1
Rede de Atenção Básica à Saúde em Belo Horizonte: relação com a urgência e
coordenação do cuidado a partir da Estratégia Saúde da Família1
Título resumido: Rede de Atenção Básica à Saúde em Belo Horizonte
Maria Raquel Gomes Maia Pires2
Leila Bernarda Donato Göttems3
RESUMO
As recentes políticas nacionais que fortalecem a construção de Redes de Atenção em Saúde
(RAS) e as produções sobre a Estratégia Saúde da Família (ESF) ratificam a importância da
Atenção Básica para a consolidação do SUS. A coordenação e a continuidade assistencial ao
longo das RAS, articulada aos níveis de atenção, com ênfase na linha de cuidado10
e na APS
como contato preferencial do usuário aos serviços, traduz-se em potencial para superar a
fragmentação e o tecnicismo do processo de trabalho em saúde. Essa pesquisa questiona em
que medida a implantação da Estratégia Saúde da Família (ESF), em Belo Horizonte (BH),
contribui para a estruturação da Rede de Atenção Básica no que se refere ao acesso aos
serviços de saúde, a articulação com a urgência e a coordenação do cuidado a partir da ESF.
Objetivos: identificar o principal problema de saúde que o cidadão leva à Unidade de Pronto-
atendimento (UPA) e à Unidade Básica de Saúde (UBS), considerando as especificidades dos
níveis de atenção na RAS;caracterizar os principais procedimentos de atenção básica e de
média complexidade utilizados na UBS e na UPA, comparativamente;analisar o processo de
trabalho das equipes da ESF na perspectiva da coordenação e da continuidade do cuidado, a
partir da caracterização da demanda nas UBS e nas UPAS Pesquisa avaliativa com
triangulação de métodos, abordagem quantitativa e qualitativa, do tipo estudo de caso,
delineada em duas etapas complementares: entrevista com 993 usuários nas UBS e UPAS;
grupo focal com 30 profissionais de saúde de 10 UBS. A duplicidade de ações entre a atenção
básica e os serviços de urgência indica que a oferta da rede básica de BH - suficiente em
termos de cobertura populacional, de estratégia organizativa e do acesso geográfico - tem
dificuldades na prestação de serviço no local adequado e no tempo certo, como prevê a
estruturação das RAS. Há indícios de mudanças na organização do processo de trabalho das
equipes da ESF, com fortalecimento do vínculo e da responsabilização pela população, na
perspectiva da coordenação do cuidado.
Palavras-chaves: Acesso aos serviços de Saúde, Atenção Primaria a Saúde, Sistema Único de
Saúde
1 Financiamento Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG), Edital PPSUS 05/06. Processo
3301/06. 2 Doutora em Política Social/UnB. Professora adjunta. Departamento de Enfermagem/Faculdade de
Saúde/Universidade de Brasília (ENF/FS/UnB). 3 Doutora em Administração/UnB. Professora da Universidade Católica de Brasília (UCB-DF). Servidora da
Secretaria de Saúde do DF (SES-DF).
2
Introdução
As recentes políticas nacionais que fortalecem a construção de Redes de Atenção em
Saúde (RAS) - entendidas como arranjos organizativos de ações e serviços de saúde, de
diferentes densidades tecnológicas, articuladas por meio de sistemas de apoio técnico,
logístico e de gestão, voltadas para a integralidade do cuidado - e as produções sobre a
Estratégia Saúde da Família (ESF) ratificam a importância da Atenção Básica para a
consolidação do SUS1-5
.
A capacidade de provisão equitativa de serviços de saúde para uma população, em
território e estabelecimentos definidos, a partir da Atenção Básica como centro ordenador das
ações, com vistas a melhoria das condições clínicas e epidemiológicas das pessoas, pautada
por dimensões econômicas equilibradas com a ampliação do acesso à saúde, caracterizam a
atual discussão das RAS, advindas das experiências internacionais6-9
. Outros atributos para a
estruturação das RAS, na sua versão brasileira, são a prestação de serviços especializados em
lugar adequado, a existência de mecanismos de coordenação e de continuidade do cuidado, o
fortalecimento da governança, a participação social ampla e a gestão dos sistemas de apoio,
administrativo, clínico e logístico2-3
.
Dentre os mecanismos de gestão previstos para que o usuário acesse os serviços com
maior disponibilidade, comodidade e aceitabilidade destacam-se o fortalecimento da
continuidade do cuidado nas RAS e da capacidade gestora do Estado na implantação de
políticas públicas pensadas a partir dos problemas concretos da sociedade, com vistas à
equidade, na perspectiva da governança. A coordenação e a continuidade assistencial ao longo
das RAS, articulada aos níveis de atenção, com ênfase na linha de cuidado10
e na APS como
contato preferencial do usuário aos serviços, traduz-se em potencial para superar a
fragmentação e o tecnicismo do processo de trabalho em saúde11
.
3
Prevê-se que a coordenação do cuidado, como diretriz e função para o fortalecimento
das RAS na atual política nacional de atenção básica2, ocorra por meio da gestão de processos
terapêuticos singulares, da integração das ações programáticas e de demanda espontânea, da
gestão das filas, do manejo das tecnologias de cuidado, da articulação da promoção à saúde, à
prevenção e ao tratamento de doenças, com foco nas necessidades e na autonomia do usuário.
Espera-se ainda que os profissionais trabalhem em equipe, operem prontuários eletrônicos
compartilhados, orientem-se por protocolos direcionados por linhas de cuidado e que
acompanhem o usuário nos diversos pontos de atenção nas RAS, ordenando-a na perspectiva
da ampliação do acesso à saúde.
Nesse contexto, essa pesquisa questiona em que medida a implantação da Estratégia
Saúde da Família (ESF), em Belo Horizonte (BH), contribui para a estruturação da Rede de
Atenção Básica no que se refere ao acesso aos serviços de saúde, a articulação com a urgência
e a coordenação do cuidado a partir da Estratégia Saúde da Família. Faz-se uma discussão
avaliativa da atenção básica em Belo Horizonte, na perspectiva teórica da RAS.
