QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL E IDENTIDADE DOCENTE
José Carlos da Costa Aleixo [1]
Lilian Maria Paes de Carvalho Ramos [2]
Este artigo objetiva divulgar o resultado final da dissertação de mestrado
apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, Contextos Contemporâneos
e Demandas Populares (PPGEduc), da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro,
em fevereiro de 2014. A pesquisa vem complementar e aprofundar uma pesquisa inicial
realizada em 2011, apresentada como trabalho de conclusão do curso de Pedagogia, na
mesma instituição de ensino.
Nesta pesquisa selecionamos 30 dentre os 429 professores e professoras que
responderam aos questionários da primeira pesquisa. Os critérios utilizados para a
seleção foram os de manter a relação de professores por gênero, encontrada na primeira
pesquisa (95,33% Feminino e 4,64% Masculino), e de conservar tanto a distribuição por
tempo de docência quanto a distribuição geográfica das escolas.
Nossa intenção, desde o início, foi a de realizar dois grupos focais, um de manhã
e um à tarde, cada qual com nove professoras e um professor. Após conseguir a
autorização da SEMED/NI e nos dirigir às escolas para concretizar o convite aos
professores, deparamo-nos com o fato de que, dos 30 inicialmente selecionados, seis
estavam de licença, quatro ou se aposentaram ou pediram exoneração e três não foram
encontrados. Dos 17 professores convidados pessoalmente, 11 compareceram aos dois
encontros: seis de manhã e cinco à tarde.
Os dois Grupos Focais foram realizados no dia 10 de dezembro de 2013, na
UFRRJ/IM, um de manhã (das 09h às 11h) e outro à tarde (das 14h às 16h). Em virtude
das fortes chuvas que atingiram a cidade, inundando várias escolas, seis dos 17
professores não puderam comparecer ao encontro. Apesar das ausências, acreditamos
1 Mestre em Educação pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). (2014) Graduado em
Pedagogia pela UFRRJ (2011). Membro do grupo de pesquisa Grupo de Pesquisa Políticas de Formação,
Trabalho e Identidade Docente (GPIdentdoc).: E-mail: [email protected]
2 Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (1997), graduada em Pedagogia pela
Universidade Federal do Paraná (1982) e mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná
(1987). É professora adjunta da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro desde 2006, atuando no
Instituto Multidisciplinar de Nova Iguaçu. Coordenadora do grupo de pesquisa: GP Políticas de
Formação, Trabalho e Identidade Docente (GPIdentdoc). E-mail: [email protected]
que o objetivo foi alcançado, pois tivemos a oportunidade de ouvir os professores, os
quais, na dinâmica própria de um Grupo Focal, contribuíram decisivamente para o
alcance dos resultados esperados.
Para organizar, tratar e analisar os dados do grupo focal, utilizamos a análise de
conteúdo de Bardin (1977), o que nos permite interpretar os resultados obtidos e
relacioná-los ao contexto da pesquisa. Para utilizar esse instrumento de análise
interpretativa, buscamos no texto as unidades de registro. Para isso, o software Many
Eyes procura, no texto, palavras-chave que aparecem com mais frequência e atribui-lhes
um tratamento estatístico para que sejam progressivamente reagrupadas em categorias
de análise. Por meio dessas categorias, retiramos do texto transcrito do Grupo Focal o
seu conteúdo manifesto ou latente, identificando-as e relacionando-as com os objetivos
da pesquisa.
As categorias de análise
1 - O professorado
Nessa primeira categoria de análise, destaca-se a unidade de registro a gente,
que corresponde a 59,5% dos registros. A expressiva utilização dessa expressão pelas
professoras para se referir à sua classe profissional, demonstra o quanto a identidade
docente está presente no discurso, mesmo que indiretamente. A consciência de classe
demonstra que o professorado sabe da importância social de seu trabalho.
A categoria de análise professorado, que aparece com uma frequência destacada
em relação às demais categorias, dá centralidade à professora, e esta pesquisa trata
justamente deste sujeito - a professora do 1º Segmento do Ensino Fundamental da
Cidade de Nova Iguaçu - que fala dos desejos e dos anseios a respeito de sua profissão e
de como sua identidade se (re)constrói na prática docente, um dos objetivos específicos
deste estudo.
Na análise dessa primeira categoria, professorado, iniciamos com uma
preocupação constante desta pesquisa e que nos levou à formulação da hipótese de que a
qualificação profissional é um instrumento fundamental para o resgate da autoestima do
professorado, desde que valorize a sua experiência, a sua práxis e a sua voz.
