REFLEXÕES E AÇÕES ACERCA DO USO DE MATERIAL
MANIPULÁVEL NO ENSINO DE NÚMEROS E OPERAÇÕES
1FLÁVIA CHERONI DA SILVA
2 JOÃO CESAR GUIRADO
Resumo
Este artigo traz alguns resultados sobre o saber docente de professores de matemática da rede pública estadual do Paraná para ensinar números e operações. Prevê uma análise reflexiva sobre a prática docente em Sala de Apoio Pedagógico de Matemática e revela problemas no entendimento do Sistema de Numeração Decimal. Se apoia nos estudos da Educação Matemática, sugere o uso de diferentes representações para abordar os conceitos matemáticos e enfoca a importância do caráter manipulativo como auxílio à compreensão, ao estímulo e à abstração. Também investiga o uso de materiais manipuláveis em sala de aula, bem o conhecimento e a segurança de professores para bem usá-los. Discuti ações que podem contribuir no processo de compreensão dos conceitos e busca a superação de dificuldades de aprendizagem matemática oriundas da falta de entendimento do sistema de numeração decimal. Prevê a necessidade da estimulação das conexões neurais, que pode ser fortalecida ou não, a depender da qualidade de intervenção pedagógica.
Palavras-chave: Educação Matemática. Materiais Manipuláveis. Sistema Numérico Decimal.
Operações fundamentais. Formação de Professores.
1 Introdução
A produção deste artigo é fruto dos estudos desenvolvidos pela autora
enquanto participante do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE/ 2012,
que se constitui em um dos programas de formação continuada ofertados pela
Secretaria de Estado e Educação do Paraná.
Teve como objeto de estudo, professores do ensino fundamental do Núcleo
Regional de Educação de Maringá, que atuam com alunos do 6º ano e em Sala de
Apoio à Aprendizagem de Matemática. Objetivou promover a reflexão crítica sobre o
uso de materiais manipuláveis para a aprendizagem dos conteúdos matemáticos,
bem como estudar alguns materiais do ponto de vista pedagógico, oportunidade em
que foram discutidos alguns problemas/vícios de linguagem, bem como de
representação.
1 Professora da Rede Pública Estadual – SEED - Paraná. Licenciada em Matemática. Especialista em
Educação Matemática. Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência e a Matemática - UEM. 2 Professor Adjunto D do Departamento de Matemática da Universidade Estadual de Maringá.
Tal implementação, se deu por meio de curso de extensão, em que os
encaminhamentos metodológicos para o trabalho com o Sistema de Numeração
Decimal foram amplamente discutidos e os construtos teóricos que apoiam esta
utilização, devidamente estudados. A análise provocou discussões de que a
matemática é abstrata e existe apenas no mundo das ideias. Gerou reflexão quanto
ao cuidado com o ensino e com o nível de abstração e formalização que se exige e
que, geralmente, está acima do alcance intelectual de entendimento da criança.
Trouxe à tona a grave consequência, de que os alunos “decoram” os procedimentos
para alcançar os resultados esperados. Dessa forma, não assimilam os conteúdos,
apenas passam por eles e quando precisam recordar os procedimentos de
resolução em séries posteriores já não se lembram mais como proceder, porque não
houve assimilação.
Confirmando e trazendo explicações para tais fatos, a teoria dos Registros de
Representação Semiótica, de Raymond Duval, abarca este contexto, quando afirma
que o uso de diferentes registros para ensinar um mesmo objeto matemático,
contribui para o entendimento do conteúdo e permite que as informações conceituais
sejam apreendidas e não apenas decoradas. A hipótese é de que a mudança e a
adequação da prática pedagógica devem ser acompanhadas de um esforço
sistemático que ajude o professor a repensar a forma como a matemática está
sendo ensinada. As reflexões e investigações vincularam teoria e prática em um
movimento contínuo de ação e reflexão sobre o conteúdo estruturante: Números e
Álgebra.
