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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIROCENTRO DE LETRAS E ARTES - INSTITUTO VILLA-LOBOS
CURSO DE LICENCIATURA PLENA EM EDUCAO ARTSTICA COM HABILITAO
EM MSICA.
O SAX DE PIXINGUINHA E O VIOLO DE 7 CORDAS
RAFAEL MEIRE
RIO DE JANEIRO, 2006
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O SAX DE PIXINGUINHA E O VIOLO 7 CORDAS
por
RAFAEL MEIRE
Monografia apresentada para concluso do Curso deLicenciatura Plena em Educao Artstica /Msica, daUNIRIO, sob a orientao do professor Dr. Luiz OtavioBraga.
Rio de Janeiro, 2006
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Esta monografia dedicada aos meus pais.
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AGRADECIMENTOS
Agradeo minha famlia: me, pai e irm, pelo total apoio desde a primeira vez em que toqueias cordas de um violo.
Renata Maranho, por se fazer eterna em todos os dias da minha vida.
Aos amigos do peito e companheiros de trabalho, pela fora e compreenso.
Thiago Assis que, alm da fora e compreenso, ajudou-me em momentos decisivos.
todos os professores que me fizeram crescer.
Luiz Otvio Braga, pela orientao, pelos ensinamentos seguros, pela pacincia e por ter melivrado de uma das piores tendinites que tive na vida.
Agradeo, acima de tudo, Deus.
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MEIRE, Rafael. O sax de Pixinguinha e o violo de 7 cordas. 2006.Monografia (Curso de
Licenciatura Plena em Educao Artstica /Msica) - Centro de Letras e Artes, UniversidadeFederal do Estado do Rio de Janeiro.
RESUMO
A presente monografia estima contribuir para o ensino do violo de sete cordas atravs datranscrio e anlise de algumas peas onde Pixinguinha atua como saxofonista contrapontista.Para a realizao deste trabalho, foi indispensvel recorrer registros bibliogrficos, registrosfonogrficos, s aulas de violo popular que constam na grade curricular da graduao e audio de apresentaes de samba e de choro. Sua proposta pedaggica vivel na medida emque busca complementar o estudo do violonista brasileiro, reunindo em seu corpo a biografia dePixinguinha, as funes do violo de sete cordas, anlises musicais e exerccios.
Palavras-Chave: Pixinguinha Contracantos Violo de sete cordas
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SUMRIO
INTRODUO..............................................................................................................................1
CAPTULO 1 PIXINGUINHA: UMA PEQUENA
BIOGRAFIA..................................................................................................................................3
CAPITULO 2 O VIOLO DE SETE CORDAS......................................................................13
CAPTULO 3 ANLISES MUSICAIS E EXERCCIOS
3.1-PIXINGUINHA.....................................................................................................................22
3.2-A BAIXARIA E SEUS ASPECTOS TERICOS................................................................34
3.3-EXERCCIOS........................................................................................................................37
CONSIDERAES FINAIS ...................................................................................................... 39
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS.........................................................................................42
ANEXOS......................................................................................................................................43
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INTRODUO
Logo nos primeiros meses de Uni-Rio tive a oportunidade de conhecer pessoas que, assim
como eu, ansiavam por sentir-se musicalmente seguras dentro do rico universo da nossa msica
popular brasileira. Naquela poca era comum passarmos tardes ensaiando na Universidade,
reunindo-nos na casa dos colegas de turma e promovendo festas para tocar. As melodias das
msicas ainda no eram muito generosas conosco, que nos perdamos no brao do violo ou do
cavaquinho a tentar aprender as harmonias de ouvido. Em pouco tempo formamos o nosso
prprio conjunto de choro na disciplina prtica de conjunto, orientados por Luiz Otvio Braga.
O conjunto era uma pequena orquestra popular: bandolim, flauta, cavaquinho, dois violes,
acordeo e pandeiro. A minha vontade de conhecer e tocar cada vez mais choros comeou nessa
poca. Mais tarde tive aulas de violo de sete cordas com o prprio Luiz Otvio Braga, na Uni-
Rio. Estudamos pelo seu mtodo O violo de 7 cordas e fizemos trabalhos de transcrio
(muito importantes!) de baixarias a partir de gravaes. Certo dia resolvi tentar transcrever os
baixos de Pixinguinha em suas gravaes com Benedito Lacerda. Qual no foi a minha surpresa
ao perceber que estes, em sua maioria, adequavam-se perfeitamente ao violo de sete cordas,
sua tcnica, tessitura e lingagem. Salvo algumas pequenas adaptaes necessrias, me parecia
que aquele seria um estudo interessante. E est sendo. Talvez o seja por um bom tempo: Os
baixos de Pixinguinha so imperdveis, usando as palavras de Luiz Otvio. Os trabalhos de
Mrcia Ermelindo Taborda e Fernando Viveiros de Castro Duarte, sendo o primeiro uma tese de
mestrado e o segundo uma monografia, tambm foram muito enriquecedores no sentido de dar
fundamento terico quilo que estava buscando. A ida apresentaes de conjuntos de samba e
de choro, da mesma forma, foram atividades importantes para que se pudesse situar os gneros e
suas prticas em nossa presente realidade. No mais, me pergunto: Alm de estudar o trabalho dos
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grandes violonistas de sete cordas do Brasil, por que no ampliar este estudo e buscar aprender
um pouco sobre os contracantos daquele que foi um grande mestre para todos ns?
A proposta desta monografia contribuir sendo til queles que interessam-se pelo violo
de sete cordas e suas aplicaes. Atravs da transcrio e anlise dos baixos de Pixinguinha, a
idia organizar um material que possa servir como complemento para o estudo do violonista
brasileiro, seja ele iniciante ou j experiente, alm de fornecer material para que este sinta-se livre
para criar. Embora a audio permanente de boas gravaes e a convivncia com bons
instrumentistas sejam atividades insubstituveis, existe nos dias de hoje uma gerao de jovens
msicos que est aprendendo samba e choro no s por meio do vis prtico, mas tambm
terico. So msicos que tocam bem, tem bom ouvido, sabem ler e se expressar dentro da
lingagem musical. Acreditamos, sem medo de errar, que a prtica e a teoria se completam e,
mais do que nunca, tm caminhado juntas a fim de atender s exigncias cada vez mais rigorosas
do mercado de trabalho.
No primeiro captulo, julgamos importante fazer uma pequena biografia do msico
Pixinguinha, mostrando a sua trajetria desde os tempos de garoto at os anos de rdio Tupi
quando, ao lado de Benedito Lacerda, registrou a sua atuao como saxofonista contrapontsta.