Dessa forma, nessa primeira categoria de análise, buscamos estabelecer as
relações do professorado com as outras categorias, identificando e realçando, no texto,
as falas que fazem essa conexão.
Na relação entre as categorias professorado e alunado, destaca-se a satisfação da
professora com o aprendizado dos alunos, objetivo maior do professor, o que a fala da
professora abaixo deixa bem claro. Mesmo com todas as dificuldades, como a ausência
dos pais, o professor é recompensado com o sucesso de seu aluno.
Ao relacionar as categorias professorado e trabalho, demonstramos que a classe
se ressente da falta de condições para realizar um trabalho de qualidade. São muitas as
dificuldades, dentre as quais está a falta de espaço para pensar no aluno.
A escola mudou nas últimas décadas. O perfil do aluno que frequenta a escola
hoje, por exemplo, não é o mesmo daquele que frequentava há tempos atrás, sem falar
que, atualmente, a instituição é aberta a todos, o que traz benefícios à sociedade em
geral, embora gere uma série de questões novas para a escola administrar.
O apoio da categoria família é importantíssimo para que o professorado possa
realizar seu trabalho. Vale reforçar que a CF/88 e a LDB/96 estabelecem claramente que
“A educação [é], direito de todos e dever do Estado e da família”. Entretanto, o que
percebemos nas falas do professorado é que a família não tem cumprido seu dever
constitucional, o que atinge alguns extremos, como não zelar pela saúde de seus filhos.
A qualificação profissional aparece em sexto lugar entre as categorias
mencionadas pelo professorado; contudo isto não significa falta de importância. A
questão é que o professorado tem tantas questões pra administrar - alunos, trabalho,
escola, família - que a qualificação acaba em segundo plano. Em virtude disso, as trocas
de experiências do professorado e o apoio do coordenador pedagógico trariam muitos
benefícios para a classe.
2 - O Alunado
Na segunda categoria de análise, o alunado, procuramos, por meio das falas do
professorado, destacar os principais problemas de aprendizagem dos alunos.
Identificamos que o desinteresse pela aprendizagem, as faltas e os distúrbios da
aprendizagem são as principais preocupações do professorado em relação ao alunado.
É comum que fatores intervenientes ao processo de aprendizagem venham a
prejudicá-la ou, até mesmo, a impedi-la. Os chamados problemas, dificuldades,
distúrbios e déficits ou deficiências no ato de aprender são comuns e, às vezes, passam
despercebidos pela família e pela escola. Desse modo, o professorado se queixa do
contingente de crianças que, apesar dos esforços, não aprendem ou apresentam mais
dificuldades. Ademais, os chamados distúrbios da aprendizagem afetam muitos alunos
que são classificados como fracassados sem que sejam ouvidos em suas reais condições
e necessidades.
Não iremos nos aprofundar nesse complexo problema educacional, pois foge ao
escopo desta pesquisa, porém não poderíamos deixar de mencioná-lo em face de sua
importância na vida social em geral e na vida escolar em especial. O que queremos
deixar claro é que um grande número de crianças que procura a escola está impedido de
lograr sucesso. São crianças que se desenvolvem em outras esferas da vida, mas que, na
escola, apresentam dificuldades diversas, como as já mencionadas.
3 - O Trabalho
Quanto à categoria trabalho, o professorado, sobretudo o que atua na rede
pública de ensino, percebe o distanciamento entre o discurso que enaltece a importância
social de seu trabalho e a desvalorização social da profissão docente, com a perda de
autonomia ou, simplesmente, com o desleixo como é largado à própria sorte dentro de
uma sala de aula.
A realidade vivenciada pelo professorado no Brasil é muito semelhante à
descrita por Codo (1999), que analisa o que ocorre na educação norte-americana.
Segundo ele, de acordo com dados estatísticos, os professores, após dez anos de afetivo
trabalho, pedem licenças ou remanejamento para outras funções, como é o caso dos
trabalhos técnico-administrativos. Em seu texto, o autor denuncia que a docência ocupa
“[...] um trabalho, na prática, desvalorizado, mas importante o suficiente para que se
culpe o professor por todas as mazelas da sociedade” (CODO, 1999, p. 299). No caso,
há um número crescente de professores de licença médica3, com problemas de saúde,
como a síndrome de Burnout, também chamada de síndrome do esgotamento
profissional, em virtude de que eles, dentro da escola, devem dar conta de cada vez mais
atribuições, além das que já não conseguem abarcar: ser médico, psicólogo, mãe...