2 Fundamentação Teórica
A falta de interesse, a desmotivação, o descaso com a escola, a
aprendizagem fragmentada, as dificuldades e a falta de pré-requisitos de uma série
para a outra, tem sido algumas das causas de preocupação de pesquisadores da
Educação Matemática. Há necessidade de reunir os elementos da didática de forma
mais estratégica e mais metodológica para amenizar o problema da falta de
entusiasmo pedagógico que leva ao fracasso escolar. A falta de atenção tem
comprometido o processo de ensino e aprendizagem, em consonância com a falta
de estratégias inovadoras e de recursos didáticos significativos que motivem e deem
significado concreto ao que se está ensinando. De acordo com Moran:
Um dos grandes desafios para o educador é ajudar a tornar a informação significativa, a escolher as informações verdadeiramente importantes entre tantas possibilidades, a compreendê-las de forma cada vez mais abrangente e profunda e a torná-las parte do nosso referencial (MORAN, 2012, p.23).
A Matemática tem sido considerada a disciplina que mais reprova alunos. As
avaliações externas também mostram índices alarmantes quanto à aprendizagem,
interpretação e aplicação de conceitos matemáticos. Diante dessa premissa, é
importante ter um olhar mais atento para este problema e tentar buscar soluções
que colaborem para uma escola pública de qualidade. Há uma série de fatores que
sustentam esta problemática, inclusive o que mostra que o progressivo avanço da
ciência também interfere diretamente na escola, pois a compreensão do mundo vem
assumindo caráter globalizante e o saber tem transformado a informação em
complexidade.
Vivemos na sociedade do conhecimento e a expansão rápida das
informações compromete a capacidade de abrangência. Tais fatos justificam e
evidenciam a importância da constante atualização e contínua aprendizagem do
professor que está diretamente ligada aos conteúdos, como produto social.
Dessa forma, a matemática também é complexa, é abstrata e os entes
matemáticos são apenas ideias. À luz desse fato, se desenvolvem as pesquisas na
área da Educação Matemática, que tentam tornar o ensino desta disciplina acessível
a todos.
A aprendizagem matemática consiste em criar estratégias que possibilitam ao aluno atribuir sentido e construir significado às idéias matemáticas de modo a tornar-se capaz de estabelecer relações, justificar, analisar, discutir e criar. Desse modo, supera o ensino baseado apenas em desenvolver habilidades, como calcular e resolver problemas ou fixar conceitos pela memorização ou listas de exercícios (Diretrizes Curriculares da Educação Básica do Estado do Paraná, 2008, p.45).
Numa perspectiva dialética, na tentativa de superar as pedagogias
tradicionais, há necessidade que a escola busque a sua identidade, garantindo o
respeito pela interculturalidade e o reconhecimento de que as relações sociais
interconectadas favorecem a inovação educacional. A escola de hoje exige uma
constante adaptação e, para manter o equilíbrio, é preciso agir. A mudança da
postura do professor é, prioritariamente, a mais importante.
A fixação, pelo aluno, de conceitos já ministrados em aula também
necessita de uma motivação. Sabemos que no dia-a-dia das escolas,
principalmente nas aulas de matemática, é corriqueira a utilização de longas
e cansativas listas de exercícios do tipo “faça como o modelo”, gerando nos
alunos desânimo e a desistência por participarem desse movimento de
aprendizagem das aulas (ALVES, 2001, p.58).
É preciso mudar o foco da educação tradicional, desmistificando a ação
pedagógica na sua intencionalidade mecânica e abstrata. Assim, não há como se
pensar em ensino e aprendizagem de matemática usando apenas um tipo de
representação.
Partindo dessas premissas, articuladas à necessidade de pensar em
diferentes maneiras de abordar um mesmo conteúdo, a ponto de superar as
defasagens pedagógicas diagnosticadas, na vivência escolar, surge a real
necessidade de estudar e entender os problemas decorrentes do não entendimento
do Sistema de Numeração Decimal (SND). Tal conteúdo é a base de toda
aprendizagem matemática e está estreitamente ligado na dificuldade em usar os
algoritmos e resolver situações-problema relacionadas às operações de adição,
subtração, multiplicação e divisão. Parra (1996) afirma que os professores precisam
se esforçar e ter cuidado com a simples memorização ao ensinar o SND. Neste
momento, é crucial trabalhar para vencer essas dúvidas que vão se tornando ainda
maiores, caso não sejam resolvidas. Desse modo, há a necessidade de planejar
cuidadosamente o conteúdo e usar diferentes recursos para materializar os
conceitos.
