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Encontrei a vida de alguémEm meu caminho para o trabalhoEstava lá, atirada no chãoUma vida simplesDe trabalho duroPara alimentar os filhosQue hoje não terão leiteEncontrei o sonho de alguémDurante o horário de almoçoEsquecido sobre uma mesaO sonho distanteDe ir para a o exteriorVisitar a DisneyQue nunca se realizaráEncontrei o medo de alguémQuando voltava para casaSozinho, no banco da praçaMedo por um ente queridoEnfermo, em estágio finalMedo de não poder fazer nadaDe ser apenas humano

Poesia ---------------------

Paulo Diovani

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mamãe disse que não queria saber onde tínhamos escondi-do o seu corpo. fica mais fácil pra esquecer, meninos. mas o tínhamos enterrado no fundo da propriedade, depois do bosque de cidrelas, pouco antes do rio. se ela pensasse um pouco, saberia. era o mesmo lugar que tínhamos enterrado Toby e Bailarina, nossos labradores, Mamo e Lisa, os caseiros, e o Velho Pael, nosso vizi-nho. ela nos pediu, então, pra que a deixássemos na estante. encaixei-a entre os livros que eram de papai e a estatueta de Gibraltar. não se preocupem, quero ficar sozinha um pouco. tá certo, mamãe. falei. André e eu começamos a fechar as cortinas da biblioteca, uma por uma. o silêncio artificial do meu irmão era notável. depois de termos escondido o ambiente da lua que entrava pelas vidraças, desli-gamos as luzes. sem me esperar, André saiu porta à fora. passou reto pela sala, e, sem olhar para trás uma única vez, sumiu no corredor que levava à cozinha. deixei-o, ele sempre foi emotivo demais. fechei a porta da biblioteca com toda calma do mundo e girei a chave duas vezes. co-

No bolso interno do paletó

Conto--------------------- Diego Saldanha

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loquei-a no único bolso desocupado de dentro do paletó. dirigi-me, então, à cozinha. do corredor, avistei André sen-tado na beirada da mesa. tinha aquele semblante distante, como se os pensamentos lhe fossem mais pesados e vívidos que qualquer fragmen-to de realidade. dos olhos vazios e vermelhos deduzi que havia chorado. mas eu não concebia o motivo para tal coisa. descansou o copo de uís-que sobre a mesa e amassou o cigarro com a mão esquerda. tu acha isso tudo certo, Diogo? ele me interrogou, hostil, da mesma forma que fizera duran-te a nossa infância, quando eu, culpado por ter as mãos pequenas de-mais, derrubava tudo o que lhe era estimado e frágil. permaneci quieto, apenas observei sua ira descabida se dirigir a mim. não havia, em hipó-tese alguma, motivo para ele estar daquela maneira. eu nem ninguém havíamos feito alguma coisa errada. ein? tu acha isso certo ou não? foi ela que pediu pra que a deixássemos na biblioteca, An-dré. eu respondi, por fim. ele saltou da mesa e veio na minha direção. agarrou-me pelo pescoço, como já havia feito em alguns ataques de raiva. não é disso que eu estou falando, seu imbecil! empurrei-o. eu não era mais a criança de antes. depois que papai morreu, eram minhas as maiores mãos da casa. olhou-me nos fundo dos olhos e voltou à mesa. engoliu a bebida sem ao menos respi-rar e voltou até mim novamente. vem cá! pegou-me pelo braço e me puxou até a sala. paramos na frente da porta de madeira da biblioteca.

Conto--------------------- Diego Saldanha

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olha isso! apontou pra fresta de baixo da porta. pequenas ondas de luz, ora azuladas, ora esbranquiçadas, saíam por ali. é a mamãe. eu disse. André levou as mãos à cabeça. que tipo de doente tu é, Diogo? como tu consegue agir com essa naturalidade toda frente a uma coisa dessas? como, aliás, tu tiveste coragem de fazer tudo o que tu fizeste essa semana? eu não havia feito nada sozinho, mas não ia entrar em dis-cussão por um simples descuido na construção da frase. era pro bem da mamãe. falei. André me esmurrou. desabei sobre a guarda do sofá e uma ágil corrente de sangue começou a convergir do meu nariz para a minha boca. desculpa, Diogo, desculpa. ele disse, transtornado. enquanto eu me recompunha, ele veio pra cima de mim no-vamente, mas sem me tocar. me dá a chave da biblioteca. pra quê? aquilo não é nossa mãe. que tu vai fazer, André? aquilo não é nossa mãe. repetiu. me dá a merda dessa chave! já de pé, levei a mão dentro do paletó. ele mantinha a mão estendida, à espera. eu sempre cedia às suas súplicas, ou melhor, às suas exigências inequívocas de irmão mais velho. me dá o brinquedo que

