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CADERNO Nº 17

RELAÇÕES INTERNACIONAIS COMOCAMPO DE ESTUDOS

Discurso, Raízes e Desenvolvimento, Estado da Arte

Lytton L. Guimarães, Ph.D.

2º semestre de 2001

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Cadernos do RELPublicação do Departamento de Relações Internacionais daUniversidade de Brasília

Reitor: Prof. Lauro MorhyVice-Reitor: Prof. Timoty Martin MulhollandDécada de Pesquisa e Pós-Graduação: Profa. Ana Maria FernandesDecano de Ensino de Graduação: Fernando Jorge Rodrigues NevesDecana de Extensão: Profa. Doris Santos de FariaDiretor do Instituto de Ciência Política e Relações Internacionais: Prof. VamirehChacón de Albuquerque NascimentoVice-Diretor do Instituto de Ciência Política e Relações Internacionais: Prof. LyttonL. GuimarãesChefe do Departamento de Relações Internacionais: Prof. Antonio Jorge RamalhoRochaCoordenadora da Pós-Graduação: Profa. Maria Izabel Valladão de CarvalhoCoordenador da Graduação: Prof. Antonio Carlos Lessa

Coordenação Editorial: Profa. Maria Izabel Valladão de Carvalho

Departamento de Relações Internacionais

Instituto de Ciência Política e Relações InternacionaisPrédio da FA, 2º andarCampus Universitário Darcy Ribeiro - Asa NorteUniversidade de BrasíliaCEP 70.910, Brasília, DF, BrasilTelefones: (55-61)274-7167; (55-61)307-2426 / 2866/2865

(55-61)274-4117

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO..................................................................................... 5I. O DISCURSO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS .......................... 7

1. A Linguagem Especial de Relações Internacionais ............................... 92. O Significado e o Objeto de Estudo de Relações Internacionais ............ 93. Modalidades de Relações Internacionais ............................................ 114. A Interdependência entre o Doméstico e o Internacional .................... 145. O Nível de Análise em RI ................................................................ 17

II. RAÍZES E DESENVOLVIMENTO 1. Precursores e Pioneiros ..................................................................... 20

(1) Alguns Precursores Importantes .............................................. 20(2) Autores, Estudos e Iniciativas Pioneiras .................................. 23

2. As Raízes de RI como Campo de Estudos .......................................... 27(1) O Eixo Anglo-Americano: Bases Institucionais ....................... 27(2) O Estudo de RI Fora do Eixo Grã-Bretanha-EUA ................. 30

3. O Estudo de RI no Brasil ................................................................ 34(1) O Nacional-Desenvolvimentismo ........................................... 34(2) Nacionalismo e Política Externa .............................................. 35(3) Política Externa Independente ................................................ 38(4) Contribuições da Academia ..................................................... 39

III. O ESTADO DA ARTE ..................................................................... 431. RI: Disciplina ou Campo de Estudos? ............................................. 432. Os ‘Grandes Debates’ ...................................................................... 433. A Auto-Imagem de RI .................................................................... 504. Desafios ......................................................................................... 52

NOTAS.................................................................................................... 55

BIBLIOGRAFIA ..................................................................................... 57

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APRESENTAÇÃO

No Brasil, a área de Relações Internacionais se insere formalmente naAcademia com a criação e implantação do curso de graduação (bacharelado) emRI na Universidade de Brasília, a partir do primeiro semestre de 1974. O cursofoi reconhecido pelo MEC em 1976 e no segundo semestre de 1977 eramdiplomados os primeiros bacharéis em RI no Brasil. Dez anos depois a UnBinicia o primeiro curso de mestrado em RI do Brasil. Com essas iniciativas, aUnB inovou e passou a contribuir para a formação de uma massa crítica nacionalna área de RI. Nesse meio tempo, foram surgindo outros centros de ensino epesquisa em RI, sendo que a partir da década de 1990 nota-se uma verdadeiraproliferação de cursos de graduação em RI no País. Segundo matéria publicadana Gazeta Mercantil (maio/2000) existiriam hoje no País mais de oito milalunos de graduação em RI.

A produção científica brasileira na área de RI, embora significativa, refleteinteresses individuais e por isso tende a ser fragmentada, sendo praticamenteinexistente a produção para fins didáticos, voltada especificamente para aformação de alunos de RI. Essa situação obriga professores e alunos a recorrerema material editado no exterior, quase sempre em inglês, obviamente mais adequadopara os países de origem. Portanto, é mais do que oportuno começar a preencheressa lacuna. É esse um dos propósitos do presente trabalho, parte de um projetomais amplo, voltado para a produção de material didático destinado basicamentea cursos de RI.

Na primeira parte do presente trabalho são identificados e definidos algunsdos componentes do discurso empregado em RI. Na segunda parte procura-seidentificar as raízes de RI como campo de estudos, desde sua inserção formal naAcademia, logo após a I Guerra Mundial, ao seu desenvolvimento. São destacadosalguns precursores e pioneiros, contribuições iniciais e mais recentes no eixo anglo-americano, na Europa continental e no Brasil. São revistas algumas fases, eventose autores, importantes na história política do País, e suas contribuições para oestudo de RI. A última parte do trabalho é dedicada a um exame do ‘estado daarte’. É apresentada uma breve análise dos ‘grandes debates’ que teriam ocorrido

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em RI a partir das décadas de 1930/40. Por último é feita uma análise da‘auto-imagem’ de RI como campo de estudos, seguida de alguns desafios, tendoem vista principalmente novas gerações de estudiosos brasileiros que se dedicamou pensam se dedicar à área.

LLGBrasília, julho 2001

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RELAÇÕES INTERNACIONAIS COMOCAMPO DE ESTUDOS

Discurso, Raízes e Desenvolvimento, Estado da Arte*

Lytton L. Guimarães, Ph.D.**

I. O DISCURSO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS

1. A Linguagem Especial de Relações Internacionais

Ao discutir os instrumentos lingüísticos da política, SARTORI (1981,cap. I) identifica três fontes distintas do discurso político: (1) a filosofiapolítica, (2) a ciência ou conhecimento empírico da política e (3) o discursocomum sobre a política. Imagem semelhante pode ser utilizada no tratamentodos instrumentos lingüísticos das relações internacionais, que teriamigualmente três fontes de discurso: (1) a filosofia das relações internacionais,(2) o conhecimento sobre as relações internacionais com alguma validadecientífica e (3) o discurso comum sobre as relações internacionais. O discursoou linguagem comum é aquela “que está ao alcance de todos, a linguagemda conversação ordinária”, é a linguagem usada rotineiramente por todosque falam o mesmo idioma. No uso da linguagem comum não hápreocupação de definir as palavras cada vez que são empregadas, pois sesubentende que seu significado é conhecido pelos interlocutores. Por isso a

* O presente trabalho constitui parte de um projeto mais amplo que tem por objetivo aprodução de material didático em Relações Internacionais.** Professor Titular de Relações Internacionais, Universidade de Brasil.

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linguagem comum pode ser imprecisa. O discurso comum sobre as relaçõesinternacionais seria, portanto, aquele utilizado na conversação ordinária,entre pessoas que possam ter algum interesse por determinado assunto outema específico na esfera das relações internacionais, em decorrência muitasvezes de um evento histórico importante ou de uma crise, como a crisefinanceira que atingiu países asiáticos a partir de 1997, que teve repercussõesnas economias de vários países da própria região e até mesmo no Brasil;outro exemplo seria o protecionismo à agricultura, praticado pela UniãoEuropéia e pelos Estados Unidos, que tem atingido países como o Brasil.

Segundo SARTORI (1981, pág. 13), “A filosofia ... tem umvocabulário técnico, em que as palavras, mesmo as mais comuns, assumemum conteúdo significante próprio... Todas as ciências fazem o mesmo: seusvocabulários adquirem determinadas características de significação. Istoequivale a dizer que filosofia e ciência são linguagens especiais”. Linguagensespeciais são ‘especializadas’, ‘críticas’, desenvolvidas a partir da linguagemcomum. São críticas porque emergem da reflexão e especializadas porquesão adaptadas aos problemas heurísticos de cada disciplina ou área cognitiva.As linguagens especiais se caracterizam pela precisão e definição dossignificados das palavras empregadas, e até mesmo pela criação de novaspalavras, quando necessário, a fim de representar novas realidades em áreascognitivas específicas.

O conhecimento filosófico sobre as relações internacionais, como emoutros campos cognitivos, busca responder a perguntas do tipo ‘por quê?’Por quê os conflitos, as guerras, a luta pelo poder hegemônico? Em geral, oconhecimento filosófico, literalmente, vai além do empírico, dos dadosfísicos; portanto, ele é metafísico (metà tà phisiká). A linguagem filosófica,como linguagem especial, é fortemente conotativa, ou seja, as palavras podemsignificar mais do que representam; mesmo as palavras utilizadas nalinguagem comum podem adquirir significado especial. Daí a necessidadede se adquirir domínio sobre a filosofia das relações internacionais paraentender sua linguagem especial.

O conhecimento sobre as relações internacionais com alguma validadecientífica é relativamente recente e permanece pouco desenvolvido quandocomparado com o conhecimento acumulado, por mais tempo, em outrasdisciplinas das Ciências Sociais. Daí sua dificuldade em se consolidar, mesmoporque o conhecimento sobre as relações internacionais é produto damultidisciplinaridade, pois sobre ele incidem heranças ou influências devárias disciplinas ou campos de estudo, alguns com orientação

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predominantemente científica, que visam à construção e ao desenvolvimentode teoria, como a Ciência Política, a Sociologia e a Economia; outros comtradição predominantemente narrativa ou descritiva, como a História; outrosainda com características especulativas ou normativas, como é o caso daFilosofia, da Ética e do Direito. Além disso, há em RI uma inevitável exigênciada prática, o que acaba constituindo uma espécie de constrangimento parao desenvolvimento sistemático desse campo de estudos. Existem, porconseguinte, várias perspectivas e várias dimensões nas relaçõesinternacionais. Essas diferentes perspectivas e dimensões proporcionam osingredientes para o desenvolvimento da linguagem especial de RelaçõesInternacionais como campo de estudos.

2. O Significado e o Objeto de Estudo de Relações Internacionais

Exceto para aqueles que ensinam, estudam ou trabalham na área deRelações Internacionais, a expressão nem sempre tem sentido claro, emparte porque o próprio termo inter-nacional também não tem, uma vez queRI não significa hoje ‘interações’ entre ‘nações’, mas entre Estados, governose outros atores internacionais.

Pelo menos duas dimensões podem ser atribuídas à expressão relaçõesinternacionais. Em sentido amplo, e mais comumente utilizada, ela se refereà gama de contatos e interações de natureza diplomática, política, econômica,militar, social, cultural, étnica, humanitária, que se processam entre atoresinternacionais, estatais e não-estatais. Desses atores, o mais importante é oEstado, responsável pela formulação e implementação da política externade um país, através da qual são conduzidas as relações diplomáticas enegociações de vários tipos entre diferentes atores. As interações realizadaspor organismos internacionais e regionais, ou Organismos Inter-estatais ouInter-governamentais-OIG, como por exemplo a Organização das NaçõesUnidas-ONU e suas agências (FAO, UNESCO, UNICEF e outras), aOrganização Mundial do Comércio-OMC, a Organização dos EstadosAmericanos-OEA, a Organização para Segurança e Cooperação na Europa-OSCE, a Organização da Unidade Africana-OUA, a União Européia-EU, oMERCOSUL, e outros, constituem também relações internacionais, assimcomo muitas das interações que ocorrem entre Estados e organismos não-estatatais, como as organizações não-governamentais-ONGs, com atuaçãono cenário internacional, como por exemplo a Cruz Vermelha Internacional,

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o Green Peace, o Human Rights Watch, a Anistia Internacional e outros.Os laços culturais, religiosos, étnicos, entre pessoas que vivem em Estadosdistintos podem também ser considerados como um tipo especial de relaçõesinternacionais, assim como as relações econômicas e comerciais entre asgrandes corporações transnacionais-CTN, como a General Motors, aVolkswagen, a Siemens, a Petrobrás e muitas outras, que operam hoje anível global, e inclusive criam centros de produção multinacionais edesenvolvem produtos mundiais, como resultado de pesquisa e projetosrealizados em diferentes países.

Outro sentido atribuído à expressão Relações Internacionais-RI, aquiusada sempre com iniciais maiúsculas, refere-se ao campo de estudosacadêmicos que enfoca as diversas formas de interações anteriormentedescritas, assim como outras questões e fenômenos considerados relevantespara se compreender e explicar a complexidade do cenário internacional.Numa fase inicial os estudos acadêmicos de RI se concentravam em questõesde natureza substantiva, como diplomacia, política do poder, ou emproblemas da paz e da guerra, alianças e intervenção militar, e refletiamfreqüentemente preocupações prescritivas ou normativas.

Na medida em que os estudos foram adquirindo sofisticação teórica emetodológica, passaram a enfocar problemas mais analíticos, derelacionamento entre dois ou mais fenômenos, ou variáveis, tais como aassociação entre poder e segurança, entre poder econômico e militar, entreinstituições internacionais e estratégias governamentais, e assim por diante.Algumas sub-áreas de RI foram se definindo, como por exemplo, os estudosde política externa, os estudos estratégicos, as questões de segurança coletiva,de proliferação e controle de armamentos, a economia política internacional,os organismos ou instituições internacionais, a integração regional, além deoutras. Com a proliferação das chamadas questões transnacionais, novaspreocupações foram sendo incorporadas à Agenda Internacional e assimpassaram a despertar o interesse de estudiosos de RI. Em geral, essas questõestranscendem o nível doméstico ou o controle de um único Estado e seuestudo e tratamento exigem cooperação internacional e freqüentementemultidisciplinar, como é o caso do narcotráfico, da poluição e degradaçãodo meio-ambiente, questões amplamente debatidas na Rio-92, dos direitoshumanos, objeto da Convenção de Viena de 1993, do papel da mulher (oua questão do gênero) no novo cenário internacional, debatido em Pequimem 1994, dos problemas relacionados com a população, examinados noCairo em 1995, da questão da habitação, analisada em Compenhague em1996, e outros.

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3. Modalidades de Relações Internacionais

As relações internacionais podem ser de natureza bilateral, isto é,entre dois atores internacionais, um dos quais é, em geral, um Estado; oupodem adquirir caráter multilateral, quando envolvem um número maiorde atores, como é o caso, por exemplo, das relações que se desenvolvem namaioria dos foros internacionais, como o Conselho de Segurança da ONU,ou a Organização Mundial do Comércio-OMC, que são compostos porrepresentantes de vários Estados membros. No entanto, quando orepresentante do Brasil junto ao Conselho de Segurança da ONU trata deassuntos de interesse dos dois países com o representante da Rússia, porexemplo, os dois representantes se engajam em relações bilaterais ainda queestejam num ambiente multilateral de trabalho.

As relações multilaterais começaram a adquirir maior importânciacom o final das Guerras Napoleônicas e a realização do Congresso de Vienaem 1815. A partir das últimas décadas do Século XIX houve um aumentogradativo dos organismos inter-governamentais; após a I Guerra Mundialsurgiram novas e importantes instituições dessa natureza, sendo a maisimportante a Liga das Nações. No entanto, é depois da II Guerra Mundial,com a criação da Organização da Nações Unidas-ONU e de suas váriasagências filiadas e o surgimento de alianças militares regionais como a OTANe o Pacto de Varsóvia, ou de arranjos predominantemente econômicos, comoa Comunidade Econômica Européia (hoje União Européia), e maisrecentemente o MERCOSUL, que o multilateralismo adquire maiorimportância, que vai se acentuar ainda mais com o fim da Guerra Fria e aintensificação do processo de globalização da economia.

