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Rose Aparecida da Silva

Desenho Infantil: Desvios e Alterações no Processo

Criativo

Bauru

2012

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Este documento visa o estudo e a análise do desenvolvimento do desenho na adolescência,

procurando identificar o momento em que este hábito é abandonado ou sufocado no

intrincado processo de alfabetização. O projeto apresentará questionamentos quanto aos

métodos utilizados em sala de aula para aplicação do desenho e reflexões sobre o papel da

arte no desenvolvimento cognitivo para formação integral do indivíduo.

Palavras-chave: Desenho como Linguagem, Processo Criativo, Desenvolvimento Cognitivo

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INTRODUÇÃO

De presença marcante nas artes visuais, o desenho é uma manifestação conceitual

fundamental para a formação humana, é a arte de correr o risco sobre o papel, a arte de pensar

por meio de traços.

É importante democratizar o desenho, pois desenhar é fazer pensante, mesmo que

envolva corpo, expressão, gestualidade; ainda assim é puro conceito.

No entanto, muitos que desenhavam, perderam o vínculo com essa linguagem, foram

educados por meios que contradizem o ato criativo do desenho. A linguagem gráfica foi no

decorrer dos tempos, sendo substituída por outras atividades, por outras áreas do

conhecimento. A sociedade aos poucos dilacera as ferramentas de reflexão e sensibilidade.

À medida que a criança amadurece, quando não incentivado seu desenvolvimento na

linguagem do desenho, ou quando passa por processos de adestramento motor gráfico, ela

tende a parar de desenhar. Como os velhos brinquedos empoeirados guardados no fundo dos

baús, os desenhos, vão sendo deixados para trás, não são mais objetos de prazer ou de desejo

para esses adolescentes.

Embora possua menor vivência, e consequentemente menor repertório, a criança,

diferentemente do adolescente ou do adulto, possui maior liberdade de fantasiar e de criar.

Quando nas fases mais amadurecidas do desenvolvimento, tornam-se endurecidos, já não se

encantam mais pelos contos fantásticos, já não brincam mais, e já não sentem necessidade de

se comunicar pelos desenhos que produzem.

Esse abandono da capacidade de figurar se dá segundo Dworecki, porque esta

linguagem está impregnada dos hábitos da escrita, desenham como se escrevessem, da

esquerda para a direita e de cima para baixo, hábitos adquiridos no período da alfabetização.

No entanto para Edwards (2002), as pessoas não desenvolvem a linguagem gráfica

por estarem inseridas em um sistema educacional que segrega o hemisfério direito do

cérebro, que recompensa o não ver. Acredita também que circula nas instituições de ensino a

idéia conformista que deflagra a aceitação pacata, de não se ter talento para o desenho. Como

se as habilidades artísticas fossem algo que não pudesse ser ensinadas ou dispensáveis para a

sociedade moderna, tecnológica e para a formação intelectual das pessoas.

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O PERCURSO DO PROJETO

O projeto de pesquisa aconteceu na Escola Estadual Prof. Francisco Alves Brizola, no

decorrer do ano letivo de 2010, com adolescentes da 8ª série/9º Ano do Ciclo Fundamental II,

sempre tendo como enfoque o reaver gráfico particular de cada aluno.

Nesse período o adolescente, passa a ser mais crítico com o que produz e pretende

dominar as técnicas de representação realistas, com domínio de técnicas de luz e sombra,

perspectiva, combinação de cores. O que a princípio seria um agente cultivador, de ampliação

de horizontes, aos poucos, vai se apresentando como limitador à medida que essas habilidades

não são dominadas.

Contemporaneamente compreende-se que a Educação Infantil é a base do

desenvolvimento psíquico superior, sendo assim alicerça a educação em sua totalidade,

portanto, falhas, restrições, poucas experiências e vivências nesse período refletem

dificuldades em todo o processo educacional e na formação integral do indivíduo.

Apresentamos o seguinte problema de pesquisa: seria possível reverter o processo de

abandono do desenho caso haja falhas, restrições, poucas experiências e vivências na

infância?