No segundo captulo falamos sobre o violo de sete cordas, suas funes principais, influncia
dos instrumentos de sopro e sua evoluo estilstica. No terceiro captulo encontram-se as
anlises musicais dos contracantos de Pixinguinha, exemplos e uma pequena sugesto de
exerccios. Na seo de anexos encontram-se nove msicas transcritas; fica, pois, a cargo do
leitor desta monografia continuar o trabalho das transcries, que s tm a enriquecer seu estudo
e aguar sua percepo musical.
Assim esperamos contribuir para a pedagogia do violo de sete cordas no nosso pas, na
certeza de que muitos outros trabalhos ainda viro pela frente, ampliando tal objetivo.
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CAPTULO 1- PIXINGUINHA: UMA PEQUENA BIOGRAFIA
Um dia, cismei que no tocava mais como queria. Comecei a ter medo. Medo deque notassem os defeitos que eu notava na minha execuo. Tempos depois, viuma imagem de So Francisco de Assis falando aos peixes, que botavam ascabecinhas fora das ondas para ouvir o santo. Pensei: Pixinga, voc j tocounum navio e os peixes no botaram a cabecinha de fora. Voc precisa aprendermais flauta, Pixinga! Parei com medo de ficar doido (depoimento oral dePixinguinha, apudCabral,1997, p.160).
Em 1942 Pixinguinha gravou pela ltima vez como flautista. Trata-se da gravao
realizada na Odeon dos chorosCinco companheirose Chorei, ambos de sua autoria. Em relao
mudana definitiva da flauta pelo saxofone tenor, no h mais do que especulaes: o msico
nunca proferiu uma s palavra sobre o assunto em entrevistas formais. H quem diga que
Pixinguinha, devido ao consumo excessivo de lcool, no seria mais capaz de manejar com tanta
destreza as chaves da flauta transversa. Outros dizem que, devido a um srio problema dentrio, o
msico perdera a embocadura para o instrumento (Cabral, 1997, p.159). Seja como for, essa a
questo que menos interessa. Que a dvida fique no ar e no imaginrio de cada pessoa. Afinal de
contas, a msica popular tambm tem o direito de guardar os seus mistrios (e talvez isso a torne
ainda mais interessante!). Fiquemos ento com a explicao (transcrita acima) do prprio
Pixinguinha na ocasio de uma festa em Botafogo, quando os convidados insistiam para que este
tocasse um pouco de flauta. Suas poucas palavras so mais do que suficientes.
Nascido em 23 de abril de 1897, Alfredo da Rocha Viana Filho, o Pixinguinha, foi
compositor, instrumentista, orquestrador e regente. Para o musiclogo Mozart de Arajo (Cabral,
1997, p.14), Pixinguinha representa a quarta gerao de criadores do choro, sendo a primeira
gerao representada por Joaquim Antnio Calado, a segunda por Anacleto de Medeiros e a
terceira gerao representada por Cndido Pereira da Silva, o trombonista Candinho. Segundo
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Srgio Cabral (1997), qualquer avaliao que se faa da obra de Pixinguinha mostrar que o
artista soube reunir, em sua msica, elementos que andavam dispersos nas primeiras dcadas da
formao do choro, alm de, sem abrir mo de um estilo prprio, ter assimilado tudo o que foi
feito pelos compositores das geraes anteriores. Pixinguinha, assim, produziu as suas obras,
criou uma linguagem para si e para os outros e alicerou toda uma cultura, sendo considerado
pela maioria dos estudiosos, msicos e amantes da msica, um dos maiores nomes da msica
brasileira de todos os tempos.
Filho de Raimunda Maria da Conceio e Alfredo da Rocha Viana, Pixinguinha tinha oito
irmos: Otvio, Henrique, Lo, Cristodolina, Hemengarda, Jandira, Hermnia e Edith. Sua
iniciao musical foi feita por meio dos irmos Henrique e Lo, que eram violonistas e
ensinaram-lhe o cavaquinho. Aos onze anos j executava o instrumento razoavelmente bem, a
ponto de acompanhar o pai em festas nas quais este era convidado para tocar. Apesar de no ser
msico profissional, mas funcionrio da Repartio Geral dos Telgrafos, onde chegou a chefe de
seo, Alfredo da Rocha Viana, pai de Pixinguinha, era flautista e amigo de alguns dos maiores
nomes da histria do choro, como Irineu de Almeida, Cndido Pereira da Silva, Neco e Quincas
Laranjeiras entre outros. Assim como aconteceu com Heitor Villa- Lobos, Pixinguinha tambm
teve a oportunidade de vivenciar prticas musicais dentro de sua prpria casa; alm dos irmos,
que em sua maioria tocavam algum instrumento, o pai promovia reunies musicais as quais o
menino, at a hora de receber ordens para ir dormir, ficava apreciando. Um dos ambientes em que
Pixinguinha morou, alis, devia ser bem musical, pois tratava-se da Penso Viana: um casaro
no Catumbi onde seu pai Alfredo da Rocha Viana, alm de abrigar a famlia, alugava quartos
para os amigos msicos. Nomes como Sinh, Irineu de Almeida e Bonfglio de Oliveira moraram
l.
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Naquela poca, o juz de menores eram os pais. Eu respondia: Perfeitamente, vou
dormir. Mas no dormia nada, porque ficava ouvindo os chorinhos que eles tocavam. Gostava
muito daquilo. ( depoimento oral de Pixinguinha, apud Cabral, 1997, p.24)
Pode-se dizer que foi nesta fase, aos onze anos de idade, que o jovem msico deu incio
sua carreira de flautista, comeando com um instrumento ainda rudimentar, segundo o prprio
Pixinguinha, uma flautinha de folha. Foi Irineu de Almeida o primeiro a perceber a facilidade
de Pixinguinha para a msica, recomendando-lhe que tomasse aulas. No demorou muito para
que o velho Alfredo da Rocha Viana recorresse a um amigo dos telgrafos que lecionava msica
e morava perto da casa dos Viana: Csar Borges Leito, tocador de bombardino, foi o primeiro
mestre de Pixinghinha. O seu segundo mestre foi o prprio Irineu de Almeida, que encantava-se
ao ver o garoto tocando a tal flautinha. Foi em suas aulas que Pixinguinha aprendeu a ler e
escrever msica. O contato com Irineu de Almeida, alis, parece ter sido fundamental na carreira
de Pixinguinha. Alm de ter sido bom professor, Irineu passaria a ter muita confiana no msico,convidando-o, ainda jovem (e de calas curtas!), a participar de festas e eventos em que era
contratado para tocar. Tratava-se, portanto, de atividades j profissionais. Nesses eventos
Pixinguinha levava o cavaquinho e a flauta do pai, j mostrando preferncia pelo segundo
instrumento.