Damm (2012, p.167) escreve que “existe uma preocupação muito grande
entre os pesquisadores em Educação Matemática com a aquisição do
conhecimento, com a forma como se processa a aprendizagem”. A autora defende a
ideia de se usar como ferramenta de análise desta problemática que rodeia o
cenário escolar, os Registros de Representação Semiótica, como caminho eficaz
para facilitar a compreensão do conhecimento. A teoria dos Registros de
Representação Semiótica tem origem na Didática da Matemática da França e é de
autoria do filósofo e psicólogo Raymond Duval. Em todos os seus estudos, ele
enfatiza o funcionamento cognitivo, principalmente na matemática e nos problemas
de aprendizagem específicos da disciplina. O significado de representações
semióticas é dado por Duval:
[...] são produções constituídas pelo emprego de signos pertencentes a um sistema de representação os quais tem suas dificuldades próprias de significado e de funcionamento (DUVAL, 1993, p. 39).
A teoria de Duval tem sido cada vez mais utilizada, pois vai ao encontro de
uma necessidade do cenário educacional escolar que incide na problemática das
dificuldades de aprendizagem. Dentre as diversas representações, está o material
manipulável.
Lorenzato (2009) aponta o material dourado3 como um material didático
adequado para resolver essa dificuldade relacionada ao Sistema de Numeração
Decimal e às Operações Fundamentais. Da mesma forma, Toledo et al. (1997)
afirma que as crianças que não sabem resolver adequadamente os algoritmos não
entenderam as regras do SND.
Nesse sentido, o uso de materiais manipuláveis favorece e motiva a
estruturação do pensamento e, consequentemente, encaminha à abstração.
Lorenzato faz considerações importantes sobre essa aprendizagem:
Com o objetivo de proporcionar um ensino partindo do momento em que o aluno está, precisamos considerar os pré-requisitos cognitivos matemáticos referentes ao assunto a ser aprendido pelo aluno [...]. Afinal, a matemática é um corpo de conhecimentos ordenados logicamente (LORENZATO, 2006, p.20).
No bojo destas discussões, há uma crescente preocupação com o processo
de ensino e aprendizagem, principalmente com a formação do professor, que traz
consigo uma excelência conteudista tradicional que está engendrada de tal forma
que impede ou limita a busca de metodologias diversificadas para o ato de aprender,
ou seja, ensina matemática usando apenas um registro de representação, que
geralmente não é o manipulável. Ter coragem é a primeira postura para a mudança
do quadro atual.
No entanto, faltam capacitações que supram essas necessidades, encorajem,
quebrem paradigmas e promovam a mudança de postura do paradoxo de ensinar a
não ensinar. Sócrates e Aristóteles já diziam que “o conhecimento está na
humildade e não na arrogância”. Conforme Damázio (2010), no processo educativo,
saber usar diferentes recursos didáticos faz parte de um processo que agrega
tarefas docentes intencionais.
A Secretaria de Estado da Educação, comungando com esta problemática e
na tentativa de superar este obstáculo pedagógico, criou o programa “Sala de Apoio
à Aprendizagem”, ofertado para as disciplinas de Matemática e de Língua
Portuguesa. Porém, pela experiência própria e pelos relatos de professores que
atuam nas Salas de Apoio à Aprendizagem, esse tem sido considerado um ótimo
programa e atende às necessidades da escola, mas está faltando apoio aos
3 Recurso didático matemático, conhecido como material de base dez, criado pela médica e educadora italiana
Maria Montessori, que nasceu em 1870 e faleceu em 1952.
professores que trabalham com esses alunos, no sentido de ajudá-los a usar
diferentes registros para ensinar os conteúdos matemáticos. Há necessidade de
uma real conscientização sobre a ação docente, no sentido de entender que todo
processo de aprendizagem está calcado no desenvolvimento mental, onde cada
aluno constrói sua rota sináptica, que deve ser estimulada por diferentes registros e
representações de cada conteúdo. Para Duval (2011), um dos grandes entraves que
da compreensão em matemática é a falta de discernimento dos professores entre os
objetos matemáticos e suas múltiplas representações.