Baseando-se em alguns internacionalistas, FERNANDES (1998, págs.21-28), propõe outra classificação para as RI, que poderiam ser reduzidas aduas categorias fundamentais: (1) as relações pacíficas e as (2) relaçõesconflituosas. As relações internacionais pacíficas são de natureza amigável e“consubstanciam-se num conjunto de atos inerentes à política externa dosEstados, às funções das organizações internacionais e às atividades dasempresas (sociedades) multinacionais e transnacionais”. Ainda que possamexistir, por vezes, elementos conflituosos, as relações desse tipo sedesenvolvem, em geral, cordial e pacificamente. Por outro lado, as relaçõesinternacionais conflituosas se caracterizam por dificuldades de vários tipos,dando origem a desacordos, contenciosos, litígios, ou até mesmo a conflitose guerras.

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Com base ainda em FERNANDES (1998), pode-se identificar trêstipos principais de relações internacionais pacíficas:

(1) relações de reciprocidade, que englobam as relações diplomáticasclássicas, as relações consulares e as relações diplomáticas de naturezaad hoc, como as que são exercidas por um cônsul honorário;

(2) relações de cooperação e de coordenação, que se realizam com organismosde cooperação política, como as que se processam com organismos ouinstituições internacionais como a ONU, a OEA, a OUA, etc., decooperação econômica, realizadas com organismos como o FMI, o BID,a OMC, o PNUD, a ALADI, etc., de cooperação militar, realizadascom as alianças, como a OTAN, de cooperação científica, como é ocaso da Agência Internacional de Energia Atômica-AIEA, etc.;

(3) as relações de integração, que podem implicar na perda, ainda queparcial, de prerrogativas de soberania externa, como é o caso de um paísque decide integrar-se a uma federação, sendo o exemplo mais recenteo da Bielo-Rússia, cujo presidente manifestou desejo de integrar seupaís à Federação da Rússia, ou a integração que se desenvolve no âmbitode uma organização multinacional, como a União Européia ou oMERCOSUL.

As relações internacionais conflituosas podem ocorrer tanto entreEstados como entre estes e outros atores internacionais, a exemplo do queocorreu em 1999 no conflito ou guerra não declarada entre a OTAN e aIugoslávia, em decorrência de ações do governo daquele país com relação àpopulação de origem albanesa que habita a província de Kosovo, ações essasconsideradas pelos países membros da OTAN, assim como por outros países,como atentatórias aos direitos dos kosovares-albaneses, justificando assim aintervenção armada da OTAN, sob a justificativa de se tratar de uma‘intervenção humanitária’.

Há vários outros exemplos recentes de situações conflituosas, comofoi a guerra do Iraque (1991), que envolveu, de um lado aquele país e dooutro os Estados Unidos e seus aliados (Grã-Bretanha, França, Alemanha,alguns países árabes, e outros). O conflito foi gerado pela invasão do Kuwaitpor tropas iraquianas, com a intenção declarada de anexar este paísindependente ao Iraque, ato não aceito pelo Conselho de Segurança daONU, com apoio da maioria dos países membros daquela organização. Asrelações internacionais conflituosas surgem, muitas vezes, quando um dosatores internacionais decide impor sua vontade a outro ator, recorrendo à

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força para alcançar seu objetivo. Os elementos preponderantes numa relaçãodesse tipo podem ser de natureza econômica, política, territorial, como foio caso do litígio fronteiriço entre o Peru e o Equador, que levou a pelomenos duas guerras entre os dois países sul-americanos, mas que pareceagora definitivamente contornado com a entrada em vigor de acordo de pazfirmado pelas partes, graças à intervenção e ao trabalho de vários anos dosgovernos do Brasil, dos Estados Unidos, do Chile e da Argentina, paísesgarantes de um acordo de paz celebrado entre Peru e Equador em 1942.Outros elementos numa relação de conflito podem ser de natureza étnica,religiosa, nacionalista, ou uma combinação destes e/ou de outros elementos,a exemplo do que ocorreu na ex-República Federativa da Iugoslávia, com osecessão da Eslovênia, da Macedônia e da Bósnia, que se tornaram Estadosindependentes.

As várias modalidades de RI descritas anteriormente podem sermelhor visualizadas na Figura 1.1, cujas categorias não são mutuamenteexcludentes, mesmo porque as relações pacíficas ou amigáveis podemapresentar, em determinado momento histórico ou com referência a questõesespecíficas, elementos conflituosos, do mesmo modo que as relaçõesconflituosas comportam fases ou elementos amigáveis, como foi o caso dasrelações EUA-URSS durante a Guerra Fria. Por outro lado, tanto as relaçõespacíficas como as conflituosas podem ser de natureza bilateral ou multilateral.

1. RI Bilaterais – aquelas que se processam entre dois atores internacionais.Exemplo: As relações Brasil-Alemaha

2. RI Multilaterais – as que se processam entre três ou mais atoresinternacionais. Exemplo: As relações entre os 15 membros do Conselhode Segurança da ONU

3. RI Pacíficas/Amigáveis – de reciprocidade: relações diplomáticas clássicas,consulares, de cooperação e coordenação: políticas, econômicas, militar,científicas, cultural, Técnica, social – de integração: numa federação (Bielo-Rússia-Federação Russa), numa instituição supranacional (Portugal-UniãoEuropéia)

4. RI Conflituosas – contenciosos, litígios, conflitos, guerras (Brasil-EUAna questão do aço; litígio fronteiriço Peru-Equador)

Figura 1. Modalidades de Relações Internacionais

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4. A Interdependência entre o Doméstico e o Internacional

Dentre os vários trabalhos recentes que tratam especificamente dainterdependência entre questões domésticas e relações internacionais,destacam-se os de MILNER (1997) e KEOHANE & MILNER (Orgs.,1996). Uma parcela importante do impacto internacional das políticasdomésticas deriva das reações institucionais às múltiplas incertezas geradaspor estas políticas. Esse impacto seria causado não tanto pelos erros dejulgamento que tais incertezas pudessem causar, mas pelas conseqüênciasestratégicas e institucionais de se saber que tais erros podem ocorrer.O volume organizado por KEOHANE & MILNER (1996) demonstra,com corroboração empírica, que a internacionalização da economia temtido efeitos importantes sobre políticas domésticas. Um dos efeitos maisclaramente demonstrados tem sido a relativa perda de autonomia dosgovernos em matéria de política macroeconômica, como resultado dacrescente mobilidade de capital. Quase inevitavelmente, os governos dospaíses afetados têm que recorrer a organismos internacionais, como o FMI eo Banco Mundial, como única alternativa para sair de sérias crises financeiras.Um efeito que poderia ser considerado benéfico, pelo menos em algunscasos, tem sido a criação de condições que facilitam reformas políticas eeconômicas domésticas, que em outros circunstâncias dificilmente seriamrealizadas.

A internacionalização tem ampliado a esfera das economias nacionaisque se tornam mais vulneráveis a choque externo, o que tem levado aprofundas crises econômicas, como as que atingiram a maioria dos TigresAsiáticos, a partir de 1997. Em conseqüência desses mesmos eventos, aRússia e o Brasil foram também forçados a desvalorizar suas moedas emrelação ao dólar norte-americano causando sérias dificuldades às suas própriaseconomias e às de outros países, em particular aos de economias emergentes.A recente crise da economia brasileira, resultante da nova política cambialque permitu a flutação do real em relação ao dólar dos EUA, a partir demeados de janeiro de 1999, teve impacto imediato na sua própria economiae forte repercussão em toda a América Latina e, mais acentuadamente, noMERCOSUL, empurrando a região para a recessão.

Uma conseqüência imediata da crise cambial brasileira foi a fuga deinvestimentos externos. Em março de 1999 o País e o FMI tiveram queacertar novo programa econômico, modificando o acordo de ajudainternacional de US$41,5 bilhões, finalizado em novembro de 1998. Comoparte desse novo ajuste o governo teve que submeter ao Congresso,

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apressadamente, novas propostas de reforma bastante duras, que incluíramaumento de impostos e de contribuições previdenciárias, exigindo assimnovos sacrifícios da população e perdas significativas de poder aquisitivo,principalmente por parte de milhões de assalariados e, inevitavelmente,aumento da taxa de desemprego, considerada já bastante elevada. As medidasem questão foram justificadas como sendo parte de um conjunto de políticasdestinadas a deter a queda do real, manter condições de estabilidade econfiança na economia brasileira, o que incentivaria o retorno do capitalestrangeiro que foi retirado do país apressadamente, dada a naturezaaltamente volátil desse capital.

Entretanto, no contexto do MERCOSUL, as medidas adotadas pelogoverno brasileiro criaram dificuldades que passaram a exigir complexasnegociações entre Brasil e Argentina. Com o Real desvalorizado, o Brasilpassou a contar com condições mais favoráveis para a exportação de seusprodutos para o mercado internacional, inclusive para os parceiros doMercosul, ao passo que a Argentina, mantendo paridade de sua moeda como dólar norte-americano, passou a ter mais dificuldades para exportar seusprodutos para o Brasil, seu principal mercado.

As medidas tomadas pelo governo brasileiro têm permitido recuperaçãoda economia mais rapidamente do que se esperava — contrariando previsõespessimistas então realizadas, mas permanecem incertezas quanto à capacidadeda economia de se recuperar inteiramente, a curto prazo. Conforme indicarelatório da OCDE (maio de 1999), a recuperação da América Latina e,obviamente, do MERCOSUL, dependerá da capacidade da economiabrasileira refazer-se completamente de uma de suas mais sérias crises dosúltimos anos.

Além de outros aspectos examinados em seu trabalho, KOHANE &MILNER (1996) concluem que a internacionalização da economia temtambém implicações para a teoria das RI: com base em argumentosapresentados por ANDREWS (1994), e confirmados no estudo dos autoresjá citados, a mobilidade de capital deve ser considerada como uma variávelestrutural do sistema internacional. O fluxo de capitais externos tornou-setão importante que a maioria das economias não tem como evitá-lo, nemmesmo controlá-lo, dado o enorme custo que isso implicaria. Portanto, namedida que os Estados sofrem pressões da economia internacional suasreações, consubstanciadas em políticas domésticas, irão variar de acordocom sua capacidade de arcar com tais custos.

Em seu trabalho MILNER (1997) procura demonstrar como aspolíticas domésticas podem afetar as relações exteriores de um país. A autora

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apresenta argumentos contrários ao tratamento que muitas vezes se dá aoEstado como ator unitário; para ela os Estados são poliárquicos, na medidaem que seus poderes de decisão são compartilhados por dois ou mais atores,como o executivo e o legislativo, partidos políticos, etc. Milner utiliza ummodelo de teoria dos jogos para representar a atividade política tanto emnível doméstico como internacional, e ilustra o modelo com a importanteproblemática da cooperação entre países. A interação das preferências dosatores domésticos, dadas suas instituições políticas e níveis de informação,determina quando a cooperação internacional se torna possível assim comoos termos dessa cooperação.

A revista The Economist publicou interessante matéria com o título“Clima doméstico define política externa” (reproduzida na GAZETAMERCANTIL, 27-05-99, página A-12), na qual se examina a “decisão deexcluir o envio de tropas terrestres [norte-americanas] no início da campanhade bombardeios aéreos...” à Iugoslávia, em 1999. Conforme menciona oartigo, publicamente o governo norte-americano “afirmou que a decisão foitomada para não desagradar a Rússia e evitar um debate paralisante nointerior da OTAN”. Entretanto, em círculos privados e mais chegados àCasa Branca, admitiu-se que a medida teve como alvo principalmente opúblico norte-americano, uma vez que nem o povo nem o Congresso dosEUA estariam dispostos a aprovar o envio de tropas americanas para maisum conflito na Europa, que envolveria alto risco de perdas de vida. Haviaainda a possibilidade de que a iniciativa poderia trazer dificuldades para acandidatura do vice-presidente Al Gore.

O artigo salienta ainda não ser Kosovo “o único caso de política externavoltada para os interesses domésticos”, citando como outro exemplo asdificuldades impostas pelo governo dos EUA ao ingresso da China na OMC,atitude essa motivada principalmente pelo receio de que, por causa dosescândalos envolvendo possível espionagem e o alegado apoio financeirodado pelos chineses à sua campanha, o apoio do presidente Clinton poderiacausar hostilidade do Congresso. A partir da Guerra do Vietnã, o Congressonorte-americano e a opinião pública passaram a ter cada vez mais influêncianas decisões relativas à política externa e hoje os EUA talvez sejam o paísonde esse tipo de influência seja mais acentuada do que na maioria dasdemocracias ocidentais.

Com referência ao tratamento dessa questão no Brasil, embora nãoexistam, à primeira vista, trabalhos com preocupação teórica, é oportunocitar trecho de um artigo do Presidente Fernando Henrique CARDOSO(1994), que reflete não apenas a posição do Chefe de Estado e de Governo,

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que foi também ministro das Relações Exteriores, mas de um cientista social:“A política externa deve estar intimamente vinculada com os interesses internosdo país. Por isso, a cooperação com o setor privado terá de ser aperfeiçoada, comofiz durante minha passagem pelo Itamaraty, quando criei o Conselho AssessorEmpresarial para permitir um amplo debate sobre o estabelecimento dasprioridades da atuação diplomática. É importante que a experiência continue ese consolide, pois a política externa não é obra nem de homens, nem de instituições,isoladamente, mas do país e da sociedade (....).”

5. O Nível de Análise em RI

A preocupação em definir níveis de análise surge nos anos 1950/60quando a ordem do dia era introduzir maior rigor científico nos estudos deRI. A questão derivava de um debate epistemológico mais amplo no que serefere a duas abordagens utilizadas nas Ciências Sociais: a atomística e aholistica. A partir da publicação do livro de WALTZ (1979), sobre teoria,essas duas abordagens passaram a ser mais amplamente conhecidas,respectivamente, como reducionista e sistêmica. A abordagem reducionistapressupõe a subdivisão do objeto de estudo em seus vários componentes oupartes, a fim de se compreender o seu todo, como ocorre freqüentementenas ciências exatas, tais como a Física, a Química, a Biologia e outras. Naabordagem sistêmica a premissa básica é que ‘o todo é mais do que a somade suas partes’ e que o comportamento e a construção das partes são ambosmoldados pela estrutura do próprio sistema (BUZAN, 1995).

O debate entre as duas abordagens — atomística e holítica —continua presente na literatura, embora sugestões alternativas têm sidopropostas, uma das quais refere-se à abordagem identificada comoestruturalista que procuraria combinar as duas anteriores, com base noargumento de que estruturas e unidades seriam mutuamente constitutivas(GIDDENS, 1984). Em RI é mais amplamente aceito o argumento de queas duas abordagens — atomística/reducionista e holítica/sistêmica — sãocomplementares entre si e seu uso combinado proporciona melhorentendimento do fenômeno estudado (BUZAN, 1995).

No livro System and Process in International Politics, KAPLAN(1957) elabora uma tipologia de sistemas internacionais, com base nadistribuição e configuração de poder e alianças. O livro de Kaplan, quefavorecia o Estado como principal unidade de análise, deu início a umasérie de estudos que passaram a utilizar a abordagem sistêmica.

