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LIÇOES DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL

V O L U M E 2

Por refletir uma visão global do processo, esta obra, eminentemente didática, objetiva servir de instru­

mento para facilitar o acesso do estudante de Direito ao Direito Processual Civil, especificamente dos

cursos de graduação, que trava seu primeiro contato com este ramo do conhecimento jurídico de fun­

damental importância teórica e prática.

Mesmo sendo destinada ao estudante dos cursos de graduação, a obra passa a ser instrumento po­

deroso e fonte de consulta obrigatória para todos os profissionais do Direito (advogado, magistrado,

promotor de justiça ou qualquer outro profissional do Direito), tendo em vista a aplicação prática de

cada uma das questões suscitadas. Constitui-se também em relevante interesse para os candidatos aos

concursos públicos para ingresso nas carreiras jurídicas, como a Magistratura, o Ministério Público e a

Defensoria Pública.

Por esse motivo, o autor fez questão de apresentar, ao longo dos textos, não só sua opinião sobre os

temas versados, mas também a posição dos mais importantes juristas que trataram de cada um dos

assuntos, analisando as mais relevantes polêmicas doutrinárias. O autor optou, ainda, por inserir as

informações de Direito Comparado e de evolução histórica dos institutos ao longo dos capítulos a eles

destinados, sem que se apresentassem tais informações em capítulos separados.

A obra é dividida em três tomos. No volume 1, são analisados a Teoria Geral do Direito Processual (esta

à luz do Direito Processual Civil) e o processo de conhecimento. O volume 2 examina os processos nos

tribunais e o processo de execução. Já o volume 3 é dedicado à análise do processo cautelar e dos pro­

cedimentos especiais.

Alexandre Freitas Câmara é desembargador no TJRJ, oriundo do Quinto Constitucional da Advoca­

cia, professor de Direito Processual Civil da EMERJ (Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro) e

de diversos cursos de pós-graduação. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual, da Academia

Brasileira de Direito Processual Civil, do Instituto Ibero-Americano de Direito Processual e da International

Association of Procedural Law. Autor de diversos livros de Direito Processual, entre os quais Ação resci­

sória, publicado pela Atlas.

a t l a s . c o m . b r

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V O L U M E 2

A L E X A N D R E F R E IT A S C Â M A R A

LIÇÕES DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL

22* Edição

SÃO PAULO EDITORA ATLAS S.A. - 2013

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© 2012 by Editora Atlas S.A.

As edições anteriores são da Lumen Juris; 21. ed. 2012; 22. ed. 2013

Capa: Leonardo Hermano Composição: Lino-Jato Editoração Gráfica

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câm ara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Câmara, Alexandre Freitas

Lições de direito processual civil: volume 2 / Alexandre Freitas Câmara. -- 22. ed. -- São Paulo : Atlas, 2013.

Bibliografia. ISBN 978-85-224-7640-4

eISBN 978-85-224-7993-1

1. Processo civil 2. Processo civil - Brasil I. Título.

12-06082CDU-347.9

índice para catálogo sistem ático:

1. Direito processual civil 347.9

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS - É proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma ou por qualquer meio. A violação dos

direitos de autor (Lei nfi 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184do Código Penal.

v-lEditora Atlas S.A.Rua Conselheiro Nébias, 1384 Campos Elísios 01203-904 São Paulo SP Tel.: 011 3357-9144 atlas.com.br

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Este volume é dedicado a meus pais, Antonio e Luciene, e ameus irmãos, Rodrigo e Rafael.

Dedico-o, ainda, a Janaína, como não poderia deixar de ser.

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SUMÁRIO

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Apresentação, xii

Nota introdutória à 2 1 9 edição, xvi

Nota introdutória à 189 edição, xviii

Nota introdutória à 149 edição, xx

Nota introdutória à 9 9 edição, xxiv

Nota introdutória à 7 9 edição, xxvi

PARTE 1 - PROCESSOS NOS TRIBUNAIS, 3

I Introdução e Noções Gerais, 4 § 1° Introdução, 5§ 2® Noções Gerais, 6

II Ação Rescisória, 12§ 1® Conceito e Natureza Jurídica, 13 § 2® Cabimento, 15 § 3® Legitimidade, 27 § 4® Procedimento, 28 § 5® Prazo, 30

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III Homologação de Sentença Estrangeira, 34 § 1® Conceito e Natureza Jurídica, 35§ 2® Procedimento, 40

IV Declaração de Inconstitucionalidade, 42§ 1® Controle da Constitucionalidade, 43 § 2® Incidente de Inconstitucionalidade, 44

V Uniformização de Jurisprudência, 50 § 1® Conceito e Natureza Jurídica, 51§ 2® Procedimento, 53§ 3° O Mecanismo de Prevenção ou Composição de Divergência, 55

VI Recursos, 58§ 1® Teoria Geral dos Recursos, 59

1.1 Conceito, 591.2 Classificação, 631.3 Juízo de Admissibilidade e Juízo de Mérito, 66

1.3.1 "Condições do Recurso”, 711.3.2 Pressupostos Recursais, 771.3.3 Impedimentos Recursais, 80

1.4 Efeitos dos Recursos, 821.5 Recurso Adesivo, 87

§ 2® Recursos em Espécie, 902.1 Apelação, 912.2 Agravo, 1022.3 Embargos Infringentes, 1142.4 Embargos de Declaração, 1212.5 Recurso Ordinário para o STF e para o STJ, 1252.6 Recurso Especial e Recurso Extraordinário, 1282.7 Embargos de Divergência, 143

VII Da Ordem dos Processos nos Tribunais, 146 § 1® Procedimento dos Feitos nos Tribunais, 147 § 2® Provimentos Emanados do Relator, 151

PARTE 2 - EXECUÇÃO FORÇADA - (Módulo Processual Executivo), 157

VIII Teoria Geral da Execução, 158§ 1® Observações Preliminares, 159 § 2® Conceito, 160 § 3® Princípios, 164

v iii Lições de Direito Processual Civil • Câmara

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Sumário ÍX

3.1 Princípio da Efetividade da Execução Forçada, 1653.2 Princípio do Menor Sacrifício Possível do Executado, 1663.3 Princípio do Contraditório, 1673.4 Princípio do Desfecho Único, 169

§ 4® Competência, 172§ 5® Legitimidade, 176 § 6® Título Executivo, 184

6.1 Títulos Executivos Judiciais, 1896.1.1 Sentença Civil Condenatória (art. 475-N, I), 1896.1.2 Sentença Penal Condenatória Transitada em Julgado (art. 475-N,

II), 1916.1.3 Sentença Homologatória de Transação ou de Conciliação (art.

475-N, III), 1946.1.4 Sentença Arbitrai (art. 475-N, IV), 1966.1.5 Decisão homologatória de acordo extrajudicial (art. 475-N, V), 1976.1.6 Sentença Estrangeira Homologada pelo STJ (art. 475-N, VI), 1986.1.7 Formal e Certidão de Partilha (art. 475-N, VII), 199

6.2 Títulos Executivos Extrajudiciais, 1996.2.1 Títulos Cambiais e Cambiariformes (art. 585,1), 2006.2.2 Reconhecimento de Obrigação por Instrumento Público ou Par­

ticular (art. 585, II), 2016.2.3 Transação Extrajudicial (art. 585, II), 2026.2.4 Hipoteca, Penhor, Anticrese, Caução (art. 585, III), 2036.2.5 Seguro de Vida, 2046.2.6 Créditos Decorrentes de Foro e Laudêmio, 2056.2.7 Aluguel e Acessórios, 2056.2.8 Custas Judiciais, 2086.2.9 Dívida Ativa da Fazenda Pública, 2096.2.10 Todos os Demais Títulos a que a Lei Atribui Força Executiva, 210

§ 7® Responsabilidade Patrimonial, 2157.1 Fraude contra Credores, 2187.2 Fraude de Execução, 2247.3 Alienação de Bem Penhorado, 228

VIII-A Execução Provisória, 230

IX Liquidação de Sentença, 240§ 1® Conceito e Natureza Jurídica, 241 § 2® Espécies, 248

X Espécies de Execução, 256§ 1® Execução para Entrega de Coisa, 257

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Lições de Direito Processual Civil • Câmara

1.1 Execução para Entrega de Coisa Certa, 2581.1.1 Fase Postulatória, 2591.1.2 Fase Instrutória, 2601.1.3 Fase Satisfativa, 261

1.2 Execução para Entrega de Coisa Incerta, 263§ 2° Execução das Obrigações de Fazer e de Não Fazer, 267

2.1 Execução das Obrigações de Fazer, 2672.2 Execução das Obrigações de Não Fazer, 2742.3 Meios de Coerção, 2772.4 Tutela Jurisdicional Específica das Obrigações de Emitir Declaração de

Vontade, 283§ 3® Execução por Quantia Certa contra Devedor Solvente, 294

3.1 Procedimento Padrão da Execução por Quantia Certa contra Devedor Solvente, 2953.1.1 Petição Inicial, 2963.1.2 Citação e Arresto, 2983.1.3 Pagamento ou Penhora, 3023.1.4 Penhora, 304

3.1.4.1 Conceito e Natureza Jurídica, 3043.1.4.2 Efeitos da Penhora, 3053.1.4.3 Bens Impenhoráveis, 3103.1.4.4 Forma de Realização da Penhora, 3213.1.4.5 Penhoras Especiais, 324

3.1.5 Avaliação dos Bens Penhorados, 3293.1.6 Adjudicação, 3333.1.7 Alienação por Iniciativa Particular, 3353.1.8 Hasta Pública e Arrematação, 3363.1.9 Pagamento ao Exequente, 341

3.1.9.1 Pagamento por Entrega de Dinheiro, 3413.1.9.2 Pagamento por Adjudicação, 3423.1.9.3 Pagamento por Usufruto de Móvel ou Imóvel, 343

3.2 Procedimento da Execução por Quantia Certa contra Devedor Solvente Fundada em Título Judicial, 347

3.3 Procedimentos Especiais da Execução por Quantia Certa contra Deve­dor Solvente, 3503.3.1 Processo autônomo de execução fundado em título judicial, 3513.3.2 Execução contra a Fazenda Pública, 3513.3.3 Execução de Prestação Alimentícia, 3573.3.4 Execução Fiscal, 362

§ 4® Insolvência Civil, 3704.1 Vencimento Antecipado das Dívidas, 381

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Sumário

4.2 Perda do Direito de Administração e Disposição dos Bens, 3824.3 Arrecadação dos Bens Penhoráveis, 3834.4 Instauração da Execução Universal, 384

XI Defesa do Executado, 398§ 1® Embargos do Executado, 399

I - Falta ou Nulidade de Citação, 414II - Inexigibilidade do Título, 417III - Ilegitimidade das Partes, 419IV - Cumulação Indevida de Execuções, 420V - Excesso de Execução, 422VI - Causas Impeditivas, Modificativas ou Extintivas da Obrigação, 426VII - Incompetência, Impedimento, Suspeição, 427VIII - Nulidade da Sentença Arbitrai, 428

§ 2® Impugnação à execução fundada em título judicial, 435 § 3® Exceção de Pré-Executividade (ou Objeção de Não Executividade), 436

XII Suspensão e Extinção do Módulo Processual Executivo, 442 § 1® Suspensão do Módulo Processual Executivo, 443§ 2® Extinção do Módulo Processual Executivo, 448

Referências bibliográficas, 452

índice remissivo, 466

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APRESENTAÇÃO

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A linguagem é simples, direta, fácil de ser com preendida - ao autor não apetece a obscuridade como dem onstração de saber inacessível.

O conteúdo é denso, profundo e m esm o assim abrangente do universo que desconfiamos ilim itado do Direito Processual Civil.

Assim Alexandre Freitas Câmara exerce o seu M agistério e a sua Advo­cacia, com dedicação, independência, am or ao Direito e com preensão da natu­reza hum ana.

O autor confirma aqui o talento que todos conhecem, continuando a trilogia, sob o título, que se afigura m odesto, de Lições de direito processual civil, consolidando os ensinam entos sem pre aguardados por acadêmicos e profissio­nais do Direito.

Este volume 2 trata, na prim eira parte, dos processos nos tribunais, ana­lisando, com m étodo e cuidado, tem as como a teoria geral dos recursos e o procedim ento das apelações, dos agravos e em bargos, os papéis que os prota­gonistas processuais exercem nos incidentes como a uniformização de ju ris­prudência nestes tem pos em que se anunciam as súm ulas vinculantes.

A ou tra parte da obra leva-nos ao m undo do processo de execução, onde cam inha com a segurança e clareza que som ente podem decorrer da intensa atuação do professor e da prática diária nos tribunais.

Aliás, é irresistível observar que o processo de execução tem sido um universo em que peregrinam, desorientados e perplexos, advogados e juizes

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x iv Lições de Direito Processual Civil • Câmara

em busca da realização m aterial do Direito; nele, a prática está desgraçadam en­te alicerçada na leniência, na protelação, na eficácia de atos que, no entanto, como tranquilam ente ensina o autor, não oferecem complicações se as norm as jurídicas são apreendidas e aplicadas com técnica e atenção aos princípios bá­sicos que asseguram os direitos das partes.

Deste segundo volume da trilogia, pela riqueza do conteúdo, resultará para o leitor natural ânsia de reler o prim eiro volume e de ler, em com unhão com os demais profissionais do Direito, o terceiro volume, este sobre o proces­so cautelar e os procedim entos especiais.

Nagib Slaibi Filho

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NOTA INTRODUTÓRIA À21- EDIÇÃO

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NOTA INTRODUTÓRIAÀ18- EDIÇÃO

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Esta edição é elaborada após um ano de exercício efetivo da m agistratu­ra em segunda instância, já que, em fins de 2008, fui nom eado, pelo Q uinto C onstitucional da Advocacia, para o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. D urante esse pouco mais de um ano, dedicado quase que exclusiva­m ente ao capítulo dos recursos, dediquei a es ta parte do livro um a atenção especial, buscando ju n ta r às considerações teóricas (que já estavam som adas ao que havia sido haurido nas duas décadas em que orgulhosam ente exerci a advocacia) o que vi e aprendi no exercício da judicatura. Assim , busquei incluir, na atualização, a indicação de decisões de que fui re la tor (ou em que tenha participado da tu rm a julgadora) e nas quais se tenha aplicado aquilo que neste livro se sustenta .

Espero, sinceram ente, que esta edição possa ter a m esm a acolhida das anteriores. Sei que um a das razões para ter sido nom eado para ocupar um cargo de Desem bargador no TJRJ foi m inha produção literária. Espero, since­ram ente, que, ao exercer a judicatura na qualidade de m agistrado oriundo do Q uinto Constitucional da Advocacia, eu seja capaz de atender às expectativas de m inha classe de origem, e possa ser considerado um legítimo representante dos advogados na composição do Poder Judiciário brasileiro.

Esta edição é dedicada, como não poderia deixar de ser, a Janaína, Rodri­go e Guilherme, responsáveis por tudo que há de bom na m inha vida.

O Autor

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NOTA INTRODUTÓRIAÀ14ê EDIÇÃO

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A aprovação de um a série de leis im portantes, no final de 2006, trouxe várias inovações ao Direito Processual Civil brasileiro. Dessas inovações, algu­mas atingiram, particularm ente, as m atérias tratadas neste volume.

Foi o que se deu, por exemplo, com a regulam entação da repercussão geral da questão constitucional como m ecanism o de filtragem dos recursos extraordinários que chegam a ter seu m érito apreciado pelo Supremo Tribunal Federal.

N enhum a inovação foi tão im pressionante, porém, como a produzida pela Lei nô 11.382/2006. Esta lei foi responsável por alterar dispositivos do Código de Processo Civil, in troduzir nele dispositivos novos, além de revogar outros. No total, 84 artigos do CPC foram modificados, criados ou revogados por essa lei.

Isso gerou a necessidade de um a profunda revisão deste segundo volu­me das Lições de direito processual civil. Basta dizer que um capítulo inteiro deste volume foi suprim ido, já que o institu to que ali se estudava desapareceu do ordenam ento processual brasileiro: a remição de bens.

O utros itens foram criados, como, por exemplo, um dedicado ao estudo da alienação do bem penhorado por iniciativa particular. Outros, ainda, foram profundam ente modificados, como é o caso do segm ento deste livro dedicado ao estudo dos em bargos do executado.

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x x ii Lições de Direito Processual Civil • Câmara

Trata-se, porém, e substancialm ente, do m esm o livro que antes vinha recebendo da com unidade jurídica calorosa acolhida, que se espera possa con­tinuar a existir.

Esta breve introdução à nova edição das nossas Lições, porém , tem um propósito: apresentar considerações (breves) acerca dessas reformas por que vem passando o Direito Processual Civil brasileiro. Estam os absolutam ente convencidos de que o legislador tem se valido de suas armas para atacar o alvo errado. Os m aiores problem as da prestação jurisdicional civil no Brasil, a m o­rosidade do processo e a qualidade das decisões judiciais, devem ser resolvidos através de reformas estruturais (como, por exemplo, a contratação de pessoal ou a informatização de procedim entos adm inistrativos dos tribunais que ain­da não o fizeram), bem assim com a realização de cursos de atualização para m agistrados e outros profissionais, que precisam estudar mais do que têm feito (e é preciso dizer que m uitos não estudam não porque não queiram , mas sim plesm ente porque não têm tem po para estudar, em razão da sobrecarga de trabalho a que são subm etidos).

Isso, evidentem ente, não quer dizer que reformas das leis processuais não tenham de ser feitas. Tais reformas, porém , deveriam ser feitas para atacar pontos da lei que, atuados na prática, não tenham sido capazes de resolver adequadam ente os problem as que se destinam a solucionar. Como disse, com m uita propriedade, um dos mais autorizados processualistas brasileiros, “de que adianta reform ar as leis, se é pela inobservância delas que o retardam ento dos feitos se dá?* (H um berto Theodoro Júnior, A onda reform ista do direito positivo e suas implicações com o princípio da segurança jurídica. Revista Ma- gister de Direito Civil e Processual Civil, v. 11, p. 31). Além disso, m uitas altera­ções têm sido capazes de gerar dúvidas doutrinárias que as norm as anteriores não geravam. Assim, acaba-se por se pôr em dúvida a efetividade de m uitas das reformas, que acabam - em razão dessas divergências - gerando um a perda de tem po ainda maior.

Isto não quer, evidentem ente, dizer que nenhum a reforma seja positiva. O processo eletrônico, por exemplo, é um passo adiante no modo de se de­senvolver o processo civil no Brasil. Tomados os cuidados necessários com a aplicação de um sistem a como esse em um país de excluídos digitais (e basta dizer que no Brasil apenas 8% da população tem acesso à In ternet a partir de com putadores instalados em residências, e 89% da população brasileira é for­m ada por excluídos digitais, segundo dados do Com itê para Democratização da Informática, um a organização não governam ental criada no Brasil), o pro­cesso eletrônico pode m elhorar m uito a qualidade da prestação jurisdicional.

A nosso juízo, é preciso ter cuidado para não se pensar que toda reforma só vem para m elhorar o sistem a. Juristas não são Pollyanas, e não pode ser saudável a existência de juristas naif. E preciso elogiar o que apresenta bons resultados e criticar o que não o consegue, de modo a perm itir que - através

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Nota Introdutória à 14* Edição XXÍii

do trabalho dos juristas com prom etidos com a boa qualidade da prestação ju- risdicional - se consiga aperfeiçoar sem pre o direito objetivo.

Esperamos, sinceram ente, que nossa obra seja capaz de contribuir não só para a com preensão do Direito Processual Civil brasileiro vigente, m as tam ­bém para a m elhoria desse sistema.

Por fim, é preciso registrar que esta nova edição do segundo volume das Lições de direito processual civil é dedicada a Janaína, Rodrigo e Guilherme. Disse Érico Veríssimo, em Olhai os lírios do campo, que "felicidade é a certeza de que a nossa vida não está se passando inutilm ente”. A eles agradeço por fazerem útil a m inha vida.

O Autor

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NOTA INTRODUTÓRIAÀ9- EDIÇÃO

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A elaboração desta 9a edição contou com a colaboração de diversos lei­tores e alunos que, lendo a edição anterior, apontaram aspectos em que a obra precisava ser revista, tendo em conta as implicações do Código Civil de 2002 sobre o sistem a processual civil brasileiro. Por mais que se tenha buscado, já nas edições anteriores, esta atualização, errar é hum ano e sem pre é possível que pontos em que tal atualização deveria ter sido feita ainda não tivessem sido encontrados. Por conta disso, não se pode deixar de agradecer, sem nom inar para não correr o risco de esquecim entos, a todos aqueles que me ajudaram nessa difícil em preitada. Continua-se, ainda, com a esperança de que eventuais falhas que persistam sejam perdoadas e apontadas pelos leitores que, ao longo da vida desta obra, têm sido tão gentis em acolhê-la.

Aproveita-se, ainda, esta oportunidade, para agradecer aos profissionais do D ireito que com tan ta generosidade têm feito alusão ao que aqui se escre­veu e se sustenta. A referência a estas m odestas Lições em obras doutrinárias, petições, pareceres e decisões, inclusive das Cortes de Superposição, envaidece o autor e o faz acreditar que vale a pena trabalhar para melhorar, sempre, o conteúdo do livro.

Por fim, não posso deixar de lem brar que esta 9a edição foi elaborada nos dias im ediatam ente seguintes ao nascim ento de m eu filho Guilherme. A ele, ao m eu prim ogênito Rodrigo e a Janaína vai esta edição dedicada, como não poderia deixar de ser.

O Autor

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NOTA INTRODUTÓRIAÀ7- EDIÇÃO

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O ano de 2002 marca, decisivamente, a h istória do Direito brasileiro. Em prim eiro lugar, a aprovação de um novo Código Civil, logo em janeiro. Pouco tem po depois, em maio do m esm o ano, a aprovação da Lei n Q 10.444, que m o­dificou radicalm ente o Código de Processo Civil, nele provocando um a guina­da radical. Estes dois im portantes diplomas foram aprovados quando já estava pronta a sexta edição deste segundo volume, razão pela qual a sétim a edição vem inteiram ente revista e remodelada. Este segundo volume, é preciso que isto fique claro, foi escrito originariam ente sob a égide do Código Civil de 1916 e antes dessa m udança radical provocada pela assim cham ada “segunda etapa da reform a do CPC”. O que se espera é que o livro continue a te r a mesm a aceitação que vinha tendo anteriorm ente, tan to por parte de estudantes como de profissionais. Aproveita-se o ensejo para agradecer a todos os juristas que levaram em conta e citaram em seus trabalhos as opiniões manifestadas nestas m odestas Lições, bem assim a todos os advogados, m em bros do M inistério Público e m agistrados que, em suas petições, pareceres e decisões, citaram o que aqui se sustenta. Espera-se, sinceram ente, que este livro possa ser cada vez mais útil à construção de um Direito Processual justo e eficiente, capaz de contribuir para o surgim ento de um Brasil melhor.

Encerra-se esta apresentação dedicando-se esta sétim a edição do segun­do volum e das Lições de direito processual civil ao M inistro Athos Gusmão Carnei­ro, um dos responsáveis pelas reformas m odernizadoras por que passou o CPC

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x x v ii i Lições de Direito Processual Civil • Câmara

brasileiro na últim a década, e que com seu talento - por tantos anos dedicado à m agistratura - hoje honra a classe dos advogados brasileiros. Dedica-se, ainda, esta edição, a Janaína e Rodrigo, os am ores da m inha vida.

O Autor

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PARTE 1

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PROCESSOS NOS TRIBUNAIS

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I

INTRODUÇÃO E NOÇÕESGERAIS

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§ l 9 INTRODUÇÃO

Inicia-se este segundo volume pelo estudo dos processos nos tribunais. A organização judiciária brasileira se caracteriza pela existência de órgãos ju ­diciários de superposição, cuja função precípua é apreciar recursos interpostos contra as decisões proferidas pelos órgãos inferiores. Tais órgãos de superposi­ção são cham ados tribunais, em bora seja certo que esta denom inação não é ex­clusivam ente deles, pois o direito brasileiro conhece a existência de tribunais inferiores, como o tribunal do júri, e m esm o tribunais estranhos ao Judiciário, como os tribunais de contas, o tribunal m arítim o e os tribunais arbitrais.

Entre os órgãos de "jurisdição com um ”, encontram -se, como órgãos de superposição, os Tribunais Regionais Federais (na Justiça Federal), os Tribu­nais de Justiça (nas Justiças Estaduais), além do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, que se encontram na cúpula do Poder Judiciário, em posição de superposição a todos os demais.

Além de julgar recursos, os tribunais superiores exercem outras com­petências, como, por exemplo, a de realizar o reexame necessário (também conhecido como duplo grau de jurisdição obrigatório, art. 475 do CPC)1 e

1 Por não ser rem édio voluntário de provocação do reexame de decisões judiciais, o duplo grau de jurisdição obrigatório não pode ser considerado recurso, apesar de ser tradicional a sua deno­minação com o “recurso de oficio”. No m esm o sentido, N élson Nery Júnior, Código de Processo Civil

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6 Lições de Direito Processual Civil • Câmara

apreciar alguns processos que lhes são atribuídos em com petência originária (como é o caso da "ação rescisória”)* Apreciam, ainda, alguns incidentes, como o de uniformização de jurisprudência.

Esta prim eira parte do segundo volume da obra será dedicada a analisar institu tos regulados pelo Código de Processo Civil nos títu los IX e X do Livro I, o que me leva a aqui reunir os recursos a alguns incidentes de seu julgam en­to e aos processos de com petência originária dos tribunais.

Serão exam inados, aqui, em prim eiro lugar, dois processos de com­petência originária dos tribunais: a "ação rescisória” e a hom ologação de sentença estrangeira (esta de com petência originária do STJ). Logo após, dois incidentes do julgam ento dos recursos (mas que podem tam bém surgir como incidentes do julgam ento de processos de com petência originária dos tribunais): a declaração de inconstitucionalidade e a uniform ização de ju ris­prudência. Por fim, serão estudados os recursos, dividindo-se esta análise em duas partes: teoria geral dos recursos, onde serão apreciados os aspectos gerais desses m eios de im pugnação das decisões judiciais, como seu conceito e seus requisitos, e os recursos em espécie, como a apelação, o agravo e o recurso extraordinário.

§ 2fi NOÇÕES GERAIS

Não se pode iniciar um a exposição acerca dos processos nos tribunais sem que se teçam algumas considerações iniciais sobre os institu tos que aqui serão apreciados e, logo a seguir, a respeito do princípio do duplo grau de ju ­risdição.

Em prim eiro lugar, h á que se lem brar que se pode estar, nos tribunais, diante de três tipos diversos de institutos: os processos autônom os, os recur­sos e os incidentes processuais. Há, pois, que se estabelecer um a distinção entre eles, a fim de se te r mais claro o regime de cada institu to a ser estudado.

A prim eira afirmação a fazer é a de que nos incidentes processuais e nos recursos (sendo certo que estes são, em verdade, um tipo especial daqueles) não se terá a formação de um novo processo. Há, aqui, um processo em curso, onde surgirá um incidente, ou seja, um desvio de percurso, que provocará o afastam ento do processo de seu procedim ento norm al. Assim, por exemplo, com a interposição de um a apelação num a causa de procedim ento ordinário, o iter do processo não se encerrará com a sentença, surgindo um a série de ou-

comentado, p. 849. Em sentido contrário, entendendo que o reexame necessário tem natureza de recurso, Sérgio Bermudes, Comentários ao Código de Processo Civil, p. 32-33.

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Introdução e Noções Gerais 7

tros atos processuais que terão de ser praticados para que se julgue o recurso oferecido. Do m esm o modo, com a provocação do incidente de uniformização de jurisprudência, o processo terá um a alteração em seu rumo, com a necessi­dade da prática de atos processuais que, em princípio, não seriam incluídos na seqüência de atos que compõem o procedim ento a ser observado.

De outro lado, os processos autônom os, como o próprio nom e diz, são processos novos, que geram a formação de novas relações processuais. Assim, por exemplo, a p ropositura de "ação rescisória” implica a necessidade de cita­ção do dem andado, eis que, como já se viu, a citação inicial é essencial para o desenvolvim ento válido e regular do processo.

A distinção é im portante, principalm ente quando se têm em confronto os recursos e as "ações autônom as de im pugnação” (de que é exemplo mais im portante a “ação rescisória”), um a vez que os dois institu tos são destinados a atacar decisões judiciais. Diferem entre si, basicamente, pelo fato de o recur­so não provocar o aparecim ento de um processo novo, sendo tão som ente um prolongam ento do processo onde foi proferida a decisão atacada, enquanto a propositura de “ação autônom a de im pugnação” faz nascer um a nova relação processual, diversa daquela onde a decisão im pugnada foi proferida.

Além disso, há que se afirm ar que entre os diversos incidentes do pro­cesso no tribunal há que se distinguirem os recursos dos dem ais incidentes, o que se faz de forma bastante simples, eis que será considerado recurso todo rem édio (que surja na m esm a relação processual onde foi proferida a decisão impugnada) destinado a atacar decisão judicial, pretendendo - como se verá com mais detalhes adiante - sua reforma, invalidação, esclarecimento ou in te­gração. Assim, quando o incidente processual for destinado a atacar um a de­cisão judicial, apontando algum defeito que a m esm a tenha, estar-se-á diante de um recurso.

Princípio ligado ao tem a que ora me ocupa, e que precisa ser aqui exami­nado, é o do duplo grau de jurisdição. Consiste este princípio em assegurar a possibilidade de reexame das decisões judiciais por outro órgão jurisdicional, diverso daquele que proferiu o provim ento a ser reapreciado.2

É de se notar que o princípio do duplo grau de jurisdição se realiza com a m era possibilidade de reexame, não se fazendo necessário, para a configuração do princípio, que tal reexame se dê de form a obrigatória.3

Baseia-se o princípio do duplo grau de jurisdição em algumas prem issas, referidas pela doutrina que tra ta do tema: o juiz de segunda instância é mais experiente e mais instruído que o de primeira; há possibilidade de erro e pre­varicação do juiz de prim eira instância; necessidade de controle psicológico do

2 O reste N estor de Souza Laspro, Duplo grau de jurisdição no direito processual civil, p. 17-18.

3 M achado Guimarães, Estudos de direito processual civil, p. 217-218.

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8 Lições de Direito Processual Civil • Câmara

julgador de prim eira instância, sabedor de que sua decisão será examinada por outros juizes; m aior exame da questão; inconform ism o natural da parte que perde em prim eira instância; necessidade de controle dos atos jurisdicionais, enquanto atividade estatal.4

Há, tam bém , críticas ao sistem a do duplo grau, por se considerar que ele ofende o acesso à justiça; desprestigia a prim eira instância; é inútil, se m antida a decisão recorrida, e revela divergências, se a reforma; dificulta a produção de provas e ofende o princípio da oralidade.5

Parece-me que o princípio do duplo grau de jurisdição revela mais des­vantagens do que vantagens. É de se dizer, aliás, que as vantagens afirmadas por seus defensores são m uito facilm ente criticadas. Basta dizer, por exem­plo, que, se os juizes de segunda instância são mais experientes e instruídos, atender-se-ia de form a m uito m ais adequada à garantia de pleno acesso à ju s­tiça a atribuição aos m esm os de com petência originária. Ademais, é de se res­saltar a inutilidade da decisão do tribunal que confirm a a decisão recorrida e a nocividade da divergência en tre decisões proferidas por órgãos judiciários diversos. Além disso, não se pode te r a certeza de que a decisão do tribunal é m ais acertada do que a do juízo de prim eira instância, e prova disto é que, m uitas vezes, a interposição de novo recurso, contra esta segunda decisão, provoca a restauração da decisão original, com a reform a da decisão proferida pelo órgão revisor.

É de se ressaltar, porém, que a insatisfação com a decisão judicial que contraria os interesses de alguém, e a conseqüente vontade de se obter um a nova apreciação da questão, são da própria natureza do homem. Quem aceitaria um prognóstico médico ruim sem procurar um a segunda opinião? A insatisfa­ção é da natureza humana, e o Direito deve conviver com ela. Por esta razão, m inha crítica ao princípio do duplo grau de jurisdição não me leva ao ponto de pregar a abolição do sistem a de recursos, mas sim a defender um a m udança em tal sistema. Até a terceira edição deste livro, propugnei pela adoção do sistem a próximo ao conhecido como da doppia conforme.6 A m eu juízo, a decisão profe­rida em grau de recurso só deveria ser capaz de prevalecer se tivesse o mesmo teor da decisão recorrida. Na hipótese de o julgam ento do recurso ter conteúdo diverso da decisão impugnada, parecia-me que se deveria ter obrigatoriam ente um a terceira manifestação, por órgão distinto dos que prolataram as decisões anteriores, em que se definiria qual das duas decisões deveria prevalecer. Por este sistema, segundo acreditava, estar-se-ia assegurando a possibilidade de re­visão das decisões judiciais, dim inuindo-se, com isto, o risco de um a decisão correta ser substituída por outra, equivocada. Após a terceira edição deste li-

A Laspro, Duplo grau de jurisdição no direito processual civil, p. 99.

5 Idem, p. 114.

6 Sobre este sistem a, consulte-se Laspro, Duplo grau de jurisdição no direito processual civil, p. 24.

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Introdução e Noções Gerais 9

vro, porém, passei a considerar adequada um a m udança ainda mais radical do sistem a de recursos, que tenho defendido em um a série de conferências sobre o tem a que venho fazendo por todo o país. A meu sentir, só um a revolução no sistem a recursal pode ajudar a se obter mais rapidam ente a entrega da tutela jurisdicional. Passo, então, e em breves palavras, a apresentar m inha proposta.

Em prim eiro lugar, é preciso que o juízo de prim eiro grau, por ser o único a travar contato direto com as fontes de prova, seja o único com petente para apreciar as questões de fato. A dm itir o reexame das questões de fato pelo tribunal que julga o recurso é contrário ao sistem a do processo oral (que no Brasil é adotado de forma exageradamente mitigada, sendo m esm o possível dizer que o processo brasileiro adota um sistem a de processo escrito mitigado, e não de processo oral m itigado), já que a este é essencial a imediatidade entre o juiz e a prova. Assim, a apelação seria recurso cabível apenas para o reexame das questões de direito (exercendo função análoga à que hoje é desem penhada pelo recurso especial). Além disso, é preciso que a apelação seja recebida sem efeito suspensivo, dando-se eficácia im ediata à sentença de prim eiro grau, o que inibiria a interposição de recursos protelatórios (dando-se ao relator, evi­dentem ente, o poder de conferir efeito suspensivo à apelação nos casos em que houvesse fum us boni iurís e periculum in mora).

De outro lado, deve-se rom per com o sistema, hoje adotado no processo civil comum, da recorribilidade das decisões interlocutórias (mais um a afronta à oralidade processual, que exige a irrecorribilidade de tais decisões). O agravo (de instrum ento, apenas, acabando-se com a forma retida) deve ser cabível apenas contra a decisão que defere ou indefere m edida liminar. Q uanto às de­mais decisões interlocutórias, seriam irrecorríveis, sobre elas não se operando preclusão, o que perm itiria o reexame das questões por elas resolvidas no juízo da apelação. Adotar-se-ia, assim, no processo civil comum, sistem a equiva­lente ao que já vigora no processo trabalhista e nos Juizados Especiais Cíveis, com bons resultados. Para m elhorar ainda mais esse sistem a, o ideal seria que a apelação fosse in terposta diretam ente no tribunal, por instrum ento, o que eliminaria todo o procedim ento destinado ao exame de sua admissibilidade perante o juízo a quo.

Os embargos inffingentes devem desaparecer, sendo recurso que não en­contra similar em qualquer sistem a processual, não se podendo aceitar o cabi­m ento de um recurso pelo só fato de ter havido divergência em julgam ento cole- giado. Também o recurso especial deve desaparecer (o que seria conseqüência da transformação da apelação em recurso específico para o reexame das questões de direito), liberando-se o Superior Tribunal de Justiça para assum ir competências não constitucionais do STF. Até a nona edição deste volume sustentei que entre as competências não constitucionais do STF que deveriam ser transferidas para o STJ estaria a competência para o processo de homologação de sentença estran­geira. Com a vigência da Emenda Constitucional nQ 45, de 2004, adotou-se essa

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sugestão, o que contou com m eu aplauso na décima edição desta obra. A partir da décima primeira edição, porém, passei a sustentar que deveria ser extinto o processo de homologação de sentença estrangeira, atribuindo-se ao juízo origi- nariam ente com petente para conhecer de qualquer processo em que provimento jurisdicional estrangeiro tenha de produzir efeitos no Brasil a competência para, incidenter tantum, verificar se a eficácia do mesmo pode ou não se produzir no país. Haveria, assim, um reconhecim ento incidental da sentença estrangeira, nos moldes do que se adm ite na União Européia por força do disposto no art. 33 do Regulamento CE nc 44/2001 (Regulamento Europeu para reconhecimento e execução de decisões em m atéria civil e comercial). Também os embargos de divergência acabariam (os interpostos contra acórdão que julga recurso especial, por razões óbvias; o que cabe contra decisão proferida em recurso extraordinário por não ser razoável que a divergência entre decisões de órgãos distintos, ainda que do mesmo tribunal, torne possível a interposição de mais um recurso).

Ficaria, assim, resum ido o sistem a recursal brasileiro aos seguintes re­cursos: embargos de declaração, apelação (só para as questões de direito e sem efeito suspensivo), agravo de instrum ento (contra decisão que defere ou inde­fere m edida liminar) e recurso extraordinário. Por fim, deveria ser adm itida a interposição de recurso extraordinário per saltum. Versando a sentença de pri­meiro grau sobre um a questão constitucional, o recorrente poderia optar por ir diretam ente ao STF, através de recurso extraordinário, "pulando” a apelação, toda vez que a jurisprudência dom inante no tribunal local fosse no m esm o sentido da sentença contra a qual se quer recorrer, o que evitaria a perda do tem po necessário para se julgar um recurso, confirm ando-se a decisão recorri­da, em um caso em que já é previam ente conhecido o entendim ento esposado pelo tribunal que dele conheceria.

Estou convencido de que com as mudanças aqui propostas o sistem a recursal brasileiro ficaria m uito mais racional, evitando-se as delongas da tra­mitação de tantos processos nos tribunais, o que adia indefinidam ente o final do processo.

Feitas estas considerações iniciais, pode-se passar à análise dos proces­sos nos tribunais.

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II

AÇÃO RESCISÓRIA

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§ l 9 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA

Com o já se viu anteriorm ente, a formação da coisa julgada tem o efeito de sanar todas as invalidades intrínsecas do processo (nulidades absolutas e relativas e anulabilidades). Há casos, porém , em que no m om ento do trânsito em julgado da sentença surge um novo tipo de vício, a que se cham ou res- cindibilidade. Esse tipo de vício é passível de ataque através de um remédio específico, denom inado “ação rescisória”.1

É de se lembrar, ainda, que a coisa julgada material im pede qualquer nova discussão sobre a m atéria já decidida, o que torna difícil, para alguns, com preender como a “ação rescisória” seria capaz de perm itir que se tornasse a discutir aquilo que se tornou indiscutível. Não há, porém , nenhum a dificul­dade. A “ação rescisória” faz desaparecer a coisa julgada, o que implica rem o­ção do obstáculo à nova discussão acerca daquilo que já havia sido decidido por sentença firme. Desaparecido o obstáculo, com a rescisão da sentença coberta pela autoridade de coisa julgada, caberá ao órgão julgador da “ação rescisória”, em diversas oportunidades (mas não em todas, como se verá adiante), rejulgar a m atéria objeto de apreciação da sentença rescindida.

1 Para um tra tam en to aprofundado da m atéria, A lexandre Freitas Câm ara, Ação rescisória, passim .

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1 4 Lições de Direito Processual Civil • Câmara

É com base nestas ideias que se pode definir a “ação rescisória” como “ação por m eio da qual se pede a desconstituição de sentença transitada em julgado, com eventual rejulgam ento, a seguir, da m atéria nela julgada”.2

N ote-se que, com a “ação rescisória”, não se pretende a anulação (ou a nulificação) da sentença, eis que não há, in casu, nulidade ou anulabilidade. O que se quer, com esta dem anda, é a rescisão da sentença.3 A sentença rescin- dível, portanto, é sentença transitada em julgado, que possui vício elencado expressam ente em lei e capaz de autorizar sua rescisão.

É de se referir, ainda, que a “ação rescisória” não é recurso, m as “ação autônom a de im pugnação”. A natureza de recurso não pode ser atribuída a este in stitu to por um a razão m uito sim ples: a “ação rescisória” só é cabível após a formação da coisa julgada, ou seja, após o térm ino do processo. O re­curso, por sua vez, surge na m esm a relação processual em que se proferiu a decisão atacada.

A “ação rescisória”, portanto, faz surgir processo novo, d istinto daquele em que foi prolatada a sentença rescindenda.

Há que se dizer, ainda, que o julgam ento da “ação rescisória” deverá se dividir, ordinariam ente, em duas fases, razão pela qual, via de regra, te rá o au­tor de form ular dois pedidos ao dem andar a rescisão da sentença. A omissão do dem andante em form ular algum desses pedidos, quando am bos tinham de constar da petição inicial, deverá levar ao indeferim ento da m esm a e à conse­qüente extinção do processo sem resolução do mérito.

As duas fases do julgam ento da “ação rescisória” a que se fez referência são o juízo rescindente (iudicium rescindens) e o juízo rescisório (iudicium rescisso- rium). No prim eiro deles, que ocorrerá em todas as “ações rescisórias”, se julga a pretensão de rescisão da sentença atacada. Procedente que seja este pedido, passa-se (salvo em algumas hipóteses, que serão adiante mencionadas, em que, m esm o que procedente o juízo rescindente, não haverá juízo rescisório) ao segundo m om ento, quando então julgar-se-á, novam ente, aquilo que fora objeto de apreciação pela sentença rescindida. O juízo rescindente é, pois, pre­lim inar ao rescisório, um a vez que a decisão ali proferida pode im pedir que se exerça este últim o.

A “ação rescisória” é dem anda cognitiva, razão pela qual o processo que se form a em razão de seu ajuizam ento é processo de conhecim ento. A deci­são de procedência proferida no juízo rescindente é constitutiva,4 e a de pro­

2 José Carlos Barbosa M oreira, Comentários ao Código de Processo Civil, p. 90.

3 José Carlos Barbosa M oreira, Comentários ao Código de Processo Civil, p. 96-98. Em sentido contrário, afirm ando que a sentença rescindível é nula, P into Ferreira, Teoria e prática dos recursos e da ação rescisória no processo civil, p. 239.

4 Barbosa M oreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, p. 187.

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Ação Rescisória 15

cedência no juízo rescisório será, conforme o caso, m eram ente declaratória, constitutiva ou condenatória (lembre-se que, no juízo rescisório, o tribunal estará apreciando novam ente a causa que fora objeto de decisão pela sentença rescindida, o que faz com que este capítulo da decisão tenha seu conteúdo de­term inado pela dem anda original).

§ 2» CABIMENTO

A "ação rescisória” só é cabível, no sistem a brasileiro, contra sentenças de m érito cobertas pela autoridade de coisa julgada. É o que se extrai do texto do art. 485 do CPC, cuja redação afirma que "a sentença de m érito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando [...]”. Incabível, pois, a propositura de "ação rescisória” para atacar sentença term inativa, devendo-se considerar que tal dem anda é juridicam ente impossível.5

Além disso, é de se frisar que as sentenças rescindíveis são transitadas em julgado. A coisa julgada é, aliás, requisito para que se possa considerar um a sentença como rescindível, eis que antes do trânsito em julgado ela será tão som ente nula ou anulável. Após a preclusão das vias recursais (o que se dá no m om ento em que a sentença transita em julgado), sanada estará a nulidade, podendo surgir, então, a rescindibilidade.

As hipóteses de rescindibilidade da sentença são expressam ente previs­tas em lei e devem ser interpretadas restritivam ente, um a vez que a possibili­dade de ataque à coisa julgada substancial é de todo excepcional. Apenas nos casos previstos no art. 485 do CPC é que se terá como admissível a rescisão da sentença. São essas hipóteses que ora passo a analisar.

A prim eira delas é a de sentença proferida por juiz que a tenha dado por prevaricação, concussão ou corrupção (art. 4 8 5 ,1, do CPC). Trata-se do tradi­cionalm ente denom inado "juiz peitado”,6 denom inação que decorre do fato de os crimes que hoje são conhecidos como de corrupção passiva, concussão e prevaricação terem sido chamados, na legislação penal mais antiga, de "peita ou suborno”.

Concussão, corrupção passiva e prevaricação são crimes previstos no Código Penal, nos arts. 316, 317 e 319. Assim é que, nos term os do art. 316 do CP, concussão é "exigir, para si ou para outrem , d ireta ou indiretam ente,

5 No sentido do texto, m ajoritário na doutrina pátria, veja-se, por todos, o que diz Barbosa M oreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, p. 98-99. Em sentido contrário, em posição isolada, Pontes de M iranda, Tratado da ação rescisória das sentenças e de outras decisões, p. 144.

6 Terminologia encontrada no CPC de 1939 e que ainda se vê, por exemplo, na obra de Luís Eulálio de Bueno Vidigal, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VI, p. 55.

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16 Lições de Direito Processual Civil • Câmara

ainda que fora da função ou antes de assum i-la, m as em razão dela, vantagem indevida”. A corrupção passiva é definida no art. 317 do CP como “solicitar ou receber, para si ou para outrem , direta ou indiretam ente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, m as em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar prom essa de tal vantagem ”. Por fim, a prevaricação (art. 319 do CP) consiste em “retardar ou deixar de praticar, indevidam ente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sen­tim ento pessoal”.

A prática, pelo juiz, de qualquer desses ilícitos torna rescindível a sen­tença. Aliás, nem poderia ser de ou tra forma. Como se verá mais adiante, a sentença é rescindível quando viola o direito em tese (art. 485, V: “violar literal disposição de lei”), ainda que o erro tenha se dado sem que o juiz tivesse a in­tenção de prejudicar algum a das partes. E óbvio, pois, que a sentença proferida por juiz peitado, em que é nítida a intenção de favorecer um a das partes, deve ser tam bém rescindível.

N ote-se que, nesta hipótese de rescindibilidade, não se poderá julgar im­procedente o pedido de rescisão da sentença sob o argum ento de que a mesm a é justa, tendo dado a adequada solução à dem anda que apreciou.7 A sentença deverá ser rescindida e, em seguida, no juízo rescisório, deverá o tribunal ju l­gar novam ente a causa (e, se for o caso, dar nova decisão, de idêntico teor ao da sentença desconstituída).

É de se referir, ainda, que não há a necessidade de que o juiz tenha sido condenado, na esfera criminal, pela prática de um daqueles crimes previstos no texto do inciso I do art. 485.8 Caberá ao juízo com petente para a “ação rescisória” verificar se ocorreu algum daqueles ilícitos e, em caso positivo, res­cindir a sentença.9 Eventual decisão em processo penal anterior ao pedido de rescisão, porém, terá influência sobre o julgam ento da rescisória. Assim, se o juiz tiver sido condenado por alguma das infrações penais mencionadas na lei, não poderá o tribunal negar a rescisão por considerar que não houve a prática do crime. De outro lado, a sentença absolutória no processo penal im pedirá a rescisão da sentença se tiver afirmado a inexistência material do ilícito penal, m as não na hipótese de se te r absolvido o m agistrado sem que se afirmasse a inexistência do fato crim inoso (e. g., decisão absolutória por insuficiência de provas). Nesses casos, fica o tribunal livre para apreciar a ocorrência ou não da causa de rescisão da sentença.10

Q uestão interessante é a de saber se é rescindível um acórdão quando um dos m agistrados que participou do julgam ento colegiado tiver praticado alguma das infrações penais mencionadas no art. 4 8 5 ,1, do CPC.

7 Vidigal, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VI, p. 55.

8 Barbosa M oreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, p. 108.

9 H um berto Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, vol. I, p. 640.

10 Barbosa M oreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, p. 108-109.

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Ação Rescisória 1 7

Parece-me que a m elhor posição é considerar rescindível o acórdão se o m agistrado peitado tiver votado no sentido que tenha, afinal, prevalecido na decisão (em outras palavras, o acórdão será rescindível se for unânim e ou, sendo por maioria, se o voto do juiz peitado for um dos vencedores), m as não se o voto do juiz peitado for vencido.11 Aplica-se, aqui, a m eu juízo, o princípio do prejuízo, entendendo-se que não há invalidade se o ato processual não pre­judicou a parte a quem aproveitaria o reconhecim ento do vício.

Por fim, há que se afirm ar que a sentença de prim eiro grau de jurisdi­ção proferida por juiz peitado não será rescindível se tiver sido julgado algum recurso (admissível) contra a mesma, pois nesse caso o acórdão substitui a sentença, desaparecendo o ato ilegal.12

A segunda causa de rescindibilidade da sentença é ter sido a m esm a pro­ferida por juiz impedido ou por juízo absolutam ente incom petente (art. 485, II). Os conceitos de im pedim ento e de incompetência absoluta foram estudados em passagem anterior desta obra, razão pela qual dispenso-m e de repeti-los.

É de se notar, aliás, que há um erro de redação no inciso II do art. 485, que se refere a "juiz absolutam ente incom petente”, quando é certo que a incompe­tência não é do juiz, mas sim do juízo, sendo as duas figuras inconfundíveis.13

Verifica-se, pela leitura do dispositivo ora em análise, que apenas o im­pedim ento, e não a suspeição, gera rescindibilidade. Assim, sentença proferi­da por juiz suspeito, um a vez transitada em julgado, não poderá ser atacada através de "ação rescisória” (ao m enos por este fimdamento, sendo óbvio que se ou tra causa de rescindibilidade houver a rescisão se faz possível). Tal se dá pelo fato de o sistem a processual vigente considerar o im pedim ento vício mais grave que a suspeição, determ inando sua sobrevivência ao trânsito em julgado.

Não se pode deixar de afirm ar que, quanto às decisões proferidas por órgão colegiado, em que um dos juizes era impedido, aplicam-se as mesmas observações feitas para a hipótese de juiz peitado que participa de julgam ento colegiado, feitas a propósito do disposto no art. 4 8 5 ,1, do CPC.

O CPC tam bém dá tratam ento diferenciado às incompetências absoluta e relativa. Aquela, e não esta, perm ite a rescisão da sentença definitiva coberta pela autoridade de coisa julgada substancial. A razão da limitação aos casos de incom petência absoluta da rescindibilidade da sentença é facilmente veri­ficada. A incom petência relativa, inerte o dem andado em argui-la, provoca a

11 Barbosa M oreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, p. 109. Em sentido contrário, entendendo que o acórdão é rescindível pelo sim ples fato de o juiz peitado ter participado do julgam ento, Vidigal, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VI, p. 60.

12 Vidigal, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VI, p. 60. Contra, entendendo que nesta hipótese é rescindível o acórdão, por ter sido m aculada a prestação jurisdicional, E m ane Fidélis dos Santos, Manual de direito processual civil, vol. I, p. 583.

13 Sobre a distinção, J. E. Carreira Alvim, Elementos de teoria geral do processo, p. 80-81.

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prorrogação da competência. Significa isto dizer, como já se sabe, que o juízo relativam ente incom petente tornar-se-á com petente se a incom petência não for excepcionada a tem po. Com isto se conclui que, no m om ento da prolação da sentença de m érito, o juízo - que originariam ente era relativam ente incom­petente - já se terá tom ado com petente, inexistindo, pois, qualquer vício que pudesse fúndam entar um pedido de rescisão.

A única hipótese a se ressalvar é a de juízo relativam ente incom petente que, ao apreciar a petição inicial, e antes da citação do dem andado, reconhece a prescrição (se é que esta possibilidade existe!) ou a decadência (esta sim, sem som bra de dúvida, passível de conhecim ento de ofício), proferindo sentença de m érito. Tal sentença teria sido proferida antes de ocorrer a prorrogação da competência, mas, ainda assim, será impossível sua rescisão. Fácil entender o motivo. O réu da dem anda onde se proferiu a sentença, obviamente, não teria interesse em rescindi-la, já que a m esm a fora favorável a seus propósitos. Interesse poderia haver, tão som ente, por parte do autor, mas este sabia estar propondo sua dem anda perante juízo incom petente (relembre-se que, nos ter­mos da Lei de Introdução às Norm as do Direito Brasileiro, a ninguém é dado alegar o desconhecim ento da lei como desculpa para suas condutas), e adm itir que pleiteasse sua rescisão seria com pactuar com a utilização, em seu proveito, de sua própria torpeza.

Por fim, há que se ressaltar que nas “ações rescisórias” fundadas no inci­so II do art. 485 não haverá o juízo rescisório, devendo o tribunal, após rescin­dir a sentença (juízo rescindente), rem eter os autos ao juízo com petente (ou a um juiz imparcial) para que julgue novam ente a causa.

Logo a seguir, no inciso III do art. 485, prevê o CPC como causa de rescindibilidade da sentença te r a m esm a resultado “de dolo da parte vence­dora em detrim ento da parte vencida, ou de colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei”.

Há, neste dispositivo, duas hipóteses distintas a considerar: dolo da par­te vencedora e colusão processual. Tratar-se-á das duas separadam ente.

Q uanto à prim eira, há que se dizer, em prim eiro lugar, que ocorre o dolo referido toda vez que a parte vencedora, faltando a seu dever de lealdade e boa-fé (art. 14, II, do CPC), haja im pedido ou dificultado a atuação processual do vencido, ou influenciado a formação do juízo do m agistrado, afastando-o da verdade.14

É de se afirmar, desde logo, que não se enquadra no disposto neste inciso III a produção de prova que se sabia falsa, pois esta, em tendo se constituído em fundam ento da sentença, perm itirá a rescisão com base no disposto no in­ciso VI, o qual dispensa a apreciação da intenção de quem a produziu.

14 Barbosa M oreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, p. 111.

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Ação Rescisória 19

Afirme-se, ainda, que é fundam ental que o resultado final do processo tenha sido o que foi em razão do dolo. Em outros term os, se não tivesse ha­vido com portam ento doloso, o resultado do processo teria sido diverso. Caso contrário, a sentença não poderá ser rescindida.15

Além disso, considera-se que ao dolo da parte vencedora se equiparam , sendo por isso capazes de perm itir a rescisão da sentença, o dolo do represen­tante legal da parte e o de seu advogado.16

Hipótese diversa, m as que m ereceu tratam ento no m esm o dispositivo de lei, é a da colusão processual. Esta se encontra definida no art. 129 do CPC, segundo o qual, "convencendo-se, pelas circunstâncias da causa, de que autor e réu se serviram do processo para praticar ato sim ulado ou conseguir fim proibido por lei, o juiz proferirá sentença que obste aos objetivos das partes”.

A colusão processual é o fato consistente na utilização do processo, pelas partes, para praticar ato sim ulado ou atingir fim ilícito. Pense-se no homem casado que pretenda doar um bem a sua am ante, o que é vedado pela lei civil. Utilizam-se, então, de um artificio, ela propõe dem anda pleiteando o reconhe­cim ento do dom ínio do imóvel, e ele reconhece a procedência do pedido. As partes alcançam, assim, com o processo, um fim ilícito, o que não pode ser aceito pelo ordenam ento jurídico. Determ ina, assim, o art. 129 que o juiz p ro­fira sentença que obste a intenção das partes (o que se daria pela prolação de sentença que pusesse term o ao processo sem resolução do m érito).

O art. 485, III, leva ao extrem o a intenção do legislador de com bater a colusão processual, perm itindo a rescisão da sentença de m érito, a qual terá sido proferida se o juiz não verificou a colusão no curso do processo original.

É de se afirmar que na hipótese de colusão processual exige-se o concerto das partes, ou seja, exige-se aqui que ambas as partes estejam de acordo quan­to à utilização do processo para alcançar fim ilícito ou praticar ato sim ulado.17

O art. 485, IV, do CPC to m a rescindível a sentença que "ofender a coisa julgada”. Trata-se de hipótese que decorre logicamente da situação jurídica de im utabilidade e indiscutibilidade do que ficou decidido por sentença de m érito coberta pela autoridade de coisa julgada substancial.

Com o é sabido, a coisa julgada m aterial im pede qualquer nova discus­são e decisão a respeito do que ficou coberto por seus lim ites. É proibida a prolação de qualquer sentença que desconsidere a coisa julgada, pouco im portando se a nova sentença tem conteúdo igual ou diverso da sentença transitada em julgado.

15 Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, vol. I, p. 641-642.

16 Barbosa M oreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, p. 112.

17 Pontes de M iranda, Tratado da ação rescisória das sentenças e de outras decisões, p. 238.

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Assim sendo, ofende a coisa julgada a sentença que decide dem anda idêntica àquela que gerou a sentença firme. Imagine-se, por exemplo, a hipó­tese de sentença que tenha declarado inexistente um a obrigação, já transita­da em julgado, sobrevindo dem anda em que se pede a condenação do réu ao cum prim ento daquela m esm a prestação. Eventual julgam ento desta dem anda ofenderia a coisa julgada já formada, qualquer que fosse o teor da sentença.

Da m esm a forma, haverá ofensa à coisa julgada se, em julgam ento de questão diversa da que fora decidida por sentença transitada em julgado, mas a ela subordinada, não se levar em consideração o que se decidiu acerca da ques­tão subordinante. Assim, por exemplo, se um a sentença declarou inexistente um a obrigação de pagar dinheiro, ofende a coisa julgada sentença posterior que determ ine o réu a pagar os juros devidos em razão daquela obrigação. Da m esm a forma, se um a sentença declarou que Fulano não é pai de Beltrano, ofende a coisa julgada a sentença que, com base na existência da filiação, con­dena aquele a prestar alim entos a este.

Estas sentenças serão, pois, rescindíveis, por força do disposto no art. 485, IV, do CPC.

Não há, porém , ofensa à coisa julgada se a segunda sentença contraria os fundam entos da primeira. Assim, por exemplo, transitada em julgado sentença que, considerando Fulano pai de Beltrano, condenou aquele a prestar alim en­tos a este, não há ofensa à coisa julgada se sentença posterior declarar que Fulano não é pai de Beltrano. Uma das sentenças, indubitavelm ente, será in­justa, mas a injustiça da sentença não é causa de sua rescisão.18 A contradição entre as sentenças é m eram ente lógica, m as inexiste óbice jurídico a que tal se dê. Incabível, pois, a rescisão da segunda sentença por ofensa à coisa julgada, porque não havia coisa julgada a ser ofendida (já que, como se sabe, não fazem coisa julgada os m otivos da sentença).

Dispõe o art. 485, V, do CPC que é rescindível a sentença que “violar literal disposição de lei”. Trata-se de dispositivo de redação criticável, um a vez que o direito não se exaure no texto frio da lei, sendo certo que a in ter­pretação literal da norm a jurídica raram ente é capaz de perm itir resultados satisfatórios na atividade herm enêutica. M elhor seria que se tivesse dito “vio­lar direito em tese”, como tem sido da preferência dos doutrinadores que apreciaram a m atéria .19

Ocorre a violação do Direito em tese quando o órgão prolator da senten­ça rescindenda afronta o direito positivo, entendendo-se a palavra “lei”, con­tida no dispositivo, em sentido amplo. Não se considera violadora do Direito,

18 Barbosa M oreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, p. 115-116.

19 Pinto Ferreira, Teoria e prática dos recursos e da ação rescisória no processo civil, p. 278; Barbosa M oreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, p. 117.

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porém, decisão contrária à jurisprudência dom inante, ainda que esta se encon­tre fixada em súm ula. No D ireito brasileiro não há jurisprudência vinculante (salvo em m atéria constitucional, conforme o art. 103-A, da Constituição da República) e não se pode m esm o negar a hipótese de ser a súm ula a violar o direito em tese.

Tanto as norm as jurídicas m ateriais quanto as processuais, um a vez vio­ladas, perm item a rescisão da sentença.20 Assim, por exemplo, será rescindível a sentença que julgue ultra petita ou extra petita, violando preceito decorrente de norm a processual, da m esm a form a que será rescindível a sentença que vio­lar regra de direito material, como a que decretar o despejo de ex-com panheira do locatário que deixa o imóvel, por considerar que esta não pode ser conside­rada sucessora da posição contratual do locatário, negando o disposto no art. 12 da Lei de Locações.

É tam bém rescindível a sentença que "se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou seja provada na própria ação res­cisória" (art. 485, VI, do CPC).

Permite a lei que se rescinda sentença fundada em prova falsa. É preciso que se verifique se a sentença subsistiria sem a prova apontada como falsa, ou seja, som ente a prova falsa que funcione como suporte da sentença é que per­m itirá a rescisão. Significa isso dizer que, nas hipóteses em que o resultado do processo seria o mesmo, ainda que não houvesse a prova falsa, não seria pos­sível a rescisão da sentença. A prova falsa que perm ite a revisão é aquela em que se sustenta a sentença, não se adm itindo a desconstituição da decisão se havia outro fundam ento suficiente para o referido provim ento jurisdicional.21

A prova falsa pode ser de qualquer natureza, pouco im portando tratar-se de falsidade m aterial ou ideológica. É tam bém irrelevante saber se a falsidade foi ou não alegada no processo onde se proferiu a sentença rescindenda. Im­possível, porém , a rescisão, se houve a instauração de incidente de arguição de falsidade, tendo sentença transitada em julgado afirmado autêntico o do­cum ento arguido de falso (salvo se, obviamente, se puder rescindir, tam bém , essa decisão).

A falsidade da prova que serviu de base à sentença rescindenda pode ser apurada no próprio processo da "ação rescisória”. Pode, tam bém , ocorrer de tal falsidade já te r sido apurada e declarada por sentença penal transitada em julgado. Não é preciso que se tenha proferido tal sentença em processo penal condenatório. A falsidade da prova pode te r sido declarada em sentença prola- tada em processo de revisão criminal ou habeas corpus, ou qualquer outro onde

20 Por todos, Barbosa M oreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, p. 117. Em sentido contrário, entendendo que apenas a violação de norm as de direito m aterial perm item a rescisão, Vidigal, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VI, p. 100-103.

21 Barbosa M oreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, p. 118.

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se declare, com força de coisa julgada, a falsidade da prova. N esta hipótese, não poderá o tribunal que julgar a rescisória desconsiderar a coisa julgada criminal, sendo de se considerar, necessariam ente, que a prova é falsa. A defesa do réu, neste caso, só poderá se fundar (quanto ao m érito) em que a prova falsa não era o fundam ento único da sentença, ou seja, que havia outro fundam ento su­ficiente a em basar a sentença rescindenda.

É curioso notar que a existência de sentença civil transitada em julgado declarando a falsidade da prova não é suficiente para que se possa pleitear a rescisão da sentença que nela se baseou. A falsidade, neste caso, terá de ser novam ente dem onstrada no processo da "ação rescisória”. A sentença civil, neste caso, funcionará, tão som ente, como m eio de prova, a fim de convencer os julgadores da dem anda rescisória da falsidade da prova. Assim, apesar da existência de coisa julgada sobre o tema, pode ocorrer de o tribunal, no ju l­gam ento da "ação rescisória”, considerar que a prova é autêntica, sem que se possa considerar que este acórdão é rescindível por ofensa à coisa julgada.22 Trata-se de fenôm eno singular na sistem ática processual brasileira, por des­considerar os lim ites da coisa julgada material.

Nos term os do art. 485, VII, do CPC, é rescindível a sentença quando, "depois da sentença, o autor obtiver docum ento novo, cuja existência ignora­va, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronuncia­m ento favorável”.

Trata-se de dispositivo que perm ite um paradoxo, já que, por força de sua incidência, é mais fácil rescindir a coisa julgada do que im pedir sua formação. Isto porque a obtenção de docum ento novo não aproveita à parte durante a pendência do processo, quando se quer interpor recurso especial ou extraor­dinário, onde som ente se pode discutir m atéria de direito (e não m atéria de fato). Assim sendo, não poderá a parte reformar a sentença no m esm o proces­so em que ela foi proferida, m as terá a possibilidade de obter sua rescisão, após a formação da coisa julgada substancial.23

Permite o dispositivo ora em exame que a parte que obtém "docum ento novo” pleiteie a rescisão da sentença. Fala o art. 485, VII, em "au to r”, para se referir, obviamente, àquele que propõe a "ação rescisória” (e que não será, necessariam ente, o autor da dem anda original).

É de se verificar que a referência a "docum ento novo” não pode levar à conclusão de que tra ta a lei de docum ento cuja formação se deu após a senten­ça. Ao contrário, o docum ento que perm ite a rescisão da coisa julgada já tinha

22 N esse sentido, Barbosa M oreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, p. 121. Em sentido contrário, entendendo que a autoridade de coisa julgada surgida em processo civil, aco­bertando a sentença que tenha declarado a falsidade da prova, vincula o órgão julgador da "ação rescisória”, a despeito do texto da lei, Nery Júnior, Código de Processo Civil comentado, p. 864.

23 Barbosa M oreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, p. 121.

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de existir ao tem po da prolação da sentença que se quer atacar. Isto porque fala a lei em docum ento "cuja existência” a parte "ignorava”. Ora, só se pode ignorar a existência de algo que já existe. Admite-se, ainda, que se trate de do­cum ento que, em bora conhecido, não pôde ser utilizado pela parte (mas, ainda aqui, já deveria existir o docum ento). É preciso, nesta últim a hipótese, que a impossibilidade de utilização do docum ento não decorra de culpa da própria parte, caso em que será impossível a rescisão.

Há que se dizer, ainda, que há um requisito tem poral para que se perm ita a rescisão da sentença com base neste dispositivo. Exige-se que o docum ento novo tenha sido obtido depois da sentença. Há que se ter cuidado na in terpre­tação desta parte do dispositivo. Em prim eiro lugar, tem -se de considerar que sentença está, aqui, com o sentido de designar a decisão que se quer rescindir. Pode ocorrer, assim (e frequentem ente ocorrerá), que a "ação rescisória” se volte não contra a sentença proferida pelo juízo de prim eiro grau de jurisdição, m as contra um acórdão proferido pelo tribunal, em grau de recurso. N esta hipótese, pouco im porta se a obtenção do docum ento foi posterior à prolação da sentença, já que esta terá sido substitu ída pelo acórdão, e apenas os docu­m entos obtidos após sua prolação poderão fundam entar a rescisão.

Além disso, não se pode esquecer que há m om entos adequados para a juntada aos autos de prova docum ental. De nada adianta, por exemplo, obter docum ento após esgotados os recursos ordinários, já que em fase de recurso extraordinário ou especial não se pode mais discutir m atéria de fato. Assim sendo, a referência a "depois da sentença” deve ser entendida como "depois do últim o m om ento em que teria sido lícito à parte utilizar o docum ento no feito onde se proferiu a decisão rescindenda”.24

Também não se pode esquecer que o "docum ento novo” deve ser capaz, por si só, de garantir ao autor (de "ação rescisória”, frise-se) resultado favorá­vel. Não poderá a parte aproveitar o novo processo que se form a para querer produzir outras provas, além do "docum ento novo”.

Por fim, há que se referir que apenas "docum ento novo” referente a fatos que tenham sido alegados no processo original pode ser trazido à "ação resci­sória”. Não é possível a alegação, agora, de fato que poderia te r sido deduzido no processo e não o foi, pois que tais fatos encontram -se cobertos pela eficácia preclusiva da coisa julgada material.

O inciso VIII do art. 485 perm ite a rescisão da sentença "quando houver fundam ento para invalidar confissão, desistência ou transação, em que se ba­seou a sentença”.

Em prim eiro lugar, h á que se dizer que a referência à "confissão” deve ser in terpretada extensivam ente, para abranger tam bém o reconhecim ento

24 Barbosa M oreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, p. 123.

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jurídico do pedido.25 Isto porque o reconhecim ento do pedido é fato susce­tível de acarretar a prolação de sentença definitiva (art. 269, II, do CPC), e a existência de fundam ento capaz de invalidá-lo deve perm itir a rescisão da sen­tença que o hom ologou. Não se pode, porém , afirm ar sim plesm ente que onde se lê "confissão” deve-se ler "reconhecim ento do pedido”, por força do que dispõe o art. 352 do CPC, que prevê a possibilidade de rescisão da sentença quando houver causa de invalidade da confissão que dela tenha sido o único fundam ento (suficiente) .26

O utro problem a surge com relação à "desistência”. Isso porque, no sis­tem a brasileiro, a desistência leva à prolação de sentença term inativa (art. 267, VIII), a qual não pode, obviamente, ser rescindida (à luz do que dispõe o art. 485, caput). Trata-se, aqui sim, de m ero erro de redação, já que o legislador não se deu conta de que o CPC português de 1939, de onde extraiu o dispositivo que ora se analisa, chamava de "desistência do pedido” o que para o direito brasileiro é a "renúncia à pretensão” (art. 269, V). A nossa desistência da ação (art. 267, VIII) era, no sistem a português, cham ada "desistência da instância”, e não se confundia com a "desistência do pedido”.

Vê-se, pois, que o verdadeiro sentido deste inciso VIII é o de perm itir a rescisão da sentença quando houver fundam ento para invalidar "confissão, reconhecim ento do pedido, renúncia ou transação em que se tenha baseado a sentença”.

Há, ainda, um problem a a considerar. É que o art. 486 prevê o cabim ento de "ação anulatória” (e não de "ação rescisória”) nos casos em que se quer atacar ato judicial que independe de sentença (como é o caso da arrem atação de bem em hasta pública), ou nos casos em que a sentença é m eram ente h o ­mologatória. Ocorre que nas hipóteses de reconhecim ento do pedido, renúncia à pretensão e transação, a sentença do juiz lim ita-se a homologar o ato de au- tocomposição praticado pelas partes. Há que se buscar um a form a de com pati­bilizar as duas normas, as quais, ao m enos aparentem ente, estão em conflito.

Basta pensar num exemplo para com preender-se a extensão do proble­ma. Havendo fundam ento para invalidar sentença hom ologatória de transação, deve ser proposta "ação anulatória” ou "ação rescisória”? Autores há que ten­tam resolver o problem a distinguindo as sentenças "m eram ente homologató- rias” das sentenças hom ologatórias que não o sejam "m eram ente”.27 Esta não

25 Idem, p. 126.

26 Esta ú ltim a observação (segundo a qual não basta ler "reconhecim ento” onde se lê "con­fissão”) se faz porque o dispositivo é, claram ente, extraído do CPC português de 1939, onde o reconhecim ento do pedido é chamado, sem m uita propriedade, de "confissão do pedido”. Não houve, porém , m ero equívoco na “im portação” da norm a, já que o sistem a brasileiro é expresso, no já referido art. 352, em prever a "ação rescisória” em norm a que trata, m esm o, do meio de prova cham ado de confissão.

27 Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. I, p. 647.

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parece, porém, um a form a convincente de resolver o problema. Toda sentença hom ologatória será m eram ente homologatória, já que o ju iz lim ita-se, nestes casos, a hom ologar o ato das partes. Parece-nos preferível considerar, assim, que outra é a solução da questão.

A m eu juízo, é de se considerar que nos casos de confissão, reconheci­m ento do pedido, renúncia à pretensão ou transação o rem édio adequado será a "ação anulatória” se ainda não tiver ocorrido o trânsito em julgado da senten­ça hom ologatória, e a “ação rescisória” se revelará como o único meio de im ­pugnação adequado após o trânsito em julgado. O utra interpretação levaria a considerar que existe um a superabundância de m eios de im pugnação que não se justifica. Já nos casos de sentenças hom ologatórias de outros atos judiciais (pense-se, por exemplo, na sentença que hom ologa um divórcio consensual, ou na que hom ologa a desistência da ação), não sendo caso de rescindibilidade, cabível será, apenas, a “ação anulatória” .28

Admite-se, ainda, a rescisão da sentença de m érito coberta pela autori­dade de coisa julgada, no caso previsto no inciso IX do art. 485, que é o de ter a m esm a se fundado em “erro de fato, resultante de atos ou de docum entos da causa”. Dispõe, ainda, o CPC que “há erro, quando a sentença adm itir um fato inexistente, ou quando considerar inexistente um fato efetivam ente ocorrido” (art. 485, § P ) , e que tan to num como noutro caso é indispensável “que não tenha havido controvérsia, nem pronunciam ento judicial sobre o fato” (art. 485, § 2Ô).

Essa causa de rescindibilidade da sentença é oriunda do D ireito italiano, pois o Código daquele país prevê como fundam ento da revocazione o “errore di fa tto risultante dagli a tti o documenti delia causa”.29 A tradução para o portu ­guês, porém, foi malfeita, pois que risultante não significa “resu ltan te” (aquilo que resulta), mas “em ergente” (aquilo que emerge, que transparece). A lei, portanto, quer se referir ao erro de fato que emerge, que ressalta dos “atti o documenti delia causa”. Aqui, aliás, outro equívoco de tradução. A palavra atti está em pregada aqui não no sentido de “atos”, como diz a lei brasileira, mas no de “autos” .30

Assim sendo, há que se concluir que a verdadeira vontade da lei é a de ter por rescindível a sentença que se funda em erro de fato que transparece dos autos e docum entos do processo.

Há que se considerar, porém , que não é qualquer erro do juiz que deve ser capaz de ensejar a rescisão da sentença. A “ação rescisória” não é rem édio destinado a atacar sentenças injustas, m as sentenças viciadas, inválidas. Por

28 No m esm o sentido, Barbosa Moreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, p. 159-160.

29 Sobre a revocazione no D ireito italiano, consulte-se Enrico Tullio Liebman, Manuale di diritto processuale civile, p. 369 e seguintes.

30 Tlido conform e Barbosa M oreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, p. 131.

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esta razão, o CPC, nos dois parágrafos do art. 485, regulam enta a adm issibili­dade da "ação rescisória” fundada no erro de fato.

Em prim eiro lugar, o CPC diz haver erro de fato quando a sentença adm ite um fato existente ou considera inexistente um fato que efetivam ente ocorreu (§ 1Q). Assim , para que a sentença possa ser rescindida com base neste fundam ento, é preciso que a sentença tenha sido fundada no erro de fato e que tal erro seja apurável pelo m ero exame dos autos e docum entos do processo (não sendo possível, pois, que se produza qualquer ou tra prova com o fim de alcançar resultado favorável ao dem andante da rescisão).

Além disso, é preciso que sobre o fato não tenha havido controvérsia, e que tam pouco tenha havido sobre ele provim ento judicial (§ 2Q). Não se pode negar a dificuldade em interpretar o presente dispositivo.31 Como pode haver erro se não houve pronunciam ento judicial sobre o fato, o qual não foi, nem mesmo, objeto de controvérsia?

A vontade da lei, porém, é facilmente compreendida. É preciso, em pri­meiro lugar, que o fato que ocorreu e foi tido como inexistente (ou vice-versa) seja incontroverso, o que se dará ,p o r exemplo, quando tiver sido alegado pelo autor e não impugnado pelo réu. É preciso, ainda, que a sentença tenha ignora­do tal fato, sem que tenha havido, pois, pronunciam ento expresso sobre o m es­mo. Em outros term os, é preciso que a decisão tenha silenciado sobre o fato, mas de sua conclusão se verifique um a incompatibilidade lógica com a existên­cia ou inexistência do fato. Isto significa dizer que só será rescindível a sentença quando for razoável supor que o juiz teria decidido de ou tra forma se tivesse atentado para as provas dos autos, o que o levaria a ter considerado existente o fato que efetivamente tenha ocorrido (ou, ao contrário, que teria por inexisten­te o fato que não ocorreu). Não tendo atentado para a prova (e, por conseguin­te, tendo silenciado sobre o fato), acabou o juiz por chegar a conclusões erradas. Pense-se, por exemplo, num a dem anda em que se tenha pedido a condenação do réu ao pagam ento de dívida decorrente de contrato de m útuo, em que estava provado o pagamento, sem que tenha havido controvérsia entre as partes acer­ca do ponto. N a hipótese de o juiz, apesar disso, condenar o réu, silenciando sobre o pagamento, será rescindível a sentença, porque não considerou aquele fato extintivo da obrigação como existente. Pouco importa, no caso, que o juiz tenha considerado inexistente o pagam ento ou que, sim plesm ente, não tenha atentado para a questão, deixando, sim plesm ente, de considerá-la. De qualquer forma, será rescindível a sentença por erro de fato. Se, porém, tiver o juiz nega­do expressam ente em sua sentença o pagamento, a sentença não será rescindí­vel, ainda que injusta. Não se pode confundir falta de apreciação da prova (que perm ite a rescisão) com m á apreciação da prova.

31 Dificuldade reconhecida, por exemplo, por Vicente Greco Filho, Direito processual civil brasi­leiro, p. 427.

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§ 3e LEGITIMIDADE

Têm legitim idade para propor a "ação rescisória”, nos term os do art. 487 do CPC, qualquer daqueles que tenha sido parte do processo onde se prolatou a sentença rescindenda (e seus sucessores a qualquer título), o terceiro juridi­cam ente interessado e o M inistério Público.

Q uanto às partes do processo original, não parece poder haver m aiores dificuldades. Tanto o au to r como o réu da dem anda original poderão dem andar a rescisão da sentença. O m esm o se diga em relação a seus sucessores, a títu lo universal ou singular, já que estes passam a ocupar, em razão da sucessão, a posição jurídica que pertencia originalm ente à parte.

No que concerne aos terceiros juridicam ente interessados, há que se re­cordar que os terceiros não são alcançados pela autoridade de coisa julgada, que restringe seus lim ites subjetivos àqueles que foram partes do processo onde se proferiu a decisão. Pode haver, porém , terceiro com interesse jurídico (não com interesse m eram ente de fato) na rescisão da sentença. Como regra, o terceiro juridicam ente interessado será aquele que pode intervir no processo original como assistente.32 Considera-se, tam bém , terceiro legitimado a propor "ação rescisória” aquele que esteve ausente do processo principal, em bora dele devesse te r participado na condição de litisconsorte necessário.33

Q uanto ao M inistério Público, terá legitimidade para dem andar a resci­são da sentença se não foi ouvido no processo onde se proferiu a sentença res­cindenda, quando sua intervenção teria sido obrigatória, ou quando a sentença é rescindível por te r sido fruto de colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei.

N esta últim a hipótese, pode o M inistério Público dem andar a rescisão da sentença ainda que tenha participado do processo original. Note-se, porém, que não se está aqui diante de caso de legitim idade exclusiva do M inistério Público, podendo a "ação rescisória” fundada na colusão ser proposta por qual­quer das partes do processo original, ou ainda por um terceiro juridicam ente interessado.34

Há que se fazer referência, nesta passagem, à legitim idade passiva para a dem anda. Serão dem andados na "ação rescisória" todos aqueles que tenhamsido partes do processo original e não figurem já no polo ativo desta novarelação processual. Assim, por exemplo, se a "ação rescisória” tiver sido pro­

32 Vicente Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, p. 420.

33 Vicente Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, p. 421.

34 Barbosa M oreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, p. 156. Em sentido contrário, entendendo que apenas o MP pode propor “ação rescisória” com base neste fundam ento, Vidi- gal, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VI, p. 188.

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posta pelo M inistério Público (ou por terceiro interessado), serão réus todas as partes do processo original. Se, por outro lado, a "ação rescisória” tiver sido proposta por um a das partes do processo onde se proferiu a sentença rescin- denda, serão dem andados todos os demais (pouco im portando se, no processo original, figuravam no polo ativo ou passivo da dem anda). Trata-se de litiscon- sórcio necessário, o que faz concluir que a presença de todos será essencial para a eficácia da decisão a ser proferida na "ação rescisória”.

§ 4 fi PROCEDIMENTO

O procedim ento da "ação rescisória” está regulado nos arts. 488 a 494 do CPC e se desenvolve perante o tribunal com petente.35 Inicia-se, obviamente, com um a petição inicial, a qual deve ser elaborada com base nos requisitos previstos no art. 282 do CPC, devendo ainda o dem andante formular, além do pedido de rescisão (iudicium rescindens), o pedido de novo julgam ento (iudicium rescissorium), toda vez que este for cabível.

Além disso, deverá o dem andante depositar a im portância de cinco por cento sobre o valor da causa, à disposição do juízo, valor este que será entregue ao demandado, a título de m ulta, se o pedido de rescisão for, por unanim idade de votos, julgado improcedente, ou se o processo da "ação rescisória” for extin­to sem resolução do m érito (também aqui se exigindo unanim idade de votos). Sendo outro o resultado, poderá o dem andante levantar este depósito ao final do processo.

É dispensado o depósito se a "ação rescisória” for proposta pela União, Estado, M unicípio ou M inistério Público.36 Além desses, está tam bém dispen­sado do depósito o beneficiário da gratuidade de justiça.37

A propositura da "ação rescisória” não im pede a produção dos efeitos da sentença rescindenda (ou, como diz sem m uita propriedade o art. 489, "o ajui- zam ento da ação rescisória não im pede o cum prim ento da sentença ou acórdão rescindendo, ressalvada a concessão, caso imprescindíveis e sob os pressupos­tos previstos em lei, de medidas de natureza cautelar ou antecipatória de tu te ­la”, o que faz parecer que a regra se aplica som ente às sentenças condenatórias, o que não corresponde à realidade). Trata-se de regra destinada a proteger a plena eficácia de um a sentença transitada em julgado, pois é certo que esta só

35 D iretam ente perante o tribunal e nunca perante juízo de prim eira instância.

36 Também o INSS está dispensado do depósito prévio, com o se pode constatar pelo enunciado n° 175 da Súm ula da Jurisprudência D om inante do STJ.

37 Barbosa M oreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, p. 164, com farta indicação doutrinária e jurisprudencial no m esm o sentido.

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Ação Rescisória 2 9

poderia ser infringida após a desconstituição da autoridade de coisa julgada.38 Pode ocorrer, porém , hipótese excepcional, em que se adm ita a suspensão da eficácia da sentença rescindenda, até o julgam ento da "ação rescisória”, o que seria obtido através da concessão de m edida de urgência (que a lei não define se tem natureza cautelar ou antecipatória de tutela, m as a m eu juízo terá, sem ­pre, aquela prim eira natureza). Presentes os requisitos da tu te la jurisdicional cautelar, pois, poderá ser suspensa a eficácia da sentença rescindenda, até que se julgue a dem anda rescisória.39

Proposta a "ação rescisória”, será a dem anda distribuída a um relator, que poderá indeferir a petição inicial nos casos previstos no art. 295 do CPC, ou quando não tiver sido efetuado o depósito exigido no art. 488, II (salvo, obviamente, naqueles casos em que o depósito é dispensado). Proferido despa­cho lim inar de conteúdo positivo, onde se determ ina a citação do demandado, deverá ser fixado pelo relator o prazo de que o m esm o disporá para oferecer sua resposta. Tal prazo não será jamais inferior a quinze dias, nem superior a trinta.

Adm ite-se o oferecimento, pelo réu, além da contestação, de exceção (de incompetência, im pedim ento ou suspeição), bem assim de reconvenção (a qual te rá de conter, tam bém , um a dem anda rescisória).40

Após o decurso do prazo da resposta, tenha esta sido ou não apresen­tada, o procedim ento segue os rum os do rito ordinário, com as providências prelim inares e o julgam ento conforme o estado do processo, aplicando-se tais disposições no que couber. Assim é que, por exemplo, não poderá o relator da "ação rescisória” (a quem caberá dirigir o processo nesta fase) proferir o "jul­gam ento antecipado da lide”, devendo, se este for cabível, levar o processo a julgam ento pelo órgão colegiado com petente para apreciar o m érito da causa.

N ada impede, a m eu juízo, que o relator determ ine a realização de au­diência preliminar, prevista no art. 331 do CPC, onde se poderá alcançar a conciliação das partes quanto ao objeto do processo original.41 Não sendo al­cançada esta, deverá então o relator declarar saneado o processo e organizar a instrução, fixando os pontos controvertidos e deferindo as provas que serão produzidas.

Havendo necessidade de produção de provas, o relator deverá determ i­nar que as m esm as sejam colhidas pelo juízo de direito da comarca onde as

38 Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. I, p. 652.

39 Sobre o tem a, Galeno Lacerda, Ação rescisória e suspensão cautelar da execução do julgado rescindendo, RePro 29-38.

40 Barbosa M oreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, p. 172-173.

41 É de se afirm ar que o sistem a brasileiro não é infenso à possibilidade de transação posterior à formação da coisa julgada. Basta verificar, para que se dem onstre a veracidade desta assertiva, o que dispõe o art. 741, VI, do CPC, que fala em transação superveniente à sentença.

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m esm as devam ser produzidas.42 Fixar-se-á, neste caso, prazo para a devolução dos autos, entre 45 e 90 dias.

Após a colheita das provas, poderão as partes apresentar alegações finais, no prazo de dez dias sucessivos (manifestando-se, obviamente, o autor em prim eiro lugar, e o dem andado em seguida).

Depois de produzidas as alegações finais, será a dem anda rescisória ju l­gada pelo órgão colegiado com petente, o qual exercerá, em prim eiro lugar, o iudicium rescindens e, se for o caso, passará em seguida ao iudicium rescissorium.

§ 5e PRAZO

Dispõe o art. 495 do CPC que "o direito de propor ação rescisória se ex­tingue em dois anos, contados do trânsito em julgado da decisão”. Trata-se de prazo decadencial,43 logo não se suspende nem se interrom pe.

É de se dizer, aliás, que a redação da norm a é equivocada, já que não é o direito à ação rescisória que se extingue, mas o próprio direito substancial à rescisão. O fenômeno não se passa, pois, no plano do Direito Processual, mas no do direito material. Não foi por ou tra razão, aliás, que a m atéria original­m ente era tratada no Código Civil de 1916 (sendo certo que o disposto no art. 178, § 10, VIII, daquele Código, que fixava prazo de cinco anos, foi revogado pelo art. 495 do CPC).

O prazo decadencial corre do trânsito em julgado da decisão que se quer rescindir. A jurisprudência, todavia, firm ou-se (equivocadam ente, data venia) no sentido de que o term o inicial do prazo é o m om ento em que se to m a ir- recorrível o últim o pronunciam ento judicial exarado no processo (enunciado n Q 401 da Súm ula do STJ). Esse entendim ento é inaceitável, já que a decisão que afirm a a inadm issibilidade de um recurso é m eram ente declaratória e, portanto, tem eficácia ex tunc. Assim , por exemplo, se um tribunal julga um a apelação e, três anos depois, o STJ afirm a ser inadmissível o recurso especial in terposto, esta decisão é m eram ente declaratória de que o acórdão da ape­lação não foi im pugnado por recurso admissível e, portanto, já transitara em julgado. Do m om ento em que contra o acórdão da apelação (nesse exemplo) não seria mais possível interpor-se recurso admissível corre o prazo para ajui- zam ento da “ação rescisória”, e não - como entende o STJ - do m om ento em que se to m ar irrecorrível aquela últim a decisão proferida no processo.

42 Sendo vários os juízos naquela comarca, deverá haver distribuição, por sorteio, en tre eles, para que se verifique qual será o juízo com petente para a colheita das provas.

43 Barbosa M oreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, p. 197.

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Ação Rescisória 31

Consum ada a decadência do direito à rescisão da sentença, surge o fe­nôm eno conhecido como "coisa soberanam ente julgada”, que consiste na mais estável das situações jurídicas decorrentes de um ato jurisdicional, já que seu conteúdo não poderá mais ser alterado nem m esm o através de "ação rescisória” .44

Não se pode deixar de falar sobre um últim o ponto ligado ao prazo decadencial a que se subm ete o direito à rescisão da sentença transitada em julgado. É preciso saber o que ocorre quando, findo o prazo para exercer o direito à rescisão de sentença que tenha ofendido a coisa julgada (art. 485, IV), tal direito não tenha sido deduzido em juízo. Em outros term os, havendo sentença transitada em julgado e, posteriorm ente, sendo proferida ou tra sen­tença sobre a m esm a causa, ofendendo-se assim a autoridade de coisa julgada já formada, qual deve prevalecer se, após os dois anos do trânsito em julgado da segunda sentença, não for ajuizada a "ação rescisória”? O problem a é mais facilmente com preendido com um exemplo: tendo transitado em julgado sen­tença que condena Fulano a pagar a Beltrano 100 mil reais, foi ajuizada, por Fulano, dem anda em que pedia a declaração da inexistência da obrigação. A segunda dem anda foi julgada por sentença, que declarou que Fulano nada deve a Beltrano, tendo tam bém essa decisão transitado em julgado. Parece evidente que a segunda sentença é rescindível, m as é preciso saber qual das duas prevalecerá se, decorrido o biênio a que se refere o art. 495 do CPC, não tiver sido dem andada a rescisão da segunda sentença. Não se pode considerar, sim plesm ente, que deve prevalecer a prim eira sentença, pois isto implicaria considerar inexistente um a sentença que nem m esm o rescindível é mais. Isto acabaria por tom ar o vício incidente sobre a segunda sentença mais grave após o decurso do prazo decadencial do que o m esm o era antes de consum ada a extinção do direito à rescisão. Isto, evidentem ente, viola a lógica mais ele­mentar. De outro lado, não se pode, sim plesm ente, considerar que prevalece a segunda sentença sobre a prim eira, pois isto im plicaria equiparar a segun­da sentença, que ofendeu a coisa julgada, a um a decisão capaz de rescindir aquela prim eira sentença, produzindo efeitos análogos aos de um a decisão de procedência do iudicium rescidens. Isto viola, tam bém , a lógica, principalm ente

44 A denom inação “coisa soberanam ente julgada" é utilizada por diversos autores na doutrina brasileira. Por todos, José Frederico M arques, Manual de direito processual civil, vol. III, p. 250, acrescentando esse notável ju rista que a coisa soberanam ente julgada tam bém se form a quando do trânsito em julgado da decisão proferida na “ação rescisória” . Lam ento, porém , discordar do m estre neste ponto, pois nada im pede que se proponha “ação rescisória" com o objetivo de rescindir o julgam ento proferido em “ação rescisória”, o que poderia perm itir alteração daquele julgado original. Basta pensar, por exemplo, num a “ação rescisória” de cujo julgam ento tenha participado ju iz peitado, com voto vencedor. Rescindível será, então, o julgam ento da “ação res­cisória”, sendo certo que este, ao ser rescindido, perm itirá que se julgue novam ente a m atéria objeto daquele prim eiro processo.

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quando se recorda que a prim eira sentença não contém qualquer vício que a to m e rescindível.

Proposta interessante de legeferenda, mas que vai contra o direito positi­vo, seria a de estabelecer que, neste caso, o direito à rescisão não estaria sujeito à decadência, podendo ser exercitado a qualquer tem po (solução encontrada, por exemplo, no Direito francês). D iante do direito objetivo, porém , m elhor é considerar que a segunda sentença prevalece sobre a primeira, respeitando-se, porém, os efeitos que aquela já tenha produzido.45 Pense-se, ainda um a vez, no exemplo antes figurado: a prim eira sentença condenou Fulano a pagar cem mil reais, enquanto a segunda declarou não existir qualquer obrigação. Se, após o decurso do prazo decadencial para se exercer o direito à rescisão da segunda sentença, a prim eira não tiver ainda sido executada, não será mais possível sua efetivação. Ao contrário, se a execução já tiver ocorrido, não será possível a repetição do que foi pago. Por fim, se apenas em parte o com ando da prim ei­ra sentença havia sido efetivado (pense-se, por exemplo, que na execução da prim eira sentença Beltrano já havia recebido 70 mil reais, faltando receber os outros 30 mil), não será possível prosseguir com a execução forçada, mas não se poderá, tam pouco, repetir o que já foi pago a Beltrano por força da prim eira sentença. Aplica-se, aqui, como se nota, regra de eficácia da norm a jurídica no tem po. N orm a posterior prevalece sobre norm a anterior, respeitados os efeitos que esta tenha produzido. Sendo a sentença “a lei do caso concreto”, não é de todo estranho que esta seja a solução do problem a (ao m enos diante do D ireito positivo brasileiro).

45 Pontes de M iranda, Tratado da ação rescisória nas sentenças e de outras decisões, p. 245.

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III

HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA

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§ l e CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA

Regula o CPC, nos arts. 483 e 484, a homologação de sentença estran­geira. Trata-se de processo de com petência originária do Superior Tribunal de Justiça (art. 1 0 5 ,1, i, da Constituição da República, com a redação da Em enda Constitucional n Q 45/2004), e que se situa num ponto de confluência entre o D ireito Processual Civil e o Direito Internacional. M elhor será, sem dúvida, considerar que a m atéria pertence ao Direito Processual Civil Internacional,1 o qual deve ser considerado parte integrante do Direito Processual Civil.2 Ine­gável, porém , que há um a série de conceitos de Direito Internacional que se fazem presentes aqui, m esm o porque o processo de homologação de sentença estrangeira é destinado a reconhecer a produção de efeitos, no Brasil, de atos de império provenientes de Estados estrangeiros soberanos.

A “ação de homologação de sentença estrangeira” é um a “ação de co­nhecim ento”, em que se busca obter sentença constitutiva.3 Isso porque a sen­

1 Vicente Greco Filho, Homologação de sentença estrangeira, p. 52.

2 Gaetano Morelli, Derecho procesal civil internacional, trad. esp. de Santiago Sentis Melendo, p. 2.

3 Greco Filho, “Homologação de sentença estrangeira", p. 106; Paulo Cezar Aragão, in Comen­tários ao Código de Processo Civil, Roberto Rosas e Paulo Cezar Aragão, vol. V, p. 136; Barbosa M o­reira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, p. 82. Também na doutrina estrangeira esta é a posição dom inante, como se vê, por todos, em Santiago Sentis M elendo, La sentencia extranjera

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tença estrangeira não produz efeitos no Brasil senão depois de homologada. Assim, a decisão que hom ologa a sentença estrangeira modifica a situação jurídica existente, perm itindo que se produza em nosso país a eficácia do ato jurisdicional alienígena. Isto decorre do texto do art. 483 do CPC, segundo o qual "a sentença proferida por tribunal estrangeiro não terá eficácia no Brasil senão depois de hom ologada pelo Supremo Tribunal Federal” (sendo certo que, após a vigência da EC nQ 45/2004, esse dispositivo deve ser lido como se fizesse expressa referência ao STJ, e não ao STF).

É de se notar que a referência contida na lei a "tribunal estrangeiro” deve ser interpretada extensivam ente, para perm itir que se considerem incluídos no alcance da norm a tam bém as sentenças proferidas por juízos m onocráticos, bem assim os atos jurídicos que, no Brasil, seriam sentenças judiciais.

Q uanto a esta últim a situação, pode-se exemplificar com o divórcio, que, no sistem a jurídico da Dinamarca, em ana de decreto do Rei daquele país. Tal decreto poderá ser homologado no Brasil, para que aqui produza efeitos, já que tem eficácia sentenciai (ao m enos segundo o nosso sistem a, um a vez que aqui o divórcio é decretado por sentença).

Do que foi até aqui exposto tom a-se possível buscar um conceito de "ho­mologação de sentença estrangeira”, dizendo ser este o instrum ento destinado a reconhecer a sentença proveniente de Estado estrangeiro, perm itindo que a m esm a passe a produzir efeitos no Brasil. É de se notar, à luz deste conceito, que, ao apreciar o pedido de homologação de sentença estrangeira, o STJ não deverá julgar, novam ente, a dem anda original, já julgada pelo tribunal estran­geiro, mas tão som ente apreciar a presença dos requisitos necessários para que se hom ologue a sentença alienígena. Tem-se, assim, o chamado "juízo de deli- bação”. Como ensina notável ju rista pátrio, "verifica-se, por meio desse crivo por que passa o julgado, se está ele regular quanto à forma, à autenticidade, à com petência do órgão prolator, bem como se penetra na substância da sen­tença para se apurar se, frente ao Direito nacional, não houve ofensa à ordem pública e aos bons costum es”.4

Ao adotar o sistem a do "juízo de delibação”, pois, o D ireito brasileiro optou por respeitar a decisão proveniente de Estado estrangeiro, lim itando- -se a verificar seus aspectos form ais e sua adequação à ordem pública e aos bons costum es de nosso país. P resentes todos os requisitos de adm issibili­dade, será a sentença estrangeira hom ologada, para que produza seus efeitos no Brasil.

(exequatur), p. 158. É de se referir, porém , à existência de en tendim ento respeitável, na doutrina brasileira, no sentido de se estar aqui diante de “procedim ento de jurisdição voluntária”. N este sentido, Amílcar de Castro, Direito internacional privado, p. 565.

4 T heodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. I, p. 625.

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Homologação de Sentença Estrangeira 3 7

Há que se verificar, pois, quais são os requisitos para a homologação de um a sentença estrangeira no Brasil. Estes se encontram enum erados na Lei de Introdução às N orm as do D ireito Brasileiro (art. 15), e são os seguintes:

a) haver sido a sentença estrangeira proferida por juiz (rectius, juízo) com petente;

b) terem sido as partes citadas ou haver-se legalm ente verificado a revelia;

c) ter a decisão estrangeira transitado em julgado e estar revestida das formalidades necessárias para que produza efeitos no país em que foi proferida;

d) estar traduzida por intérprete autorizado;e) não ofender a soberania nacional, a ordem pública e os bons cos­

tum es.

Tais requisitos m erecem ser aqui apreciados. Assim, em prim eiro lugar, exige-se que a sentença tenha sido proferida por órgão com petente. Não se pode exigir, porém, que o STJ, ao apreciar o pedido de homologação, examine se a sentença provém de órgão que tenha, segundo as norm as de com petência in terna do país de origem, com petência para a hipótese. Apenas as norm as de com petência internacional deverão ser examinadas, para que se lim ite o STJ a hom ologar sentenças provenientes de países que, nos term os de seu direito positivo (e em confronto com o nosso, já que há casos em que outro país se atribui com petência internacional, m as o Brasil reserva para si competência in­ternacional exclusiva - CPC, art. 89), pudessem , na hipótese, exercer a função jurisdicional.5

Q uanto ao segundo requisito, terem sido as partes citadas, ou se ter re­gularm ente verificado a revelia, há que se afirmar, em prim eiro lugar, que há um equívoco de redação na norm a contida na Lei de Introdução ao Código Ci­vil, já que a conjunção ou dá a falsa im pressão de que poderia haver revelia sem prévia citação. A verdadeira vontade da norm a é erigir à condição de requisito de homologabilidade da sentença estrangeira o "ter havido citação e, se for o caso, haver se verificado a revelia”.6 Trata-se de requisito decorrente da garan­tia constitucional do contraditório, não se podendo adm itir a homologação de sentença proferida em processo de que não participaram (ou não tiveram, ao menos, a oportunidade de participar) os sujeitos que estarão subm etidos aos efeitos da sentença homologanda. É de se dizer, aliás, que a ausência de regular observância do contraditório im pediria a homologação da sentença estrangeira pelo simples fato de ser tal provim ento contrário à ordem pública brasileira.

5 Aragão, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, p. 197.

6 Greco Filho, Homologação de sentença estrangeira, p. 141.

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3 8 Lições de Direito Processual Civil • Câmara

A exigência de te r transitado em julgado a sentença hom ologanda é fa­cilm ente compreensível, pois que hom ologar sentença ainda não passada em julgado seria perm itir a produção de efeitos, no Brasil, de ato estatal estran­geiro ainda sujeito a um alto grau de instabilidade, podendo ser reformado ou invalidado a qualquer m om ento. É de se notar, porém, que alguns ordenam en­tos jurídicos perm item a interposição de alguns recursos incapazes de im pedir a formação da coisa julgada (ao contrário do sistem a brasileiro, onde todos os recursos im pedem o trânsito em julgado da decisão). Não se exige, porém, que a sentença estrangeira seja irrecorrível, mas tão som ente que a m esm a tenha já passado em julgado. Além disso, exige nosso ordenam ento que a senten­ça estrangeira esteja revestida das formalidades necessárias para que produza efeitos em seu país de origem.

Precisa, ainda, a sentença estar traduzida por intérprete autorizado, ou seja, por tradu tor juram entado. Isso porque não se pode exigir que os m em ­bros do STJ conheçam todos os idiom as estrangeiros em que se pode proferir um a sentença que venha a ser objeto de pedido de homologação em nosso país. Além disso, exige a Resolução n Q 9/2005, da Presidência do Superior Tribunal de Justiça (que dispõe, em caráter transitório, sobre a competência acrescida ao STJ pela Em enda Constitucional n Q 45/2004) que a sentença es­trangeira esteja autenticada pelo cônsul brasileiro (art. 5Q, IV).

Por fim, como já dito, a sentença estrangeira que se quer hom ologar não pode violar a soberania, a ordem pública e os bons costum es. Assim, por exem­plo, não se poderia hom ologar um a sentença que determ inasse a condenação do devedor à prisão civil pela dívida, já que isto contraria nossa ordem pública (salvo, obviamente, nos casos de devedor inescusável de prestação alimentícia e, não obstante o entendim ento contrário do STF, do depositário infiel).

Vistos os requisitos de homologabilidade, há que se apreciar, por fim, a questão da homologação das sentenças de estado e das decisões arbitrais estrangeiras.

Q uanto às sentenças nas causas de estado, faz-se necessária a hom olo­gação, apesar do disposto no art. 15, parágrafo único, da Lei de Introdução às Norm as do Direito Brasileiro. Isso porque tal dispositivo não pode subsistir diante do art. 483 do CPC, que, tratando da matéria, não fez qualquer distin­ção, exigindo a homologação para que qualquer sentença estrangeira produza efeitos no Brasil. Em verdade, é de se dizer que o dispositivo da Lei de Introdu­ção (que é de 1942) já se m ostra incompatível com o texto da Constituição de 1946, razão pela qual deve ser considerado como eivado de inconstitucionali- dade superveniente,7 o que significa dizer que teria aquela norm a desaparecido

7 Ou, como prefere parte da doutrina, não teria sido o dispositivo recepcionado pela C onsti­tuição de 1946.

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Homologação de Sentença Estrangeira 3 9

de nosso sistem a jurídico.8 Isso porque a Constituição de 1937, que vigorava quando da entrada em vigor da Lei de Introdução às Norm as do Direito Bra­sileiro, conferia ao STF competência para a homologação de sentenças estran­geiras, enquanto a Carta de 1946 (bem assim as que lhe seguiram) fala em ho­mologação das sentenças estrangeiras, deixando claro que todas elas precisam ser homologadas para que produzam efeitos no Brasil. Curioso notar, porém, que a Em enda Constitucional nQ 45/2004, ao atribuir ao STJ com petência para o processo de homologação, falou expressam ente em homologação de (e não das) sentenças estrangeiras. Isso, porém, não implica repristinação do parágra­fo único do art. 15 da LICC (já que não existe repristinação tácita, e não se fez a expressa). Parece-me, porém, que diante do texto constitucional agora vigente, nada impediria a aprovação de dispositivo legal que dispensasse de hom olo­gação determ inadas sentenças estrangeiras, como o fazia o já citado parágrafo único do art. 15 da Lei de Introdução.

No que concerne à homologação de decisões arbitrais estrangeiras, a Lei nQ 9.307/1996 (conhecida como “Lei da Arbitragem ”) é expressa, em seu art. 35, em dizer que, “para ser reconhecida ou executada no Brasil, a sentença ar­bitrai estrangeira está sujeita, unicam ente, à homologação do Supremo Tribu­nal Federal” (devendo-se ler tal dispositivo, por força da EC n Q 45/2004, como se fizesse alusão ao STJ).

Trata-se de norm a destinada a perm itir a produção de efeitos no Brasil de decisões proferidas em processos arbitrais estrangeiros.

Há que se considerar, porém, duas situações: h á países em que se exige, para que a decisão arbitrai produza efeitos, que seja a m esm a homologada judicialm ente (assim, por exemplo, na Itália, sendo de se recordar que este era o sistem a brasileiro antes da Lei nQ 9.307/1996). N este caso, dever-se-á hom ologar no Brasil a sentença judicial estrangeira que, por sua vez, conferiu eficácia à decisão arbitrai.9

O utra hipótese que deve ser considerada é a de decisão arbitrai prove­niente de país onde não se exige a homologação judicial da m esm a para que seus efeitos se produzam (como se dá na Espanha e, atualm ente, no Brasil). N este caso, não será possível, obviamente, hom ologar um a sentença judicial estrangeira que não foi proferida (nem poderia sê-lo, já que esses ordenam en­tos jurídicos não preveem a figura da “homologação de decisões arbitrais”). Para esta hipótese é que o art. 34 da Lei de Arbitragem veio prever a hom o­logação, pelo STF (e agora, por força da EC n Q 45/2004, pelo STJ), da própria decisão arbitrai. A nosso juízo, porém, a norm a era inconstitucional, por atri­buir ao Supremo Tribunal Federal um a com petência que não estava prevista

8 N este sentido, Barbosa M oreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, p. 68-69.

9 Alexandre Freitas Câm ara, Arbitragem, p. 125, esp. no ta 201.

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no art. 102 da Constituição da República,10 e continua a ser inconstitucional, m esm o depois da EC nQ 45/2004, por atribuir ao STJ com petência que este não recebeu do art. 105 da Lei Maior.

Prefiro, assim, considerar que as decisões arbitrais estrangeiras que in­dependam de homologação em seus países de origem estarão, tam bém , livres da exigência de homologação no Brasil, cabendo ao juízo da execução a verifi­cação de sua adequação às exigências formais para a validade do a to .11

§ 2 - PROCEDIMENTO

Proposta a "ação de homologação de sentença estrangeira”,12 e estando em term os a petição inicial, deverá ser determ inada a citação do dem andado para contestar em 15 dias (Resolução n Q 9/2005, da Presidência do STJ, art. 8Q). É com petente para o feito o Presidente do Superior Tribunal de Justiça, que atua aqui como órgão monocrático.

A contestação fica limitada, só podendo versar sobre a autenticidade dos docum entos, a inteligência da sentença e a observância dos requisitos exigi­dos pelo sistem a jurídico positivo para a homologação. Não se adm ite, pois, qualquer discussão sobre o objeto do processo onde se prolatou a sentença homologanda.

Perm anecendo revel o dem andado, ser-lhe-á nom eado curador especial (Resolução n Q 9/2005, da Presidência do STJ, art. 9Q, § 3Q). O m esm o será feito se o dem andado for pessoa incapaz.

10 Alexandre Freitas Câmara, Arbitragem, p. 123-124. A doutrina que vem se form ando sobre a Lei de Arbitragem, em sua maioria, não tem considerado a norm a do art. 35 da referida lei inconstitucional. Assim, por exemplo, J. E. Carreira Alvim, A arbitragem no direito brasileiro, in Doutrina, vol. III, coord. Jam es Tbbenchlak, p. 326, onde se com enta o dispositivo citado sem qualquer consideração acerca de sua com patibilidade com a Constituição, o que faz presum ir que aquele notável ju rista não considerou haver qualquer vício no sistem a criado pela nova lei. M antenho, aqui, porém , a defesa da posição que m e pareceu, desde o aparecim ento da lei, a mais acertada. Após a prim eira edição deste livro, vários autores se m anifestaram sobre o ponto, po­dendo-se citar opiniões pela constitucionalidade e pela inconstitucionalidade do dispositivo aqui referido da Lei de Arbitragem. Considera-o constitucional, entre outros, Carlos A lberto Carm o­na, Arbitragem e processo, p. 284-286 (referindo, expressam ente, aquele autor, em nota de rodapé, m inha opinião em sentido contrário). De outro lado, considera inconstitucional o dispositivo José Carlos de Magalhães, Reconhecim ento e execução de laudos arbitrais estrangeiros, ensaio publicado in A arbitragem na era da globalização, José Maria Rossani Garcez (coord.), p. 104-105.

11 Freitas Câmara, Arbitragem, p. 125 (devendo-se a ten tar para o que vai d ito na no ta 202).

12 A legitim idade ativa para esta dem anda pertence tan to àquele que foi vencedor no processo em que se prolatou a sentença hom ologanda, como ao vencido, bem assim seus sucessores e ter­ceiros que possam vir a ser atingidos pela eficácia da sentença. N este sentido, Barbosa M oreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, p. 76.

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Homologação de Sentença Estrangeira 41

Sendo oferecida contestação, poderá o dem andante falar em réplica, no prazo de cinco dias, e, em seguida ao térm ino do prazo para oferecimento des­ta, tenha ela sido apresentada ou não (ou decorrido o prazo da contestação, se o réu for revel), m anifestar-se-á o Procurador-Geral da República, que disporá de um prazo de dez dias para apresentar seu parecer. Não havendo, por parte do réu, do curador especial ou do Procurador-Geral da República, qualquer im pugnação à pretensão de homologação da sentença estrangeira, o Presidente do Superior Tribunal de Justiça julgará o pedido, sendo certo que de sua deci­são que negue a homologação caberá agravo interno, no prazo de cinco dias.13

Tendo havido, por parte do réu, do curador especial ou do Procurador- - Geral da República, impugnação ao pedido de homologação da sentença es­trangeira, deverá o processo ser distribuído à Corte Especial do STJ, onde será julgado, cabendo neste caso ao relator (e não mais ao Presidente) a prática de todos os atos ordinatórios e instrutórios (Resolução n Q 9/2005, da Presidência do STJ, art. 9Ô, § l õ).

Um a vez hom ologada a sentença estrangeira, esta se converte em título executivo judicial (art. 475-N, VI, do CPC), sendo com petente para o processo de execução o juízo federal de prim eira instância (art. 109, X, da Constituição da República).

33 Obviam ente, não se adm itirá recurso contra a decisão que hom ologue a sentença estrangeira neste caso, já que contra o pedido de homologação não se opôs nenhum a resistência.

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IV

DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE

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§ l e CONTROLE DA CONSTITUCIONALIDADE

Sabe-se que o Direito brasileiro é inform ado por um sistem a constitu­cional rígido, em que a Constituição da República põe-se em posição de su ­premacia em relação a todas as demais norm as jurídicas que com põem nosso direito objetivo. Este sistem a, para operar de form a adequada, exige a previsão de m eios de controle da constitucionalidade das leis e atos norm ativos infra- constitucionais. Adota-se, no Brasil, um sistem a de controle da constituciona­lidade por via judicial, que se m anifesta por duas formas: controle concentrado e controle difúso.

No controle concentrado, exercido pelo Suprem o Tribunal Federal (e pe­los Tribunais de Justiça dos Estados) ao julgar a "ação direta de inconstitucio­nalidade” (em suas diversas modalidades: inconstitucionalidade por ação; por omissão; "ação direta interventiva”), analisa-se, como objeto do processo, a com patibilidade ou não da lei ou ato norm ativo (ou, no caso da inconstitucio­nalidade por omissão, a falta de lei ou de ato normativo) com a Constituição da República. A decisão a ser proferida pelo STF irá operar erga omnes, afirmando a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da norm a jurídica analisada.1

1 Sobre o controle concentrado da constitucionalidade das leis e atos norm ativos, consulte- -se Alfredo Buzaid, Da ação direta de declaração de inconstitucionalidade no direito brasileiro, passim; Nagib Slaibi Filho, Ação declaratória de constitucionalidade, passim ; Ronaldo Poletti, Controle da

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4 4 Lições de Direito Processual Civil • Câmara

Já o controle difuso da constitucionalidade pode ser exercido por qual­quer órgão jurisdicional, em qualquer processo instaurado, sendo certo que nesta modalidade a questão da constitucionalidade da lei ou ato norm ativo não constitui o objeto do processo, m as sim questão prejudicial.2

No controle difuso, como facilmente se deduz, não se declara a incons- titucionalidade (ou a constitucionalidade) da norma, mas tão som ente dela se conhece. Isto porque, sendo a questão constitucional m era prejudicial, não integra a m esm a o objeto do processo, não sendo, pois, objeto de julgam ento pelo juízo. Caberá ao órgão jurisdicional, neste tipo de controle, conhecer da questão constitucional e, em considerando inconstitucional a norm a analisada, deixar de atuá-la, afirmando por que o faz na motivação de sua decisão.

Interessa-nos, nesta passagem da obra, o incidente de inconstitucionali- dade regulado pelos arts. 480 a 482 do CPC. Trata-se de incidente que poderá surgir em qualquer processo, eis que se destina a regular um a form a de atua­ção do controle difuso da constitucionalidade.

Verifique-se que o CPC não se preocupou em regular o procedim ento do controle difuso perante os juízos de prim eira instância, visto que ali a questão constitucional será tratada como um a prejudicial qualquer. Não havia, pois, a necessidade de edição de norm as específicas acerca de tal incidente. Tampouco se regulou o procedim ento do controle difuso perante o tribunal pleno (ou perante o órgão especial que lhe faça as vezes). Isso porque, nesta hipótese, bastará observar as regras quanto ao quorum exigido pelo art. 97 da Constitui­ção da República, para que se possa conhecer da questão constitucional.

Trata o CPC, portanto, apenas do procedimento a ser observado para o controle difuso da constitucionalidade das leis e atos normativos perante órgãos fracionários do tribunal (com exceção do órgão especial, haja vista que este é tratado como se fosse o próprio tribunal pleno). E deste incidente que passo, pois, a tratar.

§ 2fi INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE

Regula o CPC, em seus arts. 480 a 482, como dito, o incidente de incons- titucionalidade, o qual se instaurará toda vez que, perante órgão fracionário de

constitucionalidade das leis, passim . O processo do controle concentrado da constitucionalidade é hoje regulado pela Lei n° 9.868, de 10/11/1999, que dispõe sobre o processo e julgam ento da “ação d ireta de inconstitucionalidade” e da “ação declaratória de constitucionalidade” perante o STF. N ão é esta, porém , a sede adequada para exame do aludido diplom a legal, vez que essas Lições têm por objeto o exame do sistem a processual do Código de Processo Civil.

2 Buzaid, Da ação direta de declaração de inconstitucionalidade no direito brasileiro, p. 61; Barbosa M oreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, p. 30.

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um tribunal (salvo o órgão especial), se questionar a constitucionalidade de leis e atos normativos do poder público. Este incidente é regulado no CPC porque apenas o tribunal pleno (ou o órgão especial) pode reconhecer a inconstitu­cionalidade de leis e atos normativos (art. 97 da Constituição da República). Tal afirmativa, porém, é válida apenas para os tribunais, já que os juízos de prim eira instância, ao contrário, podem considerar inconstitucional um a norm a jurídica, e deixar de atuá-la.

Assim sendo, toda vez que, num processo que esteja a tram itar perante um tribunal, se questione a constitucionalidade de um a lei ou ato normativo, afirm ando-se ser tal norm a incompatível com a Constituição da República, terá lugar o incidente de que aqui se trata. Tal arguição poderá ser feita tan to nos recursos que cheguem ao tribunal, como nos processos de sua com petên­cia originária ou, ainda, naqueles que ali cheguem por força do duplo grau de jurisdição obrigatório (art. 475 do CPC).

A arguição de inconstitucionalidade da lei ou ato normativo pode ser feita por qualquer das partes, por seus assistentes (simples ou qualificados), pelo M inistério Público (tanto nos processos em que este se apresenta como parte da dem anda como naqueles em que atua como custos legis) ou, ainda, ex offlcio por qualquer dos juizes que iriam participar do julgam ento do feito no tribunal.3

A arguição de inconstitucionalidade pela parte (e pelo assistente) pode se dar a qualquer tem po, na petição inicial, na contestação, em razões ou con- trarrazões de recurso, por qualquer ou tra petição e, mesmo, verbalm ente, quando da sustentação oral perante o órgão fracionário do tribunal. O Minis­tério Público, atuando como fiscal da lei, poderá suscitar a questão em parecer que apresente no processo, em qualquer ou tra promoção que venha a fazer, ou oralm ente quando de sua manifestação perante o órgão julgador. Por fim, a arguição ex officio será form ulada por qualquer dos juizes que integrem a turm a julgadora, durante a sessão de julgam ento.

Arguida a inconstitucionalidade, deverá o órgão julgador do feito ouvir o M inistério Público, que só não se m anifestará quando tiver sido ele próprio a suscitar a questão. Ouve-se, porém, o parquet quando a arguição tiver sido feita por órgão distinto daquele que funciona jun to ao órgão fracionário com pe­ten te para o julgam ento do feito.4 Após a manifestação do M inistério Público, pronunciar-se-á o órgão fracionário sobre a questão suscitada, que sobre ela deverá deliberar na própria sessão de julgam ento.

Significa isso dizer que, havendo sido arguida a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo, suspende-se o julgam ento do feito, a fim de se apreciar - na própria sessão já iniciada, repita-se - a questão da inconstitucionalidade.

3 T heodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. I, p. 630.

4 Barbosa M oreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, p. 34-35.

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Pode ocorrer que a maioria dos com ponentes da turm a julgadora rejeite a argui- ção, por considerar a lei ou ato norm ativo constitucional. Nesse caso, retomar- -se-á de imediato o julgam ento do feito, que estava suspenso. É de se notar que o art. 97 da Constituição da República exige a maioria absoluta dos com ponen­tes do tribunal (ou do órgão especial) para reconhecer a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, mas não para lhe reconhecer a constitucionalidade.

Acolhida que seja a arguição, será lavrado o acórdão, a fim de se sub­m eter a questão ao tribunal pleno ou ao órgão especial. É de se notar que o acolhim ento da arguição pelo órgão fracionário não implica afirmar que a lei (ou o ato norm ativo) tenha sido declarada inconstitucional, m as tão som ente que o órgão fracionário entendeu que a norm a jurídica era incompatível com a Constituição, razão pela qual deve ser a questão subm etida ao tribunal pleno (ou ao órgão especial), a fim de que este afirme a com patibilidade, ou não, entre a Lei M aior e a norm a afirm ada inconstitucional.

N esta hipótese, em que se acolheu a arguição de inconstitucionalidade, ocorre um a cisão funcional da competência: ao plenário (ou ao órgão especial) caberá decidir da inconstitucionalidade da lei (ou ato normativo), e ao órgão fra­cionário competirá, depois, decidir o feito à luz do que tiver sido decidido pelo tribunal pleno (ou órgão especial). Ter-se-á, assim, julgam ento subjetivamente complexo, um a vez que a causa será decidida por provimento oriundo em parte do tribunal pleno (ou do órgão especial) e em parte do órgão fracionário.5

Subm etida a questão constitucional ao tribunal pleno, ou ao órgão espe­cial, este deliberará acerca da constitucionalidade ou não da lei ou do ato nor­mativo. Apenas pelo voto da maioria absoluta de seus m em bros é que poderá o tribunal considerar a lei (ou o ato normativo) inconstitucional. Assim, por exemplo, se 13 dos 25 m em bros do órgão especial considerarem a lei incons­titucional, terá sido reconhecida a incom patibilidade entre a norm a e a Cons­tituição. Se, porém, apenas 12 dos m em bros tiverem votado pela inconstitu­cionalidade, ainda que tal posição seja m ajoritária (porque, por exemplo, dez m agistrados consideraram a norm a constitucional, e três estavam ausentes), a lei será tida por constitucional.6

A decisão do tribunal pleno (ou do órgão especial) terá eficácia vincu- lante para o órgão fracionário, o qual, ao retom ar o julgam ento do feito, de­verá acatar a solução da questão prejudicial proveniente do órgão julgador do incidente de inconstitucionalidade. A eficácia do pronunciam ento, porém, é exclusivamente endoprocessual, nada havendo que determ ine sua força obri­

5 Rogério Lauria Tucci, Curso de direito processual civil, vol. III, p. 180; Barbosa M oreira, Comentá­rios ao Código de Processo Civil, vol. V, p. 31. Sobre o conceito de decisão subjetivam ente complexa, consulte-se Piero Calam andrei, La Sentenza Soggetivamente Complessa, in Opere giuridiche, vol. I, p. 106 e seguintes, esp. p. 116-117.

6 Barbosa M oreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, p. 41-42.

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gatória ad fu turum . Ademais, a deliberação do plenário (ou do órgão especial) não alcança a autoridade de coisa julgada, já que se tra ta de apreciação de questão prejudicial (art. 469, III, do CPC). Diga-se, desde logo, que é inadm is­sível a propositura de "ação declaratória incidentaT para que a apreciação da prejudicial seja alcançada pelos lim ites objetivos da coisa julgada.7

Proferida a decisão pelo tribunal pleno (ou pelo órgão especial), será, pois, retom ado o julgam ento do feito pelo órgão fracionário, que com pletará a decisão do feito, observando o que tiver sido decidido no julgam ento do in­cidente. A decisão proferida pelo órgão fracionário (e não a do tribunal pleno ou do órgão especial) poderá ser atacada por via de recurso, conforme dispõe o Enunciado n Q 513 da Súm ula da Jurisprudência Predom inante do STF, com o aplauso da m elhor doutrina.8

A Lei n Q 9.756, de 17 de dezem bro de 1998 (publicada no Diário Oficial da União de 18 do m esm o m ês), acrescentou um parágrafo (parágrafo único) ao art. 481 do CPC. Segundo este dispositivo, "os órgãos fracionários dos tri­bunais não subm eterão ao plenário, ou ao órgão especial, a arguição de incons­titucionalidade, quando já houver pronunciam ento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão”. Em outros term os, o novo dispo­sitivo, colocado no CPC nos estertores de 1998 (em lei que trouxe um a série de inovações ao Código de Processo Civil, principalm ente quanto a recursos, e que reafirm a a tendência do Poder Público brasileiro de publicar leis im por­tantes no final do ano, num a época em que a sociedade está distraída com a chegada das festas de fim de ano, fazendo com que as novas norm as passem quase que despercebidas), exclui a instauração do incidente de inconstitucio­nalidade quando a m atéria já tiver sido previam ente analisada pelo plenário (ou por órgão especial) do tribunal ou do STF. A norm a é, para dizer o mínimo, de constitucionalidade duvidosa. Trata-se de mais um a tentativa de estabelecer eficácia vinculante a decisões judiciais, o que - ao m enos no caso em exame - viola a garantia constitucional do contraditório. A decisão sobre a prejudicial de constitucionalidade proferida num processo não pode produzir efeitos em outros, em que são diferentes as partes, pois com isso se estará fazendo com que um a decisão judicial produza efeitos sobre pessoas que não tiveram opor­tunidade de influir na formação da decisão anteriorm ente proferida.

N ote-se que a decisão anteriorm ente proferida sobre a questão, a que se refere o dispositivo em tela, terá sido prolatada em controle difuso da consti­tucionalidade, pois que no controle concentrado o alcance erga omnes da coisa julgada já faz com que seja de observância obrigatória o que ficou anteriorm en­

7 Lauria Tucci, Curso de direito processual civil, vol. III, p. 186.

8 Por todos, Barbosa M oreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, p. 43. Em sentido parcialm ente diverso, Roberto Rosas adm ite recurso extraordinário contra a decisão do plenário (ou do órgão especial) que reconhece a inconstitucionalidade, m as não contra a que considera a norm a constitucional (Rosas, in Comentários ao Código de Processo Civil, Rosas e Aragão, vol. V,p. 120).

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te decidido. Não se pode admitir, porém , que no controle difuso da constitu­cionalidade a decisão proferida num processo atinja, com seus efeitos, pessoas que dele não participaram . Q ualquer ou tra conclusão, salvo m elhor juízo, aca­baria por estabelecer um a inaceitável confusão entre os sistem as concentrado e difuso da constitucionalidade, o que vai contra todo o sistem a de controle da constitucionalidade estabelecido em nosso sistem a constitucional.