Acreditamos que sim, desde que se aprenda a observar e ver as formas, e a

desenvolver a percepção, que se trabalhe o hábito de desenhar dentro de um processo

investigativo, sensível com o mundo que privilegia a liberdade do traço.

Segundo o professor Dworecki (1998, p.16) “desenhar na fase adolescente ou adulta,

para quem o abandonou é permitir-se a recuperação[...]” Complementamos o sentido da frase,

pois se trata de recuperação da identidade pessoal, do traço singular de cada um e da

autonomia.

O que se pretende não é ensinar a desenhar corretamente, mas proporcionar a

investigação de um traço que se perdeu em algum momento no intricado processo

educacional, viabilizando também o acesso a essas habilidades que os alunos já possuem, e

que apenas estão à espera de serem liberadas, via o olhar atencioso e pela liberdade de

desenhar enquanto instrumento de reflexão e apreciação da vida.

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O presente projeto denominado: “Desenho Infantil: desvios e alterações no processo

criativo” vem no sentido de apresentar um novo olhar sobre o desenho, sendo entendido

como habilidade passível de ser adquirida em sala de aula, por meio da busca incessante do

aprimoramento do olhar, da forma e da descoberta gestual de cada educando.

Para tal, o projeto foi apresentado em quatro momentos, com quatro ações respectivas

a cada momento, de forma a ilustrar o que se propõe. Num primeiro momento, cujo tema

será: O que é desenho? Apresentamos as definições do termo e seu entendimento como sendo

um dos instrumentos da linguagem.

No momento seguinte, que denominamos: “Desenho e Educação”, o desenho foi

visualizado no contexto da educação, como vem sendo aplicado e sua funcionalidade na

formação integral do indivíduo.

No terceiro momento, do qual intitulamos “Explorando o Olhar” fizemos alguns

apontamentos da realidade a qual foi desenvolvida o projeto, as expectativas de desenvolver

o projeto e alguns resultados alcançados.

Para finalizar, o quinto momento nomeado de “Reencontrando o Traço Perdido,

traçamos alguns entendimentos do reaver gráfico e sua aplicabilidade na sala de aula e na

vida.

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A Realidade Encontrada

Acontecem nas escolas, via de regra, aulas de arte nas formas estereotipadas, cuja

avaliação versa segundo critérios de semelhança. Os alunos são nivelados, desconsiderando

seu processo de desenvolvimento particular. A nota apresentada é sempre comparativa entre

os alunos, criando-se uma expectativa e uma ansiedade que acaba por bloquear o processo

criativo dos que não conseguem alcançar as maiores notas, geralmente associadas às

similaridades com o objeto real.

Ouras vezes as aulas de Arte pautam-se no “laissez-faire”, aulas pelo qual os alunos

desenham livremente sem propostas que provoquem a descoberta. Baseiam seus ensinamentos

na livre expressão, são atitudes que condenam a intervenção do professor no processo de

aquisição do conhecimento gráfico. Nessa perspectiva, prevalece o medo de deturpar a

expressão natural da criança, entendem o desenvolvimento gráfico como uma consequência

da evolução natural. Condena-se a oferta de imagens que possam de alguma forma

“corromper” o que entendem como arte pura.

A realidade que encontramos não foi diferente, alunos que afirmavam que não sabiam

desenhar, que não tinham o 1dom para desenhos, que não gostavam de suas produções por a

acharem feias. Muitos alunos não tinham o hábito de levar o caderno de desenho porque não o

utilizavam nas aulas de artes, de modo que a nossa primeira iniciativa foi a de solicitar que o

trouxessem para que o projeto pudesse ser desenvolvido.

Iniciamos o trabalho tendo como preocupação, oferecer um leque de materiais que

despertasse o interesse dos alunos. Conseguimos uma doação de materiais o que viabilizou

trabalharmos com diversidade de suportes e riscadores. Visto que, por meio de determinados

suportes: papéis, cartolinas, lousa, muro, chão, areia, madeira, pano, utilizando os mais

inusitados e diversificados: lápis, cera, giz de lousa, caneta esferográfica e hidrográfica,

carvão, até mesmo com a sombra é possível desenhar, comunicar uma ideia.