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Em seu livro pioneiro Man, the State and War, WATZ (1959) procuraanalisar as causas da guerra valendo-se de três imagens, cada uma delasrepresentando um nível distinto de análise: o indivíduo, a sociedade ou oEstado e o sistema internacional. Baseando-se em ampla revisão da literatura,Waltz conclui que um grupo de estudiosos atribui as causas da guerraprincipalmente à natureza humana; para outro grupo, a guerra se explicariapela natureza do Estado; e para um terceiro grupo, as causas da guerraestariam na natureza anárquica do sistema internacional. O Autor privilegiaeste último nível de análise.

Em trabalhos publicados em 1960 e 1961, SINGER analisa o livrode Waltz e chama a atenção para a importância de se definir o ‘nível deanálise’ nos estudos de RI, tendo sugerido dois níveis amplos: o sistemainternacional e o Estado-nação. Segundo aquele Autor, o sistema internacional,pela sua amplitude, permitiria o estudo das RI como um todo, ou seja, ospadrões de comportamento entre os Estados e os níveis de interdependênciaentre eles. A nível do Estado-nação poder-se-ía enfocar o processo de tomadade decisão e examinar as condições e processos domésticos que afetam apolítica externa. Embora tenha optado por esses dois níveis de análise,SINGER (1960, p. 90) deixa claro que outros níveis podem também serconsiderados

Seguindo esses trabalhos pioneiros, em particular Waltz e Singer,vários outros analistas têm optado por esquemas de pelo menos três níveisde análise: o indivíduo — em geral, os tomadores de decisão, o Estado, ououtras unidades reconhecidas como atores, e o sistema internacional. KEGLEY& WITTKOPF (1997), por exemplo, propõem os seguintes três níveis:(1) o nível individual, que se refere às características pessoais de indivíduoscujo papel e comportamento são importantes para o processo de tomadade decisão por parte de atores internacionais (Estados e outros atores);(2) o nível nacional, que consiste de unidades relevantes para o processodecisório diretamente relacionado com política externa (sistemas políticos eeconômicos responsáveis por decisões relacionadas com o poder nacional); e(3) o nível sistêmico, que se refere às interações entre atores globais, estataise não-estatais.

Alguns autores admitem que um ou mais desses três níveis podemser subdivididos (HOLLIS & SMITH, 1990; YURDUSEV, 1993), enquantooutros apresentam seus próprios esquemas, como por exemplo, ROSENAU(1996), que sugere cinco níveis, ainda que com pouco potencial de contribuirde maneira significativa para melhor esclarecimento da questão, em virtudede sua complexidade: (1) idiosincrático, (2) papel, (3) governamental,

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(4) societário e (5) sistêmico. RUSSETT & STARR (1992) propõem seisníveis, que se justapõem aos sugeridos por Rosenau e oferecem maior clarezaem suas definições: (1) decisores individuais e suas características; (2) os papéisdesempenhados pelos decisores; (3) a estrutura do governo dentro da qualos decisores operam; (4) a sociedade governada pelos decisores e na qualeles operam; (5) o conjunto de relações existentes entre o Estado-nação aoqual pertencem os decisores e outros atores internacionais; e (6) o sistemamundial.

A questão do nível de análise tem tido importância fundamental nosestudos de RI, tanto pelas implicações metodológicas como teóricas esubstantivas. O debate em torno da questão tem estimulado novos esforçosno sentido de esclarecer conceitos básicos e imprimir maior rigor analíticoao estudo de RI, o que contribui também para o aprimoramento teóricodesse campo de estudos. O mais importante não seria definir por uma ououtra das propostas existentes, que não são mutuamente excludentes, masestar consciente da necessidade de se adotar um esquema que melhor atendaàs necessidades e objetivos em pauta.

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II. RAÍZES E DESENVOLVIMENTO

1. Precursores e Pioneiros

(1) Alguns Precursores Importantes

Questões importantes para o estudo das relações internacionaiscontemporâneas estão presentes nos trabalhos de vários pensadores, comopor exemplo John Locke, Jean-Jacques Rousseau (que indaga, por exemplo,se não seria melhor se o mundo fosse governado por uma sociedade civil),Jeremy Bentham, John Stuar Mill e muitos outros. Os trabalhos desses e deoutros autores clássicos refletem principalmente preocupações de naturezahistórica, filosófica, jurídica, e de pensamento político, não necessariamentede RI no sentido hodiernamente empregado. Entretanto, trabalhos dosautores mencionados a seguir têm tido influência indelével no estudoacadêmico das relações internacionais.

Na obra A Guerra do Pelopeneso, TUCÍDIDES (471-400 a.C.) relata21 dos 28 anos da guerra entre Atenas e Esparta, e seus respectivos aliados(século V a.C). A obra de Tucídides é freqüentemente citada como exemplode um dos primeiros esforços no sentido de analisar as relações conflituosasentre duas cidades-estado então poderosas. Ele vai além da simples narrativahistórica e procura analisar e explicar eventos e a própria guerra e sua natureza,destacando a luta pelo poder e as forças por traz dessa luta. Através deobservação sistemática, durante cerca de 20 anos, Tucídides identifica omedo como a principal causa da guerra e associa o medo com o equilíbriodo poder entre Esparta e Atenas. Esparta tinha medo de perder o importantepapel que detinha no mundo Helênico, daí sua preocupação em construir emanter um poder militar e concretizar alianças com outras cidades-estado,preparando-se assim para enfrentar os atenienses. Atenas, por sua vez, sentia-se também ameaçada pelo poder militar de Esparta, e assim procuravafortalecer seu próprio poder, caracterizando-se, portanto, uma verdadeiracorrida armamentista, naturalmente nas características e proporções da época.

DANTE ALIGHIERI (1265-1321), inspirado por S. Tomás deAquino, foi possivelmente o primeiro autor ocidental a escrever sobre umgoverno universal leigo. Em sua principal obra política, De Monarchia,escrita em latim entre 1312 e 1313 (não há certeza quanto à data) ele teriatido a intenção de produzir trabalho de natureza científica, objetivo. Danteconsidera o homem como cidadão do mundo, membro de uma sociedadeuniversal, que seria dirigida por um monarca, na ótica do autor, único a

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reunir condições de manter a tranqüilidade da paz, justiça e liberdade.O tema da paz universal é recorrente no pensamento de Dante; entretanto,seguindo outros pensadores, como Santo Agostinho e São Tomás de Aquino,a concepção de paz então dominante era de natureza mais filosófica e religiosado que política.1

Nicolau MAQUIAVEL (1469-1527), que viveu cerca de duzentosanos depois de Dante, também em Florença, foi funcionário público até aqueda da República Florentina em 1512. Daí em diante passou a escrevertendo como cenário o caos e a instabilidade política então existentes naItália. Como Tucídides, Maquiavel escreveu sobre o poder, sobre a balançado poder, sobre a formação de alianças, e sobre os conflitos entre as diferentescidades-estado da Itália e sobre as causas de tais conflitos. Mas um de seusprincipais temas foi o que hoje se identifica como segurança nacional:O Príncipe poderia perder seu Estado caso não se preocupasse com as forçase ameaças internas e externas. Seu livro O Príncipe é um manual prático decomo alcançar, manter e ampliar o poder. Maquiavel trata de temas específicoscomo, por exemplo, como as “cidades ou principados devem sergovernados...”, (Cap. 5), como “os homens, e especialmente os Príncipes,obtêm aplausos ou incorrem em censura...” (Cap. 15). No Cap. 17 o Autortrata temas como a “crueldade e clemência”, quando discute as alternativasentre “ser amado ou temido...” Um dos pontos mais polêmicos de suas tesesé que ele advoga o uso de quaisquer recursos ou meios a fim de preservar osinteresses e manter a segurança do Estado, daí a origem dos termosmaquiavelismo, maquiavélico, etc. Maquiavel oferece também importantecontribuição metodológica, quando procura descrever e analisar o mundocomo ele é, e não como gostaríamos que fosse.

Hugo GROTIUS (1583-1645), jurista e estadista holandês,propunha que as relações entre os Estados deviam ser regidas por regras enormas bem definidas, aceitas por todos os Estados; era prático, pragmático.Para o campo das relações internacionais seu trabalho mais importante éLaw of War and Peace (1625), em três volumes, que trata, como o títulosugere, da guerra e da paz e também de questões que hoje se identificariamcomo de segurança nacional. Grotius elabora princípios gerais, baseados narazão e no ‘direito natural’, os quais deveriam ser observados pelos Estados,não obstante a inexistência de uma autoridade central em condições deexigir tal observância. Grotius entende a guerra como parte da condiçãonatural da sociedade internacional. Entretanto, paralelamente às condiçõesque conduzem à guerra, encontram-se também as condições que podemlevar à paz, pois ambas as condições são sujeitas às regras e normas queregem as relações entre os Estados.

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Thomas HOBBES (1588-1679) em seu livro Leviatã transmite, comoMaquiavel, uma visão pessimista da natureza humana, refletindo assim seuarraigado materialismo. Para ilustrar suas idéias Hobbes argumenta queantes do surgimento das sociedades humanas o homem vivia em ‘estado denatureza’, que seria como uma situação permanente de guerra: cada indivíduocontra todos os demais. O homem era naturalmente levado a lutar contraseus semelhantes para se defender e para sobreviver. Em suas palavras:“... there would be a continual fear and danger of violent death; and life ofman, solitary, poor, nasty, brutish, and short...” Entretanto, Hobbes nuncachegou a afirmar que tal ‘estado de natureza’ existisse de fato; percebe-se emsua obra que ele quis demonstrar como a vida poderia ser na ausência deuma autoridade central: o estado de anarquia persistiria sem um Leviatã,ou em linguagem atual, sem um poder hegemônico, um hegemon. Sem talhegemon seriam inevitáveis a suspeita, a desconfiança, o conflito, a guerra.Hobbes salienta ainda que na ausência de um contrato social entre os Estados,não haveria ordem, e sem ordem a civilização e todos os seus benefíciostornam-se impossíveis: não haveria desenvolvimento econômico, nem arte,conhecimento, ou qualquer outra coisa de valor.

O filósofo alemão Immanuel KANT (1724-1804), entre outras obras,escreveu Paz Perpétua, um tratado filosófico publicado em 1795. Suas idéiassobre a paz derivam do conceito de moralidade e do princípio da razãoprática (praktische Vernunft), através do qual ele relaciona o indivíduo aosistema internacional e indaga que condições são necessárias nas relaçõesentre os Estados para que se possa garantir liberdade e moralidade à pessoahumana? Para Kant, a primeira condição para a existência de uma pazpermanente entre as nações seria a eliminação das causas potenciais da guerra.Ele propõe a criação de uma federação pacífica (foedus pacificum) entrerepúblicas democráticas, para a suspensão de hostilidades e garantia da paz.A paz democrática seria alcançada com a institucionalização, no processodecisório internacional, das normas e valores dos sistemas liberais já existentesnas democracias. Para Kant, os problemas políticos internos ou domésticosdos Estados não seriam resolvidos a menos que se alcançasse harmonia emnível internacional. Embora muitos autores interpretem Kant como idealistautópico, ele encarava suas propostas como perfeitamente realizáveis ecompatíveis com a realidade de sua época e do futuro.

George Wilhelm Friedrich HEGEL (1770-1831) passou os últimosanos de sua carreira como professor da Universidade de Berlim (1818-1831),onde exerceu o cargo de reitor a partir de 1930. Hegel foi reconhecido, jánesse período, como o mais importante filósofo da Alemanha, graças à suabrilhante produção intelectual, que inclui obras como Enciclopédia das

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Ciências Filosóficas e Filosofia da História. É amplamente conhecida ainfluência que a filosofia dialética de Hegel exerceu sobre Karl Marx (queinclusive publicou em 1843-1844 o trabalho Crítica da Filosofia do Direitode Hegel) e sobre o pensamento político ocidental. Hegel enaltecia o papeldo Estado e acreditava que o primeiro dever deste era assegurar sua própriasobrevivência. Para ele o Estado existia independentemente de seus cidadãos,portanto, teria padrões morais diferentes e superiores às pessoas. Ele propunhaque, sendo os Estados relacionados uns com os outros, como entidadesindependentes, e uma vez que a validade dos tratados depende dacontinuidade desse relacionamento e, sendo o desejo de todo Estado preservarseu próprio bem-estar, segue-se que o bem-estar é prioritário nas relaçõesentre os Estados. Hegel propunha que cada pessoa pode buscar seus própriosobjetivos no contexto da sociedade civil e da classe econômica a que elapertencia, mas essa busca pelos objetivos individuais deveria subordinar-seaos propósitos maiores do Estado. Em sentido ético, o Estado teria primaziasobre o indivíduo. Dada sua individualidade, o Estado seria seu próprioárbitro

Carl von CLAUSEWITZ (1780-1831), considera o poder militarimportante, mas propõe que o mesmo deveria estar sempre subordinado aopoder político (civil). Atribui-se a ele a expressão “... a guerra é umacontinuação da política por outros meios...” Morreu sem completar otrabalho Da Guerra, completado e publicado após sua morte (uma ediçãobrasileira desse livro foi publicada pela Editora UnB, com o mesmo título).Clausewitz trata também de questões estratégicas e de segurança nacional.

Karl MARX (1818-1883) estudou os sistemas econômicos daantigüidade e de seu tempo, tendo concluído que, em cada período histórico,o modo de produção, formado pelas forças produtoras e pelas relações deprodução, domina o desenvolvimento da superestrutura (as instituiçõespolíticas, o direito, a moral, a religião, as artes, etc.). Dessa base econômicadependeria tudo o mais, sendo que o modo de produção dominante criaria,inclusive, as estruturas do sistema internacional, o que conduziria a relaçõesde exploração e de dominação da burguesia mundial sobre a classe proletáriauniversal. Essas relações de exploração e de dominação seriam facilitadaspela convergência de interesses e uma espécie de aliança tácita entre aburguesia mundial (da metrópole) e as elites dos países periféricos.

(2) Autores, Estudos e Iniciativas Pioneiras

Alguns autores e estudos pioneiros, publicados no período entre a I ea II Guerra Mundial, foram importantes para o desenvolvimento inicial de

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RI como um campo de estudos. Uma preocupação de muitos desses autorespioneiros era identificar as causas da guerra — cujos efeitos foram devastadoresem toda a Europa — e paralelamente buscar caminhos para a paz, com opropósito de evitar catástrofe semelhante no futuro. Alguns autores sevoltavam para outras questões, que direta ou indiretamente se relacionavamcom a preocupação básica de guerra e paz, como os problemas de segurançae desarmamento, o imperialismo e suas conseqüências, negociaçãodiplomática, balança do poder, geopolítica, etc. Dentre os autores pioneirosdestacam-se Alfred Zimmern, professor da Universidade de Oxford, que sepreocupou com questões relacionadas ao ensino de RI na universidade, tendosido severamente criticado por realistas, como Carr e Morgenthau, por suaspropostas consideradas utópicas; Harold D. Lassawell, um dos primeirosautores norte-americanos a analisar possíveis relações entre a políticainternacional e variáveis psicológicas como símbolos, percepções e imagens;desenvolveu técnicas de análise de conteúdo, utilizadas inicialmente emestudos da propaganda nazista durante a II Guerra Mundial; Frank M.RUSSEL cujo livro Theories of International Relations (1936) apresentacontribuição até então inédita; e Carl J. FRIEDRICH, que estudou oprocesso de formulação e implementação de política externa com a obraForeign Policy in the Making (1938).