Ademais, é de se recordar que o incidente de arguição de inconstitu ­cionalidade só é suscitado quando ao órgão fracionário parece ser inconstitu­cional a norm a jurídica que incide sobre a hipótese, o que se dá em razão da exigência constitucional de que a inconstitucionalidade das leis e atos norm a­tivos seja reconhecida pelo voto da m aioria absoluta dos m em bros do tribunal ou de seu órgão especial. Ao perm itir ao órgão fracionário que afirm e a in­constitucionalidade da norm a, ainda que com base em pronunciam ento ante­rior do plenário do tribunal (ou de seu órgão especial) ou do STF, o parágrafo único do art. 481 do CPC viola a exigência de quorum estabelecida pelo art. 97 da Constituição da República. Inconstitucional, portanto, o novo parágrafo único do art. 481 do Código de Processo Civil.

A já aludida Lei n Q 9.868/1999, que regulou o processo do controle concentrado da constitucionalidade, criou três parágrafos no art. 482 do CPC, referentes ao incidente de inconstitucionalidade, ora sob exame. Dispõe o § I o do art. 482 que "o M inistério Público e as pessoas jurídicas de direito público responsáveis pela edição do ato questionado, se assim o requererem , poderão m anifestar-se no incidente de inconstitucionalidade, observados os prazos e condições fixados no Regim ento Interno do Tribunal”. Por força deste dis­positivo, pois, o M inistério Público, que já fora ouvido no órgão fracionário quando suscitado o incidente, poderá m anifestar-se tam bém perante o tribu ­nal pleno (ou órgão especial) antes do julgam ento do incidente. O m esm o se diga das pessoas jurídicas de direito público responsáveis pela edição do ato cuja constitucionalidade tenha sido questionada. É de se dizer, aqui, que, instaurado o incidente perante tribunal estadual, a intervenção da União não será capaz de to m ar com petente para o feito a Justiça Federal, um a vez que esta só atua nos casos em que a União participa do processo como autora, ré, assisten te ou opoente.

Podem tam bém intervir no incidente de inconstitucionalidade, por força do disposto no § 2o do art. 482, todos os legitim ados para ajuizar "ação direta de inconstitucionalidade”,9 enum erados no art. 103 da Constituição da Repú­

9 O referido § 2o do art. 482, criado pela Lei n° 9 .868/1999, fala não em legitim ados para ajuizar “ação d ireta de inconstitucionalidade”, m as em “titu lares do direito de propositura”. A redação do texto é infeliz tecnicam ente, pois a term inologia em pregada se distancia da por m im em pregada, que, além de tecnicam ente adequada, é bastan te conhecida dos aplicadores do direito em geral. Além disso, o conteúdo da norm a tam bém é criticável: não faz qualquer sentido perm itir-se a intervenção do Presidente da República, do C onselho Federal da O rdem

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blica, perm itindo a lei que sua manifestação se dê por escrito, na form a pre­vista no Regimento Interno do tribunal, podendo eles apresentar m em oriais e jun ta r docum entos.

Por fim, autoriza o § 3Q do art. 482 do CPC que o relator do incidente de inconstitucionalidade, tendo em vista a relevância da m atéria e a represen- tatividade das partes (fala a lei em "postulantes”, mas não parece adequado in terpretar literalm ente o texto, o que levaria a considerar que apenas aquele que provocou o incidente deveria ter sua representatividade examinada), po­derá admitir, por decisão - e não "despacho”, como diz a lei - irrecorrível, a manifestação de outros órgãos ou entidades além daquelas já referidas (ou­tros quaisquer, ao alvedrio do relator). Um a últim a observação se im põe a respeito deste terceiro parágrafo do art. 482 do CPC: ao estabelecer entre os requisitos da adm issão de outros órgãos ou entidades a "relevância da m até­ria”, a lei acaba por dar a im pressão de te r estabelecido distinção entre duas categorias de questão constitucional: as questões constitucionais relevantes e as questões constitucionais irrelevantes. Ao que parece, o Poder Público bra­sileiro finalm ente expressou aquilo que todos já podiam perceber: para nossos governantes, há m uitas norm as constitucionais verdadeiram ente irrelevantes, que podem ser modificadas ou m esm o desrespeitadas sem que ao fato se dê qualquer im portância.

Os três parágrafos do art. 482, como se vê, têm o nítido propósito de perm itir que se possa obter, antes do julgam ento do incidente de inconstitu­cionalidade, a manifestação de todos aqueles que, de algum modo, dem ons­trem interesse na questão constitucional suscitada. Tal escopo só se justifica quando se adm ite a eficácia vinculante da decisão do tribunal pleno ou do órgão especial, decorrente do parágrafo único do art. 481. Sendo esta norm a inconstitucional, porém , como já afirmado, não se justifica a autorização dada a tantas pessoas estranhas ao objeto do processo em que se tenha instaurado o incidente para que dele participem. A aplicação de tais dispositivos acabará por tum ultuar o andam ento do incidente, atrasando-o, o que contraria o princípio da economia processual, segundo o qual o processo deve dar o máxim o de re­sultado com o m ínim o de dispêndio de tem po e energia. Registre-se, porém, que, ainda que as novas norm as nos pareçam ruins, isto não nos leva a acusá- -las de inconstitucionais. Nem toda lei ruim é inconstitucional, e a divergência entre os propósitos do legislador e as intenções do intérprete pode levar este a afirm ar a inconstitucionalidade da lei.

dos Advogados do Brasil, ou de qualquer dos outros legitim ados do art. 103 da C onstituição da República em um processo em que se busca resolver um conflito de in teresses interindividual, tendo o incidente de inconstitucionalidade por escopo verificar se é caso de aplicar-se ou não o ato questionado ao caso concreto.

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V

UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA

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§ l e CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA

O Código de Processo Civil regula, em seus arts. 476 a 479, o incidente de uniformização de jurisprudência. Trata-se de institu to destinado a dim i­nu ir os efeitos maléficos das divergências jurisprudenciais, fazendo com que num determ inado tribunal se adote sem pre um a m esm a interpretação da lei. Como se sabe, todo juiz é livre para interpretar a lei conforme sua consciência. Isto implica, porém , a existência de diversas interpretações diferentes para a m esm a norm a, o que acarreta a incôm oda possibilidade de que duas pessoas, em situações em tudo e por tudo idênticas, vejam suas dem andas julgadas de form a diversa (e, m uitas vezes, antagônica).1

Em razão dos males que a divergência jurisprudencial pode causar, e com os olhos voltados para o princípio da isonomia, já que a lei deve ser a m esm a para todos, o direito processual cria um a série de m ecanism os destinados a atacar tais dissídios.

Alguns destes mecanismos são "repressivos”, já que seu cabim ento se dá quando já surgiu a divergência, ou seja, após a prolação da decisão divergente. E o que se tem com o recurso especial fundado no art. 105, III, c, da C onstitui­

1 Faz parte da m em ória recente do país o caso do “bloqueio dos cruzados novos", im posto pelo “Plano Collor 1", em que alguns juizes proferiam decisão determ inando a liberação do dinheiro bloqueado, enquanto ou tros consideravam o bloqueio legítimo.

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5 2 Lições de Direito Processual Civil • Câmara

ção da República e com os em bargos de divergência. O utros institu tos, porém, são "preventivos”, destinando-se a evitar que a divergência surja, como é o caso do incidente de uniformização de jurisprudência, de que passo a tratar.

Consiste a uniform ização de jurisprudência num incidente processual, através do qual suspende-se um julgam ento no tribunal, a fim de que seja apreciado, em tese, o direito aplicável à hipótese concreta, determ inando-se a correta interpretação da norm a jurídica que incide, ficando assim aquele ju l­gam ento vinculado a esta determ inação. Em outros term os, todas as vezes em que estiverem presentes os requisitos que serão adiante enum erados, deve-se suspender o julgam ento do recurso, de processo de com petência originária do tribunal ou de reexame necessário, a fim de que se determ ine a correta inter­pretação da norm a jurídica que se aplica à hipótese deduzida no processo.

A uniformização de jurisprudência não é recurso, m as m ero incidente processual.2 É cabível quando se verifica a im inência de surgir um dissídio ju- risprudencial, a se estabelecer um a ou mais decisões já proferidas pelo tribunal e a que se vai proferir no julgam ento de um recurso, reexame necessário ou processo de com petência originária do tribunal.

É cabível como incidente dos julgam entos a serem proferidos pelas tu r­m as, câm aras, por grupos de câm aras (e, em bora silente a lei, pelas seções) dos tribunais, não se adm itindo o incidente nos julgam entos da com petência do tribunal pleno ou do órgão especial que lhe faz as vezes.3 Como já se d is­se, o julgam ento aqui referido pode ser de recurso, reexam e necessário ou processo de com petência originária do tribunal.

Assim sendo, quando no curso de julgam ento a ser proferido por órgão fracionário do tribunal se fizerem presentes os requisitos para a instauração do incidente, suspender-se-á aquele julgamento, a fim de se obter o pronuncia­m ento prévio do tribunal acerca da correta interpretação da norm a que se aplica à hipótese dos autos, devendo a interpretação fixada pelo tribunal ser adotada pelo órgão fracionário quando se retom ar o julgam ento antes paralisado.

O incidente pode ser provocado por qualquer dos m agistrados que este­jam participando do julgam ento no órgão fracionário, de ofício, no m om ento adequado para que o m esm o profira seu voto. Pode, ainda, ser suscitado por qualquer das partes, por petição ou quando da sustentação oral de suas razões durante a sessão de julgam ento.4 O conceito de parte aqui empregado, e que se encontra no parágrafo único do art. 476 do CPC, é amplo, devendo-se con­

2 A ssim a doutrina am plam ente dom inante. Entre outros, consulte-se Barbosa M oreira, Comen­tários ao Código de Processo Civil, p. 8; José de A lbuquerque Rocha, O procedimento da uniformização da jurisprudência, p. 101; Sidney Sanches, Uniformização da jurisprudência, p. 19; Rodolfo de Camar­go M ancuso, Incidente de uniformização de jurisprudência, p. 28-29.

3 Barbosa M oreira, Comentários ao Código de Processo Civil, p. 9.

4 Idem, p. 15-16.

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Uniformização de Jurisprudência 5 3

siderar aí tam bém incluído o M inistério Público, nos feitos em que atua como custos legis.5

Nos term os do que dispõem os dois incisos do art. 476, o incidente de uniformização de jurisprudência será cabível quando se verificar que há di­vergência acerca da m atéria objeto de apreciação pelo órgão fracionário (art. 4 7 6 ,1) ou quando no julgam ento recorrido a interpretação da norm a tiver sido diversa da que lhe haja dado outro órgão fracionário (art. 476, II).

É de se notar, antes de mais nada, que a divergência que perm ite a ins­tauração do incidente é, sem pre, a que se verifique entre órgãos diversos do m esm o tribunal.6 No caso do inciso II, porém, a divergência se dá entre a deci­são recorrida, proferida pelo órgão a quo, e decisão proferida em segunda ins­tância, em outro processo, por órgão fracionário do tribunal diverso daquele a que coube a apreciação do recurso.

Tanto num caso como noutro, busca-se uniform izar a jurisprudência in­terna do tribunal, o que se faz como forma de evitar danos sociais, que cer­tam ente adviriam se houvesse um a total ausência de controle sobre a forma como as norm as jurídicas são interpretadas pelos diversos órgãos judiciários. É de se relembrar, aqui, pela pertinência ao tema, o que disse saudoso M inistro do Supremo Tribunal Federal:

"Firm ar a jurisprudência, de modo rígido, não seria um bem, nem se­ria viável. A vida não para, nem cessa a criação legislativa e doutrinária do direito. Mas vai um a enorm e diferença entre a mudança, que é frequentem ente necessária, e a anarquia jurisprudencial, que é desca­labro e torm ento. Razoável e possível é o m eio-term o."7

§ 2- PROCEDIMENTO

Vista, em linhas gerais, a uniformização de jurisprudência, passa-se à análise do procedim ento a ser observado quando suscitado o incidente.

Q uando suscitado o incidente de uniformização da jurisprudência, deve­rá o órgão fracionário onde se desenvolve o julgam ento votar sobre a existência ou não de divergência que justifique a suspensão do m esm o. Reconhecida a divergência (por unanim idade ou por maioria, pouco im porta), será suspenso

5 M ancuso, Incidente de uniformização de jurisprudência, p. 38.

6 Sanches, Uniformização da jurisprudência, p. 32.

7 Victor N unes Leal, A tualidade do Suprem o Tribunal, Revista de Direito Processual Civil, vol. V, 1966, p. 73.

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o julgam ento, lavrando-se acórdão com o teor da decisão do incidente. Na hipótese de não se reconhecer a divergência, o julgam ento prosseguirá nor­m alm ente.8 A decisão do órgão fracionário, quer reconheça, quer não, a diver­gência, é irrecorrível.9

Reconhecida a divergência, como dito, suspende-se o julgam ento do ór­gão fracionário, rem etendo-se os autos ao presidente do tribunal, para que este designe a sessão de julgam ento do incidente, quando então o tribunal poderá apresentar seu pronunciam ento prévio (prévio ao julgam ento que se paralisou, obviamente) sobre a questão a respeito da qual existe divergência. Deverá a secretaria do tribunal, nesta altura, d istribuir a todos os m agistrados que irão participar do julgam ento do incidente cópia do acórdão do órgão fra­cionário onde se reconheceu a divergência.

N a sessão de julgam ento do incidente, deve o tribunal (pelo órgão com­petente, que pode ser o tribunal pleno, o órgão especial ou outro a que as norm as locais atribuam competência) apreciar a adm issibilidade do inciden­te, analisando a existência ou não da divergência. Entendendo o tribunal que não existe divergência capaz de justificar o incidente, sim plesm ente dele não conhece, determ inando a rem essa dos autos ao órgão fracionário, para que prossiga no julgam ento que havia sido paralisado.

Reconhecida que seja a divergência, cada m agistrado que compõe a tu r­m a julgadora do incidente dará seu voto sobre a tese jurídica que lhe pareça mais acertada, devendo tal voto ser exposto fundam entadam ente. Tal julga­m ento som ente se realizará, porém , depois de ouvido o chefe do M inistério Público que funcione perante o tribunal.

O julgam ento do incidente determ inará a tese jurídica a ser observada pelo órgão fracionário quando do prosseguim ento do julgam ento que havia sido paralisado. Tal julgam ento terá, pois, força vinculante em relação ao ju l­gam ento do processo onde se instaurou o incidente de uniformização de juris­prudência e será tom ado pela m aioria simples dos julgadores.

Havendo tese jurídica que seja adotada pela m aioria absoluta dos parti­cipantes do julgam ento, esta será incluída na súm ula da jurisprudência dom i­nante do tribunal, constituindo precedente na uniformização da jurisprudên­cia. A súm ula da jurisprudência dom inante de um tribunal é o conjunto dos enunciados que representam as teses jurídicas dom inantes no entendim ento de seus com ponentes. Não possui força vinculante (salvo na hipótese regida pelo art. 103-A, da Constituição da República), não obrigando, portanto, ne­nhum magistrado, ainda que de instância inferior, a julgar naquele sentido, em bora sirva como guia seguro do entendim ento dom inante do tribunal sobre

8 Sanches, Uniformização da jurisprudência, p. 40.

9 Rosas, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, p. 53.

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Uniformização de Jurisprudência 5 5

as m atérias por ela abrangidas. É conhecida, por exemplo, a im portância das súm ulas do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, por servirem de orientação para as decisões de todos os órgãos jurisdicionais de nosso país. Mera orientação, porém, e não vinculação. Isto é o que se tem com a edição das súm ulas. Volta-se a dizer, aqui, o que já se afirmou no prim eiro volume dessas Lições: a eficácia vinculante da Súm ula da Jurisprudência D o­m inante do STF, na form a do disposto no art. 103-A, da Constituição da Repú­blica, inserido no texto da Lei Maior pela Emenda Constitucional n Q 45/2004, é restrita a tem as constitucionais, não havendo jurisprudência vinculante em m atéria inffaconstitucional.

§ 3fi O MECANISMO DE PREVENÇÃO OU COMPOSIÇÃO DE DIVERGÊNCIA

A Lei n ô 10.352/2001 criou, através do § 1Q que acrescentou ao art. 555 do CPC, o que pode ser chamado de mecanismo de prevenção ou composição de divergência.10 Dispõe o aludido parágrafo que, "ocorrendo relevante questão de direito, que faça conveniente prevenir ou com por divergência entre câma­ras ou turm as do tribunal, poderá o relator propor seja o recurso julgado pelo órgão colegiado que o regim ento indicar; reconhecendo o interesse público na assunção de competência, esse órgão colegiado julgará o recurso”.

Trata-se de m ecanism o destinado a com por dissídios jurisprudenciais in ternos de um dado tribunal, tendo, pois, função equivalente ao do incidente de uniform ização de jurisprudência (razão pela qual deles se tra ta no m esm o capítulo destas Lições). E é, a nosso sentir, m ecanismo ainda mais eficiente na prevenção ou composição dos dissídios. Isto porque, ao contrário do que se dá no incidente de uniform ização de jurisprudência, aqui não ocorre um a cisão da com petência, m as a assunção dela.

Em outros termos: de um lado, no incidente de uniformização de juris­prudência, cinde-se a com petência para o julgam ento, cabendo a um órgão resolver a questão de direito, estabelecendo a tese a ser aplicada na decisão, e a outro órgão julgar a causa, proferindo-se, assim, decisão subjetivam ente com­plexa; de outro lado, no mecanismo de prevenção e composição de divergência, o órgão indicado no regim ento interno do tribunal (que pode ser, por exemplo, o Plenário ou o Órgão Especial) assum e a com petência para o julgam ento, não se lim itando a estabelecer a tese jurídica a ser aplicada, mas julgando a causa.

10 William Santos Ferreira, Novas Tendêndas do sistem a recursal brasileiro e o prosseguim ento da reforma processual, in Dos recursos - temas obrigatórios e atuais, vol. I, Rodrigo Reis Mazzei (coord.), p. 297.

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Com a assunção da competência, ter-se-á, pois, a resolução da causa em m enos tem po. O institu to aqui examinado, portanto, atende às exigências de celeridade e segurança, valores que o processo deve ten tar a todo custo con­trabalançar.

Este m ecanism o já estava previsto no Regimento Interno do STJ, e ago­ra poderá ser utilizado por todos os tribunais brasileiros, perm itindo-se as­sim que questões de direito que sejam ou possam vir a ser controvertidas no seio do tribunal sejam examinadas por colegiados m aiores, servindo a decisão como precedente (não vinculante, obviamente, m as com grande força psicoló­gica sobre os m em bros do tribunal) para julgam entos futuros.

Parece-nos possível prever que, com o sucesso do mecanismo de preven­ção ou composição de divergência, não será longa a sobrevida do incidente de uniformização de jurisprudência, bastando para isto que se crie regra destina­da a fixar o modo como a tese jurídica adotada neste novo incidente proces­sual poderá ser incluída na súm ula da jurisprudência dom inante do tribunal. Quando isto ocorrer, o incidente de uniformização de jurisprudência m orrerá à míngua, já que não fará qualquer sentido utilizar-se aquele mecanismo mais antigo, que perm ite - é certo - a composição ou a prevenção de divergências, m as o faz de form a m ais vagarosa e, por isso mesmo, m enos efetiva.

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VI

RECURSOS

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§ l e TEORIA GERAL DOS RECURSOS

1.1 Conceito

Inicia-se, a partir deste m om ento, o estudo dos recursos. Tal estudo será feito em duas partes: de início, analisar-se-á a teoria geral dos recursos, form a­da por conceitos e princípios que são, em tese, aplicáveis a todas as espécies do gênero. Em seguida, serão analisadas as espécies de recursos regidas pelo Código de Processo Civil. O estudo da teoria geral dos recursos, que ora se inicia, começa pela análise do conceito de recurso.

Recurso, no dizer de notável ju rista pátrio, é “o rem édio voluntário idô­neo a ensejar, dentro do m esm o processo, a reforma, a invalidação, o esclareci­m ento ou a integração de decisão judicial que se im pugna".1 M anifesto, aqui, m inha adesão a este conceito por considerar que o m esm o é incomparável na busca do objetivo de definir, em linhas gerais, o que seja um recurso e quais os fins a que o m esm o se destina.

É preciso que se tenha em m ente, pois, que o recurso é, antes de mais nada, um rem édio voluntário. Significa isto dizer que a interposição do recur­so é um ato de vontade. O recurso é um a m anifestação de insatisfação. Re­

1 Barbosa M oreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, p. 207.

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corre contra um a decisão judicial aquele que vê seus in teresses contrariados pelo provim ento.

Significa tal afirmação, ainda, dizer que não se pode atribuir natureza de recurso ao reexame necessário, tam bém chamado duplo grau de jurisdição obrigatório, regido pelo art. 475 do CPC, exatam ente pelo fato de não se tratar de remédio voluntário.2

Prossegue a definição de recurso apresentada afirmando que esse rem é­dio voluntário surge dentro do m esm o processo em que foi proferida a decisão im pugnada. Esta é um a das características essenciais dos recursos, capaz de distingui-los das "ações autônom as de im pugnação”, como a "ação rescisória”. O recurso, ao contrário da "ação autônom a de im pugnação”, não dá origem ao aparecim ento de um novo processo, sendo, em verdade, um incidente do m es­mo processo em que prolatado o pronunciam ento im pugnado.3

Há que se notar que existe um recurso - o agravo de instrum ento - em que são formados autos apartados, os quais são enviados ao tribunal, enquanto os autos principais perm anecem com o juízo de prim eira instância. Isto não altera, porém, o que acabou de ser dito. A formação de novos autos não implica o aparecim ento de processo novo. O que se tem na hipótese é um desdobra­m ento do procedim ento, o qual irá pender, sim ultaneam ente, perante o juízo de primeiro grau e o tribunal.

O recurso pode perm itir que sejam alcançados quatro resultados: refor­ma, invalidação, esclarecimento e integração da decisão judicial impugnada. Cada um destes resultados será alcançado em hipóteses bastante próprias, fazendo-se m ister a análise, neste passo, de cada um a delas.

Em prim eiro lugar (e esta é, sem som bra de dúvidas, a hipótese mais fre­qüente), o recurso pode ter por objeto a reform a da decisão judicial im pugna­da. Isto se dará toda vez que o recorrente afirm ar a existência, no provim ento recorrido, de um error in iudicando, isto é, de um erro de julgam ento. Ocorre o error in iudicando quando o m agistrado atribui ao direito positivo um a vonta­de que não é a sua verdadeira,4 ou seja, quando o juiz profere um a declaração errônea da vontade concreta da lei.

2 A posição doutrinária dom inante é no sentido de negar ao duplo grau obrigatório a natureza de recurso, com o se fez no texto, considerando-o um a condição de eficácia das sentenças que a ele estão sujeitas. N este sentido, por todos, Alcides de M endonça Lima, Introdução aos recursos cíveis, p. 181-188. Em sentido contrário, considerando que o in stitu to é verdadeiro "recurso ex officio", Bermudes, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VII, p. 33.

3 Trata-se de en tend im en to am plam ente dom inante na dou trina nacional e estrangeira. Por todos, consulte-se o que dizem Barbosa M oreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, p. 207; C risan to M andrioli, Corso di diritto processuale civile, p. 338.

4 Piero Calam andrei, Sulla distinzione tra "error in judicando” ed "error in procedendo”, in Opere giuridiche, vol. VIII, p. 292.

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Recursos 61

Em outros term os, toda vez que se interpuser recurso contra um a deci­são sob o fundam ento de que a m esm a deu errônea solução à questão sobre a qual versa, o objeto de tal recurso será a reform a da referida decisão judicial.

Pense-se, por exemplo, num a sentença que condena o réu ao cum pri­m ento de determ inada prestação. Considerando o réu que a sentença é equi­vocada, um a vez que, a seu juízo, a obrigação por ela reconhecida não existe, poderá recorrer, pleiteando ao tribunal que reform e o provim ento condenató- rio, declarando a inexistência da obrigação. O m esm o se terá na hipótese de um a decisão interlocutória que afirme estar correto o valor da causa indicado pelo dem andante em sua petição inicial, se o dem andado com ela não con­corda. Será possível, então, a interposição de recurso, para que se pleiteie ao órgão com petente para apreciá-lo que reforme a decisão, afirmando ser errada a indicação do valor da causa, e indicando qual o valor correto.

N ote-se que não há error in iudicando apenas quando a declaração errônea da vontade da lei refere-se a norm as de direito material, m as tam bém quando o erro incide sobre norm as de direito processual (como, no exemplo, acima figurado, da norm a sobre a fixação do valor da causa).5

Situação diversa é a que se tem quando o recurso é interposto sob o fundam ento de a decisão im pugnada ter sido proferida com error in procedendo. Este é um vício de forma, ao contrário do anterior, em que havia um vício de conteúdo. O error in procedendo está sem pre ligado ao descum prim ento de um a norm a de natureza processual6 e consiste em vício formal da decisão, que acar­reta sua nulidade. N esta hipótese, o objeto do recurso não será a reform a da decisão recorrida, m as sua invalidação.

Pense-se, à guisa de exemplo, num a sentença sem fundam entação. Trata- -se de sentença eivada de nulidade absoluta (art. 93, IX, da Constituição da República). Eventual recurso interposto contra ela terá por fim a obtenção de decisão que a invalide, fazendo-a desaparecer do processo.

É de se notar, aliás, que há um a im portante razão para distinguir os dois tipos de vício aqui apresentados, o error in iudicando e o error in procedendo. En­quanto no prim eiro tipo de vício, em que o recurso objetiva a reform a da deci­são, o que se espera do órgão julgador do recurso é a prolação de nova decisão sobre a m esm a questão decidida pelo provim ento impugnado, devendo esse novo pronunciam ento substitu ir o provim ento recorrido, na segunda hipótese, em que o recurso tem por fim a invalidação da decisão recorrida, o que se espe­ra obter no julgam ento do recurso é um a decisão que anule o pronunciam ento impugnado, retirando-o do processo e determ inando ao órgão que o havia prolatado que profira nova decisão sobre aquela m esm a questão.

5 Nelson Nery Júnior, Princípios fundamentais - teoria geral dos recursos, p. 217; Calam andrei, Sulla distinzione tra “error injudicando” ed “error in procedendo”, p. 295.

6 Calam andrei, Sulla distinzione tra “error injudicando” ed “error in procedendo”, p. 295.

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Terceira hipótese a ser considerada é a de recurso que tenha por fim o esclarecimento de um a decisão. Há situações em que a decisão proferida pelo órgão judicial é obscura ou contraditória. N estas hipóteses, é possível a inter- posição de recurso tendo por fim o esclarecimento da decisão. O que se p reten­de nestas situações é que o juízo prolator da decisão reexprima o que já havia afirmado em sua decisão, m as que não havia sido expresso de form a clara.

Nessa hipótese, o recurso não é destinado a provocar um a nova decisão sobre a questão, m as sim a fazer com que o juízo reafirme, com outros ter­mos (mais esclarecedores), o que havia sido dito anteriorm ente. Trata-se de situação em que a atividade de julgam ento da questão já se encerrou, havendo vício tão som ente de expressão de ideias. Um a história que funciona m elhor oralm ente do que por escrito pode to rnar mais acessível o que se quer aqui dizer. "D urante um a festa, no seu palácio, o governador assom a à sacada e dele se ouve esta frase: 'Roubaram a m inha m ulher'. Um popular, que assistia à cena, disse a outro: 'Roubaram a m ulher do governador, coitado. Ele vai ficar sem m ulher.' O interlocutor, vendo a prim eira dam a num a janela, explica: 'O governador não falou no acusativo; falou no dativo'." O acusativo, em latim , é o caso do objeto direto, e o dativo, o caso do objeto indireto. A explicação quis, então, dizer que não haviam roubado a m ulher (subtraído a m ulher) do gover­nador, m as que haviam roubado à (se a gráfica não põe o acento grave quem fica roubado sou eu) m ulher do governador (subtraído dela) algum a coisa.7

Em outros term os, o que se quer aqui não é que se redecida, mas sim que se reexprima. O único recurso cabível nessa hipótese, como se verá mais adiante, no estudo dos recursos em espécie, é o de em bargos de declaração.

Por fim, o recurso pode ser tam bém destinado a perm itir a integração da decisão judicial atacada. Por integração entende-se a atividade de suprir lacu­nas, o que nos faz concluir que aqui o recurso será destinado a suprir om issões contidas na decisão judicial (e, tam bém aqui, o recurso cabível é chamado de em bargos de declaração). Trata-se de hipótese diferente da considerada logo antes desta. Aqui a atividade julgadora não se encerrou, haja vista ter o juízo om itido um a questão sobre a qual deveria te r se pronunciado. N este caso, quer-se não som ente que o juiz reexprim a o que já havia dito, m as se pretende reabrir a própria atividade decisória, com a apreciação da questão que ainda não havia sido apreciada. Pfense-se, e. g., num a dem anda em que se pediu a condenação do réu ao pagam ento de certa quantia, tendo o réu alegado, em de­fesa, nulidade do contrato que gerou a obrigação e, ainda, a prescrição. O juiz, na sentença, julga procedente o pedido do autor, considerando que não havia a alegada nulidade, restando omisso acerca da arguição de prescrição. Pode o

7 Toda a história e a explicação, inclusive o d ito chistoso quanto ao escritor “ficar roubado”, são de Sérgio Bermudes, Introdução ao processo civil, p. 159; e, segundo afirma este notável processua- lista, trata-se de um a sugestão do saudoso e inesquecível Haroldo Valladão.

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Recursos 6 3

dem andado, neste caso, interpor recurso (embargos de declaração), a fim de que a questão om issa seja apreciada.8

Viu-se, pois, que o recurso terá, de acordo com o caso concreto, a fina­lidade de buscar a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração de um a decisão judicial.

Por fim, e concluindo a análise do conceito de recurso, há que se dizer que só se adm ite recurso, em nosso sistem a, contra decisões judiciais, ou seja, contra provim entos judiciais que tenham conteúdo decisório. Significa isto di­zer, em outras palavras, que nosso D ireito Processual Civil adm ite recurso contra sentenças, decisões interlocutórias e acórdãos. Os despachos de m ero expediente, provim entos desprovidos de qualquer conteúdo decisório, são ir- recorríveis (art. 504 do CPC).

Após todas estas considerações, fica perfeitam ente compreensível a de­finição de recurso trazida à colação: "Remédio voluntário idôneo a ensejar, dentro do m esm o processo, a reforma, a invalidação, o esclarecim ento ou a integração de decisão judicial que se im pugna.”

1.2 Classificação

Há diversas formas de se classificar o recurso. Assim é que ele pode ser total e parcial; principal e adesivo; ordinário e excepcional (ou extraordinário).

A prim eira forma de classificar o recurso decorre do fato de que um a deci­são judicial pode ser im pugnada por inteiro ou apenas parcialmente. Chama-se recurso total àquele que ataca todo o conteúdo impugnável da decisão, e parcial ao que deixa incólume parte desse conteúdo impugnável.9 Assim, por exemplo, num a dem anda ajuizada por A em face de B, em que aquele cobra deste a quan­tia de mil reais, tendo sido o pedido julgado improcedente, um recurso em que A peça ao tribunal a reform a da sentença, a fim de condenar o dem andado ao pagam ento dos mil reais, será um recurso total, enquanto um recurso em que se pleiteasse a condenação do réu ao pagamento de oitocentos reais seria par­cial (e, nesta hipótese, tom ar-se-ia indiscutível que a parcela não recorrida não era, mesmo, devida, transitando em julgado esta parte da sentença).

8 É de se notar que, no exem plo dado, acolhidos os em bargos para se apreciar a alegação de prescrição, pode ocorrer de, acolhida tal alegação, o resu ltado final do processo ser inteiram ente modificado, e o réu, que havia sucum bido, passar a vencedor. São os cham ados “em bargos de declaração com efeitos infringentes” ou “em bargos de declaração com efeitos modificativos”, de existência controvertida, m as que, a m eu juízo, podem existir quando se tra ta r de em bargos declaratórios contra decisão om issa (e, portanto, destinados a perm itir a integração da decisão). Ao tem a voltarei quando do estudo dos em bargos de declaração.

9 Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 115.

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N ote-se que, ao definir o recurso to tal e o recurso parcial, não falo em im pugnar toda a decisão, ou parte dela, m as em atacar todo o conteúdo impug- nável da decisão ou parte dele. Isso porque a lei pode lim itar esse conteúdo, não se adm itindo recurso contra toda a decisão, mas apenas contra parte dela. O recurso que ataque toda essa parte contra a qual se adm ite sua interposi- ção será um recurso total. Pense-se, por exemplo, num acórdão em que, por maioria, o tribunal conheceu de um a apelação e, por unanim idade, a ela deu provim ento. Admite-se contra esse acórdão a interposição de em bargos infrin- gentes (art. 530 do CPC), m as tão som ente contra o capítulo não unânim e do provim ento. Assim, sendo interposto tal recurso, e com ele se atacando todo o capítulo do acórdão em que se decidiu por maioria, estar-se-á diante de recurso total, em bora o m esm o não im pugne toda a decisão judicial.

Um a segunda form a de classificar o recurso vai nos perm itir falar em re­curso principal e adesivo. Nos term os do art. 500 do CPC, cada parte interpõe seu recurso no prazo, independentem ente, e observadas as exigências legais. Pode ocorrer, assim, que ambas as partes recorram contra um a dada decisão. O recurso de cada um a delas será independente do outro e, por isso, chamado de recurso principal. Pode acontecer, porém, que num a hipótese de sucum- bência recíproca, assim considerada aquela situação em que a decisão acarreta satisfação parcial dos interesses de am bas as partes (pense-se num a dem anda em que o au to r quer ver o réu condenado a pagar mil; o réu contesta alegando nada dever; e a sentença o condena a pagar quinhentos: nesta hipótese o au­tor terá sucum bido em parte, pois não terá obtido tudo o que pretendia, e o réu tam bém terá sucum bido em parte, pois terá sido condenado a pagar um a certa soma, quando afirmava não ser devedor), um a das partes fique, em prin­cípio, satisfeita com o resultado, optando por aceitar o resultado do processo. A outra parte, porém, interpõe recurso (o qual será, obviamente, um recurso principal). Permite a lei (no m esm o art. 500 do CPC) que, nesta situação, a ou tra parte in terponha recurso adesivo, ou seja, um recurso subordinado ao da ou tra parte. Este recurso (que será objeto de considerações mais aprofundadas adiante, já que aqui nos interessa, tão som ente, a classificação dos recursos) só será julgado se o recurso principal for adm itido. Julgado inadmissível o re­curso principal, autom aticam ente se terá por inadmissível o recurso adesivo, aplicando-se aqui a conhecida regra segundo a qual o acessório segue o princi­pal. N esta hipótese, ocorrerá o trânsito em julgado da decisão, o que - afinal de contas - havia sido considerado satisfatório pela parte que deixara de interpor recurso principal, optando por recorrer adesivam ente.10

Por fim, há que se fazer referência à classificação dos recursos em ordiná­rios e excepcionais (ou extraordinários). Tratando do assunto, afirma profundo estudioso do tem a que se trata de classificação despida de qualquer relevância

10 Sobre esta classificação, Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, p. 104.

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para o Direito brasileiro, embora mencionada no CPC (mais especificamente no art. 467).11 Essa respeitável opinião doutrinária baseia-se num a classificação dos recursos que considera ordinários aqueles cuja interposição obsta a formação da coisa julgada, e extraordinários os que não servem de obstáculo à formação da­quela situação jurídica mas, ao contrário, a pressupõem , só sendo interponíveis depois de transitar em julgado a decisão.12 E inegável que, no Direito brasileiro, todos os recursos admissíveis o são apenas antes da formação da coisa julgada e, sob este aspecto, todos seriam ordinários. Há, é certo, um recurso no direito brasileiro chamado "recurso extraordinário”, mas este é apenas o seu nomen iuris, e tal recurso, assim como todos os demais, um a vez interposto, impede que a decisão impugnada transite em julgado, o que o colocaria na classe dos recursos ordinários. Diga-se, aliás, que mesmo em países onde tal classificação costuma ser aceita há autores que negam aos "recursos extraordinários” a natureza de verdadeiros recursos.13

Há, porém, um a tendência doutrinária, a m eu juízo acertada, que apre­sen ta um a outra form a de classificação dos recursos, falando (com fundam en­tos diferentes da antecedente, a qual - como visto - não tem qualquer relevân­cia, ao m enos no Direito brasileiro) em recursos ordinários e excepcionais (ou extraordinários).14

São ordinários os recursos cujo objeto im ediato é a tu te la do direito sub­jetivo, e excepcionais aqueles cujo fim imediato é a tu te la do direito objetivo.15 Encontram -se na prim eira espécie recursos como a apelação, o agravo e os em bargos infringentes, e na segunda localizam-se o recurso extraordinário e o recurso especial.

Nos recursos ordinários, em que o objeto imediato é a tu tela do direito subjetivo do recorrente, podem -se discutir questões de fato e de direito (afinal,

11 Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 116.

12 Esta form a de classificação é encontrada, por exemplo, na obra de Liebman, Manuale di diritto processuale civile, vol. II, p. 274.

13 Assim se dá, por exemplo, na Espanha, como se vê na obra de Leonardo Prieto-Castro y Ferrán- diz, Derecho procesal civil, p. 297, onde se diz que os “recursos extraordinários" não são, em verdade, recursos, já que estes pressupõem a pendência do processo. Deve-se, segundo o autor, falar não em recursos, mas em “remédios extraordinários”, para designar os meios de impugnação da sentença cabíveis após a formação da coisa julgada.

14 Defendem a classificação que passarei a apresentar, en tre outros, Greco Filho, Direito proces­sual civil brasileiro, vol. II, p. 291; Berm udes, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VII, p. 34; N elson Luiz Pinto, Recurso especial para o Superior Tribunal de Justiça, p. 34; Francisco Cláudio de A lmeida Santos, Recurso especial: visão geral, in Recursos no Superior Tribunal de Justiça, Sálvio de Figueiredo Teixeira (Coord.), p. 93; A thos G usm ão Carneiro, Anotações sobre o recurso espe­cial, in Recursos no Superior Tribunal de Justiça, p. 110. Posiciona-se contra esta classificação, por considerá-la desprovida de valor científico, Barbosa M oreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, p. 227-228.

15 Bermudes, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VII, p. 34.

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o direito subjetivo nasce quando um a situação fática concreta se enquadra na descrição abstrata contida na norma; assim sendo, tan to os aspectos de fato como os de direito podem ser aqui discutidos). Já nos recursos excepcionais, cujo objeto im ediato é a tu te la do direito objetivo (Constituição da República e Direito federal), e apenas m ediatam ente se tu te la o direito subjetivo, apenas questões de direito poderão ser suscitadas. Isto explica, por exemplo, a exis­tência do Enunciado n Q 7 da Súm ula da Jurisprudência Predom inante do STJ, que proíbe se adm ita recurso especial para m ero reexame de prova (afinal, as provas estão ligadas às alegações de fato, e não às de d ireito).16

Diga-se, por fim, que prefiro falar em recursos excepcionais, e não em "recursos extraordinários”, como m uitos doutrinadores, porque o nom e re­curso extraordinário é tradicionalm ente em pregado no Direito brasileiro para designar um a espécie de recurso (espécie, aliás, que integra o gênero aqui denom inado "recursos excepcionais”) . Com a term inologia aqui adotada evita- -se a confusão entre o gênero e a espécie, optando-se por um a m aior precisão terminológica, desejável para qualquer tentativa de evolução científica.

1.3 Juízo de Adm issibilidade e Juízo de M érito

O julgam ento dos recursos divide-se em duas fases, denom inadas juízo de adm issibilidade e juízo de m érito. N a prim eira delas, prelim inar (no sentido estrito do term o, significando que a decisão aqui proferida pode im pedir que se passe ao juízo de m érito), verifica-se a presença dos requisitos de adm is­sibilidade do recurso. Sendo positivo este juízo, ou seja, adm itido o recurso, passa-se, de imediato, ao juízo de m érito, fase do julgam ento em que se vai examinar a procedência ou não da pretensão m anifestada no recurso.

Pode-se dizer que existe um a escalada de posições jurídicas, a ser assim considerada:

a) direito de in terpor o recurso;b) direito de ver o m érito do recurso julgado;c) direito de ver o recurso provido.

A prim eira destas posições é a mais ampla, sendo certo que qualquer pessoa pode in terpor recurso. Já a segunda abrange um campo mais restrito, um a vez que apenas aqueles dentre os titulares do direito de in terpor recurso que preencherem todos os requisitos de adm issibilidade do recurso poderão ver realizar-se o juízo de m érito. O resultado deste juízo de m érito, porém,

16 De idêntico teor, m as referindo-se ao recurso extraordinário, é o Enunciado n° 279 da Súm u­la da Jurisprudência Predom inante do STF.

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pode ser de qualquer teor, favorável ou desfavorável, e ainda assim existirá esta posição jurídica aqui referida sub b. D entre os que têm direito ao juízo de m éri­to, apenas alguns terão direito ao provim ento do recurso, a terceira posição da escalada a que venho fazendo referência. Este direito é exclusivo daqueles que, além de terem direito ao juízo de m érito, m anifestam - através de seu recurso - um a pretensão fundada, procedente. Estes (e som ente estes) verão o órgão judiciário com petente para apreciar o recurso dar-lhe provim ento, reformando, invalidando, esclarecendo ou integrando a decisão judicial impugnada.

Interposto o recurso, portanto, inicia-se a sua apreciação, o que se faz com a realização do juízo de admissibilidade. Este pode ser definido como a fase do julgam ento do recurso em que se verifica a presença ou não dos requisitos de admissibilidade do mesmo, revelando-se como prelim inar do juízo de m érito .17

Varia a forma como se realiza o juízo de admissibilidade, sendo tal va­riação determ inada pela form a como a lei regulam enta o procedim ento a ser observado em cada espécie de recurso. Há, porém, um sistem a básico, obser­vado como regra geral, e que raram ente sofre alterações de m aior vulto. Assim é que, em nosso sistem a, o recurso é interposto perante o órgão a quo (ou seja, perante o órgão que proferiu a decisão recorrida).18 Este órgão irá, desde o m o­m ento da interposição do recurso, exercer sobre o m esm o juízo de adm issibili­dade.19 Assim é que, ao apreciar a petição de interposição do recurso, deverá o órgão a quo declarar se é caso de receber ou não receber o recurso. A utilização das expressões aqui empregadas, "receber” e "não receber”, é tradicional em nossa experiência forense, sendo ainda de uso corrente em doutrina.

Tendo sido recebido o recurso (ou seja, positivo este prim eiro exame da adm issibilidade), abre-se vista ao recorrido, a fim de que este possa oferecer suas contrarrazões, ou seja, sua im pugnação ao recurso interposto. Oferecidas as contrarrazões, rem ete-se os autos ao órgão a quof para que este, pela se­gunda vez, aprecie a adm issibilidade do recurso. Tal se dá pelo sim ples fato de que pode o recorrido alegar a ausência de algum requisito de admissibilidade, provocando assim um novo exame do tem a pelo órgão que recebeu o recurso. N este segundo m om ento do juízo de admissibilidade, deverá o órgão a quo declarar se dá seguim ento ou nega seguim ento ao recurso.20

17 A doutrina que trata do tem a tem apresentado definições bastante sim ilares à do texto. Por todos, consulte-se José Carlos Barbosa M oreira, O juízo de admissibilidade no sistema dos recursos civis, tese, 1968, p. 33.

18 Exceção a esta regra encontra-se no agravo de instrum ento , o qual é interposto diretam ente perante o tribunal com petente para a apreciação de seu m érito.

19 Sendo o órgão a quo de formação colegiada, o juízo de adm issibilidade que se realiza perante ele será exercido pelo relator do acórdão recorrido.

20 Essas expressões não têm sido tão u tilizadas com o as an teriores, m as se p restam a de­signar os fenôm enos que aqui ocorrem . N ão pode m ais o órgão a quo deixar de receber um recurso que já foi recebido. O caso, agora, é de dar-se ou negar-se seguim ento a um recurso que havia sido recebido.

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6 8 Lições de Direito Processual Civil • Câmara

Tendo o órgão a quo dado seguim ento ao recurso (que, assim, terá já ultrapassado dois exames de sua admissibilidade, com resultado positivo), é o m esm o rem etido ao órgão com petente para o juízo de m érito, sendo este cha­mado órgão ad quem. N este (em se tratando, obviamente, de órgão colegiado), há de ser sorteado um relator, o qual irá exercer um terceiro juízo de adm issibi­lidade sobre o recurso. Poderá, então, o relator, dar seguim ento um a vez mais ao recurso, levando-o à apreciação do colegiado, ou rejeitá-lo lim inarm ente (art. 557 do CPC). Como se verá mais adiante, na análise do capítulo do CPC dedicado à ordem dos processos nos tribunais (arts. 547 a 565), perm ite-se ao relator, neste passo, não só exercer juízo de admissibilidade, m as tam bém , e com alguns limites, juízo de m érito (podendo, por exemplo, afirmar que o recurso é "m anifestam ente im procedente”) .

U ltrapassada esta terceira fase do juízo de adm issibilidade, ou seja, ten­do o relator dado seguim ento ao recurso e o levando à apreciação do órgão ad quem, passa este, na sessão designada para o julgam ento do recurso, a apreciar ainda um a vez mais a admissibilidade. É o quarto e últim o exame que se faz do tem a. Adm itido o recurso, ou - como se costum a dizer na prática forense, com o apoio da doutrina - quando o órgão ad quem conhece do recurso, passa-se ao juízo de m érito (o que se faz de imediato, sem solução de continuidade, deven­do as decisões sobre a adm issibilidade e o m érito constar do m esm o acórdão). N a hipótese de o órgão ad quem não conhecer do recurso (isto é, proferir julga­m ento negativo de sua adm issibilidade), não se procederá ao juízo de mérito.

Pode parecer estranho o excessivo cuidado do sistem a processual, ao exigir quatro análises da adm issibilidade do recurso, m as isso é facilmente compreensível. Tal se dá em razão da necessidade de se evitar o julgam ento do m érito de recursos interpostos contra decisões transitadas em julgado. Como se sabe, um a vez formada a coisa julgada, não se adm ite mais qualquer recurso contra a decisão tom ada firme (eficácia preclusiva da coisa julgada formal). Por esta razão, preocupa-se nosso sistem a processual em perm itir o julgam ento do m érito apenas de recursos admissíveis (o que só pode se dar quando a decisão ainda não houver transitado em julgado). Para isto, exige que a adm issibilida­de do recurso seja examinada diversas vezes, até que se tenha certeza oficial quanto a ser m esm o admissível o recurso.

U ltrapassado o juízo de adm issibilidade (ou, em outros term os, tendo o órgão ad quem conhecido do recurso), passa-se ao juízo de mérito, onde - como anteriorm ente afirmado - o órgão jurisdicional com petente passa a conhecer da pretensão m anifestada pelo recorrente em sua petição de interposição do recurso. Sendo procedente tal pretensão (ou seja, tendo razão o recorrente em sua impugnação), dá-se provim ento ao recurso. Em caso contrário, nega-se provim ento ao mesmo.

A distinção en tre o juízo de adm issibilidade e o juízo de m érito é im ­portante por diversas razões, algumas das quais ficarão claras mais adiante,

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como, por exemplo, a produção do efeito de substitu ir ou invalidar a decisão recorrida, que apenas as decisões de m érito proferidas no julgam ento dos recursos são aptas a produzir. O utro ponto capaz de revelar a im portância desta distinção é o do m om ento da formação da coisa julgada. Sendo negativo o juízo de adm issibilidade, o provim ento que deixa de adm itir o recurso tem conteúdo m eram ente declaratório, lim itando-se a tornar certo que a decisão contra a qual se recorreu não adm itia mais im pugnação, e o trânsito em jul­gado da m esm a terá se dado no m om ento em que a m esm a se tenha tom ado irrecorrível, e não no m om ento do julgam ento do recurso. Assim , por exem­plo, in terposta apelação contra um a sentença após o térm ino do prazo legal, te rá a m esm a transitado em julgado no m om ento do térm ino daquele prazo, ainda que a decisão sobre a inadm issibilidade do recurso intem pestivo seja proferida m eses depois.

É de se lem brar que a fixação do m om ento em que se deu o trânsito em julgado de um a decisão é fundam ental para a verificação do term o inicial do prazo para ajuizam ento de "ação rescisória”, prazo este que, como sabido, é de dois anos a contar do trânsito em julgado da sentença rescindível.

O utro fator im portante na distinção entre adm issibilidade e m érito do recurso diz respeito à com petência para a rescisão das sentenças e acórdãos. Tendo sido adm itido o recurso (e, por conseguinte, tendo sido seu m érito ju l­gado), é a decisão do recurso, e não a decisão recorrida, que pode ser rescin­dida. Já na hipótese de se te r considerado o recurso inadmissível, permanece possível a propositura de "ação rescisória” com o fim de atacar a decisão im ­pugnada pelo recurso que se não adm itiu.

Assim , por exemplo, in terposta apelação contra um a sentença de m é­rito, e adm itido tal recurso, não se poderá mais pedir a rescisão da sentença, m as tão só do acórdão que julgou a apelação. Não se adm itindo o recurso, porém , perm anece a possibilidade de ajuizam ento de "ação rescisória” con­tra a sentença. Isto se reflete na determ inação do juízo com petente para o julgam ento da "ação rescisória”, e tem gerado problem as práticos de difícil solução. Pense-se, por exemplo, num recurso extraordinário contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de um Estado da Federação. Tendo o STF conhecido do recurso, será passível de rescisão o seu acórdão, tenha dado ou negado provim ento ao recurso. Já no caso de não se ter conhecido do recurso, passível de rescisão será o acórdão do tribunal estadual. Ocorre que o STF não era adepto desta precisão term inológica que aqui se defende, tendo sido incontável o núm ero de casos em que a Corte Suprem a afirm ou que "deixava de conhecer” de determ inado recurso quando, diante do rigor técnico que se exige daquele que exerce a função jurisdicional, a hipótese seria de se negar provim ento ao m esm o. Esta im precisão term inológica acabou por resultar no Enunciado n Q 249 da Súm ula da Jurisprudência D om inante do Suprem o Tribunal Federal, cujo teor é o seguinte: "É com petente o Suprem o Tribunal

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Federal para a ação rescisória quando, em bora não tendo conhecido de recur­so extraordinário, ou havendo negado provim ento a agravo, tiver apreciado a questão federal controvertida.” O enunciado contém um a contradição teórica insuperável: como se pode apreciar a questão subm etida a julgam ento se o recurso não foi adm itido? Isto se dava tão som ente em razão da imprecisão term inológica do STF, que afirmava "não conhecer” de um recurso quando, em verdade, a ele negava provim ento.21 Depois da elaboração da sétim a edição desta obra, porém , o Suprem o Tribunal Federal, em histórica sessão realizada em agosto de 2003, passou a decidir com a precisão term inológica que aqui sem pre se pregou, distinguindo de form a precisa os casos de não conhecim en­to dos casos de não provim ento do recurso extraordinário.

É de se afirmar aqui que seria impossível realizar um estudo sistem ático do juízo de mérito, já que seu conteúdo irá variar conforme o caso concreto. Registre-se, aliás, que o m érito do recurso não corresponde, necessariam ente, ao m érito da causa (bastando, para confirmar tal assertiva, que se pense na hi­pótese de recurso em que se pede a reform a de decisão que considerou ausente algum a das "condições da ação”: o m érito do recurso, consistente na pretensão de ver afirm ada a presença de todos aqueles requisitos, não se confunde, como parece claro, com o m érito da causa, isto é, com o objeto do processo).

É possível, porém , um a análise sistem ática do objeto da cognição exerci­da no juízo de admissibilidade, já que tal se compõe dos requisitos de adm is­sibilidade dos recursos. Tais requisitos se dividem em genéricos e específicos. Aqueles são, em linha de princípio, aplicáveis a todos os recursos (salvo exce­ção expressam ente prevista em lei), como, por exemplo, a tem pestividade e o interesse em recorrer, enquanto os requisitos específicos dizem respeito a um (ou alguns) recurso, como é o caso do prequestionam ento, requisito específico de adm issibilidade dos recursos excepcionais. Os requisitos específicos serão analisados quando do exame de cada um a das espécies de recurso. Passa-se, pois, ao exame dos requisitos genéricos de adm issibilidade dos recursos.

Não há, registre-se desde logo, consenso doutrinário quanto a quais se­jam estes requisitos e a um modo de classificá-los. Assim, por exemplo, há quem os classifique em requisitos intrínsecos e extrínsecos, sendo os prim ei­ros referentes à existência do direito de recorrer, e os segundos concernentes ao exercício de tal direito.22 O utros autores há que classificam tais requisitos em subjetivos (atinentes à pessoa que interpõe o recurso) e objetivos (concer­nentes ao recurso considerado em si próprio).23

21 Para m aiores considerações sobre o tem a, consulte-se José Carlos Barbosa M oreira, Que significa “não conhecer" de um recurso?, Revista de Direito Renovar, vol. III, p. 21 e seguintes.

22 Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 117.

23 Bermudes, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VII, p. 29.

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Parece preferível, porém , um a terceira forma de se encararem os requi­sitos de adm issibilidade dos recursos. Tendo-se em m ira que a interposição de um recurso constitui-se em ato de exercício do poder de ação, e que esse meio de im pugnação das decisões judiciais implica o desenvolvim ento do processo perante o órgão com petente para sua apreciação, entendo adequado considerar que se aplicam aos recursos, devidam ente adaptados, os conceitos de "condi­ções da ação” e de pressupostos processuais. Em outros term os, o que se quer aqui afirmar é que os requisitos de adm issibilidade dos recursos dividem-se em "condições dos recursos” e pressupostos recursais.

As "condições do recurso” são os requisitos exigidos para que se possa considerar legítimo o exercício do poder de ação nesta manifestação consisten­te na interposição do recurso. Os pressupostos recursais são os requisitos de existência e validade do recurso.24

Assim sendo, às "condições da ação” (legitimidade das partes, interes­se de agir, possibilidade jurídica da dem anda) correspondem as "condições do recurso” (legitimidade para recorrer, interesse em recorrer, possibilidade jurídica do recurso). Já aos pressupostos processuais (juízo investido de juris­dição, partes capazes e dem anda regularm ente formulada) correspondem os pressupostos recursais (órgão ad quem investido de jurisdição, recorrente com capacidade processual, regularidade formal do recurso).

Além disso, há que se recordar a existência dos im pedim entos proces­suais (como a coisa julgada, a litispendência, a convenção de arbitragem ), que vão encontrar institu to sim ilar nos im pedim entos recursais (fatos impeditivos do exercício do poder de recorrer, como a aceitação da sentença e a renúncia ao recurso). Passo, agora, à análise de cada um desses requisitos em separado.

1.3.1 “Condições do Recurso”

Como dito acima, as "condições do recurso” nada mais são do que pro­jeções das "condições da ação”, aplicadas a este especial ato de exercício do poder de ação que é o recurso. Assim sendo, há que se considerar aqui estas aplicações especiais da legitim idade das partes, do interesse de agir e da possi­bilidade jurídica da dem anda, que são a legitim idade para recorrer, o interesse em recorrer e a possibilidade jurídica do recurso.

A legitimidade para recorrer é conferida pelo art. 499 do CPC, que a atri­bui às partes, ao M inistério Público e ao terceiro prejudicado.

24 Adoto, pois, linha análoga à em pregada para classificar estes requisitos por Ada Pellegrini Grinover, A ntonio M agalhães Gomes Filho e A ntonio Scarance Fernandes, Recursos no processo penal, p. 73-75. No D ireito Comparado, encontra-se linha de pensam ento sem elhante sobre o tem a em M andrioli, Corso di diritto processuale civile, vol. II, p. 343-349.

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7 2 Lições de Direito Processual Civil • Câmara

O conceito de partes aqui em pregado é o de partes do processo, mais am plo que o de partes da dem anda. Q uer-se dizer, com isto, que não apenas dem andante e dem andado, m as todos aqueles que participam do procedi­m ento em contraditório podem in terpor legitim am ente um recurso. Assim sendo, além do au to r e do réu, podem recorrer (e a enum eração é exempli- ficativa) o assisten te sim ples e o qualificado, o nom eado à autoria, o litisde- nunciado, o arrem atante de um bem no processo executivo.

Pode ainda recorrer o M inistério Público, assim nos processos em que é parte da dem anda (o que já decorre da legitimidade conferida às partes para re­correr) como naqueles em que atua como fiscal da lei (art. 499, § 2Q, do CPC). Discute-se, em doutrina, a possibilidade de o M inistério Público interveniente, nos processos em que tal intervenção se dá por haver interesse de incapaz, poder recorrer contra decisão favorável aos interesses do mesmo. Parece-nos que sim. Não se pode adm itir que o M inistério Público, guardião dos interes­ses m aiores da sociedade, seja obrigado a calar diante da inadequada atuação da vontade concreta da lei ocorrida num processo onde é chamado a intervir como fiscal desta m esm a atuação. O M inistério Público não pode ser chamado a defender o mau direito, pois que sua função precípua não é a defesa dos in­teresses individuais de quem quer que seja, mas sim a dos interesses sociais.

Vale registrar, ainda, que no STJ firm ou-se o correto entendim ento (su- m ulado no verbete n Q 99) segundo o qual o M inistério Público tem legitim ida­de para recorrer nos processos em que atua como fiscal da lei m esm o que as partes não tenham recorrido.

Por fim, quanto ao recurso de terceiro prejudicado, trata-se de m odalida­de de intervenção de terceiro, razão pela qual o tem a foi abordado em passa­gem anterior desta obra, para onde rem eto o leitor.25

A segunda "condição do recurso” é o interesse em recorrer, que pode ser definido como a utilidade do provim ento pleiteado através do recurso.26 Impende, pois, que através do recurso o recorrente busque obter um a situação jurídica mais favorável do que aquela que é proporcionada pela decisão contra a qual o recurso se volta.27 Haverá utilidade no recurso interposto quando es­

25 Vale, de toda m aneira, fazer referência ao acórdão proferido pelo TJRJ no julgam ento do agravo de instrum ento ne 0051916-59.2009.8.19.0000, rei. Des. Alexandre Câm ara, j. em 7 /10 /2009 , em que se afirm ou na em enta que o cabim ento do recurso de terceiro “depende, além dos requisitos genéricos de adm issibilidade, da dem onstração de vínculo entre a relação jurídica deduzida no processo e a relação jurídica de que o terceiro participa".

26 A doto aqui um conceito de in teresse em recorrer que se aproxim a da definição por m im acei­ta de in teresse de agir. A utores há, porém , que definem o in teresse em recorrer de m odo diverso, com o é o caso de Barbosa M oreira, para quem o in teresse em recorrer é o binôm io utilidade + necessidade do recurso (Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, p. 265).

27 Falta in teresse em recorrer, por exemplo, quando se im pugna decisão proferida em audiên­cia prelim inar realizada em processo que segue o procedim ento sum ário, na qual se deu prazo

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tiverem presentes a necessidade de interposição do recurso e a adequação do recurso interposto.

Assim sendo, é preciso, para que haja interesse em recorrer, que a in ter­posição do recurso seja necessária. Significa isto afirm ar que som ente haverá interesse em recorrer quando o recurso for o único meio colocado à disposição de quem o interpõe, a fim de que alcance, dentro do processo, situação jurídica mais favorável do que a proporcionada pela decisão recorrida.

Este prim eiro com ponente do interesse em recorrer será mais facilmente com preendido com a apresentação dos exemplos seguintes. Ajuizada dem anda por Fulano em face de Beltrano, onde se pediu a condenação do dem andado ao cum prim ento de certa prestação, profere o juízo sentença de improcedência, declarando a inexistência de tal obrigação. A sentença gera, para o dem andan­te, um a situação jurídica desfavorável, já que afirm a inexistir o crédito por ele deduzido em juízo. A interposição de recurso contra tal sentença, como parece óbvio, faz nascer a possibilidade de tal decisão ser reformada, condenando-se o dem andado ao cum prim ento da obrigação. Não sendo interposto o recurso, porém, a sentença será alcançada pela autoridade de coisa julgada material, tornando-se imutável e indiscutível. Verifica-se, assim, que o recurso era o único meio, posto à disposição da parte vencida, de alcançar situação mais fa­vorável do que aquela proporcionada pelo provim ento judicial impugnado. É, pois, necessário o recurso.

O utra hipótese que se pode considerar é a de decisão que, num processo qualquer, indefere a produção de certa prova requerida por um a das partes. Esta decisão gera para a parte que havia requerido a produção da prova um prejuízo, o qual só irá desaparecer, alcançando a parte a situação jurídica que pretendia obter, se for interposto recurso contra aquele provim ento, sob pena de se dar a preclusão da questão decidida por pronunciam ento irrecorrido.

Há, porém, um caso a ser examinado separadam ente: pode acontecer de um a decisão judicial contrariar a súm ula vinculante do STF. Nesse caso é cabível o ajuizam ento de reclamação constitucional (verdadeira dem anda au­

ao au to r para m anifestar-se sobre a contestação, e se pede no recurso que tal m anifestação se dê na própria audiência preliminar. Ora, não há, evidentem ente, utilidade em um recurso que busca que certa m anifestação da parte aconteça em um a audiência que já havia sido encerrada (TJRJ, agravo de instrum ento n° 0048436-73.2009.8.19.0000, rei. Des. Alexandre Câm ara, j. em 11 /11/2009). Também falta in teresse em recorrer contra a sentença que fixa alim entos em um percentual sobre os ganhos líquidos do alim entante, quando o que se pede no recurso é que a base de cálculo dos alim entos seja a m esm a utilizada na sentença (TJRJ, apelação cível n° 0007741-87.2008.8.19.0202, rei. Des. Alexandre Câmara, j. em 4 /6 /2 0 0 9 ). Por fim, cite-se com o exem plo de ausência de in teresse em recorrer o que se teve no acórdão proferido pelo TJRJ no agravo de instrum ento ne 0007174-46.2009.8.19.0000, rei. Des. Alexandre Câm ara, j. em 4 /3 /2 0 0 9 , em que a parte recorreu para postu lar que não fosse invertido o ônus da prova, atacando um a decisão que não inverteu o ônus da prova.

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7 4 Lições de Direito Processual Civil • Câmara

tônom a de impugnação da decisão) diretam ente no STF. O fato de se adm itir a utilização desse meio de impugnação da decisão, porém , não impede a utiliza­ção do recurso, conforme expressam ente prevê o disposto no art. 7Q da Lei n°11.417/2006, que tem o seguinte teor: "Da decisão judicial ou do ato adm inis­trativo que contrariar enunciado de súm ula vinculante, negar-lhe vigência ou aplicá-lo indevidam ente caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal, sem prejuízo dos recursos ou outros m eios admissíveis de im pugnação.” Verifica- -se que neste caso haverá interesse em recorrer, ainda que o recurso não seja o único meio de im pugnação da decisão posto pelo sistem a processual à dispo­sição do interessado.

A presença do interesse-necessidade, porém, não exclui a exigência de verificação do interesse-adequação. Em outros term os, não basta, para que se caracterize o interesse em recorrer, que a interposição do recurso seja o único meio à disposição do legitimado a recorrer para que este possa alcançar situação mais favorável. É preciso ainda, para que o recurso possa ser admitido, que se tenha interposto o recurso adequado, ou seja, que se tenha interposto o recurso cabível contra o tipo de provim ento impugnado.

Como se verá com mais atenção quando do estudo das diversas espécies de recurso, nosso sistem a processual é, quanto à adequação dos m eios de im ­pugnação das decisões judiciais, bastante simples, apesar do grande núm ero de recursos existentes. Assim é que contra as sentenças (de qualquer teor) o recurso cabível é a apelação (art. 513 do CPC). Já contra as decisões interlocu- tórias cabe agravo (art. 522). O recurso cabível contra os acórdãos não unâni­m es proferidos em apelação que reformam sentença de m érito e contra os que dão pela procedência do pedido de rescisão form ulado em "ação rescisória” são os embargos infringentes (art. 530). Os dem ais acórdãos, em princípio, são impugnáveis por recurso especial e recurso extraordinário (art. 541), ressal­vadas as hipóteses de recurso ordinário (art. 539). Além disso, está previsto o recurso de em bargos de divergência (art. 546), cabível em hipóteses excepcio- nalíssim as. Por fim, não se pode esquecer dos em bargos de declaração, cabí­veis contra qualquer provim ento obscuro, contraditório ou om isso (art. 535).

Verifica-se, assim, que o campo de incidência de cada um dos recursos previstos em nosso ordenam ento processual é bastante bem delim itado pela lei, não surgindo m uito espaço para dúvidas quanto ao recurso cabível em cada hipótese.

Não se pode negar, porém , a possibilidade de haver um ou outro caso em que haja dificuldade de distinguir se o provim ento proferido é um a sentença ou um a decisão interlocutória, surgindo, assim, dúvida quanto a ser cabível na hipótese apelação ou agravo.28 Nessas situações, quando não tivesse havido

28 Não se podem adm itir dúvidas em outras hipóteses, já que os acórdãos são atos inconfun­díveis com os provim entos oriundos dos ju ízos singulares.

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Recursos 7 5

erro grosseiro ou má-fé, era usual aplicar-se o princípio da fungibilidade dos recursos, o que perm itia que o recurso inadequado fosse adm itido como se fora o adequado, em razão da dúvida objetiva existente quanto à natureza do provim ento atacado (entendendo-se por dúvida objetiva aquela decorrente de divergência doutrinária ou jurisprudencial acerca da m atéria).29

Ocorre que, em razão das reformas por que passou nosso Código de Processo Civil a partir de 1992, e mais especificamente a partir de 1995, com a edição da Lei nQ 9.139, de 30 de novem bro de 1995, que criou o atual siste­m a aplicável ao recurso de agravo, passei a entender que a fungibilidade entre apelação e agravo tom ara-se de aplicação impossível.30 Tal impossibilidade de­rivaria do fato de que a apelação é in terposta perante o juízo a quo, enquanto o agravo o é perante o tribunal ad quem . Assim, in terposta apelação em caso que seria de agravo, não poderia o juízo a quo aplicar a fungibilidade por não ser com petente para receber o agravo. O m esm o se daria, mutatis mutandis, para o caso de se in terpor agravo de instrum ento quando o caso seria de apelação, já que o órgão ad quem não tem com petência para receber a apelação.

Assim sendo, aum entariam as dificuldades nos casos em que permanece a dúvida quanto ao recurso adequado como meio de im pugnação de determ i­nado provimento, e se sugeria, como meio mais seguro de evitar a interposição de recurso que venha a ser alvo de juízo negativo de admissibilidade, que se pesquisasse o entendim ento predom inante acerca do tem a no tribunal que deverá apreciar a impugnação, o que se conseguiria através da pesquisa da jurisprudência da Corte.

Sustentei este entendim ento até a 14a edição deste volume das Lições. Após a elaboração desta, porém , m udei de posição e passei a sustentar o que aqui se passa a expor.

Ocorre que o entendim ento tradicional acerca da aplicação do princí­pio da fungibilidade entre recursos sem pre foi manifestação de um desvio de perspectiva. E era exatam ente essa perspectiva desviada que nos im pedia de aceitá-lo. É que, ao "receber um recurso como se fosse ou tro”, o que o Estado- -juiz faz, a rigor, não é considerar os recursos fungíveis, mas conversíveis. E o princípio aplicável não é o "princípio da conversibilidade”, mas o princípio da fungibilidade. Fungível, como se sabe, é aquilo que pode ser substituído por outro. Ora, ao receber a apelação como agravo (ou vice-versa), não se está a substitu ir um recurso pelo outro, m as se converte um recurso no outro. Não é disto, insista-se, que se tra ta quando da aplicação do referido princípio.

29 Sobre o princípio da fungibilidade, consulte-se N ery Júnior, Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos, p. 109-146, com profunda análise do tem a, incluindo-se a exposição de casos em que a fungibilidade seria cabível.

30 N este sentido, Greco Filho, Comentários ao procedimento sumário, ao agravo e à ação monitoria, p. 24-25.

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7 6 Lições de Direito Processual Civil • Câmara

Aplicar o princípio da fungibilidade significa adm itir o recurso in terpos­to, ainda que não fosse o adequado, no lugar do que deveria ter sido ajuizado, sem pre que o erro não puder ser considerado grosseiro. Assim, por exemplo, se a parte interpôs apelação, e não agravo, não se deve converter aquela neste, m as se receber a apelação interposta, e julgá-la como apelação que é, admi- tindo-se tal recurso como um substitu to do que norm alm ente se consideraria adequado. Do m esm o modo, interposto agravo em lugar de apelação, deve-se julgar o agravo, pelo procedim ento previsto para esta espécie recursal, não se lhe convertendo em apelação, que recurso interposto não é.

Como ensina, com m uita propriedade, a professora Teresa A rruda Alvim Wambier, "para que haja a fungibilidade, não h á a necessidade da possibilida­de de conversão de um a m edida na outra. Acho que a aplicabilidade plena, do princípio da fungibilidade, harm ônica e em conformidade com os Princípios Constitucionais, leva à necessidade de que o Judiciário aceite um a m edida por ou tra e não converta um a m edida na outra. Porque há m uitos casos em que os entraves procedim entais são m uitos e que essa conversão seria extrem am ente problem ática”.31 Aliás, há interessante decisão do STF que, em um caso em que a jurisprudência vacila entre ser admissível reclamação ou dem anda caute­lar, considerou-se que am bas são fungíveis e, por isso, qualquer das duas vias poderia ser adm itida (não se convertendo um a na outra, m as adm itindo-se a via eleita pela parte, qualquer que fosse ela).32

Nesses termos, portanto, é de ser adm itida a aplicação do princípio da fungibilidade entre apelação e agravo (e entre todos os outros rem édios pro­cessuais, de natureza recursal ou não), quando a interposição de um no lugar de outro se faça d iante de dúvidas objetivas, sem erro grosseiro ou má-fé.33

Im portante notar, por fim, que a dúvida objetiva alcança não só o nomen iuris do rem édio a ser utilizado, m as tam bém seus requisitos de adm issibilida­de, inclusive quanto ao prazo. Assim, por exemplo, no caso de se ter in terposta apelação no lugar do agravo, não se pode aplicar o princípio da fungibilidade para, posteriorm ente, se considerar o recurso inadmissível por intem pestivida- de. A aplicação do princípio da fungibilidade leva a que se adm ita a via utiliza­da, desde que presentes os seus próprios requisitos de adm issibilidade (e não os requisitos da ou tra via, que não foi em pregada).

Sendo necessária a interposição do recurso, e tendo sido interposto o meio de impugnação adequado (ou se for o caso de adm itir a via inadequa­

31 Teresa A rruda Alvim Wambier, O agravo e o conceito de sentença, Revista de Processo, vol. 144, p. 245.

32 STF, Rcl-AgR 3628/SP, rei. Min. Cezar Peluso, j. em 9 /5 /2006 .

33 Assim , por exemplo, há erro grosseiro, a im pedir a aplicação do princípio da fungibilidade re­cursal, no caso de se in terpor agravo de instrum ento para atacar um capítulo de sentença (como se deu no caso julgado pelo TJRJ no agravo de instrum ento n° 0060172-88.2009.8.19.0000, rei. Des. Alexandre Câm ara, j. em 25 /11 /2209).

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Recursos 7 7

da por aplicação do princípio da fungibilidade), haverá interesse em recorrer, fazendo-se presente, portanto, esta "condição do recurso”.

A terceira e últim a "condição” é a possibilidade jurídica do recurso, apli­cação da possibilidade jurídica da dem anda. Considera-se juridicam ente possí­vel o recurso quando o m esm o estiver previsto em lei.34 Assim, por exemplo, é juridicam ente impossível o recurso interposto contra despacho de m ero expe­diente (o qual é declarado irrecorrível pelo art. 504 do CPC). Da m esm a forma, é juridicam ente impossível recurso interposto contra a decisão interlocutória prevista no art. 519 do CPC, pela qual o juiz deixa de aplicar a deserção na ape­lação que não foi preparada por motivo legítimo, eis que tal decisão é tom ada irrecorrível pelo parágrafo único do m esm o art. 519.

Verifica-se, pois, que a possibilidade jurídica do recurso está ligada à recorribilidade do provim ento judicial que se quer impugnar, som ente se po­dendo considerar juridicam ente possível o recurso quando interposto contra provim ento que, em tese, adm ite recurso.

Assim, será tam bém juridicam ente impossível o recurso interposto con­tra decisão que já tenha sido coberta pela coisa julgada formal, pois que tal decisão é, como se sabe, irrecorrível.

1 .3 .2 P re ssu p o s to s R e c u rsa is

Assim como as "condições dos recursos”, m eras projeções das "condi­ções da ação”, os pressupostos recursais nada mais são do que a aplicação nesta sede dos pressupostos processuais. Busca-se, pois, nesta sede, a análise do órgão ad quem investido de jurisdição, das partes com capacidade processual nos recursos e da regularidade formal do recurso, projeções em grau de recurso do juízo investido de jurisdição, das partes capazes e da dem anda regularm en­te formulada.

Em prim eiro lugar, pois, é preciso - para a validade do recurso e do procedim ento por ele instituído - que o m esm o seja dirigido ao órgão ad quem investido de jurisdição para a hipótese. Como se sabe, a investidura do órgão judiciário na jurisdição decorre das regras constitucionais de distribuição do exercício desta função estatal (a cham ada "competência constitucional”).

É certo que, norm alm ente, este pressuposto recursal estará presente, já que a investidura na jurisdição deve ser observada desde a propositura da ação. Assim, por exemplo, ajuizada dem anda perante órgão da "Justiça Estadual”, quando a hipótese era de "com petência” da "Justiça Federal”, o processo já não se havia constituído validam ente em sua formação. De outro lado, ajuizada

34 Grinover e t al., Recursos no processo penal, p. 77.

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esta m esm a dem anda perante a "Justiça Federal”, órgão investido da jurisdição para a hipótese, o recurso norm alm ente será dirigido ao Tribunal Regional Fe­deral, órgão ad quem investido de jurisdição, estando assim respeitado o pres­suposto processual que ora se analisa.

Não se pode, porém, desprezar a possibilidade de a dem anda ser ajuizada perante juízo estadual, em hipótese em que este exerça "jurisdição federal” (art. 109, §§ 3 2 e 4Q, da Constituição da República), por não haver, no lugar, juízo federal. O recurso eventualm ente interposto contra suas decisões deverá ser dirigido ao Tribunal Regional Federal e seu encam inham ento ao Tribunal estadual implicará ausência deste pressuposto recursal, não devendo ser a im ­pugnação admitida.

O segundo pressuposto recursal é a capacidade processual das partes para o recurso. Trata-se, tam bém , de pressuposto cuja observância deve estar presente desde o m om ento da formação do processo, o que dim inui a im por­tância de sua análise em grau de recurso. Assim, por exemplo, a parte que não tenha capacidade para estar em juízo não pode recorrer. Essas observações nos levariam, norm alm ente, à repetição de um a série de obviedades, não fosse a possibilidade, que não pode deixar de ser considerada, de alguém estar pos­tulando desacom panhado de advogado perante os Juizados Especiais Cíveis,35 pretendendo interpor recurso contra a sentença ali proferida. Dispõe o art. 41, § 2Q, da Lei nô 9.099/1995 que nos recursos as partes serão necessariam ente acom panhadas por advogado. A interposição de recurso nesses casos, sem que seja o m esm o subscrito por advogado, deverá levar o órgão ad quem a proferir decisão negativa no juízo de adm issibilidade do recurso, por faltar este pressu­posto processual, consistente na exigência de capacidade processual das partes no recurso.

Por fim, m as não m enos im portante, o últim o pressuposto recursal é a regularidade formal do recurso. Este pressuposto recursal tem um a série de desdobram entos que devem ser, aqui, observados. O prim eiro é a exigência de form a escrita para a interposição do recurso. N osso direito processual civil só adm ite a interposição de recurso contra decisões judiciais através de petição escrita.36 A única exceção a esta regra é a contida no § 32 do art. 523 do CPC, que adm ite a interposição oral de agravo retido contra as decisões in terlocutórias proferidas em audiência, m as m esm o neste caso o recurso deverá, de im ediato, ser reduzido a term o escrito pelo escrivão.37

35 Em bora considere inconstitucional o dispositivo que perm ite a ida da parte a juízo sem acom panham ento de advogado na h ipótese prevista no art. 9° da Lei n° 9 .099/1995, não se pode ignorar que, na prática, o Judiciário tem adm itido a capacidade postu latória a todas as pessoas nos Juizados Especiais Cíveis, quando o valor da causa não ultrapassar 20 salários-m ínim os.

36 Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 119.

37 Sobre a interposição oral do agravo retido, de que se tra tará adiante com m ais cuidado, A thos G usm ão Carneiro, O novo recurso de agravo e outros estudos, p. 31-34.

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Recursos 79

O utro aspecto a ser considerado é a exigência de fundam entação. A pe­tição de interposição do recurso deve conter as razões do pedido de nova deci­são.38 É de se notar que, em bora a exigência seja de que da petição de in terpo­sição do recurso constem as razões pelas quais o m esm o é oferecido, a praxe forense consagrou a utilização de duas petições, apresentadas sim ultaneam en­te, um a para interpor o recurso e ou tra para apresentar os seus fundam entos. Essa duplicidade de petições, em bora desnecessária e inexplicável do ponto de vista da simplicidade das formas, não leva, porém , à inadm issibilidade do recurso, já que, com base no que dispõe o art. 154 do CPC (princípio da ins- trum entalidade das formas), os atos processuais são válidos, ainda que não obedeçam à form a prescrita em lei, quando atingem sua finalidade essencial.

Terceiro aspecto a ser considerado na análise da regularidade formal é o da tem pestividade do recurso.39 A lei processual im põe prazos a serem obser­vados para a interposição de recursos. O decurso do prazo sem que o recurso seja interposto implica preclusão tem poral, com o conseqüente trânsito em julgado do provim ento judicial irrecorrido.

Como regra, em nosso processo civil, o prazo de interposição do recurso é de quinze dias (art. 508 do CPC). Encontra-se, no texto do CPC, porém, um a série de exceções a esta regra, como é o caso do agravo (prazo de dez dias - art. 522; ou de cinco dias - arts. 532, 545 e 557, § 1Q) e dos em bargos de declaração (cinco dias - art. 536). Além disso, outras exceções podem ser encontradas em legislação extravagante.

Por fim, o últim o aspecto a ser considerado genericam ente como in te­grante da regularidade formal dos recursos é o preparo, isto é, o pagam ento das custas processuais devidas em razão da interposição deste m eio de im pug­nação das decisões judiciais. Como regra, os recursos estão sujeitos a preparo, estando as exceções previstas na lei (como é o caso do agravo retido - art. 522, parágrafo único) ou na legislação estadual (como se dá, por exemplo, no Esta­do do Rio de Janeiro, com os em bargos infringentes).

D eterm ina o CPC (art. 511) que o preparo deve ser comprovado no ato da interposição do recurso, sob pena de se te r o m esm o como deserto.40 Adota-

38 Nery Júnior, Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos, p. 310.

39 Consideram a tem pestividade como elem ento in tegrante da regularidade formal Grinover et al. Recursos no processo penal, p. 98.

40 A doutrina dom inante considera que a deserção (sanção decorrente da falta de preparo do recurso) incide se a comprovação do preparo não for feita no ato de interposição do recurso. N este sentido, N elson Nery Júnior, Atualidades sobre o Processo Civil, p. 128; J. E. Carreira Alvim, Código de Processo Civil reformado, p. 180; Alexandre Freitas Câmara, Lineamentos do novo Processo Civil, p. 94. Contra, entendendo que o preparo pode ser comprovado depois da interposição do recurso, desde que ainda dentro do prazo para sua interposição, Cândido Rangel Dinam arco, A reforma do Código de Processo Civil, p. 164.

O Superior Tribunal de Justiça aprovou enunciado (n* 484) no sentido de que se adm ite o preparo feito no prim eiro dia útil subsequente à interposição do recurso se esta se der após

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-se, assim, o sistem a do "preparo im ediato”, ou "preparo sim ultâneo”. Obvia­m ente, a falta de comprovação do preparo (ou m esm o de sua realização) por motivo legítimo não pode ter como conseqüência a deserção, devendo esta sanção ser relevada (art. 519 do CPC, que, em bora se refira à apelação, é apli­cável genericam ente a todos os recursos). Basta pensar na hipótese de o prazo para interposição do recurso transcorrer durante período de greve do banco arrecadador das custas processuais. Tal greve não tem o condão de suspender o prazo recursal, mas im pede o recolhim ento das custas devidas em razão da in­terposição do recurso. Assim sendo, deverá o recurso ser interposto, cabendo ao recorrente expor as razões que o im pediram de prepará-lo. Deverá o juízo que receber o recurso, em decisão fundam entada (e irrecorrível - art. 519, pa­rágrafo único), considerando legítimo o im pedim ento, deixar de aplicar a pena de deserção, fixando novo prazo para a realização e comprovação do preparo.

D eterm ina o § 2Q do art. 511 (inserido na legislação processual pela Lei nQ 9.756/1998) que a insuficiência de preparo tam bém implica deserção se, in­timado, o recorrente não com plem entar o recolhim ento das custas no prazo de cinco dias. Significa isto dizer que, se no m om ento da interposição do recurso o recorrente comprova que efetuou o preparo, m as o valor recolhido é inferior ao adequado, não se pode declarar deserto o recurso de imediato, devendo-se determ inar a intimação do recorrente para que, no quinquídio, com plem ente o recolhim ento. O transcurso in albis deste prazo de cinco dias é que terá como conseqüência, aí sim, a deserção.

1 .3 .3 Im p e d im e n to s R e c u rsa is

Os im pedim entos recursais, como dito anteriorm ente, são fatos cuja presença tom a vedada a interposição do recurso. N a hipótese de se interpor recurso em processo onde se tenha dado algum dos im pedim entos, deverá ser proferido juízo negativo de adm issibilidade do mesmo, que não poderá te r seu m érito apreciado pelo órgão ad quem .

O prim eiro im pedim ento recursal é a renúncia. Permite-se às partes que renunciem à faculdade de recorrer contra determ inada decisão judicial já pro­

o encerram ento do expediente bancário. Com todas as vênias devidas, esse entendim ento é inaceitável. O expediente bancário sem pre se encerra antes do expediente dos protocolos forenses. Com a inform atização do processo judicial, então, o recurso pode ser interposto, por m eios eletrônicos, até o ú ltim o m inuto do últim o dia do prazo. A exigência da lei é a de que o preparo seja comprovado no m om ento da interposição. Assim , tem o recorrente de recolher as custas antes da interposição do recurso e, no m om ento em que recorre, apenas com provar que já efetuou o preparo. N a prática, o en tendim ento do STJ am plia o prazo para comprovação do preparo em um dia e cancela o sistem a de preparo sim ultâneo adotado pelo CPC.

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Recursos 81

ferida.41 A renúncia é ato unilateral, o que significa dizer que sua eficácia inde­pende de aceitação pela parte contrária.42

Discute-se em doutrina a possibilidade de a parte que renunciou ao poder de recorrer interpor recurso adesivo. Em outros termos: tendo havido sucum- bência recíproca e tendo um a das partes manifestado sua renúncia ao poder de recorrer, poderá ela interpor recurso adesivo, na hipótese de a outra parte interpor recurso independente? Parece-nos que não, em bora nos pareça possível a renúncia parcial ou com ressalva.43 Ao renunciar, a parte está abrindo mão de seu poder de recorrer, o que impede o seu exercício, por qualquer forma. Não pode, assim, a parte que renunciou interpor recurso, nem principal, nem adesivo. Nada impede, porém, que a parte renuncie ao poder de interpor recur­so independente, ressalvando que m antém consigo o poder de interpor recurso adesivo, se a outra parte interpuser recurso principal.

O utro im pedim ento recursal é a desistência do recurso já interposto. Di­fere da renúncia, essencialm ente, por ser posterior à interposição do recurso, enquanto a renúncia se dá, necessariam ente, antes de o m esm o ser oferecido.44 Também a desistência independe, para produzir efeitos, de consentim ento da parte contrária.45

Não se confundem os im pedim entos anteriores com a aceitação da de­cisão, regulada no art. 503 do Código de Processo Civil. Ocorre a aceitação da decisão, que pode ser expressa ou tácita, quando a parte pratica ato incom ­patível com a vontade de impugná-la. Assim, por exemplo, a afirmação, por petição escrita (ou oralm ente, na audiência de instrução e julgam ento, logo após a prolação da sentença) de que a parte aceita a decisão proferida, a ela se sujeitando. Tem-se, nestes casos, aceitação (ou aquiescência) expressa. Aceita­ção tácita haverá se a parte, por exemplo, cum prir a condenação antes m esm o de a sentença se tom ar exeqüível (assim, por exemplo, o réu condenado que, proferida a sentença, paga seu débito).

41 A doutrina dom inante no Brasil é refratária à possibilidade de renúncia prévia ao recurso, ou seja, não se adm ite renúncia a recurso contra decisão que ainda não foi proferida. N esse sentido, que m e parece o m ais adequado, pronunciam -se, en tre outros, Barbosa M oreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, p. 306; Bermudes, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VII, p. 84. Contra, adm itindo a renúncia prévia, Nery Júnior, Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos, p. 334.

42 Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, vol. II, p. 305.

43 No sentido do texto, Barbosa M oreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, p. 308. Em sentido contrário, defendendo posição que se revela com o dom inante na dou trina pátria (em bora com ela, data venia, não concorde), Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. I, p. 561; Berm udes, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VII, p. 85; José Afonso da Silva, Do recurso adesivo no processo civil brasileiro, p. 171.

44 Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. I, p. 560.

45 Frederico M arques, Manual de direito processual civil, vol. III, p. 133.

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8 2 Lições de Direito Processual Civil • Câmara

Também a aceitação da decisão é ato unilateral, independendo de con­sen tim ento da parte adversária. Pode, porém , ocorrer antes da interposição do recurso, ou m esm o após, enquanto a im pugnação estiver pendente de julgam ento.

A apelação - e isto será examinado detidam ente no m om ento próprio - se subm ete a um requisito específico de adm issibilidade que tam bém assum e a natureza de im pedim ento recursal: a súm ula impeditiva (art. 518, § 1Q). D isto se tratará, porém , adiante.

1.4 Efeitos dos Recursos

Os recursos produzem dois tipos de efeitos: efeitos da interposição e efeitos do julgam ento. São estes efeitos que passo a analisar.

A doutrina costum a apontar três efeitos da interposição dos recursos: um deles, im pedir o trânsito em julgado, é com um a todos os recursos adm is­síveis. Já os outros dois (efeitos devolutivo e suspensivo) podem ou não se produzir, diferindo os recursos entre si quanto à sua produção.

O prim eiro efeito da interposição dos recursos é, pois, im pedir o trânsito em julgado da decisão recorrida.46 Trata-se de efeito com um a todos os recur­sos admissíveis, razão pela qual é com um que se esqueça do m esm o, fazendo- -se referência à produção ou não pelo recurso de "duplo efeito” (expressão que faz referência aos outros dois efeitos: devolutivo e suspensivo).

Este prim eiro efeito, porém, é im portante por diversos aspectos, como o de determ inar o term o inicial do prazo para ajuizam ento de "ação rescisória” e a natureza provisória ou definitiva da execução de decisão (já que se considera provisória a execução fundada em sentença ainda não transitada em julgado).

Recorde-se, porém, que apenas os recursos admissíveis produzem este efeito. Sendo negativo o juízo de admissibilidade, tal decisão terá conteúdo m eram ente declaratório, e o trânsito em julgado já terá ocorrido anteriorm ente à decisão que deixou de adm itir o recurso.

46 Barbosa Moreira, O novo processo civil brasileiro, p. 122. Interessante no tar que, para outro notá­vel estudioso do tem a, a interposição do recurso não im pede, m as tão som ente adia o trânsito em julgado. N este sentido, Nery Júnior, Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos, p. 176. Preferí­vel afirmar, a m eu juízo, que a interposição de recurso admissível im pede o trânsito em julgado da decisão, um a vez que o provim ento im pugnado será, com o se verá adiante, anulado (hipótese em que tal provim ento desaparece e outro será proferido em seu lugar) ou substitu ído (caso em que o julgam ento do recurso passa a ocupar o lugar antes ocupado pela decisão recorrida). Tanto num caso como no outro, o que poderá transitar em julgado é a nova decisão, e não o provim ento recorrido, razão pela qual parece-me preferível afirm ar que a interposição de recurso admissível im pede o trânsito em julgado da decisão recorrida.

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O segundo efeito da interposição dos recursos é o efeito devolutivo. Con­siste tal efeito em transferir, para órgão diverso daquele que proferiu a decisão recorrida, o conhecim ento da m atéria im pugnada.47

O presente efeito está ligado ao brocardo rom ano tantum devolutum quan- tum apellatum e consiste em levar ao órgão ad quem o conhecim ento do que foi objeto de im pugnação.48 O efeito devolutivo é manifestação do princípio dispositivo,49 já que perm ite à parte estabelecer os lim ites dentro dos quais o órgão ad quem poderá apreciar a pretensão manifestada.

Q uer-se dizer, com isto, que o órgão ad quem está adstrito ao que tiver sido objeto de im pugnação através do recurso, não podendo julgar extra, ultra ou citra petita. Devolve-se ao órgão ad quem aquilo que foi objeto de im pugna­ção (salvo, obviamente, as m atérias que, por força de lei, poderão ser aprecia­das de ofício pelo órgão ad quem, como é o caso das questões de ordem pública - art. 267, § 3Q, do CPC - e de outras previstas em lei).

Assim, por exemplo, em dem anda ajuizada por Fulano em face de Bel­trano, em que aquele pede a condenação deste ao pagam ento de cem mil reais, sendo o pedido julgado improcedente, pode o dem andante recorrer pedindo a reform a da sentença, para que se condene o réu a pagar o itenta mil reais. Terá o apelante, assim, lim itado a devolução operada pelo recurso, e o tribunal, em sua apreciação, não poderá reform ar a sentença para condenar o dem andado a pagar os cem mil cobrados originariam ente, ficando lim itado pelo pedido for­m ulado no recurso. O órgão ad quem, repita-se, pode conhecer apenas daquilo que foi objeto de impugnação.

Só se opera o efeito devolutivo quando o órgão ad quem é diverso do órgão a quo. Há recursos, porém, em que a lei atribui competência ao próprio órgão a quo para que os julgue. É o que se dá, por exemplo, nos embargos de declaração. N estes casos, não se produz o efeito devolutivo.50

Há, além disso, recursos cujo efeito devolutivo é diferido, ou seja, a trans­ferência do conhecim ento da m atéria im pugnada não se dá de imediato, mas

47 Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 123.

48 Confira-se o que foi dito na em enta do acórdão proferido pelo TJRJ no julgam ento do agravo de instrum en to n° 0017730-10.2009.8.19.0000, rei. Des. Alexandre Câm ara, j. em 9 /9 /2009: "D ireito processual civil. Em bargos de declaração contra acórdão que julgou agravo interno in terposto contra decisão que conferiu efeito suspensivo a agravo de instrum ento . Afirmada om issão por não te r sido apreciada alegação de preclusão da faculdade de in terpor o agravo de instrum ento . M atéria não incluída no efeito devolutivo do recurso já julgado, que só leva ao colegiado o reexame da decisão im pugnada. Aplicação da parêm ia tantum devolutum quantum appellatum. Recurso a que se nega provim ento."

49 Nery Júnior, Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos, p. 361.

50 Barbosa Moreira, O novo processo civil brasileiro, p. 123. Em sentido contrário, entendendo que o efeito devolutivo se produz m esm o que o julgam ento do recurso seja da com petência do m esm o órgão que proferiu a decisão recorrida, M endonça Lima, Introdução aos recursos cíveis, p. 286.

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apenas após algum tem po ou após o decurso de algum a fase do processo. É o que ocorre com o agravo retido, que, um a vez interposto, não é im ediatam ente subm etido ao órgão ad quem, que dele só tom ará conhecim ento mais adiante, quando do julgam ento da apelação.

Im portante conseqüência do efeito devolutivo é que, por lim itar a cog- nição a ser exercida pelo órgão ad quem ao que foi objeto de impugnação, tal efeito da interposição do recurso faz presente, no direito brasileiro, o princípio da personalidade dos recursos.51 Isso significa dizer que o recurso só aproveita ao recorrente, não podendo beneficiar a parte que não interpôs recurso.

Proíbe-se, assim , a reformatio in peius, ou seja, a reform a para pior. Em outros term os, não se pode, no julgam ento de um recurso, agravar a situação de quem recorreu em benefício de quem não recorreu. Por exemplo, profe­rida sentença que condenou o réu a pagar um a certa quantia em dinheiro, e tendo ele in terposto recurso, não poderá o tribunal, ao apreciar a im pugna­ção por ele in terposta, aum entar o valor da condenação, piorando a situação de quem recorreu, em benefício de quem não havia m anifestado insatisfação com a decisão im pugnada.52

Por fim, há que se fazer referência ao efeito suspensivo, que costum a ser incluído, em sede doutrinária, en tre os efeitos da interposição dos recur­sos (o que, como se verá adiante, não corresponde à realidade).

Consiste esse efeito em não perm itir que a decisão recorrida produza efeitos antes do julgam ento do recurso.53 Tal efeito pode se produzir qualquer que seja a eficácia da decisão recorrida, im pedindo a produção de efeitos decla- ratórios, constitutivos ou condenatórios.54

Em outros term os, antes do julgam ento de recurso que produza esse efeito, a eficácia da decisão im pugnada fica tolhida. Exemplificando, poder-se- -ia aventar a hipótese de um a sentença que condenasse o réu a determ inada prestação, m as que, sujeita a recurso com efeito suspensivo, não poderia em- basar um processo de execução (ainda que se tratasse de execução provisória). Da m esm a forma, a sentença que declara que a parte adquiriu um imóvel por usucapião não pode ser levada a registro no ofício do registro de imóveis en­quanto sujeita a recurso com efeito suspensivo, já que sua eficácia declaratória encontra-se tolhida.

É de se notar que o efeito suspensivo, em verdade, não se produz com a interposição do recurso. As decisões sujeitas a "recurso suspensivo” já não

51 Sobre este princípio, Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 123.

52 Sobre a proibição da reformatio in peius, Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, vol. III, p. 114-115.

53 Frederico M arques, Manual de direito processual civil, vol. III, p. 118.

54 Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. I, p. 567.

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produzem efeitos desde o m om ento em que proferidas. A interposição do re­curso não im pede sua eficácia, mas tão som ente prolonga o estado de ineficá­cia em que aquelas decisões se encontram . Em outros term os, a interposição de "recurso suspensivo” apenas faz subsistir o óbice à produção dos efeitos da decisão que existia desde o m om ento em que a m esm a foi proferida.55 É nesse sentido que se afirma, em boa doutrina, que o efeito suspensivo não é efeito da interposição do recurso, mas sim efeito da recorribilidade.56 O que se quer dizer é que o m ero fato de a decisão ser recorrível através de "recurso suspensivo”, isto é, estar sujeita a recurso dotado deste efeito, já é capaz de im pedir a produção de seus efeitos. Uma vez interposto o recurso, esse estado de ineficácia perm anece até o julgam ento da impugnação. Decorrido o prazo previsto em lei sem que o recurso seja interposto, a decisão poderá, aí sim, passar a produzir efeitos.

Entender de outro modo seria adm itir que a decisão produzisse efeitos entre sua publicação e a interposição do recurso, adm itindo-se, mesmo, o iní­cio de um a execução provisória entre aqueles dois term os, o que repugna ao sistem a processual brasileiro.

É de se dizer que em nosso sistem a a regra é que os recursos sejam do­tados de efeito suspensivo.57 Assim sendo, a existência de recurso desprovido deste efeito resultará sem pre de expressa previsão legal (assim, por exemplo, no caso do recurso extraordinário - art. 542, § 2Q, do CPC). Silente a lei, é de se considerar que o recurso produz efeito suspensivo (assim, por exemplo, quanto aos em bargos infringentes).

O sistem a em pregado no Brasil, pelo qual se atribui, em regra, efeito suspensivo aos recursos, não é o único existente. Assim é que, e. g .t na Itália, os recursos são, em princípio, desprovidos de tal efeito, o qual só se produzirá se conferido pelo juiz, o que só se dará quando houver risco de que a imediata produção de efeitos pela decisão recorrida acarrete danos de difícil ou im pos­sível reparação.58 Esse sistem a, frise-se, não é totalm ente estranho ao D ireito brasileiro, um a vez que é o adotado nos Juizados Especiais Cíveis (art. 43 da Lei nô 9 .099/1995).59 É de se dizer, aliás, que este parece ser o m elhor sistema, pois perm ite a im ediata produção de efeitos da decisão, im pedindo (ou, ao

55 Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 122-123.

56 Nery Júnior, Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos, p. 377.

57 Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 123.

58 Sobre o sistem a em pregado no D ireito italiano, M andrioli, Corso di diritto processuale civile, vol. II, p. 342; Sergio La China, Diritto processuale civile: la novella dei 1990, p. 70-71; Luigi Paolo Comoglio, Lesecuzione P row isoria delia Sentenza di Prim o Grado, in Le riforme delia giustizia civile, M ichele Taruffo (coord.), p. 363 e seguintes.

59 Sobre a adoção deste sistem a nos Juizados Especiais Cíveis, Alexandre Freitas Câmara, Dos procedimentos sumário e sumaríssimo, p. 107.

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m enos, desestim ulando) a interposição de recursos protelatórios, os quais são interpostos tão som ente com o fim de im pedir que a decisão produza efeitos de imediato, protelando, assim, o início da execução forçada. Além disso, o sistem a adotado na Itália e nos Juizados Especiais Cíveis brasileiros valoriza a sentença de prim eiro grau, que num sistem a em que os recursos têm efeito suspensivo acaba se tom ando m era formalidade necessária para que o proces­so possa chegar ao segundo grau de jurisdição.

Além dos efeitos da interposição (e do efeito da recorribilidade, que é o efeito suspensivo), h á que se exam inarem os efeitos do julgam ento dos re­cursos. Estes podem ser dois: substitu ir ou anular o provim ento recorrido. Frise-se, porém , e desde logo, que o julgam ento do recurso produzirá, apenas, um destes dois efeitos possíveis, não se adm itindo que am bos se produzam sim ultaneam ente.60

Deve-se afirmar desde logo que os efeitos do julgam ento a que me refiro neste passo são, obviamente, os efeitos do julgam ento do m érito do recurso.61 Isso porque, se o resultado do julgam ento do recurso foi no sentido de consi- derá-lo inadmissível, o efeito de tal decisão será tom ar certo que o provim ento recorrido já transitara em julgado.

Ao se julgar o m érito do recurso, diversas situações podem ocorrer:

a) nega-se provim ento ao recurso;b) dá-se provim ento ao recurso, para reform ar a decisão recorrida

(caso de error in iudicando);c) dá-se provim ento ao recurso para invalidar a decisão recorrida

(caso de error in procedendo).

Nas duas prim eiras hipóteses o julgam ento do recurso substitu i a deci­são recorrida, enquanto na últim a o julgam ento do recurso anula o provim ento impugnado.

Não parece difícil entender por que na hipótese sub c o efeito do ju l­gam ento do recurso consiste em anulação do provim ento recorrido. Nas hi­póteses em que se recorre sob o fundam ento de error in procedendo, provido o recurso (e, portanto, reconhecido o vício contido na decisão im pugnada), h á de se produzir o efeito consistente em retirar do m undo jurídico a decisão viciada, determ inando-se que outra seja proferida em seu lugar. Isto nada mais é do que anular aquela prim eira decisão.

Da m esm a forma, na hipótese descrita sub b não há m aiores dificuldades em verificar que ocorre substituição da decisão recorrida pelo provim ento pro­ferido no julgam ento do recurso. Interposto recurso sob o fundam ento de error

60 Nery Júnior, Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos, p. 415-416.

61 Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 128.

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in iudicando, e provida a impugnação, a nova decisão reform a a anterior, pare­cendo claro que a decisão do órgão ad quem prevalece sobre a do juízo a quo.

Talvez mais difícil de se com preender seja o efeito do julgam ento do re­curso quando a este se nega provimento. N essa hipótese, a prática forense con­sagrou a afirmação de que a decisão recorrida estaria sendo "confirm ada”. Esta "confirmação”, porém, não ocorre. Nesse caso, a nova decisão, de teor idêntico ao da decisão recorrida, substitu i aquela, pela sim ples razão de que não podem conviver duas decisões sobre a m esm a questão no m esm o processo. Prolatada um a decisão sobre determ inada questão, e contra ela interposto recurso sob o fundam ento de que a m esm a conteria um error in iudicando, a decisão do tribu­nal que negue provim ento ao recurso, dando à questão solução idêntica à que deu o órgão a quo, não poderá conviver com aquela prim eira decisão, a qual é substitu ída pelo provim ento proferido no julgam ento do recurso.62

1.5 Recurso Adesivo

Dispõe o art. 500 do CPC que "cada parte interporá o recurso, indepen­dentem ente, no prazo e observadas as exigências legais. Sendo, porém , venci­dos autor e réu, ao recurso interposto por qualquer deles poderá aderir a outra parte. O recurso adesivo fica subordinado ao recurso principal e se rege pelas disposições seguintes:

I - será interposto perante a autoridade com petente para adm itir o recurso principal, no prazo de que a parte dispõe para responder;II - será admissível na apelação, nos embargos infringentes, no recur­so extraordinário e no recurso especial;III - não será conhecido, se houver desistência do recurso principal, ou se for ele declarado inadmissível ou deserto.Parágrafo único. Ao recurso adesivo se aplicam as m esm as regras do recurso independente, quanto às condições de admissibilidade, prepa­ro e julgam ento no tribunal superior.”

Tal artigo afirma, em prim eiro lugar, que cada parte pode recorrer de form a autônom a, sendo seu recurso independente em relação ao da parte ad­versária. Prevê, porém, o dispositivo a possibilidade de que, em ocorrendo "su- cum bência recíproca”, ou seja, em sendo parcialm ente vencidos dem andante e dem andado, seja interposto recurso adesivo.

Ocorre sucum bência recíproca quando dem andante e dem andado são parcialm ente vencedores e vencidos em suas pretensões.63 Não se confunde a

62 Q uanto a este efeito substitutivo em caso de "confirm ação” da decisão, confira-se N ery Jú­nior, Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos, p. 416.

63 Paulo Cezar Aragão, Recurso adesivo, São Paulo: Saraiva, 1974, p. 1.

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sucum bência recíproca com a sucum bência parcial. Assim, por exemplo, pro­posta dem anda por Fulano em face de Beltrano e Sicrano, pedindo o autor a condenação de am bos ao cum prim ento de certa obrigação, e prolatada sen ten­ça em que se condenou o prim eiro réu, julgando-se im procedente o pedido form ulado em face do segundo dem andado, tem -se sucum bência parcial, sem que tenha havido qualquer no ta de reciprocidade.64

Requisito prim eiro para que possa haver recurso adesivo, pois, é a su ­cum bência recíproca. É o que se tem, por exemplo, quando Fulano dem anda em face de Beltrano, pedindo sua condenação ao pagamento de dez mil reais, oferecendo o réu contestação para alegar que nada deve ao autor, e a sentença julga o pedido procedente em parte, para condenar o réu a pagar ao au to r a quantia de sete mil reais. N este caso, tan to o autor como o réu terão sucum ­bido (já que nenhum dos dois viu a sentença atender inteiram ente aos seus interesses), sendo parcialm ente vencedores e vencidos. Admite-se, nesta h ipó­tese, recurso adesivo.

É preciso ficar claro desde logo, porém , que o recurso adesivo não é um a espécie de recurso, mas um a form a de interposição de alguns recursos (enum erados no art. 500, II, do CPC).65 O que adm ite a lei é que a apelação, os em bargos inffingentes, o recurso especial, o recurso extraordinário (e, apesar do silêncio da lei, o recurso ordinário)66 sejam interpostos pela via principal, independente, ou pela via adesiva.

Pode-se definir o recurso adesivo como "o incidente que surge em caso de sucum bência recíproca, no procedim ento recursal instaurado por um dos litigantes, em virtude de exercer tam bém a ou tra parte, posterior e subordina- dam ente, o direito de recorrer” .67 O recurso adesivo é instrum ento colocado à disposição daquela parte que, na hipótese de sucum bência recíproca, coloca- -se na posição de aceitar a decisão, não interpondo recurso contra ela, sob a condição de que a ou tra parte tam bém não recorra. Não existindo o recurso adesivo, seria esta parte levada a recorrer para, após verificar que a ou tra parte não recorreu, desistir do recurso interposto. Com a previsão, em nosso siste­ma, do recurso adesivo, aquela interposição precipitada do recurso não mais ocorre, podendo a parte aguardar tranquilam ente o prazo para interposição do recurso principal e, na hipótese de seu adversário recorrer, aí sim oferecer o recurso adesivo.

64 No sentido do texto, Aragão, Recurso adesivo, p. 1, no ta de rodapé n° 3. Em sentido diverso, confundindo (a m eu ver, de m odo inaceitável) sucum bência recíproca com sucum bência parcial, Silva, Do recurso adesivo no processo civil brasileiro, p. 122.

65 Nery Júnior, Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos, p. 48.

66 D inam arco, A reforma do Código de Processo Civil, p. 213; F reitas Câm ara, Lineamentos do novo processo civil, p. 91.

67 Frederico M arques, Manual de direito processual civil, vol. III, p. 221.

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Recursos 8 9

O recurso adesivo é, pois, um recurso subordinado ao recurso principal interposto pela outra parte,68 o que significa dizer que é um verdadeiro recurso acessório.69 Assim sendo, aplica-se aqui a regra segundo a qual o acessório se­gue o principal. Em outros termos, não sendo admitido (por qualquer razão) o recurso principal, inadmitido será, também, o adesivo. Assim, por exemplo, se o órgão ad quem não conhecer do recurso principal por ser intempestivo, também não se poderá apreciar o m érito do recurso adesivo, transitando assim em jul­gado a decisão recorrida. Note-se que isso não prejudica os interesses daquele que recorreu adesivamente, pois que ele optou por recorrer apenas em razão do recurso oferecido pela parte adversária. Não tivesse este recorrido e a decisão transitaria em julgado, que é exatam ente o que se dá na hipótese de o recurso adesivo não ser apreciado por ter sido julgado inadmissível o recurso principal.

O recurso adesivo pode ser interposto no prazo de que a parte dispõe para responder ao recurso principal (ou seja, no prazo para oferecer suas contrarra­zões). Não se pense, por isso, que o oferecimento de recurso adesivo tom a dis­pensável o oferecimento das contrarrazões. Cada um destes atos tem finalidade distinta. Pense-se, por exemplo, num a sentença que tenha condenado o réu a pagar ao autor um a certa som a em dinheiro, mas julgado im procedente o outro pedido formulado pelo dem andante, de condenação à entrega de certa coisa móvel. Interposto recurso pelo dem andado, deverá o autor oferecer contrarra­zões, com o fim de pleitear a m anutenção do resultado prático já alcançado com a sentença, ou seja, com a "confirmação” (rectius, com a prolação de decisão de idêntico teor) da sentença, na parte em que condenara o demandado. Além dis­so, poderá o autor interpor recurso adesivo, a fim de pleitear a reforma da parte da sentença que julgou improcedente um dos pedidos que formulara. Verifica- -se, assim, que recurso adesivo e contrarrazões têm finalidades distintas e, por tal razão, o oferecimento de um não tom a dispensável o do outro.

O recurso adesivo, como se disse anteriorm ente, é admissível na apela­ção, nos em bargos infringentes, no recurso especial, no recurso extraordinário e no recurso ordinário. Com exceção deste últim o, a lei é expressa quanto a to ­dos os dem ais casos (art. 500, II, do CPC). O recurso ordinário, porém (e isso será visto mais adiante), nada mais é - em seus objetivos essenciais - do que um a apelação, e as razões que tornam possível o recurso adesivo neste recurso o tom am admissível naquele.

A questão mais polêmica envolvendo o recurso adesivo é, sem som bra de dúvida, a da legitim idade para interpô-lo. Afirma o art. 500 do CPC que, sendo vencidos autor e réu, ao recurso in terposto por qualquer deles poderá a ou tra parte aderir. Discute-se, em sede doutrinária, se apenas as partes podem in terpor recurso adesivo, rejeitando-se a possibilidade de sua interposição pelo

68 Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 115.

69 Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. I, p. 562.

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M inistério Público que atue como fiscal da lei e pelo terceiro prejudicado,70 ou se estes últim os tam bém estariam legitim ados a "aderir”.71 Parece preferível optar pela posição dom inante, que nega a legitim idade do terceiro prejudicado e do M inistério Público, fiscal da lei para recorrer adesivamente. Isto decorre não só da literalidade da norm a (diga-se, aliás, que qualquer interpretação que decorresse som ente da literalidade da norm a seria insuficiente), mas da própria razão de ser do institu to , que se liga à sucum bência recíproca, quando é certo que o terceiro prejudicado e o MP, custos legis, não sucum bem . Assim, apenas as partes podem recorrer adesivamente.

Por fim, não se poderia encerrar um a exposição (ainda que breve como esta) acerca do recurso adesivo, sem criticar a term inologia adotada pelo Códi­go de Processo Civil brasileiro. É de se dizer, aliás, que a doutrina é unânim e em fazer esta crítica. Isto porque, em verdade, não há aqui adesão por um a das partes ao recurso da outra. Aquele que recorre adesivam ente não vem buscar os m esm os resultados que aquele que recorreu pela via principal. Ressalte-se, aliás, que no D ireito português o "recurso adesivo” é institu to de natureza bastante diversa, podendo ser entendido como a adesão m anifestada pelo litis- consorte que não recorreu ao recurso interposto por outro dos litisconsortes.72 O nosso "recurso adesivo” encontra sim ilar no Direito português, no institu to por eles denom inado, com m uita propriedade, "recurso subordinado”.73 É com base nesta term inologia do Direito português que a m aior parte de nossa dou­trina critica a denom inação dada ao institu to pelo CPC pátrio, sendo pratica­m ente unânim e na doutrina brasileira a afirmação de que a expressão "recurso subordinado” é superior à em pregada na lei ("recurso adesivo”) .74

§ 2- RECURSOS EM ESPÉCIE

Após o exame da teoria geral dos recursos, passa-se à análise das di­versas espécies de recursos previstas no Código de Processo Civil brasileiro. Serão aqui estudados os recursos enum erados no art. 496 do CPC, quais se­jam: apelação, agravo, em bargos infringentes, em bargos de declaração, recurso ordinário, recurso especial, recurso extraordinário e em bargos de divergência.

70 N este sentido, Barbosa M oreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, p. 284; Silva, Do recurso adesivo no processo civil brasileiro, p. 174-175; Aragão, Recurso adesivo, p. 41.

71 Posição defendida, entre outros, por Frederico M arques, Manual de direito processual civil, vol. m , p. 222.

72 José A lberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. V, p. 294-295.

73 João de C astro M endes, Direito processual civil, vol. III, p. 140-141.

74 M endonça Lima, Introdução aos recursos cíveis, p. 358; Marcos Afonso Borges, Recursos cíveis, p. 11; Bermudes, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VII, p. 68; Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, vol. III, p. 196; Silva, Do recurso adesivo no processo civil brasileiro, p. XVI.

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2.1 Apelação

Apelação é o recurso cabível contra as sentenças (art. 513 do CPC). Não se distingue aqui quanto à espécie de sentença, pouco im portando, pois, se a m esm a é definitiva ou term inativa.

O prazo para interposição da apelação é de 15 dias, nos term os do art. 508 do CPC, devendo tal prazo ser contado a partir da intimação da sentença (a qual poderá ser feita em audiência de instrução e julgamento, ou através do Diário Oficial), na forma do disposto no art. 184 do Código de Processo Civil.

Este recurso (como, aliás, os recursos em geral no sistem a processual pátrio) deve ser interposto por petição escrita, a qual deverá conter (art. 514):

a) nom es e qualificação das partes;b) os fundam entos de fato e de direito;c) o pedido de nova decisão.

Algumas observações devem ser feitas sobre estes requisitos, para que possam ser mais bem com preendidos.

Assim é que, em prim eiro lugar, exige a norm a processual que a petição de interposição da apelação traga o nom e e a qualificação do apelante e do apelado. Q uanto à qualificação das partes, porém , é de se dizer que a m esm a só se faz necessária se já não constar dos autos (o que, norm alm ente, ocorrerá, já que as partes já são qualificadas na petição inicial; m as pense-se na apelação in terposta por terceiro prejudicado).75

Em seguida, exige a lei que a petição de interposição da apelação traga os fundam entos de fato e de direito do recurso. Como já foi visto, é requisito de adm issibilidade do recurso (inserido no pressuposto recursal da regularidade formal) que os recursos sejam fundam entados. Repita-se, aqui, o que já se disse anteriorm ente: a prática consagrada no cotidiano forense, consistente na apresentação sim ultânea de duas petições (um a para interposição do recurso, ou tra para o oferecimento das razões de recorrer), em bora divergente da von­tade da lei - que é dirigida à apresentação de petição única - , não pode levar a um juízo negativo de adm issibilidade, em razão do princípio da instrum enta- lidade das form as.76

Por fim, quanto ao pedido de nova decisão (referido no art. 514, III, do CPC), quer ele significar que na petição de interposição da apelação deve ser m anifestada a pretensão recursal, ou seja, deve o recorrente pleitear um provi­m ento jurisdicional consistente na reform a ou invalidação da decisão recorri­

75 Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, vol. III, p. 117.

76 Sobre a adm issibilidade da apelação assim interposta, com o oferecim ento de duas petições, Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, vol. II, p. 320.

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da. Julgar o m érito da apelação será julgar este pedido aqui formulado, a fim de acolhê-lo (provim ento do recurso) ou rejeitá-lo (desprovim ento da apelação).

A petição de interposição da apelação, que deve conter estes requisitos a que se acabou de aludir,77 deverá ser dirigida ao juízo recorrido (órgão a quo), como se dá - em regra - com os recursos no processo civil brasileiro (ressalva feita ao agravo de instrum ento). Interposta a apelação, deverá o juízo a quo exercer juízo de adm issibilidade sobre o recurso, recebendo-o ou não.

Não será recebida a apelação se a sentença tiver sido proferida em con­formidade com a súm ula da jurisprudência dom inante do STF ou do STJ.78 É o que vem sendo chamado de "súm ula impeditiva de recurso”, mas que mais propriam ente se chama "súm ula im peditiva de apelação”. Afinal, por ser o § l ô do art. 518 do CPC veículo de norm a restritiva do direito de recorrer, tem de ser interpretada restritivam ente. Apenas a apelação, portanto, se subm ete a tal regra.79 Esta regra, inserida no CPC pela Lei n Q 11.276/2006, é - a nosso ver - extrem am ente saudável. O STF e o STJ são os tribunais constitucionalm ente legitim ados a in terpretar o direito constitucional e o direito federal. Assim, parece m esm o adequado que as sentenças que estejam em conformidade com os entendim entos sum ulados - os quais já foram alvo de discussão prévia em diversos outros casos subm etidos a in tenso contraditório e a exame de diver­sos tribunais (inclusive - e principalm ente - do STJ ou do STF) - sejam consi­deradas irrecorríveis. Im pende notar (e aqui está o ponto positivo da súm ula impeditiva) que o juiz não está vinculado a decidir nos term os sum ulados, mas, sem pre que sua sentença não estiver em conformidade com a súm ula das Cortes de Superposição, será cabível a apelação.

A decisão que deixa de receber a apelação em função de súm ula im pedi­tiva é impugnável por agravo de instrum ento. Isso pode tom ar a súm ula im ­peditiva um instrum ento inócuo, já que através do agravo sem pre se chegaria ao tribunal ad quem, não obstante o não recebim ento da apelação. Incumbirá aos tribunais considerar que a interposição do agravo de instrum ento (nos casos em que o juiz tenha acertado ao não receber a apelação, evidentem ente)

77 Devem estar presentes, adem ais, todos os requisitos genéricos de adm issibilidade dos recur­sos, exam inados anteriorm ente, inclusive a comprovação do preparo, sob pena de deserção. Esta sanção, todavia, deixará de ser atuada se o preparo deixou de ser feito por justo im pedim ento, hipótese em que o juízo a quo, por decisão irrecorrível (mas que te rá sua legitim idade exam inada de ofício pelo órgão ad quem), fixará novo prazo para o recolhim ento das custas.

78 Cf. a decisão proferida pelo TJRJ na apelação cível n° 0074746-84.2007.8.19.0001, rei. Des. Alexandre Câmara, j. em 6 /4 /2009 : “D ireito processual civil. Cobrança de tarifa básica pelo uso de serviço de telefonia fixa. Enunciado 356 da Súm ula do STJ. Inadm issibilidade da apelação, por força da existência de súm ula im peditiva de recurso, na form a do art. 518, § l c, do CPC. Recurso m anifestam ente inadm issível.”

79 Em sentido contrário, porém , por entender que o dispositivo se aplica a todos os recursos, Cássio Scarpinella Bueno, A nova etapa da reforma do Código de Processo Civil, vol. 2. p. 37.

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constitui litigância de má-fé, na form a do disposto no art. 17, VI e VII, do CPC, condenando o recorrente nas sanções adequadas, pois só assim se conseguirá alcançar o objetivo da norm a processual, que é fazer com que processos deci­didos nos term os da súm ula do STJ ou do STF sejam apreciados em um único grau de jurisdição.

Recebida a apelação, por decisão em que se devem declarar os efeitos em que a m esm a é adm itida (art. 518), deve-se dar vista do recurso ao apelado, para que - no prazo de 15 dias - ofereça sua im pugnação ao recurso (por peti­ção conhecida com o nom e de contrarrazões).

A presentadas as contrarrazões, devem os autos ser rem etidos à conclu­são do juízo a quo, mais um a vez, a fim de que se reexamine a admissibilidade do recurso (art. 518, § 2Q, do CPC). Pfermite-se, assim, que o juízo a quo negue seguim ento a um recurso inadmissível, quando a causa de inadm issibilidade foi suscitada pelo apelado, através de suas contrarrazões.

Tendo o juízo a quo considerado a apelação admissível, rem eterá os autos (já que este recurso se processa nos autos principais do processo) ao órgão ad quem. Ali, será sorteado um relator, o qual poderá rejeitar lim inarm ente o recurso, desde que ocorra algum a das hipóteses previstas no art. 557 do Có­digo de Processo Civil. Assim é que a apelação m anifestam ente inadmissível, m anifestam ente im procedente (rectius, a que m anifestam ente se deva negar provim ento), prejudicada ou contrária à súm ula da jurisprudência dom inante do tribunal ad quem ou de tribunal superior será rejeitada lim inarm ente pelo relator do recurso, sem que se faça necessário o julgam ento colegiado.80 Dando o relator seguim ento ao recurso, deverá rem eter os autos ao revisor (se houver, art. 551 e §§ do CPC), após o que a apelação será subm etida à apreciação do órgão colegiado com petente para o juízo de m érito (sendo certo que, antes de adentrar no exame do m érito do recurso, caberá ao órgão colegiado reexaminar a adm issibilidade da apelação).

Interposta a apelação, além do im pedim ento ao trânsito em julgado da sentença, produzem -se - ordinariam ente - os efeitos devolutivo e suspensivo (sendo certo que este últim o, em alguns casos - como se verá adiante - , não se produz). Há que se apreciarem, pois, os efeitos da apelação.

Q uanto ao efeito devolutivo, a apelação transfere ao órgão ad quem, nor­m alm ente um a câmara ou tu rm a do tribunal, o conhecim ento da m atéria im ­pugnada (art. 515 do CPC). Assim, se a apelação tiver sido total (atacando inteiram ente a sentença), toda a m atéria nela apreciada será devolvida ao tri­bunal, o que não ocorrerá na m esm a extensão nos casos de apelação parcial. Trata-se, aqui, da análise da extensão do efeito devolutivo, ou seja, do estudo de tal efeito sob um a perspectiva horizontal.

80 Sobre esse dispositivo, consulte-se Freitas Câm ara, Lineamentos do novo processo civil, p. 112; Nery Júnior, Atualidades sobre o processo civil, p. 188-189.

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A extensão do efeito devolutivo, como dito, determ ina-se pela extensão da impugnação: tantum devolutum quantum apellatum .81 Considerando que o ape- lante só pode impugnar, com seu recurso, aquilo que foi efetivam ente decidido, o âm bito da devolução fica, por isso mesmo, limitado, não se podendo adm itir que o tribunal aprecie questões estranhas aos lim ites do julgam ento recorrido. Significa isso dizer que a extensão da devolução será, no máximo, idêntica à extensão do objeto da decisão recorrida (ressalvando-se o disposto no art. 516, de que se falará adiante), podendo ser m enor nos casos de apelação parcial.

Assim sendo, não se pode inovar na apelação, sendo vedada a arguição de fatos novos (salvo aquelas que não foram alegadas em prim eiro grau de jurisdição por motivo de força maior, nos term os do que dispõe o art. 517 do CPC). É o que se cham a "exclusão do ius novorum”, ou seja, a vedação de inovar nas questões de fato que serão apreciadas pelo juízo ad quem . Isso não significa, porém, im pedim ento a que se produza prova em grau de apelação. É que não existe preclusão em m atéria probatória nas instâncias ordinárias, devendo-se, então, adm itir a produção de prova nesta fase do processo.82

No que concerne à apelação contra sentença definitiva (assim entendida aquela que contém resolução do m érito), h á que se considerar um a particula­ridade. Sendo o recurso voltado contra um a sentença que acolheu ou rejeitou o pedido do dem andante, a apelação transfere para o tribunal o conhecim ento de todo o m érito da causa. Assim, caberá ao órgão ad quem, em linha de princípio (porque não se pode afastar a possibilidade de o tribunal, e. g., proferir decisão term inativa, considerando, de ofício, que falta algum a "condição da ação”), julgar tam bém o m érito da causa. Significa isto dizer que, se - por exemplo - o juízo a quo, ao proferir sentença de m érito, acolheu a arguição de prescrição, rejeitando a pretensão do dem andante, o tribunal, ao apreciar a apelação por este interposta, poderá - negando a prescrição - passar a apreciar os demais aspectos que com põem o objeto do processo. É o que se extrai do conteúdo do § 1Q do art. 515, segundo o qual "serão, porém, objeto de apreciação e ju l­gam ento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro”. Note-se, pois, que o tribunal poderá conhecer do m érito da causa toda vez que a sentença recorrida o tiver apreciado.

É de se notar, porém, que não se faz necessário que o juízo a quo tenha se pronunciado sobre todas as questões de m érito para que o tribunal também possa fazê-lo. Basta que tais questões pudessem ter sido apreciadas. Assim, por exemplo, se o juiz indeferiu a petição inicial sob o fundam ento de que teria ocorrido a decadência, o tribunal, no julgam ento de apelação interposta contra

81 Barbosa M oreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, p. 384.

82 Sobre o ponto, cf. o acórdão proferido pelo TJRJ no julgam ento da apelação cível ne 0080324- 28.2007.8.19.0001, rei. Des. M auricio Caldas Lopes, j. em 29 /4 /2009 .