O sistema de saúde de BH está conformado em nove Distritos Sanitários (DS), onde se
distribuem os serviços de saúde. O município conta com 539 Equipes de Saúde da Família
(ESF), distribuídas em 147 Unidades Básicas de Saúde (UBS), responsáveis pela atenção
básica de aproximadamente 75% da população citadina. A rede básica compõe-se de
profissionais que oferecem suporte às ações das equipes da ESF na própria UBS, como as
equipe de apoio (188 médicos pediatras, 124 clínicos, 130 ginecologistas, 89 assistentes
sociais), 58 equipes de saúde mental, 246 equipes de saúde bucal, 2 núcleos de reabilitação e
48 pólos dos Núcleos de Apoio a Saúde da Família (NASF). A rede de urgência possui oito
Unidades de Pronto-Atendimento (UPA), um Serviço de Urgência Psiquiátrica noturna,
Serviços de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), centrais de regulação e unidades de
urgências hospitalares12-13
.
4
Justificativa/Referencial Teórico
A acessibilidade aos serviços de saúde significa a forma com que se obtém o
atendimento que se precisa com agilidade, segurança e qualidade, com vistas a efetividade das
ações de saúde. Para tanto, há de se promover mudanças na forma de organização dos
processos de trabalho em saúde, voltando-os para as demandas e as necessidades da
população. Assim, em vez de se criarem demandas a partir da oferta indiscriminada e desigual
dos serviços, há de se promover um continuum de ações nas RAS a partir das exigências e das
condições dos cidadãos14-15
.
A perspectiva ampla do acesso envolve fatores explicativos contextuais, como as
necessidades de saúde, o desejo de obter saúde, a procura e a entrada no serviço, a
continuidade do cuidado. A vertente intermediária considera desde a procura até a
continuidade do cuidado; a versão restrita se expressa apenas na utilização, primeira
característica a ser considerada14-17
. Os termos usados para cada uma dessas dimensões são o
acesso potencial, exemplificado em estimativas de programação da oferta (âmbito restrito), o
realizado (utilização); o efetivo (efetividade e satisfação) e o eficiente (eficiência). O acesso
efetivo, que possibilita maior acessibilidade do usuário aos serviços, envolve aspectos
multidimensionais, como as barreiras geográficas, de informações, organizacionais,
financeiras ou subjetivas que separam o desejo do cidadão de obter ações de saúde da sua
realização mais satisfatória possível.
A discussão da acessibilidade aos serviços se insere nas dimensões econômica, técnica,
política ou simbólica do acesso17
, pautada na universalidade como valor social. Inserido como
categoria analítica, dispositivo para modificar a realidade ou inter-relação do usuário com os
serviços, o conceito de acesso assume destaque para a gestão do sistema de saúde, em especial
na perspectiva dos arranjos organizativos voltados para a resolução dos problemas de saúde
de uma população definida, estudada e regionalizada, inerente às RAS, cuja contribuição,
5
limites e desafios da atenção básica para a reorganização do sistema de saúde é bem discutida
na literatura5;18-20
.
O aprimoramento do acesso à saúde, com o fortalecimento da atenção básica, atenção
especializada e da Rede de Atenção às Urgências (RAU), integram a agenda atual das
políticas de saúde, expressa em documentos e projetos especiais1-4;21
. A estruturação das
RAU, constituída por componentes dos diversos níveis de atenção, objetiva integrar os
equipamentos e serviços de saúde para prestar uma assistência oportuna, no tempo e no local
adequado ao usuário em situação de urgência e de emergência. O papel dos profissionais das
Unidades Básicas de Saúde (UBS) no fortalecimento do vínculo, na responsabilização, no
primeiro contato e no acolhimento à população da área de abrangência, inerente à
coordenação do cuidado, figura como aspecto prioritário para o acesso centrado nas
necessidades do cidadão, com vistas à integralidade da atenção à saúde.
Objetivos:
- Identificar o principal problema de saúde que o cidadão leva à Unidade de Pronto-
atendimento (UPA) e à Unidade Básica de Saúde (UBS), considerando as especificidades dos
níveis de atenção na RAS;
- Caracterizar os principais procedimentos de atenção básica e de média complexidade
utilizados na UBS e na UPA, comparativamente;
- Analisar o processo de trabalho das equipes da ESF na perspectiva da coordenação e da
continuidade do cuidado, a partir da caracterização da demanda nas UBS e nas UPAS.
Método
Pesquisa avaliativa com triangulação de métodos22
, abordagem quantitativa e
qualitativa, do tipo estudo de caso, delineada em duas etapas complementares, por meio de
diversas técnicas e instrumentos de coleta de dados. Na primeira etapa avaliou-se
comparativamente o padrão de utilização das UBS e das Unidades de Pronto-Atendimento
6
(UPA) pelos usuários, em relação ao problema de saúde referido, o motivo de escolha do
serviço e procedimentos realizados, por meio de questionários construídos a partir das
seguintes variáveis: 1-problema de saúde referido; 2-tipo de atendimento realizado; 3-tempo
de espera pelo serviço; 4- motivos da procura pela UBS e pela UPA; 5- serviços utilizados na
UBS; 6-perfil socioeconômico. O plano amostral considerou a população do município de BH
que utiliza o SUS (75%), a prevalência média de consultas médicas e de procedimentos de
enfermagem realizados na UBS e na UPA23-25
(75%), um erro de amostragem de 3% e nível
de confiança de 95%, resultando numa amostra de 820 usuários. Investigaram-se todas as sete
UPA do município, em funcionamento na época da coleta, e 10 UBS, sorteadas para manter a
proporcionalidade de uma UBS por DS, acrescidas de mais uma no curso da pesquisa.
Entrevistaram-se 993 usuários, sendo 69% desses nas UBS e 31% nas UPA, com uma perda
residual de 15 instrumentos (0,9%).