.

1 habilidades inatas das pessoas, ou capacidade natural para realizar determinadas atividades. Habilidade

extraordinária que algumas pessoas têm ao ponto de merecerem honra especial.

(http://pt.wikipedia.org/wiki/Talento_(aptid%C3%A3o) acesso em 14/14/2011

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1º Momento: O que é o desenho?

Geralmente o desenho é entendido como sendo formas que nascem da ação do lápis

sobre o papel, sendo também associado a esboços que servirão de base para ilustrar outras

atividades, tais como: pintura, arquitetura, designer, dentre outras.

O desenho é visto como um fazer manual, desprovido de intelectualidade ou de

intencionalidade, muitas vezes está associado à ideia de dom, predestinado a um número

limitado de pessoas privilegiadas que conseguem fazê-lo, e fruto de antipatia pela sociedade,

por ser associado ao ócio e ao fazer vagabundo.

O desenho é a primeira forma do ser humano manifestar seu entendimento do mundo,

porém a nossa cultura ocidental muito pouco o valoriza ao mesmo tempo em que, depende

cada vez mais dele. Afinal, tudo parte de desenhos, vivemos a sua cultura. O desenho

reclama sua autonomia, é a mais ancestral relação que uma pessoa possa ter com a

representação.

Nosso projeto revela o desenho, como um fazer pensante que envolve um entendimento

intelectual, e não apenas habilidades manuais desconectadas de um pensamento. Desenho é

linguagem, desígnio, intenção, meta, propósito, é um plano que se concretiza. Não é

coordenação motora, mas fruto do aprimoramento da percepção e da inteligência.

Pois bem, chegamos a um conceito, desenho é linguagem!

A linguagem é a capacidade humana de articular significados coletivos em

sistemas arbitrários de representação, que são compartilhados e que variam

de acordo com as necessidades e experiências da vida em sociedade, sendo

sua razão principal, a produção de sentido. (Currículo do Estado de São

Paulo, 2010, p.25,caput PCN 2006)

As linguagens são os códigos pelos quais se comunicam a cultura e o conhecimento de

um povo. Esses códigos são organizados dentro de uma logicidade própria de cada cultura

proporcionando a interação na sociedade. Quanto maior a possibilidade de interpretação

dessas informações, maior a comunicação.

Desse modo, o desenho é a composição de vários elementos plásticos que organizados

transmitem uma produção de sentido, que permite ao indivíduo comunicar um pensamento,

uma ideia, um conceito.

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Cada elemento plástico, cada signo utilizado em um desenho tem sua narrativa singular,

resultante dos meandros mais profundos do saber particular e social do indivíduo. À medida

que a criança se desenvolve, ela se apropria do mundo que a cerca, e esse saber acumulado vai

sendo refletido no ato de desenhar.

O raciocínio gráfico que se sugere, é o de entender o desenho como sendo reflexo de

um processo 2sinestésico, em que integrando a performance como prática poética, entrelaça a

arte e a vida, fundindo-a de forma multisensorial e intelectual.

Impossível alcançar com inteligência a linguagem do desenho sem perceber as

conexões, que abrangem formas, cores, volumes, texturas, perspectivas, jogos de luz e

sombra; que vão se desencadeando, no complexo processo da percepção visual. É preciso ver

de uma forma diferente, é preciso entender as formas como enigmas a serem decifrados.

2 Diz respeito à capacidade de tradução inter-percepções num grau indicial ( plano semiótico), estabelecendo

relações entre uma percepção de um domínio do sentido e um domínio evocado. ( Noronha, Marcio Pizarro.