Vários outros estudiosos produziram obras pioneiras que contribuírampara definir mais claramente algumas das principais linhas de análise que setornariam dominantes no estudo de RI, e desse modo ajudaram também aconsolidar definitivamente RI como uma opção acadêmica, incentivando apesquisa sistemática e despertando o interesse inicial para a teoria. Dentreesses autores é importante mencionar, por exemplo, Frederick L. SCHUMANcom a contribuição International Politics: An Introduction to the WesternState System and the World Community (1933, 1958, 6a. ed.); NicholasSPYKMAN, que com o livro America’s Strategy in World Politics (1942,1970) apresenta uma das primeiras análises sistemáticas sobre a estratégiados Estados Unidos na fase inicial de sua participação na II Guerra Mundial.

Na Inglaterra, destaca-se o trabalho de Edward H. CARR, TheTwenty Years’Crisis, 1919-1939, publicado pela primeira vez em 1939 (noBrasil em 1981, pela Editora UnB, com o tíltulo Vinte anos de crise, 1919-1939), que apresenta importante contribuição ao debate entre ‘utópicos’ e‘realistas’. Para Carr, os utópicos se inspiravam no otimismo iluminista doséculo XVIII, no liberalismo do século XIX e no idealismo de WoodrowWilson. Entre os utópicos norte-americanos predominava a crença de queos Estados Unidos haviam participado da I Guerra Mundial como parte

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desinteressada, como ‘campeões da moralidade’; argumentavam que a políticade balança do poder era um fenômeno tipicamente europeu e que a paz e aharmonia entre os Estados seria alcançada e mantida através da observânciados direitos e obrigações internacionais. Os ‘realistas’, basicamenteconservadores, davam importância às questões de poder, preocupavam-secom a segurança e com a manutenção de forças militares, necessárias para asustentação das iniciativas diplomáticas. Embora crítico dos utópicos, Carrconclui, de maneira pragmática mas deixando transparecer sua preocupaçãonormativa, que as teorias de RI devem conter tanto elementos de utopiacomo de realismo.

Após a II Guerra Mundial autores como Martin WIGHT, naInglaterra e Hans MORENTHAU, de origem alemã mas radicado nosEstados, trouxeram novas contribuições que vieram consolidar a orientaçãorealista nos estudos de RI. O trabalho de WIGHT (1946; 1978; 1985)sobre política do poder, foi publicado em 1946 pelo Royal Institute ofInternational Affairs, em forma de uma brochura de 68 páginas, comoparte de uma coleção chamada Looking Forward. Uma versão póstuma,ampliada, baseada em rascunhos deixados pelo autor (falecido em 1972)foi publicada em 1978, também sob auspícios do Royal Institute ofInternational Affairs. Uma tradução desta última edição foi publicada pelaEditora UnB em 1985, com o título A Política do Poder.

Os organizadores da edição ampliada do livro de Wight apontam, nocapítulo introdutório, cinco aspectos que caracterizam a obra: (1) suaperspectiva é eurocêntrica, ainda que o Autor faça observações geraisindicativas de que o sistema internacional já não é mais europeu e simglobal; (2) o Autor trata a política internacional como se compreendesseessencialmente de relações entre Estados, não levando em conta outros atores,já naquela época considerados também importantes por muitos estudiosos,como classes, partidos políticos, instituições internacionais, corporaçõestransnacionais, etc.; (3) a obra trata essencialmente das relações políticasentre os Estados, manifestando-se muito pouco sobre aspectos econômicosdos assuntos globais; (4) pelo seu título e conteúdo, a obra é associada àescola realista, embora não se vislumbre intenção do Autor de apresentaruma teoria global da política internacional — como MORGENTHAU(1948) o faz —, mesmo porque ele não descreve sua posição como realista,não a apresenta como alternativa ao utopismo, nem procura fazer uso daanálise marxista da ideologia — como CARR (1939) o faz —, não ataca o‘moralismo’ nem propõe que sua análise sirva de inspiração para a prática— como KENNAN (1952) o faz; (5) o Autor não leva em conta trabalhos

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posteriores, aos seus primeiros estudos na área de RI, nem leva emconsideração os debates sobre abordagens teórico-metodológicas, nemtampouco se mostra interessado na escola behaviouralist (não confundir combehaviorista, ou comportamentalista, uma sub-área da Psicologia), cujascríticas dirigem-se justamente a premissas metodológicas de obras como asua.

Os trabalhos de Wight são de fundamental importância para achamada ‘escola inglesa’ de RI. Ele propõe que a política internacionalpoderia ser vista de acordo com três tradições: ‘realista’, ‘racionalista’ e‘revolucionária’, ou respectivamente como ‘maquiaveliana’, ‘grotiana’ e‘kantiana’. Para o primeiro grupo o cenário internacional seria anárquico,com a existência, em potencial, de conflito permanente; o segundo grupoveria o mundo numa mescla de conflito e cooperação, com a possibilidadede existência de uma sociedade de Estados, com normas definidas eobservadas; o terceiro grupo veria a sociedade internacional como a civitasmaxima, na qual predominaria o humanismo, a justiça e a paz. A propostade Wight suscitou, e ainda suscita, muitos debates, principalmente na Grã-Bretanha. Wight se identificava mais com a tradição grotiana, embora algunsautores o tenham como um realista. Mas para ele próprio, a fim de se alcançarum entendimento mais completo da realidade internacional seria necessáriouma combinação das três orientações (SMITH, 1995, p. 11-13).

A principal obra de Hans MORGENTHAU (1954), Politics AmongNations, foi sem dúvida um dos trabalhos de maior impacto nesse período.Publicado pela primeira vez em 1948, sua principal contribuição consistenuma série de proposições que o autor denomina “princípios do realismopolítico”, componentes básicos de sua teoria da política internacional. Emseu livro Man, the State and War, Kenneth N. WALTZ (1959) enfatiza opapel que organismos internacionais podem desempenhar no processo decooperação internacional, ajudando a promover a paz e a harmonia entre asnações.

A partir das décadas de 1950/1960 surgem novas alternativas teórico-metodológicas, enfocando questões como o processo decisório, a abordagemsistêmica, integração, conflitos e teoria dos jogos, dimensões psicológicas eculturais das relações internacionais, etc. Dentre os trabalhos mais importantesdesse período, de orientação behaviuoralist, destacam-se os livros de J. DavisSINGER (1965), Human Behavior and International Politics, de HerbertKELMAN (1965), International Behavior, de J. H. DeRIVERA (1968)The Psychological Dimension in Foreign Policy. O livro de Richard C.SNYDER, H. W. BRUCK e Burton SAPIN (1954), Decision-Making as

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an Approach to the Study of International Politics mantém-se comoreferência básica para a análise do processo decisório em RI. Quanto àabordagem sistêmica, destacam-se as contribuições de Charles A.McCLELLAND (1966), Theory and the International System e de MortonA. KAPLAN (1967), System and Process in International Politics.

Nos anos subseqüentes cresce rapidamente a literatura sobre relaçõesinternacionais, tanto em termos numéricos como em densidade teórica eanalítica. Grande parte dessa literatura, cada vez mais sofisticada, passa arefletir preocupações mais específicas, incentivando desse modo odesenvolvimento de teorias de alcance médio, ou parciais, não obstantemanter-se também o interesse por esquemas teóricos gerais, mais ambiciosos.

2. As Raízes de RI como Campo de Estudos

(1) O Eixo Anglo-Americano: Bases Institucionais

Nas primeiras décadas deste século surgiram nos Estados Unidos ena Grã-Bretanha centros de estudos e instituições independentes, dedicadasao estudo (não necessariamente acadêmico) das RI e à promoção da pazmundial. Nos EUA, muitos desses órgãos foram constituídos graças a doaçõesde milionários norte-americanos, com o propósito de realizar pesquisas eoutras atividades que contribuíssem para proporcionar melhor conhecimentosobre questões internacionais, tornando esse conhecimento disponível aostomadores de decisão que atuavam em diferentes setores do governo,particularmente em áreas como política externa e negócios exteriores. Osestudos realizados por esses órgãos eram, e ainda são, publicados em formade livros ou relatórios, ou através de artigos veiculados em periódicosespecializados, alguns deles fundados e mantidos pelas próprias instituições.Esses centros e instituições tiveram importante papel no surgimento dosprimeiros cursos universitários em RI, assim como na sua manutenção atéos dias de hoje. Seu apoio aos primeiros estudos sistemáticos e às iniciativasde publicação dos resultados de tais estudos foi também de importânciafundamental para o estabelecimento de uma forte tradição de ensino epesquisa em RI.

Dentre essas instituições, o The Carnegie Endowment forInternational Peace, fundado em 1910, mantém-se com recursos próprios,sendo suas principais atividades a realização de estudos e pesquisas, apromoção de seminários, conferências e debates sobre temas relacionados

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com a paz internacional e a poltica externa dos EUA. Em 1970 a instituiçãofundou o periódico Foreign Policy, “a fim de encorajar novos e mais vigorososdebates sobre temas vitais para a política externa dos Estados Unidos”. OCarnegie Endownment apoia também programas de estudos em RI e emPolítica Externa dos Estados Unidos, principalmente através de bolsas deestudo e fellowships.

Outra instituição importante é a Brookings Institution, fundada em1916 graças a uma doação de Robert S. Brookings. Seu objetivo inicial erapromover atividades que contribuíssem para aproximar universidades e ogoverno, mas hoje ela se dedica principalmente ao estudo da política exteriordos EUA. Nos últimos tempos a Brookings Institution tem privilegiado aanálise de questões globais e seu impacto sobre os EUA assim como asconseqüências mundiais do fim da Guerra Fria. A Instituição publica livros,artigos para revistas e periódicos especializados e itens noticiosos (briefs)para veículos de circulação internacional.

Em 1920 era fundado em Londres o Royal Institute of InternationalAffairs-RIIA, também conhecido como Chattan House, com preocupaçõesvoltadas inicialmente para a realização de atividades que pudessem dar apoioao governo britânico na formulação e implementação de sua política exterior.À semelhança de seus congêneres norte-americanos, o RIIA também cresceue se transformou em grande instituição de pesquisa, preservando no entantoas diretrizes iniciais de produzir não somente trabalhos de naturezaacadêmica, mas também estudos e outras atividades que contribuíssem tantopara preencher lacunas no governo como no setor privado. O RIIA publicaa revista International Affairs, que há 80 anos mantém-se como importanteforo de debates sobre questões internacionais.

Ainda com referência à Grã-Bretanha, é importante ressaltar oInternational Institute for Strategic Studies-IISS, entidade particular,fundada em 1958, que reúne associados e realiza encontros anuais sobretemas da agenda internacional relacionados com questões de estratégia esegurança. O IISS mantém programa interdisciplinar de pesquisas, com aparticipação de especialistas e pesquisadores visitantes de vários países. Seusestudos são divulgados através dos Adelphi Papers, de relatórios especiais ede um anuário sobre questões estratégicas e de segurança.

Em 1921 foi criado em Nova York o Council on Foreign Relations,com o propósito de manter os EUA engajados nos acontecimentos mundiais.Ainda hoje o Council (Conselho) defende a tese que a prosperidade dosEstados Unidos está inexoravelmente vinculada ao bem-estar de todo omundo. O Conselho é um think tank de natureza privada, cujo objetivo

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mais amplo é compreender e apreender o que se passa no cenáriointernacional a fim de alimentar novas idéias que possam ser aproveitadaspor responsáveis pela formulação e implementação da política externa dosEUA. Nos últimos tempos o Conselho tem dado prioridade a três áreasprincipais: Ásia, economia internacional e segurança nacional. O Conselhopublica a revista Foreign Affairs, que completa 80 anos em 2001. A linhaeditorial da revista tende mais para a análise de grandes questõesinternacionais, de interesse dos EUA. Em geral, os autores são de alto gabaritoe atuam na Academia, em grandes jornais, na política, ou são líderesdestacados em suas respectivas áreas. Os ex-presidentes Jânio Quadros eJosé Sarney tiveram, ambos, artigos publicados na revista, nos quaisapresentaram as principais linhas de seus respectivos governos, com ênfasena política externa.

Outros periódicos que foram surgindo adotam linha maisrigorosamente acadêmica, dentre os quais destacam-se os seguintes:International Organization, fundado e mantido desde 1947 pela WorldPeace Foundation; World Politics, publicado desde 1948 pelo Center ofInternational Studies da Princenton University; International SecurityReview, publicada pelo Center for International Security Studies; TheWashington Quarterly, publicado a partir de 1978 pelo Center for Strategicand International Studies, da Geoge Washington University; InternationalStudies Quarterly, publicado sob os auspícios da International StudiesAssociation. Há nos Estados Unidos outros periódicos importantesdedicados, pelo menos em parte, à área de RI ou a algumas de suas sub-áreas.

Na Grã-Bretanha, além de International Affairs, destaca-se a Reviewof International Studies, a revista oficial da British International StudiesAssociation e que até 1975 circulou com o nome de British Journal ofInternational Studies. Alguns outros periódicos ingleses, embora dedicadosprimordialmente a outras áreas, publicam material de RI; entre eles estão oBritish Journal of Political Science, o Interstate, publicado peloDepartamento de Política Internacional da Universidade do País de Gales,em Aberystwyth, e Millenium, da London School of Economics and PoliticalScience.

O estudo propriamente acadêmico de RI teve início formalmentepouco depois da I Guerra Mundial, quando foram criadas as primeirascadeiras (chairs) e departamentos de RI. Na Grã-Bretanha foi estabelecida,em 1919, a cadeira Woodrow Wilson na Universidade do País de Gales, emAberystwyth; logo depois criaram-se cursos também na London School of

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Economics and Political Sciene e na Oxford University (GROOM, 1994).Pouco depois foram criados os primeiros cursos regulares de RI emuniversidades norte-americanas.

Os EUA saíram da II Guerra Mundial na condição de nova potêncialíder no mundo, tanto na esfera militar como econômica e política. Essenovo papel de superpotência exigiria presença a nível global bem comoatuação nos vários organismos e foros internacionais que começavam a semultiplicar, com a criação das Nações Unidas e de várias outras organizaçõesinterestatais. Exigiria também novas responsabilidades e novos compromissoscom a manutenção da paz, com a preservação ou construção da democraciaem nome da qual o país participara da guerra. Houve o que se poderiaidentificar como uma nova postura do governo e de lideranças políticas eempresariais com relação ao resto do mundo, uma postura mais cosmopolitae universalista, que levou a uma presença marcante dos EUA no cenáriointernacional, contrariamente ao que ocorrera após a I Guerra Mundial,quando o país se isolou e, por decisão do seu Congresso, recusou-se a integrara Liga das Nações, cuja criação havia sida proposta e defendida com grandeempenho pelo Presidente Woodrow Wilson.

Essa conjugação de elementos e forças, sem dúvida contribuiu paramaior demanda de especialistas em RI e, conseqüentemente, para osurgimento de novos cursos e de novos programas de RI em universidadesnorte-americanas. Paralelamente, houve um grande impulso em programasde pesquisa, com apoio financeiro de ricas fundações (Ford, Rockfellow,Kellog e outras), além de uma presença ativa do próprio governo norte-americano, interessado em manter-se informado e atualizado sobre o que sepassava no resto do mundo. Como resultado, RI se consolidou nasuniversidades norte-americanas como uma opção acadêmica e há hoje naquelepaís, como em nenhum outro, um grande número de centros e programasde alto nível dedicados ao ensino e à pesquisa em RI. Como resultado, aprodução acadêmica norte-americana, na área de RI, tem sido a mais volumosae a que apresenta maior contribuição teórica, metodológica e substantiva.

