uma das fases para as quais se tem informação, excluindo-se os casos que apresentaram
problemas de inconsistência e ainda os casos que não alcançaram desfecho. Por outro
lado, no caso específico dos homicídios dolosos, serão considerados, primeiro, todos os
casos que alcançaram a fase da decisão de pronúncia e depois todos os casos que
seguiram desta decisão em diante.
Feitas todas essas ressalvas, utilizando as datas disponíveis no banco de dados
do TJRJ, foi possível constatar que para os processos distribuídos antes da vigência da
Lei 11.689/08 os tempos de duração de cada fase são os seguintes (Tabela 16).
Tabela 16 – Tempos das fases processuais para processos de homicídios dolosos distribuídos entre jan/2000 e o momento de início da vigência da Lei 11.689/08 (em dias).
Rio de Janeiro, Estado: jan/2000 a ago/2008
Tempo considerado
Número de casos com informações válidas 43
Valor mínimo
Valor máximo Média
Desvio Padrão
Tempo entre a data do crime e a data da distribuição do processo 1.921 0 18.938 538 1.129 Tempo entre a data da distribuição do processo e a data do recebimento da denúncia 2.480 0 3.197 169 435 Tempo entre o recebimento da denúncia e a decisão de pronúncia 1.056 0 2.884 521 453 Tempo entre a decisão de pronúncia e a última sentença 1.712 0 1.319 20 111 Tempo entre o recebimento da denúncia e a última sentença 2.480 0 3.123 683 512 Tempo entre a data do delito e a última sentença 1.921 36 19.490 1.430 1.305 Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Mais uma vez, a quantidade excessiva de zeros é algo que merece destaque, já
que dificilmente todas as fases poderão ser encerradas no mesmo dia. A única exceção
43Considerando apenas os casos cujas informações não eram inconsistentes ou cujos campos estavam em branco.
90
neste caso é a variável final, a qual computa como tempo global mínimo de
processamento o número de 36 dias.
Por outro lado, de acordo com os dados sumarizados pela Tabela 16, para os
delitos de homicídio doloso, cujo processo fora distribuído entre 01 de janeiro de 2000 e
09 de agosto de 2008 (data do início de vigência da Lei 11.689/08), é possível afirmar
que:
1. A fase policial - entre o crime e a distribuição do processo - durava, em média,
538 dias;
2. A fase do Ministério Público - entre a data da distribuição e data do recebimento
da denúncia - durava em média 169 dias;
3. A primeira fase do procedimento do júri - entre o recebimento da denúncia e a
decisão que encerra a primeira fase do júri - durava em média 521 dias;
4. A segunda fase do procedimento do júri - entre a pronúncia e a plenária do júri -
durava em média 20 dias.
O tempo de processamento global era, em média, de 1.430 dias, contados desde
a data do delito até a data da sentença de plenária do júri. Considerando que o prazo
máximo previsto pelo CPP, para o processamento do acusado de um delito de homicídio
doloso que não estivesse preso era de 310 dias, é possível afirmar que o tempo
despendido pelo TJRJ era 4,61 vezes maior que o tempo legal.
Calculando os tempos para os casos de homicídio doloso, distribuídos depois do
início da vigência da Lei 11.689/08, foi possível constatar que (Tabela 17):
Tabela 17 – Tempos das fases processuais para processos de homicídios dolosos distribuídos entre 09 de Agosto de 2008 e 30 de Setembro de 2009 (em dias)
Rio de Janeiro, Estado: ago, 2008 a set/2009
Tempo considerado
Número de casos com informações válidas44
Valor mínimo
Valor máximo Média
Desvio Padrão
Tempo entre a data do crime e a data da distribuição do processo 62 0 4290 549 934 Tempo entre a data da distribuição do processo e a data do recebimento da denúncia 173 0 238 29 43
Tempo entre o recebimento da denúncia e a pronúncia 131 9 364 155 74
Tempo entre a decisão de pronúncia e a última sentença 203 0 290 7 32 Tempo entre o recebimento da denúncia e a última sentença 173 0 364 158 78
44Considerando apenas os casos cujas informações não eram inconsistentes ou cujos campos estavam em branco.
91
Tempo entre a data do delito e a última sentença 62 65 4352 744 926 Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Em primeiro lugar, cumpre destacar o número reduzido de casos que preencheu
todos os critérios de análise neste item 45 em comparação com o número de casos que
preencheu o critério estabelecido para a geração da tabela anterior.
Em todo caso, considerando as informações sumarizadas na tabela acima é
possível afirmar que para casos de homicídio doloso cujos processos foram distribuídos
já sob a égide da Lei 11.689/08, o tempo da fase policial foi, em média, de 549 dias. Já
o tempo da fase do Ministério Público foi, em média, de 29 dias, enquanto o tempo
entre o recebimento da denúncia e a decisão de pronúncia foi de 155 dias. Entre a
pronúncia e a decisão final foram necessários, em média, apenas sete dias, prazo este
que é bem próximo aos cinco dias previstos no art. 422 46 para a preparação do processo
para julgamento em plenário. Ao final, a fase judicial durou, em média, 158 dias, prazo
este inferior aos 270 dias prescritos pela legislação atual para encerramento desta fase.
Por fim, entre a data do delito e a data da sentença de plenária foram
despendidos, em média, 744 dias. Mas, há que se destacar que apenas 64 casos de
homicídios dolosos cujos processos foram distribuídos após a nova legislação possuíam
informações completas de maneira a viabilizar este cálculo.
Da mesma forma que na seção anterior, para se verificar como o tempo de
processamento dos casos de homicídios dolosos tem se transformado ao longo do
tempo, tem-se o Gráfico 06.
45Processo de homicídio doloso, distribuído após a lei 11.689/08, encerrado até 30/09/09 e sem problemas de inconsistência em nenhuma das datas.
46 Art. 422. Ao receber os autos, o presidente do Tribunal do Júri determinará a intimação do órgão do Ministério Público ou do querelante, no caso de queixa, e do defensor, para, no prazo de 5 (cinco) dias, apresentarem rol de testemunhas que irão depor em plenário, até o máximo de 5 (cinco), oportunidade em que poderão juntar documentos e requerer diligência.
92
Gráfico 06 – Tempo de processamento do delito de homicídio doloso por ano da distribuição. Rio de Janeiro, Estado: jan/2000 a set/2009
Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Da mesma forma que nos casos de roubo, o intervalo de tempo para
processamento dos delitos de homicídio doloso (considerando desde a data de
recebimento da pronúncia até a data da última sentença) tem se reduzido ao longo dos
anos vis-à-vis a própria média de tempo de processamento.
Em parte, isso se deve à forma como a base de dados foi construída, o que faz
com que um número muito pequeno de casos distribuídos, especialmente após o ano de
2005, possa ser incluído neste sistema de informação. Por outro lado, estes resultados
parecem evidenciar que a redução do tempo de processamento dos delitos de homicídios
dolosos não pode ser atribuída à edição das novas leis.
II.1.3 – Conclusões gerais da análise do banco de dados do TJRJ
A proposta desta seção é responder à seguinte questão: considerando as seções
precedentes, quais são, portanto, as conclusões gerais da análise da base de dados do
TJRJ para os casos de roubos e homicídios dolosos?
Os processos sentenciados nos últimos anos têm tempo de duração médio
substantivamente menor que os processos sentenciados nos anos iniciais da série.
Primeiro, porque para estes anos há um número maior de casos, o que diminui a
93
possibilidade de vieses na média. Segundo, porque considerando a forma como a base
de dados foi construída para estes anos, tanto os casos mais rápidos como os mais lentos
estão incluídos, denotando um retrato mais fiel da situação.
Há que se destacar desta forma, que poucos foram os casos distribuídos e
encerrados sob a égide da legislação atual (CPP reformado pela Lei 11.719/08 e Lei
11.689/08) e, por isso, as informações sumarizadas neste relatório devem ser analisadas
com cautela, especialmente no que se refere à possibilidade de generalização dos
resultados. Esses resultados ficam evidentes quando se analisa o número de casos
considerados para cálculo do tempo, de acordo com o ano de distribuição e o ano da
última sentença do processo (Gráficos 04a e b). Dessa forma, os efeitos das Leis
11.689/08 e 11.719/08 apenas poderão ser mensurados com precisão em alguns anos,
quando um número maior de casos tiver sido distribuído e encerrado sob a égide desta
legislação. Apesar disso, os resultados apresentados indicam tendências que poderão,
num futuro breve, ser contrapostas no intuito de comprová-las ou não, desde que a
metodologia aqui empregada seja preservada.
Portanto, o tempo de processamento dos dois crimes parecer ter sido reduzido
após a edição das novas Leis, tanto quando se considera o tempo global (desde o crime
até a sentença) como quando se considera apenas o tempo judicial (desde a distribuição
até a sentença – de acordo com os critérios dos analistas de sistema – ou desde o aceite
da denúncia até a sentença – de acordo com os critérios adotados pela doutrina).
Esta redução pode ser relacionada muito mais à forma como a base de dados foi
construída, do que a uma redução real, já que quando se compara o tempo de
processamento de acordo com a data de distribuição com o tempo de processamento de
acordo com a data da sentença é possível verificar que os casos sentenciados nos
últimos anos são aqueles substancialmente mais longos.
Contudo, é importante salientar que a fase policial em ambos os casos e em
ambos os momentos (antes e depois das novas leis) é o período mais longo quando se
considera o tempo global de processamento. Como as Leis 11.719/08 e 11.689/08 não
alteraram quaisquer dispositivos dessa fase e, como no entender de diversos
doutrinadores (como Domenico, 2009), a atividade investigativa é o principal instituto
que precisa ser reformado no âmbito do processo penal brasileiro, é possível afirmar que
os resultados encontrados a partir da análise da base de dados do TJRJ, em certa
medida, confirmam este entendimento (Tabela 18).
94
Tabela 18 – Tempo de duração de cada fase processual, de acordo com o delito e lei em análise (em dias). Rio de Janeiro, Estado: Jan/2000 a set/2009
Roubos Homicídios dolosos
Fase em questão
Antes da lei 11.719/08
Depois da lei 11.719/08
Diferença (Depois – Antes)
Antes da lei 11.689/08
Depois da lei 11.689/08
Diferença (Depois – Antes)
Tempo entre o crime e a distribuição do processo 238 250 12 538 549 11 Tempo entre a distribuição do processo e o recebimento da denúncia 83 23 -60 169 29 -140 Tempo entre o recebimento da denúncia e a sentença final 339 153 -186 683 158 -525 Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
A Tabela 18 parece bastante ilustrativa do argumento desenvolvido
anteriormente, já que a fase policial foi a única que teve o seu período de duração
ampliado, em ambos os casos.
Mas, antes de encerrar esta seção, é importante fazer novamente a ressalva:
apenas um pequeno número de casos distribuídos após reforma pôde ser analisado, uma
vez que as novas leis ainda são bastante recentes.
Assim, apenas o monitoramento contínuo do tempo dos casos de roubo e os de
homicídio doloso processados pelo TJRJ demonstrará se a reforma processual penal de
2008, de fato, logrou o alcance de seus objetivos, especialmente no que diz respeito à
ambição de “agilizar o procedimento, tentando conciliar a tempestiva prestação
jurisdicional ao fortalecimento das garantias processuais penais inerentes ao sistema
acusatório”. 47
II.2 O tempo do processo penal no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP)
Para a análise do tempo de duração dos processos criminais relativos a roubos e
homicídios dolosos no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a primeira
providência foi a requisição da cessão de uma cópia do sistema de informação deste
órgão no que se refere a todos os processos distribuídos (independente de terem ou não
sido encerrados) no período compreendido entre os anos de 2000 e 2009.
As informações solicitadas foram encaminhadas ao CESeC em dezembro de
2009 e, por isso, casos iniciados até 07 de dezembro de 2009 foram incluídos nesta 47 Anexo I, pp. 12-13, edital de convocação pensando o direito “os novos procedimentos penais”.
95
base. Ao contrário do caso do TJRJ, esta base está sendo analisada pelos pesquisadores
pela primeira vez neste relatório e, por isso, várias das questões que foram surgindo com
a análise de tais informações foram objeto de correios eletrônicos direcionados à
diretoria de sistema de informações deste tribunal 48.
A base de dados repassada pelo TJSP ao CESeC possui as seguintes
informações: 1) Número do Processo; 2) Tipo de crime; 3) Data do crime; 4) Tipo de
inquérito (flagrante ou portaria); 5) Data de distribuição do processo; 6) Data de aceite
da denúncia; 7) Situação do processo; 8) Data da sentença; 9) Natureza da sentença.
Essas são exatamente as variáveis existentes neste banco de dados e que, por
conseguinte, serão analisadas neste relatório.
Os procedimentos utilizados para a análise desta base de dados foram bastante
semelhantes aos procedimentos utilizados para o caso das informações oferecidas pelo
TJRJ e, por isso, esta seção seguirá a mesma organização da anterior, sendo iniciada
pelo tópico metodologia.
II.2.1. Metodologia – a preparação dos dados do TJSP para a análise
O primeiro procedimento adotado foi a verificação da unidade de análise do
banco de dados do TJSP: se indivíduos ou processos. Ao contrário do verificado no Rio
de Janeiro, apenas 4,4% casos de roubos e 12,4% casos de homicídios dolosos
apareceram como casos duplicados.
O pequeno percentual de casos repetidos denota que a unidade de análise neste
caso é o processo e não o indivíduo, tal como observado nesta pesquisa no âmbito do
TJRJ e até tal como observado por Cicourel (1995 (1968)) no funcionamento da justiça
para menores nos EUA. Assim, a equipe optou por considerar como casos válidos todos
os registros existentes no banco de dados, não excluindo esta informação. Por outro
lado, como a base do TJSP não possui nenhuma variável que permita a identificação do
número de réus em cada processo, todas as análises referentes à relação indivíduo X
processo realizada na seção anterior não puderam ser realizadas nesta seção.
O segundo procedimento foi a análise da natureza ou do significado dos dados
repassados pelo TJSP ao CESeC, já que, conforme salientado na seção anterior, a forma 48No entanto, é importante destacar que, talvez, para a melhor compreensão de como os dados são inseridos neste sistema ou ainda como os operadores do direito administram ou não as novas leis, seria necessário e interessante a realização de um extenso trabalho de campo sobre como as novas leis são administradas na realidade cotidiana das varas criminais deste estado.
96
como a base é construída pelos operadores do sistema de justiça influencia diretamente
os resultados obtidos em sua análise.
De acordo com o TJSP, o banco de dados repassado dizia respeito a todos os casos
distribuídos entre janeiro de 2000 e dezembro de 2009, independentemente de esses
terem sido ou não objeto de sentença. No entanto, era preciso ter certeza desta
informação e, assim, a primeira variável submetida ao escrutínio dos pesquisadores foi a
situação do processo.
A variável “Situação do Processo” original possuía nove categorias, quais sejam:
Andamento; Arquivado; Ativo; Cancelado; Desarquivado; Distribuído; Inquérito;
Remessa; Remetido; Reunificado. Estas nove categorias foram reagrupadas em três, que
pareciam melhor refletir a situação de cada processo. São elas: Ativo; Baixado;
Unificado com outro processo. Foi criada ainda uma categoria adicional, denominada de
“sem informação”, já que alguns casos não tinham esta coluna preenchida (Tabela 19):
Tabela 19 – Distribuição absoluta e percentual dos processos roubos e homicídios dolosos De acordo com situação processual.
São Paulo, Estado – jan/2000 – dez/2009 Roubos Homicídios dolosos
Situação do processo Números Absolutos
Percentual Válido
Números Absolutos
Percentual Válido
Ativo 171.963 73,73 85.424 68,43 Baixado 60.633 26,00 39.054 31,28 Unificado com outro processo 618 0,26 347 0,28 Total de casos válidos 233.214 99,99 124.825 99,99 Sem informação 14 0,01 10 0,01 Total 233.228 100,00 124.835 100,00
Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Tal como no caso da base de dados do TJRJ, a maioria dos processos existentes
na base de dados do TJSP, considerando-se ambos os crimes, refere-se a casos ativos.
Mas, será que como no exemplo do Rio de Janeiro isso significa que esses casos
continuam em trâmite aguardando a sentença transitar em julgado ou aguardando a
decisão de segunda instância? Ou será que esses casos realmente se referem a processos
que apesar de distribuídos (ou seja, registrados no âmbito do TJSP) ainda não foram
apreciados de nenhuma maneira por este tribunal? Para responder a estas questões,
passou-se à análise da variável “natureza da sentença”.
A variável “natureza da sentença” original apresentava mais de 42 categorias,
além de um substantivo número de casos sem informação, tal como denota a Tabela 20.
97
Tabela 20 – Distribuição absoluta e percentual Processos de roubos e homicídios dolosos de acordo com a natureza da sentença.
São Paulo, Estado – jan/2000 – dez/2009 Roubos Homicídios dolosos
Natureza da sentença Números Absolutos
Percentual Válido
Números Absolutos
Percentual Válido
Sem informação 94.320 40% 70.911 57% Sentença - Condenatória 99.316 43% 13.717 11% Sentença - Absolutória 17.822 8% 4.961 4% Sentença - Pronúncia 69 0% 21.414 17% Sentença Resumida - Extinção 5.639 2% 3.370 3% Sentença - Condenatória / Absolutória 7.970 3% 842 1% Sentença Resumida - Arquivamento 2.853 1% 2.730 2% Sentença - Impronúncia 25 0% 3.070 2% Sentença - Condenado a pena privativa 1.294 1% 382 0% Sentença - Desclassificatória 205 0% 1.405 1% Sentença - Outros 402 0% 541 0% Sentença Resumida - Aceitação de Embargos 700 0% 162 0% Sentença - Absolutória / Extintiva 449 0% 404 0% Sentença Resumida - Outros 357 0% 131 0% Sentença - Absolutória / Medida de Segurança 245 0% 211 0% Sentença Resumida – Retificação 296 0% 59 0% Sentença - Condenatória / Extintiva 147 0% 157 0% Sentença Resumida - Rejeição de Denúncia 209 0% 16 0% Sentença Resumida - Rejeição de Embargos 197 0% 26 0% Sentença Resumida – Declaração 141 0% 43 0% Sentença Resumida – Transação 90 0% 64 0% Sentença – Anulatória 106 0% 25 0% Sentença Resumida - Embargos de Declaração 110 0% 14 0% Sentença Resumida – Desclassificatória 24 0% 90 0% Sentença - Condenatória / Medida de Segurança 37 0% 15 0% Sentença Resumida - Reabilitação 48 0% 2 0% Sentença Resumida - Aceitação de Denúncia 34 0% 8 0% Sentença Resumida - Concedida a Ordem 19 0% 21 0% Sentença Resumida - Exceção de Litispendência 38 0% 1 0% Sentença Resumida - Exceção de Incompetência 12 0% 8 0% Sentença - Perdão Judicial 2 0% 16 0% Sentença Resumida - Deferimento do Pedido 10 0% 4 0% Sentença Resumida - Denegada a Ordem 8 0% 3 0% Sentença Resumida - Deserta a Apelação 8 0% 3 0% Sentença Resumida - Exceção de Coisa Julgada 10 0% 0 0% Sentença Resumida - Indeferimento do pedido 5 0% 4 0% Sentença - Condenatória / Perdão Judicial 5 0% 3 0% Sentença Resumida - Interpelação Deferida 1 0% 1 0% Sentença Resumida - Rejeição da Queixa 2 0% 0 0% Sentença Resumida - Aceitação da Queixa 1 0% 0 0% Sentença Resumida - Artigo 28, I 1 0% 0 0% Sentença Resumida - Justificação Defesa 1 0% 0 0% Sentença Resumida - Pedido de Explicação 0 0% 1 0% Total 233.228 100% 124.835 100% Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Em primeiro lugar, cumpre destacar que a natureza das sentenças apresentadas
pela base de dados do TJSP é mais detalhada que a natureza da sentença do TJRJ.
Soma-se a isso o fato de que várias categorias existentes no âmbito da base de dados do
TJRJ não se fazem presentes nesta base de dados. Ou seja: apesar dos esforços do CNJ
98
em instituírem as tabelas de movimentação processual para adequarem o sistema
classificatório dos tribunais, a partir da análise das bases de dados do TJRJ e TJSP é
possível verificar que, especialmente no que diz respeito à natureza da sentença, cada
qual utiliza as categorias que parecem melhor refletir as formas de administração da
justiça em uma dada realidade.
Uma vez constatada esta questão, o passo seguinte foi a agregação destas 43
categorias de sentença em nove, de tal maneira que estas pudessem ser analisadas do
ponto de vista estatístico. Apenas algumas ressalvas devem ser realizadas para que a
forma como esta agregação foi realizada possa ser plenamente compreendida.
Primeiro, as decisões classificadas como rejeição da denúncia, rejeição da
queixa, ou rejeição da inicial foram classificadas como processos arquivados, já que
neste caso, dificilmente, o processo não segue adiante. Claro, é possível que o
Ministério Público ou o interessado apresente recurso em segunda instância para que o
juiz aceite a inicial, mas dificilmente isso ocorre. Somou-se a isso o fato de que estas
categorias, quando contrastadas com a situação do processo eram, em sua maioria,
processos classificados como baixados.
As exceções foram classificadas como “Processo continua em curso - a sentença
não termina o feito”, posto que quando aceitas estas implicam a nulidade dos atos
decisórios, tal como disposto no art. 11049 e art. 56750 do CPP. Isso significa que o
julgamento deverá ser novamente realizado e, por isso, o processo não pode ser
considerado como encerrado.
As sentenças que se encaixam como decisões que encerram a primeira fase do
rito do júri também foram classificadas em uma categoria separada, tal como realizado
para o caso do Rio de Janeiro. Ao final, a nova variável ficou estruturada da seguinte
maneira (Tabela 21).
Tabela 21 – Distribuição absoluta e percentual dos processos de roubos e homicídios dolosos de acordo com a natureza da sentença reclassificada. São Paulo, Estado – jan/2000 – dez/200951
Roubos Homicídios dolosos Natureza da sentença Números Percentual Números Percentual
49Art. 110. Nas exceções de litispendência, ilegitimidade de parte e coisa julgada, será observado, no que Ihes for aplicável, o disposto sobre a exceção de incompetência do juízo.
50 Art. 567. A incompetência do juízo anula somente os atos decisórios, devendo o processo, quando for declarada a nulidade, ser remetido ao juiz competente.
51 Lembrando, neste caso, que os dados se referem até 07 de dezembro de 2009
99
Absolutos Válido Absolutos Válido Sem informação 94320 40,44 70911 56,80 Condenação 100799 43,22 14274 11,43 Absolvição 18516 7,94 5576 4,47 1a Fase do júri – Pronúncia 69 0,03 21414 17,15 Arquivamento 8598 3,69 6125 4,91 Condenação e absolvição 7970 3,42 842 0,67 1a Fase do júri – Impronúncia 25 0,01 3070 2,46 Desclassificação 229 0,10 1495 1,20 Outras sentenças - que terminam o feito 1181 0,51 785 0,63 Processo continua em curso - a sentença não termina o feito 1521 0,65 343 0,27 Total 233228 100,00 124835 100,00 Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
A primeira questão a ser destacada quando da análise da Tabela 21 é o grande
número de casos sem informação acerca da natureza da sentença. Isso pode indicar que
a base do TJSP não se refere apenas aos casos distribuídos e encerrados no período
requisitado. Mas, a casos que foram distribuídos independente de estes terem ou não
alcançado uma decisão, o que, conforme destacado na seção anterior, permite uma
melhor análise do tempo de processamento do delito.
Para a análise desta questão, as datas de distribuição e de sentença do processo
foram contrastadas. Apenas para facilitar esta análise, foram utilizados os anos de cada
uma destas datas e não a data completa. Além disso, os casos sem informação foram
computados como zeros, de tal maneira que ficasse visível no gráfico o ano em que o
processo fora iniciado e se ele fora encerrado (ano) ou não (valor zero). Os resultados de
tais análises encontram-se sumarizados na Figura 01.
100
Figura 01 – Ano da distribuição em relação ao ano da sentença Delitos de roubo e homicídio doloso.
São Paulo, Estado – jan/2000 – dez/2009
Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Algumas questões interessantes devem ser destacadas. Primeiro, o fato de que
alguns anos de distribuição ultrapassam os anos para os quais as informações foram
solicitadas. Ou seja: apesar de o CESeC ter solicitado apenas informações referentes a
casos distribuídos entre os anos de 2000 e 2009, casos anteriores a este período também
foram repassados. Estes podem ser, por exemplo, os casos de reabilitação do processo.
Contudo, para garantir a comparabilidade com a base do Rio de Janeiro, foi criado um
filtro que selecionava apenas os casos distribuídos entre os anos de 2000 e 2009 52. Com
isso, os gráficos acima foram novamente construídos considerando-se apenas o período
em questão.
52No que se refere ao cálculo do tempo, a exclusão destes casos também se mostra necessária na medida em que esses podem distorcer a média de tempo. Como eles foram inicialmente distribuídos em períodos longínquos, o número de dias médio necessário para o processamento termina estendido. Exatamente por isso, estes casos não foram considerados na análise.
101
Figura 02 – Ano da distribuição em relação ao ano da sentença, para o delito de roubo e homicídio doloso –
Considerando apenas os casos distribuídos no Estado de São Paulo Período compreendido entre 01 de janeiro de 2000 e 07 de dezembro de 2009.
Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Os gráficos acima deixam evidente o fato de que esta base se refere a todos os
casos registrados no TJSP no período (e não apenas os registrados e encerrados), dado o
grande número de interseções entre o valor zero com algum ano de distribuição. Assim,
alguns dos problemas verificados na análise do banco de dados anterior poderão ser
contornados nesta seção, dado que este banco de dados possui informações completas
para o período.
Contudo, para se ter certeza de que os casos classificados com “sem
informação” de fato se referem aos casos classificados como em andamento pelo
sistema de informações do TJSP, foi criada a Tabela 22.
102
Tabela 22 – Relação entre a natureza da sentença e a situação do processo São Paulo, Estado – jan/2000 – dez/2009
Ativo Baixado Unificado com outro
processo
Natureza da sentença Números Absolutos
Percentual Válido
Números Absolutos
Percentual Válido
Números Absolutos
Percentual Válido
Sem informação 129060 50% 37579 38% 795 82% Absolvição 13254 5% 10821 11% 15 2% Condenação 82073 32% 32925 33% 60 6% Condenação e Absolvição 6095 2% 2710 3% 7 1% Desclassificação 899 0% 708 1% 3 0% 1a Fase do júri – Impronúncia 1775 1% 1317 1% 1 0% 1a Fase do júri – Pronúncia 16725 6% 4683 5% 63 7% Outras sentenças - que terminam o feito 1080 0% 515 1% 7 1% Processo continua em curso - a sentença não termina o feito 79 0% 22 0% 0 0% Arquivamento 6301 2% 8404 8% 14 1% Total 257341 100% 99684 100% 965 100% Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
A partir da Tabela 22 ficou evidente que a não informação não significa,
necessariamente, que o processo ainda está em trâmite. Isso porque, considerando o
total de casos classificados como baixados, 38% não possuem informação sobre a
sentença. Ou seja, o que parece indicar, no âmbito da base do TJSP, se o caso está ou
não em trâmite é, de fato, a situação do processo e não a natureza da sentença.
Em parte, os resultados apresentados pelas tabelas anteriores, em conjunto,
parecem indicar que o problema da base do TJSP não é a forma como esta foi
construída para repasse aos pesquisadores do CESeC, mas a forma como as informações
são inseridas neste banco de dados no cotidiano de funcionamento do tribunal. Daí
porque um número substantivo de casos aparece como “sem informação” quanto à
sentença, variável esta que revelou ser, na realidade, a natureza do último andamento do
processo.
Esta ressalva é importante porque, na seção anterior, ficou evidente que o fato de
o banco de dados do TJRJ contemplar apenas casos distribuídos e encerrados fez com
que generalizações sobre o tempo de processamento não pudessem ser realizadas.
Contudo, este não parece ser o caso de São Paulo, dado que um número substancial de
casos desta base encontra-se classificado em categorias de sentença que indicam que o
caso permanece em andamento.
103
Ou ainda, considerando os casos para os quais não há informação sobre a
natureza da sentença, um número substancial de casos está classificado como “em
andamento”. Neste cenário, é possível inferir que apesar dos problemas e
inconsistências dos registros esta base de dados, de fato, se refere a casos de roubos e
homicídios dolosos iniciados em São Paulo independente de estes terem sido encerrados
ou não até o ano de 2009.
Com o objetivo de tornar este argumento mais claro, foram desenhados alguns
gráficos. Os primeiros (Figura 03) contrastam o ano de distribuição com o ano de
sentença dos processos. A idéia aqui é verificar, apenas para os casos com informações
completas (ou seja, que já foram sentenciados) quando esta sentença ocorreu.
Figura 03 – Ano da distribuição em relação ao ano da sentença Para o delito de roubo e homicídio doloso. São Paulo, Estado: Jan/2000 a dez/2009
Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
A primeira informação relevante colocada pela Figura 03 é o fato de alguns
casos terem sido distribuídos entre os anos de 2000 e 2009, mas terem sido sentenciados
entre 1925 e 2009. Em parte, esta situação pouco provável pode ser devida a dois
fenômenos diferenciados. Primeiro, ela pode ser um retrato dos processos
desarquivados, que foram novamente distribuídos, mas que constam com sentença
anterior. Elas podem ser resultantes ainda da precária alimentação do sistema de
informações do TJSP, que acaba computando datas incongruentes.
Assim, no sentido de evitar problemas na análise dos dados, os casos
considerados como sentenciados em períodos anteriores aos anos de 2000 e 2009 foram
104
também excluídos da análise. Para tanto, foi criada uma segunda variável “ano da
sentença” que classificava esses dados como informação incongruente e que, por isso,
deveriam ser desconsiderados da análise.
Após este procedimento, foram construídos dois gráficos que contrastam
exatamente o número de casos distribuídos e sentenciados, de acordo com o ano e de
acordo com o delito em questão (Gráfico 07a e 07b).
Gráfico 07a – Variação anual do número de processos de roubos considerados para cálculo do tempo
processual, considerando os casos distribuídos e encerrados no período. São Paulo, Estado: jan/2000 a dez/2009
Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
105
Gráfico 07b – Variação anual do número de processos de homicídios dolosos considerados para cálculo do tempo processual, considerando os casos distribuídos e encerrados no período
São Paulo, Estado: jan/2000 a dez/2009
Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Os gráficos anteriores denotam que, de fato, esta base contempla todos os
processos distribuídos no período, independente de esses terem ou não alcançado um
desfecho. Esta informação fica evidente pelas curvas ano de distribuição e ano da
sentença, as quais permitem, inclusive, a realização de análises outras, como as de fluxo
do sistema de justiça criminal.
De acordo com as análises relacionadas a esta temática (Vargas, 2004; Cano,
2006 e Ribeiro, 2009), é natural que se verifiquem perdas na passagem de uma fase a
outra ao longo do processamento do caso pelas diversas agências que compõem o
sistema. Assim, é esperado que o número de crimes seja maior que o número de
denúncias; que o número de denúncias seja maior que o número de processos e que o
número de processos seja maior que o número de sentenças.
Vários são os fatores apontados para estas perdas. Os casos podem não possuir
informações técnicas suficientes para seguirem no fluxo e, por isso, são arquivados em
determinadas fases (isto é o que ocorre, por exemplo, quando há a rejeição da
denúncia). Pode ocorrer ainda de o réu morrer, motivo que leva ao encerramento do
caso em uma dada fase sem prosseguimento à subseqüente. E, por fim e mais
problemático, pode ocorrer de o caso restar esquecido em uma das mesas ou cartórios
106
judiciais, fazendo com que este não seja processado adequadamente pelo sistema de
justiça criminal.
Mas, qualquer que seja o motivo em questão, fato é que diversos casos são
iniciados e não encerrados pelo sistema de justiça criminal. A forma como a base do
TJSP foi construída deixa evidente este fato denotando que vários casos iniciados no
período ainda não foram sentenciados. Os gráficos denotam ainda que à medida que se
caminha no fluxo um número maior de casos é sentenciado, já que o tempo necessário
para tanto é adimplido e, com isso, o caso se encerra. Por fim, estes gráficos denotam
que os “outputs” têm movimento semelhante aos “inputs”. Ou seja, as curvas de número
de processos distribuídos e número de processos sentenciados possuem formato
semelhante, denotando que a “produtividade” dos cartórios é uma função da quantidade
de demandas que esses recebem.
A última ressalva a ser realizada é relacionada, portanto, ao fato de a base do
TJSP possuir uma estrutura muito distinta da base de dados do TJRJ, já que a primeira
contempla todos os casos registrados no período independente de estes terem ou não
alcançado um desfecho. Já a segunda base de dados contempla apenas os casos
iniciados e encerrados no período. Assim, análises de fluxo não são possíveis de serem
realizadas a partir da base de dados do Estado do Rio de Janeiro, mas são possíveis de
serem realizadas a partir da base de dados do Estado de São Paulo 53.
Contudo, como a temática deste relatório é o impacto das Leis 11.719/08 e
11.689/08 sobre o tempo de processamento dos delitos de roubo e homicídio doloso, o
passo seguinte foi a contagem do número de casos distribuídos após a publicação das
referidas leis.
Tal como na seção anterior, decidiu-se considerar como casos para os quais os
novos procedimentos eram aplicáveis aqueles cuja distribuição ocorrera após a
publicação das novas leis. Os motivos para este corte são exatamente os mesmos
apresentados na seção anterior. Para o caso de São Paulo, a partir da criação das
variáveis Lei 11.719/08 e Lei 11.689/08 foi possível perceber o seguinte (Tabela 23).
53Para uma análise detalhada de como os dados do TJSP podem ser utilizados para a construção de uma análise de fluxo do sistema de justiça criminal de São Paulo, vide as seguintes referências: Cano (2006); Vargas e Ribeiro (2008).
107
Tabela 23 – Distribuição absoluta e percentual dos processos distribuídos Antes e depois da lei ao qual o seu procedimento se sujeita.
São Paulo, Estado: jan/2000 a dez/2009 Lei 11.719/08 Lei 11.689/08
Aplicável aos roubos Aplicável aos homicídios dolosos
Natureza do caso Número absoluto
Percentual Válido
Número absoluto
Percentual Válido
Caso distribuído antes da lei em questão 196456 84% 110758 89% Caso distribuído depois da lei em questão 36760 16% 14040 11% Total de casos na análise 233216 100% 124798 100% Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
A partir desta tabela, ficou evidente que, ao contrário do caso do Rio de Janeiro,
uma quantidade substantiva de casos fora distribuída depois do início da vigência da
reforma de 2008. Como esta base engloba quase 10 anos de atividade do TJSP, é de se
esperar que cada ano responda por, aproximadamente, 10% do total de casos e isso
parece estar evidente na tabela anterior. Isso porque, 16% do total de casos de roubo
contemplados nesta data se referem a processos distribuídos após a vigência da Lei
11.719/08. Já para o caso de homicídio doloso, 11% dos casos correspondem a
processos distribuídos após a vigência da lei 11.689/08.
A partir da definição dos critérios a serem considerados na análise, a equipe se
ocupou da análise dos tempos de processamento de acordo com as datas existentes no
banco de dados. Contudo, antes de apresentar os resultados, é importante salientar a
própria qualidade dos dados recebidos. Primeiro, vários são os campos referentes a
datas que restam sem preenchimento pelo tribunal, especialmente, no que se refere à
data do delito e data da denúncia. A data da distribuição não apresenta casos em brancos
por ter sido a variável considerada para geração do banco de dados.
Segundo, cumpre destacar a qualidade do preenchimento destas informações.
Isso porque várias datas são inconsistentes, fazendo, por exemplo, que o caso tenha uma
sentença antes mesmo de ter ocorrido. Assim, apenas para se ter uma ideia da
magnitude dos problemas destacados, tem-se a Tabela 24, a qual apresenta a quantidade
de casos sem informação e com data negativa em cada uma das fases para as quais se
possuía informação sobre data.
Como o número dos casos de roubo e os de homicídio doloso na base de dados
do TJSP é substancialmente maior que o número de casos existentes na base de dados
do TJRJ, esta tabela foi construída levando-se em consideração o percentual de casos
108
que, em cada fase, apresentava ou informações de tempo negativas ou não apresentava
informações para aquela fase.
Tabela 24– Distribuição dos números absolutos dos processos de roubos e de homicídios dolosos que apresentaram “informação negativa” e que estavam “sem informação”, de acordo com a fase processual
em questão. São Paulo, Estado: jan/2000 a dez/2009
Roubo Homicídio doloso
Tempos levados em consideração
Percentual de casos com informação
negativa
Percentual de casos em
branco
Percentual de casos com informação
negativa
Percentual de casos em
branco Tempo entre a data do crime e a data da distribuição do processo 0,21% 19,56% 0,31% 16,02% Tempo entre a data de distribuição do processo e a data do recebimento da denúncia 27,83% 34,41% 11,08% 54,73% Tempo entre a data do recebimento da denúncia e a sentença 0,25% 43,79% 0,31% 62,35% Tempo entre a data da distribuição e a sentença 0,56% 40,44% 3,54% 56,81% Tempo entre a data do crime e a data da sentença 0,08% 0,00% 0,07% 0,00% Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Antes de seguir na análise da qualidade da alimentação do sistema de
informação do TJSP, duas ressalvas são importantes de serem realizadas. Primeiro, o
grande número de casos sem informação para o tempo entre a data de distribuição e a
sentença e a data de recebimento da denúncia e sentença não deve ser entendido apenas
como má alimentação do sistema. Isso porque, tal como destacado nas páginas
anteriores, esta base de dados contempla casos que, apesar de distribuídos, não tiveram
o seu processo encerrado neste período.
Por outro lado, é importante destacar que todos os casos com informação acerca
da data da sentença contam com informação razoavelmente consistente acerca da data
do crime. Nesta categoria, menos de 1% do total de casos possui valor negativo.
Nenhum caso foi considerado como informação ausente. Isso pode estar indicando que,
de alguma maneira, o TJSP utiliza esses dados para a administração do tempo destes
delitos 54.
54No entanto, como a administração do sistema de informações deste tribunal não foi analisada do ponto de vista qualitativo, nada pode ser afirmado com absoluta certeza neste sentido. Ou seja, a forma pela qual o banco de dados do TJSP é operacionalizado na atividade cotidiana do tribunal é uma indagação que permanece sem resposta, já que não foi possível a realização de nenhum trabalho qualitativo no âmbito do TJSP acerca de como essas informações são utilizadas pelos operadores do direito nesta localidade.
109
A questão das datas negativas no âmbito da base de dados do TJSP foi tratada da
mesma forma que no âmbito da base de dados do TJRJ, ou seja, a partir da criação de
uma variável que identificava não apenas se o caso possuía ou não informações
negativas em quaisquer das fases, mas que contabilizava ainda o número de fases para
as quais o caso possuía problemas de inconsistências quanto ao seu registro temporal.
Estas informações encontram-se sumarizadas na Tabela 25.
Tabela 25 – Distribuição absoluta e percentual do número de vezes que o mesmo processo apresentou informações negativas em relação às datas, de acordo com o tipo de crime.
São Paulo, Estado: jan/2000 a dez/2009 Roubos Homicídios dolosos
Número de tempos negativos que cada caso possuía
Número absoluto
Percentual Válido
Número absoluto
Percentual válido
O caso não tem tempo negativo 167255 72% 110060 88% O caso tem um tempo negativo 64630 28% 10460 8% O caso tem dois tempos negativos 1166 0% 4200 3% O caso tem três tempos negativos 121 0% 65 0% O caso tem quatro tempos negativos 44 0% 12 0% O caso tem cinco tempos negativos 0 0% 1 0% Total 233216 100% 124798 100% Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
De acordo com a Tabela 25, apenas 72% dos registros de roubos não possuem
problemas de inconsistência no preenchimento das datas enquanto que 88% dos
registros de homicídios dolosos não possuem problemas de inconsistências. Os casos
que não apresentam problemas de inconsistência em quaisquer das fases são os casos
que foram considerados para a análise do tempo de processamento dos delitos de roubo
e homicídio doloso.
Tal como realizado na seção referente à análise da base de dados do TJRJ, uma
vez realizadas todas estas seleções e filtragens, o passo seguinte foi a reconstituição do
fluxo de processamento de um delito, em termos temporais, a partir das informações
disponíveis no banco de dados do TJSP. Esta atividade foi realizada de acordo com os
fluxogramas desenhados no relatório de pesquisa 01.
110
II.2.2 – O tempo do processo no caso dos delitos de roubo distribuídos no TJSP
Conforme destacado nas seções precedentes, antes da reforma realizada pela Lei
11.719/08 no âmbito do procedimento ordinário, o CPP estabelecia que o réu solto
deveria ser processado em 145 dias e o réu preso em 95 dias (contados desde a data do
delito). Com a reforma de 2008 estes prazos passaram a ser, respectivamente, de 150 e
120 dias, sendo a diferença de 20 dias entre esta devida, tão somente, à fase policial55.
Da mesma forma que na seção precedente, esta análise foi dividida em três
momentos. O primeiro apresenta o tempo de processamento dos casos de roubos antes
da Lei 11.719/08, o segundo apresenta o tempo de processamento dos casos de roubos
depois da Lei 11.719/08 e a terceira seção faz um contraste destes resultados levando
em consideração o tempo prescrito em cada uma das duas legislações (CPP – 1941 e
CPP reformado em 2008).
Calculando o tempo do processo de roubo para os casos distribuídos junto ao
TJSP no período anterior à Lei 11.719/08, foi possível constatar algumas questões
interessantes, como destacado na Tabela 26.
Tabela 26 – Tempos das fases processuais para processos de roubos Distribuídos entre jan/2000 e o momento de início da vigência da Lei 11.719/08 56 (em dias).
São Paulo, Estado: jan/2000 a ago/2008
Tempo considerado
Número de casos com informações válidas 57
Valor mínimo
Valor máximo Média
Desvio Padrão
Tempo entre a data do crime e a data da distribuição do processo 106991 0 37403 80 288 Tempo entre a data da distribuição do processo e a data do recebimento da denúncia 74330 0 3305 123 262 Tempo entre a data do recebimento da denúncia e a data sentença 65859 0 3525 461 451 Tempo entre a data da distribuição do processo e a data da sentença 73141 0 3599 564 551
Tempo entre a data do crime e a data da sentença 61442 1 18331 627 615 Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
55Já que esta foi a única fase não reformada e o principal objeto de discussão das atuais reformas do Código de Processo Penal, que pretende, entre outras questões, instituir um juiz das garantias para acompanhar a fase do inquérito policial. Para maiores questões relacionadas a esta reforma, vide: MAYA, André Machado. O juiz das garantias no projeto de reforma do código de processo penal. In Boletim IBCCRIM. São Paulo : IBCCRIM, ano 17, n. 204, p. 06-07, nov., 2009.
56Lembrando que neste caso já foram excluídos os casos com problemas em razão de terem apresentado tempos negativos.
57Considerando apenas os casos cujas informações não eram inconsistentes ou cujos campos estavam em branco.
111
Os dados do TJSP relacionados ao tempo de processamento para os delitos de
roubo padecem também de problemas anteriormente verificados para a base de dados do
TJRJ, quais sejam: a qualidade da informação. Isso porque alguns casos considerados
na análise também possuem valor igual a zero.
Outras informações interessantes apresentadas pela tabela anterior, que se refere
a todos os processos de roubo que alcançaram uma sentença no período compreendido
entre 01/01/2000 e 22/08/2008, são as seguintes:
• O tempo para a realização da fase policial, entre a data do crime e a data
da distribuição do processo, era de 79 dias;
• O tempo para a realização da fase do Ministério Público, entre a data da
distribuição do processo e a data do recebimento da denúncia 58, é de 123
dias;
• O tempo para a realização da fase do judiciário, entre a data do
recebimento da denúncia e a data da sentença, é de 462 dias.
Ainda de acordo com informações sumarizadas na tabela anterior, o tempo
global de processamento era de 627 dias, sendo que a fase que mais contribuía para que
o processamento de um delito de roubo fosse caracterizado como moroso era a judicial,
a qual demorava, pelo menos, 4 vezes mais tempo do que as demais fases. Por outro
lado, contrastando o tempo global de processamento dos processos de roubos (que era
de 627 dias) com o tempo previsto na legislação anterior como máximo para a
realização de tais atos (145 dias) é possível afirmar que os casos de roubos demoravam
4,3 vezes mais tempo que o prescrito legalmente para a duração de um processo desta
natureza.
Considerando os processos de roubos distribuídos após o início da vigência da
Lei 11.719/08, isto é, após 22 de Agosto de 2008, é possível afirmar que (Tabela 27):
Tabela 27 – Tempos das fases processuais para processos de roubos Distribuídos depois do início da vigência da Lei 11.719/08 (em dias) 59
São Paulo, Estado: ago/2008 a dez/2009
Tempo considerado Número de casos com informações válidas
Valor mínimo
Valor máximo Média
Desvio Padrão
58 Assumindo-se que a denúncia foi aceita na data de seu oferecimento.
59Lembrando que neste caso já foram excluídas as sentenças não terminativas do feito e os casos com problemas em razão de terem apresentado tempos negativos.
112
Tempo entre a data do crime e a data da distribuição do processo 20574 0 11364 73 209 Tempo entre a data da distribuição do processo e a data do recebimento da denúncia 12839 0 444 26 53 Tempo entre a data do recebimento da denúncia e a data sentença 5804 0 455 153 75 Tempo entre a data da distribuição do processo e a data da sentença 6232 0 461 165 80 Tempo entre a data do crime e a data da sentença 5097 1 2042 186 115 Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
De acordo com os dados sumarizados na Tabela 27, os tempos para as fases
anteriormente descritas, após o início de vigência da lei 11.719/08, passaram a ser os
seguintes:
• 73 dias para a fase entre o crime e a distribuição do processo;
• 26 dias para a fase entre a distribuição do processo e o recebimento da denúncia;
• 153 dias para a fase entre o recebimento da denúncia e a sentença que encerra o
processo.
No que se refere ao tempo global de processamento, este passou a ser de 186
dias. Como a lei 11.719/08 prescreve que os casos processados sob a égide do rito
ordinário devem ser encerrados em até 120 dias, os dados sumarizados na tabela
anterior indicariam que os casos demoram apenas 1,55 vezes mais tempo que o prescrito
na legislação.
Comparando as duas tabelas apenas em termos absolutos, poder-se-ia, em um
primeiro momento, afirmar que para os casos distribuídos após a vigência da nova lei
todos os prazos processuais foram diminuídos. Contudo, para se evitar conclusões
apressadas foram adotados dois procedimentos. O primeiro foi a construção de um
gráfico que apresenta o intervalo de tempo de acordo com o ano de distribuição do
processo (Gráfico 08).
113
Gráfico 08 60 - Variação do tempo médio de duração processos de roubos De acordo com o ano em que foram distribuídos.
São Paulo, Estado: jan/2000 a dez/2009
Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
De acordo com as informações sumarizadas neste gráfico, a média de tempo não
tem diminuído substancialmente nos últimos anos. O que parece ter sido diminuído é o
intervalo de tempo (diferença entre o maior e o menor tempo de processamento) de
acordo com o ano de distribuição.
Por outro lado, conforme destacado na seção anterior, especialmente para os
casos distribuídos nos últimos anos, é de se esperar que apenas os casos mais rápidos
tenham chegado a julgamento. Assim, o gráfico anterior deixa evidente este fenômeno
também acontece no âmbito da base de dados de SP, mas por considerar todos os casos
distribuídos no período, ele denota que as diferenças de médias (marcadas por um traço
no meio da barra) não são substancialmente distintas para o período compreendido entre
os anos de 2005 e 2009.
60Tal como destacado anteriormente, este gráfico, também chamado de Blox Plot, apresenta os valores centrais dos dados e alguma informação a respeito da amplitude deles. a caixa central inclui os 50% dos dados centrais. As linhas inferiores e superiores ("whiskers") mostram a amplitude dos dados, isto é a diferença entre o maior e o menor valor. A simetria é indicada pela caixa e pelas marcas ("whiskers"), as quais localizam, entre outras coisas, a média e a mediana. Este gráfico é bastante utilizado por ser relativamente fácil comparar grupos, construindo diagramas de caixa lado a lado, tal como será realizado nos diversos gráficos desta natureza construídos neste relatório.
114
Assim, esta análise do banco de dados do TJSP parece denotar as seguintes
alternativas conclusivas: 1) a Lei 11.719/08 ainda não foi capaz de produzir os efeitos
esperados, no que se refere ao aumento da celeridade processual; 2) os operadores do
direito de São Paulo ainda não se apropriaram das novas leis e, por isso, o tempo médio
de duração do processo ordinário, após a nova legislação, parece ser similar ao tempo
médio de duração do processo ordinário antes da nova legislação.
II.2.3 – O tempo do processo no caso dos delitos de homicídio doloso distribuídos
no TJSP
Conforme destacado no capítulo anterior, a grande inovação trazida pela Lei
11.689/08 é o fato de que a decisão que decide pela pronúncia (ou não) do acusado deve
ocorrer em até 90 dias a partir do recebimento da denúncia pelo juiz.61 Na égide da
legislação anterior este prazo era de 82 dias. No que se refere à segunda fase do
procedimento do júri, tem-se que o prazo máximo estabelecido pela nova legislação é de
180 dias, enquanto que na égide da legislação anterior este prazo era de 65 dias
(Ribeiro, 2009: 131). 62
Contudo, há que se destacar que este é o prazo judicial e, portanto, para cálculo
do prazo processual global a este deve ser acrescido o prazo do inquérito policial (10
dias para réu preso e 30 dias para réu solto) e o prazo para oferecimento da denúncia (5
dias para réu preso e 15 dias para réu solto). Assim, apesar de a reforma ter acabado
com a diferenciação do prazo judicial para réu preso e réu solto, o prazo processual
permanece diferente, dependendo se o réu encontra-se ou não em custódia, sendo este
de 295 dias para réu preso e 315 dias para réu solto.
Da mesma forma que na seção anterior, serão realizados os cálculos para cada
uma das fases para as quais se tem informação, excluindo-se os casos que apresentaram
problemas de inconsistência e ainda os casos que não alcançaram desfecho. Por outro
lado, no caso específico dos homicídios dolosos, serão considerados, primeiro, todos os
casos que alcançaram a fase da decisão de pronúncia e depois todos os casos que
seguiram desta decisão em diante.
61 Mesmo porque é a partir do recebimento da denúncia (art. 406) que se inicia a contagem do prazo para que o juiz ou absolva sumariamente ou mande citar o réu para responder a acusação que lhe é feita.
62Como na legislação anterior os prazos eram distintos para réu preso e réu solto, para este caso específico foram considerados os prazos relacionados ao réu preso como contraponto com os prazos previstos pela nova legislação.
115
Feitas todas essas ressalvas, utilizando as datas disponíveis no banco de dados
do TJSP, foi possível constatar que para os processos distribuídos antes da vigência da
Lei 11.689/08 os tempos de duração de cada fase são os seguintes (Tabela 28).
Tabela 28 – Tempos das fases processuais para processos de homicídios dolosos Distribuídos entre jan/2000 e o momento de início da vigência da Lei 11.689/08 (em dias)
São Paulo, Estado: jan/2000 a ago/2008 63
Tempo considerado Número de casos com informações válidas
Valor mínimo
Valor máximo Média
Desvio Padrão
Tempo entre a data do crime e a data da distribuição 80780 0 38515 129 477 Tempo entre a data da distribuição e o recebimento da denúncia 39599 0 3310 306 424 Tempo entre a data da denúncia e a data da decisão de primeira fase do júri 19240 0 3180 587 471 Tempo entre a data da denúncia e a data da decisão de segunda fase do júri 10277 0 3531 1003 651 Tempo entre a data de distribuição e a data da decisão de plenária do júri 15137 2 3585 1062 741 Tempo entre a data do crime e a data da decisão de plenária do júri 13085 6 39495 1246 932 Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Para o delito de homicídio doloso, cujo processo fora distribuído no Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo entre 01 de janeiro de 2000 e 09 de agosto de 2008 (data
do início de vigência da Lei 11.689/08), é possível afirmar que:
• A fase policial - entre o crime e a distribuição do processo - durava, em média,
129 dias;
• A fase do Ministério Público - entre a data da distribuição e data do recebimento
da denúncia - durava em média 306 dias.
A contabilidade do tempo de acordo com o procedimento bifásico ficou, em
parte, prejudicada porque não havia uma segunda variável que permitisse o cálculo do
tempo entre a pronúncia e a sentença de plenária. Assim, o que foi realizado foi o
cálculo do tempo de duração da primeira fase com base nos casos cujo desfecho poderia
ser considerado como desfecho desta etapa e cálculo do tempo de duração global do
processo com base nos casos cujo desfecho poderia ser considerado como relacionado à
decisão de plenária do júri.
63Lembrando que neste caso já foram excluídos os casos com problemas em razão de terem apresentado tempos negativos.
116
Esta divisão denotou que, em média, os casos demoram 587 dias, contados do
aceite da denúncia, para alcançarem a fase de decisão da primeira etapa do rito do
Tribunal do Júri e 1002 dias, contados do mesmo momento, para alcançar a segunda
fase do júri. Ou seja, considerando que esses dados são inseridos corretamente, são
necessários, em média, 415 dias entre a decisão que decide pela pronúncia do réu e a
sentença de plenária do júri.
O tempo de processamento global era, em média, de 1246 dias, contados desde a
data do delito até a data da sentença de plenária do júri. Considerando que o prazo
máximo previsto pelo CPP, para o processamento do acusado de um delito de homicídio
doloso que não estivesse preso era de 310 dias, é possível afirmar que o tempo
despendido pelo TJSP era 4 vezes maior que o tempo legal no período anterior à
reforma processual.
Calculando os tempos para os casos de homicídios dolosos, distribuídos depois
do início da vigência da lei 11.689/08, foi possível constatar que (Tabela 29):
Tabela 29 – Tempos das fases processuais para processos de homicídios dolosos
Distribuídos depois do início da vigência da Lei 11.719/08 (em dias).64 São Paulo, Estado: ago/2008 a dez/2009
Tempo considerado
Número de casos com informações válidas
Valor mínimo
Valor máximo Média
Desvio Padrão
Tempo entre a data do crime e a data da distribuição 11243 0 19326 164 646 Tempo entre a data da distribuição e o recebimento da denúncia 2496 0 455 55 83 Tempo entre a data da denúncia e a data da decisão de primeira fase do júri 611 0 408 167 79 Tempo entre a data da denúncia e a data da decisão de segunda fase do júri 117 0 464 214 118 Tempo entre a data da distribuição e data da sentença 308 0 471 188 118 Tempo entre a data do crime e a data da sentença 256 10 8012 646 1321 Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Assim, considerando os casos de homicídios dolosos processados após o início
de vigência da lei 11.689/08 tem-se que:
• A fase policial durou, em média, 164 dias;
• A fase do Ministério Público durou, em média, 55 dias;
64Lembrando que neste caso já foram excluídas as sentenças não terminativas do feito e os casos com problemas em razão de terem apresentado tempos negativos.
117
• A primeira fase do júri durou, em média, 167 dias e;
• A segunda fase do júri durou, em média, 47 dias.
O tempo global de processamento foi de 646 dias, enquanto que a nova lei
prescreve que este deve ser de 315 dias. Isso significa que os casos distribuídos após a
nova legislação tiveram um tempo de processamento duas vezes maior do que o
prescrito pela lei.
Contudo, as informações apresentadas na tabela anterior devem ser interpretadas
com cautela. Primeiro, como atrasos no tempo de processamento são freqüentes, tal
como denotado por diversas análises revisadas no âmbito desta pesquisa, é possível que
estas médias não traduzam a realidade do tempo de processamento dos casos de
homicídio doloso. O que elas podem estar indicando é que apenas os casos mais simples
ou cujo conjunto probatório era mais substantivo alcançaram a fase final do fluxo até o
momento da passagem dos dados do TJSP para o CESeC.
Esta hipótese se torna ainda mais consistente quando se considera apenas o
tempo da fase policial. Como esta base de dados possui informações sobre todos os
casos distribuídos no período, independente do desfecho por ele alcançado, é possível
calcular o tempo considerando onde o caso encontra-se estacionado e comparar padrões
entre as duas tabelas.
Nestes termos, quando se compara o tempo de duração da fase policial antes e
depois da nova lei é possível perceber que houve um certo acréscimo em termos de
número de dias entre um período e outro para esta fase (ou 129 e 164 dias
respectivamente). Este fenômeno pode estar referendando o fato de que apenas os casos
mais rápidos puderam ser encerrado e, assim, as médias apresentadas pela Tabela 11
podem ser um pouco distorcidas em relação ao padrão efetivo de processamento destes
casos.
Este fenômeno parece ficar evidente quando se analisa o tempo do processo em
razão do ano da distribuição (Gráfico 09). Com esta figura é possível perceber que a
média do tempo da fase judicial (entre o aceite da denúncia e a sentença de plenária) vai
se reduzindo ao longo do tempo porque a amplitude entre o maior e menor tempo de
duração do processo penal também se reduz neste período.
118
Gráfico 09 - Variação do tempo médio de duração processos de homicídio doloso De acordo com o ano em que foram distribuídos.
São Paulo, Estado: jan/2000 a dez/2009
Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Este gráfico parece indicar, da mesma forma que ocorreu com o tempo de
processamento do delito de homicídio doloso no âmbito da base de dados do TJRJ, na
última década, a média do tempo de processamento parece ter se reduzido porque, na
realidade, a diferença entre o maior e o menor tempo de processamento se reduziu. Este
dado confirma a hipótese de que ainda é muito cedo para se avaliar o efeito das novas
leis sob o tempo de processamento dos delitos de homicídio doloso do ponto de vista
quantitativo, uma vez que apenas os casos mais rápidos conseguiram ser encerrados até
o momento em que a base de dados dos tribunais de justiça foi repassada ao CESeC
para respectiva análise.
Contudo, como não foi realizado nenhum tipo de trabalho qualitativo no âmbito
do TJSP não é possível afirmar, por outro lado, que especialmente nos anos de 2008 e
2009 a redução do intervalo de tempo ocorreu porque os operadores do direito desta
119
localidade se apropriaram dos novos procedimentos penais e, por isso, a hipótese mais
plausível como explicação para os dados apresentados acima é a supra-citada.
II.2.4 – Conclusões gerais da análise do banco da dados do TJSP
As análises realizadas a partir do banco de dados do TJSP denotaram que o
tempo de processamento dos delitos de roubo e homicídio doloso parecem ter se
reduzido ao longo dos anos como um todo e, exatamente por isso, ainda parece ser um
pouco cedo para atribuir tal redução à reforma do CPP implementada no ano de 2008.
Esta ressalva parece ganhar ainda mais fôlego quando se analisa o tempo do
processo de acordo com o ano da distribuição deste, uma vez que as médias parecem
não ter se alterado substancialmente, mas o intervalo de tempo sim. Soma-se a isso o
fato de que, quando se contrasta o tempo da fase policial, não se percebe grandes
diferenças em ambos os crimes, para o período anterior e posterior as novas leis (Tabela
30), o que leva a crer que as conclusões baseadas apenas na análise quantitativa ainda
são prematuras e, por isso, podem induzir a equívocos. Isso porque, quando se compara
a média de tempo judicial para o período anterior e posterior as novas leis, percebe-se
uma redução no tempo.
Tabela 30 – Tempo de duração de cada fase processual De acordo com o delito e lei em análise (em dias).
São Paulo, Estado: Jan/2000 a dez/2009 Roubos Homicídios dolosos
Fase em questão Antes da lei 11.719/08
Depois da lei
11.719/08
Diferença (depois -
antes) Antes da lei 11.689/08
Depois da lei
11.689/08
Diferença (depois -
antes) Tempo entre o crime e a distribuição do processo 80 73 -7 129 164 35 Tempo entre a distribuição do processo e o aceite da denúncia 461 153 -308 306 55 -251 Tempo entre o aceite da denúncia e a sentença final 627 186 -441 1002 187 -815 Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Contudo, como o tempo para encerramento do processamento de um delito nos
tribunais brasileiros é essencialmente longo, é possível que esta redução deva-se ao fato
de a base de dados analisada considerar apenas os casos cujo processamento foi
essencialmente rápido. Esta afirmação também poderia ser confirmada ou refutada se as
bases de dados possuíssem um número maior de variáveis que permitissem uma melhor
120
compreensão dos determinantes do tempo de processamento para além do seu cálculo.
O mesmo poderia ser realizado se a pesquisa tivesse se ocupado de um extenso trabalho
qualitativo no âmbito do TJSP, compreendendo não apenas como os casos são inseridos
neste sistema de informação, mas ainda, como os operadores do direito têm ou não se
apropriado dos novos procedimentos penais. De posse de tais informações seria possível
lançar novas interpretações aos resultados quantitativos obtidos nesta seção.
Por outro lado, as análises do banco de dados do TJSP se mostraram mais
consistentes que as análises do TJRJ. O número de casos com informações completas é
substancialmente maior e o fato de o banco de dados contar com todos os casos que
foram distribuídos no período compreendido entre os anos de 2000 e 2009,
independente destes terem ou não alcançado uma sentença fez com que determinadas
distorções e problemas verificados na seção precedente não fossem verificados nesta
seção.
II.3 - Considerações finais – comparando os resultados da análise da base de dados
do TJRJ e da base de dados do TJSP
A primeira conclusão deste estudo empírico do tempo de processamento diz
respeito a uma questão muito mais técnica que substantiva propriamente dita. Primeiro,
ficou evidente que os tribunais registram fenômenos distintos e, exatamente por isso, a
base de dados do Rio de Janeiro apresenta uma riqueza de informações muito maior que
a base de dados de São Paulo, a qual se circunscreve as datas de movimentação
processual e a última decisão “vivenciada” pelo projeto.
Em um segundo momento, é importante destacar que o acesso garantido pelos
tribunais às informações é refletido, diretamente, nos resultados propiciados pela
análise. Como o Rio de Janeiro, por motivos desconhecidos, não enviou a base de dados
completa para os pesquisadores do CESeC a sua análise restou prejudicada, denotando
algumas inconsistências que são difíceis de se sustentar como, por exemplo, o fato de
aparentemente o número de processos distribuídos ter diminuído enquanto o número de
processos sentenciados ter aumentado, fazendo com que nos últimos anos se tenha mais
processos sentenciados do que distribuídos.