Sensibilidades e Sociabilidades: Perspectivas de Pesquisa. Ed. UGG.2008. p. 107)

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1ª Ação: Vasos e Rostos - Um Exercício Para o Cérebro Duplo

O seguinte exercício foi planejado especificamente para ajudá-los a passar de sua

modalidade dominante, em que impera o hemisfério esquerdo do cérebro, para a modalidade

subordinada do hemisfério direito. O objetivo é proporcionar-lhe os meios de liberar esse

potencial, de ter acesso, a um nível consciente, à sua capacidade inventiva, intuitiva e

imaginativa.

A atividade aconteceu da seguinte maneira: Os alunos dispostos em duplas , tem em

mão um folha de sulfite, num canto da folha o aluno X desenha o perfil do aluno Y, terminado

o desenho a folha é passada para Y que repete a ação.

Quando terminados ambos os perfis, unem-se as bases inferiores e superiores,

formando uma nova imagem.

A seguinte pergunta orienta o olhar:

O que você vê nesta imagem? Dois rostos ou um vaso?

RESULTADO OBTIDO:

Figura 1- desenhos de rostos e vasos (princípio do desenho como 3Gestalt")

3 - relação figura fundo, oras o fundo se faz imagem, ora o contorno é a imagem, numa relação de

interdependência entre as formas.

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O resultado final, foi uma grande surpresa, quando os alunos conseguiam enxergar duas

formas que se fundiam num jogo imagético de formas que confundiam o olhar, e provocavam

o olhar investigativo de formas que se assemelhassem a algo conhecido.

É um jogo entre as lateralidades hemisféricas do cérebro que ensinar a ver e a conhecer,

ensinar a explorar o mundo pelo olhar, apreender e compreendê-lo; criando novas

possibilidades, inventando novas saídas, percebendo o mundo de forma global.

O saber vai se desenhando num apropriamento sistêmico das múltiplas habilidades do

indivíduo.

2º Momento: Desenho e Educação

“No retrato que me faço - traço a traço -

Às vezes me pinto nuvem

Às vezes me pinto árvore...

Às vezes me pinto coisas de que nem há mais lembrança...

Ou coisas que não existem

Mas que um dia existirão

E, desta lida em que busco

- pouco a pouco –

Minha eterna semelhança,

No final, que restará?

Um desenho de criança...

Corrigido por um louco!”

(O Autorretrato, Mario Quintana)

É comum presenciarmos nas aulas de artes desenhos sendo corrigidos, categorizados a

partir de um direcionamento que não privilegia a identidade e o desenvolvimento pessoal, o

traço peculiar de cada aluno. Cada traço é fruto da descoberta da gestualidade individual de

cada indivíduo, dentro de um processo cíclico de aquisição gráfica.

O Arte-educador não um profissional que possui a propriedade da correção, que delega

o que é o certo ou errado em que são válidos apenas pontos de vista de sua semântica, mas

sim um provocador, à medida que propõe indagações que fazem com que o aluno venha a

conscientizar-se do olhar, a pensar de forma diferente, buscando novos ângulos que

estimulem a descoberta de novas possibilidades; viabilize a construção de conhecimento, deve

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ter bem esclarecido que não trata-se de um momento de lazer ou de pura ludicidade, mas de

um fazer intelectual.

As aulas de Arte devem proporcionar a mudança de hábitos que debilitam a percepção;

e desconstruir pré-conceitos estereotipados que atravancam o gesto de figurar, visto que, são

muito poucos os alunos que conseguem, depois de abandonado o hábito de desenhar,

recuperar a linguagem do desenho, por seus próprios meios, sem a intervenção de professores.

No processo de aprendizagem convencional os alunos compreendem o desenho de

forma fragmentada, quando na verdade desenhar é uma atividade paradoxal, assim como a

própria criatividade. É como se de alguma forma, houvesse um obscurantismo do desenho nas

escolas. Essa ausência de conhecimento sobre a natureza do desenho condiciona a pré-

conceitos e a visões que tendem a diminuir a sua importância mediante as demais atividades

intelectuais.

Desenhar é um fazer global, que transcende num sistema intrínseco que, por sua vez,

engloba a investigação, a procura de novos caminhos, novas possibilidades; a exploração, ou

seja, a posse, o monopólio dessas habilidades; e a experimentação, sendo este momento a

experiência que será refletida no fazer artístico.