O ano de 1911 seria importante para a carreira de Pixinguinha, ento com quatorze anos
de idade. Alm de ter ganho de presente do pai uma flauta, de marca italiana, desfilou como
integrante da orquestra do Grupo Carnavalesco Filhas da Jardineira, que tinha como diretor de
harmonia Irineu de Almeida. Um ano depois, alis, Irineu colocaria Pixinguinha na funo de
diretor da orquestra do Rancho Paladinos Japoneses, uma posio um tanto importante para um
rapaz da sua idade. Compositor, tocador de oficleide e integrante da clebre Banda do Corpo de
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Bombeiros (que contava com alguns dos maiores msicos da histria do choro), Irineu de
Almeida era lider do conjunto Choro Carioca. Foi neste conjunto que Pixinguinha estreou
como flautista em disco, na gravadora Favorite Record. Diz Srgio Cabral (1997, p.25) em sua
biografia sobre Pixinguinha:
Graas ao bom ouvido de msico de Henrique Cazes, foi possvel perceber nasgravaes do Choro Carioca os contrapontos criados por Irineu de Almeida nooficleide e que, sem dvida, constituem a semente dos maravilhososcontrapontos de Pixinguinha, to marcantes nas gravaes feitas em dupla comBenedito Lacerda, na dcada de 40.
Ainda no ano de 1911, Pixinguinha teria outra experincia profissional importante:
Antnio Maria Passos, flautista da orquestra do Teatro Rio Branco, ficara doente. Seria
necessria uma substituio temporria. Na poca, tanto o flautista quanto o teatro gozavam de
grande prestgio. Pixinguinha foi indicado por Tute (um dos pais do violo de sete cordas), que
na ocasio tocava bombo e prato na orquestra. Paulino Pinto do Sacramento era ento regente da
orquestra e, primeira vista, sentiu certa desconfiana ao ver um garoto de quatorze anos
substituindo Antnio Maria. Mas Pixinguinha era msico de choro, j lia msica bem (graas s
aulas de Irineu Batista) e era capaz de realizar improvisos e variaes; no se prendia, portanto,
partitura. Deu conta do trabalho e, ainda por cima, executou idias prprias que foram aprovadas
tanto pelos msicos da orquestra quanto pelo regente. Em depoimento ao Museu da imagem e do
som, o prprio Pixinguinha quem fala:
No Rio Branco, passava um filme e, depois, era apresentada a revista teatral emque eu trabalhava com a orquestra. Quando Antnio Maria Passos voltou, cedi olugar para ele. Na primeira apresentao aconteceu o seguinte: havia uma valsaem que eu saa da partitura e fazia uma espcie de contraponto. Maria Passos eraum grande flautista, mas no saa da partitura. Quando ele tocou a valsa, opessoal da torrinha passou a fazer com a boca aquilo que eu fazia com a flauta.Paulino do Sacramento tambm sentiu falta do contraponto e falou com ele.Resultado: Antnio Maria Passos saiu da orquestra e ficou chateado comigo (apud Cabral, 1997, p.30).
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interessante notar como Pixinguinha, j nesta poca, parecia sentir-se vontade ao
realizar contrapontos. Convenhamos que, para os msicos e o regente de uma orquestra terem
sentido falta da melodia criada por Pixinguinha, porque o contraponto do jovem msico devia
possuir qualidade musical significativa. Foi seguindo desta maneira que Pixinguinha teve acesso
ao melhor mercado de trabalho dos msicos da poca: o teatro. No captulo seguinte teremos a
oportunidade de estudar alguns contrapontos de Pixinguinha sob o ponto de vista terico, atravs
de anlises musicais, coisa que, acredito, facilitar a sua compreenso.
Inspirado na embolada Caboca de Caxang, de Joo Pernambuco e Catulo da Paixo
Cearense, em 1914 nasceria o bloco carnavalesco Grupo do Caxang. A msica nordestina seria
ento a grande moda do carnaval daquele ano. Pixinguinha, entre outros msicos, integrava o
grupo com o apelido de Chico Dunga (todos os msicos do bloco vestiam trajes tpicos do
Nordeste e cada qual tinha o seu apelido inscrito na aba do chapu). O Grupo do Caxang
desfilou pelas ruas do centro da cidade nos trs dias de carnaval, cantando, alm de Caboca do
Caxang, composies dos outros folies . A importncia de se mencionar o Grupo do Caxang
a seguinte: Cinco anos depois, no carnaval de 1919, o gerente do prestigiado Cinema Palais,
Isaac Frankel, teria gostado muito do grupo na ocasio em que este se apresentava no coreto dos
Tenentes do Diabo. A sala de espera do cinema, vazia desde a epidemia da gripe espanhola em
1918, necessitava urgentemente de msica, at porque o concorrente Cinema Avenida j havia
contratado a sua orquestra, a Orquestra de Ccero Menezes. Ficou sob a responsabilidade de
Donga e Pixinguinha a tarefa de selecionar oito dos dezenove integrantes do bloco. Realizada a
tarefa, seria o prprio Isaac Frankel quem batizaria o conjunto: Os Oito Batutas. O sucesso no
tardaria a chegar.