A base de dados do TJSP é mais consistente, inclusive, com o que se espera em
termos de trabalhos da criminologia contemporânea que se destinam a analisar o
funcionamento dos tribunais de um ponto de vista quantitativo. O número de casos
121
sentenciados a cada ano é percentualmente menor que o número de casos distribuídos,
mas as curvas seguem movimentos semelhantes, tal como esperado pelos estudos sobre
fluxo do sistema de justiça criminal.
Por fim, uma constatação, referente não aos dados tribunais, mas à natureza do
trabalho em si é a relativa ao pequeno espaço de tempo entre a publicação das Leis
11.719/08 e 11.689/08 e o momento desta análise. Isso porque, conforme verificado no
capítulo 1, as pesquisas empíricas já realizadas sobre este tema denotam que para o caso
do homicídio doloso são necessários, em média, 1434 dias para que o processamento
deste delito seja completado.
Sendo assim, ainda que a nova lei tenha estabelecido que agora o processamento
global deste delito deve ser de até 315 dias (contados desde a data do crime) e que o
processamento judicial deste delito deve durar até 270 dias, é de se esperar que após
anos ou mesmo décadas operando de uma determinada forma, as organizações demorem
um tempo para se adaptar às novas regras.
Ou seja, os novos procedimentos penais viabilizaram definições mais claras do
tempo de processamento porque, além de definirem melhor este prazo no âmbito da lei,
concentraram atos processuais que antes eram realizados separadamente, contribuindo
para a extensão do prazo. Mas, se até mesmo o conhecimento e a internalização destas
práticas pelos operadores do direito demandam um tempo para ocorrer, é possível
inferir, por conseguinte, que a constatação do efeito prático destas leis sob o tempo de
processamento apenas poderá ser realizada em alguns anos.
Por outro lado, assumindo que essas leis já produziram algum efeito nos
processos distribuídos após a sua vigência (os quais já passaram a ser processados, por
exemplo, com o uso da audiência uma) e comparando o tempo de processamento da
fase judicial após a publicação das novas leis com o tempo de processamento previsto
pelo CPP tal como vigente na atualidade é possível constatar que em ambas as
realidades os tempos de processamento se revelam semelhantes 65.
65Contudo, é importante, mais uma vez, destacar que essas conclusões devem ser analisadas com cautela já que apenas um pequeno número de casos pôde alcançar a fase de sentença até o momento de encerramento desta base de dados, tal como destacado nas tabelas anteriores.
122
Tabela 31 – tempos das fases processuais tal como previstas pelo CPP e tempos da fase judicial para processos de roubos homicídios dolosos (em dias)
São Paulo, Estado - Ago/2008 a Set/2009 Rio de Janeiro, Estado - Ago/2008 a Set/2009
Apenas casos distribuídos depois do início da vigência das novas leis penais Procedimento CPP TJRJ TJSP
Rito ordinário – Crime de Roubo 95 153 153 Rito do tribunal do júri – crime de
homicídio doloso 270 158 214 Fonte: CPP, Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Interessante destacar que o tempo médio de processamento do delito de roubo
para o período posterior à nova lei é exatamente o mesmo em São Paulo e no Rio de
Janeiro: 153 dias. Este prazo coincidente, apesar de superior ao previsto legalmente,
pode estar indicando que os tribunais de justiça tendem a apresentar um padrão
semelhante de processamento para determinados delitos.
Estas informações podem ser compreendidas ainda a partir da utilização de
alguns estudos da sociologia que se preocupam em compreender, dentro de uma
perspectiva mais qualitativa, como os operadores do direito administram o processo de
aplicação da lei no âmbito dos tribunais de justiça. Por exemplo: Sapori (1996)
constatou que muitas vezes a eficiência é perseguida mediante a violação dos padrões
formais do sistema. Assim, ainda que a lei prescreva um procedimento diferenciado, de
acordo com a pesquisa do autor, os operadores do direito podem preferir administrar a
realidade dos tribunais de maneira distinta, desde que isso garanta maior eficiência ou a
solução mais ágil dos casos de menor complexidade, o que não deixa de violar o
princípio do devido processo legal. Exatamente por isso, o autor denomina a justiça
brasileira como “justiça em linha de montagem”.
Assim, a partir da reforma de 2008, quando uma série de práticas analisadas pelo
autor para se alcançar o processamento ágil em um pequeno espaço de tempo foram,
finalmente, institucionalizadas no arcabouço normativo, é possível imaginar que essas
venham a ser progressivamente apropriadas pelos operadores do direito e, com isso, o
tempo de processamento real possa se aproximar do legalmente prescrito.
Por outro lado, estudos como o de Assmar et al (2005) apontam para o fato de
que alterações legais, quando implicam em mudanças de práticas por parte de
indivíduos inseridos no âmbito de dados organizações, tendem a encontrar forte
resistência na cultura sobre “como fazer” determinadas atividades. Isso significa que por
mais que os novos procedimentos fossem desejados por diversos operadores do direito,
123
na medida em que eles implicam em uma mudança profunda na forma e momento para
prática de determinados atos no contexto do tribunal de justiça quando do
processamento de dadas demandas criminais é de se esperar que esses não venham a ser
internalizados por todos os envolvidos nesta atividade da mesma maneira.
Neste sentido, é importante ser levado em consideração o fato de que alguns
operadores possuem interesse direto na maior duração possível do processo, como é o
caso, por exemplo, dos advogados particulares que geralmente tem a sua remuneração
calculada em horas trabalhadas ou em meses de duração da causa.
Outros operadores manejam o caso de tal forma que este seja esquecido por um
tempo e, com isso, a possibilidade de condenação ou absolvição seja menor, porque o
julgamento já está “distante” do calor dos acontecimentos. Estas variáveis, que não são
registradas pelos bancos de dados dos tribunais (que sequer possuem a natureza da
defesa do caso) também devem ser levadas em consideração quando se analisa o efeito
de novas regras que tem como objetivo acelerar a tramitação dos processos.
Como a legislação brasileira não possui nenhum tipo de medida punitiva para os
operadores do direito que não apenas não respeitam as determinações legais quanto ao
tempo de processamento como ainda que dão ensejo a morosidade protelatória, esta
forma de resistir à implementação dos novos procedimentos penais sequer aparece
como um ponto a ser considerado quando se discute a difícil equalização entre
celeridade processual e direitos fundamentais do acusado.
Assim, a mensuração adequada do impacto das novas legislações sobre a forma
e o tempo de processamento dos delitos submetidos ao procedimento ordinário e ao
procedimento do Tribunal do Júri apenas poderá ser adequadamente compreendida a
partir da análise qualitativa de como os operadores do direito internalizaram ou não
estas novas regras. Isso ocorre porque os novos procedimentos penais, no fundo,
procuraram alterar o sistema de valores e atitudes sobre o que é um processo que
garante, simultaneamente, a celeridade processual e os direitos constitucionais do
acusado.
No entanto, como a reforma de 2008 objetivou para além de garantir a
celeridade processual alcançar uma maior compatibilidade entre o Código de Processo
Penal, eminentemente fascista (Barandier, 1996) e a legislação constitucional,
eminentemente garantista, os capítulos subseqüentes procuram analisar exatamente
estes pontos. Aliás, em última instância, o propósito das novas leis foi evitar que o juiz
124
continue a ser o operador do direito responsável pela compatibilização destas
legislações cuja teoria que as subjaz é eminentemente contraditória, uma vez que:
“Não é mais admissível, nem tolerável, num Estado Democrático de Direito, o
entendimento de que ao juiz só caiba extirpar do trabalho do legislador ordinário —
bem ou mal avisado, primoroso ou desastrado — aquilo que não pode coexistir com
a Constituição, aquilo que há de representar uma afronta manifesta do texto
ordinário ao texto maior" porque o juiz "não é legislador e não tem autoridade que
tem o legislador para estabelecer a melhor doutrina (Franco, 1995).
Assim, para que o juiz possa se ocupar da busca da verdade real de maneira
célere e garantista foi preciso reformar a legislação processual penal, algo que foi
realizado pelas leis 11.719/08 e 11.689/08. Mas, será que 20 anos após a promulgação
da Constituição Federal a reforma do CPP foi capaz de compatibilizar os procedimentos
penais e os princípios constitucionais de maneira eficiente e efetiva? E ainda, após mais
de 60 anos operando de acordo com as regras do CPP de 1941 os juízes foram capazes
de imediatamente aplicar os novos procedimentos e tal como previsto pelas novas leis?
Com o propósito de responder a tais indagações, tem-se os capítulos
subseqüentes, os quais objetivaram verificar em que medida as leis 11.689/08 e
11.719/08 reduziram as dissonâncias entre os direitos fundamentais do acusado e os
princípios constitucionais e, em que medida, os tribunais tem aplicado esses novos
procedimentos ou tem resistido à sua institucionalização fazendo com que esses novos
dispositivos venham a ser questionados a partir de recursos à segunda instância ou aos
tribunais superiores.
Assim, após a análise das consonâncias e dissonâncias entre as novas leis e os
princípios constitucionais e a análise dos julgados disponibilizados como jurisprudência
nos sites de todos os tribunais de justiça que operacionalizam as referidas leis será
possível verificar como estes operadores do direito têm sido capazes de materializar os
dispositivos das leis 11.719/08 e 11.689/08 na realidade cotidiana dos tribunais ou como
estas novas regras têm sido rechaçadas pela cultura dos operadores do direito, que
preferem operar sob a égide da legislação anterior, fenômeno este que termina por
implicar em um recurso para a discussão da matéria abordada pelas novas leis.
Mas, para verificar como estes dispositivos são aplicados na administração
cotidiana da justiça criminal, tem-se o último capítulo. Verificando quais são os
dispositivos mais aplicados e os que ainda não se consubstanciaram em prática
cotidiana dos tribunais é possível compreender com maior clareza como o tempo do
125
processo penal pode estar sendo alterado pelas novas leis e ainda porque determinadas
matérias são motivos de recurso à segunda instância ou aos tribunais superiores
enquanto outras não.
Por fim, para compreender o que faz com que um determinado operador do
direito internalize as regras estabelecidas pelas novas leis enquanto outro venha a
rechaçá-la, foram realizadas uma série de entrevistas com esses atores as quais encerram
este trabalho. Em última instância o propósito de se apreender o sistema de crenças,
valores e atitudes desses atores teve como princípio maior verificar o que pode ser
alterado por meio da atividade legislativa e o que demanda um novo processo de
socialização desses. Neste último caso, trata-se de políticas que podem ser
institucionalizadas a partir de cursos de formação ou ainda de grandes processos de
mudança organizacional que venham a ser implementados ou pelo Conselho Nacional
de Justiça ou pelos próprios tribunais de justiça.
Em última instância, o propósito dos capítulos seguintes é oferecer subsídios
para a elaboração de políticas públicas que sejam capazes de equalizar a celeridade
processual com uma maior garantia dos direitos fundamentais do acusado.
126
CAPÍTULO III. A REFORMA PROCEDIMENTAL SOB A ÓTICA DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
No presente capítulo será realizado um exame dos direitos e garantias
fundamentais do acusado, previstos na Constituição Federal, e em que medida os
mesmos serão afetados pelas Leis 11.719/08 e 11.689/08. O intuito é verificar o impacto
que a reforma legislativa operado dentro do processo penal sobre os direitos e garantias
fundamentais do acusado, ou mesmo da vítima.
De acordo com Nucci (2008), esta análise se faz necessária e de suma
importância, tendo em vista que a aplicação das Leis 11.719/08 e 11.689/08 vêm
trazendo à tona pertinentes discussões sobre a correta interpretação de dispositivos
legais que alteraram substancialmente a forma e o momento de realização de diversos
atos processuais penais. Mesmo porque:
A reforma estabelece novo paradigma para o processo penal brasileiro, a saber: a) as
formalidades inúteis do atual procedimento do júri, que mais têm se prestado a servir
como fonte inesgotável de nulidade, foram eliminadas; b) a atuação de assistentes
técnicos indicados pelas partes passa a ser admitida; c) o juiz poderá absolver
sumariamente o acusado, após a apresentação da resposta preliminar; d) a identidade
física do juiz passa a existir também no processo penal; e) o art. 594 do Código de
Processo Penal, que prevê o recolhimento do acusado à prisão para poder apelar, é
finalmente revogado; f) a citação por hora certa, na hipótese do acusado se esquivar,
dolosamente, do chamamento pessoal, é permitida; g) o interrogatório do acusado,
como meio de defesa que é, passa a ocorrer somente após a oitiva de todas as
testemunhas; h) o juiz poderá determinar, na sentença, o valor da indenização à
vítima, sem necessidade de processo de liquidação, quando for de fácil constatação o
quantum do prejuízo sofrido pelo ofendido; i) a testemunha ou o ofendido que tiver
temor de depor na presença do acusado será inquirida mediante videoconferência e,
somente na impossibilidade dessa forma, o acusado será retirado da sala, dentre
outras novidades.
Assim, considerando que a legislação infraconstitucional não pode estar em
desacordo com a Carta Magna, este texto tem, como seu objetivo, verificar quais os
principais afastamentos e aproximações existentes entre as novas leis e a Constituição
Federal de 1988 vislumbrando, com isso, possíveis reformulações na legislação
processual penal em vigor, capazes de torná-la mais adequada ao sistema de garantias
constitucionais oferecido ao acusado de cometimento de qualquer crime.
127
Em especial, este capítulo procurará abordar os problemas que tanto tem
preocupado a doutrina processual penal brasileira bem como os distintos operadores do
direito que estão administrando a nova lei em seu cotidiano profissional.
Para tanto, esta análise encontra-se estruturada em três seções. Na primeira será
apresentado o porquê do estudo deste problema. Nesta seção será explicitado que a
Constituição é, acima de tudo, uma norma principiológica e, por isso, fixa as balizas
mestras para a administração da justiça, incluindo, consequentemente, o processo penal.
Neste sentido, cumpre destacar que as mudanças introduzidas pelas Leis 11.719/08 e
11.689/08 devem se adequar aos dispositivos constitucionais relacionados aos temas por
elas abordados, sob pena de colocarem em xeque a própria unidade hierárquica de um
sistema jurídico, cuja Constituição se apresenta como ápice.
Na segunda seção, por sua vez, serão apresentados os princípios inscritos na
Constituição Federal brasileira que, de alguma forma, norteiam o processamento de um
indivíduo acusado da prática de um delito, assim como os principais dispositivos das
novas legislações que se relacionam com esses princípios. O objetivo desta
apresentação é verificar as consonâncias e as dissonâncias existentes entre a
Constituição e a legislação infraconstitucional alterada pela reforma.
Por fim, a seção 03 pretende criticar os eventuais sacrifícios que a reforma possa
ter provocado ao acusado, no tocante aos seus direitos fundamentais, assim como,
igualmente, destacar em quais pontos a nova legislação, por sua vez, funcionou como
catalisadora da concretização da ordem constitucional. Com base nisso, será possível
propor alterações na legislação objetivando suprimir suas omissões ou desvirtuamentos,
no que tange ao sistema de garantias constitucionais do acusado, valorizando, por outro
lado, seus avanços nessa mesma dimensão.
III.1 – Importância da análise constitucional da reforma
Como dito anteriormente, a Constituição é uma norma eminentemente
principiológica, razão pela qual se faz mister apreciar as novas leis sob o prisma dos
princípios e garantias fundamentais nela insculpidos. No entanto, antes de adentrar nos
princípios constitucionais e suas implicações para a reforma processual penal,
necessária se faz uma breve análise acerca do que podemos tomar como princípios, ou
seja, qual a sua conceituação e relevância.
128
A Constituição Federal é a Norma paradigma, na qual todas as outras devem
buscar fundamento e validade. Esta afirmação se revela imperiosa a todos os
dispositivos legais, seja qual for a matéria por eles tratada, e ganha especial relevância
quando o seu escopo é a matéria processual penal, já que esta lida diretamente com a
liberdade, direito cujo cerceamento deve ser sempre juridicamente respaldado e
fundamentado, sob pena de o ato que o determinou quedar-se eivado de vício insanável.
Em 2008, o ordenamento jurídico penal, não diretamente o direito material, mas
sim o processual, materializado no Código de Processo Penal Brasileiro, passou por
uma reforma em alguns de seus dispositivos mais relevantes, notadamente na parte que
versa sobre seus procedimentos comuns e especiais (Bottini, 2008 e Nucci, 2008).
A análise das alterações trazidas por tal reforma, patrocinada pelas Leis
11.719/08 e 11.689/08, passa obrigatoriamente por saber se elas efetivamente se
coadunam com a Constituição, principalmente no que tange aos direitos e garantias
fundamentais, matéria cuja relevância é tamanha, que é tratada pela Constituição
Federal de 1988, no §4º, inc. IV do seu artigo 60, 66 como cláusula pétrea, vedando,
assim, a elaboração de Emendas Constitucionais tendentes a aboli-los.
Os direitos e garantias fundamentais, em sua maioria, encontram-se positivados
na Constituição em seu artigo 5º. No entanto, o rol dos direitos e garantias ali descritos
é tão somente exemplificativo, na medida em que, ao longo da Constituição
encontramos outros tantos, espalhados em seus mais diversos capítulos.
A tutela dos direitos individuais se revelou como uma preocupação primordial
da Constituição atual, na medida em que coube a ela expurgar quaisquer resquícios do
regime de exceção que a antecedeu, e, no qual, era total o desrespeito ao indivíduo e
seus direitos.
Entre as medidas autoritárias do regime anterior, talvez uma das que mais
causara revolta na sociedade tenha sido a realização de prisões arbitrárias, nas quais não
era garantido ao acusado a chance de se defender das acusações que sobre ele pesavam,
assim como não eram respeitados direitos como os de respeito à inviolabilidade de seu
domicílio e de sua integridade física. 67
66 Art. 60, § 4º, inc. IV: “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias fundamentais.”
67 Interessante destacar que, de acordo com a doutrina processualística penal, o CPP de 1941, por ter sido uma legislação publicada durante um regime autoritário, padece destes mesmos problemas. Assim, uma vez que este Código, elaborado sob a égide e os influxos autoritários do Estado Novo e considerando o fato de que 20 anos após a publicação da chamada “Constituição Cidadã” o Brasil pode ser considerado
129
Experiências como essa brasileira, mas, especialmente, os casos europeus
anteriores de nazismo e fascismo, levaram à ruptura do Direito com modelos
positivistas estritos, isto é, baseados na mera aplicação da lei. Contra uma visão do
Direito enquanto conjunto de regras prescritas pelo Legislativo a serem reafirmadas
pelo Judiciário surge no campo jurídico um novo afã por trazer à baila princípios de
justiça que não podem ser desconsiderados sob nenhuma hipótese.
Dessa forma, mesmo sem reafirmar um pretenso direito natural, baseado numa
inquestionável natureza humana, autores da teoria jurídica contemporânea, como
Dworkin (2002) e Alexy (2003), passam a destacar o fato de que qualquer sistema
jurídico é formado não apenas por regras, mas também por princípios. Isto é, o Direito
seria composto não apenas por mandamentos que prescrevem determinadas sanções
para determinadas condutas, tornando-as, por conseqüência, permitidas, obrigatórias ou
proibidas, mas também por prescrições mais gerais, sem aplicabilidade imediata, que,
no entanto, dão ao conjunto de regras coerência ética, mais do que mera sobreposição
aleatória.
Dworkin (2002) dá exemplo disso descrevendo o caso do neto que mata o avô
para receber a herança. O assassino faria jus a essa herança? – questiona o autor. Se
formos fazer uso de uma interpretação positivista estrita, em não havendo nenhuma lei
que estabelece como regra a proibição de ser herdeiro o assassino de quem deixa a
herança, então se torna obrigatório aceitar que o neto faz jus ao espólio do avô. No
entanto, fica difícil aceitar que um sistema jurídico que pune, por exemplo, a fraude, o
estelionato e o latrocínio, possa aceitar isso, que, intuitivamente, vai em desencontro à
nossa concepção do que é justo.
Isto acontece, argumenta Dworkin (2002), exatamente porque um sistema
jurídico não pode ser composto apenas por regras. Parece intuitivamente errado que o
neto herde a fortuna do avô que ele mesmo assassinou, pois também compõe esse
sistema o princípio de que ninguém pode se beneficiar da própria torpeza. Mesmo que
esse princípio não seja explicitado em nenhuma lei, a interpretação do ordenamento
como um todo coerente permite ao intérprete verificar que esse princípio está ali,
informando várias de suas regras para que elas formem um todo coeso e não a mera
sobreposição de caprichos do legislativo.
como uma democracia em fase de consolidação, faz-se indispensável adequar os dois dispositivos legais. Em última instância, este foi o objetivo maior da reforma de 2008.
130
Tendo este arcabouço em vista, pode-se dizer que, por princípio, tem-se uma
estrutura sobre a qual é possível realizar algo, um ponto de partida, o limiar introdutório
dos institutos jurídicos. É neles que se pode buscar validade para normas. Fazendo uso
das palavras de Celso Antonio Bandeira de Mello (1996, p. 545), podemos dizer que
“Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce
dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes
o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência,
exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe
confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que
preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por
nome sistema jurídico positivo. Violar um princípio é muito mais grave do que
transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um
específico mandamento obrigatório, mas a todo sistema de comandos.”
Todavia, conforme visto anteriormente, a revalorização dos princípios de justiça
no Direito não tem a ver com o simples retorno à teoria do direito natural, baseado no
inacessível âmago do que nos faz verdadeiros seres humanos. Esses princípios são
extraídos do próprio ordenamento e da história institucional da comunidade a que eles
se aplicam. Nesse contexto, ganha lugar de destaque a Constituição, enquanto vértice
hierárquico do conjunto de normas jurídicas de determinado local.
Assim, o constitucionalismo se alia a uma “positivação” de direitos naturais,
gerando a inscrição de princípios de justiça numa dimensão do ordenamento jurídico
menos maleável e menos sujeita às intempéries de legislativos sazonais.
A inclusão de listas de direitos individuais e princípios de justiça numa
Constituição realiza, assim, um duplo movimento na efetivação de seus princípios. Por
um lado, dado sua natureza principiológica e lugar no ponto mais alto do ordenamento,
informam o sistema como um todo, seja na produção, seja na aplicação de suas regras.
Por outro, exigem para sua alteração, ou maiorias legislativas qualificadas, ou mesmo,
processos revolucionários, quando sua alteração não apenas mutila a Constituição, mas
efetivamente a destrói por desnaturar sua essência – daí a consideração dos direitos
individuais como cláusulas pétreas.
Temos ainda, aliado a isso, os processos de controle de constitucionalidade das
leis, por meio dos quais as leis em desacordo com a Constituição são consideradas
inválidas e extirpadas do sistema, garantindo a supremacia do texto constitucional. No
Brasil, esse controle é exercido pelo Poder Judiciário, tanto de forma concentrada, pelo
131
Supremo Tribunal Federal, quando provocado especificamente para isso, quanto de
forma difusa por qualquer juiz, ao decidir um caso concreto que afronte a Carta Magna.
Partindo da premissa de que o ordenamento jurídico brasileiro também adotou a
positivação de princípios de justiça e direitos individuais no texto constitucional da
Carta de 1988, temos que a legislação produzida no país deve estrita obediência a essa
ordem principiológica constitucional, para que não se corra o risco de ter seu intuito
malogrado, inclusive, pelo próprio Poder Judiciário. Daí a importância de, no estudo das
alterações produzidas pelas Leis 11.719/08 e 11.689/08, levar-se em conta em que
medida seus dispositivos vão ao encontro dos, ou de encontro aos, ditames da
Constituição Federal.
Passemos, portanto, à análise dos dispositivos previstos nessas leis à luz dos
princípios constitucionais que deveriam regê-los, destacando os possíveis acordos e
desacordos entre essas duas fontes normativas do sistema jurídico brasileiro que
precisam, obrigatoriamente, estar em harmonia.
III.2 – Análise dos dispositivos legais sob a luz das garantias fundamentais
Os princípios norteadores do processo penal encontram-se, basicamente, no art.
5º da Constituição da República Federativa do Brasil. Dentre eles, merecem destaque:
III.2.1. A dignidade da pessoa humana e o tratamento isonômico
Mais do que um princípio, a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos
da República, insculpido no artigo 1º da Constituição Federal, norteando todas as
demais garantias fundamentais.
Esse verdadeiro metaprincípio acompanha o raciocínio kantiano de que,
enquanto as coisas são meios para atingir determinados fins, possuindo, portanto,
preços, o ser humano é um fim em si mesmo, não podendo ser jamais utilizado como
meio para outros fins, possuindo, dessa forma, não preço, mas dignidade (Kant, 1964).
Seria esse o sentido mais nuclear da dignidade da pessoa humana, que, contudo,
foi ao longo do tempo assimilando novas dimensões, acompanhando o desenvolvimento
da sociedade e dos ordenamentos jurídicos.
132
Segundo lição de Nicolitt (2009, p. 26-27), atualmente:
“É difícil precisar o sentido do enunciado dignidade humana, porém a chamada
teoria de cinco-componentes (sic) parece adequada à realidade constitucional
brasileira. Transpondo para a Constituição pátria o mesmo raciocínio de Canotilho
em relação à Constituição portuguesa, vê-se que a base antropológica remete ao
homem como pessoa, como cidadão, como trabalhador e como administrado. Daí se
extrai uma integração dos direitos fundamentais, iniciando pela afirmação da
integridade física e espiritual do homem como aspectos irrenunciáveis de sua
individualidade, seguindo com a garantia da identidade e integridade da pessoa
através do desenvolvimento de sua liberdade e passando à chamada libertação da
angústia da existência da pessoa, libertação esta através de mecanismos sociais de
providências que garantam possibilidade de condições mínimas existenciais. O
quarto componente é a consagração da autonomia individual através da limitação
dos poderes públicos relativamente aos conteúdos, formas e procedimentos do
Estado de Direito, e, por fim, o quinto componente reside na dignidade social, ou na
igualdade de tratamento normativo, ou seja, igualdade perante a lei.”
Pelo exposto na citação acima, podemos ver que o respeito à dignidade da
pessoa humana deságua, necessariamente, em outro metaprincípio que, previsto já no
caput do artigo 5º da Constituição, serve igualmente a informar as demais garantias daí
decorrentes. Trata-se da chamada isonomia, o princípio que exige que todos os cidadãos
submetidos a um ordenamento jurídico, sejam submetidos a ele da mesma maneira, isto
é, que todos sejam considerados iguais perante a lei.
Claro que a lei perde o próprio sentido de ser se não puder estabelecer distinções
entre aqueles submetidos ao seu jugo, por exemplo, diferenciando a cobrança de um
imposto de acordo com a capacidade contributiva de cada um. Mesmo porque, estar
cega a determinadas diferenças, pode, pelo contrário, tornar sua aplicação mais desigual
do que igual.
Assim, o que a isonomia exige é a vedação de discriminações arbitrárias, em que
pessoas são diferenciadas legalmente por características que não possuem relação com o
tema tratado na lei. Voltando ao exemplo, diferenciar a cobrança de impostos de acordo
com a capacidade econômica é razoável, já que se trata de um ditame legal destinado à
redistribuição de riqueza. No entanto, se a mesma diferenciação fosse feita com base na
cor da pele, por exemplo, a isonomia seria desrespeitada.
133
Como a dignidade da pessoa humana e a isonomia são princípios de altíssimo
grau de abstração, servindo como base e suporte para garantias mais específicas, será
mais fácil analisar a pertinência da reforma a tais princípios, quando da análise dessas
garantias. É o caso de se observar, dentre outros, o respeito da dignidade humana no
respeito à integridade física e moral do preso, e o respeito à isonomia na garantia de
defesa técnica a todos.
Contudo, desde já merece destaque a exigência da nova legislação quanto à
fundamentação das decisões que decretam as prisões. Como se trata de medida
coercitiva de um direito fundamental de estreita ligação com o princípio da dignidade da
pessoa humana, qual seja o direito à liberdade, a decretação de uma prisão obriga a
autoridade judicial a fundamentá-la, sob o risco de ferir, indubitavelmente, tal princípio.
Pensando nisso, a reforma, no §3º do artigo 413,68 exigiu, expressamente,
quando da prolação da pronúncia, a motivação fundamentada por parte do juiz para a
decretação da prisão, ou mesmo, para sua manutenção. Com isso, em última instância, o
que a legislação procurou impedir foi a decretação automática, ou, ainda, a manutenção
da impossibilidade da liberdade quando esta não se faz necessária – situação na qual
uma medida cautelar chega a se transformar em mecanismo de antecipação de punição
(Bandeira, 2007).
Mesmo que apenas dê continuidade a um estado anterior de privação cautelar de
liberdade do réu, a prisão deve, no momento da pronúncia, ser fundamentada, para além
da mera decretação. Ou seja, pronúncia por si só, não é capaz de fundamentar a prisão,
de acordo com a reforma pela lei. A reforma consubstancia assim, além de
desdobramento dos princípios constitucionais da presunção de inocência (art. 5º, LVII
da CF) e da exigência de fundamentação das decisões judiciais (art. 93, IX da CF), o
corolário da dignidade da pessoa humana que assegura que a liberdade da pessoa
humana só pode ser cerceada em casos extremos e previstos em lei. Logo, essa exceção
que é a restrição da liberdade, deve contar sempre com a fundamentação jurídica
pertinente para, inclusive, permitir sempre seu questionamento pela defesa do preso.
68 Art. 413, § 3º: “O juiz decidirá, motivadamente, no caso de manutenção, revogação ou substituição de prisão ou medida restritiva de liberdade anteriormente decretada e, tratando-se de acusado solto, sobre a necessidade da decretação da prisão ou imposição de quaisquer medidas previstas no Título IX do Livro I deste Código.”
134
Contudo, isso acarreta um problema que faz com que se choquem duas
garantias: a da fundamentação de qualquer restrição da liberdade e a da presunção de
inocência, ambas diretamente relacionadas com o respeito à dignidade da pessoa
humana. Por um lado, se a pronúncia simplesmente decreta a prisão do réu sem
qualquer motivo cautelar, ela incorre em desrespeito à necessidade da fundamentação de
qualquer prisão. Por outro, ao fundamentar mais extensamente a prisão para além dos
requisitos cautelares, ela corre o risco de influenciar os jurados em relação à
culpabilidade do réu. Esse ponto será retomado mais à frente, quando se abordará
especificamente o Tribunal do Júri.
III.2.2. A presunção de inocência e o respeito à integridade física e moral do preso
De acordo com o inciso LVII do artigo 5º da Constituição brasileira, ninguém
será considerado culpado até trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Trata-
se do princípio da presunção de inocência, corroborado pela garantia do acusado de se
reservar a permanecer em silêncio, sem que isso lhe implique presunção de culpa – inc.
LXIII – assim como garantias outras como a ampla defesa. Extensivamente, a presunção
de inocência aliada ao direito ao silêncio é, inclusive, o que garante que ninguém será
obrigado a produzir prova contra si mesmo. De acordo com Pacelli (Op. Cit. p.33),
“A não exigibilidade de participação compulsória do acusado na formação da prova
a ele contrária decorre, além do próprio sistema de garantias e franquias públicas
instituído pelo constituinte de 1988, de norma expressa prevista no art. 8º da
Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica),
de 22 de novembro de 1969, integrada ao nosso ordenamento jurídico pelo Decreto
n.º 678, de 6 de novembro de 1992.”
Por esta razão, admite-se até que o réu se recuse a fazer a reconstituição do
crime, por entender que assim agindo estaria sendo compelido a produzir prova contra
si, violando o seu direito a não auto-incriminação. Logo, com relação especificamente
ao direito ao silêncio, a Lei 11.689/08, pela redação dada ao artigo 478, inc. II69 veio a
corroborá-lo, quando vedou que as partes fizessem, durante o julgamento, menção ao
silêncio do acusado em seu prejuízo.
69 Art. 478, inc. II: “Durante os debates as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer referências: II – ao silêncio do acusado ou à ausência de interrogatório por falta de requerimento, em seu prejuízo.”
135
Merece destaque também, ainda no que se refere à relação entre a reforma
processual penal e a garantia da presunção de inocência, a extirpação do Código de
Processo Penal de regra que há muito já sofria duras críticas da doutrina: a exigência do
recolhimento do réu à prisão como requisito para a apelação – recurso adequado para a
revisão de uma sentença judicial.
Para doutrinadores como Busana (1993) e Soares (1995) essa regra não deveria
sequer ser considerada recepcionada pela Constituição de 1988, por ferir o princípio da
presunção de inocência. Afinal, se em decorrência do princípio da presunção de
inocência ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado, como exigir
que o recolhimento à prisão seja condição para o conhecimento do recurso?
Na esteira dessa crítica, a Lei nº 11.719/08 resolveu sanar as dúvidas sobre a
recepção dessa regra e revogou o artigo que lhe dava suporte (art. 594 do CPP). Assim,
a partir da reforma, em reconhecimento à presunção de inocência, deixa de ser requisito
para o processamento da apelação o recolhimento do réu à prisão. Nesse sentido, a
isonomia também é valorizada ao deixar de se distinguir, dentro do direito à apelação,
entre o réu solto e o réu preso.
Todavia, essas não foram as únicas dimensões em que as novas leis quiseram dar
efetividade à garantia constitucional de presunção de inocência. Corroborando,
inclusive, a Súmula do Supremo Tribunal Federal sobre o assunto, a Lei nº 11.689/08,
em seu artigo 474, § 3º 70 também estipulou que o uso de algemas por parte do réu
precisaria ser a exceção e não a regra.
Como se observou que a presença do réu algemado durante as audiências do júri
influenciava os jurados no sentido de prejulgarem-no como culpado, a nova lei
determinou a proibição do uso das algemas, salvo quando estritamente necessário à
segurança dos demais presentes naquelas audiências. Isto é, só seria possível relativizar
a presunção de inocência do réu, por meio do “ar” de culpa do uso de algemas, quando
isso fosse necessário à salvaguarda de outro direito fundamental, a saber: a integridade
do público, dos jurados e dos funcionários da justiça.
70 Art. 474, § 3º: Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes.
136
A proibição do uso de algemas, tornada lei por força da reforma, recepcionando
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, também visa a atender a outra garantia
constitucional, explicitada no art, 5º inciso XLIX: o respeito à integridade física e moral
do preso, garantida na mesma dimensão da dos demais presentes à audiência. Se o uso
de algemas pelo réu era responsável por lhe imputar culpabilidade da qual ele é
presumido livre, tem-se que esse uso atingia diretamente sua integridade moral. Em
respeito, portanto, também à garantia prevista no inc. XLIX, a nova sistemática do
processo penal introduzida pela Lei nº 11.689/08 andou junto à Constituição na sua
regulamentação do uso de algemas no júri. E, igualmente, amplificou seu sentido de
respeito à dignidade da pessoa humana, que tem como dimensões fundamentais a
integridade física e moral do sujeito.
Mesmo assim, ainda restam controvérsias sobre a plena efetividade do princípio
de presunção de inocência do réu. Isso se dá no caso, já citado anteriormente, de
exigência de fundamentação da sentença de pronúncia, que, por sua vez, pode levar ao
júri um réu presumido culpado. Como dito, esse caso específico será discutido mais
adiante, ficando aqui apenas a ressalva da garantia do réu que, para além do
processamento pelo júri, pode ser afetada por esse problema: trata-se da fundamental
presunção de inocência do acusado.
III.2.3. O Devido processo legal
Este é o grande princípio norteador do direito processual, oriundo da Magna
Carta de 1215.71 Nenhum processo deverá seguir sem seu parâmetro legal, sem seu
norte delineado nas normas de processo. Assim foi a política adotada pela Constituição,
que erigiu o devido processo legal à categoria de direito fundamental, em seu art. 5º,
inc. LIV, quando assevera que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o
devido processo legal.
É não só uma garantia ao próprio Estado, que possui organização para
desenvolver sua atividade judicante, como também ao cidadão, que se sujeita a um
julgamento justo, dentro de um sistema livre de arbitrariedades. Existe o dever de o
71 Declaração solene que o rei João da Inglaterra, dito João Sem-Terra, assinou, em 15 de junho de 1215, perante o alto clero e os barões do reino (Comparato, 1999).
137
Estado criar as regras, e aplicá-las a fatos posteriores à sua vigência, na mesma
proporção em que é direito do homem responder a regras claramente estabelecidas.
Como nos informa José Afonso da Silva (2004, p.431):
“Quando se fala em processo, e não em simples procedimento, alude-se, sem dúvida,
a formas instrumentais adequadas, a fim de que a prestação jurisdicional, quando
entregue pelo Estado, dê a cada um o que é seu, segundo os imperativos da ordem
jurídica E isso envolve a garantia do contraditório, a plenitude do direito de defesa, a
isonomia processual e a bilateralidade dos atos procedimentais.”
Tourinho Filho (2006a, p.59), citando lição de Redenti, informa que “o princípio
se resume em se assegurar à pessoa a defesa em juízo, ou ‘em não ser privado da vida,
liberdade ou propriedade, sem a garantia que pressupõe a tramitação de um processo,
segundo a forma estabelecida em lei.”
No entender ainda de Gilmar Mendes, podemos considerar que o devido
processo legal abrange outros princípios comumente evocados quando se fala de
garantias fundamentais na relação jurídica processual. Segundo o autor (Mendes et al,
2009, p. 639)
“...cogita-se de devido processo legal quando se fala de (1) direito ao contraditório e
à ampla defesa, de (2) direito ao juiz natural, (3) direito a não ser processado e
condenado com base em prova ilícita, (4) direito a não ser preso senão por
determinação da autoridade competente e na forma estabelecida pela ordem jurídica.
(...) De fato, é muito comum entre nós fazer-se referência a uma garantia específica,
como a do contraditório e da ampla defesa, ou do juiz natural e do devido processo
legal. Ou, ainda, costuma-se fazer referência direta ao devido processo legal em
lugar de referir-se a uma das garantias específicas.”
Tendo isso em vista, esse tópico será dividido entre essas outras garantias,
compreendendo: (i) direito ao contraditório e à ampla defesa; (ii) direito ao juiz natural
e; (iii) direito de não ser condenado com base em provas ilícitas. Como a quarta
dimensão aludida por Gilmar Mendes – isto é, não ser preso senão por determinação da
autoridade competente e na forma estabelecida pela ordem jurídica – depende
exatamente de regulamentação específica legal, preferiu-se não abordar tal tema.
3.1. Contraditório e ampla defesa
138
De acordo com a Constituição Federal de 88, em seu art. 5º, inc. LV, “aos
litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
No entender de Humberto Theodoro Junior (2004, p.25):
“o principal consectário do tratamento igualitário das partes se realiza através do
contraditório, que consiste na necessidade de ouvir a pessoa perante a qual será
proferida a decisão, garantindo-lhe o pleno direito de defesa e de pronunciamento
durante todo o curso do processo. Não há privilégios, de qualquer sorte.”
Trata-se de princípio constitucional derivado do verbo contraditar, contestar, que
visa garantir equilíbrio ao bom andamento processual, assegurando paridade de armas
às partes, em respeito ao já destacado princípio fundamental da isonomia. Junto com o
princípio da ampla defesa, integra o direito de defesa, constitucionalmente garantido.
Alguns se confundem ao dizer que o contraditório é uma garantia do réu. Na
verdade, o princípio do contraditório é para ambas as partes. Qualquer ato processual
tomado por uma parte dá à outra o direito de contraditar, criando o dever de ciência
bilateral de todos os atos judiciais. Sobre este assunto, Felipe Martins Pinto (2009)
ensina que:
“Dentre os instrumentos que conferem validade e eficácia ao ordenamento jurídico,
o princípio constitucional do contraditório é a viga mestra que permite o confronto
equânime entre as partes. Para cumprir este mister, o contraditório deve ser pleno e
efetivo. Pleno porque o princípio deve informar todos os atos preparatórios do
provimento final e efetivo porque, além da previsão formal, é imprescindível a
presença de meios que possibilitem condições concretas para as partes poderem
atuar na instrução processual na simétrica paridade de suas posições.”
Ainda neste sentido, cumpre destacar a lição de Luigi Ferrajoli (apud Azevedo,
2004), para quem a disputa entre acusação e defesa apenas é leal e em condições de
paridades se ambas as partes forem dotadas das mesmas capacidades e dos mesmos
poderes, de tal maneira que o papel contraditor seja exercido em todos os graus do
procedimento e em relação a todos os atos probatórios.
Mas este princípio não deve ser mantido tão-somente entre as partes. O Juiz é
obrigado a respeitar o princípio, mantendo-se imparcial e, ao surgirem novos elementos,
abrindo vista às partes, para que possam se manifestar. Ainda que os elementos do
processo dêem a entender que as condições de julgamento são ideais, pode haver
139
esclarecimentos ou requerimentos ulteriores que levem a uma conclusão mais próxima à
esperada verdade real (Theodoro Junior, Op. Cit. p.25).
A reforma corroborou este princípio, quando da redação dos artigos 384 72 e 411,
§ 3º – que faz referência ao anterior – que regulam a mutatio libelli, instituto jurídico
aplicável quando se verifica a possibilidade de criar nova definição jurídica do fato após
o fim da instrução criminal, em conseqüência de prova existente nos autos de elemento
ou circunstância da infração penal não contida na acusação. Antes da reforma trazida
pela Lei nº 11.719/08, o instituto era aplicado da seguinte forma: o juiz, vendo que a
definição jurídica do fato poderia ser diversa daquela apresentada, em decorrência de
fatos novos não contidos na denúncia ou queixa, deveria abrir prazo para a defesa se
manifestar e produzir provas.
O legislador infraconstitucional quis dar fim às críticas que se fazia a este
sistema, frequentemente atacado por afrontar o princípio do contraditório. Pelo princípio
do contraditório não é a parte acusada quem deve inaugurar a instrução dizendo que não
cometeu o crime, mas sim a acusação que, após a denúncia deve apresentar seus
elementos probatórios, para que assim seja plena a defesa do acusado.
Devido a isto, o legislador infraconstitucional optou pela mudança do sistema.
Ao invés de a parte ré ser intimada a “se defender” de decisão interlocutória, intima-se
primeiro o Ministério Público – ou ao querelante, em caso de queixa – para que este
adite ou não a sua denúncia. Por esse movimento, preserva-se a iniciativa acusatória do
Ministério Público – retirando-a do juiz que, na sistemática anterior, acabava por invadir
competência alheia e desfigurar sua posição imparcial e inerte – e um processo cujo
contraditório envolve efetivamente as duas partes, de acordo com o que cabe a cada
uma, isto é, à acusação acusar e à defesa defender, necessariamente nessa ordem. De tal
sorte, é de se concluir que, no que tange ao princípio do contraditório, com a reforma do
Código de Processo Penal, as novas normas processuais ampliaram sua afinidade com
os ditames constitucionais.
72 Art. 384: “Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição jurídica do fato, em conseqüência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação, o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou queixa no prazo de 5 dias, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito oralmente.
140
Já no que tange à ampla defesa, cumpre, em primeiro lugar, destacar que se trata
de uma garantia baseada em duas premissas fundamentais:
1ª premissa - ciência prévia da acusação: não há como se defender sem antes
saber qual é a acusação que recai sobre o réu. O juiz não pode convocar para o processo
o réu e deixar ele mesmo se defender sem ao menos saber do que está sendo acusado.
Ou seja, essa primeira premissa se constitui em saber qual a acusação que recai sobre o
réu para ele fazer jus a sua ampla defesa. O réu tem direito de conhecer a acusação em
seu inteiro teor, bem como todas as provas. Em princípio, a reforma respeitou esta
premissa, como se depreende da redação dos artigos 396, 396-A caput e 406 73 do
Código de Processo Penal, quando regula as formas de ciência do réu da acusação,
assim como as formas como pode apresentar sua defesa.
2ª premissa - Além da auto defesa que o réu faz em seu interrogatório, a ampla
defesa é um somatório da auto defesa com a defesa da técnica. Ou seja, é direito do réu
contar com todos os meios disponíveis para defender sua inocência – em especial a
explanação de sua própria versão dos fatos – sendo obrigatório o principal deles: a
defesa especializada por operador jurídico. Não existe processo sem defesa técnica,
exercida por advogado ou defensor público. Logo, a defesa técnica é obrigatória e o réu
não pode abrir mão de advogado ou de defensor.
Tanto o inciso LXIII – o preso tem direito à assistência da família e de advogado
– quanto o LXXIV – o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que
comprovarem insuficiência de recursos – do art. 5º da Constituição, demarcam que é
direito constitucional do réu a defesa técnica por advogado ou defensor. É, inclusive,
obrigação do Estado providenciar essa defesa, quando o acusado não puder fazê-lo com
seus próprios recursos. Isso porque, se o réu não tiver recursos financeiros para se
73 Art. 396: Nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do acusado para responder à acusação no prazo de 10 dias.
Art. 396-A: Na resposta, o acusado poderá argüir preliminarmente e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário.
Art. 406: O juiz, ao receber a denúncia ou a queixa, ordenará a citação do acusado para responder a acusação, por escrito, no prazo de 10 dias.
141
defender, a ele será fornecido pelo Estado um defensor, conforme texto da mesma
Constituição, em seu art. 134.74
Mais uma vez, no que tange à assistência por advogado, também houve por parte
da Lei, respeito a este aspecto, na medida em que o §2º do artigo 396-A 75 determina
que se não for apresentada a resposta por parte do réu no prazo legal – ou este não
constituir advogado – o juiz nomeará defensor para fazê-lo, concedendo-lhe vista dos
autos por 10 dias. No entanto, focalizemos agora outras dimensões mais polêmicas do
contraditório e ampla defesa afetados pela reforma.
No atual sistema processual penal, as diretrizes do devido processo legal se
alteraram de forma a garantir a maior observância desses dois princípios: ampla defesa e
contraditório, necessariamente nesta ordem.
Os sistemas das Leis 11.719/08 e 11.689/08 trouxeram grandes alterações à
forma de condução dos processos, de modo que o devido processo legal tomou novos
rumos, mais focado para a ampla defesa do acusado, apoiado ainda em outro princípio
constitucional de grande relevância: o já referido princípio da presunção de inocência.
Talvez esta seja a alteração mais substancial introduzida pela reforma do Código
de Processo Penal em 2008. Isso ocorre, precipuamente, em razão da mudança de
pensamento acerca da natureza dos atos processuais.
Não mais se concebe o interrogatório de um acusado dentro de uma perspectiva
inquisitória (Azevedo 2004). É bem verdade que este meio de prova – o interrogatório –
em muito serve ao Juízo a fim de alcançar a verdade dos fatos. Mas nem por isto deixa
de servir como meio de defesa. Muito pelo contrário. Em razão de outros princípios
constitucionais, tais como o da presunção de não-culpabilidade, não poderia ser
diferente.
Os meios de prova jamais devem ser usados valendo-se de presunções de culpa
de parte do réu. Se esta existe ou não, somente o andamento de um processo judicial,
sem vícios, poderá dizer. O Estado acusa, e para isto inaugura a persecução criminal, ao
passo que o réu se defende através das diversas fases da instrução criminal.
74 Art. 154: A defensoria pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV.
75 Art. 396-A, § 2º: Não apresentada a resposta no prazo legal, ou se o acusado, citado não constituir defensor, o juiz nomeará defensor para oferecê-la, concedendo-lhe vista dos autos por 10 dias.
142
Por conta disso, o depoimento pessoal do acusado deixou de ser o primeiro
momento do processo, quando funcionava, precipuamente, como meio de prova contra
o réu. Com a reforma, o depoimento pessoal foi transferido para momento posterior à
inquirição de testemunhas e produção de outras provas para que venha a funcionar, num
sentido muito diverso, como meio de defesa: tendo ciência das demais provas
constituídas contra ele, pode o réu dar sua versão dos fatos buscando se defender das
acusações que contra ele pesarem. Trata-se, portanto, de incremento à auto-defesa e, por
conseguinte, aprofundamento do direito constitucional à ampla defesa.
Contudo, além da mudança de ordem de alguns atos processuais, com destaque
para o posicionamento do depoimento pessoal do réu no fim e não no começo do
processo, outro ponto que merece destaque na reforma, por sua incidência direta sobre a
garantia da ampla defesa, é o fim do fracionamento da audiência 76, tornando-a una, nos
termos do art. 400 e 41177 do Código de Processo Penal, de acordo com a redação que
lhes foi dada pelas Leis 11.719 e 11.689 de 2008.
Parece que diversas audiências, além de trazerem maior demora à resolução do
pleito judicial, prejudicavam o bom andamento do processo pelas seguintes razões:
a) É constante a promoção e aposentadoria de Juízes, fazendo com que aquele que
iniciou a instrução criminal, em muitos casos não seja o mesmo a prolatar
sentença, o que faz com que a defesa do acusado seja prejudicada;
76 No entanto, cumpre destacar que o atual projeto de nova reforma do CPP almeja fragmentar esta alteração que, a nosso ver, tanto contribuiu para a materialização do princípio da ampla defesa. Isso porque, de acordo com Moura (2009), a nova reforma, ainda em processo de construção, propõe o que chama de “um novo acomodamento legislativo”. Segundo a Comissão, esta realidade será alcançada ao: “i) possibilitar o fracionamento da audiência em algumas hipóteses; ii) modificar o conteúdo do procedimento sumário, com a previsão de imediata aplicação de pena mínima ou reduzida quando, nos crimes cuja pena máxima não seja superior a oito anos, o acusado confessar os fatos e a sanção for ajustada entre as partes; iii) incorporar o procedimento sumaríssimo dos Juizados Especiais Criminais ao Código; iv) alterar as regras do procedimento do júri, aumentando o número de jurados de sete para oito e disciplinando a separação dos processos conexos, não dolosos contra a vida, dentre outras alterações”.
77 Art. 400: Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nessa ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado.
Art. 411: Na audiência de instrução, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, se possível, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado e procedendo-se o debate.
143
b) No intervalo entre uma audiência e outra podem se perder provas documentais,
testemunhas podem desaparecer, elementos outros podem ser criados,
modificados ou extintos, o que afastaria o Juízo da verdade real, prejudicando,
por conseguinte, todo e qualquer meio de defesa;
c) A construção lógica de um raciocínio pode ser facilitada quando os meios de
produção de prova são concretizados em único momento.
Todavia, conforme se depreende da leitura da jurisprudência, a alteração parece
não ter tido os efeitos esperados. Nem todos os julgadores têm respeitado esta alteração
introduzida pelas novas leis. Ou seja, a mudança vem sendo relativizada pelos órgãos
julgadores, sob alegação de que a ampla defesa não é prejudicada com o fracionamento
de audiências, já que isto traz a possibilidade de maior apreciação das provas,
individualmente consideradas.
Esquecem-se aqueles que justificam tal medida que a audiência una viabiliza que
o tempo da instrução seja fatalmente reduzido. No entanto, pela via transversa a ampla
defesa seria prejudicada pela possível má qualidade das provas em razão da diminuição
de tempo.
Como se pode concluir, alguns tribunais vêm entendendo que o princípio
constitucional da ampla defesa pode ser mais bem alcançado por meio do fracionamento
de audiências, nos moldes do antigo procedimento. Dessa forma, há uma corrente que
entende que a reforma processual não potencializou o princípio da ampla defesa, mas
sim, pelo contrário, o restringiu de maneira indevida.
3.2. Juiz natural
O inciso LIII do artigo 5º da Constituição de 1988 assevera que ninguém será
processado nem sentenciado senão pela autoridade competente. Sendo assim, o
princípio do juiz natural, tal como insculpido na Constituição da República Federativa
do Brasil, consiste no respeito às regras de competência traçadas pela legislação
processual pertinente. Possui a incumbência de evitar arbitrariedades ou incoerências
dentro da atividade jurisdicional do Estado. Apenas a lei tem o condão de alterar a
competência de um juiz. Na lição de Oliveira (2009, p.28), temos que
“O princípio do juiz natural tem origem no direito anglo-saxão, construído
inicialmente com base na idéia de vedação ao tribunal de exceção, isto é, a proibição
144
de se instituir ou de se constituir um órgão do Judiciário exclusiva ou
casuisticamente para o processo e julgamento de determinada infração penal.”
Sendo assim, tal princípio visa coibir exceções ou foros privilegiados que não os
previstos pela própria Lei Maior. É um dos principais pilares da atividade jurisdicional,
que tem o condão de garantir a todos um julgamento justo. Já no âmbito do
ordenamento jurídico nacional, a compreensão deste princípio pode ser realizada a partir
da lição de Amaral e Gloekener (2007), os quais postulam que:
“Como é cediço, o princípio do juiz natural, elencado na Constituição da República
no art. 5º, LII, que assevera: “ninguém será processado nem sentenciado senão pela
autoridade competente”, trata de uma das garantias mais elementares do indivíduo.
Tal garantia é a de que, primeiramente, não haverá tribunal de exceção. Essa é a face
mais visível do princípio do juiz natural. No entanto, não esgota a sua extensão
semântica. O juiz natural da causa é aquele expressamente determinado por uma
norma do ordenamento, anteriormente ao fato criminoso. A existência de uma
autoridade a quem incumbe o julgamento, de forma prévia ao cometimento do ilícito
penal, determina a fixação de uma competência, entendida desde Manzini como a
“medida da jurisdição”. A competência ou o “poder de dizer o direito”, dentro de
uma determinada esfera, por vezes territorial, por vezes relativa à matéria passível
de julgamento, é uma condição de validade dos atos jurídicos processuais realizados
no curso da ação penal e, inclusive, mesmo da fase de investigação preliminar.”
Segundo Tatiana Mareto Silva (2006), em artigo publicado na rede mundial de
computadores, o princípio do juiz natural tem outros dois princípios a ele intimamente
ligados: o da imparcialidade e o da identidade física do juiz. A priori, a imparcialidade
do juiz é garantida pela não alteração da competência, assim como por sua inércia – isto
é, impossibilidade de agir sem ser provocado pelas partes. Evita-se com isso, a troca de
favores e a quebra da eqüidistância ou isonomia.
A mesma autora, citando Leonardo Greco, informa que “o Juiz Natural é o juiz
legalmente competente, aquele a quem a lei confere ‘in abstrato’ o poder de julgar
determinada causa, que deve ter sido definido previamente pelo legislador por
circunstâncias aplicáveis a todos os casos da mesma espécie” (Silva, Op Cit.).
De tal sorte, o princípio do juiz natural, para ser posto em prática, pressupõe dois
elementos: a legalidade da atribuição judicante daquele órgão, bem como a competência
deste para julgar, fixada anteriormente ao fato. Fora desta perspectiva, é possível se
falar em violação. Para os fins a que se presta este trabalho, não parece possível apontar
alguma alteração correlacionada ao princípio do juiz natural que seja fruto das
145
alterações introduzidas pelas Leis 11.719/08 e 11.689/08, pela própria definição deste
princípio. Isto faz concluir que, de per si, não se vislumbra nenhuma mudança em tal
princípio.
De forma concreta, pode-se dizer que este princípio era e continua sendo
preservado, já que foi mantida a determinação, por exemplo, de remessa dos autos ao
juízo competente no caso de desclassificação – isto é, percepção de que o crime narrado
não é crime contra a vida de competência do júri – feita pelo Juiz presidente na primeira
fase do procedimento do júri, como se depreende do artigo 419, 78 cuja redação foi dada
pela Lei 11.689/08.
Em verdade não há grande inovação neste sentido, uma vez que as regras de
fixação de competência se mantêm. Mas, diante das alterações do Código de Processo
Penal, o que se pode dizer é que, pela via transversa, o princípio é violado sempre que a
identidade física do juiz, princípio agora positivado no direito processual penal, nos
termos do §2º do artigo 399, 79 sofre deturpações na prática, haja vista o fato de não se
respeitar a regra que impõe que deve o juiz que presidiu a instrução ser o mesmo a
prolatar a sentença, como preconizado pelo sistema criado pela Lei 11.719/08.
Dentro deste mesmo tópico, portanto, será feita referência ao princípio
supracitado, para que se possa entender o problema que a lei tentou resolver, e, na
verdade, permanece sendo desrespeitado. Trata-se do respeito não ao princípio do juiz
natural, em si, mas de subprincípio a ele diretamente relacionado: o princípio da
identidade física do juiz.
Quanto a este princípio, como dito acima, a grande mudança foi a sua expressa
determinação no art. 399, §2º do Código de Processo Penal, inserida pela Lei 11.719/08,
que inaugurou o princípio da identidade física do Juiz na seara processual penal. Tentou
o legislador extinguir dúvida que se instaurava na doutrina e jurisprudência, que
hesitava em dar cumprimento a este princípio no processo penal devido à falta de
previsão legal. De acordo com Paulo Affonso Leme Machado: 80
“A identidade física do juiz representará, sem dúvida, um notável avanço da
processualística penal diante da multiplicação assustadora de processos. Será um
78 “Quando o juiz se convencer, em discordância com a acusação, da existência de crime diverso dos referidos no § 1º do art. 74 deste Código e não for competente para o julgamento, remeterá os autos ao juiz que o seja.”
79 Art. 399, § 2º: ]“O juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença”.
80 MACHADO, Paulo Afonso Leme. A Identidade Física do Juiz no Processo Penal – Inovação Necessária. Disponível em: http://www.iedc.org.br/REID/?CONT=00000065
146
modo eficaz de evitar a massificação forense, impedindo que o juiz se converta
numa máquina de julgar. Preservará o equilíbrio volitivo, sentimental e intelectual
do julgador para a consecução dos autênticos fins da Justiça.”
Conforme destacado por Wambier et al (2007, p. 72):
“essa regra decorre do seguinte: o juiz que tiver contato direto, na audiência, com as
partes e testemunhas, tem mais e melhores condições de proferir uma sentença
satisfatória, do que aquele que não tenha presidido a audiência”.
Luiz Fernando da Costa Tourinho Filho (Op. Cit. p. 57), antes da reforma
processual de 2008, parecia atento à necessidade de reforma no âmbito do processo
penal em tal sentido, já que a identidade física é uma garantia ao jurisdicionado, que ao
ser sentenciado pelo julgador que deu início à instrução, possui maior probabilidade de
ser julgado de forma justa e coerente. Assim disse o processualista, em uma clara
antevisão do que ocorreria com a reforma processual de 2008:
“No nosso CPP [Código de Processo Penal], ou até mesmo em qualquer lei
processual penal extravagante, não há nenhuma regra que estabeleça esse princípio.
Pelo contrário. É muito comum um Juiz receber a denúncia, outro interrogar o réu,
as testemunhas serem ouvidas por outro e por outro ser ele sentenciado. É possível
que, com as reformas, setoriais que o Processo Penal está sofrendo, venha o
princípio a ressurgir.”
Como daí se depreende, o princípio em voga tem como fundamento garantir um
julgamento justo, já que parte da premissa de que o juiz que inicia a instrução criminal
terá mais condições de prolatar sentença que se enquadre dentro dos padrões de justiça,
por ter tido contato com todo o processo, colhido depoimentos, ouvido o réu, ao
contrário de somente olhar para papéis. O julgador que, por exemplo, assume o
processo a partir do interrogatório, não teria, de acordo com esse raciocínio, o liame
necessário para entender a causa desde seu início.
Tal pensamento pareceu ser o que o legislador infraconstitucional adotou,
positivando o princípio no processo penal por meio da reforma. No entanto, esta prática
não tem ocorrido com freqüência, como se pode verificar pelos diversos julgados
proferidos pelos Tribunais brasileiros e que constam da análise jurisprudencial trazida
no capítulo seguinte. Quase em uníssono, os tribunais têm relativizado o princípio,
informando que não há infração em seu desrespeito e que este princípio somente se
aplicaria quando houvesse prejuízo da defesa.
O que se pode concluir daí é que a reforma deu nova dimensão ao princípio
constitucional do juiz natural, ao fazer previsão legal do subprincípio da identidade
147
física do juiz também no processo penal. Se respeitar o devido processo legal é respeitar
a forma processual prevista em lei, pode-se considerar que, com a reforma, o
desrespeito à identidade física do juiz constitui desrespeito ao princípio do juiz natural
e, por conseqüência, à garantia do devido processo legal. No entanto, o que se tem
observado é que os tribunais têm explicitado uma visão diferente dessa.
Para essa outra visão, não contando a identidade física do juiz com previsão
constitucional, sua violação não acarretaria violação de garantia constitucional, em
especial a do juiz natural, dentro do devido processo legal. Na verdade, pelo contrário, o
princípio da identidade física do juiz, a não ser que seu desrespeito ofenda a garantia de
ampla defesa – essa sim constitucionalmente prevista – pode ser relativizado em prol de
objetivos outros.
Por exemplo, considerando, como visto acima, que a audiência fracionada é
benéfica à ampla defesa do réu, ela deve ser mantida, mesmo que isso implique
desobediência ao princípio da identidade física do juiz, desrespeitando, em um só
movimento, duas previsões da nova lei processual: a audiência una e manutenção do
mesmo juiz para coleta de provas e prolação da sentença.
De acordo com Badaró (2009), este desrespeito ao princípio da audiência una e
à identidade física do juiz se torna realidade no momento de aplicação da Lei 11.719/08
em razão de problemas na própria redação do artigo, uma vez que:
“O novo § 2o do art. 399 do CPP limitou-se a prever que: “O juiz que presidiu a
instrução deverá proferir a sentença”. Seria melhor se tivesse deixado claro que o
juiz que iniciasse a instrução deveria concluí-la e julgar o processo. Se o legislador
não o fez, porque acreditou que todos os processos se resolveriam em audiência una,
de instrução, debates e julgamento (CPP, art. 400, caput e art. 531), merece ser
criticado por sua ingenuidade. Embora o ideal seja a realização de audiência una, a
prática, infelizmente, tem desmentido tal previsão. De qualquer forma, o novel
dispositivo exige que o juiz da instrução deve sentenciar o processo, pelo que toda a
instrução deve se dar perante um mesmo juiz.”
Um último ponto, no entanto, também deve ser ressaltado no que diz respeito à
incidência da reforma sobre o princípio do juiz natural. Trata-se do princípio da inércia
da jurisdição, que norteia a atividade dos magistrados como forma de efetivar sua
imparcialidade. Conforme já dito, a reforma processual não alterou o funcionamento do
princípio do juiz natural para além da positivação do subprincípio da identidade física
do juiz. Mesmo assim, ter mantido algumas das sistemáticas anteriores à reforma pode
ser exatamente o problema das novas leis. O tema é levantado no que tange ao instituto
148
da emendatio libelli, que, segundo parte da doutrina, afronta a inércia e, por
conseguinte, a imparcialidade do juiz.