O questionário utilizado para coleta de dados foi adaptado de pesquisa que analisou a
oferta e a demanda por média complexidade, em sua relação com atenção básica, em 7
hospitais do Distrito Federal24
. A escolha por um instrumento previamente elaborado,
aplicado e testado noutra realidade justifica-se pelos motivos: a- coincidência com o objeto de
estudo, ambos pautados na análise comparativa da utilização de procedimentos nos serviços
de média complexidade e de atenção básica; b- rigor metodológico do processo de construção
do instrumento escolhido, em que constam cinco etapas e 1 piloto; c- uso de variáveis e itens
testados em estudos anteriores, recomendados na literatura26
. Fez-se adaptação do referido
instrumento mediante piloto com entrevistas a 103 usuários (53 em UBS; 50 em UPA). A
versão final contempla 26 itens e 7 variáveis, suficientes para os objetivos propostos. Fez-se
entrevistas individuais com os usuários logo após o atendimento, no serviço de saúde, uma
vez que se pretendeu aferir os procedimentos utilizados pelo cidadão. A estatística descritiva
básica e o pacote estatístico SPSS (Statistical Package for the Social Sciences), versão 15.0,
7
subsidiaram a análise das freqüências e dos percentuais; fez-se teste de comparação entre
freqüências, qui-quadrado (X²), e de correlação de spearmans‟rho para a interpretação dos
resultados.
Uma vez finalizada a primeira etapa, realizou-se a sistematização dos dados e o
levantamento de questões que foram triangulados na segunda fase, qualitativa, com realização
de 4 grupos focais com 16 enfermeiros e 14 médicos da ESF das 10 UBS estudadas. As
perguntas que nortearam as discussões acerca da coordenação do cuidado, nos respectivos
grupos focais, foram: 1) Como explicar que 57,4% dos usuários acometidos com afecções
leves, passíveis de serem resolvidas na atenção básica, utilizem as Unidades de Pronto-
Atendimento (UPA) ao invés das UBS (30,9%) para o atendimento? Existiriam “barreiras de
acesso” dos serviços de atenção básica aos usuários que os procuram ? 2) Se a ESF é
considerada prioritária na reorganização dos serviços, que fatores explicam a pouca utilização
das ações programáticas nas UBS onde ela foi implantado completamente ? 3) O que os
profissionais da ESF fazem de diferente para modificar o modelo tradicional de atenção nas
UBS, calcada no atendimento à demanda espontânea e em especialidades médicas? 4) Que
princípios da ESF seriam mais fortes na organização do trabalho nas UBS ? Um roteiro de
entrevista contendo as quatro questões foi elaborado e realizado um pré-teste, com as
adequações cabíveis.
A dinâmica de cada um dos grupos durou aproximadamente 2 horas, contou com um
número de participantes entre 6 e 1227
. Os profissionais identificavam-se sob um cognome e
citavam um fato ou momento marcante da sua vida pessoal ou profissional, mediante a
representação de um „postal‟ ou „figura‟, escolhida livremente dentre vários, para
contextualização sócio-histórica dos profissionais de saúde. Em seguida, passava-se à
descrição breve dos resultados da primeira etapa realizada com os usuários, como subsídio
aos debates, orientados pelas questões já referidas. Uma equipe de observadores externos,
8
formada por bolsistas de iniciação científica e por mestrandos, previamente capacitados,
anotava as expressões, o gestual, os ditos, os silêncios, tudo o que pudesse auxiliar nas
análises28
. As transcrições dos depoimentos, das imagens e os registros dos observadores
foram utilizados nas análises, atentando-se para o contexto das mesmas29
.
Analisaram-se os depoimentos dos profissionais em saúde à luz da hermenêutica de
profundidade (HP)30
, com os subsídios da análise do discurso31
, para exame das formas
simbólicas expressas nas declarações dos grupos focais. A análise dos interdiscursos baseou-
se na presença dos processos grupais que viabilizam ou emperram as dinâmicas relacionais,
quais sejam: a-bloqueios de produção;b-influência social;c- influência normativa; d-pegadores
de carona28
. Fez-se análise de um grupo focal por vez e sistematizou-se a síntese dos quatro,
ao final. Além do roteiro orientador do GF, elaboraram-se três instrumentos que subsidiaram
a análise: a-registro de aspectos subjetivos do grupo pelos observadores externos; b-
identificação de interdiscursos grupais e c- análise individual dos depoimentos. O estudo foi
aprovado pelos Comitês de Ética em pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais
(ETIC 053/06) e da SMSA-BH (19/2006).
Resultados
Acesso dos usuários aos serviços de atenção básica e de urgência
Os usuários entrevistados residiam em BH (94,4%) ou em municípios metropolitanos
(5,6%), são preponderantemente do sexo feminino (73,2%), entre 21 a 40 anos (47,5%),
estudaram até o ensino médio (66%) ou não concluíram o ensino fundamental (44,2%). Eles
são empregados (33,8%), têm ocupações sem renda (33,2%), inativos (17,0%) ou
subempregados (16,1%), recebem até três salários mínimos (53,8%) e muitos não têm plano
de saúde (69,6%). A empregabilidade dos entrevistados nas UPA é superior aos da atenção
básica (UPA, 43,89%; UBS, 29,23%). Os homens demandam mais serviços de saúde na faixa
9
etária de 11 a 30 anos (77,8%), mas essa tendência se inverte após os trinta anos, em favor das
mulheres (27,1%; homens, 10,8%).