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A partir de 7 de abril de 1919 os Oito Batutas passaram a se apresentar na sala de espera
do Cinema Palais com a seguinte formao: Pixinguinha (flauta), Donga (violo), China (violo e
canto), Nelson Alves (cavaquinho), Raul Palmieri (violo), Jacob Palmieri (bandola e reco-reco)
e Jos Alves de Lima (bandolim e ganz). O contrato com o Cinema Palais seria um passo
importante na vida profissional dos msicos. Sendo um dos cinemas mais elegantes da cidade e
gozando de grande prestgio, a casa funcionou como uma vitrine para o conjunto que, de agora
em diante, passaria tambm a ser convidado para animar festas, participar de espetculos e
eventos em geral. Os Oito Batutas foram recebidos de forma positiva pelo pblico. Na poca,
havia um grupo de jornalistas ligado a um movimento de carter nacionalista, liderado por Melo
Moraes Filho e Afonso Arinos. Tendo Melo Moraes falecido antes da primeira apresentao dos
Oito Batutas, a atuao do conjunto teria soado, segundo Srgio Cabral (1997), como uma
homenagem ao jornalista, idia essa que o Rio Jornal abraou e publicou em suas pginas:
Batamos palmas agora a um grupo de moos brasileiros, que se manifestam nos mesmos e
aplaudidos propsitos de zelar pelo que nosso (apud Cabral, 1997, p.46). Mas a imprensa,
alm de muitos e sinceros elogios, vez por outra publicava em suas pginas duras crticas ao
conjunto. Eram crticas agressivas, revelando a mentalidade preconceituosa de algumas pessoas
pertencentes classe alta que frequentava o Cinema Palais. que os Oito Batutas tocavam
msica popular e, alm de usarem em seu figurino trajes caractersticos do nordeste, metade do
grupo era negro. Isaac Frankel, revelando a sua viso comercial ao unir o til ao agradvel,
resolveu encarar o preconceito e montou para os msicos um palanque que dizia em sua parte
inferior: A nica orquestra que fala alto ao corao brasileiro. Cada vez mais aclamado pelo
pblico, em 1919 a Odeon gravou seis msicas do conjunto, sendo trs de Pixinguinha, duas de
Donga e uma de G. Benecase. Ainda naquele ano gravaria A pombinha, de Pixinguinha e Donga
e duas verses para o samba J te digo, de Pixinguinha e China. Os Oito Batutas construiram
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uma carreira de sucesso, viajaram pelo Brasil e para o Exterior ( Frana e Argentina), lotaram
teatros, tiveram grande apoio da imprensa e at tocaram para os reis da Blgica, Albert e
Elizabeth, na ocasio em que estes estiveram no Brasil.
De todas as convocaes feitas aos integrantes dos Oito Batutas nenhuma foi toimportante do que (sic) os convites do milionrio Arnaldo Guinle para os sarausem sua casa. Aqueles encontros dariam frutos que mudariam a vida dos msicos.Se no fossem Irineu Marinho e Arnaldo Guinle, no haveria os Oito Batutas,disse Donga em seu depoimento ao MIS, talvez com algum exagero. IrineuMarinho, pelo apoio que deu ao grupo atravs do jornal A Noite, de suapropiedade na poca, e Arnaldo Guinle, um dos homens mais ricos do Brasil, porvrios tipos de ajuda, incluindo viagens pelo Brasil e ao exterior (Cabral, 1997,
p.51).
No dia 29 de janeiro de 1922 os Oito Batutas partiram para Paris, chegando ao porto de
Bordeaux no dia 11 de fevereiro. Assim como acontecera quando o conjunto comeou a se
apresentar no Cinema Palais, no faltaram crticas preconceituosas em relao ida dos msicos
para a Frana. Os ataques eram to pesados que nem vale a pena transcrev-los. Como era de se
esperar, ficaram aqui restritos, restritos mentalidade de brasileiros que no sabiam que os Oito
Batutas iriam para Paris no para representar a arte musical brasileira, mas para apresentar uma
das feies da nossa msica, a msica essencialmente popular e caracterstica, como diria
Pixinguinha ao MIS. E os franceses adoraram os Oito Batutas! Floresta de Miranda foi quem
enviou notcias para o jornal Correio da Manh:
Paris, inverno de 1922. Frio de rachar, vrios graus abaixo de zero. Duque e euestvamos na estao de Quais dOrsay, esperando o trem de Bordeaux. Nesse
trem iriam chegar os Oito Batutas. s 23 horas apareceram os msicosbrasileiros, cada qual carregando o seu instrumento. Trajavam roupas leves etiritavam. Na man seguinte, Duque os levou para comprar roupas apropiadaspara aquele clima. Vem a estria no Sheherazade. Sucesso completo. Paris acodequele dancing. Pixinguinha, com a sua flauta infernal, faz o Diabo. China abafacom seu violo e a sua bela voz e Donga abafa o pinho e desperta paixes (Cabral, 1997, p. 77).
Em sua trajetria, Pixinguinha sempre teve reconhecimento como grande msico, seja
como compositor, orquestrador, arranjador ou instrumentista. Foi, no entanto, tocando com os
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Oito Batutas que a sua flauta infernal, usando as palavras de Floresta Miranda, chegou ao
conhecimento do grande pblico. Sempre que havia algum elogio ao conjunto nos jornais (e
foram muitos os elogios!), o redator fazia questo de saudar o virtuosismo de Pixinguinha, com
as suas interpretaes que encantavam o pblico. Foi na Frana que Pixinguinha adquiriu o seu
primeiro saxofone, instrumento do qual esse trabalho se ocupar. importante lembrar que o
msico somente trocaria de instrumento definitivamente na dcada de 40, quando formou o
clebre duo com Benedito Lacerda.
Entrevistados pelo jornal A Notcia, na volta ao Brasil, os integrantes dos OitoBatutas falaram da convivncia com os msicos de quatro jazz-bands, com osquais chegaram a tocar juntos. A camaradagem entre os msicos das duasnacionalidades estabeleceu-se de tal forma, disse Nlson Alves, que, por vezes,os norte-americanos acompanhavam com sua bateria extravagante eendemoninhada os nmeros dos instrumentistas brasileiros. Coube a NlsonAlves dizer na entrevista a razo pela qual Pixinguinha voltara de Paris tocandosaxofone, alm da flauta: Influncia talvez das jazz-bands. Pixinguinha, porm,deu outra explicao em seu primeiro depoimento ao MIS: No conjunto que seapresentava na casa em frente ao Sheherazade, havia um msico que, durante a
apresentao, mudava do violoncelo para o saxofone, principalmente na hora detocar o shimmy. Um dia, Arnaldo Guinle me perguntou: Voc toca aqueleinstrumento? Respondi: Toco. Na verdade, eu j conhecia a escala e sabia queera quase igual da flauta. Ento, vou mandar um saxofone pra voc, me disseArnaldo Guinle. Um ms depois, o saxofone estava pronto. Levei o instrumentopara o hotel e ensaiei. No dia seguinte, j estava tocando uns chorinhos nosaxofone. Mas s toquei naquele dia, porque no queria magoar o msico da casaem frente. Toquei s para Arnaldo ouvir. Ele ficou satisfeito com o que ouviu.Depois, fiquei s na flauta. Quando voltei para o Brasil que passei a tocar maissaxofone. Mas n trouxemos outras novidades de l. Na volta, o nosso pessoalestava tocando violo-banjo (Donga), cavaquinho-banjo (Nlson Alves), essascoisas (Cabral, 1997, pag.80).