Se, no que tange à mutatio libelli, como já descrito anteriormente, a reforma
atuou no sentido de preservar a inércia judicial dando a última palavra a seu respeito ao
membro do Ministério Público, o mesmo não parece ter acontecido na sua regulação da
emendatio. Esse instituto, regulado pelo artigo 383 81 do Código, dá ao juiz a
possibilidade de classificar o fato imputado ao réu como crime diverso daquele citado
na denúncia do Ministério Público, mesmo que isso implique a sujeição do condenado a
pena maior.
Neste sentido, cumpre destacar a lição de Queiroz (2007), que se posicionou
mesmo antes da reforma, argumentando sobre a importância desta resolver a
inconstitucionalidade da emendatio e muttatio libeli (CPP, arts. 383 e 384), uma vez que
o juiz, ao condenar o réu por crime diverso do capitulado na denúncia, estaria fazendo
as vezes de acusador, violando o sistema acusatório e, pois, agindo sem um mínimo de
isenção. Isso significaria em termos práticos o seguinte: ou bem o juiz absolve o réu ou
bem o condena como o órgão da acusação quer e propõe. Neste sentido, o problema
parece ser o de que a reforma não sanou estas incongruências entre os princípios e as
regras do próprio processo penal.
Partindo da premissa de que o acusado não se defende da espécie de crime que
julgam ter cometido, mas sim dos fatos que lhe são imputados, o raciocínio que mantém
o instituto sem alterações mais drásticas 82 entende que nele não haveria qualquer
cerceamento da defesa do réu ou mesmo invasão, pelo juiz, de competência do
Ministério Público. É o raciocínio cristalizado por Tourinho Filho (2006b, p. 265) na
seguinte passagem:
“Se a peça acusatória descrever o fato criminoso perfeitamente, mesmo que tenha
havido uma errada classificação da infração, não será obstáculo a que se profira
sentença condenatória. Afinal de contas, o réu não se defende da capitulação do fato,
mas sim deste.”
81 O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave.
82 Além de acrescentar à redação original do artigo a expressão “sem modificar a descrição do fato”, acrescentou-lhe ainda dois parágrafos, com a seguinte redação:
§ 1º Se, em conseqüência de definição jurídica diversa, houver possibilidade de proposta de suspensão condicional do processo, o juiz procederá de acordo com o disposto na lei.
§ 2º Tratando-se de infração da competência de outro juízo, a este serão encaminhados os autos.
149
Daniele Souza de Andrade e Silva (2009, p.13) informa que o projeto de
alteração originário previa a intimação das partes acerca da nova definição jurídica
apontada pelo juiz. Em razão da rejeição do mesmo, ela assevera que foi prejudicada a
defesa, que toma ciência do entendimento só em fase de sentença, o que, sem dúvida,
lhe traria prejuízo. Segue seu entendimento:
“A emendatio libelli, portanto, assim reservada apenas ao momento da sentença,
implicará sempre uma surpresa para a defesa, a menos que se proceda a
requerimento expresso do acusado, caso em que este assume a culpa do crime menos
grave de que resulta da desclassificação. Em todo caso, quando da prolação da
sentença o juiz vislumbrar nova classificação jurídica do fato imputado, que
determine rito processual mais amplo, deve converter o julgamento em diligência,
possibilitando a manifestação das partes, como forma de garantir o regular processo,
com respeito ao contraditório e a ampla defesa, e sob pena de nulidade.”
Tal compreensão parece levar em consideração que ao réu não cabe tão-somente
negar ou se defender do fato. A capitulação feita recai no denomina efeito processual da
imputação. Ou seja, diante da imputação de certo tipo penal, pode-se suscitar, por
exemplo, aplicação de medidas despenalizadoras (suspensão do processo), atipiciade da
conduta, dentre outros. E, pelo exposto, a emendatio libelli poderia ir de encontro a isto.
Dessa forma, a manutenção do instituto pela reforma, seguindo esse raciocínio,
mesmo com as alterações que teve, representaria a manutenção de instituto que
ofenderia, a um só tempo, a ampla defesa do réu – por só revelar o crime de que ele
estaria sendo acusado quando da sentença – do juiz natural e do princípio acusatório –
por quebrar a imparcialidade do magistrado ao sobrepujar sua inércia – e, mesmo, do
contraditório – já que é decisão do juiz, e não do Ministério Público, que dá ao crime
sua nova classificação.
3.3. Proibição do uso de provas ilícitas
De acordo com o inc. LVI do art. 5º da Constituição são inadmissíveis no
processo as provas obtidas por meios ilícitos. Prova ilícita é aquela que, ao ser
produzida, viola um direito individual do réu ou uma norma procedimental. A vedação
atinge tanto as chamadas provas ilícitas stricto sensu, que são as que violam direitos
individuais do réu, quanto as provas ilícitas ilegítimas, que violam norma
procedimental.
É um princípio que, no dizer de Tourinho Filho (2006a, p.58), visa reprimir os
abusos estatais, em respeito à dignidade da pessoa humana. O autor informa que entre a
150
efetiva prestação jurisdicional e as garantias individuais, estas devem prevalecer.
Ponderados os interesses, não podem estas garantias, alcançadas através de lutas pelas
gerações, ficarem em segundo plano.
Este princípio visa garantir a proteção do acusado em face de julgamentos
baseados em provas que possam ser obtidas de forma desigual, ou que possibilitem
quebra de imparcialidade. Estar-se-ia diante de quebra da isonomia, o que certamente
vai de encontro aos princípios do Estado Democrático de Direito e aos direitos
fundamentais do cidadão (Morais, 1998).
Em verdade, a disposição legal sobre as provas ilícitas foi diretamente alterada
pela Lei 11.690/08, que escapa ao objeto da presente pesquisa. Quanto às leis aqui
contempladas, podemos dizer que a grande alteração do Código de Processo Penal,
neste sentido, diz respeito ao novo texto do art. 479, e seu parágrafo único 83 que
alteraram a produção de provas documentais no procedimento do Júri. De acordo com a
nova redação do artigo, trazida pela reforma na Lei 11.689/08, fica proibida a leitura de
documento ou exibição de objeto que não tenha sido inserido no processo há, pelo
menos 3 dias úteis, e cuja inserção tenha sido de conhecimento da parte contrária.
O que a nova redação fez foi apenas acrescentar à antiga redação do art. 475 84 o
termo “úteis”, já que a sistemática anterior se referia pura e simplesmente a 3 dias.
Além disso, com a inclusão do parágrafo único, a lista de documentos que não podem
ser utilizados ficou mais clara, já que a nova redação traz rol bem mais extenso do que a
mera referência anterior a “jornais e outros escritos”.85
Sendo assim, podemos dizer que a Lei 11.689/08 não instituiu novo tipo de
proibição de prova nos procedimentos do júri, apenas reiterando o que já era a política
do Código, dando-lhe, porém, contornos mais precisos. Em observância à ampla defesa
e ao contraditório, estabeleceu-se uma antecedência mínima de tempo em dias úteis para
a inclusão de novas provas nos autos, para que a parte prejudicada tenha tempo hábil
83 Art. 479. Durante o julgamento não será permitida a leitura de documento ou a exibição de objeto que não tiver sido juntado aos autos com a antecedência mínima de 3 (três) dias úteis, dando-se ciência à outra parte. Parágrafo Único: Compreende-se na proibição deste artigo a leitura de jornais ou qualquer outro escrito, bem como a exibição de vídeos, gravações, fotografias, laudos, quadros, croqui ou qualquer outro meio assemelhado, cujo conteúdo versar sobre matéria de fato submetida à apreciação e julgamento dos jurados.
84 Antes da reforma, dizia o art. 475: Durante o julgamento não será permitida a produção ou leitura de documento ou não tiver sido comunicado à parte contrária, com antecedência, pelo menos, de 3 dias, compreendida nessa proibição a leitura de jornais ou qualquer escrito, cujo conteúdo versar sobre matéria de fato constante no processo.
85 V. notas 21 e 22.
151
para dela se defender, não sendo pega de surpresa. Da mesma forma, para evitar
controvérsias sobre que tipos de documentos estariam incluídos na proibição, expôs
extensa lista de exemplos no parágrafo único do artigo alterado.
Esse cuidado especial com a produção de provas na audiência do júri tem
estreita ligação com o fato de seu julgamento ser realizado por corpo de jurados
formado por leigos, que julgam por íntima convicção, sendo sujeitos primordialmente
aos argumentos das partes (acusação e defesa). Se, por exemplo, documento novo, de
que não tinha conhecimento a defesa, é apresentado na audiência pela acusação, os
jurados podem ser impressionados em desfavor do réu, sem que a defesa tenha chance
de produzir o efeito contrário. Em respeito ao contraditório e à ampla defesa, tal fato
não deve ser permitido, restando claro que, mantendo e clarificando a antiga sistemática
para a produção de provas no júri, mais uma vez, a reforma andou ao lado da
Constituição.
3.4. A razoável duração do processo
Esta é a mais recente das garantias constitucionais. Nascida pela reforma
constitucional promovida pela Emenda nº. 45/04 surgiu devido à grande morosidade
dos processos, fator que ainda hoje chama atenção nas mais diversas causas e que ganha
especial relevância em se tratando de matéria processual penal.
Pode-se argumentar que, contando o ordenamento jurídico brasileiro com
institutos – embora de natureza material – como os da prescrição e decadência, o
princípio da razoável duração do processo de certa forma já estaria contemplado, não
contando apenas com previsão constitucional explícita. Afinal, se se pode perder
direitos pelo decurso do tempo, é possível se interpretar que o sistema estipula que o
tempo de um processo não pode ser demasiadamente extenso.
No entanto, para salvaguardar o sistema jurídico de quaisquer dúvidas a respeito
de sua aplicabilidade, ocorreu sua recente positivação na Carta Magna por via de
emenda: Art. 5º., inc. LXXVIII: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são
assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de
sua tramitação.”
152
A reforma processual penal de 2008 caminhou no sentido de reforçar tal
garantia, instituindo, em seus artigos 400 e 412,86 prazos máximos de duração do
processo, em quantidade de dias que o legislador à época entendeu por razoável.
Seus fundamentos são pautados no mesmo ponto que motivou a reforma do
Código de Processo Penal em 2008: a dignidade da pessoa humana. Isto porque é
conhecido o fato de que a lentidão de um processo, em grande parte dos casos, faz dele
ferramenta inócua que acaba dificultando o reconhecimento de um direito, ao invés do
contrário.
No processo penal isto fica evidente, já que a liberdade de um ser humano
entra em jogo. Em se tratando de um dos mais importantes direitos fundamentais, isto
torna a duração razoável do andamento do processo criminal imprescindível.
Gilmar Mendes (Op. Cit. p.499) informa que:
“O reconhecimento de um direito subjetivo a um processo célere – ou com duração
razoável – impõe ao Poder Público em geral e ao Poder Judiciário, em particular, a
adoção de medidas destinadas a realizar esse objetivo. Nesse cenário, abre-se um
campo institucional destinado ao planejamento, controle e fiscalização de políticas
públicas de prestação jurisdicional que dizem respeito à própria legitimidade de
intervenções estatais que importem, ao menos potencialmente, lesão ou ameaça a
direitos fundamentais.”
Este doutrinador ainda menciona ensinamento de Günther Dürig, informando
que a dignidade humana é ferida sempre que o homem fica a mercê de um processo
indefinido, além do que seria o necessário à proteção judicial efetiva.
O processo penal agora tenta se coadunar com esta nova realidade. Tanto é
assim que os art.s 400 e 412 seguiram este rumo. Preocupado com as novas diretrizes da
duração do processo, o legislador introduziu alterações facilmente perceptíveis pela
leitura dos dispositivos mencionados, que estipulam número máximo de dias para
práticas de determinados atos, a saber, 60 dias para realização de audiência no
procedimento comum e 90 para término da primeira fase do júri.
Alguns julgados do Supremo Tribunal Federal já apontavam para esta
tendência, mesmo antes da emenda constitucional. Segue exemplo desta assertiva: 86 Art. 400: Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nessa ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado.
Art. 412: O procedimento será concluído no prazo máximo de 90 dias.
153
PROCESSO PENAL - PRISÃO CAUTELAR - EXCESSO DE PRAZO -
INADMISSIBILIDADE - OFENSA AO POSTULADO CONSTITUCIONAL DA
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA (CF, ART. 1º, III) - TRANSGRESSÃO À
GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL (CF, ART. 5º, LIV) - "HABEAS
CORPUS" CONHECIDO EM PARTE E, NESSA PARTE, DEFERIDO. O
EXCESSO DE PRAZO, MESMO TRATANDO-SE DE DELITO HEDIONDO (OU
A ESTE EQUIPARADO), NÃO PODE SER TOLERADO, IMPONDO-SE, AO
PODER JUDICIÁRIO, EM OBSÉQUIO AOS PRINCÍPIOS CONSAGRADOS NA
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, O IMEDIATO RELAXAMENTO DA
PRISÃO CAUTELAR DO INDICIADO OU DO RÉU. - Nada pode justificar a
permanência de uma pessoa na prisão, sem culpa formada, quando configurado
excesso irrazoável no tempo de sua segregação cautelar (RTJ 137/287 - RTJ
157/633 - RTJ 180/262-264 - RTJ 187/933-934), considerada a excepcionalidade de
que se reveste, em nosso sistema jurídico, a prisão meramente processual do
indiciado ou do réu, mesmo que se trate de crime hediondo ou de delito a este
equiparado. - O excesso de prazo, quando exclusivamente imputável ao aparelho
judiciário - não derivando, portanto, de qualquer fato procrastinatório causalmente
atribuível ao réu - traduz situação anômala que compromete a efetividade do
processo, pois, além de tornar evidente o desprezo estatal pela liberdade do cidadão,
frustra um direito básico que assiste a qualquer pessoa: o direito à resolução do
litígio, sem dilações indevidas (CF, art. 5º, LXXVIII) e com todas as garantias
reconhecidas pelo ordenamento constitucional, inclusive a de não sofrer o arbítrio da
coerção estatal representado pela privação cautelar da liberdade por tempo
irrazoável ou superior àquele estabelecido em lei. - A duração prolongada, abusiva e
irrazoável da prisão cautelar de alguém ofende, de modo frontal, o postulado da
dignidade da pessoa humana, que representa - considerada a centralidade desse
princípio essencial (CF, art. 1º, III) - significativo vetor interpretativo, verdadeiro
valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em
nosso País e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se
assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de
direito constitucional positivo. Constituição Federal (Art. 5º, incisos LIV e
LXXVIII). EC 45/2004. Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Art. 7º, ns.
5 e 6). Doutrina. Jurisprudência. - O indiciado ou o réu, quando configurado excesso
irrazoável na duração de sua prisão cautelar, não podem permanecer expostos a tal
situação de evidente abusividade, ainda que se cuide de pessoas acusadas da suposta
prática de crime hediondo (Súmula 697/STF), sob pena de o instrumento processual
da tutela cautelar penal transmudar-se, mediante subversão dos fins que o legitimam,
em inaceitável (e inconstitucional) meio de antecipação executória da própria sanção
penal. Precedentes. (Supremo Tribunal Federal, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de
Mello, HC 85.237/DF, DJ 29-04-2005)
154
Insta salientar, no entanto, que, em que pese haja disposição expressa no
código quanto ao número máximo de dias que deve durar o processo, tal regra é
constantemente desrespeitada, como foi possível verificar ao longo da pesquisa. Não
raro os tribunais têm tornado o imperativo legal sem efeito algum. E atribuem isto a
ausência de estrutura, falta de pessoal, e dificuldades naturais para cumprimento de
diligências.
Exemplos comuns da afirmação acima são o não cumprimento do fim da
instrução criminal dentro do prazo de 90 (noventa dias) e a não realização de audiência
no período de 60 (sessenta) dias. Diligências como cartas precatórias, solicitação de
documentos de órgãos públicos, intimações de testemunhas de difícil acesso, medidas
cautelares, interposição de recursos, entre outras, têm atrasado o normal andamento de
um processo e têm sido utilizados como argumentos favoráveis ao desrespeito a tal
princípio.
Por tudo que já foi exposto pode-se concluir pela notória falta de efetividade
desta norma principiológica. Os julgados que acompanham a presente pesquisa87
demonstram que a duração razoável não vem sendo aplicada conforme o tempo ideal
para a realização da atividade jurisdicional, o que pode representar um desestímulo à
adoção de elementos para efetuar mais julgamentos em menos tempo.
Dadas as limitações estruturais da máquina judiciária brasileira, os julgadores
informam que a obediência aos novos ditames temporais do código se torna impossível.
A limitação no número de dias para conclusão de determinados atos, assim como a
concentração de atos numa única audiência – regras que buscaram exatamente a
efetivação do princípio da razoável duração do processo – tornam-se, dessa maneira,
mais recomendações do que imperativos. E são mesmo outros princípios e garantias que
amortizam a consecução da celeridade processual.
Como já destacado, a audiência una tem sido relativizada em prol da ampla
defesa do réu, de acordo com entendimento que preconiza que o fracionamento da
audiência pode ser benéfico para a apreciação de provas pela defesa. Da mesma forma,
o cumprimento dos prazos exigidos fica em segundo plano perante necessidades dos
tribunais para a busca da verdade dos fatos e oferecimento a ambas as partes dos
recursos e informações necessárias à defesa de seus pontos de vista. Dessa maneira,
apoiados na vagueza do que seria uma duração “razoável”, os juízes têm colocado os
87 V. Cap. IV desta mesma pesquisa.
155
prazos previstos pela reforma em segundo plano perante demais exigências do processo
cujo tempo de consecução seja por qualquer motivo retardado.
3.5. Tribunal do Júri
A Constituição brasileira de 1988 reconheceu a existência e as atribuições do
Tribunal do Júri em seu próprio texto. Diz o inc. XXXVIII de seu artigo 5º que: “é
reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados a
plenitude de defesa; o sigilo das votações; a soberania dos veredictos; e a competência
para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.”
Com isso, podemos concluir que a vontade do legislador constitucional foi a de
inserir o procedimento do júri como direito fundamental. Mais do que opção possível na
organização do Judiciário, a existência do Tribunal do Júri, e a sua competência para o
julgamento dos crimes dolosos contra a vida, é obrigatória e se apresenta como cláusula
constitucional pétrea – isto é, conforme já explicado anteriormente, aquelas garantias
que não podem ser abolidas por via de emenda.
O objetivo almejado foi garantir que, nos crimes de maior impacto social,
pudesse o réu ser sempre julgado por seus iguais e não por um corpo técnico
burocrático. Não apenas ao réu seria garantido esse julgamento mais democrático, como
ao próprio povo seria assegurado o direito a ser juiz nas causas que lhe seriam as mais
ofensivas, ou seja, nos atentados dolosos contra o maior dos direitos, o direito à vida.
No entanto, dada a organização do Judiciário brasileiro enquanto instituição
burocrática que se reconhece portadora de conhecimentos técnicos específicos que lhe
permitem distinção social própria, a verdadeira excrescência que representa, nesse
corpo, o Tribunal do Júri, sempre gerou fortes tensões. Sempre foi difícil à organização
do Poder Judiciário reconhecer que, justo nos crimes considerados dos mais graves, a
palavra final do julgamento caberia a um corpo de leigos. Por conta disso, uma série de
precauções são tomadas para que os jurados não sejam influenciados por fontes
inadequadas e se adequem aos mandamentos do direito.
Exemplo claro da desconfiança da burocracia jurídica em relação aos veredictos
do júri era o, agora revogado, protesto por novo júri. Por essa curiosa figura jurídica, as
sentenças decorrentes de julgamentos pelo júri, cuja pena ultrapassasse os vinte anos de
reclusão, estariam, apenas por esse motivo, condicionadas a recurso que obrigaria
realização de novo julgamento. Mesmo que o quantum da pena fosse fixado pelo juiz
156
presidente e não pelos jurados, a desconfiança da justiça patrocinada pelo colegiado de
leigos autorizava a colocar em suspeição condenação tão grave, uma vez que a fixação
da pena, em que pese ser ato privativo do juiz presidente, fica atrelada ao
reconhecimento de circunstâncias qualificadoras, agravantes, ou mesmo causas de
aumento de pena por parte dos jurados quando da resposta aos quesitos.
Esta perplexidade ganhava notoriedade uma vez que no julgamento de casos
como latrocínio ou mesmo extorsão mediante seqüestro com resultado morte, crimes
com as maiores penas em abstrato cominadas no código penal, não se fazia obrigatório
recurso, talvez pelo fato de o julgamento ter sido feito por um juiz de carreira (na vara
criminal comum) e não por leigos, como acontece no júri.
O efeito prático daí decorrente era a corriqueira aplicação da pena de dezenove
anos, onze meses e vinte e nove dias, para evitar o recurso, restringindo, de certa forma,
a soberania da decisão do júri por meio de interferência técnica estratégica por parte do
juiz que preside a sessão. Dessa forma, podemos dizer que, com a extinção do protesto
por novo júri, a reforma ampliou a soberania do veredicto dos jurados, atuando em
consonância com os ditames constitucionais, ampliando a efetividade de uma de suas
garantias, que seria o julgamento soberano do júri nos crimes dolosos contra a vida,
além, claro, de contribuir com a celeridade processual, indo ao encontro da razoável
duração do processo.
As alterações trazidas pela lei ao procedimento do júri constituem objeto maior
da pesquisa, estando presentes em várias de suas partes. Mesmo porque, como bem
destaca Nucci (2008) “após quase setenta anos em vigor, finalmente alterou-se a
legislação processual brasileira em larga escala. O cenário das mais extensas
modificações concentrou-se no Tribunal do Júri, com a edição da Lei 11.689, de 9 de
junho de 2008”.
Mesmo assim, serão frisados aqui alguns pontos da reforma que merecem ser
contrapostos à intenção da previsão constitucional da existência e competência dos
tribunais do júri.
O primeiro desses pontos diz respeito à já mencionada extinção do protesto por
novo júri retirado do processo penal brasileiro pela revogação dos artigos 607 88 e 608 –
que faz referência ao anterior. Conforme também já destacado, essa extinção corrobora
88 Antiga redação do Art. 607: O protesto por novo júri é privativo da defesa, e somente se admitirá quando a sentença condenatória for de reclusão por tempo igual ou superior a 20 (vinte) anos, não podendo em caso algum ser feito mais de uma vez.
157
o texto constitucional reforçando a razoável duração do processo e ampliando a
soberania do veredicto dos jurados perante a desconfiança da burocracia técnico-
judiciária.
Já o segundo ponto que aqui merece destaque diz respeito às novas regras
previstas para o alistamento e convocação dos jurados. Nesse quesito, como a inclusão
do procedimento do júri entre as garantias fundamentais tem como objetivo um
julgamento popular e democrático, o que a reforma buscou foi coibir a presença dos
“jurados profissionais” nas audiências. Para que o conselho de sentença não fosse
reiteradamente composto pelas mesmas pessoas, as novas regras visaram dar ao
alistamento dos jurados oxigenação constante, com a sucessiva e rotineira modificação
de sua composição.
Por fim, o terceiro ponto que merece destaque é a já referida sentença de
pronúncia que nem pode, por um lado, se eximir de fundamentação, já que toda decisão
judicial deve ser fundamentada, nem, por outro, conter em si “eloquência acusatória”
capaz de influenciar os jurados em detrimento da presunção de inocência do réu. A
princípio, a reforma resolve o problema ao proibir a leitura da decisão de pronúncia na
audiência, como disposto na nova redação do artigo 478 89 do Código de Processo
Penal. Dessa forma, ela não teria como influenciar os jurados e qualquer eloquência
acusatória em sua redação não ofenderia a presunção de inocência do réu.
Contudo, por força da redação do parágrafo único do artigo 472 90 do mesmo
Código, quando da formação do Conselho de sentença, será entregue a cada jurado
cópia da pronúncia e demais documentos cuja leitura foi proibida pelo artigo 478. Além
disso, a garantia de acesso aos autos do processo contida no § 3º do art. 480 91 também
faz com que seja possível aos jurados acessar a pronúncia. Diante desse quadro, como
por exemplo, exigir do juiz que, com a extinção da figura da prisão em decorrência da
pronúncia, decrete fundamentadamente a prisão do réu na pronúncia, ainda que baseado
89 Art. 478: Durante os debates as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer referências: I – à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação ou à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado.
90 Art. 472. Formado o Conselho de Sentença, o presidente, levantando-se, e, com ele, todos os presentes, fará aos jurados a seguinte exortação: Em nome da lei, concito-vos a examinar esta causa com imparcialidade e a proferir a vossa decisão de acordo com a vossa consciência e os ditames da justiça. Os jurados, nominalmente chamados pelo presidente, responderão: Assim o prometo. Parágrafo único. O jurado, em seguida, receberá cópias da pronúncia ou, se for o caso, das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação e do relatório. 91 Art. 480, § 3º Os jurados, nesta fase do procedimento, terão acesso aos autos e aos instrumentos do crime se solicitarem ao juiz presidente.
158
nos requisitos cautelares, sem que isso, no entanto, possa ser caracterizado como
eloqüência acusatória capaz de influenciar os jurados?
Esta questão já chegou aos tribunais superiores, como é possível verificar nos
dados coletados e apresentados no capítulo IV, uma vez que tanto o STJ quanto o STF
enfrentam a questão repetidas vezes e, o que talvez seja mais impressionante, com
decisões absolutamente antagônicas, como se pode verificar no HC 86414-7 - PE,
julgado pelo STF, no qual o paciente impetrara a ordem de habeas corpus visando o
reconhecimento da nulidade da sentença de pronúncia por esta estar excessivamente
fundamentada, o que fatalmente influenciaria na decisão dos jurados. O Supremo
Tribunal Federal, no entanto, denegou a ordem sob o argumento de que o inciso I do
Art. 478 do CPP, alterado pela Lei 11689/08, impediria a leitura da pronúncia em
plenário, o que impossibilitaria a mesma de interferir no julgamento dos jurados.
O STJ, por sua vez, em entendimento diametralmente oposto, no julgamento do
HC 84396 –SP, determinou que o juiz riscasse da sentença de pronúncia o trecho onde
há juízo de valor sobre o fato, conforme se depreende da ementa abaixo:
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS . HOMICÍDIO TRIPLAMENTE
QUALIFICADO, SEQUESTRO E CÁRCERE PRIVADO. SENTENÇA DE
PRONÚNCIA. EXCESSO DE LINGUAGEM. LEI 11.689/08. NOVO ART. 478
DO CPP. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.
1. Muito embora o STF, recentemente (HC 96.123/SP, Rel. Min. Carlos Brito,
julgado em 3/2/09), tenha expressado entendimento no sentido de que, em razão da
superveniência da Lei 11.689/08 – que deu nova redação ao art. 478 do CPP,
impossibilitando as partes de fazerem referências à sentença de pronúncia durante os
debates –, não mais haveria o interesse de agir das impetrações que alegassem
excesso de linguagem, a norma inserta no novo art. 480, § 3º, do CPP permite aos
jurados a oportunidade de examinar os autos logo após encerrados os debates.
2. Devem ser excluídos da sentença de pronúncia trechos nos quais o magistrado
emite opinião quanto à autoria do crime, pois, de alguma forma, pode, em prejuízo à
defesa, influir na convicção dos jurados.
3. Se a sentença de pronúncia subsiste de maneira independente, admitindo a
acusação em face das provas até então produzidas quanto à materialidade e aos
indícios de autoria (antigo art. 408 do Código de Processo Penal), não há por que
anulá-la por completo. Precedentes do STJ.
4. Ordem parcialmente concedida para que o Juízo de primeiro grau risque da
sentença de pronúncia o trecho no qual emite juízo de valor sobre a autoria do crime,
identificado no corpo deste voto.
159
Se, por um lado, ao réu é garantida a presunção de inocência e, ao júri, a
soberania de seus veredictos, por outro, isso não impede que o Estado se esforce pelo
melhor desfecho do processo, mais condizente com a verdade dos fatos, fazendo uso,
para isso, inclusive, do instituto da prisão cautelar. Sendo assim, como coadunar esses
três interesses no caso da sentença de pronúncia? Por um lado, o réu não pode ter sua
liberdade tolhida sem a respectiva fundamentação jurídica. Por outro, sendo essa
fundamentação acessível aos jurados, ela pode influenciá-los afrontando o princípio de
presunção de inocência do réu. E, se o Estado simplesmente se abstém, por exemplo, de
fazer uso do expediente da prisão cautelar, pode estar colocando em risco, dependendo
do caso, a própria efetividade do processo.
Logo, temos que nesse sentido a reforma não logrou êxito na sua tentativa de
simplificar os procedimentos do júri, ampliando sua soberania e diminuindo a
desconfiança que paira sobre seus julgamentos. Por exemplo, com a extinção do libelo
acusatório – também obra da reforma – muitas nulidades ocasionadas por essa peça
deixaram de existir, simplificando e agilizando o processo. Talvez o mesmo possa ser
dito a respeito da simplificação dos quesitos para votação. 92 Porém, no que tange à
sentença de pronúncia, o mesmo intuito não foi alcançado, tendo em vista a confusão
que pode ser gerada tanto pela falta de fundamentação, quanto pelo excesso, já sabendo
que, nas mãos da parte interessada, o exato equilíbrio não vai parecer ter sido alcançado
nunca.
III.3. Algumas considerações acerca da efetividade das garantias constitucionais
pela a reforma procedimental
O que o contraponto entre a reforma patrocinada pelas Leis 11.719/08 e
11.689/08 e a Constituição Federal de 88 demonstra é que, no geral, as modificações
inseridas no processo penal pelas novas leis atuam no sentido de dar maior efetividade
aos princípios e garantias fundamentais incidentes sobre o processamento criminal.
Como exemplo disso, temos a proibição do uso de algemas pelo réu durante os
debates do júri. Como foi observado que se tratava de medida atentatória contra a
92 Talvez, porque pode haver incompatibilidade entre a simplificação dos quesitos e a complexidade das teses da acusação ou da defesa, tornando possível o levantamento de nulidades por desrespeito à ampla defesa e o contraditório.
160
presunção de inocência do réu, em respeito a esta presunção e em concordância com a
preservação da dignidade da pessoa humana na dimensão da integridade física e moral
do réu, a reforma atuou no sentido de coibir tal prática, fazendo do uso de algemas pelo
réu a exceção e não a regra no procedimento do júri. O que antes era orientação
jurisprudencial, com a reforma tornou-se preceito positivado em lei.
O mesmo expediente encontra ainda vetor de funcionamento em outra alteração
trazida pela reforma: a que proíbe a referência ao silêncio do réu em seu prejuízo. Trata-
se de mais uma medida visando dar efetividade, no processo penal, a direitos
constitucionalmente garantidos, como é o caso do direito do réu ao silêncio, e a
princípios de justiça, como a presunção de inocência.
Contudo, essas são as medidas menos polêmicas da reforma, como também é a
extinção do protesto por novo júri que, a um só tempo, reforça o texto constitucional
tanto na ampliação da soberania dos veredictos do júri, como na efetivação da garantia
da razoável duração do processo. Trata-se de medidas implementadas pela reforma que
têm encontrado amplo respaldo na doutrina jurídica e mesmo nos julgamentos penais.
Há, todavia, aspectos outros da reforma, que não gozam da mesma natureza
incontroversa. Mesmo que buscassem justamente a efetivação das garantias
constitucionais do devido processo legal, da razoável duração do processo e do direito
ao processamento dos crimes dolosos contra a vida pelo júri, tais medidas geraram
polêmica perante o texto constitucional e talvez requeiram alterações na legislação para
que se façam plenamente vigentes.
A primeira dessas polêmicas diz respeito ao fim do fracionamento da audiência.
Em tese, uma audiência única facilitaria a ampla defesa, assim como garantiria o
princípio da identidade física do juiz e contribuiria com uma duração razoável do
processo, estando a reforma em consonância com o espírito constitucional. No entanto,
há quem levante a hipótese de que a audiência fracionada, possibilitando apreciação
parcelada das provas, atenda a um formato mais propício para a garantia,
especificamente, da ampla defesa, que gozaria de superioridade perante o princípio da
identidade física do juiz e do objetivo de maior celeridade no andamento dos processos.
E, há mesmo, quem sustente que a complexidade da maioria das causas penais não
permitiria sua correta resolução numa audiência única, conforme almejado pela reforma.
De fato, existe uma tensão inescapável entre a celeridade processual e a ampla
defesa, sendo a duração razoável do processo aquela que consegue equilibrar duas
dimensões temporais fundamentais: por um lado, o tempo necessário para que o réu
161
disponha de todos os meios para sua defesa e o Estado disponha dos meios legítimos
para alcançar a verdade dos fatos; e, por outro, o tempo necessário para a finalização
mais rápida possível do processo, de forma que sua angústia não se prolongue
demasiadamente no tempo. Foi o equilíbrio entre essas duas dimensões o objetivo
buscado pelas alterações trazidas pela reforma no que diz respeito à estipulação de
novos prazos processuais e novo formato das audiências. No entanto, parece que o
resultado não foi alcançado, sendo considerado, em muitos casos, que a reforma,
privilegiando uma resolução mais rápida dos processos, prejudicou a ampla defesa do
réu e a busca pela verdade do Estado-juiz.
É possível que o equilíbrio entre as duas dimensões aludidas nunca seja
plenamente alcançado. Afinal, qualquer ponto de equilíbrio de um sistema que busca, ao
mesmo tempo, a celeridade processual e a ampla defesa, permitiria, por um lado, ao réu
com perspectivas maiores de ser absolvido, acusar o sistema de falta de celeridade, e,
por outro, ao réu com perspectivas maiores de ser condenado, acusar o sistema de falta
de atenção ao seu direito de ampla defesa. E a previsão constitucional de uma duração
“razoável” do processo, dada a vagueza do termo, não resolve o problema.
Se o intuito é fazer valer os prazos previstos pela reforma, assim como a
sistemática da audiência única, o primeiro passo é verificar se essas alterações são
factíveis. Isto é, verificar, junto aos operadores do direito, sua aplicabilidade fática, com
o cuidado sempre de distinguir entre os fatores que realmente impedem a efetividade
das mudanças e meros vícios advindos da sistemática anterior à qual estes operadores
estão acostumados e que não lhes permite enxergar as possibilidades de transformação.
Este foi exatamente o propósito das entrevistas realizadas no âmbito desta
pesquisa, as quais tiveram por objetivo não apenas compreender o que pensam os
operadores do direito sobre os novos procedimentos penais, como ainda, como esses
operacionalizam as novas regras tendo em vista as velhas limitações materiais ou
funcionais. Este trabalho qualitativo objetivou ainda compreender quais são os
principais argumentos utilizados pelos operadores do direito para não efetivarem
determinados procedimentos ou negar-lhes a validade prescrita pela lei. Com isso,
torna-se possível verificar quais são os cenários ideais para que reformas como as de
2008 possam ser implementadas.
Sabendo se, e em que circunstâncias, essas alterações são viáveis, devem então
ser estipuladas diretrizes plausíveis, dando aos juízes e tribunais um prazo igualmente
plausível para sua adaptação ao novo modelo. Passado esse prazo para resolução de
162
problemas que impediriam a implementação da reforma – como excesso de processos
anteriores em atraso, falta de recursos humanos e tecnológicos, etc. – finalmente, a nova
sistemática poderia ser exigida, inclusive, por meio de sanções diante de seu
descumprimento.
Claro que isso não seria tão simples, sendo aplicada mecanicamente a todo juiz
ou tribunal que extrapolasse o prazo previsto na nova lei, a sanção prevista. Casos
nebulosos iriam surgir, merecendo análise particular. Mas exatamente por meio da
decisão desses casos é que seria possível a publicação de resoluções e diretrizes (ou até
enunciados de Súmula Vinculante) que tornariam mais claras as situações específicas
que permitiriam, ou não, a dilação do prazo processual para além do previsto pela
reforma, e que permitiriam, ou não, o desrespeito à concentração dos atos da audiência.
Outra polêmica, que igualmente chamou atenção na análise constitucional da
reforma diz respeito à positivação do princípio da identidade física do juiz no processo
penal. Se a garantia do devido processo legal é a garantia do processo na forma prevista
em lei, desrespeitar as novas diretrizes estipuladas pela Lei 11.719/08, tal como o
princípio da identidade física do juiz, deveria significar o desrespeito àquela garantia.
No entanto, mesmo contando agora com expressa previsão legal, o princípio da
identidade física do juiz não deixou de ser relativizado e desrespeitado.
Isso porque, sem expressa previsão constitucional, essa garantia é encarada
como menos importante que outras como a ampla defesa. Sendo assim, se se entende,
por exemplo, como dito acima, que a audiência fracionada é mais benéfica à ampla
defesa do réu (sempre que evidentemente suscitado pela defesa técnica), por mais que
implique maiores probabilidades de o juiz responsável pelo pronunciamento da sentença
não ser o mesmo responsável pela coleta de provas, ela deve ser mantida, mesmo que
isso gere sacrifícios ao princípio da identidade física do juiz.
Perante esse quadro, uma saída para dar maior efetividade ao princípio da
identidade física do juiz, seria alçá-lo também ao patamar constitucional, exigindo desta
forma maior fundamentação para os casos de sua inobservância. Melhor seria, talvez,
contudo, insistir-se na efetivação (e a observância) da sistemática das audiências unas,
para que não houvesse possibilidade fática de desrespeito ao novo princípio.
Outra polêmica que merece igual destaque é a regulação, pela reforma, dos
institutos da mutatio e da emendatio libelli. Se, quanto à nova redação do artigo 384,
que regula a mutatio libelli, a reforma foi feliz, realçando os princípios constitucionais
do juiz natural e do contraditório, reforçando a inércia do magistrado e aumentando a
163
responsabilidade do Ministério Público no instituto, o mesmo não pode ser dito quanto à
redação do art. 383. Este artigo, que, por sua vez, regula a emendatio libelli, sofreu
alterações importantes, mas segundo alguns doutrinadores, não foi modificado
suficientemente. Isto porque a atual redação ainda daria ao juiz um poder muito grande
ao permitir que ele altere a classificação do crime sem consulta ao Ministério Público e
sem possibilidade de manifestação da defesa.
Segundo o entendimento em que se baseou a reforma, essa reclassificação do
crime por parte do juiz não ofenderia o contraditório e a ampla defesa, pois tanto a
acusação quanto a defesa focalizariam seus argumentos nos fatos alegados e não no tipo
penal definido. Entretanto, como a defesa não tem como escopo único negar os fatos
que são imputados ao réu pela acusação, mas também engloba aspectos relativos à
tipicidade penal, há quem sustente que o instituto da emendatio libelli, permanecendo
como está, incorreria em vícios constitucionais graves. Por um lado, daria ao juiz – que,
na nova tipificação que der ao crime pode estipular pena mais grave do que a prevista na
denúncia – força acusatória que lhe feriria a inércia, fundamental no que diz respeito ao
princípio do juiz natural. E, por outro, estreitaria a ampla defesa do réu, que só tomaria
ciência do tipo penal de que é acusado quando da sentença.
Tendo isso em vista, talvez o correto fosse estender à emendatio libelli o mesmo
funcionamento da mutatio libelli, retirando sua competência do juiz e transferindo-a ao
Ministério Público, ou, ao menos, exigindo sua aprovação por parte deste. Com isso,
seria respeitada a inércia do juiz e o processo seria devolvido à lógica do contraditório,
com a acusação acrescentando nova dimensão à sua denúncia a ser contradita ou aceita
pela defesa, para só depois disso ser permitida a manifestação do juiz.
Por fim, uma última polêmica que merece destaque diz respeito a problemas
relativos à decisão de pronúncia. Esses problemas concernem a duas possibilidades
contidas na fundamentação dessa peça: ou essa fundamentação é demasiadamente
exígua e rompe com a garantia do réu de ter fundamentadas as decisões em seu
desfavor, ou ela é demasiadamente ampla, e rompe com a garantia do réu de chegar ao
júri gozando ainda de presunção de inocência.
A questão se torna ainda mais complexa com a extinção da figura da prisão em
decorrência da prolação da pronúncia, fazendo com que, se o juiz achar necessário o
recolhimento do réu à prisão para melhor prosseguimento do processo – e que esteja
diante dos requisitos cautelares do fumus commissi delicti e periculum libertatis –
fundamente essa decisão. Contudo, os jurados terão acesso a tal decisão e, por mais que
164
ela faça referência a aspectos processuais sem relação direta com a culpabilidade do réu,
é difícil garantir que ela não os influencie. Por exemplo, se o juiz determina em peça
acessível aos jurados que o réu deve ser mantido preso por ter ameaçado uma
testemunha, o júri pode estar sendo influenciado a respeito da culpabilidade do réu por
argumento do juiz e não da acusação.
Por conta disso, talvez o melhor fosse estipular regras claras para a confecção da
pronúncia, evitando sua nulidade tanto pelo excesso quanto pela falta de
fundamentação. Por exemplo, a decisão do juiz poderia abdicar de termos
próprios, fazendo apenas referência ao discurso utilizado pela acusação. Da mesma
forma, decisões relativas ao encaminhamento do réu à prisão ou necessidade do uso de
algemas durante a audiência, poderiam ser exigidas sempre em peças distintas que
contivessem, em destaque, os dizeres de que se trata de medida de ordem processual,
sem qualquer relação com a afirmação ou negação da culpa do réu pela prática do crime
pelo qual está sendo julgado.
Esses casos polêmicos revelam que tensões entre a ampla defesa e a razoável
duração do processo, ou entre a ampla defesa e o princípio do juiz natural, ou entre a
presunção de inocência do réu e a necessidade de fundamentação das medidas de
restrição de direitos, têm retirado das novas leis sua força vinculante.
Assim, por mais que a análise demonstre que a reforma processual penal tenha
sido, sem dúvida, animada pela efetivação dos direitos e garantias fundamentais
previstos no texto constitucional, podendo mesmo se dizer que ela não incorrera em
nenhum caso de flagrante inconstitucionalidade, nem por isso ela logrou êxito em todas
as suas intenções. Por conta disso, novas reformas, mesmo que não possam evitar novas
a velhas tensões entre direitos, garantias e princípios, podem focalizar a efetividade de
determinados ditames, tornando verdadeiras regras os textos legais que a atual reforma
não pôde tornar mais do que recomendações relativizáveis.
165
166
CAPÍTULO IV. ESTUDO DO POSICIONAMENTO DOS TRIBUNAIS ACERCA DA REFORMA PROCESSUAL PENAL
Esta parte da pesquisa tem por objetivo verificar como as Leis 11.689/08 e
11.719/08 têm sido apropriadas pelos tribunais brasileiros a partir da análise do
conteúdo de decisões proferidas pelos tribunais estaduais (TJs), pelos tribunais regionais
federais (TRFs), bem como pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e pelo Supremo
Tribunal Federal (STF).
A escolha de analisar as decisões dos tribunais superiores deve-se ao fato de que
uma decisão proferida por um magistrado de primeiro grau ou mesmo por um colegiado
de segundo grau é passível de revisão em grau de jurisdição superior, como por
exemplo pelo Superior Tribunal de Justiça (no caso de violação à legislação federal) e o
Supremo Tribunal Federal (sempre que houver violação a princípio ou garantia
constitucional). No âmbito processual penal, essa atuação dos tribunais se faz mais
presente devido a possibilidade de impetração de habeas corpus substitutivo de recurso
ordinário.
Do princípio do duplo grau de jurisdição se infere que as decisões proferidas
pelos magistrados podem sempre ser questionadas na instância superior, uma vez que,
tal como destacado por alguns doutrinadores, nenhum magistrado está imune a
equívocos quando da formação de sua convicção.
Certo é que os juízes não aplicam da mesma forma determinadas leis. Assim, é
de se esperar que pontos eminentemente controversos no âmbito da doutrina também
apareçam como pontos questionados pelos operadores do direito junto aos tribunais.
Em outras palavras: a reforma é recente, a doutrina ainda não foi capaz de
construir posições pacíficas sobre a natureza e a aplicabilidade de alguns institutos
introduzidos ou transformados pelas Leis 11.719/08 e 11.689/08 e, por conseguinte, os
operadores do direito ainda não possuem um entendimento claro de como estes
dispositivos devem ser implementados no propósito de se garantir plenamente os
direitos constitucionais do acusado.
Em um cenário como este, cabe aos tribunais se posicionarem em relação aos
questionamentos das partes sobre a forma como os juízes vêm aplicando os novos
167
procedimentos penais. Assim, a análise de tais decisões auxilia no conhecimento dos
momentos em que os magistrados consideram pertinente a aplicação dos novos
institutos, as ocasiões em que, pelo contrário, na visão destes operadores, os novos
procedimentos devam ser rechaçados, além dos problemas técnicos da redação das leis
e, ainda, as questões que caberão à doutrina compreender com maior profundidade para
auxiliar o magistrado em sua atividade jurisdicional, isto é, de declaração de direitos.
Com o objetivo de construir este arcabouço, foram compiladas decisões de
segunda instância de todos os tribunais brasileiros que possuem competência no âmbito
das matérias tratadas pelas Leis 11.719/08 e 11.689/08 (Tribunais Estaduais de Justiça –
TJ; Tribunais Regionais Federais – TRF) e ainda as decisões do Superior Tribunal de
Justiça (STJ) e Supremo Tribunal Federal (STF). Assim, as decisões analisadas neste
capítulo foram aquelas disponibilizadas como “jurisprudência” 93 nos sites dos referidos
tribunais, de acordo com o recorte temporal estabelecido pela pesquisa: decisões
publicadas entre setembro de 2008 e setembro de 2009. 94
Todas as decisões encontradas de acordo com este recorte foram adequadamente
armazenadas, catalogadas e, por fim, quantificadas de acordo com o seu teor 95. Neste
capítulo serão apresentadas, de maneira sumarizada, as principais informações extraídas
da análise agregada destas decisões. Para tanto, esta edição encontra-se dividida em seis
seções.
93 O termo jurisprudência pode gerar controvérsias acerca de seu entendimento, pois também pode significar, numa acepção mais estrita, o conjunto das decisões apenas dos tribunais superiores, ou ainda, conjunto de decisões judiciais reiteradas que apresentam uma interpretação uniforme de determinados dispositivos legais controversos. No entanto, essas duas últimas definições podem gerar confusões, porque tanto os tribunais estaduais também disponibilizam suas decisões em área reservada à “pesquisa de jurisprudência”, como existem mecanismos classificados como de uniformização de jurisprudência, tal qual a súmula vinculante, que impedem que o termo seja referente apenas a decisões assemelhadas. Da mesma forma, uma outra acepção ordinária de jurisprudência, que assim considera qualquer decisão de um tribunal, confunde o termo com o próprio termo “julgado”. Há ainda traduções inadequadas ao uso corrente na nossa língua do termo em inglês jurisprudence que, na tradição jurídica inglesa e norte-americana, representa algo completamente distinto do que é para nós a jurisprudência, pois sua tradução mais exata corresponderia a “teoria jurídica” ou “ciência jurídica”. Por isso tudo, opta-se neste estudo pela utilização do termo jurisprudência como conjunto de julgados de um tribunal sobre determinado tema. Nesse sentido, podemos dizer que aqui nos ocuparemos da jurisprudência produzida pelos tribunais brasileiros sobre as leis 11.719/08 e 11.689/08.
94 Este recorte foi estabelecido levando-se em consideração o período de vacatio legis de ambas as leis, que foi de 60 dias após a sua publicação. Assim, a lei 11.689/08, publicada em 09 de junho de 2008 entrou em vigor em 9 de agosto de 2008. Já a lei 11.719, publicada em 22 de junho de 2008 entrou em vigor em 22 de agosto de 2008. Dessa forma, a análise de toda a jurisprudência produzida pelos tribunais brasileiros sobre essas leis entre setembro de 2008 e setembro de 2009 faz menção, exatamente, àquelas decisões que foram proferidas em razão de dúvidas das partes sobre a forma como as novas leis estavam sendo aplicadas pelos juízes e tribunais nas fases iniciais do processo.
95 Estes procedimentos serão detalhados na seção 03 deste capítulo.
168
A primeira procura discutir o contexto da reforma e assim criar os subsídios para
a segunda seção, que, por sua vez, destaca de que forma a análise da jurisprudência
produzida pelos tribunais (estaduais, regionais federais, STJ e STF) pode auxiliar na
compreensão de quais são as questões controversas no processo de aplicação das Leis
11.719/08 e 11.689/08.
A terceira seção apresenta a metodologia desta pesquisa e os recortes que
tiveram de ser realizados para que esta análise empírica pudesse ser efetivada. A quarta
seção apresenta os principais resultados da pesquisa empírica, considerando as decisões
mapeadas em todos os tribunais e o significado destes resultados.
A quinta seção discorre sobre as principais temáticas abordadas nas decisões do
STJ e STF. Primeiramente porque o Supremo Tribunal Federal tem no Brasil, após a
Emenda Constitucional no. 45/04, o poder de editar enunciados de Súmula Vinculante,
que consistem em publicação de verbetes que representam o resumido entendimento
pacificado do Pretório Excelso sobre determinada matéria, que haja sido objeto de
reiterada apreciação num mesmo sentido pelas turmas do tribunal, possuindo força
vinculante em relação a todas as instâncias judiciais, bem como a Administração
Pública.
Assim, conhecendo o posicionamento atual deste órgão (e se o mesmo for
pacífico) em relação a determinadas matérias, torna-se possível inferir os rumos das
“súmulas vinculantes” ou das “súmulas persuasivas” que podem vir a ser editadas nos
anos vindouros, em relação às leis atuais. Em segundo lugar, as súmulas do STJ, por
mais que não sejam vinculantes, são enunciados que resumem o entendimento
pacificado deste tribunal sobre determinados temas, cuja interpretação já esteja
consagrada. Dessa forma, esse tribunal também ocupa posição de destaque na estrutura
judiciária, influenciando diretamente as decisões dos tribunais estaduais e regionais
federais. Por fim, na sexta seção, são apresentadas as principais conclusões deste estudo.
169
IV.1 – A reforma do processo penal a partir da publicação das Leis 11.719/08 e
11.689/08
De acordo com diversos doutrinadores da área96 os questionamentos de qual
deve ser a melhor forma de aplicação dos institutos introduzidos pelas novas leis (lei
11.719/08 e lei 11.689/08) estão intimamente relacionados ao fato de que essas
reformas são essencialmente controversas e, por isso, sequer os doutrinadores são
capazes de concordar ou com a forma como os novos institutos foram inscritos no
âmbito da nova lei ou ainda com a forma como estes se encontram aplicados na
realidade cotidiana dos tribunais (a partir da análise da jurisprudência, ou mesmo, dos
textos publicados pelos magistrados e disponibilizados no âmbito dos respectivos
tribunais de justiça).
No sentido de se compreender o que vem sendo discutido pelos processualistas
brasileiros no que se refere aos institutos criados ou reformados pelas Leis 11.719/08 e
11.689/08 e, considerando o papel desempenhado pelo Instituto Brasileiro de Ciências
Criminais (IBCCRIM), tanto no processo de consultoria para a elaboração do projeto de
reforma, quanto no debate desta a partir da realização de seminários, workshops,
palestras e outros eventos, a equipe desta pesquisa se concentrou, em um primeiro
momento, na leitura de todos os artigos publicados nos boletins desta instituição e que
se encontravam disponíveis em seu respectivo endereço eletrônico
(www.ibccrim.org.br) em janeiro de 2010. Isso significa que ao final foram lidos e
classificados mais de 70 artigos sobre o tema.
A idéia era a de que o mapeamento dos pontos polêmicos da reforma no âmbito
doutrinário criaria subsídios teóricos necessários para análise dos principais pontos
polêmicos encontrados quando da análise da jurisprudência dos tribunais.
Contudo, como mais de um autor pode abordar um mesmo ponto “controverso”
da reforma e um autor pode abordar várias vezes o mesmo ponto (o que, aliás, é mais
comum), a equipe montou um quadro (Quadro 11) com os temas da reforma que são
mais recorrentes nos boletins do IBCCRIM e os respectivos autores a elencar a
discussão realizada por cada qual dos artigos lidos. 97 A partir desta atividade, foi
96 Para a construção deste capítulo foram utilizados os diversos artigos disponíveis no site do IBCCRIM relacionados a esta temática. Todos estes artigos encontram-se referenciados na bibliografia.
97 No entanto, os artigos que serão citados ao longo deste trabalho encontram-se detalhadamente referenciados na seção “referências bibliográficas” deste projeto.
170
possível verificar quais são os temas, que do ponto de vista da doutrina, ainda têm a sua
aplicação controversa considerando tanto os dispositivos remanescentes tais como na
redação original do CPP, bem como os princípios constitucionais que orientam o
funcionamento do ordenamento jurídico. 98
Quadro 11 – Pontos polêmicos da reforma processual de 2008, de acordo com a produção doutrinária Boletins do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais
Brasil, 2010 (ordem alfabética)
Questão controversa
Autores que abordam a temática
Absolvição Sumária Márcio Bártoli Paulo Henrique Aranda Fuller
Celeridade processual: aumento das garantias do acusado ou violação destas?
Jacinto Nelson de Miranda Coutinho
Cerceamento do direito de defesa Robson Antonio Galvão da Silva Flávia Rahal Ludmila de Vasconcelos Leite Groch
Citação do acusado e conseqüências de tal ato (nomeação do defensor e revelia)
José Barcelos de Souza
Critérios para a determinação do excesso de prazo Gustavo Octaviano Diniz Junqueira Consonância entre a nova proposta de reforma e a reforma de 2008
Maria Thereza Rocha de Assis Moura
Discussões doutrinárias de caráter geral – Porque da reforma e princípios gerais que esta procura abordar em detrimento de análise específica dos dispositivos que as novas leis alteram
Pierpaolo Bottini Guilherme Souza Nucci Maria Thereza Rocha de Assis Moura
Identidade física do juiz Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró Momento do interrogatório do réu e conseqüências deste momento, especialmente, no que se refere ao princípio da ampla defesa e do devido processo legal
Daniel Romeiro e Marcelo Gaspar Gomes Raffaini Reinaldo Daniel Moreira
Momento processual adequado para o recebimento da denúncia ou queixa e a absolvição sumária (art. 397 do CPP)
Paulo Henrique Aranda Fuller
Novos mecanismos de prova Fernanda Regina Vilares e Mariângela Lopes Jacinto Nelson de Miranda Coutinho
Nulidades na nova sistemática do Processo Penal Maria Elizabeth Queijo Antonio Santoro
98Assim, esta atividade de mapeamento é importante dada à elevada probabilidade de que as questões controversas na doutrina sejam também as questões controversas no âmbito dos tribunais.
171
Prisão Cautelar – justa causa e prazo máximo de sua duração
Antonio Scarance Fernandes Sylvia Helena Steiner Malheiros
Questões não reformadas pelas leis, mas que dificultam ou criam polêmicas quando de sua implementação.
Carla Domenico
Reforma do tribunal do júri
Guilherme de Souza Nucci Reinaldo Daniel Moreira
Supressão do recurso de ofício na hipótese processual de absolvição sumária decretada nos casos de crimes dolosos contra a vida
José Carlos Gobbis Pagliuca
Esta leitura revelou ainda outros pontos interessantes. Primeiramente, em todas
as discussões doutrinárias há sempre menção à necessidade das novas leis de
transformarem o ordenamento jurídico com o propósito de este ser célere e, por
conseguinte, mais eficiente e efetivo do ponto de vista das garantias do acusado em ter
um julgamento rápido e justo. A divergência neste sentido parece ser quais são os
institutos novos, reformados ou abolidos capazes de lograr este êxito em encurtar o
tempo de processamento das causas criminais sem ferir as garantias constitucionais do
acusado.
Em segundo lugar, é importante destacar que vários dos artigos mapeados no site
do IBCCRIM fazem referência ainda aos pontos deixados de fora da reforma.
Especialmente, os problemas do inquérito policial99 e da tradição inquisitorial são
questões que continuam em pauta, reclamando, portanto, uma reforma mais geral e
menos fragmentada que a atual.
99Neste sentido, cumpre destacar especialmente duas questões. Primeiro, a pesquisa empírica sobre o inquérito policial realizada nas cidades do Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife e Brasília sob coordenção nacional do professor Dr. Michel Misse (UFRJ), em meados de 2008 e, segundo, o projeto de lei que visa alterar a forma como este procedimento administrativo é realizado. Os resultados das pesquisas encontram-se sumarizados em: BRAGA DE MORAES, Luciane Patrício (ed). “Reflexões sobre a Investigação Brasileira através do Inquérito Policial”. In: Cadernos Temáticos da CONSEG, Ministério da Justiça – Ano I, 2009, n. 06. Brasília, DF, 76pp. Já o projeto de Lei que visa alterar o Inquérito Policial é o 4209/2001 e tem como objetivo reduzir a influência inquisitorial a partir de duas alterações específicas: traz duas alterações significativas: 1) ao contrário do que ocorre no Código de Processo Penal atual, onde o juiz pode requisitar a instauração do inquérito, no projeto não há previsão de tal modalidade; 2) O arquivamento do Inquérito não mais necessita ser submetido à aprovação do juiz, ficando a cargo do Ministério Público fazê-lo, dando ciência deste fato ao órgão superior dentro do próprio M P, deixando claro, assim, a intenção de acabar com a redação atual do art. 28 do CPP. Tal como este artigo encontra-se formulado, o promotor deve requerer o arquivamento ao juiz e este, caso concorde, manda arquivar e, caso não concorde, remete os autos ao Procurador Geral de Justiça ou da República, dependendo se o âmbito for Federal ou Estadual, para que ele decida se é ou não caso de arquivamento. Este procedimento revela um nítido resquício inquisitorial, com o juiz interferindo na persecução penal. Contudo, apesar de este projeto ter sido apresentado em conjunto com os que resultaram nas leis 11.719/08 e 11.689/08, estes ainda não lograram êxito no âmbito do Congresso Nacional.
172
No que tange às reformas realizadas em 2008, também os artigos do IBCCRIM,
destacam as alterações realizadas pela reforma no sentido de tornar o processo penal
brasileiro mais democrático. Questões como identidade física do juiz, concentração dos
atos em um único momento, inversão do momento do interrogatório do réu, dentre
outras, são questões que há muito se fazem presentes em países que adotaram a
perspectiva originária do modelo acusatorial 100. Mas este não era o caso brasileiro, no
qual o juiz ainda dizia o que deveria ser e não ser perguntado ao réu pelas partes,
limitando desta forma o poder destas em construir uma “boa” acusação ou uma “boa”
defesa.
Contudo, a reforma do processo penal de 2008 reduziu alguns destes problemas
ao adotar os princípios do sistema acusatório anteriormente citados, seguindo, inclusive,
os demais processos de reforma que tiveram lugar no século passado nos países
europeus também classificados como filiados à tradição da civil law, tal como destacado
por Cappelletti e Garth (1988: 76):
“Pelo menos desde o início do século (XX), tem havido esforços importantes no
sentido de melhorar e modernizar os tribunais e seus procedimentos. No continente
europeu, por exemplo, podemos apontar os bem conhecidos movimentos de reforma
que foram agrupados sob a designação de “oralidade” e ocuparam-se essencialmente
com a “livre apreciação da prova”, a “concentração” do procedimento e o contato
“imediato” entre juízes, partes e testemunhas.”
Na medida em que a reforma de 2008 procurou implementar características do
sistema acusatório no âmbito do sistema penal de ranço inquisitorial, tal como realizado
por outros países europeus, cumpre analisar como os juristas receberam estas alterações:
seja aplaudindo o seu implemento, seja pela discussão das possibilidades e os limites de
sua implementação.
Assim, a revisão do conteúdo das decisões dos tribunais brasileiros referentes às
Leis 11.719/08 e 11.689/08 teve como propósito verificar os pontos controversos no
âmbito da aplicação das leis e, inclusive, em que medida a aplicação dessas leis está ou
não de acordo com os princípios maiores do ordenamento jurídico e da própria doutrina
processual penal.
100 Como bem destaca Gomes (2006), a Carta Magna de 1988 assegura o sistema acusatório no processo penal, garantindo a tutela jurisdicional (art. 5º, XXXV); o devido processo legal (art. 5º, LIV), o acesso à justiça (art. 5º, LXXIV), o juiz natural (art. 5º, XXXVII e LIII), o tratamento paritário das partes (art. 5º, caput e inc. I), a ampla defesa (art. 5º, LV, LVI e LXII), a publicidade dos atos processuais e motivação dos atos decisórios (art. 93, IX) e a presunção de inocência (art. 5º, LVII).
173
A partir desta pesquisa espera-se criar um sólido material empírico de consulta à
disposição, especialmente de magistrados, de tal maneira que estes possam refletir sobre
os dilemas e soluções encontradas por seus pares nos momentos de dúvida sobre como
as novas leis (Lei 11.719/08 e 11.689/08) podem ou não ser aplicadas.
Neste cenário, esta pesquisa visa em última instância, constatar como os juízes
têm interpretado as novas leis no contexto maior dos princípios do ordenamento
jurídico, especialmente, no que diz respeito aos direitos constitucionais do acusado.
Para tanto, o seu objeto de análise são as decisões dos tribunais estaduais e regionais
federais, além das do STJ e STF.
Estas decisões foram escolhidas como objeto de análise porque, dentro da idéia
de publicidade das decisões judiciais, a maioria dos tribunais estaduais e regionais
federais brasileiros mantém um sistema de consulta à sua jurisprudência. Neste sentido,
tornou-se possível, a partir da utilização de determinados critérios de busca,101 mapear
esta produção decisória no que se refere às Leis 11.719/08 e 11.689/08 e organizá-la de
tal maneira que ela pudesse ser analisada por métodos quantitativos e qualitativos.
Contudo, antes de se apresentar os dados coletados diretamente e para que o
leitor possa compreender a importância de uma análise como a que se pretende
desenvolver no âmbito deste relatório, tem-se a seção seguinte, sobre o papel da
jurisprudência na compreensão de uma dada lei.