O deslocamento dos usuários aos serviços é feito em menos de 30 minutos (94% nas
UBS; 77,6% nas UPA; x²=162,350; p<0,0001), principalmente a pé (85%) ou de
ônibus/van/lotação/táxi (7,9%). Nas UPA utiliza-se principalmente o transporte público
(43,6%), o veículo particular (23,4%), a caminhada (15,5%), a ambulância/SAMU (9,2%), a
carona ou a moto (8,3%) para se chegar ao destino. Observou-se diferença significativa entre
os grupos tanto para o tempo (x²= 39,09; p<0,000) quanto para a forma de deslocamento (x²=
401,712; p<0,000). A UBS consegue atender ao cidadão em até duas horas, na maioria dos
casos. Na UPA se consegue ser atendido nesse tempo na metade das vezes - é relativamente
comum uma espera superior a 4 horas, situação rara na UBS. Porém, consegue-se mais rápido
a consulta médica nas urgências, esperando apenas meio período (81,8%), situação menos
freqüente nas UBS (29,4%), local em que é comum uma demora de um dia (52,4%) pela
consulta que se foi buscar (p< 0,000).
Quando se compara a freqüência média do problema de saúde referido pelos usuários
nas UBS completamente e parcialmente cobertas pela ESF com as UPA (Tabela 1), vê-se que
as afecções leves aparecem preponderantes nas urgências (57,4%). As UBS parcialmente
cobertas pela ESF atendem proporcionalmente mais usuários com afecções leves que aquelas
completamente cobertas (p< 0,000). Ao estratificarmos esse dado (Tabela 2), vê-se que as
afecções leves como problema de saúde referido variam de 18% a 38% nas UBS e de 51,1%
a 74,4% nas UPA. A consulta médica básica e as ações de enfermagem são os principais
procedimentos utilizados em todos os serviços investigados (Tabela 1). O teste estatístico de
correlação de Spearmans‟rho entre as variáveis „problema de saúde‟ e „local de atendimento‟
teve significância elevada. Existe uma correlação importante entre a gravidade do problema
de saúde referido pelo usuário e o local em que ele foi atendido (r=0,27 p<0,001).
10
Tabela 1 - Problema de saúde e procedimentos utilizados pelos usuários das UBS
completa ou parcialmente cobertas pela ESF e das UPAS de BH, dezembro de 2009
Problema de Saúde Parcial ESF UBS-ESF UPA
N % N % N %
Consultas de retorno 50 40,3 134 33,5 1 0,3
Afecções leves* 34 27,4 170 30,9 174 57,4
Ações programáticas/ Controle
de agravos** 28 22,6 157 28,5 1 0,3
Afecções moderadas a graves*** 8 6,5 19 3,5 66 21,8
Acidente/ lesão/ gravidez alto
risco 3 2,4 12 2,2 54 17,8
Outros 1 0,8 8 1,5 7 2,3
Procedimentos Realizados Parcial ESF UBS-ESF UPA
N % N % N %
Consulta médica 82 66,1 341 62 204 67,3
Classificação de risco/
Acolhimento 22 17,7 123 22,4 124 40,9
Procedimentos de enfermagem 84 27,4 159 28,9 94 31
Consultas de enfermagem 3 2,4 33 6 21 6,9
Consulta odontológica/
Procedimentos odontológicos 9 7,3 20 3,6 3 1
*Afecções leves: gripes, amigdalites, dermatite, bronquites leves, tosse, febre, conjuntivite, dor lombar,
vômito, diarréia, dor de estômago, dor no corpo, dor de dente, distúrbio nutricional, DST;
**Ações programáticas/controle de agravos: vacinação, pré-natal, puericultura, ação educativa, tuberculose,
hanseníase, diabetes, hipertensão, doença de chagas, prevenção de câncer, hipertensão, outras
***Afecções moderadas a graves: crise asmática, pico hipertensivo, cardiopatias, infecção urinária, cólica
renal, sintomatologia do infarto, abcesso dentário, DPOC, tumor/câncer
Tabela 2 - Problema de Saúde referido pelos usuários das UBS, BH, dezembro de 2009
Serviços
de
saúde
Consulta
de
retorno
Afecções
leves*
Ações progmáticas/
Controle de
agravos**
Afecções
moderadas a
graves***
Acidente/
lesão/
gravidez
alto risco
Outros
% % % % % %
UBS 1 26,4 31,2 39,1 1,1 1,1 1,1
UBS 2 26,7 38,3 26,7 1,6 6,7 .
UBS 3 58,7 22,2 17,5 1,6 . .
UBS 4 25,4 36,5 25,4 9,5 3,2 .
UBS 5 35 26,7 36,7 1,7 . .
UBS 6 20,8 34,1 30,76 6,59 2,19 5,49
11
UBS 7 32,8 37,5 23,4 4,7 1,6 .
UBS 8 37,1 30,6 24,2 1,7 3,2 3,2
UBS 9 55,7 18 19,8 3,3 1,6 1,6
UBS 10 38,1 25,4 25,4 7,9 3,2 .
UPA 1 . 51,1 15,6 28,9 4,4 .
UPA 2 . 54,8 28,6 11,9 4,7 .
UPA 3 . 44,2 . 18,6 32,6 4,6
UPA 4 . 69,8 . 20,9 9,3 .
UPA 5 . 51,1 15,6 28,9 4,4 .
UPA 6 2,3 39,5 2,3 32,7 20,9 2,3
UPA 7 . 74,4 . 14 11,6 .
*Afecções leves: gripes, amigdalites, dermatite, bronquites leves, tosse, febre, conjuntivite, dor lombar, vômito,
diarréia, dor de estômago, dor no corpo, dor de dente, distúrbio nutricional, DST;
**Ações programáticas/controle de agravos: vacinação, pré-natal, puericultura, ação educativa, tuberculose,
hanseníase, diabetes, hipertensão, doença de chagas, prevenção de câncer, hipertensão, outras
***Afecções moderadas a graves: crise asmática, pico hipertensivo, cardiopatias, infecção urinária, cólica renal,
sintomatologia do infarto, abcesso dentário, DPOC, tumor/câncer
A UBS é a primeira opção de atendimento para a grande maioria usuária dos serviços
básicos de saúde e para cerca da metade dos que utilizam as urgências (UBS, 90,2%;UPA,
52,8%; p<0,000). Quanto ao motivo da procura pelo serviço, predomina a proximidade da
residência (64% nas UBS; 44% nas UPA), o fato de ser cadastrado no local (16%, UBS), ou
por indicação de outro serviço, no caso das UPA (4%), com diferença significativa (p<0,000).