No fim do ano os Oito Batutas viajaram para a Argentina, numa temporada que durou at
abril de 1923, quando, por motivos nunca revelados, o conjunto se desfez (no demoraria para
que voltassem a tocar juntos, formando a Bi-Orquestra Os Batutas e resistindo at 1931: seria o
perodo da febre das jazz-bands). Mas enquanto estiveram na Argentina o sucesso foi crescente,
recebendo elogios da imprensa local e, mais uma vez, crticas dos brasileiros, por terem
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conseguido uma ajuda de custo de 200 contos do Conselho Municipal para a viagem. Pela
gravadora Victor da Argentina o conjunto gravou 20 msicas, entre elas estava a pea Urubu
Malandro, um dos pontos altos das apresentaes que faziam, por ser uma msica onde
Pixinguinha mostrava grande virtuosismo. Para a Argentina, Pixinguinha levou, alm da flauta, o
saxofone, que tambm seria utilizado nas gravaes.
Com as conquistas tecnolgicas no campo da recuperao das antigas gravaes,aumentam as esperanas de, um dia, os discos dos Batutas gravados na Argentinaserem ouvidos sem a necessidade de qualquer esforo para distinguir a msica doemaranhado de sons que sobrou com o tempo. Mas certo que Pixinguinha
estreou, naquela srie de discos, como saxofonista em gravaes, tocando oinstrumento em 12 das 20 msicas. Numa delas, o choro Nair, de A. J. Oliveira,ele d os primeiros sinais dos contrapontos que o consagrariam comosaxofonista, quando passou a tocar com Benedito Lacerda (Cabral, 1997, p.91).
No incio da dcada de 40 Pixinguinha passava por srias dificuldades financeiras.
Andava um tanto afastado do meio musical e com pouco trabalho pela frente. Desde o final da
dcada de 30, esforava-se para estar em dia com as prestaes de uma casa que comprara para
ele e para a sua mulher, Beti, na Rua Belarmino Barreto, no bairro de Ramos. Beti, que sara de
uma cirurgia, no podia mais subir e descer as longas escadas do antigo apartamento alugado,
preferindo morar em uma casa. Pixinguinha ento trocou o aluguel pelas prestaes. Sabe-se que
o msico possuia uma relao muito pouco ntima com o dinheiro e extremamente ntima com a
bebida. Desde muito jovem, para trabalhar com os msicos, habituara-se a beber:
Naquele tempo no havia Juiz de Menores e eu j trabalhava. O sujeito para
trabalhar em msica, no meio dos msicos, tinha de beber alguma coisa. Era parase inspirar melhor. Ento, fui me habituando. Antes, eu tomava coalhada. Antesdo trabalho, ia para a leiteria e tomava uma coalhadinha. Mas, depois, os amigosme chamando: Vem! Prova isso que bom, faz bem ao corao. A tomei. Aprimeira vez achei ruim. Depois, continuei, fui continuando, fui achando bom,gostoso. A, me tornei um profissional (entrevista de Pixinguinha revistaManchete, apudCabral, 1997, p.26).
Pixinguinha viu que a situao no andava nada boa: com pouco dinheiro, bebendo uma
garrafa de aguardente toda manh e com prestaes atrasadas para pagar. Decidiu parar de beber.
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flauta, Pixinguinha no saxofone tenor, Canhoto no cavaquinho, a dupla Meira e Dino nos violes
(6 cordas), Glson no pandeiro e Pedro da Conceio na percusso.
CAPTULO 2- O VIOLO DE SETE CORDAS
Nascido no fim da dcada de 20, o conjunto liderado por Benedito Lacerda chamava-se
inicialmente Gente do Morro, e era formado por Lacerda, Canhoto (Valdiro Frederico
Tramontano), Maurino, Bernardo e Doidinho. Nessa poca, a percusso era preponderante na
concepo musical do grupo, ento inspirado nas escolas de samba que comeavam a aparecer.
Pouco tempo depois, as percusses perderam espao para os instrumentos de corda e de sopro, e
o conjunto passou a chamar-se Conjunto Regional de Benedito Lacerda, cuja primeira formao
era: Benedito Lacerda (flauta), Gorgulho (violo), Nei Orestes (violo), Canhoto (cavaquinho) e
Russo(pandeiro). Gorgulho seria substituido por Carlos Lentine, e este, por sua vez, seria
substituido por Meira. Outra substituio seria a de Nei Orestes por Dino. Assim, em 1937,
formou-se um ncleo que perduraria por cerca de meio sculo: Canhoto, Dino e Meira. Os trs
tocaram juntos at a dcada de 80, quando faleceram Meira e Canhoto. Gravaes com os
principais intrpretes e composies da msica popular brasileira contam com a participao dos
trs msicos que, juntos, revelavam excepcional virtuosismo (Taborda, 1995).
Em 1946, o Conjunto Regional de Benedito Lacerda estreou o programa O pessoal da
Velha Guarda, na Rdio Tupi. Foi nessa ocasio que Pixinguinha passou a fazer parte do
conjunto como saxofonista, introduzindo nos choros os seus clebres contracantos. O Regional
contou com a participao de Pixinguinha at fins de 1950, quando fez-se o ltimo registro da
dupla Benedito-Pixinguinha, com os choros A menina do sobrado e Vagaroso, lanados em
1951. Ao longo desses quatro anos, a dupla gravou 17 discos.
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O afastamento de Pixinguinha diminuira a extenso do conjunto na regio dos
baixos. Por outro lado Tute, o violo de sete cordas que atuava em regionais, seafastava do meio musical. Dino, ento, teve a idia de passar a tocar violo desete cordas. Na ocasio o luti de maior prestgio no Rio de Janeiro era SylvestreDelamare Domingos (1918), discpulo do portugus Jos da Cunha (1862-?).Sylvestre confeccionava violes, bandolins e cavaquinhos desde 1937 na lojaBandolin de Ouro (Taborda, 1995, p. 53).
Tendo em vista o objetivo deste trabalho, que , atravs da transcrio e anlise de
algumas peas nas quais Pixinguinha atuou como contrapontista, propor um complemento para o
estudo dos novos violonistas de sete cordas, faz-se necessrio relevar que, ao tomar tal atitude, a
grosso modo no estamos fazendo qualquer inovao. Quero dizer: Horondino Jos da Silva, o
Dino, foi o primeiro a transpor para o violo de sete cordas a linguagem do saxofone tenor de
Pixinguinha. Aps pelo menos quatro anos tocando violo de seis cordas ao lado de Pixinguinha
no Conjunto Regional de Benedito Lacerda, seria inevitvel que Dino no buscasse absorver a
essncia daquilo que fazia seu companheiro de trabalho. A novidade deste trabalho, portanto,
oferecer ao estudante um modesto convite para ingressar no universo onde Horondino Jos da
Silva pde se inspirar.