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essa sentença, não poderá - ao afastar a decadência reconhecida pela sentença recorrida - apreciar as demais questões concernentes ao objeto do processo, pela simples razão de que tais questões ainda não poderiam ser apreciadas pelo juízo de prim eiro grau. Se a decadência, porém, fosse reconhecida pela sentença de prim eiro grau após a realização de audiência de instrução e julgamento, a apelação perm itiria ao tribunal que conhecesse de todos os aspectos do mérito, já que todos encontravam-se em posição de serem apreciados pelo juízo a quo.83

D esde a Lei n Q 10.352/2001, que acrescentou um parágrafo terceiro ao art. 515, a apelação contra sentença term inativa passou a te r um a parti­cularidade. Estabelece o referido dispositivo que "nos casos de extinção do processo sem julgam ento do m érito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivam ente de direito e estiver em condições de im ediato ju lgam ento”. Em prim eiro lugar, é bom recordar que na sistem ática do CPC o vocábulo "lide” designa o m érito da causa. Assim sendo, o que pretende o referido § 3Q do art. 515 é estabelecer que em certos casos em que se ten h a proferido sentença term inativa (isto é, sentença que não contém a resolução do m érito) poderá o tribunal, ao apreciar a apela­ção, julgar o objeto do processo. Ter-se-á, aqui, um a supressão de instância, excepcionando-se a incidência do princípio do duplo grau de jurisdição. É de bom alvitre, contudo, recordar que o duplo grau não é um a garantia consti­tucional, tendo suas bases na legislação ordinária. Sendo assim , é perfeita­m ente possível à própria lei ordinária afastá-lo, como o fez no caso que ora se examina.

Estabelece o § 3Ô do art. 515 que, tendo sido proferida sentença term i­nativa, poderá o tribunal, no julgam ento da apelação, apreciar o meritum causce, sem pre que "a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de im ediato julgam ento”. É preciso que se diga desde logo que, a nosso sentir, há um equívoco na redação do dispositivo. A literalidade do texto pode levar o intérprete a considerar que a norm a veiculada nesse parágrafo só se aplica quando, cum ulativam ente, as questões de m érito sejam exclusiva­m ente de direito e a causa esteja pron ta para ser julgada. Assim, porém, não nos parece. Basta que a causa esteja em condições de imediato julgam ento para que o tribunal ad quem possa pronunciar-se sobre o m érito da causa. Isto

83 Não é pacífica (nem m esm o dom inante) a posição aqui defendida, segundo a qual o tribunal pode, desde que já haja condições para tal, afastando a prescrição ou a decadência, apreciar as dem ais questões de m érito . N este sentido, entre outros, Barbosa M oreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, p. 394-395. Contra, defendendo a posição dom inante, segundo a qual, um a vez afastada a prescrição ou a decadência, deve o tribunal rem eter os autos de volta ao juízo de prim eiro grau para que aprecie o pedido do dem andante, Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. I, p. 566; Sálvio de Figueiredo Teixeira, Código de Processo Civil anotado, p. 349. A posição dom inante foi adotada tam bém pela jurisprudência, como se vê no acórdão do STJ proferido no REsp. n° 6.643-SP, 4a Turma, un., RSTJ 26 /445. N ão m e parece, porém , data venia dos que a defendem , que esta seja a posição mais acertada.

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se dará tan to em casos em que a questão seja exclusivamente de direito como em situações em que haja questões de m érito de direito e de fato m as quanto a estas não haja necessidade de produção de outras provas além das que já te ­nham sido trazidas ao processo. Dito de outro modo, entendo que o art. 515, § 3o, do CPC deve ser lido à luz do disposto no art. 3 3 0 ,1, do m esm o diploma, que tra ta do julgam ento im ediato do m érito. Poderá o tribunal (assim como o juízo de prim eiro grau poderia) pronunciar-se desde logo sobre o m érito se as questões de m érito forem exclusivamente de direito ou, sendo de fato e de direito, não houver necessidade de produção de novas provas.

O que não se pode admitir, evidentem ente, é que o m érito da causa seja apreciado pelo tribunal ad quem se a causa ainda não estiver em condições de im ediato julgam ento. Pense-se, por exemplo, em um caso em que o juízo de prim eiro grau tenha indeferido lim inarm ente a petição inicial. Ao julgar a ape­lação contra esta sentença não poderá o tribunal pronunciar-se sobre o m érito, já que a causa ainda não está em condições de ser julgada. De outro lado, tendo havido, no prim eiro grau de jurisdição, a produção de todas as provas que se faziam necessárias para a resolução das questões de fato suscitadas no proces­so e, apesar disso, tendo sido proferida um a sentença term inativa, poderá o tri­bunal, em grau de apelação, pronunciar-se desde logo sobre o m érito da causa.

Conclui-se, pois, no sentido de que o art. 515, § 3Ô, do CPC será aplicável sem pre que a causa estiver em condições de im ediato julgam ento, sendo as questões de m érito exclusivamente de direito ou, sendo de fato e de direito, não houver necessidade de produzir outras provas além das que já foram tra­zidas ao processo.

Tem-se, assim, a aplicação, na íntegra, do que já se denom inou em sede doutrinária de teoria da causa madura. Pede-se vênia, assim, para transcrever aquela notável lição doutrinária:84 "Causa m adura é aquela que está com pleta­m ente instruída e pronta para receber a sentença de mérito. O nde e quando se aplica o princípio da causa madura? Onde - no tribunal, em segunda instância. Quando - quando o juiz, por erro in iudicando, em lugar de julgar o mérito, põe fim ao processo por um a sentença processual, sobre a ação, julgando, por exem­plo, o autor carecedor da ação. Havendo recurso, a segunda instância tem dois caminhos a seguir: a) cassa a sentença, fazendo baixar os autos, para que o juiz profira sentença de mérito; b) pelo princípio da causa madura, reforma a sen­tença na sua conclusão e profere um julgam ento sobre o mérito, pela procedên­cia ou improcedência do pedido. Dirão que, assim, se suprim e um a instância. Não. Não se suprim e nenhum a instância, porque na prim eira instância o feito percorreu todo o seu curso, estando pronto para receber sentença de mérito,

84 Eliézer Rosa, Novo dicionário de processo civil, p. 63. O ilustre processualista carioca, discípulo dileto do notável Luiz M achado Guimarães, escreveu, no verbete “Causa m adura”, um ensina­m ento perfeitam ente aplicável ao que, tan tos anos depois, veio a ser expressam ente incluído no texto do CPC.

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sem que o tenha feito o juiz, como já se disse acima, por erro in iudicando. O princípio da causa m adura apoia-se na regra de que a segunda instância pode fazer tudo que o juiz de prim eira instância, podendo fazer, não o fez, por erro no julgam ento. O princípio da causa m adura atende à maravilha o princípio da economia processual.”

A citada lição de Eliézer Rosa é mais do que suficiente para que se enten­da o novo dispositivo legal. Tendo o juiz de prim eiro grau proferido sentença term inativa em um caso no qual era cabível o julgam ento do m érito, poderá o tribunal ad quem, ao prover a apelação, apreciar o m érito da causa. Isto será possível sem pre que, respeitados os princípios constitucionais do processo (notadam ente o do contraditório, evitando-se assim que qualquer das partes venha a ser surpreendida por um julgam ento do m érito que por certo não poderia esperar, como se daria, e. g., no caso de apelação contra sentença que indeferiu lim inarm ente a petição inicial, já que não se poderia - ressalvada a hipótese de decadência - apreciar o m érito antes da citação do dem andado), o tribunal já tiver os elem entos necessários para proferir decisão definitiva. E isto se dará em dois casos: quando a questão de m érito for exclusivamente de direito ou quando, sendo de fato e de direito, já houver nos autos elem entos de prova suficientes para a formação do convencimento judicial (ou ainda, evi­dentem ente, quando não houver qualquer questão de m érito controvertida, o que se daria nos casos em que, não obstante a revelia do dem andado, tivesse o juízo de prim eiro grau proferido sentença term inativa). Tem-se, pois, um a nítida vinculação entre os casos aqui previstos e o disposto no art. 330 do CPC, que regula o "julgam ento antecipado da lide” (rectius, julgam ento im ediato do m érito). Em todos os casos, pois, em que já seria possível ao juízo de prim eiro grau proferir sentença de m érito, será possível tam bém ao tribunal, ao julgar apelação contra sentença term inativa que contenha error in iudicando, pronun- ciar-se sobre o objeto do processo.85

É de se observar, ainda, que a norm a do art. 515, § 3Q, do CPC perm ite a reformatio in peius. Isso porque, tendo sido proferida sentença term inativa em prim eiro grau de jurisdição, e tendo o autor interposto apelação, será possível ao tribunal ad quem, julgando desde logo o m érito, pronunciar-se pela im pro- cedência do pedido por ele formulado ao ajuizar sua dem anda.86 Esta reformatio

85 Em sentido contrário ao que vai no texto pronuncia-se Santos Ferreira, Novas tendências do sistem a recursal brasileiro e o prosseguim ento da reform a processual, p. 269, para quem é preciso que os dois requisitos (a causa versar sobre questão de d ireito e estar em condições de im ediato julgam ento) estejam presentes cum ulativam ente. Depois da sexta edição deste livro (a prim eira lançada após a aprovação da Lei n° 10.352/2001), m anifestaram -se no m esm o sentido do que vai no texto, en tre outros, Cândido Rangel Dinam arco, A reforma da reforma, p. 155-157, e Luiz Rodrigues W am bier e Teresa A rruda Alvim Wambier, Breves comentários à 2* fase da reforma do Código de Processo Civil, p. 142.

86 W illiam Santos Ferreira, Aspectos polêmicos e práticos da nova reforma processual civil, p. 98; Di­nam arco, A reforma da reforma, p. 161-162.

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in peius é absolutam ente legítima, já que o tribunal nada mais estará fazendo do que em itir desde logo um pronunciam ento sobre o m érito que, depois, seria em itido de qualquer modo. Tudo o que se tem aqui é um a aceleração do resultado do processo, já que ao m esm o resultado prático se chegaria (embora com m enos rapidez) se o tribunal determ inasse a baixa dos autos ao juízo de origem para que ali se proferisse julgam ento sobre o mérito, vindo depois os autos novam ente ao tribunal, por força de apelação interposta pelo vencido, para que então se pronunciasse sobre o objeto do processo. De qualquer m a­neira, ter-se-á um pronunciam ento sobre o m érito em anado do tribunal, m as a incidência do art. 515, § 3Q, do CPC, acelera a obtenção do resultado, estando pois de pleno acordo com os valores mais relevantes do m oderno direito pro­cessual. O dem andante, a partir da vigência desse dispositivo, deve levar em conta, pois, mais um fator ao resolver se vai ou não recorrer contra a sentença term inativa: a probabilidade de o tribunal julgar seu pedido im procedente. De­pendendo de como o dem andante analisar essa probabilidade, pode ser m elhor estratégia deixar a sentença term inativa transitar em julgado e, posteriorm en­te, dem andar novam ente.87

A Lei nQ 11.276/2006 incluiu, no art. 515 do CPC, um novo parágrafo (§ 4Q), que inseriu no texto da lei processual algo que m uitos tribunais já há m uito faziam: a conversão do julgam ento em diligência. Estabelece o citado dispositivo que, "constatando a ocorrência de nulidade sanável, o tribunal poderá determ inar a realização ou renovação do ato processual, intim adas as partes; cum prida a diligência, sem pre que possível prosseguirá o julgam ento da apelação”. Pense-se, por exemplo, no caso de se te r verificado, no julga­m ento da apelação, que o dem andante em m om ento algum jun tou aos autos a procuração de seu advogado. Ora, é evidente que o vício de representação im pede a apreciação do m érito da causa. Não se deve, porém , pensar que em um caso assim o tribunal tenha de anular a sentença para que os autos baixem ao juízo de origem e lá seja sanado o vício. M uito mais adequado é converter o julgam ento em diligência, fixando-se um prazo para que se sane o vício e, posteriorm ente, se prossiga no julgam ento da apelação.

Interessante notar que fala o texto da lei em "nulidade sanável”, o que poderia levar a que se considerasse que é inaplicável o disposto ali nas h ipó­

87 Sobre a aplicação do art. 515, § 3°, do CPC, cf. o acórdão proferido pelo TJRJ no julgam ento da apelação cível n° 0019804-64.2002.8.19.0038, rei. Des. Alexandre Câmara, j. em 25 /3 /2009 : “D ireito civil e direito processual civil. Declaração de ausência. Pessoa que desapareceu seu deixar vestígios e não tinha bens a arrecadar. Sentença de prim eiro grau que extinguiu o proces­so sem resolução do m érito, por considerar juridicam ente impossível a dem anda quando não existem bens deixados pelo suposto ausente. N ecessidade de releitura do in stitu to da ausência e de seus m ecanism os processuais a partir do D ireito civil-constitucional. A dm issibilidade da de­claração de ausência m esm o sem bens a arrecadar, com o form a de tu te la da dignidade da pessoa hum ana. Reconhecim ento da presença de todas as 'condições da ação'. Aplicação do princípio da causa m adura. Declaração da ausência.”

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teses de nulidade absoluta (como se dá, por exemplo, na freqüente situação conhecida como cerceam ento de defesa, em que se verifica que a parte ven­cida foi im pedida de produzir um a prova que, se produzida, poderia levá-la a resultado favorável). Poderia haver quem considerasse que, neste caso, não se poderia aplicar o § 4Ô do art. 515, devendo-se anular a sentença para que o vício seja sanado no prim eiro grau de jurisdição. Este não é, porém, o entendi­m ento correto. No D ireito Processual, as nulidades absolutas tam bém podem ser sanadas (através, por exemplo, da repetição do ato ou da realização do ato faltante). Assim , é de se considerar que tam bém às nulidades absolutas se aplica o dispositivo aqui examinado, sem pre que possível a correção do vício.88

Convertido o julgam ento em diligência e, assim, sanado o vício exis­tente, prossegue-se no julgam ento da apelação. Não sanado o vício, porém, extinguir-se-á o processo sem resolução do m érito.

Para se com pletar a análise da extensão do efeito devolutivo da apelação, não se pode deixar de falar do art. 516, que subm ete ao tribunal as questões anteriores à sentença sobre as quais não tenha havido decisão. Assim, por exemplo, se num processo foi oferecida um a im pugnação ao valor da causa, ou um a exceção de incompetência, e o juiz prolatou sentença sem que tal questão tivesse sido decidida, caberá ao tribunal, um a vez in terposta a apelação, apre­ciar tam bém estas questões (ainda que as m esm as não tenham sido suscitadas no recurso).89

Q uanto à profundidade do efeito devolutivo da apelação, há que se afir­m ar que esta é idêntica à profundidade da cognição exercida pelo juízo a quo para o fim de proferir a sentença recorrida.90 A devolução é, pois, plena (quan­to à profundidade). Isso decorre do disposto nos §§ 1Q e 2Q do art. 515 do CPC. Assim é que, ao julgar o m érito da apelação, poderá o tribunal apreciar todas as questões examináveis de ofício a cujo respeito o órgão a quo não se tenha manifestado, tenham elas sido ou não discutidas pelas partes em prim eiro grau de jurisdição.

Da m esm a forma, fundando-se o pedido (ou a defesa) em mais de um fundam ento, e tendo a sentença apreciado apenas um (ou alguns) deles, a apelação perm ite ao tribunal que conheça dos demais. Pense-se, por exemplo, num a dem anda de despejo por duplo fundam ento (falta de pagam ento e infra­ção contratual). Proferida a sentença de procedência do pedido pelo prim eiro fundam ento, e tendo o juiz deixado de apreciar o segundo (ou o tendo rejeita­do), e in terposta apelação pelo dem andado, poderá o tribunal, no julgam ento

88 N este sentido, en tre outros, Cássio Scarpinella Bueno, a nova etapa da reforma do Código de Processo Civil, vol. 2, p. 14-17; Luiz Rodrigues W am bier e t al., Breves comentários à nova sistemática processual civil, vol. 2. p. 219-225.

89 Freitas Câmara, Lineamentos do novo processo civil, p. 97-99. O TJRJ aplicou este dispositivo ao proferir o acórdão que julgou a apelação cível ne 0141119-34.2006.8.19.0001, rei. Des. Elisabete F ilizzola,j. em 26 /11 /2008 .

90 Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, p. 316.

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do recurso, "confirm ar” a sentença, julgando procedente o pedido do dem an­dante pelo m esm o fundam ento em que se baseou a sentença, ou pelo outro fundam ento, que não havia sido apreciado (ou que havia sido rejeitado).

Em outros term os (sempre no exemplo dado acima, do despejo por du­plo fundam ento), um a vez decretado o despejo por um fundam ento, e in ter­posta a apelação, poderá o tribunal negar provim ento ao recurso e decretar o despejo pelo m esm o fundam ento, ou por outro .91 O m esm o se diga, mutatis mutandis, para a defesa com mais de um fundam ento. Assim, por exemplo, se num a dem anda em que se pede a condenação do réu ao cum prim ento de um a prestação, este se defende alegando dois fundam entos diversos (por exemplo, nulidade do contrato que gerou a obrigação e extinção da obrigação por com­pensação), e tendo sido o pedido do au to r julgado im procedente com base no prim eiro fundam ento de defesa (não tendo o juiz se pronunciado a respeito do segundo), pode o tribunal, ao julgar a apelação do autor, a ela negar provi­m ento e "confirm ar” a sentença pelo m esm o fundam ento em que a m esm a se baseara, ou pelo outro fundam ento de defesa.

Além do efeito devolutivo, produz a apelação, em regra, efeito suspen­sivo. Este só não se produzirá nos casos expressam ente previstos em lei. A respeito, assim dispõe o art. 520 do CPC:

"A apelação será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo. Será,no entanto, recebida só no efeito devolutivo, quando in terposta desentença que:I - hom ologar a divisão ou a demarcação;II - condenar à prestação de alimentos;III - [revogado pela Lei nô 11.232/2005];IV - decidir o processo cautelar;V - rejeitar lim inarm ente embargos à execução ou julgá-los im proce­dentes;92VI - julgar procedente o pedido de instituição de arbitragem ;93VII - confirm ar a antecipação dos efeitos da tu tela .”94

91 É curioso no tar que, analisando esta hipótese, afirm a notável processualista que na hipótese seria caso de dar provim ento ao recurso (Bermudes, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VII, p. 136). Parece preferível, porém , o tribunal negar provim ento à apelação, já que a pretensão de reform a da sentença terá sido rejeitada (ainda que por fundam ento diverso daquele em que a sentença recorrida se baseara). No sentido aqui defendido, Barbosa M oreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, p. 398.

92 Sobre o alcance deste dispositivo, Freitas Câmara, Lineamentos do novo processo civil, p. 100-101.

93 A respeito desta ú ltim a hipótese, incluída no art. 520 do CPC pela Lei n° 9 .307/96, consulte- -se Freitas Câmara, Arbitragem, p. 26.

94 O inciso VII do art. 520 foi aí inserido pela Lei nc 10.352/2001 e pretende pôr fim a um de­feito do sistem a processual brasileiro. A ntes da inserção deste novo inciso no art. 520, m esm o

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Recursos 101

Além das hipóteses aí enum eradas, há outras em que a apelação será recebida som ente no efeito devolutivo, não se produzindo o efeito suspensi­vo. Assim, por exemplo, a hipótese prevista no art. 1.184 do CPC (apelação contra a sentença que decreta a interdição); no art. 58, V, da Lei de Locações (Lei nQ 8.245/1991); no art. 14, § 3Q, da Lei de M andado de Segurança (Lei n ô 12.016/2009).

Nas hipóteses em que a apelação seja recebida sem efeito suspensivo, a sentença apelada será desde logo eficaz. Sendo condenatória a sentença, será possível a sua "execução provisória” (art. 521 do CPC).

Não se pode deixar de dizer, porém , que, nos term os do disposto no pa­rágrafo único do art. 558, poderá ser concedido o efeito suspensivo, a requeri­m ento do apelante, à apelação que não o tenha, toda vez que, sendo relevante a fundam entação do recurso, houver o risco de que a im ediata produção de efeitos da sentença cause ao recorrente um dano grave, de difícil ou im possí­vel reparação.95

nos processos em que se concedia tu te la antecipada, a sentença ficava sujeita à apelação com efeito suspensivo. Significava isto dizer que a decisão antecipatória, baseada em juízo de proba­bilidade, era im ediatam ente eficaz, m as não o era a sentença, baseada em juízo de certeza. En­tendo, porém , que o texto do dispositivo tem um a falha: retira o efeito suspensivo da apelação in terposta contra sentença que confirm a a antecipação da tutela, m as não o faz quando se tra ta de sentença que cassa a tu te la antecipada. Ora, sendo certo que a tu tela antecipada pode ser revogada a qualquer tem po (art. 273, § 4°, CPC), nada im pede que tal revogação se dê na sen­tença, quando o juiz, após te r form ado seu juízo de certeza, estiver convencido da inexistência do direito do dem andante que, em cognição sum ária, pareceu-lhe provável que existisse. Enten­do, assim , que o inciso VII minus dixit quem voluit, e que se deve receber sem efeito suspensivo a apelação contra sentença proferida nos processos em que tenha havido antecipação de tutela, pouco im portando se tal sentença confirm a ou revoga o provim ento antecipatório. Após a sexta edição deste volum e das Lições (a prim eira lançada após a aprovação da Lei ne 10.352/2001), m anifestou-se no m esm o sentido Flávio Cheim Jorge, in A nova reforma processual, Flávio Cheim Jorge e t al., p. 81-82.

95 Sobre essa regra, consulte-se M arco Aurélio M oreira Bortowski, Apelação cível, p. 139-141. Essa norm a é aplicável a qualquer hipótese, prevista no art. 520 do CPC ou em ou tra norm a (ainda que em legislação extravagante), de apelação desprovida de efeito suspensivo. N este sen­tido, Bortowski, Apelação cível, p. 139; Greco Filho, Comentários ao procedimento sumário, ao agravo e à ação monitoria, p. 43. Assim , é certo, não m e parecia até a prim eira edição deste livro. Afirmava, então, que, nas h ipóteses de apelação sem efeito suspensivo, a possibilidade de concessão deste é excepcional, devendo a regra que perm ite tal concessão ser in terpretada restritivam ente. A vontade da lei é perm itir a outorga de efeito suspensivo nos casos do art. 520, e não em todos os casos de apelação sem aquele efeito. Se a intenção da lei fosse m ais ampla, diversa seria sua redação, que deveria ter, aproxim adam ente, o seguinte teor: “Aplicar-se-á o disposto neste artigo às apelações desprovidas de efeito suspensivo.” A posição que sustentava já era por m im defen­dida em obra anterior: Freitas Câm ara, Lineamentos do novo processo civil, p. 113, no ta 17. Após a prim eira edição destas Lições, porém , m udei m inha opinião sobre o ponto, passando a susten tar a tese prevalecente. A regra contida no parágrafo único do art. 558 é aplicável a qualquer caso de apelação sem efeito suspensivo e não poderia m esm o ser de ou tro m odo, já que o poder de conceder efeito suspensivo a recurso que não o tem nada m ais é do que m anifestação do poder geral de cautela (art. 798 do CPC), que todo ju iz tem e teria ainda que a lei não o dissesse ex­pressam ente. A ssim sendo, reformei aqui m inha opinião anterior, para afirm ar a possibilidade

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2.2 Agravo

Recurso cuja regulam entação no Direito brasileiro foi in teiram ente re­form ulada pelo movim ento conhecido como Reforma do CPC, através das Leis n0-5 9.139/1995 e 11.187/2005, agravo é denominação de um gênero de recur­sos, sendo possível a identificação de três espécies: o agravo de instrum ento, o agravo retido e o agravo interno (ou agravo por petição).96 As duas prim eiras espécies, reguladas pelos arts. 522 a 529 do CPC, são cabíveis - como se verá adiante - contra decisões proferidas por juízo de prim eira instância.97 Q uanto ao agravo interno, é o recurso cabível contra decisões proferidas pelos relato­res dos recursos (e processos de com petência originária) nos tribunais, nas hipóteses em que a eles se dá autorização para proferir decisões como juízos monocráticos (arts. 120, parágrafo único, 532, 545 e 557, § 1Q, do CPC).98

Interessa-nos, neste passo, o agravo contra decisões proferidas pelos juí­zos de primeira instância, regido pelos arts. 522 a 529 do CPC. Este pode ser de­finido como o recurso cabível contra as decisões interlocutórias. É cabível num prazo de dez dias, e pode ser interposto por dois modos: retido nos autos ou por instrum ento (art. 522 do CPC). Tratarei, em primeiro lugar, do agravo retido e, em seguida, do agravo de instrum ento.

Deve-se dizer, porém, e prelim inarm ente, que como regra geral o agravo deve ser interposto na form a retida. O agravo de instrum ento só é admissível quando da decisão interlocutória recorrida puder advir dano grave de difícil (ou impossível, diga-se) reparação, ou nos casos de decisão que não recebe a ape­lação ou que declara os efeitos em que esta é recebida. Apenas nestes casos se adm ite o agravo de instrum ento.99 Interposto agravo de instrum ento contra de­cisão que não se enquadre em um a dessas três hipóteses, como se verá adiante, o relator converterá o recurso em agravo retido, por decisão irrecorrível.

Em outros term os, significa isto dizer que o agravo de instrum ento só pode ser apreciado naqueles casos em que a retenção do agravo retiraria des­

de aplicação do disposto no parágrafo único do art. 558 do CPC a todos os casos de apelação sem efeito suspensivo.

96 Identificando as três m odalidades, Gusm ão Carneiro, O novo recurso de agravo e outros estudos,p. 18.

97 O CPC prevê o cabim ento de agravo contra decisão que nega seguim ento a recurso especial ou a recurso extraordinário (art. 544). A esta m odalidade, porém , não são aplicáveis as disposi­ções dos arts. 522 a 529.

98 Sobre o agravo interno, consulte-se G usm ão Carneiro, O novo recurso de agravo e outros estudos, p. 19.

99 A ntes da edição da Lei n° 11.187/2005 era ou tro o regime, e havia mais liberdade de escolha en tre os dois regim es do agravo. Com essa lei, e a redação que deu ao art. 522 do CPC, acabou por ser revogado o § 4a do art. 523 do m esm o Código, que estabelecia os casos - que então eram excepcionais - em que não havia possibilidade de escolha por um ou outro dos m odos de interposição deste recurso.

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Recursos 1 0 3

te qualquer utilidade. Pense-se, por exemplo, em um agravo contra decisão que defere (ou indefere) m edida jurisdicional de urgência. Parece óbvio que a urgência alegada como requisito da m edida postulada faz com que se tenha de apreciar, desde logo, o recurso. De outro lado, não haverá nenhum a pressa na apreciação de agravo contra decisão que julga um a impugnação ao valor da causa, razão pela qual, neste caso, o agravo terá de ser necessariam ente retido nos autos (e, caso se venha a interpor o recurso por instrum ento, deverá o re­lator convertê-lo em agravo retido).

Registre-se, aliás, que a Lei n2 11.187/2005 alterou o texto do art. 527, II, do CPC, que antes de sua vigência dizia que o relator poderia converter o agravo de instrum ento em agravo retido e, agora, passou a dizer que o rela­tor converterá um recurso no outro. A nosso juízo, porém , a nova redação lim itou-se a esclarecer o verdadeiro sentido do dispositivo, já que sustentei, nas edições anteriores desta obra, que o dispositivo legal em exame não criava faculdade para o relator, mas um poder-dever.

Penso que esse sistem a é m elhor do que o anterior à Lei n2 11.187/2005, em que havia maior liberdade de escolha na utilização do agravo retido ou do por instrum ento. Deve tal sistem a, porém, ser visto como mais um passo em direção à abolição dos agravos (ressalvado apenas o caso de decisão cuja im ediata eficácia gere dano grave, de difícil ou impossível reparação). Para os dem ais casos, não se deveria adm itir recurso contra a decisão interlocutória e, por conseguinte, não ficariam as m atérias nelas resolvidas sujeitas a preclusão, tornando-se possível sua discussão em sede de apelação.100

Interpõe-se o agravo retido (que não está sujeito a preparo - art. 522, parágrafo único, do CPC), por petição, dirigida ao juízo a quo, que será juntada aos autos do processo. O juiz, recebendo o agravo retido, deverá abrir vista ao agravado para oferecer contrarrazões,101 no prazo de dez dias e ,102 em seguida, deverá o m agistrado exercer o juízo de retratação.

100 A m eu sentir, o sistem a ficaria ainda m elhor se a apelação passasse a ser in terposta por ins­trumento, d iretam ente no tribunal com petente para dela conhecer (em sistem a igual ao que hoje é adotado para o agravo de instrum ento). N esse caso, desapareceriam as decisões do juízo de prim eira instância que deixam de receber a apelação ou que declaram o efeito em que a m esm a é recebida, decisões estas que atualm ente desafiam agravo de instrum ento .

101 Há quem considere que o juiz só deva abrir oportunidade para que o agravado ofereça contrar­razões se pretender, depois, exercer juízo de retratação. Na hipótese de o juiz estar, desde logo, con­vencido de que não deve reformar a decisão recorrida, as contrarrazões seriam, para os defensores desta posição, desnecessárias. N este sentido, J. E. Carreira Alvim, Novo agravo, p. 78. A meu juízo, a oitiva do agravado é fundamental, em razão do princípio do contraditório, sendo certo que, ainda que o juiz não pretenda reformar sua decisão, o agravo retido será, posteriorm ente, apreciado pelo tribunal, e não haverá m om ento posterior adequado para o oferecimento das contrarrazões. Por tais motivos, parece-me indispensável que a oportunidade para seu oferecimento se dê logo após a interposição do recurso. N o sentido do que aqui se sustenta, Frederico Ricardo de Almeida Neves, Agravo: nova sistemática - e outros temas de exegese controvertida da reforma processual civil, p. 36.

102 Em razão da redação original do § 2° do art. 523, divergia a doutrina acerca do prazo de cinco dias a que ali se referia, havendo quem entendesse tratar-se de prazo para o oferecim ento de con-

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O juízo de retratação, a ser exercido pelo m agistrado após o oferecimen­to das contrarrazões (ou decorrido in albis o prazo para o seu oferecim ento), nada mais é do que um a nova oportunidade para que o juiz aprecie a m atéria decidida pelo provim ento agravado. Poderá o juiz, assim, m anter sua decisão ou reformá-la. Retratando-se o juiz de sua decisão, tollitur quaesdo, pois o re­curso terá alcançado seu objetivo. A nova decisão, que reform a a anterior, po­derá ser atacada pela parte interessada através do recurso próprio.

No caso de o juiz não reform ar sua decisão, mas - ao contrário - confir- má-la, ficará o agravo retido nos autos, e o processo seguirá norm alm ente em direção à sentença. Proferida esta, caberá ao agravante, na apelação que venha a interpor, ou nas contrarrazões à apelação interposta pela ou tra parte, reque­rer expressam ente a apreciação, pelo tribunal do agravo retido.

A ausência dessa reiteração implica desistência tácita do agravo retido, que não será conhecido pelo tribunal.103 Assim sendo, o agravo retido só ope­rará seu efeito devolutivo no caso de ser reiterado pelo agravante nas razões ou nas contrarrazões da apelação que venha a ser in terposta contra a sentença. Daí falar-se em efeito devolutivo diferido. N este caso, deverá o tribunal apre­ciar o agravo retido (exercendo sobre ele juízo de adm issibilidade e de m érito, se positivo o prim eiro) como prelim inar do julgam ento da apelação, nos ter­mos do que dispõe o art. 523, caput e § l fi, do CPC.

Regula o § 3Q a possibilidade de interposição oral do agravo retido contra as decisões proferidas em audiência de instrução e julgam ento. Significa isso dizer que a lei adm ite que, um a vez proferida decisão interlocutória num a audiência de instrução e julgam ento, será possível a interposição do agravo retido oralm ente, devendo as razões do recurso, bem como o pedido nele for­mulado, ser reduzidas a term o, constando do term o de audiência.

A ntes da entrada em vigor da Lei n Q 11.187/2005 divergia a doutrina acerca deste agravo retido oral, entendendo alguns que esta form a de interpo-

trarrazões (neste sentido, Gusm ão Carneiro, O novo recurso de agravo e outros estudos, p. 37). Para outros setores da doutrina, o prazo de cinco dias a que se referia a norm a era para o exercício, pelo juiz, do juízo de retratação, sendo de dez dias o prazo para oferecim ento das contrarrazões do agravado (neste sentido, que era por m im defendido nestas Lições, Teresa A rruda Alvim W am­bier, O novo regime do agravo, p. 154-155; José Carlos Teixeira Giorgis, Notas sobre o agravo, p. 38; Freitas Câmara, Lineamentos do novo processo civil, p. 106). Com a edição da Lei n° 10.352/2001, todavia, desapareceu a polêmica, já que esta deu nova redação ao aludido § 2° do art. 523, que passou a dizer que “interposto o agravo, e ouvido o agravado no prazo de 10 (dez) dias, o juiz poderá reform ar sua decisão”. É, pois, de dez dias o prazo para oferecim ento de contrarrazões pelo agravado, como sem pre sustentei.

103 Desistência, e não renúncia, já que o recurso já havia sido interposto. No sentido do texto, A lmeida Neves, Agravo: nova sistemática - e outros temas de exegese controvertida da reforma processual civil, p. 30; G usm ão Carneiro, O novo recurso de agravo e outros estudos, p. 27. Contra, em posição a m eu juízo, data venia, inaceitável, Paulino César M artins Ribeiro Couto, Comentários à Lei n° 9.139/95 e seus reflexos sobre os recursos de agravo e apelação, p. 16, onde se fala em renúncia.

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sição do recurso era opcional, podendo a parte in terpor o recurso por escrito, no prazo de dez dias previsto no art. 522.104 O utro setor da doutrina, porém, sem pre considerou (e esse posicionam ento contou, desde o início da vigência da Lei n2 9.139/1995, com nossa adesão) que as decisões interlocutórias profe­ridas em audiência deviam ser im pugnadas de imediato, por agravo retido oral, sob pena de preclusão.105 Essa posição sem pre nos pareceu a mais acertada, por privilegiar o princípio da oralidade, além de ser mais consentâneo com a busca da celeridade da jurisdição. Proferida decisão interlocutória em audiência, com as partes presentes e sendo de im ediato intimadas, deve o recurso ser desde logo interposto, abrindo-se oportunidade para, na própria audiência, ouvir-se o agravado e, em seguida, pronunciar-se o juiz no juízo de retratação. Com isso, dá-se mais valor à oralidade e à imediatidade, o que revela um apreço pelos princípios que nortearam a reform a do Código de Processo Civil.

A partir da entrada em vigor da Lei n2 11.187/2005, passou a ser ex­presso no texto do CPC o entendim ento que sem pre sustentei (ainda que o m esm o se revelasse m inoritário, e m inha opinião era com partilhada apenas pelo em érito processualista Carreira Alvim). Passou o texto da lei a dizer que: "Das decisões interlocutórias proferidas na audiência de instrução e julgam en­to caberá agravo na form a retida, devendo ser interposto oral e im ediatam ente, bem como constar do respectivo term o (art. 457), nele expostas sucintam ente as razões do agravante." Fica claro, assim, o que para m im não constituiu novidade, m as apenas a revelação daquele que já era o verdadeiro sentido da norm a: contra decisões interlocutórias proferidas em audiência só se adm ite a interposição oral do agravo retido, não sendo possível recorrer-se por escrito, nem se valer o recorrente do decêndio estabelecido no art. 522, caput.

É preciso observar, porém, um detalhe: a redação anterior deste § 3° do art. 523, vigente antes da Lei n2 11.187/2005, não fazia distinção entre audiên­cias, e era pacífico o entendim ento segundo o qual a norm a ali veiculada se apli­cava tanto às decisões proferidas em audiência de instrução e julgam ento como nas prolatadas em audiência preliminar. Já a redação atual, estabelecida pela citada Lei n2 11.187/2005, faz expressa referência à interposição oral do agravo retido na audiência de instrução e julgamento, o que parece excluir as demais audiências. Tem-se que lex minus dixit quam voluit, isto é, a lei m enos disse do que queria. Não há qualquer razão aceitável para excluir-se a admissibilidade da interposição oral do agravo retido contra decisões proferidas na audiência pre­liminar, ou em qualquer outra audiência que não a de instrução e julgamento. Penso, assim, que esse dispositivo deve ser interpretado extensivamente, e que

104 Este entendim ento sempre foi dominante, tendo sido sustentado, entre outros, por Gusmão Carneiro, O novo recurso de agravo e outros estudos, p. 33; Bermudes, A reforma do Código de Processo Civil, p. 84.

105 Neste sentido, Carreira Alvim, Novo agravo, p. 84; Freitas Câmara, Lineamentos do novo processo civil, p. 107-108.

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só será adm itido o agravo retido oral contra decisões proferidas em audiência (de qualquer natureza).

Merece registro, tam bém , o fato de que fica afastada a incidência desse dispositivo quando se tra ta r de decisão cuja im ediata eficácia seja capaz de gerar dano grave, de difícil ou impossível reparação (como, e. g., a decisão que, em audiência, indefere um a antecipação de tutela), caso em que não se poderá adm itir agravo retido, mas apenas o agravo de instrum ento, por força do que dispõe o caput do art. 522.

Apreciado o agravo retido, há que se passar à análise do agravo de ins­trum ento, o que passo a fazer. Q uando interposto por essa forma, o agravo irá im ediatam ente ao tribunal (ao contrário, pois, do agravo retido, que tem efeito devolutivo diferido). O agravo de instrum ento é assim denom inado porque, interposto o recurso por este meio, formam-se novos autos (o instrum ento do agravo), nos quais seguirá o procedim ento do recurso.

O agravo de instrum ento, ao contrário da generalidade dos recursos em nosso sistema, não é dirigido ao juízo a quo, mas apresentado diretam ente ao tribunal ad quem (art. 524 do CPC). Relembre-se que as regras aqui referidas só têm aplicação quanto aos recursos cabíveis contra decisões interlocutórias pro­feridas pelos juízos de prim eira instância. Assim sendo, o agravo contra decisão que nega seguim ento a recurso excepcional (art. 544 do CPC) deve ser inter­posto perante o tribunal recorrido, não se devendo, pois, dirigir o recurso di­retam ente ao tribunal de superposição (STF ou STJ) com petente para julgá-lo.

A petição de interposição do agravo de instrum ento deve conter a expo­sição dos fundam entos de fato e de direito, as razões do pedido de reform a (ou, acrescente-se, de invalidação) da decisão agravada, além do nom e e endereço dos advogados que atuam no processo (art. 5 2 4 ,1, II e III).

Justifica-se a necessidade de indicação dos nom es e endereços dos advo­gados, já que o recurso é apresentado diretam ente ao tribunal ad quem, sendo necessário que os m agistrados que irão julgar o agravo de instrum ento saibam quem são os advogados do agravante e do agravado.

A petição de interposição do recurso deverá, ainda, ser instru ída pelo agravante com as peças que irão form ar o instrum ento do agravo. Tais peças são divididas pelo art. 525 em dois grupos: obrigatórias (cópias da decisão agravada, da certidão da respectiva intimação, das procurações outorgadas aos advogados do agravante e do agravado) e facultativas (todas as peças que o agravante considerar úteis para que o tribunal possa julgar o recurso). A ausência de qualquer das peças obrigatórias im plica inadm issibilidade do re­curso por falta do pressuposto recursal consistente na regularidade form al.106

106 Carreira Alvim, Novo agravo, p. 98; Dinam arco, A reforma do Código de Processo Civil, p. 189. Deve-se considerar, porém , que as peças obrigatórias têm um a finalidade e, alcançada esta.

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Caso o recorrente deixe de instru ir seu agravo de instrum ento com um a peça que, não obstante facultativa, seja essencial à com preensão do recurso, deve o relator fixar prazo para que tal peça seja juntada, sob pena de não conheci­m ento do agravo.107

A petição de interposição do agravo de instrum ento deverá, também , vir acom panhada do com provante de recolhim ento das custas (preparo), nos term os do § I a do art. 525, sob pena de deserção.

A interposição do agravo de instrum ento, como dito, será feita através da apresentação da petição diretam ente ao tribunal com petente para apreciá- -lo. Permite a lei processual que o recurso seja protocolado diretam ente no tribunal ou enviado pelo correio,108 através de registrado postal com aviso de recebim ento. Pode, ainda, a lei de organização judiciária dispor acerca de ou­tras formas de interposição do recurso (como seriam, por exemplo, a possibili­dade de apresentá-lo em protocolo integrado do Judiciário, que o rem eteria ao tribunal, ou a apresentação do recurso por fax).109

No que concerne à interposição do recurso pelo correio, algumas ob­servações devem ser feitas. Em prim eiro lugar, é de se dizer que, apesar de a norm a te r sido obviam ente pensada para o fim de atender aos advogados que atuam nas comarcas do interior, m uitas vezes com dificuldade de locomoção até a capital, onde se localiza a sede do tribunal com petente para o julgam ento do recurso (sendo certo que, em alguns casos - Justiça Federal - , a sede do tri­

pode-se prescindir daquela peça, considerando-se admissível o recurso m esm o sem que ela tenha sido juntada. É o que se dá, por exemplo, quando falta a certidão de intim ação da deci­são recorrida (cuja finalidade é perm itir a aferição da tem pestividade do recurso), tendo sido o agravo in terposto dentro de dez dias da data da prolação da decisão agravada. N este caso, seria absolutam ente im possível que o recurso fosse intem pestivo, razão pela qual se deve considerar adm issível o recurso m esm o que aquela certidão não tenha sido jun tada à petição de interposi­ção do agravo de instrum ento .

107 Tenho assim sem pre entendido, por coerência com o que se susten tou no prim eiro volume destas Lições acerca do princípio do contraditório e da vedação de decisões que surpreendem a parte. E é assim que tenho sem pre procedido, quando n o exercício da relatoria em sede de agra­vo de instrum ento , fixando prazo para que o agravante jun te algum a peça não obrigatória que m e parece essencial à com preensão da controvérsia. Im pende deixar claro, porém , que não é este o en tendim ento predom inante na jurisprudência, tendo, inclusive, o TJRJ sum ulado o contrário do que aqui se susten ta (Enunciado na 104 da Súm ula da Jurisprudência D om inante do TJRJ).

108 Fala a lei que o recurso pode ser "postado no correio” (art. 525, § 2a), o que é evidente pleonasm o, criticado por toda a doutrina, já que postado significa precisam ente "depositado no correio”.

109 Diz o CPC que o agravo poderia ser interposto por outro modo previsto na "lei local”. A rigor, esse ato autorizativo de outros meios de interposição não precisa ser nem lei, nem local. A Lei na 9.800/1999, por exemplo, é lei federal, e perm ite a interposição de recursos (ou outras petições) por fac-símile ou outro meio idôneo. Também um ato adm inistrativo em anado do órgão compe­tente do Tribunal poderia prever outros meios de interposição do recurso.

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bunal pode até m esm o estar em outro Estado da Federação), não se pode negar que tam bém os advogados que atuam na comarca sede do tribunal poderão se valer desta faculdade, interpondo o agravo de instrum ento por via postal.

Além disso, há que se a ten tar para um a questão que tem gerado diver­gências na doutrina: a do horário da postagem do recurso. Isso porque, com o é sabido, o horário de funcionam ento das agências dos correios não coincide necessariam ente com o horário do expediente do protocolo do tribunal. Há, aliás, agências dos correios que funcionam 24 horas do dia (como, por exem­plo, costum a acontecer com as agências localizadas nos aeroportos in te rna­cionais). Com base nessa diversidade, surgiu então a seguinte dúvida: agravo de instrum ento in terposto por via postal, no últim o dia do prazo, após o encerram ento do expediente do protocolo forense (mas obviam ente durante o expediente da agência de correios), é tem pestivo? Parece-nos que sim .110 O recurso será tem pestivo se postado até o últim o m inuto do dia final do prazo de sua interposição (antes, portanto , da zero hora do dia seguinte).

Note-se, por fim, que o recurso será tido como interposto no m om ento da postagem, pouco im portando a data de sua chegada ao tribunal. Basta que o recurso seja postado dentro do prazo para que seja considerado tempestivo.

In terposto o agravo (e recebida a petição de interposição pelo tribunal), deverá ele ser im ediatam ente distribuído a um relator (art. 527, que fala em distribuição incontinenti, palavra que, segundo culto jurista, é de vem aculi- dade duvidosa).111 Este realizará um exame prelim inar do recurso, podendo - nas hipóteses do art. 557, já m encionadas anteriorm ente - rejeitar lim inar­m ente o agravo. Assim, por exemplo, se o relator verificar que o juízo a quo reform ou inteiram ente a decisão agravada, quando do juízo de retratação (de que se falará adiante), deverá considerar prejudicado o agravo de instrum ento (art. 529 do CPC).

Considerando o relator que não é caso de rejeição lim inar do agravo de instrum ento, deverá ele verificar se é caso de conversão do m esm o em agravo retido. Tal conversão se fará sem pre que o agravo de instrum ento tenha sido interposto contra decisão interlocutória que não seja capaz de gerar perigo im inente de dano grave de difícil ou impossível reparação. Também não haverá conversão se a decisão agravada deixou de receber apelação ou declarou os efeitos em que a apelação foi recebida.112 A decisão do relator que converte o

110 N o sen tido do texto , C arreira Alvim, Novo agravo, p. 100; Freitas Câm ara, Lineamentos do novo processo civil, p. 110-111. C ontra , en tendendo que o recurso deve ser postado no horário do expediente do protocolo forense para ser tido por tem pestivo, D inam arco, A reforma do Código de Processo Civil, p. 183.

111 Berm udes, A reforma do Código de Processo Civil, p. 92.

112 Com o exemplos de casos em que se converteu o agravo de instrum ento em agravo retido, citem -se os seguintes: agravo contra decisão que fixou o valor dos honorários do perito (TJRJ,

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agravo de instrum ento em agravo retido é irrecorrível, não sendo admissível, pois, a utilização do agravo interno. Pode-se, porém, requerer ao próprio rela­tor que se re tra te .113

Não ocorrendo a conversão do agravo de instrum ento em agravo reti­do, deverá o relator verificar se é caso de concessão de efeito suspensivo ao recurso, ou de antecipar a tu te la jurisdicional pretendida através do agravo de instrum ento.

Como se sabe, o agravo de instrum ento é recurso que, em regra, não produz efeito suspensivo (art. 497 do CPC). Admite-se, porém, a concessão excepcional de efeito suspensivo ao agravo de instrum ento toda vez que ocor­rer alguma das hipóteses previstas no art. 558 do Código de Processo Civil.

Nos term os do citado artigo de lei, "o relator poderá, a requerim ento do agravante, nos casos de prisão civil,114 adjudicação, remição de bens, levan­tam ento de dinheiro sem caução idônea e em outros casos dos quais possa resultar lesão grave e de difícil reparação, sendo relevante a fundam entação do recurso, suspender o cum prim ento da decisão até o pronunciam ento definitivo da tu rm a ou câmara". A hipótese mais im portante de cabim ento da concessão de efeito suspensivo é, sem dúvida, a ú ltim a das referidas na norm a, ou seja, aquela em que da decisão agravada "possa resultar lesão grave e de difícil re­paração, sendo relevante a fundam entação" do recurso. Em outros term os, sem pre que o agravante dem onstrar periculum in mora (fundado receio de dano grave, de difícil ou impossível reparação) e fum us boni iuris (probabilidade de existência da posição jurídica de vantagem afirmada), deverá ser concedido o efeito suspensivo. D ito de ou tra forma: toda vez que a decisão agravada puder

agravo de instrum ento na 0045518-96.2009.8.19.0000, rei. Des. Alexandre Câm ara); agravo contra decisão que acolheu im pugnação ao valor da causa (TJRJ, agravo de instrum ento n° 0035617-07.2009.8.19.0000, rei. Des. Alexandre Câm ara); agravo contra decisão que indeferiu a produção de provas (TJRJ, agravo de instrum ento n° 0038285-48.2009.8.19.0000, rei. Des. Alexandre Câm ara).

113 O fato de ser irrecorrível essa decisão pode ser um tiro n’água, já que tal irrecorribilidade pode abrir cam inho para a utilização anôm ala do m andado de segurança contra ato judicial.

114 Fala a lei em prisão civil, sem distinguir quanto à causa da prisão (dívida inescusável de alim entos, depósito infiel ou outra h ipótese qualquer em que a m esm a seja adm itida). Parece- -me, ainda assim , que a disposição ora referida não se aplica ao agravo contra a decisão que determ ina a prisão do devedor de alim entos. É que o art. 19, § 3°, da Lei de A lim entos (Lei n a 5 .478/68) é expresso em afirm ar que a interposição de agravo de instrum ento não suspende a execução da prisão do devedor de alim entos. Sendo certo que a lei geral (CPC) não revoga a lei especial (Lei de A lim entos), parece-m e que a norm a aqui com entada não se aplica à prisão do devedor de alim entos. Sobre o tem a, Freitas Câm ara, Lineamentos do novo processo civil, p. 113, no ta 16. Isto não im plica dizer, porém , que o devedor de alim entos tenha de ser sem pre preso, ainda que a decisão que determ inou a privação de sua liberdade seja teratológica. Penso que o m eio adequado para a defesa eficiente do devedor de alim entos contra a decisão que decreta sua prisão indevida é o habeas corpus.

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causar ao agravante algum dano grave, de difícil ou impossível reparação, e se verifique ser provável que, no julgam ento do agravo, a este se dê provimento, será possível a concessão de efeito suspensivo ao recurso.

É de se notar que o efeito suspensivo só poderá ser atribuído m ediante requerim ento do agravante. Formulado o requerim ento, e presente algum a das hipóteses previstas no art. 558 do CPC, o agravante terá direito à concessão do efeito suspensivo, ficando o relator obrigado a outorgá-lo.115

Poderá, ainda, o relator, com base no art. 527, III, do CPC (com a redação que lhe deu a Lei nQ 10.352/2001) conceder, em antecipação de tutela, total ou parcialm ente, a pretensão recursal, com unicando ao juiz sua decisão. Trata- -se do que vinha sendo chamado de efeito suspensivo ativo e que já estava se incorporando à prática dos tribunais, em bora ainda encontrasse algumas resis­tências (as quais, certam ente, desaparecem com a nova redação da lei proces­sual). A antecipação de tu te la em sede de recurso é perfeitam ente possível, e não só quando se tra ta de apelação. No que concerne ao agravo de instrum ento, a possibilidade de concessão da tu te la antecipada é extrem am ente relevante, principalm ente no que diz respeito às chamadas "decisões negativas”, em rela­ção às quais de nada adiantaria a concessão de efeito suspensivo. Pense-se, por exemplo, em um a decisão de caráter positivo, como a que defere a produção de certa prova. Interposto agravo de instrum ento contra tal decisão, e sendo con­cedido o efeito suspensivo, fica obstada a produção da prova até que se julgue o recurso. Confronte-se isto, agora, com o que se daria diante de um a decisão negativa, como a que indefere a produção de um a prova. Interposto o agravo de instrum ento, de nada adiantaria conceder efeito suspensivo, pois suspender os efeitos de um a decisão de indeferim ento não é, certam ente, o m esm o que deferir o que fora postulado. Assim é que se vislum brou a possibilidade de, em casos como este últim o, o relator conceder, desde logo, o resultado pretendido pelo agravante, antecipando, em caráter provisório, os efeitos da decisão de provim ento do agravo. Tem-se, assim, a antecipação da tu te la pretendida atra­vés do agravo de instrum ento, o que seria possível pela simples incidência do art. 273 do CPC, mas que agora se to rna mais claram ente perm itido por lei.

Não posso deixar de dizer, aqui, o seguinte: além do caso de decisão que não recebe a apelação ou que declara os efeitos em que esta é recebida, só se adm ite agravo de instrum ento contra decisões cuja im ediata eficácia seja capaz de gerar dano grave, de difícil ou impossível reparação. Parece razoável, en­tão, im aginar que sem pre que se in terpuser um agravo de instrum ento haverá requerim ento de concessão de efeito suspensivo ou de antecipação de tu tela (conforme a decisão agravada seja positiva ou negativa). Pareceu-nos, assim, em um prim eiro m om ento, que sem pre que não fosse caso de conceder o efei­to suspensivo ou a tu tela antecipada, estaria caracterizada a falta de urgência

115 No sentido do texto, C arreira Alvim, Novo agravo, p. 121.

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no julgam ento do agravo, o que implicaria, autom aticam ente, a conversão do m esm o em agravo retido (ressalvados, perdoe-se a insistência, os casos de de­cisão que não recebe a apelação ou declara os efeitos em que esta é recebida). Assim sustentei até a 14a edição deste volume. A partir daí, porém, passei a defender ou tra posição. É que não se pode negar a existência de graus diferen­tes de urgência. Assim, pode haver caso que não exija um provim ento im ediato (o que levará o relator a negar a tu te la antecipada ou o efeito suspensivo), m as que, por outro lado, seja incompatível com a retenção do recurso, já que m uitas vezes a necessidade de aguardar o m om ento oportuno para apreciação da apelação pode retirar, por completo, a utilidade do agravo interposto e que tenha ficado retido nos autos. Assim, é preciso adm itir que em alguns casos urgentes (mas não urgentíssim os) o relator, m esm o que negue a antecipação da tu te la ou a atribuição de efeito suspensivo, não converta o agravo de instru ­m ento em agravo retido.

A decisão do relator que defere (ou indefere) a concessão de efeito sus­pensivo ou de antecipação da tu te la recursal é irrecorrível (parágrafo único do art. 527, na redação que lhe deu a Lei n 2 11.187/2005), valendo aqui o que se disse anteriorm ente a respeito da irrecorribilidade da decisão que converte o agravo de instrum ento em agravo retido.

Não sendo caso de indeferim ento lim inar nem de conversão em agravo retido, o relator poderá (e o fará sem pre que houver necessidade de tom ar co­nhecim ento do que aconteceu na prim eira instância após a decisão agravada e a interposição do agravo de instrum ento) requisitar ao juízo a quo informações, as quais deverão ser prestadas no prazo de dez dias (art. 527, IV, do CPC).116

Deve o relator, ainda, determ inar a intim ação do agravado para, no prazo de dez dias, oferecer suas contrarrazões ao agravo de instrum ento. Essa in ti­mação será feita através do advogado do agravado (o que explica a exigência, referida anteriorm ente, de que da petição de interposição do agravo constem o nom e e o endereço do advogado do agravado). Faz-se a intim ação pelo Diário Oficial quando o advogado tiver escritório na comarca sede do tribunal e na­quelas em que o expediente forense é divulgado através daquele órgão oficial, e pelo correio, através de ofício postado sob registro e com aviso de recebim ento, quando o escritório do causídico for em comarca em que não circule o Diário Oficial (art. 527, V, do CPC, com a redação que lhe deu a Lei n 2 11.187/2005).

Nas contrarrazões, o agravado observará o disposto no art. 525, § 22, do CPC, o que significa dizer que sua petição será protocolizada no tribunal, de­

126 Sobre as inform ações a serem prestadas pelo juízo a quo, quando requisitadas pelo relator, é indispensável a consulta a Nagib Slaibi Filho, Informações do juiz no agravo de instrum ento , in Ensaios jurídicos: o direito em revista, vol. III, Ricardo B ustam ante e Paulo César Sodré (coords.), p. 400.

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positada no correio ou enviada por ou tra forma prevista na lei local (que, como já visto, não precisa ser nem lei, nem local).

Por fim, e após a manifestação do agravado (ou o decurso in albis do prazo de que este dispõe para oferecer suas contrarrazões), deverá o relator abrir vista dos autos do agravo de instrum ento ao M inistério Público (apenas, obviamente, se o recurso tiver sido interposto num processo em que o m esm o intervenha obrigatoriam ente), para que se m anifeste no prazo de dez dias, conforme dispõe o art. 527, VI, do CPC (na redação que lhe foi dada pela Lei n Q 11.187/2005).

Nos term os do art. 528 do CPC, o relator te rá um prazo (impróprio) de 30 dias, a contar da intim ação do agravado para oferecer contrarrazões, para pedir dia para julgam ento do recurso (ou, conforme dispuser o regim ento do tribunal, para pô-lo em m esa).

Deixou-se para o fim, propositadamente, a interpretação da norm a contida no art. 526 do CPC. Segundo este dispositivo, "o agravante, no prazo de 3 (três) dias, requererá juntada, aos autos do processo, de cópia da petição do agravo de instrum ento e do comprovante de sua interposição, assim como a relação dos docum entos que instruíram o recurso”. Verifica-se, assim, que a lei exige do agravante que, num prazo de três dias a contar da interposição do recurso, co­m unique ao juízo a quo que interpôs o agravo de instrum ento. Tal comunicação será feita por petição, a que devem ser anexados: cópia da petição de interposi­ção do recurso, cópia do comprovante de interposição do mesmo (normalmente um carimbo na própria cópia da petição ou o registro da postagem) e o rol das peças com que se instruiu o agravo.

Q uestão das mais controvertidas decorria da regra prevista neste dispo­sitivo que se acaba de referir: qual seria a conseqüência de não se fazer a co­municação ao juízo determ inada pelo art. 526 do CPC? Era possível identificar três posições doutrinárias. A prim eira corrente afirmava que a comunicação da interposição do agravo era m era faculdade do agravante, e a ausência de tal co­municação não acarretaria qualquer conseqüência processual.117 O utra corren­te doutrinária, que chegou a ser dom inante durante algum tem po, considerava que o não cum prim ento do disposto no art. 526 do CPC deveria levar ao não conhecim ento do recurso.118 Por fim, havia quem considerasse (em posição que nos parecia a preferível) que o não cum prim ento da determ inação tinha por finalidade única provocar o juízo de retratação. Assim sendo, o descum- prim ento da determ inação contida no art. 526 teria como única conseqüência tornar impossível o juízo de retratação, em nada influindo, contudo, no julga­m ento do agravo de instrum ento pelo tribunal.119

117 N este sentido, Dinam arco, A reforma do Código de Processo Civil, p. 194.

1,8 Assim , entre outros, C arreira Alvim, Novo agravo, p. 103; Greco Filho, Comentários ao proce­dimento sumário, ao agravo e à ação monitoria, p. 34.

119 Berm udes, A reforma do Código de Processo Civil, p. 91; Freitas Câm ara, Lineamentos do novo processo civil, p. 111-112.

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A Lei n Q 10.352/2001, todavia, veio ten tar pôr um a pá de cal nessa polê­mica, ao acrescentar um parágrafo único ao art. 526 do CPC, segundo o qual "o não cum prim ento do disposto neste artigo, desde que arguido e provado pelo agravado, im porta inadm issibilidade do agravo". Fica, assim, fixada um a sanção para o descum prim ento do com ando contido no art. 526 do CPC: o não conhecim ento do agravo de instrum ento. Tal sanção, como resulta claro do dis­posto no texto legal, só será aplicada se o agravado arguir (o que fará em suas contrarrazões) e provar (o que fará através da juntada de um a certidão do juízo de prim eiro grau inform ando que a comunicação não foi feita).

Do texto da lei resulta claro que a comunicação da interposição do agra­vo de instrum ento está diretam ente ligada aos interesses do agravado, já que depende dele a aplicação da sanção. E isso se explica facilmente: sendo o agra­vo de instrum ento o único recurso que se interpõe diretam ente no tribunal ad quem, pode ser m uito difícil para o agravado ter acesso a um a cópia da petição de interposição do recurso em alguns casos. Pense-se, por exemplo, em pro­cesso que tram ite perante a Justiça Federal de Rio Branco, capital do Estado do Acre. Nesse caso, o agravo de instrum ento será interposto perante o TRF da Prim eira Região, com sede em Brasília. Sendo certo que o agravante não precisa se deslocar até Brasília para interpor seu recurso, que pode ser enviado pelo correio, surge um enorm e prejuízo para o agravado, que teria de ir até a sede do tribunal para obter cópia da petição de interposição do agravo, a fim de poder elaborar adequadam ente suas contrarrazões.

Deve-se, assim, entender que a comunicação da interposição do agravo a que se refere o art. 526 do CPC tem duas finalidades: provocar o juízo de retra­tação e facilitar o exercício do direito de defesa pelo agravado. Sendo assim, não se efetivando a comunicação de interposição do recurso, ficará o juiz de primeiro grau impedido de exercer o juízo de retratação e, além disso, não poderá o tribu­nal - desde que a questão seja suscitada e dem onstrada pelo agravado - conhecer do agravo de instrum ento.

Esta últim a observação, porém , leva a um a reflexão. Sendo a com unica­ção de interposição do agravo de instrum ento destinada (também) a facilitar o exercício do direito de defesa do agravado, não nos parece razoável interpretar o texto legal como se o m esm o adm itisse que a m era declaração de vontade do agravado, acom panhada da prova de que o fato alegado é verdadeiro, seja capaz de im pedir o conhecim ento do recurso. A nosso sentir, não se poderá deixar de conhecer do agravo de instrum ento quando, não obstante o agravado tenha arguido e provado que a comunicação a que se refere o art. 526 do CPC não tenha sido feita, para ele não houver resultado qualquer prejuízo. Volte-se ao exemplo anteriorm ente figurado, do processo que tram ita na Justiça Fede­ral de Rio Branco (AC), e confronte-se a hipótese com a de um processo que tram ita perante um a Vara Cível da comarca do Rio de Janeiro, localizada no fórum central da comarca. N o prim eiro caso, é im ensa a distância que separa

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a sede do juízo de prim eiro grau da sede do tribunal. No segundo exemplo, tan to a sede do juízo de prim eiro grau como a sede do tribunal se localizam no m esm o edifício, a apenas alguns andares de distância. Em um caso como este, a ausência de comunicação da interposição do agravo de instrum ento é incapaz de acarretar, para o agravado, qualquer prejuízo, já que não se tom ará para ele mais difícil obter cópia da petição de interposição do agravo de instrum ento. Nesse caso, a nosso juízo, não há qualquer razão para o não conhecim ento do agravo, já que a ausência de comunicação da interposição do recurso não terá provocado qualquer prejuízo para o recorrido. Entendo, pois, pelos motivos expostos, que a ausência de comunicação da interposição do agravo de ins­trum ento prevista no art. 526 do CPC só acarretará o não conhecim ento do recurso, nos term os do parágrafo único desse artigo, quando o agravado arguir a questão, cabendo-lhe comprovar não só a ausência da comunicação, mas tam bém o prejuízo que daí decorreu para ele.

Assim sendo, cabe ao agravante o ônus de provocar o juízo de retratação, o que fará através da comunicação ao juízo a quo prevista no art. 526, a ser efetivada no prazo de três dias a contar da interposição do agravo de instru ­m ento. Provocado pelo agravante, poderá o juízo de prim eiro grau m anter ou reform ar sua decisão, sendo tal retratação possível a qualquer tem po, antes do julgam ento do agravo pelo tribunal.120

É de se verificar que o juiz de prim eiro grau não deverá ouvir o agravado antes de decidir se m antém ou reforma a decisão agravada. Eventual m anifesta­ção do agravado se dará nos autos do recurso. Ouvir o agravado para, só depois, decidir se m antém ou reform a a decisão agravada é criar um procedim ento incidente que não está previsto na lei. Tratar-se-ia de verdadeiro “endoagravo”, o qual deve ser evitado.121

2.3 Embargos Infringentes

Trata-se de recurso exclusivo do D ireito brasileiro, sem sim ilar no m o­derno Direito Com parado,122 e cuja abolição é defendida por alguns setores da mais m oderna doutrina nacional.123 Pareceu-me, até a terceira edição deste livro, que a abolição dos embargos infringentes não seria adequada, m as m u­dei m eu entendim ento, como já afirmado em passagem anterior destas Lições. Assim, defendo a abolição total dos em bargos infringentes, não me parecendo

120 G usm ão Carneiro, O novo recurso de agravo e outros estudos, p. 58.

121 Carreira Alvim, Novo agravo, p. 113.

122 Egas Dirceu M oniz de Aragão, Embargos infringentes, p. 71.

123 Luiz G uilherm e M arinoni, Tutela antecipatória, julgamento antecipado e execução imediata da sen­tença, p. 227-229.

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adequado que o m ero fato de ter havido voto divergente em um julgam ento colegiado deva ser capaz de perm itir a interposição de recurso contra a deci­são proferida. O legislador, todavia, em alteração promovida no sistem a de recursos do processo civil brasileiro após a quin ta edição deste livro (Lei n 2 10.352/2001), optou por m anter os em bargos infringentes, em bora reduzindo bastante o seu cabim ento. Assim é que o recurso, antes cabível contra acór­dãos não unânim es proferidos em julgam ento de apelação ou de "ação resci­sória”, passou a caber apenas contra algumas das possíveis decisões proferidas naquelas duas sedes.

Embargos infringentes são o recurso cabível contra acórdão não unânim e que, no julgam ento de apelação,124 reform a a sentença de m érito ou, em "ação rescisória”, julga procedente o pedido de rescisão da sentença transitada em julgado (art. 530 do CPC, com a redação que lhe deu a Lei n2 10.352/2001).

Como se sabe, dá-se o nom e de acórdão às decisões proferidas por ór­gãos colegiados (art. 163 do CPC).125 Sendo a decisão ali proferida tom ada por maioria, nos casos de apelação e de "ação rescisória”, desde que o resultado do julgam ento tenha sido um dos referidos no art. 530 do CPC, o fato de existir voto vencido tom a possível a interposição de embargos infringentes.

Vê-se, assim, que não basta que se tenha um acórdão não unânim e pro­ferido em sede de apelação ou de "ação rescisória” para que seja admissível o recurso. Assim era, registre-se, antes da vigência da Lei n2 10.352/2001. Não é mais assim, porém , que funciona o sistem a recursal brasileiro.

Em sede de apelação, só será cabível o recurso de que ora se tra ta se, no acórdão não unânim e, tiver sido reform ada a sentença de m érito. Assim sendo, nos casos em que - m esm o que por m aioria - se anula sentença de mérito, se "confirm a” tal sentença, se "confirma”, reform a ou anula sentença term inati­va, o recurso não é mais cabível.126

Passa-se, assim, a um sistem a análogo ao vigente antes do Código de Processo Civil de 1973. O CPC de 1939 expressam ente adm itia em bargos in­fringentes quando não fosse unânim e o acórdão que, em grau de apelação,

124 Não se adm item em bargos infringentes quando o acórdão não unânim e é proferido no julgam ento de reexame necessário (enunciado ne 390 da Súm ula do STJ). De ou tro lado, cabem em bargos infringentes se a divergência se deu no ju lgam ento de agravo retido, desde que verse este sobre m atéria de m érito (Enunciado n° 255 da Súm ula do STJ).

125 Fala-se em acórdão, ainda que a decisão seja tom ada por órgão colegiado estranho ao tri­bunal, a despeito do que transparece da literalidade do art. 163 do CPC. É pensar, por exem­plo, no acórdão proferido pela tu rm a recursal, nos Juizados Especiais Cíveis (art. 46 da Lei n a 9 .099/1995), a qual não integra o tribunal, sendo órgão de prim eira instância (sobre a tu rm a recursal com o órgão de prim eira instância, confira-se Alexandre Freitas Câm ara, Dos procedimen­tos sumário e sumaríssimo, p. 106, no ta 74.

126 TJRJ, em bargos infringentes ne 0035269-86.2009.8.19.0000, rei. Des. Alexandre Câmara, j. em 4 /3 /2009 .

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houvesse reform ado a sentença (art. 833 do CPC de 1939, devendo-se recor­dar que, ao tem po daquele Código, só se adm itia apelação contra sentenças definitivas, nos term os do que dispunha o art. 820 do m esm o diplom a). E é fácil entender as razões que levaram o legislador a lim itar o cabim ento dos em bargos infringentes em sede de apelação à decisão que, por maioria, refor­m a a sentença de m érito. É que nesse caso, se se som ar o juiz que proferiu a sentença reform ada ao que proferiu o voto vencido no julgam ento da apelação, verificar-se-á que, um a vez ultim ado o julgam ento desse recurso, dois magis­trados terão se manifestado, no m érito, em um sentido, enquanto dois outros (os que proferiram os votos vencedores na apelação) terão se manifestado em sentido diverso. Tem-se, assim, um verdadeiro em pate, servindo os embargos infringentes para perm itir o desem pate no julgam ento.

O m esm o não se dá quando é outro o resultado do julgam ento da ape­lação. Quando a sentença de m érito é "confirmada” por maioria, têm -se três manifestações em um sentido (a do juiz de prim eiro grau e a dos prolatores dos votos vencedores) contra um a em sentido contrário (a do prolator do voto vencido). Quando a sentença de m érito é anulada, ou tra será proferida em seu lugar, contra a qual caberá nova apelação, não havendo qualquer razão para que se use este recurso desempatador. O m esm o se diga em relação às sentenças term inativas. Quando o tribunal, em julgam ento de apelação, "confirm ar” por m aioria um a sentença terminativa, sempre será possível ajuizar-se novam ente a dem anda, o que tom a desnecessária a utilização dos em bargos infringentes. De outro lado, reformada ou anulada a sentença term inativa, ou tra sentença será proferida em prim eiro grau de jurisdição, contra a qual caberá nova apela­ção, sendo aí possível a interposição - se estiverem presentes os requisitos - de em bargos infringentes.

É preciso, assim, que o acórdão não unânim e tenha reformado a sen­tença de m érito (no todo ou em parte ),127 para que contra o m esm o caibam em bargos infringentes.

De outro lado, no que concerne ao julgam ento de "ação rescisória”, a decisão de improcedência do pedido de rescisão, ainda que por maioria, pre­serva a coisa julgada, razão pela qual não há qualquer razão para adm itir-se o recurso. De outro lado, a decisão que, por maioria, julga procedente o pedido de rescisão revela um a divergência quanto a ser ou não caso de desconstituição da coisa julgada material. Sendo esta um a garantia de estabilidade jurídica e social, considerou-se necessária a existência de um mecanismo que perm itisse conferir o acerto de tal desconstituição, e tal mecanismo é o recurso chamado de em bargos infringentes.

127 M iguel Seabra Fagundes, Dos recursos ordinários em matéria civil, p. 382, em lição que, após a entrada em vigor da Lei n° 10.352/2001, volta a ser de grande atualidade.

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Os em bargos infringentes são cabíveis no prazo de 15 dias (art. 508 do CPC) e ficam lim itados pelo que foi objeto da divergência (art. 530, in fine , na redação que lhe deu a Lei n ô 10.352/2001). Significa isto dizer que o lim ite dos em bargos infringentes é o voto vencido.

Em outras palavras, o que se quer dizer é que com os em bargos infringen­tes não se poderá devolver ao tribunal o conhecim ento da m atéria que tenha sido decidida por unanim idade (ainda que reform ando a sentença de m érito ou julgando procedente o pedido de rescisão). É de se dizer, aliás, que nos term os do art. 498 do CPC (com a redação que lhe deu a Lei nQ 10.352/2001), haven­do no acórdão um a (ou mais) decisão unânim e e ou tra tom ada por maioria, será cabível a interposição de em bargos infringentes contra esta (desde que presentes os requisitos de cabim ento estabelecidos no art. 530 do CPC), não correndo desde logo o prazo para interposição de recurso especial ou extraor­dinário contra a parte não embargável da decisão.128 Interpostos os embargos infringentes, o prazo para interposição de recurso especial ou extraordinário será um só, a correr da intim ação do julgam ento daquele recurso, e será possí­vel em um só recurso especial ou extraordinário atacar-se a parte não em bar­gável do prim eiro julgam ento (da apelação ou da "ação rescisória”) e a decisão proferida no julgam ento dos em bargos infringentes. Não tendo sido, por outro lado, interpostos os em bargos infringentes, o prazo para interposição de recur­so especial ou extraordinário contra as decisões não embargáveis corre a partir do trânsito em julgado da parte embargável do acórdão.

Lim itam -se, pois, os em bargos infringentes pelo que ten h a sido objeto da divergência. Assim , por exemplo, num a apelação em que, por m aioria, se tenha reform ado a sentença de m érito para o fim de condenar o dem andado a pagar ao dem andante um a quantia determ inada, vencido um dos in tegran­tes da tu rm a julgadora, que votava no sentido de se "confirm ar” a sentença de m érito, declarando a inexistência da obrigação, será possível a in terposi­ção de em bargos infringentes com o fim de se obter a reform a do acórdão, passando a prevalecer o voto vencido, declarando-se assim a inexistência da dívida. Se, por ou tro lado, o voto vencido tivesse sido no sentido de tam bém reform ar a sentença de m érito, m as para condenar o dem andado a pagar ao dem andante um valor diferente daquele declarado nos votos vencedores, os em bargos infringentes, tam bém aqui lim itados pelo voto vencido, som ente perm itiriam a reform a da decisão para que - ainda um a vez buscando fazer

128 E não só contra a parte unânim e, com o diz expressam ente o texto do art. 498, um a vez que pode haver decisão não unânim e contra a qual não caibam em bargos infringentes (pense-se, por exemplo, em um processo que tenha por objeto duas pretensões, um a de condenação por danos m orais, ou tra de condenação por danos m ateriais, em que a sentença de m érito seja reform ada por m aioria quanto a um a das pretensões e “confirm ada” por m aioria quanto à outra; caso em que esta segunda decisão, m esm o tendo sido tom ada por maioria, é não embargável, não cor­rendo desde logo o prazo para interposição, contra ela, de recurso especial ou extraordinário).

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prevalecer o voto vencido - fosse modificado o valor da condenação para que prevalecesse aquele declarado no voto m inoritário . Não seria possível, nesta ú ltim a hipótese, em sede de em bargos infringentes, declarar a inexistência da dívida, restaurando-se a sentença de prim eiro grau, já que teria havido unanim idade quanto ao ponto no julgam ento da apelação.

Situação interessante ocorreria se todos os julgadores considerassem existente a obrigação, divergindo apenas quanto ao valor, tendo cada m agistra­do proferido voto em um sentido diferente dos demais. Assim, por exemplo, se no julgam ento de um a apelação o relator condena o réu a pagar 100 mil reais, o revisor a pagar 60 mil reais e o vogal a pagar 50 mil reais. A prim eira dificuldade, nesta hipótese, é saber qual foi o resultado do julgam ento. Diverge a doutrina quanto ao ponto. Há quem considere ser adequado, na hipótese, obter a m édia aritm ética dos votos (no exemplo figurado, 70 mil reais),129 en­quanto outro sistem a alvitrado é o da "continência”.130 Por este sistem a, que me parece o mais adequado, deve-se buscar, nas divergências quantitativas (como a do exemplo alvitrado), a quantidade que esteja contida no m enor núm ero de votos suficientes para form ar m aioria de votos. Assim, no exemplo trazido (1Q juiz: 100 mil; 2Q juiz: 60 mil; 3Q juiz: 50 mil), o resultado final seria no sentido de condenar o réu a pagar 60 mil reais, já que esta quantidade está contida em dois votos (enquanto a condenação a pagar 50 mil está contida em três votos). Sendo, na hipótese, dois votos o m enor núm ero de votos capaz de formar maioria, deveria prevalecer então o voto do segundo magistrado.

Nesse caso, então, será condenado o réu a pagar ao autor a quantia de 60 mil reais, vencidos o relator (que condenava a pagar 100 mil reais) e o vogal (que condenava a pagar 50 mil reais). Será possível, então, a interposição de em bargos infringentes por qualquer das partes (o autor para fazer prevalecer o voto do relator, que lhe é mais favorável; o réu para que prevaleça o voto do vogal, pelas m esm as razões).

Mais complexa é a solução desse fenômeno, chamado "dispersão de votos”,131 quando se tratar de divergência qualitativa. Tal se dará toda vez que não houver maioria a favor de nenhum a posição, sendo que cada magistrado terá votado por um a solução qualitativam ente diversa. Assim, por exemplo, se cada magistrado condena o dem andado a entregar ao dem andante um a coisa diversa das referidas pelos demais (e. g.f o relator condena o dem andado a en­tregar um automóvel; o revisor o condena a entregar um a motocicleta; o vogal a entregar um a lancha). N este caso tam bém podem ser alvitradas diversas formas

129 Esta a solução adotada no Regim ento In terno do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

130 Este o sistem a adotado pelo Regim ento In terno do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

131 M oniz de Aragão, Embargos infringentes, p. 137.

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de solucionar o problema. Assim, por exemplo, será possível obrigar-se o juiz que tiver optado pela solução m enos sufragada a optar por um a das duas mais votadas (o que não seria capaz de solucionar o exemplo figurado, m as poderia ser adequado num colegiado formado por cinco magistrados, em que houvesse dois votos pelo automóvel, dois pela motocicleta e um pela lancha, caso em que o defensor desta últim a posição deverá optar por aderir a um a das duas anteriores). O utra solução possível seria convocar outros juizes, em núm ero suficiente para provocar o desem pate. Por fim, pode-se optar por um sistem a que determ ine, nesta hipótese, a realização de um a nova votação, entre duas das soluções conflitantes, excluindo-se a vencida. A vencedora nessa segunda votação seria, então, subm etida a outra votação com outra das soluções adm iti­das, e assim sucessivamente, até que sobrassem apenas duas delas, devendo ser adotada a que, no confronto a que forem submetidas, tiver o m aior núm ero de sufrágios.132 No exemplo proposto, a solução então seria a seguinte: colocar em votação as duas primeiras propostas (condenar o réu a entregar um automóvel ou um a motocicleta). A solução mais votada (por exemplo: a condenação à entrega do automóvel) excluiria a outra e, em seguida, seria subm etida a outra rodada de votações, confrontando-se com a terceira proposição. Prevaleceria, assim, a solução que, nessa últim a rodada de votos, tivesse maior quantidade de sufrágios (por exemplo, a condenação à entrega da lancha).133

Nesse caso, seriam tam bém cabíveis embargos infringentes, podendo qualquer das partes recorrer, a fim de m anifestar sua pretensão de que pre­valeça o voto vencido que lhe é mais favorável do que o voto afinal vencedor.

É de se notar, aliás, que, nos casos de dispersão de votos, havendo voto vencido mais favorável ao dem andante e voto vencido mais favorável ao de­m andado, é possível a interposição de em bargos infringentes pela via adesiva (art. 500, II, do CPC).

In terposto o recurso de em bargos infringentes, abre-se vista dos au­tos ao recorrido para contrarrazões, o que será feito pela secretaria do órgão colegiado pro lator do acórdão recorrido. Em seguida, o relator do acórdão em bargado apreciará a adm issibilidade do recurso (art. 531 do CPC, com a redação que lhe deu a Lei nQ 10.352/2001). É de se frisar que por "relator do acórdão” deve-se entender, em verdade, redator do acórdão. Isso porque pode ter sido vencido o relator da apelação (ou da "ação rescisória”), hipótese em que será designado para redigir o acórdão o prim eiro m agistrado que tenha proferido voto vencedor. Este será, então, o redator do acórdão, que a lingua­gem tradicional denom ina "relator designado para o acórdão”. Caberá, pois,

132 Este o sistem a adotado, en tre outras Cortes, pelo TJRJ.

133 Sobre as formas de se resolver o problema da dispersão de votos, tanto nas hipóteses de diver­gência qualitativa, como nas de divergência quantitativa, Barbosa Moreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, p. 580-581.

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ao redator do acórdão (seja ele próprio o relator ou o m agistrado designado para redigir o acórdão em razão de ter ficado vencido o relator) exercer o juízo de adm issibilidade.134

É de se recordar que, a despeito do silêncio da lei (e até m esm o em razão dele), os em bargos infringentes produzem efeito suspensivo, não podendo, assim, produzir efeitos o acórdão recorrido enquanto pendente de julgam ento o recurso.

Não se pode deixar de lembrar, porém , que o efeito suspensivo dos em bargos infringentes im pede a produção de efeitos do acórdão em bargado. Imagine-se, pois, um a hipótese em que a apelação não era dotada de efei­to suspensivo, como, por exemplo, no caso de apelação contra sentença que condena a prestar alim entos. Interposta a apelação, era possível a execução im ediata da sentença (cham ada tradicionalm ente de "execução provisória”). Reformada que seja a sentença por maioria, vencido um dos m agistrados in­tegrantes da tu rm a julgadora do recurso, que "confirmava” a sentença de pri­m eiro grau, a interposição dos em bargos infringentes suspende a eficácia do acórdão em bargado. Isso im pede que se produza desde logo o efeito desse, ou seja, a atribuição de certeza à inexistência de obrigação de alimentar. Suspen­sa a eficácia do acórdão, perm anece eficaz a sentença condenatória proferida em prim eiro grau de jurisdição, sendo possível - portanto - prosseguir a exe­cução im ediata dos alim entos.

Da decisão do relator (rectius, redator) que inadm itir os em bargos infrin­gentes será cabível agravo interno (ou agravo por petição), no prazo de cinco dias, devendo esse recurso ser julgado pelo órgão que seria com petente para julgar os em bargos infringentes inadm itidos (art. 532 do CPC).

Adm itidos que sejam os em bargos infringentes, serão eles processados e julgados conforme dispuser o regim ento do tribunal (art. 533 do CPC, com a redação que lhe deu a Lei nc 10 .352/2001)135 e, caso a norm a regimental assim o determ ine, será escolhido novo relator, caso em que a escolha recairá, sem pre que possível, em m agistrado que não tenha participado do julgam ento embargado (art. 534 do CPC, tam bém alterado pela Lei nQ 10.352/2001).

Não sendo caso de rejeição lim inar do recurso (aplicável que é à hipótese o art. 557 do CPC) ou de lhe dar provim ento im ediatam ente (art. 557, § 1Q-A do m esm o Código), te rá o relator de elaborar novo relatório, devendo - em se­guida - serem os autos rem etidos ao revisor, após o que será levado o recurso a julgam ento pelo órgão colegiado. Antes desse julgam ento, porém , deverá a secretaria providenciar cópias do relatório, as quais serão entregues a todos os

134 N esse sentido, conferir Freitas Câmara, Lineamentos do novo processo civil, p. 118-119; Bermu­des, A reforma do Código de Processo Civil, p. 98.

135 Sobre essa regra de escolha do relator dos em bargos infringentes, Freitas Câmara, Lineamen­tos do novo processo civil, p. 120-121.

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m agistrados que com põem o órgão com petente para o julgam ento dos em bar­gos infringentes (art. 553 do CPC).

No julgam ento pelo órgão ad quem, obviamente, deverá o colegiado reali­zar, inicialm ente, o juízo de adm issibilidade do recurso, a fim de verificar se é caso de conhecer ou não do recurso. Adm itidos que sejam os em bargos infrin­gentes, aí sim se poderá passar ao juízo de m érito, onde se apreciará se é caso de acolher ou rejeitar a pretensão m anifestada pelo em bargante.

2.4 Embargos de Declaração

Previstos nos arts. 535 a 538 do Código de Processo Civil, os embargos de declaração são um institu to de natureza bastante controvertida. Parte da doutrina nega-lhes a natureza de recurso, preferindo considerar que se trata de m ero incidente do julgam ento.136 O utros autores há que consideram os em bargos de declaração verdadeiro recurso, como aliás são considerados pela lei processual.137

Esta últim a parece m esm o a m elhor posição. Em prim eiro lugar, h á que se considerar que a atribuição de natureza recursal a determ inado institu to é função do legislador, cabendo ao intérprete, tão som ente, acatá-la (ao m enos de lege lata) .138 E quanto a tal m odo de proceder, nosso legislador foi de extrem a clareza. Os em bargos de declaração estão tratados no CPC dentro do Título que regula os recursos. Além disso, no art. 538, o CPC dispõe que a in terpo­sição dos em bargos de declaração interrom pe o prazo para oferecimento de outros recursos, o que m ostra que a lei atribui ao institu to de que aqui se trata a natureza recursal.

Em segundo lugar, é de se considerar que os em bargos de declaração integram -se com precisão no conceito de recurso a m anifesto adesão. Trata- -se de rem édio voluntário idôneo a ensejar, dentro do m esm o processo, o es­clarecimento ou a integração da decisão judicial im pugnada. Inegável, pois, a natureza recursal do instituto.

Os em bargos de declaração são cabíveis contra qualquer provim ento ju ­dicial de conteúdo decisório: sentenças, acórdãos e, apesar do silêncio da lei, decisões interlocutórias.139 Buscam, como se verifica pela leitura do art. 535 do

136 Berm udes, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VII, p. 223-224; Idem, A reforma do Código de Processo Civil, p. 101; Lauria Tucci, Curso de direito processual civil, vol. III, p. 387.

137 Barbosa M oreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, p. 497; Sônia M árcia Hase de A lm eida Baptista, Dos embargos de declaração, p. 66; Vicente M iranda, Embargos de declaração no processo civil brasileiro, p. 12.

138 Barbosa M oreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, p. 497.

139 M iranda, Embargos de declaração no processo civil brasileiro, p. 44; Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. I, p. 586; Freitas Câm ara, Lineamentos do Novo Processo Civil, p. 124-

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CPC, im pugnar decisão judicial eivada de obscuridade, contradição ou om is­são. Nas duas prim eiras hipóteses (obscuridade e contradição), previstas no art. 535, I, do CPC, os em bargos de declaração são destinados a perm itir o esclarecimento da decisão judicial; na segunda (om issão), regulada pelo art. 535, II, têm por fim a integração da decisão.

Recorde-se, aqui, o que já ficou dito quando da análise do conceito de recurso: nos embargos de declaração destinados ao esclarecimento de decisão obscura ou contraditória não se quer que o juízo redecida, m as que reexprima o decidido.140 Em outros term os, tratando-se de decisão obscura ou contraditória, o que se pretende com os embargos de declaração é que o juízo dê outra reda­ção ao provim ento recorrido, m antendo-se, porém, o conteúdo da decisão. Já no que se refere aos embargos de declaração contra decisão omissa, em que se pretende a integração do provimento, espera-se que o juízo reabra a atividade decisória, examinando a questão sobre a qual perm anecera omisso. Isso pode levar, como visto anteriorm ente, à alteração do conteúdo do provim ento embar­gado (apenas se adm ite tal resultado nos embargos de declaração fundados em omissão, não nos fundados em obscuridade ou contradição).141 Repita-se, aqui, o exemplo anteriorm ente figurado: ajuizada dem anda em que se pede a conde­nação do dem andado ao pagam ento de certa quantia, o dem andado contesta alegando nulidade do contrato que deu origem à relação jurídica deduzida em juízo e prescrição do crédito do dem andante. O juiz, na sentença, afasta a alega­ção de nulidade, reputando válido o contrato, e julga o pedido do autor proce­dente, restando omisso quanto à alegação de prescrição. Interpostos embargos de declaração, poderá o juiz verificar que a prescrição realm ente ocorrera, dando provimento aos embargos e afirmando a inexistência do direito do dem andante.

125. Contra, entendendo que apenas as sentenças e os acórdãos adm item em bargos de declara­ção, Lauria Tucci, Curso de direito processual civil, vol. III, p. 389. A note-se, aliás, certa tendência doutrinária no sentido de adm itir em bargos de declaração tam bém contra despachos de m ero expediente, o que m e parece inadequado, já que tais provim entos não têm conteúdo decisório, bastando, pois, para que se possa sanar obscuridade, contradição ou om issão neles contida, que se in terponha petição sim ples, a qualquer tem po. Adm item , porém , os em bargos de declaração contra despachos, en tre outros, A lmeida Baptista, Dos embargos de declaração, p. 88; Bermudes, A reforma do Código de Processo Civil, p. 101.

140 Recorde-se, quanto ao ponto, a h istória do roubo ocorrido no palácio do governador, conta­da por Berm udes e por m im reproduzida na prim eira parte deste capítulo.

141 É, aliás, sintom ático que o legislador tenha regulado a m atéria em dois incisos do art. 535, colocando no inciso I as h ipóteses em que o recurso é cabível contra provim ento prolatado após o encerram ento da atividade decisória, quando se busca, tão som ente, seu esclarecim ento, e no inciso II a hipótese em que os em bargos de declaração são cabíveis contra pronunciam ento judicial lacunoso, proferido sem que se tivesse realizado por com pleto a atividade decisória, caso em que se pede sua integração. Sempre m e pareceu, aliás, que a denom inação em bargos de declaração só se m ostra adequada para as h ipóteses previstas no inciso I do art. 535, sendo mais razoável cham ar-se o recurso, na ou tra hipótese (inciso II), de em bargos de integração. Usarei, porém , no texto, a term inologia da lei, pois a ela se está vinculado, ao m enos de lege lata.

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Verifica-se, pois, que os embargos de declaração, nesta hipótese, terão como efeito a modificação do julgado. São os chamados embargos de declaração com efeitos infringentes (ou com efeitos modificativos), os quais devem ser adm iti­dos no vigente Direito pátrio .142 É de se notar, aliás (e com isso se tem mais um argum ento em favor da admissibilidade dos efeitos infringentes dos embargos de declaração), que, nos term os do art. 463, II, do CPC, a sentença de m érito (e, a fortiori, todos os demais provimentos judiciais) pode ser alterada (isto é, modificada) quando forem interpostos embargos de declaração.

Os embargos de declaração são cabíveis num prazo de cinco dias e estão isentos de preparo (art. 536 do CPC). Cabe ao em bargante apontar, na peti­ção de interposição do recurso, qual a obscuridade ou contradição contida no provim ento em bargado, ou ainda qual o ponto sobre o qual o pronunciam ento judicial perm aneceu omisso. Trata-se de recurso desprovido de efeito devo­lutivo, já que seu julgam ento é da com petência do próprio órgão prolator da decisão embargada.

D iscute-se, aliás, se haveria vinculação do juiz que prolatou a decisão em bargada para o julgam ento dos em bargos, isto é, se os em bargos de decla­ração teriam de ser necessariam ente apreciados pelo m esm o ju iz que profe­riu a decisão recorrida. Não parece possa haver dúvida de que o princípio da im ediatidade física do juiz é inaplicável à h ipó tese .143 A com petência para o julgam ento dos em bargos de declaração é do m esm o órgão jurisdicional que proferiu a decisão em bargada. Isso se dá em razão de não ser o juiz (pessoa natural) sujeito do processo, m as m ero agente público que, no exercício de suas funções, a tua em nom e do Estado-juiz. O princípio da im ediatidade física, que vincula um juiz a determ inado processo, só se justifica quando a m udança da pessoa do juiz possa ser prejudicial para a efetividade da pres­tação jurisdicional. Por tais m otivos, aliás, é que tal princípio é de raríssim a aplicação no D ireito brasileiro, estando previsto no art. 132 do CPC, que contém tan tas exceções ao referido princípio que nos perm ite afirm ar que o princípio da identidade física do juiz é que consiste na verdadeira exceção, e não na regra geral.

142 No sentido do texto, adm itindo os em bargos de declaração com efeitos infringentes, Almei­da Baptista, dos embargos de declaração, p. 138-176; Barbosa M oreira, Comentários ao Código de Pro­cesso Civil, vol. V, p. 507-508. Contra, negando que os em bargos de declaração possam modificar o conteúdo da decisão em bargada, M iranda, Embargos de declaração no processo civil brasileiro, p. 63.

143 No sentido do texto, M iranda, Embargos de declaração no processo civil brasileiro, p. 69. Contra, entendendo o princípio aplicável, em bora com alguns tem peram entos, A lmeida Baptista, Dos embargos de declaração, p. 94 (a ilustre ju rista aqui referida dá ao tópico onde se encontra o trecho aqui citado o títu lo "inaplicabilidade do princípio da identidade física do juiz ao ju lgam ento dos em bargos de declaração”, mas, apesar disto, assum e no texto posição francam ente favorável à observância do m esm o, afirm ando que tal princípio só não deve ser observado quando constitu ir óbice à garantia da tu te la jurisdicional rápida e econômica).

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Nos term os do art. 537 do CPC, os embargos de declaração oferecidos contra provimento proferido por juízo de prim eira instância deverão ser julga­dos em cinco dias. Trata-se de prazo impróprio, ou seja, de prazo cujo descum- prim ento não acarreta qualquer conseqüência processual (como, aliás, soem ser os prazos judiciais). Quando interpostos no tribunal, caberá ao relator (rectius, redator) do acórdão embargado pôr o recurso em mesa, na sessão seguinte, para julgamento.

É de se no tar que a lei não prevê o contraditório nos em bargos de de­claração, o que facilm ente se com preende se tiverm os em m ente que a fina­lidade essencial do recurso é o esclarecim ento da decisão já proferida. Não há, pois, oportunidade para oferecim ento de contrarrazões nos em bargos de declaração. Parece-nos, porém , que, no caso dos em bargos de integração (ou seja, nos em bargos de declaração destinados a suprir om issão da decisão), em razão da possibilidade de se produzir o efeito infringente do julgado, deve-se dar oportunidade ao em bargado para se m anifestar (devendo se considerar o prazo de cinco dias para oferecim ento das contrarrazões, em respeito ao princípio, genericam ente observado, segundo o qual o prazo das contrarra­zões é idêntico ao da interposição do recurso, o que, aliás, é m ero reflexo do princípio da isonom ia).144

Dispõe o art. 538 do CPC acerca do efeito interruptivo dos embargos de declaração.145 Significa isso afirmar que a interposição dos em bargos de declaração interrom pe o prazo para oferecimento de outros recursos contra a decisão embargada. Em outros term os, interpostos os embargos de declaração, deixa de fluir o prazo para outros recursos, devendo tal prazo voltar a correr, por inteiro (afinal, trata-se de interrupção, e não de suspensão), após a intim a­ção das partes do resultado do julgam ento.

É de se notar, aliás, que o efeito interruptivo é um efeito da interposição do recurso, produzindo-se ainda que, depois, se verifique que os em bargos de declaração eram inadmissíveis.

Verificando o órgão julgador que os em bargos eram m anifestam ente pro- telatórios (expressão que pode ser com preendida como "m anifestam ente inad­missíveis ou im procedentes”, para usar um a linguagem que não é estranha ao CPC, sendo em pregada no art. 557), deverá ser declarada esta sua característi­ca, im pondo-se ao em bargante um a m ulta, não superior a um por cento do va­

144 N este sentido, A lmeida Baptista, Dos embargos de declaração, p. 152. M erece ser referida a posição de Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. I, p. 587-588, para quem , nos casos de em bargos de declaração com efeitos infringentes, deverá a decisão em bargada ser anu­lada, para que ou tra seja proferida, perm itindo-se então a am bas as partes recorrer contra a nova decisão, garantindo-se, assim , o contraditório. A solução preconizada no texto parece melhor, principalm ente por ser m ais simples.

145 Freitas Câm ara, Lineamentos do novo processo civil, p. 127.

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lor da causa (art. 538, parágrafo único). Havendo reiteração de em bargos pro- telatórios, tal m ulta poderá ser elevada a até dez por cento do valor da causa.

É im portante notar que, ao falar em reiteração dos em bargos de decla­ração protelatórios, está a lei punindo a conduta de má-fé reiterada, a reinci­dência. Não é preciso que os novos em bargos de declaração tenham o m esm o conteúdo dos prim eiros, já considerados m anifestam ente protelatórios, para que se possa agravar a sanção. Basta que o segundo recurso tenha, assim como o prim eiro tinha, caráter m anifestam ente protelatório .146

Havendo a reiteração de em bargos protelatórios e o conseqüente incre­m ento da m ulta, o depósito desta se to m a requisito de adm issibilidade (e não da interposição, como diz a lei: o recurso poderá ser interposto, m as não pode­rá ser adm itido) do recurso que a parte em bargante pretenda, eventualm ente, in terpor contra a decisão embargada. A interposição de novo recurso sem que tal depósito seja feito implicará o seu não conhecim ento, por falta do pressu­posto recursal consistente na regularidade formal.

2.5 Recurso O rdinário para o STF e para o STJ

O recurso de que se passa a tratar tem sede constitucional, estando pre­visto nos arts. 102, II (recurso ordinário para o STF), e 105, II (recurso or­dinário para o STJ), am bos da Constituição da República. Por esta razão, é tam bém conhecido como "recurso ordinário constitucional”.147 O CPC trata do institu to nos arts. 539 e 540, com a redação que lhes deu a Lei n Q 8.950/1994.

É de se notar, aliás, que a lei processual não repetiu todas as h ipóteses de cabim ento do recurso ordinário constitucional previstas na C arta Magna. Isso porque h á casos de cabim ento desse m eio de im pugnação que ficariam m ais bem regulados no CPC, já que se referem ao processo de habeas corpus.

Assim sendo, no campo do D ireito Processual Civil, cabe recurso ordiná­rio para o Supremo Tribunal Federal contra as decisões denegatórias proferidas nos m andados de segurança, habeas data e m andados de injunção decididos em única instância pelos tribunais superiores.

146 Freitas Câmara, Lineamentos do novo processo civil, p. 129. Contra, entendendo que só há rei­teração se os novos em bargos tiverem o m esm o conteúdo dos prim eiros, Berm udes, A reforma do Código de Processo Civil, p. 102.

147 Esta denom inação tem a vantagem de evitar confusões entre o recurso de que aqui se tra ta e o gênero de recurso denom inado “recurso ordinário” (de que este é espécie), e que se contra­põe ao “recurso excepcional”. Evita, ainda, confusão en tre esta figura e o recurso ordinário do D ireito Processual do Trabalho, que corresponde ao que, no D ireito Processual Civil, chama-se de apelação.

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Já o recurso ordinário para o Superior Tribunal de Justiça é cabível contra as decisões denegatórias proferidas em m andado de segurança decidido em única instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais locais (de Alçada e de Justiça) e ainda contra as sentenças proferidas nos processos em que são partes, de um lado, Estado estrangeiro ou organism o internacio­nal, e, de outro, M unicípio ou pessoa residente ou domiciliada no país.

Cada um a dessas hipóteses passa a ser analisada em separado, para que se tom e mais simples a com preensão dos casos de cabim ento do recurso ordi­nário constitucional no campo do Direito Processual Civil.

Em prim eiro lugar, pois, examina-se o cabim ento do recurso ordinário para o Supremo Tribunal Federal (art. 102, II, da Constituição da República e art. 5 3 9 ,1, do CPC).

Assim é que o recurso ordinário constitucional para o STF (que, como visto, é espécie integrante do gênero "recursos ordinários”, o que to m a pos­sível a arguição de m atéria de fato e de direito através dele)148 se dirige contra decisões proferidas pelos Tribunais Superiores (STJ, STM, TSE, TST), nos pro­cessos de m andado de injunção, habeas data e m andado de segurança, toda vez que se tra tar de com petência originária daquelas Cortes.

Em outros term os, nos mandados de segurança e de injunção e nos habeas data que cheguem aos tribunais superiores em grau de recurso (através, por exemplo, de recurso especial para o STJ), não será cabível o recurso ordiná­rio constitucional. Apenas nos casos de competência originária dos tribunais superiores é que se poderá adm itir a interposição de recurso ordinário para o Pretório Excelso.

Além disso, há que se te r claro que apenas as "decisões denegatórias” po­dem ser im pugnadas através do recurso ordinário constitucional. As decisões concessivas da tu te la pretendida pelo dem andante (ou, em outras palavras, as decisões que julguem procedente o pedido do dem andante) não podem ser atacadas através do recurso ordinário constitucional. Esses provim entos não ficam, porém , afastados de qualquer possibilidade de reexame, um a vez que pode ser cabível a interposição de recurso extraordinário, toda vez que estiver presente alguma das hipóteses previstas no art. 102, III, da Constituição da República.

Som ente as decisões denegatórias, como se disse, podem ser atacadas pelo recurso ordinário constitucional. A expressão, porém, não é das mais téc­nicas, já que agrupa dois tipos de decisão qualitativam ente diferentes. Inter- preta-se a expressão, porém, como capaz de abranger todas as decisões em que seja sucum bente o dem andante, ou seja, aquelas em que seu pedido é julgado

148 Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. I, p. 596.

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im procedente, bem como aquelas em que a sentença é term inativa, não con­tendo resolução do m érito da causa.149

Trata-se, como se vê, de recurso secundum eventum litis, 150 isto é, de recur­so que será ou não cabível "conforme o resultado do processo”.

Já o recurso ordinário constitucional para o STJ é cabível em duas situa­ções bastante distintas (art. 539, II, alíneas a e b ) . A prim eira destas hipóteses aproxima-se, em certa medida, daquela em que o recurso aqui examinado é cabível para o Suprem o Tribunal Federal, enquanto a segunda hipótese é bas­tante diferente das demais. Analisar-se-ão, pois, tais situações separadam ente.

Em prim eiro lugar, cabe recurso ordinário constitucional para o Superior Tribunal de Justiça nos m andados de segurança decididos em única instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados e do Dis­trito Federal e Territórios, quando denegatória a decisão. Trata-se, como se vê, de situação análoga à de cabim ento do recurso ordinário constitucional para o STF. E tam bém este um recurso secundum eventum litis, já que cabível apenas contra decisões denegatórias (assim entendidas, tam bém aqui, tan to as que rejeitam o pedido do autor, como aquelas que põem term o ao processo sem análise do m érito ). Além disso, trata-se de espécie do gênero "recursos ordiná­rios”, o que perm ite a apreciação de m atéria de fato e de direito.

Ademais, o recurso ordinário constitucional nessa hipótese (art. 539, I,a) é cabível apenas contra decisões - denegatórias, repita-se - proferidas em processo de m andado de segurança de com petência originária dos tribunais locais (Tribunais Regionais Federais, Tribunais de Justiça, Tribunais de Alça­da). Não se repete, aqui, a referência ao m andado de injunção e ao habeas data, já que esses rem édios processuais não estão m encionados no art. 105, II, da Constituição da República.

Sendo cabível apenas nos casos em que o m andado de segurança é de com petência originária dos tribunais locais, não se adm ite a interposição de re­curso ordinário constitucional quando o m andado de segurança tiver chegado a um a daquelas Cortes em grau de apelação. N estas hipóteses, bem assim na­quelas em que a decisão proferida em m andado de segurança de com petência originária do tribunal local tiver sido "concessiva” (rectius, tiver julgado proce­dente o pedido), a causa só poderá chegar ao STJ através da via excepcional do recurso especial.

O outro caso de cabimento do recurso ordinário constitucional para o STJ, previsto no art. 539, II, b, do Código de Processo Civil (e no art. 105, II, c, da Constituição da República), tom a tal recurso adequado contra sentenças profe­

149 Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 157.

150 Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, vol. II, p. 356.

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ridas nas causas em que forem partes, de um lado, Estado estrangeiro ou orga­nism o internacional e, de outro, Município ou pessoa residente ou domiciliada no país. Não se tem, aqui, recurso secundum eventum litis, já que o recurso ordi­nário constitucional será cabível, nesta hipótese, qualquer que seja o conteúdo da sentença (terminativa ou definitiva, de procedência ou de improcedência da pretensão).

Os processos em que são partes Estado estrangeiro ou organism o in­ternacional de um lado e, de outro, M unicípio ou pessoa residente ou dom i­ciliada no Brasil são de com petência originária dos juízos federais de prim eira instância (art. 109, II, da Constituição da República).151 Contra as sentenças proferidas nestes processos, porém , não será cabível apelação, m as recurso or­dinário constitucional para o STJ.152 A diversidade entre os dois recursos, aliás, é puram ente terminológica, e se deve ao fato de se ter atribuído a com petência para apreciação do recurso ordinário constitucional aos tribunais de superpo­sição. Tanto isso é verdade que, nos term os do art. 540, aplica-se, quanto à adm issibilidade do recurso ordinário constitucional (bem assim quanto a seu procedim ento no juízo de origem), todo o regram ento da apelação.

É de se dizer, ainda, que nesta ú ltim a hipótese de cabim ento do recurso ordinário para o STJ (nas causas em que são partes, de um lado, Estado estran­geiro ou organism o internacional e, de outro, M unicípio ou pessoa residente ou domiciliada no Brasil) caberá agravo (retido nos autos ou por instrum ento) contra as decisões interlocutórias, conforme o disposto no parágrafo único do art. 539 do CPC, tam bém para o STJ.

O recurso ordinário é cabível no prazo de 15 dias (art. 508 do CPC) e sua interposição produz efeito devolutivo - nos m esm os lim ites do efeito devolu­tivo da apelação - e suspensivo.153

2.6 Recurso Especial e Recurso Extraordinário

M odalidades mais im portantes do gênero denom inado "recursos excep­cionais”, o recurso especial (interponível para o Superior Tribunal de Justiça) e o recurso extraordinário (cabível para o Supremo Tribunal Federal) estão regulados em conjunto no CPC, nos arts. 541 a 545.154 O Código de Processo

151 Sobre essa com petência, confira-se Vladim ir Souza Carvalho, Competência da Justiça Federal, p. 96-97.

152 Borges, Recursos cíveis, p. 67.

153 Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 158.

154 Em bora integre a m esm a seção que os anteriores, o art. 546 do CPC regula ou tro recurso, a que se fará referência adiante, denom inado em bargo de divergência.

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Civil não se preocupou em estabelecer quais os casos de cabim ento desses recursos, já que tais hipóteses estão enum eradas na Constituição da República (arts. 102, III, e 105, III).

Assim é que cabe recurso extraordinário nas causas decididas em única ou últim a instância, quando a decisão recorrida:

a) contrariar dispositivo da Constituição da República;b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face da

Constituição da República;155d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal (alínea acres­

centada pela Em enda Constitucional n° 45/2004).

O recurso extraordinário (como tam bém - conforme se verá adiante - o recurso especial) só é cabível quando esgotados todos os recursos ordinários porventura admissíveis. Daí a referência contida na norm a constitucional a causas decididas "em única ou últim a instância” . É de se notar, porém, que a Constituição não faz referência ao órgão jurisdicional prolator da decisão con­tra a qual se vai adm itir este recurso. Por esta razão, tem -se considerado cabí­vel o recurso extraordinário contra decisões proferidas por quaisquer órgãos jurisdicionais, desde que contra elas não se adm ita qualquer recurso ordinário (assim, por exemplo, cabe recurso extraordinário contra as decisões proferidas pelas turm as recursais dos Juizados Especiais Cíveis).156

Como já se afirmou, e é notório, o recurso extraordinário é da com petên­cia do Supremo Tribunal Federal, e, sendo um recurso excepcional, só permite arguição de questões de direito, sendo vedado suscitar qualquer questão de fato.

O recurso especial, por sua vez, é de com petência do Superior Tribunal de Justiça e cabível contra causas decididas em única ou últim a instância pelos Tribunais Regionais Federais e pelos Tribunais dos Estados e do D istrito Fede­ral e Territórios (Tribunais de Justiça e de Alçada), quando a decisão recorrida:

a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal

(redação estabelecida pela Em enda Constitucional nQ 45/2004);c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído

outro tribunal.157

155 Sobre as h ipóteses de cabim ento do recurso extraordinário, merece consulta a obra de Ro­dolfo de Cam argo M ancuso, Recurso extraordinário e recurso especial, p. 111-144.

156 Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 162.

157 Sobre os casos de cabim ento do recurso especial, confira-se Pinto, Recurso especial para o STJ, p. 106-122. Sobre a necessidade de que a divergência jurisprudencial se dê en tre acórdãos de tribunais distin tos, consulte-se o enunciado ne 13 da Súm ula do STJ.

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Aqui, tam bém , verifica-se que o recurso especial só é cabível quando esgotados os recursos ordinários.158 A norm a constitucional, porém , lim ita o cabim ento do recurso às decisões proferidas pelos tribunais locais (Tribunal Regional Federal, Tribunal de Justiça). Não se adm ite, pois, recurso especial contra decisão proferida pela tu rm a recursal dos Juizados Especiais Cíveis (ou por qualquer outro órgão jurisdicional de prim eira instância).

Ambos os recursos aqui m encionados são cabíveis no prazo de 15 dias (art. 508 do CPC)159 e sua interposição produz apenas efeito devolutivo (art. 542, § 2Q) .160

É possível a interposição de apenas um ou outro dos recursos, contra de­term inado provimento, mas a lei processual prevê tam bém a possibilidade de, contra a m esm a decisão, se interporem ambos os recursos (art. 543 do CPC).161

Tanto o recurso extraordinário como o especial devem ser interpostos por petição escrita dirigida ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal re­corrido. No caso de interposição sim ultânea de am bos os recursos, os m esm os deverão ser apresentados em petições distintas.

A petição de interposição do recurso especial fundado em dissídio ju- risprudencial (art. 105, III, c, da Constituição da República) deverá conter a dem onstração da existência do dissídio jurisprudencial. Esta dem onstração se faz na form a do disposto no parágrafo único do art. 541 do CPC (com a redação que lhe deu a Lei n Q 11.341/2006), cabendo ao recorrente apresentar certidão ou cópia autenticada do acórdão paradigm a ou, ainda, indicar o repositório de jurisprudência, oficial ou credenciado, em que tal acórdão tenha sido publica­do. O repositório de jurisprudência pode, desde a Lei n° 11.341/2006, ser vei­culado por mídia eletrônica (de que é exemplo a Revista Eletrônica de Jurisprudên­cia do STJ). Pode-se, tam bém , utilizar acórdão disponível na rede m undial de

158 Daí o teo r do verbete n° 207 da Súm ula do STJ: "É inadm issível recurso especial quando cabíveis em bargos infringentes contra o acórdão proferido no tribunal de origem .”

159 Pode acontecer, na prática, de um a das partes in terpor recurso especial (ou extraordiná­rio) contra um acórdão sem saber que a ou tra parte opôs, contra o m esm o pronunciam ento, em bargos de declaração. N esse caso, tem entendido o STJ (e tal en tendim ento está sum ulado através do enunciado n° 418) que o recurso especial só será adm itido se, após o ju lgam ento dos em bargos de declaração, aquele for ratificado expressam ente. Esta posição, com a devida vênia, só se justificaria se o julgam ento dos em bargos de declaração levasse a algum a modificação do acórdão, m as é preciso te r claro que o STJ não faz essa distinção.

160 Obviam ente que, quando adm issíveis, os recursos aqui m encionados produzem tam bém o efeito de im pedir a formação da coisa julgada, efeito este que, como visto anteriorm ente, é com um a todos os recursos admissíveis.

161 Vale recordar, aliás, que se o acórdão contra o qual se pretende recorrer assentar-se em dois fundam entos, um constitucional e ou tro infraconstitucional, im põe-se a interposição si­m ultânea de am bos os recursos excepcionais, sob pena de não se conhecer do que tenha sido in terposto isoladam ente (enunciado n° 126 da Súm ula do STJ).

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com putadores (Internet, como diz a lei), com a indicação da respectiva fonte, o que legitima, por exemplo, a utilização dos acórdãos que podem ser obtidos nas páginas eletrônicas dos tribunais.

A divergência jurisprudencial que to m a admissível o recurso especial deve ser um a divergência atual. Significa isto dizer que não se adm ite o recurso se no tribunal prolator do acórdão paradigm a firm ou-se a jurisprudência no m esm o sentido do acórdão recorrido (verbete n2 83 da Súmula do STJ).

In terposto o recurso (ou am bos), a secretaria do tribunal a quo in tim ará o recorrido para, em 15 dias (art. 508), oferecer suas contrarrazões (art. 542 do CPC, com a redação que lhe atribuiu a Lei n 2 10.352/2001, que se lim itou, nessa passagem, a dispensar o protocolo do recurso na secretaria do tribunal recorrido, o que to m a possível a utilização, tam bém aqui, de protocolos in­tegrados). Findo o prazo para oferecim ento das contrarrazões (tenham sido elas oferecidas ou não), serão os autos conclusos ao presidente ou ao vice- -presidente do tribunal recorrido para apreciar sua adm issibilidade (art. 542, § l 2, do CPC). Terá o m agistrado com petente para tal juízo de adm issibilidade o prazo de 15 dias (o qual se revela como prazo im próprio, cujo descum pri- m ento não acarreta conseqüências processuais) para proferir sua decisão (a qual será, obviam ente, fundam entada, o que é expressam ente lem brado pelo verbete n2 123 da Súm ula do STJ).

Não adm itido o recurso extraordinário ou o especial, caberá agravo con­tra o provim ento que indeferiu o seguim ento do recurso, nos term os do art. 544 do CPC, e seu § l 2 (com a redação que lhes atribuiu a Lei n2 12.322/2010). O agravo, que é dirigido à Presidência do tribunal recorrido, se processará nos próprios autos do processo, os quais serão rem etidos ao STJ ou ao STF, conforme o caso. O recurso não depende de preparo e, um a vez interposto, caberá à Secretaria do tribunal abrir vista ao recorrido para se m anifestar no prazo de dez dias (art. 544, § 22, do Código de Processo Civil). Esse agravo de instrum ento será julgado pelo relator a que tiver sido distribuído no STF ou no STJ (conforme se trate de agravo contra decisão que indefere recurso extraor­dinário ou recurso especial). Provido o agravo, poderá o relator até m esm o dar provim ento (por decisão monocrática) ao recurso especial, quando o acórdão recorrido estiver em conflito com súm ula ou com a jurisprudência dom inante no STJ. Poderá, ainda, prover o agravo para que se julgue o recurso especial. O m esm o se dá quanto ao agravo a que se dá provim ento no STF (art. 544, § 42), salvo na hipótese de haver, no m esm o processo, recurso especial adm itido, e que deva ser apreciado em prim eiro lugar.

Da decisão do relator do agravo que não adm ita o recurso, a ele negue provimento, ou que, julgando por decisão monocrática o recurso excepcional, a ele dê provim ento, reform ando o acórdão recorrido, caberá agravo interno, no prazo de cinco dias, nos term os do art. 545 do Código de Processo Civil (com a redação que lhe deu a Lei n 2 12.322/2010).

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Vale aqui registrar que a Lei nQ 12.322/2010 alterou profundam ente o regime deste agravo contra decisão que não adm ite recurso especial ou extraor­dinário. É que a partir da vigência desta lei (dezembro de 2010) o agravo neste caso deixou de ser interposto por instrum ento e passou a processar-se, como visto, nos próprios autos do processo, que são rem etidos ao tribunal de super­posição. Conseqüência disso é que não mais se forma um instrum ento próprio para este recurso e, por conta disso, não mais haverá possibilidade de que os tribunais de superposição declarem a inadmissibilidade do agravo por falha na formação do referido instrum ento .162

Visto o que ocorre quando um (ou am bos) dos recursos não é adm itido no órgão a quo, é de se passar à análise do que ocorre quando o juízo de adm is­sibilidade exercido no juízo prolator da decisão recorrida é positivo.

Assim é que, adm itido apenas o recurso especial, serão os autos rem e­tidos para o Superior Tribunal de Justiça, onde será observado o respectivo regim ento interno. O m esm o se diga quando for adm itido apenas o recurso extraordinário, quando então os autos serão rem etidos ao Suprem o Tribunal Federal, devendo-se observar, naquela Corte, o seu regim ento interno.

Adm itidos que sejam, porém, am bos os recursos (interpostos sim ulta­neam ente), o procedim ento se tom a, por razões que saltam aos olhos, mais complexo. Assim é que, nos term os do disposto no art. 543 do CPC, adm itidos que sejam am bos os recursos, os autos serão rem etidos ao Superior Tribunal de Justiça, para que seja julgado, em prim eiro lugar, o recurso especial. N este caso, após o julgam ento deste recurso, os autos serão enviados ao Supremo Tribunal Federal, para apreciação do recurso extraordinário, salvo se este esti­ver prejudicado.163

Pode ocorrer, porém, de o m inistro relator do recurso especial, no STJ, considerar que o recurso extraordinário é prejudicial ao recurso a ele subm eti­do. N esta hipótese, por decisão irrecorrível, sobrestará o julgam ento do recurso especial e rem eterá os autos ao Supremo Tribunal Federal, para que este julgue o recurso extraordinário. Ocorrendo essa situação, o recurso extraordinário

162 Evita-se, assim , aquilo que ficou consagrado com o “ju risp rudênc ia defensiva” (expres­são que aparece, com a revelação de um a crítica, decorren te da ressalva do en tend im en to pessoal em sen tido con trário do relator, na decisão m onocrática p roferida pelo em inen te p rocessualista e m agistrado, o M in. Luiz Fux, no REsp 1097309, publicada em 2 3 /3 /2 0 0 9 ), consisten te em criar obstácu los form ais à adm issib ilidade dos recursos d irig idos ao STJ e ao STF. Subindo o agravo à C orte de Superposição nos p róprios au tos, não m ais se poderá decla­ra r a inadm issib ilidade do m esm o por faltar algum docum ento , ou por e s ta r borrado algum carim bo ou ilegível algum a certidão.

163 Pense-se, por exemplo, na hipótese de o STJ ter, no julgam ento do recurso especial, anulado o acórdão recorrido. N este caso, não será m ais necessária a apreciação do recurso extraordiná­rio, um a vez que a decisão recorrida terá sido invalidada. Estará, pois, prejudicado o recurso extraordinário.

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será julgado em prim eiro lugar e, após, serão os autos rem etidos ao STJ, para que julgue o recurso especial (salvo, obviamente, se este estiver prejudicado).

Pode ocorrer, todavia, de o relator do recurso especial te r rem etido os autos ao STF, para que o recurso extraordinário seja julgado antes do especial, e o m inistro relator sorteado no Pretório Excelso não considerar existente a relação de prejudicialidade entre os recursos. Nesse caso, tam bém por decisão irrecorrível, devolverá os autos ao Superior Tribunal de Justiça, para que este aprecie em prim eiro lugar o recurso especial.

Sistem a diferente do que até aqui foi exposto é o que determ ina o § 32 do art. 542 (criado pela Lei n 2 9.756/1998) para o recurso especial e o recur­so extraordinário "interpostos contra decisão interlocutória em processo de conhecim ento, cautelar, ou em bargos à execução”. Nesse caso, dispõe a lei processual, o recurso ficará retido nos autos e som ente será processado se o reiterar a parte, no prazo para a interposição do recurso contra a decisão final ou para as contrarrazões. Trata-se de norm a cuja redação é bastante criticável. Em prim eiro lugar, é de se dizer que, a rigor, não se adm ite recurso especial ou extraordinário contra decisão interlocutória. C ontra esse tipo de provim ento judicial cabe, como sabido, agravo (art. 522). O § 32 do art. 542 deve ser com­preendido, portanto, como se falasse em recurso especial ou extraordinário interposto contra acórdão interlocutório, ou seja, acórdão que exerça função processual de decisão interlocutória. Explique-se o ponto um pouco melhor: denom ina-se acórdão o provim ento judicial em anado de um órgão colegiado. Tal provim ento pode exercer função de despacho (quando, e. g., determ ina a re­tirada de pauta do processo a ser julgado), de decisão interlocutória (quando, por exemplo, julga recurso contra decisão proferida em im pugnação ao valor da causa ou quando reform a sentença que havia considerado o autor "carecedor de ação”, declarando a presença de todas as "condições da ação” e determ inan­do o prosseguim ento do feito em direção ao exame do m érito) ou de sentença (quando determ ina a extinção do processo, com ou sem resolução do m érito ). A norm a contida no § 32 do art. 542 do CPC regula o recurso excepcional a ser interposto contra acórdão que exerça função de decisão interlocutória, a que se deve, pois, dar o nom e de acórdão in terlocutório .164

164 É de se notar que a forma retida do recurso excepcional será utilizada ainda que o acórdão interlocutório tenha sido proferido em apelação (basta imaginar-se que, em julgam ento de apelação contra sentença que tenha dado pela falta de pressuposto processual, o tribunal dê provim ento ao recurso, determ inando o prosseguim ento do feito em prim eiro grau de jurisdição: não obstante te r sido proferido no julgam ento de apelação, o acórdão tem nítida natureza interlocutória). De outro lado, pode haver acórdão proferido no julgam ento de agravo a que não se aplique o regime da retenção, por não ter o provimento natureza interlocutória (basta pensar no acórdão que, dando provimento a agravo contra a decisão de saneam ento do processo, considere o dem andante “ca­recedor de ação", extinguindo o processo sem resolução do mérito: em bora proferido em sede de agravo, o acórdão terá, in casu, natureza de sentença). Q uanto a esta últim a hipótese, manifestou-se no mesmo sentido Nelson Nery Júnior, A forma retida dos recursos especial e extraordinário, in

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Além disso, a lei estabelece que o recurso excepcional será interposto de form a retida nos processos de conhecimento, cautelares, e nos em bargos do executado. Tem-se, com isso, a falsa im pressão de que os em bargos do execu­tado não se enquadrariam em nenhum a das espécies de processo referidas, o que não é verdade, pois os em bargos do executado (como se verá no m om ento oportuno, ainda neste volume) têm natureza de processo cognitivo. Assim, de- ve-se te r como supérflua a referência aos em bargos do executado, já incluídos na referência, contida na lei, aos processos de conhecim ento. De outro lado, fi­cam de fora do sistem a os recursos interpostos no processo de execução, o que parece razoável. Isso porque no processo executivo as decisões interlocutórias costum am ser m uito mais im portantes do que a sentença (já que esta se lim ita a declarar extinta a execução). É de bom alvitre, portanto, que recurso especial ou recurso extraordinário em m atéria que, no processo executivo, se resolve por decisão interlocutória (como, e. g .t a decisão que defere ou indefere a adju­dicação ou a remição de bens) seja subm etido im ediatam ente ao STJ ou ao STF.

Diz, ainda, a lei processual que o recurso especial e o recurso extraor­dinário interpostos sob a form a retida só terão andam ento se, no prazo das razões ou das contrarrazões do recurso contra a "decisão final”, forem os m es­mos reiterados. Em prim eiro lugar, é de se dizer que tal reiteração deve se dar na própria petição de interposição do recurso ou de oferecimento das contrar­razões, por aplicação analógica do disposto no art. 523, § 1Q, do CPC, que se refere ao agravo retido. Fala a lei, porém , e aqui vai nossa m aior crítica ao seu texto, que a reiteração do recurso excepcional retido deverá ser feita na petição de interposição de recurso (ou de contrarrazões) contra a "decisão final”. Ao que parece, o legislador não sabia exatam ente a que recurso se referia, e nem poderá saber, ao m enos num prim eiro m om ento, o intérprete. A expressão "decisão final” é absolutam ente equívoca, pois tan to pode se referir à sen ten­ça como ao acórdão que, em julgam ento de recurso, a substitua. Parece-nos, porém, que a m elhor interpretação é no sentido de que a reiteração do recurso excepcional retido deve ser feita nas razões ou nas contrarrazões do recurso contra a últim a decisão que se venha a proferir em instância ordinária. Em outros term os, a reiteração deve ser feita nas razões ou nas contrarrazões de recurso excepcional (especial ou extraordinário) que venha a ser interposto contra decisão que substitua a sentença.

Em outros term os, o que se afirma é o seguinte: interposto recurso ex­cepcional contra acórdão proferido em agravo de instrum ento em processo de conhecim ento ou cautelar, ficará este retido nos autos. Proferida a sentença, deverá ser in terposta apelação. Julgada esta, e sendo admissível a interposi-

Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis de acordo com a Lei 9.756/98, Teresa A rruda Alvim Wambier e Nelson Nery Júnior (coord.), p. 475-476.