A política da Sala de Apoio à Aprendizagem precisa ser acompanhada de
um esforço sistemático que ajude o professor a repensar sua prática pedagógica, no
sentido de traçar metas para despertar no aluno o desejo de aprender e, dessa
forma, abrir os canais neurais para que a assimilação aconteça. É nesse sentido
que Duval (2011) afirma que a natureza do trabalho matemático tem cunho cognitivo
e metodológico.
O foco deste programa de Sala de Apoio à Aprendizagem deve ser o de
resgatar, no educando, conceitos que se perderam no decorrer do processo de
ensino aprendizagem, em detrimento da dificuldade diagnosticada, que é apenas um
sintoma de que algo errado aconteceu anteriormente e precisa ser corrigido. As
lacunas existentes se estabelecem em dúvidas, que se desencadeiam em
dificuldade de aprendizagem. As estratégias devem evidenciar planejamento e
precisão, pois é muito mais fácil ensinar da forma correta no início, do que desfazer
todo um circuito de informações e construir um novo. Contudo, nesta fase da vida,
em que se encontram os pré-adolescentes que frequentam a SAA, é possível
(re)modelar a aprendizagem, em virtude de possibilidade maior de plasticidade
neural. Após esta faixa etária, quando os hormônios da adolescência aparecem,
esta possibilidade de sinapses fica comprometida. O trabalho com menos alunos
(atendimento é para, no máximo, 15 alunos) permite o atendimento individualizado.
Daí a necessidade de o educador, consciente de seu papel de interventor, e
responsável pela mediação da informação, buscar estruturar o ensino de modo que
os alunos possam construir adequadamente os conhecimentos a partir de suas
habilidades mentais. De acordo com Moran:
Aprendemos melhor quando vivenciamos, experimentamos, sentimos. Aprendemos quando relacionamos, estabelecemos vínculos, laços, entre o que estava solto, caótico, disperso, integrando-o em um novo contexto, dando-lhe significado, encontrando um novo sentido (MORAN, 2012, p.23).
Assim sendo, discutir, estudar e investigar o uso de materiais manipuláveis
como uma forma de registro de representação, não única, mas relevante, é
colaborar para que as representações preencham funções cognitivas que auxiliem
na compreensão dos entes matemáticos.
Duval apresenta contribuições para o ensino da matemática, pois aponta a
restrição de se usar um único registro para representar um mesmo objeto
matemático e colabora no embasamento teórico deste artigo, pois afirma que os
materiais manipuláveis possibilitam o desenvolvimento geral das capacidades de
raciocínio, de análise e de visualização.
Concomitantemente, a intenção deste trabalho também potencializa a
formação continuada de professores, disseminando experiências docentes que
repercutam na superação do fracasso escolar.
2.1 A Formação Continuada de Professores como Ação Propulsora de
Reflexão e Mudança
A discussão em torno da formação do professor tem se mostrado impactante
na relação de ensino e aprendizagem. Diversas pesquisas indicam que a
(re)significação da prática docente é uma necessidade imposta pelas mudanças de
paradigmas atuais, na busca de educação de qualidade.
É ingenuo pensar que, ao terminar a graduação, o professor está pronto e
não precisará mais se aperfeiçoar para atuar profissionalmente. Estudos de Nóvoa
(1995), Schön (2000), entre outros, mostram que as concepções associadas à
Formação de Professores seguem duas vertentes: a dos processos reflexivos, que
permitem uma atuação ativa e o torna capaz de refletir na ação, sobre a ação e
sobre a reflexão na ação; e a chamada de genérica, que ainda está arraigada no
meio dos educadores, que agem passivamente seguindo o modelo de formação já
construído.
As atuais políticas educacionais veem mostrando preocupação com este fato.