Por meio da análise da fala do professorado, chegamos a três questões sobre a
profissão docente: (a) a desvalorização social da profissão, que envolve a escolha, a
formação e a desvalorização social do trabalho desenvolvido no cotidiano da escola; (b)
a importância social da profissão, resumida na fala de uma das professoras que
participaram do Grupo Focal “[...] nós somos a base, né... Em compensação, não existe
3 Em Nova Iguaçu, cerca de 10% dos professores se encontram de licença.
outra profissão sem a nossa”; e (c) a falta de uma metodologia de trabalho na Rede, o
que se confunde com a tão sonhada autonomia.
4 - Escola
Planejar se constitui em antecipar a prática, ou seja, planejar é prever as ações
necessárias para se alcançarem os resultados esperados, de modo que a direção da
escola possa tomar as decisões de maneira mais acertada. O professor é um bom
exemplo disso. Todo bom professor planeja a aula com antecedência, pois não resolve o
que lecionar e como vai fazê-lo quando pisa na sala de aula. Então, por que com a
escola deve ser diferente?
Foi possível verificar na fala dos professores que a escola necessita formular
objetivos baseados nas necessidades em articulação com o PPP, documento
importantíssimo para as escolas, embora a maioria delas não o possua, e, mesmo
quando o possui, mantém-no desatualizado. Então, o primeiro passo é fazer um
diagnóstico da escola a fim de partir da escola que temos para a escola que queremos.
De posse desse diagnóstico, é possível fazer o PPP ou atualizá-lo. Sem planejamento
feito a partir de um diagnóstico adequado da escola, as ações dos diversos atores irão
ocorrer ao sabor das circunstâncias, com base no improviso ou na reprodução de planos
anteriores, sem avaliar os resultados do trabalho. A falta de planejamento leva a equipe
gestora a se especializar em apagar incêndios, os quais não podem ser apagados sem
que haja sérios prejuízos.
Além da falta de planejamento e do necessário diagnóstico prévio da realidade
escolar, outros dois pontos mereceram destaque nas falas: a precária estrutura física da
maioria das escolas (com salas quentes e sem ventilação, com falta de material e
mobiliário, entre outros) e a função social da escola, questão de suma importância. Vale
lembrar que no início desse texto refletimos acerca do conceito de educação, da função
social da escola e do papel da família, considerado de crucial importância para o
desenvolvimento da criança no ambiente escolar.
5 - A Família
O declínio do poder patriarcal associado à emancipação da mulher (e sua entrada
no mercado de trabalho) impactaram decisivamente a família contemporânea.
Atualmente, testemunhamos os efeitos gerados a partir da dinâmica instalada na família
por essa nova conjuntura que impactou também a maneira de educar e a sintonia
família-escola. Dentre essas mudanças, destaca-se a dificuldade dos pais de estabelecer
limites, o que tem se evidenciado na incapacidade de as crianças lidarem com a
diferença, respeitarem o outro e, enfim, viverem em sociedade.
De acordo com a CF/88 e com a LDB/96, a família e a escola, em seus
diferentes papéis, devem educar as crianças de modo complementar. No entanto, o
declínio da autoridade paterna colocou em questão a hierarquia e, portanto, a
legitimidade do lugar daqueles que representam a autoridade (como pais, professores e
gestores). Apagada essa referência simbólica, passou-se a realçar a individualidade e a
consequente falta de limites. Nesse cenário, os pais, na tentativa de atender a esses
apelos, tornam-se mais ausentes e portadores do sentimento de culpa, o que gera a
compulsão a compensar os filhos, inclusive esquivando-se de assumir a diferença de sua
posição e de seu poder. fonte?Esta é uma das razões pelas quais a escola é convocada à
impossível tarefa de educar sozinha.
Trata-se de uma tarefa impossível porque educar pressupõe a preservação da
diferença de lugares e das gerações, em que uma geração transmite a uma nova geração
as experiências de sua civilização (TEIXEIRA, 1978). Cabe à família e à escola, então,
não abdicarem da função de humanizar seus filhos e seus alunos, o que implica
referendar a noção da lei que vale para todos, os valores éticos e morais que balizam os
limites e as impossibilidades e a capacidade para aceitar e lidar com frustrações, perdas
e diferenças.