O desenho, ao contrário do que pensam muitos, não é uma ação das mãos, é

uma ação do olhar. Não é questão de coordenação motora, mas de

aprimoramento da percepção e da inteligência. (Tiburi e Chuí, 2010, p 19)

Precisa compreender também que dentro dessas habilidades de investigação, exploração

e experimentação, existem momentos que se iniciam no rabiscar e riscar e posteriormente no

traçar; consistindo o riscar e rabiscar, num garatujar desenfreado que vai sendo aos poucos

potencializado a um traçar permeado de intencionalidade, um fazer mental que associa e

relaciona, um fazer carregado de conteúdos e significações, um fazer que traduz um

pensamento.

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2ª Ação: Professor - provocador

A primeira ação que desenvolvemos foi apresentada no livro “Desenhando com o Artista

Interior”- da pesquisadora Betty Edwards.

Para Edwards (2002), aprender a desenhar é aprender a ver de modo diferente, reeducar o

sistema visual espacial do hemisfério direito do cérebro. A pesquisadora entende que o

cérebro é dividido por duas lateralidades hemisféricas, sendo estas responsáveis por diferentes

áreas do conhecimento.

Essas duas partes são denominadas de lado direito e esquerdo do cérebro ou simplesmente

lados D e E, estes dois lados do cérebro são antagônicos e processam as informações de

formas bem divergentes. O lado esquerdo é o responsável pela logicidade matemática, pensa

linearmente e é baseado na linguagem. No lado direito acontece o pensamento visual, espacial

e relacional, é nele que acontece o pensamento sistêmico que funciona de modo não-verbal,

processando simultaneamente as informações, observa o todo de uma única vez, sendo por

consequência, o lado responsável pela habilidade de desenhar.

Para Edwards ( 2002) para aprender a desenhar é necessário aprender a trabalhar com as

competências do lado direito do cérebro, é preciso aprender a ver; a autora entende que, a

visão está estreitamente ligada ao desenho e ao processo criativo, tudo o que é necessário para

se aprender a desenhar é olhar e ver.

Tínhamos com a atividade, o objetivo de promover o acesso às habilidades que os alunos já

possuem, e que apenas estão à espera de serem liberadas, através do olhar atencioso.

Propondo desenhos com a mão esquerda para os destros e com a mão direita para os canhotos,

no entanto, algo que já esperávamos aconteceu, um aluno se negou a desenhar, disse que

jamais o faria é que se fosse preciso desenhar com a mão esquerda ele o faria com os pés.

O desafio foi aceito, o aluno desenhou com os pés, fixando uma caneta no tênis, começaram

a surgir alguns traços, que lembravam um rosto, foi feita a sugestão de associação com a obra

“O Grito – Edvard Munch”

Posteriormente o desenho foi fotografado e apresentado na aula seguinte, que

complementaram a aula fazendo uma leitura da obra “O Grito -Edvard Munch”. Os alunos

fizeram uma leitura da obra e contextualizaram com a produção do colega de classe.

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Imagens da Ação:

Figura 2- desenho feito com os pés por

adolescente de 13 anos Figura 5- estudos feitos no

photoshop sobre desenho do aluno

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3º Momento: Explorando o olhar

O ato de ver de todo homem antecipa de um modo modesto a

capacidade, tão admirada no artista, de produzir padrões que

validamente interpretam a experiência por meio da forma organizada.

O ver é compreender. (Arheim. 2005, p.39)

Em “New Words” Orwell usou a frase “tornar visível o pensamento (caput Edwards.

2002,p.60), utilizaremos a expressão para sintetizar o nosso parecer sobre o ator de ver e a

representação através do desenho. O desenho tem a função de mostrar o que se entende de

determinadas paisagens, entendamos essas paisagens como tudo o que está diante do olhar,

através da atitude de figurar o que se vê, se expõe o que conhece sobre, e de como ele se

apresenta para cada um.