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ção de embargos infringentes, deverá esse recurso ser interposto. Contra o acórdão proferido no julgam ento da apelação de que não caibam embargos infringentes (ou contra o acórdão proferido neste últim o recurso) será cabível a interposição de recurso excepcional (especial ou extraordinário), quando en­tão, nas razões ou nas contrarrazões do recurso, deverá ser reiterado o recurso excepcional que se encontrava retido, sob pena de se considerar que houve desistência tácita do mesmo. A outra interpretação que se m ostraria possível, considerando que por "recurso contra a decisão final” a lei estaria querendo se referir à apelação, deve ser descartada, pois tem o grave inconveniente de fazer com que o recurso excepcional retido suba ao tribunal de superposição antes m esm o de se saber se haverá recurso especial ou extraordinário contra decisão que, lato sensu, deve ser considerada como sentença.165

Encerrando essa breve exposição acerca dos recursos excepcionais reti­dos, é de se afirmar que, a nosso sentir, o regime de retenção não é aplicável quando o acórdão contra o qual se pretende recorrer versar sobre as assim chamadas tutelas de urgência (tutela cautelar e tu tela antecipatória). N estes casos, o regime de retenção poderia im pedir a verificação do cabim ento ou não da m edida urgente, o que iria contra a garantia constitucional de tu tela juris­dicional adequada. Imagine-se o caso em que o dem andante tenha pleiteado a concessão de tu te la antecipatória com fundam ento na existência de periculum in mora. Indeferida a medida, interpôs ele agravo de instrum ento, a que se ne­gou provim ento. A se im por a form a retida para o recurso excepcional que se venha a interpor contra o acórdão interlocutório, estar-se-á im pedindo o de­m andante de ver apreciado, pelos tribunais de superposição, seu requerim ento de concessão de tu tela de urgência, o que pode provocar, no caso em que tal modalidade de tu tela jurisdicional fosse cabível, até m esm o o perecim ento do direito substancial. Assim sendo, parece-nos que, nas hipóteses referentes à tu te la jurisdicional de urgência, o recurso excepcional deve subir de im ediato ao tribunal ad quem, não se podendo aplicar ao caso o disposto no § 3o do art. 542 do CPC.166 N ote-se que isto não afasta a afirmação, contida no dispositivo legal em exame, de que no processo cautelar se aplica o regime da retenção do recurso excepcional. Isto porque haverá, no processo cautelar, acórdãos inter-

165 No m esm o sentido do que se susten ta no texto, Vicente Greco Filho, Q uestões sobre a Lei 9.756, de 17 de dezem bro de 1998, in Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis de acordo com a Lei 9.756/98, Teresa A rruda Alvim W am bier e N elson Nery Jún ior (coord.), São Paulo: RT, 1999, p. 607-608. Em sentido diverso, entendendo que a reiteração do recurso retido pode ser feita no prazo do recurso contra a decisão final, sem que se faça necessário interpor-se recurso au tô­nom o contra esta últim a, A thos Gusm ão Carneiro, Requisitos específicos de adm issibilidade do recurso especial, in Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis de acordo com a Lei 9.756/98, Teresa A rruda Alvim W am bier e N elson Nery Júnior (coord.), p. 125.

166 No m esm o sentido, Cassio Scarpinella Bueno, U m a prim eira reflexão sobre o novo § 3o do art. 542 do CPC, in Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis de acordo com a Lei 9.756/98, Teresa A rruda Alvim W am bier e N elson Nery Júnior (coord.), p. 176.

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locutórios que não versem diretam ente sobre a concessão ou não da tu tela de urgência, como, e. g., um acórdão que determ ine a exclusão de litisconsorte (ativo ou passivo) sem legitimidade para a causa, ou um provim ento que inde­fira a produção de certo meio de prova. Para estes casos será adequada a in ter­posição de recurso excepcional retido. Contra acórdão que defira ou indefira a concessão da tu te la cautelar em caráter liminar, porém , ter-se-á de adm itir a im ediata subida do recurso excepcional.

Não se pode deixar de fazer mais um a consideração acerca destes dois recursos. Estão eles sujeitos a um requisito específico de admissibilidade, que é o prequestionam ento (da questão federal, no caso do recurso especial; da questão constitucional, no caso do recurso extraordinário). A ausência deste requisito (como, aliás, a ausência de qualquer requisito de adm issibilidade dos recursos), levará a um juízo negativo de admissibilidade, impedindo-se, assim, a realização do juízo de mérito.

Por prequestionam ento quer-se significar a exigência de que a decisão recorrida tenha ventilado a questão (federal ou constitucional) que será objeto de apreciação no recurso especial ou extraordinário. Em outros term os, não se adm ite que, no recurso especial ou extraordinário, se ventile questão inédita, a qual não tenha sido apreciada pelo órgão a quo.167

Esse requisito de adm issibilidade decorre do próprio texto constitucio­nal, que adm ite o recurso extraordinário e o recurso especial apenas contra "causas decididas”. Assim sendo, é preciso que a m atéria objeto do recurso haja sido suscitada e decidida pelo órgão a quo, para que possa ser apreciada no recurso excepcional. O m issa a decisão contra a qual se queira opor o recurso excepcional, faz-se necessária a interposição de em bargos de declaração, com o fim de prequestionar a questão federal ou constitucional.

Deve, pois, haver prequestionam ento, para que o recurso especial e o ex­traordinário possam ser adm itidos.168 A impossibilidade de conhecer de ques­tões que não tenham sido objeto de decisão expressa pelo órgão a quo impede,

167 Sobre o tem a, Leonidas Cabral A lbuquerque, Admissibilidade do recurso especial, p. 88, onde se lê: “O p requestionam en to é req u is ito que deriva prima fa d e do próprio efeito devolutivo dos recursos. Em sín tese , som en te poderá se r subm etida à reapreciação do tribunal a m atéria que foi p reviam ente con trovertida e decidida pelo órgão recorrido. Se não decidiu a respeito , foi om isso. Se a om issão não é suprida na via dos em bargos declaratórios, to rna-se im pos­sível ao reco rren te obter, a seu respeito , p ronunciam en to do trib u n a l.” Vale reg is tra r que, conform e en tend im en to sum ulado pelo STJ, não se considera p requestionada a m atéria se ela só foi abordada no voto vencido (enunciado n e 320).

168 É am plam ente dom inante a corrente doutrinária que considera o prequestionam ento um requisito de adm issibilidade do recurso extraordinário e do recurso especial. Entre outros, po­dem ser lem brados M ancuso, Recurso extraordinário e recurso especial, p. 144-150; Pinto, Recurso especial para o STJ, p. 143; Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, vol. II, p. 358; Sálvio de Figueiredo Teixeira, O recurso especial e o superior tribunal de justiça, in Recursos no Superior Tribunal de Justiça, coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira, p. 72. Em sentido contrário (escrevendo

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até m esm o, que o STJ e o STF, quando do julgam ento dos recursos aqui consi­derados, apreciem questões de ordem pública, que poderiam ser examinadas de ofício (como as "condições da ação” e os pressupostos processuais), mas que não tenham sido alvo de prequestionam ento.169

Há, porém , um a divergência en tre o m odo com o o STF e o STJ en ten ­dem o prequestionam ento. É que, m uitas vezes, acontece de o acórdão con­tra o qual se pretende in terpor o recurso excepcional ser om isso a respeito de algum a questão que havia sido suscitada. Incum be à parte, nesse caso, opor em bargos de declaração, com fins de prequestionam ento .170 Pode ocor­rer, todavia, de o tribunal não suprir a om issão ao apreciar os em bargos de declaração. Para o STJ (conforme o enunciado nQ 211 de sua Súm ula), se o tribunal a quo não se pronunciou sobre a m atéria, m esm o tendo sido opostos em bargos de declaração, não houve prequestionam ento. N esse caso, a so lu­ção será a interposição de recurso especial contra o acórdão que julgou os em bargos declaratórios, sob o fundam ento de que teria havido contrariedade ao disposto no art. 535, II, do Código de Processo Civil. Provido esse recurso especial, os autos então re tom am ao tribunal de origem para que reaprecie os em bargos de declaração, sanando a om issão existente. Só aí, então, estará prequestionada a m atéria principal. Já para o STF (conforme o Enunciado n Q 356 da Súm ula de sua Jurisprudência D om inante, in terpretado aqui a contra­rio sensu), a m era oposição dos em bargos de declaração já é suficiente para que se tenha por prequestionada a m atéria.

Pode-se até considerar que a solução do STJ é mais técnica (já que exige que a m atéria objeto do recurso excepcional tenha sido expressam ente deci­dida para que haja prequestionam ento), m as a solução do STF é m uito mais prática e eficiente, evitando idas e vindas desnecessárias do processo.

O prequestionam ento só é dispensado nos casos em que seria impossível (assim, por exemplo, vícios contidos no próprio julgam ento recorrido - e. g .t decisão extra petita - ou recurso especial interposto por litisconsorte necessário que não participou do processo, alegando violação do art. 47 do CPC).171

Por fim, é de se tra ta r de um requisito específico de adm issibilidade do recurso extraordinário (e só deste, não sendo o m esm o exigido para a adm is­

para a Constituição de 1946, m as sendo certo que a Constituição de 1988 não inovou quan to ao ponto), José Afonso da Silva, Do recurso extraordinário no direito processual brasileiro, p. 198.

169 Eduardo Ribeiro de Oliveira, Recurso especial: algum as questões de adm issibilidade, in Recursos no Superior Tribunal de Justiça, coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira, p. 187. Contra, en­tendendo que quanto às m atérias de ordem pública dispensa-se o prequestionam ento , Pinto, Recurso especial para o STJ, p. 145.

170 Estes em bargos de declaração, com expresso fim de prequestionam ento, não pode ser consi­derado protelatório, nos term os do que ficou consagrado no enunciado ne 98 da Súmula do STJ.

171 N o sentido do texto, Francisco Cláudio de Almeida Santos, Recurso especial: visão geral, p. 105.

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sibilidade do recurso especial): a repercussão geral da questão constitucional. Esse requisito passou a ser exigido a partir da entrada em vigor da Em enda Constitucional n 2 45/2004, que acrescentou um § 32 ao art. 102 da C onstitui­ção da República, com o seguinte teor: "No recurso extraordinário o recorrente deverá dem onstrar a repercussão geral das questões constitucionais discuti­das no caso, nos term os da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, som ente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus m em bros.” Assim sendo, o recurso extraordinário só poderá ser adm iti­do quando versar sobre m atéria de repercussão geral. Pense-se, por exemplo, em um recurso extraordinário em que se discuta a constitucionalidade da lei que institu iu certo tributo federal. É fácil imaginar que, reconhecida tal in­constitucionalidade pelo STF, haverá um a enxurrada de dem andas, em todo o país, ajuizadas por contribuintes que tam bém queiram se livrar da incidência tributária. É, pois, esse um caso em que o recurso extraordinário versa sobre questão de repercussão geral. Figure-se, agora, outro exemplo: imagine-se um m andado de segurança em que se pleiteie a cassação de um a decisão judicial sob o fundam ento de que a m esm a não teria sido m otivada pelo órgão a quo. Essa é, certam ente, um a hipótese em que a questão constitucional enfrentada no RE não tem repercussão geral, produzindo efeitos apenas no caso dos au­tos. Em um caso assim, não deve ser adm itido o recurso extraordinário.

A criação desse requisito é, a m eu juízo, elogiável, já que faz com que o Supremo Tribunal Federal, Corte Suprem a do país, só se debruce sobre causas realm ente relevantes para a Nação. Não faz sentido que o Pretório Excelso perca seu tem po (e o do país) julgando causas que não têm qualquer relevância nacional, verdadeiras brigas de vizinhos, como fazia antes da EC n2 45/2004.

Registre-se, porém , que a exigência de repercussão geral da questão constitucional não é, a rigor, institu to inteiram ente novo no ordenam ento pro­cessual brasileiro. Ao tem po do regime constitucional anterior a 1988 exigia- -se, como requisito específico de adm issibilidade do recurso extraordinário, a procedência da arguição de relevância da questão federal. A interposição de recurso extraordinário em certos casos (não em todos, mas apenas nas hipóte­ses previstas nas alíneas a e d do art. 114, III, da Constituição da República de 1967, ou seja, recurso extraordinário contra as decisões que contrariassem dis­positivo constitucional, negassem vigência a tratado ou lei federal ou dessem à lei interpretação divergente da que lhe houvesse atribuído outro Tribunal ou o próprio STF) exigia que se dem onstrasse que a questão federal a ser discutida era relevante. A arguição de relevância era processada por instrum ento, que subia ao STF, e era apreciada em sessão secreta, e se reputava acolhida se aceita pelo voto de pelo m enos quatro m inistros do STF, em decisão que dispensava motivação. Acolhida a arguição de relevância, determ inava-se o processam ento do recurso extraordinário no tribunal a quo.172

172 Sobre a m atéria, consulte-se Am aral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, vol. 3, p. 176-178.

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A nova fórmula, estabelecida pela EC nQ 45/2004, é inegavelmente mais democrática, já que não perm ite decisões secretas e desprovidas de fundam en­tação. Interposto o recurso extraordinário, e adm itido no tribunal de origem, será ele encam inhado ao STF. Neste, a adm issibilidade do recurso estará con­dicionada (além dos dem ais requisitos genéricos e específicos) ao reconheci­m ento da repercussão geral da questão constitucional nele ventilada. Caberá ao STF, pois, decidir prelim inarm ente ao exame do m érito do recurso se o m esm o tra ta de m atéria constitucional de repercussão geral. A prelim inar de falta de repercussão geral só poderá ser rejeitada pelo voto de pelo m enos dois terços dos m em bros do STF. Assim, não havendo dois terços de votos nesse sentido, ainda que a m aioria sim ples dos integrantes do Pretório Excelso con­sidere não haver repercussão geral, o recurso será admitido.

Não se pode deixar de registrar um aspecto procedim ental im portan­te: a repercussão geral da questão constitucional é, das questões prelim inares ao julgam ento do m érito do recurso extraordinário, a últim a a ser apreciada. Isso porque as dem ais prelim inares (como a intem pestividade ou a falta de prequestionam ento) podem levar à rejeição lim inar do recurso pelo relator, enquanto a falta de repercussão geral só pode ser reconhecida pelo Plenário do STF.

A Lei nQ 11.418/2006 inclui no Código de Processo Civil dois dispositi­vos destinados a regulam entar a repercussão geral da questão constitucional. Trata-se dos arts. 543-A e 543-B do CPC.

Por força do disposto no art. 543-A, a decisão que não conheça do re­curso extraordinário por falta de repercussão geral da questão constitucional é irrecorrível, o que se justifica pelo fato de tratar-se de decisão proferida pelo plenário do STF. Não se pode, porém , afastar in teiram ente o cabim ento de em bargos de declaração, um a vez que essa decisão sem pre pode estar eiva­da de obscuridade, contradição ou om issão (basta pensar em um pronuncia­m ento em que se afirm e que, por ser a questão constitucional de repercussão geral, não se conhece do recurso extraordinário, decisão essa evidentem ente con trad itó ria).

Considera-se, nos term os do § P do art. 543-A, que tem repercussão geral a questão constitucional conforme haja relevância econômica, política, social ou jurídica que ultrapasse os interesses subjetivos em causa. Em outros term os, o que se tem aqui é a afirmação de que a questão constitucional susci­tada no recurso extraordinário deve ter transcendência. Tal questão deve trans­cender das partes e provocar reflexos nos destinos da coletividade (e se pede vênia para retom ar ao exemplo anteriorm ente figurado, do RE em que se dis­cute a constitucionalidade de determ inada lei tributária ou, para apresentar-se novo exemplo, um RE em que se discuta a existência de direitos hereditários em uniões homoafetivas).

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Registre-se, porém, que sem pre haverá repercussão geral se a decisão recorrida im pugnar decisão que contrarie a súm ula ou a jurisprudência dom i­nante do STF.

A repercussão geral da questão constitucional deve ser, então, dem ons­trada pelo recorrente, em prelim inar do recurso (mas na própria petição de interposição do m esm o). Essa questão, porém , só pode ser apreciada pelo STF, nada podendo sobre ela prover o Presidente ou Vice-Presidente do Tribunal a quo ao exercer o juízo de adm issibilidade do recurso extraordinário.

D istribuído o recurso extraordinário a um a das Turmas do STF, poderá esta conhecer desde logo do recurso se pelo m enos quatro (dos cinco) de seus in tegrantes considerarem que existe repercussão geral. É fácil en tender isso: é que se quatro M inistros do STF consideram que há repercussão geral, seria possível haver no m áxim o sete M inistros a votar no sentido oposto. O corre que, com o visto anteriorm ente, a Constituição da República exige pelo m enos dois terços dos votos para que não se conheça do recurso por fal­ta de repercussão geral, e este núm ero não poderia m ais ser alcançado nesse caso. Não alcançados os quatro votos na Turma, o RE deverá ser rem etido ao Plenário do STF, para que se decida, definitivam ente, acerca da adm issibili­dade do recurso.

No caso de se considerar inexistente a repercussão geral da questão cons­titucional, a decisão valerá para todos os dem ais recursos que versem sobre a m esm a m atéria, salvo revisão da tese (nos term os do Regimento Interno do STF). Significa isso dizer que outros recursos que discutam a m esm a m atéria deverão ser, no STF, lim inarm ente rejeitados. Sempre será possível, porém, que o relator, de ofício, ou por provocação do recorrente (que pode se dar atra­vés do ajuizam ento de agravo interno contra a decisão do relator que rejeitar lim inarm ente o recurso), tom e a discutir se aquela questão constitucional tem ou não repercussão geral.

Merece registro, ainda, o fato de que, nos term os do art. 543-A, § 6Ô, o Relator poderá adm itir a intervenção de algum amicus curice, a fim de perm itir a obtenção de elem entos que contribuam para a decisão do STF acerca da m atéria.

Trata o art. 543-B da possibilidade de haver m ultiplicidade de recursos com fundam ento na m esm a controvérsia (e não "em idêntica controvérsia”, como equivocadam ente diz o texto legal, já que a controvérsia de direito será sem pre a mesma, ainda que sejam vários os recursos). Nesse caso, a análise da repercussão geral da questão constitucional deverá se dar nos term os do que dispõe o Regimento In tem o da Corte Suprema. Caberá, porém, ao Tribunal a quo selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encami­nhá-los ao STF, suspendendo-se o andam ento dos dem ais até o pronunciam en­to definitivo do Pretório Excelso.

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Negada a repercussão geral da questão constitucional, autom aticam ente se deverá considerar que os dem ais recursos não foram adm itidos, sequer se devendo rem etê-los ao STF. Vindo, porém, aqueles recursos (representativos da controvérsia) a ser adm itidos e julgados no m érito, será preciso verificar qual o resultado desse julgam ento.

Tendo o STF negado provim ento aos recursos que adm itiu, o órgão a quo deverá considerar prejudicados os recursos extraordinários que estivessem so- brestados (art. 543-B, § 3Q). Providos aqueles recursos, porém, e reformadas as decisões recorridas, aqueles recursos extraordinários que estavam sobrestados nos órgãos de origem deverão ser reencam inhados aos órgãos prolatores das decisões impugnadas, que poderão m antêlas ou retratar-se.

Surge, assim, um outro caso de juízo de retratação, agora em recurso ex­traordinário, no caso de se te r provido outro recurso de m esm a espécie contra decisão proferida por aquele m esm o Tribunal (ainda que não pelo m esm o ór­gão fracionário) em processo em que se tenha suscitado a m esm a controvérsia de direito e tenha tal decisão sido reform ada pelo STF.

Mantida, porém, a decisão (ou seja, não exercida a retratação), e adm i­tido o RE, poderá o STF cassá-la ou reformá-la lim inarm ente, por pronuncia­m ento m onocrático do relator.

Também com o in tu ito de racionalizar o trabalho desenvolvido nas ins­tâncias excepcionais, a Lei n° 11.672, de 8 de maio de 2008, institu iu no Có­digo de Processo Civil o art. 543-C, destinado a regular o procedim ento a ser observado no caso de haver recursos especiais repetitivos.

De se notar, logo de início, que o referido dispositivo aplica-se ao recurso especial, m as não ao recurso extraordinário (ainda que haja alguma sem elhan­ça entre o que nele se dispõe e o que se encontra no art. 543-B, aplicável ao recurso extraordinário).

Nos term os do art. 543-C do CPC, "quando houver m ultiplicidade de recursos com fundam ento em idêntica questão de direito, o recurso especial será processado nos term os deste artigo”. A nosso juízo, é preciso considerar que a regulam entação estabelecida pelo referido art. 543-C e por seus parágra­fos se aplica, tão som ente, às assim chamadas "dem andas repetitivas”, assim consideradas aquelas dem andas que são rigorosam ente idênticas a incontá­veis outras, distinguindo-se apenas por seus elem entos subjetivos, m as sendo idênticas as causas de pedir e os pedidos. Pense-se, por exemplo, em dem andas dirigidas por consum idores em face de em presas de telefonia fixa para ques­tionar a legitimidade da cobrança da assinatura mensal fixa, ou de dem andas ajuizadas por adquirentes de imóveis em face de incorporadoras com o fito de discutir se a utilização da "Tabela Price” implica ou não a prática de anatocis- mo. A nosso ver, não se pode aplicar o art. 543-C em casos em que, em bora inteiram ente diferentes entre si, tenha surgido discussão sobre a m esm a ques­

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tão de direito (por exemplo, sobre a correta interpretação de um dispositivo do Código de Processo Civil).173

Pois bem: nas dem andas repetitivas, havendo a interposição de incon­táveis recursos especiais, era preciso que se tivesse um mecanism o destinado a perm itir que o Superior Tribunal de Justiça enfrentasse a questão de direito suscitada um a única vez, podendo a decisão ali proferida espraiar seus efeitos para outros processos em que se discuta a m esm a questão de direito.

Verificada, então, a interposição de diversos recursos especiais, nas cau­sas repetitivas, versando sobre a m esm a questão de direito, caberá ao Presi­dente do Tribunal a quo (ou ao Vice-Presidente a quem, por determinação regi­mental, caiba fazer o controle da admissibilidade de tais recursos) adm itir um ou mais recursos que se apresentem como "representativos da controvérsia”, para encaminhá-los ao Superior Tribunal de Justiça. Esta escolha deve, a nosso sentir, ser feita por critérios qualitativos. O recurso será considerado um re­presentante adequado da controvérsia se enfrentar a questão analisando-a sob todas as perspectivas argum entai ivas. Caso não exista um recurso assim, será preciso determ inar a subida de tantos recursos quantos sejam necessários para que todas as possíveis abordagens da m atéria sejam encam inhadas ao STJ. An­tes de proferir a decisão, porém, é interessante que sejam ouvidos o Conselho Seccional da OAB, o M inistério Público e outras entidades que possam fornecer subsídios para a prolação da decisão, atuando como verdadeiros amici curiae.

Incumbe, por outro lado, ao M inistro relator, no STJ, ao verificar que lhe chegam recursos especiais repetitivos, já havendo jurisprudência dom inante sobre o tema, ou já estando a m atéria subm etida ao órgão colegiado com peten­te, determ inar o sobrestam ento dos recursos especiais que ainda estejam nos tribunais de origem e versem sobre a m esm a m atéria de direito.

Diz o § 2° do art. 543-C que o relator "poderá” tom ar tal providência, m as desse texto não se pode inferir estar-se diante de m era faculdade (já que o m agistrado não tem faculdades no processo, m as apenas poderes-deveres). O que se tem , aí, é o poder-dever de determ inar o sobrestam ento de todos os recursos repetitivos que ainda estejam nos tribunais locais, a fim de que se aguarde o pronunciam ento do Superior Tribunal de Justiça acerca dos recursos que, versando sobre a m esm a questão de direito, lá já tenham chegado.

Caso considere que não dispõe de todos os elem entos necessários para a com preensão do alcance da controvérsia, o M inistro relator a quem tenham sido distribuídos os recursos repetitivos deverá requisitar inform ações aos tribunais locais perante os quais tenha se m anifestado a questão de direito

173 Observe-se, ainda, que - d iferentem ente do que consta do texto do art. 543-C - , não se tra ta de processos em que tenham surgido “idênticas questões de direito”, m as de processos em que se suscitou “a m esm a questão de direito” . Os processos são idênticos, m as a questão de direito é, em todos eles, sem pre a mesma.

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controvertida (art. 543-C, § 3Q). Além disso, e em razão da repercussão que a resolução da questão de direito terá, prevê a lei a adm issibilidade da interven­ção de amici curice, conforme dispõe o § 4Q do m esm o art. 543-C.

Após a vinda das informações dos tribunais locais, e depois de se m ani­festar eventual amicus curice que tenha sido admitido, deverão os autos chegar ao M inistério Público, pelo prazo de 15 dias (art. 543-C, § 5Q, do CPC). Após a apresentação do parecer m inisterial, os recursos especiais que tenham sido subido ao STJ serão julgados (devendo a Secretaria providenciar para que to ­dos os M inistros recebam cópias do relatório elaborado pelo M inistro relator). No julgam ento, os recursos especiais representativos dos repetitivos terão pre­ferência sobre todos os dem ais feitos, com exceção apenas dos processos de habeas corpus e daqueles em que o réu esteja preso.

Julgados os recursos especiais representativos dos recursos repetitivos, deverá o STJ com unicar aos tribunais locais o resultado do julgam ento. N este caso, todos os recursos que estavam sobrestado e que tenham sido in terpos­tos contra decisões proferidas no m esm o sentido da que agora o STJ proferiu serão considerados prejudicados e, por conta disso, não poderão subir ao STJ (art. 543-C, § 7o, I, do CPC). Já no que diz respeito aos recursos que estavam sobrestados e tinham sido interpostos contra decisões em que se adotou en­tendim ento diverso do adotado no julgam ento proferido pelo STJ, estabelece o inciso II do art. 543-C, § 7Q, que os m esm os serão objeto de reexame pelo tri­bunal a quo. Nesse caso, poderá, então, o tribunal de origem retratar-se da de­cisão anteriorm ente proferida, acolhendo-se a orientação do Tribunal Superior. Note-se, porém , que não é o caso de se afirmar que a decisão proferida pelo STJ tenha eficácia vinculante. Afinal, se nem as decisões do STF podem ter tal eficácia (ressalvada, evidentem ente, a súm ula vinculante), não poderiam tê-la as decisões do STJ em recurso especial. Assim, poderá ocorrer de o tribunal a quo optar por não se retratar, m antendo a decisão anteriorm ente proferida. Nesse caso, será examinada a adm issibilidade do recurso especial que estava interposto e, caso seja o m esm o adm itido e encam inhado ao STJ, poderá o re­lator, por decisão monocrática, dar provim ento ao recurso especial (art. 543-B, § 4Q, do CPC, aqui aplicável por analogia).

2.7 Em bargos de Divergência

Regulado no art. 546 do CPC, o recurso de em bargos de divergência é mais um entre os instrum entos destinados a atacar os dissídios jurispruden- ciais que tan to mal fazem à credibilidade do Judiciário. Perfila-se, pois, ao lado de institu tos como o incidente de uniformização de jurisprudência e o recurso especial fundado na alínea c do art. 105, III, da Constituição da República.

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Os em bargos de divergência são destinados a evitar a existência de dis­sídios entre decisões proferidas no seio dos tribunais de superposição (STJ e STF), sendo, portanto, cabíveis tão som ente quando se m anifestar divergência entre órgãos que com põem a m esm a Corte superior. Por tal razão é que o art. 546 do Código de Processo Civil estabelece que cabem em bargos de divergên­cia contra acórdão proferido em recurso especial quando a decisão divergir de outra, proferida por qualquer das outras turm as do STJ, de alguma das seções daquela Corte, ou de seu órgão especial (art. 5 4 6 ,1). Da m esm a forma, cabem em bargos de divergência contra acórdão do STF em recurso extraordinário que divergir de decisão proferida pela ou tra tu rm a do Pretório Excelso, ou pelo plenário da Suprema Corte.

Há, aqui, que se fazer alguns esclarecim entos. Os em bargos de divergên­cia, tan to no STJ como no STF, são cabíveis contra decisões proferidas pelas turm as (que no STF são duas, e no STJ são seis). Toda vez que, julgando re­curso especial, a decisão da tu rm a do STJ divergir, quanto à interpretação do direito objetivo, de decisão proferida por ou tra das turm as, por algum a das seções (que são em núm ero de três), ou pelo órgão especial (que congrega os vinte e um m inistros mais antigos do STJ), será cabível a interposição do recurso aqui exam inado.174

Assim tam bém quanto ao cabim ento dos em bargos de divergência no STF. O recurso é cabível contra decisões proferidas no julgam ento de recurso extraordinário por um a das turm as do Pretório Excelso, toda vez que a decisão divergir, tam bém aqui na interpretação do direito objetivo, de decisão proferi­da pela ou tra tu rm a do STF, ou pelo plenário daquela Corte.

Os em bargos de divergência são cabíveis no prazo de 15 dias (art. 508 do CPC), e seguem o procedim ento estabelecido nos regim entos in ternos dos tribunais superiores. Q uanto aos efeitos da interposição, os em bargos de divergência (desde que adm issíveis) obstam a formação da coisa julgada so­bre a decisão em bargada. Além disso, este recurso deve ser recebido no efeito devolutivo. Há que se afirm ar que, apesar de silente a lei quanto à produção ou não do efeito suspensivo, e m esm o lem brando que, como regra, o efeito suspensivo só não se produz se a lei o exclui expressam ente, sou levado a afirm ar que os em bargos de divergência são desprovidos de tal efeito. Digo isto porque este recurso só é cabível contra decisões proferidas em recurso especial e em recurso extraordinário, sendo certo que estes recursos são des­providos de efeito suspensivo. Os em bargos de divergência, como recurso

174 Em bora fale o tex to legal no cabim ento do recurso contra o acórdão que julgou o recurso especial, tem -se adm itido tam bém em bargos de divergência - corretam ente, frise-se - contra o acórdão que julga o agravo in terno contra decisão m onocrática do relator que julgou o recurso especial (Enunciado nc 316 da Súm ula do STJ). De outro lado, não cabem em bargos de divergên­cia contra decisão que julga o agravo contra o pronunciam ento de inadm issibilidade do recurso especial (Enunciado n° 315 da Súm ula do STJ).

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excepcional que são ,175 não podem im pedir a im ediata produção dos efeitos da decisão contra a qual o m esm o foi in te rposto .176 Assim sendo, esse recur­so não produz efeito suspensivo.

H á que se recordar, por fim, que sendo destinado a com bater a di­vergência in te rna dos tribunais de superposição, não se pode adm itir com o paradigm a, para dem onstrar a divergência, acórdão proferido por tribunal diverso daquele que proferiu a decisão contra a qual se pretende embargar. Em outros term os, o fato de um a tu rm a do STJ te r dado ao direito objetivo interpretação diversa da que lhe deu o STF (e vice-versa) não to rna cabíveis os em bargos de divergência.177

Da m esm a forma, se têm considerado incabíveis os em bargos de diver­gência quando se trouxer como paradigm a acórdão proferido por órgão (tur­ma, seção, órgão especial, plenário) que posteriorm ente tenha firmado seu entendim ento em sentido diverso (Enunciado nQ 168 da Súmula do STJ) ou que não tenha mais com petência para apreciar a m atéria discutida e decidida no acórdão contra o qual se quer in terpor os em bargos de divergência (Enun­ciado nQ 158 da Súm ula do STJ).

175 E, em razão dessa natureza de recurso excepcional, sou levado a concluir que apenas ques­tões de d ireito podem ser aqui suscitadas.

176 A m atéria é pouco abordada em doutrina. Há, porém , sobre o tem a, posição de Nery Jú ­nior, que parcialm ente se afina com o que vai no texto . Para o notável processualista de São Paulo, os em bargos de divergência, em princípio, não produzem efeito suspensivo, ressalvada a h ipótese de te r sido o recurso in terposto contra acórdão que tiver dado provim ento ao re­curso especial ou ao recurso ex traord inário (N ery Júnior, Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos, p. 383). N ão concordo in teiram ente com a afirm ação do ta len toso processualista, por m e parecer arb itrária - já que desprovida de fundam ento em qualquer norm a jurídica - a d istinção por ele estabelecida. Por tal razão é que opto por considerar que os em bargos de divergência (como, de resto , todos os recursos excepcionais) não produzem efeito suspensivo.

177 Neste sentido, é pacífica a jurisprudência das Cortes superiores. Por todos, confira-se o que é dito em acórdão proferido pelo STJ, cujo teor é o seguinte: “Embargos infringentes em recurso especial. Embargos de divergência - 1. Não cabe embargos infringentes de acórdão não unânime proferido em recurso especial, sendo de aplicação estrita o que dispõe o art. 530 do CPC. 2. Não se admitem embargos de divergência entre acórdão deste e de outro Tribunal (art. 29 Lei 8 .038/90).” STJ, REsp n° 616-RJ, 2 a S., Rei. Min. Dias Trindade, DJU 1V4/1991, sem grifo no original.

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VII

DA ORDEM DOS PROCESSOSNOS TRIBUNAIS

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§ l e PROCEDIMENTO DOS FEITOS NOS TRIBUNAIS

O Código de Processo Civil, através de seus arts. 547 a 565, regula o que ele próprio denom ina "ordem dos processos nos tribunais”. Trata-se de um capítulo do Código formado por disposições esparsas, referentes a diversos tem as ligados ao desenvolvim ento dos processos nos tribunais, incluindo-se aqui não só os recursos, mas tam bém os processos de com petência originária e os incidentes processuais que venham a surgir (como, por exemplo, o inci­dente de uniformização da jurisprudência).

Assim é que, nos term os do art. 547 do CPC, os autos rem etidos ao tribunal serão registrados no protocolo no dia de sua chegada à Corte, caben­do à secretaria verificar a sua num eração (corrigindo eventuais equívocos) e ordená-los para distribuição. Trata-se, como se verifica facilmente, de dispo­sitivo que versa sobre questões adm inistrativas, conferindo um a atribuição à secretaria do tribunal. Cum prida essa atividade, faz-se a d istribuição do feito, nos term os do regim ento interno do tribunal, sendo obrigatória a observância dos princípios da publicidade, da altem atividade e do sorteio (art. 548).

Merece registro o fato de que os serviços de protocolo do tribunal podem, a critério da própria Corte, ser descentralizados, m ediante delegação a ofícios de prim eira instância (art. 547, parágrafo único, do CPC, com a redação que lhe deu a Lei nQ 10.352/2001), o que perm ite a criação de protocolos integra­dos entre a segunda instância e a primeira. A norm a é extrem am ente salutar,

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na m edida em que perm ite aos advogados que atuam longe da sede do tribunal (pense-se, por exemplo, em um advogado de Porto Velho, Rondônia, que tenha de atuar perante o Tribunal Regional Federal da Prim eira Região, localizado em Brasília) dirigir mais facilmente suas petições aos órgãos superiores.

O referido art. 548 tem por fim determ inar que a escolha do órgão fracio­nário a que com petirá apreciar o processo no tribunal se dê por distribuição, nos term os do regim ento do tribunal. Impõe a lei processual, tão som ente, a observância obrigatória de três princípios, deixando tudo o mais a cargo das norm as regim entais.

O primeiro princípio a ser observado é o da publicidade. Em verdade, não se faz necessário que a lei processual exija expressam ente a observância de tal princípio. A distribuição é um ato processual, e todos os atos processuais são públicos, por determ inação constitucional (com a ressalva dos atos que devam ser praticados em segredo de justiça - art. 155 do CPC). O segundo é o da altem atividade, segundo o qual a distribuição deve fazer com que todos os órgãos fracionários recebam processos em igual quantidade e de igual nature­za. Assim, por exemplo, se um grupo de câmaras do tribunal recebeu por dis­tribuição um a "ação rescisória”, não receberá outra, até que todos os grupos tenham recebido um processo desta natureza. Por fim, o terceiro princípio é o do sorteio, que deve ser observado sem pre que se fizer um a distribuição (em qualquer instância), para que se saiba a qual órgão fracionário caberá determ i­nado recurso.

Estas regras referentes ao modus procedendi da distribuição devem ser ob­servadas não só quanto à distribuição entre os órgãos fracionários, m as tam ­bém na distribuição entre os m em bros que compõem cada órgão.1 Assim, por exemplo, se um m agistrado recebeu um a apelação, para ser o relator, só poderá receber ou tra quando todos os com ponentes do órgão fracionário que integra tiverem recebido apelações.2

Realizada a distribuição do feito, serão os autos rem etidos à conclusão do relator no prazo (impróprio) de 48 horas. O relator deverá estudar os autos e, após, elaborar, para que conste dos autos, um a exposição sistem ática dos pontos controvertidos sobre que versa o processo, devolvendo os autos ao car­tório com a aposição de seu visto.

Tratando-se de apelação, de em bargos infringentes ou de "ação rescisó­ria”, os autos serão, em seguida, levados à conclusão do revisor. Este será o m agistrado que se seguir ao relator na ordem descendente de antiguidade na composição do órgão a que coube por distribuição a com petência para apreciar o feito (art. 551, § 1Q, do CPC). O revisor fará constar dos autos o seu "visto”,

1 Barbosa M oreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, p. 560.

2 Fidélis dos Santos, Manual de direito processual civil, vol. I, p. 562.

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o que significa dizer que deve ele rever o relatório já elaborado. Em seguida, deverá pedir dia para que o feito seja posto em pauta de julgam ento. O revisor, assim como o relator, deverá integrar a tu rm a julgadora do feito (salvo, obvia­m ente, motivo de força maior).

Dispensa-se o revisor nos recursos interpostos nas causas de procedi­m ento sum ário, nas "ações de despejo” e nos casos de indeferim ento lim inar da petição inicial (art. 551, § 32). Nesses casos, caberá ao próprio relator pedir dia para julgam ento, o que se dá, tam bém , nos casos em que não há revisão (agravo de instrum ento, recurso especial, recurso extraordinário etc.).

Em seguida, os autos serão apresentados ao presidente do órgão a que cabe apreciar o feito, devendo ele designar dia para o julgam ento, devendo a pauta ser publicada no Diário Oficial pelo m enos 48 horas antes da realização da sessão.3 A pauta de julgam entos, além disso, deve ser afixada na porta da sala de sessões onde se realiza a sessão de julgam ento.

Nos em bargos infringentes e nas "ações rescisórias”, cabe à secretaria do órgão com petente para seu julgam ento providenciar cópias autenticadas do relatório, a fim de distribuí-las en tre todos os com ponentes do órgão julgador.

N a sessão de julgam ento, cabe ao relator, inicialmente, apresentar um a exposição de todos os fatos relevantes da causa. Após, e não se tratando de em bargos de declaração ou de agravo de instrum ento, os advogados das partes poderão susten tar oralm ente suas razões, pelo prazo de 15 m inutos para cada um .4 Falará em prim eiro lugar o advogado do recorrente e, em seguida, o do recorrido. Se o advogado pretender fazer a sustentação oral, autoriza o art. 565 que se formule requerim ento no sentido de ser o feito colocado em julgam ento na sessão seguinte, preferindo este aos demais julgam entos (ressalvadas as preferências legais). Tendo sido o requerim ento subscrito pelos advogados de todos os interessados, a preferência será dada na m esm a sessão.

Após a oportunidade para a sustentação oral (ou não sendo a m esm a cabível), passa-se ao julgam ento. Esse deverá ser tom ado sem pre por núm ero ím par de m agistrados, com eçando-se pelo relator, seguindo-lhe, im ediatam en­te, o revisor (se houver). Nas Câmaras e Turmas o julgam ento das apelações e dos agravos será realizado por três m agistrados (art. 555 do CPC, com a reda­ção que lhe deu a Lei n 2 10.352/2001). Os dem ais julgam entos desses órgãos fracionários, bem assim os realizados por órgãos maiores, como o Plenário ou

3 Caso não se observe a antecedência m ínim a de 48 horas para publicação da pauta, o julga­m ento será nulo, salvo se presentes à sessão os advogados de am bas as partes (Enunciado n° 117 da Súm ula do STJ).

4 O E sta tu to da Advocacia (Lei ne 8 .906/1994) prevê a possibilidade de o advogado realizar sustentação oral em qualquer recurso ou processo (art. 7o, IX). Tal dispositivo, porém , teve sua aplicação suspensa pelo Suprem o Tribunal Federal, em decisão lim inar concedida em ação direta de inconstitucionalidade.

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o Órgão Especial, serão tom ados pelo núm ero ím par de m agistrados que indi­car o regim ento interno da Corte.

Após a oportunidade para a sustentação oral (ou não sendo a m esm a cabível), passa-se ao julgam ento. Este deverá ser tom ado sem pre por núm ero ím par de magistrados, com eçando-se a tom ar os votos pelo relator, seguindo- -lhe im ediatam ente o revisor. É de se notar que o art. 555 fala em três juizes, m as norm as regim entais podem (e efetivam ente o têm feito) alterar este nú ­mero, desde que se m antendo um a quantidade ím par de participantes.

É im portante no tar que as votações deverão ser tom adas separadam ente, para cada questão que seja subm etida a julgam ento, sob pena de se chegar a um resultado equivocado. Assim, por exemplo, no julgam ento de um recurso em que se pretende a nulidade de um ato jurídico por te r objeto ilícito, te r sido praticado por agente absolutam ente incapaz e te r sido celebrado por forma diversa da prescrita em lei, pode ocorrer que o relator considere o contrato nulo por incapacidade do agente, o revisor o considere nulo por vício de forma e o terceiro juiz (tradicionalm ente denom inado vogal) o considere nulo por ilicitude do objeto. Nesse julgam ento, o ato jurídico apreciado deverá ser de­clarado válido.

Parece estranho que se chegue a essa conclusão quando os três magis­trados afirmaram a nulidade do ato, mas h á que se observar que cada um dos fundam entos foi acolhido por um m agistrado e recusado pelos demais. Portan­to, por maioria, considerou-se válido o ato jurídico, rejeitando-se cada um dos fundam entos apresentados. O utro não poderia ser o resultado, um a vez que cada um destes fundam entos deve ser objeto de votação em separado.

Isso deve ser levado em consideração sem pre, inclusive quanto à separa­ção entre o juízo de admissibilidade e o juízo de m érito. Assim é que os com­ponentes da tu rm a julgadora devem votar no juízo de adm issibilidade e, sendo positivo este juízo (por unanim idade ou por maioria, pouco im porta), passar- -se-á ao juízo de m érito (devendo todos os m agistrados participar da votação, m esm o aqueles que tenham votado pelo não conhecim ento do recurso ou pela extinção do processo sem resolução do m érito) .5

Assim, qualquer prelim inar deverá ser, obviamente, apreciada antes do m érito. Rejeitada a preliminar, passa-se ao julgam ento do m érito.

Tratando-se a prelim inar de nulidade suprível, deverá a tu rm a julgadora converter o julgam ento em diligência, a fim de que seja sanado o vício.

5 É m uito com um , na prática, que se veja acórdãos assim em entados: “Por maioria, deu-se provim ento ao recurso, vencido o revisor, que dele não conhecia." Trata-se de decisão omissa. Em verdade, o que se teve aí foi que, por maioria, conheceu-se do recurso, vencido o revisor. N o m érito, porém , apenas dois votos foram tom ados, faltando mais um para com pletar-se o julgam ento.

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Q ualquer dos m agistrados que com ponham a tu rm a julgadora poderá pedir vista dos autos, para m elhor estudar a causa. N essa hipótese, o feito deverá ter seu julgam ento suspenso, recomeçando este na sessão seguinte à devolução dos autos (e o m agistrado poderá ficar com os autos, para deles ter vista, durante dez dias, sendo possível a solicitação de prorrogação desse pra­zo). Na sessão em que prosseguir o julgam ento, a continuação do exame do feito que já se havia iniciado se dará antes do início dos dem ais julgam entos.

Proferidos os votos, o presidente proclam ará o resultado, designando para redator do acórdão o relator ou, se este for vencido, o juiz que tiver pro- latado o prim eiro voto vencedor.6

O acórdão deverá, obrigatoriam ente, conter em enta. Esta nada mais é do que um resum o do teor do acórdão, cuja im portância se verifica pelo simples fato de a em enta facilitar as pesquisas de jurisprudência (máxime nos dias de hoje, com a possibilidade de criação de coletâneas de jurisprudência em pro­gramas de com putador - softwares - , sendo certo que a em enta facilita a criação de índices e a pesquisa dos acórdãos).

Aliás, desde a inclusão, no art. 556 do CPC, de um parágrafo único (pela Lei n2 11.419/2006), os votos, acórdãos e demais atos processuais praticados nos tribunais passaram a poder adotar form a eletrônica, devendo ser impressos e juntados aos autos apenas quando estes forem de papel (ou seja, quando não se adotar a form a do "processo eletrônico”, regulado por aquela m esm a lei).

§ 2fi PROVIMENTOS EMANADOS DO RELATOR

Os arts. 557 e 558 do Código de Processo Civil, am bos com redação alte­rada por leis que integram o movim ento genericam ente denom inado "reforma do CPC”, tratam de provim entos a serem proferidos pelo relator dos recursos nos tribunais. Têm -se aqui pronunciam entos exclusivos dos recursos (e, no caso do art. 558, ainda mais restritivam ente, provim ento exclusivo do agravo de instrum ento e da apelação), não podendo ser os m esm os pronunciados nos processos de com petência originária dos tribunais ou nos dem ais incidentes que têm seu curso naquelas Cortes.

Assim é que, nos term os do art. 557 do CPC, "o relator negará segui­m ento a recurso m anifestam ente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com a súm ula ou com jurisprudência dom inante do respectivo

6 A prática forense consagrou, para este juiz prolator do prim eiro voto vencedor, nos casos em que o relator é vencido, o nom e de “relator designado para o acórdão". Seria m ais apropria­do, porém , designá-lo redator designado para o acórdão, já que ele não fará nenhum relatório, m as se lim itará a redigir a decisão.

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tribunal, do Supremo Tribunal Federal ou Tribunal Superior”.7 O presente dis­positivo perm ite, pois, ao relator, atuando m onocraticam ente, proferir decisão no recurso que lhe é distribuído. Autoriza a lei que o relator profira juízo nega­tivo de adm issibilidade do recurso, toda vez que o m esm o for m anifestam ente inadmissível. Basta pensar, e. g., num recurso m anifestam ente intem pestivo ou deserto.

Além disso, o art. 557 do CPC autoriza o relator a proferir julgam en­to do m érito do recurso, a ele negando provim ento lim inarm ente, toda vez que o m esm o seja m anifestam ente im procedente,8 prejudicado ou contrário à súm ula ou à jurisprudência dom inante do respectivo tribunal ou de tribunal superior. Permite-se, pois, ao relator que profira decisão negativa de m érito no recurso, toda vez que o m esm o seja m anifestam ente im procedente, isto é, quando se tratar de recurso a que, m uito provavelmente, o órgão colegiado com petente para apreciá-lo negaria provimento.

Da m esm a forma, autoriza-se aquele juízo negativo de m érito por parte do relator quando se tratar de recurso m anifestam ente prejudicado, como, por exemplo, o agravo de instrum ento contra decisão interlocutória, quando o juízo a quo reformou inteiram ente sua decisão, ao realizar o juízo de retratação.9

Por fim, autoriza-se o juízo negativo de m érito por parte do relator quan­do o recurso for m anifestam ente contrário à súm ula ou à jurisprudência dom i­nante do respectivo tribunal, do STF ou de tribunal superior. A presente h ipó­tese, em verdade, se enquadra na de recurso m anifestam ente im procedente, já que o órgão colegiado, m uito provavelmente, negaria provim ento a tal recurso. Não se trata, porém, de pretender conferir eficácia vinculante às súm ulas dos tribunais. Isso porque o juízo negativo de adm issibilidade não é um a obrigação do relator, que sem pre poderá optar (tanto aqui como nas hipóteses anterior­m ente examinadas) por subm eter o recurso ao julgam ento pelo colegiado. Da m esm a forma, adm ite-se recurso contra a decisão proferida pelo relator (recur­so este cabível qualquer que seja o fundam ento da rejeição lim inar do recurso, e que é o agravo interno ou agravo por petição, nos term os do art. 557, § P ) .

Registre-se, porém , que em m atéria constitucional, estando a m atéria objeto do recurso versada em "súm ula vinculante” (art. 103-A da Constituição

7 Em bora o texto da lei faça referência a recursos, é en tendim ento pacífico que a norm a por ele veiculada se aplica, tam bém , ao reexame necessário (sobre o tem a, vide o Enunciado n° 253 da Súm ula do STJ).

8 O vocábulo m anifestam ente contido na redação do dispositivo aqui referido não diz respeito apenas à hipótese de recurso inadmissível, m as a todas as quatro situações ali arroladas. N este sentido, Nery Júnior, Atualidades sobre o processo civil, p. 189.

9 O novo § 1°-A do art. 557 perm ite ao relator dar provim ento ao recurso quando in terposto contra decisão que seja contrária à súm ula ou à jurisprudência dom inante do respectivo tribu­nal, de tribunal superior ou do STF.

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da República), o relator não terá ou tra saída a não ser julgar conforme o enun­ciado vinculativo.

O outro dispositivo a ser examinado é o art. 558, que se refere exclusi­vam ente ao agravo de instrum ento (e cuja norm a incide tam bém na apelação, nos casos em que esse recurso não tem efeito suspensivo, por força do pará­grafo único do art. 558). Prevê esse dispositivo que o relator do agravo de ins­trum ento, a requerim ento do agravante,10 confira efeito suspensivo ao recurso que, como se sabe, ordinariam ente não o produz.

O efeito suspensivo, quando presente algum a das hipóteses previstas no dispositivo aqui referido, será obrigatoriam ente concedido pelo relator, não cabendo aqui nenhum a espécie de discricionariedade judicial.11

O prim eiro caso de concessão de efeito suspensivo ao agravo de instru ­m ento é o de recurso contra decisão que determ inou a prisão civil. Como é sabido, o D ireito brasileiro tem adm itido a prisão civil por dívidas em duas hipóteses: devedor inescusável de prestação alim entícia e depositário infiel. Q uanto a esta últim a, registre-se que o Supremo Tribunal Federal não tem mais adm itido a prisão civil, em posição com a qual, com todas as vênias devidas, não concordo.12 D eterm inada a prisão civil, é cabível a interposição de agravo de instrum ento, podendo o relator, a requerim ento do agravante, conferir efei­to suspensivo ao recurso. É de se notar, porém , que a regra aqui com entada só é cabível quando se tratar de recurso contra a decisão que decreta a prisão civil do depositário infiel, m as não a do devedor de alim entos. Isto porque a Lei n 2 5.478/1968, em seu art. 19, § 32, afirm a expressam ente que a interposição do agravo de instrum ento não im pede a atuação da ordem de prisão. Assim sendo, norm a especial que é, deve prevalecer sobre a norm a geral, contida no CPC, e que será, por conseguinte, aplicável apenas ao depositário infiel.13

A segunda hipótese prevista na lei para concessão de efeito suspensivo ao agravo de instrum ento é a de recurso contra a decisão que deferir a adjudi­cação, modalidade de alienação de bens do executado no m ódulo processual da "execução por quantia certa contra devedor solvente”, regulado no CPC nos arts. 685-A e 685-B, e que consiste na entrega, ao exequente, do bem penhora- do, como form a de satisfazer seu crédito.

Em seguida, prevê o art. 558 a concessão de efeito suspensivo ao agravo de instrum ento interposto contra decisão que deferir a remição de bens, instituto

10 E, no caso de aplicação do dispositivo à apelação, a requerim ento do apelante.

11 Gusm ão Carneiro, O novo recurso de agravo e outros estudos, p. 72.

12 O leading case do STF sobre a m atéria é o HC 94702/GO , rei. Min. Ellen Gracie, j. em 7 /10 /2008 . Sobre a m atéria, não há como deixar de citar o enunciado n° 25 da Súm ula Vincu­lante do STF.

13 Freitas Câmara, Lineamentos do novo processo civil, p. 113, no ta 16.

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1 5 4 Lições de Direito Processual Civil • Câmara

abolido do processo civil brasileiro pela Lei n Q 11.382/2006. Além disso, deve-se conceder efeito suspensivo ao agravo interposto contra decisão que autoriza o levantam ento de quantia em dinheiro, sem que se preste caução idônea.

Por fim, em cláusula aberta (e que, por isso mesm o, é elogiável, já que am plia o campo de aplicação da norma, evitando um a enum eração taxativa e exaustiva), perm ite o CPC que se confira efeito suspensivo ao agravo de instrum ento quando forem relevantes os fundam entos do recurso (fumus boni iuris), havendo risco de que a im ediata produção de efeitos da decisão agravada gere para a parte um risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação (periculum in mora). Ao prever esta hipótese, nosso Código de Processo Civil consegue acabar com a proliferação de m andados de segurança em que se pe­dia a concessão de efeito suspensivo ao agravo de instrum ento, perm itindo-se que tal efeito, nos casos em que tradicionalm ente se concedia a segurança pedida através daquele rem édio de origem constitucional, seja concedido no próprio recurso. Dispensa-se, pois, a utilização de dois instrum entos proces­suais (agravo e m andado de segurança), conseguindo-se com apenas um deles o m esm o resultado útil.

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PARTE 2

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EXECUÇÃO FORÇADA (M Ó D U LO PROCESSUAL

EXECUTIVO)

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VIII

TEORIA GERAL DA EXECUÇÃO

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§ l e OBSERVAÇÕES PRELIMINARES

Inicia-se, aqui, a análise do segundo tipo de atividade jurisdicional co­nhecida: a execução forçada. Trata-se de atividade bastan te d istin ta da cogni­tiva, que vinha sendo estudada até o presente m om ento. Isso porque, tendo finalidades im ediatas d istin tas, a cognição e a execução se caracterizam por atividades predom inantes bastante diferentes. E nquanto no m ódulo proces­sual de conhecim ento a atividade precípua era a cognição, consistente num a técnica de análise de alegações e provas, com o fim de perm itir um acerta- m ento da existência ou inexistência do direito (já que no m ódulo proces­sual de conhecim ento a finalidade essencial é um a declaração da existência ou inexistência do direito afirm ado pelo dem andante, declaração essa que, em algum as situações, virá acom panhada de um plus, a constituição ou a condenação), na execução forçada, cuja finalidade, como se verá adiante, é a satisfação forçada de um direito de crédito, a atividade predom inante é a executiva (atividade, veja-se bem, predom inante, já que haverá, aqui, atos de natureza diversa, como, e. g .f atos cognitivos).

É preciso, ainda, nestas observações prelim inares, afirmar que a execu­ção forçada é regida pelos m esm os princípios que formam a teoria geral do Di­reito Processual. Não é com um encontrar-se nas obras sistem áticas do D ireito Processual Civil, mas não se pode deixar de ter sem pre em m ente esta verdade: todos os princípios da teoria geral do D ireito Processual têm plena aplicação

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in executivis. Assim, pode-se falar em "condições da ação de execução” ou em pressupostos processuais executivos.

As "condições da ação executiva” serão examinadas, em seus aspectos mais relevantes, nos itens destinados à análise da legitim idade das partes para m ódulo processual executivo e do títu lo executivo (onde falarei do interesse de agir in executivis). Q uanto à possibilidade jurídica da dem anda executiva, não será tratada em separado, já que se tra ta de requisito m enos relevante nes­ta seara. Assim sendo, as hipóteses de "im possibilidade jurídica da dem anda executiva” serão tratadas de forma casuística, à m edida que os casos de falta desse requisito forem aparecendo.

Já no que concerne aos pressupostos processuais da execução, não há m uito o que se acrescentar em relação ao que se disse para o processo cog­nitivo. Há, obviamente, a necessidade de partes capazes, mas não há, aqui, nada que altere a regulam entação do tem a em relação ao m ódulo processual de conhecim ento. O m esm o se diga em relação ao juízo investido de jurisdição e à regularidade formal da dem anda executiva (este últim o pressuposto terá suas características especiais examinadas diante de cada um a das espécies de execução).

Não se pode, porém , deixar de se ten tar dem onstrar que a execução se insere na atividade jurisdicional do Estado, além de se tratar da com petência para o processo executivo, o que será feito nos itens seguintes deste capítulo.

§ 2fi CONCEITO

A execução já foi conceituada, por notável processualista pátrio, como "conjunto de atos estatais através de que, com ou sem o concurso da vontade do devedor (e até contra ela), invade-se seu patrim ônio para, à custa dele, realizar-se o resultado prático desejado concretam ente pelo direito objetivo m aterial”.1

A execução forçada, como se vê deste conceito, tem por fim perm itir a realização prática do com ando concreto derivado do direito objetivo. Esta realização se dá, com ou sem a vontade do devedor (e, m esm o, contra tal von­tade), através da invasão de seu patrim ônio. Assim sendo, poder-se-ia definir a execução forçada como a atividade jurisdicional que tem por fim a satisfação concreta de um direito de crédito, através da invasão do patrim ônio do exe­cutado (que, como se verá, pode ser o próprio devedor, ou outro responsável, como um fiador, por exemplo).

1 Cândido Rangel D inam arco, Execução civil, p. 115.

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Teoria Geral da Execução 161

D esta definição já se pode afirm ar a natureza jurisdicional da execução. Isso porque, em sendo a jurisdição a função estatal de, substituindo-se a ati­vidade das partes, atuar a vontade concreta da lei, não se pode negar que a execução é jurisdição. Com a execução forçada o que se quer é, através da subs­tituição da atividade das partes (principalm ente da atividade do executado), fazer-se atuar a vontade concreta do direito substancial, m ediante a realização prática do direito de crédito existente segundo o direito m aterial.2 Trata-se, pois, de verdadeira atividade jurisdicional (o que justifica sua inclusão no Di­reito Processual e sua subm issão aos princípios que formam a estru tu ra fun­dam ental desse ram o do Direito).

É de se notar, desde logo, que o processo executivo (ou a fase executiva de um processo misto) não é formado exclusivamente por atos de execução forçada. Estes são, obviamente, os mais freqüentes, revelando-se capazes de caracterizar este tipo de processo. Há, porém , atos de outras espécies, como se verá.

Os m eios executivos se caracterizam por serem m eios de sub-rogação, ou seja, m eios pelos quais o Estado-juiz substitui a atividade do executado, atuando até m esm o contra sua vontade, invadindo seu patrim ônio e realizando concretam ente o direito substancial do credor. Assim, por exemplo, a penhora de bens, a expropriação em hasta pública.

Há, porém , m eios de coerção, utilizados precipuam ente na execução de obrigação de fazer e de não fazer, os quais, em bora não tenham natureza exe­cutiva, são utilizados dentro da fase executiva de um processo ou durante o processo de execução.3 Assim, por exemplo, as astreintes (m ultas diárias pelo atraso no cum prim ento de obrigação de fazer ou não fazer) e a prisão civil do devedor de alimentos.

2 É praticam ente unânim e a doutrina em afirmar a natureza jurisdicional da execução. No sen­tido do texto, entre outros, Dinamarco, Execução civil, p. 190-191; Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, vol. Eli, p. 7; Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. II, p. 6. Na doutrina estrangeira, afirmam a natureza jurisdicional da execução, entre outros, Giuseppe Chiovenda, Instituições de direito processual civil, vol. II, trad. bras. de J. Guimarães Menegale. p. 14; Enrico TUllio Liebman, Processo de execução, p. 4 (trata-se de livro escrito originalm ente em língua portuguesa, no período em que aquele ilustre jurista italiano viveu no Brasil); Elio Fazzalari, Istituzioni di diritto processuale, p. 201; Prieto-Castro y Ferrándiz, Derecho procesal civil, p. 444; Eduardo Couture, Fun­damentos do direito processual civil, p. 380. Não se pode omitir, porém, a existência de juristas que negam caráter jurisdicional à execução. Assim, por exemplo, Celso Neves, Estrutura fundamental do processo civil, p. 33. E de se notar, porém, que para este au tor apenas a declaração é atividade juris­dicional e tudo o que dela exceder (como, por exemplo, o segundo m om ento lógico da sentença constitutiva, em que se cria, modifica ou extingue um a relação jurídica) já não é mais jurisdição, devendo ser considerado como atividade juris-satisfativa.

3 N egam natu reza executiva aos m eios de coerção, en tre outros, D inam arco, Execução Civil, p. 314, n o ta 2, e Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 218.

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1 6 2 Lições de Direito Processual Civil • Câmara

A rigor, é possível susten tar que existe um conceito am plo de execução (execução lato sensu), que se pode entender como o conjunto de atividades (de sub-rogação ou de coerção) destinadas a transform ar em realidade prática um com ando jurídico contido em um a decisão judicial ou em algum outro ato a ela equiparado. Além disso, h á um conceito estrito de execução (execução stricto sensu), que inclui apenas aqueles m eios de sub-rogação, através dos quais o Estado produz um resultado prático equivalente ao que se produziria se o devedor adim plisse seu dever jurídico. É por isso que não parece útil a term inologia que o CPC passou a em pregar a partir a entrada em vigor da Lei n Q 11.232/2005, que fala em "cum prim ento da sentença”. O que se tem ali é, sem som bra de dúvida, execução (por coerção ou por sub-rogação) .4

Além disso, pode-se identificar atividade tipicam ente cognitiva no pro­cesso de execução ou na fase de execução de um processo m isto, em m om en­tos em que o m agistrado é levado a form ar juízos de valor acerca de questões que vêm a ser suscitadas (como, e. g., ao apreciar um requerim ento de subs­tituição de penhora ou ao exam inar a presença das “condições da ação” e dos pressupostos processuais).

Verifica-se, pois, do que foi até aqui exposto, que a execução forçada, tipicam ente jurisdicional, é formada principalm ente (mas não só) por atos executivos, sendo destinada à satisfação concreta do direito do dem andante, existente segundo os term os do direito substancial.

D esta últim a afirmação resulta algo que não se pode deixar de afirmar. Ao contrário do m ódulo processual de conhecim ento, que alcança seu fim nor­mal tan to com a vitória do dem andante como com a do dem andado, na execu­ção forçada só se alcança o fim norm al do processo quando o resultado final é favorável ao dem andante. Trata-se de m ódulo processual de desfecho único.5 Isso porque, sendo destinada à satisfação do direito m aterial do exequente, seu desfecho norm al só se dará quando tal satisfação ocorrer. Q ualquer hipótese de extinção da execução com resultado favorável ao executado (porque, por exemplo, faltava alguma "condição da ação” ou inexistia o direito substancial afirmado) será considerada um fim anôm alo do processo.

Não se pense com isso que a "ação de execução” é concreta (ou seja, que ela só existe quando existe tam bém o direito substancial). A "ação de execução” é, tam bém , abstrata e sua existência independe do direito material afirmado pelo dem andante. Ocorre que, por sua própria finalidade, a execução forçada é toda estru turada tendo em vista a realização do direito afirmado pelo dem andante e, no caso de tal posição jurídica de vantagem não existir, o des­

4 Foi por essa razão, aliás, que dei ao m eu livro escrito acerca da Lei ne 11.232/2005 o nom e de A nova execução de sentença.

5 Dinam arco, Execução civil, p. 151.

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Teoria Geral da Execução 1 6 3

fecho da execução forçada não será aquele para o qual a m esm a se direcionou. Será, pois, desfecho anôm alo do processo.

Essa breve exposição sobre o conceito de execução forçada não pode ser encerrada sem que se apresentem breves considerações sobre a autonom ia do processo executivo. Com o já se afirm ou no prim eiro volum e destas Lições, sem pre foi trem endam ente discutida em doutrina a au tonom ia do processo de execução quando tivesse por base um a sentença. Havia quem susten tasse que a execução de sentença devia ser considerada um processo autônom o perante o processo de conhecim ento em que a sentença tivesse sido profe­rida. N este sentido se manifestava, por exem plo, o processualista italiano que m ais influência exerce sobre o m oderno D ireito Processual brasileiro .6 Sem pre houve, porém , quem afirm asse que cognição e execução deveriam ser consideradas duas fases de um só processo.7 Desde a prim eira edição destas Lições, sem pre susten te i que o m odelo adotado pelo CPC brasileiro não era o m ais adequado. Isto porque o Código de Processo Civil, elaborado com base na dou trina então dom inante, tratava o processo de execução como um processo autônom o em relação ao processo de conhecim ento condenatório. Sem pre nos pareceu que, por ser só um a a pretensão do dem andante (receber o bem jurídico que lhe é devido), deveria ser um só o processo, dividido em duas fases, um a cognitiva e ou tra executiva. A Lei nQ 10.444/2002 m odifi­cou o m odelo an terio rm ente existente (ressalvadas, apenas, as obrigações pecuniárias, em relação às quais continuou a existir o binôm io processo de conhecim ento + processo de execução). A partir da entrada em vigor do aludido diplom a legal, a condenação não é mais capaz de exaurir o processo (quando se tra ta r de condenação a fazer, não fazer ou entregar coisa diversa de d inheiro ). A execução é um prolongam ento do processo, que não é mais nem puram ente cognitivo nem puram ente executivo, m as um processo m is­to, sincrético, em que as duas atividades se fundem . Além da simplificação trazida para o sistem a executivo brasileiro, a obtenção de tu te la jurisdicional plena pode ser alcançada m ais rapidam ente,

É de se notar que, sendo a execução m ero com plem ento da atividade cognitiva, não há que se falar em em bargos do executado, devendo toda a m a­téria de defesa do dem andado ser apresentada em sua contestação. Eventuais vícios dos atos executivos determ inados pelo juiz serão passíveis de correção através de recurso.

6 Liebman, Processo de execução, p. 38-42.

7 Niceto Alcalá-Zam ora y Castillo, citado por H um berto Theodoro Júnior, A execução de senten­ça e a garantia do devido processo legal, p. 210-211. Esse p rocessualista m ineiro , registre-se , já pugnava, no seu livro o ra referido, pela adoção, no Brasil, de um m odelo diferente do trad i­cional, com processos sincréticos, divididos em duas fases (um a cognitiva e ou tra executiva), conform e se pode ver no alud ido livro, p. 232 e 253-256.

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Além disso, e este é, a nosso sentir, o ponto mais im portan te da m odi­ficação, por ser a execução de sentença m ero prosseguim ento do processo em que se produziu a condenação, incide aqui, com toda a sua força, o disposto no art. 262 do CPC, segundo o qual o processo começa por iniciativa da parte, m as se desenvolve por im pulso oficial. Significa isso dizer que, ao con­trário do que se tinha antes, quando a execução de sentença era processo au­tônom o e, por isso m esm o, só podia te r início por dem anda da parte, agora a execução, sendo um prosseguim ento do processo que já existia, desenvolve- -se por im pulso oficial, cabendo ao juiz, pois, ex ofjicio, dar início à execução das suas próprias sentenças (ressalvando-se, sem pre, a condenação a pagar dinheiro, a que continua a ser aplicável o m odelo tradicional, com dois - e às vezes três, pois não se pode esquecer da liquidação de sentença - processos autônom os en tre si).

Adotou-se, pois, com a Lei n2 10.444/2002, modelo processual radical­m ente diferente do anterior, rom pendo-se com a estru tu ra liebm aniana do CPC, para se acolher o sistem a que era por m im proposto desde a prim eira edição deste livro e que tinha am paro em nobre sede doutrinária. Augura-se, pois, que o novo modelo, acom panhado de um a modificação cultural (pois de nada adianta a m udança da lei se os profissionais do Direito continuarem a atuar como se nada tivesse sido modificado), seja capaz de produzir resultados mais efetivos.

Posteriorm ente, a Lei n 2 11.232/2005 com pletou a modificação iniciada pela Lei n2 10.444/2002, já que tam bém a execução de sentença que condena a pagar dinheiro se tom ou fase com plem entar do m esm o processo em que a sentença foi proferida.8 Abandonou-se, então, por com pleto o modelo liebma- niano, e desapareceu a autonom ia do processo de execução de sentença. O que se tem , agora, é um processo misto, sincrético, desenvolvido em duas fases (ou m ódulos processuais): o m ódulo processual de conhecim ento e o m ódulo processual executivo.

§ 3fi PRINCÍPIOS

A esta altura, já deve ser claro que a execução forçada está regulada pelos m esm os princípios que o m ódulo processual de conhecim ento. Assim, por exemplo, os princípios do devido processo legal, da isonom ia e do contradi­tório. Surgem, aqui, porém, alguns princípios novos, próprios deste tipo de atividade jurisdicional. Além disso, alguns dos princípios gerais recebem, aqui,

8 Sobre o ponto, pede-se vênia para citar o que se susten tou em Alexandre Freitas Câm ara, A nova execução de sentença, passim.

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Teoria Geral da Execução 1 6 5

características novas (o que faz com que, m uitas vezes, não sejam nem m es­mo reconhecidos in executivis, como se dá com o princípio do contraditório). É desses princípios típicos da execução forçada, e do contraditório na execução, que tratarei nesta passagem.

3.1 Princípio da Efetividade da Execução Forçada

Trata-se de m era aplicação, in executivis, do princípio da efetividade do processo, já tantas vezes estudado pela doutrina.9 Esse princípio pode ser resu­mido num a frase que tem servido de slogan ao m oderno Direito Processual: "O processo deve dar, quanto for possível praticam ente, a quem tenha um direito, tudo aquilo e exatam ente aquilo que ele tenha direito de conseguir.”10

Esta afirm ativa é válida para todos os tipos de processo, sendo certo que na execução forçada encontra-se um ponto sensível do sistema, onde se pode verificar com mais acuidade a aptidão do processo jurisdicional para atingir os fins que dele são esperados.11 A execução forçada, destinada que é a satisfazer o direito de crédito do exequente, só será efetiva à m edida que se revelar capaz de assegurar ao titu lar daquele direito exatam ente aquilo que ele tem direito de conseguir. Assim , na execução por quantia certa, o processo de execução só será efetivo se for capaz de assegurar ao exequente a som a em dinheiro a que faz jus. Da m esm a forma, na execução para entrega de coisa, a efetividade do processo depende de sua aptidão para garantir que o exequente receba a coisa que lhe é devida.

Já nas execuções de obrigação de fazer e de não fazer, há que se tecer algumas observações com plem entares. Em princípio, a execução de obrigação de fazer só seria efetiva se proporcionasse ao exequente o resultado prático esperado em razão do cum prim ento da prestação devida. Tal, porém, se m ostra impossível em diversas situações. Isso porque há um lim ite à execução,12 con­sisten te na velha regra segundo a qual nemo ad factum praecise cogi potest (nin­guém pode ser coagido a prestar um fato). É certo que tal princípio vem sendo atenuado, por regras como a constante do art. 461 do CPC, m as encontra-se sem pre um lim ite na impossibilidade de se coagir o devedor de um a prestação de fazer a cum prir sua obrigação. Será inevitável, como se verá no m om ento próprio, que se converta a obrigação em perdas e danos (hipótese em que a

9 Por todos, José Carlos Barbosa M oreira, N otas sobre o problem a da "efetividade" do proces­so, in Temas de direito processual, terceira série, p. 27; Alexandre Freitas Câm ara, Novas observaçõessobre a efetividade do processo, in Doutrina, vol. III, coord. Jam es Tlibenchlak, p. 106.

10 Chiovenda, Instituições de direito processual civil, vol. II, p. 46.

11 Freitas Câmara, Novas observações sobre a efetividade do processo, p. 113.

12 Trata-se de lim ite natura l da execução: Dinam arco, Execução civil, p. 297-298.

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execução se converte em execução por quantia certa) ou se escolha um terceiro para realizar a prestação às expensas do executado (e, mais um a vez, a execu­ção se converte em execução por pecúnia, onde se buscará a quantia necessária para pagar o terceiro que realizou a prestação).

O m esm o se diga quanto à execução de obrigação de não fazer (a qual, como se verá adiante com mais cuidado, é em verdade um a execução de desfa­zer, onde se busca o desfazim ento daquilo que foi feito com violação da obri­gação negativa). N este caso, ou se dá a conversão em perdas e danos, ou se escolhe - quando possível - um terceiro para desfazer o que foi feito indevida­m ente, às custas do devedor (hipótese em que serão devidos, cum ulativam en­te, perdas e danos).

De toda sorte, a opção do sistem a processual brasileiro é pela execução específica, em que se busca assegurar ao titular do direito precisam ente aquilo a que ele tem direito .13 Apenas excepcionalmente se adm ite a execução genérica, em que o credor é levado a se contentar com um substitutivo pecuniário, em vez de receber aquilo a que faria jus conforme os ditam es do direito substancial.

3.2 Princípio do M enor Sacrifício Possível do Executado

Previsto no art. 620 do CPC, em cujos term os "quando por vários meios o credor puder prom over a execução, o juiz m andará que se faça pelo modo m enos gravoso para o devedor”, trata-se de princípio decorrente da própria evolução histórica da execução. No início, a atividade executiva recaía sobre o próprio corpo do devedor (que podia ser preso, reduzido à condição de escravo ou até m esm o m orto em razão de suas dívidas). A evolução do D ireito (decor­rente da própria evolução da civilização) não podia adm itir isso, o que fez com que a execução passasse a incidir sobre o patrim ônio do devedor, e não mais sobre seu corpo (apesar de haver, ainda, alguns resquícios daquela fase, como a prisão civil do devedor de alim entos). À m edida que o D ireito evolui, passa a buscar um a proteção cada vez maior para o executado. Assim é que vão se esta­belecer alguns lim ites políticos à invasão patrim onial que a execução perm ite, como é o caso das im penhorabilidades (im pedindo-se que sejam apreendidos bens necessários à sobrevivência do devedor e de sua família, assim o salário, as utilidades dom ésticas correspondentes a um m édio padrão de vida, os ins­trum entos necessários ou úteis ao exercício de profissão).

A lém disso, deve o princípio do m enor sacrifício possível ser observa­do ainda quando se pretenda fazer a atividade executiva incidir sobre par­cela do patrim ônio do executado que esteja, em linha de princípio, su je ita a

13 Dinam arco, Execução civil, p. 316.

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ela. Assim , por exem plo, se a penhora incide sobre um bem que é capaz de garantir a satisfação do crédito, e o devedor tem outro , tam bém capaz de ga­ran tir ta l satisfação, m as que - um a vez apreendido - traria a ele m enor gra- vam e, deverá a penhora incidir sobre este, e não sobre aquele prim eiro bem .

É bom lem brar que nem todo devedor é desidioso, nem deve ser tra ta­do como vilão. É certo que há devedores assim, m as estes m aus elem entos não podem ser considerados como parâm etro para definir todos os devedores. Há devedores que chegam à situação de inadim plem ento que norm alm ente se identifica na execução em razão das “dolorosas vicissitudes da vida”,14 e é prin­cipalm ente por causa destes devedores que se exige a observância do princípio aqui estudado, buscando-se um equilíbrio entre os interesses do exequente e do executado.

3.3 Princípio do C ontraditório

Este princípio, já estudado quando da análise da teoria geral do D ireito Processual, é de fundam ental im portância no campo da execução. Apesar dis­so, h á autores que negam sua incidência in executivis,15 O utros há que se colo­cam em posição interm ediária, afirm ando que o contraditório no processo exe­cutivo (ou na fase executiva de um processo misto) existe de form a atenuada.16 Essas posições, data venia, não podem ser aceitas. A inda que não fosse inegável a existência do contraditório in executivis, neste sentido se pronunciando a mais autorizada doutrina,17 a am plitude da garantia constitucional do contraditório (art. 5Q, LV, da Constituição da República) seria, por si só, suficiente para exigir que o contraditório fosse um a decorrência natural do sistem a jurídico objetivo.

Há, sim, contraditório no processo executivo (ou na fase executiva de um processo m isto), como passarei a dem onstrar. Há que se recordar, em pri­m eiro lugar, que o contraditório é elem ento integrante do conceito de proces­so .18 Sendo a execução um processo (ou pelo m enos fase de um processo), não

14 Expressão utilizada por Marco Tlillio Zanzucchi, citada por Dinamarco, Execução civil, p. 308, no ta 26.

15 Afirmam que não há contraditório no processo executivo, en tre outros, Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. II, p. 6; Alfredo Buzaid, Do concurso de credores no processo de execução, p. 26.

16 Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, vol. III, p. 214; Frederico M arques, Manual de direito processual civil, vol. IV, p. 3; G iuseppe Tarzia, O contraditório no processo execu­tivo, trad. bras. de Tereza Celina de A rruda Alvim, RePro, vol. 28, p. 84.

17 No sentido do texto, afirm ando existir contraditório no processo executivo, Dinamarco, Execução civil, p. 168-170; Fazzalari, Istituzioni di diritto processuale, p. 207.

18 Fazzalari, Istituzioni di diritto processuale, p. 82-83.

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1 6 8 Lições de Direito Processual Civil • Câmara

se pode negar a existência de contraditório, sob pena de se desvirtuar aquele conceito geral. Não existe processo sem contraditório, e afirmar o contrário seria negar o conceito de processo.

Ademais, não se pode esquecer que o contraditório deve ser visto sob um a ótica jurídica e ou tra política, e que apenas com a conjugação dessas duas se poderá ter ideia adequada daquele princípio. Assim , como se sabe, o contraditório (visto como fenôm eno jurídico) deve ser entendido como a garantia que têm as partes de que tom arão conhecim ento de todos os atos e term os do processo, com a conseqüente possibilidade de m anifestação sobre os m esm os. Em outros term os, o contraditório é a garantia de inform ação necessária e reação possível.

É inegável a presença de contraditório no processo executivo (ou na fase executiva de um processo m isto). Basta pensar, por exemplo, na execução por quantia certa contra devedor solvente, em que o bem penhorado é levado à avaliação judicial. Elaborado o laudo, deve-se com unicar as partes de seu teor (informação necessária), para que possam , querendo, im pugná-lo pelo meio próprio (reação possível). O utro exemplo que pode ser aduzido é o da neces­sidade de citação do executado na execução por quantia certa contra devedor solvente fundada em títu lo extrajudicial para, em três dias, pagar a dívida. Com isso, estar-se-á levando ao executado o conhecim ento da dem anda exe­cutiva ajuizada em face dele (informação necessária), além de se perm itir que o executado atue no processo, pagando ou assum indo o risco de suportar a atividade executiva (reação possível).

Além disso, o contraditório tem de ser visto como garantia política, sendo entendido como o direito de participação dos interessados nos resul­tados do ato estatal no processo de formação do provim ento, influindo em seu resultado. O contraditório funciona, assim, como fator de legitimação do processo den tro do contexto dem ocrático em que toda a atuação dos órgãos estatais deve se situar. Processo sem contraditório é processo ilegítimo. Não havendo contraditório, o processo não se m ostra adequado ao Estado D em o­crático de D ireito que é estabelecido por nosso sistem a constitucional.

Assim sendo, no processo executivo (como em todos os dem ais p ro­cessos estatais, jurisdicionais ou não), bem como na fase executiva de um processo m isto, deve haver contraditório , como fator de legitim ação da ati­vidade estata l tenden te à realização forçada da vontade concreta do direito objetivo substancial. Esse direito de participação está assegurado às partes do processo executivo (ou da fase executiva de um processo m isto), que têm o poder de influir nos resultados da atividade ali desenvolvida. Basta dizer, por exemplo, que na execução de obrigação alternativa, cabendo ao devedor a escolha do m odo como será cum prida a prestação, este será citado para m a­nifestar sua opção (art. 571 do CPC). Ao exercer a opção, estará o executado influindo decisivam ente no resultado final do processo executivo, já que sua

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escolha te rá de ser respeitada, e toda a atividade executiva será realizada em direção ao cum prim ento forçado da obrigação pelo m odo escolhido pelo exe­cutado. Assim, por exemplo, se a obrigação é alternativa, cabendo ao execu­tado escolher en tre a entrega ao credor de dez sacas de feijão preto ou dez sa­cas de arroz, citado o devedor, e m anifestando ele sua escolha (e. g .f optando o executado pela entrega ao credor das sacas de feijão), deverá o Estado-juiz determ inar a busca e apreensão das sacas de feijão (salvo, obviam ente, se o próprio executado entregá-las voluntariam ente). Terá o executado, assim , influído no resultado final da atividade executiva.

Verifica-se, pois, através desses exemplos (e de m uitos outros, que não são aqui figurados por absoluta desnecessidade), que o princípio do contra­ditório está presente no processo executivo (ou na fase executiva de um pro­cesso m isto ).

Não se pode, porém, achar que a presença do contraditório na execução forçada é suficiente para que ali haja discussão acerca do m érito da causa (ou seja, discussão a respeito da procedência ou não da pretensão m anifestada pelo exequente, de satisfação de um alegado direito de crédito). O processo executivo, como qualquer outro processo, tem m érito. Não se poderia negar a existência de m érito nesta espécie de processo, sob pena de se adm itir a exis­tência de um processo sem objeto (quando, como já se viu anteriorm ente, o m érito da causa é o próprio objeto do processo). O que não há, no processo executivo, é julgam ento do m érito .19 O m érito só poderá ser exam inado em em bargos do executado, processo cognitivo autônom o e incidente ao processo executivo. Nos embargos, sim, será possível discutir-se o m érito da execu­ção, perquirindo-se a existência ou não do crédito que o exequente afirmava ter. Afasta-se dessa regra, porém, o m ódulo processual executivo do processo sincrético. Isso porque a defesa do executado, aí, inclusive quanto à m atéria de m érito, se faz através da instauração de um incidente processual (chamado impugnação). N este caso, então, poderá haver análise do m érito do módulo processual executivo dentro deste próprio m ódulo do processo.

À luz do exposto, verifica-se que o contraditório é um dos princípios de observância obrigatória na execução forçada.

3.4 Princípio do Desfecho Único

Decorrência de algo que se acabou de afirmar, a inexistência (em regra) de julgam ento do m érito no m ódulo processual executivo é o princípio do des­fecho único. Esse princípio é, em verdade, corolário da própria finalidade da execução forçada, a satisfação do crédito exequendo, com a realização concreta

19 Dinam arco, Execução civil, p. 363-364.

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da vontade do direito substancial. Assim é que o único fim norm al do processo executivo (ou da fase executiva de um processo misto) é a satisfação do crédito exequendo. Q ualquer outro desfecho será considerado anôm alo.20 Sendo ex­tin ta a execução, e. g., pela falta de algum pressuposto processual ou de "con­dição da ação”, estar-se-á diante de desfecho anôm alo do processo. O m esm o se diga, por exemplo, se a execução for extinta por força de sentença que, nos em bargos do executado, reconhece a inexistência da obrigação. Em todas as hipóteses figuradas, ou em outras em que o resultado final do processo execu­tivo (ou da fase executiva de um processo misto) seja favorável ao executado, ter-se-á extinção anôm ala da execução. O único desfecho norm al é a satisfação do crédito alegado pelo dem andante. Não infirm a esta conclusão - registre-se - o fato de <jue pode haver exame do m érito na fase executiva de um processo sincrético. E que, provocado esse exame, se a decisão não for favorável ao exe­quente, ter-se-á, de qualquer modo, a extinção anôm ala do m ódulo processual.

Este princípio gera conseqüências, por exemplo, na desistência da exe­cução. Ao contrário do que ocorre no módulo processual de conhecim ento, em que a desistência da ação m anifestada após a contestação só levará à extinção do processo se com ela consentir o réu, no processo executivo (ou na fase executi­va de um processo m isto), em que o desfecho normal é necessariam ente favo­rável ao dem andante, o dem andado não precisa manifestar seu consentim ento para que a desistência acarrete a extinção do processo (art. 569 do CPC).

Essa afirmação é verdadeira, ainda que o executado tenha oferecido em ­bargos à execução (ou impugnação à execução de sentença). M esmo nesta hipótese, a desistência da execução independe da concordância do dem andado. Já os efeitos desta desistência sobre os em bargos opostos pelo executado é que irão variar, conforme tais em bargos versem ou não sobre o m érito da execução (art. 569, parágrafo único). Assim é que, versando os em bargos apenas sobre m atéria processual (como, por exemplo, se os embargos versarem unicam ente sobre falta de legitim idade das partes para a dem anda executiva), a desistência da execução implica necessariam ente a extinção dos embargos. Tratando-se, porém, de em bargos que versem sobre m atéria de m érito da execução (e. g., em bargos em que se alegue a inexistência da obrigação), a desistência da exe­cução só levará à extinção dos em bargos se com isso concordar o executado. Poderá, pois, o executado optar por m anter pendente o processo instaurado em razão de seus embargos, devendo-se dizer que, a partir de agora, tal de­m anda não m erecerá mais o nom e de embargos, devendo ser tratada como "ação declaratória autônom a”.21

20 O princípio do desfecho único não tem cham ado a atenção da m aior parte dos estudiosos do tem a. O que vai no texto, porém, encontra respaldo em alguns doutrinadores. Assim, por exem­plo, Araken de Assis, Manual do processo de execução, p. 1102. Dedica a este princípio tratam ento sistem ático Dinam arco, Execução civil, p. 150-153.

21 No sentido do texto, Dinam arco, (Execução civil, p. 152, no ta 108; e A reforma do Código de Processo Civil, p. 286-287; Freitas Câmara, Lineamentos do novo processo civil, p. 145. Contra, en­

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No caso de execução de títu lo judicial, porém, em que a defesa do exe­cutado se dá por m ero incidente processual (a impugnação), parece-nos que a desistência da execução implicará, inexoravelmente, a extinção do incidente de impugnação, qualquer que tenha sido seu fundam ento.

Não se deve pensar, porém , que pelo fato de o desfecho norm al da exe­cução ser sem pre favorável ao dem andante, estar-se-ia aqui diante de um "poder concreto de ação”, ou seja, de um poder de ação cuja existência de­penderia da existência do direito substancial alegado pelo dem andante.22 A "ação executiva” é tão abstra ta quanto a "ação cognitiva”.23 Sua existência independe da existência do direito substancial. Pode ocorrer a instauração legítim a da atividade executiva sem que o dem andante seja titu lar do direito m aterial afirmado. D em onstrada a inexistência de tal direito, deve ser extinta a execução. Sem que haja tal acertam ento, porém , a execução chegará até seu desfecho norm al, que é a satisfação do crédito exequendo.

Poder-se-ia pensar na hipótese de a execução chegar a seu desfecho nor­mal sem que tenha sido declarada a inexistência do direito substancial, num caso em que tal direito, em verdade, não existe. A hipótese se assem elha à da sentença injusta, que afirm a existente um direito que não existe. A diferença é que a sentença injusta, após alcançar a autoridade de coisa julgada, não mais poderá ser atacada. De outro lado, porém, a execução não embargada, e que chegou à satisfação do crédito exequendo, é extinta por sentença desprovida de conteúdo declaratório da existência do direito material, o que significa di­

tendendo que na hipótese de haver em bargos versando questão de m érito a concordância do executado é requisito para que a desistência da execução produza efeitos, A ntônio Cláudio da C osta M achado, A reforma do processo civil interpretada, p. 119.

22 Há, porém , quem susten te o caráter concreto da "ação executiva", apesar de su sten ta r a natureza abstrata da "ação de conhecim ento". Assim , por exemplo, Elio Fazzalari e Virgilio An- drioli, am bos citados por Dinam arco, Execução civil, p. 365, no ta 44.

23 Defende a natureza abstrata da "ação executiva” José A lberto dos Reis, Processo de execução, vol. I, p. 16. A utores há que susten tam ser a "ação executiva" dotada de "abstração atenuada”, servindo os em bargos do executado com o fator de atenuação da abstração, já que sua proce­dência, com a declaração da inexistência da obrigação, acarreta tam bém a extinção da execução. N este sentido, en tre outros, D inam arco, Execução civil, p. 364-365. N ão m e parece que haja, aqui, qualquer atenuação. A extinção da execução quando da declaração, em sede de em bargos, da inexistência da obrigação, decorre da im possibilidade de se em itir provim ento favorável ao exequente se ele não tem o direito substancial afirm ado. Inexistindo desfecho norm al favorável ao executado no processo de execução, a procedência dos em bargos terá de gerar tal efeito, sob pena de se prosseguir com a execução quando se sabe inexistente o direito de crédito afirmado. Isto decorre, salvo m elhor juízo, da própria natureza abstrata da ação, que não é vista com o direito a um provim ento favorável, m as com o direito ao desfecho norm al do processo. O exe­quente que não tem o direito substancial afirm ado não tem direito ao desfecho favorável, que seria o único desfecho norm al do processo executivo, razão pela qual este processo tem de ser extinto de form a anôm ala (com resultado final favorável ao executado).

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zer que tal sentença não é coberta pela coisa julgada m aterial.24 Assim sendo, será possível ao executado, nesta hipótese de “execução injusta”, dem andar em face do exequente, pleiteando a repetição do que foi pago indevidam ente, buscando, assim, o restabelecim ento de seu patrim ônio.

§ 4 fi COMPETÊNCIA

O Código de Processo Civil não traz m uitas regras acerca da com petência para o processo executivo. Esta pobre regulam entação faz com que se tenham de aplicar, a fim de com plem entar o sistema, as regras estabelecidas para a com petência no processo cognitivo, o que se faz com base no disposto no art. 598 do CPC.

O sistem a a ser em pregado para o fim de se estabelecer a com petência para o processo executivo deve levar em conta o títu lo em que se funda a execução.25

Assim é que, em prim eiro lugar, tem -se de afirmar a com petência do juízo do m ódulo processual de conhecim ento onde se originou a sentença condenatória para o m ódulo processual executivo nela fundado. Trata-se de com petência funcional e, por isso m esm o, inderrogável.26 Essa é um a forma sintética de se afirmar o que vai contido no art. 475-R I e II, do CPC.27 Trata-se de modelo adotado por poucos sistem as processuais, m as que, sem som bra

24 No sentido do texto, Assis, Manual do processo de execução, p. 242.

25 Sobre os títu los executivos falarei mais adiante. Por ora, porém , deve-se consultar o que dizem os arts. 475-N e 585 do CPC.

26 Dinam arco, Execução civil, p. 205.

27 O inciso III do art. 575 foi im plicitam ente revogado, um a vez que, por força da Lei na 9.307/1996 (conhecida com o Lei de Arbitragem ), a sentença arbitrai deixou de estar sujeita a qualquer homologação pelo Judiciário. N ão ostentando o árbitro qualquer com petência executiva e inexistindo órgão que hom ologue a sentença arbitrai, a com petência para a execução - segundo sem pre entendi - deveria ser fixada conforme as regras com uns. N este sentido tam bém se m ani­festava Assis, Manual do processo de execução, p. 183, honrando-m e o ilustre processualista gaúcho, no trecho mencionado, com citação de obra que elaborei acerca da arbitragem . Posteriorm ente à 5“ edição deste volume, a Lei nc 10.358/2001, em seu art. 3a, revogou expressam ente o aludido inciso III. Coisas do legislador brasileiro, que se dá ao trabalho de revogar o que revogado já estava. Além disso, alterou-se, pela m esm a lei, a redação do inciso IV deste art. 575, que pas­sou a afirm ar que a execução será da com petência do “juízo cível com petente, quando o título executivo for sentença penal condenatória ou sentença arbitrai”. Só não se consegue entender a razão pela qual se jun tam duas hipóteses distintas (execução de sentença penal condenatória e execução de sentença arbitrai) no m esm o inciso, deixando-se o inciso III de lado (já que, expres­sam ente revogado, tal inciso não tem m ais qualquer texto, estando - por assim dizer - vazio).

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de dúvida, facilita im ensam ente a fixação da com petência executiva.28 O utros países optaram por sistem a diverso, como a Itália, que atribui com petência ao Tribunale para a execução por quantia certa que tenha como objeto im ediato a expropriação de um imóvel, sendo com petente o pretore, órgão jurisdicional de categoria inferior. Além disso, a com petência territorial é do juízo do lugar onde se situa o objeto instrum ental da execução, ou onde deveria ter sido adim plida a obrigação de fazer ou de não fazer.29

O sistem a brasileiro, como se vê, é bem mais simples, já que o órgão que tiver apreciado, em prim eiro grau de jurisdição, o m ódulo processual de co­nhecim ento condenatório será tam bém com petente para o m ódulo processual executivo daquela sentença condenatória.

É de se registrar, porém, que no caso de execução de obrigação pecu­niária fundada em sentença proferida por juízo de prim eira instância poderá o exequente optar por desenvolver o m ódulo processual executivo em outro juízo, do lugar onde o executado tenha seu domicílio ou onde puderem ser en­contrados bens penhoráveis (art. 475-R parágrafo único). Nesse caso, deverá o exequente requerer ao juízo onde tram itou o m ódulo processual de conheci­m ento que rem eta os autos a outro juízo, de sua escolha, o que pode dispensar a expedição de cartas precatórias para a realização da execução nesse caso.

O utra hipótese que deve ser apreciada é a da execução civil de sentença penal condenatória. Será com petente, aqui, o juízo cível com petente, segundo as regras com uns. Há, assim, um rom pim ento da regra de com petência fun­cional estabelecida para a execução de títu los judiciais, já que não se perm ite a execução civil da sentença penal pelo próprio juízo criminal.

Será com petente, em princípio, a Justiça Estadual. A Justiça Federal só terá competência quando for parte (como exequente) a União, autarquia federal ou em presa pública federal. No mais, a competência será da Justiça Estadual, ainda que a sentença penal tenha sido proferida por juízo federal (da Justiça Federal propriam ente dita ou da Justiça M ilitar).30

Q uanto à com petência territorial, será do foro do lugar onde o delito tiver sido com etido ou, ainda, do foro do domicílio do exequente (tratando- -se de com petência concorrente, o que perm ite ao dem andante escolher, livre­m ente, entre um e ou tro ).31 Há que se frisar, porém (e mais tarde tom arei ao

28 O sistem a brasileiro, de atribuição de com petência executiva ao juízo do processo de conhe­cim ento condenatório, é adotado, tam bém (em bora com pequenas diferenças, que não chegam a abalar o sistem a), em Portugal (José Lebre de Freitas, A acção executiva, p. 90), Espanha (Prieto- -C astro y Ferrándiz, Derecho procesal civil, p. 456) e M éxico (Jose Becerra Bautista, Introducción al estúdio dei derecho procesal civil, p. 257).

29 Dinam arco, Execução civil, p. 88; M andrioli, Corso di diritto processuale civile, vol. III, p. 32.

30 Dinam arco, Execução civil, p. 212.

33 José de M oura Rocha, Sistemática do novo processo de execução, p. 56.

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tem a com mais detalhes), que a com petência aqui estabelecida é, em verdade, para o processo de liquidação e execução de sentença, já que a sentença penal condenatória, por ter como efeito secundário a fixação de certeza quanto à existência da obrigação de indenizar, mas não contendo elem entos capazes de estabelecer o quantum debeatur, é, em verdade, título hábil a perm itir a ins­tauração do incidente de “liquidação de sentença”, que integrará um processo executivo (um a vez que a liquidez da obrigação é essencial para a adequação da via executiva) .32

Não se pode deixar de referir aqui, por fim, a possibilidade de a execução civil da sentença penal ser da com petência do próprio juízo onde se proferiu o provim ento penal. Isto ocorrerá nas comarcas pequenas, em que o juízo único agrega as duas com petências (cível e crim inal).33

O utra situação a considerar é a da execução de sentença estrangeira ho ­m ologada (475-N, VI). Como se sabe, com pete ao Superior Tribunal de Jus­tiça a homologação das sentenças estrangeiras, para que as m esm as possam produzir efeitos no Brasil. Uma vez homologadas, as sentenças estrangeiras que tenham eficácia condenatória poderão ser executadas, sendo a execução de com petência do juízo federal de prim eira instância (art. 109, X, da Cons­tituição da República) do foro do domicílio do executado (salvo se for parte a União, caso em que a com petência será do foro do domicílio da ou tra parte, seja ela dem andante ou dem andada).

Por fim, quanto à execução fundada em título judicial, h á que se tratar da com petência para a execução que tenha como base o formal ou a certidão de partilha, ou seja, a execução fundada em adjudicação de quinhão sucessório (art. 475-N, VII, do CPC). A competência, nesta hipótese, será do próprio ju í­zo da partilha, tratando-se de com petência funcional.34

Vista a competência para a execução fundada em títu lo executivo judi­cial, passa-se à análise da com petência nos casos em que a execução inicia- -se em função de títu lo extrajudicial. N esses casos, é expresso o art. 576 do Código de Processo Civil em rem eter a m atéria às regras estabelecidas para a fixação de com petência no processo de conhecim ento.

O prim eiro ponto a ser observado na fixação da com petência para a exe­cução fundada em título executivo extrajudicial é a com petência internacional. Aplicam-se aqui os arts. 88 e 89 do CPC, podendo a questão ser resum ida da seguinte forma: será com petente para a execução a autoridade judiciária brasi­leira toda vez que o executado tiver domicílio no Brasil, quando aqui tiver de ser cum prida a obrigação ou quando a execução for incidir sobre bens imóveis

32 Assis, Manual do processo de execução, p. 183.

33 Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, vol. III, p. 20.

34 Dinam arco, Execução civil, p. 214.

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Teoria Geral da Execução 175

situados no Brasil. Nos dois prim eiros casos, a com petência internacional bra­sileira é concorrente; no últim o, a com petência internacional é exclusiva.35

Estabelecida a com petência internacional, passa-se à com petência de ju ­risdição. Aqui, nada h á de especial a considerar. A com petência será, como regra, da Justiça Estadual, transferindo-se para a Justiça Federal apenas quan­do for parte algum dos sujeitos elencados no art. 109, I, da Constituição da República (União, autarquia federal, em presa pública federal).

Por fim, quanto à com petência de foro, prevalecem as regras do processo de conhecim ento, já estudadas em passo anterior desta obra, razão pela qual me dispenso de repetir considerações que já foram feitas anteriorm ente. É de se lembrar, apenas, que as regras de fixação da com petência de foro são derro- gáveis, e o ajuizam ento da execução perante juízo relativam ente incom petente não impede a prorrogação de sua competência, nos m esm os moldes em que tal prorrogação se dá no processo cognitivo.

O CPC, porém, preocupou-se em estabelecer regras próprias para a com­petência territorial no caso de execução fiscal (art. 578), razão pela qual esta terá, aqui, análise em separado.

Assim é que, em prim eiro lugar, há que se ter em m ente que a com pe­tência será da Justiça Federal quando o exequente for a União ou entidade autárquica federal (sendo certo que das em presas públicas federais não há dí­vida ativa, razão pela qual as m esm as não promovem execução fiscal). N estes casos, a com petência territorial será do foro onde tiver domicílio o executado (art. 109, § 1Q, da Constituição da República).

Nos dem ais casos, a com petência será da Justiça Estadual, aplicando-se as regras do art. 578 do Código de Processo Civil para sua fixação. Assim é que, como regra, será com petente o juízo do foro do domicílio do executado.36 Além disso, autoriza o parágrafo único do art. 578 do CPC que se escolha, quando forem vários os executados, entre os foros dos domicílios de todos eles ou entre todos os domicílios do executado, quando este tiver diversos.

Pode, ainda, a execução ser dem andada no lugar em que se praticou o ato ou ocorreu o fato que deu origem à obrigação, ainda que nele não resida o exe­cutado, ou, ainda, no foro da situação dos bens, quando a dívida se originar de­les (bastando pensar, por exemplo, num a execução de dívida referente a IPTU).

35 Dinam arco, Execução civil, p. 218.

36 É inadequada a utilização, no art. 578 do CPC, do term o "réu” para designar o dem andado. "Autor” e “réu” são term os de utilização adequada apenas nos dom ínios do processo cognitivo. N o processo executivo, deve-se falar em exequente e executado, com o venho fazendo ao longo do texto. Os term os "dem andante” e “dem andado”, por sua vez, são sem pre adequados, qual­quer que seja a espécie de processo.

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Não se pode encerrar um a exposição acerca da com petência para a exe­cução sem algumas considerações a respeito da com petência para a insolvência civil. Em prim eiro lugar, há que se afirmar que - quanto à com petência de jurisdição - será sem pre com petente a Justiça Estadual, ainda que a União, autarquia federal ou em presa pública federal seja credora do insolvente. Isso decorre de aplicação analógica do art. 1 0 9 ,1, da Constituição da República, que exclui da Justiça Federal a falência.37

Q uanto à com petência de foro, nenhum a regra especial há aqui, sendo com petente o foro do domicílio do devedor. O m esm o se diga quanto à com­petência de juízo.

No que concerne a esta últim a, porém , um a observação. A inda que a insolvência seja requerida com base em título executivo judicial, não preva­lece a com petência funcional do juízo onde se form ou aquele. Isso porque a insolvência civil não é continuação lógica do processo cognitivo, ainda que seja pleiteada após a execução infrutífera da sentença civil condenatória.38

É preciso, porém, e para encerrar este tópico da obra, afirmar que o cri­tério territorial em pregado para fixar a com petência para o processo de “exe­cução por quantia certa contra devedor insolvente” é absoluto, inderrogável, pois fixa-se a com petência do foro do domicílio do dem andado por razões de ordem pública.39

§ 5fi LEGITIMIDADE

Assim como para a dem anda cognitiva, tam bém aqui, ao se tratar da de­m anda executiva, é preciso perquirir a legitimidade das partes. Trata-se de “con­dição da ação executiva”, ou seja, de requisito do provim ento final do processo de execução (ou da fase executiva de um processo m isto). Em outros term os, a legitimidade das partes é requisito essencial para que a execução forçada possa chegar ao seu desfecho normal, com a satisfação do crédito exequendo. A au­sência de legitimidade, ativa ou passiva, deverá levar o juiz a proferir sentença, pondo term o à execução, que terá, assim, desfecho anômalo.

É desnecessário, nesta sede, definir a legitim idade das partes, tem a de que já se tratou em passagem anterior desta obra. Da m esm a forma, é dispen­sável, neste m om ento, tecer maiores considerações acerca dos conceitos de legitim idade ordinária e extraordinária. Passa-se, pois, diretam ente à análise

37 H um berto Theodoro Júnior, A insolvência civil, p. 114.

38 Dinam arco, Execução civil, p. 233.

39 Theodoro Júnior, A insolvência civil, p. 115.

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da legitim idade de parte na dem anda executiva, tem a que vem regulado nos arts. 566 a 568 do CPC.

Tratam os arts. 566 e 567 da legitimidade ativa, ou seja, da legitimidade para ser exequente. Assim, em primeiro lugar, confere a lei legitimidade ad causam ativa para "o credor a quem a lei confere títu lo executivo” (art. 5 6 6 ,1, do CPC).

O que faz o referido dispositivo legal é conferir legitimidade ativa àque­le que figura no títu lo executivo como credor, sendo, assim, titu lar da posi­ção jurídica de vantagem narrada na dem anda (res in iudicium deductà). Trata-se de legitim idade ordinária primária, já que aquele que se diz titu lar do direito de crédito estará dem andando em nom e próprio, na defesa de seu próprio in teresse,40 sendo ele o sujeito original da res in iudicium deducta. É de se notar que o títu lo executivo não tem por função conferir legitim idade às partes da dem anda executiva,41 m as - e isto é inegável - tal título simplifica a pesquisa da legitim idade ad causam.42 Tal simplificação, porém, é desprovida de qualquer relevância teórica ou sistem ática, m esm o porque - conforme se verá a seguir - há outras pessoas legitim adas à execução, e que não aparecem no títu lo exe­cutivo.

Confere tam bém a lei processual legitim idade ativa para a execução ao M inistério Público, nos casos prescritos em lei (art. 566, II). Trata-se de legitim idade que raram ente se coloca, já que a função do M inistério Público não é buscar a tu te la de in teresses patrim oniais disponíveis, como são os que se busca tu te la r na m aior parte das execuções. A inda assim , podem -se iden­tificar alguns casos de legitim idade extraordinária do parquet para a dem anda executiva:

a) execução de sentença de procedência, proferida em "ação popu­lar”, se o dem andante ou outro qualquer cidadão não dem andar a execução no prazo de sessenta dias da publicação da decisão de segundo grau de jurisdição (art. 16 da Lei n 2 4.717/1965);

b) execução de sentença condenatória proferida em processo coletivo, regulado pelo Código de Defesa do Consumidor, se após um ano não tiver ocorrido habilitação de interessados em núm ero compa­tível com a gravidade do dano (art. 100 da Lei n2 8 .078/1990).43

40 Dinam arco, Execução civil, p. 427.

41 Enrico Tbllio Liebman, Embargos do executado, trad. bras. de J. Guim arães Menegale. p. 126- 127. Contra, entendendo que a função do títu lo executivo é ser instrum ento da legitimidade, M andrioli, Corso di diritto processuale civile, vol. III, p. 23.

42 Dinam arco, Execução civil, p. 466.

43 Assis, Manual do processo de execução, p. 222.

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Há, ainda, quem indique como exemplo de legitim idade extraordinária ativa do M inistério Público para a dem anda executiva o caso previsto no art. 68 do Código de Processo Penal, onde se autoriza o MP a dem andar a execução civil da sentença penal quando a vítim a do delito for pobre.44 A nosso sen­tir, porém , tal disposição é incompatível com o vigente sistem a constitucional brasileiro, onde o M inistério Público só pode exercer as funções que lhe são atribuídas pela Constituição da República (chamadas funções típicas), e den­tre elas não se enquadra a prevista no art. 68 do CPP.45 A norm a do art. 68 do Código de Processo Penal era adequada a um a realidade não mais existente, principalm ente quando a atual Constituição da República institu i a Defenso- ria Pública como órgão responsável pelo exercício da atividade de assistência judiciária aos econom icam ente necessitados. Assim, não mais se justifica a previsão ali contida, que se revela como verdadeira função atípica do parquet, consistente na defesa de interesses puram ente privados, razão pela qual, a nosso juízo, aquela norm a é incompatível com nosso vigente ordenam ento constitucional.

O art. 567 do CPC tam bém confere legitimidade ativa para a dem anda executiva. Em seu inciso I, confere legitimidade ao espólio, aos herdeiros e sucessores do credor apontado no título executivo, toda vez que o direito de crédito lhes tiver sido transferido por sucessão mortis causa. Trata-se, aqui tam ­bém, de legitimidade ordinária, já que os sucessores do credor estarão em juízo dem andando a execução na busca de tu tela para um interesse próprio.46 Não figurando eles, porém, no título executivo, tem a doutrina reservado para sua legitimidade a qualificação de ordinária superveniente (distinguindose, assim, da legitimidade ordinária primária, do art. 5 6 6 ,1, do CPC).47 É de se notar que, nesta hipótese, os legitimados aqui referidos não só podem dem andar a execu­ção, como dar prosseguim ento ao processo instaurado por dem anda do credor apontado no título executivo, legitimado ordinário primário, que tenha falecido no curso do processo.

Também o cessionário do crédito, nos casos de sucessão inter vivos, terá legitim idade para a execução (art. 567, II). Havendo cessão do crédito exequen- do, pouco im portando se a títu lo oneroso ou gratuito, surge a legitim idade or­dinária superveniente do cessionário. Mais um a vez, perm ite-se ao legitim ado ordinário superveniente não só a iniciativa da execução, como prosseguir no

44 Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. II, p. 43; Assis, Manual do processo de exe­cução, p. 222.

45 Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, O Ministério Público no processo civil e penal, p. 16-17; Jacinto N elson de M iranda C outinho, M inistério privado e a inconstitucionalidade do atuar do M inis­tério Público, RePro 74-138.

46 Dinam arco, Execução civil, p. 428.

47 Assis, Manual do processo de execução, p. 219.

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processo já instaurado pelo legitim ado ordinário primário. É de se notar, aqui, porém, que a cessão do crédito exequendo que se dê no curso do processo executivo é verdadeira alienação do direito litigioso (art. 42 do CPC),48 o que significa dizer que a legitim idade das partes não é alterada. Em outros term os, nada impede que, a despeito da cessão do crédito exequendo, o cedente per­maneça no processo executivo, agora atuando em nom e próprio na defesa de interesse alheio (do cessionário), como substitu to processual.

Não é preciso, porém , que nesta hipótese haja concordância do executa­do para que possa ocorrer a sucessão processual no polo ativo. O cessionário poderá ingressar no processo, em lugar do cedente, sendo para isso irrelevante o consentim ento do executado.49

Por fim, a lei processual confere legitimidade ativa para a dem anda exe­cutiva ao sub-rogado, nos casos de sub-rogação legal e convencional. Trata-se de mais um a hipótese de legitimidade ordinária superveniente, sendo aplicável, aqui, tudo o que se disse a respeito da legitimidade do cessionário do crédito.50

Como é sabido, denom ina-se sub-rogação "a transferência da qualidade creditória para aquele que solveu obrigação de outrem ou em prestou o neces­sário para isto”.51 Significa isso dizer que, na sub-rogação, há um a substituição na posição jurídica de vantagem, que deixa de ser ocupada pelo credor original e passa a ser exercida pelo sub-rogado.

A sub-rogação pode ser legal (quando decorre da própria lei), como se dá em favor do credor que paga a dívida do devedor comum ao credor que tinha direito de preferência; em favor do adquirente de imóvel hipotecado, que paga ao credor hipotecário; em benefício do terceiro interessado, que paga dívida pela qual era ou podia ser obrigado, no todo ou em parte, como no caso do codevedor solidário, do fiador; em favor do segurador que paga indenização ao correspon­dente ao dano sofrido pela coisa relativa ao segurado, entre outras hipóteses.

Pode, ainda, ser convencional a sub-rogação, originando-se esta da de­claração de vontade, seja do credor, seja do devedor.52 H á sub-rogação con­vencional quando o credor, recebendo o pagam ento de terceiro, lhe transfere

48 Carlos A lberto Álvaro de Oliveira, Alienação da coisa litigiosa, p. 144.

49 N este sentido já se pronunciou o STF: "Tendo-se dado a cessão de direito, na conform idade do disposto no art. 567, inciso II, do CPC, pode o cessionário prom over a execução forçada, sem aplicação do disposto no art. 42, § 1°, do m esm o Código” (STF, Pleno, RE n° 97 .461-0-AgRg-RJ, rei. Min. A ldir Passarinho, j. 2 0 /8 /1986 , negaram provim ento, v.u., DJU 19/9 /1986, p. 17143, I a col., em .). No m esm o sentido: JTA 39 /118, RJTAMG 28 /139 (todas as referências obtidas na colossal obra de Theotônio Negrão, Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, no ta 4 ao art. 567.

50 Assis, Manual do processo de execução, p. 221.

51 Caio M ário da Silva Pereira, Instituições de direito civil, 8. ed. vol. II, p. 139.

52 O rlando Gomes, Obrigações, p. 141.

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todos os seus direitos; e quando o terceiro em presta ao devedor a quantia precisa para solver o débito, sob a condição de ficar investido nos direitos do credor satisfeito.

Verifica-se, assim, que há um a certa proximidade entre a sub-rogação e a cessão de crédito,53 principalm ente quando se tem diante dos olhos a sub- -rogação convencional decorrente de declaração de vontade do credor. A inda aqui, porém, não se confundem os dois institutos, razão pela qual andou bem o legislador processual em separar as duas hipóteses, conferindo legitimidade ordinária superveniente de form a expressa, tan to ao cessionário do crédito, como ao sub-rogado.

É de se lembrar, por fim, que o sub-rogado não precisará dem andar nova execução. Ocorrendo o pagam ento com sub-rogação no curso do processo exe­cutivo, ocorrerá a sucessão processual, e o sub-rogado poderá, nos term os do art. 567 do CPC, prosseguir na execução.

V ista a legitim idade ativa, ord inária (prim ária e superveniente) e ex­traord inária (do M inistério Público), passa-se à análise da legitim idade pas­siva ad causam para a execução, tem a regulado no art. 568 do Código de Processo Civil.

Assim é que tem legitim idade passiva “o devedor, reconhecido como tal no títu lo executivo” (art. 5 6 8 ,1). Trata-se de legitim idade ordinária prim ária, já que a pessoa indicada com o devedora no títu lo executivo é o sujeito origi­nal da res in iudicium deducta. Aplicam-se aqui, m utads mutandis, as afirmações feitas a respeito da legitim idade ordinária prim ária ativa do credor que figura no títu lo executivo (inclusive a afirmação feita an terio rm ente de que a fun­ção do títu lo executivo não é servir de in strum en to da legitim idade), razão pela qual tom a-se dispensável qualquer ou tra consideração a respeito desta h ipótese de legitim idade passiva.

Logo a seguir, confere a lei processual legitim idade passiva ao espólio, aos herdeiros e sucessores do devedor (art. 568, II). Trata-se de legitimidade ordinária superveniente, decorrente da sucessão mortis causa. Aplicáveis aqui, pois, as conclusões apresentadas na interpretação do art. 567, I, do CPC, que tra ta da legitimidade ordinária superveniente ativa por sucessão mords causa do credor.

Há que se referir, aqui, porém, que os sucessores mords causa só res­pondem pelas dívidas do de cuius nas forças da herança, isto é, até o limite do quinhão sucessório que lhes tenha sido adjudicado. É o que se costum a denom inar benefício de inventário,54 regra existente em nosso D ireito Civil, segundo a qual o sucessor só é responsável pelas dívidas do de cuius nos lim ites das forças da herança.

53 Silva Pereira, Instituições de direito civil, vol. II, p. 139.

54 A rthur Vasco Itabaiana de Oliveira, Elementos de direito das successões, p. 65-66.

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O utra observação que não se pode deixar de fazer, com referência ao art. 568, II, do CPC, é que, apesar de seu texto, interpretado literalm ente, dizer respeito apenas à sucessão mortis causa, tem a doutrina considerado que nele se enquadram , tam bém , as hipóteses de incorporação, cisão e fusão de sociedades,55 tendo legitim idade passiva ordinária superveniente para a execu­ção a sociedade sucessora da que originalm ente figurava como devedora.

O inciso III do art. 568 do CPC confere legitim idade passiva ordinária su ­perveniente ao "novo devedor, que assum iu, com o consentim ento do credor, a obrigação resultante do título executivo”. Trata a lei, neste passo, da figura da assunção de dívida. Esta pode ser definida como "negócio jurídico convencio­nal e abstrato, pelo qual o devedor, com a aceitação do credor, transfere a um terceiro os encargos obrigacionais”.56

É de se verificar que, ao contrário do que se dá com a cessão de crédito, em que a sucessão na relação jurídica substancial independe da vontade do devedor, na assunção de dívida só haverá cessão do débito se com ela o credor concor­dar.57 A sucessão na relação de direito material acarretará a sucessão processual, sendo certo que não será possível, após a assunção da dívida, que a execução continue a incidir sobre o patrim ônio do devedor original, já que este não mais estará sujeito ao cum prim ento forçado da obrigação (salvo, obviamente, na hi­pótese de coassunção, em que o terceiro assum e a dívida sem que dela se afaste o devedor original).

Recebe legitimidade passiva para a dem anda executiva, ainda, o fiador judicial (art. 568, IV, do CPC). Trata-se de legitimidade ordinária,58 já que o fiador judicial é responsável pelo cum prim ento da obrigação, e a execução será realizada através da invasão do seu patrim ônio próprio (fazendo ele jus, porém, e salvo renúncia expressa, ao "benefício de ordem ”, que garante a incidência dos atos executivos, em prim eiro lugar, sobre o patrim ônio do afiançado).

Fiança, como se sabe, é um a modalidade de garantia, sendo espécie de caução fidejussória (que se distingue da caução real). Pode ser convencional ou judicial, tendo a lei tratado, neste passo, apenas desta últim a. Considera-se fiador judicial, segundo ensinam ento de ilustre processualista pátrio, "aquele que presta, no curso do processo, garantia pessoal ao cum prim ento da obriga­ção de um a das partes”.59 Em outros term os, o fiador judicial é alguém que se

55 Assis, Manual do processo de execução, p. 224.

56 Silva Pereira, Instituições de direito civil, vol. II, p. 260; Luiz Roldão de Freitas Gomes, Da assun­ção de dívida e sua estrutura negociai, p. 137.

57 Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. II, p. 52.

58 Dinam arco, Execução civil, p. 428. Contra, entendendo tratar-se de legitim idade extraordiná­ria, Assis, Manual do processo de execução, p. 227.

59 H um berto Theodoro Júnior, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. IV, p. 72.

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responsabiliza, no curso do processo, por obrigação de que é devedora a parte (pense-se, por exemplo, na hipótese prevista no art. 601, parágrafo único, do CPC, em que o executado apresenta, no curso do processo, fiador idôneo, para garantir o pagam ento da dívida principal, mais os juros, despesas processuais e honorários advocatícios).

Inadim plida a obrigação pela qual se obrigou o fiador judicial, poderá a execução ser instaurada contra ele (ou contra ele prosseguir, se já se encontra­va instaurada).

D iscute a doutrina, nesta passagem, a respeito da legitim idade passiva do fiador convencional. É certo que a lei fala expressam ente apenas do fia­dor judicial, não fazendo referência específica ao fiador convencional, m as isto não inibiu o surgim ento da controvérsia. Há, assim, quem afirme que apenas o fiador judicial é parte legítim a passiva da execução, não o sendo o fiador convencional. Este só poderia ser executado se figurasse como vencido num a sentença condenatória, ou se a fiança convencional tivesse sido prestada em contrato que, por si só, tem eficácia executiva (como, e. g .t o contrato escrito de locação).60 O utros autores, porém, consideram ter o fiador convencional legitim idade passiva ordinária primária, estando esta legitimidade incluída no alcance do art. 5 6 8 ,1, do CPC.61

A razão, a nosso sentir, está com esta ú ltim a posição. O CPC não fala do fiador convencional por ser tal referência expressa desnecessária. O art. 585, III, do Código coloca, no elenco dos títulos executivos extrajudiciais, o contra­to de caução, gênero a que pertence, indubitavelm ente, o contrato de fiança. Assim sendo, o fiador convencional é o devedor (ou, para serm os mais rigo­rosos tecnicam ente, o responsável) reconhecido como tal no títu lo executivo. Não faria sentido nenhum atribuir-se eficácia executiva ao contrato de fiança sem se conferir legitim idade passiva prim ária ao fiador convencional.

A única exigência que se tem de fazer (mas que não é exclusividade deste título, aplicando-se a todos os demais) é que o contrato de fiança represente um a obrigação certa e líquida, já exigível (art. 586 do CPC). Presentes essas características, será possível executar-se o fiador convencional.

A últim a hipótese prevista na lei processual de legitim idade passiva para a dem anda executiva é a do responsável tributário (art. 568, V). Este pode ser definido como aquele que, não sendo contribuinte, esteja obrigado ao paga­m ento do tributo ou penalidade pecuniária por expressa disposição de lei (art.

60 N este sen tido , D inam arco, Execução civil, p. 429; A ssis, Manual do processo de execução, p. 228-229.

61 Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. II, p. 54; Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, vol. III, p. 18.

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121, parágrafo único, II, do Código Tributário Nacional). Na responsabilidade tributária estão englobadas todas as hipóteses de sujeição passiva indireta:

a) transferência (em que a passagem da sujeição passiva se dá por for­ça de fato superveniente ao nascim ento da obrigação, e pode ser: solidariedade, sucessão e responsabilidade);

b) substituição (hipótese em que, independentem ente de fato novo posterior ao nascim ento da obrigação tributária, a lei desde logo a defme como surgindo contra pessoa diversa daquela que auferiu vantagem do ato, fato ou negócio tributário) ,62

A legitim idade passiva do responsável tributário é ordinária ou extraor­dinária, conforme o caso. Assim, por exemplo, nos casos de solidariedade e su ­cessão, haverá legitim idade ordinária. Já nas hipóteses de substituição, haverá legitim idade extraordinária.63

Não se poderia encerrar esta resenha sobre as disposições do CPC acer­ca da legitim idade para a dem anda executiva sem se fazer referência à norm a contida no agora revogado art. 570 do CPC, que perm itia ao devedor fazer citar o credor para receber a prestação devida, nos term os previstos no título exe­cutivo judicial. Afirmava o referido artigo de lei que nesta hipótese o devedor assum iria posição idêntica à do exequente.

Tratava-se de norm a cuja exegese literal leva à estranha situação de se te r um m ódulo processual de execução instaurado por dem anda do devedor. Seria estranho dar-se o nom e de execução a um m ódulo processual iniciado por provocação do devedor, em que este oferece em juízo a quantia ou coisa devida, citando o credor para vir receber. Em verdade, era falsa a in terpre­tação que chegasse a tal resu ltado .64 A hipó tese contem plada no art. 570 do Código de Processo Civil era, em verdade, um a “ação de consignação em pagam ento”,65 e a referência à ocupação, pelo devedor, de posição idêntica à do exequente devia ser in terpretada no sentido de que, na h ipótese aqui contem plada, era o devedor o dem andante, tendo ele praticado o ato inicial de exercício do poder de ação. A Lei n Q 11.232/2005 revogou esse art. 570 do CPC, fazendo desaparecer esse dispositivo esdrúxulo, m as evidentem ente nada im pede que o devedor, após a condenação, prom ova um a dem anda de consignação em pagam ento.

62 Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. II, p. 56.

63 Assis, Manual do processo de execução, p. 230-231.

64 Em bora tivesse ela defensores. Por todos, Pontes de M iranda, Comentários ao Código de Pro­cesso Civil, tom o IX, no ta 2 ao art. 570, esp. p. 114, apud Dinam arco, Execução civil, p. 435-436, no ta 170.

65 Dinam arco, Execução Civil, p. 435; Assis, Manual do processo de execução, p. 284; Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. II, p. 64.

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§ 6fi TÍTULO EXECUTIVO

A presentado pelo CPC como requisito indispensável a qualquer execução,66 o títu lo executivo é um dos tem as m ais controvertidos de toda a ciência processual. Divergem os doutos acerca de seu conceito e de sua fun­ção. Por essa razão, e tendo em vista as finalidades desta obra, apresentarei aqui algum as das teorias m ais im portan tes sobre cada um desses pontos, não m e lim itando a dar m inha opinião sobre o tem a.

Assim é que parte da doutrina, ao definir o título executivo, afirma ser este o docum ento que consiste na prova legal da existência do crédito afirmado pelo exequente.67 Para a teoria docum ental do título executivo, este seria um docum ento representativo da existência do crédito exequendo. Tal docum ento representativo seria, assim, um a prova do crédito, cuja eficácia estaria estabe­lecida na lei, daí ser considerada um a prova legal.

Contra essa teoria, levantou-se a teoria do título executivo como ato jurídico,68 em que se vê no título executivo o ato capaz de tom ar adequada a via executiva como meio de atuação concreta da vontade da lei, através da im posição da sanção processual consistente na responsabilidade patrim onial.

Houve, ainda, quem tentasse estabelecer um a teoria m ista, em que o tí­tu lo executivo é visto, a um só tem po, como ato e docum ento.69 O utros autores afirmaram ser o títu lo executivo um ato de acertam ento do direito.70 Houve,

66 O CPC ap resen ta dois requ isito s com o sendo necessários para qualquer execução: o tí­tu lo executivo e o inad im plem ento . Este ú ltim o, porém , não é requ isito da execução, já que sua presença es tá ligada ao próprio m érito . Na h ipó tese de o devedor já te r adim plido sua obrigação, o exequen te não será titu la r do d ire ito de crédito afirm ado em ju ízo e a execução deverá ser ex tin ta (desde que, logicam ente, o executado ten h a oposto em bargos, um a vez que no processo executivo não h á ju lgam ento do m érito ). No sen tido do que aqui se defende, D inam arco, Execução civil, p. 414. C ontra , en tendendo que o inad im plem ento é requ isito da execução, Liebm an, Processo de execução, p. 6.

67 É a teoria docum ental, criada por Francesco C arnelutti, Derecho y proceso, trad. esp. de San­tiago Sentis M elendo, p. 346-348, e defendida, entre outros, por Paolo D ’Onofrio, Commento al nuovo Codice di Procedura Civile, vol. II, p. 2; Nicola Jaeger, Diritto processuale civile, p. 532; Prieto- -C astro y Ferrándiz, Derecho procesal civil, p. 446.

68 Criada por Liebman, Embargos do executado, p. 138, e sustentada, en tre outros, por M achado Guim arães, Estudos de direito processual civil, p. 175, no ta 18; Dinam arco, Execução civil, p. 480 (acrescentando este ú ltim o au tor que o títu lo executivo ora será ato jurídico, ora m ero fato jurídico).

69 Chiovenda, Instituições de direito processual civil, vol. I, p. 310; Sergio Costa, Manuale di diritto processuale civile, p. 63; no Brasil, defendem esta teoria (afirm ando que o títu lo ora é docum ento, ora ato docum entado) Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, vol. III, p. 23; Sérgio Shimura, Título executivo, p. 112.

70 M andrioli, Corso di diritto processuale civile, vol. III, p. 23.

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m esm o, quem renunciasse à tentativa de estabelecer um conceito sistem ático de título executivo, afirmando existirem, em verdade, títu los executivos.71

Esta ú ltim a posição é claram ente inaceitável, por fugir do problema. É possível sistem atizar o conceito de título executivo, já que há, ao menos, um elem ento com um a todos os títulos: todos eles tornam adequada a execução como forma de atuação da vontade concreta da lei. Assim , passa-se à análise das demais teorias.