IV.2 – O papel da jurisprudência na interpretação dos pontos controversos de uma
dada lei
Contra a concentração de poderes em torno de um só agente, a separação entre
os detentores das funções de criação e aplicação das leis remonta à clássica distinção,
feita pelo Barão de Montesquieu, entre os poderes Legislativo e Judiciário. Segundo o
pensamento desenvolvido pelo autor, até hoje profundamente influente no imaginário
político, dar a uma parcela do corpo político o direito a formular leis e a outra a
obrigação de aplicá-las, garantiria à primeira a expectativa de uma atividade legiferante
de cunho universalista e, à segunda, imparcialidade nos julgamentos.
Nesse contexto, um horizonte ideal para as instituições políticas e judiciárias
apresentaria um quadro no qual o Poder Legislativo elaboraria um catálogo exaustivo de
101 Identificados na seção 03 deste relatório
174
leis capazes de regular a totalidade das relações sociais, e o Poder Judiciário aplicaria
tais leis de forma silogística, julgando sua adequação ou não ao caso concreto sob seu
juízo. Daí a célebre metáfora de Montesquieu em que o juiz aparece como a mera “boca
inanimada da lei”, isto é, o canal neutro por meio do qual o que já havia sido
previamente dito pela letra da lei se faz ouvir.
A distinção entre criar e aplicar a lei passa a ser então, um ponto chave de
definição da atividade judiciária. Especialmente numa democracia de amplo sufrágio, os
juízes devem se ater a apenas aplicar a lei, reservando o direito de criá-las aos
representantes eleitos pelo povo, selecionados por meio do voto – instrumento de
mandato que lhes dá legitimidade de ação, que não encontra equivalente no processo de
nomeação dos juízes.
Partindo desse princípio, os responsáveis pela aplicação do direito são orientados
a obedecer única e exclusivamente ao chamado direito positivo, isto é, as orientações
estabelecidas por leis em sentido amplo – leis, códigos, tratados, constituições, etc.
Elaboradas pelo poder efetivamente mandatário do povo, essas leis devem ter sua letra
seguida à risca por operadores do direito responsáveis, e principalmente por entes da
Administração Pública, que não extrapolem suas funções. Daí o dogma juspositivista de
considerar que, para a decisão judicial, a única fonte possível para seu embasamento
reside na lei.
Esse seria o ideal da jurisdição dentro da tradição jurídica de origem romano-
germânica, conhecida como tradição da civil law. Há também a tradição anglo-
americana da common law, em que o direito é prioritariamente baseado nos precedentes,
isto é, nas decisões judiciais anteriores, de que são exemplos os sistemas jurídicos
consuetudinários da Inglaterra e dos Estados Unidos.
Contudo, não obstante a tendência contemporânea de aproximação entre as duas
tradições, o direito brasileiro pode ser facilmente classificado como derivado da tradição
civilista da Europa continental, com seus vários códigos e profunda assimilação da
função jurisdicional como atividade de subsunção de um caso concreto à letra da lei.
Tudo seguiria bem, nesses termos, se a mera sobreposição das leis criadas pelo
Poder Legislativo pudesse efetivamente originar um sistema coerente e pleno, capaz de
abranger a totalidade das relações sociais sem cair em contradições. No entanto, a
realidade não funciona assim. Dessa forma, simples problemas na tarefa de redação das
175
leis, além da própria ambigüidade inevitável de certos termos, já causariam sérias
complicações à consecução do dogma positivista. Contudo, essas complicações vão
além. Por exemplo, é possível a existência de leis contraditórias entre si, dentro de um
mesmo ordenamento jurídico? Suponhamos que, sob a égide de uma mesma
constituição, leis originárias de locais e tempos – e, consequentemente, legislativos –
diferentes, tratem do mesmo tema de formas díspares. Como pode um juiz, nesse caso,
decidir simplesmente aplicando a lei?
Para casos como esses, foram criadas regras de hermenêutica jurídica capazes de
solucionar esses impasses com passos de interpretação precisos, como a supremacia da
lei criada posteriormente, da lei hierarquicamente superior – contida, por exemplo, na
constituição – ou da lei que trata mais especificamente do caso examinado. Todavia,
ainda assim, a confusão persiste em casos como aqueles nos quais há conflito entre uma
lei que trata mais especificamente do caso, e outra que trata do caso menos
especificamente, mas goza de posterioridade e superioridade hierárquica no sistema.
A questão se torna ainda mais complexa em conciliar contradições entre leis de
origens distintas no tempo, e também adequar tais leis a princípios cujo significado não
se torna claro apenas com a inserção de seu nome no texto da lei, como, por exemplo, os
princípios da igualdade e da razoabilidade.
Essa lista de dificuldades demonstra e ressalta o papel primordial desempenhado
pelos juizes. A aplicação da lei permanece como ponto de suporte da legitimidade das
decisões judiciais. Mas ela não esgota seu sentido nem antes nem depois da decisão
judicial, sendo constante e necessariamente, reapropriada e reinterpretada conforme a
particularidade do caso concreto.
É isso inclusive que confere vivacidade e dinamismo ao ordenamento jurídico,
pois, se, por um lado, a positivação das leis permite a ruptura com o tempo eternizado
do direito natural, nem por isso ela dá à mudança do direito a mesma velocidade das
mudanças sociais a que tais leis se referem: apenas sua possibilidade de reapropriação e
reinterpretação é capaz de lhes tornar mais próximas da velocidade com que muda a
sociedade que devem regular.
Por conta disso, a fantasia de ter a lei como fonte única da decisão judicial não
consegue se sustentar, abrindo espaço para outras formas de fundamentação para além
da mera referência ao que foi produzido pelo Legislativo. E, apesar da idéia inicial da
176
nossa tradição jurídica ser exatamente fugir a isso, torna-se central como fonte das
decisões judiciais, aquilo produzido pelo próprio Poder Judiciário. Trata-se do conjunto
de decisões judiciais tomadas anteriormente por tribunais que aplicam determinada
interpretação à lei, que é usada como base para justificar as decisões seguintes, e que a
cultura jurídica, ao menos no Brasil, convencionou chamar de jurisprudência. 102
Assumindo a jurisprudência como fonte do direito, os juízes e tribunais podem
solucionar casos de lacunas, ambigüidades e incoerências na interpretação das leis
seguindo a solução dada anteriormente para caso semelhante por outros magistrados que
lhes sejam hierarquicamente superiores. Fazendo uso desse expediente, eles produzem
um duplo movimento. Por um lado, eles conferem integridade e segurança jurídica a um
ordenamento que, num dado ponto, se apresenta nebuloso na mera aplicação das leis. E,
por outro, ao reforçar o entendimento de dado tribunal superior sobre determinado tema,
eles evitam que esse tribunal venha a reformar suas decisões por via de recurso.
Nesse duplo movimento, fundamentado em uma estrutura judicial hierarquizada
– cuja organização o próprio movimento ajuda a consolidar – a jurisprudência acaba por
se constituir como fonte inescapável da efetivação rotineira do direito. Dadas as
recorrentes inconsistências do arcabouço legal que fundamenta o ordenamento jurídico,
a decisão judicial acaba por ser, muitas vezes, a aplicação da lei em concordância com a
jurisprudência. Daí a importância de, ao se proceder a uma análise da influência de
determinada legislação, ser levada em conta também a jurisprudência que foi produzida
sobre ela.
Afinal, o direito não é apenas a lei, mas sua aplicação pela decisão judicial. E a
decisão judicial não é a repetição da lei, mas sua interpretação diante do caso concreto,
influenciada, pelos motivos já expostos, pelas demais interpretações sobre o mesmo
tema, em especial por tribunais hierarquicamente superiores.
102 Conforme já destacado, para nós o termo jurisprudência tem sentido completamente diverso do termo jurisprudence no sistema anglo-saxão, já que este se referiria à teoria do direito e não às decisões dos tribunais, tratadas nessa cultura jurídica como precedentes. Mas o precedente tampouco se confunde com o que no Brasil é tratado como jurisprudência, haja vista que na cultura jurídica anglo-saxã o precedente representa uma das fontes primárias do direito, enquanto na tradição romano-germânica brasileira a jurisprudência é uma fonte complementar à lei, essa sim sua fonte principal. Inclusive, leituras estritamente positivistas da tradição civilista negam à jurisprudência o caráter de fonte do direito, restringindo esse caráter apenas à lei. Contudo, mesmo sem negar a tradição da civil law que subjaz o sistema jurídico brasileiro, a concepção sociológica, de índole realista, que permeia este estudo, não permite à equipe de pesquisa a adoção de tal postura, haja vista que, rotineiramente, os juizes e tribunais fazem uso da jurisprudência para fundamentarem suas decisões.
177
Pesquisar a jurisprudência produzida acerca de determinada lei é, portanto,
conhecer a lei “viva”; como ela se manifesta quando instada a parecer coerente perante
o sistema como um todo e como ela realmente produz seus resultados. Pois muitos são
os casos em que a lei, tal como aplicada de fato, não confirma exatamente seu texto,
mas sim entendimento jurisprudencial diverso que lhe despe das contradições internas e
das inconsistências perante a totalidade do ordenamento jurídico do país. De onde
decorre a necessidade de se conhecer, para além da letra da lei, a forma como ela vem
sendo aplicada nos tribunais, o que em muito definirá o que ela é, não enquanto mera
prescrição contida num código, mas como efetiva norma de conduta.
No caso das Leis 11.719/08 e 11.689/08, a análise das decisões de grau superior
se mostra fundamental por uma série de motivos. Para além da mera problemática
redacional, em que a formulação das leis apresenta problemas de ambigüidade e
vagueza, deve-se atentar também para o fato de que as mesmas visam concretizar um
princípio de altíssimo índice de abstração: a razoabilidade, na forma da razoável
duração do processo. Além disso, seus dispositivos possuem estreita ligação com os
direitos e garantias fundamentais do réu. Sendo assim, trata-se de texto de lei cuja
aplicabilidade envolve alto grau de interpretação principiológica, razão pela qual
conhecer as decisões dos tribunais sobre ela é passo inescapável para seu mais profundo
entendimento.
Para compreender em que medida as decisões analisadas por esta pesquisa são
capazes de ilustrar as questões controversas surgidas quando da aplicação das novas
leis, mister se faz, em um primeiro plano, destacar a própria estrutura do Poder
Judiciário. Com isso, se tornará evidente porque esta pesquisa decidiu analisar certo
conjunto de decisões e não outro.
O Poder Judiciário brasileiro é formado, dentre outros órgãos especiais, por
juízes singulares, por tribunais estaduais, tribunais regionais federais e tribunais
superiores a estes, que seriam, para o propósito desta pesquisa, o STJ e o STF. Apenas
estes últimos podem ser consideradas instâncias máximas da jurisdição nacional para
decidirem, respectivamente, questões gerais e questões que envolvam valores
constitucionais. Por meio de recursos diversos, 103 é possível que a decisão de um juiz
103 O termo diverso aqui não se refere à diversidade de recursos para uma mesma situação, mas sim à diversidade de recursos decorrente da diversidade de situações. Afinal, de acordo com o princípio da unirrecorribilidade das decisões, que rege a teoria geral dos recursos no âmbito do processo penal, tem-se
178
singular seja reformada por um tribunal e ainda que a decisão de um tribunal seja
reformada pela decisão de um tribunal que lhe seja superior.
Como a pesquisa “Os novos procedimentos penais: uma análise empírica das
mudanças introduzidas pelas Leis 11.719/08 e 11.689/08” tem entre seus objetivos
compreender as inovações trazidas por estas leis, para além de seu texto, na sua
aplicação cotidiana, as decisões que elas têm gerado são dados que não podem (e não
devem) ser negligenciados. Por meio da análise dessas é possível conhecer a recepção
das novas normas pela comunidade jurídica e, em quais pontos, elas têm sido
consideradas incoerentes internamente e perante o restante do ordenamento jurídico.
Dessa forma, a investigação no campo da jurisprudência dos tribunais também
atende a outro objetivo da pesquisa que é contribuir com subsídios para a melhoria na
aplicação da lei ou na sua própria redação. Distinguindo os impasses interpretativos nos
quais a plena efetividade das novas leis esbarra, é possível avaliar em que sentido estas
leis podem ser modificadas, de forma que não evitem a efetividade almejada por normas
como o limite de prazo dos processos ou o uso indevido de algemas pelo réu, por
exemplo.
IV. 3 - Metodologia da pesquisa
Conforme destacado anteriormente, a preocupação central foi a de sistematizar
toda a jurisprudência catalogada pelos sites do STJ e STF, dos tribunais regionais
federais (TRFs) e dos tribunais estaduais (TJs), no que se refere à aplicação das Leis
11.719/08 e 11.689/08.
Os termos utilizados para a realização desta pesquisa foram: Lei 11.689/08 e Lei
11.719/08. Esses critérios foram estabelecidos levando-se em consideração o fato de
que todas as decisões dos tribunais analisados, necessariamente, devem fazer referência
à legislação que originou a controvérsia. Assim, ainda que a discussão seja referente a
que cada decisão judicial apenas é passível de questionamento se o recurso utilizado pelo operador jurídico se coadunar com o que a lei prevê para esta matéria específica. Isso significa que o recurso impetrado pelas partes (advogado ou promotor de justiça) apenas será apreciado pelo tribunal no qual ele é interposto se e somente se este for o instrumento jurídico aplicável à questão que o operador do direito pretende discutir. Caso contrário, o recurso será rechaçado por não atender às formalidades legais que caracterizam o ordenamento jurídico brasileiro (Bonfim, 2009).
179
um dado tema específico, o número da lei, necessariamente, deverá ser contemplado
nesta decisão.
Em alguns casos, a palavra “lei” foi suprimida, uma vez que sua inclusão
implicava a apresentação de todas as decisões de todas as matérias que continham a
palavra “lei”, mesmo que sem vinculação ao objeto da pesquisa. Afinal, lei é algo que
está escrito em quase todas as decisões judiciais, independentemente da área do direito
em questão.
Importante destacar ainda que a variedade de critérios para armazenamento da
jurisprudência nos sites dos diversos tribunais do país fez com que fosse necessário
incluir palavras chaves, tais como: “reforma”, “procedimento”, “júri”, “processo penal”,
“2008”, “alteração”. Esta inclusão se fez necessária porque, em algumas situações, o
baixo quantitativo de decisões encontradas fez com que os pesquisadores acreditassem
que aquele tribunal estava discutindo a reforma do Código de Processo Penal sem a
menção direta à legislação e sim aos temas alterados por ela. Portanto, contemplar estas
palavras chaves viabilizou a inclusão de novos julgados na análise.
Não obstante o êxito logrado com estas mudanças e alterações, alguns problemas
foram notados, especialmente quanto ao critério de apresentação de dados pelos sites
dos Tribunais, a saber:
a) Os Tribunais de Justiça dos Estados do Piauí, Paraíba e Alagoas não
fornecem opções de pesquisa jurisprudencial por palavra chave, mas apenas
por número do processo, inscrição do advogado na OAB ou nome da parte.
Assim, esses Tribunais não puderam ser examinados no âmbito desta
pesquisa;
b) Os Tribunais de Justiça do Estado do Amazonas e Acre não possuíam em
seus registros nenhuma menção às leis 11.719/08 e 11.689/08, nem aos
demais critérios adotados para coleta de decisões. Importante destacar que
esta ausência de decisões não se deve ao critério de pesquisa adotado, uma
vez que utilizando o termo “lei 8.245/91” foi possível detectar diversas
decisões. Neste sentido, conjectura-se que as matérias ainda não foram
enfrentadas por estes tribunais, ou os critérios de pesquisa utilizados não
foram capazes de atender aos seus sistemas classificatórios de decisões;
180
c) Foi encontrada uma decisão no Tribunal de Justiça do Amapá com fulcro na
Lei 11.719/08, sendo que o sistema do site não permitiu abertura do arquivo;
d) O Tribunal de Justiça do Distrito Federal não fornece os números dos
processos em segunda instância, tampouco qualquer outra identificação
fazendo com que o critério de uma chave única de identificação exigida
pelas técnicas estatísticas para a organização dos bancos de dados fosse
violado. Apesar deste problema, as decisões coletadas foram analisadas neste
relatório;
e) Também foram detectados alguns problemas no Tribunal de Justiça do
Estado de Santa Catarina. Inicialmente surgiram mais de cem decisões
utilizando os termos já mencionados. No entanto, a análise minuciosa destes
documentos denotou que o problema deste web-site é a forma como as
decisões são armazenadas, já que aos critérios adotados misturaram-se
decisões de outros ramos do direito além do direito penal e a cada nova
pesquisa eram apresentas decisões aleatórias;
f) Todos os critérios de pesquisa adotados resultaram em apenas dez decisões
no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. No entanto,
ao realizar a pesquisa através de um caso concreto em especial, surgiu outra
decisão além das que foram encontradas pela pesquisa instantânea (por
tema). Isso pode indicar que o quantitativo de decisões deste tribunal
relacionadas às novas leis pode ser maior que o quantitativo analisado neste
relatório. Assim, este caso termina por se enquadrar nos casos considerados
como “problema” pela equipe, tal como Piauí e Paraíba, haja vista que se a
equipe possuísse o número de todos os processos que discutiram este tema
nessa instância, provavelmente, o quantitativo de decisões seria
substancialmente maior.
g) O Tribunal de Justiça do Estado do Sergipe não disponibilizou o inteiro teor
das decisões e, portanto, a inclusão de seus julgados na base de dados desta
pesquisa teve de ser restrita às informações contidas nas ementas destes.
Portanto, na medida em que os sites dos Tribunais de Justiça dos estados de
Alagoas, Amazonas, Acre e Piauí exigem que sejam fornecidas informações específicas
sobre o caso (como número do processo, nome das partes, nome do advogado, nome do
181
relator, dentre outras), o conhecimento do que esses tribunais têm discutido no âmbito
das controvérsias geradas pela aplicação das Leis 11.719/08 e 11.689/08 foi
inviabilizado. Nestes termos, estes tribunais não serão sequer mencionados no restante
desta pesquisa, uma vez que não foi possível conhecer nada acerca da sua produção
decisória.
Por outro lado, os tribunais do Distrito Federal e Sergipe foram incorporados,
mas é importante ressaltar que os dados coletados no âmbito destes tribunais possuem
algumas limitações, como ausência de identificação ou o fato de os dados coletados
estarem restritos à análise das ementas das decisões.
Portanto, para a construção da base de dados analisada neste relatório foram
realizadas buscas na jurisprudência de todos os tribunais nos quais suas decisões
estavam amplamente acessíveis para consulta pública em seus respectivos endereços
eletrônicos. Os documentos obtidos (inteiro teor da decisão) foram salvos em Word ou
PDF, seguindo a mesma estratégia de nomenclatura estabelecida por Carvalho et al
(2009: 15)104 em sua pesquisa sobre critérios de aplicação de pena no Brasil.
Para que todas as decisões classificadas como jurisprudência pelos tribunais
analisados pudessem ser avaliadas pela equipe da pesquisa, foi criada também uma
tabela para inserção de informações. Além de orientar a análise qualitativa, esta tabela
tinha ainda como objetivo organizar as decisões coletadas e permitir a comparação entre
essas dentro de uma perspectiva mais quantitativa.
Tal tabela possuía os seguintes campos: 1) Número do recurso / ação
impugnativa; 2) Tribunal; 3) Natureza da sentença (Acórdão e Outros); 4) Lei a que se
refere (Lei 11.719/08 ou Lei 11.689/08); 5) Natureza do recurso / ação impugnativa que
suscitou a decisão;105 6) Matéria discutida (relacionadas a questões alteradas pelas leis
em análise, de acordo com os temas apontados pela doutrina como controversos); 7)
104 Na pesquisa de Carvalho “As buscas ocorreram nos sites dos Tribunais e os documentos obtidos (inteiro teor da decisão) foram salvos no banco de dados em arquivos no formato PDF ou DOC, respeitando a seguinte regra de nomenclatura: sigla do recurso/número do processo/estado da federação (p. ex.: RESP 896874- RS) – e armazenados em pastas correspondentes à respectiva palavra-chave (p. ex.: pena mínima).” Nesta pesquisa, a diferença foi o armazenamento das decisões de acordo com o tribunal no qual elas foram encontradas e dentro do tribunal foram criadas duas pastas, cada qual referente a uma das leis em análise. 105 V. nota anterior.
182
Decisão final do recurso (ordem denegada, recurso não conhecido, etc); 8) Pequeno
resumo (descrição detalhada do que era o caso).
Para preenchimento do campo “matéria discutida”, foi adotado o seguinte
critério. Primeiro deveria ser inserida a principal questão analisada ou aquela que
constasse na ementa da decisão (por exemplo, excesso de prazo). Contudo, como
poderia acontecer de mais de uma matéria relacionada às novas leis ser discutida na
mesma decisão (por exemplo: na ementa constar apenas excesso de prazo, mas no
inteiro teor do acórdão constar referências à identidade física do juiz), o campo pequeno
resumo deveria contemplar uma descrição completa do caso.
Ao final do primeiro preenchimento da tabela, a equipe analisou as questões
recorrentes no campo “pequeno resumo” e a partir de uma rotina criada no âmbito do
programa SPSS106 foi construída uma segunda variável “matéria adicionalmente
discutida”. No entanto, esta segunda coluna foi pouco utilizada, pois foi observado
apenas um pequeno número de decisões que na análise de uma dada matéria
mencionavam também outro ponto controverso em relação às Leis 11.719/08 e
11.689/08.
Por outro lado, na variável “questão repetida” deveria ser incluída ainda uma
menção expressa ao fato de o tribunal, em sua decisão, fazer menção à decisão de outro
tribunal qualquer que fosse (TJs, TRFs, STJ e STF) na fundamentação de seu
posicionamento. Com isso, esta variável foi classificada como dicotômica (ou seja, ou
1. a questão era repetida – a fundamentação da decisão era a mesma fundamentação da
decisão de um caso semelhante julgado por outro tribunal; ou 2. a questão não era
repetida – não fundamentava a decisão com base em outra decisão de outro tribunal).
Nas seções subseqüentes serão apresentados os resultados extraídos desse banco
de dados construído a partir da análise da jurisprudência coletada nos sites dos
Tribunais Estaduais de Justiça, Tribunais Regionais Federais, Superior Tribunal de
Justiça e Supremo Tribunal Federal, referente às decisões sobre a aplicação das Leis
11.719/08 e 11.689/08.
106 SPSS – Statistical Package for Social Science – programa geralmente utilizado nas ciências sociais para a realização de análises de cunho quantitativo.
183
IV. 4 – As decisões dos tribunais: uma análise descritiva
O trabalho de varredura da jurisprudência disponível nos sites dos tribunais
estaduais, federais e STF e STJ viabilizou a quantificação da produção decisória destes
no que se refere à administração de controvérsias relacionadas às Leis 11.719/08 e
11.689/08. Nesta primeira triagem, foram relacionadas 637 decisões que foram
classificadas, em um primeiro momento, de acordo com seu tribunal de origem.
Uma vez finalizada a busca geral, passou-se à análise do teor destas decisões
com o objetivo de se verificar se elas estavam ou não dentro dos propósitos da pesquisa.
Esta leitura foi indispensável para se verificar se estes documentos versavam ou não
sobre a reforma do processo penal de 2008.
Em parte, algumas decisões terminaram excluídas, uma vez que, apesar de
mencionarem as Leis 11.689/08 e 11.719/08, não se relacionavam diretamente a estas.
Utilizando este critério, foram excluídas 34 decisões e o quantitativo a ser analisado a
partir deste momento passou a ser de 603 julgados. A partir desta limpeza, o primeiro
trabalho da equipe foi o de verificar o número de decisões relacionadas a cada uma das
leis por tribunal (Tabela 31).
Tabela 31 – Quantitativo da jurisprudência dos tribunais referente às Leis 11.719/08 e 11.689/08 Brasil - setembro de 2008 a setembro de 2009 – por lei
Tribunal Lei 11.719/08 Lei 11.689/08 Total TJ/SP 79 14 93 STJ 50 37 87 TJ/RS 49 17 66 TJ/MG 49 0 49 TJ/GO 19 18 37 TRF3 36 1 37 TJ/PR 25 0 25 TJ/PA 21 3 24 TRF1 22 0 22 TRF2 17 2 19 STF 10 6 16 TJ/SE 10 6 16 TJ/PE 9 6 15 TJ/MT 14 0 14 TRF4 10 4 14 TJ/CE 3 9 12 TJ/ES 3 7 10 TJ/MA 8 2 10 TJ/RN 6 4 10 TJ/RJ 8 0 8 TJ/SC 6 2 8 TJ/BA 3 1 4 TRF5 3 1 4 TJ/RO 2 0 2
184
TJ/MS 1 0 1 Total 463 140 603 Fonte: Dados da pesquisa
De acordo com a Tabela 31, o tribunal no qual foi encontrado maior número de
decisões relacionadas às leis em análise, foi o de São Paulo (93), seguido pelo STJ (87).
Por outro lado, a Tabela 31 denota ainda que:
1) Vários tribunais estaduais (Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso,
Paraná, Rio de Janeiro e Rondônia) e o Tribunal Regional Federal da Primeira
Região – TRF1 (cuja jurisdição inclui os seguintes estados: Acre; Amapá;
Amazonas; Bahia; Distrito Federal; Goiás; Maranhão; Mato Grosso; Minas
Gerais; Pará; Piauí; Rondônia; Roraima e Tocantins) – não possuem nenhuma
decisão de segunda instância relacionada à Lei 11.689/08. 107 Interessante
destacar que, neste sentido, os estados de Minas Gerais e Mato Grosso parecem
não ter casos nem no âmbito estadual nem no âmbito federal que suscitem
controvérsias em relação a esta legislação;
2) A maioria das decisões recursais, considerando todos os tribunais, se refere à Lei
11.719/08, a qual alterou os procedimentos do rito ordinário, tal como
apresentado no capítulo 1.
A segunda questão analisada no âmbito desta pesquisa é referente à figura
jurídica utilizada para a rediscussão da decisão da instância inferior.
De acordo com Depine Filho (2005), o duplo grau de jurisdição (que faz com
que a decisão de um juiz ou tribunal venha a ser reanalisada por outro tribunal de grau e
jurisdição superior) integra o sistema de garantias constitucionais do acusado no item
devido processo legal, o qual, por sua vez, se encontra inscrito no inciso LIV do art. 5º
da Constituição Federal.
Este princípio tem como fundamento a garantia de que uma dada parte não será
prejudicada por “maus” julgamentos (Souza, 2003), posto que, na maioria das vezes,
estes podem ser reformulados em instâncias superiores garantindo, desta forma, o bem
julgar a que se refere Garapon (1997).
107 Sobre esta lei junto aos TRF’s é explicável, pois só se admite júri no TRF quando a vítima é servidor público federal (sendo o crime é cometido em razão e no exercício da atividade), ou caso o homicídio seja cometido a bordo de navios ou aeronaves (art. 109, IX, CF).
185
Com o objetivo de alcançar este “bom julgamento” do caso, o Código de
Processo Penal prevê uma série de recursos que podem ser interpostos pelos distintos
operadores do direito (juiz, no caso do recurso de ofício, advogado, defensor e promotor
de justiça). De acordo com a parte majoritária da doutrina, 108 o processo penal consagra
o princípio da unirrecorribilidade das decisões, o que significa dizer que a cada decisão
corresponde um único recurso.
Em tese, isso significaria que um dos requisitos de admissibilidade dos recursos
seria exatamente a adequação entre o recurso interposto e a matéria que ele pretende
discutir. Contudo, é importante destacar que o próprio CPP procura flexibilizar este
princípio impedindo que as partes sejam por ele prejudicadas ao estabelecer o princípio
da fungibilidade recursal, em seu Art. 579 o seguinte:
“Art. 579: Salvo a hipótese de má-fé, a parte não será prejudicada pela interposição
de um recurso por outro. - Parágrafo único: Se o juiz, desde logo, reconhecer a
impropriedade do recurso interposto pela parte, mandará processá-lo de acordo com
o rito do recurso cabível”
Com a reforma, 109 ficou consolidado o entendimento de que, em princípio, só se
efetiva o duplo grau de jurisdição se e quando o que sucumbiu apresentar recurso contra
a decisão de primeiro grau. 110
Ou seja, para que uma dada decisão que se julga equivocada, incoerente ou
injusta venha a ser revista, há necessidade de nova provocação do órgão jurisdicional.
Só excepcionalmente, em casos expressamente previstos em lei e tendo em vista
interesses públicos relevantes, a jurisdição superior entra em cena sem provocação da
parte. Este é o caso da sentença que concede o Habeas Corpus (art. 574, I) 111 ou da que
108 Grinover et al (2004).
109 Antes da reforma de 2008, a regra da voluntariedade dos recursos não era válida para a sentença que a absolvia desde logo o réu com fundamento na existência de circunstância que exclua o crime ou isente o réu de pena (quando o juiz fundamentava tal decisão com fulcro no art. 411 do CPP). Contudo, como o próprio conteúdo do art. 411 foi drasticamente alterado pela reforma, é adequado pressupor, tal como apontado pela doutrina, que o recurso de ofício no caso da absolvição sumária do réu, nos casos de crimes dolosos contra a vida, deixou mesmo de existir.
110 A reforma extirpou a obrigatoriedade do recurso ex officio da sentença de absolvição sumária no caso de crimes dolosos contra a vida, que era uma das hipóteses de aplicação deste recurso na legislação anterior. Contudo, ainda existe o recurso ex officio da sentença que concede habeas corpus (art. 574, I, CPP)
111 Art. 574. Os recursos serão voluntários, excetuando-se os seguintes casos, em que deverão ser interpostos, de ofício, pelo juiz: I - da sentença que conceder Habeas Corpus; II - da que absolver desde logo o réu com fundamento na existência de circunstância que exclua o crime ou isente o réu de pena, nos termos do art. 411
186
concede a reabilitação (art. 746 112). Esta é a devolução oficial, ou remessa necessária,
que alguns textos legais ainda insistem em denominar "recurso de ofício" e, por isso,
esta será a denominação utilizada neste texto.
Considerando que as figuras jurídicas (recursos e ações impugnativas) que
podem ser manejadas pelos operadores do direito são distintas dependendo da matéria e
do momento processual em questão, a equipe da pesquisa organizou as principais
formas de “pedido” de reexame das decisões judiciais contempladas no âmbito do CPP
de maneira sumarizada no Quadro 12.
Quadro 12 – Formas de solicitação do reexame de uma decisão no âmbito do processo penal De acordo com a matéria a que esta se aplica
Brasil, Código de Processo Penal & Constituição Federal, 2010 Figura jurídica Hipóteses em que este pode ser interposto Recurso em sentido estrito (art. 581 do CPP)
Este recurso pode ser interposto diante da decisão, despacho ou sentença: I – que não receber a denúncia ou a queixa; II – que concluir pela incompetência do juízo; III – que julgar procedentes as exceções, salvo a de suspeição; IV – que pronunciar o réu; (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008) V - que conceder, negar, arbitrar, cassar ou julgar inidônea a fiança, indeferir requerimento de prisão preventiva ou revogá-la, conceder liberdade provisória ou relaxar a prisão em flagrante; (Redação dada pela Lei nº 7.780, de 22.6.1989) VII - que julgar quebrada a fiança ou perdido o seu valor; VIII - que decretar a prescrição ou julgar, por outro modo, extinta a punibilidade; IX - que indeferir o pedido de reconhecimento da prescrição ou de outra causa extintiva da punibilidade; X - que conceder ou negar a ordem de habeas corpus; XI - que conceder, negar ou revogar a suspensão condicional da pena; XII - que conceder, negar ou revogar livramento condicional; XIII - que anular o processo da instrução criminal, no todo ou em parte; XIV - que incluir jurado na lista geral ou desta o excluir; XV - que denegar a apelação ou a julgar deserta; XVI - que ordenar a suspensão do processo, em virtude de questão prejudicial; XVII - que decidir sobre a unificação de penas; XVIII - que decidir o incidente de falsidade; XIX - que decretar medida de segurança, depois de transitar a sentença em julgado; XX - que impuser medida de segurança por transgressão de outra; XXI - que mantiver ou substituir a medida de segurança, nos casos do art. 774; XXII - que revogar a medida de segurança; XXIII - que deixar de revogar a medida de segurança, nos casos em que a lei admita a revogação; XXIV - que converter a multa em detenção ou em prisão simples.
Apelação (art. 593 do CPP)
Este recurso poderá ser interposto quando das sentenças definitivas de condenação ou absolvição proferidas por juiz singular; das decisões definitivas, ou com força de definitivas, proferidas por juiz singular e das decisões do Tribunal do Júri. No caso das decisões do tribunal do júri a apelação apenas é possível de ser interposta se: ocorrer nulidade posterior à pronúncia; for a sentença do juiz-presidente contrária à lei expressa ou à decisão dos jurados; houver erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou da medida de segurança ou for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos.
Embargos Infringentes
Este recurso pode ser interposto apenas em relação à segunda instância já que é cabível apenas quando não for unânime a decisão proferida pelos desembargados em
112 Art. 746. Da decisão que conceder a reabilitação haverá recurso de ofício.
187
(art. 609 do CPP)
desfavor do réu. Daí porque Souza (2003) considera que este é mais um dos recursos privativos da defesa.
Embargos de declaração (art. 619 do CPP)
Este recurso, ao contrário dos anteriores, apenas pode ser interposto diante da decisão de segunda instância, apenas quando nesta houver ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão.
Revisão criminal (art 621 do CPP)
De acordo com Souza (2003), este é um recurso que apenas é manejado pela defesa uma vez que o CPP estabelece que este é cabível apenas quando: a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos; a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos; após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.
Recurso extraordinário (art. 638 do CPP)
De acordo com o CPP, o recurso extraordinário apenas é cabível quando a decisão contrariar dispositivo constitucional e, por isso, este recurso será processado e julgado no Supremo Tribunal Federal na forma estabelecida pelo respectivo regimento interno.
Carta Testemunhável (art. 639 do CPP)
É cabível no âmbito da segunda instância diante da decisão que denegar o recurso ou da decisão que, admitindo o recurso, obstar à sua expedição e seguimento para o juízo ad quem, isto é, para o juízo de origem.
Habeas Corpus (art. 647 do CPP)
De acordo com Bonfim (2009), o Habeas Corpus é a ação impugnativa cabível sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar. O próprio CPP, em seu art. 648 estabelece os casos que podem ser considerados como coação ilegal. São estes: I - quando não houver justa causa (para a prisão ou continuidade desta); II - quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei; III - quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo; IV - quando houver cessado o motivo que autorizou a coação; V - quando não for alguém admitido a prestar fiança, nos casos em que a lei a autoriza; VI - quando o processo for manifestamente nulo; VII - quando extinta a punibilidade.
Recurso Especial
O Recurso Especial (REsp) é um recurso direcionado exclusivamente para o STJ. Seu cabimento está previsto no art. 105, III113, da Constituição Federal. Já o procedimento que deve ser seguido para sua interposição encontra-se disciplinado nos arts. 26 a 29
113 Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida: a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência; b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal;c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.
114 Art. 26 - Os recursos extraordinário e especial, nos casos previstos na Constituição Federal, serão interpostos no prazo comum de quinze dias, perante o Presidente do Tribunal recorrido, em petições distintas que conterão: I - exposição do fato e do direito; II - a demonstração do cabimento do recurso interposto; III - as razões do pedido de reforma da decisão recorrida. Parágrafo único - Quando o recurso se fundar em dissídio entre a interpretação da lei federal adotada pelo julgado recorrido e a que lhe haja dado outro Tribunal, o recorrente fará a prova da divergência mediante certidão, ou indicação do número e da página do jornal oficial, ou do repertório autorizado de jurisprudência, que o houver publicado. Art. 27 - Recebida a petição pela Secretaria do Tribunal e aí protocolada, será intimado o recorrido, abrindo-se-lhe vista pelo prazo de quinze dias para apresentar contra-razões. § 1º - Findo esse prazo, serão os autos conclusos para admissão ou não do recurso, no prazo de cinco dias. § 2º - Os recursos extraordinário e especial serão recebidos no efeito devolutivo. § 3º - Admitidos os recursos, os autos serão imediatamente remetidos ao Superior Tribunal de Justiça. § 4º - Concluído o julgamento do recurso especial, serão os autos remetidos ao Supremo Tribunal Federal para apreciação do recurso extraordinário, se este não estiver prejudicado. § 5º - Na hipótese de o relator do recurso especial considerar que o recurso extraordinário é prejudicial daquele em decisão irrecorrível, sobrestará o seu
188
da lei 8.038/90114. Este é o recurso cabível quando a decisão contra a qual se recorre contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência; julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal; der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal. Em suma, o Recuso Especial serve para discutir questões cujo problema esteja estritamente ligado a qualquer lei federal, mas desde que este problema não seja afeto à constituição (para essas questões usa-se o Recurso Extraordinário para o STF). Por outro lado, é importante destacar ainda que um requisito essencial do REsp é o pré-questionamento anterior da matéria na decisão recorrida. Assim, o tribunal que proferiu a primeira decisão deve ser demandado a se posicionar sobe o tema controverso. Apenas após este ter se manifestado sobre o tema e somente se ele se manifestar é que cabível o REsp (caso o tribunal não se manifeste, é possível a interposição de embargos de declaração)115.
Fonte: Código de Processo Penal Atualizado
No que se refere especificamente ao Habeas Corpus, é importante destacar
alguns pontos. Em primeiro lugar, destaca-se que esta figura jurídica por vezes aparece
relacionada nos manuais de direito como um recurso, mas diversos doutrinadores
entendem que o Habeas Corpus é um remédio constitucional e não um recurso estrito
senso, como é o caso da Apelação. Daí porque diversos autores, como Bonfim (2009),
entendem que o Habeas Corpus apresenta natureza jurídica de ação impugnativa de
uma dada decisão judicial.
julgamento e remeterá os autos ao Supremo Tribunal Federal, para julgar o extraordinário. § 6º - No caso de parágrafo anterior, se o relator do recurso extraordinário, em despacho irrecorrível, não o considerar prejudicial, devolverá os autos ao Superior Tribunal de Justiça, para o julgamento do recurso especial. Art. 28 - Denegado o recurso extraordinário ou o recurso especial, caberá agravo de instrumento, no prazo de cinco dias, para o Supremo Tribunal Federal ou para o Superior Tribunal de Justiça, conforme o caso. § 1º - Cada agravo de instrumento será instruído com as peças que forem indicadas pelo agravante e pelo agravado, dele constando, obrigatoriamente, além das mencionadas no parágrafo único do art. 523 do Código de Processo Civil, o acórdão recorrido, a petição de interposição do recurso e as contra-razões, se houver. § 2º - Distribuído o agravo de instrumento, o relator proferirá decisão. § 3º - Na hipótese de provimento, se o instrumento contiver os elementos necessários ao julgamento do mérito do recurso especial, o relator determinará, desde logo, sua inclusão em pauta, observando-se, daí por diante, o procedimento relativo àqueles recursos, admitida a sustentação oral. § 4º - O disposto no parágrafo anterior aplica-se também ao agravo de instrumento contra denegação de recurso extraordinário, salvo quando, na mesma causa, houver recurso especial admitido e que deva ser julgado em primeiro lugar. § 5º - Da decisão do relator que negar seguimento ou provimento ao agravo de instrumento, caberá agravo para o órgão julgador no prazo de cinco dias. Art. 29 - É embargável, no prazo de quinze dias, a decisão da turma que, em recurso especial, divergir do julgamento de outra turma, da seção ou do órgão especial, observando-se o procedimento estabelecido no regimento interno.
115 Algumas súmulas do STJ aplicáveis ao REsp (em matéria penal): 211 – É inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo; 207 - É inadimissível recurso especial quando cabíveis embargos infringentes contra o acórdão proferido no Tribunal de origem; 126 - É inadmissível recurso especial, quando o acórdão recorrido assenta em fundamentos constitucional e infraconstitucional, qualquer deles suficiente, por si só, para mantê-lo, e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário; 123 - A decisão que admite, ou não, o recurso especial, deve ser fundamentada, com o exame dos seus pressupostos gerais e constitucionais.
189
Em segundo lugar, de acordo com Grinover et al (2004), o uso do Habeas
Corpus é muito freqüente por propiciar o reexame de qualquer tipo de provimento e em
razão da celeridade e simplicidade de seu procedimento, bem como pela possibilidade
de sua utilização preventiva, impedindo qualquer ameaça ao cerceamento da liberdade
de locomoção. No entanto, apesar de seu uso freqüente, é preciso cautela ao se afirmar
que isso ocorre por ser esta ação impugnativa mais célere que os demais recursos
existentes no âmbito do processo penal. Isso porque, tal como destacado por Oliveira
(2004), “nos dias atuais, como regra na grande maioria dos tribunais brasileiros, o
processo de Habeas Corpus tem demorado muito para ser julgado, ou seja, negada a
liminar, a prisão se efetivará ou perdurará por, no mínimo três ou quatro meses (ou
ainda mais)”.
Mesmo assim, diante da possibilidade que os operadores do direito têm em
manejar o Habeas Corpus sempre que da presença do fumus boni júris – “fumaça do
bom direito” 116 – e do periculum in mora – “perigo na demora” 117 (Oliveira, 2004) – é
de se esperar que este seja o mecanismo mais utilizado para questionamento das leis em
análise.
Isso porque o desrespeito aos dispositivos alterados por esta legislação, quando
estes se encontram em consonância com os princípios constitucionais que estruturam o
ordenamento jurídico brasileiro, implica verdadeira lesão ao sistema de garantias do
acusado118. Em um cenário como este, com o objetivo de se garantir que todas as
decisões judiciais consubstanciem o ideal do bem julgar (Garapon, 1997), fazendo do
judiciário o garantidor das promessas inscritas na letra inanimada da lei (Souza Santos,
1997), o Habeas Corpus termina por se consubstanciar no instrumento mais propício à
116 Diz-se quando existem indícios suficientes para crer que o pretendente tem direito ao julgamento pretendido.
117 Diz-se quando a demora na prestação judicial pode inutilizar a demanda jurídica solicitada.
118 Tal como disposto na Constituição Federal, Art. 5º “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. Ainda no âmbito deste artigo a constituição federal estabeleceu expressamente em seu inciso XXXV que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” e, por isso, tal como disposto no Inciso XXXVI – “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Contudo, caso aconteça de a aplicação de uma dada lei implicar em lesão ou ameaça a direito ou ainda caso a nova lei prejudique direito adquirido, ato jurídico perfeito ou coisa julgada, de maneira violenta ou que resulte em coação a liberdade de alguém, o mesmo art. 5º estabelece a possibilidade de se manejar o Habeas Corpus para evitarem-se tais violações, ao prever em seu inciso LXVIII que “conceder-se-á "habeas-corpus" sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”.
190
garantia de que todos os tribunais julguem bem as causas que chegam ao seu
conhecimento (Souza 2003).
Os dados coletados pela pesquisa confirmam esta hipótese, sendo o Habeas
Corpus a ação impugnativa mais utilizada como mecanismo para evitar que as
interpretações dos juízes acerca de como as Leis 11.719/08 e 11.689/08 devem ser
aplicadas venham a se tornar coações ilegais ou lesões a garantias constitucionais. A sua
presença, em relação aos demais recursos ou ações impugnativas, que objetivam
reexaminar a aplicação dos novos procedimentos penais, nos tribunais brasileiros, é
numericamente e proporcionalmente superior (Tabela 32).
Tabela 32 – Natureza das figuras jurídicas utilizados para a discussão das Leis 11.719/08 e 11.689/08 Brasil - setembro de 2008 a setembro de 2009 – por lei
Figura jurídica Lei 11.719/08 Lei 11.689/08 Total (%) Habeas Corpus 302 69 61,5% Apelação 105 8 18,7% Recurso em Sentido Estrito 47 29 12,6% Recurso Ex Ofício 1 19 3,3% Agravo de Instrumento 2 4 1,0% Correição Parcial 2 4 1,0% Mandado de Segurança 2 4 1,0% Recurso Especial 2 2 0,7% Revisão Criminal 0 1 0,2% Total 463 140 100,0% Fonte: Dados da pesquisa
De acordo com os dados sumarizados pela Tabela 32, os institutos utilizados
para discussão das interpretações realizadas pelos juízes em relação à forma de
aplicação das leis 11.719/08 e 11.689/08 pelos tribunais são, prioritariamente, os
seguintes: Habeas Corpus (61,5% do total) Apelação (18,7% do total), Recurso em
Sentido Estrito (12,6% do total) e Recurso Ex Ofício (3,3% do total). As demais figuras
jurídicas listadas no Quadro 12 são pouco utilizadas (juntas somam apenas 3,8% do
total de casos considerados como válidos).
Conforme já salientado, a facilidade e generalidade de impetração do Habeas
Corpus – relativamente às demais ações de natureza penal – pode justificar sua
preponderância quantitativa quando da análise do mecanismo jurídico utilizado para
questionamento da forma de aplicação das referidas leis. 119
Contudo, resta ainda saber qual é o conteúdo das discussões apresentadas no
julgamento desses recursos, ações impugnativas e outras medidas das quais os
119 Resultado semelhante foi encontrado por Boiteux et al (2009) quando da análise da classe dos processos que discutem a forma da aplicação do art.33 da nova lei de drogas.
191
operadores do direito lançaram mão para rechaçar uma dada interpretação das leis
11.719/08 e 11.689/08.
Para responder a esta questão, foi utilizada a coluna “matéria discutida”
existente na tabela que orientou a coleta das informações. A análise desta coluna de
acordo com os critérios estabelecidos (temas apresentados nas decisões e temas
apresentados como controversos na doutrina) permitiu que as decisões fossem
agrupadas em 19 palavras chaves.
É importante destacar que a classificação das decisões dentro de uma dada
matéria, tal como destacado anteriormente, foi realizada de maneira exclusiva nesta
coluna considerando o principal tema tratado na decisão. Isso significa que para esta
classificação não foi considerada a discussão de mais de um tema numa mesma decisão.
Ou seja, cada julgado foi classificado de maneira única e exclusiva em uma matéria
discutida.
As matérias adicionalmente discutidas em uma mesma decisão, tal como
explicitado nas páginas precedentes, foram classificadas em outra variável, a qual,
contudo não foi utilizada nesta análise. No entender da equipe, estas 19 matérias
discutidas parecem ilustrar as principais questões controversas no processo de aplicação
das Leis 11.719/08 e 11.689/08 (Tabela 33).
Tabela 33 – Número de decisões coletadas de acordo com cada uma das palavras chaves utilizadas como critério de indexação e em consonância com a lei objeto de questionamento
Brasil - setembro de 2008 a setembro de 2009 – por lei
Assunto Lei
11.719/08 Lei
11.689/08 Total Excesso de Prazo 117 25 142 Ausência de Justa Causa para Prisão Cautelar 84 16 100 Identidade Física do Juiz 58 2 60 Aplicação do Novo Procedimento - Direito Intertemporal 35 22 57 Nulidade Processual 50 6 56 Cerceamento de Defesa – Audiência una 33 10 43 Absolvição Sumária 14 13 27 Ausência de justa causa para exercício da ação penal 26 0 26 Critérios de Fixação de Quantum Indenizatório 21 0 21 Reexame necessário revogado pela Lei 11.689 0 17 17 Critérios de Pronúncia 1 15 16 Mutatio / Emendatio Libelli 10 0 10 Suspensão Condicional do Processo 10 0 10 Recurso em Sentido Estrito Recebido como Apelação 0 6 6 Uso de algemas 2 4 6 Suspeição de Jurado 0 2 2 Protesto por novo júri 0 2 2 Pedido de novo julgamento 1 0 1 Pedido de Produção de Prova através de meio magnético 1 0 1 Total 463 140 603 Fonte: Dados da pesquisa
192
De acordo com a Tabela 34, algumas questões apareceram apenas no âmbito de
uma dada lei, enquanto outras apareceram no âmbito das duas leis. Isso se deve ao fato
de que apesar de ambas as legislações visarem a simplificação dos procedimentos
penais, a Lei 11.689/08 o fez no âmbito do procedimento júri e a Lei 11.719/08 o fez no
âmbito do procedimento ordinário. Assim, por serem os ritos distintos, os
procedimentos e os seus institutos em alguns pontos também o são e, por isso, nem
sempre os pontos mais controversos em uma legislação o são na outra.
Contudo, quatro temas apareceram com freqüência nas decisões de grau recursal
de ambas as legislações, quais sejam: excesso de prazo, ausência de justa causa para a
prisão cautelar, momento de aplicação do novo procedimento e cerceamento do direito
de defesa. Estes podem ser considerados, então, em alguma medida, como os pontos
mais polêmicos da reforma, posto que além de presentes em grande número no total de
decisões mapeadas, também aparecem em grande número no total de decisões mapeadas
para cada lei.
De maneira gráfica, o total de decisões coletadas pela pesquisa pode ser
classificado percentualmente de acordo com o tema da seguinte maneira (Gráfico 10):
Gráfico 10 - Percentual de decisões de acordo com cada uma das palavras utilizadas como critério de indexação
Brasil - setembro de 2008 a setembro de 2009
Fonte: Dados da pesquisa
193
A partir do Gráfico 10 foi ainda estabelecido o critério para análise dos temas do
ponto de vista qualitativo. Neste sentido, o ponto de corte adotado foi a temática possuir
pelo menos 1% de referências considerando o total de decisões coletadas e validadas
para análise na pesquisa. Isso porque, menos de 1% significa que o tema foi tratado por
apenas um ou duas decisões em um dos 25 tribunais incluídos neste estudo e, por isso,
esta pode ser até uma questão interessante do ponto de vista doutrinário, mas não se
apresenta como controversa do ponto de vista de administração do sistema de justiça
criminal.
Assim, foram temas excluídos da análise quantitativa: Suspeição de Jurado;
Protesto por novo júri; Pedido de novo julgamento; Pedido de Produção de Prova
através de meio magnético. Optou-se pela exclusão desses temas em razão do pequeno
número de decisões que se enquadravam nesta categoria. Caso estas fossem incluídas,
estar-se-ia fazendo, praticamente, uma análise de caso em detrimento de uma análise
dos pontos controversos da aplicação das Leis 11.719/08 e 11.689/08.
Para garantir que esta decisão não excluiria temáticas que poderiam ser as únicas
abordadas no âmbito de cada tribunal, foi criado ainda um gráfico que elencava os
tribunais em razão do número de matérias tratadas (considerando os temas mapeados).
Com isso foi possível perceber que apenas o tribunal do Mato Grosso do Sul
chegou a analisar apenas um dos temas que apareceram neste mapeamento de
jurisprudências, sendo esta análise relacionada ao cerceamento do direito de defesa
(Gráfico 11).
194
Gráfico 11 – Número de temáticas analisadas nas decisões relacionas às Leis 11.719/08 e 11.689/08 de acordo com os tribunais mapeados
Brasil - setembro de 2008 a setembro de 2009
Fonte: Dados da pesquisa
Por outro lado, o Gráfico 11 permitiu que os tribunais fossem classificados em
termos de variedade de matérias que esses analisam no grau recursal no que se refere
aos dispositivos das Leis 11.719/08 e 11.689/08. Primeiro, foi possível constatar que
nenhum dos tribunais foi questionado em todas as temáticas mapeadas, o que parece
indicar que nem sempre os tribunais estão simultaneamente discutindo as mesmas
questões.
Segundo, também foi possível averiguar que nem sempre o tribunal com maior
número de decisões em absoluto é também o tribunal que analisa o maior número de
temas (Gráfico 12). Por exemplo, o STJ apesar de possuir 87 decisões relacionadas às
novas leis, analisou apenas 9 dos temas mapeados. Por outro lado, o Tribunal de Justiça
do Estado do Rio Grande do Sul, apesar de possuir 66 dessas decisões, trabalhou com
13 dos temas mapeados. Ou seja: nem sempre possuir um grande número de decisões
significa que o tribunal esteja discutindo “muito” a reforma, já que além do número de
decisões proferidas é preciso se levar em consideração também a diversidade de
questões analisadas.
Gráfico 12 – Número de decisões proferidas em grau de recurso e número de temas tratados no âmbito da reforma, de acordo com o tribunal analisado
195
Brasil - setembro de 2008 a setembro de 2009
Fonte: Dados da pesquisa
Também a partir da análise do Gráfico 12, foi possível perceber que, em média,
os tribunais proferem em grau de recursos três decisões para cada um dos temas
mapeados no âmbito deste estudo. Assim, o critério de se analisar uma temática apenas
se ela possuísse pelo menos 1% do total de casos válidos parece corroborado, já que,
com exceção do tema critérios para a pronúncia (que possuía 4 decisões), todas as
demais temáticas excluídas possuíam menos de 3 decisões classificadas como tal.
Por outro lado, foram temas incluídos na análise qualitativa a ser processada na
seção seguinte: Recurso em Sentido Estrito Recebido como Apelação; Uso de algemas;
Mutatio / Emendatio Libelli; Suspensão Condicional do Processo; Critérios de
pronúncia; Reexame necessário revogado pela Lei 11.689/08; Critérios de Fixação de
Quantum Indenizatório; Ausência de Justa Causa para Recebimento da Denúncia;
Absolvição Sumária; Nulidade Processual; Cerceamento de Defesa / Audiência Una;
Aplicação do Novo Procedimento - Direito Intertemporal; Identidade Física do Juiz;
Ausência de Justa Causa para Prisão Cautelar; Excesso de Prazo.
A seção seguinte apresenta uma análise crítica das matérias selecionadas e do
seu significado dentro da reforma empreendida no âmbito do processo penal brasileiro
pelas leis 11.719/08 e 11.689/08.
196
IV.4.1 - Excesso de prazo
No entender de Lopes Júnior e Badaró (2009: 131), o direito a ser julgado em
um prazo razoável nasceu da constatação de que o processo que se prolonga
indevidamente conduz a distorções na forma como a justiça funciona por imputar ao
acusado um tempo além do necessário para recebimento da prestação jurisdicional.
Por outro lado, em momentos de reforma, é importante atentar para o fato de que
uma aceleração exacerbada do processo pode se consubstanciar em uma medida
antigarantista, na medida em que encurta a possibilidade de uma ampla defesa. Isso
porque, no caso de a legislação estabelecer um curto prazo de duração do processo,
impede-se que o imputado possa exercer todas as faculdades próprias de um processo
penal adequado a um cenário democrático.
Em suma, uma legislação eminentemente democrática, do ponto de vista do
processo penal, deve se equilibrar no meio de dois extremos: a aceleração antigarantista
e a dilação indevida. Apenas evitando estes extremos é que o legislador será capaz de
garantir a duração razoável do processo sem lesar as garantias constitucionais do
acusado (Dotti, 1995).
Isso posto, cumpre discutir o que era um prazo razoável na legislação processual
penal original e o que a reforma de 2008 passou a considerar como tal.
De acordo com a própria exposição de motivos das Leis 11.719/08 e 11.689/08 o
fim maior destas foi agilizar o processo penal, tornando-o mais eficiente, do ponto de
vista do seu tempo de duração. Logo, é natural que seja exatamente essa intenção que
provoque maior controvérsia entre os operadores do direito no momento de sua
aplicação.
Antes de iniciar a discussão de como esta controvérsia pode ser apreendida a
partir das decisões proferidas pelos diversos tribunais brasileiros, cumpre, no entanto,
destacar o fato de que as inovações se concentraram no que a doutrina denomina fase
judicial propriamente dita, sem alterar nem os procedimentos nem os tempos de duração
do inquérito policial, o qual, na tradição brasileira, é de natureza administrativa e, por
isso, fase pré-processual. 120
120 De acordo com Lopes (2007), apesar de a legislação estabelecer que o inquérito policial não passa de “simples peça de informação”, na realidade dos tribunais este documento possui uma dimensão muito maior e, por isso, o autor afirma que “talvez a investigação criminal até seja mera peça informativa, mas
197
Por outro lado, como o tempo de duração do procedimento do Tribunal do Júri
(regulamentado pela Lei 11.689/08) é distinto do tempo de duração do procedimento
ordinário (regulamentado pela Lei 11.719/08) achou-se por bem dividir esta seção em
duas partes. A primeira discute o excesso de prazo no âmbito do primeiro rito citado,
enquanto a segunda discute o excesso de prazo no âmbito do segundo.
Esta divisão também faz sentido do ponto de vista empírico, pois considerando
as 603 decisões que estão sendo analisadas neste capítulo, das 142 classificadas como
discutindo o excesso de prazo, apenas 25 se referem à Lei 11.689/08. Interessante
destacar ainda que, independente do tribunal analisado, no que se refere à temática
“excesso de prazo” a maioria das decisões analisadas tem mesmo como base a Lei
11.719/08 (Tabela 34).
apenas para aqueles que não figurem como suspeitos da prática de uma infração penal, posto que para os investigados, certamente, ela não o é”. Exatamente por isso, inúmeros doutrinadores têm questionado o fato de que a reforma de 2008 sequer tocou em institutos tão basilares como o inquérito policial, o qual, inclusive, muitas vezes, é o maior responsável pela duração excessiva do processo. No entanto, cumpre destacar que na sistemática atual o inquérito policial ainda é atividade pré-processual e, por isso, muitas vezes, o seu tempo não é computado como duração do processo, posto que este se inicia com a denúncia.
198
Tabela 34 – Quantitativo de decisões classificadas como “excesso de prazo” por tribunal e por lei analisada
Brasil - setembro de 2008 a setembro de 2009 Tribunal Lei 11.719/08 Lei 11.689/08 Total TJ/SP 42 2 44 STJ 14 5 19 TJ/GO 10 4 14 TJ/PA 8 0 8 TJ/PR 8 0 8 TJ/RS 3 4 7 TJ/MA 6 0 6 TJ/SE 3 3 6 TJ/MG 4 0 4 TJ/MT 4 0 4 TJ/PE 2 2 4 STF 3 0 3 TRF3 3 0 3 TRF4 1 2 3 TJ/ES 1 1 2 TJ/RN 2 0 2 TRF2 1 1 2 TJ/CE 1 0 1 TJ/SC 1 0 1 TRF5 0 1 1 Total 117 25 142 Fonte: Dados da pesquisa.
De acordo com Lopes Júnior e Badaró (2009), na sistemática do CPP de 1941 o
procedimento do júri não possuía prazos muito bem definidos e, em boa medida, tanto a
doutrina como os operadores do direito terminavam por contabilizar parte dos prazos
prescritos para o procedimento ordinário como prazos prescritos também para o
procedimento do júri.
No entanto, com a edição da Lei 11.689/08, o procedimento do júri ganhou não
apenas uma sistemática específica, como ainda prazos delimitados e distintos dos prazos
do procedimento ordinário. Do ponto de vista da duração razoável do processo, a grande
novidade é a previsão do prazo de 90 dias para conclusão da sua primeira fase. 121
Por outro lado, ao contrário do que ocorria na sistemática anterior, não há
distinção de prazos entre réu preso e réu solto, sendo que em ambos os casos, a decisão
que decide pela pronúncia (ou não) do suspeito deverá ocorrer em até 90 dias a partir do
recebimento da denúncia pelo juiz. 122
121 Art. 412. O procedimento será concluído no prazo máximo de 90 (noventa) dias.
122 Mesmo porque é a partir do recebimento da denúncia (art. 406) que se inicia a contagem do prazo para que o juiz ou absolva sumariamente ou mande citar o réu para responder a acusação que lhe é feita.
199
Concomitante com este dispositivo tem-se que o art. 428 do CPP 123 estabeleceu
a possibilidade de desaforamento 124 quando tiverem transcorrido mais de seis meses do
trânsito em julgado da pronúncia.
Portanto, quando se interpreta sistematicamente o art. 412 com o art. 428 do
CPP, tem-se que o prazo máximo para duração do processamento dos casos de
competência do júri é de 270 dias ou nove meses (90 dias até a pronúncia e 180 dias
entre a pronúncia e a decisão do júri).
Considerando este arcabouço normativo, indaga-se: quais são as questões
polêmicas relacionadas ao excesso de prazo no âmbito desta lei?
A análise dos julgados denotou que os tribunais têm se posicionado em dois
extremos. De um lado, há aqueles que têm procurado implementar a nova disposição,
impedindo que o acusado tenha o seu direito constitucional à razoável duração do
processo violado. Neste sentido, tem-se o Desaforamento n° 990.08.091069-8, julgado
pelo TJ/SP.
Esta decisão analisou um pedido de desaforamento em virtude da data de
julgamento ter sido marcada para três anos após a pronúncia. Em virtude das alterações
trazidas pela Lei 11.689/08 este pedido foi deferido nos seguintes termos:
Julgamento designado para data superior a três anos do trânsito em julgado da
decisão de pronúncia. Ofensa ao art. 428 do CPP; _ com a redação dada pela Lei n°
11.689/08. Partes que não concorreram para a demora. Excesso de serviço que
impede o julgamento no prazo legal. Desaforamento deferido”
No entanto, em posição diametralmente oposta, tem-se a decisão do STJ que ao
analisar o pedido de HABEAS CORPUS Nº 123.058, proveniente de caso julgado pelo
Tribunal de Justiça da Bahia, afirmou que os prazos prescritos pela nova lei não
poderiam ser aplicados sem uma análise do caso concreto, posto que “a razoável
duração do processo não se mede por valores pré-definidos, mas sim por uma
morosidade excessiva, cabendo ao juiz fazer um juízo de proporcionalidade”. No
entanto, como o referido tribunal não informa em sua decisão quais são as balizas que o 123 Art. 428. O desaforamento também poderá ser determinado, em razão do comprovado excesso de serviço, ouvidos o juiz presidente e a parte contrária, se o julgamento não puder ser realizado no prazo de 6 (seis) meses, contado do trânsito em julgado da decisão de pronúncia.
124 O desaforamento é o deslocamento de um processo de competência do Tribunal do Júri, já iniciado, de um foro para outro, transferindo-se para este a competência para o seu julgamento, o qual deve ocorrer imediatamente.
200
juiz deve se utilizar nesta proporcionalidade não foi possível inferir o que este tribunal
entende como razoável duração do processo.
Ou seja, as decisões coletadas neste quesito (excesso de prazo e Lei 11.689/08)
denotam que a razoabilidade do tempo de duração dos processos de competência do
júri, apesar de claramente inscrita na lei, pode ou não ser aplicada pelos tribunais
dependendo do entendimento que esses possuem do que é um prazo razoável. Os
advogados de defesa têm pleiteado o cumprimento dos novos prazos impetrando
recursos e ações impugnativas. Diante destes questionamentos, alguns juízes têm
deferido os referidos pedidos, outros têm denegado, sustentando que esses prazos não
são mandatórios e, por isso, podem ser flexibilizados dependendo das circunstâncias do
caso.