Neste contexto, a formação de professores tem sido um tema bastante estudado nas
pesquisas também da Educação Matemática. Fiorentini (2003), Nacarato (2008),
Paiva (2008) e Ponte (2000), além de outros, apontam a necessidade de uma
prática docente consciente e reflexiva para a profícua responsabilidade do ideal
encaminhamento das atividades letivas pelo professor. Pais (2011) também colabora
com esta discussão e considera o professor aquele que coordena o sistema didático
escolar, ou seja, aquele que tem a responsabilidade pelo processo de ensino e
aprendizagem dentro do sistema educacional. Esteves (2012, p.194) considera que:
“O modo como os professores planejam suas aulas, a seleção das atividades a
serem trabalhadas, suas opções metodológicas e as respostas dadas aos alunos
evidenciam o conhecimento pedagógico do conteúdo que eles possuem”. Fiorentini
et al (2003) ainda alertam que, entre outros problemas, consideram grave a falta de
enfoque nos assuntos da Didática da Matemática, como área de conhecimento que
estuda os fenômenos que ocorrem nas aulas de matemática.
Outro autor que colabora nesta discussão é D’Ambrósio (1996, p. 83), que diz
que “A educação enfrenta em geral grandes problemas. O que considero mais
grave, e que afeta particularmente a educação matemática de hoje, é a maneira
deficiente como se forma o professor”. É evidente que muitas outras variáveis estão
presentes na organização de uma educação de qualidade, porém nenhuma merece
mais atenção do que o trabalho do professor. Dessa forma, a responsabilidade do
ideal encaminhamento das atividades letivas está, prioritariamente, nas mãos dele.
Tais aspectos são tangíveis à teoria de Duval, que nesse sentido, apresenta
grandes contribuições para o professor ensinar e o aluno compreender matemática.
Aponta a restrição de se usar um único registro para representar um mesmo objeto
matemático e ainda ressalta que a articulação desses registros é importante para a
compreensão em matemática.
Dessa forma, é tendo a oportunidade de conhecer e se adequar aos
conhecimentos científicos, seja por qual for o termo utilizado ao longo dos anos:
reciclagem, treinamento, aperfeiçoamento, capacitação, educação permanente,
educação continuada ou formação continuada, que o professor terá a chance de
transformar a realidade e o cenário educacional atual.
Nesse sentido, a aprendizagem é um dos principais objetivos na
compreensão do que se entende por aprender e é fundamental na construção de
uma proposta consistente de educação.
Da mesma forma, a sala de aula é um lugar que deve gerar um processo
aberto, dinâmico e reflexivo para consequentemente gerar transformação. É o
melhor laboratório para se aprender como dar aula, levando em consideração a
experiência como um saber docente. Na educação nada é, tudo pode ser.
Assim, como afirma Nóvoa (1995, p.27), “é preciso investir positivamente os
saberes de que o professor é portador, trabalhando-os de um ponto de vista teórico
e conceptual”.
Concordando com Nóvoa (1995), Pimenta (2002) resgata a importância de se
considerar o professor na sua própria formação, de reelaboração de saberes iniciais
em confronto com sua prática vivenciada. Dessa forma, é que a formação pode ter
impactos positivos nas aprendizagens dos alunos.
Há que se considerar diferentes saberes implícitos na prática docente,
entretanto a tendência reflexiva vem se apresentando como um novo paradigma na
Formação de Professores, sedimentando uma política de desenvolvimento pessoal e
profissional dos professores e das instituições escolares.
Com este intuito reflexivo é que se deu a investigação a que se refere este
artigo, no sentido de descobrir quais saberes docentes interferem na prática
pedagógica e podem estar sendo causa de problemas e dificuldades de
aprendizagem referentes ao Sistema de Numeração Decimal.
2.2 A implementação como Formação Continuada de Ações Investigativas e
Reflexivas
Participaram da implementação, trinta professores da Rede Pública do Estado
do Paraná, do Núcleo Regional de Maringá, sendo catorze professores de Sala de
Apoio à Aprendizagem de Matemática, dez professores de sexto ano, uma
secretária de educação municipal, duas professoras de séries iniciais, duas
professoras de Sala de Recursos e uma doutoranda, as quais, espontaneamente, se
inscreveram por se interessarem pelo título e por atender especificidades de
aprendizagem matemática das séries iniciais e do sexto ano do ensino fundamental.