Em geral, o usuário costuma procurar as emergências quando considera que o problema de
saúde é grave ou quando avalia que a atenção básica não resolverá o seu problema (Tabela 3).
Tabela 3 - Situações em que o usuário procura a UPA e a UBS, por locais de coleta, Belo
Horizonte, dezembro de 2009
Situações de procura às urgências Parcial ESF UBS-ESF UPA
N % N % N %
Quando o problema de saúde é grave 44 35,5 208 37,8 140 46,2
Quando fica doente e o CS não está
aberto 10 8,1 69 12,5 10 3,3
Quando avalia que o CS não vai resolver
o problema 14 11,3 61 11,1 54 17,8
Para qualquer situação de doença,
porque tem mais equipamentos e já faz
os exames
1 0,8 11 2 18 5,9
Para qualquer problema de saúde 4 3,2 7 1,3 41 13,5
12
Pois confia no desempenho técnico dos
profissionais 0 0 3 0,5 4 1,3
Situações de procura à UBS Parcial ESF UBS-ESF UPA
N % N % N %
Consultas e exames de rotina 112 90,3 463 84,2 153 50,5
Para pegar medicação prescrita 90 72,6 334 68 105 34,7
Vacinação 76 61,3 349 63,5 93 30,7
Realizar preventivo do CA ginecológico 22 17,7 122 22,2 26 8,6
Acompanhamento de hipertensão e
diabetes 24 19,4 100 18,2 28 9,2
Solicitar encaminhamento para outro
serviço e, ou especialidade 19 15,3 100 18,2 27 8,9
Para tratamento odontológico 26 21 53 9,6 14 4,6
Acompanhamento do CD das crianças 15 12,1 47 8,5 24 7,9
Participar de atividades educativas 6 4,8 43 7,8 11 3,6
Para acompanhamento pré-natal 13 10,5 32 1,8 4 1,3
Reuniões do conselho de saúde local 1 0,8 3 0,5 1 0,3
Coordenação do cuidado a partir das Equipes Saúde da Família
As apresentações dos profissionais de saúde que participaram dos GF expressaram a
contextualização sócio-histórica dos mesmos. Assim, nos relatos sobre os fatos marcantes,
predominou, entre as mulheres, as relações familiares, a maternidade e as situações de
sofrimento com os usuários, seja nos depoimentos sobre os acontecimentos significativos de
vida e do trabalho, seja nas gravuras escolhidas. Os homens (maioria médicos) mantiveram-se
no escopo da vida profissional, informando a escolha da medicina e as alegrias do vestibular
como fatos importantes em suas vidas. Nas falas houve pouca explicitação do que se pensa
por parte dos entrevistados, em pelo menos dois grupos. Em alguns profissionais, identificou-
se não envolvimento com as questões propostas para discussão. Nesses, ou se tendeu para
qualquer lado, ou se evidenciou um distanciamento nas posturas de mudança, pró-ativas,
frente ao cenário das práticas de trabalho. Noutros casos, identificou-se o discurso de
mudança de práticas por meio da ESF.
13
Na analise dos depoimentos dos profissionais acerca de suas impressões sobre os
dados da primeira etapa da pesquisa realizada com os usuários das UBS e das UPAS,
extraíram-se as categorias referentes ao trabalho das equipes, ao acesso da população, a
organização das RAS e a coordenação do cuidado, conforme se descreve nos itens a seguir.
a) Dificuldades no acesso do usuário: Nesta categoria, as discussões confirmaram alguns
indicativos de barreiras no acesso do usuário à RAS, tais como: a demora na marcação de
consultas especializadas e exames de apoio diagnóstico; maior agilidade no atendimento da
demanda espontânea nas UPA e menor nas UBSs, para usuários com problemas passíveis de
serem resolvidos na atenção primária à saúde; o atendimento recorrente as mesmas pessoas e
a insuficiência dos mecanismos de gestão das filas.
b) Acolhimento e triagem: o acolhimento como um momento de escuta ampliada ao usuário
foi relatado em parte dos depoimentos. Noutros casos, o mesmo foi referido como triagem no
trabalho das equipes da ESF, em geral com o uso de listas preparadas para a consulta médica,
com predomínio da hierarquização de atendimentos a partir do que seria urgente, na visão do
profissional37-38
. Os depoimentos a seguir explicitam os achados:
“Todos são ouvidos. Tem uma pessoa especializada que sabe
discernir o que é mais urgente e o que pode „empurrar com a barriga
(Dep. 1).
Todo mundo é escutado. Lógico que, quem está com pneumonia, a
enfermagem põe na frente, prioriza. Essa emergência é atendida.
Agora, a verminose fica para quando puder... a depressão leve, o dia
em que tiver vaga a gente coloca [...]. (Dep. 2)
Quando você vai acolher, ouvir a pessoa, identificar a necessidade,
você vai muitas vezes fazer a triagem do atendimento médico. Se não
há medico, não há acolhimento! (Dep. 3)”
c) Processo de trabalho centrado no atendimento médico ou na demanda espontânea, com
espaços para mudanças: identificaram-se, em vários depoimentos, o foco da atenção à
demanda espontânea por consulta médica, em prejuízo das outras atividades da Equipe Saúde
14
da Família. Os entrevistados afirmaram que há maior frequencia de atendimentos aos
“agudos”, ou seja, “usuários que chegam com sintomatologia da doença” (Dep. 4) - em
detrimento de abordagens pautadas na promoção da saúde. Porém, houve exemplo
significativo de planejamento das ações, de trabalho em equipe, de abordagem integral ou de
coordenação do trabalho, a partir das diretrizes da ESF, como a elaboração de diagnóstico
situacional, a discussão dos problemas prioritários e a implantação de práticas diversas de
promoção à saúde, o que exemplifica a possibilidade de modificação do cenário tradicional de
atenção à saúde.