E o que dizer da controvérsia sobre a duração do procedimento ordinário? De
acordo com os prazos estabelecidos pela Lei 11.719/08 desde o registro inicial do crime
pela polícia até a sentença que encerra o procedimento em primeira instância estão
previstos 120 dias (Lopes Júnior e Badaró, 2009: 146).
Quando questionados sobre esta questão, o posicionamento dos tribunais tende a
ser bastante diverso, dependendo essencialmente do caso em tela. Alguns deferem os
pedidos imediatamente, afirmando que o direito à razoável duração do processo (cuja
métrica é a estabelecida pelo CPP) não pode ser violado pelas cortes, posto ser este uma
garantia constitucional do acusado:
“HABEAS CORPUS. Prisão. Excesso de prazo. Não atribuível ao paciente. princípio
da razoabilidade. Inaplicabilidade. Ordem deferida. Constatado o excesso de prazo
para a conclusão da instrução criminal, não atribuível a defesa, impõe a concessão
do writ e a imediata soltura do réu, pois a duração razoável do processo é uma
garantia fundamental (inc. LXXVIII do artigo quinto da CF), que assume ainda mais
relevância nos processos criminais com a edição da lei n. 11.719/08.” (TJGO,
Segunda Câmara Criminal, Habeas Corpus 35020-1/217, Rel. Des. Carlos Alberto
Franca)
Em outras situações, os tribunais relativizam as regras das leis e as interpretam
sob a perspectiva de que os tempos prescritos pelos códigos são meros guidelines para
os operadores do direito, que sempre podem estendê-los de acordo com a realidade do
caso concreto.
201
Na hipótese, não se vislumbra, ao menos nessa etapa, em juízo cautelar, o alegado
constrangimento de que estaria sendo vítima a paciente, eis que a Corte impetrada
destacou haver a ação penal adquirido regular andamento após iniciais vicissitudes
enfrentadas pelo Juízo processante, tendo sido os réus citados em 3-9-2008 para
apresentação das respectivas respostas escritas à acusação, consoante o novo rito
trazido na Lei n. 11.719/08. Apontou também que a pluralidade de denunciados
demanda um maior intervalo para a prática dos atos processuais (fls. 34/35).
Ademais, a motivação que dá suporte ao pedido confunde-se com o mérito do writ,
devendo a questão ser analisada mais detalhadamente quando da apreciação e
julgamento definitivos do remédio constitucional. Diante do exposto, indefere-se a
liminar.” HABEAS CORPUS Nº 126.318 - PE (2009/0009608-4) STJ
Mas, o que a análise qualitativa destas decisões denota em termos da matéria
excesso de prazo? Primeiro, que os advogados têm pleiteado o respeito aos prazos
estabelecidos pelo CPP no âmbito das duas leis, sendo tal questionamento mais
freqüente no âmbito da Lei 11.719/08 por ser este o rito que se aplica à maioria dos
crimes existentes no Código Penal Brasileiro.
Segundo, os tribunais têm se valido do princípio da independência dos juízes e
defendido que “o prazo para a instrução criminal não é absoluto, podendo ser
razoavelmente prolongado diante do caso concreto” (HABEAS CORPUS Nº 126.028 –
MG, julgado pelo STJ).
Terceiro, as novas regras processuais, ao contrário do que muitos doutrinadores
têm afirmado, ampliaram o prazo de duração do procedimento, especialmente o
ordinário. Tanto é assim que em algumas decisões analisadas o pedido do advogado
fora denegado porque este “se baseara, provavelmente, em antigo entendimento
doutrinário e jurisprudencial de 81 dias para encerramento da instrução criminal.
Entendimento este que não mais se coaduna com o ditado pela lei 11.719/08, que
regulamentou o prazo da instrução criminal em 120 dias” (Recurso em Sentido Estrito
10528-1/220 – TJ/GO).
Portanto, as novas regras deixaram mais claro para o acusado que se ele estiver
sendo processado por crime doloso contra a vida o seu processo deve ser encerrado em
270 dias a contar da data do recebimento da denúncia. Isso significa que o acusado tem
agora em suas mãos regras temporais claras para questionar o excesso de prazo.
Contudo, para os casos que se sujeitam ao procedimento ordinário ainda existe
controvérsia quanto aos 120 dias, posto que a doutrina (Lopes Júnior e Badaró, 2009)
202
computa este valor levando em consideração o tempo de duração da fase policial e
como se esta pudesse durar sempre 10 dias, o que não é o caso, posto que este é o prazo
processual para o réu preso.
De acordo com Dezen (2008), as hipóteses nas quais estas flexibilizações dos
novos prazos podem ocorrer já se encontram prescritas nos tratados internacionais dos
quais o Brasil é signatário, as quais se referem, basicamente, a situações excepcionais.
Com base nestes tratados, estabeleceu-se, então, a chamada doutrina dos três critérios
sobre o tema. Isso significa que há três critérios que devem ser considerados para a
verificação da indevida duração do processo: complexidade do caso; conduta processual
do acusado; conduta das autoridades judiciárias.
A complexidade do caso não é como aquela advinda da profundidade da questão
jurídica abarcada, mas sim o complexo trabalho de produção de provas, que
demanda dilação excepcionalmente maior. A anormal conduta processual do
acusado, que permite a ultrapassagem do prazo estabelecido, não se confunde com a
regular produção da prova — eis que a possibilidade de participar da produção da
prova é inerente ao contraditório — mas sim com a excepcional necessidade de
provas especialmente demoradas como perícias incomuns ou expedição de cartas
rogatórias. Como conduta da autoridade judiciária deve ser ponderada não só apenas
a iniciativa do juiz na condução célere do feito, como também dos demais
envolvidos no trâmite do processo, como a procrastinação do feito pela acusação, ou
a incapacidade da estrutura do juízo em dar cumprimento célere aos atos processuais
determinados.
Desta forma, importa dizer que para a doutrina o excesso de prazo apenas é
justificado se o caso apresenta os três critérios acima destacados. No entanto, como
estes critérios encontram-se, na realidade, contemplados na Teoria dos Três Critérios
criada pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos e que se aplica no Brasil (Dezen,
2008), talvez uma forma de aumentar as garantias constitucionais do acusado neste
sentido, seria a inserção destes três critérios de maneira explícita na legislação
processual penal brasileira.
Outra questão que deveria ser deixada mais clara é o prazo para encerramento da
segunda fase do júri já que o entendimento da aplicabilidade dos 6 meses é dado por
analogia ao desaforamento, que é medida excepcional admitida quando o “juiz natural
da causa” não consegue implementar o prazo prescrito em lei.
203
Já no caso do procedimento ordinário, uma proposta seria a criação de um artigo
que estabelecesse de maneira explícita o tempo de duração desta fase, mais de acordo
com a mesma regra de contagem do prazo da primeira fase do rito do júri. Ou o
estabelecimento de um artigo que firmasse a aplicabilidade do art. 412 para o
procedimento ordinário, inclusive no que se refere à possibilidade de extensão do prazo
prescrito.
Com a inserção de tais dispositivos na atual sistemática processual penal
brasileira acredita-se que o acusado terá maiores garantias no que se refere ao direito de
ter o seu processo encerrado em um prazo razoável e, com isso, evitar-se-á ainda o
grande número de recursos pleiteando a aplicação destes dispositivos.
IV.4.2 - Ausência de Justa Causa para Continuidade da Prisão Cautelar
Conforme salientado por Lopes Júnior (2000), as medidas cautelares de natureza
processual penal buscam garantir o normal desenvolvimento do processo e eficaz
aplicação do direito de punir ao possibilitar, por exemplo, a prisão do acusado para
garantia da instrução criminal. O que se pretende com uma medida como esta é
possibilitar o regular desenrolar do processo, especialmente no campo probatório.
As inovações introduzidas pelas Leis 11.719/08 e 11.689/08 tiveram como
mérito obrigar os operadores da justiça a justificarem de maneira pormenorizada porque
o réu deve ser excepcionalmente privado de sua liberdade, no momento da pronúncia,
enquanto aguarda a sentença que determinará o seu recolhimento ao cárcere de maneira
definitiva (isto é, após o trânsito em julgado da sentença).
Por ser a “ausência de justa causa para a continuidade da prisão cautelar” um
tema afeto às duas legislações, o quantitativo das suas decisões pode se distribuir de
maneira diversificada entre as leis. Assim, para se verificar a quantidade de decisões
que cada tribunal tem proferido dentro de cada uma das legislações no que se refere ao
tema em questão, tem-se a Tabela 35.
Tabela 35 – Quantitativo de decisões classificadas como “ausência de justa causa para a prisão cautelar” por tribunal e por lei analisada
Brasil - setembro de 2008 a setembro de 2009 Tribunal Lei 11.719/08 Lei 11.689/08 Total STJ 13 7 20 TJ/SP 14 0 14 TRF3 11 0 11 TJ/MG 10 0 10
204
TJ/PA 7 1 8 TJ/RS 5 2 7 TJ/GO 4 2 6 TRF1 4 0 4 STF 3 0 3 TJ/CE 2 1 3 TJ/RN 2 1 3 TJ/PE 1 1 2 TJ/PR 2 0 2 TJ/SC 1 1 2 TRF2 2 0 2 TJ/MA 1 0 1 TJ/MT 1 0 1 TRF4 1 0 1 Total 84 16 100 Fonte: Dados da pesquisa.
Mais uma vez, a Lei 11.719/08 recebeu mais questionamentos que a Lei
11.689/08 no que se refere a um tema polêmico no âmbito das novas leis. No âmbito da
Lei 11.689/08, a maioria dos questionamentos à ausência de justa causa para a prisão
cautelar diz respeito ao fim da possibilidade da prisão por pronúncia, que na sistemática
anterior era automática – apesar de tal dispositivo ter sido considerado como não-
recepcionado pela Constituição Federal de 1988 – e agora, de acordo com o §3º do art.
413125 deve ser fundamentada. Esta era uma mudança há muito desejada, uma vez que a
regra é a liberdade do acusado, sendo a prisão, quando ainda da instrução, medida
excepcional e, por isso, justificada apenas em circunstâncias nas quais a liberdade do
acusado traz prejuízos para o bom andamento do processo, nos termos do artigo 312 do
CPP. 126
Neste ínterim, no âmbito da Lei 11.689/08, as decisões mapeadas apontam no
sentido de que os questionamentos solicitam que os juízes fundamentem o porquê de se
manter o acusado privado de sua liberdade quando da pronúncia. Exemplo desta
situação é o Habeas Corpus 2009.0002.1871-0/0, impetrado junto ao Tribunal de
125 Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação. § 1o A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena. § 2o Se o crime for afiançável, o juiz arbitrará o valor da fiança para a concessão ou manutenção da liberdade provisória. § 3o O juiz decidirá, motivadamente, no caso de manutenção, revogação ou substituição da prisão ou medida restritiva de liberdade anteriormente decretada e, tratando-se de acusado solto, sobre a necessidade da decretação da prisão ou imposição de quaisquer das medidas previstas no Título IX do Livro I deste Código.
126 Art. 312: a prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.
205
Justiça do Ceará em face de decisão que decretou a prisão cautelar do acusado, sem
obedecer ao que dispõe o art. 413 § 3º do CPP, razão pela qual foi acolhida a ordem
para libertar o acusado.
Ou seja, no que se refere à Lei 11.689/08, os tribunais têm entendido que a
mudança apenas favorece o sistema de garantias do réu de ter um processo justo. Por
isso, os questionamentos relacionados à prisão por pronúncia e recolhimento ao cárcere
determinados em primeira instância, mas sem fundamentação do juiz, têm sido
acolhidos em segunda instância, fazendo com que os magistrados sejam forçados a
sempre justificarem o porquê do uso desta medida excepcional.
Já no que tange à Lei 11.719/08, merece destaque o fato de ter sido revogado o
art. 594127, que estabelecia a obrigatoriedade da prisão por sentença condenatória
recorrível para que a condenação pudesse ser discutida em segunda instância por meio
de apelação. No mesmo sentido, tem-se a inclusão do parágrafo único ao art. 387 128 que
deixou expressa a regra de que o juiz deve fundamentar a necessidade de se recolher o
réu ao cárcere quando este ainda puder discutir a propriedade de tal desfecho
processual.
Entendeu o legislador que se o réu ainda possui mecanismos para rever a decisão
condenatória proferida em seu desfavor, este apenas deve ser recolhido ao cárcere
quando estiver caracterizada a possibilidade de se inviabilizar a continuidade do
processo em grau recursal.
Contudo, há que se destacar que a maioria dos recursos ou ações impugnativas
impetradas com fundamento neste artigo procurava revogar prisões cautelares que
tinham sido determinadas antes do início do período de vigência da lei 11.719/08.
Assim, alguns tribunais têm entendido que, em razão do princípio de que
Tempus Regit Actum, 129 a nova legislação não poderia ser aplicada, inobstante a
existência do princípio constitucional da necessidade da fundamentação das decisões
127 Art. 594. O réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, ou prestar fiança, salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória, ou condenado por crime de que se livre solto. (Revogado pela Lei nº 11.719, de 2008).
128 Art. 387 - Parágrafo único. O juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser interposta. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).
129 Tempus regit actum: é o nome do princípio que rege a aplicação da lei penal no tempo. Significa que a lei Penal incide sobre fatos ocorridos durante a sua vigência
206
judiciais e da presunção de inocência. Exemplo de decisão neste sentido é o Habeas
Corpus 2008.03.00.037183-7 SP, julgado pelo TRF da 3ª. Região.
Trata-se de Habeas Corpus no qual se requereu a revogação da prisão cautelar,
sob alegação de a mesma estar fundamentada em alegações genéricas, algo que não é
mais aceito pela nova legislação (e já não o era com o advento da CF/88), apesar de a
prisão ter sido decretada antes da vigência da Lei 11.719/08. Em suma: requereu a
retroatividadeda da Lei 11.719/08, eis que benéfica ao autor. Entretanto, pelo princípio
do tempus regit actum, o tribunal denegou o pedido.
No entanto, outros tribunais, baseando-se no princípio de que a “lei penal não irá
retroagir salvo para beneficiar o réu” têm acatado estes questionamentos. Exemplo disso
é o HABEAS CORPUS 85.369-2 SÃO PAULO – STF. Esta ação impugnativa foi
impetrada contra decisão que julgara deserto o recurso de apelação do réu em virtude de
não ter ele sido recolhido à prisão para apelar. A ordem foi concedida para determinar a
apreciação do recurso independentemente de recolhimento à prisão – face à
inconstitucionalidade do artigo 594, hoje revogado, que determinava a prisão para poder
apelar – insistindo também no fato de que não teria havido no caso em tela, a
fundamentação da decisão exigida pela nova redação do artigo 387. Ainda neste sentido,
tem-se:
'HABEAS CORPUS'. PRISÃO DECORRENTE DE SENTENÇA
CONDENATÓRIA RECORRÍVEL. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO
CAUTELAR DO DECRETO PRISIONAL. REQUISITOS DA PRISÃO
PREVENTIVA NÃO DECLINADOS. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 387,
PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. ENTRADA EM
VIGOR DA LEI 11.719/08.- De acordo com a nova redação conferida pela Lei
11.719/08 ao artigo 387, parágrafo único, do Código de Processo Penal, a imposição
de prisão, na sentença condenatória, depende da fundamentação cautelar, não
bastando a simples determinação para recolhimento do réu à prisão. (TJMG, 2ª
Câmara Criminal, Habeas Corpus nº. 1.0000.08.487565-7/000(1), Rel.Des. Renato
Martins Jacob)
O que estas decisões parecem ilustrar é que a grande controvérsia no que se
refere à ausência de justa causa para a prisão cautelar está relacionada à questão da
possibilidade de a nova lei alcançar casos de prisões cautelares decretadas ainda quando
da vigência da lei anterior. Assim sendo, espera-se que à medida que processos
iniciados antes da reforma forem sendo encerrados, a controvérsia deixe de existir.
Contudo, diante deste cenário, não há que se falar em reformas da legislação.
207
IV.4.3 – Identidade física do juiz
No entender de Badaró (2009), até a edição da Lei n. 11.719/2008, não vigorava
no processo penal brasileiro a regra da identidade física do juiz. Mais do que a ausência
de uma previsão expressa, a não adoção da identidade física do juiz decorria da
estrutura do procedimento até então adotada.
Em parte isso pode ser explicado pelo fato de que a identidade física do juiz é
um dos corolários do sistema da oralidade. Assim, não faz sentido a sua adoção isolada,
sem que seja previsto um procedimento concentrado, com instrução em audiência una
ou em poucas audiências, realizadas em momentos próximos, e imediaticidade na
produção da prova. Assim, o princípio da identidade física do juiz foi inserido no bojo
de uma reforma mais ampla, que concentrou vários dos procedimentos e ganhou
positivação explícita com a nova redação do § 2o do art. 399 do CPP. 130
O princípio da identidade física significa que o juiz que colher a prova fica
vinculado ao julgamento da causa. Como na sistemática anterior, os depoimentos não
eram transcritos na íntegra, mas apenas tinham os seus pontos mais importantes ditados
pelo magistrado que os coletou, o juiz responsável pela sentença ficava adstrito ao que o
seu colega havia julgado como importante de ser registrado para a decisão daquele caso.
Com a identidade física isso não ocorre porque quem profere a decisão é quem colhe a
prova.
Antes de entrar na análise das decisões dos tribunais propriamente ditas, é mister
destacar que apesar de esta alteração ter se processado no âmbito da Lei 11.719/08, duas
decisões mencionaram como fundamento a Lei 11.689/08 (Tabela 36).
Tabela 36 – Quantitativo de decisões classificadas como “identidade física do juiz”, por tribunal e por lei
analisada Brasil - setembro de 2008 a setembro de 2009
Tribunal Lei 11.719/08 Lei 11.689/08 Total TJ/MG 11 0 11 TJ/SP 10 0 10 STJ 7 0 7 TJ/PR 5 0 5 TRF3 4 1 5 TJ/RS 4 0 4 TJ/MT 3 0 3 TJ/RJ 3 0 3
130 Art 399 - § 2o O juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).
208
TJ/RN 2 0 2 TJ/BA 1 0 1 TJ/ES 1 0 1 TJ/MA 1 0 1 TJ/RO 1 0 1 TJ/SC 1 0 1 TJ/SE 1 0 1 TRF1 1 0 1 TRF2 0 1 1 TRF4 1 0 1 TRF5 1 0 1 Total 58 2 60 Fonte: Dados da pesquisa.
Analisando estas decisões foi possível constatar que no caso do TRF da 2º região
– TRF2 – quando do julgamento do Habeas Corpus 2009.02.01.008604-2, entendeu que
com o advento da Lei nº 11.689/08 foi facultado aos réus serem reinterrogados, e que,
por analogia à nova redação do § 2o do art. 399, estes deveriam ser interrogados pelo
mesmo magistrado que coletou as provas.
Já o TRF da 3ª. Região – TRF 3 – entendeu por conceder a ordem no Habeas
Corpus Nº 2009.03.00.008656-4/SP, que procurava alterar a decisão de primeira
instância que condenava o acusado pelo crime de roubo uma vez que:
Verifica-se que a sentença foi proferida em 23/09/2008, portanto, quando já em
vigor a Lei 11.689/08, que alterou diversos dispositivos do Código de Processo
Penal, dentre eles o Art. 399, § 2º, que atualmente estabelece o princípio da
identidade física do juiz, nos seguintes termos: "O juiz que presidiu a instrução
deverá proferir a sentença.
Ou seja, neste caso trata-se de erro do próprio tribunal que confundiu que lei
alterou que procedimento, sendo que este erro se refletiu na própria coleta de dados,
denotando como a metodologia adotada pela pesquisa para entendimento do que os
tribunais estão discutindo no grau recursal quanto às novas leis se mostrou pertinente,
posto que capaz, inclusive, de apontar as falhas destes.
Retomando a análise do conteúdo desta inovação tem-se que, de acordo com os
doutrinadores da área, o princípio da identidade física do juiz foi introduzido no âmbito
do processo penal para se garantir que o juiz fique intensamente comprometido com a
verdade dos fatos ao longo de toda a instrução criminal e, em conseqüência:
“As decisões produzidas no seu âmbito dependem, freqüentemente, de uma maior
proximidade do juiz com a prova dos autos, avaliando as reações emocionais e o
comportamento do réu no interrogatório, a franqueza e a credibilidade das
209
testemunhas, a sinceridade e as emoções da vítima do crime.” (Borges de
Mendonça, 2009: 279).
A legislação não previu expressamente nenhum caso de exceção ao princípio da
identidade física do juiz. Contudo, como bem destacam alguns doutrinadores (Borges de
Mendonça, 2009), é claro que haverá hipóteses em que será impossível o respeito a este
princípio, como acontece em se tratando de morte, aposentadoria, convocação para atuar
em outro tribunal, licença e promoção. Nestes casos, o juiz que substituir o anterior
pode, inclusive, mandar repetir as provas produzidas anteriormente dado que diante do
silêncio da lei penal, alguns autores entendem ser possível a aplicação analógica do art.
132 131 do Código de Processo Civil.
Aliás, cumpre destacar que algumas decisões mapeadas por esta pesquisa
tiveram como objetivo reiterar este entendimento doutrinário. Este é o caso do conflito
de competência Nº 583740-5, julgado pelo Tribunal de Justiça do Paraná, o qual
destacou o seguinte:
Identidade física do juiz. Princípio introduzido no processo penal pela lei
11.719/08. art. 399, § 2º, do CPP. Preceito legislativo que exige interpretação
analógica às regras do processo civil. Inteligência ao art. 3º do CPP. Instrução
presidida e encerrada por juíza substituta. Posterior nomeação ao cargo de
juíza de direito na entrância inicial, em comarca diversa. Circunstância que se
assemelha à promoção. Competência atribuída ao juiz titular da comarca em
que tramita o processo-crime. precedentes desta corte. Conflito procedente.”
Contudo, cumpre destacar que a maioria das decisões encontradas no que se
refere ao princípio de identidade física do juiz destacam que, apesar de a norma
processual penal se aplicar imediatamente, especialmente para beneficiar o réu, os
tribunais têm colocado que, se à época de início de vigência da lei a instrução já havia
sido iniciada, este princípio pode ser rechaçado. Neste sentido, cumpre destacar a
decisão da Sexta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro acerca do
conflito de 280/2009:
Conflito negativo de jurisdição, correlato ao princípio da identidade física do
juiz; contido no artigo 399 § 2º do Código de Processo Penal, na alteração
dada pela Lei 11719/2008. Suscitação por magistrada que encerrou a
instrução, dando vista para alegações finais, sendo que outro juiz realizou o
interrogatório e ouviu uma testemunha, e outra juíza inquiriu outras
131 Art. 132. O juiz, titular ou substituto, que concluir a audiência julgará a lide, salvo se estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado, casos em que passará os autos ao seu sucessor
210
testemunhas. Parecer ministerial pela rejeição do Conflito. Razão manifesta.
Interrogatório efetivado antes da vigência da norma inovadora. Instrução que
houve em atos diversos, não por fracionamento decretado, mas ainda dentro
do rito pretérito. Contato pessoal do juiz que não se reputa imperioso em se
restringindo ao acusado, mas abrangendo as testemunhas arroladas pelas
partes. Conjugação que impende ser feita, na espécie, entre o dito dispositivo
e o artigo 132 do Código de Processo Civil, aplicável por analogia. Conflito
que se desacolhe, dando-se pela competência, acerca da Sentença, da
Magistrada que o deflagrou.”
Mas, há que se destacar que parte da doutrina não concorda com o entendimento
acima exposto. Por exemplo, Badaró (2009) expressa sua discordância ao afirmar que
inexiste lacuna quanto ao marco cronológico para a vinculação, pois, no processo penal,
um único juiz deve conduzir toda a instrução. Não há necessidade de se definir qual,
entre os diversos juízes que tenham participado da instrução, irá sentenciar o feito, se
toda a prova deve se colhida por um mesmo juiz.
De acordo com o referido autor esta diversidade de interpretações decorre do
fato de que a alteração realizada pela Lei 11.719/08 foi incompleta neste quesito, uma
vez que:
a previsão da identidade física do juiz no § 2o do art. 399 do CPP pecou por
ser incompleta. O dispositivo prevê, apenas, que “o juiz que presidiu a
instrução deverá proferir a sentença”. À primeira vista, parece que apenas há
uma vinculação do juiz da instrução à sentença. Mas, é preciso perceber,
ainda, outro significado, que realmente permitirá realização de uma efetiva
oralidade, com todas as vantagens dela decorrentes: a expressão “juiz que
presidiu a instrução” deve ser entendida como a previsão de que toda a
instrução deve se desenvolver perante um único juiz, que deverá ser o mesmo
que sentenciará o feito” (Badaró, 2009).
Estas informações se tornam ainda mais sensível quando os dados sumarizados
no capítulo 1 são levados em consideração. De acordo com a revisão das pesquisas
sobre o tempo da justiça criminal, a média de tempo necessário para processamento e
julgamento de um delito de homicídio doloso é de 1.433 dias ou 3,5 anos. 132 Isso
equivale a dizer que neste momento, o judiciário brasileiro pode estar processando e
julgando causas relativas a crimes cometidos em 2006.
132 Para mais detalhes, vide revisão feita no cap. 1 desta mesma pesquisa.
211
Desta forma, o que as decisões que se referem ao princípio da identidade física
do juiz mapeadas nesta pesquisa parecem indicar é que, apesar de a lei se aplicar a todos
os processos em curso quando de sua publicação, os tribunais estão entendendo que esta
legislação deve ser aplicada apenas para os crimes registrados após o início de vigência
da lei. Este entendimento, por sua vez, fere diretamente a segurança jurídica e o
princípio da aplicação imediata da norma processual penal, de ter o réu o direito de ver
seu processo julgado pela lei vigente no momento de seu processamento.
Frise-se que, de acordo com os doutrinadores, o princípio da identidade física do
juiz foi pensado para que o juiz que presenciou a emoção do acusado no momento de
seu depoimento seja o mesmo que irá proferir a sua absolvição ou condenação. Ou seja,
esta inovação trazida pela reforma foi pensada para beneficiar apenas e em última
instância o réu. Mas, este não parece ser o entendimento de alguns tribunais, inclusive
do STJ, o qual, no HABEAS CORPUS Nº 35.825 - RJ (2004/0075993-5) afirma que
“aos fatos que se deram antes da entrada em vigor da Lei nº 11.719/08 não há a
exigência de que o Juiz sentenciante seja o mesmo que presidiu a instrução. Em
situações como esta, não há que se falar em quaisquer nulidades”.
Em certa medida, esta discussão se coaduna com o ponto subseqüente, o qual
discute exatamente a partir de que momento os dispositivos das novas leis devem ser
aplicados.
IV.4.4 - Aplicação do Novo Procedimento - Direito Intertemporal
Como bem destaca Bonfim (2009), a norma processual entra em vigor
imediatamente e se aplica a todos os processos em curso, por força do princípio tempus
regit actum, previsto no art. 2º. do CPP.
No entanto, como destaca Badaró (2008), a reforma do Código de Processo
Penal foi sui generis inclusive no momento de sua aplicação, posto que ao invés de
estabelecer uma vigência imediata de seus procedimentos, teve uma vacatio legis 133 de
60 dias. Isso significa que a Lei 11.689/08 entrou em vigor no dia 9 de agosto de 2008,
enquanto a Lei 11.719/08 entrou em vigor no dia 22 de agosto de 2008.
133 Vacatio legis é uma expressão latina que significa "vacância da lei" e designa o período que decorre entre o dia da publicação de uma lei e o dia em que ela entra em vigor, ou seja, tem seu cumprimento obrigatório.
212
Para iniciar esta discussão, cumpre apresentar quais são os tribunais que
parecem ter maiores questionamentos sobre como estas novas leis devem ser aplicadas.
Esta informação encontra-se sumarizada na Tabela 37.
Tabela 37 – Quantitativo de decisões classificadas como “Aplicação do Novo Procedimento - Direito Intertemporal” por tribunal e por lei analisada Brasil - setembro de 2008 a setembro de 2009
Tribunal Lei 11.719/08 Lei 11.689/08 Total TJ/RS 15 4 19 STJ 1 11 12 TJ/MG 6 0 6 TJ/SP 2 4 6 TJ/ES 1 2 3 TJ/PR 2 0 2 TJ/SC 2 0 2 TRF3 2 0 2 STF 1 0 1 TJ/GO 0 1 1 TJ/PA 1 0 1 TJ/SE 1 0 1 TRF2 1 0 1 Total 35 22 57 Fonte: Dados da pesquisa.
A Tabela 37 revela questões curiosas. Primeiro, apesar de, no geral, a discussão
de ambas as leis ter apresentado o mesmo número de decisões, esta se encontra
concentrada em basicamente dois tribunais: o momento de aplicação da Lei 11.689/08
está com a discussão concentrada no âmbito do STJ e a discussão do momento de
aplicação da Lei 11.719/08 está concentrada no âmbito do TJ/RS. Os demais tribunais
possuem pouca produção neste sentido.
Quanto aos problemas relacionados ao momento de aplicação da lei, cumpre
destacar que esta controvérsia foi iniciada porque a reforma de 2008 trouxe em si não
apenas dispositivos relacionados ao processo penal puramente, mas ainda ao direito
penal material, colocando ainda mais dúvidas sobre qual seria o momento de início de
sua vigência, posto que:
No Direito Penal, o problema da sucessão de leis no tempo é resolvido
segundo a garantia constitucional de que a lei penal não retroagirá, salvo
para beneficiar o réu (CR, art. 5º, inc. LV). Já no campo processual penal, a
norma geral de Direito intertemporal é expressa pelo princípio tempus regit
actum, previsto no art. 2º do CPP: “A lei processual penal aplicar-se-á
desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da
lei anterior.” (Badaró, 2008).
213
Neste sentido, quais casos as novas leis alcançam? De acordo com Badaró
(2008), considerando a sistemática vigente no âmbito do direito penal e processual
brasileiro no que se refere ao direito intertemporal, seria possível estabelecer as
seguintes regras de vigência:
1 – A regra geral de Direito intertemporal no processo penal é, nos termos do art.
2º do CPP, 134 a aplicação imediata da lei nova: tempus regit actum.
2 – As leis processuais penais materiais, ou leis processuais mistas, tendo em
vista que seu conteúdo diz respeito a garantias constitucionais do acusado, em especial
envolvendo seu status libertatis, disciplinando prisões cautelares e liberdade provisória,
devem seguir mesma regra intertemporal direito material: a lei nova não retroagirá,
salvo para beneficiar o acusado (CR, art. 5º, inc. LV).
3 – No caso de regras que alteram o procedimento, nem sempre será possível a
aplicação do princípio geral tempus regit actum, devendo ser aplicado o sistema das
fases processuais, quando a aplicação imediata puder comprometer a atuação integrada
dos diversos atos que compõem um procedimento unitário.
4 – Quanto aos recursos, a regra de Direito intertemporal é que a lei vigente no
momento em que a decisão recorrível foi proferida deverá continuar a disciplinar o
cabimento, os pressupostos de admissibilidade recursal, o procedimento e os efeitos do
recurso, mesmo depois do início de vigência da lei nova.
A doutrina tem procurado esclarecer o problema acerca de qual deve ser a norma
aplicável estabelecendo estas quatro regras a serem observadas quando da
implementação dos novos dispositivos. Não obstante, a polêmica continua no âmbito
dos tribunais.
Em parte, esta continua dada a dificuldade de se estabelecer se a matéria tratada
pelas novas leis é meramente processual (caso em que a lei aplicável é a do momento do
procedimento), ou se a matéria tratada pelas novas leis é mista, isto é, apesar de ser uma
norma processual ela também inclui questões relacionadas ao direito penal material,
caso em que a lei pode retroagir, desde que seja para beneficiar o réu.
A maioria dos julgados classificados nesta temática estava relacionado a pedidos
para que as novas leis alcancem casos ou decisões pretéritas e, assim, o réu seja
beneficiado. Contudo, neste sentido, a maior parte dos tribunais tem entendido por bem 134 Art. 2º. A norma processual penal se aplica imediatamente, ou seja, a todos os procedimentos em curso.
214
denegar o pedido do recorrente posto que as novas leis (11.719/08 e 11.689/08) tratam
de “regras aplicadas ao direito processual” e, assim, estas possuem “aplicabilidade
imediata e não retroativa” (neste sentido, apelação 1.0686.08.220816-2/001(1) julgada
pelo TJ/MG; apelação 2009.040787-8 julgada pelo TJ/SC; apelação 70025515602,
julgada pelo TJ/RS, dentre outras).
Então, o que resta ao legislador fazer para dirimir a controvérsia? Neste caso,
parece à equipe que a controvérsia se resolverá naturalmente, posto que com o passar do
tempo, os processos antigos serão finalmente decididos em última instância e, com isso,
esta discussão não fará mais sentido. Contudo, para evitar que isso aconteça novamente,
em legislações futuras, sugere-se que se ressalte ao final que a nova lei alcança todos os
procedimentos em curso e ainda retroage nos casos de benefícios ao réu.
IV.4.5 – Cerceamento do direito de defesa – Audiência Una
Em geral, a discussão relacionada ao cerceamento do direito de defesa está
intimamente conectada com o princípio da audiência una e exatamente por isso optou-se
por uma classificação que incluísse os dois temas na mesma categoria.
Isso porque a nova legislação estabeleceu que o magistrado poderá indeferir
todas as provas que sejam irrelevantes, impertinentes ou protelatórias com o objetivo de
assegurar a unidade da audiência, tanto no âmbito dos procedimentos ordinários como
no âmbito dos procedimentos do Tribunal do Júri, de forma que essa é uma matéria que
aparece relacionada às duas leis (Tabela 38).
Tabela 38 – Quantitativo de decisões classificadas como “cerceamento do direito de defesa” por tribunal e por lei analisada
Brasil - setembro de 2008 a setembro de 2009 Tribunal Lei 11.719/08 Lei 11.689/08 Total TRF3 11 0 11 TJ/GO 2 2 4 TJ/SP 3 1 4 STJ 2 1 3 TRF1 3 0 3 TRF4 1 2 3 TJ/ES 0 2 2 TJ/MG 2 0 2 TJ/PA 2 0 2 TJ/RJ 2 0 2 TJ/SE 0 2 2 STF 1 0 1 TJ/MT 1 0 1 TJ/PR 1 0 1 TJ/RS 1 0 1
215
TRF2 1 0 1 Total 33 10 43 Fonte: Dados da pesquisa
De acordo com Borges de Mendonça (2009: 283), uma prova irrelevante é
aquela que, apesar de tratar do objeto da causa, não possui aptidão de influir no
julgamento da causa. As provas impertinentes, por sua vez, são as que não dizem
respeito, diretamente, à questão objeto da discussão. Por fim, as provas protelatórias são
aquelas que não buscam o esclarecimento da verdade, mas apenas retardar o
prosseguimento do rito.
Ocorre que, parte da doutrina tem questionado que ainda que a prova pareça ao
magistrado irrelevante, impertinente ou protelatória, a sua produção pode levá-lo a
transformar a sua opinião sobre o caso e, por isso, se não implicar prejuízos para o réu a
sua produção, esta deve ser autorizada. Como a Constituição consagra o princípio da
ampla defesa, alguns autores (como Rahal e Groth, 2009) entendem que a recusa à
produção de provas deve apenas ocorrer de maneira excepcional e devidamente
fundamentada.
A maioria das discussões classificadas como relacionadas ao cerceamento de
defesa fazem menção ao art. 400, § 1o do CPP,135 o qual foi incluído pela Lei
11.719/08, ao conceder ao juiz a faculdade de deferir ou não a produção de provas, de
acordo com a utilidade ou necessidade destas à instrução criminal. Esta situação pode
ser exemplificada pelo Habeas Corpus 74706, julgado pelo TJMT:
HABEAS CORPUS - ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR - PRISÃO
PREVENTIVA - NECESSIDADE - ASSEGURAR A APLICAÇÃO DA LEI
PENAL - CERCEAMENTO DE DEFESA - REQUERIMENTO DE
DILIGÊNCIA - ESTUPRO PSICOLÓGICO E CONTRA PROVA DE
PERÍCIA - INDEFERIMENTO - DISCRICIONARIEDADE REGRADA
DO MAGISTRADO - ORDEM DENEGADA. 1 - Estando presente prova da
materialidade do crime, indícios suficientes de autoria do delito, atrelado a
presença de um dos requisitos previstos no artigo 312 do Código de Processo
Penal, é o bastante para embasar o decreto preventivo, como é o caso
presente, uma vez que o paciente logo após a comunicação dos fatos à
autoridade policial evadiu-se do local da culpa, sendo necessária a custódia
135 Art. 400 -§ 1o As provas serão produzidas numa só audiência, podendo o juiz indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias
216
cautelar para assegurar a aplicação da lei penal. 2 - O deferimento de
diligências (prova pericial) na fase do art. 402 do CPP, com redação da pela
Lei nº 11.719/2008, que revogou o disposto no antigo art. 499 do Caderno
Processual Penal, é ato que se inclui na esfera de discricionariedade regrada
do magistrado processante, que poderá indeferi-las de forma fundamentada,
quando as julgar protelatórias ou desnecessárias, ou ainda sem pertinência
com a instrução do processo, nos termos do art. 400, § 1º do CPP. 3 - Ordem
de Habeas Corpus denegada.”
Interessante notar que este parece ser o exemplo clássico de como a reforma
processual, apesar de ambicionar a simplificação e agilidade do procedimento, não foi
capaz de combinar a tempestiva prestação jurisdicional ao fortalecimento das garantias
processuais penais inerentes ao sistema acusatório. Isso porque em nome da audiência
uma, o juiz pode indeferir a produção de uma série de provas que, na perspectiva do réu,
são indispensáveis à sua defesa, mas que, na perspectiva do magistrado, são
eminentemente irrelevantes, impertinentes ou protelatórias.
IV.4.6 – Nulidade Processual
A nulidade no Processo Penal pode ser conceituada como um defeito jurídico
que torna inválido ou destituído de valor um ato ou o processo, total ou parcialmente.
São, portanto, defeitos ou vícios no decorrer do processo penal.
São classificadas como absolutas (ocorre de uma violação de norma de interesse
público, princípio constitucional, cujo prejuízo é presumido e insanável) e relativas
(quando o defeito não é tão grave, cabendo a parte postular o seu reconhecimento,
demonstrando o prejuízo processual sofrido).
Como as Leis 11.719/08 e 11.689/08 alteraram substancialmente a forma e o
momento de prática de diversos atos processuais é de se esperar que as decisões
classificadas como nulidade no âmbito das decisões em análise estejam questionando se
o procedimento é ou não válido de acordo com as novas leis. Para análise cuidadosa
deste fenômeno, o primeiro passo foi verificar que tribunais estão discutindo a questão
da nulidade processual e dentro de que lei (Tabela 39).
Tabela 39 – Quantitativo de decisões classificadas como “nulidade processual” por tribunal e por lei analisada
Brasil - setembro de 2008 a setembro de 2009 Tribunal Lei 11.719/08 Lei 11.689/08 Total STJ 12 4 16 TJ/MG 8 0 8 TJ/SP 6 0 6
217
TJ/SE 3 1 4 TRF1 4 0 4 TJ/GO 2 0 2 TJ/PA 2 0 2 TJ/RS 2 0 2 TRF3 2 0 2 TRF4 2 0 2 TRF5 2 0 2 TJ/BA 1 0 1 TJ/MT 1 0 1 TJ/PE 0 1 1 TJ/PR 1 0 1 TJ/RJ 1 0 1 TRF2 1 0 1 Total 50 6 56 Fonte: Dados da pesquisa
A Tabela 39 mostra questões interessantes. Mais uma vez, o STJ é o tribunal
mais chamado a dirimir as dúvidas suscitadas pela aplicação das novas leis.136 Segundo,
de acordo com o mapeamento realizado pela pesquisa, das seis decisões classificadas
como nulidades no âmbito da Lei 11.689/08, quatro são provenientes desta corte.
Neste cenário, uma pergunta que pareceu interessante à pesquisa foi: quais são
os tipos de nulidade que estão sendo discutidas no âmbito de cada uma destas leis?
A análise qualitativa dos julgados denotou que a maioria dos questionamentos
surgidos no âmbito da Lei 11.689/08 podem ser classificados como “nulidades da
sentença”. Estes são os casos nos quais os operadores do direito estão questionando que
a sentença proferida pelo júri é nula porque não seguiu os novos critérios de quesitação
estabelecidos pela Lei 11.689/08.
Já no âmbito da Lei 11.719/08, uma das temáticas mais recorrentes foi a
denominada de “nulidade da citação”. Isso porque, em razão das alterações trazidas pela
Lei 11.719/08, a nulidade de citação não mais pode ser sanada pelo comparecimento
espontâneo do réu. É direito deste ser regularmente citado, tal como denota a decisão do
Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
Todo acusado tem direito à citação regular, porquanto é um corolário do
princípio da ampla defesa que o réu seja cientificado da existência do
processo e de seu desenvolvimento. II - A nova dicção do art. 363 do Código
de Processo Penal enseja fôlego à antiga discussão, porquanto faz referência
136 Em certa medida, considerando que essas leis são federais e considerando a competência do STJ isto é mais do que esperado, pois se a controvérsia não é sanada no âmbito dos tribunais estaduais, necessariamente, caberá as parte recorrer a este tribunal, através de recurso especial, para que esta questão seja dirimida.
218
expressa à citação como condição de formação da relação processual que
inexiste, pois, sem o referido ato citatório. III - A falta de citação, pois, não
pode mais ser convalidada com a presença do acusado judicialmente, na
forma do preconizado pelo art. 570 do diploma processual penal. É nulidade
relativa - não absoluta - o comparecimento do réu solto ao interrogatório, sem
citação pessoal, carecendo, para ser reconhecida, de alegação oportuno
tempore e de prova de efetivo prejuízo. - Preliminar rejeitada (TJMG, 5ª
Câmara Criminal, Apelação Criminal nº. 1.0686.06.177447-3/001(1), Rel.
Alexandre Victor de Carvalho).
Então, considerando a citação acima, é possível afirmar que diante do
comparecimento do réu, se este considerar que a ausência de sua citação não o
prejudicou, é possível que o processo siga o seu curso normal. Em certa medida, parece
óbvio que se o réu comparece a uma audiência é porque tomou conhecimento do seu
andamento processual e está interessado na regularidade dele. No entanto, considerando
o princípio da ampla defesa, é possível imaginar que em determinadas citações por
edital o conhecimento acerca da audiência não tenha chegado a tempo de viabilizar a
preparação de uma defesa consistente.
Por outro lado, de acordo com outros tribunais, a forma como esta questão foi
estruturada levou ao reconhecimento da possibilidade da revelia no processo penal.
Neste Habeas Corpus do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, a discussão é
exatamente sobre este tema, sendo que os recorrentes visavam à nulidade da decretação
de revelia em razão de cerceamento de defesa. Ocorre que os réus foram citados
pessoalmente, e, ainda assim, não compareceram à audiência. Assim decidiu o TJ/SE:
APLICABILIDADE DA NOVEL REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº
11.689/08 AOS ARTS. 420 PARÁGRAFO ÚNICO E 457 DO CÓDIGO DE
PROCESSO PENAL - NATUREZA JURÍDICA DAS NORMAS - NORMA
PROCESSUAL - APLICAÇÃO IMEDIATA (ART. 2º DO CPP) - BREVE
RELATO HISTÓRICO DAS LEGISLAÇÕES SOBRE O TEMA -
APLICABILIDADE DA NOVA REDAÇÃO PARA O CASO DE RÉU
REVEL CITADO PESSOALMENTE - INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA
DADA AOS DISPOSITIVOS PARA ALCANÇAR OS ACUSADOS
CITADOS POR EDITAL DEFENDIDOS POR DEFENSOR PÚBLICO (OU
DATIVO) EM TODOS OS ATOS PROCESSUAIS - NÃO INFRIGRÊNCIA
DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO CONTRADITÓRIO E DA
AMPLA DEFESA - DENEGAÇÃO DA ORDEM DE HABEAS CORPUS”.
(HABEAS CORPUS Nº 0209/2009, VARA CRIMINAL DE ITABAIANA,
219
Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, Relator: DES. NETÔNIO
BEZERRA MACHADO, Julgado em 07/07/2009)
Portanto, em consonância com as alterações perpetradas pela Lei 11.719/08 e
segundo o entendimento de Souza (2009), se o réu é citado por edital e não comparece,
este deve ser citado pessoalmente. Por outro lado, se citado por edital e comparece, este
ato pode ser entendido como cerceamento de defesa, posto que o réu pode ter tomado
conhecimento da existência de um processo crime contra ele em um lapso temporal que
não viabilizou a elaboração de uma defesa que de fato comprovasse a participação deste
na autoria do fato.
Ainda segundo o autor, isso ocorre porque a nova sistemática decorrente da Lei
11.719/08 confundiu tanto a realização da citação que tornou possível o seu
questionamento de diversas maneiras. No anterior sistema o réu era citado para
comparecer apenas para ao interrogatório em dia e hora determinados. Após a reforma,
com a citação, deve o réu apresentar resposta à acusação, e sua falta, gera nulidade
absoluta.
No entanto, a categoria de nulidade que parece mais relevante para os propósitos
desta pesquisa é a nulidade da ação penal por inadequação ao novo rito (de maneira
geral e não específica como é o caso da citação). Estas decisões foram proferidas, em
boa parte dos casos, pelo Superior Tribunal de Justiça em processos que questionavam
determinadas nulidades em razão do processo em tela não estar “adequado ao novo
rito”, o que violaria o princípio do devido processo legal.
Ocorre que nestes mesmos casos, havia um recurso pendente de julgamento no
âmbito da instância estadual e assim as decisões mapeadas apenas afirmam
“Impossibilidade de apreciação da liminar enquanto pendente o julgamento em outra
instância. Supressão de instância vedada.” (HABEAS CORPUS Nº 132.202 – SP;
HABEAS CORPUS Nº 133.558 - RJ); ou “Não foi verificada causa suficiente para a
concessão da tutela liminar. Aguarde-se o julgamento do mérito.” (HABEAS CORPUS
Nº 134.004 – SC); ou ainda “Impossibilidade de apreciação da liminar devido à
complexidade da matéria, que deve ser apreciada em plenário.” (HABEAS CORPUS Nº
133.558 – RJ).
IV.4.7 - Absolvição Sumária
220
A reforma do Código de Processo Penal, realizada pelas Leis 11.719/08 e
11.689/08 instituiu a possibilidade de o juiz, após a apresentação da resposta escrita,
julgar antecipadamente o mérito da acusação com a finalidade de absolver o acusado
(nunca com o propósito de condená-lo antecipadamente). Assim, tal como destacado
nas demais matérias analisadas, a primeira atividade da equipe de pesquisa foi verificar
que tribunais estão discutindo esta matéria, de acordo com cada lei. Estas informações
encontram-se sumarizadas na Tabela 40.
Tabela 40 – Quantitativo de decisões classificadas como “absolvição sumária” por tribunal e por lei analisada
Brasil - setembro de 2008 a setembro de 2009 Tribunal Lei 11.719/08 Lei 11.689/08 Total TJ/GO 0 5 5 TRF1 5 0 5 TJ/RS 1 3 4 TRF4 3 0 3 TJ/MG 2 0 2 TJ/PA 0 2 2 TRF2 2 0 2 TJ/ES 0 1 1 TJ/PR 1 0 1 TJ/SC 0 1 1 TJ/SP 0 1 1 Total 14 13 27
Fonte: Dados da Pesquisa
No âmbito do procedimento ordinário, a Lei 11.719/2008 dispôs sobre as
possibilidades inovadoras absolvição sumária do acusado após a apresentação da
resposta escrita, conforme previsão do novo art. 397, 137 sendo estas algumas das
modificações mais relevantes da reforma processual (Bártoli, 2009).
Já para o procedimento do Tribunal do Júri, o que os doutrinadores têm
entendido é que apesar de a Lei 11.689/08 não ter contemplado esta disposição
expressamente para o caso de recebimento da denúncia, aplicar-se-á, por analogia, o art.
397, abrindo-se, portanto, a possibilidade da denúncia por crime doloso contra a vida
também ser contemplada com absolvição logo no início (Füller, 2008).
137 Art. 397: “Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar: I – a existência manifesta de causa excludente de ilicitude do fato; II – a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; III – que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou IV – extinta a punibilidade do agente”.
221
Contudo, no caso deste procedimento em especial, o juiz pode ainda, antes do
momento da sessão plenária do júri, absolver sumariamente o acusado por força da nova
redação do art. 415,138 dada pela Lei 11.689/08 (Pagliuca, 2009).
Na sistemática anterior, contudo, caso o juiz já tivesse recebido a denúncia e,
posteriormente vislumbrasse manifesta a atipicidade ou a extinção da punibilidade, não
poderia reconsiderar a sua decisão, devendo o processo tramitar até ao final (Borges de
Mendonça, 2009: 266).
Qual seria, portanto, a controvérsia? Os artigos parecem claros e bastante
pontuais quanto aos momentos e as causas que ensejam a sua aplicabilidade. Nesta
situação específica, ao que tudo indica, o principal problema parece ser com o
Ministério Público. Inadaga-se o porque deste órgão oferecer denúncia mesmo estando
presentes: 1) causa de excludente de ilicitude; 2) causa de excludente de culpabilidade;
3) o fato narrado não ser crime; e 4) já ter ocorrido a extinção da punibilidade do agente.
Em situações como esta, os promotores questionam as decisões dos magistrados
alegando que as denúncias, quando oferecidas, partem do pressuposto de que nenhuma
das quatro circunstâncias elencadas no art. 397 está presente, posto que se este fosse o
caso, o próprio Ministério Público demandaria a absolvição sumária. Este é o caso da
Apelação 1.0024.08.141392-4/001(1) julgada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
Nesta apelação, o acusado requer a absolvição sumária em razão de
configuração de crime impossível acerca de sua conduta, já que os meios adotados
seriam impróprios para atingir o resultado esperado. Contudo, os julgadores entenderam
que se o MP, baseado nas provas dos autos não requereu tal medida, a absolvição
sumária não pode ocorrer, posto que ausentes os requisitos do art. 397 do CPP, com as
alterações feitas pela Lei 11.719/08. Em sendo desta forma, o procedimento deveria
seguir até a fase de sentença para se evitar que um indivíduo que realmente cometeu um
delito seja absolvido injustamente.
Outros tribunais entenderam que melhor seria continuar a aplicar o
procedimento previsto na legislação anterior, dada a possibilidade de se absolver
sumariamente alguém que, de fato, era responsável pela prática de um dado delito. Este
138 Art. 415. O juiz, fundamentadamente, absolverá desde logo o acusado, quando: I – provada a inexistência do fato; II – provado não ser ele autor ou partícipe do fato; III – o fato não constituir infração penal; IV – demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime.
222
é o caso da Apelação 2009.02.01.013158-8/RJ julgada pelo Tribunal Regional Federal
da 2ª. Região.
Este caso trata de Habeas Corpus que visava reconhecer, liminarmente, hipótese
de absolvição sumária em favor do acusado. A liminar restou indeferida, pois que o
relator optou por aguardar a resposta do acusado em primeira instância, e, verificar se
haveria reconhecimento da absolvição sumária. Esta ocorreu, e o mandamus restou
prejudicado.
Esta mesma temática aparece em recursos que procuram questionar a
legitimidade da pronúncia ante a possibilidade de se absolver sumariamente o réu. Este
é o caso do Recurso em Sentido Estrito no. 70024594509, o qual foi parcialmente
provido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
Neste recurso foi requerido, preliminarmente, a nulidade da decisão de
pronúncia e conseguinte absolvição sumária do réu, eis que não haveria nenhum
elemento caracterizador de autoria em seu desfavor. Ocorre que o art. 415, que foi
alterado pela Lei 11.689/08, só admite absolvição sumária dentro do rol taxativo de
referido diploma legal. Todavia, entenderam os desembargadores que a tese apresentada
pela defesa é subjetiva (descriminante putativa), o que não autorizaria a absolvição
sumária, que se caracteriza por critérios objetivos, que independam de valoração das
provas constantes dos autos. Neste sentido, rejeitou-se a preliminar de absolvição
sumária por descriminantes putativas.
A polêmica neste caso esta relacionada à aplicação do princípio do in dubio pro
societates. De acordo com Netto (2009), este princípio implica dizer que “o interesse
público deve prevalecer ao direito do acusado”. Contudo, o que a doutrina há muito tem
questionado é a própria validade deste princípio, uma vez que:
No Brasil adotou-se como valor-fonte e irradiante de todo o seu sistema
jurídico a dignidade da pessoa humana. Tem-se, portanto, como aviltante a
este fundamento um princípio que traça como diretriz a preponderância do
interesse de uma determinada coletividade ao direito de liberdade de pessoa
individualmente considerada. Outrossim, a característica principal de um
Estado Democrático de Direito, como sói ser o Brasil, é a prevalência dos
direitos humanos, ainda que eventualmente contrarie interesse da maioria,
sob pena de o regime democrático tornar-se a capa de uma indisfarçável
ditadura” (Neto, 2006).
223
Isso implica dizer que o interesse do acusado no processo penal pode ser
preterido em detrimento do restante da sociedade se, e somente se, esta ação não
implicar desrespeito aos princípios da dignidade da pessoa humana ou ainda se esta
aplicação não comprometer todo o restante do sistema de garantias constitucionais do
acusado. Ainda neste sentido, cumpre destacar o posicionamento de Lins e Silva (2001)
antes mesmo da nova lei, segundo o qual, hoje há estudiosos que:
estão desfazendo o mito de que nos casos de competência do Tribunal do
Júri, deve ser adotado, invariavelmente, o critério da remessa do processo ao
julgamento dos jurados, desprezando o aforismo irrecusável e milenar do "in
dubio pro reo" e preferindo outro, incerto, e ambíguo do "in dubio pro
societate", inteiramente inaplicável, porque não se pode contrapor o genérico
direito da Sociedade a expresso direito individual de qualquer membro e
componente dessa mesma sociedade. O raciocínio não é lógico. Sobretudo
agora, quando estamos formalmente em pleno domínio do regime neoliberal,
em que o respeito aos direitos individuais é verdadeiro dogma, que não pode
ser alijado na sua aplicação ou suplantado por apenas aparente resíduo
estatista, de que está impregnado o nosso Direito Penal e Processual Penal,
pela notória fonte de que se nutriu: a legislação fascista italiana” (grifos do
original).
No entanto, tal como salientado por Antonini (2007), a confusão gerada por este
princípio, está relacionada ao fato de o CPP ter estabelecido expressamente que
restando dúvida quanto à autoria do crime e quanto à “circunstância que exclua o crime
ou isente de pena o réu” o réu deve ser pronunciado. Ou seja, se no caso de um crime
doloso contra a vida, havendo dúvida quanto a autoria do delito, deve-se remeter o
acusado para julgamento “pela sociedade que senta nos bancos do júri”, o mesmo
raciocínio pode ser aplicado diante do dilema entre colocar, ou não, o réu
imediantemente em liberdade, quando o conjunto probatório do caso for frágil, optando
por seu recolhimento à prisão.
Contudo, esquecem-se os defensores desta idéia que a Lei 11.689/08 terminou
por aniquilar este princípio ao estabelecer nova redação ao Art. 414. Desde então, “não
se convencendo da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de
autoria ou de participação, o juiz, fundamentadamente, impronunciará o acusado”. Ou
seja, a partir da reforma processual de 2008, é possível afirmar que o princípio máximo
da aplicação da lei penal é mesmo o in dúbio pro reo, posto que, na dúvida, deverá ser o
suspeito da prática de um delito colocado em liberdade.
224
Diante do exposto, parece que a própria reforma trouxe em seu bojo a solução de
como os novos procedimentos devem ser aplicados e de como o princípio in dúbio pro
societate resta relativizado no âmbito da legislação processual penal brasileira. Isso
porque ao reformar o art. 414, o que a Lei 11.689/08 fez foi consagrar o princípio de
que o processo penal deve, em última instância, preocupar-se com a dignidade da
pessoa humana e, em sendo desta forma, ainda que se esteja falando de questões
processuais, se estas beneficiarem o réu de alguma forma, estas podem, inclusive,
alcançar atos processuais pretéritos.
IV.4.8 - Ausência de justa causa para exercício da ação penal
De acordo com Borges de Mendonça (2009: 253), embora a doutrina já tivesse
identificado a necessidade de justa causa para o exercício da ação penal, extraindo-a do
Art. 648, I 139 do CPP, ainda não havia previsão expressa de tal requisito no âmbito do
referido diploma legal. Esta inovação ficou por conta da alteração dos requisitos para
aceitação / rejeição da denúncia, os quais passaram agora a integrar o Art.395, III 140 do
CPP.
Analisando os dados coletados foi possível constatar que por ser esta uma
questão alterada pela Lei 11.719/08, esta temática não foi classificada por nenhum
tribunal como relativa à Lei 11.689/08 e, por isso, preferiu-se ilustrar os tribunais que
discutiram esta questão a partir de um gráfico.
139 Art. 648. A coação considerar-se-á ilegal: I - quando não houver justa causa;
140 Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando: III - faltar justa causa para o exercício da ação penal.
225
Gráfico 13 – Quantitativo de decisões classificadas como “ausência de justa causa para exercício da ação penal”
por tribunal e por lei analisada Brasil - setembro de 2008 a setembro de 2009
Fonte: Dados da Pesquisa
A partir do início da vigência da Lei 11.719/08, para que a denúncia ou queixa
possam ser aceitas, além de apresentarem as condições da ação, bem como os
pressupostos processuais e ainda a sua capacidade em produzir os efeitos esperados,
elas devem possuir também justa causa para existir.
No entendimento de Borges de Mendonça (2009), o conceito de justa causa
poderia ser traduzido como lastro probatório, o que equivaleria a dizer que o juiz, para
aceitar a denúncia ou queixa crime, deve verificar se esta possui:
1. Possibilidade jurídica de subsistir ao longo do tempo (ou possibilidade
jurídica do pedido). Para que isso aconteça é necessário que a conduta
narrada nesta peça seja, eminentemente, um crime;
2. Legitimidade ou pertinência subjetiva da ação, que é a existência do
ofendido ou do MP no pólo ativo da relação processual e do indiciado
como autor da infração no pólo passivo;
3. Interesse de agir, ou seja, necessidade, utilidade e adequação do
provimento jurisdicional para se realizar a pretensão punitiva;
226
1. Justa causa ou capacidade de comprovar os requisitos anteriores, de
demonstrar que esta ação penal é realmente necessária no tempo e em
relação à pessoa do ofensor.
No entanto, é importante destacar que o novo art. 395, III não estabeleceu o que
se deve compreender como justa causa e, se alguns doutrinadores entendem que este
termo equivale a lastro probatório, outros entendem que esta condição deve ser
analisada de acordo com a situação. Uma decisão que procura delimitar o que se deve
entender como justa causa é a do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, a qual
estabeleceu que:
PENAL. PROCESSUAL PENAL. PREFEITO MUNICIPAL. DENÚNCIA.
PRESENÇA DOS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP. RECEBIMENTO.
1. Para o recebimento da denúncia é suficiente a comprovação da
materialidade delitiva e a exposição dos fatos tidos por criminosos (CPP, art.
41). 2. A rejeição da inicial acusatória só se admite quando for
manifestamente inepta, faltar pressuposto processual, condição ou justa causa
para o exercício da ação penal (CPP, art. 395, com a redação dada pela lei
11.719/2008). 3. Denúncia recebida. 4. Decisão unânime. (TJMA, Ação
Penal Originária nº. 89672007, Rel. Des. Raimundo Nonato de Souza).
O que se percebe é que o fato de a lei ter estabelecido que é necessária justa
causa para que a relação processual possa se formar e não ter estabelecido o que ela
entende por justa causa faz com que as dúvidas sobre o real sentido do instituto
floresçam. Incumbe a cada magistrado dizer o que é justa causa e, ainda que este venha
a se alinhar com a doutrina majoritária, entendendo este termo como existência de um
conjunto probatório capaz de garantir a instrução até o final, subsiste a subjetividade de
quais são as provas efetivamente consideradas para tanto, uma vez que o processo penal
brasileiro não comporta o princípio de hierarquia de provas.
IV.4.9 - Critérios de Fixação de Quantum Indenizatório
Uma das grandes inovações colocadas pela Lei 11.719/08 foi a alteração da
redação do art. 387, IV do CPP 141 e, com isso, a contemplação da possibilidade de o
141 Art. 387 – O juiz, ao proferir sentença condenatória - IV - fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido
227
juiz fixar diretamente uma indenização mínima à vítima, em razão dos danos causados
pelo crime.
Além disso, pela inserção de um parágrafo no Art. 63142 do CPP, a lei
contemplou também a possibilidade da execução de tal valor sem que isso implique a
impossibilidade de uma outra ação para que se discutam os danos financeiros causados
pelo crime para além da indenização fixada nos termos do Art. 387, IV.
Esta era uma demanda antiga de todos os operadores do direito da área criminal,
uma vez que o art. 91 do Código Penal apenas estabelecia que um dos efeitos da
condenação era a obrigatoriedade do acusado em reparar o dano causado à vítima.
Apesar desta obrigação certa por parte do acusado e do direito da vítima em pleiteá-la
em juízo, o fato era que na sistemática anterior, uma vez encerrada a instrução criminal,
caberia ao prejudicado recorrer ao juízo civil para a “liquidação de sua sentença”, ou
seja, para a transformação deste direito em um valor monetário.
Em resumo: a partir da alteração dos art. 63 e 387 do Código de Processo Penal,
o direito do ofendido que antes era certo, mas ilíquido, passou a ser líquido e certo. Na
lei anterior, a sentença que condenava o acusado reafirmando que o ofendido foi lesado
era um título ilíquido porque não fixava o valor deste dano, cabendo ao interessado
proceder ao seu cálculo no juízo civil. Nesta liquidação, embora não fosse possível
rediscutir a lide ou modificar a sentença que a julgou (art. 475-G), era necessária a
produção de provas acerca do valor do dano existente (Borges de Mendonça, 2009:
231).