Três professoras desistiram, duas no segundo encontro e uma no quinto encontro,
por indisponibilidade de horários, sendo duas de Sala de Apoio e de sexto ano e
uma doutoranda.
Foram oito encontros semanais, com quatro horas de duração cada.
No primeiro encontro, os professores participantes responderam um
questionário que, a priori, ajudou a entender o público alvo. A posteriori, auxiliou nas
conclusões deste artigo.
De acordo com as respostas dadas, a experiência profissional dos
participantes, exceto a doutoranda que não trabalha em escola, foi, em média, de
dezesseis anos. A maioria afirmou nunca ter participado de curso de extensão com
abordagem em materiais manipuláveis. Cem por cento dos participantes
concordaram que o uso de materiais manipuláveis é relevante para o processo de
aprendizagem de conceitos matemáticos.
No entanto, a minoria (apenas vinte por cento) admitiu o uso frequente deste
recurso didático em sala de aula. Oitenta por cento mostraram insegurança no
trabalho com material manipulável, por falta de conhecimento das diversas
explorações que cada um permite.
Noventa por cento deles relataram o conteúdo estruturante Números e
Operações como sendo o maior entrave de compreensão por parte dos alunos do 6º
ano.
Setenta por cento dos professores nunca utilizaram o material dourado em
sala de aula e, ainda, afirmaram não conhecer muitas aplicações do recurso. Da
mesma forma, noventa por cento dos participantes não conheciam ou nunca tinham
trabalhado com os blocos lógicos, a não ser para trabalhar as formas geométricas.
Noventa por cento desconheciam o que era inclusão de classes e as provas
piagetianas.
Dos materiais utilizados no curso, cinquenta por cento dos professores já
tiveram contato com a Torre de Hanói. Muitos deles, quarenta por cento,
confundiram material manipulável com jogos matemáticos e apenas três professores
conseguiram explicar corretamente o que era Educação Matemática. Outro dado
relevante é que setenta por cento dos professores afirmaram não conhecer
diferentes tipos de registro para representar um mesmo objeto matemático e, exceto
a doutoranda, nenhum deles nunca nem ouviu falar em Registros de Representação
Semiótica.
No primeiro encontro, além do questionário, os professores tiveram contado e
oportunidade de conhecer as teorias que sustentam a importância da utilização de
diferentes registros de representação, entre eles os materiais manipuláveis, e,
também, o entendimento da Educação Matemática como campo de pesquisa.
Percebemos a falta de conhecimento acerca do assunto e desabafos da falta de
oportunidade de estudar teorias em virtude da quantidade de tarefas docentes
extraclasse.
No segundo encontro, os professores tiveram contato com a teoria de Piaget.
Também discutimos as diferenças existentes entre as teorias de Piaget e Vigotsky,
apresentando a relevância de ambos para a Educação Matemática. Conheceram as
provas piagetianas, que contêm estímulos imprescindíveis para a compreensão de
conteúdos matemáticos e realizaram uma atividade de verificação de conhecimentos
prévios do Sistema de Numeração Decimal.
Eles mesmos se surpreenderam com os resultados, que apontaram os vícios
de aprendizagem e os resquícios de um ensino tradicional e passivo, do qual
vivenciaram e se alfabetizaram matematicamente. Foi solicitado a eles desenhar
uma coleção de 16 objetos e. grifar o(s) objeto(s) que representa(m) o 1 do número
16. Em seguida, circularam o(s) objeto(s) que representa(m) o 6 do número. Os
resultados obtidos confirmaram a pesquisa de Kamii (1994), que revela a seguinte
representação para o solicitado:
No terceiro dia, conheceram os encaminhamentos metodológicos a serem
utilizados para o ensino do Sistema de Numeração Decimal e o primeiro contato
com o primeiro material manipulável a ser utilizado: o material dourado. O histórico
deste recurso foi apresentado de maneira lúdica, visando uma simulação do como
deveria acontecer em sala de aula.