Associado a essas questões que perpassam todas as classes sociais
contemporâneas, temos o agravante de que, nas classes mais baixas, essa crise da
família ganha contornos mais nítidos. Os professores, em suas falas, relatam que os pais
se sentem obrigados a colocar os filhos na escola para receberem o bolsa-família, não
precisando fazer mais nada. Desse modo, ao se esquivar de sua responsabilidade de
promover o pleno desenvolvimento da criança, transferindo para a escola o seu dever de
educar, a família gera também uma crise na escola, espaço que não está preparado para
essa missão e que nunca estará, acreditamos.
6 - A Qualificação Profissional
Na sociedade contemporânea, o tempo é uma mercadoria escassa, já que a
velocidade das mudanças é cada vez maior. Profissões novas surgem e profissões
antigas se vão; novos conhecimentos são demandados e outros, esquecidos. É assim
com todas as profissões, e não seria diferente com o profissional que possibilita a
existência de todas as outras profissões: o professor.
O professor, como qualquer outro profissional, necessita se atualizar e aprender
novas técnicas e tecnologias. No entanto, falta-lhe tempo, porque trabalha em duas ou
três escolas e, nas poucas horas vagas, tem de preparar as aulas, corrigir trabalhos, entre
outras atribuições que a vida profissional lhe impõe. Então, como fazer acontecer sua
qualificação profissional?
A formação em serviço são atividades de qualificação profissional que ajudam a
reduzir a demanda de profissionais habilitados a desempenhar funções específicas e, por
esse motivo, pode ser um caminho para o professor se qualificar para fazer frente aos
desafios da profissão docente. Nesse sentido, a escola pode se tornar um espaço
pedagógico importante na formação de professores.
De acordo com Imbernón (2010), a qualificação profissional lida com situações
problemáticas e não com problemas genéricos. Mudar o foco implica uma nova
perspectiva de formação. Assim, a vantagem de o professor trabalhar nesse contexto é a
de se tornar sujeito da sua formação “[...] e não um papel técnico, em que se dá uma
subordinação à produção de conhecimento, uma separação entre a teoria e a prática”
(IMBERNÓN, 2010, p. 57). O professor deve ser o construtor de conhecimento e não
um simples reprodutor de conteúdos e executor de políticas públicas majoritariamente
alheias à realidade escolar. Na mesma linha, Marin (2003) defende a ideia de
transformar a escola em espaço de troca e de reconstrução de novos conhecimentos,
pois é lócus privilegiado da qualificação profissional dos professores.
Segundo Nóvoa (2011, p. 3), “[...] a profissão de professor é muito desgastante e
exigente. Hoje, ela não pode ser vivida isoladamente. É fundamental falar dos
problemas com os colegas”. Nesse sentido, surge a prática relatada pelos professores de
que, nas escolas em que atuam, são reservadas duas horas por mês para se reunirem e
discutirem os problemas escolares. Eis que surge uma verdadeira experiência instituinte
que, de acordo com Linhares (2004, p. 22), “[...] se afirma como uma experiência
comum, partilhada por um grupo, contrapondo-se desta forma a experiência pontual e
fragmentada do sujeito isolado de seus pares”.
Nessa sexta categoria, selecionamos também a qualificação profissional como
forma de progredir profissionalmente, uma vez que o plano de carreira do magistério
municipal, aprovado em 2009, prevê seis classes, de acordo com a formação acadêmica,
o que leva alguns professores a procurarem cursos de pós-graduação visando à
progressão profissional.
Para que se tenha uma educação de qualidade, é necessário professores
qualificados. E, portanto, é preciso haver o incentivo aos professores que desejam fazer
cursos de graduação, para os formados na modalidade Normal (Nível Médio), ou
especialização, mestrado ou doutorado, para os formados na modalidade superior.
Esses professores devem ter o apoio da escola para realizarem os estudos fora do
ambiente escolar. A fim de que o docente possa realizar a qualificação profissional de
modo a não prejudicar o grupo da escola em que trabalha, devem ser buscadas
alternativas de flexibilização do horário, já que o 1/3, direito do professor, não é
respeitado.