“A gente tem evoluído né! ... Eu acho que esses grupos todos que a
prefeitura tem promovido para as discussões com os profissionais que
fazem PSF, o próprio documento das diretrizes é uma coisa bacana
que a gente tem no centro de saúde; também acho que a gerencia é
um privilégio para nós. (Dep. 4)”
d) Ações programáticas com diferentes conformações: as ações programáticas são realizadas
de maneira diversa pelas Equipes da ESF. Em geral, essas atividades programadas dependem
do contexto de organização da UBS, a despeito da existência dos protocolos municipais que
normatizam essa forma de atendimento33
. Verificou-se sobreposição das ações desenvolvidas
pela ESF e pela equipe de apoio (pediatras, clínicos e ginecologistas) na UBS - ambas
realizando consultas dentro dos programas, sem distinção de papéis. As diferentes formas de
organização das ações programáticas no trabalho das equipes, numa mesma unidade de saúde,
apresentaram variações entre o cumprimento total, parcial ou insuficiente dos protocolos.
Destaque-se, ainda, que a atuação do enfermeiro para a realização da consulta de enfermagem
e para o gerenciamento da assistência mostrou-se relevante no cumprimento dos protocolos
assistenciais, no universo investigado, o que ratifica a importância desse profissional para o
trabalho da equipe32
.
“Fazendo os grupos a gente nota que eles surtem mais efeito. Na
minha unidade, o planejamento familiar nunca está vazio. Eu acho até
15
interessante as gestantes agora, o grupo de gestante, chegam a ter até
10 consultas, com o atendimento todo dentro do protocolo.
Conseguimos tudo que o protocolo pede. Estamos mais ou menos, de
60% a 80% está dentro de conseguir todas as seis consultas no
mínimo, fazer dois exames, ser encaminhada para o dentista que é
umas das coisas que a gente está priorizando”(Dep.5)
e) Indícios de mudanças na prática profissional das equipes de saúde da família: a ESF
ampliou o conhecimento dos profissionais sobre o usuário e sua família, sendo esse um dos
avanços a se destacar. Da mesma forma, nota-se maior preocupação com a continuidade da
assistência prestada às famílias adstritas como um dado positivo para a perspectiva da
coordenação do cuidado. Outra mudança seria maior acesso do usuário às UBS, o que não
acontecia à época das senhas para atendimento, bem como a ampliação da oferta de serviços
aos usuários, conforme de exemplificado no trecho do depoimento de um dos profissionais:
“Todo mundo é escutado sim. Antigamente, quem chegava mais cedo
com uma dor de barriga, uma verminose, era atendido. A pneumonia
que chegava mais tarde ia embora para casa. Eram doze fichas,
acabou, acabou. Hoje não. (Dep. 5)”
“Uma coisa que aconteceu e que foi muito legal, é que chegou pra
mim uma paciente hipertensa grave, ela já tem insuficiência cardíaca,
tem 41 anos e eu percebi que sua grande dificuldade é que ela não
sabia ler e, portanto, ela não sabia usar os medicamentos. Ela ia
consultar de 2 em 2 dias, acompanhei o seu tratamento durante uns
15 dias, percebi essa dificuldade e pedi a filha para acompanhá-la.
Quando eu expliquei à filha e ela organizou tudo, imediatamente a PA
abaixou e ela ficou muito grata e isso foi de grande valia para
mim”(Dep. 6)
Outras mudanças são as práticas educativas realizadas pelas equipes que geram
reflexões e preocupações dos profissionais sobre a qualidade das mesmas. Foram admitidas,
pelos participantes, deficiências na formação profissional para o desenvolvimento de
abordagens educativas dialógicas, o que demonstra reflexão e responsabilidade sobre as
práticas, necessário a todo movimento de superação dos desafios.
16
Considerou-se inovadora, nos depoimentos, a atividade de planejamento das ações e de
diagnóstico situacional elaborado pelas equipes, como parte do curso de capacitação dos
ACS, oferecido pela Secretaria de Saúde de Belo Horizonte (SMSA-BH) em parceria com
instituições de ensino locais. Outras ações diferenciadas são as reuniões de mobilização
popular e a formação de grupos de educação física.
A despeito dos avanços registrados, percebe-se presença da prática diretiva no trabalho
dos profissionais em saúde, com fragilidades na articulação entre os níveis de atenção.
Identifica-se, em muitos depoimentos, um cuidado de concepção restrita, comum ao modelo
de atenção biomédico11;20
. De igual modo, são tênues as atitudes mais consistentes de análise
e organização do trabalho da ESF a partir da demanda que procura a UBS, de forma a
aproximar os serviços de saúde das necessidades de saúde da população - requisito para as
mudanças na acessibilidade dos serviços10-20
Discussão
O acesso da população aos serviços investigados no SUS-BH é motivado por afecções
leves que, na maioria dos casos, podem ser resolvidas na UBS. A duplicidade de ações entre a
atenção básica e os serviços de urgência indica que a oferta da rede básica de BH - suficiente
em termos de cobertura populacional, de estratégia organizativa e do acesso geográfico -
ainda tem dificuldades na prestação de serviço no local adequado e no tempo certo, como
prevê a estruturação das RAS3;6-8
. Observou-se que a UPA figura como a principal porta de
entrada para o usuário, na maioria das vezes, independente da complexidade do problema de
saúde que o motiva a buscar o serviço, coerente com outros estudos 34-36
. Nesse sentido, cabe
refletir mais sobre como os serviços de saúde escutam e assistem os usuários que lhe batem a
porta, considerando a influencia do modelo biomédico, ainda hegemônico nas práticas de
saúde, para a estruturação das RAS e da gestão do cuidado no SUS37-38
.