A intenção explícita do legislador, neste caso, foi agilizar a indenização, uma
vez que o ofendido não precisa mais iniciar um novo processo (de liquidação da
sentença) para ter o seu direito reconhecido. Esta mudança visou ainda dar maior
segurança ao ofendido, que já no âmbito penal tem conhecimento do valor que receberá
por ter sido lesado por uma conduta criminosa.
Importante salientar ainda que a fixação do valor da indenização não pode ser
entendido como uma violação do princípio da inércia do magistrado, uma vez que é
142 Art. 63. Parágrafo único. Transitada em julgado a sentença condenatória, a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do inciso IV do caput do art. 387 deste Código sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido.
228
efeito automático de toda e qualquer sentença penal condenatória transitada em julgado
impor ao réu o dever de indenizar o dano causado.
A inteligência do legislador foi, portanto, evitar que a vítima tenha que esperar
ainda mais pela reparação do dano. Agora já na sentença que condena o acusado, o juiz
diz qual é o valor que este deve pagar à vítima a título de indenização pelos danos
sofridos.
Quais foram, portanto, os pontos polêmicos da reforma neste sentido?
Em primeiro lugar, há de se registrar que esta disposição afeta o princípio da
correlação da acusação e sentença e da ampla defesa. Com essa reforma, permite-se ao
juiz definir questões que não foram objeto do pedido da acusação na denúncia. O MP,
na seara criminal, pede a condenação do acusado, e é dela que se defende o réu. Ou seja,
não há pedido de indenização, nem tampouco instrução e/ou debate acerca do quantum
indenizatório à vítima. Falece ao réu meios para se defender deste arbitramento de
valor (que seuqer foi demandado pela parte autora/acusação), posto que somente o fará
quando demandado na esfera civil.
Inobstante este fato, a equipe analisou se existia alguma decisão que por erro ou
algum outro motivo que mencionasse a Lei 11.689/08. Mas, neste item, não se
constatou nenhuma incongruência na classificação das decisões e, por isso, ao invés de
uma tabela apresentando quantas decisões cada tribunal proferiu em relação a cada lei,
neste caso, a informação será apresentada a partir do Gráfico 14.
229
Gráfico 14 – Número de decisões classificadas como “critérios para a fixação de quantum indenizatório” por tribunal
Brasil - setembro de 2008 a setembro de 2009
Fonte: dados da pesquisa.
Uma vez constatado que o tribunal mais questionado no que se refere aos
critérios de fixação de quantum indenizatório eram os do Rio Grande do Sul e Minas
Gerais, a pesquisa se concentrou na análise qualitativa dos julgados. Com isso, foi
possível perceber que, neste caso, as decisões estão relacionadas a pedidos para que esta
indenização seja contemplada já na sentença.
A análise dos julgados mapeados pela pesquisa demonstrou que os juízes
parecem estar imbuídos do espírito da reforma, posto que as ações e recursos que
questionavam a não aplicação deste dispositivo tiveram, em sua maioria, seu mérito
reconhecido.
Da mesma forma, aquelas ações e recursos que pleiteavam a anulação de tal
medida, por seu turno, foram rechaçados. Este é o caso da decisão do Tribunal de
Justiça do Mato Grosso que deu provimento ao Habeas Corpus 18918, que visava, entre
outras coisas, anular a condenação no que se refere à determinação de indenizar imposta
ao acusado. Este Habeas Corpus alega existir constrangimento ilegal, haja vista a
ausência de pedido da parte interessada, configurando-se, destarte, concessão para além
do pedido da acusação. Ocorre que este tribunal entendeu haver fiel cumprimento ao
230
determinado pelo art. 63 do CPP, com as alterações feitas pela Lei 11.719/08, em que
pode o juiz fixar o quantum indenizatório levando-se em consideração as circunstâncias
do caso concreto ainda que a vítima não tenha solicitado.
Por fim, cumpre destacar que, de acordo com alguns doutrinadores (Borges de
Mendonça, 2009), na nova sistemática, se o magistrado se omitir de tratar do dano na
sentença ou, ainda, tiver os elementos para fixação do valor do dano, ainda que
minimamente, e não o fizer, de ofício, estará este juiz incidindo em omissão, posto que
este encontra-se adstrito ao dever legal de se manifestar de ofício sobre esta matéria.
IV.4.10 - Reexame necessário revogado pela Lei 11.689/08
De acordo com Pagliuca (2008), a Lei 11.689/08, ao reformar o art. 415143 do
CPP suprimiu o reexame necessário relativo à absolvição sumária nos casos de crimes
dolosos contra a vida. Com o intuito de verificar que tribunais têm discutido esta
matéria, tem-se o Gráfico 09. Mais uma vez, por se tratar de dispositivo que foi alterado
apenas no âmbito de uma dada lei, os tribunais fazem referência apenas à lei que alterou
este dispositivo e não a ambas.
143 Vide discussão sobre absolvição sumária
231
Gráfico 15 – Número de decisões classificadas como “Reexame necessário revogado pela Lei 11.689/08” por tribunal
Brasil - setembro de 2008 a setembro de 2009
Fonte: Dados da pesquisa.
Mas o que a análise qualitativa dos julgados demonstrou? Primeiro, os tribunais
têm corroborado o principio da voluntariedade dos recursos, o qual sempre esteve, mas
igualmente sempre com ressalvas e exceções, as quais foram reduzidas com a reforma
de 2008. A análise qualitativa dos julgados revela que caso as partes se sintam
inconformadas com a sentença do juiz, poderão recorrer usando para tanto a via da
apelação. Neste sentido, tem-se a decisão do Reexame Necessário Nº 2000.0222.1369-
5/1 do Tribunal de Justiça do Ceará
REMESSA EX OFFICIO - Reexame necessário. Sob a regência processual
anterior, se o juiz, no rito dos delitos contra a vida, absolvesse sumariamente
o réu, deveria recorrer de ofício. Com as novas disposições trazidas pela Lei
nº 11.689/08, o recurso cabível é a apelação, extinto, por decorrência lógica,
e em boa hora, o impropriamente denominado recurso ex officio. -
Impugnativo não-conhecido. -Unanimidade.
Interessante notar que, como a decisão do TJ/CE foi uma das primeiras a serem
publicadas neste sentido, outras decisões encontradas fazem referência a este julgado.
Mas, o que entende a doutrina desta mudança em relação ao sistema de garantias do
232
acusado e em relação às garantias da própria sociedade? A doutrina ainda não possui
posicionamento pacífico neste sentido.
De acordo com Pagliuca (2008), esta mudança teve como objetivo acelerar o
procedimento penal e ocorreu sem prejuízo ao sistema de garantias do acusado, que se
vê absolvido de maneira definitiva mais rapidamente.
Do outro lado, tem-se o entender de Nucci (2008), para quem esta alteração
implica comprometimentos diretos para o sistema de garantias do acusado e para o
devido processo legal. Isso porque, com a mudança, caso o magistrado absolva
equivocadamente o acusado e, porventura, o promotor não recorra, o Tribunal Popular
terminaria por perder o seu sentido, ou melhor, a sua soberania, posto que a sua decisão
a respeito de um delito doloso contra a vida poderia não ser implementada.
Para a equipe da pesquisa, o entender de Nucci (2008) parece equivocado, já que
o tribunal popular apenas deve ser chamado nos casos em que este pode desempenhar a
função de julgar um delito para o qual há indícios suficientes de autoria e de
materialidade. Assim, se o juiz absolve sumariamente o acusado e a acusação não
recorre, é porque, neste caso, estes elementos não se fazem presentes. De tal modo, o
direito do acusado a se ver livre de acusação que não procede deve prevalecer em
relação a todos os demais princípios.
IV.4.11 – Critérios para a decisão de pronúncia
A Lei 11.689/08 estabeleceu mudanças no que refere à pronúncia a partir da
alteração da redação de todo art. 413144 do CPP. Entre as principais mudanças
promovidas pelo legislador tem-se agora o fato de a fundamentação desta decisão
limitar-se aos indícios de autoria e materialidade do delito não podendo mais o juiz
emitir nenhum juízo de valor sobre a possível condenação do réu, decisão esta que cabe
ao corpo de jurados.
144 Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação. § 1o A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena. § 2o Se o crime for afiançável, o juiz arbitrará o valor da fiança para a concessão ou manutenção da liberdade provisória. § 3o O juiz decidirá, motivadamente, no caso de manutenção, revogação ou substituição da prisão ou medida restritiva de liberdade anteriormente decretada e, tratando-se de acusado solto, sobre a necessidade da decretação da prisão ou imposição de quaisquer das medidas previstas no Título IX do Livro I deste Código.
233
Na sistemática anterior, em que o juiz podia fazer tais apreciações quando da
decisão de pronúncia, era comprometido o princípio de presunção da inocência do réu,
já que o veredicto no caso de crime doloso contra a vida (que é o crime ao qual cabe
pronúncia) é incumbido ao corpo de jurados e não ao juiz. Com isso, o acusado era
virtualmente condenado, antes mesmo de seu caso ser apreciado por seus pares.
O juiz podia fazer tais apreciações porque ele deveria fundamentar a pronúncia
explicitando os motivos do seu convencimento, ou seja, porque ele estava convencido
de que o acusado deveria ser levado a julgamento pelo júri, tal como denota a redação
antiga do Art. 408.
“Se o juiz se convencer da existência do crime e de indícios de que o réu
seja o seu autor, pronunciá-lo-á, dando os motivos do seu convencimento.”
Pela legislação atual, na pronúncia, o juiz
“limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de
indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo declarar o dispositivo
legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e
as causas de aumento de pena” (art. 413, § 1o )
Por outro lado, esta sistemática comprometia ainda a soberania do júri, que
muitas vezes tendo acesso ao conteúdo da decisão de pronúncia, poderia ser
influenciado em sua decisão e, assim, em vez de julgar de acordo com a sua consciência
poderia julgar de acordo com as direções já traçadas pelo juiz.
No entanto, apesar de as mudanças terem sido diversas, poucos são os tribunais
que têm apresentado questionamentos neste sentido, fenômeno este que pode ser
vislumbrado na Tabela 41.
Tabela 41 – Número de julgados classificados como “critérios de pronúncia” de acordo com a lei a que se referem.
Brasil - setembro de 2008 a setembro de 2009 Tribunal Lei 11.719/08 Lei 11.689/08 Total STJ 1 6 7 STF 0 4 4 TJ/CE 0 1 1 Total 1 11 12
Fonte: Dados da pesquisa
A Tabela 41 apresenta questões interessantes. Primeiro, o maior número de
julgados mapeados foi oriundo do STJ e STF, sendo que apenas um julgado foi
mapeado no âmbito dos tribunais estaduais.
234
Segundo, há uma decisão que faz menção à Lei 11.719/08 em detrimento da Lei
11.689/08. Este é o HABEAS CORPUS Nº 66.162 - PR (2006/0198632-0) julgado pelo
Superior Tribunal de Justiça, o qual ao invés de citar a nova redação do art. 413 para a
necessidade de fundamentação dos critérios de pronúncia decidiu utilizar a nova
redação do Art. 395 145 que se refere aos critérios para a denúncia. A lógica foi que os
elementos necessários para uma peça também se fazem necessários para a outra.
Então, a pergunta cabível neste momento é a seguinte: o que estes tribunais
estão discutindo quanto à reforma no âmbito dos novos critérios para a decisão de
pronúncia? A análise qualitativa dos julgados denotou que os operadores do direito têm
questionado exatamente o não respeito do magistrado à nova redação do art. 413, que
ampliou o sistema de garantias constitucionais do acusado.
Ou seja: as decisões de pronúncia são questionadas por ter o juiz opinado
abertamente acerca da culpabilidade do réu, comprometendo a presunção de inocência.
Um exemplo de julgado desta natureza é o Habeas Corpus 86.414-7, que foi julgado
pelo STF e estabeleceu o seguinte:
SENTENÇA DE PRONÚNCIA – FUNDAMENTAÇÃO. A sentença de
pronúncia há de estar alicerçada em dados constantes do processo, não se
podendo vislumbrar, na fundamentação, excesso de linguagem.
Estas decisões exemplificam que a aplicação da legislação atual realmente se
mostra mais atenta às garantias do réu no sentido de impedir que ele tenha a sua
culpabilidade afirmada pelo juiz quando da sentença de pronúncia.
Mesmo assim, é interessante destacar que este entendimento de que a pronúncia
deve ser um documento que indica quem é o suspeito da prática do delito e quais são as
provas de autoria e materialidade do delito em questão, em detrimento de ser uma peça
acusatória, é reforçado por outra mudança ocasionada pela mesma Lei 11.689/08.
Trata-se da nova redação do art. 478,146 o qual estabelece a impossibilidade de as
partes, durante os debates orais em plenário, fazerem referência à decisão de pronúncia
145 Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando: I - for manifestamente inepta; II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou III - faltar justa causa para o exercício da ação penal.
146 Art. 478. Durante os debates as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer referências: I – à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação ou à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado;
235
ou quaisquer outras decisões anteriores constantes no processo, independente de estas
fazerem boas ou más referências ao réu. Este artigo reforça o anterior na medida em
que, caso o juiz tenha, ao contrário do disposto em lei, feito qualquer tipo de apreciação
valorativa da conduta do réu em sua decisão de pronúncia, esta não será mencionada em
plenário e, por conseguinte, não virá a influenciar os jurados. Com base nisso, por
exemplo, o STF, no HC 86414/PE, se posicionou da seguinte forma:
SENTENÇA DE PRONÚNCIA - FUNDAMENTAÇÃO. A sentença de
pronúncia há de estar alicerçada em dados constantes do processo, não se
podendo vislumbrar, na fundamentação, excesso de linguagem. SENTENÇA
DE PRONÚNCIA - LEITURA NO PLENÁRIO DO JÚRI -
IMPOSSIBILIDADE. Consoante dispõe o inciso I do artigo 478 do Código
de Processo Penal, presente a redação conferida pela Lei nº 11.689/08, a
sentença de pronúncia e as decisões posteriores que julgarem admissível a
acusação não podem, sob pena de nulidade, ser objeto sequer de referência, o
que se dirá de leitura.
A impossibilidade de menção da decisão de pronúncia em plenário,
especialmente quando esta se encontra eivada de erro do magistrado que,
indevidamente, emite juízo de valor sobre a culpabilidade do réu, garante que os jurados
julguem o caso de acordo com os fatos e com a sua consciência. Como exemplo de
decisão que conjuga as duas questões abordadas tem-se o julgamento do Habeas
Corpus Nº 84.396 - SP (2007/0129991-5) pelo STJ:
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS . HOMICÍDIO
TRIPLAMENTE QUALIFICADO, SEQUESTRO E CÁRCERE PRIVADO.
SENTENÇA DE PRONÚNCIA. EXCESSO DE LINGUAGEM. LEI
11.689/08. NOVO ART. 478 DO CPP. ORDEM PARCIALMENTE
CONCEDIDA. 1. Muito embora o STF, recentemente (HC 96.123/SP, Rel.
Min. Carlos Brito, julgado em 3/2/09), tenha expressado entendimento no
sentido de que, em razão da superveniência da Lei 11.689/08 – que deu nova
redação ao art. 478 do CPP, impossibilitando as partes de fazerem referências
à sentença de pronúncia durante os debates –, não mais haveria o interesse de
agir das impetrações que alegassem excesso de linguagem, a norma inserta
no novo art. 480, § 3º, do CPP permite aos jurados a oportunidade de
examinar os autos logo após encerrados os debates. 2. Devem ser excluídos
da sentença de pronúncia trechos nos quais o magistrado emite opinião
quanto à autoria do crime, pois, de alguma forma, pode, em prejuízo à defesa,
influir na convicção dos jurados.
236
A polêmica que se abre sem encontrar ainda solução no âmbito jurisprudencial é,
portanto, entre a falta de fundamentação que torna a pronúncia carente de motivação e o
excesso de motivação que a torna, equivocadamente, peça acusatória.
Como visto no exemplo acima, a reforma não logrou êxito em solucionar o
problema, causando controvérsias entre o entendimento sobre o tema de um lado, do
STF e, do outro, do STJ. Talvez o caso fosse de nova reforma dirimir essas dúvidas por
meio de descrição clara da estrutura e requisitos da decisão de pronúncia.
IV.4.12 Mutatio e Emendatio Libelli
A Lei nº 11.719/2008 alterou ainda a redação dos art. 383 147 e 384148 do CPP e,
com isso, modificou a forma dos institutos da emendatio e da mutatio libelli. O que o
legislador buscou com a referida alteração foi corrigir os problemas ocasionados pela
aplicação desse instituto nos termos da regulamentação anterior.
No entanto, para evitar qualquer interpretação equivocada, cumpre iniciar esta
seção definido os termos, posto que, apesar de inter-relacionados, estas são figuras
jurídicas distintas.
A emendatio libelli é a disposta pelo art. 383, a qual estabelece que o juiz pode
atribuir definição jurídica diversa aos fatos narrados na denúncia. Neste caso, não há
violação ao sistema acusatório, nem necessariamente comprometimento da
imparcialidade judicial, porque o juiz simplesmente dá a sua própria interpretação aos
fatos, conforme é seu dever (Queiroz, 2007).
147 Redação anterior: Art. 383. O juiz poderá dar ao fato definição jurídica diversa da que constar da queixa ou da denúncia, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave.
Redação atual: Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave. § 1o Se, em conseqüência de definição jurídica diversa, houver possibilidade de proposta de suspensão condicional do processo, o juiz procederá de acordo com o disposto na lei. § 2o Tratando-se de infração da competência de outro juízo, a este serão encaminhados os autos.
148 Redação anterior: Art. 384 - Se o juiz reconhecer a possibilidade de nova definição jurídica do fato, em conseqüência de prova existente nos autos de circunstância elementar, não contida, explícita ou implicitamente, na denúncia ou na queixa, baixará o processo, a fim de que a defesa, no prazo de oito dias, fale e, se quiser, produza prova, podendo ser ouvidas até três testemunhas.
Redação atual: Art. 384. Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição jurídica do fato, em conseqüência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação, o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou queixa, no prazo de 5 (cinco) dias, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito oralmente.
237
A reforma não alterou este ponto substancialmente uma vez que o juiz ainda
pode realizar a emendatio libelli e, inclusive, em razão desta “emenda”, tornar possível
a aplicação da Suspensão Condicional do Processo. 149
A mudança realizada pela Lei 11.719/08 foi a inserção da ressalva “sem
modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe
definição jurídica” no caput do referido artigo, dando mais segurança ao réu quanto ao
crime pelo qual ele será processado. Agora, como antes, o juiz pode atribuir definição
jurídica diversa aos fatos, mas sem que isso implique nova definição dos fatos
propriamente.
No entanto, no que se refere ao instituto da mutatio libeli o CPP realizou uma
verdadeira mudança há muito conclamada pelos próprios operadores do direito. Isso
porque, tal como destacado por Queiroz (2007) quando da vigência da sistemática
anterior:
Ao admitir que o juiz possa, de ofício, e indiretamente, “aditar” a denúncia
(art. 384, caput), suprindo omissão ministerial, ofende-se o sistema
acusatório, pois o co-responsabiliza pela acusação, transferindo-lhe parte do
ônus de acusar. Compete ao Ministério Público, por isso, promover a tempo o
aditamento por iniciativa própria; se não o fizer, o juiz só poderá condenar
nos termos da denúncia ou absolver, mas não poderá se substituir àquele
órgão, razão pela qual é manifesta a incompatibilidade da mutatio libelli com
o sistema acusatório”
Entendia, portanto, a doutrina que a redação dos art. 384 permitia ao juiz
condenar o réu por crime diverso do capitulado na denúncia o que implicava usurpação,
por parte do juiz, das funções do Ministério Público, posto que, agindo desta forma,
estaria ele fazendo as vezes de acusador. Para a maioria dos doutrinadores este instituto
precisava ser reformulado porque “ou bem o juiz absolve o réu ou bem o condena como
o órgão da acusação quer e propõe”, mas este nada deve fazer em termos de “mudar” o
pedido do órgão acusador (Fudoli, 2008).
Com a nova redação do art. 384, ficou expresso que o juiz não tem mais poder
para mudar a peça acusatória quando do final da instrução, cabendo ao Ministério
Público realizar tal atividade. De acordo com Fudoli (2008), esta alteração deve ser
considerada uma mudança relevante e que prestigia os princípios do contraditório e da
149 Tal como analisado na seção 03 deste relatório.
238
ampla defesa, porque, no sistema antigo, era possível que o réu tivesse se defendido
durante a instrução de um determinado fato (por exemplo, da imputação referente a ter
subtraído, para si, coisa alheia móvel) e posteriormente condenado por fato diverso (por
exemplo, por ter obtido, mediante fraude, vantagem ilícita em prejuízo de outrem), o
que surpreendia a defesa, enfraquecendo os referidos princípios constitucionais.
Esta mesma legislação esclareceu que o Ministério Público só poderá aditar a
queixa se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação penal
pública. Naturalmente, o Ministério Público não podia (e continua não podendo) aditar
a queixa, em se tratando de ação penal de iniciativa privada própria, pois não possui
legitimidade para tal.
No sentido de conferir maior segurança ao réu em termos dos seus direitos de
ampla defesa, o novo § 1º do art. 384 150 previu que, não procedendo o Ministério
Público ao aditamento, o Juiz deverá aplicar o art. 28 do CPP, remetendo os autos ao
Procurador-Geral de Justiça (no âmbito da União, à Câmara de Coordenação e Revisão
da Ordem Jurídica Criminal do Ministério Público Federal ou do Distrito Federal e
Territórios - Lei Complementar n. 75/93), para que o Chefe da Instituição mantenha a
acusação, nos termos postos pelo membro do Ministério Público com atuação na
primeira instância, ou para que adite a inicial, ou ainda para que designe outro membro
do Ministério Público para fazê-lo.
Feitas estas considerações, fica patente que o instituto realmente reformado pela
Lei 11.719/08 é a mutatio libelli e não a emendatio libelli, que foi simplesmente
aperfeiçoada. Este cenário fica visível também nos dados coletados a partir da análise
dos julgados, posto que dos 10 casos classificados nesta categoria, sete se referem ao
primeiro instituto e apenas três ao segundo (Tabela 42).
Tabela 42 – Número de decisões classificadas como “Emendatio Libelli” e “Mutatio Libelli” por tribunal Brasil - setembro de 2008 a setembro de 2009
Tribunal Emendatio Libelli Mutatio Libelli Total TRF2 2 0 2 TJ/GO 0 1 1 TJ/MG 0 1 1 TJ/PA 0 1 1 TJ/PR 0 1 1 TJ/RS 0 1 1 TJ/SE 1 0 1 TJ/SP 0 1 1
150 Art. 384 - § 1o Não procedendo o órgão do Ministério Público ao aditamento, aplica-se o art. 28 deste Código.
239
TRF3 0 1 1 Total 3 7 10
Fonte: Dados da pesquisa
As decisões analisadas demonstraram o clamor pela correspondência entre as
alterações introduzidas pela nova lei e a realidade dos tribunais. Como exemplo especial
desta discussão, tem-se o caso de uma apelação visando anular sentença proferida em
sede de denúncia que imputou furto tentado, sendo certo que na decisão houve
qualificação diferente da inicial, uma vez que o juiz classificou o delito como furto
consumado, fundamentando sua decisão no art. 384 do CPP. Ocorre que com a nova
redação deste artigo este tipo de procedimento resta terminantemente proibido, dada a
prevalência do princípio de correlação entre acusação e defesa:
APELAÇÃO - FALSIFICAÇÃO DE REMÉDIOS -PRINCÍPIO DA
CORRELAÇÃO ENTRE DENÚNCIA E SENTENÇA - AUSÊNCIA DE
IMPUTAÇÃO DO DOLO EVENTUAL - NECESSIDADE - NOVA
DEFINIÇÃO JURÍDICA DOS FATOS - APLICABILIDADE DO ART. 89
DA LEI 9099/95 - SENTENÇA ANULADA. Viola-se o princípio da
correlação entre a exordial e a sentença quando a condenação se dá por
elemento subjetivo diverso daquele mencionado na denúncia, ainda que a
diferenciação ocorra dentro do mesmo gênero, no caso, dolo. O acusado tem
o direito de se defender de uma imputação precisamente delimitada e
juridicamente idônea, impondo-se a descrição do dolo eventual na denúncia
para que seja condenado pelo crime imputado nesta referida modalidade
subjetiva. (TJMG, 5ª Câmara Criminal, Apelação Criminal nº.
1.0702.03.083337-1/001(1), Rel. Des. Alexandre Victor de Carvalho)
Portanto, a nova redação dada aos art. 383 e 384 ampliou sua afinidade com os
ditames constitucionais e, por isso, pode-se dizer que estes institutos foram
aperfeiçoados pela reforma de 2008.
IV.4.13 – Suspensão Condicional do Processo
A Lei nº 11.719, de 2008, alterou o § 3º do Art. 383 151 do CPP para esclarecer
que, ao proferir a sentença, o juiz, caso atribua ao fato descrito na denúncia ou queixa
definição jurídica diversa e essa nova definição permitir a concessão da suspensão
151 Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave. § 1o Se, em conseqüência de definição jurídica diversa, houver possibilidade de proposta de suspensão condicional do processo, o juiz procederá de acordo com o disposto na lei.
240
condicional do processo, deve proceder de acordo com o disposto no art. 89 152 Lei nº
9.099/1995, que é a legislação que regula o funcionamento de tal instituto. Ou seja,
abertura de vista ao membro do Ministério Público para o oferecimento da medida
despenalizadora, no caso de o acusado preencher todos os requsisitos legais.
De forma sucinta, é possível afirmar que a suspensão condicional do processo é
uma alternativa à jurisdição penal, sendo ainda um instituto de despenalização, mas no
âmbito do qual não há a exclusão do caráter ilícito do fato. O que o instituto procura é
evitar a aplicação da pena e a continuidade do processo, fazendo com que o suspeito
abra mão do direito de ser processado pelo Estado em troca do cumprimento de dadas
obrigações, dentre as quais cumpre destacar a de comparecer em juízo periodicamente.
De acordo com Borges de Mendonça (2009), a suspensão condicional do
processo pode ser entendida como um acordo entre o acusado e o Ministério Público, no
qual ambos cedem uma parte de seus direitos para composição de seus interesses: o MP
cede o seu direito a continuar a persecução criminal e o acusado uma parcela de seus
direitos e garantias, posto que poderia alcançar uma absolvição, mas abre mão da
continuidade do processo para cumprir determinadas condições e, com isso, encerrar o
seu caso sem julgamento do mérito.
Exatamente por isso, o ideal – e o previsto em lei (art. 899, Lei 9.099/95) – é que
a suspensão condicional do processo ocorra antes de se iniciar na análise do mérito da
pretensão, ou seja, antes de o acusado apresentar a sua defesa inicial, sob pena de ofensa
ao princípio constitucional do devido processo legal.
A Lei 11.719/08 não alterou o funcionamento deste instituto, mas apenas aclarou
um novo momento para oferecimento da Suspensão Condicional do Processo. O
problema que se coloca é a não explicitação da forma para oferecimento da suspensão
condicional do processo quando o juiz, sem modificar a descrição do fato contida na
denúncia ou queixa, atribuir-lhe definição jurídica diversa e com isso tornar possível a
aplicação do referido instituto.
152 Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).
241
Em verdade, apenas o TJ/RS e o TJ/SP apresentaram discussão neste sentido,
posto que das 10 decisões encontradas quanto a este tema, 9 se referem ao primeiro
tribunal e 1 se refere ao segundo.
Contudo, em ambos os casos, os tribunais têm agido no sentido de sempre
utilizarem a suspensão condicional do processo quando esta é aplicável. Parte-se do
pressuposto de que, com o uso de tal instituto, há uma economia tanto em termos de
tempo como ainda em termos de recursos despendidos em um processo que, ao final,
pode não ser julgado por insuficiência de provas, por exemplo.
Alguns tribunais, como é o caso de São Paulo, chegam até a determinar que caso
a suspensão condicional do processo, quando cabível, não tenha sido oferecida pelo
Ministério Público, cumpre ao juiz anular todos os atos praticados após a denúncia,
posto que a garantia processual do réu, de ter o seu processo suspenso, fora violada.
Como exemplo de tal posicionamento vale mencionar o caso da suspensão
condicional do processo que, nos termos da Lei 9.099/95, deve ser oferecida pelo
Ministério Público. É questão controversa a possibilidade de o juiz suprir o não
oferecimento por parte do membro do parquet quando cabível, diante da recusa do
mesmo em oferecê-la, pois, de acordo com a súmula 696 do STF, deve o juiz remeter os
autos ao Procurador-Geral de Justiça, na forma do art. 28 do CPP, para que este analise
e reveja a oportunidade do seu oferecimento. O TJSP se manifesta entendendo que caso
o Ministério Público não tenha oferecido a suspensão condicional do processo quando
esta era cabível, cumpre ao juiz anular todos os atos praticados após a denúncia, posto
que a garantia processual do réu, de ter o seu processo suspenso fora violada. Neste
sentido:
HABEAS CORPUS n° 990.08.073265-0 -Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo, por votação unânime, conceder a ordem para anular os atos
processuais praticados a partir do recebimento da denúncia, a fim de que seja
na origem efetivada pelo MM. Juiz audiência de proposta de suspensão
processual, ou que, então, caso se faça necessário, que lance mão do disposto
no artigo 28, do Código de Processo Penal, ante a recusa ministerial em
ofertar a proposta devida, de conformidade com o relatório e voto do Relator,
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
242
À equipe da pesquisa, o mais razoável seria a inserção no parágrafo 1º do art.
383 de tal maneira que ficasse claro que o procedimento a ser adotado seria a do art. 89
da Lei 9.099/95.
IV.4.14 – Recurso em Sentido Estrito recebido como Apelação
Nos crimes afetos ao Tribunal do Júri, com o advento da nova lei, quando o juiz
impronuncia o réu, o recurso cabível contra essa decisão é a apelação. Antes da entrada
em vigor da Lei 11.689/08, o recurso adequado era o recurso em sentido estrito.
Contudo, dada a existência do art. 574 do CPP, apesar da mudança, no período de
transição, um recurso pode ser recebido como o outro com o objetivo de não se
prejudicar o acusado. Este foi o posicionamento adotado no julgamento dos seis
recursos mapeados e classificados sob este título, todos oriundos do TJ/SP. In verbis:
Em face das recentes alterações promovidas pela Lei n° 11.689, de 2008, no
Código de Processo Penal, e, com. observância do art. 20, do mesmo
Caderno, recebe-se o recurso interposto como apelação (art. 416), acolhendo-
se as razões nele deduzidas” Recurso em sentido estrito" n° 993.04.021637-0
Como este problema é oriundo da fase de adaptação dos próprios operadores do
direito à nova lei, acredita-se que nos anos vindouros esta questão não seja mais
suscitada no âmbito dos tribunais.
IV.4.15 – Uso de Algemas
A Lei 11.689 /08 inovou ainda ao estabelecer, no § 3º do art. 474, 153 a
excepcionalidade do uso de algemas, não permitindo que o seu uso durante o período
em que o acusado estiver no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem
dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos
presentes.
Os fundamentos para tal mudança na lei referem-se ao entendimento de que o
uso de algemas em plenário entra em confronto com a ordem jurídico-constitucional,
uma vez que, em diversas situações, o uso de algemas submete o acusado à humilhação
153 Art 474, § 3o Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes
243
e a impressão de que o réu é considerado culpado antes mesmo de seu julgamento. Esta
temática foi detalhadamente regulamentada em 7.8.2008, quando da publicação da
súmula vinculante 154 no. 11 pelo Supremo Tribunal Federal.
Um exemplo deste tipo de discussão é o Rcl 6928 / PR - PARANÁ impetrado no
STF. Neste caso o reclamante alega que a autoridade reclamada, ao mantê-lo
injustificadamente algemado durante toda sessão de julgamento do Tribunal do Júri que
o condenou a 12 anos de prisão, teria afrontado a nova lei e que tal medida foi
justificada pelo juiz de forma genérica, o que teria violado o princípio constitucional da
dignidade da pessoa humana.
A autoridade reclamada, ao prestar informações, afirma que o julgamento do réu
ocorreu em data anterior à edição da Lei n. 11.689/2008 e que o contingente de policiais
era insuficiente para garantir a segurança dos presentes à sessão do Tribunal do Júri. O
Tribunal acolheu a reclamação sob o argumento de que restou demonstrado no caso em
exame a necessidade do uso de algemas.
Ou seja, o uso de algemas pode se consubstanciar em constrangimento ilegal
quando o acusado não representa perigo algum aos presentes na sala de audiências,
quando há policiamento suficiente para conter qualquer distúrbio que o acusado possa
ocasionar e, mesmo assim, ele permanece algemado durante todo este momento
processual.
Aliás, é interessante destacar que este tema foi tratado em apenas seis decisões,
sendo quatro delas provenientes do STF e duas provenientes do STJ. Contudo, dado o
papel diferenciado que esses dois tribunais possuem no ordenamento jurídico brasileiro,
tem-se a seção subseqüente.
IV.5 – As decisões do STJ e STF no que se refere às Leis 11.719/08 e 11.689/08
O STJ e o STF foram analisados em separado porque possuem o poder de editar
súmulas, que abrangem a jurisdição da federação como um todo, já que são estas as
cortes de mais alta hierarquia no Brasil.
As súmulas são enunciados objetivos que resumem o entendimento dos tribunais
sobre determinados temas, cuja interpretação já esteja consagrada. De acordo com 154 Este assunto será tratado em detalhe na seção seguinte.
244
Bottini (2004), elas surgiram no ordenamento jurídico brasileiro sob o pretexto de
agilização de nosso sistema de justiça criminal, escoltadas pelo argumento da
sobrecarga de processos nos tribunais superiores. Apesar da controvérsia sobre a
utilidade ou não deste instituto com esta finalidade, fato é que estas decisões expressam
o entendimento predominante das cortes superiores quanto a pontos controversos.
Contudo, é importante destacar que nem sempre as temáticas apreciadas por
cada um destes dois tribunais são as mesmas, uma vez que estes possuem competências
distintas: o STF decide assuntos relacionados à matéria constitucional, enquanto o STJ
decide assuntos relacionados à matéria infraconstitucional em última instância, ou seja,
quando esgotadas todas as demais possibilidades de discussão de violação da lei federal.
No que se refere ao objeto desta pesquisa, cumpre destacar ainda que o STF tem
o poder de editar súmulas vinculantes, enquanto o STJ apenas edita súmulas persuasivas
que, embora não tenham efeito vinculante, servem de referência sobre a posição
dominante na Corte (Fux, 2005).
Assim, como a reforma do Código de Processo Penal é uma legislação
infraconstitucional, mas que afeta alguns direitos e garantias constitucionais do acusado,
ambas as cortes têm se pronunciado em relação às referidas leis nos seguintes assuntos
(Tabela 43):
Tabela 43 – Matérias apresentadas nas decisões do STF e STJ relacionadas aos novos procedimentos
penais Brasil - setembro de 2008 a setembro de 2009
Matéria STF STJ Total Ausência de Justa Causa para Prisão Cautelar 3 20 23 Excesso de Prazo 3 19 22 Nulidade Processual 0 16 16 Aplicação do Novo Procedimento - Direito Intertemporal 1 12 13 Critérios de Pronúncia 4 7 11 Identidade Física do Juiz 0 7 7 Uso de algemas 4 2 6 Cerceamento de Defesa 1 3 4 Protesto por novo júri 0 1 1 Total 16 87 103 Fonte: Dados da pesquisa.
A matéria mais discutida no âmbito do STJ é a ausência de justa causa para a
prisão cautelar, enquanto que no âmbito do STF têm-se a questão do uso de algemas e
critérios de pronúncia como as questões mais decididas.
245
Interessante destacar que no âmbito do STJ já existe uma súmula sobre a
ausência de justa causa para a prisão cautelar, a qual, contudo, foi publicada antes
mesmo da reforma de 2008. Esta é a súmula 347, que estabelece o conhecimento de
recurso de apelação do réu independe de sua prisão.155 Logo, diante da análise dos
novos procedimentos penais, é seguro afirmar que este entendimento foi consagrado no
âmbito da própria legislação.
Já no âmbito do STF, até o momento foi publicada apenas uma súmula
vinculante relacionada às matérias tratadas pela reforma do processo penal de 2008.
Esta é a Súmula vinculante 11, a qual foi aprovada em Sessão Plenária de 13/08/2008 e
estabeleceu que:
Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de
fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de
terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade
disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do
ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado. 156
Como uma nova súmula é editada cada vez que a jurisprudência do Tribunal
encontra-se solidificada em determinado sentido, é possível concluir que de todas as
matérias controversas analisadas neste relatório apenas o uso de algemas possui um
entendimento solidificado e, por isso, sumulado. Mesmo assim, trata-se de questão cuja
polêmica também antecedia a publicação da lei, fazendo com que lei e súmula fossem
publicadas quase que simultaneamente e em harmonia.
IV.6 – Considerações finais
A proposta deste capítulo foi a de mapear as principais discussões relacionadas à
Lei 11.719/08 e à Lei 11.689/08 no âmbito dos tribunais brasileiros. A partir do exame
das decisões destes diversos órgãos, a intenção foi verificar quais são as questões
polêmicas trazidas pelas novas leis.
Verificar como a letra da lei se transforma em matéria viva no âmbito dos
tribunais não é tarefa fácil no cenário brasileiro. Conforme destacado por diversas
155 In verbis: "O conhecimento de recurso de apelação do réu independe de sua prisão."
156 Informações disponíveis no site do Superior Tribunal de Justiça http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumulaVinculante&pagina=sumula_001_016, acesso em 26 de Janeiro de 2010.
246
pesquisas (Adorno e Izumino, 2000; Kant de Lima et al, 2000), a coleta de informações
sobre o funcionamento do judiciário e, ainda, sobre o conteúdo de suas decisões, ainda é
bastante difícil de ser realizada. Especificamente no caso deste relatório, as principais
dificuldades da equipe disseram respeito ao fato de alguns tribunais (como Piauí,
Paraíba e Alagoas) ainda não publicarem as suas decisões de forma que todos os
interessados no assunto possam consultá-las livremente.
Soma-se a este problema o fato de a decisão estar disponível para consulta
pública não significa que esta possa ser imediatamente apreendida, em termos da
matéria tratada ou ainda em termos da contribuição que esta apresenta para o tratamento
da questão (no caso, a aplicação das leis 11.719/08 e 11.689/08). Isso porque há
tribunais que publicam apenas a ementa da decisão e não o seu inteiro teor (este é o
caso, por exemplo, do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe), dificultando a
operacionalização de uma pesquisa como esta.
No extremo oposto está o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, cujas decisões
mostram um esmero até exagerado, no que concerne, por exemplo, às formalidades
legais e administrativas.
Em outras situações, as informações relacionadas à natureza da demanda ou à
questão constitucional envolvida são bastante precárias e, com isso, apesar de a decisão
parecer relacionada a um determinado tema, é difícil dizer com segurança qual a sua
contribuição para os demais operadores do direito.
Vencidas essas limitações, foi possível mapear 603 julgados, sendo que as
análises detalhadas de diversos temas catalogados de acordo com os critérios
sumarizados na seção 03 deste capítulo permitiram à pesquisa não apenas conhecer os
temas controversos das novas leis na visão dos operadores do direito, mas ainda
verificar quais são os pontos que podem ser aperfeiçoados de maneira a dirimir estas
controvérsias.
247
CAPÍTULO V - ALTERAÇÕES PRODUZIDAS PELA REFORMA LEGISLATIVA NA PRÁTICA: A VISÃO DOS OPERADORES DO DIREITO NOS TRIBUNAIS DO JÚRI E NAS VARAS CRIMINAIS DO RIO DE JANEIRO
V.1. Introdução
A pesquisa “Os novos procedimentos penais: uma análise empírica das
mudanças introduzidas pelas leis 11.719/08 e 11.689/08” apresentou, até o momento,
quatro pontos de reflexão sobre os possíveis impactos das novas leis no âmbito da
operacionalização do Direito na capital Rio de Janeiro especificamente.
Num primeiro momento, buscou-se compreender as alterações produzidas pela
reforma legislativa partindo de comparações entre as legislações anterior e atual, além
de enfatizar pesquisas sociológicas relacionadas ao tema no Brasil. Ainda neste primeiro
momento, as pesquisas sociológicas foram revisadas com o objetivo de se compreender
como o tema é trabalhado pelas diversas ciências que se ocupam em analisar o
fenômeno.
Dando continuidade às discussões sociológicas sobre o tempo decorrido para os
trâmites processuais, elaborou-se uma análise quantitativa tendo como fonte de dados as
informações geradas e processadas pelos Tribunais de Justiça do Estado do Rio de
Janeiro e do Estado de São Paulo. Foram analisados os aspectos temporais dos
processos de roubo e homicídio doloso nas respectivas capitais. Em terceiro lugar,
produziu-se uma discussão que contempla a reforma à luz dos direitos e garantias
fundamentais da pessoa humana. Um quarto ponto versou sobre o posicionamento dos
tribunais no que concerne à reforma processual penal. Nesse momento, foram
analisadas centenas de jurisprudências produzidas pelos tribunais estaduais, regionais,
Supremo Tribunal Federal (STF) e Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Agora, como fechamento da pesquisa, o que se propõe é um texto de cunho
etnográfico, quando da inserção de pesquisadores no campo propriamente dito. Esta
seção tem como objetivo apresentar, em linhas gerais, como os operadores do Direito
foram ou não capazes de se apropriar das novas legislações em sua atividade cotidiana.
Para a construção desta parte da pesquisa, além da observação participante em
audiências do procedimento sumário, ordinário e do tribunal do júri, foram realizadas
diversas entrevistas com advogados criminalistas, defensores públicos, promotores de
248
justiça, juízes e funcionários de cartório no sentido de se compreender quais são os
maiores dilemas e desafios que estes profissionais acreditam existir para que a
celeridade processual possa ser efetivada no âmbito do processo penal sem que isso
implique o comprometimento do sistema de garantias constitucionais do acusado.
Afinal, este foi o grande propósito das leis 11.719/08 e 11.689/08.
V.2. Metodologia
Entre dezembro de 2009 e fevereiro de 2010, os pesquisadores realizaram os
seguintes procedimentos para a coleta das informações que serão analisadas nesta seção:
1. observação de audiências de instrução de julgamento nos tribunais do júri e nas varas
criminais do Fórum Central, 2. observação de sessões do júri, 3. entrevistas com
operadores do sistema de justiça. Com tal metodologia de pesquisa, foi possível
compreender em que medida as novas leis têm causado impacto e mudanças na prática
rotineira dos operadores: juízes, promotores de justiça, defensores públicos, advogados
e serventuários da comarca da capital Rio de Janeiro.
Quanto às observações das audiências, a estratégia adotada pelos pesquisadores
consistia em chegar ao fórum cerca de meia hora antes do início das mesmas, de modo a
ter tempo de olhar as pautas diárias nas diversas varas e escolher assistir o que fosse
mais adequado naquele dia. Uma vez escolhida a audiência, retirava-se uma espécie de
extrato com as informações do processo nos terminais disponíveis. Feito isso, os
pesquisadores dirigiam-se até o cartório a fim de obter outras informações sobre o
processo, tais como a data do recebimento da denúncia e quem assinou o despacho.
Neste momento, eram solicitados esclarecimentos sobre o magistrado responsável pelo
feito, se era titular ou substituto, e há quanto tempo estava à frente da vara criminal.
Em geral, os pesquisadores foram recebidos com educação em todos os cartórios
visitados. Alguns servidores mostravam-se curiosos sobre o tema da pesquisa, mas
poucos manifestaram grande interesse sobre o assunto. Pode-se dizer que a curiosidade
era mais uma desconfiança do que um interesse. Não raro, a equipe era confundida com
possíveis funcionários da Corregedoria, o que criava certo constrangimento e a
necessidade de maiores explicações a respeito. As perguntas mais comuns eram: “mas
essa pesquisa é pra quem? Onde você trabalha?”. De qualquer forma, algumas das
informações que mais interessavam à equipe não podiam ser respondidas ali no cartório,
249
pois os processos em questão geralmente já tinham sido deslocados para a sala de
audiências.
Desta maneira, os pesquisadores passaram a buscar essas informações
diretamente nas salas de audiência, tanto com os oficiais de justiça, quanto com os
secretários dos juízes. Algumas vezes, a equipe teve a oportunidade de folhear
diretamente o processo antes das audiências. Em outras, a própria secretária manuseava
os autos e ia respondendo às perguntas dos pesquisadores.
Particularmente nas varas criminais comuns, houve muita dificuldade em
encontrar processos relativos ao rito sumário. Ao final, foi possível perceber que esta
dificuldade se devia ao fato de este rito já quase não existir mais nas varas criminais
comuns, uma vez que a maior parte dos crimes considerados mais brandos é julgada
diretamente nos juizados especiais criminais. Desta forma, apesar de muito ter
procurado, só foi possível assistir a audiências de processos que corriam pelo rito
ordinário.
Ainda nas varas criminais comuns, na primeira semana de campo, a equipe
procurou assistir apenas a uma audiência por vara, buscando, com isso, observar o
trabalho de uma variedade maior de juízes. Entretanto, logo se percebeu que essa
estratégia atrasaria muito o cumprimento da meta de assistir a vinte audiências, o que
contemplaria metade do número de varas criminais existentes na comarca. Fazendo
desta forma, seria viável assistir em média somente uma audiência por dia, visto que o
tempo de espera era sempre muito grande. Quando saía da primeira audiência já era
tarde para acompanhar audiências em outras varas. A estratégia adotada, então, foi
escolher uma vara criminal por dia de campo e assistir a toda a programação de
audiências marcadas para aquele dia. Assim, além de assistir a um maior número de
audiências, tornava-se possível ver o que acontecia nos intervalos e, dessa maneira,
conseguir uma brecha para falar com os juízes e promotores, facilitando o entendimento
sobre a rotina das audiências criminais. O quadro 01 apresenta o cronograma das
audiências observadas nas varas criminais comuns.
Quadro 01: Cronograma das audiências observadas nas varas criminais comuns do
Fórum Central da comarca do Rio de Janeiro Data Processo Artigos 02/02/2010 2006.001.130225-2 Estelionato (Art. 171 - CP) C/C Lesão Corporal Leve (Art. 129 - Cp)
02/02/2010 2008.001.433375-7 Roubo (Art. 157 - CP)
02/02/2010 2008.001.393274-8 Furto Qualificado (Art. 155, § 4o. - CP).
03/02/2010 2009.001.248337-7 Latrocínio (Art. 157, § 3º, 2ª parte - CP); Crime Tentado.
250
04/02/2010 2009.001.319804-6 Porte Ilegal de Arma de Fogo de Uso Permitido (Art. 14 - Lei 10.826/03); Posse Ou Porte Ilegal de Arma de Fogo de Uso Restrito e Outros (Art. 16 - Lei 10.826/03).
08/02/2010 2009.001.154896-0 Receptação (Art. 180 - Cp), E 311 DO CP N/F Concurso Material (Art. 69 - Cp)
08/02/2010 2009.001.027691-5 Crimes Contra as Relações de Consumo (Art. 7º - Lei 8.137/90)
08/02/2010 2009.001.099098-3 Receptação (Art. 180 - Cp)
08/02/2010 2009.001.009277-4 Violação de Direito Autoral (Art. 184 - Cp) E Crimes da Lei de Proteção À Propriedade Intelectual de Programa de Computador (Lei 9.609/98) N/F Concurso Material (Art. 69 - Cp)
09/02/2010 2009.001.105958-4 Praticar Homicídio na Direção de Veículo Automotor (Art. 302 - Lei 9.503/97)
09/02/2010 0371528.04-2009.8.19.0001
Tráfico de Drogas e Condutas Afins (Art. 33 - Lei 11.343/06) E Associação para a Produção e Tráfico e Condutas Afins (Art. 35 - Lei 11.343/06) E Posse Ou Porte Ilegal de Arma de Fogo de Uso Restrito e Outros (Art. 16 - Lei 10.826/03)
09/02/2010 2006.001.132063-1 Art. 241 da Lei 8.069/90 - Fotografar ou publicar cena de sexo explícito envolvendo criança
24/02/2010 0373938-35-2009.8.19.0001
Furto (Art. 155 - CP)
24/02/2010 2009.001.113233-0 Receptação (Art. 180 - Cp) E Uso de documento falso (Art. 304 - CP) N/F Concurso Material (Art. 69 - Cp)
24/02/2010 2008.001.110157-4 Roubo (Art. 157 - Cp)
24/02/2010 2009.001.099096-0 Furto (Art. 155 - CP)
01/03/2010 2009.001.222209-0 Roubo (Art. 157 - Cp)
01/03/2010 2009.001.141044-5 Receptação (Art. 180 - Cp)
01/03/2010 0383399-31.2009.8.19.0001
Roubo (Art. 157 - Cp), NA FORMA DO ARTIGO 14, II DO CÓDIGO PENAL
01/03/2010 2009.001.142245-9 Furto de Energia Ou Assemelhadas (Art. 155, § 3º - Cp); Furto Qualificado (Art. 155, § 4o. - CP), , II do CP
O mesmo aconteceu em relação às audiências dos tribunais do júri. A meta,
neste caso, era assistir a duas audiências de instrução e julgamento e duas sessões do
júri em cada um dos quatro tribunais. Cada tribunal do júri reserva dois dias da semana
para a realização das audiências e dois dias para as sessões do júri, restando um dia,
geralmente a sexta-feira, para os trabalhos internos, de gabinete. O quadro 02 apresenta
o cronograma das audiências e sessões do júri observadas.
Quadro 02 – Cronograma das audiências e sessões do júri observadas no Fórum Central da comarca do Rio de Janeiro
Data Processo Artigos Tipo 09/11/2009 2009.001.024203-6 Homicídio Qualificado (Art. 121, § 2º
- CP) Audiência de Instrução e Julgamento
11/11/2009 1999.205.102358-0 Homicídio Qualificado (Art. 121, § 2º - CP)
Sessão do Júri
25/11/2009 2005.205.001599-7 Homicídio Simples (Art. 121, caput - CP)
Sessão do Júri
27/11/2009 2003.001.137465-7 Homicídio Qualificado (Art. 121, § 2º - CP)
Sessão do Júri
01/12/2009 2008.001.332235-1 Homicídio Qualificado (Art. 121, § 2º - CP)
Audiência de Instrução e Julgamento
01/12/2009 2009.001.190055-2
Homicídio Qualificado (Art. 121, § 2º - CP), II E Crimes do Sistema Nacional de Armas - Lei 10.826/03, art. 12 N/F Concurso Material (Art. 69 - Cp)
Audiência de Instrução e Julgamento
251
10/12/2009 2006.001.165385-2 Homicídio Qualificado (Art. 121, § 2º - CP), I e IV
Audiência de Instrução e Julgamento
10/12/2009 2008.001.163937-9 Homicídio Simples (Art. 121, caput - CP)
Sessão do Júri
25/01/2010 1996.001.132089-3 Homicídio Qualificado (Art. 121, § 2º - CP), INC. II N/F Crime Tentado
Audiência de Instrução e Julgamento
27/01/2010 1985.001.501023-6 Homicídio Qualificado (Art. 121, § 2º - CP) C/C Concurso de Pessoas (Arts. 29 a 31 - Cp)
Sessão do Júri
28/01/2010 2009.001.169871-4 Homicídio Qualificado (Art. 121, § 2º - CP); Concurso de Pessoas (Arts. 29 a 31 - Cp)
Audiência de Instrução e Julgamento
02/02/2010 2008.001.359810-1 Homicídio Qualificado (Art. 121, § 2º., I e III)
Audiência de instrução e julgamento
02/02/2010 2008.001.258994-3 Homicídio Qualificado Tentado (Art. 121, § 2º., II e IV)
Audiência de instrução e julgamento
10/02/2010 2009.001.169850-7 Homicídio Qualificado (Art. 121, § 2º - CP)
Audiência de instrução e julgamento
22/02/2010 2006.204.002492-0 Homicídio Qualificado (Art. 121, § 2º., I e IV)
Sessão do Júri
Já nos fóruns regionais, houve uma maior ênfase na observação das práticas
cartoriais e nas conversas com esses serventuários, escrivães e processualistas.
Concomitante à atividade de observação das audiências foram realizadas
diversas entrevistas com os operadores do Direito. Em parte, estas foram dificultadas
porque o tempo reservado para a sua realização coincidiu com as férias de muitos dos
operadores. Diante das portas fechadas das varas e dos tribunais do júri, não houve outra
alternativa à pesquisa a não ser adotar o esquema de “bola de neve”, onde se escolhem
alguns entrevistados iniciais e cada qual indica uma ou mais pessoas a serem
entrevistadas. O esgotamento do assunto ocorreu após 12 entrevistas previamente
agendadas e gravadas, sem contar as inúmeras conversas com os operadores nos
corredores ou em seus próprios gabinetes após um dia inteiro de trabalho157. As
entrevistas estruturadas com os operadores do direito foram transcritas e, com isso, as
falas dos diversos operadores puderam ser utilizadas, literalmente, para ilustrar como
eles entendem a reforma e ainda como eles se apropriam destas novas leis em sua
atividade cotidiana.
Descrita a metodologia de campo, a estrutura deste relatório consiste em inserir
o leitor no cenário em que os pesquisadores se localizaram durante esses três meses.
Após essa contextualização passa-se às análises das audiências e sessões do júri,
sobretudo enfatizando as dificuldades observadas in loco. As percepções dos operadores
157
De acordo com os critérios éticos das pesquisas nas áreas de Antropologia e Sociologia, os nomes
dos entrevistados não serão tornados públicos. Este foi um compromisso assumido pela equipe
junto a esses operadores. Apenas serão indicados os cargos, como: juiz, promotor, defensor,
advogado criminalista e serventuário.
252
são interpretadas no terceiro tópico do relatório e apontam para os dois extremos, as
mudanças positivas e as negativas, o que vem sendo colocado em prática e o que
transcorre como nos moldes anteriores às novas leis. Ao final, são tecidas as
considerações acerca da cultura organizacional do sistema de justiça do Rio de Janeiro,
comarca da capital.
V.3. Estrutura organizacional e as novas leis
A estrutura organizacional da justiça criminal da comarca do Rio de Janeiro
contempla um fórum central e cinco fóruns regionais: Bangu, Santa Cruz, Madureira,
Jacarepaguá e Campo Grande. No fórum central há quarenta varas criminais e quatro
tribunais do júri. Em cada um dos fóruns regionais, há duas varas criminais, mas não há
tribunais do júri. A descentralização da justiça criminal do Rio de Janeiro se deveu a
uma iniciativa de tornar a justiça mais próxima da população das localidades mais
distantes e mais populosas da capital, além da tentativa de tornar a justiça mais célere e
mais eficaz. Tal iniciativa está diretamente ligada ao aumento da população e ao
aumento do acesso à justiça pelos cidadãos. Esta forma de organização pode ser
comparada ao que ocorre em cidades menos populosas, do interior do Estado, conforme
explicado por um dos juízes entrevistados. Tradicionalmente, cria-se uma vara única (ou
seja, varas responsáveis pelos processos cíveis, criminais e de responsabilidade do júri)
e, posteriormente, com o passar dos anos, desmembram-se as varas em cíveis, criminais
e criam-se tribunais do júri. Há todo um rearranjo institucional motivado a propiciar um
pouco mais de racionalidade organizacional ao sistema. Foi exatamente esse
pensamento que norteou a descentralização da justiça no Rio de Janeiro.
Apesar de alguns desses fóruns se localizarem próximos a delegacias de polícia
e seus servidores não se sentirem inseguros ao ir trabalhar, em outros locais ocorre
justamente o oposto. Alguns problemas se mostram presentes nos dias de hoje, tais
como a coação social em relação às vítimas e testemunhas e ao risco de fuga dos presos
conduzidos aos fóruns quando da realização de interrogatórios. Uma vez que os fóruns
regionais se localizam próximo à vizinhança das vítimas e testemunhas, a identificação
das mesmas se torna ainda mais visível, o que tende a aumentar a sensação de
insegurança e medo por parte dessas pessoas.
Do mesmo modo, os locais onde os fóruns se encontram localizados se
mostram mais acessíveis a grupos de criminosos motivados a libertar o preso
253
conduzido. Diante disso, os fóruns de Leopoldina, Ilha do Governador, Méier, Barra da
Tijuca e Pavuna não possuem mais varas criminais, apenas cíveis; e as varas criminais
do fórum de Campo Grande mudaram-se recentemente para a sede do fórum central, ou
Palácio da Justiça. Pode-se perceber que há uma tendência clara de a justiça criminal do
Rio de Janeiro retornar aos moldes antigos, ou seja, à centralização física.
As entrevistas com os operadores do sistema, bem como as observações às
audiências e às sessões do júri pautaram-se especificamente nas modificações
produzidas pelas leis 11.689/08 e 11.719/08, respectivamente relacionadas ao rito do
júri e ao rito ordinário.
Retomando os quadros 03 e 05, do produto 1 desta pesquisa, tem-se
respectivamente as principais alterações no rito ordinário e da primeira fase do rito do
tribunal do júri. Como se percebe, as mudanças são muito semelhantes.
A primeira delas refere-se à citação do réu por hora certa, pessoalmente ou por
edital. A apresentação da resposta escrita deve ocorrer no prazo de 10 dias, mas, no caso
de não ocorrer, tem-se a nomeação de defensor público para o fazer em novos 10 dias.
Pode haver absolvição sumária posteriormente à resposta da citação. Caso contrário, o
juiz recebe a denúncia e designa dia e hora para audiência no prazo de 60 dias. As
audiências passam a ser unas e não mais fracionadas como anteriormente. Antes, o réu
era interrogado 5 dias após o recebimento da denúncia, devendo estar presente para tal.
Agora, ele é o último a ser ouvido e seu depoimento pode ser realizado por meio de
videoconferência quando estiver preso e o caso assim o exigir. O interrogatório e as
oitivas de testemunhas são feitas diretamente pelas partes e não mais indiretamente pelo
juiz. A ordem passa a ser a seguinte: vítimas (se for o caso), testemunhas de acusação,
testemunhas de defesa e o réu. Não há mais prazo para as alegações finais por escrito.
Estas devem ser feitas oralmente no tempo de 20 minutos para acusação e 20 minutos
para a defesa no contexto da audiência. Em seguida, tem-se a sentença proferida pelo
juiz.
O procedimento do júri passa a se diferenciar a partir da segunda fase. As
principais modificações quanto a esta fase encontram-se no quadro 06, do relatório 1
desta pesquisa e um dos pontos a ser destacado é a possibilidade de o réu ser citado por
edital quando da intimação da sentença de pronúncia. Outro é o fato de não haver mais a
necessidade da presença do acusado no momento da instrução em plenário juntamente
com a alteração da ordem dos depoimentos, garantindo ao réu ser interrogado após toda
a colheita de provas. Ainda quanto aos depoimentos, as pessoas são inquiridas
254
diretamente pelas partes (defesa e acusação) e indiretamente pelos jurados e suas falas
podem ser gravadas. Destaca-se, ainda, o uso de algemas ser exceção à regra. O tempo
das falas das partes também merece atenção, posto que, agora, acusação e defesa
possuem 90 minutos cada uma para construção de seus argumentos, mais 60 minutos
para réplica e tréplica, respectivamente. Anteriormente, a quesitação era diretiva e
complexa, sendo agora guiada pelo legislador quanto à ordem e maneira de formulação
dos quesitos pelo juiz158. A dissolução do conselho permanece, mas a formulação de
quesitos deve ser feita no prazo de 5 dias. Por fim, destaca-se o encerramento do
julgamento após a soma superior a três votos.
Esta seção teve como objetivo apresentar como o sistema de justiça criminal do
Rio de Janeiro, comarca da capital, está estruturalmente organizado. Em seguida, foram
retomados os principais pontos modificados pelas leis 11.719/08 e 11.689/08. Na
próxima seção, passaremos às análises sobre as Varas Criminais e os Tribunais do Júri
do Fórum Central e, posteriormente, analisaremos as Varas Criminais Regionais.
V.4. As varas criminais e os tribunais do júri
Antes de se proceder à análise das observações das audiências de instrução e
julgamento do rito ordinário e das audiências e sessões dos tribunais do júri, cabe
descrever o aspecto físico do ambiente.
158
Art. 483: os quesitos serão formulados na seguinte ordem, indagando sobre: I – a materialidade
do fato; II – a autoria ou participação; III – se o acusado deve ser absolvido; IV – se existe causa
de diminuição da pena alegada pela defesa; V – se existe circunstância qualificadora ou causa
de aumento de pena reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram
admissível a acusação. § 1º. A resposta negativa, de mais de três jurados, a qualquer dos
quesitos referidos nos incisos I e II do caput deste artigo encerra a votação e implica a
absolvição do acusado. § 2º.Respondidos afirmativamente por mais de três jurados os quesitos
relativos aos incisos I e II do caput deste artigo será formulado quesito com a seguinte redação:
“o jurado absolve o acusado?”. §3º. Decidindo os jurados pela condenação, o julgamento
prossegue, devendo ser formulados quesitos sobre: I – causa de diminuição de pena alegada
pela defesa; II – circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena, reconhecidas na
pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação. §4º. Sustentada a
desclassificação da infração para outra de competência do juiz singular, será formulado quesito
a respeito, para ser respondido após o 2º, ou 3º, quesito, conforme o caso. §5º. Sustentada a
tese de ocorrência do crime na sua forma tentada ou havendo divergência sobre a tipificação
do delito, sendo este da competência do Tribunal do Júri, o juiz formulará quesito acerca destas
questões, para ser respondido após o segundo quesito. §6º. Havendo mais de um crime ou
mais de um acusado, os quesitos serão formulados em séries distintas.
255
Quem vai ao Fórum Central do Rio de Janeiro, ao entrar pela portaria principal,
passa pelo aparato de segurança composto por um detector de metais e um raio-x para
as bolsas de mão, exatamente como é feito no embarque dos aeroportos. As varas
criminais localizam-se na chamada “lâmina 2”, distribuídas do quarto ao nono andar.
Localizam-se em corredores longos bem próximos aos elevadores, o que facilita
sobremaneira seu encontro. Os corredores do Fórum são compridos e abafados. A
temperatura é praticamente a mesma da rua (ou seja, no verão carioca, em torno de
35º.C a 40º.C, só que sem vento). Existem banheiros masculinos e femininos em todos
os andares, assim como recipientes de álcool gel nas paredes para que as pessoas
higienizem as mãos.