Começa-se pela teoria do título executivo como ato de acertam ento do direito substancial. Essa teoria tem duas falhas inaceitáveis: em prim eiro lugar, é difícil reconhecer a existência de acertam ento do direito em atos extrajudi­ciais, como um a nota prom issória. Em segundo lugar, ao exigir o acertam ento do direito como requisito da execução, essa concepção liga a execução, exces­sivamente, à existência do direito substancial, quando se sabe que a “ação exe­cutiva” é abstrata, existindo ainda que não exista o direito m aterial afirmado pelo exequente.

Q uanto à teoria docum ental (e a teoria m ista é alvo da m esm a crítica, já que afirma que o títu lo é - ao m enos em seu sentido formal - um docum ento), tam bém não pode ser aceita. Essa teoria, ao afirmar que o títu lo executivo é um docum ento, está dando a ele a função de dem onstrar a existência do direito de crédito afirmado pelo dem andante (prova legal, chegam m esm o a afirmar alguns). Ocorre que, como se sabe, o direito não é objeto de prova. Provam-se as alegações quanto à m atéria de fato. Ao afirmar que o título executivo prova a existência do direito, os defensores da teoria docum ental estão modificando, arbitrariam ente, o próprio conceito de prova.

Em segundo lugar, se o títu lo executivo fosse m esm o um a prova, de­veria haver na execução um a atividade cognitiva, consistente na valoração da prova produzida, cabendo ao juiz afirm ar se a existência do crédito está m esm o dem onstrada ou não, e só depois disso é que se poderia passar aos atos executivos. Esta cognição, porém, não acontece, e qualquer juízo de va­lor acerca da existência ou não do crédito exequendo só se dará em eventuais em bargos do executado.

Por fim, a teoria docum ental confunde a prova do ato jurídico com a sua forma. É sabido que os atos jurídicos podem ter requisitos formais essenciais (forma ad substantiam). É o que se tem nos títu los executivos. A lei exige, para todos eles, forma escrita. Trata-se de requisito formal, indispensável para que tais atos possam produzir a eficácia executiva típica dos títu los executivos. Tal exigência formal, porém , não é necessariam ente observada em todos os tem pos e lugares. Basta dizer que no D ireito brasileiro anterior considerava-se título executivo o contrato verbal de locação (art. 298, IX, do CPC de 1939).

71 Ideia susten tada por Ferdinando Mazzarella, apud D inam arco, Execução CIVIL, p. 482.

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1 8 6 Lições de Direito Processual Civil • Câmara

Como explicar a teoria docum ental num sistem a em que o títu lo executivo não é representado por escrito?

A form a escrita que reveste os títulos executivos (e, no Direito brasileiro atual, todos têm essa forma) é, tão som ente, a form a do ato jurídico, e não sua prova. O título executivo não é o escrito, m as o seu conteúdo.

Parece acertado, pois, afirm ar que o título executivo é um ato (ou fato) jurídico. Fala-se em ato ou fato porque, em algumas hipóteses, a eficácia exe­cutiva é atribuída a um a manifestação de vontade, dirigida no sentido de to r­nar adequada a via executiva (como ocorre, por exemplo, com a sentença civil condenatória, em que o m agistrado que a prolata tem em mira, precisam ente, a produção do efeito de to m ar adequada a via executiva como meio de atuação da vontade do direito objetivo), e, em outras, tal eficácia se produz ainda que não se tenha objetivado a produção de tal efeito.

Há casos em que a lei sim plesm ente ignora a vontade dos partícipes do ato jurídico, atribuindo-lhe eficácia executiva em razão de aspectos extrínse- cos. Assim, por exemplo, o contrato de locação, que é título executivo, perm i­tindo ao locador exigir por esta via o pagam ento dos alugueres. Ao legislador pouco im porta se locador e locatário tinham isso em m ente quando celebraram o contrato. Verifica-se, apenas, a adequação do contrato celebrado ao tipo pre­visto na lei e, havendo esta adequação, confere-se eficácia executiva ao contra­to de locação. O contrato é, para este fim, visto como fato jurídico, e não como ato. Isto é o que se dá com os títu los executivos extrajudiciais em geral, e com o títu lo judicial consistente na adjudicação de quinhão sucessório.

O títu lo executivo é, portanto , um ato (ou fato) jurídico a que a lei (e só ela) atribui eficácia executiva. Eficácia, como se sabe, é a aptidão para produ­zir certo efeito. A eficácia executiva consiste na aptidão para produzir o efeito de fazer incidir sobre o devedor (ou responsável) a responsabilidade patrim o­nial (que nada mais é do que a possibilidade de sujeição de seu patrim ônio, para que se obtenha a satisfação forçada do crédito exequendo).

Diante dessas considerações, pode-se definir o título executivo como ato (ou fato) jurídico a que a lei atribui eficácia executiva, tom ando adequada a utili­zação da via executiva como forma de fazer atuar a responsabilidade patrimonial.

Visto o conceito de títu lo executivo, passa-se a ou tra questão m uito im ­portante (e tão controvertida quanto a an terior): estabelecer qual é a função do título executivo.

Autores há que veem no título executivo um fator de legitimação, ligan­do assim o títu lo à legitim idade das partes para a dem anda executiva.72 Essa posição, porém , é inaceitável, um a vez que, como se viu anteriorm ente, pode ser parte legítim a alguém que não figure no título executivo. Recorde-se a legi­

72 M andrioli, Corso di diritto processuale civile, vol. III, p. 23.

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tim idade dos sucessores e do sub-rogado, para que se tenha certo que o título executivo, em bora útil na pesquisa da legitimidade ordinária primária, não é instrum ento essencial para que se verifique quem são os legitimados a figurar na dem anda executiva. Confimdem os defensores dessa teoria a existência de um direito com a sua titularidade. Dizer que um direito existe e dizer quem é seu titu lar são coisas bastante diferentes.

O utra posição conhecida (e, data venia, inaceitável) é a que afirma ser o título executivo a causa petendi da dem anda executiva. A causa de pedir é formada, como sabido, pelos fatos que fundam entam a pretensão. N o caso da dem anda executiva, a causa de pedir rem ota será o fato constitutivo do direito do dem andante, e a causa próxima, o inadim plem ento do dem andado. Basta pensar, por exemplo, na hipótese em que, fundado na existência de um contrato de m útuo (causa de pedir rem ota) e no fato de não ter sido paga a dívida (causa próxim a), alguém ajuíze dem anda condenatória. Condenado o dem andado, será possível ajuizar-se dem anda executiva (que é ou tra demanda, ainda que seja o m esm o o processo), que será fundada nos m esm os fatos que a dem anda cognitiva. O título executivo, pois, não tem a função de servir de causa da execução.73

A verdadeira função do título executivo liga-se ao interesse de agir. Como visto anteriorm ente, o interesse de agir é um a das “condições da ação” e con­siste na utilidade da tu te la jurisdicional pretendida pelo dem andante. Tal u ti­lidade estará presente toda vez que se verificar a existência de dois elementos: a necessidade da tu te la jurisdicional pretendida (interesse-necessidade) e a adequação do provim ento pleiteado e do procedim ento escolhido para obtê-lo (interesse-adequação). O títu lo executivo tem a função de fazer presente este últim o elem ento do interesse de agir in executivis. Havendo título executivo, será adequada a dem anda de execução forçada do crédito alegado. O títu lo executivo é, pois, responsável por tornar adequada a via executiva como ins­trum ento de atuação da vontade concreta do ordenam ento jurídico.74

Em verdade, o títu lo executivo é espécie de um gênero m ais amplo, que é o de título. Há, no Direito, um a série de atos e fatos jurídicos que têm por função (ou, ao m enos, como um a de suas funções) tom ar adequada de­term inada via como m eio de atuação da vontade do direito objetivo. Assim, por exemplo, o contrato de locação é títu lo para a "ação de despejo” (o que significa dizer que, existindo contrato de locação, o m eio adequado para se obter a restituição da posse do imóvel locado é a “ação de despejo”, e não, por exemplo, a “ação possessória”). Da m esm a forma, a prom essa de com pra

73 Ao contrário do que pareceu a Assis, Manual do processo de execução, p. 121, onde se lê que “o títu lo executivo exibe a causa da ação executória”.

74 A teoria defendida no texto conta com a adesão, entre outros, de D inam arco, Execução civil, p. 470.

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e venda de bem imóvel é títu lo para a "ação de adjudicação com pulsória”, e a cláusula com prom issória é títu lo para a "ação de substituição de com prom is­so arbitrai” . A propositura de qualquer dessas dem andas que acabo de referir, sem que esteja presente o títu lo que as to m a adequadas, implica "carência de ação”, por faltar ao dem andante interesse de agir, um a vez que a via eleita para a obtenção da tu te la jurisdicional pretendida não se revela adequada para solucionar a crise que o levou ao Judiciário.

É nesse panoram a que se vai inserir o título executivo. Aquele que dis­põe de um título dessa espécie terá, como adequada para solucionar a crise de adim plem ento que o leva a pleitear em seu favor a prestação da tu te la juris­dicional, a "ação de execução”. É "carecedor de ação” (por falta de interesse- -adequação, ou seja, por falta de interesse de agir) aquele que propuser "ação de execução” sem dispor de título executivo, assim como será "carecedor de ação” (pelo m esm o motivo) aquele que, dispondo de título executivo, propu­ser “ação de conhecim ento”.75

Verifica-se, pois, que o títu lo executivo encontra-se localizado no campo das "condições da ação”, como um dos elem entos formadores do interesse de agir in executivis.

Após a fixação da natureza e da função do título executivo, pode-se, fi­nalm ente, passar à análise do elenco de títulos a que a lei processual atribui eficácia executiva.

Os títulos executivos podem ser de dois tipos: judiciais (art. 475-N do CPC) e extrajudiciais (art. 585). A palavra “judicial”, como se sabe, vem do latim iudicium, que significa "processo”. Assim, denomina-se título executivo judicial aquele que é formado através de um processo.76 Assim, por exemplo, a sentença condenatória. Note-se, porém, que o título judicial não se forma, necessaria­m ente, através de um processo "judicial” (assim compreendido o processo que se desenvolve perante o “Poder Judiciário”). Também a “sentença arbitrai” (art. 475-N, IV) é título judicial, em bora sua formação se dê em processo que se de­senvolve à margem do Estado, sendo por isso chamado processo paraestatal ou processo privado.77

Título extrajudicial, assim, será o formado "fora do processo”, como, e. g., a no ta prom issória e o cheque.

75 É de se notar, porém , que o títu lo executivo é insuficiente para to m ar presente o interesse de agir. Esta "condição da ação”, como visto, com põe-se de interesse-necessidade (e o títu lo exe­cutivo não guarda com este elem ento qualquer ligação) e interesse-adequação (estando este pre­sente quando houver títu lo executivo). A ssim sendo, caberá ao Estado-juiz, no caso concreto, verificar não só a presença do títu lo executivo, m as ainda a necessidade da tu te la jurisdicional executiva, tem a de que se tra tará adiante.

76 Alcides de M endonça Lima, Comentários ao Código de Processo Civil, 7. ed., vol. VI, p. 242.

77 Freitas Câmara, Arbitragem, p. 108-109.

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Teoria Geral da Execução 1 8 9

São títulos executivos judiciais os elencados no art. 475-N do CPC, sobre os quais passo a tecer algumas considerações a seguir.

6.1 T ítulos Executivos Judiciais

6.1.1 Sentença Civil Condenatória (art. 475-N, I)

Não se vai, aqui, repetir tan to quanto já se disse acerca da sentença con­denatória, inclusive sobre a dificuldade existente para sua precisa conceituação (com a óbvia divergência doutrinária existente em tom o de tal tem a). Remete- -se o leitor, quanto ao ponto, ao que ficou dito no prim eiro volume desta obra.

Reafirma-se, apenas, que a nosso juízo a sentença condenatória pode ser definida como aquela que impõe ao dem andado o cum prim ento de um a pres­tação, de dar, fazer ou não fazer.

A sentença condenatória é “o títu lo executivo por excelência”.78 É de se dizer, aliás, que esse é o único título executivo com um a todos os ordenam en­tos processuais, havendo m esm o alguns sistem as que só conhecem esse título executivo.

Alguns autores estabelecem diferença entre “sentença condenatória” e “sentença de condenação”,79 afirmando que estas últim as são proferidas nas “ações condenatórias”, enquanto as prim eiras podem ser proferidas em qual­quer tipo de processo. Não nos parece adequada a distinção, pois que a classi­ficação de um a sentença como condenatória (ou constitutiva, ou m eram ente declaratória, ou term inativa) deve ser feita à luz de seu capítulo principal. A existência de um capítulo acessório em sentença constitutiva, em que se con­dena o vencido, por exemplo, aos ônus da sucumbência, não faz daquela um a sentença condenatória.

A nosso juízo, a distinção referida é desnecessária, e chega-se ao m es­mo resultado pretendido por seus defensores através da afirmação de que o disposto no art. 475-N, I, do CPC não pode ser alvo de interpretação literal (como, de resto, toda e qualquer norm a jurídica). Basta afirmar, como faz res­peitável setor da doutrina, que é títu lo executivo judicial a parte condenatória de qualquer sentença civil.80

Assim sendo, não apenas a sentença condenatória (stricto sensu) poderá ser executada, m as tam bém o capítulo condenatório porventura existente em

78 Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, vol. III, p. 24, dizendo ser este o títu lo judicial “m ais com um e típico”.

79 Assim , por exemplo, M oura Rocha, Sistemática do novo processo de execução, p. 89.

80 Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 186.

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sentenças de outras espécies (terminativas ou definitivas, m eram ente declara- tórias ou constitutivas, sentenças cautelares e, m esm o, sentenças proferidas em procedim ento de jurisdição voluntária).81

É de se recordar, por fim, que há sentenças condenatórias cuja execução não se dá em processo executivo autônom o, mas por ato executivo inserido na m esm a cadeia procedim ental do processo cognitivo. São as im propriam ente chamadas "sentenças executivas lato setisu”, que são sentenças condenatórias como outras quaisquer, diferindo apenas o meio escolhido pelo legislador para que se proceda à execução do com ando nelas contido (como é o caso da sen­tença que decreta o despejo).82 Registre-se, aliás, que a partir da vigência da Lei n Q 10.444/2002 e da Lei n° 11.232/2005, todas as sentenças condenatórias têm na sua execução m era fase com plem entar da cognição, tendo o processo - em razão da fusão dessas duas atividades - natureza mista.

É de se frisar, ainda (sendo certo que o tem a será tratado com mais cui­dado mais adiante), que apenas a cham ada "condenação ordinária” - assim entendida a sentença condenatória que determ ina o objeto da prestação devi­da - é, verdadeiram ente, títu lo executivo. A "condenação genérica”, ou seja, a sentença condenatória que deixa de estabelecer o valor ou objeto devido (tam ­bém conhecida como "sentença ilíquida”) não é, em verdade, títu lo executivo, m as sim títu lo hábil a tom ar adequada a "liquidação de sentença”.

É im portante observar que a redação do art. 475-N, I, do CPC é diferente da que se tinha no revogado art. 5 8 4 ,1, do m esm o diploma. Essa nova redação, que define o título executivo como a "sentença que reconhece a existência de obrigação”, e não mais se vale da consagrada expressão "sentença condenató­ria”, porém , não altera o que até aqui se afirmou. A sentença condenatória é título executivo, e não têm essa natureza (salvo expressa determ inação legal, como se dá no caso da sentença que adjudica quinhão sucessório) as sentenças m eram ente declaratórias e constitutivas.83 É preciso dar ao texto do referido inciso interpretação sistem ática. É certo que neste inciso I do art. 475-N não se fala em sentença condenatória, m as o art. 475-J, inserido no texto do CPC pela m esm a Lei n Q 11.232/2005, exige que tenha havido condenação para que se possa promover a execução. Não pode prosperar, portanto, o entendim ento

81 Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. II, p. 77.

82 Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, vol. III, p. 25. Sobre a natureza condenatória da sentença proferida em "ação de despejo”, confira-se Alexandre Freitas Câmara, Da natureza jurídica da sentença de despejo, in Livro de estudos jurídicos, vol. IX, coord. Jam es Tbbenchlak e Ricardo Bustam ante, p. 104 e seguintes.

83 N este sentido m e pronunciei em Alexandre Freitas Câmara, A nova execução de sentença, p. 92-98. No m esm o sentido, en tre outros, Araken de Assis, Cumprimento da Sentença, p. 204; José Eduardo C arreira Alvim e Luciana Gontijo Carreira Alvim Cabral, Cumprimento da sentença, p. 99; Cássio Scarpinella Bueno, A nova etapa da reforma do Código de Processo Civil, vol. 1, p. 132-137.

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segundo o qual a sentença m eram ente declaratória da existência de obrigação certa, líquida e exigível teria eficácia de título executivo.84

6.1.2 Sentença Penal Condenatória Transitada em Julgado (art. 475-N , U)

O Código de Processo Civil atribui eficácia executiva civil à sentença penal condenatória transitada em julgado. Isto nada m ais é do que o reco­nhecim ento, por nosso sistem a processual civil, do disposto no art. 91, I, do Código Penal, que considera efeito da condenação penal “to m ar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crim e”. Trata-se de efeito secun­dário da sentença penal condenatória,85 ou seja, efeito da sentença que se produz por força de lei, ainda que tal declaração não conste expressam ente da sentença, e m esm o sendo certo que tal declaração não integra o objeto do processo penal condenatório.

É de se notar, porém, que - a despeito do que afirma o art. 475-N, II, do CPC - a sentença penal condenatória transitada em julgado não é verdadei­ro títu lo executivo, m as sim título para a liquidação de sentença (da m esm a form a que a sentença civil que contém “condenação genérica”, anteriorm ente referida).86 Isso porque a sentença penal condenatória, em bora tom e certa a existência da obrigação do condenado de reparar o dano causado pela prática do crime, não determ ina o quantum debeatur, ou seja, não fixa o valor da inde­nização devida. Por essa razão, necessário se faz realizar o incidente de liqui­dação de sentença, para que, aí sim, possa se realizar a execução forçada da obrigação tom ada certa pela condenação penal (desenvolvendo-se o incidente de liquidação e a execução forçada em um só e m esm o processo).

É de se dizer, ainda, que legitimado passivo para a execução civil da sen­tença penal condenatória é apenas o condenado, não se podendo aceitar seja considerado parte legítim a qualquer outro responsável civil, pelo sim ples fato de não ter este participado do processo de formação do títu lo executivo.87

O utro aspecto a considerar é que, em razão da nova redação dada ao art. 51 do Código Penal (determ inada pela Lei nQ 9.268/1996), “transitada em jul­

84 Sustentam essa teoria, com a qual não concordo, en tre outros, Ernane Fidélis dos Santos, As reformas de 2005 do Código de Processo Civil, p. 28-31; Fredie D idier Júnior, Curso de direito processual civil, vol. I, p. 194.

85 Fernando da C osta Tourinho Filho, Processo penal, p. 219.

86 Dinam arco, Execução civil, p. 506.

87 Trata-se de opinião am plam ente aceita pela doutrina. Assim, en tre outros, Greco Filho, Di­reito processual civil brasileiro, vol. III, p. 25; Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. II, p. 79; M endonça Lima, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VI, p. 253.

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gado a sentença condenatória, a m ulta será considerada dívida de valor, apli- cando-se-lhe as norm as da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição”. Em razão de tal alteração, a sentença penal condenatória que impõe pena de m ulta é título executivo civil, hábil a tom ar adequada a instauração de proce­dim ento de execução fiscal (Lei n° 6.830/1980), a fim de perm itir a atuação da vontade concreta do ordenam ento, com a satisfação da pretensão estatal de re­cebimento da m ulta devida pelo condenado.88 N esta hipótese, aliás, a sentença penal condenatória é verdadeiro título executivo, e não m ero título para a liqui­dação de sentença, um a vez que contém a determ inação do quantum debeatur.

Não se pode deixar de falar sobre a possibilidade de, após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória (estando, assim, formado o título a que se refere o inciso II do art. 475-N do CPC), sobrevir revisão criminal que res­cinda tal condenação, declarando a absolvição daquele que anteriorm ente fora condenado. Diverge a doutrina acerca das conseqüências civis dessa revisão.

Houve quem, na doutrina, afirmasse que seria preciso tom ar em consi­deração diversas alternativas:

a) a execução civil ainda não começou, hipótese em que a m esm a não será mais possível, por ter desaparecido o título executivo;

b) a execução civil da sentença penal está em curso, hipótese em que o processo executivo deve ser extinto, pela m esm a razão;

c) a execução civil já se consum ou (ou seja, já alcançou seu desfecho norm al), podendo aqui a solução variar conforme o fundam ento e conteúdo da sentença da revisão criminal:

c .l) na revisão foi julgada extinta a punibilidade ou decidido que o fato im putado não constitui crime, caso em que não desapa­rece a responsabilidade civil, e o pagam ento (embora obtido por meio inidôneo) não poderá ser repetido;

c.2) a absolvição teve como fundam ento a legítim a defesa, que elim ina a responsabilidade civil, caso em que se adm ite a re­petição do indébito;

c.3) a absolvição foi devida a ou tra causa de exclusão da ilicitude (como, e. g .t o estado de necessidade), situação em que per­manece a responsabilidade civil, não sendo possível a repeti­ção do pagam ento.89

88 Sobre o tem a, seja-me perm itido rem eter o leitor a ensaio que elaborei. Consulte-se, pois, Alexandre Freitas Câmara, Aspectos processuais civis da reform a do Código Penal, in Doutrina, vol. D, coord. Jam es Tlibenchlak, p. 317 e seguintes.

89 Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, vol. III, p. 26.

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Teoria Geral da Execução 1 9 3

O utra respeitável opinião doutrinária assevera que a eficácia civil da sen­tença penal não é alcançada pela autoridade de coisa julgada, por ser efeito anexo daquela sentença, o que levaria à conclusão de que, em havendo ab­solvição através da revisão criminal, poderia o absolvido pleitear a repetição do indébito, com fulcro no art. 574 do CPC, adm itindo-se que a ou tra parte oferecesse, neste novo processo, reconvenção, pleiteando o reconhecim ento de que houve a prática de ato gerador de responsabilidade civil, a despeito da inexistência de responsabilidade penal.90

Um a terceira opinião sobre o tema, m anifestada em obra a ele exclusi­vam ente dedicada, afirma que - apesar de os efeitos penais da sentença penal condenatória serem passíveis de rescisão a qualquer tem po, através da revisão criminal - os efeitos civis da sentença penal condenatória são im unes a qual­quer rescisão, estando protegidos por um a im unidade análoga à alcançada pelo conteúdo da sentença civil que tenha alcançado a “coisa soberanam ente julga­da” (situação jurídica a que chega a sentença após o decurso do prazo em que era cabível sua rescisão), im unidade essa que decorreria da cham ada “eficácia preclusiva panprocessual dos efeitos civis da sentença penal”. Assim sendo, a revisão criminal nenhum reflexo teria sobre os efeitos civis da sentença rescin­dida, e não seria possível repetir-se aquilo que já tivesse sido pago.91

A nosso sentir, a questão deve levar em conta dois aspectos: o fundam en­to da absolvição em sede de revisão criminal e o m om ento em que a m esm a ocorre.92

Assim sendo, sou levado a afirmar o seguinte: se a revisão aconteceu antes de iniciada a execução civil, ou no curso desta, não se poderá adm itir a consumação da mesma, devendo ser extinto o processo executivo, por ter desaparecido o título que o embasava. Ocorrendo a revisão após o desfecho norm al da execução, porém, é de se considerar as seguintes hipóteses:

a) a absolvição se deu por causa que não exclui a responsabilidade civil (e. g .t estado de necessidade ou prescrição penal): não será possível repetir-se o que foi pago;

b) a absolvição teve por fundam ento um a causa de exclusão da res­ponsabilidade civil (e. g .t reconhecim ento de que o condenado não foi o au to r do ato lesivo ou que agiu em legítim a defesa).

Nesse caso, a nosso juízo, deve-se verificar se o processo da revisão cri­minal foi instaurado antes ou depois do decurso de dois anos do trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

90 Araken de Assis, Eficácia civil da sentença penal, p. 180-181.

91 A lexander dos Santos Macedo, Da eficácia preclusiva panprocessual dos efeitos civis da sentença penal, p. 73-74.

92 A ssim tam bém , em bora chegue a conclusões diversas, Shim ura, Título executivo, p. 228-229.

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1 9 4 Lições de Direito Processual Civil • Câmara

Falo aqui num prazo de dois anos a contar do trânsito em julgado por ser este o prazo da "ação rescisória”, e concluímos no sentido de que, após o de­curso do biênio, os efeitos civis da sentença penal condenatória ficam cobertos pela autoridade de "coisa soberanam ente julgada” (em bora não o fiquem os efeitos penais, que podem ser rescindidos a todo tem po), tom ando-se im pos­sível a repetição do que já houver sido pago. Essa parece-me a única form a de equiparar a eficácia dos títulos executivos judiciais, ou seja, som ente assim es- tar-se-ia tratando igualm ente a vítim a do crime que optou por ajuizar dem anda civil de reparação do dano, e aquela outra, que optou por esperar a sentença penal condenatória e, com base nesta, ajuizou dem anda executiva.

Há um últim o aspecto a considerar: a Lei nQ 11.719/2008 deu ao art. 387, IV, do Código de Processo Penal um a nova redação, por força da qual caberá ao juízo criminal, na sentença condenatória, estabelecer o valor m ínim o da indenização pelos danos causados pela infração penal. Já tive oportunidade de m anifestar m inha opinião pela inconstitucionalidade dessa alteração,93 e isto por violação ao princípio do contraditório (já que seria afastada a necessária correlação entre dem anda e sentença), além de haver incom patibilidade entre esta regra e o sistem a acusatório, adotado pela Constituição da República para o processo penal. Caso não houvesse inconstitucionalidade, porém, fixado o valor m ínim o da indenização seria possível iniciar-se desde logo a execução civil da sentença penal, sem necessidade de liquidação.

6.1.3 Sentença Homologatória de Transação ou de Conciliação (art. 475-N, III)

Inclui o CPC, ao elencar os títulos executivos judiciais, a sentença h o ­m ologatória de transação e de conciliação. Trata-se, em outros term os, da atri­buição de eficácia executiva ao ato judicial que hom ologa o negócio celebrado pelas partes do processo como meio de autocom posição do conflito de interes­ses existente entre elas.

A transação, meio de extinção das relações obrigacionais m ediante con­cessões recíprocas, será hom ologada por sentença judicial (desde que verse so­bre direitos disponíveis e tenha sido celebrada por partes capazes) definitiva, nos term os do art. 269, III, do CPC. Ter-se-á transação se, por exemplo, num a dem anda em que se pede a condenação do dem andado ao pagam ento de 100, e tendo o réu contestado para afirm ar a inexistência da obrigação, cheguem as partes a um acordo pelo qual o dem andado pagará ao dem andante a quantia de 50. Terão am bas as partes, assim, feito concessões diante de suas pretensões inicialm ente formuladas.

93 Alexandre Freitas Câm ara, Efeitos civis e processuais da sentença condenatória criminal. Reflexões sobre a Lei n° 11.719/2008, Revista da EMERJ, n° 46, p. 111 e seguintes.

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Teoria Geral da Execução 1 9 5

É de se notar que a Lei de Arbitragem, tendo alterado a redação do (ago­ra revogado) inciso III do art. 584 do CPC, excluiu de seu texto a referência anteriorm ente existente, no sentido de que seria títu lo executivo a sentença hom ologatória de transação, ainda que esta versasse sobre questão estranha ao objeto do processo. Assim, por exemplo, num a dem anda em que se pediu a condenação do dem andado ao pagam ento de um a dívida, poderiam as par­tes celebrar transação em que incluíssem tam bém um acordo acerca de outra obrigação, referente, e. g .t a um segundo contrato de m útuo celebrado entre as partes, e que ainda não estava vencido quando do ajuizam ento da demanda.

Apesar do silêncio da lei, porém, jamais houve dúvida no sentido de que perm anecia a eficácia executiva da sentença que hom ologasse transação quando esta incluísse questão que extrapolasse o objeto do processo. Poste­riorm ente, a Lei n° 10.358/2001 modificou a redação deste inciso III do art. 584, para que o m esm o passasse a afirmar a eficácia executiva da “sentença hom ologatória de conciliação ou de transação, ainda que verse m atéria não posta em juízo”. Esta redação foi repetida (sem modificações de conteúdo) no novo inciso III do art. 475-N do CPC.

Além da transação, fala a lei em sentença hom ologatória de conciliação, assim entendida a autocom posição do conflito que se dê através de acordo alcançado em audiência, perante o m agistrado (pouco im portando se o acordo foi alcançado na audiência de instrução e julgam ento, na audiência prelim inar ou em outra audiência, designada especialm ente para tal fim ). É de se notar, porém, que o term o “conciliação” é por dem ais amplo e pode abranger diver­sas situações. Assim é que a conciliação pode conter verdadeira transação, ou um reconhecim ento do pedido, ou ainda a renúncia à pretensão ou, m esm o, a desistência da ação.

Assim sendo, deverá ser tida como título executivo judicial a sentença hom ologatória de conciliação toda vez que o acordo celebrado im ponha, a al­gum a das partes, o cum prim ento de um a prestação.

Por fim, e apesar do silêncio da lei, é de se considerar título executivo ju ­dicial a sentença hom ologatória do reconhecim ento jurídico do pedido,94 desde que, obviamente, se trate de pedido condenatório.95 São, ainda, incluídos - por expressa disposição de lei - en tre as sentenças hom ologatórias com eficácia executiva previstas no art. 475-N, III, do CPC, os provim entos judiciais ho-

94 Dinam arco, Execução civil, p. 509; Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 185.

95 Afirma Dinam arco, aliás, que, ao referir-se à conciliação, o CPC, em verdade, lim ita-se a incluir a sentença hom ologatória do reconhecim ento do pedido entre os títu los executivos. Isso porque as ou tras h ipóteses de conciliação (com exceção da transação, já referida na própria reda­ção do inciso III) não conduzem à execução forçada (renúncia à pretensão e desistência da ação). Assim , por sentença hom ologatória de conciliação, deve-se en tender sentença hom ologatória de reconhecim ento do pedido (Dinamarco, Execução civil, p. 511).

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m ologatórios do pedido de recuperação judicial e extrajudicial de em presas (respectivam ente arts. 59, § l 2, e 161, § 6Q, am bos da Lei n Q 11.101/2005, a nova Lei de Falências).

É de se lem brar que, nas sentenças aqui referidas, o juiz não terá julgado o objeto do processo, o qual terá sido resolvido nos term os do ato de com posi­ção de interesses celebrado pelas partes. Caberá ao juiz, tão som ente, verificar a validade do ato autocom positivo e homologá-lo, conferindo eficácia ao ato. A sentença será definitiva, pois que contém resolução do m érito (embora não contenha o julgam ento dele).

6.1.4 Sentença Arbitrai (art. 475-N, IV)

A Lei de A rbitragem (Lei n Q 9.307/1996) alterou a sistem ática trad i­cional do D ireito brasileiro e conferiu eficácia executiva à decisão proferida pelo árbitro , pondo term o a um conflito que tenha sido levado à solução pela via arbitrai.

A lterou-se, aliás, tam bém a denom inação dada à decisão proferida pelo árbitro, agora cham ada sentença arbitrai e antes denom inada laudo arbitrai.96

Pode-se definir a sentença arbitrai (rectius, laudo arbitrai) como "o provi­m ento que decide o litígio subm etido à decisão do árbitro ou tribunal arbitrai, sendo, tan to quanto a sentença do juiz, um ato de inteligência que term ina por um ato de vontade”.97

O art. 31 da Lei de Arbitragem equipara a eficácia da sentença arbitrai à da sentença judicial, afirmando ainda que, em sendo condenatória a sentença arbitrai, esta será título executivo (e, nos term os do art. 475-N, IV, do CPC, título executivo judicial). É de se notar que a sentença arbitrai não está sujeita à homologação pelo Judiciário (art. 18 da Lei nô 9 .307/1996), produzindo seus efeitos desde logo, ao contrário do que acontecia no sistem a revogado, em que a eficácia da decisão do árbitro ficava condicionada à sua homologação judicial.

A equiparação da eficácia da sentença arbitrai à da sentença jurisdicional é reflexo da plena adesão do D ireito brasileiro vigente à lu ta pelo amplo acesso à justiça, um a vez que um dos pontos que se têm considerado como essenciais

96 Sobre a nova denom inação, é m inha opinião n o sentido de que a opção do legislador não foi acertada, pois sentença é, a m eu juízo, designação que deve ser reservada para o ato estatal ju ris­dicional por excelência, confira-se Freitas Câm ara, Arbitragem, p. 87-88. Utilizarei, nesta obra, as duas denom inações, m esm o porque a questão é de pequena im portância, afinal “que há em um nom e? O que cham am os de rosa, com ou tro nom e, exalaria o m esm o perfum e tão agradável” (W illiam Shakespeare, Romeu e Julieta, ato segundo, cena II).

97 Carreira Alvim, A arbitragem no direito brasileiro, p. 320-321.

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para se assegurar um pleno acesso da sociedade à ordem jurídica ju sta é a va­lorização dos m eios paraestatais de composição de conflitos.98

A inclusão da sentença arbitrai entre os títulos executivos coloca o Bra­sil no caminho de um a tendência internacional, de valorização da arbitragem como meio de pacificação social, essencial para o descongestionam ento do Ju­diciário, e perm itindo um novo meio de acesso aos escopos sociais da jurisdi­ção e de seus equivalentes.99

É de se referir, ainda um a vez, que, apesar de não ser formada através de um processo jurisdicional (mas por um equivalente deste), não há nenhum a im propriedade em se afirmar que a sentença arbitrai é títu lo executivo judicial, um a vez que a m esm a é form ada através de um processo (ainda que este pro­cesso seja paraestatal, desenvolvendo-se à margem do Estado).

Assim sendo, proferida pelo árbitro (ou pelo “tribunal arbitrai”) um a sen­tença arbitrai condenatória, esta terá eficácia executiva, equiparada à da senten­ça condenatória proferida pelo Estado-juiz, sendo possível a execução forçada do comando nela contido através de um processo de execução, a se desenvolver perante o juízo com petente.

6.1.5 Decisão homologatória de acordo extrajudicial (art. 475-N, V)

A Lei nQ 11.232/2005 incluiu no rol dos títulos executivos judiciais do CPC um a nova figura: a decisão hom ologatória de acordo extrajudicial. Este título, a rigor, já existia no D ireito brasileiro, previsto que estava no heterotó- pico art. 57 da Lei nô 9.099/1995.

Prevê o art. 475-N, V, a possibilidade de ser celebrado um acordo extraju­dicial de qualquer natureza ou valor e as partes o subm eterem à homologação judicial (pelo juízo que seria com petente para conhecer da causa em prim eiro grau de jurisdição). O btida tal homologação, ter-se-á, então, um título execu­tivo judicial. Tem-se, aqui, pois, a cham ada transação pré-judicial,100 que pode se tom ar título executivo se subm etida à homologação judicial.

98 A dou trin a que tra to u do tem a, d ian te da atual sistem ática da arbitragem , foi unânim e em elogiar o novo sistem a. E ntre ou tros, confira-se C arreira Alvim, A arbitragem no direito brasileiro, p. 323; Freitas Câm ara, Arbitragem, p. 107-108.

99 Sobre a arbitragem, além das obras citadas nas notas anteriores, consulte-se Carlos Alberto Car­mona, A arbitragem no processo civil brasileiro, passim; Cézar Fiuza, Teoria geral da arbitragem, passim; Paulo Furtado e Uadi Lammêgo Bulos, Lei da arbitragem comentada, passim. No Direito Comparado, entre m uitas outras obras, confira-se Elio Fazzalari, Larbitrato, passim.

100 Expressão encontrada na obra de Francesco Santoro-Passareli, La transazione, vol. I. p. 5.

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O que se tem aqui, então, é um m ódulo processual de jurisdição volun­tária que gerará um título executivo judicial, cuja execução dar-se-á em um m ódulo processual executivo que se desenvolverá no m esm o processo em que se realizou aquele prim eiro módulo.

6.1.6 Sentença Estrangeira Homologada pelo STJ (art. 475-N, VI)

Com o já foi visto anteriorm ente, as sentenças estrangeiras só produ­zem efeitos no Brasil depois de hom ologadas pelo Superior Tribunal de Ju s­tiça. Não irei, aqui, repetir tan to quanto já se disse acerca da hom ologa­ção de sentença estrangeira, rem etendo-se o le itor para a parte desta obra correspondente ao tem a. É de se afirmar, nesta passagem , apenas que a lei processual confere eficácia executiva à decisão hom ologatória de sentença condenatória estrangeira .101

Observe-se, porém, que o título executivo nesta hipótese não será a sen­tença estrangeira homologada, como parece querer a norm a aqui apontada, m as o ato estatal brasileiro de reconhecim ento daquela.102 Ademais, e como já se afirmou, todas as sentenças estrangeiras estão sujeitas à homologação para que produzam efeitos no Brasil, mas apenas as sentenças condenatórias pode­rão dar azo à formação de título executivo. As dem ais (m eram ente declarató- rias e constitutivas) produzirão seus efeitos da m esm a form a que as sentenças nacionais da m esm a espécie. Assim, por exemplo, um a sentença estrangeira de divórcio, um a vez homologada, deverá ser levada à averbação, por m andado, no registro civil das pessoas naturais.103

A execução da "sentença estrangeira hom ologada” (rectius, da sentença de homologação da decisão estrangeira) tem apenas um a peculiaridade dig­na de nota: há aqui um rom pim ento da com petência funcional do juízo do processo cognitivo, tradicionalm ente determ inada no sistem a brasileiro. Isso porque, enquanto o processo de formação do títu lo é da com petência do Su­perior Tribunal de Justiça, a com petência para o processo executivo é do juízo federal de prim eira instância do foro do domicílio do devedor.

101 N aturalm ente, apenas a parte condenatória de um a sentença estrangeira é que, um a vez ho ­mologada, poderá dar origem a títu lo executivo. N este sentido, Dinamarco, Execução civil, p. 513.

102 Não é unânim e a doutrina acerca deste ponto. Assim é que há autores para quem o títu lo executivo, nesse caso, é a “carta de sentença extraída dos autos da homologação de sentença estrangeira” (Shimura, Título executivo, p. 242; T heodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. II, p. 81; M endonça Lima, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VI, p. 262). Esta posição, porém, é inaceitável por aqueles que, como eu, dissentem da teoria docum ental do título executivo, não aceitando nem m esm o as teorias mistas. No sentido do texto, afirmando que o título executivo é o ato estatal brasileiro que homologa a sentença estrangeira, Dinamarco, Execução civil, p. 513.

103 Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, vol. III, p. 27.

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6.1.7 Formal e Certidão de Partilha (art. 475-N, VII)

O CPC inclui, en tre os títu los executivos, o formal e a certidão de par­tilha. Em verdade, títu lo aqui será o ato estatal de adjudicação do quinhão sucessório. Posição diversa, que se prendesse à literalidade da norm a, estaria adequada apenas à teoria docum ental do títu lo executivo, por m im repudia­da.104 O ato jurisdicional de adjudicação do quinhão sucessório recebe eficá­cia executiva, sendo tratado pelo ordenam ento, para tal fim, como m ero fato jurídico.

O ato de adjudicação de quinhão sucessório tem eficácia executiva ape­nas em relação ao inventariante, aos herdeiros e legatários (art. 475-N, VII, ín /m e).105 Isto significa que aquele a quem tenha sido adjudicado o quinhão sucessório só poderá dem andar a execução forçada em face dessas pessoas. Estando o bem que integra seu quinhão com pessoa diversa das enum eradas na parte final do inciso VII do art. 475-N do CPC, não haverá outro cam inho senão o ajuizam ento de dem anda cognitiva.

Conforme a natureza do bem que integra o quinhão sucessório, a exe­cução fundada nesse título poderá ser por quantia certa (quando o bem for dinheiro) ou para entrega de coisa (quando se tra tar de qualquer outro bem, caso em que a execução não será processo autônom o, mas m ero prolongam en­to do processo de inventário e partilha). Não se adm ite, porém , a execução de obrigação de fazer ou não fazer com base no título que ora se analisa.106

6.2 Títulos Executivos Extrajudiciais

Vistos os títu los executivos judiciais, passa-se à análise dos títu los extra­judiciais, elencados no art. 585 do CPC. É de se dizer, porém , que tais títulos pertencem a outras searas da ciência jurídica (como o cheque e a no ta prom is­sória, estudados pelo Direito Comercial, ou os créditos de foro e laudêmio, cujo estudo cabe ao Direito Civil), e serão aqui referidos rapidam ente, apenas naquilo que têm de essencial para que se possa conhecer sua eficácia executiva.

104 Dinamarco, Execução civil, p. 509.

105 Fala o art. 475-N, VII, do CPC em herdeiros e sucessores a títu lo universal, com o se fossem pessoas diversas. É sabido, porém , que as expressões são sinônim as perfeitas (Amoldo Wald, Curso de direito civil: direito das sucessões, p. 16).

106 Dinamarco, Execução civil, p. 509, nota 103; Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. II, p. 82. Contra, entendendo que apenas a execução para entrega de coisa pode te r com o base o título previsto no art. 475-N, VII, do CPC, Frederico M arques, Manual de direito processual civil, vol. IV, p. 27. N ote-se que a opinião de Frederico M arques foi dada antes da Lei ne 11.232/05, razão pela qual ali se fez referência ao agora revogado art. 584, parágrafo único, do CPC.

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É im portante, além disso, frisar que os títulos executivos extrajudiciais foram equiparados em eficácia aos judiciais pelo CPC de 1973, o que signifi­ca dizer que tantos estes como aqueles perm item a instauração da execução forçada (ao contrário do que ocorria ao tem po do Código de Processo Civil de 1939, em que os títulos judiciais perm itiam a instauração de processo de execução - a cham ada "ação executória” - , enquanto os títulos extrajudiciais só perm itiam a instauração de um processo m isto, cognitivo e executivo, o das denom inadas "ações executivas”) .107 Após a entrada em vigor da Lei n ô 10.444/2002 e da Lei n Q 11.232/2005, os títu los extrajudiciais são aptos a perm itir a instauração de processo de execução, enquanto os títulos judiciais, via de regra, perm item a instauração de um a fase executiva a se desenvolver no m esm o processo em que tais títulos tenham sido produzidos.

6.2.1 Títulos Cambiais e Cambiariformes (art. 5 8 5 ,1)

O Código de Processo Civil confere eficácia executiva à no ta prom is­sória, à duplicata, à letra de câmbio, à debênture (esta incluída pela Lei n Q 8.953/1994) e ao cheque. São títulos de crédito, cuja regulam entação cabe inteiram ente ao direito material. É nesta seara, portanto, que se irá buscar os elem entos necessários para que se possa verificar a existência, validade e eficá­cia dos atos jurídicos que se corporificam nestes títulos.

Tais títulos, quando com pletos, podem ser executados independente­m ente de pro testo .108 Este será exigido, porém, quando faltar algum requisito do título (como, e. g ., no caso de duplicata sem aceite).109

Não se pode deixar de falar sobre a questão da "prescrição” dos títulos de crédito aqui referidos como títu los executivos extrajudiciais. Isto porque se costum a dizer que há, nesses casos, "duas prescrições”: a prim eira da eficácia executiva e a segunda do próprio crédito .110 Tal se dá porque a eficácia executi­va do título cambial ou cambiariforme desaparece se a dem anda executiva não for intentada dentro de certo prazo (que varia conforme a espécie de títu lo ). Desaparecida esta eficácia executiva (e a lei chama a este efeito do tem po pelo nom e de "prescrição”), não desaparece o crédito, que continua existindo, e pode ser exigido através de dem anda cognitiva (a cham ada "ação de locupleta- m ento ilícito”).

107 Sobre este sistem a, já revogado, consulte-se Liebman, Processo de execução, p. 20-21.

108 Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, vol. III, p. 30.

109 Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. II, p. 121.

120 Assim , por exemplo, Shim ura, Título executivo, p. 281.

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Em verdade, apenas esta segunda é verdadeira prescrição (assim en­tendida a perda de um direito subjetivo pelo decurso do tem po). A prim eira situação (perda da eficácia executiva do títu lo em razão do decurso do tem po, sem que a execução forçada seja instaurada) só poderia ser cham ada de pres­crição se o term o fosse em pregado em sentido am plíssim o, para designar o efeito letal do tem po sobre as situações jurídicas. Em verdade, o que se tem é um a subordinação da eficácia executiva desses títu los a um term o final. Alcançado esse term o, desaparece a eficácia executiva, em bora não desapare­ça o direito de crédito, ficando aberta ao credor a utilização da via cognitiva como m eio adequado de busca da satisfação de sua pretensão.

É de se notar, aliás, que, ao afirmar que este fenômeno não é verdadeira prescrição, acaba-se por retirá-lo do campo de incidência da regra segundo a qual a prescrição só pode ser conhecida m ediante alegação da parte interessada, vedado o conhecim ento ex officio. Alcançado o term o final previsto na lei para a eficácia executiva do título, este perde sua natureza de título executivo, e a instauração de processo executivo com base nesse “título prescrito” (rectius, ato jurídico que perdeu eficácia executiva) não poderá levar ao desfecho norm al da execução, pois faltará ao exequente um a das “condições da ação” (precisamente o interesse-adequação, que só existe quando estiver presente o título com eficá­cia executiva).111 Sendo m atéria ligada às “condições da ação”, e, pois, de ordem pública, poderá o juiz dela conhecer ex officio e extinguir o processo executivo por “carência de ação” toda vez que o m esm o se instaurar com base em título que tiver perdido sua eficácia executiva em razão da “prescrição”.

6 .2 .2 Reconhecimento de Obrigação por Instrumento Público ou Particular (art. 585, II)

O inciso II do art. 585 do CPC confere eficácia executiva à escritura pú­blica ou outro instrum ento público e ao instrum ento particular subscrito pelo devedor e por duas testem unhas de que conste obrigação.

Em verdade, título executivo não é o docum ento, público ou particular, m as o ato jurídico que ele representa. Daí, aliás, o acerto da denominação, tradicional na linguagem forense, de confissão de dívida, pelo qual se costum a designar este título. O título executivo é, pois, o ato de reconhecim ento da existência de obrigação, que é praticado através de escritura pública (ou outro

111 A doutrina, é de se dizer, não costum a fazer a distinção que vai no texto, en tre a prescrição (propriam ente dita) do crédito e a “prescrição” da eficácia executiva, tra tando am bos os in stitu ­tos com o sendo o m esm o, de direito m aterial, e por tal razão é com um afirmar-se que a “pres­crição” da eficácia executiva só pode ser conhecida se for alegada (neste sentido, por exemplo, R oberto Barcellos de M agalhães, Títulos de crédito, p. 126).

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docum ento público) ou por instrum ento particular assinado pelo devedor e por duas testem unhas. O instrum ento é a forma, e não a prova do ato jurídico.

A lei confere eficácia executiva à "confissão de dívida” qualquer que seja a natureza da prestação devida. Pouco im porta, assim, se a obrigação é de dar, fazer ou não fazer. De qualquer maneira, estar-se-á diante de título executivo. É preciso, apenas, que do ato conste o reconhecim ento da existência de um a obrigação (repita-se, de qualquer natureza). Exige-se, ainda, o requisito for­mal, ou seja, que o reconhecim ento se faça por instrum ento público ou por instrum ento particular assinado pelo devedor e por duas testem unhas.

Diga-se, ainda, que o instrum ento particular não pode ser assinado a rogo por terceiro.112 Isto significa dizer que o analfabeto e o im possibilitado de assinar só poderão reconhecer dívidas por instrum ento público.

É preciso, ainda, que estejam presentes os requisitos com uns a todas as obrigações que constituem títu los executivos (certeza e liquidez, sobre os quais se falará adiante).

Afirme-se, por fim, que o título executivo aqui referido não foi sem pre assim tão amplo. Antes do movim ento que ficaria conhecido como "reforma do CPC”, o reconhecim ento de dívida só tinha eficácia executiva quando se referisse à obrigação de pagar quantia determ inada ou entregar coisa fungível. A Lei nQ 8.953/1994, que alterou um a série de dispositivos do CPC referentes ao processo executivo, ampliou o campo de incidência da norm a, que deixou de fazer referência à espécie de obrigação reconhecida pelo devedor. Assim, e sendo certo que onde a lei não distingue não é lícito ao intérprete distinguir, passou o reconhecim ento de obrigação a te r eficácia executiva qualquer que seja a natureza da prestação devida.

6 .2 .3 T ra n sa çã o E x tr a ju d ic ia l (a r t. 5 8 5 , I I )

O m esm o inciso II do art. 585 confere eficácia executiva ao "instrum ento de transação referendado pelo M inistério Público, pela Defensoria Pública ou pelos advogados dos transatores”. Mais um a vez se repete o desvio de perspec­tiva do texto legal, que confunde o título executivo com a form a do ato jurídi­co. Em verdade, título executivo aqui não é o instrum ento de transação, m as a transação em si considerada.

Trata a hipótese da transação extrajudicial, ou seja, da transação celebra­da entre as partes sem que haja processo instaurado entre elas. Havendo um a relação de cunho obrigacional a que as partes ponham term o através de transa­ção, esta será título executivo extrajudicial (desde que, obviamente, im ponha

112 Shimura, Título executivo, p. 288; Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. II, p. 122.

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a algum a das partes o cum prim ento de um a prestação). Exige a lei, como de resto em todos os dem ais títulos executivos, que alguns requisitos formais se­jam observados. Assim é que a transação deverá ser celebrada por instrum ento escrito e deve obter o referendo do M inistério Público, da Defensoria Pública ou dos advogados dos transatores.

Fala a lei em referendo, e não em homologação, por ser esta últim a ato praticado por ju iz .113 O referendo será ato do M inistério Público (através do órgão a que a lei de organização da instituição tenha conferido atribuição para a prática de tal ato), da Defensoria Pública ou dos advogados dos transatores.

Q uanto a estes últim os, deverão ser anexadas ao instrum ento de tran­sação as procurações outorgadas pelas partes, para que se possa saber se o referendo foi ato praticado pelos seus advogados regularm ente constituídos.

Fala a lei, aliás, em advogados, no plural, m as nada im pede que um único advogado, m andatário de todos os sujeitos da relação obrigacional, e represen­tando seus interesses, referende a transação.114

6.2.4 Hipoteca, Penhor, Anticrese, Caução (art. 585, III)

O art. 585, III, do CPC confere eficácia executiva aos “contratos garanti­dos por hipoteca, penhor, anticrese e caução”. O que faz a lei é conferir eficácia executiva aos contratos através dos quais se fixe caução, seja esta real (hipote­ca, penhor, anticrese) ou fidejussória (fiança).

Não é este, diga-se desde logo, o local adequado para se estabelecerem os conceitos dessas m odalidades de garantia, nem m esm o para discutir se a h ipo­teca é institu to de direito m aterial ou de direito processual.115 Interessa, nesta passagem, afirm ar tão som ente que no texto anterior à Lei nQ 11.382/2006, a lei processual concedia eficácia executiva à hipoteca, ao penhor e à anticrese convencionais (mas não à hipoteca e ao penhor legais).116 Posteriorm ente à aprovação dessa lei, porém, o art. 585, III, do CPC passou a conferir eficácia

113 Freitas Câm ara, Lineamentos do novo processo civil, p. 150, no ta 12.

114 Shim ura, Título executivo, p. 290; Freitas Câmara, Lineamentos do novo processo civil, p. 150.

1:5 No sentido de que a hipoteca é in stitu to de direito substancial, Frederico M arques, Manual de direito processual civil, vol. IV, p. 44. Entre os processualistas, porém , é dom inante a posição contrária, segundo a qual a hipoteca é in stitu to ligado à responsabilidade patrim onial e, por con­seguinte, tem natureza jurídica de in stitu to processual. N este sentido, que me parece o melhor, D inam arco, Execução civil, p. 251; Amílcar de Castro, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VIII, p. 94; Liebman, Processo de execução, p. 69. Sobre a tese, é pioneira e fundam ental a obra de Francesco C arnelutti, N aturaleza Jurídica de la Hipoteca, in Estúdios de derecho procesal, vol. I, trad. esp. de Santiago Sentis M elendo, p. 627 e seguintes.

126 Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. II, p. 125.

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executiva a todos os contratos garantidos por hipoteca, penhor, anticrese ou caução, o que incluir aqueles contratos - como, e. g .t o de hospedagem, garan­tidos por hipoteca ou penhor legal. Além disso, é de se dizer que a lei utilizou a denom inação genérica (caução) em lugar da específica (fiança).117

Assim, havendo caução, estabelecida por via de contrato ou por lei, seja ela real (hipoteca, penhor ou anticrese) ou fldejussória (fiança), a garantir o cum prim ento de obrigação contratual, será possível a execução forçada do cré­dito garantido.

6.2.5 Seguro de Vida

Ainda no inciso III do art. 585 do Código de Processo Civil se verifica que é títu lo executivo o seguro de vida. Também não é este o foro adequado para a análise do conceito de seguro, bem assim de suas m odalidades aqui contem pladas. Há, apenas, que se afirmar que os seguros de vida têm eficácia executiva. A ntes da Lei n° 11.382/2006 incluíam-se tam bém entre os títulos executivos os seguros de acidentes pessoais de que resultassem m orte ou in­capacidade, m as esses títulos perderam eficácia executiva com a referida lei de reform a do CPC. Exigia-se, tam bém , que os seguros tivessem origem contra­tual, o que não foi modificado pela citada Lei nQ 11.382/2006, o que fez com que continue a não ter eficácia executiva o "seguro obrigatório”, regulado pelo Decreto-lei nQ 814/1969 .118

É de se verificar, assim, que o contrato de seguro tem eficácia executiva tão somente quando o objeto segurado é a pessoa hum ana.119 Nas hipóteses em que o objeto segurado seja um a coisa, caberá ao beneficiário do contrato de seguro valer-se do processo cognitivo para fazer valer sua pretensão. Assim, por exemplo, nos seguros que têm por objeto um veículo qualquer, a indenização devida pela seguradora em razão de acidente que o envolva será exigível através de "ação de conhecimento” pelo procedimento sumário (art. 275, II, e, do CPC).

1,7 Em sentido assem elhado, Assis, Manual do processo de execução, p. 145. É curiosa a afirmação de Greco Filho, para quem a caução a que se refere a lei é “direito real de garantia”, assem elhado ao penhor, incidente sobre títu los públicos ou de crédito pessoal (Direito processual civil brasileiro, vol. m , p. 31).

118 Em opiniões m anifestadas antes da Lei n° 11.382/2006, en tendiam que o seguro obriga­tório não tinha eficácia executiva, en tre outros, Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. II, p. 126; Shim ura, Título executivo, p. 326. Contra, entendendo que o seguro obrigatório tam bém se encontrava incluído no alcance do art. 585, III, do CPC, Assis, Manual do processo de execução, p. 145. A prim eira opinião aqui referida, a m eu juízo, continua correta depois da citada reform a legislativa.

1,9 Não deve o le itor se espantar com a possibilidade de o ser hum ano ser objeto de um a rela­ção jurídica. Isto é, precisam ente, o que se tem em hipóteses com o a do seguro de vida, em que o objeto segurado é a vida hum ana.

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6.2.6 Créditos Decorrentes de Foro e Laudêmio

O foro e o laudêmio, devidos pelo enfiteuta ao titu lar da nua- -propriedade,120 podem ser exigidos por via executiva. Assim é que o senhorio direto de um imóvel sobre o qual incide um a enfiteuse poderá exigir do titu lar do dom ínio útil, através do processo de execução, não só o foro (quantia a ser paga anualm ente pelo enfiteuta ao senhor direto), mas tam bém o laudêmio (percentual sobre o preço da coisa, devido quando ocorre alienação onerosa do dom ínio útil, como na com pra e venda e na perm uta).

É de se notar que nos casos em que o domínio direto pertence à União Federal o pagam ento prévio do laudêm io é requisito de validade do ato de alienação onerosa do domínio ú til.121 Ressalva-se, apenas, a possibilidade de a União dispensar o pagam ento prévio do laudêm io (o que é teoricam ente pos­sível, em bora não ocorra na prática), m as neste caso ter-se-á execução fiscal, de crédito incluído na dívida ativa federal, e o títu lo executivo que irá em basar a pretensão da União não será este, m as o previsto no inciso VI do m esm o art. 585 do CPC.

Merece registro o fato de que o Código Civil de 2002 proíbe a constitui­ção de novas enfiteuses e subenfiteuses (art. 2.038), regulando-se as que àque­la altura já existiam pelas disposições do Código Civil de 1916. Além disso, não se pode deixar de dizer que, com a vigência do Código Civil de 2002, fica proibida a cobrança de laudêm io sobre o valor das construções ou plantações, incidindo apenas sobre o valor do terreno (art. 2.038, § l ô, I).

6.2.7 Aluguel e Acessórios

A lei processual tam bém confere eficácia executiva ao contrato de loca­ção, perm itindo que o locador exija, pela via executiva, o crédito decorrente de aluguel. Aplica-se o que acaba de ser dito a todas as espécies de locação de bens im óveis,122 desde que o contrato tenha sido celebrado por escrito .123

120 Não é este, obviamente, o local apropriado para analisar a enfiteuse e os encargos dela decorrentes para o enfiteuta, em favor do senhorio direto. Sobre o tema, consulte-se Darcy Bessone, Direitos reais, p. 331 e seguintes.

121 M endonça Lima, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VI, p. 331.

122 Assis, Manual do processo de execução, p. 146; Shimura, Título executivo, p. 330. Pacífica a doutrina acerca da possibilidade de execução de aluguel quando se trata de locação de imóvel urbano, diver­gem os autores acerca da possibilidade de execução forçada quando se trata de arrendam ento rural. A meu juízo, é possível a execução neste caso (no m esm o sentido, Assis, p. 146; contra, entendendo que para o arrendam ento rural deve ser empregado o processo de conhecimento, que deverá seguir o procedimento sumário - art. 275, II, a, do CPC - Shimura, p. 330), pois essa é regra especial, que deve prevalecer sobre a regra geral de que o módulo processual cognitivo deve preceder à execução.

123 O CPC de 1939 perm itia a execução do crédito decorrente de aluguel ainda quando a lo­cação tivesse sido ajustada verbalm ente. O CPC vigente, porém , preferiu optar por sistem a em

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O locador, diante da falta de pagam ento do aluguel (e dem ais encargos acessórios da locação), poderá optar entre ajuizar "ação de despejo por falta de pagam ento” e "ação de execução”. Escolhendo a via da "ação de despejo”, estará pedindo a restituição da posse direta da coisa locada, autorizando o sis­tem a jurídico vigente que o locatário purgue sua mora, a fim de perm anecer no imóvel. Obtido o despejo, poderá o locador, posteriorm ente, ajuizar dem anda executiva, para o fim de obter a satisfação de seu crédito.

Se, por outro lado, o locador optar desde logo pela via executiva, estará pretendendo, tão som ente, obter a satisfação de seu crédito de aluguel, não sendo possível ao juízo, nesta hipótese, determ inar o desalijo (pois que estaria violando, assim, o princípio da demanda, contido no art. 2° do CPC).

A ntes da Lei nQ 11.382/2006, referia-se o CPC, tam bém , ao crédito de­corrente de "renda de imóvel” . É de se dizer, desde logo, que não havia con­senso doutrinário acerca do ato jurídico a que se atribuía, neste passo, eficácia executiva. Assim é que, para alguns autores, as expressões “aluguel” e "renda” se eqüivaliam .124 Havia, tam bém , quem considerasse que o term o "aluguel” designava o preço da locação de imóvel urbano, enquanto a palavra "renda” se refere ao preço do arrendam ento ru ral.125

Essas posições, em bora dom inantes, partiam do pressuposto segundo o qual as expressões "aluguel” e "renda” eram equivalentes, o que levaria a con­cluir que um a das duas palavras poderia ter sido retirada do texto da lei, e, ain­da assim, estaria m antido o alcance da norm a.126 Adotar esta exegese, porém, implicaria negar expressam ente um a regra básica da interpretação das leis, segundo a qual verba cum effectu, sunt accipienda, ou seja, "não se presum em , na lei, palavras inúteis”.127

Significa esse brocardo que, havendo algum a possibilidade de se conferir às palavras e expressões em pregadas na lei algum significado próprio, deve o intérprete optar por este resultado interpretativo, em detrim ento daquele segundo o qual a palavra ou expressão se revela inútil. Cabia, pois, ao intér­prete, verificar se havia algum significado possível para a expressão "renda de imóvel”, encontrada na redação original do inciso IV do art. 585 do CPC. Parecia-nos, assim, preferível a interpretação que concluía referir-se a norm a ao institu to da constituição de renda, contrato regido pelos arts. 803 a 813 do

que todos os títu los têm form a escrita, o que parece m elhor n a busca da segurança nas relações jurídicas, essencial para que se alcance o escopo de pacificação do processo jurisdicional.

124 Assim , por exemplo, Assis, Manual do processo de execução, p. 146; Shim ura, Título executivo, p. 328.

125 Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, vol. III, p. 32.

126 Assim, expressam ente, M endonça Lima, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VI, p. 332.

127 Carlos M aximiliano, Hermenêutica e aplicação do direito, p. 250-251.

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Código Civil de 2002, que ocupa o lugar anteriorm ente ocupado pela "renda constituída sobre imóvel”, direito real sobre coisa alheia previsto nos arts. 749 a 754 do Código Civil de 1916.128

Não im pressionava o argumento, utilizado pelos autores que não aceita­vam essa interpretação, de que a renda constituída sobre imóvel era, ao tem po do Código Civil de 1916, direito real, e não pessoal. Isso porque a lei proces­sual, na redação original do inciso IV do art. 585, fazia referência a créditos decorrentes de um direito real, a enfiteuse, quando falava no foro e no laudê- mio. Não repugnava ao sistem a, pois, que se estabelecesse a eficácia executiva do ato jurídico através do qual se onera um imóvel, constituindo-se sobre ele um a renda, para perm itir ao beneficiário da m esm a que exija o cum prim ento do ônus incidente sobre o prédio por via executiva. Essa discussão, todavia, perdeu sentido com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, que nega natureza real à constituição de renda.

Com a reform a operada pela Lei n 2 11.382/2006, porém , tudo isso se tornou irrelevante. Isso porque a referida lei retirou do texto do CPC qualquer referência à renda de imóvel. Assim, desapareceu definitivam ente a eficácia executiva do contrato de constituição de renda.

A inda no inciso V do art. 585, é prevista a eficácia executiva dos aces­sórios da locação, en tre os quais o encargo de condomínio. Fica claro, assim, que este título não perm ite a instauração de processo de execução em que seja dem andante o condom ínio de edifício, e dem andado o condôm ino.129 Isso se dá, en tre outras razões, pelo fato de inexistir entre condom ínio e condôm ino qualquer contrato do qual se origine o encargo de pagar a quota condominial.

Nem se diga que tal contrato seria a convenção de condom ínio, um a vez que esta não tem natureza contratual, sendo um ato-regra.130 Não havendo contrato entre condom ínio e condômino, não se tipifica o ato jurídico a que a lei atribuiu eficácia executiva, sendo, pois, inadequado dem andar a execução.

Ademais, o CPC é expresso em afirmar que, nas causas em que o condo­m ínio queira cobrar dos condôm inos quaisquer quantias que lhe sejam devi­

128 No sentido do texto, Pontes de M iranda, Comentários ao Código de Processo Civil, tom o IX, p. 344, apud M endonça Lima, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VI, p. 332.

129 Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, vol. III, p. 32; Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. II, p. 128. É im portante observar que este ú ltim o au tor só passou a defen­der esta posição em razão da entrada em vigor do novo regim e do procedim ento sum ário, que substitu iu o antigo regim e do procedim ento sum aríssim o, e que decorre da Lei n* 9.245/1995. A ntes dessa lei, entendia o em érito processualista m ineiro que o condom ínio poderia dem andar a execução em face do condôm ino, o que se revelava com o posição m inoritária. Defendendo, ainda, a possibilidade de o condom ínio propor “ação de execução” em face do condôm ino com base neste títu lo , confira-se Assis, Manual do processo de execução, p. 147, em posição anterior à Lei nc 11.382/2006.

130 Caio Mário da Silva Pereira, Condomínio e incorporações, p. 130.

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das, deverá ajuizar “ação de conhecim ento” pelo procedim ento sum ário (art. 275, II, b) .131

Assim sendo, o título executivo que aqui se examina, consistente no encargo de condom ínio acessório de contrato de locação, perm itirá ao loca- dor executar seu locatário quando, por contrato de locação, a este tenha sido transferido o encargo de contribuir para as despesas condom iniais ordinárias (já que as extraordinárias não podem ser transferidas ao inquilino). Em outros term os, havendo locação de imóvel em condomínio, e deixando o locatário de pagar as despesas condom iniais ordinárias que estejam a seu encargo, poderá o locador executar tais créditos.

6.2.8 Custas Judiciais

Dispõe o art. 585, inciso VI, do CPC no sentido de conferir eficácia exe­cutiva ao “crédito de serventuário de justiça, de perito, de intérprete, ou de tradutor, quando as custas, em olum entos ou honorários forem aprovados por decisão judicial”.

Trata-se de títu lo executivo que, em bora previsto por norm a vigente, é de escassa utilização prática. Isso porque a descrição abstrata do título, no texto legal, exige que o crédito do auxiliar da justiça tenha sido “aprovado por decisão judicial” . Ocorre que, na im ensa m aioria dos casos, o valor das custas e em olum entos pelos atos praticados pelos auxiliares da justiça está previsto em um regim ento de custas, previam ente elaborado, o que faz com que tais valores independam de aprovação pelo juiz. Assim, porque são acertados por lei, e não em razão de decisão judicial, não se forma o título executivo.

É certo, porém, que, no caso dos auxiliares eventuais da justiça, como peritos, intérpretes ou tradutores, os honorários a eles devidos são, via de regra, hom ologados por decisão judicial. N estes casos, então, formar-se-ia o título executivo aqui previsto. Ocorre que (e o que se vai afirm ar é de conheci­m ento notório de todos aqueles que têm m ilitância forense) tais auxiliares só realizam a atividade para a qual foram convocados depois de depositados seus honorários à disposição do juízo. Tal prática, consistente em se exigir o depó­sito prévio dos honorários, é prevista expressam ente na hipótese de perícia (art. 33, parágrafo único, do CPC), em norm a aplicável por analogia a todos os dem ais auxiliares eventuais da justiça.

Verifica-se, assim, a pouca utilidade prática do títu lo executivo previsto no inciso VI do art. 585.

131 Sobre esta regra, Freitas Câm ara, Dos procedimentos sumário e sumaríssimo, p. 19-22.

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6.2.9 Dívida Ativa da Fazenda Pública

O art. 585, VII, do Código de Processo Civil prevê o título hábil a servir de fundamento para a "execução fiscal”, ou seja, a execução de dívida ativa da Fazen­da Pública. É de se notar, antes de mais nada, que o procedimento da "execução fiscal” não está regulado no CPC, mas em diploma próprio (Lei nQ 6.830/1980). Esta lei, porém, não contém nenhum a disposição a respeito do título executivo que será empregado neste caso, razão pela qual permanece em vigor a disposição codificada acerca do ponto.

Assim é que, nos term os do citado dispositivo do CPC, é título executivo extrajudicial "a certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, Estado, D istrito Federal, Território e Município, correspondente aos créditos inscritos na forma da lei”.

É de se notar, antes de mais nada, que, apesar do texto da lei, o título executivo não é, na hipótese, a certidão da dívida ativa, m as o ato de inscrição daquela dívida. A certidão é, tão som ente, a form a exigida pela lei para o aper­feiçoam ento do títu lo executivo.132

Constitui dívida ativa da Fazenda Pública, nos term os do art. 2Q da Lei nQ 6.830/1980, "aquela definida como tributária ou não tributária na Lei n Q 4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores”. Esta regra é com plem entada pela norm a contida no parágrafo único do m esm o artigo, onde se lê que qualquer valor, cuja cobrança seja atribuída por lei à União, aos Estados, ao D istrito Federal, aos M unicípios e respectivas autarquias, será considerado Dívida Ativa da Fazenda Pública.

Não é este, obviamente, o local adequado para tra tar da "execução fis­cal”, cabendo apenas exam inar o título que to m a adequada sua instauração, razão pela qual lim itam nos a traçar algumas linhas acerca da inscrição da dívi­da ativa da Fazenda Pública.

É de se notar, em prim eiro lugar, que esse títu lo executivo diferencia-se dos dem ais por um a característica exclusiva: trata-se do único títu lo executivo elaborado por ato unilateral do credor.133 Enquanto todos os dem ais títu los exigem, em sua formação, ato a ser praticado pelo devedor (como num che­

132 A doutrina costum a afirmar, predom inantem ente, que o títu lo executivo, neste caso, é a própria certidão (assim, por todos, Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. II, p. 130). Esta afirmação, porém, choca-se com a posição anteriorm ente defendida nesta obra de que o tí­tu lo executivo não é um docum ento (ou m esm o um ato docum entado), mas sim um ato ou fato jurídico a que a lei atribui eficácia executiva. Assim sendo, e por am or à coerência, é que entendo não ser a certidão um título executivo. A m eu juízo, o ato jurídico a que a lei atribui eficácia exe­cutiva é a inscrição do crédito na dívida ativa, a to este que levará à expedição de um a certidão, a qual deverá instru ir a petição inicial da dem anda executiva.

133 Assis, Manual do processo de execução, p. 148-149.

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que, num a nota prom issória ou num a confissão de dívida) ou por terceiro estranho à relação jurídica de direito m aterial (como no caso da sentença civil condenatória, em que atua o Estado-juiz, ou da sentença arbitrai, em que o títu lo é ato do árbitro), a inscrição de um crédito na Dívida Ativa da Fazenda Pública é ato unilateral do credor, não havendo, em sua realização, qualquer interferência de outras pessoas.

A inscrição na Dívida Ativa, que se constitui no ato de controle adm inis­trativo da legalidade, será feita pelo órgão com petente para apurar a liquidez e certeza do crédito, e suspenderá a prescrição, pelo prazo de cento e oitenta dias ou até a distribuição da dem anda executiva fiscal, o que ocorrer prim eiro (art. 2Q, § 3Q, da Lei n2 6.830/1980).

Realizada a inscrição da dívida ativa, será expedida um a certidão dessa inscrição, a qual deverá instruir, obrigatoriam ente, a petição inicial da “ação de execução fiscal”.

6.2.10 Todos os Demais Títulos a que a Lei Atribui Força Executiva

O disposto no inciso VIII do art. 585, em verdade, é ocioso, pois ninguém poria em dúvida a possibilidade de outras norm as criarem outros títulos exe­cutivos extrajudiciais. Permite essa disposição legal, porém (e aqui se encontra, talvez, sua m aior utilidade), que esses outros títulos sejam vistos num a pers­pectiva sistemática, inseridos que são no regime do CPC.

Passo, então, a enum erar alguns títulos executivos extrajudiciais que re­cebem sua eficácia executiva de outras leis, que não o CPC:

a) cédula hipotecária (art. 29 do Decreto-lei n2 70/1966);b) crédito de alienação fiduciária em garantia (art. 5Q do Decreto-lei

n 2 911/1969);c) contrato escrito de honorários advocatícios (art. 24 da Lei n 2

8.906/1994);d) crédito alim entar decorrente do “ajustam ento dos interessados às

exigências” do Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 211 do ECA);

e) com prom isso arbitrai que fixa os honorários do árbitro (art. 11, parágrafo único, da Lei n2 9.307/1996).

Examinados os títulos executivos (ao m enos aqueles que estão referi­dos nos arts. 475-N e 585 do CPC), não se pode deixar de fazer referência ao disposto no art. 586 do m esm o Código, pois ali se contém um a norm a que irá com plem entar o sistem a, perm itindo um a visão mais com pleta do fenômeno

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do interesse de agir in executivis. Com o já se viu, o título executivo é o ato ou fato jurídico a que a lei confere a eficácia de tornar adequada a via executiva como meio de atender à pretensão m anifestada pelo dem andante. Esta ideia se com pleta com a norm a do art. 586, segundo a qual "a execução para cobrança de crédito fundar-se-á sem pre em títu lo de obrigação certa, líquida e exigível” .

A redação original dessa disposição, anterior à Lei n Q 11.382/2006, con­tinha texto bastante criticável, m as já perm itia que se com pletasse o estudo do interesse de agir na execução, estudo esse iniciado quando, na prim eira parte deste § 6Q do livro, falou-se da função do títu lo executivo. Em prim eiro lugar, havia que se criticar a redação da norm a, falha em dois pontos. Primeiro, colocava-se a liquidez antes da certeza, violando-se a mais elem entar lógica. Só pode ser líquida um a obrigação que é certa.134 Devia-se falar, pois, em "certeza, liquidez e exigibilidade”, nesta ordem.

Em segundo lugar, criticava-se a redação da norm a por afirmar que a certeza, a liquidez e a exigibilidade seriam atributos do títu lo executivo. Não se adm ite a existência de títulos certos, líquidos e exigíveis, m as sim de direi­tos certos, líquidos e exigíveis. N este sentido, aliás, o art. 474 do CPC italia­no afirma que (Tesecuzione forzata (c. 2910 s.) non può avere luogo che in virtu di un titolo esecutivo per un diritto certo, liquido ed esigibile”. Verifica-se, aliás, neste dispositivo, não só a afirmação de que os requisitos referem -se ao direito exe­quendo, m as tam bém à observância da ordem lógica em que os m esm os devem se apresentar: certeza, liquidez e exigibilidade.135

Não poderia im pressionar o argum ento segundo o qual os requisitos previstos no art. 586 não se referiam ao crédito por ser o "direito de ação executiva” abstrato, podendo haver "ação de execução” m esm o que não haja direito. A abstração do poder de ação (que existe aqui como em qualquer ou­tra situação, como visto anteriorm ente) não pode levar à falsa ideia de que na "ação executiva” não há a necessidade de o dem andante afirmar a existência de um direito. É a este direito afirmado (e que, talvez, nem m esm o exista de fato) que se referem os requisitos da certeza, liquidez e exigibilidade. Esta afir­

134 N este sentido, afirm ando que a certeza deve preexistir à liquidez, Shimura, Título executivo, p. 139.

135 No sentido do texto, entendendo que certeza, liquidez e exigibilidade são requisitos do direito exequendo, Dinam arco, Execução civil, p. 487; Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, vol. III, p. 220 (falando este au tor que “o títu lo deve necessariam ente expressar certeza, liquidez e exigibilidade da obrigação a que visa executar”). Em sentido contrário, afir­m ando que certeza, liquidez e exigibilidade são requisitos do próprio títu lo executivo, Assis, Manual do processo de execução, p. 124; Shim ura, Título executivo, p. 136; M endonça Lima, Comen­tários ao Código de Processo Civil, vol. VI, p. 363. No D ireito italiano, analisa o art. 474 do Código peninsular, que liga os requisitos “certeza, liquidez e exigibilidade" ao direito, considerando m esm o que tais requisitos concernem ao direito exequendo, en tre outros, Rom ano Vaccarella, Codice di Procedura commentato (a cura di Romano Vaccarella e Giovanni Verde), vol. III, p. 9.

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mação pode parecer contraditória com o prim eiro de tais requisitos, a certeza, pois soa estranho, num prim eiro m om ento, que um direito certo não exista. Esta aparente contradição, porém, desaparece quando se define o que deve ser entendido por certeza do direito exequendo, o que passo a fazer.

Todos esses vícios de redação, porém, desapareceram com a edição da Lei n 2 11.382/2006, que deu ao referido art. 586 a seguinte redação: “A execução para cobrança de crédito fundar-se-á sem pre em título de obrigação certa, lí­quida e exigível.”

É preciso dizer, em prim eiro lugar, que por certeza do direito exequendo não se deve entender a indiscutibilidade de sua existência. A possibilidade de oferecim ento de em bargos à execução, onde se poderá dem onstrar a inexis­tência do direito afirm ado pelo exequente, é prova cabal d isto .136 Em verdade, nenhum títu lo executivo seria capaz de representar um direito de existência incontestável. Mesmo o mais idôneo deles, a sentença civil condenatória, se­ria capaz de gerar certeza quanto à existência do direito no m om ento de sua prolação, sendo impossível a ela estabelecer certeza quanto à existência do direito por ela afirmado no m om ento da instauração do processo executivo. Basta pensar na possibilidade de o devedor, condenado por sentença a pagar certa quantia, efetuar o pagam ento logo após a prolação da decisão. A sen­tença condenatória continuaria, ainda assim, como títu lo executivo, hábil a perm itir a instauração de um a execução, apesar de não mais existir o direito nela acertado.

Por certeza do direito deve-se entender a necessidade de que do título executivo transpareça a definição de seus elem entos. Seria, assim, certo o di­reito se definida a natureza da relação jurídica e de seu objeto.137 Esta definição do que seja a certeza do direito exequendo é a única forma de com preender a necessidade de sua colocação entre os requisitos necessários para que um direito possa ser satisfeito através do processo de execução. A certeza tem por fim delim itar a espécie de execução a ser observada (pois que, no D ireito brasileiro, a espécie de execução varia conforme a natureza da relação jurídica e de seu objeto, falando-se em execução para entrega de coisa, execução de obrigação de fazer, execução de obrigação de não fazer, execução por quantia certa). Assim, ao se verificar se a relação de direito m aterial definida no títu lo executivo é um a obrigação de dar coisa, por exemplo, ter-se-á definido, por conseqüência, que a execução, na hipótese, será para entrega de coisa.

Esse requisito da certeza sofre, em duas hipóteses, um a certa atenua­ção, podendo-se falar em um a relativização da certeza. É o que se dá nas obri­gações de entregar coisa incerta (assim entendidas aquelas que podem ser

136 Dinamarco, Execução civil, p. 489; Vaccarella, Códice di Procedura Civile commentato, vol. III, p. 9.

137 Dinam arco, Execução civil, p. 491.

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Teoria Geral da Execução 2 1 3

determ inadas pelo gênero e quantidade - art. 629 do CPC) e nas obrigações alternativas. N estes casos não há, no títu lo executivo, a exata determ inação do objeto da prestação. Fala-se, porém , em relativização da certeza por haver, no títu lo executivo, elem entos capazes de evitar um a to tal indeterm inação do objeto. Assim , por exemplo, nas obrigações de entregar coisa incerta, pelo m enos o gênero e quantidade da coisa a ser entregue deverá constar do tí­tulo. Nas obrigações alternativas a indeterm inação é ainda menor, um a vez que todos os m eios pelos quais a obrigação pode ser cum prida encontram - -se previstos no títu lo .138 N esses casos, deverá haver um incidente inicial no processo executivo, dirigido à concentração da obrigação, ou seja, à com pleta determ inação do objeto da prestação, alcançando-se dessa form a a certeza exigida para que se possa proceder à execução. Assim , por exemplo, no caso de execução para entrega de coisa incerta, deverá haver, ao início do proces­so, a escolha da coisa a ser entregue, na form a prevista no art. 629 do CPC.

O segundo requisito do direito exequendo é a sua liquidez. Esta deve ser entendida como a determ inabilidade do quantum debeatur, 139 ou seja, é preciso que o título executivo contenha todos os elem entos necessários para que se possa conhecer a quantidade devida ao titu lar do direito.

Verifica-se, assim, que o requisito de que aqui se trata, a liquidez, vem com plem entar o requisito anterior, da certeza. Assim, por exemplo, um título que afirme a existência de um a dívida consistente em pagar dinheiro represen­ta um direito certo, por afirm ar o quid debeatur (ou seja, por afirmar "o que se deve”). Será líquido o direito, porém, apenas se o título disser a quantidade de dinheiro devida (quantum debeatur).

É de se notar que a liquidez só é requisito do direito quando a obrigação é de entregar coisa fungível.140 Isso porque, nas demais obrigações, o requisito da certeza já é capaz de perm itir o conhecim ento com pleto da prestação devi­da. A liquidez, que se relaciona com a ideia de quantum debeatur, só pode estar ligada a obrigações de entregar coisas que possam ser quantificadas, e estas são as coisas fungíveis.

Observe-se que não é preciso que o títu lo executivo afirme com preci­são o quantum debeatur para que o direito seja líquido. Basta, como afirmado anteriorm ente, que essa quantidade seja determinável. Assim , por exemplo, se o títu lo executivo apresenta um a série de parcelas, fazendo-se necessária a realização de um a operação aritm ética para se te r a determ inação do total da

138 Sobre o tem a, D inam arco, Execução civil, p. 491-493.

139 Ainda um a vez, Dinam arco, Execução civil, p. 494. No m esm o sentido, Theodoro Júnior, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. IV, p. 181.

140 N este sentido, Dinam arco, Execução Civil, p. 493; Shimura, Título executivo, p. 138; M andrio- li, Corso di diritto processuale civile, vol. III, p. 37.

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dívida (por exemplo: principal da dívida, juros, atualização m onetária, m ulta m oratória etc.), ainda assim estará presente o requisito da liquidez.141

Não se pode deixar de lem brar que em alguns casos o título judicial não representa um direito líquido (como se dá, por exemplo, no caso das “sen­tenças condenatórias genéricas”, ou no caso da sentença penal condenatória). N esses casos, em verdade, não se tem títu lo executivo, fazendo-se necessária a realização de um processo de liquidação da obrigação (chamado de “processo de liquidação de sentença”, de que se falará mais adiante). N esses casos, em verdade, não se tem títu lo executivo, m as tão som ente título capaz de tom ar adequada a realização do “processo de liquidação de sentença”, após o que se poderá, aí sim, instaurar o processo executivo.

Todo títu lo executivo, como se verifica do que foi dito no texto, deverá representar direito certo e líquido. A impossibilidade de se aferir qualquer des­tes requisitos pela análise do título faz com que a este falte eficácia executiva. Assim, por exemplo, um a “confissão de dívida” em que alguém reconheça de­ver dinheiro a outrem , sem que se estabeleça a quantidade devida, não é títu lo executivo, por faltar o requisito liquidez.

A exigibilidade, porém , não guarda nenhum a relação com a teoria do título executivo. Basta dizer que um a nota prom issória (que, por sua própria natureza, representa um direito certo e líquido) é títu lo executivo ainda antes do vencim ento da obrigação.

Diz-se exigível um a obrigação quando seu cum prim ento não está su ­jeito a term o, condição ou qualquer outra lim itação.142 Consiste esse requi­sito, assim , em dem onstrar que é chegado o m om ento de atuar-se a vontade concreta do direito objetivo, através da satisfação do direito do credor. Sendo exigível a obrigação, e não tendo o devedor cum prido a prestação devida, tem o credor a necessidade da tu te la jurisdicional, m eio hábil a perm itir que se cum pra aquela vontade da norm a.

Pelo que acaba de ser afirmado, verifica-se a razão pela qual disse ante­riorm ente que a exigibilidade nada tem a ver com a teoria do título executivo. É que este tem a função de tom ar adequada a via executiva como form a de atendim ento da pretensão do dem andante. Liga-se, pois, ao assim chamado “interesse-adequação”. Já a exigibilidade integra o outro elem ento constitutivo do interesse de agir in executivis, qual seja, o “interesse-necessidade”. Como visto em passagem anterior desta obra, dedicada ao estudo das “condições da ação”, o interesse de agir é formado pelos elem entos “necessidade da tu tela jurisdicional” e “adequação do provim ento pleiteado e do meio eleito para sua

141 Não foi por ou tro motivo, aliás, que desapareceu do sistem a processual brasileiro, com a “reform a do CPC”, a esdrúxula “liquidação de sentença por cálculo do contador”, em que se fazia a liquidação de um a obrigação que já era líquida.

142 C arnelutti, Derecho y proceso, p. 361; Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. II, p. 33.

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Teoria Geral da Execução 2 1 5

obtenção”. A exigibilidade, pois, é ligada à ideia de "necessidade da tu te la ju ­risdicional executiva”, enquanto o título executivo liga-se à de "adequação do provim ento executivo e do processo de execução”.

É preciso, assim, para que haja interesse de agir in executivis, que o direi­to seja exigível ("interesse-necessidade”) e que o título executivo represente direito certo e líquido ("interesse-adequação”).

§ 7fi RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL

Tema regulado no CPC a partir do art. 591, a responsabilidade patrim o­nial é extrem am ente relevante para a com preensão do fenômeno executivo. Conceitua-se a responsabilidade patrim onial como "situação m eram ente po­tencial, caracterizada pela sujeitabilidade do patrim ônio de alguém às medidas executivas destinadas à atuação da vontade concreta do direito m aterial”.143

É de se notar que a responsabilidade patrim onial consiste na "sujeita­bilidade”, ou seja, na possibilidade de sujeição de um patrim ônio às medidas executivas que se dirigem a fazer cum prir a vontade concreta do direito subs­tancial. Não se deve considerar, como fazem alguns autores, que a responsa­bilidade se confunde com a efetiva sujeição patrim onial. Há responsabilidade porque há a possibilidade de que tal sujeição ocorra.144

É fundam ental, antes de mais nada, estabelecer-se a distinção entre dí­vida e responsabilidade. A exata com preensão desta distinção é fundam ental para que alguns fenôm enos jurídicos possam ser bem entendidos.

N um a relação obrigacional, de direito material, existem um crédito, ou seja, um direito subjetivo a um a prestação, e um a dívida, ou seja, o dever jurí­dico de realizar a prestação. Assim, por exemplo, se Fulano em presta dinhei­ro a Beltrano (contrato de m útuo), tem aquele o direito de receber de volta a quantia em prestada (crédito), enquanto este últim o tem o dever de pagar àquele o valor em prestado (dívida). Verifica-se, assim, que a dívida (ou seja, o dever jurídico de realizar a prestação que constitui o objeto da relação obriga­cional) é elem ento pertencente ao direito substancial.

Existe, ao lado daquele dever de direito material, um a possibilidade de sujeição do patrim ônio do devedor para assegurar a satisfação do direito do credor. Trata-se da responsabilidade, que se revela como um a relação de direito processual.145

143 Dinam arco, Execução civil, p. 244.

144 Em sentido contrário, confundindo a responsabilidade com a efetiva sujeição, Carnelutti, Derecho y proceso, p. 363.

145 Divergem civilistas e processualistas acerca deste ponto. A queles costum am considerar a responsabilidade com o elem ento pertencente ao direito m aterial, enquanto os segundos prefe­

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Separados os conceitos de dívida e responsabilidade, pode-se entender a existência de dívida sem responsabilidade (como no caso da obrigação de pagar dívida de jogo)146 ou de responsabilidade sem dívida (como no caso do fiador, que é responsável, pois que seu patrim ônio pode ser atingido pela ativi­dade executiva, em bora não seja ele o devedor da obrigação).

A responsabilidade patrimonial opera, como dito, no campo processual, e não no substancial. Isso se dá porque a responsabilidade patrimonial não corres­ponde a um a relação entre credor e devedor, mas entre o Estado e o responsável, podendo aquele invadir o patrim ônio deste, para o fim de sujeitar bens que o in­tegram, para permitir, assim, a atuação da vontade concreta do direito objetivo.

A regra geral da responsabilidade patrim onial encontra-se estabelecida no art. 591 do CPC, em dispositivo de redação tortuosa, segundo o qual "o devedor responde, para o cum prim ento de suas obrigações, com todos os seus bens pre­sentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei”.

É defeituosa a redação da lei, pois que fala em "presentes e futuros” sem estabelecer um referencial no tempo. Assim, cabe ao intérprete descobrir a que bens se refere a norm a. Bens presentes em que m om ento? Bens futuros em relação a que m om ento?

Não há consenso na interpretação dessa norm a. Alguns afirmam que a responsabilidade incide (salvo as restrições legais) sobre os bens presentes e futuros em relação ao m om ento em que foi contraída a obrigação.147 O utros há que asseveram incidir a responsabilidade sobre os bens que o executado tenha em seu patrim ônio, quando da instauração do processo executivo, e sobre os que ele venha a adquirir no curso do processo.148

Parece preferível, porém, considerar que a responsabilidade patrim onial incide sobre os bens que integram o patrim ônio do executado no m om ento da instauração do m ódulo processual executivo, e sobre aqueles que venha a adquirir no curso desse m ódulo processual, incidindo tam bém sobre os bens

rem considerar que tal in stitu to pertence ao direito processual. Defendendo a corrente civilista, en tre outros, Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de direito civil, vol. II, p. 21; W ashington de Barros M onteiro, Curso de direito civil: direito das obrigações, vol. I. p. 30. De ou tro lado, defendem a corrente processualista, en tre outros, Dinam arco, Execução civil, p. 249-250; Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. II, p. 105; Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, vol. III, p. 38; C arnelutti, Derechoy proceso, p. 363; Liebman, Processo de execução, p. 67. É de se referir, po­rém , a posição de um ilustre processualista que defende a corrente civilista: Frederico M arques, Manual de direito processual civil, vol. IV, p. 42.

146 A obrigação de pagar dívida de jogo é, no campo do direito substancial, um a obrigação como ou tra qualquer. A diferença se dá no plano processual, um a vez que nesta hipótese não existe responsabilidade, sendo impossível a sujeição do patrim ônio do devedor para a satisfação do di­reito do credor. M odernam ente, pois, deve-se considerar que, nos casos de cobrança de dívida de jogo, tem -se im possibilidade jurídica da dem anda, não se chegando a exam inar o m érito da causa.

147 Theodoro Júnior, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. IV, p. 199.

148 Assim Castro, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VIII, p. 68.

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passados (assim entendidos os que já se tenham retirado do patrim ônio do executado quando da instauração da execução) sobre os quais incida um a “ga­rantia real” (como a hipoteca ou o penhor) e sobre aqueles que, tendo sido alienados do patrim ônio do devedor, possam retornar à esfera dos bens que possam ser sujeitos à constrição judicial (no caso de ter sido a alienação em fraude contra credores ou em fraude de execução).149

Assim sendo, verifica-se que a regra geral é a da responsabilidade inci­dindo (salvo, repita-se ainda um a vez, as restrições legais) sobre os bens que integram o patrim ônio do executado no m om ento da instauração da execução (bens presentes) e os que venham a ser adquiridos no curso do processo (bens fu tu ros). Q uanto aos bens passados, ou seja, aqueles que integravam o patri­m ônio do executado, m as dali foram retirados antes de iniciado o processo executivo, ficam eles, em linha de princípio, excluídos da responsabilidade. Excetuam-se, aqui, os bens sobre os quais já se havia praticado algum ato de asseguração de penhora, como a hipoteca,150 e os bens alienados fraudulenta­m ente (fraude contra credores, fraude de execução). Estes bens, em bora pas­sados, não mais integrando o patrim ônio do executado, podem ser objeto de constrição através da atividade executiva.

O sistem a estabelecido pelo art. 591 do CPC encontra com plem ento no art. 592, segundo o qual “ficam sujeitos à execução os bens:

I - do sucessor a títu lo singular, tratando-se de execução de sentençaproferida em ação fundada em direito real ou obrigação reiperse- cutória;

II - do sócio, nos term os da lei;III - do devedor, quando em poder de terceiros;IV - do cônjuge, nos casos em que os seus bens próprios, reservados

ou de sua meação respondem pela dívida;151V - alienados ou gravados com ônus real em fraude de execução”.

149 No sentido do texto, Dinam arco, Execução civil, p. 244-248; A ndreas Von Tlihr, Tratado de las obligaciones, tom o I, trad. esp. de W. Roces, p. 11.

150 A m eu ju ízo, a h ipoteca (e os dem ais “d ireitos reais de garantia”) não é in s titu to de D ireito Civil, m as de D ireito Processual. Trata-se, em verdade, de in s titu to destinado a as­segurar que, em caso de inadim plem ento , a fu tu ra penhora incida sobre determ inado bem . A h ipoteca nada m ais é, pois, do que um ad ian tam en to da fu tu ra penhora. N este sentido, en tre ou tros, D inam arco, Execução CIVIL, p. 251; C arnelu tti, Naturaleza juridica de la hipoteca, passim .

151 É de se n o ta r que o inc iso IV do a rt. 592 do CPC fala em “b en s re se rv ad o s”, os quais não se ad m item m ais, d ia n te do a tu a l s is tem a co n s titu c io n a l. A ssim sendo , deve-se re ­p u ta r n ão esc rita a referênc ia co n tid a na lei a es te tip o de bem , in te rp re ta n d o -se a no rm a com o se d issesse “bens p ró p rio s ou de su a m eação” . N o sen tid o do tex to , a firm ando que os b en s reserv ad o s são incom patíveis com a a tua l s is tem ática co n stitu c io n a l, Pedro Sam ­paio , Alterações constitucionais nos direitos de fam ília e sucessões, p. 26.

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Im portante, neste passo, é tratar do tem a referido no inciso V do art. 592 e de outros institu tos análogos. Isso porque é possível ocorrer que o devedor (ou outro responsável) ten te subtrair um bem da responsabilidade patrim o­nial, praticando ato de alienação ou oneração fraudulenta. Nessas situações, apesar da retirada do bem de seu patrim ônio, não se pode adm itir o afastam en­to do bem alienado ou onerado de form a fraudulenta do espectro de incidência da responsabilidade patrim onial. É preciso, assim, conhecer as três espécies de alienação (ou oneração) fraudulenta reconhecidas por nosso Direito: a fraude contra credores, a fraude de execução e a alienação de bem penhorado. São institu tos ligados à responsabilidade patrim onial e, por via de conseqüência, seu estudo cabe ao D ireito Processual, e não ao direito substancial.

7.1 Fraude contra Credores

Há, como dito, três diferentes m odalidades de alienação (ou oneração) fraudulenta de bens. A prim eira delas é a fraude contra credores, tam bém cha­m ada fraude pauliana. Em seguida, vêm a fraude de execução e a alienação de bem penhorado. Há, entre as três espécies, um a gradação, sendo a prim eira a m enos grave, e a últim a a mais grave das alienações fraudulentas. Conseqüên­cia disso é o tratam ento diferenciado, inclusive na determ inação dos requisitos e das conseqüências de cada um a das modalidades.

Inicia-se, aqui, o estudo das m odalidades de fraude pela fraude contra credores, institu to que vem regulado no Código Civil, m as que - por ser con­cernente à responsabilidade patrim onial - integra, em verdade, o D ireito Pro­cessual Civil.

A fraude contra credores consiste, basicamente, na diminuição patrim o­nial do devedor até o ponto de reduzi-lo à insolvência. Tal diminuição patri­monial deve ter como conseqüência, para que fique configurada a fraude, um a situação econômica de insolvência, ou seja, é preciso que o devedor não mais tenha em seu patrim ônio bens suficientes para garantir o cum prim ento da obrigação. Em outros term os, é preciso - para que se configure a fraude contra credores - que o passivo do devedor tenha se tom ado m aior do que o ativo.

Este prim eiro requisito, consistente na diminuição patrim onial até a re­dução à insolvência, costum a ser designado por "dano” (ou eventus damní) .

É preciso, ainda, verificar-se um elem ento subjetivo, volitivo, para que se considere um ato como tendo sido praticado em fraude contra credores. É a "fraude” (ou consilium fraudis) , consistente na intenção do devedor de causar o "dano”. Em outros term os, é preciso, para que se considere um ato como fraude pauliana, que o devedor o tenha praticado com a intenção de provocar a redução patrim onial até o estado de insolvente.

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Q uanto a este requisito subjetivo, porém, é preciso estabelecer algumas distinções. Assim é que, sendo o ato fraudulento praticado a título gratuito (por exemplo, um a doação), não se deve cogitar da verificação do in tu ito frau­dulento, que se presum e de form a absoluta.152 Já nos atos onerosos, é preciso que o devedor tenha, ao menos, o potencial conhecim ento de que seu ato o tornará insolvente (pouco im portando, aqui, que o devedor aja com animus no- cendi, ou seja, com a intenção deliberada de fraudar)153 e - além disso - exige-se do terceiro adquirente que este tenha conhecim ento (efetivo ou presum ido) da condição de insolvência a que se reduzirá o devedor com aquela alienação.154

O ato praticado em fraude contra credores é válido, porém inoponível ao credor.155 É preciso aprofundar um pouco mais a análise desta questão, prin­cipalm ente porque ela está em conflito com o que diz a doutrina tradicional do Direito Privado, e implica discordância do próprio texto do Código Civil de 2002 (que, em seus arts. 158, 159, 165 e 171, II, fala em anulabilidade do ato praticado em fraude contra credores).

Há que se dizer, em primeiro lugar, que a doutrina tradicional, principal­m ente a do Direito Civil, afirma ser anulável o ato praticado em fraude contra credores.156 Os defensores desta posição, porém, encontram dificuldade em ex­plicar satisfatoriam ente o fenômeno. Basta pensar no seguinte: nos casos em que se está diante de ato anulável, a conseqüência da anulação é a retirada do ato do “m undo jurídico”, retom ando-se ao statu quo ante. Significa isso dizer que, um a vez anulado um ato jurídico, devem as partes retom ar ao estado em que se encontravam antes de o mesmo ter sido praticado.157

Significa isso dizer que, no caso da anulação de um ato praticado em fraude contra credores, deveria o bem alienado fraudulentam ente retom ar ao patrim ônio do devedor que o alienara. Tal, porém, não ocorre. Basta ver a afir­mação de um notável civilista pátrio, defensor da posição tradicional, segun­do a qual o ato praticado em fraude contra credores seria anulável, m as que, ao analisar os efeitos da sentença proferida na “ação pauliana” (ou seja, na dem anda destinada a atacar o ato praticado em fraude contra credores), afir­

152 N este sentido, Yussef Said Cahali, Fraudes contra credores, p. 192-193.

153 H um berto Theodoro Júnior, Fraude contra credores: a natureza da sentença pauliana, p. 139.

154 Cahali, Fraudes contra credores, p. 190.

155 N este sentido, Dinam arco, Execução civil, p. 252-270.

156 Assim se pronuncia a im ensa m aioria da doutrina civilista. Entre outros, confira-se Caio M ário da Silva Pereira, Instituições de direito civil, vol. I, p. 374; Wald, Curso de direito civil: intro­dução e parte geral, p. 177; Silvio Rodrigues, Direito civil, p. 253; J. M. de Carvalho Santos, Código Civil brasileiro interpretado, vol. II, p. 412. A lguns processualistas defendem tam bém esta posição, com o se vê, por exemplo, em Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, vol. III, p. 41.

157 Sobre ser esta a conseqüência da anulação dos atos jurídicos, consulte-se Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de direito civil, vol. I, p. 443-444.

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m a que "a revogação a que conduz a ação pauliana, como se vê, é puram ente relativa, no sentido de que não se verifica senão em proveito dos credores do devedor e nunca em proveito do próprio devedor. Entre este e os terceiros que decaíram na ação pauliana o contrato permanece válido, subsistindo inteira­m ente. Exemplo: no caso de um a doação fraudulenta, quando os credores fize­ram anular essa doação e foram pagos com o produto dos bens que voltaram ao patrim ônio do devedor (o doador), como conseqüência da anulação pleiteada, se o preço apurado é superior ao valor total dos créditos, o excedente será res- tituído ao donatário”.158

Parece estranho que um ato anulado perm aneça válido entre as pessoas que o praticaram, como afirma textualm ente o trecho citado acima. Da m esm a forma, é no m ínim o estranho que, um a vez expropriado o bem que havia sido alienado em fraude contra credores (depois de ter sido anulada a alienação), e havendo saldo em razão de ter sido obtida quantia em dinheiro superior ao va­lor do crédito exequendo, pertencer tal saldo ao adquirente, se o bem não mais integrava o seu patrim ônio (e sim o do alienante) quando foi expropriado.

Tais dificuldades para explicar as conseqüências da fraude pauliana de­saparecem, porém , caso se abandone a posição clássica e se afirme que o ato praticado em fraude contra credores é válido, mas ineficaz.159

Como se sabe (e foi, anteriorm ente, exposto neste livro, quando do estu­do dos atos processuais), os atos jurídicos em geral devem ser analisados em três planos distintos: existência, validade e eficácia. Enquanto a teoria tradicio­nal vê no ato praticado em fraude contra credores um vício que se opera no pla­no da validade (considerar o ato anulável é tê-lo como inválido), a posição que aqui defendo é a que enxerga ali um vício que se opera no plano da eficácia.

Chega-se a esta conclusão sem m uita dificuldade. Em primeiro lugar, é bom lem brar que, apesar do lugar onde situado o tem a no Código Civil, a fraude contra credores não é um vício do consentim ento.160 Ademais, tem -se de recordar a opinião, pacífica entre os estudiosos do tem a, segundo a qual a invalidade refere-se, sempre, a um defeito intrínseco do ato jurídico.161 Em outros term os, deve-se considerar inválido (nulo ou anulável) o ato jurídico apenas quando a ele faltar algum dos seus requisitos internos, formativos.

158 Carvalho Santos, Código Civil brasileiro interpretado, vol. II, p. 451.

159 Esta é a posição defendida por ilu stres processualistas, com o D inam arco, Execução Ci­vil, p. 256; T heodoro Júnior, Fraude contra credores: a natureza da sentença pauliana, p. 184-186. Defendem -na, tam bém , alguns civilistas, com o Cahali, Fraudes contra credores, p. 320; Francisco Pereira de Bulhões Carvalho, Ineficácia do ato jurídico e a reforma do Código Civil, p. 58.

160 N este sentido pronuncia-se a unanim idade da doutrina brasileira, com o se vê, por exemplo, em Silvio Rodrigues, Dos vícios do consentimento, p. 6, onde se lê: “N ada mais d istan te do vício do consentim ento do que a fraude contra credores.”

161 Assim , por todos, Carlos A lberto da M ota Pinto, Teoria geral do direito civil, p. 605.

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Tal não é o que se dá na fraude contra credores, em que o vício do ato é extrínseco, exterior.162 Sendo assim, há de se aplicar a lição, com um entre os civilistas, segundo a qual os vícios extrínsecos são causa de ineficácia do ato jurídico, e não de sua invalidade.163

É preciso, ainda, recordar que a afirmação de existência de vício no ato jurídico, como form a de proteger a esfera patrim onial de terceiro estranho a ele, resulta sem pre na ineficácia do ato jurídico.

A doutrina, no trato da ineficácia em sentido estrito (assim entendida a ineficácia do ato válido), costum a distinguir a ineficácia absoluta da ineficácia relativa. Ocorre aquela prim eira quando o ato, em bora válido, é incapaz de produzir qualquer efeito, dependendo sua eficácia de algum fator extrínseco. É o que se tem, por exemplo, nos atos jurídicos sujeitos à condição suspensiva, em que os efeitos do ato só se produzirão quando (e se) a condição ocorrer. O m esm o se dá no caso do testam ento, enquanto vivo o testador. A eficácia do ato está sujeita a um fator a ele externo, qual seja, a m orte daquele que prati­cou o ato.

Diverso, porém, é o que se dá na cham ada ineficácia relativa (também conhecida como inoponibilidade). Esta situação se dá quando o ato, em bora válido e, em princípio, apto a produzir seus efeitos normais, é ineficaz em relação a um a certa pessoa, estranha ao ato. Diz-se, assim, que o ato não é oponível ao terceiro. É o que se tem , por exemplo, no art. 52 da Lei de Falên­cias (Decreto-lei nQ 7.661/1945, correspondente ao art. 129 da nova Lei de Falências, Lei n° 11.101/2005, que revoga a anterior), em que são enum erados diversos atos que, nos próprios term os do dispositivo citado, “não produzem efeitos relativam ente à m assa”.164

É esta últim a situação, precisam ente, o que se tem na fraude contra cre­dores. O ato praticado em fraude pauliana é válido e produz efeitos en tre seus sujeitos. Protege-se, porém, a esfera patrim onial do terceiro, credor do alie- nante, com a afirmação de que tal ato é inoponível a ele.

Todo ato jurídico, como se sabe, é destinado a produzir efeitos. Há que se distinguir, porém , entre os efeitos program ados e os efeitos secundários do ato. Explique-se melhor: quando um ato jurídico é praticado, pretendem as partes que o praticam alcançar determ inados efeitos, que são por isso cham a­dos de efeitos programados. Há outros efeitos, porém , que o ato jurídico irá produzir, ainda que não tenham sido queridos (e m esm o que sua produção não

162 Dinam arco, Execução civil, p. 256.

163 Bulhões Carvalho, Ineficácia do ato jurídico e a reforma do Código Civil, p. 6; M ota Pinto, Teoria geral do direito civil, p. 605.

164 Sobre a interpretação do referido dispositivo da Lei de Falências, com a afirmação de que se tra ta de h ipótese de ineficácia relativa (ou inoponibilidade), J. C. Sampaio de Lacerda, Manual de direito falimentar, p. 132-133.

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tenha sido nem m esm o ventilada) pelas pessoas que o praticam. Estes são os efeitos secundários do ato jurídico.

Essa distinção é tradicionalm ente feita para explicar os efeitos da sen ten­ça judicial, m as aplica-se aos atos jurídicos em geral. Assim é que, como visto em passagem anterior desta obra, a sentença condenatória produz um efeito program ado (que é o efeito executivo, ou seja, o efeito de tom ar adequada a via executiva como meio de atendim ento da pretensão à satisfação do direito), e produz, ainda, um efeito secundário, consistente na hipoteca judiciária (pre­vista no art. 466 do CPC).

Assim tam bém se dá com os atos de alienação de bens, para figurar um exemplo que se liga à teoria da fraude contra credores. Ao realizar-se um a com­pra e venda de um determ inado bem, por exemplo, as partes têm em mira um certo efeito, que consiste na transm issão de um bem do patrim ônio do vendedor para o do comprador. Este é o efeito programado do ato. Além deste, porém, outro efeito se produz quando um bem é vendido: esse bem é excluído do campo de incidência da responsabilidade patrimonial, pois que, deixando de pertencer ao devedor, não mais poderá ser utilizado por seus credores como meio de assegurar a satisfação de seus créditos. Isto porque, como visto ante­riorm ente, a responsabilidade patrim onial alcança os bens que integram o pa­trim ônio do devedor no m om ento em que se inicia a execução e os adquiridos no curso do processo, não atingindo bens passados (assim entendidos os que tenham saído do patrim ônio do devedor antes do início do processo executivo).

Há casos, porém , em que - como form a de se proteger a esfera patri­monial de terceiros - exclui-se a aptidão do ato jurídico para produzir o efeito secundário (embora o ato continue apto a produzir seu efeito program ado). Assim, por exemplo, na alienação de bem em fraude contra credores, o efeito program ado se produz, e o bem alienado passa a pertencer ao adquirente. Não se produz, porém, o efeito secundário, o que significa dizer que aquele bem, em bora tenha saído do patrim ônio do devedor, permanece incluído no campo de incidência da responsabilidade patrim onial, isto é, em bora não mais per­tença ao devedor, será possível sua apreensão (no patrim ônio do terceiro que o adquiriu), para que com ele se assegure a realização do direito de crédito do terceiro prejudicado pela alienação.

Com isso se consegue explicar como é que, reconhecida por sentença a fraude contra credores, o ato praticado fraudulentam ente perm anece válido entre seus sujeitos. Entende-se, tam bém , como é que, um a vez expropriado o bem, e obtida um a quantia em dinheiro superior ao crédito exequendo, o saldo restante deva reverter para o adquirente do bem, e não para o devedor que o alienara fraudulentam ente. Tudo isso ocorre porque a sentença pauliana não anula o ato, m as tão som ente retira sua eficácia em relação ao credor. O bem, portanto, perm anece no patrim ônio do terceiro que o adquiriu, eis que o efeito program ado do ato se produz norm alm ente.

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A fraude contra credores, pois, não é causa de anulabilidade, m as sim de inoponibilidade do ato jurídico. O ato é válido, m as ineficaz em relação ao credor.165

O utro aspecto a ser considerado, quando da análise da fraude contra cre­dores, é o da natureza da sentença a ser proferida na “ação pauliana”. Discute-se, em doutrina, se tal sentença seria m eram ente declaratória ou constitutiva.166 Há que se ter claro, desde logo, que a natureza da sentença pauliana será fixada em razão das características do ato impugnado através da “ação pauliana”. Sabe-se que tal ato (e aqui, obviamente, consideram-se apenas as sentenças de proce­dência do pedido, em que se reconhece que o ato foi mesmo praticado fraudu­lentam ente) é relativam ente ineficaz, ou seja, que ele é inoponível ao credor. Resta saber se esta ineficácia é originária ou sucessiva. Em outras palavras, o que se busca aqui é saber o seguinte: praticado o ato em fraude contra credores, é ele ab origine incapaz de produzir efeitos (ineficácia originária), ou será o ato capaz de produzir efeitos até que seja proferida a sentença pauliana (ineficácia sucessiva)? Sendo correta a prim eira resposta, a sentença pauliana será m era­m ente declaratória; correta a segunda, será constitutiva.

Assim sendo, é preciso verificar a partir de que m om ento a ineficácia do ato praticado em fraude pauliana se produz. Será ela originária se for possível, desde o m om ento em que o ato é praticado, fazer incidir sobre o bem aliena­do a atividade executiva. Será, por outro lado, sucessiva se os atos executivos só puderem incidir sobre os bens alienados em fraude contra credores após a prolação da sentença pauliana.

A pergunta a ser respondida, assim, é a seguinte: pode ser penhorado um bem que tenha sido alienado em fraude pauliana independentem ente da propositura da “ação pauliana”? A nosso juízo a resposta é negativa. O bem alienado em fraude contra credores sai do patrim ônio do devedor e, por con­seguinte, fica fora do campo de incidência do art. 591 do CPC. Isso porque, ao

165 É preciso dizer que a jurisprudência dos tribunais brasileiros tem acolhido este entendi­m ento, que tem im portantes conseqüências (bastando dizer que, não sendo anulado o ato de alienação praticado em fraude pauliana, não será possível cancelar-se o registro da escritura de com pra e venda, perm anecendo o bem - até que haja um a eventual expropriação forçada do m esm o - em nom e do terceiro adquirente). N este sentido, m erece referência o acórdão proferi­do pelo Tribunal de Justiça de São Paulo na apelação cível n° 141.606-1, da I a Câm ara Civil, v.u., rei. Des. Euclides de Oliveira, j. 16/8 /1991, LEX-RJTJESP 133-107.

166 D efendendo a natureza m eram ente declaratória, en tre outros, Theodoro Júnior, Fraude con­tra credores: a natureza da sentença pauliana, p. 201. Pela natureza constitutiva, Dinam arco, Execução civil, p. 269.N ote-se que cito, aqui, apenas au to res que defendem a tese su sten tada no tex to , segundo a qual a fraude pauliana é causa de ineficácia e não de anulabilidade do ato jurídico. A queles que consideram tra tar-se de h ipó tese de anulabilidade, logicam ente, te rão de afirm ar a n a tu ­reza constitu tiva da sen tença (assim , p o r exem plo, O rosim bo N onato , Fraude contra credores (da ação pauliana), p. 37).

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se iniciar o processo executivo, será ele um "bem passado”, sendo certo que a responsabilidade patrim onial só alcança os bens presentes e futuros. O art. 592, por outro lado, só perm ite que a atividade executiva incida sobre os bens "alienados ou gravados com ônus real em fraude de execução”.

Parece, assim, que os bens alienados ou onerados em fraude pauliana não respondem , em princípio, pela execução, por estarem fora do campo de incidência da responsabilidade patrim onial. A sentença pauliana produzirá, então, o efeito de restaurar a incidência, sobre o mesmo, da responsabilidade patrim onial, perm itindo a incidência, sobre ele, da atividade executiva. Tal res­tauração faz surgir, assim, um a situação nova, o que revela a natureza constitu­tiva de tal sentença. A decisão, portanto, não se lim ita a reconhecer a ineficácia do ato, m as em verdade tal sentença retira sua eficácia em relação ao credor.167

7.2 Fraude de Execução

Institu to peculiar ao Direito brasileiro, não encontrando sim ilar no Di­reito Comparado, a fraude de execução é um a segunda modalidade de fraude na alienação ou oneração de bens. Tendo requisitos e características que a dis­tinguem da fraude contra credores, ainda assim costum a ser apontada pela doutrina como um a "especialização” da fraude pauliana.168 Essa comparação, porém, que estabelece a ideia de que a fraude de execução é um a "fraude con­tra credores qualificada”, à qual se comina, inclusive, um a sanção de maior gravidade, só é adequada quando se tem em m ira a hipótese de fraude prevista no art. 593, II, do CPC. A situação referida no art. 593, I, nenhum a relação guarda com a fraude pauliana, um a vez que não se refere a um a execução por quantia, mas sim à execução para entrega de coisa.

167 A conclusão a que se chega no texto, quanto à natureza constitu tiva da sentença pauliana, terá am pla repercussão na possibilidade de alegação da fraude contra credores como defesa nos em bargos de terceiro. Figure-se, aqui, o seguinte exemplo: alienado um bem em fraude contra credores e sem que tivesse sido ajuizada a “ação pauliana”, penhorou-se o bem adquirido pelo terceiro. Este, então, oferece em bargos de terceiro, pleiteando a desconstituição da penhora, por te r incidido sobre bem que integra o patrim ônio de quem não é parte na execução. O credor, em bargado, defende-se, alegando que o bem fora alienado em fraude pauliana e, por isso, es­taria sujeito à atividade executiva. Aqueles que consideram m eram ente declaratória a sentença pauliana, por en tenderem que o ato fraudulento é ineficaz ab origine, certam ente hão de adm itir que se reconheça a eficácia da penhora assim realizada. Para aqueles que, com o eu, consideram a hipótese como de ineficácia sucessiva, dependendo - para deixar de produzir efeitos - da sen­tença na “ação pauliana”, an tes da prolação de tal sentença não se poderia perm itir a incidência de atividade executiva sobre o bem alienado fraudulentam ente. N ão se pode, assim , reconhecer a fraude contra credores alegada em defesa nos em bargos de terceiro, devendo ser desconstituí- da a penhora feita sobre o bem alienado em fraude pauliana se não foi proferida a sentença que tenha retirado sua eficácia. Sobre o ponto (embora, equivocadam ente, faça referência à anulabi- lidade), consulte-se o verbete n° 195 da Súm ula do STJ.

168 Cahali, Fraudes contra credores, p. 67-68.

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Ocorre fraude de execução nas hipóteses previstas no art. 593 do CPC. Há, entre todas essas situações, elem entos com uns. O mais im portante destes, sem dúvida, é a dispensa do consilium fraudis, ou seja, a dispensa do requisito subjetivo, consistente no concerto entre os sujeitos que praticam o ato, como elem ento essencial para caracterização da fraude.169 Além disso, não parece haver divergência doutrinária acerca da conseqüência da fraude de execução: o ato assim praticado é válido, porém ineficaz. Trata-se de mais um a hipótese de inoponibilidade, um a vez que o ato praticado em fraude de execução, em bora apto a produzir seu efeito programado, é inoponível ao credor.

A prim eira h ipótese a ser considerada (art. 5 9 3 ,1, do CPC) é a de frau­de de execução na pendência de dem anda fundada em direito real. Tal m o­dalidade de fraude, como dito anteriorm ente, liga-se norm alm ente a um a execução para entrega de coisa. Não se trata, verdadeiram ente, de m odali­dade de fraude de execução, mas de situação sim ilar a esta, equiparando a lei seus efeitos. O que pretendeu a lei foi, em verdade, evitar um a sucessão processual fraudulenta, em que se retirasse do processo o dem andado origi­nal, ingressando em seu lugar pessoa em situação de insolvabilidade. Assim é que, por exemplo, pendente um a “ação reivindicatória” (a qual se funda, notoriam ente, no direito real de propriedade), e alienado pelo dem andado o bem sobre o qual contendem as partes, o adquirente não poderá, salvo se com isso consentir o dem andante, suceder o alienante na relação processual (sobre o tem a, veja-se o art. 42 do CPC). Em princípio, o dem andado original perm anece na relação processual, atuando agora na defesa de in teresse do adquirente do bem (atuando, pois, como su b stitu to processual). A execução da sentença, neste caso, se dará com a invasão do patrim ônio do adquirente (que, na hipótese, perm aneceu como terceiro, podendo, apenas, ingressar como assisten te do alienante), e a constrição incidirá sobre o bem alienado quando já era litigioso. N ote-se que, com a edição da Lei n Q 11.382/2006, o m esm o raciocínio terá de ser aplicado à execução das sentenças fundadas em direito obrigacional de caráter reipersecutório (como se dá, por exemplo,

169 O Superior Tribunal de Justiça aprovou o enunciado na 375 da Súmula de sua Jurisprudência D om inante, nos seguintes term os: “O reconhecim ento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova da má-fé do terceiro adquirente." Com todas as vênias ao STJ, este Tribunal confundiu as três modalidades de fraude. Se a penhora já foi averbada (e penho­ra é ato que se averba, e não que se registra), existe um a presunção absoluta de que a constrição é conhecida por terceiros, e se estará diante de alienação de bem penhorado (institu to que não se confunde com a fraude de execução). Caso não tenha havido averbação da penhora, poderá haver fraude de execução independentem ente de prova de má-fé do adquirente do bem, sendo certo que o elem ento subjetivo, como já examinado, só se exige para a configuração da fraude contra cre­dores (e nem esta exige propriam ente má-fé, mas tão som ente o potencial conhecim ento de que o ato reduziria o devedor-alienante à insolvabilidade). Com todo o respeito m erecido pelo STJ, a aplicação do entendim ento consagrado nesse enunciado põe por terra todo o esforço da doutrina processual para proteger o credor contra as fraudes perpetradas pelo devedor, e torna quase im ­possível o reconhecim ento da fraude de execução.

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com a sentença que decreta o despejo), um a vez que foi alterada a redação do art. 5 9 2 ,1, do CPC, que antes só se referia às execuções fundadas em "direi­to real”, e agora faz alusão, tam bém , às execuções fundadas em "obrigações reipersecutórias”.

A seguir, afirma a lei processual (art. 593, II) que se considera em fraude de execução a alienação ou oneração de bens "quando, ao tem po da alienação ou oneração, corria contra o devedor dem anda capaz de reduzi-lo à insolvência”.

Aqui, como na hipótese anterior, tem -se um a descrição de situação de­pendente, para se implementar, de dados puram ente objetivos. Dispensa-se, pois, por irrelevante, qualquer perquirição acerca dos elem entos volitivos do ato. Pouco im porta, assim, saber se houve a intenção do dem andado de tornar- -se insolvente ou de causar qualquer dano ao credor. O consilium fraudis, como dito, é irrelevante para a fattispetie da fraude de execução.170

Requisito para que se considere o ato como tendo sido praticado em fraude de execução é que ele se dê quando pendente um processo capaz de reduzir o devedor à insolvência. O requisito, pois, é a existência de processo pendente, ou seja, a litispendência. Há que se lembrar, aqui, que a litispen- dência é efeito do ajuizam ento da dem anda, m as só se pode opô-la ao dem an­dado depois que este for validam ente citado (art. 263 c /c art. 219, am bos do CPC). Assim, em linha de princípio, só se pode considerar em fraude de execução a alienação realizada depois da citação do dem andado.171 Digo que é assim em linha de princípio por ser inegável que a intenção do sistem a ao exigir a citação do dem andado para que se considere o ato como fraude de execução é que o devedor tenha ciência da existência do processo, para que se possa a ele im pingir as sanções mais graves decorrentes dessa m odalida­de de fraude. Assim, poderá o credor dem onstrar que, em bora não tivesse sido ainda citado, o devedor já tinha, ao tem po da alienação ou oneração do bem, conhecim ento da existência do processo. Feita esta dem onstração, não se pode deixar de considerar que o ato foi praticado em fraude de execução, e não em fraude pauliana.

O processo pendente, em cujo curso pode se verificar a fraude de execu­ção, não é apenas o módulo processual executivo, mas tam bém o módulo pro­cessual de conhecim ento de cunho condenatório.172 Pode haver, ainda, fraude de execução no curso do processo de conhecim ento de cunho m eram ente decla- ratório da "liquidação de sentença”. Tem-se adm itido a ocorrência de fraude de

170 Dinam arco, Execução civil, p. 281-282.

171 N ão é pacífica a dou trina acerca do pon to . No sentido do texto , D inam arco, Execução civil, p. 283; T heodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. II, p. 111, no ta ne 15; Fidélis dos Santos, Manual de direito processual civil, vol. II, p. 81. Em sentido contrário , considerando sufi­ciente o ajuizam ento da dem anda, Cahali, Fraudes contra credores, p. 462-463.

172 Dinam arco, Execução civil, p. 284; Liebman, Processo de execução, p. 85.

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execução quando pendente processo cautelar (como, e. g., o processo tendente a um a m edida cautelar de arresto).173 Esta não me parece, porém, a posição mais acertada. A existência de arresto cautelar sobre um bem não faz com que a alienação deste possa ser considerada em fraude de execução. A nosso juízo, m elhor se enquadra a hipótese na modalidade de fraude que será examinada a seguir, da alienação de bem penhorado, pois que a m edida aqui considerada, em verdade, nada mais é do que um a antecipação (movida por fundam entos que refletem sua natureza cautelar) da penhora.

É ainda im portante frisar que há um equívoco na redação do inciso II do art. 593 do CPC, capaz de levar o in térp rete apressado a conclusões equi­vocadas. Fala a lei em "dem anda capaz de reduzir o devedor à insolvência”. Em verdade, porém , pouco im porta se a dem anda era ou não capaz de to rnar o devedor insolvente. A insolvência deve ser resultado do ato de alienação ou oneração realizado no curso do processo para que seja considerada em fraude de execução. Assim , por exemplo, se a dem anda pede a condenação do dem andado a pagar 100, e este tem um patrim ônio de 300, a literalidade da lei levaria a concluir que o devedor poderia, livrem ente, alienar ou onerar seus bens no curso do processo, sem que se configurasse a fraude de exe­cução (sendo, pois, necessário verificar a presença dos requisitos da fraude pauliana). Não é assim , porém . Pendente o processo iniciado pela dem anda figurada no exemplo, e alienando o dem andado um bem de seu patrim ônio no valor de 220, te rá se tom ado insolvente, e o ato deverá ser considerado em fraude de execução.

Assim, é de se considerar em fraude de execução o ato de alienação ou oneração de bens realizado no curso de um processo, quando tal ato reduza o devedor à condição de insolvente.174

O terceiro inciso do art. 593 do CPC afirma poder haver outros casos de fraude de execução, expressam ente previstos em lei. Exemplos são encontra­dos nos arts. 615-A, § 3Q, e 672, § 3Q, do CPC e no art. 185 do Código Tributá­rio Nacional.

Por fim, é preciso afirm ar que a fraude de execução gera ineficácia origi­nária do ato fraudulento, o que a distingue da fraude pauliana, que gera ine­ficácia sucessiva. Na fraude contra credores, como visto anteriorm ente, o ato fraudulento produz todos os seus efeitos, deixando de ser oponível ao credor depois de prolatada a sentença na "ação pauliana”. Já na fraude de execução o ato é, originariam ente, ineficaz. Não se faz necessário, pois, ajuizar-se dem an­da destinada ao reconhecim ento da fraude. O ato, incapaz desde o m om ento em que é praticado de ser oposto ao credor, não im pedirá que a atividade exe­cutiva incida sobre o bem alienado ou onerado fraudulentam ente.

173 N este sentido, entre outros, Cahali, Fraudes contra credores, p. 455.

174 Assim , M endonça Lima, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VI, p. 453.

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7.3 Alienação de Bem Penhorado

Terceira, e mais grave das modalidades de alienação fraudulenta de bens, é a que se opera quando é alienado um bem penhorado.175 A penhora, institu to de que se tratará com m aior profundidade adiante, é um ato de apreensão judi­cial de bens (integrante do procedim ento da execução por quantia certa contra devedor solvente) destinado a determ inar os bens que suportarão a atividade executiva. O bem penhorado, assim, será em pregado na satisfação do crédito exequendo, o que se fará através da expropriação do mesmo.