17
A facilidade de acesso geográfico dos usuários à UBS, por ser o serviço mais próximo
da residência, mais rápido e de fácil deslocamento, indica boas perspectivas para a
organização da RAS e a ampliação do acesso à saúde no SUS de Belo Horizonte16-17
. Porém,
é necessário o aperfeiçoamento das relações entre os níveis de atenção do SUS, com redução
da duplicidade de ações para a busca da equidade nos serviços. Nesse sentido, a demora em se
conseguir a consulta médica básica ou o exame na UBS, em relação a UPA, dentre outras
dificuldades de acesso do usuário, acentua a desarticulação entre os pontos de atenção e
evidencia as barreiras que os serviços de atenção básica precisam enfrentar para que se
constituam, de fato, centros ordenadores das RAS.
Quanto à avaliação dos fundamentos e dos atributos previstos para a RAS3, com o
destacado papel da atenção básica na reorganização pretendida, vê-se que a atenção básica no
SUS de BH apresentou certa fragilidade em aspectos como a integração vertical e horizontal
entre os pontos de atenção, nos processos de substituição das práticas de saúde. Por outro
lado, há potencialidades nos mecanismos de coordenação e de continuidade do cuidado, pelas
equipes da ESF, com maior vínculo e responsabilização pela população adstrita2-3,7
.
A confirmação de casos, pelos profissionais de saúde, das dificuldades de acesso do
usuário na UBS, da percepção do acolhimento como triagem, do processo de trabalho
centrado no atendimento médico, das ações programáticas com múltiplas conformações e da
implantação diversificada dos protocolos nas UBS exemplifica certa fragmentação da
assistência, com espaços ou linhas de fuga para as mudanças3,37-40
.
Sobre os elementos pertinentes à coordenação e a continuidade do cuidado pelas
equipes da ESF, vê-se um mosaico de atuação diversificada em relação aos mecanismos de
gestão das filas, a implantação dos protocolos da SMSA-BH, a gestão do acolhimento, a
responsabilização do cuidado e a classificação do risco, nas UBS. O atendimento prioritário
ao „agudo‟, ratificado nos depoimentos, revela a necessidade de se investir mais em ações
18
sobre os eventos crônicos, prioritários para a inversão do modelo de atenção nas RAS, com a
valorização das práticas de promoção à saúde existentes39
.
A relação com os outros níveis de atenção, não apenas com as urgências, também com
as especialidades do SUS-BH, implica numa importante reestruturação produtiva do trabalho
em saúde, para além da atenção básica, por se inserir num contexto macroeconômico e
político complexo, produtor e influenciado pelas ações de saúde18
. Por outro lado, na
micropolítica do trabalho nos serviços de saúde, é preciso rever os fluxos e os tempos em que
as ações ocorrem, na tentativa de priorizar as respostas que o cidadão busca, sem negligenciar
o tempo necessário para uma escuta adequada, aspecto relevante do acesso centrado nas
necessidades do cidadão.
Ressalte-se que as barreiras e as normas que se impõem à população, por vezes com a
intenção de melhorar o acesso, se expressa na duplicidade de ações, nos procedimentos
desnecessários e nas dificuldades de se obter serviços no local, no momento e na qualidade
oportunas. No caso específico do acolhimento nas RAS, há de se reduzir a distancia entre a
concepção adequada do termo e a prática nos serviços40
.
Em síntese conclusiva, a implantação da ESF na atenção básica de Belo Horizonte
melhorou consideravelmente a dimensão da utilização do acesso, restando otimizar o aspecto
efetivo e a integração entre os pontos de atenção do SUS-BH, em especial com a rede de
urgências. Há indícios de reorganização no trabalho dos profissionais de saúde que favorecem
a coordenação do cuidado, como o vínculo com a população adstrita, a elaboração de
diagnóstico situacional, o trabalho em equipe e a implantação de práticas diversas de
promoção à saúde nas UBS. O foco na clínica ampliada centrada nas necessidades do usuário,
em substituição ao processo de trabalho em saúde voltado para a demanda espontânea, para a
consulta médica e para o atendimento às situações agudas, segue como desafio para ampliar a
acessibilidade da população aos serviços de saúde.
19
REFERENCIAS
1- Brasil. Presidência da República. Casa Civil. Decreto nº 7508, de 28 de junho de 2011.
Regulamenta a Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, que dispõe sobre a organização do
Sistema Único de Saúde - SUS, o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação
interfederativa, e dá outras providências. Diário Oficial da União de 29.6.2011.
2- Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2488/GM, de 21.10.2011. Aprova a Política
Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a
organização da Atenção Básica, para a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Programa de
Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Diário Oficial da União, Seção 1, de 24.10.2011
3- BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria Nº. 4.279, de 30 de dezembro de 2010. Estabelece
diretrizes para a organização da Rede de Atenção à Saúde no âmbito do Sistema Único de
Saúde (SUS). Diário Oficial da União, Seção 1 de 31 de dezembro de 2010, pág. 88.
4- Brasil. Ministério da Saúde. Portaria Nº 1.600, de 7 de julho de 2011. Reformula a Política
Nacional de Atenção às Urgências e institui a Rede de Atenção às Urgências no Sistema
Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União Seção 1, de 8 de julho de 2011, pág. 69.
5- Lentsck MH, Kluthcovsky, ACGC, Kluthcovsky FA. Avaliação do Programa Saúde da
Família: uma revisão. Rev C S col 2010; 15 (suppl.3): 3455-66
6- Kuschnir R, Chorny AH. Redes de atenção à saúde: contextualizando o debate. Rev C S
col 2010; 15(5): 2307-16.
7- Saltman RB, Rico A, Boerma WGW, organizadores. Atenção primária conduzindo as redes
de atenção à saúde: reforma organizacional na atenção primária europeia. Brasília: Ministério
da Saúde, Organização Pan-Americana da Saúde; 2010
8- Pisco L. Reforma da Atenção Primária em Portugal em duplo movimento: unidades
assistenciais autónomas de saúde familiar e gestão em agrupamentos de Centros de Saúde.
Rev C S col 2011; 16(6): 2841-52.