Conto--------------------- Diego Saldanha

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tu pegou da minha caixa, ele é meu. tu já comeu teu bombom, abre a mão, Diogo, esse aí que tu pegou a mãe comprou pra mim. olha o que tu fez, como tu vai querer que alguém goste de ti desse jeito? tu tem merda na cabeça? no bolso direito de dentro do paletó, a chave. levei a mão ao esquerdo e saquei de lá o punhal de rubis. enfiei-lhe o objeto no seu peito, como instruíra o homem que mamãe conheceu em Gibraltar. enquanto a figura estampada no cabo do punhal, idêntica à estatueta da biblioteca, banhava-se de sangue, André caiu de joelhos no chão. agar-rou-se imediatamente às minhas pernas e ergueu aqueles olhos grandes e redondos, negros e foscos, suplicantes, à minha cara. desvencilhei-me do seu corpo agonizante, o procedimento não poderia durar mais que alguns minutos. ao dar as costas, suas mãos, agora tão mínimas, numa última tentativa desesperada, grudaram-se nos meus sapatos. chutei-as. fui em direção à estante onde depositara nossa mãe, e, atrás dos livros do papai, peguei a segunda garrafa de cristal. o que tu pegaste, meu filho? perguntou-me a voz dela, metálica, vinda da luz oscilante da primeira garrafa, justaposta à estatueta. André quer te fazer companhia. respondi. jamais deixaria mamãe se sentir sozinha naquela biblioteca.

Conto--------------------- Diego Saldanha

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Foto - Moacir Lopes

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Skoober---------------------

Aline Santos

Nosso grupo é multifacetado, alguns du-vidam mas é isso aí, cada Skoober traz aos encontros, particularidades que interligam a galera deixando todos em sintonia. É o caso de Zuleica Lima Ja-roszewski, 60 anos, uma das integrantes mais antenadas do clã. Moradora de Porto Alegre e apreciadora da natureza, Zuleica é uma leitora voraz (característica herdada do pai, que priorizava o hábi-to), tanto que precisou adquirir um Kobo pois a bolsa não acomodaria o número de livros que ela gostaria de carregar.

Buscando no leitor digital da skoober, podemos encontrar um pou-co de Guerra e paz, Os Fantoches de Deus, algumas pitadas de Sand-man e um molhinho especial incluindo Asimov e Tolstói (ufa! Isso é o que chamo de engorda literária!). Além da leitura, cuja preferência abrange ensaios e ficção, a integrante curte escrever.

Mas como essa diva chegou ao grupo? Ela conta que foi por inter-médio do Lucas Zingano (valeu Lucão!) e a cafeteria da Praça Otávio Rocha, cenário do seu 1º encontro com o pessoal, ficou guardada em seu coração.

Pra finalizar, a Skoober cita para nós um trecho de James Hilton que segundo ela, traduz seu sentimento pelo Skoob. “O esforço em agrupar, em comunicar e criar comunidades é uma meta linda.” Quer saber mais sobre a Zuleica? Puxa papo na próxima! Vai ser uma troca de conhe-cimento e tanto.

Perfil Zuleica

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Diário de Viagem----------------------- Roberto Caloni

Sempre tive vontade de fazer um mochilão viajando por vários lugares, mas quando pensava nisso achava que iria gastar muito dinheiro. Come-cei a acompanhar blogs de mochileiros e ver suas dicas. Li uma matéria sobre um português que viajou pela Europa gastando um euro por dia, ou seja, com menos de quatro reais. Quando li pensei que era loucura. Que era impossível. Ele viajou trabalhando como voluntário em fazen-das, hostel, bares, escolas, em qualquer lugar que estivesse precisando de alguma ajuda. Em troca do trabalho ele recebia abrigo e alimentação. Gostei muito dessa ideia e resolvi pesquisar como poderia fazer o mesmo.