(2) O Estudo de RI Fora do Eixo Grã-Bretanha-EUA

Fora do eixo Grã-Bretanha-Estados Unidos os estudos acadêmicos deRI permaneceram, em grande parte, e ainda continuam em muitos paíseseuropeus, como sub-áreas do Direito Internacional, da Ciência Política, daSociologia e da História. Uma exceção é o Instituto de Altos EstudosInternacionais de Genebra, fundado em 1927 pelo professor William

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Rappard, com “o propósito de contribuir para a experiência de cooperaçãointernacional que o estabelecimento da Liga das Nações em Genebrarepresentava” (IUHEI, 1996/97, p. 3). Portanto, da mesma maneira que asiniciativas pioneiras da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos, a criação doIUHEI inspirou-se em missão de natureza prática, tendo como basesfilosóficas o internacionalismo liberal dos anos 20: compreender as causasda guerra e buscar caminhos alternativos para a paz e a estabilidade. Desdesua fundação o IUHEI tem mantido vínculos bastante estreitos com acomunidade anglo-norte-americana, especialmente com os EUA, suastradicionais fontes de apoio financeiro, através das ricas fundações norte-americanas.

Na França, a área de RI conta com alguns scholars de renomeinternacional, mas não há o que se poderia considerar uma massa crítica deprofessores, pesquisadores e estudantes, em parte porque eles estão dispersosem diversas faculdades ou institutos, em diferentes cursos; não há grandescentros de formação acadêmica e de pesquisa, em escala nacional, nemtampouco uma associação acadêmica ou profissional que promova ou faciliteo contato entre os especialistas. Em geral, a literatura de RI na França refleteforte influência jurídica e histórica e, segundo GOOM (1994), ela é emgrande parte a-teórica. Há naturalmente exceções a essa condição geral,como as contribuições de autores como Raymond Aron e Marcel Merle,considerados hoje como ‘clássicos’. Há também um número crescente deautores competentes, de gerações mais recentes.

ARON (1962), com sua obra monumental Paix et guerre entre lesnations (publicada pela Editora UnB, 1979, com o título Paz e guerraentre as nações), procura analisar as relações internacionais sob quatroperspectivas amplas e interrelacionadas: teoria, sociologia, história e o queele denomina ‘praxiologia’. Sua análise engloba proposições sobre diplomaciae estratégia, poder e sua natureza, noções de equilíbrio, modelos bipolar emultipolar e sistemas internacionais homogêneos e heterogêneos. Entretanto,a obra de Aron, publicada mais de 20 anos depois do trabalho de CARR(1939), The Twenty Years’s Crisis, não obstante o impacto inicial que tevetanto na França como em outros países onde foi publicada, e emborapermaneça como um trabalho importante, não tem inspirado grande númerode seguidores, possivelmente em virtude de seu caracter abrangente.

O livro de Marcel MERLE (1988, 4a. edição), Sociologie des relationsinternationales (publicado em português com o mesmo título, pela EditoraUnB, 1981) representa também contribuição sui generis, pela abordagemsociológica do fenômeno internacional. Merle tem uma produção intelectual

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bastante ampla, destacando-se entre seus trabalhos os seguintes: Sur le‘problematique’ de l’étude des relations internatinales en France, publicadoem 1983 na Review française de science politique, La crise du golfe e lenouvel ordre international (1991), Les relations internationales a l’épreuvede science politique (1993) e Bilan de relations internationalescontemporaines (1995). A seguinte citação, que aparece na contra-capadeste último livro de Merle, retrata as condições de RI como um campo deestudos acadêmicos na França: “Le relations internationales ont longtemps faitfigure de parent pauvre dans la recherche et dans l’enseignement universitairefrançais. ...”

Em trabalho mais recente, Bertrand BADIE e Marie-ClaudeSMOUTS (1995), Le retournement du monde - sociologie de la scèneinternationale, inspirados em Merle, procuram descrever e analisar ummundo constituído por problemas, processos e estruturas que emanam dasociedade, da política e da cultura. Em outros trabalhos Smouts analisa apolítica exterior e o papel da França na ONU e em operações de paz(Namíbia, Cambodja, Somália, Iugoslávia). Três gerações de internacionalistasse reuniram sob os auspícios do CERI para explorar novas perspectivasdecorrentes da conjunção do processo de globalização e o fim da GuerraFria. Foram examinadas grandes questões da atualidade, como onacionalismo, a construção de uma nova Europa, a economia políticainternacional, os novos focos de conflito e sua natureza, questões relacionadascom a problemática do tempo e do espaço, a ação dos atores transnacionais,etc. SMOUTS (1998) reúne os trabalhos apresentados e discutidos noreferido evento sob o sugestivo título Les nouvelles relations internationales:pratique et théories.

Os trabalhos de Alfred GROSSER (1984a, 1984b) sobre políticaexterna francesa, Affaires exterières: la politique de la France 1944-1984, esobre a Alemanha, La Allemagne en occident: La Républic féderale 40 ansaprès são contribuições específicas e relevantes, uma vez que Grosser éconhecido especialista em Alemanha. Dois outros trabalhos seus, publicadosna dédada de 70 e que merecem destaque são: IVème Republique et sapolitique exterieure (1972) e Les politiques exterieures européenes dans lacrise (1976). Uma coletânea organizada por LAÏDI (1993), L’ordre mondialerelâché, apresenta uma análise conjuntural do mundo contemporâneo, soba ótica de vários autores franceses.

Como ocorre na maioria de outros países, inclusive no Brasil, quasetodos os trabalhos anteriormente mencionados refletem muito mais esforçosindividuais de professores e/ou pesquisadores que atuam em diferentes

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instituições, do que propriamente ‘programas’ acadêmicos ou de pesquisa,sob uma certa coordenação. O Institute français des relations internationales-IFRI, fundado por Thierry de Montbrial em 1979 é considerado o principalcentro de pesquisa e debate que reúne uma equipe razoável de estudiosos deRI. Até recentemente ele contava com cerca de 18 colaboradores em tempointegral e outros tantos que se dedicavam também ao ensino em universidadesou nas chamadas ‘grandes escolas’ francesas. O Instituto é mantido comrecursos obtidos do Gabinete do Primeiro Ministro, do setor privado, atravésde contribuições de grandes empresas e bancos, como a Alcatel, a Renaut, oBanque de France, o Banco Inter-Americano de Desenvolvimento, a Câmarado Comércio e Indústria de Paris, a France Télécom, a Fundação Ford, etc.Há também as taxas de adesão dos sócios institucionais e de pessoas físicas.

O IFRI promove seminários, colóquios, debates e mantém um extensoprograma de pesquisa, cujos resultados são publicados em PolitiqueÉtrangère, mantida pelo próprio instituto. No decorrer de 2000 forampublicados vários trabalhos sobre a China, a Rússia, a OMC pós-Seattle, aÁsia-Pacífico e a Europa.

Os estudos de RI na Alemanha, na Áustria, na Suíça (de língua alemã)e na Escandinávia só começaram a se desenvolver há cerca de três décadas,com exceção de contribuições individuais, como a do suíço Daniel Frei e dealguns autores alemães radicados nos EUA onde produziram grande partede suas obras, hoje leitura obrigatória em RI: Hans Morgenthau, KarlDeutsch, Georg Schwarzenberger, Henry Kissinger e outros. Na Alemanhahá hoje centros de pesquisa, novos veículos de divulgação científica e livrosdidáticos, o que reflete a criação e a evolução de cursos de RI em universidadesalemãs. Esse material vem sendo produzido por uma nova geração de scholars,como Andreas HASENCLEVER (1997), RISSE-KAPPEN (1995),RITTBERGER (1993) e vários outros. Na Áustria, RI, tradicionalmentevinculada ao Direito Internacional, tem buscado identidade própria com acriação de institutos de pesquisa e de cursos universitários.

Na Escandinávia há grande preocupação com estudos para a paz,conflitos, desenvolvimento e política externa. Nas últimas três décadas lásurgiram periódicos importantes, como Cooperation and Conflict, órgãooficial da Nordic International Studies Association e Journal of ConflictRessolution. Todos os países escandinavos mantêm institutos de estudos epesquisas em RI e áreas afins. Um dos mais importantes é o StockholmInternational Peace Research Institute-SIPRI, que mantém um ambiciosoprograma de publicações, principalmente sobre temas relacionados com apaz mundial, a solução de conflitos e questões de armamento/desarmamento.

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O Instituto publica também o SIPRI Yearbook on World Armaments andDisarmament.

Nos países do Mediterrâneo (Espanha, Grécia, Itália, Portugal eTurquia), é relativamente pequeno o número de instituições e de estudiososdedicados a RI, mas nota-se interesse crescente, criação de novos cursos e osurgimento de novos veículos de divulgação. A situação em alguns países daAmérica Latina (México, Argentina, Chile, Colômbia e Venezuela) é tambémde crescimento relativo da área.

Portanto, pode-se afirmar que, na Europa Continental, e na AméricaLatina, RI só começou a se desenvolver como campo de estudos acadêmicosnos anos recentes, quando algumas universidades iniciaram cursos de RI e ofinanciamento de pesquisas ficou mais acessível, com o apoio de algumasfundações e centros de estudos; no entanto, há apenas cinco anos foi fundadaa European International Studies Association — que publica o periódicoEuropean Journal of International Relations — enquanto que nos EUA ena Inglaterra associações dessa natureza já existem há cerca de oitenta anos.

3. O Estudo de RI no Brasil

(1) O Nacional-Desenvolvimentismo

A década de 50 e os primeiros anos da década de 60 constituem, nahistória recente do Brasil, período de importantes reformas e de grandespreocupações com a interpretação econômica, política, social e cultural daépoca e, em particular, com o estudo sistemático do Brasil, sob essas mesmasperspectivas. A partir de agosto de 1952 começa a se reunir no ParqueNacional de Itatiaia um grupo de estudiosos que se tornou conhecido comoo ‘Grupo de Itatiaia’. Alguns meses mais tarde o mesmo grupo cria o InstitutoBrasileiro de Economia, Sociologia e Política-IBESP, que editou, entre 1953e 1956, cinco volumes dos Cadernos de Nosso Tempo. Entre oscolaboradores dos Cadernos estavam Guerreiro Ramos, Cândido Mendesde Almeida, Carlos Luís Andrade, Ewaldo Correia Lima, Fabio Breves, HeitorLima Rocha, Hélio Jaguaribe, Hermes Lima, Ignácio Rangel, João Paulo deAlmeida Magalhães, José Ribeiro Lira, Jorge Abelardo Ramos, Juvenal OsórioGomes, Moacir Félix de Oliveria e Oscar Lorenzo Fernardes. As grandespreocupações desses estudiosos, refletidas nos trabalhos publicados nosCadernos, incluíam temas como o desenvolvimento do País, o nacionalismo,a democracia, maior racionalidade no governo, maior participação política

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da população menos privilegiada, e em termos de política externa, a buscade uma posição não alinhada para o Brasil (SCHARTZMAN, 1981).

Em 1955 é fundado no Rio de Janeiro o Instituto Superior de EstudosBrasileiros-ISEB, uma espécie de think tank que reunia líderes intelectuais,políticos e de outros segmentos da sociedade, a maioria oriunda do IBESP.Guerreiro Ramos, Nelson Werneck Sodré, Sérgio Buarque de Holanda, JoséHonório Rodrigues, Hélio Jaguaribe, Cândido Mendes, Horácio Lafer, eSan Tiago Dantas, entre outros, eram alguns dos membros de seu Conselho.O ISEB realizava estudos, desenvolvia intensa atividade intelectual, promoviadebates sobre grandes temas, como o papel do Estado na economia, o papeldo capital estrangeiro, o papel dos intelectuais na vida política do País, etc.Guerreiro Ramos, Hélio Jaguaribe e José Honório Rodrigues dedicavam-separticularmente aos estudos sobre o nacionalismo e a política externa.

Em seu segundo governo Getulio Vargas (1951-1954) tentapromover o desenvolvimento nacional com preocupação social, dentro deparâmetros democráticos. O curto período de governo de Café Filho foimarcado por ambigüidades, instabilidade e incertezas. Já o governoKubistschek (1956-1961) caracterizou-se também por um grande esforçono sentido de promover o desenvolvimento econômico e social do País, comdemocracia. Esse período tem sido identificado como de ‘nacional-desenvolvimento democrático’ (JAGUARIBE, 1996). Uma das metas dapolítica exterior do Brasil, nessa época, era a obtenção de recursos externospara a realização dos programas de governo. O governo Quadros, apesar desua curta duração (jan-ago 1961) formula e inicia uma política externaindependente, endossada, consolidada e implementada no Governo Goulart(1961-1964), cujas raízes ideológicas ou filosóficas podem ser identificadasnos trabalhos pioneiros do IBESP e do ISEB. Em março de 1964, com ogolpe militar, há uma reversão de expectativas quanto à filosofia do nacional-desenvolvimentismo democrático e da política externa independente.Entretanto, o período dos anos 50 a 64, justamente pela sua característicatransformadora, foi de significativa produção intelectual, sendo que análisesimportantes das RI do Brasil e de sua política externa, em particular, sãoproduzidos e divulgados, notadamente a partir dos últimos anos da décadade 50.

(2) Nacionalismo e Política Externa

Em 1958 é lançado o livro de JAGUARIBE (1958), O Nacionalismona Atualidade Brasileira, no qual ele critica o chamado ‘modelo de aliado

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especial’ que os governos de Dutra e Vargas cultivaram nas relações com osEUA — na expectativa de uma espécie de reconhecimento e algum tipo derecompensa pela participação do Brasil na II Guerra Mundial. JAGUARIBE(1958, págs. 32 e seguintes) argumenta que “... o nacionalismo políticoreivindica para o país uma posição de maior autonomia” perante os EUA ea Europa e “se inclina para uma linha neutralista”, que melhor atenderia osinteresses do Brasil. O Autor critica a natureza ambivalente da política exteriordo Brasil e propõe uma nova diplomacia, pois, segundo ele, o Itamaraty jánão gozava da necessária autonomia para a formulação e implementaçãodessa política, em virtude da ingerência de outros órgãos, tais como aPresidência da República, o Congresso, a imprensa, e órgãos de classe. Parao referido autor, uma linha de política externa neutralista, ou independente,daria ao Brasil amplas vantagens e lhe permitiria maior espaço em sua atuaçãointernacional, facilitando uma aproximação com a União Soviética, cujapolítica apoiava as reivindicações dos países subdesenvolvidos. As propostasde Jaguaribe, apoiadas em análise sistemática, suscitaram debate e emboranão fossem unanimente aceitas, representam contribuição inédita e pioneira,de especial relevância para a análise do processo de implantação dos estudosde RI no Brasil.

No mesmo ano de 1958 o Instituto Brasileiro de RelaçõesInternacionais, fundado em 1954 e com sede também no Rio de Janeiro,publica o primeiro número (Vol. I, No. 1, março 1958) da Revista Brasileirade Política Internacional-RBPI.2 Em seu primeiro número a revistapublicou artigos de personalidades importantes, vinculados à área de relaçõesexteriores, como Vicente RAO (1958), sobre direitos humanos, RaulFERNANDES (1958), sobre segurança hemisférica, ambos ex-chanceles, eHermes LIMA (1958) — que viria mais tarde ocupar o cargo de chanceler,sobre a Conferência Econômica de Buenos Aires, realizada sob auspícios daOEA. O número dois publicou artigos de Oswaldo ARANHA (1958),também ex-chanceler, ex-representante do Brasil junto à ONU eex-presidente da Assembléia Geral daquela organização. O artigo de OswaldoAranha é sobre o reatamento de relações diplomáticas com a União Soviética,tema que na ocasião despertava grande interesse na imprensa, no CongressoNacional e em outros segmentos da sociedade. O ex-chanceler defendia oreatamento das relações com a URSS, rompidas no governo Dutra; paraOswaldo Aranha, divergências ideológicas não deveriam impedir orelacionamento do Brasil com países de regime socialista; com tal postura oBrasil estaria demonstrando à comunidade internacional não apenas suamaturidade mas também o seu peso político.