Quando Pixinguinha deixou o regional de Benedito Lacerda, Horondino Jos daSilva (o Dino), ento violonista de seis cordas do grupo, assumiu a baixaria etrouxe para o violo de sete cordas tudo o que a aproximao com aquele mestree sua prpria sensibilidade permitiram alcanar (Braga, 2002, introduo).
Assim, aps passar para o sete cordas no incio da dcada de 50, criou uma maneira toda
particular de tocar o instrumento, maneira esta que foi seguida e posta como o ideal a ser
atingido pela grande maioria dos msicos que dedicaram-se e at hoje dedicam-se ao seu
instrumento (Taborda, 1995).
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O violo de sete cordas possui trs funes fundamentais: realizar o acompanhamento
rtmico-meldico, tal qual um violo de seis cordas, estabelecer pequenas condues meldicas
entre os baixos dos acordes (que aparecem em todas as suas inverses) e realizar as baixarias,
aspecto mais marcante e caracterstico desse instrumento. As baixarias podem e devem ser
usadas nas seguintes situaes: Quando encerra-se uma parte da pea ou a pea toda; quando a
melodia principal encontra-se em pausa, em notas longas, em notas repetidas ou, no caso de uma
relao mais extrema entre esta e a baixaria, a ltima realiza contracantos, frases que de alguma
maneira remetem algum fragmento ou trecho da melodia principal; quando se d a mudana
entre as partes da msica ou a repetio das mesmas (so as baixarias denominadas chamadas
ou viradas) e, finalmente, quando as baixarias so escritas pelo prprio compositor. Neste
ltimo caso so denominadas obrigaes, pois esto intimamente ligadas ao sentido mais
restrito e particular da pea. Msicas como Ingnuo, Ainda me recordo, Urubat ou
Lamentos possuem baixarias que s poderiam ser suprimidas caso o(s) intrpretes(s) optassem
por mudar completamente a concepo da pea, coisa que deve ser feita com cautela.
Pode-se entender a baixaria como uma contrapartida meldica feita nos gravesdo violo, ou de um instrumento outro qualquer, em relao melodia principal.O principal carter da baixaria e do violo de baixaria manter, por assim dizer,o movimento da pea, que nem o baixo contnuo no barroco. Se voc observarbem o papl do violonista de sete cordas num grupo de Choro, sua preocupaoconsiste em manter sempre certa mobilidade meldica na regio grave datessitura, o que implica em impulsionar a msica, com um todo, sempre para afrente. O violo de sete cordas ou o de seis, normalmente no conjunto de Choro,
eles preenchem espaos vazios de melodia, fazendo ligaes meldicas,soldaduras, fazendo aquilo que a gente chama de obrigaes ou aschamadas, que funcionam para manter esse movimento total da composio(Braga, 2002. apud Duarte, 2002, p. 21).
Em seu mtodo para o ensino do violo de sete cordas, Luiz Otvio Braga (2002) chama
ainda a ateno para outros aspectos tcnicos da maior importncia para aqueles que desejam
dominar o instrumento. Alm de entender a baixaria como um elemento dinamizador das partes
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das baixarias. Tal atitude mantm a densidade do acompanhamento, faz com que o solista (seja
ele instrumentista ou cantor) sinta-se amparado, seguro em relao harmonia da msica. Quem
nunca passou pela experincia de precisar de um apoio da harmonia e no encontrar, sentindo-se
tolhido em sua interpretao por isso? Mas caso o conjunto possua outros insrumentos
harmnicos alm do sete cordas, um outro violo fazendo o centro, um cavaquinho ou um piano,
por exemplo, nesses casos o instrumentista pode ficar mais livre e abrir mo do rigor na levada.
Mas vale lembrar que nos dias de hoje, por conta de uma srie de motivos, os conjuntos
costumam ter cada vez menos gente. Na realidade de msicos que se apresentam na noite, em
festas particulares, pequenos eventos etc, a presena de um nico violo quase certa (cada vez
com mais frequncia o violo de sete cordas), um cavaco, uma percusso e um solista (ou
cantor). Alm disso, os sete cordas com encordoamento de naylon, muito usados hoje em dia,
permitem que o instrumentista realize a levada sem maiores problemas ( os violes costumam
ser macios, manufaturados por lutiers e com sistemas de captao que, se for a inteno do
msico, respondem aos mais sensveis toques).
Hoje em dia cada vez mais frequente a utilizao de apenas um violo naformao de grupos de choro e de samba, devido a aspectos econmicos (nummercado em que a msica mecnica parmetro regular de baixo custo, asformaes instrumentais tornam-se naturalmente mais reduzidas, dispensando-sea dupla de violes) e devido tambm utilizao da amplificao doinstrumento, o que possibilita seu destaque dentro do conjunto (Duarte, 2002, p.
31).
Mais tarde, em fins dos anos 70, Luiz Otvio Braga passou a utilizar no violode sete um encordoamento de nylon, usado em um instrumento feito aos moldesde um violo de concerto, feito para responder s necessidades dos arranjossemi-eruditos de Radams Gnattali para o grupo Camerata Carioca. A partir dao instrumento passou a contar com uma nova vertente, em que utilizadotambm na condio de instrumento solista (Duarte, 2002, p. 19).
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H ainda outros aspectos descritos no mtodo O violo de 7 cordas (Braga, 2002, p.