Ensinar a ver é ensinar a conhecer, ensinar a explorar o mundo pelo olhar, apreender e

compreendê-lo; quem vê, cria novas possibilidades, inventa novas saídas, percebe o mundo de

forma global; o saber vai se desenhando num apropriamento sistêmico das múltiplas

habilidades do indivíduo.

Mas antes de pensar no ato de ver como forma de apropriação de mundo, faremos uma

breve pontuação sobre o ver em si, enquanto habilidade física e sentido tão básico quanto o

ato de respirar.

Rapidamente falando, ver é a capacidade física do corpo de capturar a luz que incide

sobre as retinas dos olhos, sendo que as retinas recebem esta luz e a transformam em impulsos

nervosos que adentram pelo nervo óptico, sendo direcionados ao cérebro, que é quem

interpreta essas reações luminosas, ou seja, os olhos captam as imagens, mas, quem vê é o

cérebro.

Ver com o cérebro o que significam aquelas luzes captadas pelos olhos é interpretar,

analisar e sintetizar as formas, cores, texturas, etc. É a habilidade de explorar o mundo

ativamente, é como se pudéssemos alcançar o mundo com os olhos.

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...ao olhar para um objeto nós procuramos alcançá-lo. Com um dedo

invisível movemo-nos através do espaço que nos circunda,

transportamo-nos para lugares distantes onde as coisas se encontram,

tocamos, agarramos, esquadrinhamos suas superfícies, traçamos seus

contornos, exploramos suas texturas. O ato de perceber formas é uma

ocupação eminentemente ativa. (Arheim, 2005, p.36)

O objeto ao ser observado, de alguma forma, passa a ser apropriado pelo sujeito

observador, este lhe alcança como se possuísse mãos invisíveis, e seu conhecimento sobre

este objeto, olhado mais atentamente, é específico e único, que ao menor balançar de cabeça,

ou mudança de postura do espectador, se desenhará de forma diferente; mudam-se os ângulos,

mudam-se as perspectivas, muda-se o objeto, e a forma de representá-lo.

Toda vista de um objeto reflete a extensão do que se conhece sobre e de como este se

apresenta a cada um. Por isso, sempre ao observar um objeto é necessário que o faça de uma

forma estrangeira, buscando encontrar novos contornos, novas formas, novos jogos de luz e

sombra, novas possibilidades.

Há muitas pessoas de visão perfeita que nada vêem. O ato de ver não é

coisa natural. Precisa ser aprendido. Nietzsche sabia disso é afirmou

que a primeira função da educação é ensinar a ver. (Rubem Alves. A

Arte de ver, s/d)

Como afirma Rubem Alves, em citação acima, há muitas pessoas de visão perfeita que

nada vêem, olham despercebidas como se já conhecessem o mundo a sua volta, como se tudo

fosse uma repetição constante, de formas, de cores, de perspectivas. Ao educar o olhar, o

indivíduo torna-se mais sensível para as coisas do mundo. Todo visualidade pressupõe uma

imagem, toda imagem é sempre um mistério, algo a ser compreendido, algo a ser desvendado,

cada elemento, cada signo, tudo supõe uma narrativa, cabe ao leitor de mundo decifrá-la.

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3º Ação: Desenho de Observação de Campo

Os alunos foram até a área verde da escola e lhes foi solicitado que observassem a

quadra poliesportiva, as árvores, a vegetação de arbustos, o piso; sempre buscando ângulos

inusitados. Foi a primeira vez que trabalharam com carvão estavam muito ansiosos

Alguns resultados obtidos:

Figura 3 - carvão sobre sulfite - técnica de observação

Figura 4 - árvore - técnica carvão sobre sulfite

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O resultado foi satisfatório com grande adesão e interesse dos alunos.

A técnica proposta dos alunos tinha como finalidade desinibir o traço e ampliar o olhar,

com grande êxito alcançou seus objetivos, visto que muitos alunos desenharam a forma como

lhe era visível, não como estereotipia, a exemplo a imagem da árvore acima, foge

drasticamente da forma convencional de representação.