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Durante a década de 60 são publicados outros artigos sobre as relaçõesdo Brasil com o Bloco Soviético, quase todos restritos a relatos das atividadescomerciais, uma vez que não havia relações diplomáticas entre o Brasil aquelespaíses. São editadas também algumas obras sobre as relações do Brasil comoutras regiões, entre as quais dois livros de autoria do diplomada BEZERRADE MENEZES (1960; 1961), sobre as relações do Brasil com a Ásia e aÁfrica; o Autor procura destacar as perspectivas que se abriam para o Brasilnaquelas regiões. MENDES VIANA (1959) também chama a atenção parao significado do mundo afro-asiático para o Brasil, enquanto José HonórioRODRIGUES (1962a, 1962b), em dois artigos subseqüentes, analisa asrelações Brasil-Africa, oferecendo uma perspectiva positiva para o futurodessas relações.

Nessa mesma época surgem alguns estudos enfocando as relações dosEUA-América Latina, que incluem o Brasil, entre eles os de autoria deRoberto CAMPOS (1959), de AMOROSO LIMA (1961), de LincolnGORDON (1961) e de VALLE (1961). Nenhum desses estudos apresentaanálise profunda do tema proposto, caracterizando-se mais como ensaios,com posicionamentos pessoais ou institucionais dos respectivos autores. Atítulo de exemplo, o trabalho de Amoroso Lima, líder católico e intelectualde grande prestígio, considerado conservador, destaca o que ele consideravaprocesso de deterioração das relações EUA-América Latina, e aponta asseguintes causas para tal situação: (1) o forte nacionalismo dos latino-americanos, (2) a infiltração e a propaganda comunista, (3) o anti-americanismo dos movimentos revolucionários, (4) a falta de habilidadedos diplomatas norte-americanos ao lidar com os latinos, (5) a ação perniciosade algumas entidades norte-americanas, como as Fundações Ford eRockefeller. Amoroso Lima sugere a intensificação da cooperação culturalentre os dois países como uma solução a longo prazo para o problema.

Outro tema recorrente no final da década de 50 e início da década de60 relacionava-se à Operação Pan-Americana-OPA (e seus desdobramentos),proposta pelo Presidente Jucelino Kubistchek. Em dois trabalhos sucessivos,TORRES (1958; 1960), por exemplo, examina a criação do mercado regionalna América Latina-ALALC e faz uma apreciação da OPA, concluindo queela permanecia como um propósito, mas ainda não era uma “política comconteúdo programático”. Vários outros trabalhos sobre a OPA são publicados,os quais procuram descrever seus antecedentes, significado e perspectivas.Entretanto, esse tema logo se esgotaria, em parte pelo término do mandatodo Presidente Kubischek, que em janeiro de 1961 transmitiu o governo aopresidente eleito Jânio Quadros, mas também pelas dificuldades de

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implementação de seu ambicioso programa, que dependia de elevadosrecursos financeiros, a serem obtidos principalmente de fontes externas.

(3) Política Externa Independente

Além do estudo de Hélio Jaguaribe, já mencionado, o livro de JoséHonório RODRIGUES (1966), sobre interesse nacional e política externa,representa uma espécie de síntese de suas contribuições no ISEB. Outrosestudos enfocam temas como a política externa do Brasil na América Latina,a interdependência entre política interna e as relações exteriores, o podernacional e as relações internacionais. No entanto, pronunciamentos edocumentos importantes, feitos por autoridades e instituições brasileiras,como mensagens presidenciais, discursos, relatórios do Ministério dasRelações Exteriores, de missões junto a organismos multilaterais, e outros,representam contribuições importantes, que merecem ser analisadas demaneira sistemática, para um melhor entendimento dessa fase das relaçõesinternacionais do País. Uma dessas contribuições é o artigo do PresidenteJânio QUADROS (1961) publicado na revista Foreign Affairs, no qual eleapresenta as bases de sua Política Externa Independente, definidaposteriormente, com mais precisão, pelo Chancelor SAN TIAGO DANTAS(1962), em seu livro com o mesmo título, Política Externa Independente.As diretrizes da política de Quadros são apresentadas, resumidamente, emquatro pontos, a saber: (1) empenho na proteção dos interesses nacionais,cuja principal meta é o desenvolvimento; (2) reafirmação do Brasil comopaís membro da comunidade ocidental, por suas raízes e convicções, mas aomesmo tempo, busca de aproximação com os povos da Ásia, África e AméricaLatina, com os quais o Brasil compartilha, também, laços e valores, o quelhes permitirá realizar esforço conjunto para superar as desigualdades entreas nações; (3) início de uma nova era de cooperação entre os países dasAméricas, de cunho econômico e social, procurando superar diferençasideológicas; (4) por não se vincular a nenhum bloco, o Brasil não assumiráresponsabilidades inerentes à Guerra Fria e assim manterá relaçõesdiplomáticas e comerciais com todos os países, o que melhor atenderáinclusive às demandas do crescimento e da diversificação da produçãonacional.

É dessa fase, também, o chamado discurso ‘dos três d’s’ pronunciadopelo Embaixador e recém nomeado chanceler, João Augusto de ARAÚJOCASTRO (1963) perante a XVIII Assembléia Geral das Nações Unidas,sobre desarmamento, desenvolvimento e descolonização. O chanceler expôs

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a posição do Brasil na Conferência sobre Desarmamento, que vinha serealizando em Genebra: “É fácil precisar o sentido de cada um dos termos dessetrinômio. A luta pelo Desarmamento é a própria luta pela Paz e pela igualdadejurídica de Estados que desejam colocar-se a salvo do medo e da intimidação. Aluta pelo Desenvolvimento é a própria luta pela emancipação econômica e pelajustiça social. A luta pela Descolonização, em seu conceito mais amplo, é aprópria luta pela emancipação política, pela liberdade e pelos direitos humanos”.

As posições do Brasil com respeito às questões de desarmamento edesenvolvimento já eram conhecidas; entretanto a posição mais firme expostapor Araújo Castro quanto ao processo de descolonização, particularmenteda África, toma nova feição a partir do Governo Jânio Quadros, sendoamplamente respaldada por pronunciamentos de seu chanceler, o professorAfonso Arino de Melo Franco, e pelos chanceleres do Presidente João Goulart,San Tiago Dantas e o próprio Araújo Castro.

(4) Contribuições da Academia

Os estudos de RI começaram a criar raízes mais sólidas no meioacadêmico brasileiro — e em algumas instituições independentes de pesquisa— a partir dos anos 70. Estudiosos e pesquisadores oriundos de váriasdisciplinas como Sociologia, Ciência Política, Economia, Direito Internacionale outras, passaram a se interessar por questões relacionadas com a inserçãodo Brasil no sistema internacional, ou com o fenômeno genericamentedesignado ‘nova ordem internacional’. Algumas vertentes desse tema maisgeral, que também despertavam interesse, eram a análise da política exteriorbrasileira, o comércio exterior, a corrida armamentista, a balança do poder ea questão da segurança coletiva. Embora alguns desses estudos pioneirostenham sido realizados sob os auspícios de órgãos independentes como oCEBRAP, eles apresentam características de estudos acadêmicos e assim sãoconsiderados, mesmo porque seus autores eram membros da Academia,ainda que alguns se encontrassem afastados por razões pessoais ou políticas.Dois desses estudos, de autoria de Carlos Estevam MARTINS (1972; 1975),são particularmente relevantes por sua qualidade analítica e pioneirismo:“Brasil-Estados Unidos: Política Externa dos 60 aos 70” e “A Evolução daPolítica Externa Brasileira na Década 64/74”. Outros trabalhos relevantespara a área acadêmica de RI foram publicados nesse período, sendo citadosaqui apenas dois deles: Celso LAFER e Félix PEÑA (1973), Argentina eBrasil no Sistema de Relações Internacionais; MONIZ BANDEIRA (1973),Presença dos Estados Unidos no Brasil.

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Alguns artigos foram publicados em periódicos especializados, assimcomo em forma de livros, embora alguns deles reflitam mais o posicionamentodos autores ou das instituições a que estavam vinculados, ou ambos. Nota-se uma tendência normativa ou prescritiva em muitos desses estudos,enquanto que pouca atenção é dada à explicação. Os autores pertenciam aoserviço diplomático, eram líderes políticos, militares ou dirigentesempresariais ou de instituições governamentais. São desse períodocontribuições do embaixador ARAÚJO CASTRO (1970a; 1970b) sobrebalança de poder e segurança, e sobre o papel da ONU; do embaixadorGibson BARBOSA (1970) sobre comércio exterior; do tenente-brigadeiroNelson F. Lavanère WANDERLEY (1970; 1971) sobre a corridaarmamentista e sobre segurança estratégica; do general MEIRA MATTOS(1973) sobre o poder militar e a política internacional; do economistaCleantho de PAIVA LEITE (1974) sobre as relações Brasil-Japão. Em outubrode 1975 a Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputadosorganizou um painel sobre a Nova Ordem Internacional, com a participaçãode representantes do Itamaraty, de professores e de militares; participaramdo evento, dentre outros, o embaixador Expedito REZENDE (1975), quediscorreu sobre a evolução da política exterior do Brasil, o professor LucianoCOUTINHO (1975), que dissertou sobre aspectos econômicos da novaordem internacional, o professor Carlos Geraldo LANGONI (1975), quediscorreu sobre as causas e perspectivas da crise mundial e o economistaCarlos von DOELLINGER (1975) que apresentou contribuição sobreaspectos políticos da crise econômica mundial.

Ainda que não se encontre tratamento teórico nos estudos publicadosno Brasil, nessa fase, algumas tendências podem ser identificadas: estudosque refletem influência da corrente dependentista, inspirada em teoriasmarxistas e neomarxistas, e estudos que se identificam com a geopolítica ecom questões de natureza estratégica e de segurança. Estes últimos estãomais próximos do pensamento militar então dominante. Uma vertente dorealismo pode ser também identificada. Entretanto, essa vertente pareciaperceber o País e sua inserção no contexto internacional não como umagrande potência que buscaria defender seus interesses nacionais num meiointernacional anárquico e possivelmente hostil, mas como um ator regionalque procurava contribuir para a manutenção do equilíbrio de poder em suaesfera de influência.

Nessa fase não existiam ainda cursos universitários para formaçãoespecífica em RI, portanto, não havia tampouco corpo docente ou depesquisadores dedicados primordialmente à área. O primeiro curso de

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graduação (bacharelado) em RI passou a existir na Universidade de Brasíliaa partir do primeiro semestre de 1974. O curso foi reconhecido oficialmentepelo Ministério da Educação em 1976, e no segundo semestre de 1977diplomava a primeira turma de bacharéis em RI no Brasil. A partir de 1980o então Departamento de Ciência Política e Relações Internacionais da UnBpassou a oferecer Curso de Especialização em América Latina — pós-graduação lato senso, com duração de um semestre letivo. O curso era oferecidocada dois anos, no período de 1980/90, com 20 alunos brasileiros e outros20 dos demais países latino-americanos e do Caribe. A iniciativa recebiaapoio da antiga SUBIN (absorvida posteriormente pela Agência Brasileirade Cooperação-ABC), da Organização dos Estados Americanos, doMinistério das Relações Exteriores e da CAPES/Ministério da Educação. Oprograma, que contava com a atuação de professores da UnB, de professoresvisitantes de outras universidades brasileiras e de países latino-americanos ecaribenhos, propiciou formação e intercâmbio de cerca de 240 participantes;proporcionou também valiosa experiência que se tornou útil no processo deimplantação, a partir de março de 1984, do Curso de Mestrado em RelaçõesInternacionais da UnB, o primeiro do País.

Nos últimos anos da década de 70, até o início de 1985, aUniversidade de Brasília promoveu, com certa regularidade, uma série deeventos internacionais, como simpósios, seminários e conferências, com aparticipação de professores e especialistas em Ciência Política e em RI, domais alto nível, como Karl Deutsch, Raymond Aron, Henry Kissinger, DavidApter, Robert Dahl, Giovanni Sartori, Norberto Bobbio, Ernest Gelner,F. A. Hayek, Leszek Kolakowski, Maurice Duverger, Hélio Jaguaribe, CelsoLafer, Gilberto Freyre, e outros. As contribuições apresentadas individualmentepela maioria desses conferencistas, que geralmente consistiam numaretrospectiva e apreciação de sua obra, foram transformadas em livros,publicados pela Editora UnB, que instituiu também a Coleção PensamentoPolítico, cujo primeiro número é o livro de DEUTSCH (1982), Análise dasRelações Internacionais. Essa coleção, constituída de trabalhos até entãoinéditos no Brasil, é de inegável importância para as Ciências Sociais emgeral, e para RI em particular. Outra iniciativa da Editora UnB foi a criaçãoda revista Relações Internacionais, que publicou trabalhos e artigos de autoresbrasileiros, assim como traduções de autores estrangeiros. Lamentavelmentea publicação da revista foi interrompida em meados da década de 80.

Os eventos internacionais promovidos pela UnB, de granderepercussão não só em Brasília, mas também no Rio de Janeiro e em SãoPaulo, onde muitos dos conferencistas do exterior participavam de atividades

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acadêmicas, previamente coordenadas com a UnB, assim como as atividadesda Editora UnB, com a publicação de obras fundamentais, até então inéditasno Brasil, representaram contribuição inestimável para a consolidação e oaprimoramento do programa de RI na UnB e, sem dúvida, em outrasinstituições do País.

De fato, poucos anos após a criação pela UnB do Curso de Mestradoem Relações Internacionais, o Instituto de Relações Internacionais daPontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro também passou a oferecerum programa de mestrado em RI. A USP criou e mantém em atividade oNúcleo de Pesquisa em Relações Internacionais e Política Comparada, quese dedica à pesquisa e oferece cursos de curta duração (especialização,extensão) e promove eventos como seminários, simpósios, debates, etc.O Ministério das Relações Exteriores criou o Instituto de Estudos deRelações Internacionas-IPRI, vinculado à Fundação Alexandre Gusmão, quepromove seminários e outros eventos, além de manter uma linha depublicações.

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III. O ESTADO DA ARTE

1. RI: Disciplina ou Campo de Estudos?

A expressão campo de estudos acadêmicos é utilizada basicamentecomo sinônimo de disciplina acadêmica, embora o conceito de disciplinapossa ser entendido como sendo mais preciso e mais restrito. Pelas suasraízes e características multidisciplinares, RI se caracteriza mais como umcampo de estudos do que propriamente como uma disciplina, que possuiobjeto de estudos mais claramente definido, a exemplo da Sociologia, daCiência Política, da Economia e de outras disciplinas das Ciências Sociais.Em parte por essa característica multdisciplinar e híbrida, uma preocupaçãoque dominou o estudo acadêmico de RI desde seus primórdios era estabelecersua autonomia em relação àquelas disciplinas que constituem suas principaisraízes, em particular a Filosofia, a História, o Direito e a Ciência Política.Desse modo, era nítido o esforço no sentido de demonstrar sua especificidadeem relação à Filosofia, esforçando-se para tornar RI mais científica e menosespeculativa; quanto à História, e mais precisamente a História Diplomáticaou das Relações Exteriores, considerada mais voltada para o registro dopassado, com características narrativas e descritivas, a preocupação era tornarRI mais analítica e mais explicativa. Para distinguir-se do Direito, cujasabordagens refletiam preocupação preponderantemente normativa, RItornou-se mais realista ou mais positivista. A fim de se distinguir da CiênciaPolítica, voltada basicamente para o estudo de fenômenos políticosdomésticos, isto é, dentro dos países, RI procurou combinar o político como econômico e o militar, ao mesmo tempo que elegia o sistema internacionalcomo seu principal objeto de análise.