É de se dizer, porém , que a penhora não é capaz, por si só, de retirar o bem do patrim ônio do executado, o que faz com que este perm aneça com a faculdade de dele dispor. Apesar desta m anutenção do bem no patrim ônio disponível do executado, não pode mais o bem ser excluído da sujeição às m e­didas executivas, sujeição esta iniciada com a penhora.

Significa isso dizer que a alienação do bem penhorado, em bora válida e apta a produzir seu efeito programado, retirando o bem do patrim ônio do executado e transferindo-o para o patrim ônio do adquirente, é inoponível ao exequente, sendo incapaz de produzir o efeito secundário (ineficácia relativa) de excluir o bem alienado da responsabilidade patrim onial.176

N esta hipótese inexiste, na fattispecie da fraude, qualquer referência à si­tuação econômica em que se coloque o devedor. Assim sendo, pouco im porta se o devedor tom a-se ou não insolvente com a alienação do bem penhorado. Este ato será fraudulento ainda que o devedor m antenha em seu patrim ônio bens suficientes para satisfazer o crédito exequendo.

Verifica-se, assim, a existência de um a “escalada” de situações, quanto ao nível de gravidade, entre as diversas m odalidades de fraude. Da m enos gra­ve (fraude pauliana, onde se exige a redução do devedor à insolvência e o ele­m ento subjetivo da fraude), passando pela fraude de execução (onde apenas o elem ento objetivo, insolvência do devedor, é exigido), até chegar-se à m odali­dade mais grave (alienação de bem penhorado, onde nem m esm o a insolvência do devedor é requisito da fraude).177

175 M elhor seria dizer bem constrito , um a vez que - com o afirm ado anteriorm ente - tam bém ocorre a fraude quando é alienado bem sobre o qual incidia um arresto.

176 Sobre esta m odalidade de fraude, consisten te na alienação de bem penhorado, com o causa de ineficácia do ato de alienação, consulte-se D inam arco, Execução civil, p. 289-290. N ão se pode deixar de referir a existência de corrente doutrinária, a m eu ju ízo equivocada, que afirm a ser tal alienação um ato inexisten te (assim , Frederico M arques, Manual de direito processual civil, vol. IV, p. 49).

177 Dinam arco, Execução civil, p. 292.

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VIII-A

EXECUÇÃO PROVISÓRIA

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Trata o CPC, em seu art. 475-0 , de um institu to conhecido como execução provisória. Este é o nom e tradicionalm ente dado à execução do pronunciam en­to judicial ainda não transitado em julgado, iniciada quando ainda pendente de julgam ento algum recurso desprovido de efeito suspensivo. Já houve quem , em doutrina especializada, a definisse como "a execução da sentença que adquire eficácia im ediata excepcional (isto é, antes de seu trânsito em julgado), sujeita à prestação de garantias pelo exequente para perm itir a recondução das partes ao estando anterior, na eventualidade de vir a tom ar-se in justa”.1 O art. 475-1, § l 2, do CPC é expresso em afirmar que execução provisória é a que tem por base "sentença im pugnada m ediante recurso ao qual não foi atribuído efeito suspensivo”, o que a distingue, portanto, da definitiva, conceituada no m esm o dispositivo como sendo a "execução da sentença transitada em julgado”.2

1 A ntonio de Pádua Soubhie Nogueira, Execução provisória da sentença, p. 68.

2 Também é definitiva a execução dos títu los extrajudiciais, não obstante o que equivocada- m ente diz o art. 587, segunda parte, do CPC, que afirm a ser esta execução provisória quando pendente apelação contra sentença de im procedência dos em bargos que tenham sido recebi­dos com efeito suspensivo. Estivesse correto este enunciado norm ativo, e se teria de aceitar a possibilidade de se te r iniciado um a execução definitiva e ela, posteriorm ente, vir a se tornar provisória, o que contraria até m esm o o sentido dos vocábulos (afinal, o provisório pode tom ar- -se definitivo, m as não o contrário). Deve-se en tender a regra veiculada pelo art. 587, infine, no sentido de que em bora seja definitiva a execução do títu lo extrajudicial, se forem recebidos com efeito suspensivo os em bargos do executado, proferida sentença de im procedência destes, en­

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2 3 2 Lições de Direito Processual Civil • Câmara

N a verdade, a term inologia adotada pelo CPC, de uso tradicional, não é perfeita. A execução fundada em sentença ainda não transitada em julgado não é, propriam ente, um a execução provisória, e este equívoco terminológico já foi apontado por diversos autores.3 O que se tem aí, a rigor, é um a “execução fun­dada em título provisório”, já que a provisoriedade é do título executivo que, ainda não transitado em julgado, tende a ser substituído pela decisão definitiva a ser proferida no julgam ento do recurso, nos term os do que dispõe o art. 512 do CPC. De toda sorte, a expressão “execução provisória” é tradicional, em pre­gada não só na lei mas por toda a doutrina e na prática forense, não havendo qualquer razão para que não continue a ser empregada.

É provisória, então, a execução fundada em provim ento judicial ainda não transitado em julgado mas já capaz de produzir efeitos, já que im pugnado por recurso desprovido de efeito suspensivo. A execução provisória se desen­volve aplicando-se, no que couber, o m esm o regime da execução definitiva, na form a do que dispõe o art. 4 7 5 -0 do CPC, conforme se passa a examinar.

Deve-se dizer, porém, e em primeiro lugar, que é cabível execução pro­visória de qualquer modalidade de obrigação. Em outras palavras, pode haver execução provisória de obrigação de fazer ou não fazer (aplicando-se, no que couber, o disposto no art. 461 do Código de Processo Civil); de entregar coisa (e aí incidirá, no que couber, o disposto no art. 461-A); e de obrigação pecuniária (caso em que incidirão os arts. 475-J e seguintes do CPC).

Inicia-se a execução provisória, sempre, por iniciativa do credor (art. 4 7 5 -0 ,1). Significa isso dizer que fica aqui afastada a possibilidade de instau­ração de ofício da atividade executiva (que existe nas execuções das obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa fundadas em sentença). Sendo provisória a execução, sem pre haverá a necessidade de que o credor formule um requeri­m ento para que a atividade executiva tenha início.

Além disso, a execução provisória (ainda um a vez nos term os do inciso I do art. 475-0 ) se desenvolve por conta e responsabilidade do exequente. Q uer isto significar que, no caso de vir a ser cassada ou reform ada a sentença que serve de base a execução e, por conseguinte, vindo a ser extinta a execução provisória, caberá ao exequente a obrigação de reparar todos os danos que o executado tenha indevidam ente suportado, e que lhe tenham sido causados pela atividade executiva, frise-se que esta responsabilidade é objetiva, isto é, independe de culpa do exequente.4

quanto tal sentença não transitar em julgado a execução prosseguirá aplicando-se, no que couber, o regram ento da execução provisória.

3 Por todos, Paulo H enrique dos Santos Lucon, Eficácia das decisões e execução provisória, p. 208-209.

4 Nogueira, Execução provisória da sentença, p. 150; Lucon, Eficácia das decisões e Execução provisória, p. 418.

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Execução Provisória 2 3 3

Como é provisória, esta execução será extinta ("fica sem efeito”, na dic­ção do inciso II do art. 475 -0 ) se sobrevier decisão que a modifique ou anule, tudo devendo ser reposto no estado anterior. Eventuais danos que o executado tenha indevidam ente suportado serão reparados pelo exequente (responsável, como visto, independentem ente de culpa), cabendo sua liquidação, por arbi­tram ento, nos próprios autos.

A reposição no estado anterior, porém , fica lim itada às partes. Os efeitos que a execução provisória eventualm ente tenha produzido em relação a tercei­ros de boa-fé têm de ser respeitados (como é o caso, por exemplo, do terceiro que tenha arrem atado um bem em hasta pública realizada em execução provi­sória). Se assim não for, e tais efeitos se desfizerem, de nada valerá a execução provisória, que nenhum a segurança jurídica produzirá, e provavelmente não se verá quem a queira instaurar.5

Pode acontecer de a sentença que serve de base para a execução provi­sória ser reform ada ou anulada apenas em parte. Pense-se, por exemplo, no caso de a sentença te r condenado o réu a pagar ao au to r um a indenização por danos m ateriais e, além disso, com pensá-lo por danos m orais. N ada im pede que, em grau de recurso, essa sentença seja reform ada para que se exclua, apenas, a condenação a com pensar danos m orais, m antida a condenação a reparar os danos m ateriais. O correndo um a hipó tese como essas, a execução provisória não deverá ser extinta, m as tão som ente te r seu objeto reduzido, prosseguindo (em caráter provisório ou definitivo, conform e tenha ou não ocorrido o trânsito em julgado) em relação à condenação que foi m antida. É neste sentido que dispõe o § I o do art. 475 -0 , segundo o qual "se a sentença provisória for modificada ou anulada apenas em parte, som ente nesta ficará sem efeito a execução”.6

No regime atualm ente vigente, a execução provisória é um a execução completa, isto é, um a execução que pode se desenvolver até a produção do re­sultado satisfativo do crédito exequendo.7 Assim, é perfeitam ente possível que em um a execução provisória sejam praticados atos que im pliquem a transfe­rência da propriedade ou o levantam ento de dinheiro pelo exequente. Exige o inciso III do art. 4 7 5 -0 do CPC, porém, para que estes atos (ou outros de que possa resultar para o executado grave dano) sejam praticados, que o exequente preste caução "suficiente e idônea”. A caução, que será arbitrada pelo juízo da execução e prestada nos próprios autos, poderá ser real ou fidejussória.8

5 No m esm o sentido, A thos G usm ão Carneiro, Cumprimento da sentença civil, p. 97.

6 E vale o registro de que neste dispositivo fala a lei processual em “sentença provisória", utilizando-se um a term inologia tecnicam ente m uito precisa.

7 Assim , por todos, Luiz G uilherm e M arinoni e Sérgio Cruz A renhart, Curso de processo civil: execução, vol. 3, p. 360-361.

8 Nogueira, Execução provisória da sentença, p. 183.

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2 3 4 Lições de Direito Processual Civil • Câmara

Dispensa-se a prestação dessa caução, porém , em algumas hipóteses, expressam ente previstas no § 2Q do art. 4 7 5 -0 do CPC.

Um a dessas hipóteses, de m uito fácil com preensão, é o caso de estar pendente de julgam ento, apenas, o agravo contra decisão que não adm itiu recurso especial ou extraordinário (art. 475-0 , § 2Q). Nesse caso, considera a lei processual que é tão pouco provável a reform a ou anulação do provim ento judicial que serve de base à execução provisória que não há razão para exigir- -se do exequente que preste caução a fim de praticar os atos que perm itirão que se com plete a execução. A dispensa da caução, neste caso, tem um a fun­ção m uito clara: inibir a interposição de recursos protelatórios. Não é difícil entender o que acaba de ser dito. Tendo a parte sido vencida nas instâncias ordinárias, e não tendo sido adm itido seu recurso excepcional, pode ela valer- -se do agravo contra essa decisão de inadm issão. É raro, porém , que esses agravos sejam providos. Pode acontecer, todavia, que o agravo seja in terposto contra a decisão que não adm itiu o recurso especial ou extraordinário com o único propósito de se protelar o trânsito em julgado e, com isso, retardar-se a transform ação, em definitiva, da execução provisória. Esse in tu ito protelató- rio poderia servir para evitar a consum ação da execução, notadam ente naque­les casos em que se soubesse que o credor não teria m eios para p restar caução e, com isso, não seria possível praticar, enquanto provisória a execução, atos que im plicassem transferência de dom ínio ou levantam ento de dinheiro. Dis­pensada a caução nesses casos, porém , desaparece qualquer possibilidade de que a interposição do agravo seja um obstáculo à consum ação da execução, motivo pelo qual se pode considerar haver, aí, um a inibição à interposição de recursos m eram ente protelatórios.

De toda maneira, e com apoio no poder cautelar do juiz, é possível que nesses casos se determ ine, ainda assim, a prestação de caução, como estabele­ce a parte final do próprio parágrafo, se ficar constatada a existência de risco de dano grave, de difícil ou incerta reparação (periculum in mora).

O outro caso de dispensa da caução está previsto no inciso I do § 2° do art. 475-0 , segundo o qual ela não será prestada “quando, nos casos de crédi­to alim entar ou decorrente de ato ilícito, até o lim ite de sessenta vezes o valor do salário-m ínim o, o exequente dem onstrar situação de necessidade”.

Tem-se, aqui, um a série de requisitos para que haja a dispensa da cau­ção. O prim eiro deles é um requisito “quantitativo”.9 Para haver a dispensa da caução é preciso que o valor da execução não ultrapasse o equivalente a 60 salários-m ínim os. Além disso, a lei prevê dois outros requisitos, um ligado à natureza do próprio crédito exequendo e o outro à pessoa do exequente: é preciso que se trate de crédito de natureza alim entar ou oriundo de ato ilícito; e deve o exequente estar em “situação de necessidade”.

9 Luiz Fux, O novo processo de execução, p. 253.

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Execução Provisória 2 3 5

No caso de crédito alimentar, a situação de necessidade pode ser con­siderada presum ida.10 Nos dem ais casos, incum birá ao exequente o ônus da prova dessa situação. De toda maneira, havendo situação de necessidade, ca­berá ao juiz dispensar a caução para que haja a prática de atos que im pliquem alienação do domínio ou levantam ento de dinheiro em execução provisória de crédito alim entar ou oriundo de ato ilícito sem pre que seu valor não ultrapas­sar 60 salários-mínimos. Anote-se que estes requisitos são cum ulativos.11 É fundam ental perceber, porém , que no caso de o crédito exequendo ultrapassar os 60 salários-mínimos, e não tendo o exequente m eios para prestar caução (e, claro, desde que atenda aos dem ais requisitos), deve-se considerar possível o fracionam ento do seu crédito, de modo a se adm itir que, dispensada a caução, seja autorizado o levantam ento de dinheiro ou a prática de atos que im pliquem alienação de domínio até o lim ite do valor previsto na lei.

Como a execução provisória é requerida quando pende de julgam ento algum recurso (desprovido de efeito suspensivo), os autos do processo esta­rão, a essa altura, em algum tribunal. Por conta disso, im punha-se que a lei processual regulam entasse o modo como se daria a docum entação dos atos referentes à execução provisória. D urante m uito tem po, exigiu-se um a pro­vidência excessivamente burocrática e desnecessariam ente formalista: que o interessado requeresse ao juízo com petente para a execução que determ inasse a extração de um docum ento chamado "carta de sentença”, o qual consistia, na prática, em um a espécie de "autos suplem entares”. Esta carta de sentença, cuja extração exigia o recolhim ento de custas, era produzida pelo cartório do juízo e nela era docum entados os atos relativos à execução provisória. A partir da edi­ção da Lei nQ 11.232/2005, porém, desapareceu a necessidade de extração de carta de sentença para que se pudesse prom over a execução provisória.12 Desde o início da vigência desta lei passou-se a exigir que o exequente form ulasse seu requerim ento de instauração da execução provisória por um a petição que deve vir instru ída com um a série de docum entos (basicamente os m esm os que, antigam ente, instruíam a carta de sentença): sentença ou acórdão exequendo; certidão de interposição do recurso desprovido de efeito suspensivo; procura­ções outorgadas aos advogados por ambas as partes; decisão de habilitação (de espólio ou sucessores), se for o caso; além de outras peças, facultativas, que o exequente considere necessárias para instru ir a execução. Esses docum entos, que deverão vir por cópia, podem estar autenticados em cartório ou terem sua autenticidade declarada pelo próprio advogado.

10 A ssim já m e pronunciei em Alexandre Freitas Câm ara, A nova execução de sentença, p. 117. No m esm o sentido, Araken de Assis, Cumprimento da sentença, p. 156.

11 Fux, O novo processo de execução, p. 253.

12 Só não se pode ir ao pon to de afirm ar que a carta de sentença desapareceu do direito p ro­cessual civil brasileiro por ser ela, ainda, exigida para a execução da decisão hom ologatória de sentença estrangeira, na form a do art. 484 do CPC.

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Ajuizada a petição que veicula o requerim ento de execução provisória, e estando ela corretam ente instruída, formar-se-ão novos autos, dentro dos quais serão docum entados os atos relativos à atividade de execução provisória (art. 475-0 , § 3Ô). Pode não haver, no entanto, necessidade de formação desses novos autos. Basta pensar no caso de ter sido in terposta um a apelação contra a sentença condenatória e o juízo de prim eiro grau não a ter recebido (por considerá-la intem pestiva ou deserta, por exem plo). N este caso, será cabível a interposição de agravo de instrum ento contra a decisão que não recebeu a ape­lação, recurso que exige a formação, no tribunal, de autos próprios, ficando os autos principais disponíveis na secretaria do juízo de prim eira instância para que ali se docum entem os atos da execução provisória.13

Há, sobre a execução provisória, um a últim a questão a examinar. Como dito anteriorm ente, na execução provisória das obrigações pecuniárias inci­dem, no que couber, as disposições contidas nos arts. 475-J e seguintes do CPC. Há, aí, um a trem enda controvérsia acerca da possibilidade de incidência, na execução provisória, da m ulta de dez por cento a que se refere o art. 475-J.

Para alguns autores, se ainda não transitou em julgado a sentença (e, por­tanto, se só é possível a execução provisória), não pode incidir a m ulta de 10% sobre o valor da condenação a que se refere o art. 475-J do CPC.14

A ideia básica defendida por estes autores é a de que enquanto for cabí­vel a interposição de recurso contra a sentença não seria possível exigir-se do vencido o pagam ento do valor da condenação como form a de evitar a incidên­cia da m ulta pois tal pagam ento seria incompatível com a vontade de recorrer. Confira-se, sobre o ponto, o que susten ta um dos defensores dessa tese:15

“Im põe-se observar que não se cuida de astreinte, m as de m ulta de caráter penal pelo descum prim ento da obrigação reconhecida na sen­tença. De tal sorte, de duas uma: ou o devedor não in terpôs qualquer recurso e então a m ulta é exigível, passados quinze dias do trânsito em julgado, ou então não se conform ou com a decisão condenatória e in terpôs recurso. Ora, seria absurdo exigir, nesta hipótese, que o devedor satisfizesse integralmente a condenação (como exigido no caput do art. 475-J), para se livrar do pagam ento da m ulta. De um lado, tal implicaria ato incompatível com a vontade de recorrer já m anifes­tada (renúncia tácita ao próprio recurso), como deflui do disposto no parágrafo único do art. 503. De outro, m ostra-se irrazoável exigir

13 Assim , tam bém , Assis, Cumprimento da sentença, p. 164.

14 Assim , en tre outros, Carlos A lberto Álvaro de Oliveira, Com entário ao art. 475 -0 , in Carlos A lberto Alvaro de Oliveira (coord.), A nova execução, p. 195-196; José Miguel Garcia Medina, Processo civil moderno: execução, vol. 3, p. 218-219.

15 Alvaro de Oliveira, C om entário ao art. 475 -0 , p. 195.

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Execução Provisória 2 3 7

o cum prim ento integral da sentença na pendência de recurso, que eventualm ente pode tornar inócua a condenação. M orm ente porque se tra ta de m ulta penitencial, sem nenhum ponto de contato com as hipóteses em que a m ulta tem natureza essencialm ente coercitiva e é fixada com vistas a induzir ao cum prim ento da ordem judicial, em prol da efetividade da tu te la jurisdicional concedida ou antecipada. Aqui se tra ta de conseqüência penalizadora da m ora no cum prim ento e, portanto, in tim am ente dependente de base firm e para ser exigida."

De outro lado, autores h á que sustentam ser perfeitam ente possível exi- gir-se, em sede de execução provisória, que o vencido pague o valor da conde­nação no prazo de 15 dias sob pena de multa de dez por cento, na form a prevista no art. 475-J do CPC.16

Sobre o tema, veja-se o que susten ta um dos defensores desta corrente, contrapondo-se à opinião anteriorm ente transcrita:17

"Caso o devedor atenda à intim ação para o cum prim ento provisório da sentença, não h á de se falar, em absoluto, em aceitação tácita da sen­tença, consubstanciada na prática de um ato incompatível com a von­tade de recorrer. Sem elhante consideração ignora a literal disposição do art. 503, parágrafo único, onde se lê que: 'Considera-se aceitação tácita a prática, sem reserva alguma, de um ato incompatível com a von­tade de recorrer' (grifamos). Evidentem ente, ao cum prir a intimação sob a am eaça de incidência de m ulta, o devedor age com a reserva de estar ainda aguardando o resultado de seu recurso. Está cum prindo a sentença apenas e tão som ente para evitar a incidência da m ulta, e por isso não há qualquer incom patibilidade entre o cum prim ento provisó­rio e a m anutenção do pleito recursal. Aguarda o devedor o provim en­to de seu recurso, para que venha a ser ressarcido pelo credor do que pagou indevidam ente. Sustentar o contrário seria afirm ar que o de­vedor está obrigado a sofrer atos expropriatórios sem pre que o credor requerer a execução provisória da sentença, não havendo, sob hipótese alguma, a possibilidade de cum prim ento provisório justam ente para evitar os prejuízos decorrentes daqueles atos.Daí por que a m ulta de 10%, constante do art.475-J, aplica-se tam bém caso o devedor desatenda à intimação para cum prir a sentença em sede de cumprimento provisório ”

16 Este é o en tendim ento sustentado, en tre outro, por G uilherm e Rizzo Amaral, Com entário ao art. 475-1, in Carlos A lberto Alvaro de Oliveira (coord.), A nova execução, p. 97-98; Cassio Scarpinella Bueno, Curso sistematizado de direito processual civil, vol. 3, p. 140.

17 Rizzo Amaral, Com entário ao art. 475-1, p. 97-98.

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2 3 8 Lições de Direito Processual Civil • Câmara

Sempre sustentei esta segunda posição, que parece ser m esm o a mais correta.18 O fato de estar pendente recurso não im pede que, requerida a exe­cução (provisória) o vencido seja intim ado para pagar o valor da condenação em quinze dias sob pena de m ulta, nos term os do que dispõe o art. 475-J do CPC. Caso pague, livrar-se-á da m ulta e de toda a atividade executiva que se seguiria, e essa atitude não é incompatível com a vontade, já manifestada, de recorrer, já que o pagam ento aí se fará com a reserva de que está ele a aguardar o resultado do julgam ento de seu recurso. Vale lembrar, sempre, que o pará­grafo único do art. 503 do CPC só considera haver aceitação tácita da sentença no caso de se praticar, sem reserva alguma, ato incompatível com a vontade de recorrer, o que não se terá dado no caso em exame. Caso, posteriorm ente, ve­nha a ser reformada ou anulada a sentença, terá a parte contrária de restitu ir o que recebeu (inclusive a m ulta de dez por cento), além de ressarcir as perdas e danos indevidam ente sofridas por quem efetuou o pagam ento em atendim ento à sentença provisória, conforme o que ficou exposto anteriorm ente.

A opinião que aqui se sustenta, todavia, não conta com o respaldo da jurisprudência. É que o Superior Tribunal de Justiça já decidiu por diversas vezes no sentido sustentado pela prim eira corrente aqui descrita,19 citando, inclusive, opiniões de juristas que defendem a m esm a tese, en tre os quais um dos aqui mencionados.

Assim é que, na prática, e ao m enos até que haja um a modificação da orientação jurisprudencial, não se verá incidir a m ulta a que se refere o art. 475-J do CPC nas execuções provisórias.

18 Como se pode ver, por exemplo, em Freitas Câmara, A nova execução de sentença, p .l 16.

19 Como se deu, por exemplo, no julgam ento do REsp 1100658-SP, rei. Min. H um berto Mar­tins, j. em 7 /5 /2009 .

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IX

LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA

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§ l e CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA

Com o visto anteriorm ente, quando do estudo do títu lo executivo, este deve representar um direito certo e líquido. A ausência de qualquer desses dois requisitos do direito representado pelo títu lo faz com que este não tenha eficácia executiva (art. 586 do CPC), revelando-se, assim , inadequada a u ti­lização da execução com o m eio de atendim ento à pretensão do dem andante ("carência de ação” por falta de interesse de agir).

Ocorre que há situações em que o título judicial, em bora represente di­reito certo, não apresenta a liquidez do crédito. Em outros term os, há hipóteses em que o título judicial apresenta todos os elem entos identificadores do direito (o an debeatur, ou seja, a existência da dívida, e o quid debeatur, isto é, a qualidade do objeto da prestação), mas não revela o quantum debeatur (ou seja, a quanti­dade devida). Estar-se-á, nestes casos, diante da chamada condenação genérica.

Difere a condenação genérica da cham ada condenação ordinária pre­cisam ente pela falta de indicação do quantum debeatur. Estão presentes em am bas os dem ais elem entos identificadores do d ireito do credor, o an debeatur e o quid debeatur.

A condenação genérica é excepcional, um a vez que a sentença deve ser, como se sabe, um a resposta ao pedido formulado pelo dem andante (princípio da congruência entre pedido e sentença, tam bém conhecido como princípio da

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2 4 2 Lições de Direito Processual Civil • Câmara

adstrição da sentença ao pedido). Devendo ser o pedido certo e determ inado (art. 286 do CPC), ou seja, exigindo a lei processual que o dem andante iden­tifique, em sua demanda, não só o bem da vida pretendido, mas tam bém a quantidade desejada (quando, obviamente, tratar-se de um bem da vida quan- tificável, como dinheiro), deverá a sentença responder a tal pedido, contendo a determ inação do quantum debeatur. Assim, por exemplo, se o dem andante pediu a condenação do dem andado ao pagam ento da quantia de 500, deverá a sentença dizer se o pedido é procedente (total ou parcialmente) ou im proce­dente e, sendo acolhido o pedido do autor, deverá a decisão indicar que quantia o dem andado está sendo condenado a pagar.

Ocorre, porém , que há casos em que se perm ite que o dem andante for­m ule pedido genérico, assim entendido o pedido que não determ ina a quanti­dade do bem da vida pretendido que o dem andante entende devida (art. 286, incisos II e III).1 N esses casos, e quando não for possível, ao longo do m ódulo processual de conhecim ento condenatório, tal determ inação, o juiz lim itar- -se-á a prolatar sentença condenatória genérica, im pondo ao dem andado o cum prim ento de um a prestação de dar coisa fungível (dinheiro ou qualquer outro bem móvel de idêntica natureza), m as sem determ inar a quantidade devida ao dem andante.

Discute-se, em doutrina, a natureza da sentença condenatória genérica, havendo quem negue sua natureza condenatória, preferindo afirmar ter tal sentença conteúdo m eram ente declaratório.2 O utros, porém , afirmam a natu­reza condenatória de tal sentença.3 Esta últim a é, em verdade, a m elhor posi­ção. A sentença condenatória tem (assim como a constitutiva) dois m om en­tos lógicos em sua formação: um m om ento declaratório e outro propriam ente condenatório. No prim eiro m om ento declara-se a existência da obrigação, e no segundo impõe-se ao condenado o cum prim ento da mesma. N a sentença condenatória ordinária, o m om ento declaratório acerta a existência da obriga­ção (an debeatur), a qualidade do bem da vida devido (quid debeatur) e, quando tal bem da vida for coisa fungível, a quantidade devida (quantum debeatur). Tal sentença, no m om ento propriam ente condenatório, im põe ao devedor o cum ­prim ento da prestação acertada no m om ento declaratório.

A sentença condenatória genérica, por sua vez, difere da ordinária no m om ento declaratório, um a vez que não determ ina o quantum debeatur. Ne­

1 O inciso I do art. 286, em bora tam bém perm ita a formulação de pedido genérico, não se enquadra adequadam ente na situação aqui considerada, eis que se refere às universalidades de bens e de direitos, com o um a biblioteca ou um a herança, razão pela qual não se te rá verdadeira indeterm inação do quantum debeatur.

2 Assim , en tre outros, Piero Calamandrei, La Condanna 'Generica' ai Danni, in Opere giuridiche, vol. V, p. 519.

3 N este sentido, D inam arco, Execução civil, p. 517.

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Liquidação de Sentença 2 4 3

nhum a diferença h á entre elas no segundo m om ento lógico da sentença, o propriam ente condenatório. Daí por que susten to a natureza condenatória de tal sentença.

É certo que a sentença condenatória genérica não é título executivo, um a vez que não representa um direito líquido. A ausência do efeito executivo, po­rém, não é capaz de alterar a classificação da sentença, que deve ser feita à luz de seu conteúdo.

Sendo ilíquido o direito do credor, é preciso determ inar o quantum debea­tur, para que se tom e adequada a via executiva para a satisfação de sua preten­são. Faz-se mister, assim, a realização da liquidação da obrigação representada pela sentença, o que se faz através da assim cham ada "liquidação de sentença”.

Não é de liquidação da sentença que se trata, propriam ente, mas de li­quidação do direito por ela representado. A denominação, porém, é de uso corrente, além de estar consagrada no texto da lei processual, razão pela qual será ela utilizada neste texto.4

É de se no tar que havia um a im propriedade na lei processual quando, no art. 603 do CPC, afirmava-se que a liquidação da sentença se fazia quan­do o títu lo não individuasse o objeto da condenação. N este caso não se está diante de direito a que falte liquidez. A ausência de determ inação do obje­to da prestação faz com que falte ao d ireito o próprio elem ento da certeza. A ssim sendo, o que se te rá aqui não será propriam ente um a liquidação (e a h ipótese se refere às sentenças proferidas quando tenha sido form ulado o pedido genérico previsto no art. 286, I, do CPC, o qual, com o dito, não se caracteriza como pedido indeterm inado no concernente ao quantum ). O art. 475-A não reproduziu essa im propriedade. Apesar disso, e por falta de re­gras específicas no sistem a processual para determ inar o objeto da prestação quando se tra ta r de universalidades de bens ou direitos, deverá ser utilizado o sistem a da liquidação de sentença para perm itir-se tal individuação. É de se dizer, tam bém , que o art. 475-A do CPC fala, apenas, em determ inação do valor, m as tem de ser in terpretado extensivam ente, para que se considere adequada a utilização da liquidação de sentença sem pre que se precisar de­term inar a quantidade de coisas fungíveis a ser entregue ao credor, m esm o que não se tra te de dinheiro.

Assim sendo, pode-se definir a liquidação de sentença como o institu to processual destinado a tom ar adequada a tu te la jurisdicional executiva, m e­diante outorga do predicado de liquidez à obrigação, que a sentença condena­tória genérica não é capaz de outorgar.5

4 A m esm a crítica é encontrada em Dinam arco, Execução civil, p. 515.

5 Cândido Rangel Dinam arco, As três figuras da liquidação de sentença, in Atualidades sobre liquidação de sentença, coord. Teresa A rruda Alvim Wambier, p. 13-14.

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2 4 4 Lições de Direito Processual Civil • Câmara

Estabelecido o conceito de liquidação de sentença (rectius, liquidação da obrigação acertada pela sentença), há que se perquirir sua natureza jurídica. Sempre foi praticam ente pacífico o entendim ento na doutrina brasileira acerca deste ponto, registrando-se apenas posições isoladas em sentido diverso. A liquidação de sentença sempre foi considerada processo cognitivo autônom o.6

É preciso dizer, porém , que - a nosso sentir - de lege ferenda sem pre foi m elhor considerar-se a liquidação como m era fase do processo. Busco, com isso, ser coerente com a afirmação feita em passagem anterior deste livro de que a execução de sentença não deveria ser considerada, de lege ferenda, proces­so autônom o. Considerando a execução de sentença m era fase de um processo único (de condenação e execução), a liquidação de sentença estaria inserida nesse processo único, como fase de liquidação, inserida entre a fase condenató­ria e a fase executiva. Inegável, porém, que diante do sistem a positivo brasilei­ro essa posição era inadequada (em bora a eu m antivesse no plano puram ente teórico), pois nosso ordenam ento tratava a execução de sentença como proces­so autônom o em relação ao cognitivo, e a liquidação como processo autônom o em relação àqueles dois outros processos (o condenatório e o executivo). A partir da entrada em vigor da Lei nQ 11.232/2005, porém, m eu entendim ento foi acolhido, e a liquidação de sentença passou a ser m ero incidente processual daquele processo sincrético em que se desenvolvem o m ódulo processual de conhecim ento e o m ódulo processual executivo.

Assim sendo, a liquidação de sentença é mero incidente processual, de natureza cognitiva, que se coloca entre o módulo processual de conhecimento condenatório (onde se produziu o título liquidando) e o módulo processual exe­cutivo (o qual só se tom ará adequado após a realização da liquidação, eis que o direito acertado na sentença condenatória não determ inou o quantum debeatur).

Esta natureza de incidente da liquidação é facilmente verificada quando se observa que a lei processual exige a intimação do dem andado (art. 475-A, § P , do CPC), o que m ostra a intenção do sistem a de não fazer nascer aqui um a nova relação processual, distinta da anteriorm ente instaurada.

Sendo m ero incidente processual, a liquidação de sentença será julgada por um a decisão interlocutória (assim entendido o ato pelo qual o juiz, no cur­so do processo, resolve um incidente). A afirmação da natureza interlocutória da decisão com que o juiz liquida a obrigação acertada na condenação genérica é feita pelo próprio CPC, quando afirma que tal decisão será impugnável por agravo de instrum ento (art. 475-H). É sabido que agravo é o recurso cabível contra decisões interlocutórias (art. 522), o que m ostra te r sido coerente o legislador do CPC com as prem issas em que baseou seu pensam ento a partir da Lei nô 11.232/2005.

6 Por todos, m erecem consulta Antonio Carlos M atteis de Arruda, Liquidação de sentença, p. 58-59; Luiz Rodrigues Wambier, Liquidação de sentença, p. 47.

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Liquidação de Sentença 2 4 5

Discute-se, em doutrina, a natureza da decisão interlocutória que julga o incidente de liquidação de sentença. Há quem afirme sua natureza m eram en­te declaratória;7 outros a veem como sentença constitutiva,8 havendo m esm o quem afirme sua natureza condenatória.9

A m eu sentir, a decisão que julga a liquidação é m eram ente declaratória. Trata-se de provim ento que se lim ita a tom ar certo o quantum debeatur. Relem- bre-se que defendo a posição dualista do ordenam ento jurídico, segundo a qual a atividade jurisdicional é incapaz de criar direitos, lim itando-se a reconhecer direitos preexistentes (e os provim entos constitutivos, de inegável força cria­dora, não são exceção a esta afirmação, eis que criam, modificam ou extinguem relações jurídicas, mas jamais criam direitos). Ora, sendo assim, a obrigação já tinha, antes m esm o de sua existência ter sido objeto de acertam ento pela condenação genérica, um quantum debeatur determ inado (embora desconheci­do). A decisão na liquidação se lim ita a revelar este quantum , tom ando certa qual a quantidade devida do bem devido ao credor. Trata-se, pois, de decisão m eram ente declaratória.

Da natureza m eram ente declaratória, aliás, surge, como corolário inafas- tável, a legitimidade ad causam ativa tan to do credor como do devedor. Nada impede que o condenado, pretendendo ter acertado o quantum debeatur de sua obrigação, vá ao juízo pedir a prolação de decisão declaratória de tal quantidade.

Decisão m eram ente declaratória, pois, do quantum debeatur. Esta a nature­za da decisão interlocutória a ser proferida no incidente de liquidação de senten­ça (;rectius, liquidação da obrigação acertada na sentença condenatória genérica).

É de se dizer (e isso se liga inexoravelm ente ao que vem sendo dito quanto à natureza m eram ente declaratória da decisão de liquidação) que o incidente de liquidação de sentença tem um objeto próprio (Streigegenstand), e este objeto limita, necessariam ente, a atividade judicial.

Quer-se dizer, com isso, que na liquidação de sentença a pretensão é de acertam ento do quantum debeatur, e a atividade cognitiva deverá incidir sobre esta questão. Não se pode admitir, no incidente da liquidação de sentença, qualquer discussão sobre m atéria estranha a esse objeto (salvo, obviamente, as questões relacionadas aos demais elem entos integrantes do objeto da cognição judicial: questões prelim inares e prejudiciais - se existirem - , incluindo-se aí a cognição acerca das "condições da ação” e das questões sobre o processo).

7 Entre outros, defendem esta posição - que é a dom inante na doutrina - D inam arco, Execução civil, p. 555; Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. II, p. 89; Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 190; Liebman, Processo de execução, p. 55.

8 Ovídio Baptista da Silva, Curso de processo civil, vol. II, p. 40.

9 Frederico M arques, Manual de direito processual civil, vol. IV, p. 67 (afirm ando que tal natureza estaria presente apenas na “liquidação por artigos", a única que, na visão daquele m agistral jurista, seria dem anda autônom a).

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Em outros term os, não se pode perm itir qualquer discussão, no inciden­te de liquidação de sentença, sobre a existência ou não do direito do credor. Isto já ficou resolvido no m ódulo processual de conhecim ento condenatório e não integra o objeto deste incidente processual. É por essa razão que o art. 475-G do CPC afirma que "é defeso, na liquidação, discutir de novo a lide ou modificar a sentença que a julgou”. A decisão a ser proferida na liquidação de sentença deve se lim itar a responder ao pedido form ulado pelo dem andante, qual seja, a determ inação do quantum debeatur.

A existência do direito do credor já terá sido, a esta altura, determ inada na sentença condenatória genérica, a qual já terá, provavelmente, alcançado a autoridade de coisa julgada substancial, sendo, assim, imutável e indiscutível.10

O utra questão extrem am ente im portante, e ligada ao que vem sendo afirmado, é o da possibilidade de o resultado da liquidação de sentença ser no sentido de afirmar-se nada haver a ser pago. É o conhecido problem a da liqui­dação que conclui pelo "valor zero”.

O problem a que se passa a analisar é o seguinte: proferida sentença con­denatória genérica, que condena o réu ao pagam ento de quantia a ser determ i­nada em incidente de liquidação de sentença, será possível que, nesse inciden­te, se declare que nada há a ser pago?

Autores há que negam a possibilidade de um direito existir e não ter quantificação econômica. Em outros term os, a quantidade seria um a m edida da existência, o que im pediria a afirmação de que o valor a ser pago seja zero.11 O utros, porém, adm item a possibilidade de a liquidação chegar a um resultado zero, considerando possível, apesar da condenação a pagar um a quantia ainda indeterm inada, que se verifique nada haver a pagar.12

A nosso juízo, é perfeitam ente possível que o resultado da liquidação seja no sentido de afirmar a inexistência do quantum debeatur, declarando-se inexistir qualquer valor a pagar. Defender o contrário, aliás, seria afirmar a natureza concreta da "ação de liquidação de sentença”, pois esta seria o poder de se obter do juízo um provim ento favorável. A natureza abstrata do poder de ação implica, necessariam ente, a possibilidade de ser ajuizada um a dem anda

10 Nada im pede, obviam ente, que a liquidação se inicie antes do trânsito em julgado da sen­tença condenatória genérica (ainda que a m esm a esteja sujeita a recurso provido de efeito sus­pensivo - art. 475-A, § 2o). N este caso, apesar de não haver o óbice da coisa julgada, tam bém se m ostra inadm issível pretender nova discussão acerca da existência ou não do direito do credor no incidente da liquidação de sentença. O obstáculo, aqui, virá do princípio do non bis in idem, pois que esta questão já terá sido subm etida ao Estado-juiz em outro m ódulo processual pen­dente. De qualquer forma, pois, inadm issível que se tom e a discutir aquela questão.

11 N este sentido, en tre outros, Calam andrei, La C ondanna ‘Generica’ ai D anni, p. 511-512; Baptista da Silva, Curso de processo civil, vol. II, p. 41.

12 Dinam arco, Execução civil, p. 549; Wambier, Liquidação de sentença, p. 99-100.

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(como é a dem anda de liquidação de sentença) e o resultado final ser desfavo­rável ao dem andante.13

Basta pensar, por exemplo, num acidente de trânsito , em que a vítima ajuíza dem anda em face do causador do acidente, pedindo a condenação deste ao ressarcim ento dos danos provocados pelo acidente. Pode a sentença ser de procedência do pedido, condenando o réu a ressarcir os danos que sejam apurados em liquidação de sentença. Imagine-se, agora, que na liquidação se verifique que os danos sofridos não têm valoração econômica (por exemplo, o único dano sofrido foi o desconforto causado pelo acidente, não tendo sido dem onstrado qualquer dano - m aterial ou m oral - quantificável). Nesse caso, a dem anda de liquidação deverá ser julgada improcedente, declarando-se a inexistência de dano indenizável.

O utro exemplo que poderia ser aqui figurado é o seguinte: um a sentença condena o réu ao pagam ento de certa quantia (esta, portanto, determ inada na própria sentença), como ressarcim ento pelos danos causados em razão de um acidente por ele provocado e - num segundo capítulo - condena o réu a ressarcir o autor por todas as despesas que este ainda venha a ter, em razão do acidente, com tratam ento médico.

Iniciada a liquidação da sentença, para apuração do quantum debeatur re­ferente à segunda parte da sentença, pode ocorrer que o autor não consiga dem onstrar nenhum fato novo, nenhum a nova despesa referente a tratam ento médico em razão dos danos sofridos naquele acidente. Deverá, então, ser ju l­gado im procedente o pedido de liquidação da sentença, por ter-se chegado à conclusão de que o valor devido em razão da condenação é zero.

Essa decisão, a meu sentir, não rescinde a sentença condenatória genérica,14 pois que esta se m antém íntegra em seu conteúdo. A sentença con­denatória genérica, como visto, condena o réu a pagar certa quantidade (ainda desconhecida) de coisas fungíveis. A declaração posterior de que nada havia a pagar não infirm a a existência de relação obrigacional en tre as partes, mas tão som ente nega a existência de valoração econômica da prestação devida.

A afirmação contrária, de que não se pode alcançar o valor zero, é que - data venia - contraria a lógica. D eterm inar ao juiz que declare um valor quando não está convencido de que este seja o correto (ou, pior, quando estiver con­

13 Note-se que, em bora por força da Lei ne 11.232/2005 a liquidação de sentença tenha perdido sua condição de processo autônomo, o pedido de liquidação continua a ser um ato de ex e rd d o do poder de ação (que é o poder - exercido ao longo de todo o processo - de instar o Estado a prestar tu tela jurisdicional). Assim, continua possível falar-se em "ação de liquidação" ou em dem anda de liquidação, ainda que não se possa mais falar em "processo de liquidação".

14 Em sentido contrário e por isso m esm o inadm itindo a liquidação que chegue ao resultado zero, Alfredo Buzaid, Da liquidação por artigos em ação de ressarcim ento de perdas e danos, in RePro, vol. 43, p. 11.

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vencido de que nenhum valor seria certo, porque na hipótese nada é devido) seria violar, indevidam ente, o princípio do livre convencim ento do juiz e, por conseguinte, a própria independência do magistrado. Além disso, convencido o juiz de que nada há a pagar, ou seja, de que o valor da prestação devida é zero, qualquer valor que viesse a ser fixado na decisão do incidente de liquidação seria arbitrário, o que é inadmissível num sistem a processual que se pretende m oderno e democrático.

O utra hipótese que pode ser lem brada e que dem onstra a possibilidade de que a liquidação term ine com resultado zero é a liquidação de sentença pe­nal condenatória. Esta, que produz como efeito secundário tom ar certa a obri­gação de indenizar, não apresenta o quantum debeatur, ressentindo-se, assim, o direito do ofendido de liquidez.15 N ada impede, porém , que na liquidação da sentença verifique-se que o crime não gerou dano indenizável (basta pensar, por exemplo, num a sentença que tenha condenado alguém por tentativa de lesão corporal, em que nenhum dano tenha efetivam ente sofrido o ofendido). O resultado da liquidação, nesse caso, terá de ser igual a zero.

Possível, pois, que o resultado do incidente de liquidação da sentença (rectius, liquidação da obrigação acertada na sentença) seja igual a zero.

§ 2e ESPÉCIES

O Código de Processo Civil conhece apenas duas espécies de liquidação de sentença: liquidação por arbitram ento e liquidação por artigos. Há, ainda, um a terceira espécie, estranha ao sistem a codificado, regulada no Código de Defesa do Consumidor, e que pode ser denom inada de "liquidação individual da sentença coletiva” (art. 97 do CDC) .16 Tratarei, neste passo, apenas das duas modalidades de liquidação regidas pelo CPC, evitando-se, com isso, desvios de percurso que a análise de um a figura de liquidação regida por princípios estranhos ao da lei processual com um obrigaria, quando esta é (ou ao m enos pretende ser) um a exposição do sistem a com um do processo civil brasileiro.

Assim sendo, considerar-se-ão aqui, tão som ente, duas figuras de liqui­dação de sentença: por arbitram ento e por artigos.

15 Significa isto dizer, em outras palavras, que a sentença penal condenatória, em verdade, não é títu lo executivo, hábil a to rnar adequada a via executiva com o form a de perm itir a satisfação do ofendido em seu direito, m as sim títu lo para o incidente de liquidação de sentença. Apenas após a liquidação é que se te rá títu lo executivo.

16 Foi esta terceira espécie de liquidação que levou D inam arco a escrever um ensaio sobre o tem a, que cham ou de As Três Figuras da Liquidação de Sentença, para onde se rem ete o leitor para m aiores considerações sobre a mesm a.

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A prim eira destas modalidades, a liquidação por arbitram ento, é utilizada toda vez que, para determ inar o quantum debeatur, seja necessária a nomeação de um perito, para se atribuir valor a um a coisa, serviço, ou a um prejuízo.17 O arbitram ento é, em suma, um a perícia (que, neste processo, funcionará - mais do que como m ero meio de prova - como um a form a de liquidar a obrigação), feita pelo arbitrador (o qual, pois, é um perito ).18

Pense-se, por exemplo, num a sentença que tenha condenado o dem anda­do a pagar ao dem andante honorários pelos serviços por este prestados como profissional liberal. Genérica a condenação, faz-se m ister a liquidação da sen­tença (;rectius, liquidação da obrigação) a qual dependerá, apenas, da avaliação do serviço prestado. Far-se-á, pois, a liquidação por arbitram ento.

Ajuizada a dem anda de liquidação por arbitram ento, será o dem andado intim ado, a fim de se regularizar o desenvolvim ento do incidente processual. Essa intimação, nos term os do que dispõe o § P do art. 475-A, será feita na pessoa do advogado que tenha patrocinado o dem andado no m ódulo proces­sual de conhecim ento condenatório. O poder para receber esta intim ação está implícito na cláusula que dá ao advogado os poderes gerais para o foro (chama­da "cláusula ad judicia”), não havendo necessidade de que do m andato judicial conste poder especial para tal fim .19 A intimação do dem andado, feita na pes­soa do advogado, realiza-se ordinariam ente pela publicação, no órgão oficial, de notícia do despacho que ordena tal intimação.

N esse despacho lim inar de conteúdo positivo, é bom frisar desde logo, o juiz não se lim ita a determ inar a intimação do dem andado, m as tam bém no ­m eia o perito e fixa o prazo para a entrega do laudo.

Apesar do silêncio da lei, poderão as partes, no prazo de cinco dias, apre­sentar assistente técnico, além de form ular quesitos, o que se diz por aplicação analógica do disposto no art. 421, § P , do CPC. Poderá o dem andado, ainda, nesse prazo, contestar a dem anda de liquidação, alegando, por exemplo, "ca­rência de ação”, ou prescrição, ou qualquer ou tra m atéria de defesa (sendo cer­to que, quanto às defesas de m érito, som ente poderão ser alegadas aquelas que

17 Dinam arco, Execução civil, p. 538.

18 N ão se deve confundir a figura do arb itrador com a do árb itro nem o arb itram en to com a arbitragem . Sobre a d istinção en tre as duas figuras, consulte-se Freitas Câm ara, Arbitragem, p. 39-40.

19 O bviam ente, se a parte não teve advogado no processo condenatório (o que se adm ite se, por exem plo, o dem andado perm aneceu revel), ou se o advogado não for m ais o m andatário da parte (por te r renunciado ao m andato ou p o r te r sido ele revogado pelo m andan te), a in tim ação será pessoal e seguirá en tão as regras com uns da in tim ação no m ódulo processual de conhecim ento . O que não se pode é adm itir que, não havendo advogado que rep resen te o dem andado, possa o inc iden te p rocessual de liquidação se desenvolver sem que haja in tim a­ção válida (afinal, o con trad itó rio é essencial em qualquer fase do processo, sendo verdadeiro req u is ito de validade de seu resu ltado).

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possam vir a ser conhecidas dentro dos restritos lim ites do objeto da cognição judicial do incidente de liquidação).

A presentado o laudo pericial, terão as partes o prazo de dez dias, co­m um , para sobre ele se m anifestar (art. 475-D, parágrafo único). Após a m a­nifestação das partes (ou decorrido o decêndio sem que as m esm as tenham se m anifestado), o juiz poderá proferir decisão desde logo ou, sendo necessário (porque, por exemplo, faz-se necessário que o perito apresente, oralm ente, es­clarecimentos sobre o laudo), designará audiência de instrução e julgam ento, tornando-se possível, aí sim, a prolação de decisão.

A segunda modalidade de liquidação de sentença é a chamada liquidação por artigos, a qual, nos term os do art. 475-E do CPC, é feita "quando, para deter­m inar o valor da condenação, houver necessidade de alegar e provar fato novo”.

Verifica-se, pela redação do dispositivo citado, que o elem ento que tom a adequada esta modalidade de liquidação é a existência de fato novo, que deve ser alegado e provado, para tom ar possível a determ inação do quantum debeatur.

Não há m uita dúvida, em doutrina, acerca da conceituação deste fato novo. Sabe-se que tal fato se relaciona, exclusivamente, com o quantum debeatur, não dizendo respeito à existência ou inexistência do direito liquidando (isso porque, como visto, no incidente de liquidação, não se discute nada a respeito da existência ou não desse direito, pois que esta questão já terá ficado superada pela sentença condenatória genérica).20

Há que se verificar, pois, o que deve ser entendido por fato novo, que diga respeito ao quantum debeatur, e que pode ser alegado em liquidação de sentença por artigos.

Para notável expositor do tema, fato novo "é aquele que surge (aparece) sem pre por ocasião da instauração do processo de liquidação da sentença e que se encontra contido virtualm ente dentro da sentença condenatória gené­rica típica, ligado ao seu conteúdo, não im portando se o seu aparecim ento, no m undo empírico, se verificou antes do ajuizam ento da ação condenatória genérica, não tendo sido expressam ente alegado, discutido e provado dentro do processo por ela instaurado (fato pretérito), ou se veio a materializar-se durante o desenrolar deste últim o ou, ainda, após a prolação da condenação (fato superveniente à instauração ou térm ino do processo condenatório) ou, finalmente, se o seu surgim ento se deu após a própria instauração do processo de liquidação (fato superveniente à instauração do processo de liquidação, mas surgido antes da prolação da sentença que julga e põe term o a este processo), sendo, portanto, passível de liquidação por artigos, na m edida em que é con­siderado Tato novo '”.21

20 Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. II, p. 96-97.

21 M atteis de A rruda, Liquidação de sentença, p. 105. N ote-se que no trecho transcrito se fala em “processo de liquidação", por ser a obra citada an terior à Lei n° 11.232/2005.

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Para a m elhor doutrina, pois, o que qualifica o fato como "novo” não é o m om ento em que surge no m undo fenomênico, m as sim o m om ento em que é trazido à cognição judicial. Assim, seria fato novo, capaz de ser alegado e provado em liquidação por artigos, o fato que tenha surgido antes de ajuizada a dem anda condenatória, e que nela não tenha sido alegado; o fato surgido no curso do processo condenatório, mas que nele não tenha sido levado em con­sideração; o fato surgido após a formação da sentença condenatória, m as antes do ajuizam ento da dem anda de liquidação; e, por fim, o fato superveniente à própria instauração do incidente de liquidação de sentença. Desde que tal fato diga respeito ao quantum debeatur, revelar-se-á adequada a liquidação por arti­gos. Pode-se dizer, com apoio na lição de outro respeitado processualista de São Paulo, que "fato novo é o fato pertinente ao valor que não foi considerado na sentença exatam ente porque a sentença não o fixou; não quer dizer fato superveniente. O fato pode ser, até, anterior à sentença, mas é novo para o processo porque não serviu de fundam entação à condenação”.22

Pode-se pensar, por exemplo, num a dem anda em que se tenha pedido a condenação do réu ao pagam ento de indenização, capaz de ressarcir as despe­sas médicas tidas pelo dem andante em razão de acidente de trânsito . Im possí­vel fixar, no m om ento da propositura da dem anda, a extensão do dano sofrido, form ulou-se pedido genérico, tendo a sentença julgado o pedido procedente para o fim de condenar o dem andado a indenizar o dem andante por todas aquelas despesas. No m ódulo processual de conhecim ento condenatório, pois, terão sido provados os fatos constitutivos do direito do dem andante, assim considerados o acidente que causou os danos e a culpa do dem andado pelo evento. N a liquidação de sentença, pretende o dem andante alegar (e provar) que se subm etera a três cirurgias em razão do acidente: um a antes ainda de ajuizar a dem anda condenatória, ou tra no curso daquele prim eiro processo e, ainda, um a terceira após a prolação da sentença condenatória genérica. Todos estes fatos, pertinentes ao quantum debeatur, e novos como objeto de análise do juízo, serão trazidos à cognição judicial através da liquidação por artigos.

O procedim ento da liquidação por artigos é o comum, ordinário ou su­mário, conforme dispõe o art. 475-F do CPC. Tem entendido a doutrina, de form a unânim e, que a liquidação por artigos seguirá o m esm o procedim ento do m ódulo processual de conhecim ento condenatório. Tendo este seguido o procedim ento ordinário, será o m esm o observado na liquidação. Já no caso de o m ódulo processual de conhecim ento condenatório ter observado o procedi­m ento sumário, tam bém será este o utilizado no incidente de liquidação.23

22 Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, vol. III, p. 46-47.

23 Wambier, Liquidação de sentença, p. 134.

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No caso em que o m ódulo processual de conhecim ento condenatório seguiu algum procedim ento especial, parece-me que se deve verificar se tal procedim ento é daqueles que se convertem em ordinário. N este caso, será o ordinário o procedim ento adequado para o incidente de liquidação de sen­tença por artigos. Em caso contrário, dever-se-á utilizar o procedim ento su­m ário ou o ordinário conforme o valor da causa fixado para a liquidação (até 60 salários-mínimos, procedim ento sum ário; mais do que isso, procedim ento ordinário).24

Não se pode encerrar esta breve exposição acerca da liquidação de sen­tença sem fazer algum a referência às sentenças que dependem, para a determ i­nação do quantum debeatur, de m ero cálculo aritm ético. D eterm ina o art. 475-B do CPC que nesse caso o credor procederá à execução por quantia certa, ins­tru indo sua dem anda com m em ória discrim inada e atualizada do crédito. Esse dispositivo sucede o antigo art. 604 do CPC, que com a redação que lhe deu a Lei n Q 8.898/1994, pôs fim à vetusta e inadequada "liquidação de sentença por cálculo do contador”. Antes desta alteração na redação do dispositivo, nas hipóteses em que bastava um a operação aritm ética para determ inar o quantum debeatur, procedia-se a um processo de liquidação de sentença, o qual se reali­zava através da elaboração da conta pelo contador do juízo. Tratava-se, porém, de um a esdrúxula m odalidade de liquidação, em que se buscava conferir liqui­dez a um a obrigação que já tinha este requisito.

A afirmação de que tal sentença já era líquida decorre de algo m uito facilmente perceptível: se bastava um a operação de cálculo aritm ético para de- term inar-se o quantum debeatur, isto significa dizer que todos os fatores para a elaboração de tal conta já se encontravam contidos na sentença. Assim sendo, tal sentença já representava um direito líquido. Basta pensar num a sentença que tivesse condenado o dem andado a pagar ao dem andante a quantia X, mais juros de m ora de um por cento ao mês e atualização m onetária a contar da cita­ção, pelo índice A. Tal sentença, como se vê facilmente, já apresenta um direito líquido, pois que a quantidade de m oeda devida já está nela determ inada. Não fazia sentido, assim, que se exigisse a realização de um incidente de liquidação de sentença.

Pelo sistem a atual, os autos não vão mais ao contador judicial. Cabe ao credor, ao ajuizar sua dem anda executiva, apresentar m em ória discrim inada e atualizada de cálculo, afirmando quanto pretende receber através do m ódu­lo processual executivo. O executado que, eventualm ente, queira im pugnar a conta, por considerá-la errada, poderá fazê-lo através da oposição de embargos de impugnação à execução.25

24 Dinam arco, A reforma do Código de Processo Civil, p. 321.

25 Freitas Câmara, Lineamentos do novo processo civil, p. 155. Antes da Lei n° 11.232/2005, havia quem adm itisse tal alegação na própria execução, sem necessidade de oferecim ento de em bargos

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A Lei nQ 10.444/2002 (em dispositivos que foram, posteriorm ente, re­produzidos - com ligeiras alterações formais que não modificam seu conteú­do - pela Lei n Q 11.232/2005) criou dois casos em que os autos deverão ser rem etidos ao contador judicial, já depois de dem andada a execução forçada do crédito (sem ressuscitar, pois, o inaceitável processo de liquidação por cálculo do contador). Primeiro caso é o de exequente beneficiário da justiça gratuita, já que nem sem pre o defensor público ou advogado que patrocine seus interesses terá condições de elaborar a planilha de cálculo necessária ao desenvolvimen­to da execução. Nesse caso, incum be ao Estado - que tem o dever de prestar assistência jurídica integral - prover as condições para que o exequente possa apresentar o cálculo. A conta elaborada pelo contador judicial, todavia, deverá ser recebida como cálculo elaborado pelo exequente, e não pelo juízo.

O outro caso de rem essa dos autos ao contador é aquele em que ao juiz da execução parece haver excesso na conta apresentada pelo exequente. Nesse caso, deverá o juiz determ inar a rem essa dos autos ao contador. Vindo a conta elaborada pelo contador judicial, deverá o exequente ser sobre a m esm a ouvi­do. Concordando ele com a conta feita pelo auxiliar do juízo, a execução será processada pelo valor agora encontrado. Por outro lado, não concordando o exequente com o cálculo do contador, prosseguirá a execução pelo valor origi- nariam ente pretendido pelo exequente (nem poderia ser diferente, em razão do caráter abstrato da "ação de execução”, que existe m esm o que o direito subs­tancial não exista, sendo pois incompatível com o sistem a im pedir o dem andan­te de postular aquilo que entenda lhe ser devido, ainda que posteriorm ente se verifique que o direito substancial por ele afirmando, afinal, não existe). Nesse caso, todavia, como forma de proteção a ser dispensada ao executado (verda­deira tutela antecipada em seu favor, já que é provável que o executado - e não o exequente - tenha razão quanto ao valor da execução), a penhora deverá recair a princípio sobre bens que bastem para garantir o pagam ento do valor encontrado pelo contador judicial. Feita a penhora de bens capazes de garantir a execução desse valor, poderá o executado oferecer sua impugnação alegando ex­

(assim, Wambier, Liquidação de sentença, p. 167). É de se citar, ainda, a posição de Dinamarco, para quem os erros de cálculo visíveis a olho nu poderão ser corrigidos de oficio, pelo juiz da execução (As três figuras da liquidação de sentença, p. 25). A posição que defendia antes da Lei n° 11.232/2005, porém , segundo a qual apenas nos em bargos fundados em excesso de execução poder-se-ia conhecer da questão, se revelou dom inante na doutrina. Assim, defendiam-na, en­tre outros, Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, vol. III, p. 45; A thos Gusm ão Carneiro, Da liquidação de sentença conforme a Lei n° 8.894/1994, in Reforma do Código de Processo Civil, coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira, p. 654; Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol.II, p. 95. Com a entrada em vigor da Lei n° 11.232/2005, que fez desaparecer a possibilidade de oferecim ento de em bargos incidentem ente à execução fundada em sentença, penso que as razões para toda a discussão desaparecem, já que tal alegação se fará, certam ente, na im pugnação que o executado eventualm ente ofereça.

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cesso de execução (não excesso de penhora, frise-se, mas excesso de execução). Registre-se, porém, que no caso de o executado não oferecer impugnação ale­gando o aludido excesso dever-se-á ampliar a penhora, a fim de que esta alcance bens capazes de garantir o pagamento do valor pretendido pelo exequente.

Além disso, não se pode deixar de dizer que há casos em que a elaboração do cálculo pelo exequente depende de elem entos de que o m esm o não dispõe. N este caso, poderá o exequente requerer ao juízo que determ ine a quem tiver tais elem entos (o próprio executado ou um terceiro) que os exiba, no prazo de 30 dias. Não sendo cum prido o preceito judicial injustificadam ente, deverá o juiz receber como verdadeiros os cálculos apresentados pelo exequente quan­do era do executado o dever de fazer a exibição (o que significa dizer que o exe­cutado não poderá, nesse caso, im pugnar o valor apresentado pelo exequente); ou determ inar a expedição de m andado de apreensão dos docum entos e con­siderar desobediência (com todas as conseqüências, inclusive penais, disso) a resistência do terceiro em exibir os elem entos necessários à elaboração do cál­culo. O que se tem aqui, registre-se, é um a modalidade simplificada de "ação de exibição de docum ento”, a ser usada quando o docum ento cuja exibição se exige é necessário para a elaboração do cálculo do valor da execução.

Pode-se encerrar esta exposição acerca da liquidação de sentença m os­trando que aqui tam bém h á um a escalada de situações envolvendo a sentença condenatória (sendo certo que esta é um a "escalada descendente”, em que se apresenta, em prim eiro lugar, a mais com pleta das sentenças condenatórias, e cam inhando-se em direção àquela que está mais distante de perm itir a instau­ração do m ódulo processual executivo):

a) a sentença condenatória ordinária que já contém a determ inação precisa do quantum debeatur, prescindindo de qualquer atividade posterior para que possa ser instaurada a execução;

b) a sentença condenatória ordinária que exige, para a determ inação do quantum debeatur, da realização de cálculos aritm éticos, os quais deverão ser realizados pelo credor, para que se possa iniciar o pro­cesso executivo (com a incidência, se for o caso, do disposto nos quatro parágrafos do art. 475-B do CPC);

c) a sentença condenatória genérica em que, para a determ inação do quantum debeatur, faz-se necessária um a avaliação de coisas, servi­ços ou prejuízos, hipótese em que será necessária a liquidação da obrigação por arbitram ento;

d) a sentença condenatória genérica em que, para determ inação do quantum debeatur, faz-se necessário alegar e provar fato novo, caso em que será necessário, para a instauração do m ódulo processual executivo, que se faça a liquidação por artigos.

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Liquidação de Sentença 2 5 5

Fica fora desta escalada, por ser estranha ao sistem a do CPC, a sentença condenatória genérica do CDC, proferida em "ação coletiva” e que perm ite a liquidação e execução individuais, devendo-se, na liquidação da sentença, dem onstrar a condição de lesado e a extensão do dano. Esta ocuparia, sem dúvida, a ú ltim a posição da escalada a que me referi, por ser a condenação a que faltam mais elem entos para que se possa realizar o m ódulo processual executivo.

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X

ESPÉCIES DE EXECUÇÃO

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§ l e EXECUÇÃO PARA ENTREGA DE COISA

Encerrado o estudo da teoria geral da execução, passa-se à análise das diversas espécies de execução. O direito positivo brasileiro optou por um sis­tem a de determ inação de tais espécies baseado no direito material, levando em conta o tipo de obrigação cujo cum prim ento se pretende exigir. Fala-se, assim, em execução para entrega de coisa e execução por quantia certa (para as obrigações de dar coisa e de dar dinheiro), execução de obrigação de fazer e execução de obrigação de não fazer. Este não é o único sistem a conhecido, havendo ordenam entos que determ inam as espécies de execução com base num critério híbrido, m isturando aspectos substanciais e processuais (fala-se, na Itália, em execução por expropriação, para entrega, e das obrigações de fazer e não fazer). O utros países, como a Alemanha, adotam sistem a sem elhante ao nosso (havendo, nesse país, execução por créditos em dinheiro, para entrega ou prestação de coisas, ou para a obtenção de ações ou abstenções).

A doutrina, porém, tem sugerido critérios baseados, apenas, em aspec­tos processuais. Assim, fala-se em execução por expropriação, por desapossa- m ento e por transform ação.1 Em bora este tam bém me pareça o sistem a mais adequado, irei - aqui - em pregar os critérios de classificação utilizados pelo

1 Dinam arco, Execução civil, p. 316. O utro critério puram ente processual para distinguir as espécies de execução é proposto por C am elutti, que fala em execução por expropriação, por

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2 5 8 Lições de Direito Processual Civil • Câmara

direito objetivo e tratarei da execução para entrega de coisa (certa e incerta), execução das obrigações de fazer e de não fazer, execução por quantia certa (contra devedor solvente e contra devedor insolvente).

É de bom alvitre recordar-se, neste ponto, que o modo de se desenvolver da execução varia conforme seja o títu lo judicial ou extrajudicial, sendo, pois, necessário examinar-se, separadam ente, cada um desses m odos quanto à ati­vidade jurisdicional executiva.

A prim eira espécie de execução a ser examinada, pois, é a execução para entrega de coisa, que pode ser para entrega de coisa certa ou incerta.

1.1 Execução para Entrega de Coisa Certa

Em prim eiro lugar, deve-se exam inar a execução para entrega de coisa certa que se realiza com base em título executivo judicial. Esta, como se sabe, não se apresenta como um processo autônom o em relação àquele em que se form a o título, m as como um a segunda fase do m esm o processo.

Dispõe o art. 461-A do CPC que "na ação que tenha por objeto a en­trega de coisa, o juiz, ao conceder a tu te la específica, fixará o prazo para o cum prim ento da obrigação”. Sendo assim, ajuizada dem anda em que se tenha postulado a condenação do dem andado a entregar coisa certa, deverá o juiz, na sentença de procedência do pedido, não só condenar o dem andado a entregá- -la, mas tam bém estabelecer o prazo dentro do qual o com ando contido na sentença deverá ser cum prido. Além disso, deverá a sentença tam bém estabe­lecer a m ulta pelo atraso no cum prim ento da obrigação, tenha ou não havido requerim ento de sua fixação na petição inicial, conforme estabelece o art. 287 do CPC, na redação que lhe atribuiu a Lei n Q 10.444/2002, com binado com o art. 461-A, § 3Q (criado pela m esm a Lei), e com o art. 461, § 4Q, am bos do m esm o Código.

A partir do m om ento em que a sentença começar a produzir efeitos, o que se dará com o seu trânsito em julgado ou, antes disso, com o recebim ento de recurso sem efeito suspensivo, o juiz, de ofício ou m ediante requerim ento do interessado, determ inará a intimação do dem andado para cum prir a sen­tença no prazo que lhe tenha sido assinado. N ão sendo a coisa entregue ao de­m andante no prazo, começa a incidir a m ulta, que atua como m eio de coerção, a fim de que o dem andado se sin ta pressionado a cum prir a condenação e, além disso, determ inará o juiz a expedição de m andado de busca e apreensão ou de im issão na posse (conforme se trate de coisa móvel ou imóvel).

entrega ou transform ação (critério aceito tam bém por Enrico Tbllio Liebman, Manual de direito processual civil, vol. I, trad. bras. e notas de Cândido Rangel Dinam arco. p. 214).

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Espécies de Execução 2 5 9

Vê-se, pois, que a sentença que condena a entregar coisa certa é autoexe- cutável, pois pode ser executada de ofício pelo juiz dentro do m esm o processo em que foi proferida, independentem ente do ajuizam ento de dem anda execu­tiva e da instauração de processo de execução ex intervallo. Esse modelo, antes da Lei n 2 10.444/2002, já era conhecido do D ireito brasileiro, que o empregava em alguns procedim entos especiais, como o da "ação de despejo” e o da "ação de reintegração de posse”. Com a segunda etapa da reforma do CPC, porém, esse passou a ser o modelo comum, a ser em pregado ordinariam ente.

Além disso, inovou a Lei n Q 10.444/2002 ao tom ar possível a utilização das astreintes, m ultas periódicas pelo atraso no cum prim ento das obrigações, no campo da obrigação de entregar coisa, já que anteriorm ente seu campo de incidência era restrito às obrigações de fazer e de não fazer. Pode-se, pois, usar, nos processos que tenham por objeto o cum prim ento de obrigação de entregar coisa, um a combinação de meios de subrogação (meios executivos propriam ente ditos) e de coerção, o que am plia a eficiência do processo, o qual se revela assim mais capaz de perm itir que se proporcione ao titu lar do direito m aterial aquilo que ele tem o direito de obter.

O procedim ento da execução para entrega de coisa certa fundada em títu lo executivo extrajudicial está regulado nos arts. 621 a 628 do CPC e se di­vide em três fases: postulatória, instru tória e satisfativa.2 Examinarei, a seguir, cada um a dessas fases.

1.1.1 Fase Postulatória

O procedim ento inicia-se, obviamente, com um a dem anda do exequen­te, já que a execução por título extrajudicial é um verdadeiro processo au tôno­mo. Esta dem anda será apresentada através de um a petição inicial, que deverá atender aos requisitos do art. 282 do CPC (som ente os aplicáveis à hipótese, não se falando, por exemplo, em especificação de provas com que o dem andan­te pretenda dem onstrar a veracidade de suas alegações, por m anifestam ente inadequado para o processo executivo), devendo ainda vir acom panhada do título executivo extrajudicial, conforme dispõe o art. 6 1 4 ,1, do CPC.

N a petição inicial da execução para entrega de coisa certa, deverá o de­m andante requerer a citação do executado para que, no prazo de dez dias, entregue a coisa ou a deposite em juízo (art. 621).

É de se afirmar, desde logo, que a redação do art. 621 do CPC (apesar de já ter sido diversas vezes alterada) é extrem am ente confusa, pois pode levar o

2 Essas três fases, que form arão todos os procedim entos executivos, são referidas pela mais autorizada doutrina brasileira sobre o processo de execução (confira-se, pois, Dinam arco, Exe­cução civil, p. 321).

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intérprete a conclusões equivocadas. Isso porque, nos term os daquele dispo­sitivo, "o devedor de obrigação de entrega de coisa certa, constante de títu lo executivo extrajudicial, será citado para, dentro de 10 (dez) dias, satisfazer a obrigação, ou, seguro o juízo (art. 737, II), apresentar em bargos”. Esta redação pode dar a im pressão de que, no prazo de dez dias, o executado poderia optar entre entregar a coisa ou depositá-la em juízo, oferecendo - ainda dentro do m esm o prazo - em bargos à execução. Não é assim, porém . O prazo de dez dias a que se refere a lei era, anteriorm ente, para que o dem andado entregasse a coisa ou, querendo oferecer embargos, a depositasse em juízo. Realizado o depósito, teria o dem andado novo prazo, tam bém de dez dias, para oferecer seus em bargos do executado. O prazo a que se refere o art. 621, portanto, nunca disse respeito aos embargos. D entro do decêndio, poderia o executado optar entre entregar a coisa ao dem andante ou depositá-la em juízo. M elhor seria, portanto, se o art. 621 fosse assim redigido: "O devedor de obrigação de entrega de coisa certa, constante de títu lo executivo extrajudicial, será citado para, dentro de dez dias, satisfazer a obrigação ou garantir o juízo a fim de apresentar em bargos.”3

Com a edição da Lei n Q 11.382/2006, porém, as coisas ficaram ainda mais estranhas. É que não se alterou a redação do art. 621 do CPC, mas se revogou o art. 737 do Código. Além disso, foi modificado o prazo para ofereci­m ento dos em bargos do executado, bem como o term o inicial de sua fluência. Assim sendo, toda a interpretação do art. 621 teve de ser alterada. Agora, é de se considerar que o executado é citado para, em dez dias, entregar a coisa ao exequente. Feita a entrega, extinguir-se-á a execução. Poderá, ainda, o executa­do oferecer a coisa em depósito, no m esm o prazo de dez dias e, com isso, evitar a incidência de m ulta. O depósito, porém, deixou de ser exigido para ofereci­m ento dos em bargos do executado, cabíveis em 15 dias a contar da juntada aos autos do m andado de citação devidam ente cum prido.

1.1.2 Fase Instrutóría

Citado o executado, e entregando ele a coisa ao dem andante no decên­dio referido no art. 621, estará satisfeito o crédito, devendo o juízo proferir sentença declarando extinto o processo executivo. O ptando o dem andado por depositar a coisa em juízo, deverá ser lavrado um term o de depósito, ficando a coisa à disposição do juízo até o julgam ento dos embargos.

Pode ocorrer, porém, que o executado deixe decorrer o prazo de dez dias sem se manifestar, não entregando a coisa, nem a depositando. Neste caso, e nos term os do que dispõe o art. 625, será expedido m andado de busca e apreensão

3 Já havia feito esta m esm a crítica, que agora reitero, em oportunidade anterior. Confira-se, pois, Freitas Câm ara, Lineamentos do novo processo civil, p. 156. Crítica com o a que se faz no texto é encontrada na obra de Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 199.

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(em se tratando de coisa móvel) ou de imissão na posse (quando se tratar de coisa imóvel). Não cum prindo o executado a determinação para que entregue ou deposite a coisa em juízo no decêndio, ficará sujeito ao pagamento de m ulta pelo atraso, na forma do parágrafo único do art. 621 do CPC, instituído pela Lei n2 10.444/2002.

Estando a coisa devida no patrim ônio de terceiro, e não no do executado (nos casos em que a alienação do bem tenha sido fraudulenta), será a coisa ali buscada (art. 626), e o terceiro que a adquiriu só será ouvido pelo juízo depois de depositá-la.

Não sendo a coisa entregue ao exequente, ou tendo ela deteriorado ou desaparecido, terá o dem andante direito a receber o seu valor em pecúnia, além de perdas e danos que eventualm ente sejam apurados (art. 627). N este caso, a execução se converte em execução por quantia certa, procedendo-se a um a liquidação incidente, para determ inação do valor da coisa (salvo se este já estava determ inado no títu lo executivo), além do m ontante devido como reparação de perdas e danos.4

Tendo o executado (ou um terceiro) realizado benfeitorias indenizáveis na coisa, não poderá o exequente recebê-la antes da liquidação de seu valor. Havendo saldo em favor do au to r das benfeitorias, este deverá ser depositado pelo dem andante quando requerer o levantam ento do bem; havendo saldo em favor do dem andante (o que pode ocorrer quando o dem andante tam bém for credor de algum a quantia em dinheiro, operando-se a com pensação dos créditos com saldo em seu favor), este poderá executá-lo nos m esm os autos (art. 628).

2.1.3 Fase Satisfativa

Após a fase postulatória, em que o exequente ajuíza sua demanda, re­querendo a citação do dem andado, e da fase instrutória, em que o dem andado, regularm ente citado, entrega a coisa ou a deposita, a fim de oferecer embargos (ou, decorrido in albis o decêndio a que se refere o art. 621, realizada a busca e apreensão ou a imissão na posse), passa-se à fase satisfativa. Aqui, diversas hipóteses devem ser consideradas.

Em prim eiro lugar, pode ter ocorrido que o dem andado tenha entregue a coisa no prazo a que se refere o art. 621 do CPC. Nesse caso, será lavrado term o de entrega da coisa, sendo esta passada às m ãos do exequente. Após, será proferida sentença, declarando extinta a execução.

Pode, ainda, ocorrer que o dem andado tenha depositado a coisa em juízo, a fim de evitar a incidência de m ulta eventualm ente fixada. Decorrido o prazo

4 N ão se trata, aqui, de processo de liquidação, m as de m era liquidação incidente, que será decidida por decisão interlocutória, sujeita a agravo.

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para oferecimento dos embargos sem que os m esm os sejam ajuizados, ou tendo sido os embargos do executado rejeitados liminarmente, será a coisa entregue ao exequente, com a lavratura do respectivo termo, e a prolação de sentença dando por finda a execução.

Recebidos os embargos do executado, será preciso verificar se aos mesmos foi ou não atribuído efeito suspensivo. Caso afirmativo, ficará a coisa à disposi­ção do juízo até o julgamento deste processo incidente. Rejeitados os embargos (quer porque tenha sido proferida sentença de improcedência da pretensão, quer porque tenha sido esse processo incidente extinto sem resolução do m érito), será a coisa entregue ao exequente, com a lavratura do term o de entrega e a conseqüente prolação de sentença declarando extinto o processo executivo. No caso de terem sido recebidos os embargos do executado sem efeito suspensivo, porém, a entrega da coisa ao exequente poderá se dar imediatamente, devendo o juízo da execução tom ar as cautelas necessárias para assegurar que a coisa re­tom e ao executado no caso de serem acolhidos os embargos.

Sendo a sentença dos em bargos desfavorável ao executado, não será ne­cessário esperar-se seu trânsito em julgado para que se possa entregar a coisa ao exequente, um a vez que a apelação contra tal sentença é recebida sem efeito suspensivo (art. 520, V, do CPC). A execução poderá, portanto, prosseguir, e será execução definitiva, um a vez que a sentença que ainda não terá transitado em julgado será a dos embargos, e não é ela o títu lo executivo.5 Não obstan­te o caráter definitivo da execução, nesse caso, o levantam ento da coisa pelo exequente pressupõe a prestação de caução, nos term os do disposto no art. 475-0 , m , do CPC.

Tendo sido os em bargos do executado julgados procedentes, será a coisa restitu ída ao executado, proferindo-se, a seguir, sentença que declare extinto o processo de execução. N este caso, ter-se-á desfecho anorm al do processo executivo, um a vez que não terá este se encerrado com a satisfação do crédito exequendo.

5 É preciso esclarecer, desde logo, este ponto: a execução só é provisória quando o títu lo exe­cutivo é sentença condenatória ainda não transitada em julgado (sujeita a recurso desprovido de efeito suspensivo). Q ualquer ou tro títu lo dará origem à execução definitiva (apesar da ilógica redação do art. 587 do CPC, que perm ite que um a execução definitiva se transform e em provisó­ria, o que deve ser in terpretado no sentido de que a execução definitiva, na hipótese ali prevista, observará, no que couber, as regras da execução provisória - especialm ente quanto à exigência de caução). Sendo definitiva a execução, a pendência de recurso contra a sentença que rejeitou os em bargos, ou que os extinguiu sem resolução do m érito, não a to rna provisória, pois o que pende de recurso, no caso, não é a sentença que se executa, m as a proferida nos em bargos do executado. N este sentido pronuncia-se a doutrina dom inante, como se vê, por todos, em Barbo­sa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 297. Em sentido contrário, em posição m inoritária na doutrina, Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. II, p. 21. Todas essas opiniões, registre-se, foram m anifestadas an teriorm ente à Lei n° 11.382/2006. A opinião m inoritária, do Prof. Theodoro Jr., acabou por ser aceita pela citada Lei ne 11.382/2006, ainda que contrariando doutrina e jurisprudência dom inantes, e deve a nova disposição legal, a m eu sentir, ser in terpre­tada nos term os do que nesta no ta de rodapé se afirmou.

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1.2 Execução para Entrega de Coisa Incerta

Esta segunda espécie de execução não difere muito, quanto aos aspectos procedim entais, da anterior. Regida pelos arts. 629 a 631 do Código de Pro­cesso Civil, quando fundada em título extrajudicial, e pelo art. 461-A, quando fundada em sentença, segue a execução para entrega de coisa incerta, em li­nhas gerais, o m esm o procedim ento estabelecido para a execução para entrega de coisa certa (como se vê, aliás, pela redação do art. 631 do CPC).

Há, porém , um a diferença essencial en tre as duas espécies de execução. É que na execução para entrega de coisa incerta há um m om ento inicial do procedim ento, destinado à concentração da obrigação, institu to que se faz pre­sente tam bém na execução de obrigação alternativa (art. 571 do CPC).

Esse incidente de concentração da obrigação decorre do fato de haver, no direito exequendo representado pelo título executivo, um a relativa incerteza. Não se pode falar, aqui, em incerteza, pura e sim plesm ente, pois em não ha­vendo certeza do direito não h á título executivo. Há, pois, incerteza relativa, já que a coisa a ser entregue está delimitada, no título, ao m enos pelo gênero e quantidade (arts. 461-A e 629 do CPC). É preciso, assim, que se determ inem os contornos da obrigação que se quer exigir, em toda sua extensão, para que se possa realizar a execução forçada do direito do dem andante.

Não se pode, porém, continuar a analisar esta modalidade de execução sem que se determ ine o que o CPC entende por coisa incerta, principalm ente para distingui-la da coisa fungível.

Fala o CPC, nos arts. 461-A e 629, em coisas determ inadas pelo gênero e quantidade, o que levou prestigiosa voz doutrinária a afirmar que "o que acon­tece é que, nessa epígrafe, o adjetivo "incerta” está em pregado como sinônim o de "indeterm inada”, ou melhor, de "ainda não determ inada”, m as que será logo determ inada pela escolha do devedor, ou pela resolução do credor.6

Há quem , em doutrina, identifique o conceito de coisa certa com o de coisa fungível, em bora adm itindo a possibilidade de a coisa incerta ser, excep­cionalm ente, infungível (como na obrigação de entregar um a tela de determ i­nado p in tor).7

De outro lado, há quem afirme que para a obrigação de entregar coisa fungível m ostra-se adequado o procedim ento da execução para entrega de coi­sa certa. Diz-se isto porque, segundo notável processualista brasileiro, "não há identidade conceptual en tre 'coisa incerta', no sentido em que tal expressão figura na rubrica da seção, e 'coisa fungível', ou seja, a coisa móvel que se pode substitu ir por ou tra da m esm a espécie, qualidade e quantidade (CPC de

6 Castro, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VIII, p. 166.

7 M endonça Lima, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VI, p. 641-642.

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2002, art. 85). Entre coisas fungíveis, nem sequer se põe a questão da escolha, porque a qualidade de todas elas é sem pre a mesm a, de sorte que a satisfação do credor não fica na dependência de ser-lhe entregue esta ou aquela: a indivi- dualização é irrelevante. Em princípio, pois, a execução para entrega de coisa fungível (ou de coisas fungíveis) pode seguir, sem dificuldade, o procedim ento traçado nos arts. 621 e segs. para a execução tendente à entrega de coisa certa, sendo desnecessário recorrer às norm as dos arts. 629 e 630”.8

Parece correta esta ú ltim a posição. A obrigação de entregar coisa fungível (ou coisas fungíveis) deve ser tratada como obrigação de entregar coisa certa. Isto porque a coisa fungível, por definição, pode ser substitu ída por ou tra do m esm o gênero, qualidade e quantidade. D este modo, sendo alguém obrigado a entregar dez sacas de feijão preto, pouco im porta - já que a qualidade deve ser sem pre a m esm a - se são entregues estas ou aquelas sacas. Não h á que se falar, assim, em escolha, porque esta não faz nenhum sentido quando as coisas entre as quais se deve escolher são idênticas.

Assim, parece-nos mais adequado considerar que o CPC, ao tra ta r da execução para entrega de coisa incerta, está se referindo às hipóteses em que alguém é obrigado a entregar coisa indeterm inada (mas determ inável), de­vendo o objeto a ser entregue ser escolhido entre coisas de qualidade diversa. Pense-se, e. g .f na obrigação de entregar um cavalo de determ inado haras. Entre os diversos cavalos que podem ser entregues haverá anim ais de diversas qua­lidades (um campeão de corridas de velocidade; outro, saltador de obstáculos; um, ainda, que seja grande reprodutor; e, por fim, um “pangaré”). N este caso, há que se fazer um a escolha, determ inando-se a coisa a ser entregue, pois a qualidade dos diferentes objetos é diversa.

No exemplo figurado, portanto, dever-se-á realizar o incidente de con­centração da obrigação, determ inando-se qual será a coisa que deverá ser en­tregue ao exequente. Feita a escolha (e decidida eventual im pugnação feita), a coisa devida passa a ser certa, e o procedim ento a ser utilizado é o da execução para entrega de coisa certa, conforme dispõe o art. 631 do CPC.

É preciso, antes de mais nada, determ inar a quem cabe a escolha da coisa que deverá ser entregue. O direito de escolha deve estar determ inado no título executivo, que - em princípio - dirá se tal direito, no caso concreto, é do cre­dor ou do devedor. Omisso o título, porém, é de se considerar que o direito de escolha cabe ao devedor.9 É preciso, assim, determ inar a quem cabe a escolha, para que se possa saber como a m esm a será m anifestada em juízo.

Tratando-se de execução por título extrajudicial, e cabendo a escolha ao exequente, deverá esta ser m anifestada na petição inicial, requerendo-se, em seqüência, a citação do dem andado para entregar a coisa escolhida pelo de­

8 Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 202.

9 Assis, Manual do processo de execução, p. 372.

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m andante no prazo de dez dias (podendo o dem andado, obviamente, optar por - dentro do m esm o prazo - depositar a coisa em juízo, a fim de, posteriorm en­te, ajuizar em bargos). O m issa a petição inicial quanto à escolha, neste caso em que o direito de escolher é do dem andante, é de se considerar que renunciou ao ins eligendi, o qual se transfere, então, para o dem andado.10

Sendo do executado o direito de escolha, será ele citado para, no prazo de dez dias, entregar a coisa ou depositá-la.11 Parece óbvio que, entregando o dem andado a coisa, dentro do prazo de dez dias (previsto no art. 621, aplicá­vel aqui por força do disposto no art. 631), te rá escolhido um a, entre aquelas que poderiam te r sido entregues. O m esm o se dá, obviamente, se o devedor depositar a coisa em juízo. A coisa depositada, nesse caso, ou tra não é senão a escolhida pelo dem andado.

Não se pode afastar, porém , a possibilidade de o dem andado, no prazo de dez dias, m anifestar ao juízo a sua escolha, dizendo qual a coisa a ser en­tregue, mas não efetuando nem a entrega, nem o seu depósito. N este caso (e ou tra não poderia ser a solução, já que era do executado o direito de escolher, direito este que terá ele exercido den tro do prazo assinado por lei), deverá ser respeitada a escolha, e a execução prosseguirá na form a prevista para o procedim ento da execução para entrega de coisa certa (com a expedição de m andado de busca e apreensão ou im issão na posse, conform e a coisa esco­lhida seja móvel ou imóvel).

Cabendo ao dem andado o direito de escolha, mas deixando ele transcor­rer in albis o decêndio de que dispõe para m anifestar sua escolha, tal direito se transfere para o exequente, que o exercerá como se dele tivesse sido, desde o início, o titu lar.12

Quando se tratar de execução de sentença, deve-se observar o disposto no § l ô do art. 461-A do CPC, segundo o qual, "tratando-se de entrega de coisa determ inada pelo gênero e quantidade, o credor a individualizará na petição inicial, se lhe couber a escolha; cabendo ao devedor escolher, este a entregará individualizada, no prazo fixado pelo juiz”. Significa isto dizer que no processo m isto (com fusão de cognição e execução) que tenha por objeto o cum prim en­to de entrega de coisa incerta, cabendo o ius eligendi ao dem andante, deverá ele exercê-lo já na petição inicial, ao dar início à fase cognitiva do processo. Por outro lado, sendo do dem andado a escolha, será ele condenado a entregar a coisa que escolher, no prazo assinado pelo ju iz .13

10 N este sentido , Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 203; A ssis, Manual do processo de execução, p. 373.

11 Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 202-203.

12 Assis, Manual do processo de execução, p. 373.

13 Divergem deste entendim ento Dinamarco, A reforma da reforma, p. 249, e José Rogério Cruz e Tucci, Lineamentos da nova reforma do CPC, p. 83. Para estes ilustres processualistas, a escolha deve ser feita pelo au tor na petição através da qual requer a execução da sentença, que não pode ser cha­

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A escolha da coisa a ser entregue deverá obedecer ao disposto no art. 244 do Código Civil de 2002, segundo o qual "nas coisas determ inadas pelo gênero e pela quantidade, a escolha pertence ao devedor, se o contrário não resultar do título da obrigação; m as não poderá dar a coisa pior, nem será obrigado a pres­tar a m elhor”. Nos term os da parte final deste dispositivo da lei civil, aquele a quem cabe a escolha não poderá escolher qualquer dos extrem os (nem a coisa melhor, nem a pior). Assim, se a escolha cabe ao exequente, este não poderá escolher a coisa melhor; e, cabendo o direito de escolha ao executado, este não poderá optar por entregar a pior.

Em razão desta regra, que orienta o exercício do direito de escolha (qual­quer que seja seu titular), regula o CPC, em seu art. 630, o incidente de im ­pugnação da escolha, que pode ser provocado pela parte contrária àquela que tiver determ inado a coisa a ser entregue.

D eterm ina o referido art. 630 do CPC que "qualquer das partes poderá, em 48 (quarenta e oito) horas, im pugnar a escolha feita pela outra, e o juiz decidirá de plano, ou, se necessário, ouvindo perito de sua nom eação”.

Assim , cabendo a escolha ao exequente (e tendo sido, pois, m anifestada na petição inicial), te rá o executado, após a citação, 48 horas para im pugnar a escolha feita. A pesar do silêncio da lei, não se pode deixar de considerar que a im pugnação tem pestiva da escolha, pelo executado, suspende o decêndio de que o m esm o dispõe para entregar (ou depositar) a coisa devida.14

Realizada a escolha pelo executado, com sua entrega ou depósito em juízo, terá o dem andante as mesmas 48 horas para im pugnar a escolha efetuada.

O incidente de impugnação da escolha poderá ser decidido de plano pelo juízo da execução, podendo ainda o juiz valer-se do auxílio de perito (ou, m es­mo, realizar inspeção judicial).15

Registre-se que o que até aqui se viu sobre a im pugnação da escolha só se aplica à execução por títu lo extrajudicial. Tratando-se de processo m isto, com duas fases (cognitiva e executiva), a escolha do dem andante - realizada na petição inicial - pode ser im pugnada pelo dem andado em sua contesta­ção. Já a escolha do dem andado, feita quando do cum prim ento da sentença, poderá ser im pugnada pelo dem andante no prazo de quaren ta e oito horas a

m ada de petição inicial por não dar origem a outro processo, m as a um a segunda fase do m esm o processo em que a condenação foi proferida. Data venia, não posso concordar com essa opinião, até m esm o pelo fato de essa segunda fase poder te r início de ofício. A m eu sentir, a escolha deverá ser m esm o feita na petição inicial, realizando-se, pois, a concentração da obrigação (no caso de pertencer ao dem andante o direito de escolha) no início da fase cognitiva do processo.

14 Neste sentido, Barbosa Moreira, O novo processo civil brasileiro, p. 203; Assis, Manual do processo de execução, p. 373.

15 M endonça Lima, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VI, p. 644.

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que se refere o art. 630 do CPC, aqui aplicável por analogia, já que om isso o art. 461-A sobre o tem a.

A partir daí, e nos term os do disposto no art. 631 do CPC, aqui já tantas vezes invocado, o procedim ento seguirá o sistem a previsto para a execução para entrega de coisa certa (isso porque, como salta aos olhos, realizada a es­colha, e após a decisão de eventual incidente de im pugnação da mesma, a coisa devida terá se tom ado certa, aplicando-se, pois, e sem qualquer dificuldade, esse procedim ento).

§ 2fi EXECUÇÃO DAS OBRIGAÇÕES DE FAZER E DE NÃO FAZER

Após tratar da execução da obrigação de entregar coisa (certa ou incerta), passa o CPC à regulamentação da execução das obrigações de fazer e de não fazer, de que passo a tratar. É bem recordar, aqui (e principalm ente no que con­cerne às execuções fundadas em título judicial, mas não só nelas), a influência do conceito de tu te la específica dessas modalidades de obrigação, tem a que mereceu do legislador a norm a contida no art. 461 do Código de Processo Civil.

N esta parte da obra, tratarei de quatro tem as, a saber:

a) execução das obrigações de fazer;b) execução das obrigações de não fazer;

c) m eios de coerção;d) tu te la jurisdicional específica das obrigações de em itir declaração

de vontade.

2.1 Execução das Obrigações de Fazer

Tema tratado no CPC em seus arts. 461, 632 a 638, a execução de obri­gação de fazer pode ser instaurada com base em título judicial ou extrajudicial. Tratando-se de execução fundada em título judicial, será ela m ero prolonga­m ento do m esm o processo em que a condenação foi proferida. Sendo fundada em título extrajudicial, ter-se-á um processo de execução, e o procedim ento será dividido (como soem ser os procedim entos executivos) em três fases: postulatória, instru tória e satisfativa. Trata-se, porém , de procedim ento extre­

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m am ente complexo, o que se deve à própria natureza da prestação devida, e sendo certo que ninguém pode ser coagido a prestar um fato.

Assim sendo, como se verá adiante, não havendo o cum prim ento vo­luntário da obrigação pelo executado, os m eios executivos (stricto sensu) são incapazes de levar ao resultado que se teria se a obrigação tivesse sido cum pri­da pelo meio e no m om ento norm ais. N esta hipótese, ter-se-á conversão em perdas e danos ou a substituição da atividade do executado pela de terceiro, às expensas daquele, o que nos leva a afirmar que, afinal, se terá um a inevitável conversão da execução de obrigação de fazer em execução por quantia certa.

Tratando-se de execução de obrigação de fazer fundada em sentença, aplica-se o disposto no art. 461 do CPC. Nesse caso, ter-se-á um processo m is­to, sincrético, com posto por um a fase cognitiva e ou tra executiva. As regras do Livro II do Código de Processo Civil, nesse caso, só são aplicáveis em caráter subsidiário, como form a de suprir as lacunas do art. 461 (conforme estabelece o art. 644 do CPC, com a redação que lhe deu a Lei n ô 10.444/2002). Encerra- -se, pois, a fase cognitiva com a condenação do dem andado a cum prir a obri­gação de fazer no prazo assinado na sentença, que estabelecerá tam bém um a m ulta (de ofício ou a requerim ento do dem andante) pelo atraso no cum pri­m ento do com ando contido na sentença. A partir do m om ento em que a sen­tença começar a produzir efeitos, seja por te r transitado em julgado, seja por ter sido adm itido recurso desprovido de efeito suspensivo, o juiz, de ofício ou m ediante requerim ento, determ inará a intim ação do dem andado para cum prir a prestação no prazo assinado na sentença,16 sob pena de incidir m ulta perió­dica pelo atraso no cum prim ento da obrigação (m ulta essa que poderá, mesmo depois de transitada em julgado a sentença, ser modificada, para mais ou para m enos, conforme seja insuficiente ou excessiva). Essa m ulta, conhecida como astreinte, é um poderoso meio de coerção, destinado a pressionar psicologica­m ente o dem andado, a fim de que este cum pra a obrigação.

Cum prida a obrigação no prazo assinado na sentença, extingue-se a exe­cução e, com ela, o próprio processo. Não sendo a obrigação cumprida, além de começar a incidir a m ulta (que só parará de incidir quando o direito material do dem andante for satisfeito, ou quando for convertida a obrigação em perdas e danos - o que se dará se o dem andante postular ou se for impossível obter a tu te la específica da obrigação ou a obtenção de resultado prático equivalente ao do adim plem ento), deverá o juiz - de ofício ou m ediante requerim ento - determ inar a utilização das chamadas medidas de apoio (meios de coerção e de sub-rogação, previstos no § 5Q do art. 461 do CPC, que se destinam a perm itir a obtenção da tu te la específica relativa à obrigação de fazer ou de resultado prá­

16 Essa intim ação será, necessariam ente, pessoal, conform e deixa claro o enunciado n° 410 da Súm ula da Jurisprudência D om inante do STJ.

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tico equivalente ao do adim plem ento). Essas m edidas de apoio, enum eradas exemplificativamente no Código de Processo Civil, poderão ser empregadas com apoio em força policial, quando necessário.

Tratando-se de execução de obrigação de fazer fundada em título ex­trajudicial, ter-se-á verdadeiro processo de execução, regido pelos arts. 632 e seguintes do CPC. Instaura-se o processo de execução, nesse caso (como em todos os dem ais), por força de um a dem anda, a ser levada ao juízo através de um a petição inicial, que deverá preencher os requisitos do art. 282 do CPC aplicáveis à execução. Além disso, deverá a petição vir acom panhada do título executivo, salvo em se tratando de execução de sentença civil condenatória, pois, nessa hipótese, a execução far-se-á nos próprios autos do processo cogni­tivo, e ali já estará a sentença.

Estando em term os a petição inicial, deverá o juiz determ inar a citação do executado, para que cum pra a prestação exigida, dentro do prazo assinado no títu lo executivo. Omisso que seja o títu lo quanto a este prazo, deverá o próprio juiz da execução fixá-lo (art. 632 do CPC).

Cum prida que seja a prestação, estará satisfeito o direito exequendo, e deverá o juiz proferir sentença, declarando extinto o processo executivo.

Não sendo cum prida voluntariam ente a obrigação,17 há que se verificar se a hipótese é de obrigação de fazer de prestação fungível ou infungível,18 pois a continuação do procedim ento em m uito dependerá dessa distinção.

Tratando-se de obrigação infungível, ou seja, obrigação que só pode ser cum prida pelo próprio devedor, é preciso, ainda, verificar se é possível alcan­çar-se resultado equivalente ao que se teria se houvesse cum prim ento volun­tário da prestação. É o que se dá, por exemplo, no caso da indústria obrigada a colocar filtros em suas cham inés para im pedir a em issão de gases poluentes. Em bora se trate de obrigação infungível, é possível alcançar-se resultado equi­valente (através, por exemplo, de provim ento judicial que determ ine o fecha­m ento da em presa).

Impossível o cum prim ento por outrem ou a obtenção de resultado práti­co equivalente (como, e. g., no exemplo do famoso cantor contratado para rea­lizar um recital), deverá ser feita a conversão da obrigação em perdas e danos, o que se faz através de liquidação incidente (a qual não tem natureza de pro­cesso autônom o de liquidação). Realizada a conversão, o processo seguirá para

17 O fato de o executado cum prir a obrigação som ente depois de citado não retira de sua a titu ­de a voluntariedade. N ão se terá, aqui, é certo, cum prim ento espontâneo, m as isto não implica negar que se tenha cum prim ento voluntário. N este sentido, confira-se o que diz Dinamarco, Execução civil, p. 330, esp. no ta de rodapé n° 33.

18 É tradicional em doutrina a distinção entre obrigações de fazer infungíveis (assim considera­das aquelas que só podem ser cum pridas pelo próprio devedor, com o a obrigação de um famoso cantor de realizar um recital) e fungíveis (as quais podem ser realizadas pelo devedor ou por terceiro habilitado, com o a obrigação de p in tar um a parede de branco). Sobre o tem a, consulte- -se Rodrigues, Direito civil, vol. II, p. 35-37.

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a satisfação deste crédito de dinheiro, através da utilização do procedim ento da execução por quantia certa.

Tratando-se de obrigação infungível em que se revele possível alcançar- -se resultado prático equivalente ao que se teria com o adim plem ento, poderá o exequente optar en tre este e a conversão em perdas e danos.19 O ptando pela conversão em perdas e danos, far-se-á liquidação incidente, para se apurar o quantum debeatur, prosseguindo a execução pelo procedim ento da execução por quantia certa. Optando pela obtenção de resultado prático equivalente, o juiz se valerá das medidas de apoio, previstas no art. 461, § 5Q, do CPC (aplicáveis, a nosso juízo, tam bém na execução por títu lo extrajudicial, por analogia), po­dendo ser escolhido um terceiro, que realize a atividade capaz de alcançar o resultado equivalente, o que se fará à custa do executado. N esta últim a hipó­tese, alcançado o resultado equivalente, prosseguirá a execução para se obter a quantia em dinheiro necessária para arcar com os custos decorrentes da ati­vidade do terceiro, utilizando-se, para tanto, o procedim ento da execução por quantia certa.

N a hipótese de ser a obrigação cujo cum prim ento se pretende de nature­za fungível, poderá o dem andante optar entre a escolha de terceiro que cum pra a prestação às custas do executado (e, ainda um a vez, alcançado o resultado prosseguirá o processo para a obtenção da quantidade de dinheiro necessária para custear o trabalho do terceiro, e demais despesas processuais, o que se fará através do emprego do procedim ento da execução por quantia certa), ou pela conversão da obrigação em perdas e danos, com a conseqüente realização de liquidação incidente para apuração do quantum debeatur. N este últim o caso, prosseguirá a execução (ainda um a vez) pelo procedim ento da execução por quantia certa.

Verifica-se, assim, m uito facilmente, que a execução de obrigação de fa­zer, quase que inevitavelmente, se transform ará, num dado m om ento, em exe­cução por quantia certa. Ressalvada a hipótese em que o dem andado, citado para cum prir a prestação, o faça voluntariam ente, nos dem ais casos haverá a conversão em execução por pecúnia.20

Nas hipóteses em que a execução é de obrigação de fazer fungível, não tendo o dem andado cum prido voluntariam ente a prestação após a citação, dever-se-á escolher, como dito anteriorm ente, um terceiro, que a cum prirá às

19 Considera Carreira Alvim que a conversão neste caso é decorrente de direito potestativo do exe­quente, que pode, livremente, optar entre a obtenção do resultado equivalente ou as perdas e danos. Afirma, ainda, aquele notável processualista que, sendo possível a tutela jurisdicional específica (as­sim considerada aquela que leva o devedor a cum prir a prestação devida), não pode o dem andante optar pela conversão em perdas e danos, pois o devedor tem o direito de cum prir a obrigação na forma original. Apenas se este cum prim ento se tom a inviável é que poderá, então, haver a opção do dem andante. Manifesto adesão, aqui, a este posicionamento (confira-se, pois, J. E. Carreira Alvim, Tutela específica das obrigações de fazer e não fazer na reforma processual, p. 97).

20 Dinam arco, Execução civil, p. 331.

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expensas do executado. Nesse caso, deve-se observar o disposto no parágrafo único do art. 634 do Código de Processo Civil.

Assim é que, tendo sido requerido ao juízo que se escolhesse um tercei­ro para cum prir a prestação à custa do dem andado, caberá ao juiz determ inar o modo como se escolherá o terceiro que cum prirá a prestação. É possível, por exemplo, que o juízo determ ine ao exequente que apresente propostas de ter­ceiros interessados para que, após ouvir a parte contrária, um a seja escolhida.

Desapareceu, então, com a edição da Lei n Q 11.382/2006, o complexo (e ineficiente) procedim ento da licitação para escolha do terceiro. Por este pro­cedimento, deveria o juiz da execução nom ear um perito, que avaliaria o custo da prestação do fato. Essa perícia seria realizada com observância da garantia constitucional do contraditório, e podiam as partes nom ear assistentes técni­cos e form ular quesitos, que deveriam ser respondidos pelo perito.21

Realizada a perícia (e após ouvir as partes sobre o laudo pericial, deci­dindo eventual impugnação), deveria o juiz determ inar a publicação de edital de concorrência pública, com o prazo máximo de 30 dias. Significava isto dizer que seria publicado um edital convocando os interessados em participar da licitação para escolha do terceiro que iria cum prir a prestação devida, devendo a concorrência realizar-se num prazo máximo de 30 dias a contar da publicação do edital (o prazo m ínim o ficava por conta do juiz, diante das peculiaridades do caso concreto).22

N ada impedia, segundo en tend ia a doutrina, que as partes m odificas­sem o sistem a previsto na lei, optando por indicar elas próprias, de com um acordo, o terceiro que iria cum prir a prestação, pois a norm a (já revogada) aqui exam inada era claram ente dispositiva, podendo ser afastada pela vonta­de das partes.23

Optando as partes pela licitação (o que se dava, tam bém , se as partes silenciassem quanto à eventual intenção de indicar terceiro por consenso) e realizada a perícia, seria então publicado o edital para a concorrência pública, com prazo máximo de trin ta dias. D este edital devia constar o valor, fixado pelo juiz, para ser prestado como caução por todos aqueles que desejassem participar da licitação.

Tal caução, referida no § 2Q do art. 634, teria de ser real, não se admitindo (ao menos em linha de princípio) caução fidejussória, o que se concluía pelo fato de a norm a (já revogada) exigir "prova do depósito da importância”. Nada

21 Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. II, p. 163.

22 M endonça Lima, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VI, p. 660.

23 Assis, Manual do processo de execução, p. 387; M endonça Lima, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VI, p. 660.

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impedia, porém, que as partes convencionassem admitir-se caução fidejussória, pois sempre foi delas o maior interesse na realização da prestação pelo terceiro.

A caução prevista no referido § 2Q do art. 634 deveria ser prestada por todos aqueles que desejassem participar da licitação. Os vencidos na concor­rência recebiam de volta as quantias depositadas, ficando à disposição do juízo, tão som ente, a caução prestada pelo vencedor da licitação.

Também o terceiro indicado de comum acordo pelas partes que dispensas­sem a licitação deveria prestar a caução referida no dispositivo revogado, salvo na hipótese de as partes terem tam bém convencionado a dispensa da garantia.

Os interessados em participar da licitação deveriam, assim, entregar suas propostas em juízo, em sobrescritos acom panhados da prova do depósito da im portância fixada para servir de caução. O juiz, então, no dia, lugar e hora designados (e constantes do edital), em audiência pública, abria as propostas, escolhendo a mais vantajosa (art. 634, § 3Q).

É de se notar que a proposta mais vantajosa não era, necessariam ente, a mais barata, mas a que m elhor perm itisse a satisfação do crédito exequendo, sem lesar excessivamente o dem andado. Uma proposta m uito barata poderia lesar o exequente, por não assegurar a qualidade necessária à adequada pres­tação do serviço, enquanto um a proposta m uito cara poderia violar a garantia estabelecida em favor do executado, segundo a qual a execução se faz da forma m enos gravosa possível (art. 620 do CPC).

Realizada a escolha da m elhor proposta e intim adas as partes do re­sultado da licitação (intim ação esta que se dava, ao m enos em princípio, na própria audiência designada para abertura das propostas e decisão), poderia o dem andante exercer direito de preferência, no prazo de cinco dias (art. 637, parágrafo único), a fim de realizar ele próprio, ou um terceiro por ele escolhido, a prestação. Tal direito de preferência só poderia ser exercido se o exequente, ou o terceiro por ele escolhido, se com prom etesse a cum prir a prestação pelas m esm as condições previstas (prazo, custo, qualidade do m aterial em pregado etc.) na proposta vencedora da licitação. N esse caso, devolvia-se tam bém a caução prestada pelo terceiro que apresentou a propos­ta vencedora da concorrência.

Registre-se, porém , que o direito de preferência do exequente conti­nua a existir no sistem a atual, devendo ser exercido no prazo de cinco dias contados da escolha do terceiro que realizará a obra à custa do executado (não obstan te a m á redação do parágrafo único do art. 637, dada pela Lei n Q11.382/2006).

Não sendo exercido o direito de preferência pelo exequente, teria o ven­cedor da licitação o prazo de cinco dias (art. 634, § 4Q) para prestar com prom is­so de cum prir a prestação, sob pena de perder - em favor do dem andante - a quantia depositada a título de caução. Esse prazo de cinco dias, a m eu sentir,

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iniciava-se após o térm ino do quinquídio de que dispunha o exequente para exercer o seu direito de preferência. Prazos sucessivos, portanto .24

Prestado o com prom isso a que se referia o § 4Q do art. 634, o vencedor da licitação deveria p resta r nova caução, correspondente a 25% do valor da obrigação (valor este que teria sido an terio rm en te fixado através de prova pericial). D escum prida a obrigação pelo vencedor da licitação, as duas im ­portâncias p restadas como caução revertiam em favor do exequente (art. 634, § 6Ô).25

Prestado o com prom isso, deveria o terceiro dar início à realização da prestação, cabendo ao exequente o ônus de adiantar as verbas necessárias para o custeio do serviço, previstas na proposta escolhida pelo juiz. Esse ônus do adiantam ento do custo da obra se m anteve no sistem a instaurado pela Lei nQ 11.382/2006. Essas verbas serão, posteriorm ente (e como já afir­m ado), exigidas do executado, através da conversão do processo em execução por quantia certa.

Tendo o terceiro prestado o fato a que se obrigara, o juiz ouviria as par­tes, no prazo de dez dias, podendo estas im pugnar a conclusão do trabalho. Não havendo impugnação, ciaria por cum prida a obrigação, e o terceiro poderia levantar a caução depositada à disposição do juízo.

Havendo impugnação por qualquer das partes, deveria o juiz decidir se a prestação foi ou não adequadam ente cum prida. Para form ar seu convenci­m ento, poderia o juiz, obviamente, valer-se de todos os m eios de prova que se revelassem adequados, inclusive perícia e inspeção judicial.

Decidindo o juiz no sentido de que o fato não fora prestado, ou o fora de m odo incompleto, poderia o exequente requerer ao juízo, no prazo de dez dias, que o autorizasse a concluí-lo ou a repará-lo (ou, acrescente-se, a realizá-lo por inteiro, se o inadim plem ento tivesse sido total), agora à expensa do terceiro contratante. Ouvido este, no prazo de cinco dias, o juiz m andaria (se fosse o caso) avaliar o custo das despesas necessárias para que o credor pudesse rea­lizar a prestação e condenaria o terceiro a pagá-lo. O provim ento aqui referido tinha natureza de decisão interlocutória, impugnável por agravo.26

Como se vê, o sistem a inaugurado pela Lei nQ 11.382/2006 é m uito su ­perior, em razão da simplificação (isto é, da deformalização do processo). O juízo da execução escolherá um terceiro para realizar a obra, à custa do execu­

24 No sentido do texto, Assis, Manual do processo de execução, p. 388. Contra, entendendo que o prazo começa a fluir da data em que o vencedor da licitação é intim ado da decisão da concorrência (o que, de ordinário, se dá na própria audiência designada para tal fim), M endonça Lima, Comen­tários ao Código de Processo Civil, vol. VI, p. 662.

25 Castro, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VIII, p. 175.

26 Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, vol. III, p. 63.

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tado, devendo o exequente adiantar as verbas necessárias para que a obra seja feita. Realizada a obra pelo terceiro, converte-se a execução de obrigação de fazer em execução por quantia certa, buscando-se no patrim ônio do executado o valor adiantado ao terceiro.

2.2 Execução das Obrigações de N ão Fazer

Instaurado processo de natureza sincrética (em que haverá fusão da cog­nição com a execução, na form a do art. 461 do CPC) que tenha por objeto o cum prim ento de obrigação de não fazer, é de se adotar o m esm o sistem a ante­riorm ente exposto para as obrigações de fazer. Assim é que incum birá ao juiz, na sentença, condenar o dem andado a se abster de praticar o ato proibido, sob pena de incidir em m ulta pelo descum prim ento da obrigação. A utilização dos m eios de coerção é, aqui, essencial, na m edida em que toda obrigação de não fazer é infungível. Descum prida a obrigação, além da m ulta fixada na sentença, poderá o juiz - de ofício ou m ediante requerim ento - valer-se das m edidas de apoio, previstas no art. 461, § 5Q, do CPC, para assegurar o retom o ao estado anterior ao descum prim ento. Não sendo isso possível (ou preferindo o dem an­dante essa ou tra opção), converte-se a obrigação em perdas e danos. Aplicam- -se, ainda, subsidiariam ente, as disposições do Livro II do CPC, que regula a execução das obrigações de não fazer fundadas em título extrajudicial.

Não existe, em verdade, um a execução por título extrajudicial de obrigação de não fazer. Tal afirmativa decorre do fato de que não existe m ora nesse tipo de obrigação.27 A obrigação de não fazer é um a obrigação negativa, e estará sendo cumprida enquanto o obrigado não realizar a atividade que está obrigado a não fazer. Assim sendo, só se pode pensar na hipótese de alguém propor dem anda de execução de obrigação de não fazer se a m esm a tiver sido descumprida, ou seja, se o obrigado tiver realizado a atividade que não podia realizar.

Verifica-se, facilmente, que neste caso o dem andante virá a juízo manifes­tando pretensão de obter o desfazimento daquilo que foi feito indevidamente. O que se busca, pois, nessa espécie de execução é um desfazer, um a prestação positiva. Por esta razão, aliás, é que já se afirmou em doutrina que a execução de obrigação de não fazer é, em verdade, um a execução de obrigação de fazer.28

27 Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. II, p. 170.

28 A ssim se m anifesta sobre o tem a conceituado processualista gaúcho: “A obrigação de 'não fazer', em últim a análise, é um a obrigação positiva, ou seja, se transform a na realização de um ato concreto (v. g., o vizinho é proibido de ‘não fazer' um a parede; sua obrigação, portanto , passa a ser a de fazer os atos que a destruam , ou seja, 'fazer o não fazer)". Confira-se M endonça Lima, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VI, p. 684.

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É de notar-se que a execução de obrigação de não fazer só é cabível se o obrigado fez aquilo que não poderia te r feito, descum prindo, assim , sua obrigação. Isto se depreende do disposto no art. 642 do CPC, segundo o qual "se o devedor praticou o ato, a cuja abstenção estava obrigado pela lei ou pelo contrato, o credor requererá ao ju iz que lhe assine prazo para desfazê- -lo”. Busca-se, assim , um a tu te la jurisdicional in executivis repressiva. Não se consegue, por esse meio, um a tu te la capaz de prevenir o descum prim ento da obrigação negativa.

Essa tu te la preventiva, verdadeira tu te la específica desse tipo de obriga­ção, será conseguida com base no disposto no art. 461 do CPC, que perm ite ao juiz proferir provim ento que condene o dem andado a não fazer algum a coisa, por sentença ou através de tu te la antecipada, com inando-se ao dem andado um a m ulta pelo descum prim ento da obrigação, m ulta esta que será devida ao credor cum ulativam ente com as perdas e danos eventualm ente apuradas em razão da atividade violadora da obrigação de não fazer. Trata-se da tu tela inibitória, que é a tu tela jurisdicional de prevenção da prática de atos ilícitos.

Para se poder entender o sistem a regulado pelo CPC para a execução de obrigação de não fazer, é preciso ter em m ente que essa espécie de obrigação pode ser classificada em perm anente (ou contínua) e instantânea. As da pri­m eira espécie (obrigações de não fazer perm anentes) são aquelas que, um a vez descumpridas, perm item o retorno ao estado anterior, pois se revela possível o desfazimento. É o que se dá, por exemplo, na obrigação de não construir em um determ inado terreno. Um a vez descum prida a obrigação, é possível o desfazim ento da obra indevidam ente realizada, o que se consegue com a de­molição da edificação.

De outro lado, h á obrigações de não fazer instantâneas, as quais, um a vez descum pridas, não perm item o retom o ao status quo ante. É o que se tem, e. g .t na obrigação de não fornecer informações a um a (ou várias) pessoa acer­ca de alguém (pense-se, por exemplo, na obrigação que tem um a instituição bancária de não revelar a ninguém - salvo hipóteses excepcionais - a movi­m entação das aplicações financeiras de seus clientes: um a vez violado o sigilo bancário, impossível se to rna o retom o ao estado anterior).

O CPC, ao regular a execução das obrigações de não fazer, o que se dá através do disposto nos arts. 642 e 643, preocupou-se, quase que exclusiva­m ente, com as obrigações de não fazer perm anentes. A única disposição legal que se aplica às obrigações de não fazer instantâneas é a contida no parágrafo único do art. 643, segundo o qual, "não sendo possível desfazer-se o ato, a obrigação resolve-se em perdas e danos”.

A execução de obrigação de não fazer fundada em título extrajudicial, como todas as dem ais modalidades de processo de execução, está subm etida

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ao princípio da dem anda (art. 2Q do CPC), corolário de um a das característi­cas essenciais da função jurisdicional, qual seja, a inércia. Assim sendo, faz-se mister, para a instauração do processo executivo, que se apresente em juízo um a petição inicial, a qual, como todas as demais petições iniciais do proces­so executivo, em todas as espécies de execução, deve atender aos requisitos do art. 282 do CPC que se revelem adequados ao processo executivo. Além disso, deve a petição inicial vir acom panhada do título executivo, ressalvada a hipótese de execução fundada em sentença civil condenatória, caso em que a sentença já se encontra nos autos onde será processada a execução.

N a petição inicial, deverá o dem andante requerer a citação do executado para, no prazo assinado no título (ou, omisso este, no prazo assinado pelo ju í­zo da execução), desfazer o que foi indevidam ente realizado.

Desfeito o ato, dentro do prazo fixado, estará realizado o direito exe­quendo, devendo o juiz proferir sentença declarando extinta a execução.

Impossível o desfazim ento (obrigações de não fazer instantâneas), como dito, haverá a conversão da obrigação em perdas e danos, com a realização de liquidação incidente (mas não de processo autônom o de liquidação) para apu­ração do quantum debeatur.

Tratando-se de obrigação de não fazer perm anente, em que é possível o desfazimento, mas não tendo o executado, voluntariam ente, desfeito a obra indevidam ente realizada, o dem andante requererá ao juízo que determ ine o desfazim ento à custa do executado.

Sendo a execução de obrigação de não fazer, como visto, verdadeira espé­cie de execução de obrigação de fazer (na modalidade "obrigação de desfazer”, um a obrigação de fazer como outra qualquer, diferindo apenas na origem, eis que decorrente do descum prim ento de um a obrigação negativa), aplicam-se aqui todas as regras estabelecidas para a escolha do terceiro, inclusive quanto ao direito de preferência do exequente.29

É de se referir, porém , um a diferença estabelecida pelo regime do CPC entre a execução de obrigação de fazer e a de obrigação de não fazer. É que na­quela prim eira modalidade de execução (obrigação de fazer), o exequente tem um a alternativa: ou se realiza a prestação por terceiro à custa do dem andado ou converte-se a obrigação em perdas e danos. Já na execução de obrigação de não fazer não se está diante de um a alternativa, m as de um a cumulação. O exe­quente obterá o desfazim ento por terceiro à custa do executado e, além disso, receberá as perdas e danos que sejam constatadas.30

29 Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 215.

30 M endonça Lima, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VI, p. 688.

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2.3 Meios de Coerção

Com o já se viu, tan to na execução de obrigação de fazer como na de obrigação de não fazer, os m eios executivos incidem , apenas, sobre o patri­m ônio do executado. Isso se dá por não ser possível constranger alguém a p restar um fato.

Sendo assim, impossível que haja a prática de atos de sub-rogação da atividade consistente num fazer ou num não fazer. Não realizando o executado a atividade devida, som ente se faz possível a conversão em perdas e danos ou a escolha de terceiro para que cum pra a obrigação à custa do dem andado. Tanto num caso como noutro, a execução se converterá em execução por quantia certa (para buscar a quantia de dinheiro necessária para reparar as perdas e danos ou para custear a realização da atividade do terceiro, respectivam ente).

Ocorre que a vontade prim ária do direito objetivo, nas obrigações de fa­zer e de não fazer, é que o cum prim ento da obrigação se dê por ato do próprio obrigado. Por esta razão, prevê o sistem a, como meio de perm itir a atuação desta vontade do direito, a utilização de m eios de coerção, ou seja, m eios de pressão psicológica, que incidem sobre o executado, como form a de obter o cum prim ento (por ato seu) da obrigação.

Esses m eios de coerção (que não são aplicáveis apenas na execução das obrigações de fazer e de não fazer, em bora encontrem aqui campo propício para sua atuação, m as pode-se lem brar da prisão civil do devedor de alim entos como exemplo de meio de coerção incidente na execução por quantia certa e, além disso, são aplicáveis em todas as obrigações de entregar coisa) não são, pois, m eios executivos, em bora utilizados no processo de execução.31

Os m eios de coerção são, portanto, m eios através dos quais se exerce pressão psicológica sobre o executado, como form a de obter dele o cum pri­m ento da obrigação devida. O CPC, em seus arts. 461 e 645, regula um desses m eios de coerção, de aplicação específica nas execuções de obrigação de fazer e de não fazer, consistente na aplicação de um a m ulta periódica pelo atraso no cum prim ento da prestação.

31 N este sentido, entre outros, Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 218, onde se lê: “O em prego desses m eios de coerção não constitui atividade propriam ente executiva. A execução forçada, em sentido técnico, tem com o característica a virtude de atuar praticam ente a norm a jurídica concreta, satisfazendo o credor, independentem ente da colaboração do devedor, e m esm o contra a sua vontade, que se despe de qualquer relevância. Aqui, bem ao contrário, em vez de prescindir-se da atividade do devedor, o que se procura é influenciá-lo psicologicam ente, para que se disponha a realizá-lo, ele próprio .” No m esm o sentido, confira-se Dinam arco, Exe­cução civil, p. 101; Liebman, Processo de execução, p. 6 (falando este au to r em execução indireta, que não seria propriam ente execução). Contra, porém , considerando os meios de coerção com o m eios executivos, Chiovenda, Instituições de direito processual civil, vol. I, p. 288.

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Trata-se de in stitu to originário do D ireito francês,32 onde recebeu o nom e de astreintes. O term o em pregado é de uso correntio na dou trina brasi­leira (e de diversos ou tros países), sendo de tradução im possível.33

D enom ina-se astreintes a m ulta periódica pelo atraso no cum prim ento de obrigação de fazer ou de não fazer, incidente em processo executivo (ou na fase executiva de um processo m isto), fundado em título judicial ou extrajudicial, e que cum pre a função de pressionar psicologicamente o executado, para que cum pra sua prestação.

Não se confundem as astreintes com as perdas e danos, um a vez que a função destas é reparar o dano causado pelo não cum prim ento da obrigação, enquanto aquela m ulta pecuniária tem o objetivo de constranger o executado a realizar a prestação devida. A impossibilidade de confusão entre os dois ins­titu tos é tão evidente que o próprio Código de Processo Civil afirma, textual­m ente, que "a indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da m ulta” (art. 461, § 2°, do CPC).

Também não se confundem as astreintes e a cláusula penal. Esta últim a é um a pena convencional, fixada, pois, pelas partes, e que tem por fim prefixar perdas e danos pelo inadim plem ento to tal ou parcial da obrigação. As astrein­tes, como visto, não têm natureza convencional, nem se prestam a prefixar perdas e danos, não se confundindo com estas. Em razão dessa distinção, não se pode querer aplicar às astreintes o disposto no art. 412 do Código Civil de 2002, que lim ita o valor da cláusula penal, estabelecendo que esta não pode exceder o valor da obrigação principal.

As astreintes não estão lim itadas pelo valor da obrigação, cujo cum ­prim ento se destinam a perm itir obter. Podem ultrapassar esse valor, supe- rando-o. Não guardam , nem devem m esm o guardar, relação com o valor da obrigação.34 Incidem as astreintes no processo executivo, quando o executado,

32 É pacífica a indicação desta origem do in stitu to aqui analisado. Por todos, consulte-se sobre o tem a Edson Prata, Astreintes, in Direito processual civil, p. 12.

33 Veja-se, por exemplo, a om issão de tradução do term o aqui referido para outros idiom as na obra de Eduardo Juan C outure, Vocabulário jurídico, p. 113.

34 É voz corrente em doutrina o que se acaba de afirmar. Assim , en tre outros, Dinamarco, Execução Civil, p. 96; Prata, Astreintes, p. 52; Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, vol. III, p. 69; Assis, Manual do processo de execução, p. 111; Freitas Câmara, Lineamentos do novo processo civil, p. 159.