Para quem vem pelo corredor, cada vara criminal se divide em duas salas,
identificadas por suas respectivas portas, uma em frente à outra. De um lado tem-se o
cartório, onde trabalha a maioria dos serventuários e ficam guardados os processos. Do
outro lado se vêem as salas de audiência. As portas sempre estão fechadas, algumas
(geralmente de cartórios) até trazem escrito a frase “entre sem bater”, mas a impressão é
que esta mensagem só é captada pelas pessoas que ali trabalham ou que já estão
familiarizados com a rotina dos cartórios, como advogados e estagiários que entram e
saem sem a menor cerimônia.
É fácil notar pessoas “perdidas” com papéis na mão aguardando do lado de fora
do cartório sem saber se devem ou não entrar ou mesmo batendo nas portas sem
resposta. São elas geralmente partes, familiares de partes ou testemunhas envolvidas em
processos e audiências. A saída que essas pessoas encontram para esclarecer suas
dúvidas, na maior parte dos casos possíveis de observar, é a de abordar a primeira
pessoa de terno e gravata que passar no corredor e pedir uma informação. Um dos
pesquisadores foi abordado várias vezes.
No que se refere à rotina das varas, tanto as audiências nas varas criminais como
as do tribunal do júri normalmente são agendadas a partir das 13:00hs. Dessa maneira, a
partir desse horário os corredores começam a ficar mais cheios. Existem bancos de três
ou quatro lugares próximos às paredes que nem sempre dão conta de acomodar todo o
público. É comum a existência de um quadro com a pauta das audiências do dia afixado
na parede justo acima de um desses bancos, o que dificulta a leitura caso esteja alguém
sentado naquele lugar. Em outras varas, principalmente nos tribunais do júri, a pauta é
colada diretamente na porta da sala de audiência ou plenário, no caso dos tribunais do
256
júri. Na referida pauta, além do horário e o tipo penal correspondente a cada audiência,
é possível encontrar o nome das partes e de todas as testemunhas arroladas.
Seria interessante um maior cuidado por parte do cartório em tornar a pauta mais
visível aos interessados, e se possível, com letras maiores e destaque no nome dos
participantes da audiência para facilitar a identificação dos interessados. A maioria dos
cartórios têm o cuidado de afixar as pautas com pelo menos meia hora de antecedência
do início das audiências. É comum a presença das famílias dos acusados, principalmente
pais, cônjuges e filhos pequenos, ainda que não envolvidos diretamente com a
audiência, geralmente motivados pela esperança de ver, mesmo que rapidamente no
movimento de abrir e fechar de portas da sala de audiências, seu parente preso. Outro
motivo é o de obter informações sobre o futuro de seu parente, em outras palavras, se
ele vai ser solto.
Normalmente as intenções das famílias acabam frustradas, visto que são poucos
os juízes das varas comuns que permitem que parentes do acusado entrem e assistam à
audiência. Este é um fator que merece destaque posto que as audiências são públicas
desde que o processo não tramite em segredo de justiça. Alguns até permitem que ao
final do feito, as famílias entrem rapidamente para abraçar seu parente, outros alegam
que aquele não é dia nem horário de visitas. Da mesma forma, não é comum os
familiares do acusado serem informados sobre os resultados da audiência após o fim
desta, isso só é comum quando o réu é representado por advogado particular. Somente
em uma audiência de vara criminal observada, foi possível perceber uma defensora
pública ir ao corredor após o término para explicar ao pai de um acusado o que lhe
havia ocorrido.
Ao contrário, as audiências do rito do júri são públicas e os parentes dos
acusados geralmente estão presentes, sentados ao lado de estagiários de Direito e de
outros interessados no tema, como nós, pesquisadores. Desta forma, o resultado da
audiência é mais notório aos parentes do acusado, embora estes não tenham contato
direto com eles. Em uma das audiências, onde o acusado preso há 6 meses, teve seu
pedido de liberdade deferido pela juíza, nas vésperas do Carnaval, foi possível perceber
nitidamente a emoção do irmão que assistia à audiência quando a juíza, muito nova, em
torno de 30 anos, disse: “aceito o pedido de liberdade do réu. Expedir alvará de soltura.
[e, virando-se para o acusado] Você irá passar o Carnaval em casa”. Tal foi a emoção
daquele homem jovem, forte, alto, policial militar, acusado de matar a namorada, e
também de seu advogado que o cumprimentou com um tapinha no ombro.
257
No caso das varas criminais, apesar de as audiências serem sempre agendadas a
partir das 13:00hs, os atrasos são muito corriqueiros. É quase unanimidade as varas
criminais agendarem duas ou três audiências para o mesmo horário como estratégia para
que as pessoas envolvidas cheguem com antecedência. Por exemplo: duas audiências
marcadas para as 13:00hs, duas marcadas para as 13:30hs, e mais duas marcadas para as
14:00hs. Desta maneira, têm início primeiro aquelas que já estão “completas”.
Raramente, a sequência de audiências termina antes das 17:00hs, não raro chegando às
19:00hs.
No caso dos tribunais do júri, apesar de não existir o agendamento de audiências
para o mesmo horário, estes reservam dois dias na semana para as audiências e dois dias
para as sessões do júri. O dia restante, geralmente uma sexta-feira, é dedicado ao
trabalho de gabinete. Obviamente, cada tribunal realiza apenas 1 júri por dia, mas
elencam três a quatro audiências para um mesmo dia. Houve um episódio em que o dia
de audiências terminou às 21hs.
A espera acaba sendo grande e cansativa. A partir disso, pode-se conjecturar que
tal postura do Judiciário acaba por contribuir para a manutenção da idéia vigente na
sociedade de que a Justiça é morosa. Afinal, como se falar em celeridade processual e
respeito às garantias constitucionais da pessoa humana, quando a Justiça trata o seu
público de forma morosa e desrespeitosa? Foi possível acompanhar audiências das varas
criminais que tiveram início com mais de três horas de atraso. Soma-se o fato de que as
audiências são marcadas bem na hora do almoço, fazendo com que as pessoas que
moram distante do centro da capital e que demoram no deslocamento até o fórum
cheguem lá apenas tendo tomado o café da manhã. Sorte dos vendedores ambulantes
que transitam a todo tempo pelos corredores, oferecendo um lanche composto por um
sanduíche e um suco ao preço de R$ 6,00, além de café, água, dentre outras coisas. Esta
acaba sendo a única opção de alimentação daqueles que, apesar do atraso, temem se
ausentar da frente da sala de audiências e terem seus nomes chamados neste justo
momento.
Outro grupo fácil de identificar pelos corredores é o de policiais. Estes com
bastante freqüência são chamados a atuar como testemunhas de acusação em processos
relacionados a casos em que tiveram participação no flagrante. A presença deles é mais
freqüente nas varas comuns. Os policiais, ainda que aguardando serem chamados em
varas diferentes, costumam ficar juntos com os policiais que trabalham no fórum
fazendo a segurança deste, formando grupos. Normalmente se mostram mais
258
descontraídos e menos tensos que os familiares do acusado, posto que já acostumados a
essa rotina profissional.
Um dos pesquisadores chegou a presenciar uma cena bem marcante num dos
corredores das varas criminais, onde uma mulher que aguardava a audiência de seu
marido preso, acompanhada de seu filho que aparentava ter uns sete anos, explicava ao
menino, apontando para um policial que aguardava a mesma audiência, que teria sido
aquele moço o responsável pela surra e pela humilhação que o pai dele havia sofrido. O
menino desviou a atenção do mini vídeo game que jogava por alguns instantes e passou
a xingar o policial. Mesmo tendo notado e ficado constrangido o policial nada falou,
somente se afastou um pouco e continuou a conversa com seu colega.
De tempos em tempos, aparecem os oficiais de justiça saindo das salas de
audiência para fazer o pregão, lendo em voz alta o nome dos participantes de cada
audiência e pegando os documentos de identidade dos que já estão presentes.
Na sala das varas criminais comuns onde as audiências acontecem, percebe-se,
logo que se entra, a grande mesa em formato de “T”, onde no eixo e dois degraus acima
se posiciona o juiz. Do seu lado direito e um degrau abaixo fica o promotor de justiça.
Na outra ponta, do lado esquerdo do juiz, posiciona-se o escrivão, que possui um
computador a sua frente. Na parte comprida da mesa, à direita do juiz e à frente do
promotor senta-se o representante da defesa. As testemunhas são inquiridas à esquerda
do juiz, em frente ao escrivão. O acusado senta-se na cabeceira oposta, mas somente no
momento em que é ouvido pelo juiz. Junto à parede do fundo da sala fica o “banco dos
réus”, onde o acusado se posiciona enquanto não é ouvido e também onde aguardam os
demais acusados, caso haja mais de um. Na parede à direita do juiz ficam cadeiras para
que qualquer pessoa interessada assista à audiência caso esta não esteja sendo realizada
sob segredo de justiça. Todas as salas de audiência das varas criminais comuns visitadas
possuem um crucifixo localizado na parede atrás e acima do juiz, outras ainda possuem
quadros onde se lê a missão organizacional do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
Algo que se mostrou no mínimo intrigante aos pesquisadores localizados nas
varas criminais foi o porquê de o acusado se sentar tão distante de seu defensor. Este
posicionamento torna muito mais difícil o contato entre eles durante a audiência. Outro
fator que chamou a atenção foi a posição em que as testemunhas são inquiridas, visto
que o monitor do computador praticamente encobre a visão do juiz e faz com que o
escrivão tome a termo o depoimento sem conseguir enxergar a testemunha.
259
Os plenários dos tribunais do júri apresentam padrão um pouco distinto das salas
de audiência das varas criminais comuns. Os plenários podem ser comparados a
ambientes como teatro e igreja (Schritzmeyer, 2001). A parte destinada ao público é
separada da área onde acontece o “espetáculo” por uma grade baixa com duas
portinholas laterais por onde entram as pessoas devidamente autorizadas, como os
jurados escolhidos para compor o conselho de sentença, por exemplo. De frente para a
platéia há uma espécie de bancada onde ao centro, num nível mais alto, localiza-se o
juiz. Ao seu lado direito e abaixo, o local reservado ao Ministério Público. Ao lado
esquerdo do juiz, localizam-se o serventuário responsável pela digitação das falas dos
depoentes e o oficial de justiça, responsável pelo pregão e condução das testemunhas até
o local. Situados lateralmente, em clara oposição, dispõem-se o banco dos réus, onde
permanecem o acusado e seu defensor, e de frente para ele, as sete cadeiras que devem
ser ocupadas pelos jurados quando das sessões do júri. Ao centro, uma cadeira e mesa
onde as pessoas se sentam quando da tomada de depoimentos.
Acima do juiz, um crucifixo com a imagem de Jesus Cristo. Ao fundo do palco,
duas portas que se destinam aos bastidores: gabinetes do promotor, defensor e juiz, sala
de testemunhas, sala de detenção e a sala secreta, onde os jurados votam
individualmente, e em silêncio, às quesitações, respondendo sim ou não a cada uma das
perguntas separadamente. Todos são obrigados a falar no microfone e, em um dos
plenários, há monitor para juiz, escrivão, promotor e defesa. Mas, nos outros plenários,
não há monitor para o defensor. Este é obrigado a se posicionar atrás do juiz para ler e
certificar-se de que os depoimentos estão sendo transcritos da maneira mais fiel possível
às falas das pessoas.
Caracterizado o ambiente onde a equipe de pesquisadores se localizou ao longo
dos três meses de campo, passa-se agora às observações das audiências de instrução e
julgamento de ambos os ritos processuais e das sessões do júri, especificamente.
Nas Varas Criminais Comuns
Para as observações das audiências de instrução e julgamento das varas
criminais comuns, foram enfatizadas modificações e elaborada uma planilha na qual o
observador deveria anotar os fatos (ver anexo 1). Chamamos a atenção para os seguintes
aspectos: identidade única do juiz, ordem dos depoimentos, tempo da sustentação oral
260
ou prazo para apresentação de memorial quando das alegações finais ainda que em
casos não considerados de elevada complexidade.
Em quinze das vinte audiências acompanhadas, foi possível observar que mais
de um juiz assinou despachos ao longo do mesmo processo. Parece uma prática comum
na justiça criminal devido à longa duração dos processos e às constantes trocas de juízes
nas varas criminais. Muitos acumulam duas varas para cobrir férias e aposentadoria de
outros juízes. Depreende-se disto que o princípio da identidade única do juiz não vem
sendo seguido na prática. No dia 1º de março, por exemplo, foram observadas quatro
audiências da 26ª vara criminal que foram deslocadas em cima da hora para a 29ª vara
criminal. Segundo o oficial de justiça, isso ocorreu em virtude da aposentadoria do juiz
titular daquela vara (2009.001.222209-0; 2009.001.141044-5; 0383399-
31.2009.8.19.0001; 2009.001.142245-9).
Em conversa com um dos juízes, foi explicado que estava sendo aguardado
naquele mesmo momento em outra vara criminal para realizar audiências. Depois de se
certificar pelo telefone de que o defensor público daquelas audiências também não tinha
comparecido, ordenou o cancelamento de toda a pauta, apesar de muitas testemunhas
estarem presentes.
Em dezesseis casos acompanhados, a sentença não pôde ser proferida em
audiência. Desta forma, não foi possível observar se o exposto no § 2º do artigo 399159
foi cumprido. Nas quatro audiências restantes a sentença foi dada em audiência pelo
mesmo juiz que acompanhou a instrução. Dessas, três tiveram a concessão do benefício
da suspensão condicional do processo e em apenas uma houve julgamento.
O curioso, é que na referida audiência onde houve o julgamento, a juíza, após as
alegações finais orais, limitou-se a ditar a sentença à escrivã, deixando de lê-la em voz
alta. O acusado, ao ser retirado da sala pelo policial, perguntou à juíza se ele havia sido
absolvido ou não. A juíza respondeu que sim, mas que naquela noite ele ainda voltaria
para a custódia devido ao “avançado da hora”. Somente no dia seguinte seria entregue o
alvará para a sua liberdade. O acusado foi orientado pela juíza a conversar com o
defensor público depois da audiência.
159
Art. 399: Recebida a denúncia ou queixa, o juiz designará dia e hora para a audiência, ordenando
a intimação do acusado, do seu defensor, do Ministério Público e, se for o caso, do querelante
e do assistente. §1º. O acusado preso será requisitado para comparecer ao interrogatório,
devendo o poder público providenciar sua apresentação. §2º. O juiz que presidiu a instrução
deverá proferir a sentença.
261
Em uma audiência observada em 24 de fevereiro de 2010, continha no processo
o despacho de recebimento da denúncia, com data de 13 de julho de 2009, onde o juiz
alegava que por estar acumulando aquela vara com a sua de origem onde era titular,
aguardaria o retorno do juiz titular desta para a designação da audiência, de acordo com
sua conveniência. Ressaltava ainda que esse atraso no processo não traria prejuízos ao
réu, visto que este se encontrava em liberdade (2009.001.248337-7).
Em uma audiência observada em 24 de fevereiro de 2010, continha no processo
o despacho de recebimento da denúncia, com data de 13 de julho de 2009, onde o juiz
alegava que por estar acumulando aquela vara com a sua de origem onde era titular,
aguardaria o retorno do juiz titular desta para a designação da audiência, de acordo com
sua conveniência. Ressaltava ainda que esse atraso no processo não traria prejuízos ao
réu, visto que este se encontrava em liberdade (2009.001.113233-0).
O prazo de 60 dias para a realização da audiência de instrução e julgamento
previsto no caput do artigo 400160 só foi respeitado em uma audiência observada. Nas
demais AIJs isso não ocorreu. Foi possível perceber que em muitos processos, outros
despachos e decisões interlocutórias são proferidas entre a data do recebimento da
denúncia e a data da AIJ, tais como expedição de mandados, requisição de FAC (ficha
de antecedentes criminais), pedido de pareceres e decisões sobre liberdade provisória e
relaxamento de prisão.
No que se refere ao respeito à ordem dos depoimentos, não foram identificados
problemas, com exceção de um caso bastante confuso acompanhado em 02 de fevereiro.
Segundo o juiz, a audiência havia sido designada por ele com o objetivo único de se
proceder ao interrogatório do acusado, mas o advogado do mesmo insistia na hipótese
de uma testemunha de defesa, voluntariamente presente, também ser ouvida. Segundo o
advogado, deveria o juiz ouvi-la em nome da celeridade e da economia processual, visto
que evitaria marcar uma nova data e ainda não seria necessária nenhuma diligência para
a intimação. Houve impasse e discussão, mas o juiz acabou ouvindo o depoimento da
referida testemunha. Nesse caso, a ordem de tomada das declarações não foi respeitada,
160
Art. 400: Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 dias,
proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas
pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvando o disposto no art. 222 deste Código,
bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e
coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado. §1º. As provas serão produzidas numa só
audiência, podendo o juiz indeferir as consideradas irrelevantes, impertinente ou protelatórias.
§2º. Os esclarecimentos dos peritos dependerão de prévio requerimento das partes.
262
pois é direito do acusado só se manifestar depois que todas as testemunhas tenham sido
ouvidas e todas as demais provas tenham sido produzidas. No entanto, foi o próprio
advogado do acusado quem insistiu para que isso fosse possível (2008.001.433375-7).
Somente em oito casos, toda a fase de tomada de depoimentos ocorreu em uma
única audiência, sendo ainda que dessas oito citadas, três tiveram todas as testemunhas
dispensadas em virtude da opção do magistrado e aceitação do Ministério Público e
acusados na suspensão condicional do processo. Em cinco audiências, todas as
testemunhas e partes arroladas compareceram permitindo que o exposto no caput do
artigo 400 fosse totalmente cumprido.
Um dos fatos que mais chamou a atenção durante os dias no fórum, foi a
dificuldade do tribunal de justiça em intimar de forma eficaz testemunhas e partes a
serem ouvidas nos processos. Parece ser impossível cumprir a nova exigência de se
produzir todas as provas em audiência única sem a correta intimação das pessoas
envolvidas, obrigando sempre o magistrado a despachar uma nova diligência de
intimação e ainda marcar uma nova data (dificilmente antes de trinta dias) para dar
continuidade ao feito.
Em dez casos acompanhados, a audiência teve que ser interrompida e remarcada
para outro dia em virtude de não realização ou realização sem sucesso de intimações. A
dificuldade é ainda maior quando se trata de procedimentos envolvendo partes ou
testemunhas que residem fora do município do Rio de Janeiro, onde são necessárias
diligências através de carta precatória. Nesses casos, além da excessiva demora para o
cumprimento da diligência, esta geralmente retorna negativa aos autos.
Em 24 de fevereiro, foram acompanhadas duas audiências que tiveram sua
continuidade interrompida devido a problemas na realização das intimações. O que
pareceu mais grave aos pesquisadores, é que geralmente nem mesmo o juiz, na hora da
audiência, consegue ter acesso à informação sobre o êxito ou não da diligência. Desta
maneira, o magistrado fica sem saber como agir, visto que permanece a dúvida de se a
parte/testemunha foi devidamente intimada ou não, e se a audiência deve continuar
apesar da ausência ou se deve ser repetida a diligência e marcada nova data.
No primeiro caso, duas testemunhas haviam faltado, mas o acusado estava
presente e esperava ser ouvido. Era sabido que ambas tinham sido intimadas por carta
precatória, a primeira em Nova Iguaçu/RJ, e a segunda em Vila Velha/ES. Como não
havia resposta sobre o êxito desses feitos, o juiz interrompeu a audiência, pedindo que o
acusado aguardasse o contato com as respectivas varas responsáveis pelos
263
procedimentos de intimação. Era necessário obter essa resposta para que a audiência
tivesse continuidade.
O primeiro contato telefônico foi feito com a 6ª Vara Criminal de Nova Iguaçu,
chegando a resposta negativa via fax cerca de meia hora depois. O segundo e mais
difícil contato telefônico ocorreu com o cartório da 2ª Vara Criminal da comarca de Vila
Velha. Depois de várias tentativas frustradas, o contato foi feito, mas a resposta não foi
dada naquele momento. Uma hora depois o juiz ligou novamente para o referido
cartório, mas a funcionária que havia atendido antes e se comprometido em procurar a
resposta não estava mais presente. Tudo foi explicado novamente. A audiência foi
suspensa e outra da pauta teve início, mas o juiz optou por não liberar o acusado, visto
que a informação poderia chegar a qualquer momento. Por volta das 17:00hs (cerca de
três horas depois do início da audiência) o juiz se lembrou de liberar o acusado, visto
que já havia “perdido as esperanças” de que a informação chegaria. Requereu novas
diligências e marcou a audiência de continuação para 04 de maio de 2010
(2009.001.113233-0).
A audiência seguinte foi interrompida pelo mesmo problema, não tendo o juiz
conhecimento sobre a intimação da vítima, que morava no município de Duque de
Caxias/RJ. Cerca de trinta minutos depois chegou a informação de que a intimação não
havia sido realizada com êxito. Segundo o oficial de justiça responsável pelo ato, a
vítima encontrava-se passando férias em Búzios/RJ. O réu preso foi dispensado,
retornando para a custódia (2008.001.110157-4).
Neste mesmo dia foi possível conversar rapidamente com o juiz no intervalo
entre as audiências. Ele explicou que não existe um sistema informatizado para o
acompanhamento das intimações e demais diligências realizadas em outras comarcas.
Nestes casos, resta somente a opção do contato telefônico diretamente com os cartórios,
o que nem sempre é eficaz.
A partir daí a conversa tomou outro rumo, passando o juiz a dizer que teve
conhecimento de que naquele dia, um projeto de lei que tenta reduzir a maioridade
penal havia sido aprovado em primeira votação na câmara dos deputados. O juiz
posicionou-se inteiramente a favor da medida, sustentando que “não há espaço para
hipocrisia na justiça”, principalmente em casos de presunção de violência em crimes
sexuais praticados contra adolescentes “numa sociedade que aceita o sexo com
naturalidade”. Chegou a contar sobre dois casos que havia julgado. A promotora fazia
que concordava com movimentos de cabeça, mas interrompeu o juiz dizendo que em
264
um desses casos, onde ela atuava, não abriria mão do recurso por conta do seu dever de
ofício como promotora pública. Segundo ela, mesmo achando “a lei ultrapassada, esta
deve ser cumprida enquanto for vigente, afinal, tratava-se de um menor de idade (sic)”.
Logo em seguida a audiência interrompida foi retomada.
Em apenas duas audiências, testemunhas e partes que haviam sido regularmente
intimadas não compareceram, no entanto, foi observado que os atrasos são muito
frequentes. Quanto aos atrasos de uma forma geral, pode-se dizer que há boa vontade
por parte dos magistrados. Em dois casos, o juiz reabriu a audiência para ouvir acusados
que haviam chegado após o término de suas audiências.
Quanto a proferir ou não sentença ao fim da audiência, alguns juízes resistem em
proceder desta maneira ainda que todas as provas já tenham sido produzidas. Somente
em uma audiência foi oferecido prazo para alegações finais orais ao Ministério Público
e defesa. Por coincidência ou não, tratava-se da única audiência agendada na pauta da
39ª vara criminal para aquele dia e teve cerca de duas horas de duração. Diante de tal
fato, é possível conjecturar que realmente deve ser difícil realizar cinco ou seis
audiências completas como essa no mesmo dia.
Nas demais audiências onde aparentemente toda produção de provas havia sido
realizada, foi oferecido prazo para alegações finais através de memoriais, primeiramente
ao Ministério Público, em prazo não necessariamente igual ao previsto no § 3º do artigo
403161. Em um despacho lido pela equipe, o juiz concedeu prazo de 10 dias ao MP, e em
seguida mais 10 dias para a defesa, para que apresentassem as alegações finais, não
citando em quanto tempo proferiria a sentença (2009.001.154896-0).
Dentre os quatro casos acima citados, apenas dois tiveram o critério da elevada
complexidade levado em consideração, revelando que ainda havia provas periciais e
documentais a serem produzidas, abrindo em seguida prazo para as alegações finais. No
primeiro, tratava-se de a requisição de um laudo pericial que não constava anexo aos
161
Art. 403: Não havendo requerimento de diligência, ou sendo indeferido, serão oferecidas
alegações finais orais por 20 minutos, respectivamente, pela acusação e pela defesa,
prorrogáveis por mais 10, proferindo o juiz, a seguir, sentença. §1º. Havendo mais de um
acusado, o tempo previsto para a defesa de cada um será individual. §2º. Ao assistente do
Ministério Público, após a manifestação desse, serão concedidos 10 minutos, prorrogando-se
por igual período o tempo de manifestação da defesa. §3º. O juiz poderá, considerada a
complexidade do caso ou o número de acusados, conceder às partes o prazo de 5 dias
sucessivamente para a apresentação de memoriais. Nesse caso, terá o prazo de 10 dias para
proferir a sentença.
265
autos e essencial para o julgamento, sobre o suposto material explosivo e substância
entorpecente encontradas no flagrante em domínio do acusado (0371528.04-
2009.8.19.0001).
O segundo caso era para a apresentação de um auto de desinterdição expedido
pela vigilância sanitária que o acusado alegava ter, e que segundo ele, permitia manter
seu comércio em funcionamento mesmo depois da apreensão de carnes estragadas
feita pela delegacia de proteção ao consumidor. Nos dois casos, houve dificuldades
para compreender o que estava acontecendo no momento da audiência, visto que a
maior parte dos juízes não possui o hábito de justificar ou explicar suas ações. Isso fez
com que o pesquisador saísse da audiência pensando que todas as provas haviam sido
produzidas, mas posteriormente, ao ler a íntegra dos despachos na internet ele pôde
entender corretamente o ocorrido, qual seja: de que seria necessária a produção de
outras provas, além do depoimento das testemunhas para que a sentença pudesse ser
proferida pelo juiz (2009.001.027691-5).
Nos outros dois casos nenhum motivo que justificasse a medida foi apontado
pelo juiz em despacho, mas em um deles foi possível perceber claramente que o juiz
estava impaciente e irritado com o atraso das audiências, tendo sido esta a quarta de seis
audiências marcadas.
Dos três casos onde foi proposta a suspensão condicional do processo, não
houve alegações finais. Outro fato que chamou a atenção foi o da impossibilidade de
comprovação, na hora da audiência, de que o acusado cumpre os requisitos para a
concessão do benefício penal. Em nenhuma das audiências o juiz possuía a FAC (ficha
de antecedentes criminais) do acusado em mãos. Desta maneira, o juiz perguntava se o
acusado já respondia por algum outro crime, e caso a resposta fosse negativa, o juiz
fazia a proposta. Somente no despacho que propõe o sursis processual, o juiz costuma
requisitar a juntada da FAC para então analisá-la e “oficializar” a concessão do
benefício.
Este tópico visou descrever em detalhes as audiências de instrução e julgamento
ocorridas nas varas criminais do fórum central da capital Rio de Janeiro. O que se pode
dizer é que as novas orientações vêm sendo seguidas em parte pelos operadores do
sistema de justiça criminal do rito ordinário. Observamos que há tentativas de aplicar as
modificações, mas nem sempre isso se mostra possível como no acúmulo de duas ou
266
mais varas por um único juiz, fato que pôde ser visualizado em função da época em que
o campo foi feito. Da mesma maneira, nem sempre é possível realizar a audiência em
sua completude devido à ausência de testemunhas. Além disso, foram poucos os casos
em que houve alegações finais orais, sendo comum a prática de determinar prazo para
entrega de memoriais.
Nos cartórios das Varas Criminais Comuns
Os cartórios podem ser vistos como o local que dita o bom funcionamento de
uma determinada agência. Estudos sobre Polícia Civil mostram a importância de tal
setor, bem como a importância dos escrivães. Não raro, esses operadores são chamados
de “escravães” pelos colegas, tamanho o volume de trabalho a que estão submetidos.
Não raro, em uma delegacia de polícia, o escrivão faz as vezes do delegado, deixando
este como mero coadjuvante da peça inquérito policial (Silva e Soares, 2009; Ministério
da Justiça, 2009). Diante disso, entendeu-se ser importante conversar com os
serventuários dos cartórios das varas criminais comuns, a fim de verificar se o mesmo
que ocorre no âmbito da Polícia Civil se dá, também, no Judiciário.
Foram visitados quatro cartórios das varas criminais regionais, oportunidade em
que foram ouvidos os escrivães e os processantes, aqueles por possuírem uma visão
geral das atividades cartorárias e estes por cuidarem diretamente da movimentação dos
processos.
Partiu-se da premissa de que este contato físico mais direto traria informações
de grande valia, pois que há alguma dose de tecnicismo no trabalho, embora o maior
volume seja puramente burocrático. Em cada uma das conversas foram retiradas
importantes informações dos cartorários, daquelas que não se encontram em livros e
decisões judiciais, e que não se discutem em congressos e encontros de juristas.
Ao contrário do que se imaginava, nem sempre o acesso aos escrivães é fácil.
Muito pelo contrário. O clima de desconfiança era notório, salvo raras exceções. Tal
como observado com os operadores das varas criminais comuns do fórum central, aqui
também ficou a impressão de que eles suspeitavam de se tratar de alguma “armação” de
órgãos de fiscalização e controle do Tribunal, tais como a Corregedoria. Pode-se falar
num certo “temor” por parte dos operadores quando se fala em Corregedoria,
principalmente depois que desembargadores nomeados através do quinto constitucional
assumiram estas posições de poder no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Inclusive
267
há quem ateste alguma melhora na qualidade da prestação jurisdicional desde que a
Ordem dos Advogados do Brasil e o Tribunal de Justiça passaram a manter relações
mais estreitas, facilitadas por estas alterações nas relações de poder.
Observando o cotidiano desses operadores, tornou-se possível pensar nos
roteiros típicos por eles seguidos, algo incorporado ao modus operandi, seguindo todos
um comportamento-de-tal-tipo (Garfinkel, 1967; Beato Filho, 1991 e 1992). Pode-se
falar em algo semelhante a uma espécie de mecanização do Judiciário. O trabalho dos
serventuários é repetitivo, não raro moroso e burocrático. Operam como numa
organização do tipo linha de montagem (Sapori, 2000). Exemplo disso pode ser o caso
em que uma petição foi eliminada por não ter sido apresentada via protocolo. Tratava-se
de um caso excepcional, de emergência, em que o Juiz havia deferido o pleito, mas esta
foi perdida pelo cartório, em razão de não constar o canhoto comprovando sua
apresentação. Neste caso, o apego ao formalismo acabou prejudicando um direito, o
chamado “princípio da instrumentalidade das formas”, vigente no direito processual.
Esta automação cartorária se torna muito visível quando atrelada à preocupação de
alguns profissionais com a produção do cartório, em “bater as metas”.
Salvo algumas exceções, os cartórios, em geral, são invisíveis ao público em
geral, ou seja, não é possível ter visão das dependências do cartório, posto que em
muitas situações, o ambiente é composto por escaninhos que “escondem” pastas e
processos dos olhos dos usuários comuns.
Uma das escrivãs entrevistada entende que as alterações perpetradas pela Lei
11.719/08 trouxeram significativa melhora ao processo penal brasileiro, e efetivamente,
tornou o andamento dos processos mais célere. Entretanto, destacou que em razão de ter
o quadro de serventuários ideal preenchido, a tarefa certamente se tornou mais fácil.
Na visão de alguns serventuários, os juízes, em geral, têm conseguido realizar
audiências tal como a nova forma prescrita pelas alterações da Lei 11.719/08, mas, em
muitos casos, a atividade se torna impraticável tal como em audiências em que serão
ouvidas muitas testemunhas, ou quando são necessárias a apresentação de perícias.
Apesar de alguns dos serventuários terem dito que questões como o processamento
melhoraram, foram feitas severas críticas ao modelo da audiência uma. Eles entendem
que há uma maior demora no andamento dos processos, uma vez que todo um aparato
se torna necessário para disponibilizar ao juiz todos os elementos que são necessários
para a realização do ato processual em comento. Por outro lado, alguns operadores
afirmaram que os juízes não vêm adotando as novas regras. Para esses casos, a opinião é
268
de que o cartório não sentiu os efeitos da mudança. Ainda em relação às audiências
unas, outros disseram que em razão da audiência em processo penal agora ser una, a
preocupação com nulidades processuais aumentou, tornando maior o volume de
trabalho de um cartório.
Foi salientado que fatores externos fazem com que o andamento processual
fique prejudicado, tais como demora no envio da folha de antecedentes criminais (FAC)
do acusado - que atualmente é feita on line - ou demora de entrega de dados por
institutos periciais.
Quanto à identidade única do juiz, alguns dos serventuários reconheceram a
dificuldade de operacionalização de tal medida, já que não raro um juiz acumula duas
varas, substituindo o colega licenciado ou de férias.
Para alguns serventuários, a defesa do acusado deve ser vista com mais atenção
ao ser analisada para fins de processamento. Criticou-se a defesa nos moldes atuais, pois
em muitos casos a defesa deve ser apresentada, mesmo que o advogado ou defensor
público não tenha tido contato anterior com o réu, muitas vezes, preso. Como
alternativa, foi comentada uma iniciativa de um dos cartórios, um procedimento
extralegal, que consiste em marcar entrevista do advogado/defensor público com o
acusado em cartório. De certo modo, garante-se o direito à ampla defesa do réu.
Ainda que externa à discussão sobre as mudanças oriundas com a lei
11.719/08, para alguns, o número de servidores abaixo do idealizado pelo Tribunal
influencia no resultado, comprometendo a celeridade do trâmite processual. Estes
apontaram que as varas criminais comuns têm número de servidores bem abaixo das
varas competentes para processar e julgar outros tipos de causas.
Sob um aspecto geral, a resposta à alteração procedimental foi vista com bons
olhos, e, segundo os serventuários, os processos têm tido uma resolução mais célere,
posto que a nova lei facilitou o trâmite. Para eles, em regra, a instrução criminal tem
obedecido aos limites de prazo impostos, salvo em casos mais complexos.
Como pontos positivos, atestaram quanto à melhora da alteração legislativa,
que trouxe enxugamento das pautas de audiência, possibilitando ao juiz efetuar
julgamentos de forma mais célere. Por conseqüência direta ao trabalho deles, os
processos apresentam uma melhor tramitação.
Um fato interessante que merece ser narrado, refere-se à menção de um dos
serventuários à Resolução Conjunta nº 01 de 2009 do Conselho Nacional de Justiça e do
Conselho Nacional do Ministério Público, que versa sobre a execução provisória da
269
pena, quando se iniciou a conversa sobre as reformas de 2008. Ao associar a celeridade
que a lei 11.719/08 propiciou aos feitos processuais penais a esta medida, notou-se que
o pensamento seria o de produção e quantidade a qualquer custo, independentemente de
como e por que alcançar isto.
Um ponto de vista de um dos entrevistados que chamou atenção da equipe foi a
aceitação das medidas de cumprimento da pena provisória: “depois é difícil pegar o
preso de novo e aí o Estado fica no prejuízo” (escrivã). Esta parece ser uma tendência
condenatória observada em algumas varas criminais comuns.
Diante de todas as conversas tidas com os serventuários das varas criminais
comuns, a priori, pode-se dizer que a Lei 11.719/08 vem atendendo a sua finalidade,
que seria garantir celeridade ao procedimento ordinário.
Facilitou-se o término dos julgamentos com maior celeridade, o que, em casos
de absolvição do réu ou cumprimento de pena abaixo do que seria imaginado traz a
liberdade mais rápido. Entretanto, a alteração do rito, tornando a relação jurídica
processual completa tão-só após a citação faz com que o perigo das nulidades seja
maior.
Sob o ponto de vista prático, realmente a lei não tem o condão de consertar
vícios crônicos de órgãos fora do Judiciário. Neste sentido, alguns elementos, tais como
a audiência em único ato podem ficar prejudicados, pois para que haja êxito, faz-se
mister que elementos externos ao Poder mencionado cheguem a tempo para a audiência,
malgrado seja freqüente o atraso.
Outro aspecto que se pode tirar como conclusão é acerca dos serventuários e
seu comportamento perante o sistema. De forma crônica é possível relatar que o
Judiciário se preocupa em produzir quantitativamente, o que pode acarretar na
diminuição de qualidade. A celeridade e o julgamento justo parecem se confrontar nesta
hipótese, e aquela parece estar vencendo a batalha.
Nos Tribunais do Júri162
162
Agradecemos a colaboração das pesquisadoras Natasha Elbas Nery e CarolinaGrillo pela
indicação de algumas audiências de instrução e julgamento e sessões do júri, quando elas
estavam em campo pela pesquisa “Autos de Resistência: uma análise dos homicídios cometidos
por policiais na cidade do Rio de Janeiro”, financiada pelo CNPq e localizada no Núcleo de
Estudos de Cidadania, Conflito e Violência Urbana da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(Necvu/UFRJ). Com isso, conseguimos ampliar nossa observação de campo e enriquecer nosso
270
Ao longo dos meses de dezembro a fevereiro de 2010 foram observadas 13
audiências de instrução de julgamento e 7 sessões de júri, nos quatro tribunais do júri da
comarca do Rio de Janeiro. Ressalta-se que poderia ser um número maior, não fossem
os constantes atrasos e adiamentos de audiências, fato que se mostrou muito recorrente.
Nas audiências de instrução e julgamento dos tribunais do júri, primou-se pela
observação dos seguintes procedimentos: ordem dos depoimentos, oralidade e tempo
das alegações finais e fundamentação do juiz (ver anexo 2). Nas sessões do júri, foram
privilegiados as seguintes mudanças: composição do conselho de sentença partindo de
25 jurados para serem escolhidos 7, realização do júri mesmo sem a presença do réu, se
os jurados receberam cópia da sentença de pronúncia, a ordem das falas e da inquirição
de testemunhas, se houve perguntas por parte dos jurados e se estas foram feitas por
intermédio do juiz, se as partes perguntam diretamente ao acusado, exceção do uso de
algemas, forma de registro dos depoimentos, se o tempo das falas, réplicas e tréplicas
está sendo respeitado, se as partes não fazem referência à pronúncia e se o silêncio do
réu não é utilizado em seu prejuízo, a forma de quesitar, se o juiz perguntou
expressamente ou não aos jurados sobre a absolvição do réu e se o juiz explicou aos
jurados o significado de cada um dos quesitos (ver anexo 3).
Das audiências observadas, apenas uma ocorreu em sua completude. Trata-se do
caso de um rapaz que estava sendo acusado de ter matado o próprio pai
(2009.001.024203-6). Foram ouvidas as testemunhas de acusação e de defesa, os
esclarecimentos do exame de corpo de delito, interrogatório do réu e as alegações finais
do promotor e do defensor público de forma oral. Em algumas horas, foi realizado todo
o procedimento e o juiz pronunciou o réu ao julgamento do júri, encerrando, assim, a
primeira fase desse tipo de rito. Em outro caso, foram ouvidas todas as testemunhas,
interrogado o réu, mas não houve as alegações finais proferidas oralmente, nem a
sentença do juiz.
Como se percebeu claramente, as AIJ’s do rito do tribunal do júri geralmente
não são concluídas no mesmo dia, dada a ausência de muitas testemunhas. A nova regra
diz que enquanto não se ouvirem todas as pessoas de um grupo de envolvidos não se
pode avançar nas demais oitivas. Melhor dizendo, se a vítima não comparecer à
olhar. Registramos aqui a saudável troca de experiências e reflexões a respeito do tema entre
os pesquisadores.
271
audiência, as testemunhas de acusação também não poderão ser ouvidas, ainda que
todas estejam presentes. Caso falte uma única testemunha de acusação, nenhuma
testemunha de defesa poderá ser ouvida e, por fim, caso falte alguma testemunha de
defesa o réu não poderá ser interrogado. Assim, o juiz é obrigado a remarcar a audiência
do ponto onde ela parou.
Em um dos casos observados, foram arroladas quatro testemunhas de acusação,
mas apenas três estavam presentes. As três testemunhas de defesa estavam presentes e
não puderam ser ouvidas porque o promotor de justiça insistiu na quarta testemunha de
acusação. A defensora pública tentou argumentar no sentido de que suas testemunhas
estavam ali presentes pela segunda vez (a audiência já havia sido remarcada pela
ausência da mesma testemunha em outro momento) e que estavam sendo ameaçadas de
morte na comunidade onde residiam. O réu também estava presente, e o promotor fez
uma contra-proposta à defensora: caso ela desistisse de suas três testemunhas, ele abriria
mão de ouvir a testemunha ausente em outro momento e eles passariam então ao
interrogatório do réu e às alegações finais. Diante da negativa da defensora, a audiência
foi remarcada pela terceira vez. O intervalo de tempo entre as audiências foi de
aproximadamente 30 dias.
Em outro caso, todas as testemunhas de acusação, defesa e o próprio réu foram
ouvidos, mas foi concedido prazo para as alegações finais serem feitas por escrito. O réu
estava preso e lhe foi negado o alvará de soltura.
Além do grande percentual de ausência de testemunhas, que pode ser visto como
um reflexo do sentimento de insegurança e medo dessas pessoas, não raro as audiências
também são adiadas pela ausência de um dos próprios operadores: defensor público,
promotor de justiça e até mesmo do juiz.
Não fosse o alto índice de ausência de testemunhas, realidade que extrapola o
previsto nas novas leis, é possível dizer que em geral as mudanças vêm sendo aplicadas
com algumas exceções. O artigo 474, parágrafo 3° da legislação atual diz que “Não se
permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no
plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança
das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes”. Dentre os casos
observados, em apenas três foi possível verificar o uso de algemas. No primeiro caso,
eram dois rapazes ligados ao tráfico de drogas (2008.001.332235-1). O segundo caso
era de um negro, alto, gordo, forte, que estava preso há 6 meses. No momento da
audiência, uma das testemunhas de acusação solicitou prestar depoimento na ausência
272
do acusado. Ele então foi retirado do ambiente e reinserido assim que a testemunha
terminou o seu depoimento. Mas, no decorrer da audiência, a juíza atendeu ao pedido do
advogado de retirar as algemas dada a enorme dificuldade que o réu apresentava ao
assinar os depoimentos. Ele voltou a ser algemado apenas no final da audiência, para
sair do plenário. O último caso tratava-se de um senhor, réu primário
(1996.001.132089-3). Ele foi absolvido sumariamente, e, aparentemente, não havia
motivos para estar algemado.
Em duas audiências foi possível observar o vício de alguns operadores em
continuar realizando as perguntas ao juiz para que este as traduza para o depoente.
Nesses casos, a juíza fez algumas perguntas, mas logo em seguida retaliou a defesa:
“por favor, faça o senhor mesmo as perguntas à testemunha”. Apesar da prevalência da
oralidade, ainda é o juiz que dita ao serventuário o quê e como deve constar nos autos,
tal como ocorria na prática antes das novas leis. O que se pode perceber é que hoje, o
juiz não apenas reproduz ao serventuário o que é dito pelas pessoas, como reconstrói
todo o discurso, construindo uma linha “de raciocínio lógico, com início, meio e fim”
(juiz), o que é ainda mais grave do ponto de vista da construção social do crime. Não
raro, a equipe se surpreendia com a impressão de que “não foi isso que a testemunha
falou” diante da reprodução do juiz. Alem disso, foi possível perceber, ainda, que o juiz
faz um recorte, ressaltando apenas “aquilo que é relevante aos autos”, omitindo algumas
situações narradas pelo depoente. Tal prática pode ser interpretada como o momento em
que o juiz enaltece e reproduz, de fato, o seu poder simbólico, afinal, ele decide o que é
ou não relevante constar nos autos do processo e, portanto, no mundo – lembrando o
jargão “o que não está nos autos não está no mundo”.
Em relação aos júris observados, um primeiro ponto a ser dito refere-se à
composição do conselho de sentença. Para a composição do conselho de sentença,
sorteiam-se 25 pessoas da sociedade civil de uma lista com milhares de nomes à
disposição do Tribunal de Justiça. Desse conjunto, são escolhidas 7 pessoas que irão
compor o conselho de sentença. Serão alçados à condição de juízes temporários, não
togados, a fim de julgarem seus pares. O juiz coloca todos os 25 nomes dentro de uma
caixa, sorteando-os em seguida. À medida que os nomes são lidos, defesa e acusação
podem rejeitar até três pessoas cada parte. Recusa e aceite dependem de cada caso. Em
um deles, por exemplo, o réu era deficiente físico e mental (2003.001.137465-7). A
defesa procurou escolher mulheres para compor o júri. Outro caso a servir de exemplo
foi de um senhor que estava sendo acusado de um crime praticado na época da ditadura
273
militar (1985.001.501023-6). Nesse caso, foram aceitas pessoas com mais idade, que
tivessem vivenciado a época.
A equipe teve a oportunidade de acompanhar um júri cujo crime causou alguma
repercussão na imprensa local. Foi possível perceber certas mudanças na rotina dos
tribunais. Nessas ocasiões, o plenário fica repleto de espectadores, a mídia está presente,
e se tem todo um aparato de segurança para “garantir a paz” dentro do plenário. Foi o
caso da sessão do júri quando do caso da boate Baroneti, em que o réu era acusado de
matar o jovem Daniel Duque (2008.001.163937-9). A sessão durou mais de 12 horas,
tendo sido o acusado absolvido por unanimidade pelo conselho de sentença, que
entendeu que o disparo fora acidental. Nessa sessão, foi possível verificar a presença de
vários advogados de defesa. Outro ponto a ser destacado ainda sobre este caso refere-se
à postura do promotor, que sustentou o pedido de absolvição do réu pelo fato de os
depoimentos das testemunhas de acusação não serem consistentes. Em sua alegação,
disse: “a qualquer réu a lei assegura o benefício da dúvida. O único caminho para se
fazer justiça é a absolvição”.
Um caso raro observado foi o de dissolução do conselho de sentença. Depois de
mais de cinco horas de debate entre acusação e defesa, o juiz perguntou aos jurados se
algum deles havia alguma dúvida quanto ao que foi exposto durante a sessão. Um dos
jurados pediu para rever um vídeo que continha o depoimento da principal testemunha
de acusação posto que ele não havia conseguido ouvir com nitidez o que o depoente
falou. De fato, as condições sonoras do vídeo não eram favoráveis à compreensão do
fato. O juiz então concedeu um intervalo de 30 minutos para lanche e descanso
enquanto o serviço técnico do Tribunal de Justiça tentava melhorar o áudio do vídeo.
Passaram-se 45 minutos e foi retomada a sessão. Mas, diante da impossibilidade de
apresentação da prova com a devida qualidade, o juiz se viu obrigado a solicitar novas
diligências no sentido de providenciar a transcrição total do depoimento e a inclusão de
legenda ao filme. Deu-se a dissolução do conselho, 7 horas após o início dos trabalhos.
Em conversa posterior com o defensor e com o próprio juiz, ambos reconheceram
desanimados: “um dia inteiro jogado fora”. No próximo julgamento, é escolhido outro
conselho de sentença e tudo é refeito.
Por fim, em um terceiro julgamento, Ministério e Defensoria Públicos
argumentaram no mesmo caminho. Ambos pediram aos jurados que condenassem o
acusado pelo crime de homicídio doloso, mas que respondessem negativamente às
274
qualificadoras do crime. Ou seja, ambos pediram a condenação do réu por homicídio
doloso simples.
Em relação às audiências de instrução e julgamento e sessões do tribunal do júri,
o que se pode dizer é que os atrasos constituem um dos maiores desrespeitos aos
indivíduos que ali estão para contribuir com a justiça, testemunhando em relação a um
fato. Contrariamente, a ausência das testemunhas acaba por emperrar o acontecimento
das audiências unas. Apesar das perguntas diretas por parte da acusação e da defesa, o
juiz permanece controlando, transcrevendo, interpretando, resumindo as falas dos
depoentes e, portanto, construindo o crime.
Esta segunda seção teve por objetivo situar o leitor no cenário, no palco, onde a
equipe se localizou ao longo de três meses. Foi possível observar as mudanças
colocadas em prática pelos operadores a partir das novas leis e, de outro lado, os
empecilhos à vigência das mesmas em sua totalidade. No próximo tópico, serão
analisadas as percepções dos operadores do sistema de justiça criminal quanto à
aplicabilidade ou não das novas leis.
V.5. Percepções dos operadores sobre as novas leis
Foram entrevistados formalmente três juízes, um promotor de justiça, quatro
defensores públicos, dois serventuários e dois advogados criminalistas. Todos eles
possuíam experiências tanto nas varas criminais quanto no tribunal do júri. Desses doze
personagens reais, quatro eram mulheres e três estavam atualmente lotados em varas
regionais. Entretanto, quase todos já haviam atuado nas varas regionais antes de
chegarem às varas centrais. Somando-se todas as entrevistas, foi possível obter 11 horas
de gravação sobre o tema, o que demonstra a riqueza do material produzido nesta etapa
qualitativa da pesquisa.
Os principais tópicos levantados pelos operadores em relação às novas leis
convergiram para os aspectos constitucionais que versam sobre a garantia dos direitos
fundamentais dos acusados. Neste sentido, foram enfatizadas as mudanças em relação à
condução das audiências; ao uso de algemas; à oralidade; à identidade única do juiz e ao
tempo de processamento (ver anexo 4). Especificamente quanto ao rito do júri, foram
destacadas a alteração do tempo de fala da acusação e defesa no momento da sessão do
júri e a mudança acerca da formulação dos quesitos ao conselho de sentença (ver anexo
5).
275
Como já aventado por esta pesquisa, antes da reforma, marcava-se primeiro o
interrogatório do acusado, depois ouviam-se as vítimas (se fosse o caso), depois as
testemunhas de acusação e, por último, as testemunhas de defesa. Cada audiência em
um dia específico. Só então eram elaboradas as alegações finais da acusação e defesa,
em texto escrito para posteriormente o juiz poder proferir sua sentença. Depois de 2008,
a regra diz que todos os envolvidos devem ser ouvidos num único dia na seguinte
ordem: vítima (se for o caso), testemunhas de acusação, testemunhas de defesa e, por
último, o acusado. Tal alteração visa claramente a ampliar o direito de defesa do réu,
posto que ele pode presenciar todas as falas dos envolvidos e, desse modo, elaborar
melhor seu discurso de defesa. As alegações finais de acusação e defesa devem ser
feitas logo em seguida, de forma oral, e a sentença do juiz logo após as alegações finais.
Como já dito, tudo no mesmo dia.
De acordo com os operadores, nem sempre é possível implementar todas essas
novas determinações. Por exemplo, elaborar as alegações finais naquele momento,
muito menos a sentença, sobretudo quando se trata de casos com muitos envolvidos.
Principalmente os juízes comentaram sobre a dificuldade e o temor de se proferir uma
sentença sem refletir sobre o caso. Outro ponto dificultador, como colocado na sessão
anterior, refere-se ao não comparecimento de testemunhas fundamentais ora pra
acusação, ora pra defesa, fazendo com que a audiência seja remarcada para outra data.
Como já esperado, os defensores viram positivamente o fato de o acusado ser o
último a ser ouvido, principalmente, se ele tiver a oportunidade de ouvir todos que
falaram antes dele. Ao contrário, o promotor e um juiz viram como negativo, posto que
aumentaria a probabilidade de o réu mentir. Assim, ele teria oportunidade de achar
brechas nos discursos das testemunhas e, com isso, elaborar sua versão mentirosa, a seu
favor. Eles apontaram que houve uma queda significativa do número de confissões
depois desta alteração.
Um ponto comum entre os operadores converge para o fato de os processos
estarem tramitando um pouco mais rápido, principalmente quando todos os envolvidos
comparecem às audiências. Entretanto, enfatizaram que os casos que já andavam rápido
antes passaram a andar ainda mais rápido depois da reforma, mas os casos que ficavam
emperrados permanecem emperrados porque o que dita rapidez ou morosidade são
fatores extras às novas leis, tais como a presença das testemunhas nas audiências, a
qualidade dos laudos periciais e o reconhecimento do indivíduo como autor do crime.
276
Quanto ao privilégio da oralidade em detrimento da escrita, os operadores
concordam que tal medida vem sendo aplicada em parte. Isso porque os tribunais não
possuem tecnologia áudio-visual que permita gravar as audiências. Ou seja, apesar de
alguns juízes aplicarem a nova regra no sentido de garantir que acusação e defesa façam
suas respectivas perguntas diretamente aos envolvidos, eles acabam por ter que ditar as
falas das pessoas ao serventuário que digita os depoimentos. Trocando em miúdos, o
que vai para o papel, o que fica nos autos de fato, continua sendo a “tradução” do juiz
em relação à fala das pessoas, o famoso “que diz que” (Vargas, 2000). Apesar disso, o
fato de as partes perguntarem diretamente, sem ter que passar pelo juiz, permitiu, na
opinião de alguns operadores, maior independência operacional, no sentido de que o que
se pergunta é o que se quer perguntar de fato.
Um dos juízes entrevistados afirmou continuar realizando as audiências como
anteriormente, ele mesmo reformulando as perguntas das partes aos envolvidos. A
justificativa por ele dada, e confirmada por seus serventuários, é a de que alguns
operadores, sobretudo os advogados particulares, não sabem formular as perguntas da
maneira como deve ser, prolongando-se demasiado em suas falas, não sendo objetivos
quanto às perguntas. Na opinião dele, tais práticas tendem a confundir as pessoas que
estão prestando depoimentos e acabam por tornar a audiência mais demorada. Além
disso, ele teria que não apenas ditar as falas, mas reordená-las de modo a dar uma
sequência lógica ao depoimento, já que muitas vezes, “as partes fazem as perguntas sem
uma ordem racional” (juiz).
A identidade única do juiz foi outro ponto de convergência entre os operadores,
sobretudo entre os juízes, que se viram em condições melhores de serem neutros e
imparciais em suas decisões. Segundo eles, o olhar nos olhos das pessoas e ouvi-las
diretamente dizem muito mais do que as palavras postas nos papéis dentro dos
processos, o que facilita a tomada de decisões. Além disso, ver e ouvir, acompanhando
o caso desde o início poupa-lhes tempo, já que as histórias ficariam melhor gravadas em
suas memórias. De acordo com os operadores, além disso ser um ponto positivo é algo
que está sendo aplicado na prática.
O não uso de algemas foi um ponto altamente positivo para os defensores e
advogados e negativo para os promotores e para um dos juízes. A justificativa dada por
esses operadores é a de que se o indivíduo está preso é porque a periculosidade dele já
está confirmada. Portanto, o uso da algema é necessário, principalmente quando se trata
277
de audiências. Mas todos foram taxativos quanto ao não uso das algemas nas sessões do
júri de modo a não influenciar de antemão os jurados à condenação do sujeito.
Sobre os novos procedimentos a serem adotados nas sessões do júri, os
defensores tenderam a reclamar da mudança do tempo de fala. Segundo eles, antes da
reforma eram duas horas de fala para cada parte, acusação e defesa e, posteriormente,
mais 30 minutos para réplica da acusação e mais 30 minutos de tréplica para a defesa.
Após a reforma, tem-se 90 minutos de fala para cada parte, 60 minutos de réplica e 60
minutos de tréplica. A alegação deles é a de que a promotoria ocupa todos os 90
minutos iniciais sustentando todo seu argumento, sem pedir a réplica. Com isso, a
defesa se vê obrigada a “gastar” todos os recursos nos 90 minutos iniciais, já que não se
pode esperar pela oportunidade da tréplica. Mas, em tendo a réplica, a defesa estaria
“sem munição” para a tréplica. Com o tempo de fala inicial maior, era quase certo não
haver réplica e, portanto, não haver a tréplica.
Quanto à quesitação ao conselho de sentença, foi unânime a opinião entre os
operadores que a nova forma de se perguntar aos jurados é mais clara, mais objetiva e,
portanto, mais justa ao acusado. Outro ponto específico quanto ao rito do júri diz
respeito a não haver mais a possibilidade de “protesto por novo júri”. Tal recurso era
muito utilizado pela defesa, sobretudo quando a pena consistia em 20 anos ou mais de
privação de liberdade. O Código anterior reza que em caso de pena igual ou superior a
20 anos, o réu tem direito a novo júri, posto que se trata de uma pena muito alta. Com a
nova redação, não há mais esse recurso.
De um modo geral, pode-se dizer que os operadores vêem as reformas como
avanços legislativos, embora muitos tenham entendido que as leis poderiam ter
avançado mais, alargando mais os passos pretendidos. Em contrapartida, outros
operadores sustentaram que as reformas podem ser entendidas como uma precipitação
do legislador, posto que tais alterações poderiam ter esperado pela reforma completa do
Código de Processo Penal, ainda em trâmite no Congresso Nacional. Mas todos eles
concordam que as reformas podem ser comparadas a uma colcha de retalhos, que visam
tapar buracos na lei antiga de 1941, formulada no contexto do Estado Novo e, portanto,
com claras influências fascistas.
Outro ponto nevrálgico dessa discussão é a aplicação prática das novas leis. Foi
opinião recorrente entre alguns operadores a resistência por parte de alguns juízes a
implementar as mudanças. Muitos continuam a formular as perguntas em detrimento da
fala direta entre acusação/defesa e acusado/testemunhas. Em geral, dizem eles, os juízes
278
que agem dessa maneira formaram antes de 1988 e, portanto, atuam de maneira
conservadora, tradicional e, principalmente, criminalizadora e condenatória. Mais que
isso, permitir que defesa e acusação elaborem suas perguntas diretamente aos
depoentes, seria um reconhecimento da perda de seu poder, poder de fato e poder
simbólico. Uma informação relevante ao estudo é que logo no início da implementação
das novas leis, alguns juízes não as acataram prontamente, continuando a atuar
conforme a legislação anterior. Tais casos foram anulados pelo Superior Tribunal
Federal e, só depois disso é que as leis começaram a ser aplicadas de fato.
Conversar com os operadores do Direito no sistema de justiça criminal do Rio de
Janeiro trouxe apontamentos importantes quanto à aplicação prática das leis 11.689/08 e
11.719/08. Pode-se dizer que as novas leis vêm sendo atendidas em parte, dadas as
dificuldades extra-legais, tais como ausência de testemunhas nas audiências.
V.6. Comentários finais
Essa etapa da pesquisa consistiu em técnicas qualitativas da metodologia em
Ciências Sociais, sobretudo etnografia, com observação das audiências de instrução e
julgamento das varas criminais comuns e dos tribunais do júri e entrevistas semi-
estruturadas com os operadores do sistema se justiça criminal da comarca do Rio de
Janeiro. A época destinada à realização desta etapa da pesquisa coincidiu com boa parte
das férias de muitos operadores, restando à equipe recorrer à estratégia conhecida por
“bola de neve”, onde um entrevistado indica outro para conversar com a equipe. Para
observação das audiências, os pesquisadores chegavam ao Fórum com antecedência e
escolhia uma vara ou um tribunal para acompanhar o dia de trabalho. Assim, foi
possível assistir a 20 audiências em varas criminais, 11 audiências nos tribunais do júri
e 4 sessões do júri. Foi possível conversar com 12 operadores, dentre advogados,
defensores públicos, promotores de justiça, juízes e serventuários do cartório.
A justiça criminal no Rio de Janeiro capital passou por um processo de
descentralização, quando se criaram os fóruns regionais. Entretanto, tal iniciativa de
tornar a justiça mais próxima da população carioca mostrou-se problemática em
algumas regiões e hoje há somente 5 fóruns regionais. Nota-se que os tribunais do júri
estão todos localizados no Fórum Central.
No que concerne às modificações produzidas pela reforma no que diz respeito ao
rito ordinário (11.719/08) e à primeira fase do rito do júri (11.689/08), merecem
279
destaque as audiências unas, com nova ordem dos depoimentos e a prevalência da
oralidade, sendo que as partes fazem as perguntas diretamente às pessoas e não mais
indiretamente, via juiz. Agora, ouvem-se primeiro as vítimas (se for o caso), as
testemunhas de defesa, as testemunhas de acusação e, por último, os acusados. Reza a
nova lei que as alegações finais devem ser feitas após as tomadas dos depoimentos e do
interrogatório, oralmente pelas partes e, em sequência, tem-se a sentença do juiz. O uso
de algemas passa a ser uma exceção, aplicável somente nos casos de réus que
apresentam indisciplina ou que já apresentaram comportamento perturbador em outras
ocasiões.
Em linhas gerais, foram tais mudanças que nortearam o olhar dos pesquisadores
quando da observação das audiências das varas criminais comuns e dos tribunais do
júri. O que se notou foi que tais mudanças vêm sendo aplicadas em parte pelos
operadores. Há juízes que continuam fazendo as perguntas em detrimento das perguntas
pelas partes e, o que se mostra mais grave, é que todos eles continuam ditando,
reproduzindo as falas dos depoentes ao serventuário, que as digita. Não apenas ditam,
como não raro foi perceptível a reordenação dessas falas, já que eles buscam dar um
“início, meio e fim aos relatos”. Ou seja, o princípio da oralidade permanece intocado.
A identidade única do juiz foi outro aspecto observado e o que se viu foi uma grande
dificuldade de tal implementação devido ao fato de alguns juízes acumularem mais de
uma vara criminal comum. No âmbito do rito do júri é mais perceptível a manutenção
da identidade do juiz na primeira e segunda fase. Nas varas criminais comuns, é mais
corriqueiro o preso permanecer algemado durante a audiência. Fato que chamou a
atenção da equipe foram os constantes e extenuantes atrasos para o início dessas
audiências, o que vem a reforçar, no imaginário social, a máxima de que a Justiça é
morosa. As alegações finais raramente são feitas de forma oral e no momento da
audiência. É mais comum os juízes distribuir prazo para a entrega dos memoriais e dar a
sentença por escrito após isso. Foi observado, ainda, que as audiências do júri
apresentam o complicador do medo e da coação social por parte das testemunhas sendo
muito recorrente a ausência de uma ou mais pessoas. E, diante disso, a audiência deve
ser remarcada para nova data, na prática, não inferior a 30 dias.