2. Os ‘Grandes Debates’

Os chamados ‘grandes debates’ em RI teriam ocorrido entre idealistasvs realistas, nas décadas de 30/40; tradicionalistas (idealistas + realistas) vs‘cientistas’, nas décadas 50/60; estatocentristas vs transnacionalistas, neo-realistas vs neoliberais, nas décadas de 70/80; positivistas vs pós-positivistasnas décadas de 80/90.

Idealistas vs Realistas. Conforme já foi mencionado (CARR, 1939,1981), os utópicos/idealistas/liberais se inspiravam no otimismo iluminista

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do século XVIII, no liberalismo do século XIX e no idealismo de WoodrowWilson. De fato, um episódio marcante no movimento idealista/liberal foio discurso de Wilson perante o Congresso dos EUA, em 1918, no qual elepropôs a criação da Liga das Nações, a remoção de barreiras ao livre comércioe a promoção da auto-determinação dos povos. Inspirando-se nas doutrinasliberais de Rousseu, Stuart Mill e outros, Wilson esperava estabelecer asbases para uma nova ordem mundial, com paz e prosperidade.

Uma das principais críticas ao idealismo/liberalismo é que embora omovimento dominasse a retórica política e acadêmica no período de entre-guerras (1919-1939), pouco se logrou concretizar com suas propostas, sendoevidência disso o novo conflito mundial. O trabalho de Carr, publicadoquando a Europa já caminhava para a guerra, e de outros autores após a IIGuerra Mundial (MORGENTHAU, 1948) constituem peças fundamentaispara a consolidação do realismo nos anos que se seguiram à guerra.

Tradicionalistas vs Cientistas. A visão realista de mundo, aplicada àpolítica do século XX, era que o Estado seria o principal ator nas relaçõesinternacionais. Conflitos de interesses entre Estados seriam inevitáveis.Formuladores de política externa, pautados pela racionalidade e tendo emvista os interesses nacionais, não podiam deixar de ser realistas, uma vez queuma das principais preocupações do Estado seria sua própria sobrevivência,num ambiente internacional hostil. Para manter tais objetivos, nada maisimportante do que a aquisição e a preservação do poder nacional. Portanto,basicamente conservadores, os realistas se preocupavam com a segurançanacional e a manutenção de forças militares necessárias para a sustentaçãodas iniciativas diplomáticas.

Os tradicionalistas se identificam com a ‘escola clássica’, e com a‘escola inglesa’; ambas coincidem com a visão de Martin Wight, quando elepropõe que a política internacional poderia ser vista sob três tradições: realista(maquiaveliana), racionalista (grotiana) e ‘revolucionária’ (kantiana). Na óticados tradicionalistas, RI constitui “uma disciplina humanista de pleno direito,envolvendo uma perspectiva simultaneamente filosófica, histórica, jurídicae sociológica. Não é e jamais poderia ser matéria estritamente científica outécnica” (PEIXOTO, 1997, P. 29). Esta é, aliás, a posição exposta por BULL(1966) em trabalho que se tornou famoso pela ardente defesa da escolaclássica e contundentes críticas aos ‘cientistas’ (behaviouralists), cuja defesa éfeita por KAPLAN (1996), em artigo subseqüente, publicados ambos emWorld Politics.

A proposta da corrente behavaviouralist, que em RI alcança seu apogeunas décadas de 1950/60, era tornar RI uma disciplina científica, com

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capacidade de explicar e predizer os problemas e questões estudadas o que,segundo a referida corrente, não era possível através das abordagenstradicionalistas, que não ofereciam instrumentos teóricos e analíticos,limitando-se aos estudos descritivos e muitas vezes prescritivos ou normativos.A proposta se orienta pelo positivismo de Auguste Comte, que por sua vezadvoga o uso de métodos empregados nas ciências físicas e naturais tambémno estudos de questões sociais. A abordagem visa à observação sistemáticados problemas estudados, detendo-se preferivelmente nos aspectosquantificáveis, permitindo assim maior ênfase no rigor científico. Com baseem tais observações, procura elaborar modelos, inclusive matemáticos,formular generalizações e construir teoria.

Estatocentristas vs Transnacionalistas. Há referência na literatura aum debate subseqüente, que teria ocorrido entre estatocentristas etransnacionalistas. O primeiro grupo incluiria realistas e tradicionalistas,enquanto que os transnacionalistas incluiriam idealistas e behaviouralists, eadmitiriam a existência de outros atores importantes no cenário internacionalalém do Estado. Esse debate teria ocorrido nos anos setenta e por isso mesmoseria de particular importância tendo em vista o clima político da época —détente, além de ser uma espécie de precursor da orientação pluralista, quese desenvolveria na década seguinte, bem como do chamado neoliberalismoque surgiria nos anos 90 (SMITH, 1995).

Dava-se ênfase ao estudo de regimes e de instituições internacionais,quanto ao objeto de análise, e à abordagem quantitativa quanto à orientaçãometodológica. O transnacionalismo se concentrou mais nos estudos deeconomia política, seguindo a ótica liberal, o que provocou críticas dascorrentes nacionalista e estruturalista, a primeira identificada com o realismoe a segunda com o marxismo. Com mudanças no cenário internacional, apartir dos anos 80, quando se observa um breve retorno ao clima de GuerraFria, os transnacionalistas veriam enfraquecidos muitos dos seus argumentos(SMITH, 1995).

Neo-realistas vs Neoliberais. Em muitos aspectos, este debate seriauma continuação daquele ocorrido entre estatocentristas vs transnacionalistas,embora com características mais comuns ao pluralismo, que se desenvolveriaposteriormente. BALDWIN (1993) destaca seis pontos de divergência entreas duas correntes:

1. Natureza e conseqüência da anarquia internacional: os neo-realistas acreditam, mais do que os neoliberais, que a segurança físicaconstitui a maior motivação para as ações do Estado;

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2. Cooperação internacional: os neo-realistas consideram difícilde se alcançar a cooperação internacional, em virtude da constanteluta pelo poder e a preocupação de cada Estado com seus própriosinteresses; os neoliberais se mostram mais otimistas quanto àpossibilidade de se alcançar esse tipo de cooperação;

3. Ganhos resultantes da cooperação internacional: os neo-realistas acreditam que a cooperação internacional só resultaria emganhos relativos, ao passo que os neoliberais acreditam em ganhosabsolutos;

4. Problemas centrais: os neo-realistas tendem a considerar asegurança nacional como problema central, enquanto que osneoliberais se preocupam mais com a compreensão de questões deeconomia política internacional, de modo que as duas tendênciastêm perspectivas bastante diferences quanto à cooperação;

5. Capacidade, intenções, percepção : os neo-realistasconcentram-se em capacidades demonstradas (capabilities), enquantoque os neoliberais se voltam mais para as intenções e percepções;

6. O papel das instituições: os neoliberais acreditam que asinstituições são capazes de contribuir para minimizar o problema daanarquia, enquanto que os neo-realistas duvidam dessa capacidadedas instituições.

Não obstante sua aparente importância, tanto por aspectos substantivoscomo pela sua contemporaneidade, sérias limitações têm sido apontadasquanto às duas perspectivas e ao próprio debate. Uma dessas limitaçõesrefere-se à maneira enviesada e etnocêntrica que as duas visões refletem.Segundo SMITH (1995), trata-se essencialmente de um debate ‘ocidental’ou até mesmo do Atlântico Norte, uma vez que ele reflete visão norte-americana da política internacional, visão específica e excludente.

O Debate Interparadigmático. A expressão aparece em trabalhos deBANKS (1984, 1985) e procura refletir o estado da teoria de RI a partirdos anos 80, quando nenhuma abordagem se mostrava dominante; surgemassim novas alternativas ou versões modificadas de alternativas já existentes:(1) realismo/neo-realismo (ou realismo estrutural), (2) liberalismo/pluralismo, (3) globalismo/neomarxismo/estruturalismo. Vários autorespassam a usar tais classificações ou versões modificadas, como é o caso deVIOTTI & KAUPPI (1993), que utilizam as categorias realismo/pluralismo/globalismo, inspirados em RESENAU (1982), que usa os termos state-centric (realismo), multi-centric (pluralismo) e global-centric (globalismo).

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Essa classificação tem sido alvo de críticas, principalmente pelatendência de se identificar cada uma delas com aspectos específicos dasrelações internacionais: realismo com guerra e paz, liberalismo/pluralismocom regimes e instituições, e gloglobalismo (neomarxismo/ estruturalismo)com pobreza e subdesenvolvimento. Além disso, há muita diversidade deposições dentro de cada categoria. Outra advertência é que a expressão ‘debateinter-paradigmático’ transmite a impressão de que de fato houve, ou temhavido, ‘debate’ entre os três paradigmas, ou entre alguns de seusrepresentantes, quando na realidade isso não tem ocorrido. Cada grupo (ou‘paradigma’) tende a cultivar seus próprios interesses e desenvolver seu próprioprograma de pesquisa, formando seus próprios adeptos, que se apoiam ecitam-se mutuamente e possivelmente tomam pouco conhecimento dos‘paradigmas’ ou grupos potencialmente rivais. Na ausência de debate, haveriapouca possibilidade de evolução no plano teórico. De acordo com SMITH(1995, p. 18-21), isso demonstra que o debate interparadigmático escondeo domínio do realismo em RI e, ao mesmo tempo, seria uma maneira efetivade marginalizar vozes dissidentes.

Positivismo vs Pós-positivismo. Nas últimas quatro ou cinco décadasos estudos de RI (publicados principalmente nos EUA ou influenciadospela visão norte-americana) têm sido dominados pelo positivismo, que refleteuma visão unificada da ciência e a adoção de uma metodologia das ciênciasfísicas e naturais (ou exatas) para analisar os fenômenos sociais. Comoresultado, têm se intensificado as críticas ao positivismo em RI, manifestadasatravés de vários grupos, que se auto-intitulam representantes do pós-positivismo. Alguns desses grupos se identificam com o chamado pós-estruturalismo francês (Foucault, Derrida, Baudrillar e outros); ao passoque outros se identificam com a Teoria Crítica da Escola de Frankfurt. SMITH(1995, p. 24-26) considera-os como “grupos de posicionamento difuso”:

1. Teoria Crítica: para essa corrente, todo conhecimento acercada realidade deve ser compreendido dentro de um contexto deinteresses, conforme propõem membros da Escola de Frankfurt, emparticular Jürgen Habermas. Ao contrário do que defendem ospositivistas, conhecimento não é neutro; a ênfase na solução deproblemas, do positivismo, deve ser substituída por uma TeoriaCrítica, ciente dos interesses políticos que ela representa ecomprometida abertamente com emancipação; alguns dosrepresentantes dessa corrente são COX (1987), HOFFMAN (1987),LINKLATER (1992);

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2. Sociologia Histórica: tem raízes na convergência da Sociologiacom RI; de acordo com alguns sociólogos engajados nessa corrente(MANN, 1993; TILLY, 1990; SKOPCOL, 1979), o Estado,construído como resultado da guerra, é o produto da interação entreforças internas e externas, o que contraria as propostas dos realistas/neorealistas, que acreditam no poder das forças externas comodeterminantes da conduta do Estado;

3. Movimentos Feministas: essa categoria é ampla ediversificada, o que torna difícil identificar pressupostos comuns;entretanto, o tema central tem sido a ‘construção do gênero’, sob aalegação de que a teoria de RI tem ignorado a questão; algunsrepresentantes do grupo são: ELSHTAIN (1987), que discute ecompara as óticas masculina e feminina quanto à questão da guerra,PETERSON & SOSSOM RUNYAN (1993), que examinam asdesigualdades entre os gêneros, em bases mundiais;

4. Abordagens Pós-Modernas: as principais fontes dessacorrente são Foucault, Derrida, Nietzche, Heidegger; atacam asnoções de realidade, verdade, estrutura, identidade; posicionam-secontrariamente ao Iluminismo, negando a idéia de progresso eopondo-se ao papel homogeneizador da modernização; examinamcomo a linguagem, modelos e paradigmas modelam o mundo;algumas contribuições dessa corrente: são DERIAN (1992),COCHRAN (1995).

Como fica evidente, os pressupostos dessas correntes sãofundamentalmente distintos da orientação positivista. Entretanto, hádivergências entre elas, sobretudo metodológicas, e elas são mutuamenteincompatíveis, dificilmente combináveis. O que as une é precisamente opropósito de construir uma teoria de RI como alternativa ao positivismo,considerado uma filosofia simplista que serve apenas de alicerce para orealismo e suas vertentes. No entanto, elas não oferecem essa desejadaalternativa.

Teoria Constitutiva vs Teoria Explicativa. Algumas abordagensbuscam oferecer explicação da realidade, dos fenômenos estudados em RI(na tendência causa>efeito, ou antecedente>conseqüente), enquanto outrasvêem o conhecimento como constitutivo da própria realidade. No fundo,trata-se de diferenças de visão de mundo: ou o mundo social se encontrafora da realidade ou é determinado por ela. A maioria dos estudos dos pós-modernistas, da Teoria Crítica e dos escritos feministas, se encaixa na última

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categoria, enquanto praticamente toda a literatura do realismo (e suasvertentes), pluralismo e neomarxismo, se identifica com a abordagemexplicativa.

SMITH (1995, p. 28-29) destaca que no seio da abordagemconstitutiva surgiram duas outras vertentes, com epistemologias diferentes:as teorias ‘fundacionalistas’ e ‘anti-fundacionalistas’. Segundo ainda Smith,esse debate seria de grande importância para o futuro da teoria de RI. “Pormuito tempo, sob a sombra do positivismo, as relações internacionais foramdominadas pela teoria explicativa que tinha por base uma visão antiquada efundamentalmente contestada tanto pelo conteúdo da teoria internacionalquanto pela natureza da pesquisa no campo social. Enfocar o debatefundacionalismo/anti-fundacionalismo trás a teoria internacional de volta aum lugar mais humilde e mais central dentro das ciências humanas.”

Construtivismo Social vs Neo-utilitarismo. Nos últimos 10 anos oupouco mais têm surgido na literatura de RI estudos enfocando uma ‘nova’abordagem analítica conhecida como ‘construtivismo social’. Nas palavrasde RUGGIE (1998, p. 856), construtivismo “trata da consciência humanae de seu papel na vida internacional” Em oposição declarada ao neo-utilitarismo (neo-realismo + institucionalismo neoliberal), construtivistasalegam “que não apenas as identidades e os interesses de atores sociais sãoconstruídos socialmente, mas que eles compartilham também vários fatores‘ideacionais’ que emanam da capacidade e da vontade humana sobre asquais escreveu Weber”. O construtivismo social se inspira em estudossociológicos de Max Weber, Emile Durkheim e Georg Simmel, e se colocacomo um novo desafio ao neo-utilitarismo, que por sua vez se inspira naspropostas de filósofos e economistas ingleses do século XIX, como JeremyBehtham e John Stuart Mill. Em termos sucintos, para os utilitaristas,determinada ação é considerada correta se ela tende a promover felicidade eincorreta se tende a produzir efeito contrario; mas não apenas a felicidadedo ator responsável pela ação, e sim de todos que são direta ou indiretamenteafetados por ela.