Muitas vezes a ação individual da criança é desprezada e lhe são apresentados

exercícios motores de adestramento do traço.

A estratégia visual educacional visando apenas o adestramento motor

exclui o entendimento do desenho como forma de construção do

pensamento através de signos gráficos, maneira de apropriação da

realidade e de si mesmo ( Derdick,1994, p. 108)

Essas atividades denigrem o amadurecimento natural do traço e sua significância

particular com o universo da criança e impedem que a criança desenvolva o olhar. As formas

já estão prontas não precisam ser descobertas pelo olhar estrangeiro e curioso da criança.

Essas formas são o início da representação estereotipada que acaba seguindo pela vida afora

do indivíduo e, num dado momento, elas não serão capazes de atender as exigências de

olhares mais amadurecidos , geralmente no período da adolescência , entre os 11 ou 12 anos,

o que acaba fazendo com que o desenho seja deixado de lado.

O desenhar é ensinado de forma desvinculada do ver, do observar o mundo a sua

volta, apresentado em forma de desenho livre ou enquanto imposição. São avaliados

qualitativamente segundo critérios do professor, desencadeando grandes frustrações, quando

não alcançados os padrões figurativos ou estruturais que estabelecem o certo ou o errado, o

bom ou o ruim.

O ensinar a ver, desaliena o olhar e amplie as margens de figuração do aluno , no

processo de investigação da formas.

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4º Momento: Reencontrando o Traço Perdido

Silvio Dworecki (1998), em sua tese sobre a redescoberta da habilidade de desenhar,

propõe reflexões sobre o papel da Arte enquanto instrumento de imersão no universo criativo,

num percurso de contínua experimentação e pesquisa da representação de formas através de

traços. Sugere a redescoberta do traço ao gesto, até então estagnado, entendendo o desenho

como uma ferramenta reflexiva que capacita expressivamente o conhecimento do educando.

Segundo o professor perde-se a capacidade de figurar na fase adulta porque esta

linguagem está impregnada dos hábitos da escrita, desenham como se escrevessem, da

esquerda para a direita e de cima para baixo, hábitos adquiridos no período da alfabetização.

Objetivando a reencontro do educando com o desenho, Dworecki baseia seu método

de ensino em alguns conceitos que norteiam a sua ação enquanto professor em sala de aula, de

forma a unificar o gesto à relação mão/olho e na relação percepção/expressão. Oportunizando

ao aluno conquistar a cada etapa modos individuais de perceber e figurar tanto pela técnica

quanto por procedimentos pessoais que resultem na mudança de hábitos.

São três os eixos sensíveis que embasam o processo de Ensino do Desenho do

professor: a produção dos alunos, as referências teóricas e sua produção plástica pessoal, que

oportuniza idéias e possíveis soluções para os desafios futuros de representação.

Através de seu método de ensino, o professor busca recuperar conexões que

concatenem do gesto ao traço, da palavra a imagem; de forma a desinibir o traço, estimulando

a produção de desenhos e intervindo, cautelosamente, quando necessário por meio de

procedimentos que deflagrem a transição do desenho de observação para o desenho de

imaginação e de memória.

4ª Ação: Desenhando Modelos Vivos

Iniciando uma brincadeira de estátua, iniciávamos a brincadeira e todos ficavam

inertes, a estátua mais interessante, era escolhida como modelo, o restante da sala se

posicionava no ângulo que mais lhe agradara e desenhava. A brincadeira se reiniciava quando

todos diziam ter terminado.

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Figura 5- observação com carvão, desenhando modelos vivos

A aluna retratada quando viu seus desenhos retratados pelos colegas chorou, disse que

nunca havia se sentido tão importante.

A atividade proporciona conexões entre os sentidos, visto que, toda imagem produzida é

um texto que sugere uma leitura multisensorial, é sempre uma produção textual, um

embricamento de ideias que constrói um rizoma de significados, uma trama intelectual em

que o autor no momento da criação também 4abstrai dos saberes pré-adquiridos informações

que serão representadas expressivamente.