É de se conferir, porém , o acórdão proferido pela 4a Turma do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial n° 13.416-0-RJ, Relator o M inistro Sálvio de Figueiredo Teixeira, cuja em en­ta é a seguinte: “Processo civil. Ação com inatória. Execução. Pena pecuniária. CPC, arts. 287, 644/645. Enriquecim ento indevido. Limitação. CC, arts. 920 e 924. H erm enêutica. Recurso inacolhido. O objetivo buscado pelo legislador, ao prever a pena pecuniária n o art. 644, CPC, foi coagir o devedor a cum prir a obrigação específica. Tal coação, no entanto , sem em bargo de equi- parar-se às astreintes do D ireito francês, não pode servir de justificativa para o enriquecim ento

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citado para cum prir a prestação devida (no caso da execução de obrigação de fazer) ou para desfazer o que fez indevidam ente (no caso da execução de obrigação de não fazer), não cum pre voluntariam ente, no prazo assinado no títu lo executivo ou pelo juiz da execução, a obrigação. O valor devido em razão da incidência das astreintes reverte em favor do exequente, e é exigível através do procedim ento da execução por quantia certa.35

As astreintes são devidas tan to nas obrigações fungíveis como nas infun- gíveis.36 Excluem-se apenas as obrigações de em itir declaração de vontade (so­bre as quais se discorrerá adiante), um a vez que neste caso a própria sentença, um a vez transitada em julgado, já produz o efeito da declaração não emitida, satisfazendo-se, assim, o dem andante. Não há, nesta hipótese, a necessidade de se realizar atividade executiva (o que não é, nem mesmo, possível), o que afasta a incidência do m eio de coerção ora exam inado.37

Discute-se a possibilidade de imposição das astreintes quando o devedor da obrigação é a Fazenda Pública. Parece-nos perfeitam ente possível a incidên­cia, in casu, do meio de coerção, sob pena de se inviabilizar a tu tela jurisdicional específica do credor, pelo fato de ser devedor o Estado. D istinção odiável, não pode ser adm itida, sob pena de violação do princípio da isonom ia.38

A m ulta pecuniária incide, como dito, na execução forçada. Será o exe­cutado intimado ou citado (conforme se trate de execução de título judicial ou extrajudicial) para cum prir a obrigação (execução de obrigação de fazer) ou para desfazer o que fez indevidamente (execução de obrigação de não fazer), dentro de certo prazo. Satisfeito o direito exequendo por atuação voluntária do execu­tado, dentro do prazo assinado para tal, não há que se falar em incidência das astreintes. Ultrapassado o prazo, passa a incidir a multa, até que o direito do exequente seja satisfeito, o que se dará com o desfecho (normal) do processo executivo. Até lá, incidem as astreintes.

Pode o exequente, após certo tem po de incidência das astreintes, realizar sua liquidação, com o fim de exigir o valor apurado m ediante a realização de execução por quantia certa. A satisfação deste crédito em pecúnia, frise-se, não

sem causa, que ao D ireito repugna.” Esta em enta pode ser encontrada em Sálvio de Figueiredo Teixeira, O STJ e o processo civil, p. 437.

35 N em todos os sistem as processuais preveem que a m ulta reverta em favor do exequente. A ssim é que, por exemplo, no D ireito alemão, a m ulta reverte em favor do Estado (o que é no­ticiado por Assis, Manual do processo de execução, p. 111, no ta de rodapé n° 164).

36 Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 219.

37 Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 219.

38 N o sen tido do tex to , adm itindo as astreintes con tra a Fazenda Pública, Prata, Astreintes, p. 29-30. C ontra , não aceitando a utilização do m eio de coerção nesse caso, Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, p. 69.

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exclui a obrigação original do dem andado, de fazer ou de não fazer.39 Por con­seguinte, enquanto não satisfeito o direito à prestação de fazer ou de não fa­zer, continua incidindo a m ulta, e poderá o exequente, posteriorm ente, apurar novo quantum, devido em razão do fato de aquela obrigação ainda não te r sido cum prida (e, portanto, continua a incidir a m ulta), dando azo a nova execução por quantia certa (e, assim, sucessivamente, até que a obrigação de fazer ou de não fazer seja satisfeita em espécie, ou se converta em perdas e danos).40

O CPC admite, desde a entrada em vigor da Lei n c 8.953/1994 (diploma legal este que surgiu como parte integrante do m ovim ento conhecido como "a reforma do CPC”), a incidência das astreintes tan to nas execuções fundadas em título judicial, como nas que têm por base título executivo extrajudicial.

A incidência de tal m eio de coerção na execução fundada em títu lo jud i­cial está prevista no art. 461, § 4Ô, cuja redação é a seguinte: "O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, im por m ulta diária ao réu, independentem ente de pedido do autor, se for suficiente ou com patível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cum prim ento do preceito .” O sistem a previsto no dispositivo aqui referido se com pleta com a norm a contida no § 6Q do m esm o artigo: "O juiz poderá, de ofício, m odificar o valor ou a periodicidade da m ulta, caso verifique que se tom ou insuficiente ou excessiva.”

Em prim eiro lugar é preciso dizer que a norm a aqui referida fala em "m ulta diária” para se referir a um a unidade de tem po que, não necessaria­m ente, corresponde a um dia. Assim, pode ser a m ulta fixada não apenas por dia de atraso na satisfação do direito, m as por sem ana, mês, sem estre de atra­so, ou ou tra unidade de tem po qualquer (desde que possível sua decomposi­ção em dias, o que significa dizer que será inaceitável a fixação de m ulta por hora de atraso).41

A m ulta pelo atraso no cum prim ento da obrigação, em linha de princí­pio, deve ser fixada na sentença condenatória, de ofício ou m ediante pedido

39 Dizer o contrário seria negar a própria finalidade das astreintes, que têm por fim facilitar a tu te la específica das obrigações de fazer e não fazer e não convertê-las em obrigação pecuniária.

40 N este ú ltim o caso, em que a obrigação se converte em perdas e danos, quando já devida a m ulta, esta é devida cum ulativam ente com a indenização - com o visto an teriorm ente - , e, além disso, deve-se afirm ar que a m ulta continuará a incidir por dia de atraso até que seja paga a indenização pelas perdas e danos. N este sentido, assim se pronunciou o ju ris ta brasileiro que, com m ais profundidade e talento, estudou o tema: “No m om ento em que cessar a infração, o pagam ento da pena será suspenso, cabendo o to tal ao credor. A lém disso, o credor terá d ireito às perdas e danos, a serem apuradas, cujo pagam ento, se efetivado, tam bém extinguirá a obrigação de o devedor continuar solvendo a pena pecuniária” (Prata, Astreintes, p. 53).

41 N este sentido se pronuncia a doutrina dom inante. Por todos, confira-se o que dizem M en­donça Lima, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VI, p. 695; Prata, Astreintes, p. 52; Figuei­redo Teixeira, Código de Processo Civil anotado, p. 447.

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do au tor do processo de conhecim ento (art. 461, § 42, c/c art. 287 do CPC). O m issa a sentença, porém , pode o próprio juiz da execução fixá-la, ao des­pachar a petição inicial do processo executivo. Afirma o § 6° do art. 461 do CPC, anteriorm ente transcrito, que o juiz da execução poderá alterar a m ulta, aum entando-a, se insuficiente, ou reduzindo-a, se excessiva. A presente regra tem em vista a necessidade de que as astreintes atinjam sua finalidade, de servir como meio de pressão psicológica sobre o executado, constrangendo-o a cum ­prir a obrigação. M ulta excessiva ou insuficiente perde seu poder coercitivo, razão pela qual perm ite-se sua alteração. A ntes da entrada em vigor da Lei n2 10.444/2002, o tem a ora tratado dava margem a intensa polêmica doutri­nária. Não se punha em dúvida a possibilidade de o juiz da execução alterar (reduzindo ou aum entando) a m ulta por ele fixada, quando om issa a sentença condenatória (o que era expressam ente autorizado pela redação anterior do art. 644 do CPC, já que naquela época havia a necessidade de instauração de dois processos, um de conhecim ento e outro de execução). Havia, porém, em doutrina, a seguinte dúvida: seria possível ao juiz da execução alterar a m ulta fixada na sentença condenatória, pelo juiz da cognição, ou esta alteração im pli­caria violação da autoridade de coisa julgada? Diversas correntes doutrinárias se form aram a respeito do tema.

U m a prim eira posição adm itia a possibilidade de o juiz da execução al­terar (aum entando ou reduzindo) a m ulta fixada na sentença, ainda que esta já tivesse sido coberta pela autoridade de coisa julgada substancial. Afirma­vam os defensores dessa corrente que a coisa julgada se forma, sem pre, rebus sic stantibus, o que significa dizer que a modificação das circunstâncias que existiam quando foi proferida a sentença (e. g ., um a alteração patrim onial do obrigado, que faça com que a m ulta originariam ente fixada ten h a se tom ado extrem am ente reduzida, incapaz de exercer sobre ele qualquer pressão psi­cológica) perm itiria a alteração, pelo ju iz da execução, do que ficou estatu ído na sentença.42

U m a segunda corrente doutrinária afirmava que, tendo sido a m ulta fixada na sentença transitada em julgado, som ente seria possível ao juiz da execução aum entá-la, m as nunca reduzi-la, sob pena de haver ofensa à coisa julgada. O argum ento dos defensores dessa posição decorria da possibilidade de o juiz da execução fixar m ulta quando om issa a sentença. Podendo realizar tal fixação, poderia ele tam bém aum entar a m ulta já fixada, se verificasse que

42 Diversos são os processualistas que com ungam dessa prim eira posição. Entre outros, po­dem ser aqui lem brados Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 219-220; Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, vol. III, p. 70; Carreira Alvim, Código de Processo Civil reformado, p. 236; Berm udes, A reforma do Código de Processo Civil, p. 139; Clito Fornaciari Júnior, A reforma processual civil, p. 172; Ada Pellegrini Grinover, Tlitela jurisdicional nas obrigações de fazer e não fazer, in RePro 79, p. 75.

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a m esm a é insuficiente, m as não poderia reduzir o que já ficou estabelecido na sentença, pois estaria, assim, rescindindo o julgado.43

Havia, por fim, quem considerasse que apenas a m ulta fixada pelo juiz da execução, quando om issa a sentença, é que poderia ser posteriorm ente reduzida ou am pliada. A m ulta fixada na sentença não poderia, segundo os defensores desta proposição teórica, ser alterada pelo juízo da execução, por se violar, com isso, a autoridade de coisa julgada m aterial. O ju iz da execução não poderia nem m esm o aum entar a m ulta prevista, pois ainda assim esta­ria ofendendo a coisa julgada.44 M anifestei adesão, desde o lançam ento de obra dedicada exclusivam ente ao estudo da reform a do CPC,45 a esta ú ltim a posição. A m eu sentir, a coisa julgada deveria ser considerada óbice in trans­ponível, que im pediria a modificação, pelo juiz da execução, da m ulta fixada na sentença.

Com o visto anteriorm ente, a coisa julgada m aterial é a situação jurídica consistente na im utabilidade e indiscutibilidade de todo o conteúdo da sen­tença. Ora, aceita que seja es ta definição, não se pode adm itir qualquer nova discussão, ou qualquer alteração no conteúdo da sentença já alcançada pela autoridade de coisa julgada substancial. A dm itir a modificação do conteúdo da sentença seria adm itir a rescisão da sentença fora dos casos elencados de rescindibilidade.

Além disso, é princípio elem entar de herm enêutica jurídica que a norm a contida num parágrafo se relaciona diretam ente com a constante do caput do artigo. Isso era, precisamente, o que se tinha no caso em tela. O parágrafo único do art. 644 autorizava o juiz da execução a modificar a m ulta, e o caput do m es­mo artigo o autorizava a fixar m ulta pelo atraso no cum prim ento da obrigação, se om issa a sentença. Surge, assim, a questão que vem sendo aqui analisada: qual m ulta podia ser modificada pelo juiz da execução? A resposta é: a m esm a m ulta que vinha prevista no caput do art. 644, ou seja, a m ulta fixada pelo juiz da execução quando om issa a sentença. N enhum a outra m ulta (leia-se: a m ulta fixada na sentença) poderia ser modificada pelo juiz da execução.

Concluía-se, pois, que ao juiz da execução era lícito fixar as astreintes quando om isso o títu lo judicial, podendo alterar esta m ulta (por ele fixada) se verificasse que a m esm a se tom ara insuficiente ou excessiva. Fixada na sen ten­

43 N este sentido, Dinam arco, A reforma do Código de Processo Civil, p. 295, adm itindo, porém , a redução da m ulta fixada na sentença se houver alteração das circunstâncias fáticas existentes ao tem po da prolação da sentença, por ser a coisa julgada rebus sic stantibus, o que faz com que esta corrente se aproxim e bastante da prim eira.

44 Costa M achado, A reforma do processo civil interpretada, p. 131; Freitas Câmara, Lineamentos do novo processo civil, p. 160-161.

45 Freitas Câmara, Lineamentos do novo processo civil.

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ça a m ulta pecuniária pelo atraso no cum prim ento da obrigação, não poderia o juiz da execução alterá-la, nem para a reduzir, nem para a aum entar.

A partir da entrada em vigor da Lei n ô 10.444/2002, porém , deve-se con­siderar que a m ulta fixada na sentença sempre poderá ser alterada se houver modificação das circunstâncias existentes ao tem po de sua fixação, m esm o porque não existe mais o processo de execução de sentença, e ou tra qualquer interpretação retiraria toda a utilidade do § 6Q do art. 461 do CPC.

O art. 645 (com a redação da Lei nQ 8.953/1994), inovando na sistem áti­ca processual brasileira, autoriza a imposição de astreintes tam bém na execução fundada em título extrajudicial. Dispõe a referida norm a que "na execução de obrigação de fazer ou não fazer, fundada em título extrajudicial, o juiz, ao des­pachar a inicial, fixará m ulta por dia de atraso no cum prim ento da obrigação e a data a partir da qual será devida”. O sistem a de em prego desse meio de coerção nas execuções fundadas em título extrajudicial se com pleta com a nor­m a contida no parágrafo único do m esm o artigo, segundo o qual "se o valor da m ulta estiver previsto no título, o juiz poderá reduzi-lo se excessivo”.

Utiliza-se, aqui, sistem a bastante sem elhante ao estabelecido pelo CPC para as astreintes na execução fundada em títu lo judicial. Em princípio, a fi­xação da m ulta se dá no próprio título executivo, hipótese em que será lícito ao juiz reduzir o valor da mesma. N ote-se que a lei processual perm ite ao juiz da execução reduzir a m ulta excessiva, m as não o autoriza a aum entar a m ulta que considere insuficiente. N esta hipótese, deverá ser respeitado o va­lor estabelecido extrajudicialm ente pelas partes, que consideraram que aquele valor seria capaz de exercer sobre o espírito do devedor a pressão psicológica necessária a obter o cum prim ento da obrigação devida. Em suma, na execução fundada em títu lo extrajudicial, m ultas excessivas podem ser reduzidas, mas m ultas insuficientes terão seu valor mantido.

Om isso o título executivo, perm ite o CPC que o juiz da execução fixe, de ofício, o valor das astreintes que incidirão sobre o devedor pelo atraso no cum prim ento da obrigação devida. Esta m ulta, fixada pelo juiz da execução, poderá ser revista, para mais ou para menos, conforme se tom e insuficiente ou excessiva, inexistindo aqui qualquer óbice para tais modificações.

2.4 Tbtela Jurisdicional Específica das Obrigações de Em itir Declaração de Vontade

M atéria que vem regulada nos arts. 466-A a 466-C do CPC, a tu te la ju ­risdicional específica das obrigações de em itir declaração de vontade é tem a

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dos mais relevantes, tan to por seus aspectos teóricos como por sua relevância prática. Por tal razão é que vem aqui estudada em apartado.

Tratam os dispositivos referidos acima da tu te la jurisdicional a ser pres­tada nas hipóteses em que exista um a obrigação de em itir declaração de vonta­de. O CPC, porém, não podia ser elogiado pela ordem em que os dispositivos aqui citados são dispostos. O sistem a é formado por um a regra geral (o art. 466-A) e por um a especial (o art. 466-B), contendo ainda um a norm a destina­da a um a situação especialíssima (o art. 466-C).46

É de se dizer, ainda, que tais norm as preveem um típico m ódulo pro­cessual de conhecim ento, como se poderá observar facilmente pelo fato de se tratar de processo destinado à obtenção de um a sentença.47

O CPC trata, nos artigos já mencionados, da tu te la jurisdicional de um a modalidade bastante singular de obrigação: a de em itir declaração de vontade. Trata-se, é certo, de obrigação de fazer infungível, assim considerada aquela que só pode ser cum prida por ato do devedor. A infungibilidade, aqui, porém, não é natural, mas jurídica.48 Há que se fazer, pois, a distinção. É sabido que as obrigações de fazer são tradicionalm ente classificadas em fungíveis e infungí- veis. Q uer isto dizer que algumas daquelas obrigações só podem ser realizadas pelo próprio devedor (as infungíveis), enquanto outras podem ser tam bém cum pridas por terceiro (as fungíveis).

Entre as obrigações infungíveis, porém, h á de se estabelecer ou tra distin­ção. É que algumas delas são naturalm ente infungíveis, pois a infungibilidade decorre de alguma características pessoal do devedor. É o que se tem , por exem­plo, na clássica hipótese da obrigação de um famoso pintor de pintar um qua­dro. É impossível que o resultado da atividade do devedor seja alcançado pela atividade de outrem , e tal se dá em razão de atributos pessoais, como o talento.

46 No mesmo sentido, José Carlos Barbosa Moreira, Aspectos da “execução” em matéria de obri­gação de em itir declaração de vontade, in Estudos de direito processual, em memória de Luiz Machado Gui­marães, p. 210. Desapareceu, com a entrada em vigor da Lei n° 11.232/2005, a razão para se criticar a ordem em que esses dispositivos apareciam no CPC, já que a regra geral estava, originariamente, no art. 641, posterior à regra especial (art. 639) e à regra a respeito da situação especialíssima (art. 640). Consertou-se, pois, um a falha da lei processual.

47 É am plam ente dom inante a corrente de pensam ento que tra ta a hipótese com o de processo de conhecim ento. Assim , en tre outros, Flávio Luiz Yarshell, Tutela jurisdicional específica nas obri­gações de declaração de vontade, p. 35; Dinam arco, Execução civil, p. 107; Barbosa M oreira, Aspectos da “execução” em m atéria de obrigação de em itir declaração de vontade, p. 215. Tam bém se deve à Lei n° 11.232/2005 m ais este elogio: corrigiu-se a equivocada localização destes dispositivos, que antes estavam no Livro II do CPC, destinados a regular o “processo de execução”.

48 Luís Eulálio de Bueno Vidigal, Da execução direta das obrigações de prestar declaração de vontade, in Direito processual civil, p. 165. A afirmação é encontrada tam bém na doutrina alienígena, como se vê em Calamandrei, La Sentenza come Atto di Esecuzione Forzata, in Opere giuridiche, vol. IX, p. 345.

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Casos há, porém , em que a infungibilidade é jurídica, ou seja, decorre de algum princípio jurídico, m as nada im pede que o próprio ordenam ento pre­veja algum a form a de se alcançar resultado prático equivalente ao que se teria com o cum prim ento, pelo devedor, da prestação devida. É o caso da obrigação de em itir declaração de vontade. Parece claro que ninguém pode declarar a vontade de outrem . Este é um fazer infimgível. N ada impede, porém (e, ao contrário, tal sistem a é perfeitam ente com patível com um ordenam ento que busca um a m aior efetividade do processo jurisdicional), que um a sentença judicial substitua os efeitos da vontade não declarada. N ote-se que não é o caso de se afirm ar que o juiz declara, por sentença, a vontade do devedor, ou m esm o de se estabelecer um a inútil ficção de que tal vontade teria sido decla­rada. O que se tem , tão som ente, é um a sentença que produz os m esm os efei­tos que seriam produzidos pela declaração de vontade devida e não em itida. Infungibilidade jurídica, portanto , o que perm ite que se escape da necessária conversão deste tipo de obrigação em perdas e danos.

Assim sendo, havendo obrigação de em itir declaração de vontade (que nada mais é do que um a espécie de obrigação de fazer), será possível obter um a sentença que substitua a declaração não emitida, produzindo os m esm os efeitos que aquela declaração teria sido capaz de produzir.

Pense-se, por exemplo, na obrigação de celebrar um contrato de com pra e venda de um cavalo, obrigação esta decorrente da prévia celebração de um a prom essa de com pra e venda. A celebração do contrato de com pra e venda produziria o efeito de gerar, para o vendedor, o dever de realizar a tradição da coisa vendida, transferindo o cavalo vendido para o patrim ônio do comprador. Negando-se o prom itente vendedor a celebrar o contrato prom etido, porém, será possível à ou tra parte obter, em juízo, um a sentença que substitua o con­trato de com pra e venda, produzindo aquele m esm o efeito de gerar, para o devedor, a obrigação de transferir o cavalo para o patrim ônio do credor.49

O que se tem , então, em linhas gerais, é o seguinte: havendo um a obri­gação de em itir declaração de vontade, qualquer que seja sua fonte (contrato, lei etc.) e pouco im portando o tipo de declaração de vontade devida (contra­to, declaração unilateral de vontade), o credor da obrigação descum prida dis­põe de um instrum en to processual capaz de lhe proporcionar um a sentença que substitu i a declaração de vontade não em itida.

Deverá, assim, o credor da obrigação ajuizar dem anda em face do deve­dor, dando origem a um processo de conhecim ento (que observará o procedi­m ento ordinário ou sumário, conforme o valor da causa), onde será proferida

49 É sem pre bom recordar que, no D ireito brasileiro, o contrato de com pra e venda não transfe­re a propriedade, lim itando-se a gerar a obrigação de transferi-la. N este sentido, por todos, Caio M ário da Silva Pereira, Instituições de direito civil, vol. III, p. 129.

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um a sentença que, julgando procedente o pedido formulado, substitu irá a de­claração de vontade não emitida, substitu indo-a.50

A sentença aqui referida, substitu tiva da declaração de vontade, só pro­duz efeitos após o seu trânsito em julgado, conforme dispõe o art. 466-A, in fine ("a sentença, um a vez transitada em julgado, produzirá todos os efeitos da declaração não em itida”). Não há, pois, eficácia provisória desta sentença, ainda que sujeita a recurso desprovido de efeito suspensivo (como seria, e. g., o recurso especial).51

É extrem am ente controvertida em doutrina a natureza da sentença subs­titu tiva da declaração de vontade. Autores há que a consideram condenatória (e, isso é inegável, a própria lei processual dá fundam ento a essa posição, ao falar, no art. 466-A, que, "condenado o devedor a em itir declaração de vontade, a sentença, um a vez transitada em julgado, produzirá todos os efeitos da decla­ração não em itida”). O utros a consideram constitutiva, enquanto um terceiro grupo a inclui en tre as sentenças executivas lato sensu. Não se poderia, ainda, deixar de referir a posição daqueles que a consideram um ato de execução for­çada. Passa-se, pois, à análise de cada um a destas posições doutrinárias, o que se faz pela relevância teórica e prática do tem a (eficácia ex nunc ou ex tunc?).

Há, em prim eiro lugar, os que incluem tal sentença entre as condenató­rias.52 A sentença, para os defensores desta posição, teria tal natureza porque, além de declarar a existência do direito à em issão da declaração de vontade, declararia tam bém a sanção pelo descum prim ento da obrigação de em iti-la.53 Trata-se, porém, de tese de difícil sustentação (apesar do texto do art. 466-A do CPC), pois "não é correto falar-se na imposição do dever de efetuar um a

50 Sobre o efeito substitu tivo da declaração de vontade, produzido pela sentença referida no texto, Pedro H enrique Távora Niess, Da sentença substitutiva da declaração de vontade, p. 40-41.

51 Barbosa M oreira, Aspectos da “execução" em m atéria de obrigação de em itir declaração de vontade, p. 217. É de se no tar que a Lei de A rbitragem (Lei n° 9 .307/1996) regula, em seu art. 7°, caso especial de incidência desse tipo de tu tela jurisdicional, para o caso de obrigação de celebrar com prom isso arbitrai, nascida de cláusula com prom issória, com a previsão de um a sentença capaz de produzir os m esm os efeitos do com prom isso não celebrado. O art. 520, VI, do CPC, por sua vez, afirm a que a apelação contra a sentença que julga procedente o pedido de institu ição da arbitragem (rectius, sentença que substitu i o com prom isso arbitrai) será recebida som ente no efeito devolutivo. A m eu sentir, porém , e a despeito do texto legal, tal sentença só poderá produzir efeitos a partir de seu trânsito em julgado. Confira-se, pois, o que disse em Freitas Câm ara, Arbitragem, p. 26.

52 Assim, entre outros, Frederico M arques, Manual de direito processual civil, vol. IV, p. 132-133; Figueiredo Teixeira, Código de Processo Civil anotado, p. 446 (falando em “condenação”); A ntônio Cláudio da Costa Machado, Código de Processo Civil interpretado, p. 565 (falando este au tor em sen­tença “preponderantem ente condenatória”); W illard de Castro Villar, Processo de execução, p. 113; Liebman, Processo de execução, p. 172.

53 Por todos, Liebman, Processo de execução, p. 172.

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prestação".54 A sentença aqui estudada, na verdade, não im põe ao dem andado o dever de em itir a declaração de vontade. Isso porque tal em issão tom a-se inteiram ente supérflua quando se sabe que a própria sentença será capaz de alcançar os resultados que seriam produzidos pela declaração de vontade não emitida. Os próprios defensores dessa posição, aliás, reconhecem que a sen­tença substitutiva da declaração de vontade não em itida dispensa a instaura­ção de processo executivo, produzindo-se, ex lege, os efeitos da declaração de vontade substituída.55 Parece no m ínim o estranho que se tenha um a sentença condenatória que dispensa a realização de atos executivos posteriores à sua prolação como forma de realizar o direito à vontade do direito substancial, quando se sabe que a tu te la jurisdicional condenatória, por si só, é incapaz de satisfazer a pretensão (trata-se, como visto em passagem anterior desta obra, de tu te la jurisdicional lim itada). A tu te la jurisdicional que se presta com a sentença que ora se analisa é plena, ou seja, é capaz, por si só, de perm itir que se alcance o gozo final da situação jurídica assegurada pelo direito subs­tancial. A sentença condenatória, como é sabido, não consegue proporcionar este resultado, fazendo-se necessário que se proceda a um a posterior execução (no m esm o processo, como se dá com a sentença que decreta o despejo, ou em processo autônom o, como num a sentença que condene a pagar d inheiro). Parece óbvio, pois, que a sentença que aqui se examina não é condenatória.

Há quem diga que essa sentença seria "executiva lato sensu”,56 categoria por mim repudiada, por parecer conceito desnecessário. Como se sabe, as sen­tenças "executivas lato sensu” seriam aquelas que, condenando o devedor a um a prestação, perm itiriam a execução no m esm o processo em que são proferidas, dispensando-se a execução em processo posterior, ex intervallo. Essa classifica­ção é, a meu juízo, dispensável, um a vez que tais sentenças seriam condenató- rias, tan to quanto aquelas cuja execução se faz por processo autônom o, diferin­do a form a de realização da execução apenas por critérios de política legislativa (mas nada se modificando no que concerne ao conteúdo da sentença).

É curioso notar, aliás, que dois juristas que negam a existência da ca­tegoria das sentenças "executivas lato sensu” m anifestaram opiniões bastante divergentes sobre essa tese. Assim é que, ao m esm o tem po em que prestigio­so ju rista carioca afirmou que, para aqueles que adm item a existência de tal

54 Yarshell, Tutela jurisdicional específica nas obrigações de emitir declaração de vontade, p. 49.

55 Villar, Processo de execução, p. 113.

56 Trata-se de posição com inúm eros seguidores em doutrina. Entre outros, m erecem consulta Assis, Manual do processo de execução, p. 408-409; Baptista da Silva, Curso de processo civil, vol. II, p. 96-97; Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. II, p. 169 (a posição deste au tor é, para dizer o m enos, paradoxal, já que Theodoro Júnior, em passagem anterior da m esm a obra, defende a classificação tradicional das sentenças [m eram ente declaratórias, constitutivas, con- denatórias], repudiando a existência de sentenças executivas lato sensu) (confira-se Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. I, p. 519).

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categoria de sentenças, este seria um exemplo dos mais apropriados,57 outro notável processualista afirmou que m esm o os que adm item a existência dessa categoria de sentenças não poderiam incluir en tre elas a sentença substitutiva da declaração de vontade, pois aqui não haverá nenhum ato executivo, seja no m esm o m ódulo processual, seja em m ódulo processual subsequente.58

Posição bastante próxim a a esta últim a, e que não pode deixar de ser referida, é a que vê nessa sentença um ato de execução forçada.59 Para os defen­sores dessa corrente doutrinária, ao propor a ação visando obter um a sentença que substitua a declaração de vontade não emitida, estaria o dem andante, em verdade, cum ulando duas demandas: um a condenatória e ou tra executiva. Ter- -se-ia, assim, um a dem anda executiva ajuizada in eventum, proposta antes de existir o títu lo executivo.60

Essa teoria esbarra num obstáculo teórico intransponível, já afirmado anteriorm ente por Dinam arco como crítica à posição teórica que vê nessa um a sentença "executiva lato sensu”. É que a sentença que ora se examina não leva a execução nenhum a (entendido o term o "execução” como designativo da ati­vidade jurisdicional consistente num a invasão patrim onial realizada indepen­dentem ente da vontade do devedor para, à custa de tal patrim ônio, realizar-se o resultado prático desejado pelo direito substancial. Não há, nesta sentença, qualquer invasão patrim onial, inexistindo, assim, execução).

É bom lembrar, aliás, que a sentença substitu tiva da declaração de vonta­de lim ita-se a produzir os efeitos que esta produziria, se tivesse sido emitida. Pense-se, ainda um a vez, no exemplo anteriorm ente figurado: celebrada um a prom essa de com pra e venda de um cavalo, e recusando-se o prom itente ven­dedor a celebrar o contrato de com pra e venda, poderá o prom issário com pra­dor pleitear em juízo um a sentença que substitua a declaração de vontade não emitida. A sentença, neste exemplo, produziria, pois, os m esm os efeitos de um contrato de com pra e venda de coisa móvel, não sendo capaz de - por si só - transferir o domínio. Assim sendo, caberá ao credor propor, após a obtenção da sentença substitutiva, nova demanda, em que peça a condenação da outra parte a entregar-lhe a coisa devida.61

57 Barbosa M oreira, Aspectos da “execução” em m atéria de obrigação de em itir declaração de vontade, p. 216.

58 Dinam arco, Execução civil, p. 107-108.

59 Trata-se da clássica posição de Calam andrei, La sentenza come atto di esecuzione forzata, passim . Essa posição contou, no Brasil, com a adesão de Bueno Vidigal, Da execução direta das obrigações de prestar declaração de vontade, p. 170.

60 Calam andrei, La sentenza come atto di esecuzione forzata, p. 358.

61 Nada im pede, porém (e, ao contrário, é m esm o aconselhável que se faça) a cum ulação dos pedidos de substituição da declaração de vontade e de condenação do dem andado a entregar a coisa. Trata-se, com o parece óbvio, de cum ulação sucessiva de pedidos.

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Por fim, há quem considere - a m eu ver com razão - que tal sentença é constitu tiva.62 Trata-se da posição dom inante en tre os doutrinadores brasilei­ros e italianos, em bora tam bém não tenha perm anecido, obviam ente, im une a críticas.

A sentença constitutiva, como se sabe, é aquela que, além de um m o­m ento lógico inicial, declaratório, onde se contém um ato de acertam ento da existência do direito afirmado pelo dem andante, contém um segundo m om en­to lógico, este propriam ente constitutivo, onde se encontra um ato de criação, modificação ou extinção de um a relação jurídica. A sentença constitutiva é a única, en tre as espécies de sentença definitiva, capaz de operar um a m utação da situação jurídica existente quando do ajuizam ento da dem anda. Basta pen­sar no clássico exemplo da sentença que decreta o divórcio, rom pendo a rela­ção m atrim onial existente quando da propositura da ação. É tam bém o caso da sentença na "ação revisional de aluguel”, que modifica o preço a ser pago pelo locatário ao locador.

Ora, é exatam ente isso o que se vê aqui, na sentença substitutiva da declaração de vontade. Quando do ajuizam ento da demanda, as partes encon- travam -se como sujeitos de um a relação jurídica que gerava, para um a delas, o direito a um a manifestação de vontade da ou tra (relação nascida, por exemplo, de um contrato de prom essa de com pra e venda de um bem m óvel). Proferida a sentença, nasce um a nova relação jurídica entre elas, e que é a m esm a relação que teria se originado da declaração de vontade que deveria ter sido em itida (mas não o foi). Assim, por exemplo, da sentença substitutiva de um contrato de com pra e venda nascerá para as partes um a relação jurídica obrigacional, que gera para um a das partes a obrigação de transferir para a ou tra o dom ínio sobre a coisa (obrigação esta que não existia antes, quando entre as partes ha­via, tão som ente, um a prom essa de com pra e venda).

Alguns autores criticam a posição aqui defendida, afirm ando que as sen­tenças constitutivas só podem surgir quando o direito substancial do dem an­dante é um direito potestativo, enquanto o direito de obter um a declaração de vontade não teria tal natureza, sendo direito a um a prestação (direito subjetivo stricto sensu).63

Não se pode negar que o direito substancial tutelado pela sentença subs­titu tiva da declaração de vontade é direito a um a prestação, e não direito po-

62 São m uitos os defensores desta posição. E ntre outros, podem ser citados Dinam arco, Execu­ção civil, p. 107; Niess, Da sentença substitutiva da declaração de vontade, p. 45; Yarshell, Tutela jurisdi­cional específica nas obrigações de declaração de vontade, p. 52; Ricardo Arcoverde Credie, Adjudicação compulsória, p. 77; Chiovenda, Instituições de direito processual civil, vol. I, p. 205; Luigi M ontesano, La tutela giurisdizionale dei diritti, p. 165.

63 Assim , por exemplo, Barbosa M oreira, Aspectos da “execução” em m atéria de obrigação de em itir declaração de vontade, p. 216.

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testativo. Inegável, tam bém , que diversos autores ligam as sentenças constitu­tivas apenas a esta últim a classe de direitos.64

Apesar de tal crítica, a posição aqui defendida continua a me parecer a mais adequada. Isso porque, a m eu juízo, a sentença constitutiva não se liga de modo tão indissolúvel aos direitos potestativos. É certo que há inúm eros exemplos de sentenças constitutivas ligadas àquela espécie de direitos, mas nada im pede a prolação deste tipo de sentença com o fim de tu telar direito substancial de ou tra categoria. Deve-se considerar constitutiva toda e qualquer sentença capaz de operar um a modificação da situação jurídica existente, ou de criar um a situação jurídica anteriorm ente inexistente.65

Assim sendo, pode-se afirmar, com convicção, que a sentença substi­tutiva da declaração de vontade é constitutiva, produzindo o efeito de - ao transitar em julgado - dar azo à m esm a relação jurídica que teria nascido se a declaração de vontade devida tivesse sido emitida.

Após tra ta r dos aspectos gerais da tu te la jurisdicional substitutiva da de­claração de vontade, consubstanciados no art. 466-A do CPC, há que se passar à análise do caso especial, previsto no art. 466-B, que se refere à obrigação de celebrar contrato, nascida de um contrato preliminar.

É bom lembrar, aqui, que na fattispecie do art. 466-A encontram -se todas as situações em que haja obrigação de em itir declaração de vontade, tenha ela origem na lei, num contrato ou num a declaração unilateral de vontade, e seja ela dirigida à celebração de um contrato ou de um a declaração unilateral. No art. 466-B, porém , tem -se regra específica para a obrigação de celebrar con­trato que tenha nascido de um contrato prelim inar (tam bém conhecido como contrato-prom essa ou pré-contrato).

Assim é que, nos term os do art. 466-B, "se aquele que se com prom eteu a concluir um contrato não cum prir a obrigação, a ou tra parte, sendo isso possível e não excluído pelo título, poderá obter um a sentença que produza o m esm o efeito do contrato a ser firmado”.

Destina-se a norm a aqui transcrita a regular, como se vê facilmente, um caso especial de tu te la específica das obrigações de em itir declaração de vonta­de, a ser prestada quando a obrigação tiver nascido de um contrato preliminar.

64 Por todos, confira-se Chiovenda, Instituições de direito processual civil, vol. I, p. 194-195. É de se notar, porém , que o próprio Chiovenda (contradizendo, assim , o conceito por ele m esm o estabelecido) afirm a a natureza constitutiva da sentença substitu tiva da declaração de vontade.

65 Bueno Vidigal, Da execução direta das obrigações de prestar declaração de vontade, p. 173, onde se verifica que aquele prestigioso jurista, feita essa consideração acerca do que se deve entender por sentença constitutiva, adm itia que fosse essa a natureza da sentença substitu tiva da decla­ração de vontade (afirm ando textualm ente que, “considerada em sua função, é sentença consti­tutiva, em sentido am plo”).

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Não se pode, porém , deixar de lem brar que é aqui aplicável tudo o que se viu acerca da norm a geral, contida no art. 466-A do CPC.

Pense-se, pois, num a prom essa de com pra e venda de um automóvel, em que o prom itente vendedor se recusa a celebrar o contrato definitivo (qual seja, o contrato de com pra e venda do veículo). N este caso, perm ite-se à ou tra par­te (prom issário com prador) ajuizar dem anda pedindo a prolação de sentença que substitua (produzindo os m esm os efeitos) o contrato que deveria ter sido firmado. A diferença entre a norm a especial e a geral está em que aqui fala o Código que tal provim ento poderá ser proferido "sendo isso possível e não ex­cluído pelo títu lo”. Há, pois, que se verificar o exato sentido dessas expressões.

Em prim eiro lugar, diz o art. 466-B que a tu te la específica só será deferi­da, nesse caso, se isso for possível. Isso porque há casos em que a substituição do contrato pela sentença não é possível, em razão de sua própria natureza. É o que se tem , por exemplo, na prom essa feita por um dos sócios de um a socie­dade de aceitar terceiro como sócio. Tal aceitação, como é sabido, depende do consentim ento dos dem ais sócios, o que im pede a sua substituição por um a sentença.66 O utro exemplo de impossibilidade de obtenção de sentença substi­tutiva da declaração de vontade se tem quando obrigado é o Estado.67

Pode-se pensar, tam bém , em casos de impossibilidade superveniente, como no caso de a conclusão do contrato depender de declaração de vontade de um terceiro (pense-se, por exemplo, num a prom essa de fiança realizada por pessoa casada por regime diverso da separação de bens, em que a eficácia do contrato prom etido depende do consentim ento do cônjuge). A sentença poderia substitu ir a declaração de vontade do obrigado, mas não a do terceiro estranho ao contrato-prom essa, o que tom aria inócua a substituição.

Além dos casos em que, por força de características oriundas do direito material, a tu te la substitutiva da declaração de vontade não é possível, há que se falar dos casos em que tal modalidade de tu te la jurisdicional é "excluída pelo títu lo”. Estar-se-á, aqui, diante de casos em que, em princípio, seria possí­vel a prolação de sentença substitutiva da declaração de vontade, m as a própria vontade das partes, declarada no contrato-prom essa, exclui tal possibilidade.

É o que se tem quando as partes estabelecem , no contrato-prom essa, o direito de arrependim ento. Basta pensar na hipótese de o contrato-prom essa ter sido celebrado com a fixação de arras penitenciais (as quais, um a vez fixa­das, perm item que qualquer das partes se arrependa do contrato, perdendo, a

66 O exem plo é encontrado em Sydney Sanches, Execução específica (das obrigações de contratar e de prestar declaração de vontade), p. 31.

67 Bueno Vidigal, Da execução direta das obrigações de prestar declaração de vontade, p. 190. O utro exem plo bastante encontrado em doutrina é o da im possibilidade de tu te la específica quando se está diante de prom essa de casam ento.

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parte que se arrependeu, em favor da outra, o sinal). Ora, havendo a previsão, no contrato-prom essa, do direito de arrependim ento, a parte que se arrepen­deu, ao fazê-lo, estará exercendo um a prerrogativa que lhe foi assegurada pelo título. Não poderá a ou tra parte, pois, obter em juízo um a sentença que substitua a vontade não declarada pelo que se arrependeu.

A penas se for possível, e não tendo sido excluído pelo títu lo , é que o Estado-juiz poderá proferir sentença substitu tiva da declaração de vontade não em itida.

Por fim, o art. 466-C tra ta de situação especialíssima, em que o contrato que deveria ter sido celebrado (mas não o foi) tenha por objeto a transm issão da propriedade ou de outro direito. N este caso, o acolhim ento da pretensão do dem andante só será possível se já tiver ele cum prido a sua obrigação ou, em caso contrário, se a oferecer no próprio juízo da dem anda substitutiva (salvo, obviamente, se ainda não exigível).

Figure-se, ainda um a vez, o exemplo da prom essa de com pra e venda. O pedido de tu tela substitutiva do contrato de com pra e venda só será acolhido se o dem andante já tiver pago integralm ente o preço, ou se o oferecer no pró­prio juízo da dem anda substitu tiva (o que se fará, no exemplo figurado, com a cumulação dos pedidos de substituição da declaração de vontade e de consig­nação em pagam ento). Não tendo havido o cum prim ento da obrigação devida pelo dem andante, será seu pedido julgado im procedente (salvo, repita-se, se sua obrigação ainda não era exigível).

Não se poderia encerrar esta breve exposição sobre a tu te la jurisdicional específica das obrigações de em itir declaração de vontade sem fazer rápida referência a duas situações especiais, regidas por norm as próprias, e que se inserem neste fenômeno: a "ação de adjudicação com pulsória” e a "ação de substituição de com prom isso arbitrai”.

A "ação de adjudicação com pulsória”, prevista no Decreto-lei nQ 58/1937, já foi definida como a dem anda "que pertine ao com prom issário comprador, ou ao cessionário de seus direitos à aquisição, ajuizada com relação ao titu lar do dom ínio do imóvel (que tenha prom etido vendê-lo através de contrato de com prom isso de venda e com pra e que se om itiu quanto à escritura definitiva), tendente ao suprim ento judicial dessa outorga, m ediante sentença constitutiva com a m esm a eficácia do ato não praticado”.68 Trata-se, pois, de dem anda de substituição de declaração de vontade (tendo, assim, a m esm a natureza da de­m anda prevista nos arts. 466-A e 466-B do CPC), m as que recebe tratam ento em separado, incidindo unicam ente nos casos em que a obrigação de em itir declaração de vontade nasce de um a prom essa de com pra e venda de bem im ó­

68 Credie, Adjudicação compulsória, p. 32.

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vel. A “ação de adjudicação com pulsória” seguirá, sempre, o procedim ento su ­m ário (art. 16 do Decreto-lei n Q 58/1937),69 qualquer que seja o valor da causa.

A ou tra h ipó tese que m erece ser lem brada aqui é a “ação de substitu i­ção do com prom isso arb itra i”, prevista no art. 7Q da Lei de A rbitragem (Lei n ô 9 .307/1996).

A Lei de A rbitragem prevê duas espécies de convenção de arbitragem (assim entendido o ato negociai através do qual as partes elegem a arb itra­gem como m eio de com posição de um conflito de in teresses disponíveis). A prim eira delas é a cláusula com prom issória, convenção celebrada antes que surja en tre as partes qualquer conflito, referindo-se a litígios fu turos e eventuais (trata-se de convenção que teria o seguin te conteúdo m ínim o: fica pactuado que eventuais conflitos que venham a surgir em razão do contrato celebrado en tre as partes serão resolvidos por arb itragem ). A ou tra espécie é o com prom isso arbitrai. Esta é um a m odalidade de convenção de arbitragem em que as partes subm etem à via arbitrai de com posição de conflitos um litígio já instaurado en tre elas.

Verifica-se, facilmente, que a cláusula com prom issória nada mais é do que um a “prom essa de com prom isso arbitrai”. Tendo sido celebrada a cláusu­la com promissória, e recusando-se um a das partes a celebrar o com prom isso arbitrai, a ou tra parte poderá ir a juízo para o fim de obter um a sentença que produza os m esm os efeitos do com prom isso não firm ado.70 A dem anda (que tem a m esm a natureza da prevista nos arts. 466-A e 466-B do CPC) dará ori­gem a um processo cognitivo, que seguirá o procedim ento descrito no art. 7Q e §§ da Lei de Arbitragem.

De tudo o que se viu, é fácil concluir que o direito positivo brasileiro, mais um a vez, se revela pleno de meios de realização do ideal de efetividade do processo, pois que nosso processo é capaz de assegurar ao titular de um direito tudo aquilo, e precisam ente aquilo, que ele tem o direito de conseguir. Assim, se alguém é credor de um a obrigação de prestar declaração de vontade, o pro­cesso só será efetivo se for capaz de assegurar ao titular do direito o resultado que ele obteria se a declaração de vontade devida fosse emitida. É o que se con­segue em nosso sistem a com a prolação da sentença substitutiva da declaração

69 É certo que o dispositivo legal citado fala em "procedim ento sum aríssim o” . É dom inante em doutrina, porém , o en tendim ento segundo o qual o procedim ento a ser observado, na hipótese, é o sum ário (art. 275, II, g, do CPC). N este sentido, en tre outros, J. E. Carreira Alvim, Procedi­mento sumário na reforma processual, p. 50; A thos G usm ão Carneiro, Do rito sumário na reforma do CPC, p. 34. Contra, entendendo que neste caso deve ser observado o procedim ento sum aríssim o dos Juizados Especiais Cíveis, Berm udes, A reforma do Código de Processo Civil, p. 33.

70 Sobre esse fenôm eno, confira-se Freitas Câmara, Arbitragem, p. 23-27; Paulo Cezar Pinhei­ro Carneiro, Aspectos processuais da nova lei de arbitragem , in Arbitragem: a nova lei brasileira (9.307/96) e a praxe internacional, coord. Paulo Borba Casella, p. 135-137; Joel Dias Figueira Júnior, Manual da arbitragem, p. 120-121; José Carlos Barbosa M oreira, La nuova legge brasiliana sull’arbitrato , separata da Rivista Dell’Arbitrato, fase. 1-1997, p. 4.

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de vontade, capaz de produzir - um a vez alcançada pela autoridade de coisa julgada material - todos os efeitos que seriam norm alm ente produzidos pela declaração de vontade não emitida.

§ 3fi EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA CONTRA DEVEDOR SOLVENTE

Q uando se tra ta de buscar o cum prim ento forçado de obrigação de pa­gar dinheiro, nosso sistem a processual estabelece a existência de um a execu­ção por quantia certa. E sta espécie de execução será, por sua vez, classificada de acordo com a capacidade econôm ica do executado, falando-se em execu­ção contra devedor solvente ou insolvente, conform e o dem andado tenha ou não, em seu patrim ônio, bens suficientes para garantir o cum prim ento da obrigação.

Tratarei, nesta passagem, da execução por quantia certa contra devedor solvente, deixando para item subsequente desta obra a análise da execução contra devedor insolvente, tam bém cham ada insolvência civil.

Há, em nosso direito positivo, seis diferentes procedim entos para a exe­cução por quantia certa contra devedor solvente. Um primeiro, que pode ser chamado procedim ento padrão, é aplicável à generalidade das hipóteses em que se pretenda executar obrigação de pagar dinheiro com base em títu lo exe­cutivo extrajudicial, aplicando-se, ainda, subsidiariam ente aos demais. Exerce esse procedimento, pois, função análoga à exercida pelo procedim ento ordiná­rio no processo de conhecim ento. Há, tam bém , um procedim ento a ser usado como regra geral quando o título executivo é judicial. Existe, ademais, um pro­cedim ento a ser usado quando o título executivo judicial é um dos previstos nos incisos II, IV ou VI do art. 475-N do CPC. Há, ainda, um procedim ento específico para a execução contra a Fazenda Pública, cuja utilização se dá em razão da pessoa do executado. O quinto procedim ento a ser considerado é o da execução de prestação alimentícia, em que a no ta determ inante da adequa­ção do procedim ento é a especial natureza do crédito exequendo, sendo certo que a principal característica desse procedim ento, como se verá no m om ento próprio, é a existência de um meio de coerção pessoal (a prisão civil do execu­tado) . Por fim, não se pode deixar de fazer referência à execução fiscal, ou seja, à execução de dívidas ativas da Fazenda Pública, procedim ento que tam bém é utilizado em razão de um a das partes (agora no polo ativo) ser a Fazenda Pública. Esse procedim ento não está regulado no CPC, mas em lei específica (a Lei n2 6.830/1980).

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Estudar-se-á, aqui, o procedim ento padrão, com minúcias, para - em seguida - exam inar os dem ais procedim entos apenas naquilo que têm de es­pecial, já que a todos eles se aplica, subsidiariam ente, aquele prim eiro proce­dim ento, o qual será, tam bém , observado em todas as dem ais execuções por quantia certa contra devedor solvente.

3.1 Procedim ento Padrão da Execução por Q uantia C erta contra D evedor Solvente

Como todos os dem ais procedim entos executivos, este rito se divide em três fases: postulatória, instru tória e satisfativa. A prim eira fase é formada pelo ajuizam ento da dem anda e pela citação, ato de angularização da relação processual (sendo possível que, nesta fase, realize-se um arresto ). A segunda, pela penhora e dem ais atos preparatórios do pagam ento. A fase satisfativa é formada pelo pagam ento ao dem andante, que pode se dar por diversas formas.

É sem pre bom lem brar que esse é um procedim ento que tem por fim a entrega, ao dem andante, de um a som a em dinheiro, sendo certo que o num e­rário será obtido através da expropriação de bens do patrim ônio do executado (daí por que falam os processualistas em "execução por expropriações”). Esta afirmação se to m a ainda mais im portante quando se tem em m ente que o CPC, em seu art. 646, afirma que a execução por quantia certa "tem por objeto expropriar bens do devedor” . A expropriação não é o fim da execução, mas m ero instrum ento para que se alcance o verdadeiro fim, que é a satisfação do crédito exequendo.71 Significa, pois, tal disposição legal, ao afirmar que a exe­cução por quantia certa tem por objeto a expropriação de bens, que a atividade executiva incidirá sobre os bens que com põem o patrim ônio do executado (os quais representam , assim, seu objeto). A finalidade da execução por quantia certa, porém, não é a expropriação, m as a satisfação do crédito exequendo.

Feitas essas considerações iniciais, passa-se à análise de cada um dos atos que com põem o procedim ento padrão da execução por quantia certa contra devedor solvente, começando, obviamente, pela petição inicial. Note-se, desde logo, que esse procedim ento padrão é adequado para a execução fundada em títu los extrajudiciais, aplicando-se subsidiariam ente a todos os dem ais proce­dim entos, inclusive ao adequado às execuções fundadas em títu los judiciais.

71 N este sentido, assim se m anifesta notável processualista paulista, referindo-se ao art. 646 do CPC: “Por isso o art. 646 alude aos bens do devedor que no processo executório são dele expropriados, ‘a fim de satisfazer o d ireito do credor’. Diz mais que é esse o objeto da execução, no sentido de que sobre eles versa o processo executório, inconfundível com a sua finalidade que consiste em realizar, im ediatam ente, o d ireito objetivo e, na m edida de sua disciplina, satisfazer, m ediatam ente, o credor exequente" (Celso Neves, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VII, p. 14).

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3.1.1 Petição Inicial

Como se dá em todos os processos, tam bém o executivo (ainda que se trate de execução de sentença civil condenatória) está sujeito ao princípio da dem anda (art. 2Q do CPC), corolário da inércia característica da função jurisdi­cional. Assim sendo, é preciso que se ajuíze um a dem anda, para que se possa dar início ao processo executivo. A dem anda, aqui como em qualquer outro caso, tem como instrum ento um a petição inicial, que deve observar todos os requisitos genericam ente exigidos para a regularidade formal da dem anda (arts. 282 e 39, I, do CPC), com a ressalva daqueles requisitos incompatíveis com a execução (e. g ., a indicação das provas com que o dem andante pretende dem onstrar a veracidade de suas alegações), ou aqueles que se revelem, diante do caso concreto, desnecessários (como, por exemplo, a qualificação das par­tes, quando se tratar de execução fundada em sentença, pois tal qualificação já estará referida na petição inicial da dem anda cognitiva).

É preciso, ainda, que a petição inicial se faça acom panhar do título exe­cutivo extrajudicial (art. 6 1 4 ,1, do CPC).

Por fim, e nos term os do art. 614, II, do Código de Processo Civil, deverá a petição inicial vir instru ída “com o dem onstrativo do débito atualizado até a data da propositura da ação”. Trata-se de exigência incluída no sistem a do CPC pelo m ovim ento que ficou conhecido como “a reform a do Código de Processo Civil”, e que vem adaptar o procedim ento que ora se analisa a um sistem a em que não há “liquidação por cálculo do contador”.

A ntes da reform a do CPC, as sentenças que condenavam a pagar quan­tia em dinheiro, m as que dependiam , para a determ inação exata do quantum debeatur, da realização de cálculos aritm éticos (pense-se, por exemplo, num a sentença que condenasse o dem andado a pagar um a certa quantia em dinheiro, acrescida de juros de m ora de um por cento ao m ês desde a citação, atualização m onetária desde a propositura da ação e m ulta m oratória de dez por cento), para poderem ser consideradas títu los executivos, dependeriam da realização de um processo de liquidação de sentença, pela modalidade “liquidação por cálculo do contador”.

O sistem a aqui mencionado, porém , continha um verdadeiro absurdo, um a vez que determ inava a liquidação de um a obrigação que já era líquida, pois todos os fatores necessários para a determ inação do quantum debeatur já se encontravam determ inados pela sentença condenatória. O legislador da reforma, então, extinguiu o processo de liquidação por cálculo do contador, determ inando que, a partir dali, seria ônus do exequente realizar a operação aritm ética necessária para a determ inação do valor da obrigação.

Já nas execuções fundadas em título extrajudicial, em que não se revelava cabível a liquidação (por não haver “sentença liquidanda”), empregava-se sis­

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tem a sem elhante, com a realização de um incidente inicial de "liquidação” (do que já era líquido). Assim é que, nesse tipo de execução, um a vez proposta a ação, eram os autos rem etidos ao contador judicial para que realizasse a conta necessária para que se pudesse saber qual o valor do crédito exequendo, e so ­m ente após a verificação judicial desta conta é que se poderia realizar a citação do executado.

O legislador da reforma processual, através de modificação realizada no CPC, sob todos os aspectos elogiável, extinguiu a esdrúxula "liquidação de obri­gação líquida”, que se realizava através de cálculo do contador judicial. A partir da reforma, passou a ser ônus do exequente elaborar a conta necessária para que se possa saber o valor atualizado da dívida do executado, pois a dívida pode vir acrescida de m ulta, juros e atualização monetária.

Não se pense que, com o novo sistema, diminuíram as garantias do execu­tado. Este continua podendo discutir o valor da obrigação exigida, o que se fará através da oposição de embargos do executado. Considerando o executado que a conta apresentada pelo exequente está errada, levando a se exigir dele quantia superior à efetivamente devida, poderá opor embargos alegando excesso de exe­cução (art. 745, III, do CPC).

Ocorre, porém, que um "fantasma” vem rondando nosso processo civil.72 É que m uitos juizes, apesar do novo sistem a im plem entado pela reforma pro­cessual, continuam a rem eter os autos ao contador judicial, quando do ajuiza­m ento da dem anda executiva, como se nada tivesse sido alterado. Quando os autos retom am do contador judicial, o "fantasma” se tom a ainda mais assus­tador, pois tais juizes abrem vista às partes (principalmente quando se trata de execução fundada em sentença, pois poucos se dão conta de que, em nosso sistem a processual, a execução por quantia certa é um novo processo, distinto do processo cognitivo) e, em seguida, "hom ologam ” o cálculo. Tudo isso se faz como se não tivesse havido qualquer reforma processual. Está na hora de per­m itir o "descanso” de um institu to "m orto e sepultado”. Que esse "fantasma” pare de assombrar, é tudo o que se pode esperar. Talvez se os operadores do di­reito no Brasil estudassem um pouco mais, se mantivessem atualizados diante das inovações legislativas e das novas doutrinas, a sociedade se livraria desses "fantasmas” que, na m elhor das hipóteses, trarão ao processo um a dem ora ain­da maior do que aquela que, inevitavelmente, já se dá.

Recorde-se, porém, que, por força do disposto no § 3Q do art. 475-B do CPC, deve o juiz rem eter os autos ao contador quando o exequente for bene­ficiário da justiça gratuita e não tenha condições de apresentar m em ória de cálculo, ou na hipótese de a conta apresentada pelo exequente aparentem ente exceder os lim ites da obrigação acertada no títu lo executivo, conforme foi visto

72 A expressão utilizada no texto não é m inha, m as de Dinam arco, As três figuras da liquida­ção de sentença, p. 21.

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anteriorm ente, no capítulo dedicado ao estudo da liquidação de sentença, para onde se rem ete o leitor.

Por últim o, deve-se dizer que o exequente pode valer-se de sua petição inicial para indicar os bens que pretende ver penhorados no caso de o execu­tado não pagar a dívida no prazo de três dias a que se refere o art. 652 do CPC (art. 652, § 2 2).

Pode acontecer de o exequente não conhecer bens penhoráveis do exe­cutado. Nesse caso, evidentem ente, não se valerá da faculdade institu ída pelo citado art. 652, § 22, e caberá ao juízo identificar os bens do dem andado que suportarão a atividade executiva.

Distribuída a petição inicial (ou sim plesm ente despachada, onde houver um só juízo em tese com petente), será possível ao exequente obter certidão comprobatória do ajuizamento da dem anda executiva, com a identificação das partes e do valor da causa. Essa certidão servirá para perm itir ao exequente pro­videnciar a averbação da existência do módulo processual executivo no registro de imóveis (ou no registro de outros bens penhoráveis do executado, como, e. g .t no livro de registro de ações de um a sociedade anônima).

Providenciadas tais averbações pelo exequente, deverão elas ser com u­nicadas ao juízo da execução no prazo de dez dias. Feita a comunicação, a averbação é plenam ente eficaz desde o m om ento em que tenha sido efetivada. Com unicada a averbação depois do prazo legal, só se considera aquela anota­ção eficaz a partir da data de sua comunicação ao juízo.

A im portância dessa averbação (e da determ inação do m om ento do iní­cio de sua eficácia) está no fato de que se presum e em fraude de execução qualquer alienação ou oneração de bens posterior à averbação (art. 615-A, § 32, do CPC). Formalizada, porém, penhora sobre bens suficientes para garantir a execução, será determ inado o cancelamento das averbações relativas aos bens que não tenham sido penhorados.

Im portante observar que o exequente que prom over averbação manifes­tam ente indevida (bastando pensar no caso de ter o exequente, de má-fé, pro­movido averbação sobre bens impenhoráveis) indenizará o lesado, aplicando- -se - no que couber - as regras da litigância de má-fé. Eventual incidente que se venha a instaurar para verificação da obrigação de indenizar nesse caso será autuado em apenso aos autos da execução.

3.1.2 Citação e Arresto

Faltando algum requisito à petição inicial, deverá o juiz determ inar ao exequente que a corrija, no prazo de dez dias, sob pena de indeferim ento (apli- cando-se aqui, no que couber, o disposto no art. 296 do CPC, inclusive quanto

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à possibilidade de - in terposta apelação contra a sentença que indeferir a pe­tição inicial - o juiz exercer juízo de retratação, reform ando sua decisão). Es­tando em term os a petição, deverá o juiz determ inar a citação do dem andado, a fim de que se angularize a relação processual executiva.

A citação (como se dá, aliás, nas execuções de um a form a geral) não poderá ser feita por via postal, conforme proibição decorrente do disposto no art. 222, d, do CPC. Como regra, pois, o ato de integração do dem andado ao processo será feito através do oficial de justiça.

N ada impede a citação por edital, desde que presentes os requisitos para que a m esm a possa ser feita (e. g., o dem andado encontra-se em lugar ignora­do). Discute-se, porém , a possibilidade de - no processo executivo - realizar-se citação com hora certa. A jurisprudência predom inante tem negado tal possi­bilidade.73 Em doutrina, porém , são encontradas vozes no sentido de que essa modalidade de citação é possível.74

Parece-me perfeitam ente possível a citação com hora certa no processo executivo. É certo que, pela literalidade do disposto nos arts. 653 e 654 do CPC, ou tra seria a conclusão. Isso porque determ ina o Código que, não encon­trando o executado, o oficial de justiça efetuará o arresto (sobre o qual falar- -se-á adiante), e voltará ao endereço do dem andado, por três vezes, a fim de realizar a citação. Após as três tentativas, e não sendo encontrado o executado, determ ina o CPC que o dem andante requeira sua citação por edital.

A interpretação literal, pois, exclui a possibilidade de citação com hora certa, pois passa da citação por oficial de justiça, diretam ente, à citação por edi­tal. É sabido, porém , que a interpretação literal da norm a é insuficiente. A cita­ção com hora certa não é incompatível com o processo executivo, sendo cabível por força do disposto no art. 598 do CPC. Ademais, a citação com hora certa é m enos onerosa para o executado, que verá seu patrim ônio atingido tam bém para que se possa ressarcir o exequente pelas despesas processuais que este tenha adiantado, incluindo-se, aí, as despesas com a citação. Ora, sabe-se que

73 Confiram-se, por exemplo, os seguintes acórdãos: 2a Câm ara do Tribunal de Justiça da Paraíba, na apelação cível n° 1.391/1988, j. 22 /5 /1989 , v.u., rei. Des. Almir Carneiro da Fonseca; 3a Câ­m ara Cível do Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul, apelação n° 186.060.448, j. 15/10/1986, v.u., rei. Juiz Élvio Schuch Pinto; 2* Câmara do I o Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, agravo de instrum ento 361.443, j. 10/9/1986, v.u., rei. Juiz Sena Rebouças (todos inseridos na coletânea CPC nos tribunais, organizada por Darcy A rruda M iranda Júnior et al., p. 7198-7202. Na doutri­na, negando a possibilidade de citação com hora certa, encontra-se a posição de Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, vol. III, p. 276. Após a prim eira edição deste livro, o STJ elaborou enunciado afirmando a possibilidade de citação com hora certa no processo de execução (Enunciado n° 196 da Súmula do STJ).

74 Entre outros, Assis, Manual do processo de execução, p. 436; Figueiredo Teixeira, Código de Pro­cesso Civil anotado, p. 454.

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a execução deve ser realizada pela form a m enos onerosa para o executado, e esta - sem som bra de dúvidas - é a citação com hora certa.

É de se notar, ainda, que, perm anecendo inerte o executado citado com hora certa ou por edital, não é caso de o juiz nom ear para ele curador especial. Não se aplica à hipótese o art. 9Q do CPC, pois não se estará diante de revelia.75 A não manifestação do executado não pode se confundir com a ausência de contestação (revelia), não se configurando, pois, a fattispecie do art. 92, II, do CPC, que fala em “réu revel”.

D eterm ina o art. 653 do CPC que, em não sendo encontrado o executa­do, deverá ser realizado o arresto de tantos bens quantos bastem para garantir a realização do crédito exequendo. Este arresto, porém, não se confunde com o institu to previsto nos arts. 813 a 821 do CPC.

O arresto a que se refere o art. 653 do CPC é um ato de apreensão provi­sória de bens do executado, destinado a garantir a execução, de natureza extre­m am ente controvertida. Há quem veja aqui um a m edida cautelar inserida no processo executivo,76 enquanto outros autores afastam esta natureza, levando em conta que o arresto aqui considerado é ato executivo.77

Esta últim a parece a m elhor posição. Não se pode considerar cautelar tudo aquilo que é provisório. A rigor, aliás, e conforme se verá no m om ento próprio, as medidas cautelares não são provisórias, mas temporárias. Basta pensar na tu tela antecipada, já estudada, institu to de natureza provisória não cautelar. As

75 N este sentido, Figueiredo Teixeira, Código de Processo Civil anotado, p. 456. Em sentido contrá­rio, porém , têm se m anifestado os tribunais, como se vê, por exemplo, nos seguintes acórdãos: "Embargos à execução. Curador especial. Representação processual. Legitimidade ad causam. O curador especial do réu citado por edital assum e a condição de titu lar de poderes processuais de representação e ônus decorrentes, inclusive no que tange à defesa, podendo, portanto, não ape­nas participar do processo de execução, mas, tam bém , caso persista a omissão, opor embargos em nom e do executado e apelar da respectiva sentença (TAMG - AC 24.957 - Rei. J. Moacir Pe- droso) - (RJM 29/110). Embargos infringentes. Legitimidade do defensor público, na qualidade de curador especial, para oferecer em bargos à execução. E ntendim ento no sentido de reconhecer a controvérsia em relação à extensão da atuação do curador na defesa do executado fictam ente citado, mas, adm itir sua legitim idade para opor em bargos à execução, com valoração do conteúdo da defesa. CPC, arts. 9C, II, 741 e 745 (TACRJ - EI 359 /90 - 4C GCC - Rei. J. Roberto W ider - J. 23 /4 /1991). (RJ 172/100). Execução hipotecária. Citação por edital. Executado revel. CPC, art. 9e, II. É devida a nom eação de curador especial ao executado que, citado por edital, não compa­receu a Juízo. Ressalva de pon to de vista sobre a m atéria (STJ - REsp 41.809-7 - SC - I a T. - Rei. Min. A ntônio de Pádua Ribeiro - DJU 6 /2 /1995 , p. 1340). A m atéria foi sum ulada, após a elabo­ração da prim eira edição deste livro, pelo STJ (Enunciado n° 196).

76 Assim , en tre outros, Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. II, p. 181; Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 224; C osta M achado, Código de Processo Civil interpretado, p. 576; Castro, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VIII, p. 211; M oura Rocha, Sistemática do novo processo de execução, p. 321.

77 N este sentido, en tre outros, Baptista da Silva, Curso de processo civil, vol. II, p. 58; Assis, Ma­nual do processo de execução, p. 448; Neves, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VII, p. 54-55.

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medidas de natureza cautelar são destinadas a assegurar a efetividade de um provimento jurisdicional, quando há o risco de que esse provimento - em razão da dem ora para que o mesmo possa ser proferido - seja incapaz de perm itir que se alcance a situação que ele se destinaria a proporcionar. Para que se possa deferir um a m edida cautelar, é preciso que se façam presentes dois requisitos, tradicionalm ente chamados áefum us boni iuris (fumaça do bom direito, probabi­lidade de existência do direito afirmado) e periculum in mora (fundado receio de que a dem ora na emissão do provimento gere para o processo um dano grave, de difícil ou impossível reparação).

Ora, o arresto a que se refere o art. 653 do CPC não exige, para ser realizado, o periculum in mora. Basta o m ero fato (de verificação puram ente objetiva) de não se encontrar o executado para a realização da citação. A inda que se tra te de executado cujo patrim ônio, notoriam ente, é suficiente para garantir a satisfação do crédito exequendo, o fato de não ser ele encontrado pelo oficial de justiça quando este vai efetuar a citação perm ite que se realize o arresto . Não se trata, pois, de m edida cautelar.

O que se tem aqui é um a pré-penhora, ou seja, um a antecipação da pe­nhora. Trata-se, pois, de ato executivo. A penhora, como se verá adiante, é um ato de apreensão dos bens que serão utilizados na satisfação do crédito exequendo. Não sendo o dem andado encontrado pelo oficial de justiça, este realizará um ato de apreensão de tantos bens quantos bastem para a satisfação do crédito. Tem-se, aqui, portanto, um a antecipação do ato (que será praticado mais adiante) de apreensão dos bens que serão em pregados na satisfação do direito do exequente. Ato executivo, e não cautelar.

O utro aspecto a considerar, dem onstrativo de que o arresto a que aqui se refere é ato executivo, e não cautelar, é que ele se destina a transform ar-se em penhora (razão pela qual, aliás, é que só se pode arrestar bens penhoráveis). Explique-se: realizado o arresto e, posteriorm ente, chegado o m om ento da penhora, aquele se converte nesta, fazendo com que a penhora incida sobre os bens inicialm ente arrestados. Conseqüência disto é que o direito de preferên­cia gerado pela penhora terá efeito retroativo à data do arresto. Já no arresto cautelar (arts. 813 e seguintes) não há esta conversão em penhora, e nem a eficácia ex tunc do direito de preferência.

É de se notar, ainda, que o arresto pode ser praticado de ofício pelo oficial de justiça, independentem ente de requerim ento da parte ou de de­term inação judicial.78 Seria difícil, para dizer o m enos, adm itir um a m edida cautelar, provim ento jurisdicional que é deferida não por um juiz, m as por um oficial de justiça.

Realizado o arresto, deverá o oficial de justiça, nos dez dias seguintes, dirigir-se ao endereço do executado, por três vezes, em dias distintos. Encon­

78 Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. II, p. 181.

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trado o executado, será este citado. Não o encontrando o oficial de justiça, de­verá este certificar o ocorrido, cabendo ao dem andante o ônus de, nos dez dias seguintes, requerer sua citação por edital. U ltrapassado o decêndio sem que o dem andante se desincum ba deste ônus, o arresto perde eficácia.79

A citação na execução por quantia certa contra devedor solvente é feita para que o dem andado, no prazo de três dias, pague a dívida. O prazo de três dias corre da juntada do m andado aos autos. O m andado de citação (que, na verdade, é m uito mais do que isso, tratando-se de verdadeiro m andado de exe­cução) deverá ter sido extraído pelo cartório em duas vias, e o oficial de justiça, após realizar a citação, deverá devolver - para ser juntado aos autos - apenas a prim eira delas. A segunda via deverá perm anecer com o oficial para que, se for o caso, realize posteriorm ente a penhora.

Pode o executado, ainda, optar por - no prazo de 15 dias a contar da jun ­tada aos autos do m andado de citação - reconhecer expressam ente o crédito do exequente e, comprovando ter efetuado o depósito de pelo m enos 30% do valor to tal da execução (aí incluídos as despesas processuais e os honorários advocatícios), requerer seja adm itido a pagar o restante em até seis prestações mensais, acrescidas de correção m onetária e juros de 1% ao mês. O juiz, depois de ouvir o exequente, decidirá sobre a proposta. É preciso observar, porém, que o deferim ento do parcelam ento não depende da concordância do exequen­te. Este poderá se opor, por exemplo, dem onstrando que o depósito feito não alcança os 30% do valor da execução, ou que o executado está na iminência de se desfazer de seus bens e sair do país (o que inviabilizaria o cum prim ento da obrigação). Caberá, então, ao juiz decidir. Deferida a proposta de parcela­m ento, o exequente levantará a quantia depositada, e ficará suspensa a prática de atos processuais executivos até o pagam ento integral. O não pagam ento de qualquer das prestações subsequentes implicará o vencim ento antecipado das dem ais e o prosseguim ento do processo. Incidirá, ainda, um a m ulta de dez por cento sobre o valor não pago, e ficará o executado proibido de opor embargos.

3.1.3 Pagamento ou Penhora

Como dito, o executado é citado, na execução por quantia certa contra devedor solvente, para, no prazo de três dias, pagar a dívida.

Pagando o executado a quantia pretendida pelo dem andante, o juiz pro- latará sentença, declarando extinta a execução.

Sendo efetuado o pagam ento no tríduo, o executado verá reduzir-se à m etade o valor dos honorários advocatícios fixados pelo juízo da execução ao despachar a petição inicial (art. 652-A e seu parágrafo único).

79 Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 224.

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Não tendo sido efetuado o pagamento, proceder-se-á à penhora de bens do executado. Esta será realizada pelo oficial de justiça, valendo-se da segunda via do mandado (já que a primeira via já terá sido a essa altura juntada aos autos), que desde logo lavrará o auto. Aplica-se, porém, o disposto no art. 659, § 5Q, do CPC, e se lavrará term o de penhora no caso desta incidir sobre imóvel e haver nos autos certidão da respectiva matrícula.

É de se lembrar, ainda, que pode te r havido a realização de um arresto (rectius, pré-penhora), hipótese em que se deve considerar a possibilidade de se proceder à penhora do próprio bem arrestado. N este caso, o arresto converte- -se em penhora. Incidindo, porém, a penhora sobre bens diversos daqueles que foram arrestados, tudo se passa pela m esm a forma que na hipótese de não ter havido arresto anterior (com a única diferença de que os efeitos da penhora retroagirão, de qualquer maneira, à data em que se fez a pré-penhora).

Frise-se, tam bém , que no caso de execução fundada em contrato ga­rantido por hipoteca, penhor ou anticrese (art. 585, III, do CPC) a indicação de bens à penhora é dispensada, um a vez que a constrição incidirá sobre o próprio bem sobre o qual se predeterm inou que incidiria a responsabilidade (art. 655, §1°).

Ao fazer a penhora, cabe ao juízo observar a ordem prevista no art. 655 do CPC, apreendendo-se o prim eiro entre os bens que com põem a referida lista que exista no patrim ônio do executado em valor suficiente para assegurar a satisfação do crédito exequendo. O legislador, sabendo que o objetivo desta modalidade de execução é satisfazer um crédito em pecúnia, determ inou que a penhora recaísse, preferentem ente, sobre dinheiro. Estabeleceu, em seguida, um a ordem a ser observada e que foi fixada levando-se em consideração a m aior ou m enor facilidade de conversão de tais bens em dinheiro.80

Assim é que a penhora deve recair, em prim eiro lugar, sobre dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira. Não havendo dinheiro suficiente em seu patrim ônio, deverá a penhora recair sobre veículos de via terrestre. Seguem-se a esses bens, na ordem prevista no art. 655, os bens móveis em geral, os bens imóveis, navios e aeronaves, ações e quotas de sociedades em presárias, percentual do faturam ento de em presa devedora, pe­dras e m etais preciosos, títulos da dívida pública da União, Estados e D istrito Federal com cotação em mercado, títu los e valores mobiliários com cotação em mercado, outros direitos.

80 Essa ordem , porém , não é absoluta com o o próprio tex to do dispositivo indica (pelo uso do advérbio "preferencialm ente"). N este sentido, o STJ fez incluir na Súm ula de sua jurisprudência dom inante o verbete ne 417, segundo o qual “na execução civil, a penhora de dinheiro na ordem de nom eação de bens não tem caráter absoluto”.

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A penhora feita fora da ordem estabelecida no art. 655 do CPC é inválida,81 salvo se com ela concordar o exequente (art. 6 5 6 ,1), que poderá preferir reque­rer a substituição do bem penhorado por outro.

Incumbe ao executado, no prazo fixado pelo juízo da execução, indicar onde se encontram os bens penhoráveis, exibir a prova de sua propriedade e, se for o caso, certidão negativa de ônus, bem como abster-se de qualquer a titu ­de que dificulte ou embarace a realização da penhora (art. 656, § 1Q).

Não tendo o executado realizado o pagamento, e necessária a penhora, efetiva-se a constrição, ato essencial do procedim ento da execução por quantia certa contra devedor solvente, sobre o qual passa-se a discorrer.

3.1.4 Penhora

Ato essencial do procedim ento da execução por quantia certa contra de­vedor solvente, a penhora merece receber tratam ento porm enorizado, estu- dando-se separadam ente seu conceito e natureza jurídica, seus efeitos, os bens impenhoráveis, a form a de sua realização e as penhoras especiais. É o que se fará nos tópicos seguintes.

3.1.4.1 Conceito e N atureza Jurídica

Penhora é "o ato pelo qual se apreendem bens para empregá-los, de m a­neira direta ou indireta, na satisfação do crédito exequendo”.82 Trata-se, pois, de ato de apreensão judicial de bens, sendo certo que os bens penhorados se­rão em pregados na satisfação do direito exequendo.

Fala-se em utilização de m aneira direta ou indireta. Os bens penhorados serão em pregados diretam ente na satisfação do crédito quando forem eles en­tregues ao exequente, passando a integrar seu patrim ônio (a esta modalidade de pagam ento do dem andante, como se verá adiante, dá-se o nom e de adjudi­cação). De outro lado, os bens penhorados serão em pregados por via indireta na satisfação do direito exequendo quando forem expropriados e convertidos em dinheiro, devendo-se entregar ao exequente o num erário obtido, até o limi­te de seu crédito (este é o chamado pagam ento por entrega de dinheiro, que se

81 É de se no ta r que o art. 656 do CPC falava, em sua redação original, em “ineficácia”, en­quan to o art. 659, com m ais propriedade, fala em “invalidade”. Trata-se de h ipótese de anu- labilidade, vício que se inclui no plano da validade, e não no da eficácia. N o sentido do texto, confira-se Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 228; Assis, Manual do processo de execução, p. 457-458.

82 Reproduz-se, aqui, pela concisão e precisão, a definição de Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 225.

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constitui na regra geral a ser observada, já que se está d iante de um a execução por quantia certa).

Discute-se, em sede doutrinária, a natureza jurídica da penhora, havendo quem a considere m edida cautelar,83 outros que a consideram ato executivo,84 enquanto outros veem nela ato de natureza dúplice, cautelar e executiva.85 Predom ina na doutrina brasileira, em opinião que é, realm ente, a melhor, tese no sentido da natureza executiva da penhora.

A penhora é, como se verifica pela definição apresentada, ato executivo, através do qual se apreendem bens do executado, im plem entando-se, assim, a sujeição patrim onial que se tom ou possível em razão da responsabilidade pa­trim onial. Este ato, de apreensão judicial de bens, é dos mais im portantes no procedim ento da execução por quantia certa contra devedor solvente, um a vez que é a partir dele que será possível a realização dos atos tendentes à expro­priação de bens, com a sua conversão em dinheiro e, afinal, com a satisfação do direito exequendo.

3.1.4.2 Efeitos da Penhora

A penhora produz efeitos de duas ordens: processuais e m ateriais,86 que passo a analisar. Diga-se, desde logo, porém , que são efeitos processuais da penhora:

a) garantir o juízo;b) individualizar os bens que suportarão a atividade executiva;c) gerar para o exequente direito de preferência.

De outro lado, são efeitos m ateriais da penhora:

a) retirar do executado a posse direta do bem penhorado;b) tom ar ineficazes os atos de alienação ou oneração do bem apreen­

dido judicialm ente.

83 Opinião m anifestada por M arco Tlillio Zanzucchi, apud Costa, Manuale di diritto processuale civile, p. 521.

84 Liebman, Processo de execução, p. 95.

85 Costa, Manuale di diritto processuale civile, p. 521-522.

86 As duas ordens de efeitos da penhora são tradicionalmente apontadas pela doutrina. Entre outros, confira-se o que dizem Assis, Manual do processo de execução, p. 464; Barbosa Moreira, O novo processo civil brasileiro, p. 234. N ão se pode deixar de referir aqui, porém, a opinião de Liebman, para quem a penhora só produzia efeitos processuais, não operando qualquer conseqüência no plano material (Liebman, Processo de execução, p. 96-97). A doutrina italiana, porém, é pacífica quanto à produção de efeitos da penhora no plano do direito substancial. Assim, entre outros, Mandrioli, Corso di diritto processuale civile, vol. III, p. 63; Costa, Manuale di diritto processuale civile, p. 522.

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Tratarei, pois, em prim eiro lugar, dos efeitos processuais da penhora.

a) Garantir o Juízo

A prim eira conseqüência da penhora no plano processual é ga­rantir o juízo, ou seja, dar ao processo a segurança de que há, no pa­trim ônio do executado, bens suficientes para assegurar a realização do direito exequendo. É de se recordar que se está d iante de execução ajuizada em face de devedor solvente, razão pela qual o processo pre­cisa, para que possa desenvolver-se de forma útil, da segurança nas­cida pela apreensão, no patrim ônio do executado, de bens suficientes para realizar o crédito exigido. Esta é a "função cautelar” da penhora,87 efeito anexo deste ato executivo, e que não é capaz de modificar sua natureza jurídica.

Corolário desse efeito processual da penhora é a conservação dos bens penhorados em mãos do depositário judicial, auxiliar da ju s­tiça que irá ficar com a coisa penhorada até que ela seja objeto de expropriação ou até que ocorra algum fato capaz de liberar o bem do encargo que sobre ele recai, como, e. g., o pagam ento da dívida exigida.

b) Individualizar os Bens que Suportarão os Meios Executivos

Segundo efeito processual da penhora é individualizar os bens sobre os quais irão incidir os atos executivos. Como se sabe, a execu­ção se realiza através da expropriação de bens do executado, para o fim de satisfazer o direito do exequente.

Como já foi visto, o executado responde para o cum prim ento de suas obrigações com todos os seus bens, presentes e futuros (art. 591 do CPC), além dos bens passados que tenham sido alienados fraudu­lentam ente (fraude contra credores ou fraude de execução ocorrido no curso do processo de conhecim ento). Em outras palavras, a responsa­bilidade patrim onial atinge todos os bens do executado, assim consi­derados os que integram seu patrim ônio no m om ento da formação do processo executivo, bem assim aqueles que venham a ser adquiridos no curso do processo. Atinge, tam bém , os bens alienados pelo execu­tado antes de instaurada a execução, desde que tal alienação tenha sido realizada m ediante fraude (pauliana ou de execução). Com a penhora, consegue-se determinar, porém , quais entre os bens do executado, su ­jeitos todos (em princípio) à responsabilidade patrim onial, sofrerão a sujeição executiva. Como se viu, a responsabilidade patrim onial se

87 Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 234, afirm ando, todavia, que nem por isso a penhora se reduz a um a providência de natureza "essencialm ente cautelar".

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resolve na possibilidade de sujeição de bens para a realização de um direito. Com a penhora, tom a-se concreta aquela sujeição que se apre­sentava como possível.

Assim sendo, realizada a penhora, os atos expropriatórios in­cidirão sobre os bens apreendidos, e não sobre os outros bens que com põem o patrim ônio do executado. Houve quem afirmasse ser este o mais im portante efeito da penhora,88 o que não se afigura exato, já que é impossível estabelecer um a gradação entre os diversos efeitos desse ato de apreensão judicial de bens.89

c) Gerar D ireito de Preferência

O terceiro e últim o efeito produzido pela penhora no plano processual é gerar, para o exequente, direito de preferência (arts. 612 e 613 do CPC). Este efeito nada m ais é do que a consagração em lei do princípio do prior tempore, potior iure (ou seja, o prim eiro no tem po é o direito m ais forte). Significa isto dizer que, recaindo mais de um a penhora sobre um determ inado bem, terá preferência no recebim ento do dinheiro em que o m esm o será convertido aquele exequente que, em prim eiro lugar, tiver realizado a penhora (em se­guida receberá o exequente que obteve a segunda penhora, e assim sucessivam ente).

A preferência nascida da penhora não afasta a incidência de preferências nascidas anteriorm ente, e que serão respeitadas, como a nascida da hipoteca, por exemplo. É de se recordar, ainda, que, ten­do havido arresto anterior (referim o-nos, aqui, ao arresto previsto no art. 653 do CPC, que prefiro denom inar pré-penhora, e não ao arresto cautelar, regido pelos arts. 813 e seguintes), a preferência oriunda da penhora retroage à data em que o arresto foi efetivado.

A preferência o riunda da penhora, é bom que se frise desde logo, não sobrevive à decretação da insolvência civil do executado (art. 612 do CPC), onde os credores quirografários, tenham ou não realizado penhora sobre bens do devedor, participam do concurso universal de credores em igualdade de condições (princípio do par conditio cr editor um ).

É intensa a discussão doutrinária acerca da natureza da preferên­cia institu ída pela penhora, havendo quem afirme que a penhora gera

88 Enrico Redenti, Diritto processuale civile, vol. III, p. 169, apud Assis, Manual do processo de exe­cução, p. 469.

89 Assis, Manual do processo de execução, p. 469.

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para o exequente um direito real.90 Esta não nos parece, porém, a m e­lhor posição. Adm itir que a penhora gera direito real implicaria um a contradição para aqueles que, como eu, sustentam que a hipoteca, por exemplo, não tem natureza de direito real. A preferência gerada pela penhora é de natureza m eram ente processual, como defende a m elhor doutrina.91

O direito de preferência oriundo da penhora será de enorm e relevância no estudo do concurso de preferências, que será feito m ais adiante.

Vistos os efeitos processuais da penhora, é preciso analisar as conse­qüências daquele ato de apreensão de bens no plano do d ireito substancial, o que passo a fazer.

a) Perda da Posse D ireta do Bem Penhorado

Como visto anteriorm ente, a penhora é ato judicial de apreensão de bens. Estando o bem apreendido pelo Estado-juiz, parece óbvio que o executado perderá a posse direta da coisa, em bora não fique privado da posse indireta.

Para m elhor esclarecer este ponto, é bom que se recorde que en­tre os efeitos da penhora não se encontra a perda do dom ínio do bem, o que significa dizer que, apesar de penhorado, o bem continua in te­grando o patrim ônio do executado.92 M antendo-se o bem no dom ínio do executado, permanece ele com a posse indireta da coisa, ainda que perdendo a posse direta, já que não mais terá o contato físico com a coisa. Haverá, pois, desdobram ento vertical da posse.

O bem penhorado ficará entregue a um depositário judicial, que terá o dever de conservá-lo, evitando seu perecim ento ou deterioração, a bem da execução. O depositário judicial, como se sabe, é um auxiliar da justiça, tendo suas funções reguladas no CPC, arts. 148 a 150.

Há que se notar, porém, que nos term os do que dispõe o art. 666, o executado será, via de regra, o depositário dos bens penhorados (ressalvada a hipótese de o exequente não concordar com o exercício, pelo dem andado, de tal função). Surge, então, a seguinte questão: per­manecendo o executado como depositário do bem penhorado, perde ele a posse direta da coisa apreendida? Entende a doutrina dom inante

90 Buzaid, Exposição de motivos do CPC, n° 22; Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil,vol. H, p. 186.

92 Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 234; Greco Filho, Direito processual civil bra­sileiro, vol. III, p. 75; Luiz Carlos Azevedo, Da penhora, p. 129.

92 Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. II, p. 188.

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que não, pois na hipótese estar-se-ia diante de m era alteração do título da posse. O executado, que antes da penhora tinha a posse direta da coisa em razão do domínio, agora teria a posse direta por ser o depo­sitário do bem penhorado.93

O utra corrente, porém, considera que o executado, ainda que seja o depositário, perde a posse direta da coisa. N este caso, estando o bem apreendido judicialmente, a posse direta é do Estado-juiz, sendo o depositário m ero detentor, já que tem a coisa em nom e do Estado, no exercício da função de auxiliar da justiça.94 Esta parece a m elhor posição. Realizada a penhora, terá havido um a apreensão judicial do bem, que com isso terá passado à posse direta do Estado-juiz (perm a­necendo a posse indireta com o executado). O depositário - seja ele o executado ou terceiro - ficará com a coisa para dela cuidar em nom e do Estado-juiz, que agora tem a posse direta da coisa, para conservá-la a bem da execução. Tem o depositário, portanto, m era detenção sobre o bem penhorado, ainda que seja ele o próprio executado, titu lar do dom ínio sobre o bem.

Verifica-se, assim , o conteúdo desse prim eiro efeito m aterial da penhora, consistente na perda da posse d ire ta do bem penhorado pelo executado.

b) Tornar Ineficazes os Atos de Alienação ou Oneração dos Bens Pe­nhorados

Este efeito substancial da penhora, em verdade, já foi analisado, quando se tratou da responsabilidade patrim onial. Foi afirmado ante­riorm ente que há, no Direito brasileiro, três modalidades de fraude na alienação ou oneração de bens: a fraude pauliana (tam bém chamada

93 N este sentido, entre outros, Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 234; Assis, Manual do processo de execução, p. 467. N ão se pode deixar de referir, neste passo, a opinião de Amílcar de Castro, para quem a penhora e o depósito (ainda que em m ãos de terceiro) não re­tiram do executado a posse da coisa. Para aquele notável jurista, o depositário é m ero detentor, e o Estado-juiz exerce poder público sobre a coisa, m as a posse perm aneceria com o executado (Castro, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VIII, p. 241-242).

94 Esta, salvo engano, é a posição de um dos mais notáveis juristas pátrios de todas as épocas. Confira-se, pois, Frederico M arques, Manual de direito processual civil, vol. IV, p. 165-166. N esta úl­tima, afirma aquele notável processualista que “o depositário, público ou particular, é um auxiliar da adm inistração da Justiça. D etém ele a coisa penhorada pelo dever funcional que decorre de sua qualidade de auxiliar do juízo no processo de execução", o que m ostra que, para ele, o depositário não tem posse, e sim detenção. A nteriorm ente (p. 165), havia o m esm o jurista afirm ado que "o executado, quando fica como depositário dos bens penhorados, assum e duplo papel na execução: é, ao m esm o e um só tempo, executado e depositário, em duas relações inconfundíveis". Assim, só se pode concluir que, para Frederico M arques, o executado que fica como depositário terá m era detenção da coisa penhorada (além da posse indireta, que com ele permanece).

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fraude contra credores), a fraude de execução e a alienação de bem penhorado. Volta-se, agora, a esta última.

Como já se viu, a penhora não retira o bem apreendido do do­mínio do executado. Não produz ela, nem m esm o, o efeito de tom ar o bem indisponível. Pode o executado, a rigor, alienar ou institu ir ônus sobre os bens penhorados. Assim, por exemplo, a venda ou a doação de um bem penhorado, bem assim a instituição de hipoteca sobre ele, é válida. Não se pode considerar tal ato nulo ou anulável.

Esse ato, porém, será relativam ente ineficaz, ou seja, a alienação ou oneração do bem penhorado é incapaz de retirar o bem do campo de incidência da responsabilidade patrim onial. O bem, em bora reti­rado do patrim ônio do executado (ou apesar da instituição de ônus sobre ele) permanece penhorado e, por conseguinte, sujeito aos atos executivos que serão realizados.95 Trata-se, assim, de hipótese de ino­ponibilidade do ato de alienação ou oneração do bem penhorado, o que significa dizer que tal ato é válido e capaz de produzir efeitos entre alienante e adquirente, m as não é oponível ao exequente, que poderá obter, através da utilização daquele bem alienado após a penhora, a realização do seu direito de crédito.

É de bom alvitre recordar que, para se considerar a alienação ou oneração de bem penhorado como ato fraudulento e, portanto, ine­ficaz em relação ao credor, não se exige qualquer requisito subjetivo (como, e. g., o consiliumfraudis), nem sequer o requisito objetivo que se deve fazer presente nas dem ais modalidades de fraude, qual seja, a re­dução do devedor à condição de insolvente. Basta, para que o ato seja fraudulento e, consequentem ente, ineficaz em relação ao exequente que o bem alienado ou sobre o qual se tenha instituído algum ônus já estivesse, ao tem po da alienação ou oneração, penhorado.

3.1.4.3 Bens Impenhoráveis

Após a análise dos efeitos da penhora, de ambas as ordens (processuais e m ateriais), devem-se tecer algumas considerações acerca dos bens que podem ser penhorados (e, principalm ente, dos bens impenhoráveis).

95 Não há dúvidas, em doutrina, acerca da ineficácia relativa do ato de alienação ou oneração dos bens penhorados. Entre outros, confira-se Barbosa Moreira, O novo processo civil brasileiro, p. 234; Dinamarco, Execução civil, p. 290; Azevedo, Da Penhora, p. 129; Mandrioli, Corso di diritto processuale civile, vol. EI, p. 63; A ndrea Proto Pisani, Lezioni di diritto processuale civile, p. 790; Jaeger, Diritto processuale civile, p. 546-547; A lberto dos Reis, Processo de execução, vol. II, p. 98.

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Podem ser penhorados, obviamente, todos os bens que se encontram no campo de incidência da responsabilidade patrim onial, ou seja, todos os bens presentes e futuros do executado, além dos bens passados que tenham sido alienados fraudulentam ente (fraude de execução ou fraude contra credores, esta últim a exigindo, para que possa a penhora incidir sobre o bem, que seja ajuizada - e julgada favoravelmente - um a "ação pauliana”)* Pode, ainda, a pe­nhora incidir sobre os outros bens enum erados no art. 592 do CPC.

Há que se atentar, porém, para o disposto na parte final do art. 591 do CPC, segundo o qual ficam excluídos da responsabilidade patrim onial os bens incluídos nas "restrições estabelecidas em lei”. Refere-se a ressalva contida na lei aos bens impenhoráveis, assim considerados por disposição de lei.

O que acaba de ser dito quer significar que a lei processual pode determ i­nar que certos bens fiquem excluídos da responsabilidade patrim onial, impe- dindo-se, com isso, que sobre os m esm os recaia a penhora. São os chamados bens impenhoráveis, de que passo a tratar.

Há, em nosso direito objetivo, três d istin tas categorias de bens im pe­nhoráveis:

a) bens absolutam ente impenhoráveis;b) bens relativam ente impenhoráveis;c) bem de residência.

Este últim o é destacado, por constituir categoria distin ta das anteriores, em razão de a im penhorabilidade estabelecida para tal bem ter traços que a distinguem tan to da im penhorabilidade absoluta como da relativa. Por esta razão é que tratarei da im penhorabilidade do bem de residência em apartado.

a) Im penhorabilidade Absoluta

Enum era o CPC, em seu art. 649, os bens absolutam ente im penhoráveis. Os bens ali arrolados não podem ser penhorados em hipótese alguma, pouco im portando se existem ou não outros bens no patrim ônio do executado ca­pazes de assegurar a realização do direito exequendo.96 Há, no art. 649, bens que são tidos por absolutam ente impenhoráveis por diversas razões. Assim, por exemplo, são considerados im penhoráveis os bens inalienáveis (por razões óbvias, já que a penhora é um a preparação da expropriação, e, não se podendo expropriar, nenhum a utilidade haveria em penhorar). Há, ainda, bens que são im penhoráveis para se assegurar a sobrevivência do executado (é o caso dos instrum entos necessários ou úteis ao exercício de profissão, bem como do

96 Theodoro Júnior, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. IV, p. 353-354.

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salário). Passo, assim, à análise dos bens absolutam ente impenhoráveis, des­critos no art. 649 do CPC.

São im penhoráveis, em prim eiro lugar (art. 6 4 9 ,1), "os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução”. Têm-se, aqui, duas situações a considerar. Em prim eiro lugar, são im penhoráveis os bens inalienáveis, o que se dá porque - como afirmado acima - a penhora é um ato preparatório da expropriação, não havendo qualquer utilidade na penhora de bens que não podem ser retirados do patrim ônio do executado. Inexistindo utilidade, não há interesse na realização do ato, razão pela qual a lei exclui a penhora em tal caso.

Os bens inalienáveis podem ser públicos ou privados.97 Q uanto aos bens públicos, basta recordar que estes só perdem a condição de inalienáveis na form a dos arts. 100 e 101 do Código Civil de 2002, o que levou nosso ordena­m ento jurídico, aliás, a criar um procedim ento para a execução contra a Fazen­da Pública que se realiza sem penhora (como será analisado mais detidam ente adiante). Já os bens privados podem ser inalienáveis por determ inação de lei (como se dá no caso do bem de família, previsto no art. 1.711 do Código Civil de 2002), ou por ato voluntário (e. g., o bem doado ou legado com cláusula de inalienabilidade).

Ao lado dos bens inalienáveis, coloca a lei en tre os bens impenhoráveis, como se viu, aqueles que, por ato de vontade, foram excluídos da execução. Aqui se encontra a im penhorabilidade de bens que, por ato de vontade, adqui­riram tal condição. É o que se dá, por exemplo, com os bens doados ou legados com cláusula de impenhorabilidade. É de se recordar, aqui, o que é aceito por m uitos de nossos juristas: a cláusula de inalienabilidade inclui a de im penho­rabilidade, m as a recíproca não é verdadeira.

Em seguida, afirma o CPC (art. 649, II), que são absolutam ente im ­penhoráveis "os móveis, pertences e utilidades dom ésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou que ultrapassem as necessidades com uns correspondentes a um m édio padrão de vida”. São, pois, absolutam ente im penhoráveis móveis como camas, fogões e geladeiras. Não se inserem no rol dos bens protegidos por lei, porém , equipam entos eletrôni­cos caríssimos, de últim a geração, daqueles que a m aioria da população não é capaz de adquirir, já que a propriedade de tais bens não está ligada à preser­vação da dignidade hum ana.

Logo após, afirma a lei processual (CPC, art. 649, III) a im penhorabili­dade absoluta dos vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do exe­cutado (como um relógio de pulso, por exemplo), salvo os de elevado valor. Im pende afirmar, porém , que elevado valor é um conceito juridicam ente inde­term inado, cabendo ao juízo da execução, no caso concreto, decidir que bens são ou não protegidos pela disposição legal.

97 Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, vol. III, p. 293.

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O inciso IV do art. 649 do CPC considera absolutam ente im penhorá­veis "os vencimentos, subsídios, soidos, salários, rem unerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e m ontepios; as quantias recebidas por li­beralidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônom o e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3Q deste artigo”. Mais um a vez aparece a intenção do direito objetivo de preservar a sobrevivência digna do executado, estabele­cendo lim ites para a execução. Não se pode, pois, penhorar o salário (ou ren­das análogas, como o soldo dos militares, ou os vencimentos dos funcionários públicos). Ressalva-se, porém , a execução de prestação alimentícia, em que o salário (e as rendas análogas) pode ser alcançado pelos atos executivos, sendo m esm o bastante comum, na prática, que o pagam ento de tais prestações se dê através de "desconto em folha de pagam ento”, com o devedor já recebendo seu salário com a dedução referente aos alim entos devidos, que são diretam ente entregues ao credor, na form a do disposto no § 2 Q do art. 649. Curioso notar, porém, que o texto do inciso IV do art. 649 faz expressa referência ao disposto no § 3Q desse m esm o artigo, que foi vetado pelo Presidente da República. Não tivesse havido o veto (e lam ento m uito que o m esm o tenha ocorrido), e teria sido possível a penhora de parte do salário daqueles que recebem altas quan­tias mensais. Ficou m antida, porém , com referido veto, a absoluta e integral im penhorabilidade dos salários (e verbas análogas).

Aproveita-se o ensejo para registrar o significado exato do vocábulo "m on­tepio”, empregado no texto do inciso, mas que não é de uso comum na lingua­gem forense. Montepio é "instituição em que, m ediante um a cota, e satisfeitas outras condições, cada m em bro adquire o direito de, por morte, deixar pensão pagável a alguém de sua escolha”.98 Na lei processual, a palavra "montepio” está querendo significar a pensão pagável pela m orte de quem integrou a instituição referida na definição trazida.

O inciso V do art. 649 inclui, entre os bens absolutam ente impenhoráveis, "os livros, as m áquinas, as ferram entas, os utensílios, os instrum entos ou ou­tros bens móveis necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão”. Mais um a vez aparece o lim ite à execução consistente na preservação da dignidade do executado. Não se pode im pedir ou dificultar o exercício, pelo demandado, de sua profissão, o que aconteceria se fosse possível a penhora de instrum entos necessários ou úteis para tal fim. Assim sendo, não se podem penhorar os livros de um advogado, o táxi de um m otorista de praça, a m áquina de costura de um a costureira, os instrum entos de um cirurgião etc.

É de se notar, porém, que a lei fala apenas em instrum entos necessários ou úteis ao exercício de profissão. Isso lim ita sobrem odo o campo de incidên­cia da norm a, já que apenas pessoas naturais exercem profissão, não o fazendo

98 Idem.

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as pessoas jurídicas. Assim sendo, e considerando que a regra é a penhorabi- lidade, e a im penhorabilidade é excepcional, deve-se perm itir a penhora dos instrum entos pertencentes a pessoas jurídicas (ou pessoas formais, como o condom ínio de edifício ou a m assa falida). Significa isso dizer que, por exem­plo, não se pode penhorar o com putador de um advogado, m as nada im pede a penhora do com putador de um a sociedade de advogados."

É de se destacar que a impenhorabilidade não recai apenas sobre os bens necessários, mas tam bém sobre aqueles que se revelem úteis ao exercício da profissão. Há que se afirmar, ainda, que é preciso tratar-se de profissão atual do executado. Assim, por exemplo, nada impede a penhora do instrum ental cirúr­gico de um médico que, aposentado, não mais exerce seu antigo mister.

O inciso VI do art. 649 considera absolutam ente im penhorável o "se­guro de vida”. O que se quer dizer com isso é que, falecendo o segurado, a indenização paga ao beneficiário do seguro não poderá ser penhorada, nem para garantir dívidas do segurado, nem para as dívidas do beneficiário.100 É bom recordar que o seguro de vida é um a estipulação em favor de terceiro, já que a seguradora jamais pagará qualquer quantia ao segurado. O segurado, nesta espécie de contrato de seguro, paga à seguradora o prêm io, e - no caso de falecer - a seguradora pagará o valor do seguro a um beneficiário escolhido pelo segurado. E preciso, assim, que a execução tenha sido ajuizada em face do beneficiário, para que se pudesse cogitar da penhora daquele valor por ele percebido, e que passa a integrar seu patrim ônio. Pouco importa, porém, a origem da dívida do beneficiário do seguro, tenha ela sido originariam ente do segurado ou não, a quantia recebida em razão do contrato de seguro de vida é absolutam ente impenhorável.

São tam bém absolutam ente impenhoráveis (art. 649, VII, do CPC) "os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penho- radas”. O que se quis aqui foi assegurar a observância do princípio da m enor onerosidade possível, segundo o qual a execução deve ser feita da forma m enos gravosa para o executado. Assim, estando o executado com alguma obra em andamento, a apreensão de bens necessários para sua realização traria prejuízo imenso, m uito maior do que as vantagens que poderiam advir da penhora. Por tal razão, impede-se a penhora daqueles materiais. Ressalva-se, porém, a hipóte­se de toda a obra ser penhorada, quando então será possível tam bém a penhora dos materiais necessários para sua realização, pois apreendido o principal, nada poderia impedir a penhora do acessório.

O utro inciso do art. 649 do CPC (inciso IX) afirma ser absolutam ente impenhorável "a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família”.

99 Azevedo, Da penhora, p. 147; Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, vol. III, p. 71. Em sentido contrário, isoladamente, adm itindo a incidência da norm a tam bém para proteger a pessoa jurídica, Villar, Processo de execução, p. 144, nota de rodapé n° 34.

100 Castro, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VIII, p. 203-204.

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Trata-se de dispositivo que reproduz comando contido na Constituição da República. Referimo-nos ao art. 5o, XXVI, da Lei Maior, onde se lê que "a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagam ento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os m eios de financiar o seu desenvolvim ento”.

Assim é que, nos term os do art. 5Q, XXVI, da Constituição da República, é absolutam ente impenhorável a pequena propriedade rural (assim entendida aquela cuja área não ultrapassa um módulo, nos term os em que este é definido pelo Estatuto da Terra), desde que seja a única de que disponha o devedor, e que seja trabalhada exclusivamente por ele e por seus familiares, não se adm itindo a atuação de trabalhadores sem vínculo de parentesco com o dono da terra.101 Além disso, tal impenhorabilidade alcança, exclusivamente, as execuções fun­dadas em dívida ligada à atividade produtiva. Assim, por exemplo, não será alcançado pela proteção constitucional o imóvel rural, ainda que seja o único de que dispõe o devedor, e que nele trabalhem apenas o devedor e seus familiares, se a dívida se origina de um em préstim o feito pelo pequeno proprietário rural para financiar a com pra de móveis para sua casa.

Estabelecido o campo de atuação da norm a constitucional, passa-se à análise do dispositivo do CPC (art. 649, VIII). Esta norm a considera absoluta­m ente im penhorável a pequena propriedade rural, desde que seja trabalhada pela família. N ote-se que não há, no texto da norm a infraconstitucional, a restrição da impenhorabilidade, que só seria oponível nas dívidas ligadas à ati­vidade produtiva desem penhada no imóvel. Estabelece-se, assim, a diferença entre as norm as ora em confronto. Enquanto a Constituição da República pro­tege os imóveis trabalhados exclusivamente pela família, apenas com relação às execuções de dívidas concernentes à atividade produtiva, o CPC protege aqueles imóveis de todas as execuções.

Não se poderia deixar de criticar aqui a norm a constitucional (e, mais até do que ela, a norm a infraconstitucional). Em prim eiro lugar, não deixa de ser absurdo que um a Constituição se preocupe em estabelecer regras de im penho­rabilidade, m atéria que deveria ser deixada para o direito infraconstitucional. N ossa Constituição é extrem am ente analítica, o que perm ite, aliás, o acúm ulo de trabalho do Supremo Tribunal Federal, guardião últim o da Lei Maior. Basta ver que um a execução de dívida em que seja penhorado um imóvel rural poderá chegar ao STF através de recurso extraordinário pelo fato de ser a Constituição quem estabelece a im penhorabilidade da pequena propriedade rural. De outro lado, a norm a que, aparentem ente, protege o pequeno lavrador, em verdade, volta-se contra ele. Isso porque é dificílimo encontrar alguém que se disponha a financiar a atividade de um a pessoa, em prestando-lhe dinheiro, por exemplo,

101 Celso Ribeiro Bastos, Comentários à Constituição do Brasil, vol. II, p. 140.

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se seu patrim ônio não está sujeito à responsabilidade patrim onial. N este caso, qual é a garantia do credor de que verá seu direito realizado? Apenas a exis­tência de norm a que im ponha a alguém a obrigação de financiar tal atividade é que poderá perm itir o increm ento da m esm a. O financiamento voluntário não será possível, pois o acesso do pequeno proprietário rural a ele será negado. A parte final da norm a constitucional, porém , não é autoaplicável, havendo necessidade de lei que regule tal financiamento (em bora a prim eira parte do dispositivo, que estabelece a im penhorabilidade, seja aplicável de im ediato).102

Por força do disposto no inciso IX do art. 649, são absolutam ente im ­penhoráveis "os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação com pulsória em educação, saúde ou assistência social”. Pense-se, por exemplo, em um a clínica particular que tenha recebido verbas públicas do Sistem a Unico de Saúde (SUS) para aplicação em program as de saúde pública e venha a ter essas verbas penhoradas para garantir o pagam ento de um a dí­vida sua. O que se tem aqui, claramente, é a realização de um a ponderação de interesses, prevalecendo o interesse público na saúde, educação ou assistência social sobre o interesse particular do credor de ver seu direito satisfeito.

Em seguida, o inciso X do art. 649 afirma a absoluta im penhorabilida­de das quantias depositadas em caderneta de poupança, até o lim ite de 40 salários-m ínim os, o que é elogiável form a de preservação da poupança po­pular. Apenas quantias depositadas em caderneta de poupança, porém , são impenhoráveis, não se podendo aplicar a regra a valores aplicados em outros investim entos, como fundos de ações, por exemplo.

Por fim, o inciso XI do art. 649, acrescentado pela Lei n Q 11.694, de 12 de junho de 2008, afirma a impenhorabilidade absoluta dos "recursos públicos do fundo partidário recebidos, nos term os da lei, por partido político”. O fundo partidário, regido pela Lei n Q 9.096/1995, é constituído por diversas verbas, de origens diferentes, entre as quais "dotações orçam entárias da União em valor nunca inferior, cada ano, ao núm ero de eleitores inscritos em 31 de dezembro do ano anterior ao da proposta orçamentária, multiplicados por trin ta e cinco centavos de real, em valores de agosto de 1995”.103 Essa hipótese de im penho­rabilidade absoluta guarda alguma semelhança com o que dispõe o inciso IX

102 Crítica semelhante ao dispositivo é feita por Bastos, Cornentários à Constituição do Brasil, vol. II, p. 140, onde se lê: “Portanto, é bem de ver que, se em um prim eiro m om ento a subtração da pro­priedade rural à incidência da penhora pode assum ir as feições de um benefício, logo se constata que a medida se volta contra o suposto beneficiado.”

103 Para que se tenha um a ideia: em 2008, ano da aprovação da lei que inseriu este inciso XI no art. 649 do CPC, o fundo partidário distribuiu, entre os diversos partidos políticos, R$ 67.807.491,00 (sessenta e sete milhões, oitocentos e sete mil, quatrocentos e noventa e um reais), conforme in­formação obtida na página eletrônica do Tribunal Superior Eleitoral. Isso correspondia, em julho de 2008, a pouco mais de 42 milhões de dólares norte-americanos. Pois boa parte deste dinheiro é, a partir da vigência da Lei n° 11.694/2008, absolutam ente impenhorável.

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deste mesmo art. 649, que prevê a absoluta impenhorabilidade dos recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação com pulsória em educação, saúde ou assistência social. A diferença está no destino do dinhei­ro. É que as verbas oriundas do fundo partidário podem ser aplicadas pelos partidos políticos "na m anutenção das sedes e serviços do partido, perm itido o pagamento de pessoal, a qualquer título, este últim o até o lim ite máxim o de vinte por cento do total recebido; na propaganda doutrinária e política; no alis­tam ento e campanhas eleitorais; na criação e m anutenção de institu to ou fun­dação de pesquisa e de doutrinação e educação política, sendo esta aplicação de, no mínimo, vinte por cento do total recebido" (art. 44 da Lei n Q 9.096/1995).

Registre-se, para concluir esta exposição acerca da impenhorabilidade absoluta, que tal im penhorabilidade não é oponível quando se tratar de execu­ção de dívida contraída para aquisição do próprio bem (art. 649, § 1Q).

b) Im penhorabilidade Relativa

Após arrolar os bens absolutam ente impenhoráveis, o Código de Proces­so Civil, em seu art. 650, enum era os bens relativam ente impenhoráveis, assim com preendidos aqueles que só poderão ser apreendidos se o executado não dis­puser de outros bens suficientes para assegurar a satisfação do crédito exequen­do .104 Prevê o art. 650 do CPC, na redação que lhe deu a Lei n° 11.382/2006, um a hipótese apenas de impenhorabilidade relativa, que passo a analisar.

São relativam ente impenhoráveis "os frutos e os rendim entos dos bens inalienáveis, salvo se destinados à satisfação de prestação alimentícia".

Dispõe a norm a em análise, como se vê, a respeito da impenhorabilidade dos frutos e rendim entos dos bens inalienáveis. O que se tem, pois, em linha de princípio, é o seguinte: os bens inalienáveis são absolutam ente im penhorá­veis (art. 6 4 9 ,1, do CPC). Já seus frutos e rendim entos (basta pensar, e. g., nos alugueres devidos ao executado em razão da locação de um imóvel inalienável) são relativam ente impenhoráveis, o que significa dizer que poderão eles ser penhorados se o executado não dispuser de outros bens suficientes para asse­gurar a realização do crédito exequendo.

Não se pode deixar de afirmar, porém, a possibilidade de os próprios frutos e rendim entos dos bens inalienáveis serem gravados com a cláusula de im penhorabilidade, hipótese em que sobre os m esm os incidirá a im penhora­bilidade absoluta.105

104 Frederico M arques, Manual de direito processual civil, vol. IV, p. 151.

105 Castro, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VIII, p. 205.

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O CPC estabelece, ainda, um a ressalva à im penhorabilidade relativa dos frutos e rendim entos dos bens inalienáveis, afirmando que eles poderão ser penhorados para garantir a satisfação de prestação alimentícia.

Nesse caso, os bens aqui descritos são penhoráveis, ainda que o executa­do disponha de outros em seu patrim ônio.

Com a edição da Lei nQ 11.382/2006, deixou de haver a previsão, no art. 650, II, da relativa im penhorabilidade das "im agens e os objetos do culto religioso, sendo de grande valor”. Este caso de im penhorabilidade tinha a sua razão de ser no respeito que o ordenam ento jurídico tem pelo sentim ento religioso. Assim, eram relativam ente im penhoráveis os bens utilizados para o culto religioso (qualquer que seja a religião), ainda que de grande valor econômico. Não havendo no patrim ônio do executado, porém , outros bens capazes de garantir a atuação da vontade do direito substancial, seria possível apreendê-los. Sobre o tem a, m erecem ser repetidas aqui, pela perfeição com que abordam a questão, as palavras de saudoso ju rista m ineiro, pioneiro entre os brasileiros na sistem atização científica do processo executivo: "Pela sua destinação e reverência, só em falta de outros bens é que podem ser penho- radas as im agens e os objetos de culto religioso, assim m esm o se forem de grande valor, porque não parece sensato deixar-se o devedor rezando, ou não, diante de um a imagem de grande valor, enquanto o credor continua insatisfei­to. A religião dispensa o luxo.”106 A partir da Lei n Q 11.382/2006, porém , nem m esm o estes bens são mais relativam ente im penhoráveis, tendo-se tom ado plenam ente penhoráveis.

c) Im penhorabilidade do Bem de Residência

A últim a modalidade de im penhorabilidade conhecida no Direito brasi­leiro é esta que denom ino "im penhorabilidade do bem de residência”, e que é estabelecida pela Lei n Q 8.009/1990.

A referida lei está posta sob a seguinte epígrafe: "Dispõe sobre a im pe­nhorabilidade do bem de família.” O ptam os, todavia, por falar em "bem de re­sidência”, por duas razões: em primeiro lugar, pretendo com essa term inologia distinguir a figura criada pela Lei n ô 8.009/1990 do "bem de família” previsto pelo art. 1.711 do Código Civil de 2002; e, em segundo lugar, por nos parecer que tam bém o imóvel utilizado para residência do devedor que m ora sozinho encontra-se na área de alcance da lei que ora se analisa.107

106 Castro, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VIII, p. 205.

107 A terminologia aqui empregada, “bem de residência”, é sugerida por Carlos Alberto Bittar, em artigo citado por Arnaldo M armitt, Bem de família, Rio de Janeiro: Aide, 1995, p. 23. A jurisprudên­cia, que originariamente dava à Lei n° 8.009/1990 interpretação diversa da aqui proposta, afirman­do que não estava alcançado pela proteção da lei o imóvel do devedor que reside sozinho, mas tão

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A Lei n Q 8 .009/1990 afirm a ser im penhorável "o imóvel residencial próprio do casal, ou de entidade fam iliar”, aduzindo que ta l imóvel não res­ponderá por dívidas de qualquer natureza, ressalvados os casos previstos na própria lei (e que se encontram no art. 3Ô do referido diplom a). A pesar da dicção da lei, não é necessário que o imóvel pertença ao casal, ou a todos os in tegrantes da entidade fam iliar (como, por exemplo, se o imóvel tivesse de pertencer ao pai e a todos os filhos que com ele m orassem , em condom ínio). Basta que o imóvel pertença ao devedor, que nele resida (só ou com sua fa­mília, repetindo-se, ainda um a vez, que h á um entendim ento doutrinário , com o qual não concordo, o imóvel do devedor que reside sozinho não estaria protegido pela norm a em análise).108

A im penhorabilidade a que se refere a Lei nQ 8.009/1990, ou seja, a im ­penhorabilidade do bem de residência, inclui não apenas o imóvel utilizado para moradia, mas tam bém os móveis que o guarnecem, excluídos apenas os veículos, as obras de arte e os adornos suntuosos (art. 1Q, parágrafo único, c/c art. 22 da Lei nQ 8.009/1990). Não se pode, porém, pensar que esse dispositivo é capaz de excluir da responsabilidade patrim onial todos os bens móveis que se encontrem na residência do devedor. Isso porque, como se sabe, a regra é a penhorabilidade dos bens, e a im penhorabilidade, a exceção.109 D esta forma, devem-se in terpretar restritivam ente as norm as que estabelecem a im penho­rabilidade, e am pliativam ente as que estabelecem a penhorabilidade de bens. Assim é que, a nosso sentir, deve-se considerar como adorno suntuoso todo e qualquer bem que não possa ser considerado indispensável à sobrevivência digna do devedor e de sua fam ília.110 É preciso que este dispositivo seja inter­

som ente aquele utilizado para residênda da família do executado. Neste sentido, com o qual, data venia, não concordo, confira-se a seguinte ementa: ‘A Lei ne 8.009/90 destina-se a proteger, não o devedor, mas a sua família. Assim, a impenhorabilidade nela prevista abrange o imóvel residencial do casal ou da entidade familiar, não alcançando o devedor solteiro, que reside solitário" (STJ-RT 726/203). Este entendim ento, porém, foi ultrapassado, e hoje é padfico que tam bém pessoas que residem sozinhas são protegidas por essa impenhorabilidade. Veja-se, para confirmar o que acaba de ser dito, o Enunciado n° 364 da Súmula da Jurisprudência Dominante do STJ: "o conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange tam bém o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas".

108 No sentido do que vai no texto, reconhecendo a im penhorabilidade do imóvel que pertence ao devedor, ainda que não pertença aos dem ais m oradores do imóvel, Álvaro Villaça Azevedo, Bem de família, p. 160.

109 Em sentido contrário, afirm ando que no sistem a da Lei nc 8.009/1990 a im penhorabilidade é a regra, e a penhorabilidade, a exceção, Carlos R oberto Gonçalves, Impenhorabilidade do bem de família, 2. ed. Porto Alegre: Síntese, 1993, p. 151. Tal interpretação, a m eu juízo, vai contra o m é­todo sistem ático de in terpretação das leis, pois a norm a aqui referida não pode ser in terpretada sem que se tenha em m ente o sistem a geral, estabelecido pelo CPC, segundo o qual o devedor responde com todos os seus bens, ressalvados os casos de im penhorabilidade expressam ente previstos. A im penhorabilidade é, pois, excepcional, e assim deve ser tratada.

120 M arm itt, Bem de família, p. 52.

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pretado à luz do que dispõe o art. 649, II, do CPC, que afirma a absoluta im pe­nhorabilidade dos móveis que integrem o padrão m édio de vida da população (como televisão, geladeira ou fogão), m as não os aparelhos que ultrapassem essa m édia (como é o caso de equipam entos eletrônicos de últim a geração). A ideia fundam ental por trás dessa regra é a de que apenas o essencial à sobrevi­vência deve ser considerado im penhorável.111

O art. 3Q da Lei nQ 8.009/1990 enum era algumas hipóteses em que a im ­penhorabilidade do bem de residência não é oponível, o que faz com que, nos casos ali arrolados, seja possível a penhora do imóvel utilizado para moradia. Pode-se penhorar o bem de residência nas execuções ajuizadas:

"I - em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias;

II - pelo titu lar do crédito decorrente do financiam ento desti­nado à construção ou à aquisição do imóvel, no lim ite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;

III - pelo credor de pensão alimentícia;

IV - para cobrança de im postos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;

V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;

VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para exe­cução de sentença penal condenatória à ressarcim ento, indenização ou perdim ento de bens;

VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.”

Nas hipóteses enum eradas no art. 3Q da Lei nQ 8.009/1990, o bem de residência pode ser penhorado livremente, ainda que o executado tenha outros em seu patrim ônio, e é isto que faz com que se tenha posto a im penhorabili­dade do bem de residência como categoria d istin ta das duas anteriores (impe­nhorabilidade absoluta e relativa).

Difere a im penhorabilidade do bem de residência da impenhorabilidade absoluta pelo fato de que os bens absolutam ente im penhoráveis não podem, jamais, ser objeto de penhora, o que não ocorre com o bem de residência, que poderá ser penhorado nos casos previstos no art. 3C da Lei n 2 8.009/1990. Não se pode, pois, afirmar que o bem de residência é absolutam ente impenhorável.

111 Afirme-se, com M arm itt, que “o credor tam bém é am parado por lei, e que seu direito não é m enor que o do devedor” (Bem de família, p. 52).

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De outro lado, distingue-se a im penhorabilidade do bem de residência da im penhorabilidade relativa porque os bens relativam ente impenhoráveis só podem ser penhorados se o devedor não tiver outros capazes de garantir a realização do direito exequendo, enquanto o bem residencial, ressalvadas as hipóteses do art. 32 da Lei n2 8.009/1990, não pode ser penhorado, m esm o que o executado não tenha outros; e, nos casos do art. 32, o bem de m oradia pode ser penhorado, pouco im portando, nesta hipótese, se o executado tem ou não outros bens em seu patrim ônio. Não se pode, assim, afirmar que o bem de residência é relativam ente im penhorável (ao m enos no sentido que a essa locução se extrai do art. 650 do CPC).

Por tais razões é que prefiro considerar a im penhorabilidade do bem de residência como um a terceira categoria, d istin ta da im penhorabilidade abso­lu ta e da relativa.

Registre-se, por fim, que a Lei n 2 11.382/2006 continha dispositivo, que acabou por ser vetado pelo Presidente da República, que tornaria abso­lu tam ente im penhorável o imóvel residencial que valesse até 1.000 salários- -m ínim os, perm itindo a penhora dos imóveis que ultrapassassem tal valor (mas garantido que o equivalente a 1.000 salários-m ínim os seriam entregues, em dinheiro, sob cláusula de im penhorabilidade, ao executado, que garan­tiria assim as condições para aquisição de novo imóvel residencial). É de se lam entar tal veto, que só serve para proteger as camadas m ais abastadas da população, que m uitas vezes se escondem por trás da im penhorabilidade para não adim plir suas obrigações.

3.1.4.4 Forma de Realização da Penhora

A penhora se aperfeiçoa através da apreensão e depósito de bens capazes de assegurar a realização do direito exequendo. No caso de penhora de im ó­veis, como se verá em seguida, há que se falar, ainda, do registro da m esm a no ofício do registro de imóveis.

A apreensão judicial dos bens é bastante simples, bastando que a penho­ra seja reduzida a term o escrito pelo escrivão (ou por escrevente que o auxilie).

Não sendo este o caso, ou seja, sendo necessário buscar os bens sobre os quais recairá a penhora, a apreensão judicial dos bens do executado far-se-á através de oficial de justiça, que deverá lavrar auto de penhora. A penhora será realizada onde quer que se encontrem os bens.

Havendo resistência por parte do executado, que impede o oficial de justi­ça de entrar em sua residência (ou em outro local, como a sede de um a em pre­sa, por exemplo) para realizar a penhora, o oficial de justiça deverá comunicar o fato ao juiz da execução, solicitando a emissão de ordem de arrom bam ento.

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N este caso, a diligência deverá ser realizada por dois oficiais de justiça, que arrombarão portas, móveis e gavetas, e de tudo lavrando auto circunstanciado (auto de resistência), o qual deverá ser assinado tam bém por duas testem unhas presentes ao ato. Sendo necessário, poderá haver requisição de força policial, para que preste auxílio aos oficiais de justiça no arrom bam ento e na prisão de quem resistir à ordem judicial.

Tendo havido requisição de força policial, o auto de resistência, de que constará, obrigatoriam ente, a qualificação das testem unhas, será redigido em duplicata, sendo um a cópia para conhecim ento do juízo, e ou tra do comando policial que enviou o auxílio. Havendo prisão de alguém que tenha tentado resistir à ordem judicial, a cópia será enviada à autoridade policial a que tenha sido encam inhado o preso .112

Realizada a apreensão dos bens, será lavrado auto de penhora, que con­terá a indicação do dia, mês, ano e lugar em que a apreensão tenha sido reali­zada; os nom es do credor e do devedor; a descrição dos bens penhorados, com seus característicos; a nomeação do depositário do bem penhorado.

O depositário, como se viu anteriorm ente, será - em regra - o próprio executado. Não convindo o exequente, porém , far-se-á o depósito no Banco do Brasil, na Caixa Econômica Federal ou em banco de que o Estado dete­nha m ais da m etade do capital social integralizado, ou, na falta destes, em qualquer estabelecim ento de crédito designado pelo juiz, quando os bens penhorados forem dinheiro, pedras e m etais preciosos ou papéis de crédito; com o depositário judicial, se os bens apreendidos forem móveis ou imóveis urbanos; e com depositário particu lar nas dem ais h ipóteses (tudo nos term os do art. 666 do CPC).

A penhora de bens imóveis, nos term os do art. 659, § 4Q, do CPC, na redação que lhe deu a Lei nQ 11.382/2006, "realizar-se-á m ediante auto ou term o de penhora, cabendo ao exequente, sem prejuízo da im ediata intimação do executado (art. 652, § 4C), providenciar, para presunção absoluta de conhe­cim ento por terceiros, a respectiva averbação no ofício imobiliário, m ediante apresentação de certidão de inteiro teor do ato, independentem ente de m an­dado judicial”. Registre-se que antes da Lei nQ 11.382/2006 a penhora era ato sujeito a registro, e não a averbação.113

Discutia-se, em sede doutrinária, antes da entrada em vigor da Lei n Q 10.444/2002 (que deu ao dispositivo ora em exame redação próxima à atual, dela diferindo apenas porque falava em registro, e não em averbação), a finali­dade do registro da penhora de imóveis, podendo-se identificar duas correntes:

122 Neves, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VII, p. 76.

223 Sobre a penhora como ato sujeito a “registro”, an tes da Lei ne 11.382/2006, consulte-se, por todos, Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 230.