Os próprios professores participaram da encenação de um teatro de
fantoches previamente escrito, a fim de não esquecerem detalhes importantes do
material dourado. O entusiasmo tomou conta da ação e pudemos refletir a prática e
a necessidade de momentos lúdicos, condizentes à infância.
Ainda neste encontro, conheceram um material especificamente preparado
com placa de metal e imã, para maior sucesso na realização das atividades com
material dourado.
Figura 1: Material Dourado com imã (à esquerda) e Ábaco Pedagógico de Meta (à direita)
Fonte: Própria
No terceiro dia, as atividades com o material dourado tiveram por objetivo o
entendimento das regras do Sistema de Numeração Decimal, tendo sido utilizados
os jogos: Registrar para Aprender, Jogo do Nunca Dez, Jogo da Decomposição, que
integram a Produção Didático-Pedagógica elaborada pela autora.
Todas as atividades foram executadas pelos professores, que tiveram
oportunidade de argumentar, testar, experimentar, criar hipóteses, refutar,
conjecturar e pensar nos diferentes tipos de registros que cada atividade permitia
para trabalhar os conceitos envolvendo as regras do Sistema de Numeração
Decimal.
No quarto dia, as atividades com o material dourado foram para trabalhar os
conceitos de adição e subtração. As situações propostas para discussão permitiram
o uso de diferentes representações (números, desenhos, material dourado,
tampinhas, palitos, linguagem oral, ...), o estudo das ideias pertinentes a cada
operação e a exploração maior da representação com material dourado, que tiveram
como ponto de partida o Jogo dos Cartões, o Jogo da Destroca e o Jogo de Retirar.
No quinto encontro, seguindo a mesma reflexão, discutimos atividades
envolvendo conceitos de multiplicação (Caixa Surpresa com Material Dourado) e
divisão (Dramatizando a Divisão com Material Dourado). Novamente, puderam ter
contato com os diversos registros que podem representar as ideias de multiplicação
e divisão.
No sexto encontro, com intuito de provocar abstrações dos conteúdos já
vistos, propusemos a troca do material dourado para o ábaco aberto com palitos de
mesma cor. Não mudamos os registros de representação, entretanto provocamos
maiores abstrações, já que os palitos não apresentam distinção de tamanhos, que
facilitam a identificação da casa posicional.
Figura 2: Ábaco Aberto
Fonte: Própria
No sétimo encontro, a fim de valorizar o desenvolvimento do raciocínio lógico,
bem como o espírito de investigação e a tomada de decisões, discutimos as
possibilidades pedagógicas e o histórico de dois recursos didáticos matemáticos: os
Blocos Lógicos e a Torre de Hanói.
Figura 3: Fichas dos Atributos (à esquerda) e Blocos Lógicos (à direita)
Fonte: Própria
Figura 4: Torre de Hanói
Fonte: Própria
No oitavo encontro, discutimos a importância de um bom planejamento de
sequência didática para que as situações-problema a serem investigadas e
resolvidas pelos alunos provoquem discussão, uso de diferentes registros de
representação, hipóteses de resolução, argumentação, dentre outras funções
cognitivas importantes que boas atividades podem propiciar.
Damm (2012), apoiada na teoria de Duval, mostra que:
O que se constatou em diversas pesquisas em Educação Matemática é a dificuldade que o aluno encontra em passar de uma representação para outra. Ele consegue fazer tratamentos em diferentes registros de representação de um mesmo objeto matemático, porém, é incapaz de fazer as conversões necessárias para a apreensão desse objeto. Essa apreensão é significativa a partir do momento que o aluno consegue realizar tratamentos em diferentes registros de representação e “passar” de um a outro o mais naturalmente possível (DAMM, 2012, p.168).
Também tivemos neste encontro um momento no laboratório de informática
para manusear um software gratuito – puzzlemaker – para a construção rápida e
prática de enigmas, cruzadinhas, caça-palavras, como situações motivadoras da
aprendizagem matemática.
Cada equipe pensou e organizou uma atividade que foi socializada para
todos. Ao final deste encontro, montamos uma sequência didática completa para ser
usada ao trabalhar o Sistema de Numeração Decimal, operações fundamentais e
conteúdos afins.