Encontrei três sites bem legais. O WWOOF (wwoof.net), para traba-lhar em fazendas orgânicas, o Help Exchange (helpx.net) e o Workaway (workaway.info) onde você encontra qualquer tipo de voluntariado. Am-bos os sites funcionam da mesma maneira, você paga um valor para criar seu perfil e poder procurar por hosts (como são chamadas as famílias que recebem os voluntários). Após isto, basta você procurar pelas famílias, enviar uma mensagem para a que gostar e esperar a resposta. O objetivo dos sites é proporcionar a troca de experiências, tanto para os viajantes quanto para os hosts, pois os voluntários têm a oportunidade de conhecer novos lugares e as famílias ganham um par de mãos extras para ajudar. O

Experiência como voluntário

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objetivo é um ajudar o outro, é a troca. Algumas horas de trabalho (ge-ralmente cinco) por dia em troca de um lugar para dormir e alimentação.

Achei a ideia incrível! Optei pelo Workaway, pois achei mais fácil de utilizar e também por ser mundial, tem hosts em todo mundo. Como estava estudando na Irlanda, resolvi tirar uns meses de férias e viajar pelo interior como workawayer. Quando contei para minha família e amigos, eles ficaram meio assustados. Não acreditavam e achavam que isso po-dia ser uma espécie de armadilha para roubar turistas (infelizmente essas coisas acontecem, para não correr esse risco é bom sempre procurar sites sérios, e certificar-se que o lugar para onde você vai realmente existe, ter cuidado), mas isso não me fez mudar meus planos.

Trabalhei em três lugares. Conheci pessoas de várias nacionalidades viajando do mesmo modo que eu. Encontrei chileno, espanhóis, france-ses, italianos, polonês, alemães, e canadenses. Conheci tanto a Irlanda como um pouco de cada um dos países dos outros voluntários. E eles aprenderam um pouco sobre o Brasil. Fui pedreiro, pintor, agricultor, domador de bezerros, e até professor de português, nunca me imaginei trabalhando nessas profissões. Fui a lugares incríveis que não estão em guias de viagens. Mesmo trabalhando me diverti muito.

Como voluntário me senti parte dos lugares por onde passei. Pude conhecer pessoas e histórias fantásticas. Quando voltei me perguntaram se eu senti medo enquanto viajava, e a resposta é não. Encontrei bondade e generosidade por todos os lugares que passei. Existem muitas pessoas boas e podemos confiar nelas.

Diário de Viagem----------------------- Roberto Caloni

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Conto--------------------- Paulo Diovani

É o terceiro dia. Embora seja noite, mas aqui é sempre noite, pelo menos enquanto o Mal estiver nesta cidade.

Noite após noite Ela me cria, em seu sonho lúcido, me dá as armas de que preciso e me coloca aqui, com o único propósito de encontrar e des-truir o Mal. Mesmo que, na maioria das vezes, é o Mal que me encontra antes e me destrói. Ou pior, me corrompe.

Caminho pelas ruas escuras em busca do inimigo. Vejo pessoas pelos becos e bares, pessoas de verdade, aqueles que, por acidente, entraram no sonho. Bêbados, drogados, loucos, que num estado de semi consciência são jogados aqui, no sonho da cidade.

Na maioria das vezes, o Mal são pessoas como elas.Horas se passam até que eu encontre a garota. Isolada, sozinha, com

medo. A garota sabe que algo vai acontecer, algo errado, e que não tem forças para revidar.

Em volta dela está o Mal, armado com pedras, pronto a atirar. O Mal grita ofensas, palavras obscenas, e até palavras bonitas que se tornam ofensas e obscenas nas bocas do Mal. Apenas porque a garota é diferente.

Me irrito com todas aquelas imprecações, meus punhos se fecham e

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Conto---------------------

Paulo Diovani

meus dentes rangem, quando parto para cima do Mal com as armas que Ela me deu. Ataco com raiva, eu bato, mordo, arranco pedaços de carne com minhas mãos, e logo o sangue negro cobre meu rosto e meus braços. O Mal revida, joga as pedras em minha direção, mas o Mal não tem chan-ce contra mim, não esta noite, e logo sucumbe.

A garota está salva, mas seus olhos não exibem gratidão, apenas medo, ainda mais pavor que antes.

Ela vê o monstro que me tornei, vê o Mal em mim.

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Poesia e Desenho--------------------- Carolina Barcelos

Caio F. de Abreu

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Foto - Moacir Lopes

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ExpedienteEdição nº 2 - Dezembro de 2014Produção Independente

Conselho editorial:Diego Saldanha, e Pablo AguiarProjeto gráfico: Pablo AguiarCapa: Saul Tamborena

Skoobers colaboradoresdesta edição:Aline [email protected] [email protected] CaloniPablo [email protected] DiovaniCarolina BarcelosSaul [email protected] [email protected]

CorrespondênciaRua jaguari, 515 - Cep: 94824-210Alvorada/RS - [email protected]

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