4 Ab- strair = tirar de; considerar isoladamente ( componentes de um todo). Mini Aurélio escolar Século XXI

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Nesse momento do processo de reaver gráfico, o desenhar acontece como em uma

grande orquestra, em que todos os instrumentos soam independentes uns dos outros, através

da autonomia, da visão crítica e das referências que alicerçam as fluências que diminuem a

distância entre intenção, gesto e traço.

O aluno ao adquirir autonomia, no sentido de se tornar capaz de desenhar o que

pretende, possui liberdade de transitar entre o que pretende representar, a gestualidade e o

desenho em si.

Considerações Finais

Difícil pensar em concluir um tema tão amplo, visto que muitos teóricos já se

debruçaram em estudos que pudessem de alguma forma elucidar o desenvolvimento ou a

recuperação desta linguagem tão bela, e ainda assim, o desenho permanece um enigma a ser

decifrado.

Organizamos este projeto num sentido de elucidar, num primeiro momento, sobre o

que é o desenho, o que ele representa na formação intelectual de cada um, como surge na

primeira infância, como desenvolvê-lo de forma plena, qual sua função na sociedade atual.

Podemos então constatar que, desenho é mais que a simples ação motora do traçar o lápis

sobre o papel, mas um fazer inteligente resultante de um pensamento que toma forma através

de gestos que são representados por marcadores em determinadas superfícies.

Ao aproximar-se do período da adolescência, quando não incentivada na descoberta

de novas formas e traços, também já alfabetizada, vai abandonando o hábito de desenhar. Por

possuir maior repertório de mundo, reconhece que os desenhos que produz não conseguem

representar de forma fidedigna a realidade que conhecem, afirmando assim que não sabem

desenhar. Quando não incentivados, esses desenhos permanecem estacionados por toda a

vida. Ao se tornarem adultos, podem apesar de altamente letrados, estar nas fases iniciais do

desenvolvimento gráfico, “analfabetos no desenho”.

Um dos fatores apresentados no decorrer deste trabalho que justifica o abandono do

desenho, é a sociedade que não valoriza essa linguagem, como sendo um fazer pensante, que

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envolve a habilidade de ver o mundo sobre vários vertentes e instrumento de reflexão da

vida.

O desenho é uma fazer criativo muita vezes não compreendido, faz parte de o senso

comum, afirmar que desenhar é dom, um fazer desprovido de intelectualidade, coisa de

criança ou de especialistas. O desenho é relegado a um fazer manual que não envolve o

pensamento, o que o torna uma linguagem muitas vezes não desenvolvida pelas pessoas. Mas

que, segundo os professores Dworecki e Edwards, é possível reaver por meio de pensá-lo de

uma forma diferente, observando sobre ângulos inusitados, explorando uma diversidade de

materiais, praticando sempre, atribuindo ao desenho o status de habilidade passível de ser

adquirida e não de dom, promovendo a observação de desenhos na natureza, nos objetos,

paisagens, etc.

Basta olhar e conseguir ver, adestrar o traço através de técnicas motoras repetitivas, ou

promover desenhos através de desenhos livres, frutos de um espontaneísmo sem critérios, é

desrespeitar o desenvolvimento cognitivo da criança. É impedir-lhe de desenvolver-se na sua

plenitude intelectual.

O desenho é muito mais que a ação das mãos é a ação do olhar, é linguagem, é uma

forma de manifestar e de comunicar um pensamento; a mais antiga forma de comunicação

plástica da humanidade.

O desenho como linguagem é fruto de um conhecimento constituído a partir de

experimentações, acertos e erros, trata-se de um fazer global de apropriação de mundo,

estreitamente ligado ao processo criativo, ao ato de ver e ao pensamento.

Desenhar é investigar, sensibilizar-se com o mundo e comunicar um conceito.

Page 22: Projeto desenho completo

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Referências:

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nova versão / Rudolf Arnheim; trad. Ivone Terezinha de Faria. São Paulo : Pioneira

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ALVES, Rubem. A Complicada Arte de Ver. Disponível em:

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