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Conhecido no Clube Duque de Caxias pelo sotaque carregado e pelo sorriso largo, a história da profissão do associado Otto Siegfried Dummer, com certeza, é capaz de fazer com que os apreciadores de cerveja a vejam sob outros prismas.

Nascido em São Paulo, Otto tem por descendência o pai alemão e a mãe brasileira. Mas a paixão pela cerveja não proveio da raiz paterna, e sim, por um simples acaso. Na época, o jovem Otto estava com 22 anos, fazendo estágio na área de Administração na Sanepar. Em um belo dia, viu um anúncio da Cervejaria Brahma na Gazeta do Povo, escrito em alemão. O anúncio convidava jovens que tivessem fluência em alemão para estudar o ofício de apren-diz de mestre cervejeiro, exigindo dos candidatos o o segundo grau completo e ser solteiro, bem como a disponibilidade para viajar para Alemanha. Sem pensar duas vezes, ele aceitou.

Após três anos de aprendizado prático em diversas unidades cervejeiras e maltaria da empresa, e tam-bém na Universidade Técnica de Munique, Otto se formou como mestre cervejeiro. Retornou para Curi-tiba em 1978 e passou a ocupar o ofício na fábrica da Brahma, sendo, também, enviado constantemen-te para outras fábricas do Brasil. O ofício também in-cluía atribuições de professor, no curso de Cervejeiro Prático da companhia. Anualmente, vários técnicos do Brasil se reuniam no período de invernopara par-ticipar do curso de Teoria Cervejeira. Esta atividade foi exercida por Otto durante nove anos.

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há 40 anosENTREVISTA DE ADRIANE BALDINIFOTOS LUCAS ANDRADE/ ACERVO CDC

Nas mãos dele havia a responsabilidade de cuidar de milhões de litros de cerveja, sempre entregando o produto com o padrão de qualidade alemão. Caso um lote não estivesse dentro das conformidades (que naquela época representava a média de 160 mil litros) era, simplesmente, despejado no ralo. Hoje, o volume produzido é muito maior, por isso tanto rigor na fabricação. Ele diz que “a qualidade de um produto que era consumido no Norte deveria ser absolutamente igual em qualquer outro canto do país. Em outras cervejarias, o padrão de qualidade era diferente”. Segundo ele, na grande concorrente da época havia políticas diferentes de qualidade em cada uma de suas fábricas. “Mas é claro que isso era naquele tempo. Hoje a tecnologia está avançada e todas estão padronizadas”, diz.

CEREAIS NÃO MALTEADOSPara se fabricar cerveja, segundo a Lei da Pureza 1516, nascida na Alemanha (Reinheitsgebot), são necessários quatro ingredientes: água, malte (que pode vir da cevada e trigo) lúpulo e leveduras. Sobre a inserção de cereais não malteados (como milho e arroz) na fórmula das cervejas industriais, o mestre cervejeiro diz que a primeira impressão de quem não entende muito do assunto pode achar que é apenas para baratear custos, mas a história real não é bem essa. Desde a época em que entrou na empresa, ela já usava cereais não malteados na fórmula. “Houve a época em que esse cereal não malteado, principal-mente o arroz, era tão caro tanto quanto o malte”, diz. O uso desse produto taz diversos benefícios,

como o de manter a estabilidade e durabilidade do produto, preser-vando-o mesmo depois de gelado. A cerveja é sensível ao frio, e o arroz, presente na fórmula, impe-de a coagulação das proteínas, o que poderia gerar turbidez. Ainda, segundo ele, “uma empresa, para fabricar uma bebida com cereais não malteados, precisa de equi-pamentos específicos, caros até, eu diria. Algo que uma cervejaria pequena não comportaria”. É cla-ro que, para ele, uma cerveja puro malte é indiscutivelmente mais intensa em questão de sabores, mas possui uma durabilidade bem menor.

"O que vou levar de mais valoroso durante todo esse tempo como mestre cervejeiro foi (e ainda é) a convivência com as pessoas. Em cada fábrica que passava, encontrava a média de 400 pessoas, cada uma pensando de forma diferente. Durante essa caminhada, aprendi que todos nós temos a capacidade de se adaptar, afinal, ao aprimorar o relacionamento interpessoal (ou seja, entender a cultura do lugar e de como a maioria das pessoas pensa), as coisas fluem muito melhor".