O curso de extensão foi concluído com uma avaliação oral e depoimentos dos
professores participantes quanto à avaliação das atividades desenvolvidas,
contribuições para a sala de aula e validação dos dados obtidos através do
confronto da coleta de dados iniciais com os resultados obtidos após o estudo.
Também a importância da formação continuada para a prática pedagógica e a
pertinência do assunto para as discussões da grande área de pesquisa que é a
Educação Matemática.
3 Considerações Finais
Os relatos deste artigo se mostram como um recorte da realidade, revelando
que os estudos e as investigações são acessíveis à prática docente, conforme já
demonstrado em diversas pesquisas que se preocupam com o ensino e a
aprendizagem da matemática. Os interesses harmonizados de pesquisas já
existentes e a continuidade delas nesta investigação científica mostram que há
necessidade de intensificar o programa de formação continuada de professores para
que as discussões atuais da comunidade científica se estendam à sala de aula,
através dos professores que podem viabilizar ações positivas de aprendizagem para
os alunos.
Os dados coletados a priori revelam a falta de conhecimento e
conscientização da importância do uso de diferentes registros de representação para
facilitar a compreensão de um objeto matemático.
O estudo também proporcionou reflexão sobre esta matemática que existe
apenas no mundo das ideias e quebrou paradigmas de muitos professores, que no
decorrer das discussões, mostraram surpresa quanto a esta informação. A posteriori,
mostrou a importância deste entendimento para a tomada de decisões na prática
docente.
Ainda motivou o uso de metodologias que vão ao encontro das teorias
conceituadas, aceitas e estudas pela Didática da Matemática e que podem gerar
maior aprendizagem dos conteúdos matemáticos, relacionados à compreensão do
Sistema de Numeração Decimal e das Operações Fundamentais.
Entretanto, os estudos e discussões permitiram um olhar profícuo da prática
pedagógica, no sentido de que proporcionar uma boa aprendizagem para o aluno
não depende só do professor, pois é fundamental para uma educação que pretende
ajudar o aluno a perceber sua individualidade, o encaminhamento metodológico
correto, que o torna, também, responsável pelo ato de aprender, que proporciona a
otimização das habilidades, facilita o processo de aprendizagem e cria condições de
aprender – predisposição. Nesse contexto, conhecer o aluno e perceber suas
defasagens de aprendizagem é o primeiro passo para torná-lo um participante ativo
no processo de aprender.
A compreensão de como podemos lidar com certas características pessoais
ajuda tanto o professor como o aluno a identificar, mobilizar e utilizar suas
características criativas e intuitivas, pois cada um aprende no seu próprio ritmo e à
sua maneira. Daí a importância de variar as representações dos entes matemáticos
para atender a esta grande diversidade de pensamentos.
Os aportes teóricos se complementam, à medida que os autores conversam e
comungam com a ideia do uso de diferentes representações e estas garantem a
assimilação dos conceitos e a possível superação de dificuldades de aprendizagem,
oriundas da falta de entendimento do Sistema de Numeração Decimal.
Os professores envolvidos no estudo tiveram oportunidade de (re)pensar a
sua prática e valorizar os encaminhamentos metodológicos bem planejados e que
facilitam a aprendizagem dos alunos. Percebemos a evolução de pensamento dos
envolvidos, que, ao final deste estudo, se mostraram motivados e preparados para
gerenciar melhor e com mais embasamento teórico a sua prática pedagógica.
Relatos desses professores demonstram a mudança de postura, o crescimento
intelectual e a maturidade necessária para se organizar situações e materiais que
realmente podem colaborar no processo de compreensão dos conteúdos
matemáticos.
A investigação esteve calcada na importância do uso de diferentes registros
de representação, em especial os materiais manipuláveis, que oferecem visualmente
maior possibilidade de aprendizagem.
Ao final deste estudo, conforme relatos e depoimentos dos próprios
professores participantes, foi possível refletir mais sobre a prática e tentar buscar
caminhos eficazes, como a utilização de diferentes registros, dentre eles os
materiais manipuláveis que oportunizem maior segurança e propriedade ao se falar
de um determinado conteúdo.
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