34), como a questo das obrigaes, j mencionadas acima; a conduo da cifra e sua inverso
ideal em relao melodia principal (caso a msica esteja arranjada ou tenha um desenho
meldico inerente sua concepo); a formao de baixarias em teras ou sextas entre dois ou
trs violes; a tcnica da pergunta-resposta encontrvel nos baixos de Dino e, finalmente, a
conduo permanente do baixo, buscando no ficar mais do que dois tempos na mesma nota ( a
no ser que trate-se de um baixo pedal). Este ltimo recurso, mesmo no sendo uma baixaria
propriamente dita, produz uma linha permanente com contorno meldico definido, coisa que,
como vimos, sugere movimento pea. Para que tal se d, necessrio que o msico tenha pleno
domnio das inverses dos acordes. Alm disso, costuma ser eficinte o uso de pequenas
estruturas rtmicas atinentes ao estilo(Braga, 2002, p.37) na conduo geral do
acompanhamento. Ou seja, o instrumentista pode optar por fazer pequenas ligaes entre os
baixos dos acordes, sempre atento melodia principal para, quando for pertinente, fazer uso de
frases mais longas. Esse procedimento d dinamicidade ao acompanhamento ao induz-lo ao
contraste: Frases longas, frases curtas em rtmos variados, notas tocadas a tempo passeando pelas
inverses, notas antecipadas, levada preenchendo os intervalos etc. O violo de sete cordas visto
sob esta perspectiva funciona muito bem, principalmente na nossa atual realidade em que, em
certas situaes do dia a dia, os conjuntos esto cada vez mais reduzidos. O estilo Dino de se
abordar o violo abrange todas essas caractersticas, da a sua riqueza e a sua consolidao entre
os msicos. No entanto, grande parte desses aspectos pode ser percebida j nos contracantos de
Pixinguinha. O esprito o mesmo, apenas com uma grande, uma gigante diferena: Pixinguinha
tocava saxofone tenor e Dino tocava violo de sete cordas. O que isso quer dizer? Apesar dos
denominadores comuns no que tange inteno geral dos contracantos e ao
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parentesco/influncia dos antigos instrumentos de sopro (Tuba, oficleide, trombone, pistom etc),
o violo tem os seus recursos particulares, assim como os tem o saxofone tenor. Sobre esse
assunto, a avaliao de Lus Filipe de Lima:
Ele [o sete cordas] tem menos peso, menos presso [que o contrabaixo ou algunsinstrumentos de sopro graves], quando tocado sem amplificao, mas ao mesmotempo tem mais mobilidade, ele pode articular frases usando muitas notas deuma maneira mais clara, mais explicada. Se voc tocar uma frase tpica do setecordas no contrabaixo, por exemplo, a articulao tende a no ficar to clara. Nosopro a mesma coisa, de uma maneira geral. Sabemos que o contrabaixo tocadocom pizzicato sustenta menos a nota que o violo, e o sopro por outro lado podes(sic) executar graves que se sustentam muito mais. A partir dessas caractersticas
prprias de cada instrumento que se vo criando maneiras diferentes deimprovisar os contracantos graves. O contrabaixo faz de um jeito, o sax tenor deoutro, o trombone de outro, e assim por diante. Ento o violo nessa funo foiaos poucos descobrindo sua prpria linguagem, a partir de sua sonoridade, dasua tcnica. As baixarias foram deixando de ser simplesmente reprodues defrases caractersticas do sopro e foram se transformando em linguagem prpriado violo(Lima, 2002 apud Duarte, 2002).
Isso significa que existem recursos (como notas longas, por exemplo) que o sax pode bem
realizar e o violo no; assim como tem coisas que soam bem no violo e no sax no fica to
bom, como notas muito rpidas, por exemplo, que tendem a perder definio. Assim, o estudante
que se deparar com este trabalho, ter que aceitar fazer adaptaes, inferir sadas melhores,
alterar o contorno de uma ou outra frase etc. Alis, a idia justamente essa: Criar, recriar,
experimentar. Quem sabe voc no um Dino sete cordas e ainda no sabe?
Mrcia Ermelindo Taborda (1995), em sua dissertao de mestrado Dino sete cordas e oacompanhamento de violo na msica popular brasileira, realiza anlises musicais de
acompanhamentos de violo na M.P.B. e sua evoluo ao longo dos anos. O perodo abordado
pela autora vai de 1902 a 1927; em seguida passa pelos anos 30, com os acompanhamentos do
violo marcado de Arthur Nascimento, o Tute, para, em seguida, analisar os
acompanhamentos de Dino, antes e depois do contato com Pixinguinha.
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Quanto rtmica de seu acompanhamento, ainda no aparecem no violo de Tute as
sncopes e contratempos. Seus rtimos so fortes e incisivos, caracterizando o seu estilo de violo
marcado(Taborda, 1995, p. 62) ou violo p-de-boi, na definio do bandolinista Luperce
Miranda (Duarte, 2002, p. 17). Mrcia Taborda ainda examina a dupla de violes (seis cordas) de
Nei Orestes e Lentine, ento integrantes do regional de Benedito Lacerda na segunda metade da
dcada de 30. Em relao harmonia, esta ainda no sofre maiores modificaes, limitando-se
aos acordes maiores, menores, de stima da dominante e, eventualmente, algum diminuto de
passagem (embora as inverses sejam agora amplamente utilizadas). Combinaes rtmicas mais
variadas fazem com que Nei Orestes e Lentine fujam do estilo essencialmente marcado de
Tute; mas a caracterstica principal dessa dupla o emprego da conduo de vozes em teras
que, na apreciao da autora, possui grande beleza. Alm disso, estabelece-se a conduo
cromtica e a conduo por progresses (Taborda, 1995).
Dando continuidade linha de evoluo dos acompanhamentos de violo na M.P.B.,
Mrcia Taborda (1995) analisa a atuao de Dino, vista sob duas perspectivas: antes e depois do
contato com Pixinguinha. A autora constata que na primeira fase de seus acompanhamentos
(antes de Pixinguinha), a dupla Dino e Meira (ambos no seis cordas) no se diferia em sua
essncia dos violes de Nei Orestes e Lentine, ou seja, tinha como principal caracterstica a
conduo dos baixos em tera, realizando os mesmos desenhos meldicos. No entanto, j
possvel perceber em Dino e Meira algumas inovaes: o emprego do acorde meio diminuto-
Xm7(b5); o uso de sncopes na articulao dos baixos; a levada de violo criada por Dino
chamada violo-tamborim (trata-se de uma levada muito percussiva) e, finalmente, pelos jogos
de staccatose ligados utilizados pela dupla, dando maior riqueza articulao dos sons.
Na segunda fase de seus acompanhamentos (aps o contato profissional comPixinguinha) e j com o violo de sete cordas (fabricado por Sylvestre em 1953),Horondino Jos da Silva inova ao transpor para o violo a linguagem do
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saxofone tenor. Sua harmonizao impecvel. Utiliza todas as categorias deacordes, principalmente maiores, menores, stimas, stimas maiores, sextas ediminutos. Buscando a manuteno da conduo dos baixos por conjuno de
graus, recorre frequentemente inverso de acordes em todas as suaspossibilidades (Taborda, 1995, p.73)
Atravs da colocao de frases (sua caracterstica mais marcante), Dino mantm o
dilogo constante com a melodia principal, aproveitanto todos os espaos possveis - notas
longas, pausas, frases com notas repetidas etc. Preocupa-se tambm em conduzir a mudana
entre as partes das peas (ou a repetio das mesmas), estabelecendo, assim, a principal funo
do violo de sete cordas vista por ns anteriormente: ser o elemento dinamizador das partes do
conjunto de Choro (Braga, 2002, p.33). Dino usa na conduo de seus baixos movimentos
cromticos, movimentos diatnicos e arpejos de acordes, combinando-os de diferentes maneiras.