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NA PRIMEIRA FOTO ESTÁ OTTO, DE TERNO MAIS CLARO, REALIZANDO A ABERTURA DE UM DOS BAILES DO CLUBE DUQUE DE CAXIAS COM O CARGO DE VICE-DIRETOR SOCIAL.

NA FOTO AO AO LADO, O MESTRE CERVEJEIRO ESTÁ CARACTERIZADO COM TRAJES TÍPICOS DA ALEMANHA, REALIZANDO A SANGRIA DO BAILE DA CERVEJA. AMBAS FOTOS SÃO DA SEDE SOCIAL, ANO DE 1981.

Otto trabalhou durante 24 anos na Brahma, ven-do, inclusive, a cervejaria ser vendida pela primeira vez para o Grupo Garantia, em 1990; hoje a marca está sob a detenção da AB InBev, maior cervejaria do mundo em termos de volume, produção e ven-das. Ele ainda passou por outras cervejarias, como Cervejaria Zanni, Molson (detentora, na época, das marcas Bavária e Kaiser) e as do grupo Schincariol (trabalhando nas fábricas nas cidades de Benevides, no Pará, e Caxias, no Maranhão). Assim como no emprego anterior, nesse, vivia em pontes aéreas. As-sim, morou, praticamente, em quase todos os esta-dos do país.

EXPERIÊNCIA COM AS ARTESANAISO mestre cervejeiro acompanhou as novas aquisi-ções do grupo Schin: As cervejarias Baden Baden, Eisenbahn e Devassa. “Como eu tinha descendên-cia alemã, me transferiram para a Baden Baden, em Campos do Jordão (SP). Lá foi meu primeiro contato com a cervejaria artesanal”, diz.

Após um bom período na Baden Baden, ele foi con-vidado por um amigo que trabalhava na área de su-primentos da Schincariol para um novo desafio: a proposta foi de, claro, montar uma cervejaria. Surge então, no ano de 2010, a Cervejaria Blondine, ini-ciando a primeira produção de 1.000 litros como cervejaria cigana (que consiste em locar tanques e serviços para a produção cervejeira) na Cervejaria Gauden Bier. Lá nasceram duas grandes marcas da cervejaria: Jackpot e Bad Moose.

A produção cresceu tanto que a Blondine deixou a Gauden Bier produzindo 14 mil litros, rumo à sede

própria, em Itupeva (SP), no ano de 2013/2014. A escolha do estado foi devido a questões mercadoló-gicas. Desde então, novos rótulos surgiram com uma grande variedade de estilos, sendo vários premiados no Festival Nacional da Cerveja, que ocorre todos os anos no período de março em Blumenau (SC).

Quase todos os rótulos da Blondine podem ser en-contrados no restaurante da Sede Social, na Duque. Segundo ele, “degustar novos sabores é essencial, mas deve se começar com o estilo padrão. Tome a sua Pilsen tradicional, daquela marca industrial, e, uma das Pilsen artesanais. Depois que você sentir a diferença, dificilmente voltará para a industrial”, brinca Otto.

HISTÓRIA CERVEJEIRA NA DUQUEQuanto à sua longa relação com o Clube Duque de Caxias, Otto diz que a cerveja foi um dos grandes fa-tores que o influenciou a se tornar associado. “Meus pais não eram sócios e nem se interessavam em participar de qualquer sociedade, mas eu já conhe-cia a Duque, pois desde pequeno eu frequentava o clube por meio de convite de amigos. Logo depois que eu voltei da Alemanha, me tornei sócio, casei, tive filhos. Em um belo dia, entrei na Sede Social e vi o presidente da época, o Sr. Erno Peters, que junto com a esposa e a Dona Élia, decoravam o sa-lão para a Festa da Cerveja. Fui lá oferecer minha ajuda e, logo em seguida, ele me convidou para ser vice-diretor social. Desde então, passei a participar de varias gestões”, diz. Essa história pode ser com-provada com ele, jovem, fazendo a sangria do baile do Chopp nas imagens antigas do Clube. Ein Prosit, grande mestre!•


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