9-Escoval A, Ribeiro RS, Matos TT. O processo de contratualização na saúde em Portugal
(1996-2005). Revista Portuguesa de Saúde Pública 2010; Vol. Tem 9: 7-24.
10-Malta DC, Merhy EE. O percurso da linha do cuidado sob a perspectiva das doenças
crônicas não transmissíveis. Interface (Botucatu) 2010: 14(34): 593-606
11- Pires MRGM, Göttems LBD. Análise da gestão do cuidado no Programa Saúde da
Família: referencial teórico-metodológico. Revista Brasileira de Enfermagem 2009; 62(2):
294-99
20
12-Pires MRGM, Gottems LBD. Avaliação da atenção básica em Belo Horizonte:
organização, oferta e acessibilidade dos serviços [relatório de pesquisa]. Belo Horizonte:
Escola de Enfermagem, Universidade Federal de Minas Gerais; 2009.
13- BELO HORIZONTE. Secretaria Municipal de Saúde. Relatório de Gestão 2010.
http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/noticia.do?evento=portlet&pAc=not&idConteudo=47944
&pIdPlc=&app=salanoticias (acesso em 26 de abril de 2012)
14-Travassos C. Eqüidade e o Sistema Único de Saúde: uma contribuição para debate. Cad
Saúde Pública 1997; 13(2): 325-30
15-Travassos C, Martins, M. Uma revisão sobre os conceitos de acesso e utilização de
serviços de saúde. Cad Saúde Pública 2004; 20(Suppl. 2): 190-98
16-Travassos C, Castro MSM. Determinantes e desigualdade sociais no acesso e na utilização
dos serviços de saúde. IN: Giovanella L (Org.) Política e Sistema de Saúde no Brasil. Rio de
Janeiro: Fiocruz, 2008: 215-43
17- Jesus WLA, Assis MMA. Revisão sistemática sobre o conceito de acesso nos serviços de
saúde: contribuições do planejamento. Rev C S col 2010; 15(1): 161-70.
18- Gottems LBD, Pires MRGM. Para além da atenção básica: reorganização do SUS por
meio da interseção do setor político com o econômico. Saude soc. 2009; 18(2): 189-98.
19-Azevedo ALM, Costa AM. A estreita porta de entrada do Sistema Único de Saúde (SUS):
uma avaliação do acesso na Estratégia de Saúde da Família. Interface (Botucatu) 2010;
14,(35): 797-810.
20-Rabetti AC, Freitas SFT. Avaliação das ações em hipertensão arterial sistêmica na atenção
básica. Rev. Saúde Pública 2011; 45 (2): 258-68.
21. Brasil. Ministério da Saúde. Manual Operacional do Projeto de Investimento para a
Qualificação do Sistema Único de Saúde. Disponível em:
http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/Manual_Operacional_QualiSUS.pdf
22- Minayo MCS, Assis SG, Souza ER. Avaliação por triangulação de métodos: abordagem
para programas sociais. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2005.
23-Capilheira MF, Santos IS. Fatores individuais associados à utilização de consultas médicas
por adultos. Rev Saúde Pública 2006; 40 (3): 436-43.
24-Pires MRGM et al. Oferta e demanda por média complexidade/SUS: relação com atenção
básica. Rev C S col 2010; 15 (suppl.1): 1009-19.
25-Boing AF. Prevalência de consultas médicas e fatores associados: um estudo de base
populacional no Sul do Brasil. Rev Assoc Med Bras 2010; 56(1): 41-6.
21
26- Hill MM, Hill A. Investigação por questionário. Lisboa/Portugal: Edições Silabo, 2009.
27-Dias CA. Grupo focal: técnica de coleta de dados em pesquisas qualitativas. Revista
Informação & Sociedade: Estudos 2000; 10 (2):1-12
28-Gondim SMG. Grupos Focais como técnica de investigação qualitativa: desafios
metodológicos. Revista Paidéia Cadernos de Psicologia e Educação 2002;12 (24):149-62
29-Bauer MW, Gaskell G. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático.
Petrópolis: Vozes; 2002.
30-Thompson JB. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de
comunicação de massa. Petrópolis: Vozes; 1995.
31-Orlandi EP. Análise de discurso: princípios e procedimentos. Campinas: Pontes; 2001.
32-Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção
Básica. Prograb: Programação para Gestão por Resultados na Atenção Básica. Brasília:
Ministério da Saúde; 2006.
33-Secretaria Municipal de Saúde (BH). Avanços e desafios na organização da atenção básica
à saúde em Belo Horizonte. Belo Horizonte:HMP Comunicação; 2008.
34- Oliveira MLF, Scochi MJ. Determinantes da utilização dos serviços de
urgência/emergência em Maringá-PR. Revista Ciência, Cuidado e Saúde Maringá 2002; 1(1):
123-28
35-Jacobs PC, Matos EP. Estudo exploratório dos atendimentos em unidade de emergência
em Salvador-BA. Revista da Associação Médica Brasileira 2005; 51 (6): 348-53
36-Green A, Ross D, Mirzoev T. Primary Health Care and England: The coming of age of
Alma Ata? Health Policy 2007; 80: 11-31
37- Cunha TG. A construção da clínica ampliada na atenção básica. São Paulo: Editora
Hucitec; 2005
38-Campos GWS. Clínica e saúde coletiva compartilhadas: teoria Paidéia e reformulação
ampliada do trabalho em saúde. IN: Campos GWS et al. Tratado de saúde coletiva. São Paulo:
Hucitec, 2006/Rio de Janeiro: Fiocruz, 2006: 53-92
39-Mendes EV. As redes de atenção à saúde. Eugenio Vilaça Mendes. Belo Horizonte: ESP-
MG, 2009
40- Mitre SM, Andrade EIG, Cotta RMM. Avanços e desafios do acolhimento na
operacionalização e qualificação do Sistema Único de Saúde na Atenção Primária: um resgate
da produção bibliográfica do Brasil. Disponível em:
http://www.cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/artigo_int.php?id_artigo=7713