Alm disso, faz uso de notas meldicas, progresses modulantes e no modulantes, ampliao de
desenhos presentes na melodia, repetio de notas etc. Da mesma maneira, os padres rtmicos
utilizados pelo msico so bastante variados e ricos em sua combinao, contando com pausas,
sncopes, contratempos, antecipaes, grupos de 3, 6 e 8 notas etc. Todos esses elementos
misturados resultaram no sotaque todo especial de seu instrumento, diferenciando-o dos
padres de acompanhamento anteriores e tornando-o inconfundvel, nico, original.
CAPTULO 3- ANLISES MUSICAIS E EXERCCIOS
3.1- PIXINGUINHA
Uma das caractersticas mais marcantes do safoxonista Pixinguinha a capacidade que o
msico tem de, ao criar contracantos para a melodia principal de uma pea, faz-lo de maneira
musicalmente orgnica. Queremos dizer: Seus baixos, mesmo quando no possuem valor
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Figura2: Matuto, Compassos 49-56
Em seu mtodo O violo de 7 cordas, Luiz Otvio Braga (2002) chama a ateno para
os acompanhamentos dos choros Receita de samba e do que h, realizados por Dino 7
cordas e Rafael Rabello, respectivamente. O autor mostra como cada pequena ponte que liga
um acorde a outro sempre reiterada antes que um novo modelo aparea. Cada nova elaborao
repetida, assim como so relembradas as antigas. Segundo Luiz Otvio Braga, esta idia til
tanto ao instrumentista iniciante quanto ao msico j experimentado, por propiciar unidade no
acompanhamento (Braga, 2002, p.37). Esse procedimento, em ltima anlise, confere s
pequenas figuras rtmico-meldicas grande valor motvico. Se atentarmos bem para a msica de
Pixinguinha como um todo, perceberemos que o uso de motivos se faz presente em suas melodias
principais, em sua rtmica, em seus contracantos ou at mesmo em algumas de suas harmonias.
No trecho a seguir, observe-se como os mesmos motivos rtmicos se repetem, ora em
movimentos meldicos ascendentes, ora descendentes, mostrando a unidade que o instrumentista
conseguiu atingir em sua execuo.
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Figura 3: Matuto, Compassos 66-73
Eis um trecho do choro Receita de samba e um trecho do choro do que h,
mencionados por Luiz Otvio Braga. Perceba como esta mesma idia de conduo dos baixos
mostra-se evidente na execuo de Dino e Rafael Rabello.
Figura 4: Receita de Samba, parte b.
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Figura 9: Matuto, compassos 41-43
Figura 10: Sofres Porque queres, compassos 14-17
Figura 11: 1 x 0, compassos 26-29
O carter staccatoda articulao das notas frisado por Luiz Otvio Braga (2002) notvel
em grande parte desses contracantos, principalmente nas peas em que o andamento mais
acelerado, como, por exemplo, nos choros Um a zero, Segura Elee Andr do sapato novo.A
funo de dinamizar as partes da pea atravs do baixo contnuo est sempre presente, assim
como esto presentes as chamadas feitas pelas baixarias. Conforme foi visto no captulo
anterior, as chamadas servem para : voltar uma mesma parte/seo, mudar de parte (A para B,
C para A, por exemplo) ou terminar a msica.
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Figura 12: 1 x 0, compassos 1-8
Figura 13: Proezas de Solon, compassos 14,15 e coda.
Figura 14: Naquele Tempo, compassos 14,15 e 16
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Figura 18: 1x0, compassos 1-8
3.2- A BAIXARIA E SEUS ASPECTOS TERICOS
O princpio bsico da baixaria estabelecer movimento meldico entre os baixos de
acordes sucessivos. Existem basicamente cinco tipos de baixarias: diatnica/ escala do acorde,
cromtica, arpejada, mista e variada ou florida (Braga, 2002, p. 38)
Definies de Luiz Otvio Braga:
A) Baixaria Diatnica/Escala do acorde: Contm a apenas notas da escala no espao sonoro entreos baixos de acordes sucessivos, compondo, pois, um fragmento de escala diatnica latu
sensuou escala de acorde.
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Figura 26: O violo de Sete Cordas (Braga, 2002)
E) Baixaria Variada ou Florida: inclui nos tipos bsicos acima descritos as notas meldicas da
anlise clssica ( ver Braga, 2002, p.39) quais sejam, bordaduras, apojaturas, escapadas,
antecipaes. Notas de passagem, tanto diatnicas quanto cromticas, j foram levadas em
conta na tipologia bsica.
Ver figuras 16 e 17.
3.3- EXERCCIOS
O objetivo principal desses exerccios permitir que o estudante sinta-se livre para, a
partir dos aspectos mais importantes da execuo de Pixinguinha, criar/ descubrir o seu prprio
estito de acompanhar ao sete cordas, tendo em vista a riqueza da linguagem das baixarias e as
mltiplas possibilidades expressivas que o instrumento tem a oferecer. Esses exerccios, portanto,
so apenas sugestes iniciais que podem (e devem) ser desenvolvidas. Relacionar/ comparar o
estilo de Pixinguinha ao de violonistas de sete cordas, sejam eles modernos ou da Velha
Guarda, sempre uma experincia enriquecedora, para no dizer obrigatria. Assim, escutar os
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grandes nomes do instrumento tarefa de todos aqueles que buscam expressar-se com alguma
segurana atravs do sete cordas.
1) Procure transpor para outras tonalidades (prximas ou afastadas) algumas frases quelhe agradaram, buscando resolver possveis problemas de digitao.
2) Tomando como base a linha meldica da primeira parte do choro Proezas de Solon,
experimente inverter a ordem das figuras rtmicas utilizadas por Pixinguinha. Por
exemplo:
Figura 27: Exerccio 2
Naturalmente, voc ter que adaptar toda a melodia dos baixos, tocando, por exemplo,
apenas uma nota onde antes havia trs, tocando duas notas onde antes havia uma e assim
por diante. Procure, se possvel, utilizar apenas notas pertencentes aos acordes
3)Tendo em mos o quadro de padres rtmicos utilizados por Pixinguinha, faa
combinaes que te agradem, usando ou no antecipaes entre os padres. Cante, bata
palmas, busque interiorizar os rtmos. Se voc tambm for cantor, experimente cantar
msicas do seu repertrio fazendo divises diferentes baseadas nesses rtmos. O samba
o gnero ideal para tal experincia.
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