Conforme escreve RUGGIE (1998, p. 856), o construtivismo“permanece mais uma perspectiva filosófica e teórica ...uma abordagem aoestudo empírico de relações internacionais.” Nenhuma teoria geral doconstrutivismo social encontra-se disponível em outras disciplinas e osconstrutivistas de RI ainda não conseguiram formular sua própria teoria, oque até certo ponto confirma críticas feitas por GOLDSTEIN & KEOHANE(1993), ou seja, que o construtivismo ainda permaneceria mais como “umaexpressão de frustração” do que um programa viável de pesquisa. Portanto,

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uma das prioridades do ‘projeto construtivista’ seria prosseguir com novosestudos empíricos visando à construção teórica. Mas apesar das reconhecidaslimitações, proponentes dessa corrente acreditam ser legítimo o desafio queoferecem à pressuposição do neo-utilitarismo, segundo a qual as identidadese interesses do Estado são exógenos e pré-existentes; enquanto que para osconstrutivistas os interesses do Estado são endógenos e socialmenteconstruídos.

3. A Auto-Imagem de RI

Passadas cerca de oito décadas desde sua inserção formal na academia,RI é hoje, inegavelmente, um campo de estudos consagrado e comsignificativo e amplo acervo de conhecimento acumulado. RI constitui campode estudos multidisciplinar, com preocupação científica e com contribuiçõesteóricas, metodológicas e substantivas, mas ao mesmo tempo exibe tambémpreocupação normativa e de aplicação prática, mais característica de algumasáreas que podem ser consideradas, ao mesmo tempo, como sub-áreas de RIe de outras disciplinas, como é o caso de Direito Internacional e DireitosHumanos, que inegavelmente podem ser consideradas como sub-áreas tantode RI como de Direito; ou de Economia Política Internacional e de ComércioInternacional, que, sob a ótica de RI, procuram combinar a análise políticacom a análise econômica.

Entretanto, para muitos autores RI, como campo de estudos, temestado fragmentado, refletindo uma constante ‘fermentação’ que conduziriaa um verdadeiro caos conceitual, com um ‘grande debate’ após o outro,insistindo repetidamente sobre proposições e controvérsias intermináveis,sem no entanto chegar a conclusões relevantes. O campo continuariadominado por duas ou três escolas ou abordagens teóricas, caracterizadaspor profundas e irreconciliáveis diferenças, inclusive com respeito a seu objetode estudos. Paralelamente a esse caos teórico, haveria também incertezasmarcantes no que se refere à epistemologia de RI. Muitos estudiosos tendem,por exemplo, a confundir explicação com o uso de métodos quantitativos,quando se poderia aceitar explicações to tipo causal sem que as mesmassejam condicionadas ao uso de testes estatísticos sofisticados e rigorosos.

De acordo ainda com essa tendência, RI como um campo de estudos,pareceria refletir, neste início de milênio, a própria confusão reinante nocenário mundial, resultante das profundas transformações na macroestruturamundial que RI procura estudar mas não disporia de ferramentas teóricas e

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metodológicas para compreender adequadamente e muito menos explicar epredizer. Entretanto, alguns estudiosos têm procurado mostrar que essaauto-imagem de caos substantivo, e aparente pobreza teórica e metodológica,seria exagerada. Argumentam esses estudiosos que o campo de RI apresentaum paradoxo, pois, exibe uma certa ‘robustez mascarada de fraqueza’. Emoutras palavras, RI como campo de estudos acadêmicos tem estado, pormuito tempo, em melhor forma do que sugere sua auto-imagem.

No Brasil verifica-se, nos últimos anos, uma verdadeira proliferaçãode cursos de graduação em RI, a exemplo do que ocorreu nos EUA logoapós a II Guerra Mundial, evidentemente, em menores proporções. Essasituação é, pelo menos em parte, reflexo das macrotransformações que vêmocorrendo no mundo inteiro, sobretudo a partir do final da década deoitenta.3 Todos esses acontecimentos contribuíram para acelerar o processode globalização da economia, com reflexos no mundo inteiro e também noBrasil, cuja política de maior inserção no contexto regional, com oMERCOSUL e outros esforços de integração na América do Sul, e no sistemamundial, vem exigindo maior presença internacional do País, tanto nacondição de global trader, como na de aspirante a global player.4 Todo esseprocesso de transformações, sem dúvida, sinaliza maior demanda por recursoshumanos qualificados, não somente em RI propriamente mas também emalgumas de suas sub-áreas, como por exemplo economia políticainternacional, comércio internacional, integração e cooperação regional,processos de negociação internacional, recursos humanos, meio ambiente,etc., o que seguramente tem estimulado o surgimento desses novos cursos.

Ressalte-se, no entanto, que a grande maioria dos novos cursosmantém currículos claramente deficientes; é também inegável a carência depessoal docente qualificado, especialmente tendo em vista a inexistência decurso de doutorado em RI no País e as pesquisas e publicações tendem aconstituir esforços individuais de docentes ou pesquisadores, mesmo porquetem sido bastante limitado o apoio das agências financiadoras aos programasde RI já existentes, não obstante a tradição acadêmica e a boa reputação quejá alcançaram, no Brasil e no exterior. Outra limitação imposta à área de RIé a falta de material didático produzido e publicado no Brasil, o que obrigaprofessores e alunos a valerem-se de textos em inglês, publicados no exterior(a grande maioria nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha), voltadosnaturalmente para as suas próprias realidades e necessidades, e de custoelevado para professores e estudantes brasileiros.5

A produção intelectual brasileira dedicada especificamente á área deRI (não incluindo áreas afins ou sub-áreas como História das RI, Direito

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Internacional, Direitos Humanos), já é relativamente numerosa. Há tambémdisponibilidade razoável de periódicos dedicados à área ou que aceitamtrabalhos de RI.6 Alguns programas de mestrado e doutorado em CiênciaPolítica e Sociologia (IUPERJ, USP) também apresentam contribuiçãoimportante, com teses e dissertações, resultantes do processo de formaçãode uma massa crítica de cientistas sociais que atuam na área de RI. Hátambém os dois programas de mestrado em RI (UnB e PUC-Rio) que,juntos, já produziram perto de duas centenas de dissertações.

Um exame preliminar dessa literatura (livros, artigos, dissertações,algumas teses) revela que predominam os trabalhos de natureza narrativa-descritiva-ensaística. São relativamente poucos os trabalhos calcados empesquisa empírica, de natureza sistemática; com raras exceções, tampoucorefletem tais estudos interesse em construção teórica, ou mesmo no uso deabordagens teórico-metodológicas presentes na literatura internacional háalgumas décadas. Essa tendência em favor do narrativo-descritivo-ensaístico,marca trajetória contrária à que se observa com os estudos divulgados empaíses com mais longa tradição de ensino e pesquisa em RI, que tendem aprivilegiar trabalhos de natureza empírica, analítica, explicativa e preditiva.7

4. Desafios

O estudo acadêmico de RI começou com a tentativa de se analisar ascausas da guerra, e como desenvolver meios de reduzir sua ocorrência nofuturo. Desde então a agenda se expandiu para incluir várias questõesimportantes, de natureza analítica, metodológica e substantiva . E na medidaque o mundo se transforma, mudam também as questões relevantes em RI.Pode-se dizer que o desenvolvimento da área na Academia é o produto depelo menos três influências concêntricas: (1) mudanças e debates dentro daprópria área de RI, (2) o impacto de eventos importantes a nível mundial,(3) a influência de idéias novas nas Ciências Sociais. Os principais eventosno século XX (as duas guerras mundiais e a Guerra Fria) influenciaram oestudo de RI tanto quanto suas disputas internas, como os chamados ‘grandesdebates’ e os debates interparadigmáticos.

Portanto, RI vive hoje uma terceira fase (ou onda, como propõeBOBROW, 1999) de um longo processo. A primeira fase desse processoteve início logo após a I Guerra Mundial. Paralelamente ao interesse acadêmicopor questões de guerra e paz, o período se caracterizou também pormovimentos de mobilização, nacionais e internacionais, em prol de um

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mundo pacífico e justo. Com a Grande Depressão Econômica e o surgimentode regimes totalitários na Europa e no Japão, o clima de otimismo e esperança(segundo críticos, de utopia) então existente transforma-se gradativamente,na medida em que o mundo caminhava para um novo conflito.

A segunda onda se inicia com o fim da II Guerra Mundial. Mais umavez o interesse acadêmico se concentra em grandes questões relacionadascom paz e guerra, mas emergem também outros interesses, como amaximização do poder nacional e a segurança; democracia, políticasdomésticas, descolonização, ideologia, desenvolvimento. Aprofundam-se asdivergências Leste-Oeste, o que leva à formarção de alianças (OTAN, Pactode Varsóvia); a Ásia passa a ter, também, papel importante nas RI.

A terceira onda começa com o fim da Guerra Fria. Intensificam-se oprocesso de globalização da economia e a revolução na tecnologia dainformação, ao mesmo tempo em que se acentuam as diferenças entre omundo desenvolvimento e os demais países, assim como a busca pelaidentidade nacional, gerando conflitos em várias regiões. Muitos dos temasimportantes nessa terceira onda representam continuidade das fasesanteriores, em termos teóricos, metodológicos e substantivos, mas há tambémnovos desafios e um renovado dinamismo.

No Brasil, a área de RI passa também por uma nova onda, deexpansão, dinamismo e otimismo.8 É esta, portanto, a oportunidade de serepensar o direcionamento a ser dado à produção intelectual da área, quedeve se preocupar também com a produção de conhecimento novo, inclusivena área didática, não se limitando simplesmente à utilização e transmissãode conhecimento já disponível, gerado em outros contextos, comcaracterísticas socio-culturais, políticas e econômicas distintas. A expectativanão é, necessariamente, a criação de ‘novos’ modelos, paradigmas, abordagens,mas a utilização crítica, seletiva, de ferramentas teórico-metológicas jádisponíveis.9 Esse esforço contribuiria também para elevar qualitativamenteo padrão de ensino, na medida em que se torne mais viável ainterdependência entre ensino, pesquisa e produção científica.

Pela sua tradição e qualificação de seu corpo docente, a UnB temcondições de manter seu pioneirismo, tornando-se núcleo gerador e deirradiação de conhecimento e inovação em RI, sobretudo em áreas que noBrasil ainda não foram estudadas de maneira sistemática e com a necessáriaprofundidade. Para enfrentar esses desafios não se necessitam de grandesinvestimentos em laboratórios, por exemplo, mas sim de determinação e deuma atitude comprometida com a interdependência entre ensino e pesquisa.Na medida em que tais desafios sejam superados, torna-se mais viável o

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apoio de agências financiadoras de pesquisa e de aperfeiçoamento didático,tanto do Brasil como do exterior. Vencer esses e outros desafiados irá, semdúvida, contribuir também para a consolidação de uma auto-imagem positivade RI.

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NOTAS

1 Em sua dissertação de mstrado, DORÉ (1996) examina com pormenores as contribuiçõesde Dante (e também de Guillaume de Rubrouck e Marco Polo) para o estudo das relaçõesinternacionais.

2 Durante vários anos a RBPI foi mantida e dirigida por Cleantho de Paiva Leite. Com o seufalecimento a revista foi transferida para Brasília onde vem sendo publicada a partir dovolume XXXVI, no. 1 (jan-jun 1993), ainda sob os auspícios do Instituto Brasileiro deRelações Internacionais.

3 Macrotransformações refere-se aqui aos acontecimentos históricos marcantes, como oprocesso de abertura iniciado por M. Gorbachev, com a perestroika e a glasnost, que culminoucom a desintegração da União Soviética, a dissolução do Pacto de Varsóvia e do COMECOM,a queda do muro de Berlim e a unificação da Alemanha, mudanças nos países da EuropaCentro-Oriental, e o fim da Guerra Fria.

4 De fato, o País vem tendo maior presença e obtendo maior visibilidade internacional, comodemonstram pronunciamentos do Presidente da República e do ministro das RelaçõesExteriores, em diferentes ocasiões, como foi o caso do discurso de abertura da AssembléiaGeral da ONU em 1999, de cunho mais assertivo quanto às posições do Brasil em questõescomo a do Timor Leste. Outros episódios semelhantes referem-se a contenciosos com osEUA (sobre patentes de produtos farmacêuticos) e com o Canadá (sobre o contenciosorelacionado à venda de aviões — Embraer vs Bombardier), nos quais o Brasil tem mantidoposições consideradas, em geral, menos tímidas do que no passado recente.

5 Em 1995 a CAPES criou um ‘comitê provisório’ para a área de RI. Esse comitê, que reuniarepresentantes de quase todas as instituições que mantêm algum tipo de programa de ensinoe pesquisa em RI, reuniu-se na CAPES várias vezes num período de cerca de 12 meses,tendo apresentado algumas recomendações dentre as quais incluia-se uma ação conjuntados principais órgãos financiadores do governo federal — CAPES, CNPq, FINEP — nosentido de criar um programa especial de apoio à área de RI. Como primeira iniciativa nessadireção, a CAPES, através de Edital Público, financiou um Projeto Especial de apoio aoensino, à pesquisa e a eventos de RI, em todo o País. Entretanto, por razões até hoje nãodivulgadas, o Projeto não teve continuidade.

6 Além da RBPI, mencionada no texto, Contexto Internacional (PUC-Rio) e Politica Externa(NUPRI-USP-Paz e Terra), são periódicos dedicados primordialmente a RI. Os seguintesperiódicos, embora dedicados principalmente a outras áreas, publicam ocasionalmentetrabalhos de RI: Boletim da Sociedade Brasileira de Direito Internacional, Dados, RevistaBrasileira de Estudos Políticos e Parcerias Estrataégicas.

7 Essa observação pode ser verificada ao se comparar, por exemplo, o conteúdo do númeroespecial da RBPI (Ano 41, Especial 40 anos, 1958-1998), com números especiais de trêsperiódicos publicados nos EUA e um na Grã-Bretanha: World Politics (1997) e InternationalOrganization (1998), ambos comemorativos dos 50 anos das respectivas revistas, InternationalStudies Review (1999), da International Studies Association, comemorativa da entrada domilênio, e The Eighty Years’ Crisis. International Relations 1919-1999 (1998), publicadosob os auspícios da British International Studies Association-University of Wales Aberystwythe, como indica o título, em comemoração dos 80 anos da criação da primeira cadeira deRelações Internacionais na Universidade de Wales (1919) e dos 60 anos da publicação dolivro de CARR, The Twenty Years’ Crisis: 1919-1939. Não obstante o bom nível intelectualdos trabalhos, no Número Especial da RBPI predomina o estilo narrativo-descritivo-

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ensaístico, com ênfase no passado, refletindo naturalmente a tendência geral da literaturabrasileira de RI. As contribuições das demais revistas se voltam para o presente e para ofuturo, predominando o estilo analítico-explicativo-preditivo, com forte embasamentoteórico-metodológico.

8 Uma evidência desse dinamismo, acompanhado de otimismo, foi a criação, em 1999/2000,do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais-CEBRI, com sede no Rio de Janeiro, nosmoldes do Council on Foreign Relations, do Royal Institute of International Affairs e do Institutefrançais de rélations internationales. A expectativa é que a nova entidade irá “ajudar a repensare redefinir o interesse nacional”. Os resultados dos estudos que realizará irão alimentar osformuladores e implementadores da política externa brasileira, com o propósito de influenciarseu processo decisório.

9 Parte desse trabalho já começa aparecer nas dissertações de mestrado mais recentes do cursode RI da UnB. Mas é preciso ir além, especialmente em se tratando de trabalhos de docentese pesquisadores.

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