A LDB/96, no art. 67, inciso II, evidencia que o professor tem o direito ao “[...]
aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com licenciamento periódico
remunerado para esse fim”. E a Lei nº 10.172/2001, PNE 2001-2010, no Capítulo IV,
que trata da formação dos professores e da valorização do magistério, enfatiza que a
qualificação do pessoal docente se apresenta hoje como um dos maiores desafios, o que
requer especial atenção do poder público para a solução do problema. A implementação
de políticas públicas de formação e qualificação profissional, voltada aos profissionais
da educação, é uma condição e um meio para o desenvolvimento do País. A produção
do conhecimento e a criação de novas tecnologias dependem do nível e da qualidade da
formação das pessoas, sobretudo em sua base, o Ensino Fundamental, mais
precisamente os anos iniciais.
Neste estudo, uma questão muito presente nas falas dos professores, tanto da
primeira quanto na segunda pesquisa, foi a falta de estrutura das escolas. A maior parte
delas apresenta algumas deficiências nas dependências físicas, na oferta de material
didático e na composição da equipe pedagógica, principalmente com a falta de
Orientadores Educacionais (OE) e de Orientadores Pedagógicos (OP).
Contudo, o que mais preocupa o professorado é o afastamento entre as famílias e
a vida escolar. Segundo os docentes, as escolas são vistas pelos pais como única
responsável pela educação dos filhos, chegando ao extremo de as mães irem às escolas
para reclamarem do comportamento dos filhos, numa clara inversão de papéis.
Com todos esses problemas para administrar e tendo que trabalhar em duas
escolas, pouco ou quase nenhum tempo sobra aos professores para se dedicarem à
qualificação profissional, o que podemos perceber pela frequência em que a categoria
de análise foi mencionada, ficando em 6º lugar, com 103 registros, em um total de 1.243
(8,2%). A fala de uma das professoras que participaram do Grupo Focal em 2013 deixa
bem clara a dificuldade de se qualificar trabalhando: “Eu já estou com quase 30 anos de
magistério, comecei bem novinha e você vê, assim, que a valorização não tem, que
agora que eu estou conseguindo entrar numa pós, até por conta de ter horário mesmo,
né”.
Os três anos da pesquisa contemplam os dois anos de governo da Prefeita Sheila
Gama (2011-2012) e o primeiro ano do governo do Prefeito Nelson Bornier (2013).
Nesses períodos, verificamos que, somente no primeiro ano desta investigação, houve
atividades de qualificação profissional voltadas para o segmento estudado, num total de
18, embora todas de um ou dois dias e somente para alguns professores da Rede. Nos
outros dois anos, houve, eventualmente, alguns cursos oferecidos pelo MEC, como o
PNAIC.
Em oposição a esse vazio deixado pelo poder público, surge um movimento
instituinte em uma escola da Rede, em que os professores se reúnem em um grupo de
estudos durante duas horas a cada mês. Segundo Linhares (2004, p. 22): “A experiência
instituinte se afirma como uma experiência comum, partilhada por um grupo,
contrapondo-se desta forma à experiência pontual e fragmentada do sujeito isolado de
seus pares”.
À guisa de conclusão
Na primeira pesquisa, somente 4% dos professores informaram participar de
grupos de estudos em suas escolas. Mas são iniciativas como essas que trazem
resultados imediatos, pois estão embasadas na realidade da escola e não em políticas
públicas gestadas a nível internacional, as quais, para serem implementadas a nível
local, precisam ser adaptadas à realidade de cada escola (MAINARDES, 2006).
Em suma, todos os envolvidos com a educação, de forma direta ou indireta,
devem contribuir para com a melhoria da qualidade do ensino, sobretudo os
pesquisadores que vão à escola realizar as pesquisas e, raramente, devolvem-lhe algo.
Logo, propomos que esse movimento instituinte se propague por outras escolas da
Rede, uma vez que, como constatado nesta pesquisa, há dificuldade de tempo para que
os professores participem de cursos de qualificação profissional.
Como o lócus da formação em serviço é a escola, o grupo de estudos é um
espaço em que são discutidos temas relativos à prática docente e às dúvidas e às
dificuldades da profissão. Segundo Nóvoa (2011, s/p), “É na escola e no diálogo com os
outros professores que se aprende a profissão”. Esperamos que esta pesquisa, lance um
outro olhar sobre a qualificação profissional na Rede estudada, e que possa proporcionar
a (re)construção da identidade docente.
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CODO, Wanderley et al (Coord.). Educação: carinho e trabalho. Petrópolis, RJ: Vozes,
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MAINARDES, Jefferson. Abordagem do ciclo de políticas: uma contribuição para a
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