As principais mudanças previstas para a segunda fase do rito do júri (lei
11.689/08) refere-se ao tempo de fala das partes, ao não uso de algemas pelo réu, à
quesitação, incluindo a pergunta “o réu deve ser absolvido?”. A nova lei pôs fim ainda
ao chamado “protesto por novo júri” quando o réu era condenado a 20 anos ou mais de
280
cárcere. A oralidade é aqui também priorizada, devendo as partes se dirigirem
diretamente aos envolvidos, exceto os jurados que devem remeter suas questões ao juiz
para, este sim, remetê-las ao depoente. Os jurados devem receber cópia da sentença de
pronúncia e as partes, sobretudo a acusação, não podem se valer desta sentença para
argumentação. Além disso, a acusação não pode mais usar o silêncio do réu, direito
dele, em seu prejuízo dizendo algo como: “está vendo, senhores jurados, quem cala
consente. Ele é culpado”. As regras em relação à segunda fase do rito do júri têm sido
aplicadas, com raras exceções.
Isso foram as análises a partir das observações de campo. Mas o que pensam os
operadores em relação a tais mudanças? As entrevistas com alguns deles mostraram que
as novas leis podem ser vistas como remendos, retalhos que vêm a tapar os buracos
produzidos no Código de 1941. Para os mais conservadores, tais novidades poderiam ter
esperado a reforma completa do Código, projeto ainda em trâmite no Legislativo. De
outro lado, para os garantistas, as reformas constituem avanços significativos no que se
refere à garantia dos direitos fundamentais da pessoa humana, nestes casos, dos réus.
Mas, em geral, foi possível perceber que os operadores têm uma opinião mais positiva,
elogiosa, que crítica quanto à reforma. Para muitos, uma necessidade urgente para a
sociedade brasileira. Não foram apontadas falhas às novas leis, antes, observações
quanto ao fato de poderem ter avançado mais. Segundo alguns, foi uma reforma tímida,
mas suficiente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo maior da reforma realizada no âmbito do processo penal a partir das
Leis 11.719/08 e 11.689/08 foi o de conceder maior celeridade ao processo penal,
dotando-lhe de maior simplicidade e, simultaneamente, garantindo maior eficácia aos
direitos fundamentais do acusado. Quase um ano e meio após o início de vigência destas
novas leis, pareceu oportuno a sua avaliação, mas não apenas do ponto de vista de sua
técnica legislativa, como ainda de sua capacidade em se traduzir em um feixe de regras,
valores e atitudes realizados e reificados na práxis cotidiana do sistema de justiça
criminal.
Para o alcance de tais propósitos esta pesquisa foi dividida em diversas “frentes”
cada abordando as novas leis dentro de uma perspectiva diferenciada e, por isso,
281
utilizando-se de técnicas de pesquisa distintas. De maneira sintética, é possível afirmar
que esta pesquisa buscou alcançar cinco objetivos diferenciados a partir do emprego das
seguintes metodologias (Quadro 13):
Quadro 13 Estratégia metodológica utilizada de acordo com o objetivo a ser alcançado pela pesquisa
Objetivo pretendido Estratégia metodológica Análise das alterações legislativas no que diz respeito à forma e temporalidade dos atos judiciais
1 - Contraste da legislação processual penal vigente antes e depois da publicação das leis 11.719/08 e 11.689/08. 2 - Cálculo do tempo de processamento em cada um das duas legislações (CPP de 1941 e CPP reformado em 2008) 3 – Revisão das pesquisas já realizadas sobre o tempo de processamento da justiça criminal no Brasil, para situar o pesquisador em qual era o cenário existente antes da publicação das novas leis.
Diagnóstico quantitativo do impacto das leis 11.719/08 e 11.689/08 sobre o tempo de processamento das causas criminais
Análise do banco de dados do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e do banco de dados do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para crimes cujo processo fora distribuído em período anterior e posterior às novas leis. Como cada uma das leis alterou ritos processuais diferentes (a lei 11.719/08 alterou o rito ordinário e a lei 11.689/08 alterou o rito do tribunal de júri) esta análise foi realizada utilizando-se como base dois crimes particulares: roubo e homicídio doloso.
Exame das garantias constitucionais afetadas pelas Leis 11.689/08 e 11.719/08
Contraste das leis 11.719/08 e 11.689/08 com os princípios constitucionais relacionados a esta temática.
Análise da jurisprudência relativa às novas leis
Construção de um banco de dados a partir de informações coletadas nos julgados disponibilizados nos sites dos Tribunais Estaduais de Justiça, Tribunais Regionais Federais; Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal referentes às polêmicas relacionadas às alterações introduzidas pelas leis 11.719/08 e 11.689/08.
Diagnóstico qualitativo da forma como as leis 11.719/08 e 11.689/08 tem sido operacionalizadas na realidade cotidiana dos tribunais.
Observação participante dos julgamentos dos crimes comuns e crimes dolosos contra a vida, com o objetivo de identificar como as mudanças na forma de processamento e, especialmente, condução das audiências, tem sido implementadas no âmbito das varas criminais da cidade do Rio de Janeiro.
Análise das opiniões e visões dos operadores do direito quanto à pertinência e adequabilidade das alterações introduzidas pelas leis 11.719/08 e 11.689/08.
Entrevistas semi-estruturadas com operadores do direito (juízes, promotores, advogados, defensores e funcionários de cartório) com o objetivo de avaliar o sistema de crenças, valores e atitudes destes diante das novas leis.
Os resultados de cada uma destas frentes de pesquisa foram consolidados em
distintos capítulos neste relatório. Com isso, ficou evidente que o maior problema que
esta legislação procurou abordar foi o relacionado à morosidade dos tribunais
brasileiros. No entanto, de acordo com a doutrina, jurisprudência, bancos de dados e
entrevistas com os operadores do direito, este é o problema que permanece ainda sem
282
solução, especialmente no que diz respeito a um equacionamento com os direitos e
garantias do acusado.
O resultado combinado das análises empreendidas em cada um dos capítulos que
integram este volume aponta para a necessidade de a nova lei contemplar limites claros
para a duração do processo penal, até para que seja possível o questionamento da
“justiça” do excesso de prazo no âmbito dos tribunais superiores através desses
standards. Sem isso, as normas terminarão como na legislação anterior: simples
programas de ação que podem ou não ser implementados na realidade cotidiana dos
tribunais.
Neste sentido, cumpre reproduzir o posicionamento de Lopes Júnior (2005), que
apesar de publicado em momento anterior à reforma, parece bem refletir o problema da
legislação processual penal passada e presente no que se refere ao tempo de duração do
processo:
É óbvio que o legislador deve sim estabelecer de forma clara os limites temporais do
processo e das prisões cautelares, até porque, as pessoas têm o direito de saber
(dimensão democrática), de antemão e com precisão, qual é o tempo máximo que
poderá durar um processo penal. Estamos diante de exercício de poder e que,
portanto, necessita e exige limites e controle (inclusive temporal). Trata-se de um
mínimo de respeito às regras éticas do jogo (e aqui emprego o conceito de
Calamandrei, il processo come giuoco, ou de guerra, de James Goldschmidt).
O que ficou claro na análise das pesquisas que focalizavam a legislação anterior
é que a mera previsão legal de prazos é incapaz de garantir sua obediência, não
impedindo o desrespeito rotineiro de seus ditames. Logo, o que parece fundamental é
definir claramente o prazo máximo de duração do processo penal não apenas fixando o
tempo para a prática do ato, mas ainda as implicações que o não respeito a este tempo
deve possuir para os operadores do direito – seja do ponto de vista processual (extinção
do processo sem julgamento de mérito), seja do ponto de vista funcional (sanções
administrativas) – especialmente os órgãos da Administração Pública e auxiliares da
justiça, visto que grande parcela da morosidade da Justiça recai como visto sobre os
chamados “tempos mortos”, produtos da ineficiência dos órgãos públicos.
Contudo, na medida em que essas leis também alteram a forma como o ato
processual penal é praticado, torna-se relevante analisar o impacto dessa legislação no
que se refere ao seu propósito de reduzir a complexidade dos procedimentos judiciais,
especialmente no que diz respeito à forma como a audiência de julgamento (seja essa de
plenária do júri ou não) é conduzida. Estas análises denotaram que, para além dos
283
problemas relacionados ao excesso de prazo, outras questões também foram
consideradas como controversas (processamento de cartas precatórias/rogatórias) e que,
por isso, merecem ser objeto de aperfeiçoamento legislativo.
Neste sentido, de acordo com os temas que foram mais recorrentes em toda a
análise, foram formuladas algumas alterações em termos de técnica legislativa, as quais
se encontram sumarizadas no quadro abaixo de acordo com o tema a que se referem.
Quadro 14 Principais temas controversos mapeados e possíveis formas de dirimir a controvérsia a partir da
reformulação legislativa Tema polêmico na reforma
Como resolver o problema em termos legislativos
Excesso de prazo Art 310. O prazo para encerramento da instrução criminal nos casos processados pelo rito ordinário é de 95 dias, a contar da data do recebimento da denúncia. § 1º. o prazo de que trata este artigo apenas poderá ser estendido desde que devidamente justificado em relação às seguintes situações: I. complexidade do caso; II. número elevado de acusados; Art 412- A- O prazo para encerramento da segunda fase do procedimento do júri é de até 6 meses, ou seja, 180 dias a contar do trânsito em julgado para pronúncia § 1º. o prazo de que trata este artigo apenas poderá ser estendido desde que devidamente justificado em relação às seguintes situações: I complexidade do caso; II número elevado de acusados
Identidade física do juiz
Art. 399 § 2o “O juiz que iniciou a instrução deverá concluí-la, sendo competente para o julgamento do processo”
Suspensão Condicional do Processo
Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave. § 1o Se, em conseqüência de definição jurídica diversa, houver possibilidade de proposta de suspensão condicional do processo, o juiz procederá de acordo com o disposto no art. 89, da Lei 9.099/95. I- Na hipótese mencionada no parágrafo anterior, deverá ao juiz remeter os autos ao Ministério Público para que este, verificando a possibilidade de oferecimento da Suspensão Condicional do Processo, requeira ao juiz citação do acusado para comparecimento a audiência especial para o oferecimento da referida medida.
Critérios para a decisão de pronúncia
Estipular regras claras para a confecção da pronúncia, evitando sua nulidade tanto pelo excesso quanto pela falta de fundamentação
emendatio libelli Retirar sua competência do juiz e transferindo-a ao Ministério Público, ou, ao menos, exigindo sua aprovação por parte deste
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ANEXOS
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298
299
Tabela A - Crimes e procedimentos aplicáveis Procedimento Crimes aos quais se aplica o procedimento
(com artigo do Código Penal referente a sua aplicação) Tribunal do Júri Art. 121 – Homicídio simples e qualificado;
Art. 122 – Induzimento, instigação e auxílio ao suicídio; Art. 123 – Infanticídio; Art. 124 – Aborto provocado pela gestante; Art.125 – Aborto provocado por terceiro sem o consentimento da gestante; Art.126 – Aborto provocado por terceiro com o consentimento da gestante; Art. 127 – Aborto provocado por terceiro, com ou sem o consentimento da gestante, mas do qual resulta lesão corporal ou morte da própria gestante.
Ordinário Art. 129 §§1º; 2º e 3º - Lesão Corporal Grave, Gravíssima e seguida de morte Art. 130 §1º - Perigo de Contágio Venéreo Art. 131 – Perigo de Contágio de Moléstia Grave Art. 136 §§1º e 2º - Maus tratos qualificado Art. 140 §3º - Injúria Racial Art. 148 – Sequestro ou Cárcere Privado Art. 149 – Redução à Condição Análoga à de Escravo Art. 155 – Furto Art. 157 – Roubo Art. 158 – Extorsão Art. 159 – Extorsão Mediante sequestro Art. 160 – Extorsão Indireta Art. 168 – Apropriação Indébita Art. 168-A – Apropriação Indébita Previdenciária Art. 171 – Estelionato Art. 173 – Abuso de Incapazes Art. 174 – Induzimento à Especulação Art. 175 §1º - Fraude no Comércio qualificada Art. 177 - Fraudes e abusos na fundação ou administração de sociedade por ações
300
Art. 178 - Emissão irregular de conhecimento de depósito ou "warrant" Art. 180 – Receptação Art. 184 § § 1º a 3º - Violação de direito autoral Art. 202 - Invasão de estabelecimento industrial, comercial ou agrícola. Sabotagem Art. 210 - Violação de sepultura Art. 211 - Destruição, subtração ou ocultação de cadáver Art. 213 - Estupro Art. 215 - Violação sexual mediante fraude Art. 217-A - Estupro de vulnerável Art 218 – Corrupção de Menores Art. 218-A – Satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente Art. 218-B - Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável Art. 228 - Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual Art. 229 - Casa de prostituição Art. 230 - Rufianismo Art. 231 - Tráfico internacional de pessoa para fim de exploração sexual Art. 231-A - Tráfico interno de pessoa para fim de exploração sexual Art. 235 – Bigamia Art. 241 - Registro de nascimento inexistente Art. 242 - Parto suposto. Supressão ou alteração de direito inerente ao estado civil de recém-nascido Art. 243 - Sonegação de estado de filiação Art. 245 §1º - Entrega de filho menor a pessoa inidônea Art. 250 - Incêndio Art. 251 – Explosão Art. 252 - Uso de gás tóxico ou asfixiante Art. 254 - Fabrico, fornecimento, aquisição posse ou transporte de explosivos ou gás tóxico, ou asfixiante Art. 255 - Perigo de inundação Art. 256 - Desabamento ou desmoronamento Art. 257 - Subtração, ocultação ou inutilização de material de salvamento Art. 259 - Difusão de doença ou praga
301
Art. 260 - Perigo de desastre ferroviário Art. 261 - Atentado contra a segurança de transporte marítimo, fluvial ou aéreo Art. 265 - Atentado contra a segurança de serviço de utilidade pública Art. 267 – Epidemia Art. 270 - Envenenamento de água potável ou de substância alimentícia ou medicinal Art. 271 - Corrupção ou poluição de água potável Art. 272 - Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de substância ou produtos alimentícios Art.273 - Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais Art. 274 - Emprego de processo proibido ou de substância não permitida Art. 275 - Invólucro ou recipiente com falsa indicação Art. 276 - Produto ou substância nas condições dos dois artigos anteriores Art. 277 - Substância destinada à falsificação Art. 288 - Quadrilha ou bando Art. 289 - Moeda Falsa Art. 290 - Crimes assimilados ao de moeda falsa Art. 291 - Petrechos para falsificação de moeda Art. 293 - Emissão de título ao portador sem permissão legal Art. 294 - Petrechos de falsificação Art. 296 - Falsificação do selo ou sinal público Art. 297 - Falsificação de documento público Art. 298 - Falsificação de documento particular Art. 299 - Falsidade ideológica Art. 300 - Falso reconhecimento de firma ou letra Art. 304 - Uso de documento falso Art. 305 - Supressão de documento Art. 306 - Falsificação do sinal empregado no contraste de metal precioso ou na fiscalização alfandegária, ou para outros fins Art. 309 p. único - Fraude de lei sobre estrangeiro Art. 311 - Adulteração de sinal identificador de veículo automotor Art. 312 - Peculato
302
Art. 313 - Peculato mediante erro de outrem Art. 313-A - Inserção de dados falsos em sistema de informações Art. 314 - Extravio, sonegação ou inutilização de livro ou documento Art. 316 - Concussão Art. 317 - Corrupção passiva Art. 318 - Facilitação de contrabando ou descaminho Art. 328 p. único - Usurpação de função pública Art. 329 §1º - Resistência Art. 332 - Tráfico de Influência Art. 333 - Corrupção ativa Art. 334 - Contrabando ou descaminho Art. 337 - Subtração ou inutilização de livro ou documento Art. 337-A - Sonegação de contribuição previdenciária Art. 337-B - Corrupção ativa em transação comercial internacional Art. 337-C - Tráfico de influência em transação comercial internacional Art. 338 - Reingresso de estrangeiro expulso Art. 339 - Denunciação caluniosa Art. 342 - Falso testemunho ou falsa perícia Art. 343 – Aliciar Testemunha ou perito Art. 344 - Coação no curso do processo Art. 353 - Arrebatamento de preso Art. 357 - Exploração de prestígio Art. 359-C – Assunção de obrigação no último ano do mandato ou legislatura Art. 359-D – Ordenação de despesa não autorizada Art. 359-G – Aumento de despesa total com pessoal no último ano do mandato ou legislatura Art. 359-H - Oferta pública ou colocação de títulos no mercado
Sumário Art. 129 § 9º - Violência Doméstica Art. 133 - Abandono de incapaz Art. 162 - Supressão ou alteração de marca em animais Art. 163 p. único - Dano qualificado
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Art. 172 - Duplicata simulada Art. 206 – Aliciamento para o fim de emigração Art. 207 - Aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território nacional Art. 208 - Ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele relativo Art. 212 - Vilipêndio a cadáver Art. 238 - Simulação de autoridade para celebração de casamento Art. 239 - Simulação de casamento Art. 244 - Abandono material Art. 266 - Interrupção ou perturbação de serviço telegráfico ou telefônico Art. 278 - Outras substâncias nocivas à saúde pública Art. 280 - Medicamento em desacordo com receita médica Art. 303 - Reprodução ou adulteração de selo ou peça filatélica Art. 309 - Fraude de lei sobre estrangeiro Art. 310 - Prestar-se a figurar como proprietário ou possuidor de ação, título ou valor pertencente a estrangeiro Art. 322 - Violência arbitrária Art. 355 - Patrocínio infiel Art. 356 - Sonegação de papel ou objeto de valor probatório
Sumaríssimo Art. 129 caput e § 6º - Lesão corporal leve e culposa Art. 130 - Perigo de contágio venéreo Art. 132 - Perigo para a vida ou saúde de outrem Art. 134 – Exposição ou abandono de recém-nascido Art. 135 - Omissão de socorro Art. 136 – Maus-tratos Art. 137 – Rixa Art. 138 – Calúnia Art. 139 – Difamação Art. 140 caput e §2º - Injúria e Injúria Real Art. 146 - Constrangimento ilegal Art. 147 – Ameaça Art. 150 – Violação de domicílio
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Art. 151 – Violação de correspondência Art. 152 – Correspondência comercial Art. 153 – Divulgação de segredo Art. 154 – Violação do segredo profissional Art. 156 – Furto de coisa comum Art. 161 – Alteração de limites Art. 163 – Dano Art. 164 – Introdução ou abandono de animais em propriedade alheia Art. 165 – Dano em coisa de valor artístico, arqueológico ou histórico Art. 166 – Alteração de local especialmente protegido Art. 169 – Apropriação de coisa havida por erro, caso fortuito ou força da natureza Art. 175 – Fraude no comércio Art. 176 – Outras fraudes Art. 179 – Fraude à execução Art. 180 §3º - Receptação Culposa Art. 184 – Violação de direito autoral Art. 197 – Atentado contra a liberdade de trabalho Art. 198 – Atentado contra a liberdade de contrato de trabalho e boicotagem violenta Art. 199 – Atentado contra a liberdade de associação Art. 200 – Paralisação de trabalho, seguida de violência ou perturbação da ordem Art. 201 – Paralisação de trabalho de interesse coletivo Art. 203 – Frustração de direito assegurado por lei trabalhista Art. 204 – Frustração de lei sobre a nacionalização do trabalho Art. 205 – Exercício de atividade com infração de decisão administrativa Art. 209 – Impedimento ou perturbação de cerimônia funerária Art. 216-A – Assédio sexual Art. 233 – Ato obsceno Art. 234 – Escrito ou objeto obsceno Art. 236 – Induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento Art. 237 – Conhecimento prévio de impedimento
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Art. 245 – Entrega de filho menor a pessoa inidônea Art. 246 – Abandono intelectual Art. 248 – Induzimento a fuga, entrega arbitrária ou sonegação de incapazes Art. 249 – Subtração de incapazes Art. 253 – Fabrico, fornecimento, aquisição posse ou transporte de explosivos ou gás tóxico, ou asfixiante Art. 250 §2º - Incêndio culposo Art. 251 §3º - Explosão culposa Art. 252 p. único – Uso de gás tóxico ou asfixiante – Modalidade culposa Art. 254 – Inundação – Modalidade culposa Art. 256 p. único – Desabamento ou desmoronamento – Modalidade culposa Art. 259 p. único – Difusão de doença ou praga – Modalidade culposa Art. 260 § 2º – Perigo de desastre ferroviário – Modalidade culposa Art. 261 § 3º - Atentado contra a segurança de transporte marítimo, fluvial ou aéreo – Modalidade culposa Art. 262 – Atentado contra a segurança de outro meio de transporte Art. 264 – Arremesso de projétil Art. 267 p. único – Epidemia – Modalidade culposa Art. 268 – Infração de medida sanitária preventiva Art. 269 – Omissão de notificação de doença Art. 270 § 2º - Envenenamento de água potável ou de substância alimentícia ou medicinal – Modalidade culposa Art. 271 p. único – Corrupção ou poluição de água potável – Modalidade culposa Art. 272 p. único – Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de substância ou produtos alimentícios – Modalidade culposa Art. 273 § 2º - Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais – Modalidade culposa Art. 278 p. único – Outras substâncias nocivas à saúde pública – Modalidade culposa Art. 280 p. único – Medicamento em desacordo com receita médica – Modalidade culposa Art. 282 – Exercício ilegal da medicina, arte dentária ou farmacêutica Art. 283 – Charlatanismo Art. 284 – Curandeirismo Art. 286 – Incitação ao crime
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Art. 287 – Apologia de crime ou criminoso Art. 289 § 2º - Moeda Falsa – Modalidade culposa Art. 292 – Emissão de título ao portador sem permissão legal Art. 293 §4º - Falsificação de papéis públicos Art. 301 – Certidão ou atestado ideologicamente falso Art. 302 – Falsidade de atestado médico Art. 304 – Uso de documento falso Art. 307 – Falsa identidade Art. 308 – Falsa identidade (passaporte etc) Art. 312 § 2º - Peculato culposo Art. 313-B – Modificação ou alteração não autorizada de sistema de informações Art. 315 – Emprego irregular de verbas ou rendas públicas Art. 319 – Prevaricação Art. 319 – A – Deixar o Diretor de Penitenciária e/ou agente público, de cumprir seu dever de vedar ao preso o acesso a aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo Art. 320 – Condescendência criminosa Art. 321 – Advocacia administrativa Art. 323 – Abandono de função Art. 324 – Exercício funcional ilegalmente antecipado ou prolongado Art. 325 – Violação de sigilo funcional Art. 326 – Violação do sigilo de proposta de concorrência Art. 328 – Usurpação de função pública Art. 329 – Resistência Art. 330 – Desobediência Art. 331 – Desacato Art. 335 – Impedimento, perturbação ou fraude de concorrência Art. 336 – Inutilização de edital ou de sinal Art. 340 – Comunicação falsa de crime ou de contravenção Art. 341 – Auto-acusação falsa
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Art. 345 – Exercício arbitrário das próprias razões Art. 346 – Tirar, suprimir, destruir ou danificar coisa própria, que se acha em poder de terceiro por determinação judicial ou convenção Art. 347 – Fraude processual Art. 348 – Favorecimento pessoal Art. 349 – Favorecimento real Art. 349-A – Ingressar, promover, intermediar, auxiliar ou facilitar a entrada de aparelho telefônico de comunicação móvel, de rádio ou similar, sem autorização legal, em estabelecimento prisional Art. 350 – Exercício arbitrário ou abuso de poder Art. 351 – Fuga de pessoa presa ou submetida a medida de segurança Art. 352 – Evasão mediante violência contra a pessoa Art. 354 – Motim de presos Art. 358 – Violência ou fraude em arrematação judicial Art. 359 – Desobediência a decisão judicial sobre perda ou suspensão de direito Art. 359-A – Contratação de operação de crédito Art. 359-B – Inscrição de despesas não empenhadas em restos a pagar Art. 359-E – Prestação de garantia graciosa Art. 359-F – Não cancelamento de restos a pagar
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Anexo 1 – formulário de observação nas audiências de instrução e julgamento do rito ordinário
Formulário para a coleta de informações qualitativas
Pesquisa Pensando o Direito “Os novos procedimentos penais: uma análise empírica das mudanças introduzidas pelas leis 11.689/08 e 11.719/08”
Instruções aos pesquisadores Caro pesquisador, Este formulário de coleta de dados foi pensado para ser executado a partir das seguintes estratégias: 1) entrevista com os funcionários do cartório para esclarecimento de algumas questões; 2) Xerox de determinadas partes do processo examinado em audiência; 3) presença às audiências de instrução e julgamento para verificação de como os operadores do direito estão implementando as novas leis (11.689/08 e 11.719/08). Cada um dos quadros a seguir apresenta a forma que o dispositivo era regulamentado na legislação pretérita e na atual, bem como, qual deve ser a estratégia utilizada pelo pesquisador para verificar se a regulamentação vigente está ou não sendo aplicada na vida dos tribunais. Em caso de dúvida, por favor, entrem em contato comigo 81723939. Desejo a todos um bom trabalho. Ludmila Ribeiro Coordenadora da pesquisa
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Legislação em análise: Lei 11.719/08 Análise das audiências de instrução e julgamento dos processos referentes ao procedimento ordinário Número do processo apreciado_____________________________________________ Vara criminal___________________________________________________________ Juiz responsável pelo feito_________________________________________________ Data da coleta de informações______________________________________________
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Legislação anterior Legislação atual Como verificar a mudança?
O que foi observado na análise deste processo?
Art. 394. O juiz, ao receber a queixa ou denúncia, designará dia e hora para o interrogatório, ordenando a citação do réu e a notificação do Ministério Público e, se for caso, do querelante ou do assistente. Art. 502. - Parágrafo único. O juiz poderá determinar que se proceda, novamente, o interrogatório do réu ou a inquirição de testemunhas e do ofendido, se não houver presidido a esses atos na instrução criminal.
Art. 399. Recebida a denúncia ou queixa, o juiz designará dia e hora para a audiência, ordenando a intimação do acusado, de seu defensor, do Ministério Público e, se for o caso, do querelante e do assistente. . § 1o O acusado preso será requisitado para comparecer ao interrogatório, devendo o poder público providenciar sua apresentação. § 2o O juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença.
Verificar no processo examinado se quem assina os despachos referentes ao aceite da denúncia, intimação do acusado e de seu defensor é o mesmo juiz que preside o processo. Se possível, tirar Xerox do despacho do juiz recebendo a denúncia e ordenando os demais procedimentos
Não regulamentava este dispositivo
Art. 400. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado. § 1o As provas serão produzidas numa só audiência, podendo o juiz indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias. § 2o Os esclarecimentos dos peritos dependerão de prévio requerimento das partes.
Anotar a data da denúncia, pois a partir desta e da data da seção de julgamento será possível verificar se o prazo de 60 dias está sendo respeitado. Verificar se a ordem dos depoimentos é seguida, se todos são realizados na mesma audiência. Caso isso não esteja ocorrendo, verificar as razões apontadas pelos magistrados em audiência para não respeito a este novo padrão.
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Legislação anterior Legislação atual Como verificar a mudança?
O que foi observado na análise deste processo?
Art. 499. Terminada a inquirição das testemunhas, as partes - primeiramente o Ministério Público ou o querelante, dentro de 24 (vinte e quatro) horas, e depois, sem interrupção, dentro de igual prazo, o réu ou réus - poderão requerer as diligências, cuja necessidade ou conveniência se origine de circunstâncias ou de fatos apurados na instrução, subindo logo os autos conclusos, para o juiz tomar conhecimento do que tiver sido requerido pelas partes.
Art. 402. Produzidas as provas, ao final da audiência, o Ministério Público, o querelante e o assistente e, a seguir, o acusado poderão requerer diligências cuja necessidade se origine de circunstâncias ou fatos apurados na instrução.
Verificar se a produção de provas é solicitada na audiência ou se o advogado ou o Ministério Público pedem prazo (e o juiz defere) para a apresentação destas provas.
Art. 500. Esgotados aqueles prazos, sem requerimento de qualquer das partes, ou concluídas as diligências requeridas e ordenadas, será aberta vista dos autos, para alegações, sucessivamente, por 3 (três) dias: I - ao Ministério Público ou ao querelante; II - ao assistente, se tiver sido constituído; III - ao defensor do réu. § 1o Se forem dois ou mais os réus, com defensores diferentes, o prazo será comum. § 2o O Ministério Público, nos processos por crime de ação privada ou nos processos por crime de ação pública iniciados por queixa, terá vista dos autos depois do querelante
Art. 403. Não havendo requerimento de diligências, ou sendo indeferido, serão oferecidas alegações finais orais por 20 (vinte) minutos, respectivamente, pela acusação e pela defesa, prorrogáveis por mais 10 (dez), proferindo o juiz, a seguir, sentença. § 1o Havendo mais de um acusado, o tempo previsto para a defesa de cada um será individual. § 2o Ao assistente do Ministério Público, após a manifestação desse, serão concedidos 10 (dez) minutos, prorrogando-se por igual período o tempo de manifestação da defesa. § 3o O juiz poderá, considerada a complexidade do caso ou o número de acusados, conceder às partes o prazo de 5 (cinco) dias sucessivamente para a apresentação de memoriais. Nesse caso, terá o prazo de 10 (dez) dias para proferir a sentença.
Verificar se na hipótese de não requisição de provas é concedida a palavra ao MP e advogado de defesa. Verificar ainda se os tempos prescritos pelo CPP para sustentação oral são respeitados. Por fim, verificar quais são as hipóteses em que o juiz concede às partes prazo para apresentação de memorial. Neste caso, nos interessa saber o que os juízes chamam de elevada complexidade.
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Anexo 2 – formulário de observação das audiências de instrução e julgamento da primeira fase do rito do júri
Formulário para a coleta de informações qualitativas
Pesquisa Pensando o Direito “Os novos procedimentos penais: uma análise empírica das mudanças introduzidas pelas leis 11.689/08 e 11.719/08”
Instruções aos pesquisadores Caro pesquisador, Este formulário de coleta de dados foi pensado para ser executado a partir das seguintes estratégias: 1) entrevista com os funcionários do cartório para esclarecimento de algumas questões; 2) Xerox de determinadas partes do processo examinado em audiência; 3) presença às audiências de instrução e julgamento para verificação de como os operadores do direito estão implementando as novas leis (11.689/08 e 11.719/08). Cada um dos quadros a seguir apresenta a forma que o dispositivo era regulamentado na legislação pretérita e na atual, bem como, qual deve ser a estratégia utilizada pelo pesquisador para verificar se a regulamentação vigente está ou não sendo aplicada na vida dos tribunais. Em caso de dúvida, por favor, entrem em contato comigo 81723939. Desejo a todos um bom trabalho. Ludmila Ribeiro Coordenadora da pesquisa
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Legislação em análise: Lei 11.689/08 Análise das audiências de instrução e julgamento dos processos de competência do Júri Número do processo apreciado_____________________________________________ Vara criminal___________________________________________________________ Juiz responsável pelo feito_________________________________________________ Data da coleta de informações______________________________________________ Utilize este espaço para observações gerais que julgar necessário, como interação com os funcionários do cartório, juiz, recebimento da pesquisa, etc.
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Legislação anterior Legislação atual
Como verificar a mudança?
O que foi observado na análise deste processo?
Não regulamentava este dispositivo
Art. 411 Na audiência de instrução, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, se possível, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado e procedendo-se o debate. § 1o Os esclarecimentos dos peritos dependerão de prévio requerimento e de deferimento pelo juiz. § 2o As provas serão produzidas em uma só audiência, podendo o juiz indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias. § 3o Encerrada a instrução probatória, observar-se-á, se for o caso, o disposto no art. 384 deste Código. § 4o As alegações serão orais, concedendo-se a palavra, respectivamente, à acusação e à defesa, pelo prazo de 20 (vinte) minutos, prorrogáveis por mais 10 (dez). § 5o Havendo mais de 1 (um) acusado, o tempo previsto para a acusação e a defesa de cada um deles será individual. § 6o Ao assistente do Ministério Público, após a manifestação deste, serão concedidos 10 (dez) minutos, prorrogando-se por igual período o tempo de manifestação da defesa. § 7o Nenhum ato será adiado, salvo quando imprescindível à prova faltante, determinando o juiz a condução coercitiva de quem deva comparecer. § 8o A testemunha que comparecer será inquirida, independentemente da suspensão da audiência, observada em qualquer caso a ordem estabelecida no caput deste artigo. § 9o Encerrados os debates, o juiz proferirá a sua decisão, ou o fará em 10 (dez) dias, ordenando que os autos para isso lhe sejam conclusos.
Assistindo a audiência de instrução e julgamento da primeira fase do processamento júri
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Legislação anterior Legislação atual Como verificar a mudança?
O que foi observado na análise deste processo?
Art. 408. Se o juiz se convencer da existência do crime e de indícios de que o réu seja o seu autor, pronunciá-lo-á, dando os motivos do seu convencimento. § 1o Na sentença de pronúncia o juiz declarará o dispositivo legal em cuja sanção julgar incurso o réu, recomendá-lo-á na prisão em que se achar, ou expedirá as ordens necessárias para sua captura. § 2o Se o réu for primário e de bons antecedentes, poderá o juiz deixar de decretar-lhe a prisão ou revogá-la, caso já se encontre preso. § 3o Se o crime for afiançável, será, desde logo, arbitrado o valor da fiança, que constará do mandado de prisão.
Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação. § 1o A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena. § 2o Se o crime for afiançável, o juiz arbitrará o valor da fiança para a concessão ou manutenção da liberdade provisória. § 3o O juiz decidirá, motivadamente, no caso de manutenção, revogação ou substituição da prisão ou medida restritiva de liberdade anteriormente decretada e, tratando-se de acusado solto, sobre a necessidade da decretação da prisão ou imposição de quaisquer das medidas previstas no Título IX do Livro I deste Código.
Pedindo uma cópia da sentença de pronúncia do processo em análise ao escrivão responsável pelo cartório da vara no qual o processo está sendo julgado
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Anexo 3 – formulário de observação das sessões do júri
Formulário para a coleta de informações qualitativas
Pesquisa Pensando o Direito “Os novos procedimentos penais: uma análise empírica das mudanças introduzidas pelas leis 11.689/08 e 11.719/08”
Instruções aos pesquisadores Caro pesquisador, Este formulário de coleta de dados foi pensado para ser executado a partir das seguintes estratégias: 1) entrevista com os funcionários do cartório para esclarecimento de algumas questões; 2) Xerox de determinadas partes do processo examinado em audiência; 3) presença às audiências de instrução e julgamento para verificação de como os operadores do direito estão implementando as novas leis (11.689/08 e 11.719/08). Cada um dos quadros a seguir apresenta a forma que o dispositivo era regulamentado na legislação pretérita e na atual, bem como, qual deve ser a estratégia utilizada pelo pesquisador para verificar se a regulamentação vigente está ou não sendo aplicada na vida dos tribunais. Em caso de dúvida, por favor, entrem em contato comigo 81723939. Desejo a todos um bom trabalho. Ludmila Ribeiro Coordenadora da pesquisa
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Legislação em análise: Lei 11.689/08 Análise da audiência de plenária do júri Número do processo apreciado_____________________________________________ Vara criminal___________________________________________________________ Juiz responsável pelo feito_________________________________________________ Data da coleta de informações______________________________________________ Utilize este espaço para observações gerais que julgar necessário, como interação com os funcionários do cartório, juiz, recebimento da pesquisa, etc.
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Legislação anterior Legislação atual Como verificar a mudança?
O que foi observado na análise deste processo?
Art. 408. Se o juiz se convencer da existência do crime e de indícios de que o réu seja o seu autor, pronunciá-lo-á, dando os motivos do seu convencimento. § 1o Na sentença de pronúncia o juiz declarará o dispositivo legal em cuja sanção julgar incurso o réu, recomendá-lo-á na prisão em que se achar, ou expedirá as ordens necessárias para sua captura. § 2o Se o réu for primário e de bons antecedentes, poderá o juiz deixar de decretar-lhe a prisão ou revogá-la, caso já se encontre preso. § 3o Se o crime for afiançável, será, desde logo, arbitrado o valor da fiança, que constará do mandado de prisão.
Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação. § 1o A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena. § 2o Se o crime for afiançável, o juiz arbitrará o valor da fiança para a concessão ou manutenção da liberdade provisória. § 3o O juiz decidirá, motivadamente, no caso de manutenção, revogação ou substituição da prisão ou medida restritiva de liberdade anteriormente decretada e, tratando-se de acusado solto, sobre a necessidade da decretação da prisão ou imposição de quaisquer das medidas previstas no Título IX do Livro I deste Código.
Pedindo uma cópia da sentença de pronúncia do processo em análise ao escrivão responsável pelo cartório da vara no qual o processo está sendo julgado
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Legislação anterior Legislação atual Como verificar a mudança?
O que foi observado na análise deste processo?
Art. 433. O Tribunal do Júri compõe-se de um juiz de direito, que é o seu presidente, e de vinte e um jurados que se sortearão dentre os alistados, sete dos quais constituirão o conselho de sentença em cada sessão de julgamento.
Art. 447. O Tribunal do Júri é composto por 1 (um) juiz togado, seu presidente e por 25 (vinte e cinco) jurados que serão sorteados dentre os alistados, 7 (sete) dos quais constituirão o Conselho de Sentença em cada sessão de julgamento.
Presença a audiência de plenária para verificar se as varas criminais estão obedecendo aos novos quantitativos de jurados
Art. 451. Não comparecendo o réu ou o acusador particular, com justa causa, o julgamento será adiado para a seguinte sessão periódica, se não puder realizar-se na que estiver em curso.
Art. 457. O julgamento não será adiado pelo não comparecimento do acusado solto, do assistente ou do advogado do querelante, que tiver sido regularmente intimado. § 1o Os pedidos de adiamento e as justificações de não comparecimento deverão ser, salvo comprovado motivo de força maior, previamente submetidos à apreciação do juiz presidente do Tribunal do Júri. § 2o Se o acusado preso não for conduzido, o julgamento será adiado para o primeiro dia desimpedido da mesma reunião, salvo se houver pedido de dispensa de comparecimento subscrito por ele e seu defensor.
Verificar as providências tomadas pelo juiz no caso de ausência do acusado ou de seu advogado. Lembrando que com a nova lei há regras diferenciadas para réu solto e réu preso.
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Legislação anterior Legislação atual Como verificar a mudança?
O que foi observado na análise deste processo?
Art. 461. Se os réus forem dois ou mais, poderão incumbir das recusas um só defensor; não convindo nisto e se não coincidirem as recusas, dar-se-á a separação dos julgamentos, prosseguindo-se somente no do réu que houver aceito o jurado, salvo se este, recusado por um réu e aceito por outro, for também recusado pela acusação. Parágrafo único. O réu, que pela recusa do jurado tiver dado causa à separação, será julgado no primeiro dia desimpedido.
Art. 469. Se forem 2 (dois) ou mais os acusados, as recusas poderão ser feitas por um só defensor. § 1o A separação dos julgamentos somente ocorrerá se, em razão das recusas, não for obtido o número mínimo de 7 (sete) jurados para compor o Conselho de Sentença. § 2o Determinada a separação dos julgamentos, será julgado em primeiro lugar o acusado a quem foi atribuída a autoria do fato ou, em caso de co-autoria, aplicar-se-á o critério de preferência disposto no art. 429 deste Código.
Verificar, em audiência, como os juízes estão procedendo ao desmembramento dos processos em razão das recusas de jurados.
Art. 466 - § 2o Onde for possível, o presidente mandará distribuir aos jurados cópias datilografadas ou impressas, da pronúncia, do libelo e da contrariedade, além de outras peças que considerar úteis para o julgamento da causa.
Art. 472 - Parágrafo único. O jurado, em seguida, receberá cópias da pronúncia ou, se for o caso, das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação e do relatório do processo.
Verificar na audiência se, após o sorteio, os jurados receberam a cópia da sentença de pronúncia.
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Legislação anterior Legislação atual Como verificar a mudança?
O que foi observado na análise deste processo?
Art. 466 - § 1o Depois do relatório, o escrivão lerá, mediante ordem do presidente, as peças do processo, cuja leitura for requerida pelas partes ou por qualquer jurado. Art. 467. Terminado o relatório, o juiz, o acusador, o assistente e o advogado do réu e, por fim, os jurados que o quiserem, inquirirão sucessivamente as testemunhas de acusação. Art. 468. Ouvidas as testemunhas de acusação, o juiz, o advogado do réu, o acusador particular, o promotor, o assistente e os jurados que o quiserem, inquirirão sucessivamente as testemunhas de defesa.
Art. 473. Prestado o compromisso pelos jurados, será iniciada a instrução plenária quando o juiz presidente, o Ministério Público, o assistente, o querelante e o defensor do acusado tomarão, sucessiva e diretamente, as declarações do ofendido, se possível, e inquirirão as testemunhas arroladas pela acusação. § 1o Para a inquirição das testemunhas arroladas pela defesa, o defensor do acusado formulará as perguntas antes do Ministério Público e do assistente, mantidos no mais a ordem e os critérios estabelecidos neste artigo. § 2o Os jurados poderão formular perguntas ao ofendido e às testemunhas, por intermédio do juiz presidente. § 3o As partes e os jurados poderão requerer acareações, reconhecimento de pessoas e coisas e esclarecimento dos peritos, bem como a leitura de peças que se refiram, exclusivamente, às provas colhidas por carta precatória e às provas cautelares, antecipadas ou não repetíveis.
Verificar, em audiência como estes novos dispositivos tem sido aplicados pelo juiz, advogado de defesa, promotor de justiça e jurados
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Legislação anterior Legislação atual Como verificar a mudança? O que foi observado na análise deste processo?
Art. 465. Em seguida, o presidente interrogará o réu pela forma estabelecida no Livro I, Título VII, Capítulo III, no que for aplicável.
Art. 474. A seguir será o acusado interrogado, se estiver presente, na forma estabelecida no Capítulo III do Título VII do Livro I deste Código, com as alterações introduzidas nesta Seção. § 1o O Ministério Público, o assistente, o querelante e o defensor, nessa ordem, poderão formular, diretamente, perguntas ao acusado. § 2o Os jurados formularão perguntas por intermédio do juiz presidente. § 3o Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes.
Verificar em audiência se: 1) os operadores do direito (advogado, promotor e assistente) estão fazendo perguntas diretamente ao acusado; 2) se os jurados estão formulando perguntas por intermédio do juiz; 3) se em se tratando de réu preso, se o juiz manda retirar as algemas ou se o acusado permanece algemado sem maiores justificativas
Art. 469. Os depoimentos das testemunhas de acusação e de defesa serão reduzidos a escrito, em resumo, assinado o termo pela testemunha, pelo juiz e pelas partes.
Art. 475. O registro dos depoimentos e do interrogatório será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, eletrônica, estenotipia ou técnica similar, destinada a obter maior fidelidade e celeridade na colheita da prova. Parágrafo único. A transcrição do registro, após feita a degravação, constará dos autos.
Verificar se o juiz continua ditando o que deve ser anotado do depoimento das partes ou se há gravação destes
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Legislação anterior Legislação atual Como verificar a mudança? O que foi observado na análise deste processo?
Art. 471. Terminada a inquirição das testemunhas o promotor lerá o libelo e os dispositivos da lei penal em que o réu se achar incurso, e produzirá a acusação. § 1o O assistente falará depois do promotor. § 2o Sendo o processo promovido pela parte ofendida, o promotor falará depois do acusador particular, tanto na acusação como na réplica. Art. 472. Finda a acusação, o defensor terá a palavra para defesa. Art. 473. O acusador poderá replicar e a defesa treplicar, sendo admitida a reinquirição de qualquer das testemunhas já ouvidas em plenário. Art. 474. O tempo destinado à acusação e à defesa será de 2 (duas) horas para cada um, e de meia hora a réplica e outro tanto para a tréplica.
Art. 476. Encerrada a instrução, será concedida a palavra ao Ministério Público, que fará a acusação, nos limites da pronúncia ou das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação, sustentando, se for o caso, a existência de circunstância agravante. § 1o O assistente falará depois do Ministério Público. § 2o Tratando-se de ação penal de iniciativa privada, falará em primeiro lugar o querelante e, em seguida, o Ministério Público, salvo se este houver retomado a titularidade da ação, na forma do art. 29 deste Código. § 3o Finda a acusação, terá a palavra a defesa. § 4o A acusação poderá replicar e a defesa treplicar, sendo admitida a reinquirição de testemunha já ouvida em plenário. Art. 477. O tempo destinado à acusação e à defesa será de uma hora e meia para cada, e de uma hora para a réplica e outro tanto para a tréplica. § 1o Havendo mais de um acusador ou mais de um defensor, combinarão entre si a distribuição do tempo, que, na falta de acordo, será dividido pelo juiz presidente, de forma a não exceder o determinado neste artigo. § 2o Havendo mais de 1 (um) acusado, o tempo para a acusação e a defesa será acrescido de 1 (uma) hora e elevado ao dobro o da réplica e da tréplica, observado o disposto no § 1o deste artigo.
Assistindo a audiência e verificando se os tempos foram respeitados e se as testemunhas foram chamadas a prestar novos depoimentos em plenário
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Legislação anterior Legislação atual Como verificar a mudança? O que foi observado na análise deste processo?
Não regulamentava este dispositivo
Art. 478. Durante os debates as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer referências: I – à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação ou à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado; II – ao silêncio do acusado ou à ausência de interrogatório por falta de requerimento, em seu prejuízo.
Verificar se essas não ações estão, de fato, acontecendo, pois, no momento dos debates, todos os meandros disponíveis para os operadores do direito são chamados por estes como mecanismos que comprovam a culpa ou inocência do réu.
Não regulamentava este dispositivo
Art. 482. O Conselho de Sentença será questionado sobre matéria de fato e se o acusado deve ser absolvido. Parágrafo único. Os quesitos serão redigidos em proposições afirmativas, simples e distintas, de modo que cada um deles possa ser respondido com suficiente clareza e necessária precisão. Na sua elaboração, o presidente levará em conta os termos da pronúncia ou das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação, do interrogatório e das alegações das partes.
Verificar se o juiz perguntou expressamente sobre a possibilidade de absolvição do acusado
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Legislação anterior Legislação atual Como verificar a mudança? O que foi observado na análise deste processo?
Art. 479. Em seguida, lendo os quesitos, e explicando a significação legal de cada um, o juiz indagará das partes se têm requerimento ou reclamação que fazer, devendo constar da ata qualquer requerimento ou reclamação não atendida.
Art. 484. A seguir, o presidente lerá os quesitos e indagará das partes se têm requerimento ou reclamação a fazer, devendo qualquer deles, bem como a decisão, constar da ata. Parágrafo único. Ainda em plenário, o juiz presidente explicará aos jurados o significado de cada quesito.
Verificar se o juiz, de fato, explicou aos jurados o significado de cada um dos quesitos formulados
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Legislação anterior Legislação atual Como verificar a mudança?
O que foi observado na análise deste processo?
Art. 492. Em seguida, o juiz lavrará a sentença, com observância do seguinte: I - no caso de condenação, terá em vista as circunstâncias agravantes ou atenuantes reconhecidas pelo júri, e atenderá, quanto ao mais, ao disposto nos nos. II a VI do art. 387; II - no caso de absolvição: a) mandará pôr o réu em liberdade, se afiançável o crime, ou desde que tenha ocorrido a hipótese prevista no art. 316, ainda que inafiançável; b) ordenará a cessação das interdições de direitos que tiverem sido provisoriamente impostas; c) aplicará medida de segurança, se cabível. § 1o Se, pela resposta a quesito formulado aos jurados, for reconhecida a existência de causa que faculte diminuição da pena, em quantidade fixa ou dentro de determinados limites, ao juiz ficará reservado o uso dessa faculdade. § 2o Se for desclassificada a infração para outra atribuída à competência do juiz singular, ao presidente do tribunal caberá proferir em seguida a sentença.
Art. 492. Em seguida, o presidente proferirá sentença que: I – no caso de condenação: a) fixará a pena-base; b) considerará as circunstâncias agravantes ou atenuantes alegadas nos debates; c) imporá os aumentos ou diminuições da pena, em atenção às causas admitidas pelo júri; d) observará as demais disposições do art. 387 deste Código; e) mandará o acusado recolher-se ou recomendá-lo-á à prisão em que se encontra, se presentes os requisitos da prisão preventiva; f) estabelecerá os efeitos genéricos e específicos da condenação; II – no caso de absolvição: a) mandará colocar em liberdade o acusado se por outro motivo não estiver preso; b) revogará as medidas restritivas provisoriamente decretadas; c) imporá, se for o caso, a medida de segurança cabível. § 1o Se houver desclassificação da infração para outra, de competência do juiz singular, ao presidente do Tribunal do Júri caberá proferir sentença em seguida, aplicando-se, quando o delito resultante da nova tipificação for considerado pela lei como infração penal de menor potencial ofensivo, o disposto nos arts. 69 e seguintes da Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995. § 2o Em caso de desclassificação, o crime conexo que não seja doloso contra a vida será julgado pelo juiz presidente do Tribunal do Júri, aplicando-se, no que couber, o disposto no § 1o deste artigo.
Após a audiência, entrar no site do TJRJ e baixar a sentença, salvando-a em um arquivo do Word para verificar, em que medida, o novo dispositivo tem sido aplicado ou não.
Anexo 4 – roteiro de entrevista com os operadores do rito ordinário
Os Novos Procedimentos Penais: uma análise empírica das mudanças introduzidas pelas
leis 11.689/08 e 11.719/08 ROTEIRO PARA OPERADORES DO RITO ORDINÁRIO – [Para o entrevistador] 1. Objeto da Pesquisa O objeto desta proposta é analisar o impacto das leis 11.689/08 e 11.719/08 sobre a forma e tempo de processamento das causas criminais. Para tanto, esta pesquisa pretende: a) analisar as alterações legislativas introduzidas e compará-las com a legislação anterior; b) construir um diagnóstico quantitativo do impacto dessas leis, com mensuração de seu efeito sobre o tempo de duração dos processos; c) traçar um diagnóstico qualitativo de como são realizadas as audiências de instrução e julgamento após a publicação de tal legislação, d) estudar os caminhos adotados pela jurisprudência relativa às novas leis no período subsequente a sua publicação e, por fim, e) elaborar um quadro dos direitos e garantias constitucionais efetivamente alterados por essas legislações na realidade dos tribunais brasileiros. A partir desta pesquisa empírica sobre como as novas leis alteraram (ou não) o funcionamento do processo penal, pretende-se sugerir à Secretaria de Assuntos Legislativos possíveis projetos de reforma de lei que, de fato, viabilizem a simplificação e a agilização dos procedimentos penais. 2. Objetivo da Pesquisa O objetivo final deste projeto é o de apresentar um diagnóstico quantitativo e qualitativo dos efeitos das leis 11.689/08 e 11.719/08 sobre o sistema de garantias processuais penais inerentes ao sistema acusatório, especialmente, no que se refere à garantia do princípio da celeridade e efetividade jurisdicional. 3. Perguntas da Pesquisa 1) Será que as alterações introduzidas pelas leis 11.689/08 e 11.719/08 estão sendo aplicadas na prática? 2) Em que medida a aplicação das mudanças introduzidas por estas legislações tem ou não surtido os efeitos esperados? 3) Será que esse implemento de eficiência se fez em detrimento das garantias fundamentais do acusado? 4) Todavia, se o ganho no tempo do processamento não ocorreu, ou se a nova legislação não vem sendo corretamente aplicada pelo Judiciário, como essa omissão gera situações de desrespeito aos direitos fundamentais? 5) Em que medida os resultados da pesquisa permitem reformulações na legislação processual vigente no sentido de torná-la mais eficiente tanto no que se refere ao tempo como ao sistema de garantias constitucionais oferecido ao acusado? 4. Informar sobre os preceitos éticos da pesquisa, sobre o sigilo das informações, sobre a não identificação, sobre a necessidade de gravar a entrevista e pedir autorização para tal. Perfil do entrevistado [“quebra-gelo”]
1. Nome e contato [apenas anotar]:
2. Setor [vara, cartório... apenas anotar]:
3. Sexo [apenas anotar]:
4. Idade [se o entrevistado não se importar em dizer]:
5. Tempo na profissão:
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6. Experiências anteriores:
7. Tempo no atual cargo:
8. Por que escolheu tal profissão?:
8.1. vocação, “herança familiar”, salário, estabilidade, “mudar o mundo”, “fazer um mundo mais justo”...
A Reforma: a lei 11.719/08 Como disse, esta pesquisa busca analisar o impacto das novas legislações sobre o fluxo de processamento de um delito e, por conseguinte, sobre o tempo demandado para a realização de tal atividade. Gostaria de conversar com você a respeito dessas mudanças, em termos legislativos e em termos práticos
9. Antes da reforma, como se davam os procedimentos penais?
9.1.inquérito policial, denúncia, efeitos da citação, efeitos da apresentação de resposta, audiências, interrogatório do réu, oitiva das testemunhas de acusação, oitiva das testemunhas de defesa, forma de inquirição das testemunhas, possibilidade de fracionamento da audiência, alegações finais e sentença
9.2.E na prática? Você poderia me dar exemplos?
10. Depois da reforma, como se dão esses mesmos procedimentos penais?
10.1. inquérito policial, denúncia, efeitos da citação, efeitos da apresentação de resposta, audiências, interrogatório do réu, oitiva das testemunhas de acusação, oitiva das testemunhas de defesa, forma de inquirição das testemunhas, possibilidade de fracionamento da audiência, alegações finais e sentença
10.2. E na prática? Você poderia me dar exemplos?
11. De um modo geral, quais foram (ou qual foi) as principais alterações produzidas pela Lei 11.719/08? E na prática, o que mudou?
11.1. Pensando agora especificamente em termos de fluxo de processamento dos crimes comuns, o que você poderia indicar como principais mudanças? E na prática?
11.2. E em termos de tempo de processamento de um delito, o que você indicaria como principal mudança?
11.2.1. ainda quanto ao tempo de processamento de um delito, a etapa anterior deste projeto permitiu que chegássemos à seguinte mensuração: antes (CPP/1941) o tempo de processamento para réus soltos era de 100 dias e de 80 dias para réu preso. Depois da reforma (CPP/2008), tem-se 120 dias para réu solto e 90 dias para réu preso. Gostaria que você comentasse esses resultados.
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11.2.1.1. esses prazos são possíveis de serem aplicados na realidade? Por quê?
11.2.2. Diz-se que a justiça no Brasil é morosa. Você concorda com isso? O que você entende por morosidade (e o contrário, celeridade) da justiça?
11.2.2.1. Na sua opinião, qual o principal fator (ou fatores) que torna a justiça morosa? E, de outro lado, o que a torna mais célere?
Já estamos caminhando para o final de nossa entrevista... 12. De um modo geral, como você avalia a reforma, a lei 11.719/08?
12.1. A nova lei é aplicável (ou é factível de ser aplicada)? Por quê? Especificamente...
12.2. A realização da audiência una é factível? Por quê?
12.2.1. Você já participou de alguma audiência una após a nova lei? (Se sim, você poderia me contar como foi esta experiência?)
13. Antes da reforma, você havia presenciado algum processo cujo prazo foi efetivamente cumprido? E depois?
14. Qual a sua opinião quanto às restrições do uso de algemas...
15. A reforma restringiu algum direito ou garantia fundamental do réu? Qual? Poderia justificar sua opinião...
Não tenho mais perguntas. Você gostaria de acrescentar alguma opinião. Dizer algo que não lhe foi perguntado. Gostaria de me perguntar alguma coisa em relação à pesquisa... fique à vontade para tecer quaisquer tipos de comentários finais. Agradecer e pedir contatos de outros operadores que possam conversar conosco.
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Anexo 5 – roteiro de entrevista com os operadores do rito do tribunal do júri
Os Novos Procedimentos Penais: uma análise empírica das mudanças introduzidas pelas leis 11.689/08 e 11.719/08
ROTEIRO PARA OPERADORES DO RITO DO TRIBUNAL DO JÚRI – [Para o entrevistador] 1. Objeto da Pesquisa O objeto desta proposta é analisar o impacto das leis 11.689/08 e 11.719/08 sobre a forma e tempo de processamento das causas criminais. Para tanto, esta pesquisa pretende: a) analisar as alterações legislativas introduzidas e compará-las com a legislação anterior; b) construir um diagnóstico quantitativo do impacto dessas leis, com mensuração de seu efeito sobre o tempo de duração dos processos; c) traçar um diagnóstico qualitativo de como são realizadas as audiências de instrução e julgamento após a publicação de tal legislação, d) estudar os caminhos adotados pela jurisprudência relativa às novas leis no período subsequente a sua publicação e, por fim, e) elaborar um quadro dos direitos e garantias constitucionais efetivamente alterados por essas legislações na realidade dos tribunais brasileiros. A partir desta pesquisa empírica sobre como as novas leis alteraram (ou não) o funcionamento do processo penal, pretende-se sugerir à Secretaria de Assuntos Legislativos possíveis projetos de reforma de lei que, de fato, viabilizem a simplificação e a agilização dos procedimentos penais. 2. Objetivo da Pesquisa O objetivo final deste projeto é o de apresentar um diagnóstico quantitativo e qualitativo dos efeitos das leis 11.689/08 e 11.719/08 sobre o sistema de garantias processuais penais inerentes ao sistema acusatório, especialmente, no que se refere à garantia do princípio da celeridade e efetividade jurisdicional. 3. Perguntas da Pesquisa 1) Será que as alterações introduzidas pelas leis 11.689/08 e 11.719/08 estão sendo aplicadas na prática? 2) Em que medida a aplicação das mudanças introduzidas por estas legislações tem ou não surtido os efeitos esperados? 3) Será que esse implemento de eficiência se fez em detrimento das garantias fundamentais do acusado? 4) Todavia, se o ganho no tempo do processamento não ocorreu, ou se a nova legislação não vem sendo corretamente aplicada pelo Judiciário, como essa omissão gera situações de desrespeito aos direitos fundamentais? 5) Em que medida os resultados da pesquisa permitem reformulações na legislação processual vigente no sentido de torná-la mais eficiente tanto no que se refere ao tempo como ao sistema de garantias constitucionais oferecido ao acusado? 4. Informar sobre os preceitos éticos da pesquisa, sobre o sigilo das informações, sobre a não identificação, sobre a necessidade de gravar a entrevista e pedir autorização para tal. Perfil do entrevistado [“quebra-gelo”]
1. Nome e contato [apenas anotar]:
2. Setor [tribunal do júri, cartório... apenas anotar]:
3. Sexo [apenas anotar]:
4. Idade [se o entrevistado não se importar em dizer]:
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5. Tempo na profissão:
6. Experiências anteriores:
7. Tempo no atual cargo:
8. Por que escolheu tal profissão?:
8.2. vocação, “herança familiar”, salário, estabilidade, “mudar o mundo”, “fazer um mundo mais justo”...
A Reforma: a lei 11.689/08 Como disse, esta pesquisa busca analisar o impacto das novas legislações sobre o fluxo de processamento de um delito e, por conseguinte, sobre o tempo demandado para a realização de tal atividade. Gostaria de conversar com você a respeito dessas mudanças, em termos legislativos e em termos práticos
9. Antes da reforma, como se davam os procedimentos penais?
9.1.[primeira fase] inquérito policial, denúncia, efeitos da citação, efeitos da apresentação de resposta, audiências, interrogatório do réu, oitiva das testemunhas de acusação, oitiva das testemunhas de defesa, forma de inquirição das testemunhas, possibilidade de fracionamento da audiência
9.2. [segunda fase] intimação da sentença de pronúncia, preparação do processo para julgamento em plenário, desaforamento por excesso de prazo e reclamação para julgamento imediato, instrução em plenário, diligências essenciais durante a instrução em plenário, quesitos, julgamento pelo júri
9.3.E na prática? Você poderia me dar exemplos?
10. Depois da reforma, como se dão esses mesmos procedimentos penais?
10.1. [primeira fase] inquérito policial, denúncia, efeitos da citação, efeitos da apresentação de resposta, audiências, interrogatório do réu, oitiva das testemunhas de acusação, oitiva das testemunhas de defesa, forma de inquirição das testemunhas, possibilidade de fracionamento da audiência, alegações finais e sentença
10.2. [segunda fase] intimação da sentença de pronúncia, preparação do processo para julgamento em plenário, desaforamento por excesso de prazo e reclamação para julgamento imediato, instrução em plenário, diligências essenciais durante a instrução em plenário, quesitos, julgamento pelo júri
10.3. E na prática? Você poderia me dar exemplos?
11. De um modo geral, quais foram (ou qual foi) as principais alterações produzidas pela Lei 11.689/08? E na prática, o que mudou?
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11.1. Pensando agora especificamente em termos de fluxo de processamento dos crimes comuns, o que você poderia indicar como principais mudanças? E na prática?
11.2. E em termos de tempo de processamento de um delito, o que você indicaria como principal mudança?
11.2.1. ainda quanto ao tempo de processamento de um delito, a etapa anterior deste projeto permitiu que chegássemos à seguinte mensuração: antes (CPP/1941) o tempo de processamento para réus soltos era de 310 dias e de 260 dias para réu preso. Depois da reforma (CPP/2008), tem-se 325 dias para réu solto e 295 dias para réu preso. Gostaria que você comentasse esses resultados.
11.2.1.1. esses prazos são possíveis de serem aplicados na realidade? Por quê?
11.2.2. Diz-se que a justiça no Brasil é morosa. Você concorda com isso? O que você entende por morosidade (e o contrário, celeridade) da justiça?
11.2.2.1. Na sua opinião, qual o principal fator (ou fatores) que torna a justiça morosa? E, de outro lado, o que a torna mais célere?
Já estamos caminhando para o final de nossa entrevista... 12. De um modo geral, como você avalia a reforma, a lei 11.689/08?
12.1. A nova lei é aplicável (ou é factível de ser aplicada)? Por quê? Especificamente...
12.2 . A realização da audiência una é factível? Por quê? 12.2.1. Você já participou de alguma audiência una após a nova lei? (Se sim, você
poderia me contar como foi esta experiência?) 13. Antes da reforma, você havia presenciado algum processo cujo prazo foi efetivamente
cumprido? E depois?
14. Qual a sua opinião quanto às restrições do uso de algemas...
15. A reforma restringiu algum direito ou garantia fundamental do réu? Qual? Poderia justificar sua opinião...
Não tenho mais perguntas. Você gostaria de acrescentar alguma opinião. Dizer algo que não lhe foi perguntado. Gostaria de me perguntar alguma coisa em relação à pesquisa... fique à vontade para tecer quaisquer tipos de comentários finais. Agradecer e pedir contatos de outros operadores que possam conversar conosco.