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um a primeira, para quem o registro tinha a finalidade de tom ar a penhora opo- nível a terceiros, sendo ela perfeita e eficaz entre as partes desde a lavratura do auto ou term o de penhora;114 enquanto outros autores consideravam o registro como ato essencial à constituição da penhora, que, portanto, só estaria aperfei­çoada depois de registrada no Ofício do Registro de Im óveis.115

Esta últim a era, a meu sentir, a m elhor posição. A vontade da lei, m ani­festada no § 4Q do art. 659 do CPC era, claramente, a de pôr o registro como ato constitutivo da penhora. Afirmava o referido dispositivo legal que a penhora de imóveis realizar-se-ia m ediante auto ou term o de penhora e "inscrição” (rectius, registro). A conjunção aditiva “e”, constante do texto da lei, m ostrava a clara intenção de considerar que só haveria penhora aperfeiçoada após o registro.116

Assim sendo, a penhora de bens imóveis, para se aperfeiçoar, dependia da lavratura do term o (se o bem tivesse sido indicado pelo próprio executado) ou auto de penhora e, além disso, da realização do registro no respectivo ofício. Apenas depois de realizados todos estes atos constitutivos da penhora é que se poderia te r esta por realizada, o que era de fundam ental im portância na verifi­cação das preferências em eventual concurso. Isto porque, como se sabe, inci­dindo diversas penhoras sobre o mesmo bem, tem preferência no recebim ento aquele exequente que primeiro realizou a penhora (prior tempore, potior iure). Tratando-se de penhora de imóveis, era de se considerar que a prim eira penhora é aquela que prim eiro foi registrada, pouco im portando a data da lavratura do auto ou term o de penhora.

Além disso, apenas após o registro, com a penhora finalm ente aper­feiçoada, é que seria possível intim ar-se o executado, para que dela pudesse tom ar conhecim ento e, em seguida, oferecer os seus embargos.

Com a entrada em vigor da redação do § 4o do art. 659 estabelecida pela Lei nQ 10.444/2002, porém, modificou-se o panorama. Ali, então, ficou claro pelo texto da lei que a penhora de bens imóveis se aperfeiçoava com a m era la­vratura do auto ou term o de penhora. O registro da constrição não era ato cons­titutivo da penhora, mas se destinava a tom á-la de conhecim ento público, o que se dava através da criação de um a presunção legal, absoluta, de que todos têm conhecim ento da apreensão judicial do bem. Assim sendo, um a vez registrada a penhora, não seria mais possível admitir-se como verdadeira a alegação de que não se tinha conhecim ento da penhora. Esta, porém, já estaria aperfeiçoada an­

124 N este sentido, Dinam arco, A reforma do Código de Processo Civil, p. 299-300; Carreira Alvim, Ação monitoria e temas polêmicos da reforma processual, p. 259.

115 Berm udes, A reforma do código de processo civil, p. 142; Nery Júnior, Atualidades sobre o processo civil, p. 206; C osta M achado, A reforma do processo civil interpretada, p. 134; H um berto Theodoro Júnior, As inovações no Código de Processo Civil, p. 45.

116 Já havia m anifestado an teriorm ente m inha adesão a este en tendim ento em Lineamentos do novo processo civil, p. 163.

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tes do registro, com todas as conseqüências advindas dessa determinação exata do m om ento em que a penhora se completa. O m esm o raciocínio se aplica, mutatis mutandis, à atual redação do art. 659, § 4 Q, do CPC, estabelecida pela Lei nQ 11.382/2006, bastando substituir registro por averbação.

É de se dizer, ainda com relação à penhora de bens imóveis, que a m esm a será efetivada por term o nos autos, qualquer que seja o lugar em que o bem se encontre (portanto, m esm o que o imóvel esteja em comarca diversa daquela em que tram ita o processo), se houver nos autos um a certidão de ônus reais do prédio. N este caso, pois, bastará a lavratura do auto de penhora para que o bem esteja constrito, intim ando-se da penhora o executado pessoalm ente ou na pessoa de seu advogado (se já tiver constituído um ), caso em que a in ti­mação se fará através do Diário O ficiai O m esm o ato de intim ação da penhora servirá, tam bém , para tornar o executado depositário do bem (se for ele, evi­dentem ente, quem ficar com essa incumbência).

É de se registrar, ainda, que, um a vez aperfeiçoada a penhora, deve o executado dela ser intim ado (para que possa, como dito acima, ajuizar seus em bargos). Incidindo a penhora sobre imóveis, faz-se m ister ainda a intimação do cônjuge do executado, qualquer que seja o regime de bens do casam ento (art. 655, § 2Q, do CPC, com a redação que lhe deu a Lei nQ 11.382/2006).117

3.1.4.5 Penhoras Especiais

Merecem tratam ento em separado, em razão de suas especificidades, a penhora de créditos e outros direitos patrim oniais, a penhora de em presas e outros estabelecim entos (estas reguladas em separado no CPC), e a penhora de quotas sociais.

a) Penhora de Créditos e O utros D ireitos Patrimoniais

A penhora de créditos e outros direitos sem elhantes recebe do CPC tra­tam ento diferenciado, através das norm as constantes dos arts. 671 a 676.

Dispõe o art. 672 que a penhora de créditos representados por letra de câmbio, no ta promissória, duplicata, cheque ou outros títulos, será feita pela apreensão do docum ento, esteja ele ou não em m ãos do "devedor”. A palavra "devedor”, constante do texto do artigo referido, designa o executado, e não a pessoa de que o dem andado é credor.118

117 A pesar do silêncio da lei, m as tendo em vista o sistem a hoje vigente para as “uniões está­veis”, parece de todo conveniente que, no caso de penhora de imóvel de executado que viva em concubinato, tam bém seu com panheiro seja intim ado.

118 Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 232.

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Não sendo possível a apreensão do título do crédito, m as confessando o terceiro (devedor do executado) a dívida, considerar-se-á penhorado o crédito, perm anecendo o terceiro como depositário da im portância. Este, então, só es­tará liberado de sua obrigação depositando em juízo a quantia por ele devida ao executado.

É de extrem a im portância a norm a contida no § 3Q do art. 672 do CPC, segundo a qual, negando o devedor, em conluio com o executado, a existência do crédito deste, será considerada em fraude de execução a quitação que for dada posteriorm ente. Significa isto dizer que, se o executado e seu devedor estiverem em colusão, para o fim de evitar a penhora do crédito, a quitação dada pelo dem andado posteriorm ente será ineficaz perante o exequente, ino- ponível a ele.

Havendo a suspeita de que existe conluio entre o executado e seu deve­dor, poderá o exequente requerer ao juízo da execução a designação de audiên­cia, para o fim de tom ar os depoim entos de ambos.

Recaindo a penhora sobre outros créditos (ou seja, créditos que não es­tejam representados por títulos como os previstos no art. 672), considerar- -se-á a apreensão feita pela intimação ao terceiro devedor para que não pague a seu credor (que é o executado) e ao credor do terceiro (ou seja, ao próprio dem andado), para que não pratique atos de disposição de seu crédito, tudo nos term os do desnecessariam ente tortuoso art. 671 do CPC.

Segundo o art. 673 do CPC, recaindo a penhora sobre "direito e ação” do executado (art. 655, XI, do Código), e não sendo oferecidos em bargos pelo de­m andado (ou, oferecidos os embargos, sendo estes extintos sem resolução do m érito, ou julgados im procedentes), o exequente ficará sub-rogado no direito penhorado, até o lim ite de seu crédito. Pense-se, por exemplo, no caso de se ter penhorado o direito e ação do executado sobre um determ inado imóvel, di­reito este adquirido através de um a prom essa de com pra e venda.119 Rejeitados os embargos, o exequente se sub-roga no direito à aquisição do imóvel, até o lim ite de seu crédito.

Recaindo a penhora sobre coisa ou direito litigioso, deverá a penhora ser anotada no rosto dos autos (art. 674 do CPC), ou seja, na capa dos autos do processo onde se controverte sobre a coisa ou d ireito penhorado. Encer­rado o processo onde se controverte sobre a coisa ou direito, a penhora se transfere, de pleno direito, para o bem que for adjudicado, ou que vier a caber ao executado. Basta figurar um exemplo para que a hipótese se to rne mais clara. N um processo de execução em que é dem andante Fulano, e Beltrano o

1,9 É de se recordar que a p rom essa de com pra e venda não é capaz de transferir para o pro- m issário-com prador a propriedade do bem , gerando, apenas, d ire ito e ação sobre a coisa que se p rom eteu alienar. É esse d ireito que se pode penhorar, quando o p rom issário-com prador é o executado.

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dem andado, pretende-se penhorar um imóvel objeto de litígio en tre Beltrano e Sicrano, num a "ação reivindicatória” proposta por aquele em face deste. A penhora será, então, anotada na capa dos autos da "ação reivindicatória”, para que recaia sobre a coisa se esta, ao final do processo, couber ao execu­tado (Beltrano).

Recaindo a penhora sobre dívidas de dinheiro a juros, de direito a rendas ou de prestações periódicas, o exequente poderá levantar os juros, os rendi­m entos ou as prestações, à m edida que forem depositados, abatendo-se do crédito exequendo os valores recebidos, através da aplicação das regras da im- putação em pagam ento (arts. 352 a 355 do Código Civil de 2002).

Por fim, determ ina o art. 676 do CPC que, incidindo a penhora sobre direito à entrega ou restitu ição de coisa determ inada, o devedor (não o exe­cutado, m as aquele que perante ele está obrigado) será intim ado para, no vencim ento, depositar a coisa em juízo, transferindo-se para ela, a partir daí, a penhora.

b) Penhora de Empresas e O utros Estabelecim entos

O Código de Processo Civil, nos arts. 677 a 679, deu tratam ento especial à penhora que incide sobre em presas ou outros estabelecimentos, em razão da impossibilidade de se realizar a apreensão física do bem penhorado (como se faz, ordinariam ente, ao penhorar-se bens m óveis).120 Dispõe o art. 677 do Código de Processo Civil que, "quando a penhora recair em estabelecimen­to comercial, industrial ou agrícola, bem como em semoventes, plantações ou edifício em construção, o juiz nom eará um depositário, determ inando-lhe que apresente em 10 (dez) dias a form a de adm inistração”. Após ouvir as partes sobre a manifestação do depositário, o juiz decidirá, aprovando ou não o plano de adm inistração (art. 677, §1°). Nada impede, porém, que as partes ajustem a forma de administração, escolhendo o depositário, devendo o juiz homologar, para que produza efeitos, a avença celebrada.121

Recaindo a penhora sobre em presa que funcione m ediante concessão ou autorização do Poder Público, serão apreendidos (conforme o valor do direito exequendo) a renda, determ inados bens, ou todo o patrim ônio, devendo o juiz nom ear como depositário, preferentem ente, um de seus diretores. Incidindo a penhora sobre a renda, ou sobre determ inados bens da empresa, o depo­sitário deverá apresentar o plano de adm inistração da em presa e a form a de

120 O STJ aprovou enunciado de sua Súm ula de Jurisprudência D om inante (n° 451) segundo o qual "é legítim a a penhora da sede do estabelecim ento comercial”.

121 A homologação se dará por decisão interlocutória, e não por despacho, como equivocadamente afirma o § 2° do a r t 677.

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pagam ento, aplicando-se, no mais, o disposto nos arts. 716 a 720 do CPC,122 que regulam o "usufruto de móvel” (modalidade de pagam ento sobre a qual se falará adiante). Penhorado que seja todo o patrim ônio, a execução prosseguirá norm alm ente, sendo obrigatória a oitiva, antes da expropriação, do Poder Pú­blico que tiver dado a concessão ou autorização.123

Encerra-se esta parte do CPC com a regra do art. 679, referente à penhora de navios e aeronaves, os quais podem operar normalmente, em bora penhora­dos, devendo o juiz, para conceder a autorização de operação do bem penhorado, exigir que o executado faça seguro contra riscos.

c) Penhora de Q uotas Sociais

O Código de Processo Civil, originariam ente, não se referia especifica­m ente à possibilidade de penhora de quotas sociais, tem a que sem pre gerou inúm eras dificuldades. Por esta razão, sempre nos pareceu im portante anali­sar, ainda que brevem ente, o tem a. O problem a da penhorabilidade das quotas de sociedade de responsabilidade lim itada agravou-se quando da entrada em vigor do CPC de 1973, um a vez que o Código de Processo Civil de 1939 tinha regras expressas a respeito do tema.

Assim é que, nos term os do art. 930, V, do CPC de 1939, adm itia-se a pe­nhora sobre "direitos e ações” (dispositivo que não encontra sim ilar no atual art. 655 do Código de Processo Civil de 1973). O art. 931 do referido diploma processual, por sua vez, dispunha que "consideram -se direitos e ações, para os efeitos de penhora: as dívidas ativas, vencidas, ou vincendas, constantes de docum entos; as ações reais, reipersecutórias, ou pessoais para cobrança de dívida; as quotas de herança em autos de inventário e partilha e os fundos líquidos que possua o executado em sociedade comercial ou civil”.

Verifica-se, pelos dispositivos até aqui referidos do diplom a processual revogado, que se adm itia a penhora dos direitos e ações do dem andado, assim com preendidos os fundos líquidos que possuísse em sociedade civil ou co­mercial. Por fundos líquidos, devem-se entender aqueles que se referem "não

122 Registre-se, agora, apenas um detalhe: a Lei ne 11.382/2006 não alterou a redação do art. 678, parágrafo único, do CPC. Modificou, porém , os arts. 716 a 720, que passaram a tra ta r do "usufru to de móvel ou imóvel". Aliás, é de se notar que o citado art. 678, parágrafo único, do CPC, nunca fez rem issão aos arts. 725 a 729, estes sim anteriorm ente responsáveis pela regula­m entação do "usufru to de em presa”, e revogados pela Lei nc 11.382/2006. Parece-me, porém, que os dispositivos referidos no dispositivo legal aqui exam inado continuarão aplicáveis, no que couber, ao "usufruto de em presa”, já que esta nada m ais é do que um bem móvel.

123 Tive oportunidade de exam inar a questão em um caso concreto, subm etido ao TJRJ no ju l­gam ento (de que fui relator) do Agravo de Instrum en to n° 0052604-50.2011.8.19.0000, assim em entado: "D ireito processual civil. Execução contra sociedade em presária que exerce atividade pública por concessão. Penhora da em presa. Possibilidade. Precedente do STJ. Necessária obser­vância do d isposto no art. 678, parágrafo único, do Código de Processo Civil. Recurso provido.”

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som ente ao saldo à disposição do sócio, como tam bém à parte ou cota que, na liquidação da sociedade, for apurado. Com preendem , portanto, os fundos todos os aportes que o sócio fizer à sociedade, o valor de suas cotas, distin- guindo-se, por corolário, da noção de fundo social”.124 Nota-se, pois, que as quotas sociais estavam incluídas no conceito de fundos líquidos, o que tom ava as m esm as penhoráveis.125 O CPC de 1939, aliás, considerava absolutam ente im penhoráveis os fundos sociais, que, como visto acima, não se confundem com os fundos líquidos.

O CPC de 1973, porém, não fez - em seu texto original - qualquer alusão à penhora de quotas de sociedade limitada, o que tom ou acirrada a discussão, que já existia ao tem po da legislação anterior. O ordenam ento brasileiro segue, aqui, modelo comum no Direito comparado, já que poucos ordenam entos referem-se expressamente à penhora de quotas.126 Foi sempre dominante, porém, o enten­dim ento segundo o qual esta penhora é possível.127 Sempre houve, é certo, posi­ções divergentes, considerando, e. g., que as quotas só podem ser penhoradas se o contrato social previr a possibilidade de alienação das mesmas sem a anuência dos demais integrantes da sociedade.128 A discussão perdeu sentido, porém, com a entrada em vigor da Lei nQ 11.382/2006, que expressamente afirmou - ao dar nova redação ao art. 655, VI, do CPC - ser possível a penhora de quotas de so­ciedades empresárias.

Admitida a penhora das quotas sociais (e não adm itir esta penhora sem­pre foi, a meu juízo, retirar da responsabilidade patrimonial um bem que não se encontrava expressamente afastado de seu campo de incidência, o que contra­riaria o disposto no art. 591 do CPC, segundo o qual o executado responde para o cum prim ento da obrigação com todos os seus bens, ressalvadas as restrições estabelecidas em lei), há que se afirmar que a aquisição, por terceiro (ou pelo próprio exequente) das quotas penhoradas não implica transferência da affectio societatis, essencial para a sobrevivência da sociedade. É de se considerar, pois, que, havendo a expropriação das quotas, com sua aquisição por quem não era, originariamente, integrante da sociedade, isto fará do adquirente credor dos ha-

124 Carlos Henrique Abrão, Penhora de cotas de sociedade de responsabilidade limitada, p. 70.

125 N este sentido, ao tem po do CPC de 1939, Pontes de M iranda, Comentários ao Código de Pro­cesso Civil [de 1939], 2. ed. tom o XIII, p. 236.

126 Silenciam sobre a possibilidade de penhora de quotas de sociedade de responsabilidade lim itada, en tre outros, os ordenam entos da Alem anha, Colômbia, Argentina, Portugal, Espanha e França; adm item -na expressam ente os ordenam entos jurídicos da Suíça e da Itália (sobre es­tes ordenam entos, confira-se Márcia C ristina de Oliveira Ferreira M arinho, Penhora de quotas na sociedade por quotas de responsabilidade limitada, p. 29-32).

127 N este sentido, en tre outros, Abrão, Penhora de cotas na sociedade de responsabilidade limitada, p. 71-72; M arinho, Penhora de quotas na sociedade por quotas de responsabilidade limitada, p. 94; Assis, Manual do processo de execução, p. 325.

128 Esta a posição de Rubens Requião, Curso de direito comercial, p. 349.

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veres correspondentes às quotas adquiridas, podendo ele (ou qualquer dos só­cios remanescentes) promover a dissolução e liquidação da sociedade.129

É de se afirmar, ainda, que considerar im penhoráveis as quotas sociais perm itiria ao devedor m al-intencionado furtar-se, m uito facilmente, à execu­ção, bastando para tal que constituísse um a sociedade por quotas de responsa­bilidade limitada, transferindo para a m esm a todos os seus bens e m antendo em seu patrim ônio apenas as quotas que representassem sua participação so­cietária. D iante da Lei nQ 11.382/2006, porém, não pode mais ser sustentada tese oposta à que aqui sem pre se defendeu.

Ressalte-se, por fim, que o Código Civil de 2002, em seu art. 1.026, esta­belece que "o credor particular de sócio pode, na insuficiência de outros bens do devedor, fazer recair a execução sobre o que a este couber nos lucros da sociedade, ou na parte que lhe tocar em liquidação”. Diz, em seguida, o pará­grafo único do m esm o artigo que, "se a sociedade não estiver dissolvida, pode o credor requerer a liquidação da quota do devedor, cujo valor, apurado na forma do art. 1.031, será depositado em dinheiro, no juízo da execução, até noventa dias após aquela liquidação”. O dispositivo transcrito revela, em verdade, um retrocesso legislativo, na m edida em que tom a relativam ente impenhoráveis (já que só poderão ser penhorados em caso de insuficiência dos demais bens que integram o patrim ônio do executado) os fundos líquidos a que o sócio tenha direito na sociedade. Com isso, adota-se um sistem a análogo ao que se tinha na época do CPC de 1939. Aliás, merece registro o fato de que o Código Civil de 2002 foi elaborado a partir de um anteprojeto redigido em 1972 - antes, por­tanto, da aprovação do CPC de 1973 - , quando era aquele o regime processual vigente no Brasil. Pelo texto do art. 1.026 do Código Civil de 2002, o exequente poderá obter a penhora do que ao executado couber nos lucros da sociedade que integre, ou na parte que lhe tocar em liquidação, se o executado não tiver outros bens suficientes para garantir o pagam ento da dívida exequenda. São, pois, relativam ente impenhoráveis os fundos líquidos a que o sócio tenha direi­to. Assim sendo, as cotas sociais, que se inserem, como anteriorm ente expos­to, no conceito de fundos líquidos, passam a ser relativam ente impenhoráveis. Retrocesso incompatível com o estágio que a doutrina e a jurisprudência sobre o tem a tinham alcançado, merece críticas o Código Civil de 2002 nesse ponto. O que se pode esperar é que a doutrina e a jurisprudência sejam capazes de superar as dificuldades criadas pelo novo regime, adaptando-o às necessidades do Direito moderno.

3.1.5 Avaliação dos Bens Penhorados

Realizada a penhora dos bens do executado, será o bem, no mesmo m o­m ento, avaliado (art. 652, § P , do CPC). A avaliação dos bens penhorados é tra­

129 Azevedo, Da penhora, p. 161.

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tada no CPC através dos arts. 680 a 685. Ato processual de extrema importância, a avaliação não só perm itirá saber-se quanto valem os bens penhorados (e, por conseguinte, se eles são mesmo capazes de assegurar a satisfação do direito exe­quendo), mas terá ainda outras finalidades, como a de estabelecer o valor do lan­ço mínimo em primeira hasta pública para arrematação do bem penhorado, bem assim o valor para adjudicação do bem. Além disso, a avaliação tem a im portante finalidade de permitir, se necessário, a redução ou ampliação da penhora, sobre as quais se falará ainda neste tópico da obra.

Assim sendo, e nos term os do já referido art. 680 do CPC, o juiz deverá determ inar que se faça a avaliação dos bens penhorados, tarefa que é da atri­buição do oficial de justiça, auxiliar perm anente da Justiça. Caso seja necessá­rio algum conhecim ento especializado, o juiz nom eará avaliador, fixando-lhe prazo não superior a dez dias para apresentação do laudo. Ressalva o art. 680 a hipótese de aceitação, pelo exequente, do valor estim ado pelo executado, na form a do disposto no art. 668, parágrafo único, V.

Sobre os casos em que não se faz necessária a avaliação, enum erados no art. 684, tratarei em seguida. Interessa, por ora, a ressalva final que estava contida na redação anterior do art. 680, segundo a qual não se faria a avaliação quando houvesse "avaliação an terior”, nos term os do que dispunha origina- riam ente o art. 655, § 1Q, V, do CPC. Este dispositivo im punha ao executado, que indicasse bens à penhora, o ônus de atribuir valor aos bens nomeados, sob pena de se ter por inválida a nomeação realizada. Causava estranheza que o legislador se referisse a este dispositivo afirmando que ali se previa a exis­tência de um a "avaliação anterior”. Duas interpretações surgiram a respeito desta cláusula final do art. 680. A alguns pareceu que, tendo o executado feito a nomeação à penhora, atribuindo aos bens indicados um valor, e não tendo com tal valoração concordado o exequente, deveria o juiz da execução deter­m inar que se fizesse, desde logo, a avaliação do bem indicado. N este caso, seria dispensada a avaliação que se faria neste m om ento, depois de penhorado o bem .130 O utra posição surgida em doutrina, porém, afastou-se desta, consi­derando que a avaliação anterior a que se referia a norm a era um a avaliação extrajudicial. Explique-se: prevendo a lei que o executado que nom eia bens à penhora tinha o ônus de indicar o valor dos m esm os, e sendo certo que tais valores poderiam ser atribuídos sem qualquer indicação de como o executado os descobriu, nada im pedia que se fizesse acom panhar a petição de um lau­do de avaliação extrajudicial, encom endado pelo próprio dem andado. N este caso, se o juiz considerasse que tal laudo era satisfatório, não seria necessário realizar-se nova avaliação, pois este ato seria m anifestam ente inútil. Esta a posição que, desde a edição da Lei n° 8.953/1994, que deu a anterior redação do art. 680 do CPC, nos pareceu a mais correta.131 A prim eira corrente padecia,

130 N este sentido, Dinam arco, A reforma do Código de Processo Civil, p. 302-303.

131 No sentido do texto, C osta M achado, A reforma do processo civil interpretada, p. 136; Freitas Câm ara, Lineamentos do novo processo civil, p. 168.

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a nosso juízo, de um equívoco que a fazia inaceitável: sendo o caso de se ter feito um a avaliação judicial anterior à penhora, não seria caso de dispensa de avaliação, mas de dispensa de repetição da avaliação, fenômeno previsto no art. 683 do CPC.

Assim sendo, era lícito ao executado, ao nom ear bens à penhora, fazer sua petição se acom panhar de laudo de avaliação extrajudicial dos bens indi­cados, laudo este que, sendo aceito pelo juiz como capaz de indicar o valor correto dos bens, tornaria dispensável a avaliação judicial.

Com a edição da Lei n2 11.382/2006, porém, tudo isso desapareceu, pois se alterou a redação do art. 680 do Código de Processo Civil, que passou sim­plesm ente a dispensar a avaliação no caso de aceitação, pelo exequente, do valor estim ado pelo executado, na form a do art. 668, parágrafo único, inciso V, do CPC. Lamenta-se, porém , o fato de que a redação dada pela m esm a Lei n 2 11.382/2006 ao art. 683, III, do CPC não tenha corrigido o defeito que ali se continha, e continue o texto do Código a falar em “nova avaliação” quando “houver fundada dúvida sobre o valor atribuído ao bem (art. 668, parágrafo único, inciso V )”, pois neste caso não h á que se falar em “nova avaliação”, mas em um a prim eira avaliação, já que outra não foi feita.

Além desta hipótese de dispensa da avaliação, outras há, previstas no art. 684 do CPC. Sobre estas é que passo a tratar. O primeiro caso de dispensa da avaliação é aquele em que o credor aceita a estim ativa feita pelo executado (art. 6 8 4 ,1). O executado tem o ônus de atribuir valor aos bens por ele indicados à penhora quando requerer a substituição dos bens penhorados. Nos term os do art. 684, I, do CPC, concordando o exequente com os valores indicados pelo dem andado, não se faz necessária a realização de avaliação judicial dos mesmos. Não se pode, porém, afastar a possibilidade de haver conluio entre dem andante e dem andado para, com a atribuição ao bem penhorado de valor excessivo ou reduzido, obter a alienação do mesmo por preço diferente daquele que o m es­mo alcançaria no mercado. Havendo dúvida do juiz da execução acerca do valor atribuído ao bem pelo executado, ainda que com ele concorde o exequente, de­verá determ inar a realização de avaliação judicial. Note-se, aliás, que o art. 683, III, prevê a possibilidade de “repetição” da avaliação quando houver tal dúvida. Não se trata, em verdade, de repetição, já que não se pode conceber a repetição de um ato que jamais foi praticado, m as de realização da avaliação quando sur­gir tal dúvida.132

Também não se fará a avaliação judicial (art. 684, II) quando se tratar de títu los ou m ercadorias que tenham cotação em bolsa. N esta hipótese, far-se-á a aferição do valor dos bens através de certidão ou publicação oficial. O m esm o se dá, nos term os do art. 682, com os títu los da dívida pública, ações das so­

132 D inam arco, A reforma do Código de Processo Civil, p. 303; F reitas Câm ara, Lineamentos do novo processo civil, p. 169.

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ciedades e títulos de crédito negociáveis em bolsa, em que se deverá trazer aos autos certidão ou publicação oficial de que conste o valor do bem penhorado.

Um a vez realizada a avaliação, serão ouvidas as partes sobre o laudo elaborado, o qual deverá observar a form a prevista no art. 681 do CPC (as partes se m anifestarão no prazo de cinco dias, já que outro não foi fixado por lei). O juiz som ente m andará fazer ou tra avaliação se ficar dem onstrado erro na avaliação ou dolo do avaliador, ou se verificar que, após a realização do ato, houve diminuição ou majoração do valor dos bens penhorados (art. 6 8 3 ,1 e II, do CPC).133

Após a avaliação, pode-se verificar que os bens penhorados são insufi­cientes para assegurar a realização do direito exequendo (ou, ao contrário, que foram penhorados bens em excesso). N este caso, será possível ocorrer m odi­ficação da penhora.

A prim eira possibilidade é a de os bens penhorados serem excessivos. O tem a do excesso de penhora é de extrem a relevância, pois está ligado à ideia de que a execução deve ser realizada da form a m enos onerosa possível para o executado. Assim, verificado o excesso de penhora, poderá o dem andado re­querer a redução da penhora, com a liberação de alguns dos bens penhorados, ou a sua substituição por outro bem que, sozinho, seja capaz de assegurar a sa­tisfação do crédito exequendo. Figure-se o seguinte exemplo: num a execução em que se busca a quantia de dez mil reais, foram penhorados um automóvel e um a motocicleta. Feita a avaliação, verifica-se que o autom óvel vale 12 mil reais, e a motocicleta, três mil. Terá havido, neste caso, evidente excesso de penhora, sendo possível ao executado requerer a redução da penhora, com a li­beração da m otocicleta (já que o automóvel, por si só, é suficiente para garantir a execução), ou sua substituição (com a liberação de todos os bens penhorados e a conseqüente apreensão de outro bem que, sozinho, seja capaz de assegurar a realização do direito exequendo).134

A ou tra hipótese a ser considerada, possível de ocorrer quando se dá a avaliação, é a de se verificar que os bens apreendidos são insuficientes para garantir a execução. Pense-se, por exemplo, num a execução em que se preten­de obter a quantia de 20 mil reais, em que foram penhorados um automóvel e um a motocicleta. Avaliados os bens apreendidos, verifica-se que o autom ó­vel vale 12 mil reais, e a motocicleta, três mil. N este caso, como se observa

133 A hipótese do inciso III deste art. 683, conforme visto acima, não se enquadra nos casos de repetição da avaliação, pois não se consegue conceber qual teria sido a avaliação anteriorm ente realizada. Em verdade, o que se terá aqui será a realização de um a prim eira avaliação. Não desa­pareceu o defeito da lei com a nova redação dada ao dispositivo pela Lei n° 11.382/2006.

134 Não se afasta, aqui, a possibilidade de o executado requerer a substitu ição dos bens pe­nhorados, o que pode se dar no prazo de dez dias a contar da intim ação da penhora, o que é autorizado pelo art. 668 do CPC.

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facilmente, os bens penhorados são insuficientes, caso em que o exequente poderá requerer a ampliação da penhora (que na prática forense é tam bém co­nhecida pelo nom e de “reforço de penhora”), fazendo com que seja penhorado mais algum bem, o qual, som ado aos já penhorados, será capaz de perm itir a realização do crédito exequendo. Como alternativa à ampliação, poderá o executado requerer a substituição da penhora, com a liberação dos bens pe­nhorados e a apreensão, em seguida, de ou tro bem, o qual seja, sozinho, capaz de garantir a execução.

Resolvidos eventuais incidentes surgidos em razão da avaliação dos bens penhorados, como os de que se tratou acima, o juiz deverá determ inar a ex­pedição dos editais de hasta pública, para que se possa realizar a expropriação dos m esm os.

3.1.6 Adjudicação

N a execução por quantia certa contra devedor solvente, um a vez avalia­dos os bens penhorados (e resolvidos eventuais incidentes, como o requeri­m ento de ampliação da penhora, ou sua substituição), deverão tais bens ser expropriados. A form a preferencial de alienação dos bens penhorados, desde a edição da Lei n 2 11.382/2006, é a adjudicação (art. 6 4 7 ,1, do CPC).

Efetua-se a adjudicação através da entrega, ao exequente, do bem pe­nhorado.135 Trata-se de um ato executivo, através do qual são expropriados bens do patrim ônio do executado, os quais haviam sido objeto de penhora, transferindo-se tais bens diretam ente para o patrim ônio do exequente. N esta hipótese, como claram ente se vê, haverá apenas um a expropriação, satisfativa, ao contrário do que se dá no pagam ento por entrega de dinheiro, em que ocor­rem duas expropriações (liquidativa e satisfativa).

D iscutia-se em doutrina, an tes da Lei n 2 11.382/2006, a respeito da possibilidade ou não de adjudicação de bens móveis. A divergência surge porque, enquanto no art. 708 do CPC fala-se em adjudicação de bens, sem distinção quanto a móveis e imóveis, o próprio Código de Processo Civil, a partir do art. 714, regulava a adjudicação de imóveis (epígrafe sob a qual se encontrava a Subseção III da Seção II do Capítulo IV do CPC, revogada pela referida Lei n 2 11.382/2006, que regulava a execução por quantia certa con­tra devedor solvente). Ademais, o texto do art. 714 era expresso em afirm ar que, finda a praça (que, como se sabe, é a hasta pública de bens imóveis) sem lançador, é lícito ao credor, oferecendo preço não inferior ao da avaliação, requerer a adjudicação dos bens penhorados.

135 Baptista da Silva, Curso de processo civil, vol. II, p. 73.

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Não se podia deixar de tom ar posição nesta polêmica. Alinhei-me, aqui, sem pre com aqueles que consideravam cabível apenas a adjudicação de bens im óveis.136 A vontade da lei parecia m uito clara no sentido de lim itar a adjudi­cação aos bens imóveis, o que se confirma ao falar o ora revogado texto legal em praça. Não se poderia acusar o Código de ser incoerente com o conceito de praça, confundindo-o com o gênero hasta pública, pois não se poderia apontar nenhum outro local da lei processual em que tal confusão se estabelecesse. Ao falar em praça, pois, o Código quis m esm o se referir a esta espécie de hasta pública, destinada a perm itir que haja licitação para aquisição de bens imóveis. Pretendendo o exequente adquirir para si um bem móvel que tenha sido pe­nhorado, deveria participar da licitação, oferecendo lanço pela coisa.

Com a edição da Lei nQ 11.382/2006, porém, desapareceram as razões para essa polêmica. A Subseção do Código de Processo Civil que hoje tra ta do tem a chama-se, sim plesm ente, Da Adjudicação, e os artigos de lei que agora tratam da m atéria (arts. 685-A e 685-B do CPC) não fazem qualquer tipo de distinção entre os bens móveis e os imóveis.

São legitim ados a requerer a adjudicação o exequente, os dem ais cre­dores que tenham penhora sobre o bem imóvel, o credor com garantia real, o cônjuge do executado (e, apesar do silêncio da lei, tam bém o com panheiro), seus descendentes e ascendentes. Havendo mais de um pretendente, far-se-á um a licitação entre eles, adjudicando o bem aquele que fizer a m elhor oferta. Não havendo quem ofereça maior preço, terá preferência o cônjuge e, depois deste, o descendente e o ascendente, nessa ordem. É de se recordar, porém, que o bem jamais será adjudicado por valor inferior ao da avaliação.

No caso de penhora de quotas de sociedade limitada, sendo exequente pessoa que não osten ta a condição de sócio, será intim ada da penhora a pró­pria sociedade, e será garantido o direito de preferência dos dem ais sócios, que poderão pleitear a adjudicação das mesmas.

Deferida a adjudicação, será lavrado um auto e, em seguida, extraída a respectiva carta (se bem imóvel) ou m andado de entrega (se bem móvel).

Requisito essencial para que possa haver o pagam ento por adjudicação é que haja requerim ento, não se adm itindo que o ju iz da execução, de ofício, adjudique algum bem ao exequente. A norm a do art. 685-A do CPC é bastan­te clara neste sentido, não havendo qualquer discrepância doutrinária sobre o tem a.

136 No sentido do texto, en tre outros, Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 254; Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, vol. III, p. 348-349. A doutrina dom inan­te, porém, sem pre adm itiu a adjudicação de bens móveis, sendo esta posição defendida, já antes da Lei n° 11.382/2006, en tre outros, por Assis, Manual do processo de execução, p. 654; Greco Fi­lho, Direito processual civil brasileiro, vol. III, p. 91; Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. II, p. 251-252.

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Parece óbvio, e não se poderia encerrar esta breve exposição acerca da adjudicação sem que se tocasse no assunto , que, tendo o bem sido adjudi­cado por valor superior ao do crédito exequendo, caberá àquele que tiver adjudicado o bem restitu ir ao executado a diferença.

3.1.7 Alienação por Iniciativa Particular

Não tendo havido requerim ento de adjudicação dos bens penhorados, poderá o exequente requerer que sejam eles alienados por sua própria inicia­tiva ou por interm édio de corretor credenciado perante a autoridade judiciária (devendo o credenciam ento respeitar o disposto no art. 685-C, § 32, do CPC). Trata-se de m odalidade de alienação conhecida no direito comparado, como é o caso do direito italiano.137

No direito brasileiro esta possibilidade já era prevista no art. 700 do CPC, m as não era freqüente sua utilização na prática. A Lei n2 11.382/2006 ten tou regulam entar m elhor essa forma de expropriação dos bens penhorados, de forma a incentivar sua utilização.

Formulado o requerim ento de alienação por iniciativa particular, o juiz deverá fixar o prazo dentro do qual tal alienação deverá acontecer, a forma de lhe dar publicidade, o preço m ínim o (que deverá ser o preço da avaliação, tendo em vista a expressa rem issão contida no texto do art. 685-C, § l 2, ao disposto no art. 680 do CPC), as condições de pagam ento e as garantias que deverão ser prestadas no caso de não ser feito o pagam ento à vista, bem assim, se for o caso, a comissão de corretagem.

A alienação por iniciativa particular formaliza-se por term o nos autos, expedindo-se carta de alienação (se for imóvel o bem) ou m andado de entrega ao adquirente (se m óvel).

Essa forma de alienação deve, mesmo, preferir a hasta pública, como determ inou - corretam ente - a Lei n2 11.382/2006, que reform ou o Livro II do CPC. Isso porque é sabido que as pessoas que freqüentam hastas públicas norm alm ente lá vão em busca da possibilidade de fazer um "grande negócio”, pretendendo adquirir bens por preço inferior à avaliação (o que se verifica pelo fato de que na prática é quase impossível haver arrem atação na prim eira hasta pública, em que não se adm ite lanço inferior à avaliação) .Já as pessoas que pro­curam profissionais especializados na alienação de certos tipos de bens (como corretores de imóveis ou vendedores de carros usados - ou “seminovos”, como se tem dito nesses tem pos de linguagem politicam ente correta) norm alm ente sabem que pagarão pelo bem que lhes interessa aquilo que realm ente valem.

137 Com o se pode ver, por exemplo, na lição de Nicola Picardi, Appunti di diritto processuale civile. p. 134.

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Toma-se, assim, mais provável a observância da norm a, veiculada pelo art. 620 do CPC, segundo a qual a execução deve se realizar da form a m enos gravosa possível para o executado.

3 .1 .8 H a s ta P ú b lic a e A rre m a ta ç ã o

Não tendo sido os bens penhorados adjudicados ou alienados por ini­ciativa particular, serão tais bens levados à hasta pública. Este ato nada mais é do que um a licitação,138 onde os bens penhorados serão expropriados (isto é, retirados do patrim ônio de seu proprietário), e irão se incorporar ao patrim ô­nio de quem os arrematar, sendo o arrem atante aquele que der a m elhor oferta pelos bens.

Parece desnecessário afirmar que no caso de a penhora ter recaído sobre dinheiro não haverá licitação, bastando que se levante a quantia depositada à disposição do juízo.

A hasta pública tem este nom e em razão de um a tradição que vem do Di­reito Romano. Hasta, como sabido, significa "lança”. A licitação a que me refe­ri recebe o nom e de hasta porque, em Roma, tal ato se realizava na praça, com um a lança afixada no chão.139 Hoje, apesar de não mais haver tal solenidade, m antém -se o nom e do ato. Como se verá mais adiante, existem duas espécies de hasta pública: a praça (para bens imóveis) e o leilão (para bens móveis).

A hasta pública deverá ser precedida de edital, que conterá, nos ter­m os do art. 686 do CPC, a descrição do bem penhorado com os seus carac­terísticos e, tratando-se de imóvel, a situação e as divisas, com rem issão à m atrícula e aos registros; o valor do bem; o lugar onde estiverem os móveis, veículos e sem oventes; e, sendo direito e ação, os autos do processo em que foram penhorados; o dia e hora da hasta pública; m enção da existência de ônus, recurso ou causa pendente sobre os bens a serem arrem atados;140 e a com unicação de que, se os bens não alcançarem lanço superior à avaliação,

138 Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. II, p. 227.

139 Frederico M arques, Manual de direito processual civil, vol. IV, p. 185.

140 A referência a recurso pendente é bastante sugestiva. Isto porque, como sabido, sendo provi­sória a execução (isto é, fundando-se ela em sentença condenatória ainda não transitada em ju l­gado (ou, o que a ela se equipara, execução fundada em título extrajudicial antes do trânsito em julgado da sentença dos em bargos do executado), estando pendente recurso desprovido de efeito suspensivo, o bem penhorado não pode ser levado à hasta pública salvo se o exequente prestar caução. O recurso a que se refere o inciso V desse art. 686, portanto, só pode ser aquele in terpos­to contra a sentença que julgou os em bargos do executado, pois, ainda que tal decisão não haja transitado em julgado, será possível a expropriação dos bens apreendidos; e pode tam bém ser o recurso contra a sentença condenatória, nos casos em que, m esm o provisória a execução, possa o bem penhorado ser levado à hasta pública, na forma do disposto no art. 4 7 5 -0 do CPC.

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seguir-se-á, em dia e hora desde logo designados en tre os dez e os v inte dias subsequentes, a sua alienação pelo m aior lanço.

Verifica-se, pelos elem entos que devem constar do edital, que serão duas as licitações que poderão vir a ocorrer. Na primeira, não se aceitará lanço infe­rior à avaliação anteriorm ente realizada. Não alcançado este valor, ou seja, não sendo oferecido nenhum lanço com valor igual ou superior ao da avaliação, realizar-se-á um a segunda licitação, no dia e hora já apontados no edital, onde o bem penhorado será alienado pelo m aior lanço, ainda que inferior à avalia­ção. N esta hipótese, porém , não se aceitará que a alienação se dê por preço vil (art. 692 do CPC). Não diz a lei, porém, o que deve ser tido como preço vil, o que gera m uitas dificuldades para o intérprete. Peço vênia, assim, para repetir o que disse alhures sobre o tema: "Pensamos, porém, que o legislador perdeu ótim a oportunidade para estabelecer um critério para que se possa considerar o preço oferecido pelo bem penhorado como vil, o que deveria ser feito através da fixação de um percentual sobre o valor da avaliação. Pelo sistem a vigente, em que não há parâm etro fixado, a vilania do preço deve ser verificada de acor­do com as circunstâncias da causa, como se vê no acórdão trazido à colação por Theotônio Negrão na no ta n Q 2 ao artigo 692 de sua m onum ental obra.141 M elhor seria, a nosso sentir, que o CPC estabelecesse sistem a análogo ao an­teriorm ente adotado para as execuções fiscais, segundo a qual o preço era tido como vil quando fosse inferior a 60% da avaliação (Decreto-lei n Q 960/1938, artigo 37, já revogado). À falta de parâm etros, como hoje, deverá o juiz verifi­car, caso a caso, se o preço é ou não vil, perm itindo-se ou não a arrematação, conforme a sua apreciação."142

A lei processual dispensa a publicação de edital da hasta pública quando os bens penhorados não excederem o valor de 60 salários-mínimos, hipótese em que se não adm itirá a arrem atação por preço inferior ao da avaliação (art. 686, § 3Ô).

Fazendo-se necessária a divulgação do edital (o que constitui a regra ge­ral, excepcionada pelo art. 686, § 3Q), será o m esm o afixado no fórum, no lugar de costum e, e, além disso, publicado, com antecedência m ínim a de cinco dias, pelo m enos um a vez em jornal de am pla circulação local. Sendo o exequente beneficiário da justiça gratuita, a publicação será feita no órgão oficial. Pode o juiz, porém , alterar a form a de divulgação e os prazos para publicação do edi­tal, atendendo ao valor dos bens e às condições da comarca, m andando divul­gar a hasta pública através de avisos em em issoras de rádio e televisão locais, bem assim tom ando quaisquer outras providências adequadas a aum entar a divulgação da hasta pública.

141 Negrão, Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, p. 515. O acórdão m encionado é da 3a Tlirma do STJ, rei. Min. Gueiros Leite, no REsp 2.693-RS.

142 Freitas Câm ara, Lineamentos do novo processo civil, p. 173.

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Pode, ainda, o juiz determ inar a reunião, em um único edital, de listas referentes a mais de um a execução (art. 687, § 4Q, do CPC).

Além do edital para divulgação da hasta pública, é preciso que se realize a intim ação pessoal do executado, a fim de que este tenha ciência da licitação. Serão tam bém intim ados pessoalm ente o usufrutuário do bem penhorado, os credores com garantia real (quando os bens estiverem sujeitos à hipoteca, pe­nhor ou anticrese) ou com penhora anterior sobre o m esm o bem e o senhorio direto (quando se tratar de bem emprazado, ou seja, bem sobre o qual inci­de um a enfiteuse), o que se conclui pela combinação dos arts. 619 e 698 do CPC.143 As intimações, nos term os do art. 698, devem ser realizadas com ante­cedência m ínim a de dez dias.

Diverge a doutrina acerca da conseqüência da ausência de tal intim ação. Parece-nos fora de dúvida, porém, que a alienação do bem penhorado sem que se tenha intim ado as pessoas previstas nos arts. 619 e 698 do Código de Processo Civil tornará ineficaz a arrem atação. Ineficácia relativa, obviam ente, o que significa dizer que a alienação não será oponível ao titu lar do direito ou garantia. Assim, por exemplo, alienado um bem sujeito à hipoteca, sem que seja intim ado da hasta pública o credor hipotecário, a garantia continuará a incidir sobre o bem, ainda que este passe a integrar patrim ônio de terceiro. Se, ao contrário, tivesse havido a intim ação, o arrem atante receberia o bem livre do ônus, e a hipoteca passaria a incidir sobre o dinheiro arrecadado com a expropriação da coisa.144 Poderá, todavia, o arrem atante, no caso de se veri­ficar essa ineficácia, requerer o desfazim ento da arrem atação (art. 694, § 1Q, VI, do CPC).

Como dito anteriorm ente, o CPC conhece duas espécies de hasta públi­ca: praça e leilão. A primeira, hasta pública de bens imóveis, realiza-se no átrio do edifício do fórum ,145 e o leilão (hasta pública de bens móveis) no lugar onde estão os bens, ou em outro local designado pelo juiz. Além disso, não se pode

143 Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 243.

144 No sentido do texto, afirm ando a ineficácia relativa da alienação feita em hasta pública sem que se faça a intimação prevista no art. 698, Castro, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VIII, p. 326; Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 244. Em sentido diverso, susten ta a nulidade do ato, Neves, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VII, p. 150. Em outro sentido, considerando o ato anulável, M arcos Afonso Borges, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. III, p. 158. Por fim, m erece referência a opinião segundo a qual no caso, de falta de intim ação de credor hipotecário ou de senhorio direto, a hipótese é de nulidade, enquanto, na ausência de inti­m ação do usufrutuário , do credor pignoratício ou do credor anticrético, o caso seria de ineficácia (assim Costa Machado, Código de Processo Civil interpretado, p. 630).

145 O legislador elaborou um CPC que, em alguns m om entos, parece alheio à realidade. D eter­m ina-se que a praça seja realizada no átrio (pátio) do edifício do fórum, com o se todos os fóruns o tivessem . M elhor seria, principalm ente em época com o a atual, em que os fóruns são cada vez m ais sediados em edifícios verticais, que a lei afirm asse dever a praça realizar-se no fórum , em local para tal designado.

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esquecer que os títulos que tenham cotação em bolsa serão leiloados pelos corretores da Bolsa de Valores (art. 704).146

Realizando-se a licitação, é adm itido a lançar (isto é, a fazer ofertas pelo bem) qualquer interessado que esteja na livre adm inistração de seus bens, excetuando-se apenas os tutores, curadores, testam enteiros, adm inistradores, síndicos ou liquidantes, quanto aos bens confiados à sua guarda e responsa­bilidade; os m andatários, quanto aos bens de cuja alienação ou adm inistração estejam encarregados; o juiz, o m em bro do M inistério Público e da Defensoria Pública e os auxiliares da justiça que tenham atuado no processo.

Entre os interessados em licitar pode encontrar-se o próprio exequente, o qual não estará obrigado, se arrem atar o bem, a exibir o preço. Excedendo o valor do bem o lim ite de seu crédito, terá o exequente o prazo de três dias para depositar a diferença, sob pena de desfazer-se a arrematação, sendo os bens, neste caso, levados um a vez mais à hasta pública, à expensa do credor.

Não sendo o bem licitado arrem atado pelo exequente, far-se-á a arrem a­tação com dinheiro à vista, ou no prazo de 15 dias, m ediante a apresentação de caução idônea (art. 690 do CPC).

É inevitável afirmar-se aqui algo que vem sendo há m uito tem po repe­tido pelos estudiosos do tema: a expropriação do bem penhorado, que ocorre quando o m esm o é alienado ao arrem atante, não se confiinde com um a com pra e venda. Não se pode considerar que o executado está vendendo o bem que lhe pertence, pois não há aqui qualquer relevância de sua vontade, sendo a expropriação feita m esm o contra ela. Não há, pois, contrato, porque não há manifestação de vontade. Nem m esm o se diga que o Estado-juiz substitui esta vontade, ou a representa. Esta seria um a ficção pueril e desnecessária. O que ocorre aqui é um ato de império, um a expropriação forçada, que em nada se parece com um negócio jurídico privado como é a com pra e venda.147

A arrem atação constará de auto, que será assinado im ediatam ente de­pois de encerrada a hasta pública. Assinado o auto de arrem atação pelo juiz, pelo escrivão, pelo arrem atante e pelo porteiro ou leiloeiro (aquele é o auxiliar

146 Curioso notar que o art. 704, definindo as h ipóteses em que se fará o leilão, ressalva - em sua redação original - os casos de alienação por corretores da Bolsa de Valores e o previsto no art. 700, quando esta ressalva final deveria te r sido feita ao (hoje revogado) art. 697 (segundo o qual os bens imóveis seriam alienados em praça). O erro pode ser compreendido. O art. 697 era, na redação do projeto de Código apresentado ao Congresso Nacional, o art. 700. Alterações sofridas pelo projeto de lei modificaram a numeração, m as esqueceu-se de corrigir a redação deste art. 704. Tal redação, porém, foi corrigida pela Lei n° 11.382/2006, desaparecendo esse curioso equívoco do texto da lei.

147 D esnecessário alongar as citações, já que a m atéria encontra-se pacificada na doutrina bra­sileira desde Francisco de Paula Baptista, que sobre o tem a se m anifestou ainda no século XIX (Teoria e prática do processo civil e comercial, p. 149-150, nota de rodapé n° 3). Na doutrina contem ­porânea, consulte-se o que afirma Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. II, p. 223.

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da justiça que preside a praça; este o auxiliar responsável por presidir o leilão, podendo ser livrem ente indicado pelo exequente, nos term os do art. 706), ter- -se-á o ato como perfeito, acabado e irretratável, som ente podendo ser desfeita por algum a das causas previstas no § 1Q do art. 694.148

Im portante observar que a arrem atação é perfeita ainda que depois dela venham a ser julgados procedentes em bargos do executado. N este caso, o executado-em bargante terá o direito de ser indenizado pelo prejuízo indevida­m ente suportado.

A carta de arrematação, a ser expedida logo assim que for assinado o auto respectivo, conterá a descrição do bem arrem atado, a prova da quitação de im postos, o auto de arrem atação e o título executivo. Esta carta será títu lo hábil, no caso de arrem atação de imóvel, para registro no Ofício do Registro de Imóveis, com o que o arrem atante adquirirá a propriedade do bem.

Todo esse procedim ento pode ser substituído pela hasta pública virtual. Exige a lei que a utilização de m eios eletrônicos para a realização da hasta pú­blica se dê m ediante requerim ento do exequente (art. 689-A do CPC), o que é um a opção criticável do legislador, que deveria te r perm itido ao juiz determ i­nar, de ofício, a utilização desse meio (depois de ouvidas as partes, obviamen­te, em razão do princípio do contraditório). De toda sorte, perm ite a lei que, por requerim ento do exequente, realize-se a hasta pública através da Internet, com uso de páginas virtuais criadas pelos Tribunais ou por entidades públicas ou privadas em convênio com os Tribunais.

Essa form a de realização da hasta pública am plia consideravelm ente o universo de pessoas que podem participar da licitação oferecendo lanços. Afi­nal, será possível lançar de qualquer lugar do m undo, bastando algum a cone­xão com a Internet, fazendo-se desnecessário o deslocam ento do interessado até o fórum (ou outro local em que se realize a hasta pública). Além disso, pode-se fazer com que o bem penhorado seja oferecido na página virtual du­rante um período razoavelm ente grande (um mês, por exemplo), durante o qual os lanços podem ser apresentados, como costum a acontecer nas páginas eletrônicas em que se realizam leilões particulares.

D eterm ina a lei processual (art. 689-A, parágrafo único) que os Tribu­nais de Justiça, no âm bito de suas respectivas competências, e o Conselho da Justiça Federal (no âm bito da Justiça Federal, claro), regulam entem a alienação por hasta pública eletrônica, o que se fará com observância das regras estabe­lecidas na legislação que rege a certificação digital, atendidos os requisitos da am pla publicidade, autenticidade e segurança.

148 Relembre-se que, no caso previsto no art. 698 do CPC, m encionado no inciso VI do art. 694, a arrematação não será desfeita, mas m eram ente ineficaz em relação ao terceiro, salvo se o desfazi­m ento for requerido pelo arrem atante.

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3.1.9 Pagamento ao Exequente

Após a realização da expropriação do bem penhorado, te rá chegado, nor­m alm ente, o m om ento adequado para realizar-se o pagam ento ao exequente, com o que se terá, então, a fase satisfativa do procedim ento da execução por quantia certa contra devedor solvente. Prevê o Código de Processo Civil três modalidades de pagamento, duas das quais serão a seguir examinadas: paga­m ento por entrega de dinheiro e pagam ento por usufruto de móvel ou imóvel. Sobre o pagam ento por adjudicação serão tecidas brevíssimas referências, já que a adjudicação foi analisada em m om ento anterior destas Lições.

3.1.9.1 Pagam ento por Entrega de Dinheiro

Trata-se, sem som bra de dúvidas, da mais sim ples entre as formas de pagam ento do credor. Realizada a alienação por iniciativa particular ou a hasta pública, o exequente poderá levantar o dinheiro pago pelo adquirente do bem, até o lim ite de seu crédito (acrescido, obviamente, de acessórios: despesas processuais, honorários advocatícios, juros). Havendo mais dinheiro do que o necessário para pagar o credor, restituir-se-á ao executado o saldo, conforme determ ina o art. 710 do CPC.

É de se notar que, neste caso, estará sendo realizada um a segunda expro­priação. Primeiro, havia sido expropriado o bem penhorado, que fora retirado do patrim ônio do executado, e ingressado no patrim ônio do adquirente. O dinheiro pago pelo adquirente, porém, ingressara no patrim ônio do executa­do, nele se sub-rogando a penhora. Nesse m om ento, ocorre, pois, a segunda expropriação, já que o dinheiro (que pertence ao executado) é retirado de um patrim ônio para ingressar em outro: o do exequente. Fala-se, assim, em duas expropriações: expropriação liquidativa (a do bem penhorado) e expropriação satisfativa (a do dinheiro).149

Dificuldades surgirão, apenas, no caso de haver mais de um credor pre­tendendo receber o dinheiro pago pelo arrem atante pelos bens penhorados. Pense-se, por exemplo, no caso em que fora arrem atado um imóvel, sobre o qual incidiam, além da penhora realizada em favor do exequente, outras três penhoras, além de duas hipotecas.

N esta situação, há que se instaurar um concurso de preferências, in stitu ­to disciplinado pelos arts. 711 a 713 do Código de Processo Civil. D eterm ina o art. 711 do CPC que, "concorrendo vários credores, o dinheiro ser-lhes-á dis­tribuído e entregue consoante a ordem das respectivas prelações; não havendo títu lo legal à preferência, receberá em prim eiro lugar o credor que promoveu

149 Sobre o tem a, m erece ser conferido o que escreve Dinam arco, Execução civil, p. 336-337.

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a execução, cabendo aos dem ais concorrentes direito sobre a im portância res­tante, observada a anterioridade de cada penhora”.

O concurso de preferências é um incidente do processo executivo, de que participam apenas credores do executado (não tendo este último qualquer par­ticipação no incidente). Sendo, como é, incidente processual, o provimento que o soluciona é decisão interlocutória (e não sentença, apesar da redação original do art. 713 do CPC, corrigida pela Lei n° 11.382/2006).150 Nesse incidente do processo executivo devem-se verificar as ordens em que os credores receberão aquilo a que fazem jus, pagando-se em primeiro lugar aqueles que têm alguma preferência (créditos fiscais, trabalhistas, garantidos por hipoteca, penhor etc.), e som ente depois os credores quirografários, estes na ordem em que foram rea­lizadas as penhoras (aplicando-se, pois, o princípio prior tempore, potior iure).151 É de esperar que o dinheiro arrecadado seja suficiente para saldar todas as dívidas, já que se trata de execução por quantia certa contra devedor solvente, o que faz com que fique despida de maior interesse prático a ordem em que os pagamentos serão realizados. Pode ocorrer, todavia, que o dinheiro arrecadado não seja capaz de garantir o pagamento de todas as dívidas do executado. Não sendo possível a decretação ex officio da insolvência civil ou da falência, faz-se m ister que algum dos interessados (pressentindo que não haverá dinheiro para realizar seu crédito) requeira a suspensão do incidente para, em seguida, dem andar a execução por quantia certa contra devedor insolvente.

Não sendo form ulado o requerim ento a que se acabou de aludir, os cre­dores que não tenham sido satisfeitos precisarão buscar em outros bens (se existirem ) a satisfação de seus créditos.

3.1.9.2 Pagam ento por Adj udicação

Efetua-se o pagam ento por adjudicação através da entrega, ao exequente ou a outro legitimado a adjudicar, do bem penhorado.152 Da adjudicação já se

150 No sentido do texto, Theodoro Júnior, Curso de direito processucd civil, vol. II, p. 250; Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, vol. III, p. 90; Assis, Manual do processo de execução, p. 652. Contra, en tre outros, Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 252; Amaral Santos, Pri­meiras linhas de direito processual civil, vol. III, p. 346-347 (em opiniões m anifestadas anteriorm en­te à Lei n° 11.382/2006, lei que alterou o tex to do art. 713 e acolheu expressam ente a orientação por m im sem pre sustentada).

151 Pode ocorrer que, en tre os credores cuja única garantia seja a penhora, algum receba antes m esm o do exequente que conseguiu levar o bem à hasta pública. A penhora gera preferência no recebim ento do p roduto arrecadado com o bem penhorado e isto não pode ser desrespeitado em razão de a execução em que se realizou penhora anterior tenha dem orado m ais do que outra, iniciada bastan te depois daquela prim eira, m as em que se fez possível, por qualquer motivo, a realização mais rápida da hasta pública.

152 Baptista da Silva, Curso de processo civil, vol. II, p. 73.

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tratou anteriorm ente, quando se apresentou a exposição dos m eios de aliena­ção dos bens penhorados.

Feita a adjudicação dos bens penhorados ao exequente, o ato de adjudi­cação funciona, tam bém , como pagam ento ao exequente. Tendo sido o bem penhorado adjudicado por valor inferior ao do crédito exequendo, deverá a execução prosseguir pelo restante.

No caso de se ter adjudicado o bem a outro legitimado, é preciso verificar quem o adjudicou. Se o adjudicante for tam bém credor do executado, e tiver direito de preferência sobre o exequente (bastando pensar em algum credor que tivesse obtido penhora anterior sobre o bem agora adjudicado), será preci­so verificar se o m esm o depositou algum dinheiro pelo bem (a diferença entre seu crédito e o valor da adjudicação, se houver), caso em que o exequente verá ser efetuado o pagam ento - total ou parcial - por entrega de dinheiro. Caso não haja dinheiro depositado pelo adjudicante, ou se o dinheiro depositado não for suficiente para satisfazer o crédito exequendo, deverá prosseguir a execução.

Já na hipótese de ter sido a adjudicação feita por quem não é credor (côn­juge, companheiro, descendente ou ascendente do executado), deverá o adju­dicante depositar o valor da adjudicação e, tam bém nesse caso, far-se-á o paga­m ento por entrega de dinheiro.

Verifica-se, assim, que a adjudicação só é form a de pagam ento ao exe­quente se for este próprio o adjudicante.

3.1.9.3 Pagam ento por U sufruto de Móvel ou Imóvel

A terceira m odalidade de pagam ento é o "usufru to de móvel ou imó- vel”, regulado nos arts. 716 a 724 do CPC. Trata-se de m odalidade pouco utilizada na prática judiciária, talvez pela com plexidade do in stitu to (que gera um a série de controvérsias doutrinárias), talvez pelo fato de que sua utilização levará o credor a receber seu crédito paulatinam ente, através da percepção dos frutos hauridos de um imóvel ou de um a em presa do executa­do, ao contrário do que ocorre nas duas m odalidades anteriores de satisfação (entrega do dinheiro e adjudicação), em que a realização do direito exequen­do se dava de um a só vez.

Os problem as com eçam pela term inologia em pregada pelo Código, que fala em usufru to , o que poderia levar o in té rp re te apressado a conside­rar que as norm as estabelecidas para aquele d ireito real sobre coisa alheia seriam aplicáveis, ao m enos subsidiariam ente, ao in s titu to que ora se es­tuda. O corre que, em verdade (e como se poderá verificar facilm ente pela análise do in stitu to que farei nesta passagem da obra), o "u su fru to” de m ó­

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vel ou imóvel m ais se parece com a an ticrese .153 N ão significa isto dizer que se esteja aqui d iante de um a espécie de anticrese. O "usufru to de m óvel ou im óvel” é m eio de satisfação do exequente pela apreensão dos fru tos p ro­duzidos por um bem móvel ou imóvel do executado, enquanto a anticrese lim ita-se a preestabelecer que a responsabilidade patrim onial incidirá sobre os fru tos de um bem do devedor.154 É certo, porém , que, devido à existência de inegáveis sem elhanças en tre as duas figuras, não se pode excluir, a priori, a possibilidade de o in té rp re te recorrer às disposições do Código Civil acer­ca da anticrese para sup rir eventuais lacunas que possam ser verificadas na regulam entação do "usufru to de móvel ou im óvel”. Encontra-se, m esm o, em d ou trina das m ais respeitáveis, a afirm ação de que esta m odalidade de pagam ento seria, em verdade, um a anticrese jud ic ia l.155

Dispõe o art. 716 do CPC, prim eiro na regulam entação do institu to de que aqui se trata, que "o juiz da execução pode conceder ao exequente o usu­fruto de móvel ou imóvel, quando o reputar m enos gravoso ao executado e eficiente para o recebim ento do crédito”. Estabelece-se, assim, que o prim eiro requisito para que o pagam ento possa se fazer por este meio é que o "usufruto de móvel ou imóvel” seja o m eio m enos gravoso para o executado. Isto nada mais é do que aplicação do princípio segundo o qual a execução deve ser feita sem pre da forma m enos onerosa possível para o executado, estabelecido no art. 620 do CPC.

O segundo requisito para que se utilize o "usufruto de móvel ou imóvel” é que seja ele eficiente para a satisfação do crédito exequendo. Nem poderia, m esm o, ser de ou tra forma. Toda a execução é voltada para a satisfação do cré­dito. Não faria sentido utilizar-se deste m étodo de realização do direito se não fosse ele capaz, no caso concreto, de levar à satisfação do exequente.

Há, ainda, outros requisitos para que se possa em pregar o "usufruto de móvel ou imóvel”. Um deles é que haja requerim ento do exequente, o que se extrai do art. 721 (que tra ta do "usufruto de imóvel”, e afirma ser lícito ao de­m andante "requerer-lhe seja atribuído, em pagam ento do crédito, o usufruto do imóvel penhorado”, e é aplicável, analogicamente, ao "usufruto de móvel”) . O requerim ento do exequente revela-se, pois, requisito indispensável para que se possa ter a utilização do "usufruto de móvel ou imóvel” .156

153 É com um a referência, em doutrina, a esta sem elhança. Por todos, consulte-se José Carlos Barbosa M oreira, Aspectos do “usufru to de imóvel ou de em presa" no processo de execução, in Temas de direito processual, terceira série, p. 149.

154 Não m e parece, porém , adequada a inclusão da anticrese en tre os direitos reais, com o faz o d ireito positivo brasileiro. A ssim como a hipoteca e o penhor, tam bém a anticrese pertence ao direito processual, sendo m atéria afeita à teoria da responsabilidade patrim onial, pois que se lim ita a afetar os frutos de um bem do devedor à fu tura execução forçada.

155 Castro, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VIII, p. 359.

156 Barbosa M oreira, Aspectos do “usufru to de imóvel ou de em presa” no processo de execu­ção, p. 150.

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O utro requisito é a prévia oitiva do executado, exigência que decorre da garantia constitucional do contraditório. Não havendo a concordância do de­m andado, poderá ainda assim o juiz da execução deferir o "usufruto de móvel ou imóvel”, sem pre que se verificar que tal modalidade de pagam ento é efi­ciente e m enos gravosa para o dem andado.

Por fim, há um requisito temporal: é preciso que o "usufruto” seja reque­rido antes da hasta pública (art. 721, aplicável por analogia ao usufruto de bem móvel). Não parece de todo descabido, porém, adm itir-se que o requerim ento seja feito depois de realizada a hasta pública sem que tenha havido lançador. Basta lem brar que o exequente não está obrigado a requerer a adjudicação ou a alienação por iniciativa particular. Ora, não tendo havido lançador, e não sen­do requerida a adjudicação ou a alienação por iniciativa particular, estar-se-ia diante de um impasse, pois seria árduo para o Estado-Juiz conseguir realizar a tarefa a que se propusera, de realizar o crédito exequendo. Entendo, assim, possível ao exequente, nesta hipótese, requerer a instituição do "usufruto de móvel ou imóvel” m esm o depois da hasta pública.157

Requerido o "usufruto” pelo exequente, e depois da oitiva do demandado, caberá ao juiz da execução, verificada a presença dos demais requisitos analisa­dos acima, nom ear perito, para o fim de avaliar os frutos e rendim entos do bem, e calcular o tem po necessário para a liquidação da dívida. É claro que o tem po calculado será apenas um a estimativa, pois seria impossível prever os percalços que podem vir a ocorrer posteriorm ente (imagine-se, e. g., que o imóvel fique por m uito tem po desocupado, sem haver quem pretenda alugá-lo). Ouvidas as partes sobre o laudo (e nada impede que, à vista do laudo, um a delas volte atrás em sua manifestação de vontade, não mais querendo o "usufruto de imóvel”, o que deverá ser levado em conta pelo juiz da execução na sua decisão), o juiz decidirá, constituindo ou não o "usufruto”. Este provimento judicial é um a de­cisão interlocutória.158 Em tal decisão determ inará o juiz a expedição de carta de constituição do "usufruto” (se imóvel o bem), que deverá conter a identificação do prédio e cópia da decisão. A carta de constituição do "usufruto” será aver­bada no Ofício do Registro de Imóveis. Tal averbação, porém, terá eficácia m e­ram ente declaratória, destinando-se a dar m aior publicidade ao "usufruto”, já

157 No sentido do texto, Castro, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VIII, p. 360.

158 Também consideram que se está aqui diante de decisão interlocutória Frederico M arques, Manual de direito processual civil, vol. IV, p. 222; Assis, Manual do processo de execução, p. 670. Enten­de ser sentença C osta M achado, Código de Processo Civil interpretado, p. 654. Não se pode deixar de referir aqui a posição de Celso Neves, para quem se teria aqui um a “sentença juris-integrativa”, o que, na linguagem do prestigioso ju rista das Arcadas, significa o que tradicionalm ente se cham aria de sentença de jurisdição voluntária (Neves, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VII, p. 195). Todas essas opiniões, registre-se, são anteriores à Lei n a 11.382/2006, que fez desaparecer a referência, anteriorm ente havida no texto do CPC, a esse ato como “sentença”, passando a se dizer que o ju iz proferirá “decisão”.

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que, nos term os do art. 718, o "usufruto” tem eficácia, assim para o executado como em relação a terceiros, a partir da publicação da decisão que o constituir.

Na decisão que constitu ir o usufruto, deverá ainda o juiz nom ear um administrador, que poderá ser o próprio exequente (se com isto consentir o executado) ou o executado (se o exequente anuir). Poderá, ainda, obviamente, ser nom eado adm inistrador um terceiro, estranho à relação processual.

Estando alugado o imóvel objeto do "usufruto”, deverá o locatário pagar o aluguel ao adm inistrador. Esta é a única interpretação admissível da norm a contida no art. 723. Fala referido dispositivo em pagam ento do aluguel ao cre­dor, salvo se tiver sido nom eado adm inistrador. Ocorre que o adm inistrador é sem pre nomeado. Assim sendo, só se adm ite que o pagam ento do aluguel seja feito diretam ente ao exequente se for ele próprio o adm inistrador no ­m eado pelo juiz da execução.159 Estando vazio o imóvel, poderá o m esm o ser alugado pelo exequente, fazendo-se necessária a oitiva do executado. Havendo discordância entre eles, o juiz decidirá, determ inando como se desenvolverá o usufruto (art. 724, parágrafo único).

O fato de te r sido instituído "usufruto” sobre o imóvel não im pede que, em outro processo, ocorra sua alienação judicial. N este caso, porém , o exe­quente em cujo favor instituiu-se o "usufruto” perm anecerá com a posse do bem até ver seu crédito satisfeito. N ada impede, porém , que o arrem atante pague ao credor o que falta a este receber, requerendo assim a extinção do "usufru to” que incide sobre o imóvel que adquiriu.

Não se pode encerrar sem afirmar-se que o "usufruto de móvel ou im ó­vel” é instituído em caráter pro solvendo, 160 o que significa dizer que a institu i­ção do "usufruto” não é capaz de extinguir a dívida exequenda. O "usufruto” deverá perdurar até que o credor seja satisfeito em seu direito, o que pode levar m uito tem po (mais até do que o tem po eventualm ente previsto na pe­rícia referida no art. 722, o qual, como se viu, é m era estimativa, destinada a

159 C onsideram alguns au to res que o pagam ento deverá ser feito ao credor tam bém quando o adm in istrador seja o executado (entre outros, Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 257). Assim , data venia, não m e parece. Sendo nom eado adm in istrador o executado, a ele caberá receber o aluguel, tendo de p restar contas ao juízo de tais valores. O u tra interpretação, a m eu sentir, esvaziaria a atuação do executado que ten h a sido nom eado adm inistrador, o que to rnaria sem sentido a possibilidade de que sobre ele pudesse recair o encargo.

160 N este sentido m anifesta-se a dou trina am plam ente dom inante. Por todos, Barbosa M oreira, Aspectos do “usufru to de imóvel ou de em presa” no processo de execução”, p. 153-158. Há, po­rém , quem afirm e ser o “usufru to” institu ído pro soluto (Castro, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VIII, p. 363), ou quem estabeleça distinção, afirm ando que o "usufruto de im óvel” tem caráter pro soluto (salvo convenção das partes em sentido diverso), enquanto o “usufruto de em presa” teria caráter pro solvendo (neste sentido, Frederico M arques, Manual de direito processual civil, vol. IV, p. 223).

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perm itir às partes que avaliem as vantagens e desvantagens desta form a de realização da obrigação). Enquanto não estiver satisfeito o exequente, não se poderá extinguir o processo executivo, perdurando o "usufruto”. Isto se infere facilmente da redação do art. 717 do CPC, segundo o qual, "decretado o usu­fruto, perde o executado o gozo do móvel ou imóvel, até que o exequente seja pago do principal, juros, custas e honorários advocatícios” . Verifica-se, pois, que o "usufruto” deve perdurar até que haja a com pleta satisfação do crédito exequendo, o que dem onstra que não é ele instituído pro soluto, m as sim em caráter pro solvendo.

3.2 Procedim ento da Execução por Q uantia C erta contra Devedor Solvente Fundada em T ítulo Judicial

Desde a entrada em vigor da Lei n Q 11.232/2005, surgiu no D ireito Pro­cessual Civil brasileiro um procedim ento a ser usado - como regra geral - na execução por quantia certa contra devedor solvente fundada em título judicial. Tal procedim ento será em pregado sem pre que o títu lo executivo for um dos previstos nos incisos I, III, V ou VII do art. 475-N do CPC, e está regulado nos arts. 475-1 a 475-R do Código de Processo Civil.161

É o seguinte o procedim ento de que ora se trata.A partir do m om ento em que a sentença condenatória a pagar dinhei­

ro tom ar-se eficaz (o que se dará quando a m esm a transitar em julgado ou quando for recebido um recurso sem efeito suspensivo), incum birá ao juiz, de ofício, determ inar a intim ação pessoal do devedor para, no prazo de 15 dias, pagar o valor da condenação.162

161 A respeito desse procedim ento, seja-m e perm itido fazer alusão ao que disse em livro es­pecificam ente dedicado ao estudo da execução de sentença: Alexandre Freitas Câmara, A nova execução de sentença, p. 89-121.

162 Existe m uita controvérsia a respeito do term o inicial do prazo de 15 dias para pagam ento voluntário do valor da condenação (prazo este fixado pelo art. 475-J do CPC). Sustento, aqui, o que disse alhures: o term o inicial desse prazo é a intim ação pessoal do devedor (Freitas Câmara, A nova execução de sentença, p. 114-115). No m esm o sentido, en tre outros, Misael M ontenegro Filho, Cumprimento da sentença e outras reformas processuais, p. 58. Em sentido diverso, en tenden­do que a intim ação é necessária para que corra o prazo de 15 dias, m as que a m esm a pode ser feita ao advogado, pelo diário oficial, en tre outros, Cássio Scarpinella Bueno, Variações sobre a m ulta do caput do art. 475-J do CPC na redação da Lei n° 11.232/2005, in Teresa A rruda Alvim W am bier (Coord.), Aspectos polêmicos da nova execução de títulos judiciais, p. 140-141. Há, por fim, quem considere que o prazo de 15 dias corre “autom aticam ente”, independentem ente de qual­quer comunicação, a partir do m om ento em que a sentença se to rna eficaz (entendim ento sus­tentado, en tre outros, por A thos Gusm ão Carneiro, Do “cum prim ento da sentença” conforme a Lei n° 11.232/05. Parcial retorno ao medievalismo? Por que não?”, Revista Dialética de Direito Processual, 38 /28).

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Esta intim ação é exigida para que corra o prazo por força do disposto no art. 240 do CPC, segundo o qual os prazos, salvo disposição em contrário, cor­rem da intimação. Não havendo no art. 475-J do CPC a indicação de um term o inicial para o prazo de 15 dias, é im perioso que se aplique a regra geral, por força da qual os prazos correm a partir da intimação. Além disso, é de se con­siderar que a intim ação far-se-á pessoalm ente ao devedor em razão do próprio conceito de intimação, estabelecido pelo art. 234 do CPC. Segundo esse dispo­sitivo, a intimação é o ato pelo qual se dá ciência a alguém dos atos e term os do processo, para que faça ou deixe de fazer algum a coisa. É evidente, pois, que o destinatário da intim ação é aquele de quem se espera um determ inado com­portam ento processual. No caso, o com portam ento esperado (pagar o valor da condenação) é da parte, e não de seu advogado, razão pela qual é àquela, e não a este, que se deve dirigir a intimação. O não pagam ento no prazo de 15 dias implicará a incidência de m ulta de dez por cento sobre o valor da condenação (aí incluídos o principal e eventuais acessórios, como despesas processuais e honorários advocatícios).

Decorrido o prazo de 15 dias sem que tenha sido efetuado o pagamento, poderá então o credor requerer a expedição de m andado de penhora e avaliação de bens do devedor, requerim ento este que deve vir acom panhado da m em ória de cálculo do crédito exequendo, na forma do disposto no art. 614, II, do CPC, não se deixando de incluir no cálculo a m ulta de dez por cento devida em fun­ção do não pagam ento voluntário no prazo de 15 dias a que já se fez referência.

O requerim ento de execução terá de ser apresentado pelo credor em um prazo de seis m eses (a contar do trânsito em julgado da sentença condena­tória). U ltrapassado esse prazo, nenhum a conseqüência se produz no plano do direito material, m as os autos serão arquivados. Poderá o credor, porém, a qualquer tempo, prom over - à sua custa - o desarquivam ento dos autos, a fim de promover a execução.

N este requerim ento de execução, já poderá o exequente indicar os bens do executado que quer ver penhorados. N a execução de sentença não se re­conhece ao executado a faculdade de nom ear bens à penhora. Diz a lei que o exequente poderá fazer ta l nom eação porque sem pre existe a possibilidade de que o credor não conheça os bens que com põem o patrim ônio do deve­dor, caso em que caberá ao juízo auxiliar o credor na determ inação dos bens que suportarão a penhora (determ inando-se, por exemplo, a "penhora portas aden tro”) .

Realizada a penhora (por term o ou auto, conforme o caso), será im edia­tam ente feita a avaliação do bem penhorado. Tal avaliação caberá ao oficial de justiça que, se não tiver o conhecim ento específico para fazê-la, com unicará o fato ao juiz da execução, que determ inará que um avaliador a faça, em prazo breve a ser fixado.

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Efetivadas a penhora e a avaliação, o executado será intim ado (através de seu advogado já constituído nos autos, pelo Diário Oficial, ou, se não houver patrono constituído, pessoalm ente) para oferecer impugnação à execução, no prazo de 15 dias. Poderá, tam bém , o devedor requerer a substituição do bem penhorado por outro (dinheiro ou algum outro bem que, capaz de garantir a execução, faça com que esta se desenvolva de modo m enos gravoso para ele, devendo-se registrar que no caso de requerim ento de substituição da penhora por fiança bancária esta deverá ser capaz de garantir o pagam ento do valor do crédito exequendo, acrescido de 30%, na form a do disposto no art. 656, § 2Q, do CPC).

O oferecimento de impugnação (incidente processual que será examinado no m om ento próprio, quando se fizer o estudo da defesa do executado), via de regra, não suspende o andam ento do módulo processual executivo. Este pros­seguirá, daí em diante, na forma do previsto no Livro II do Código de Processo Civil (em razão do disposto no art. 475-R do CPC), promovendo-se então a hasta pública dos bens penhorados e, posteriorm ente, o pagamento do credor.

Não se pode encerrar esta breve exposição sobre o procedimento da exe­cução por quantia certa fundada em sentença sem um a observação a respeito do custo econômico deste módulo processual. Parece não haver qualquer dúvida quanto ao fato de que incumbirá ao executado arcar com as despesas processuais da execução.163 O que se discute é se deve ou não haver, no módulo processual executivo, nova fixação de honorários. Há manifestação doutrinária no sentido de que, por não se ter aí um novo processo, mas m ero com plem ento do mesmo processo em que a sentença foi proferida, não deve haver nova fixação de verba honorária.164 Assim, porém, não me parece. A fixação de nova verba honorária é absolutam ente imperiosa no módulo processual executivo. Digo isto por três diferentes razões. Primeiro, por m era interpretação literal da lei. O art. 20, § 4Q, do CPC é expresso em afirmar que haverá fixação de honorários "nas execuções” e, de outro lado, o art. 475-1 do Código de Processo Civil afirma que o cumpri­m ento da sentença, no caso de obrigação pecuniária, se faz por execução. É, pois, m era aplicação da literalidade da lei a fixação de honorários. Note-se que a lei processual não fala em fixação de verba honorária "nos processos de execução”, mas "nas execuções”, o que faz com que se tenha de fixar tal verba tam bém nos m ódulos executivos que não tenham natureza de processo autônom o. Segundo, a fixação de honorários é um a imposição do princípio da isonomia. Imagine-se o seguinte caso: dois credores (A e B) de um mesmo devedor (C). Ambos são credores de quantias iguais. Ambos ajuízam suas demandas no mesmo dia. Em ambos os processos, o réu é condenado a pagar valores rigorosamente iguais,

163 N este sentido, por todos, H um berto Theodoro Júnior, As novas reformas do Código de Processo Civil. p. 139.

164 Theodoro Júnior, As novas reformas do Código de Processo Civil, p. 139.

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tendo sido as sentenças proferidas no mesmo dia. Intimado C a pagar, em 15 dias, os valores a que foi condenado (e tendo as intimações se dado no mesmo dia), paga ele, voluntariamente, o que deve a B, mas não o que deve a A. O ad­vogado deste segundo credor, então, tem de requerer a execução e atuar em todo o módulo processual executivo. Ora, a não fixação de honorários nesse caso fará com que se rem unerem da mesm a m aneira advogados que tiveram atuações distintas, um trabalhando mais do que outro. Isto implica dizer que se terá dado tratam ento igual a pessoas desiguais, o que é contrário ao princípio da isonomia.

O terceiro fundam ento da tese é, a meu juízo, o mais relevante: no caso de não se te r nova fixação de verba honorária no módulo processual executivo, a m ulta de 10% a que se refere o art. 475-J do CPC perde por com pleto sua eficácia coercitiva. Imagine-se um devedor que tenha sido condenado a pagar 100 (mais honorários de 10%). Antes da Lei n 2 11.232/2005, esse devedor deveria pagar os 110, sob pena de vir a ser executado (quando, então, seria fixada nova verba honorária, de mais 10% por exemplo, o que o levaria a pa­gar, na execução, um total de 121). Agora, a prevalecer o entendim ento aqui combatido, condenado o devedor a pagar 100 mais honorários de 10%, terá de pagar os 110 sob pena de incidir um a m ulta de 10% (o que nos leva aos m es­mos 121), mas sem nova fixação de honorários. A questão, pois, é matem ática. A se adm itir o entendim ento segundo o qual não haverá aqui nova fixação de honorários, ter-se-á de chegar à conclusão de que o novo sistem a de execução de sentenças que condenam a pagar dinheiro não afetou, em nada, o bolso do executado (e, como se sabe, o bolso é o único ponto nevrálgico com um a todos os seres hum anos). A conclusão a que se chegaria é que a reform a operada pela Lei n Q 11.232/2005 m ereceria ser conhecida pelo nom e da célebre peça de Shakespeare: M uito barulho por nada. No caso figurado como exemplo, a se aceitar a tese por m im sustentada, o devedor condenado a pagar 100 mais h o ­norários de 10% teria de pagar, em 15 dias, o valor de 110, sob pena de incidir um a m ulta de 10% (levando o valor da condenação a 121), mais honorários na execução (que, se fossem fixados em mais 10%, levariam o valor total a 133,10).

3.3 Procedim entos Especiais da Execução por Q uantia Certa contra Devedor Solvente

Apreciado o procedim ento-padrão da execução por quantia certa contra devedor solvente, deve-se voltar agora a atenção para os procedim entos es­peciais, que são três: o da execução contra a Fazenda Pública, o da execução de prestação alim entícia e o da execução fiscal (este últim o regulado fora do CPC, através da Lei nQ 6.830/1980). Tais procedim entos serão analisados, ob­viam ente, apenas naquilo que têm de diferente em relação ao procedim ento- -padrão, com o quê se evitarão repetições inúteis e cansativas.

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3.3.1 Processo autônomo de execução fundado em título judicial

Nos casos previstos nos incisos II, IV e VI do art. 475-N do CPC, o m ó­dulo processual executivo se desenvolve de m aneira ligeiram ente diferente da que se tem nas dem ais execuções fundadas em título judicial. É que nesses casos o m ódulo processual executivo assum irá a natureza de verdadeiro pro­cesso de execução, já que esta não será m era fase com plem entar do m esm o processo em que o títu lo tenha sido elaborado. Conseqüência disso é que, logo que dem andada a execução, o dem andado terá de ser citado (para pagar em 15 dias, sob pena de incidir a m ulta a que se refere o art. 475-J). A partir daí, porém , observar-se-á o m esm o procedim ento previsto para a execução dos dem ais títulos judiciais, inclusive quanto ao cabim ento de im pugnação (e não de embargos) como meio de defesa do executado.

3.3.2 Execução contra a Fazenda Pública

Nosso regime jurídico, a fim de evitar os males de um conflito entre os “Poderes" do Estado (no caso em tela, en tre o Executivo e o Judiciário), esta­belece, com sede constitucional, um sistem a diferenciado para a execução por quantia certa contra a Fazenda Pública. Tal sistem a é todo construído a partir de um a prem issa essencial: os bens públicos são inalienáveis e, por conseguin­te, im penhoráveis.165 A inalienabilidade dos bens públicos, como sabido, existe enquanto estão os m esm os afetados ao uso público. Podem eles ser alienados a partir da edição de lei de desafetação, a qual prevê, porém, o m eio pelo qual o bem será alienado. A penhora e a arrem atação (ou a adjudicação) não são m eios previstos na lei de desafetação, o que to rna inviável a utilização de tais atos executivos para o fim de realizar o direito do credor. Por tais razões é que se estabeleceu um sistem a diferenciado, a cuja análise se procederá nesta pas­sagem do livro.

Como se verá adiante, a principal característica da execução por quantia certa contra a Fazenda Pública está em não haver, aqui, em princípio, qualquer ato de apreensão de bens, o que levou parte da doutrina a negar ao institu to que ora se estuda a natureza de m ódulo processual executivo.166 Assim, porém, e

165 Vicente Greco Filho, Da execução contra a Fazenda Pública, p. 45.

166 Assim , en tre outros, Dinam arco, Execução Civil, p. 303; T heodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. II, p. 261 (falando este ju rista que contra a Fazenda Pública o que se tem é “execução im própria”). Im portante assinalar aqui, tam bém , a existência de doutrina no sentido de que, em princípio, a execução contra a Fazenda Pública não é processo executivo, m as assum e esta natureza se houver o “seqüestro” a que se refere o art. 731 do CPC (neste sentido, Baptista da Silva, Curso de processo civil, vol. II, p. 78-80).

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com todas as vênias aos que defendem posição distin ta da minha, não parece. A execução por quantia certa contra a Fazenda Pública é verdadeiro módulo pro­cessual executivo, apesar de não haver apreensão forçada de bens do executado. É que, como se sabe, o módulo processual executivo se define como aquele que tem por fim a realização de um crédito do dem andante. Ora, é exatam ente isso que se tem aqui. A execução contra a Fazenda Pública se destina a realizar um direito de crédito do dem andante. Não se poderia considerar que se tem aqui um módulo processual de conhecim ento, pois este é um m ódulo processual de sentença, ou seja, um módulo processual que tem por fim a prolação de um provim ento jurisdicional m eram ente declaratório, constitutivo ou conde­natório. Não é isso que se vê na execução por quantia certa contra a Fazenda Pública, em que se parte de um título executivo para a realização do direito certo, líquido e exigível que se apresenta ao Estado-juiz. Módulo processual executivo, pois, em bora se utilizando de meios diversos daqueles tradicional­m ente em pregados.167

A execução por quantia certa contra a Fazenda Pública terá no polo pas­sivo apenas pessoas jurídicas de direito público, ou seja, a União, os Estados, o D istrito Federal, os Territórios, os M unicípios e as suas respectivas autarquias. Não se aplica o regime especial da execução por quantia certa quando o execu­tado for um a em presa pública ou um a sociedade de econom ia m ista, pois estas são pessoas jurídicas de direito privado.168

Não se pode deixar de afirmar, tam bém (em bora isto já venha sendo afirmado por mais de um a vez), que o regime especial de que aqui se trata refere-se apenas às execuções por quantia certa, em que executada é a Fazenda Pública. As execuções para entrega de coisa e de obrigação de fazer e não fazer seguem o regime comum, ainda que executada seja a Fazenda Pública.169

O utra questão que vem gerando polêmica na doutrina, razão pela qual não pode deixar de ser referida, é a da possibilidade ou não de dem andar-se a

167 N o sentido do texto, afirmando a natureza executiva do processo que ora se examina, Assis, Manual do processo de execução, p. 693; Villar, Processo de execução, p. 262 (afirmando tratar-se de um a execução que se faz sem penhora, ressentindo-se da falta de coação); Greco Filho, Da execução contra a Fazenda Pública, p. 13 (fala este autor, com m uita propriedade, na existência de medidas executivas perfeitas ou completas, que por si m esm as satisfazem a obrigação, com o a im issão na posse ou a busca e apreensão n a execução para entrega de coisa; e em medidas executivas imper­feitas ou incompletas, consistentes em ordens judiciais para que se cum pra um a obrigação, sob pena de se tom ar algum a providência sancionatória processual ou extraprocessual, de que seriam exemplos a ordem para fazer, sob pena de a prestação ser cum prida por terceiro, e a expedição de precatório na execução contra a Fazenda Pública).

168 Greco Filho, Da execução contra a Fazenda Pública, p. 49-50.

169 Assis, Manual do processo de execução, p. 694. Contra, entendendo que a Fazenda Pública não pode ser condenada a cum prir obrigações de entregar coisa nem de fazer ou não fazer, adm itindo apenas condenações pecuniárias, M oura Rocha, Sistemática do novo processo de execução, p. 458.

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execução por quantia certa contra a Fazenda Pública fundada em título executi­vo extrajudicial. É certo que o art. 100 da Constituição da República, ao tratar do tema, fala expressam ente em "pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária" (sem grifo no texto constitucional). Isso leva alguns autores a afirmar que só pode haver execução contra a Fazenda Pública fundada em título judicial, e que aqueles que tivessem título extrajudicial contra a Fazenda Pública precisariam, antes, ajuizar dem an­da cognitiva, para obter título judicial.170 A doutrina dom inante, diversamente, e com razão, tem adm itido a execução fundada em título extrajudicial, a qual seguirá, obviamente, o mesmo regime especial previsto nos arts. 730 e 731 do CPC.171 São diversos os argum entos que podem ser trazidos à colação para fundam entar o que aqui se afirma. Em primeiro lugar, não há qualquer vedação legal à execução fundada em título extrajudicial contra a Fazenda Pública. Além disso, ao argum ento de que seria estranho adm itir a eficácia executiva de títulos extrajudiciais quando para os títulos judiciais exige-se o duplo grau de juris­dição obrigatório, responde-se com a lembrança de que nenhum a constrição patrim onial se faz sobre o patrim ônio da Fazenda Pública, nem depois, nem, m uito menos, antes da expedição do precatório. Aliás, como se verá, a Fazenda Pública é citada para opor embargos, e a sentença que os rejeitar tam bém ficará sujeita ao reexame obrigatório. Manifesto, assim, adesão à posição dominante, segundo a qual adm ite-se a execução fundada em título extrajudicial quando executada é a Fazenda Pública.

Vistas estas questões, que podem ser consideradas prelim inares, passa- -se ao estudo do procedim ento especial da execução por quantia certa contra a Fazenda Pública. Nos term os do art. 730 do CPC, modificado pela Medida Provisória nQ 2.180-35, na execução por quantia certa contra a Fazenda Públi­ca, citar-se-á a devedora para opor em bargos em 30 (trinta) dias; se esta não os opuser, no prazo legal, observar-se-ão as seguintes regras:

I - o juiz requisitará o pagam ento por interm édio do presidente dotribunal com petente;

II - far-se-á o pagam ento na ordem de apresentação do precatório e àconta do respectivo crédito.

Verifica-se, pela le itu ra do art. 730 do CPC (modificado pela Medida Provisória nQ 2.180-35), que na execução por quantia certa contra a Fazenda Pública a dem andada é citada para oferecer seus em bargos no prazo de 30 dias. Este prazo, antes da aludida M edida Provisória, era de dez dias. A alte­

170 Greco Filho, Da execução contra a Fazenda Pública, p. 59.

171 Dinam arco, Execução civil, p. 305-306; Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. II, p. 261; Assis, Manual do processo de execução, p. 695; W anderley José Federighi, A execução contra a Fazenda Pública, p. 46-47. N este sentido, tam bém , o Enunciado n° 279 da Súm ula do STJ.

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ração, a m eu sentir, é inconstitucional, já que afronta o princípio da isonom ia. N ote-se que na execução fiscal, em que a Fazenda Pública é exequente, o executado tem 30 dias para oferecer em bargos, mas está ele diante de um a execução movida com base em títu lo elaborado por ato unilateral do credor (o único títu lo executivo, relem bre-se, que tem esta característica). Assim , ali se justifica a concessão de prazo m aior para o oferecim ento dos em bargos, já que o executado não participou (nem pôde participar) da elaboração do títu lo executivo. Já na execução contra a Fazenda Pública o títu lo foi elabo­rado pelo Poder Judiciário ou, se extrajudicial, com a participação da deve- dora, razão pela qual fica ela em igualdade de condições com os executados em geral, justificando-se, assim , o tratam ento igualitário que sem pre lhes foi dispensado, com a fixação do m esm o prazo (dez dias) para interposição dos em bargos do executado. Registre-se, ainda, que é inaceitável a modificação, por m edida provisória, de um a norm a processual em vigor h á mais de um quarto de século. O nde a relevância e urgência? O Poder Executivo Federal continua a abusar de sua atribuição de editar m edidas provisórias, atacando com violência o princípio da separação harm ônica de fimções estatais. Não se pode aceitar que o Executivo Federal continue legislando. É preciso que a função legislativa seja devolvida ao Congresso Nacional, deixando este de ser um "hom ologador” de m edidas provisórias. É, pois, a Fazenda Pública citada, na execução, para em bargar em dez dias (este, sim, o prazo com patível com o vigente ordenam ento constitucional). Não h á que se falar, aqui, em citação para pagar ou nom ear bens à penhora, como no procedim ento padrão. Isto porque a Fazenda Pública nem pode pagar (já que o pagam ento só poderá ser feito através de precatório), nem nom ear bens à penhora, na m edida em que seus bens são impenhoráveis.

Im pende observar que, após a entrada em vigor da Lei nô 11.232/2005, só se terá citação da Fazenda Pública para oferecer em bargos quando se tratar de execução fundada em títu lo extrajudicial. No caso de execução de sentença, esta será m era fase com plem entar do m esm o processo em que o provim ento jurisdicional tenha sido proferido, e a Fazenda será, tão som ente, intim ada para oferecer seus embargos. Há, é certo, quem sustente que a execução contra a Fazenda Pública fundada em sentença deve continuar a ser tratada como pro­cesso autônom o,172 m as este entendim ento não nos parece, data venia, correto. A nova redação do art. 7 4 1 ,1, do CPC, que perm ite à Fazenda alegar, em seus em bargos à execução, falta ou nulidade de citação "no processo” (e não mais "no processo de conhecim ento”, como se dizia na redação anterior), parece deixar claro que se tem aí um só processo, que se desenvolve em duas diferen­tes fases, um a cognitiva, outra executiva. Trata-se, pois, de um processo sin- crético como são todos os dem ais em que se busca a prolação de um a sentença

172 Assim , por todos, Em ane Fidélis dos Santos, As reformas de 2002 do Código de Processo Civil, p. 104.

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civil condenatória e sua posterior execução. A única diferença é que nesse caso a defesa do executado não se fará por impugnação, incidentem ente ao m ódulo processual executivo, mas através do processo autônom o de em bargos.173

Os em bargos eventualm ente oferecidos terão, aqui como em qualquer ou tra hipótese de oferecim ento de em bargos do executado, natureza de proces­so cognitivo autônom o, razão pela qual tratarei do tem a em separado, quando da análise dos m eios de defesa do executado. É preciso, porém, afirmar desde já que o oferecimento dos em bargos pode produzir o efeito de suspender o curso da execução, até que sejam julgados (se tal efeito for deferido pelo juízo da execução).

Prosseguindo a execução, seja por não ter a Fazenda Pública ajuizado os embargos, seja pelos embargos terem sido recebidos sem efeito suspensivo, seja por te r sido a sentença dos embargos favorável ao embargado, deverá o juiz da execução requisitar o pagam ento, através do presidente do tribunal com petente, ou seja, do tribunal que seria com petente para exam inar a causa em grau de recurso ordinário. Isso porque cabe ao presidente do tribunal de­term inar a expedição do precatório, requisição de pagam ento dirigida à Fazen­da Pública.174

Os precatórios serão pagos na ordem de suas apresentações à Fazenda Pública, observados os critérios estabelecidos no art. 100 da Constituição da República. Isso significa, basicamente, dizer o seguinte: os precatórios apre­sentados até o dia 1Q de julho de um ano serão incluídos no orçam ento do ano seguinte, enquanto os precatórios apresentados após aquela data serão inse­ridos apenas no orçam ento do exercício seguinte àquele. Assim, por exemplo, um precatório apresentado até l 2 de julho de 2007 será incluído no orçam ento de 2008, enquanto um precatório apresentado em 2 de julho do m esm o ano só será incluído no orçam ento do ano 2009.

Observado esse critério, serão estabelecidas dotações orçam entárias para o pagam ento de tais créditos, devendo o dinheiro ser consignado à disposição do tribunal, para que o presidente do m esm o possa determ inar sejam efetua­dos os pagam entos na ordem de apresentação dos precatórios.

Afirma o caput do art. 100 da Constituição da República que, “à exceção dos créditos de natureza alimentícia” os pagamentos serão feitos na ordem cro­nológica de apresentação dos precatórios. Há que se considerar, assim, a existên­cia de duas ordens a serem respeitadas: um a primeira ordem, privilegiada, dos precatórios referentes a créditos de natureza alimentícia, e um a segunda, que só

173 N o m esm o sentido do que se su sten ta no texto , A thos G usm ão Carneiro, Do “cum pri­m en to da sen tença”, conform e a Lei n° 11.232/2005. Parcial re to m o ao m edievalism o? Por que não?, p. 38-39.

174 Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. II, p. 261.

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começará a ser paga após a satisfação dos créditos privilegiados, em que estarão os precatórios referentes a créditos de natureza diversa daquela.175

Caberá, pois, ao presidente do tribunal determ inar a expedição dos m an­dados de levantam ento das quantias depositadas, o que deverá ser feito obser- vando-se a ordem cronológica de apresentação dos precatórios. Pode ocorrer, porém, que algum credor seja preterido na ordem, o que ocorrerá toda vez que se determ inar a expedição de m andado de levantam ento em favor de um credor sem que tenham sido expedidos os m andados que viriam a favorecer os credores cujos precatórios haviam sido apresentados anteriorm ente. N este caso, é de se aplicar a norm a contida no art. 731 do CPC, segundo o qual, "se o credor for preterido no seu direito de preferência, o presidente do tribunal, que expediu a ordem, poderá, depois de ouvido o chefe do M inistério Público, ordenar o seqüestro da quantia necessária para satisfazer o débito”.

Tem-se, pois, que, sendo um credor preterido na ordem dos pagam en­tos, caberá ao presidente do tribunal que expediu os precatórios, após ouvir o chefe do M inistério Público (que atua, aqui, como fiscal da lei, ou seja, como custos legis), determ inar a apreensão da quantia necessária para a realização do crédito daquele que foi prejudicado.

É preciso dizer, em prim eiro lugar, que é inadequada a utilização, na lei, do term o "seqüestro”. Isso porque, em nossa sistem ática, a apreensão de bens destinada a assegurar execução por quantia certa recebe o nom e de arresto .176 Além disso, discute-se em sede doutrinária a natureza desta apreensão, ha­vendo quem a considere m edida cautelar,177 e sendo predom inante a posição, que m e parece mais correta, segundo a qual estar-se-ia aqui diante de m edida satisfativa, de natureza executiva.178 A natureza satisfativa é evidente, um a vez que a quantia "seqüestrada” (rectius, apreendida) será entregue diretam ente ao

175 Assis, Manual do processo de execução, p. 698. N este sentido, confira-se o Enunciado n° 144 da Súm ula da Jurisprudência Predom inante do Superior Tribunal de Justiça: “O s créditos de natureza alim entícia gozam de preferência, desvinculados os precatórios da ordem cronológica dos créditos de natureza diversa.” Há, porém , quem afirme que os créditos de natureza alim en­tícia ficam fora do regim e dos precatórios, o que levaria à conclusão de que o pagam ento de tais obrigações deve ser im ediato, não havendo que se falar em dotação orçam entária ou inclusão em orçam ento de exercícios subsequentes. N este sentido, francam ente m inoritário, posiciona- -se o M inistro José Augusto Delgado, do STJ, em ensaio denom inado Execução de quan tia certa contra a Fazenda Pública: Inexigibilidade de precatório requisitório quando se tra tar de crédito de natureza alim entícia - art. 100 da C onstituição Federal, RePro 57/13-23.

176 Diversos são os autores que criticam a term inologia da lei, afirm ando que, no art. 731, onde se lê “seqüestro”, deve-se en tender “arresto”. Por todos, consulte-se Greco Filho, Da execução contra a Fazenda Pública, p. 96.

177 Esta a posição de Greco Filho, Da execução contra a Fazenda Pública, p. 92-96.

178 É, como dito, largam ente dom inante esta posição. Entre outros, defendem -na Assis, Manual do processo de execução, p. 700; Baptista da Silva, Curso de Processo Civil, vol. II, p. 80; Barbosa M o­reira, O novo processo civil brasileiro, p. 259.

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credor preterido em sua preferência, como, aliás, ressalta da leitura da parte final do art. 100, § 2Q, da Constituição da República.

Discute-se, por fim, quem é o sujeito passivo da apreensão referida no art. 731 do CPC (que é norm a destinada a instrum entalizar a regra constante no art. 100, § 2Q, da Constituição da República). Em outros term os, o que se quer saber é se a apreensão da quantia necessária para satisfação do credor preterido se dará sobre o patrim ônio da Fazenda Pública ou sobre o patrim ônio do credor que recebeu antes do m om ento adequado.179 Parece-me preferível o segundo entendim ento. A im penhorabilidade dos bens públicos, em bora não seja um dogm a constitucional, só poderia desaparecer com a desafetação do bem por lei. Não parece possível, assim, adm itir-se a apreensão de bens que não poderiam, depois, ser alienados. Por esta razão, e por nenhum a outra, é que nos parece impossível recair a apreensão sobre os bens públicos, devendo a quantia necessária para o pagam ento do credor preterido ser apreendida no patrim ônio do credor que recebeu antes do m om ento adequado.

3 .3 .3 E xe cu ç ã o de P re s ta ç ã o A lim e n tíc ia

Regula o CPC, através de seus arts. 732 a 735, a execução de presta­ção alimentícia. Trata-se de modalidade especial de execução por quantia certa contra devedor solvente, que merece tratam ento especial em razão da natureza da prestação cujo cum prim ento se pretende. O procedim ento de que se passa a tra ta r tem características bastante especiais, como se verificará na análise dos m eios de pagam ento de que se pode utilizar (bastando lembrar, neste passo, que os salários e verbas análogas, como soidos e vencimentos, que são absolu­tam ente im penhoráveis, podem ser apreendidos para garantir o pagam ento de prestações alim entares). Ademais, na execução de prestação alim entícia existe a possibilidade de utilização de um meio de coerção pessoal, consistente na prisão civil do devedor.

Em prim eiro lugar, é de se afirmar que a execução de prestação alim en­tícia só pode ser fundada em título executivo judicial.180 Realmente, não se poderia adm itir a utilização de um procedim ento em que se prevê um m eio de coerção tão poderoso como é a prisão do devedor, sem que tenha havido um

179 D efendem que a apreensão se dará sobre o patrim ônio da Fazenda Pública, en tre outros, Assis, Manual do processo de execução, p. 701; Greco Filho, Da execução contra a Fazenda Pública, p. 94; B aptista da Silva, Curso de processo civil, vol. II, p. 80. De ou tro lado, su sten tam que a apreensão se dá sobre o patrim ônio do credor que recebeu an tes do m om ento adequado, en tre ou tros, Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 259-260; T heodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. II, p. 262.

180 Trata-se de opinião que pode ser considerada pouco m enos do que pacífica em doutrina. Por todos, consulte-se Araken de Assis, Da execução de alimentos e prisão do devedor, p. 120-123.

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prévio controle judicial da existência do dever de alimentar. Os alim entos esta­belecidos em título extrajudicial (como, por exemplo, um a transação celebrada entre as partes, e referendada pelo D efensor Público, art. 585, II, do CPC) po­derão ser executados, m as não através do procedim ento de que aqui se trata. N este caso, adequada será a utilização do procedim ento padrão da execução por quantia certa contra devedor solvente.

A execução de alim entos poderá ser fundada na sentença condenatória que im puser ao devedor a obrigação de pagar alimentos, m as tam bém na deci­são interlocutória que fixar os alim entos provisórios ou na decisão (lato sensu, interlocutória ou sentença) que fixar alim entos provisionais, ou em qualquer ou tra decisão que fixe alim entos, ou que hom ologue os alim entos convencio­nados.181 Seguirá, porém, o procedim ento aqui regulado, pouco im portando qual das decisões referidas abriu o caminho para a execução forçada.

A execução de prestação alim entícia segue, em suas linhas gerais, o m es­mo sistem a previsto no Código de Processo Civil para o procedim ento da exe­cução por quantia certa contra devedor solvente fimdada em sentença. As di­ferenças entre os dois procedim entos encontram -se nas norm as previstas nos arts. 733 e 734 do CPC. É interessante notar, porém, que o legislador da Lei n 2 11.232/2005 “esqueceu-se” de tra ta r da execução de alim entos, o que pode le­var à im pressão de que esta continua subm etida ao regime antigo, tratando-se tal m ódulo processual executivo como um processo autônom o em relação ao m ódulo processual de conhecim ento. Assim, porém , não me parece. Não seria razoável supor que se tivesse feito um a reform a do Código de Processo Civil destinada a acelerar o andam ento da execução de títu los judiciais e que tal reform a não seria capaz de afetar aquela execução do credor que mais precisa de celeridade: a execução de alim entos. Afinal, como se disse em célebre frase de um saudoso intelectual brasileiro, H erbert de Souza (o Betinho), “quem tem fome tem pressa”. Assim sendo, parece inegável que a Lei n 2 11.232/2005 deve ser interpretada no sentido de que é capaz de alcançar os dispositivos que tratam da execução de prestação alimentícia.

É de se notar, em prim eiro lugar, que o art. 733 não prevê (ao contrário do que m uitos afirmam) um outro procedim ento executivo para as obrigações alim entares, como se o dem andante tivesse, à sua disposição, a faculdade de escolha entre o sistem a previsto no art. 732 (que prevê a utilização do procedi­

181 Assis, Da execução de alimentos e prisão do devedor, p. 123, onde se lê: “Os atos decisórios que possibilitam o acesso do alim entário ao procedim ento in executivis osten tam inúm eras origens. Incluem -se no rol, a par da sentença propriam ente d ita (art. 162, § I o), resultante de processo de conhecim ento, de rito com um ou de procedim ento sum ário, a decisão in terlocutória que fixa alim entos provisórios (art. 4o, caput, da Lei 5.478, de 2 7 /7 /6 8 ); a decisão que estipula os provisionais (art. 852 do CPC); a decisão que, a teo r do art. 273, antecipa a tu te la do pedido form ulado em ação condenatória de alim entos; e a homologação do desquite consensual, em que conste cláusula sobre alim entos (art. 1.122, § I o, do CPC).”

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m ento padrão) e o do art. 733 (que regula a prisão civil do executado). O art. 733, em verdade, lim ita-se a regular um meio de coerção pessoal, que será em ­pregado no procedim ento da execução de alim entos, que seguirá - no mais - o procedim ento das execuções fundadas em sentença (já estudado em passagem anterior desta obra).182

Assim é que, no procedimento da execução por quantia certa de obrigação de prestar alimentos, o executado é intimado para, no prazo de três dias, pagar, provar que pagou ou justificar por que não o fez. Efetivada a intimação e, no pra­zo, realizado o pagamento, deverá o juiz proferir sentença, extinguindo o m ódu­lo processual executivo. Não havendo pagamento, adm ite a lei processual que o executado, no próprio módulo processual executivo, apresente defesa (que não se confunde com a impugnação a que se referem os arts. 475-L e 475-M do CPC). Nessa defesa, a ser apresentada na própria execução, o executado poderá alegar que já pagou a prestação exequenda (e no conceito de pagamento deve-se ter como incluído todo e qualquer fato extintivo ou impeditivo da obrigação, como a novação e a transação),183 ou a sua impossibilidade de efetuar o pagamento (é de se afirmar que a impossibilidade que se pode alegar aqui é, apenas, a temporária; a impossibilidade definitiva só pode ser alegada em dem anda própria, destinada a fazer desaparecer a própria obrigação alim entar).184 Demonstrado o pagamen­to, tam bém deverá o juiz da execução proferir sentença, extinguindo o processo executivo. Se, por outro lado, ficar dem onstrada a impossibilidade tem porária de pagamento, não deverá o juiz extinguir a execução, mas dar seguimento a ela através da determinação para que se realize a penhora e demais atos tendentes à expropriação patrimonial. Não sendo encontrados bens suficientes para assegu­rar a realização do crédito exequendo, será suspensa a execução, até que surjam bens penhoráveis.

Não havendo pagamento, nem se adm itindo a escusa do executado (por não ter sido apresentada ou por não te r sido capaz de afastar a obrigação de pagar a verba exigida), deverá o juiz decretar a prisão civil do executado. A prisão, como dito anteriorm ente, é meio de coerção, ou seja, um m eio de pres­

182 No sentido do texto, Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 261. Em sentido con­trário, falando na existência de dois procedim entos executórios para a execução de alim entos, en tre outros, Yussef Said Cahali, Dos alimentos, p. 772. O s autores que adm item a existência de dois procedim entos, en tre os quais poderia o dem andante escolher, afirm am tam bém a possibi­lidade de, feita a escolha, o exequente p retender mudar, no curso do processo, o procedim ento escolhido (assim, por exemplo, se o credor optou pelo procedim ento do art. 733, e pretende, depois, m udar sua opção, para que se passe a observar o procedim ento do art. 732). A dm item expressam ente tal modificação, en tre outros, Cahali, Dos alimentos, p. 772; T heodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. II, p. 268. Para os que, como eu, defendem a posição que vai no texto, o problem a não se coloca, já que o art. 733 não prevê outro procedim ento executivo, m as um m eio de coerção.

183 Assis, Da execução de alimentos e prisão do devedor, p. 157.

184 Neves, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VII, p. 218-219.

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são psicológica exercido sobre o executado, para que cum pra voluntariam ente (ainda que não se trate de cum prim ento espontâneo, será, por certo, voluntá­rio) a obrigação. Não é a prisão civil, pois, um ato executivo,185 m as meio de coerção. Não é, tam bém , um a sanção (a despeito do teor literal do § 2Q do art. 733 do CPC, que fala em “pena”) .186 A prisão civil, meio executivo que é, pode ser decretada de ofício187 e deverá ser suspensa se o executado pagar a dívida.

Esta ú ltim a afirmação exige um a explicação: não sendo a prisão do de­vedor de alim entos um a pena, m as um m eio de coerção, terá ela cum prido sua finalidade se o executado, preso, pagar a dívida. Assim , deverá o juiz de­term inar a soltura do preso se, durante o encarceram ento, providenciar ele o pagam ento de sua dívida. Não efetuado o pagam ento, perm anecerá ele preso por todo o tem po determ inado pelo juiz na decisão que determ inou a incidên­cia do meio de coerção pessoal.

É discutido, em doutrina, o prazo pelo qual pode ficar preso o execu­tado. A divergência decorre do fato de o art. 19 da Lei de A lim entos (Lei n Q 5.478/1968) dispor que “o juiz, para instrução da causa, ou na execução da sentença ou do acordo, poderá tom ar todas as providências necessárias para seu esclarecim ento ou para o cum prim ento do julgado ou do acordo, inclusi­ve a decretação de prisão do devedor até 60 (sessenta) dias”, enquanto o art. 733, § l 2, do CPC, afirma que, “se o devedor não pagar, nem se escusar, o juiz decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) m eses”. Surge, então, a dúvida: qual o prazo de prisão que pode ser decretado pelo juiz da execução? Até sessenta dias ou entre um e três meses?

Há quem considere que, por força do disposto no art. 620 do CPC, se­gundo o qual a execução deverá ser feita da form a m enos gravosa para o execu­tado, e ainda com base no fato de o art. 19 da Lei de A lim entos ter se tom ado mais recente que o CPC, pois que foi repetido pela Lei nQ 6.014/1973 (a qual é posterior ao Código de Processo Civil), a prisão deverá ser sem pre determ i­nada com o prazo máximo de 60 dias.188 Há tam bém quem afirme que, no caso de alim entos provisionais, é de se aplicar o CPC (prazo de um a três m eses),

185 Assim , expressam ente, Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. II, p. 266.

186 Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 261. A utores há, porém , que tra tam da p risão civil com o verdadeira “pena” . A ssim , por exem plo, Assis, Da execução de alimentos e prisão do devedor, p. 166, que fala em "regim e da pena”; e T heodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. II, p. 266, falando em “pena privativa de liberdade”.

187 Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 261. A doutrina dom inante, porém , exige requerim ento do exequente para que se possa decretar a prisão civil do executado. N este sen­tido, Castro, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VIII, p. 376; Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. II, p. 266.

188 Assis, Da execução de alimentos e prisão do devedor, p. 166; Sérgio Gischkow Pereira, Ação de alimentos, p. 69.

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e para alim entos definitivos aplica-se o art. 19 da Lei de Alimentos (prisão por até 60 d ias).189 Há, por fim, um terceiro entendim ento, segundo o qual o prazo da prisão será sem pre o do CPC, que teria derrogado, nesta parte, o art. 19 da Lei de A lim entos.190 É de se lam entar a existência do descom passo entre os dois dispositivos, o que se to m a capaz de provocar dissídio como o aqui noticiado. É de se lembrar, porém , que o ordenam ento jurídico é um sistem a lógico, sem contradições, o que leva à necessidade de interpretação pelo m étodo lógico-sistem ático de herm enêutica. É de se afastar, desde logo, a interpretação segundo a qual há prazos diferenciados para a prisão do executa­do por alim entos provisionais e definitivos. Esta distinção esbarra no absurdo de considerar que o prazo de prisão a que está sujeito o devedor de alim entos definitivos é inferior ao prazo a que se sujeita o devedor de alim entos provisio­nais. O prazo será sempre um só, e deve-se descobrir qual a norm a em vigor, se a do CPC ou se a da Lei de Alimentos.

Parece-me fora de dúvida que está em vigor o art. 19 da Lei de Alimentos, revogado (ainda que tacitamente) o § 1Q do art. 733 do CPC. É certo que o Códi­go de Processo Civil é posterior à Lei de Alimentos (que, repita-se, é de 1968). Ocorre, porém, que o art. 19 deste diploma legal foi mantido em vigor por lei posterior ao Código, qual seja, a Lei nQ 6.014/1973. Esta foi um a lei responsá­vel por adaptar ao sistem a do CPC um a série de leis extravagantes, como, por exemplo, a Lei de Alimentos e a Lei do Mandado de Segurança. A referida Lei nQ 6.014/1973 manteve íntegro o art. 19 da Lei de Alimentos, e não se poderia adm itir que a lei adaptadora fosse revogada pela própria lei a cujo sistem a ela pretende adaptar as outras. Assim sendo, parece-nos fora de dúvida que a prisão civil do devedor de alimentos jamais poderá exceder de 60 dias, pouco im portan­do se os alimentos devidos são provisionais ou definitivos.

O utro aspecto a ser notado é que a prisão pode ser decretada ainda que não se tenham esgotado os dem ais meios de se obter a satisfação do crédito exequendo. Isso porque a execução por penhora produz retardo na satisfação do crédito incompatível com a natureza da prestação alimentícia. Devem-se utilizar, pois, desde logo, os meios mais eficazes que são postos à disposição do exequente.191

189 Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. II, p. 267.

190 Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 261. Este en tendim ento é criticado por res­peitável doutrinador, sob o fundam ento de que não se pode adm itir que um a norm a geral, com o é o CPC, revogue um a norm a especial, como a que se encontra na Lei de A lim entos (Cahali, Dos alimentos, p. 810).

191 No sentido do texto, Gischkow Pereira, Ação de alimentos, p. 67, onde se lê que, “quando de­cretada a prisão, praticam ente sem pre aparece o dinheiro". Contra, entendendo que a prisão só pode ser decretada quando esgotados os outros meios de satisfação do crédito exequendo, Cas­tro, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VIII, p. 377. E certo que a prisão civil por dívidas

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Preso o executado (ou não sendo caso de prisão, por ter dem onstrado ele a impossibilidade tem porária de cum prir a obrigação), prosseguirá a exe­cução, com penhora e dem ais atos destinados a realizar o crédito exequendo, o que se fará na form a prevista para o procedim ento da execução por quantia certa contra devedor solvente fundada em sentença. Sendo, porém , o executa­do funcionário público, militar, diretor ou gerente de empresa, ou em pregado sujeito à legislação trabalhista (em suma, sendo o executado pessoa que receba rem uneração periódica e predeterm inada), o juiz com unicará ao seu em prega­dor (lato sensu) a ordem para que o pagam ento se faça por desconto em folha de pagam ento. Assim, o devedor já receberá sua rem uneração com o desconto da prestação alimentícia, que será diretam ente entregue pelo em pregador do executado ao credor dos alim entos.

N esta hipótese, em que o pagam ento se faz por desconto em folha de pa­gam ento, a comunicação ao em pregador corresponde à penhora, perm itindo- -se, assim, a oposição de em bargos do executado. N este caso, não há que se falar em avaliação ou em hasta pública do bem penhorado, pois o dinheiro será apreendido e im ediatam ente entregue ao exequente.

3.3.4 Execução Fiscal

O últim o entre os procedim entos especiais da execução por quantia certa contra devedor solvente é a execução fiscal. Regulada pelo CPC quando de sua entrada em vigor, esta m odalidade de execução passaria, depois, a ser regida por diplom a legal específico, a Lei nQ 6.830/1980, até hoje em vigor. O Código de Processo Civil, portanto, atua aqui como fonte subsidiária, perm itindo a integração das lacunas encontradas na legislação especial.

Cham a-se execução fiscal o processo de execução da “dívida ativa da Fazenda Pública”, ou seja, da dívida ativa da União, dos Estados, do D istrito Federal, dos M unicípios e de suas respectivas autarquias. Dívida ativa, con­form e o disposto no art. 2Q da Lei n Q 6 .830/1980, é toda aquela “definida como tribu tária ou não tribu tária na Lei n Q 4.320, de 17 de m arço de 1964,

é expediente vexatório e que seria o ideal seu banim ento do sistem a processual. N este sentido, aliás, vem se m anifestando há m uito tem po a m elhor doutrina. Basta citar, por todos, o que diz prestigioso au to r brasileiro que se dedicou ao estudo aprofundado do tem a (Álvaro Villaça Azevedo, Prisão civil por dívida, p. 155), onde se lê que “som os pela elim inação to tal da prisão civil por dívida". Em bora seja, em tese, pela abolição da prisão por dívida, não posso negar o forte poder coercitivo que a m esm a exerce. Assim , e já que o sistem a prevê tal m edida, é dever do jurista, gostando ou não da prisão civil, in terpretar o in stitu to e dele tira r todo o proveito que o ordenam ento jurídico lhe quer prestar. Parece-me que a prisão civil pode ser decretada ainda que não se tenha verificado a inexistência de outros m eios para assegurar a satisfação do crédito exequendo.

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com as alterações posteriores, que esta tu i norm as gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçam entos e balanços da União, dos Estados, dos M unicípios e do D istrito Federal”. O sentido desta norm a é explicitado pelo § 1Q do m esm o art. 2Ô, de acordo com o qual "qualquer valor, cuja co­brança seja atribuída por lei às entidades de que tra ta o art. 1Q, será conside­rado Dívida Ativa da Fazenda Pública” .

Assim sendo, qualquer crédito de que seja titu lar a União, o Estado, D istrito Federal ou M unicípio será considerado dívida ativa e, por conseguinte, será exigível através da execução fiscal. Como é natural, porém , é preciso que exista um títu lo executivo, para o fim de tom ar adequada a utilização da via executiva como form a de buscar a satisfação da pretensão. A Lei da Execução Fiscal, porém, não descreve o títu lo que a to rna adequada, razão pela qual é no CPC que se deverão buscar os elem entos necessários para sua tipificação. O art. 585, VII, do Código de Processo Civil, como sabido (e o que se diz agora foi objeto de análise em passagem anterior desta obra, quando foram estuda­dos os títulos executivos extrajudiciais), define o título executivo adequado a em basar a execução fiscal. Repita-se, aqui, o que foi dito anteriorm ente: ad­m itida a teoria do títu lo executivo como ato jurídico, e não como docum ento, deve-se considerar que o título que to rna adequada a execução fiscal é a inscri­ção da dívida no term o da dívida ativa, e não a certidão da inscrição, como faz parecer a lei processual.

Cabe à Fazenda Pública, portanto, inscrever a dívida no term o da dívida ativa, para que se tom e adequada a instauração do processo executivo.192 A inscrição da dívida ativa suspende o decurso do prazo prescricional por 180 dias ou até o ajuizam ento da dem anda executiva (se esta ocorrer antes do tér­m ino desse prazo).

Sendo legitim ada ativa a Fazenda Pública (União, Estado, Município, D istrito Federal ou respectiva autarquia), preocupou-se a lei da execução fiscal em estabelecer expressam ente quem são os legitim ados passivos, o que fez em seu art. 4Q. Assim é que podem ser dem andados o devedor, o fiador, o espólio, a m assa (falida ou da insolvência civil), o responsável (assim definido em lei) por dívidas de pessoas naturais ou jurídicas de direito privado e os sucessores a qualquer título.

192 Não se pode deixar de referir, aqui, o n ítido caráter ideológico do D ireito Processual brasi­leiro. Se alguém é credor do Estado, e não dispõe de títu lo executivo extrajudicial, terá de propor dem anda condenatória e a sentença que condenar a Fazenda Pública estará sujeita a reexame obrigatório pelo Tribunal. A lém disso, o pagam ento será feito por precatório. Verifica-se, m uito facilmente, que tal credor dem orará im ensam ente até ver seu direito realizado. A Fazenda Pú­blica credora, porém , segue cam inho bastan te diferente, d ispensando-se o processo de conhe­cim ento, perm itindo-se à credora a elaboração unilateral do títu lo executivo, e afirm ando ser adequada, desde logo, a execução forçada. Nota-se, pois, que o sistem a processual é extrem a­m ente benéfico para a Fazenda Pública, seja quando a m esm a é credora, seja quando devedora.

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É de se notar que o fiador, o espólio, a m assa e os sucessores a títu lo uni­versal poderão ser dem andados ainda que seus nom es não figurem no título executivo. Por outro lado, o terceiro responsável pela obrigação e o sucessor a título singular só terão legitimidade passiva se seus nom es forem incluídos na inscrição da dívida ativa.193

O procedim ento da execução fiscal começa, obviamente, pela apresenta­ção em juízo de um a petição inicial, instrum ento através do qual se form ula a dem anda executiva. Tal petição deverá indicar o juízo a que é dirigida, o pedido e o requerim ento de citação do executado. Deverá, ainda, ser instru ída com a Certidão da Dívida Ativa, que deve conter o nom e do devedor, dos correspon- sáveis e, sem pre que conhecido, o domicílio ou residência de um e de outros; o valor originário da dívida, bem como o term o inicial e a form a de calcular os juros de m ora e dem ais encargos devidos em razão da lei ou de contrato; a origem, a natureza e o fundam ento (legal ou contratual) da dívida; a indicação, se for o caso, de estar a dívida sujeita à atualização m onetária, bem como o respectivo fundam ento legal e o term o inicial para o cálculo; a data e o núm ero da inscrição no registro da dívida ativa; e o núm ero do processo adm inistrativo ou do auto de infração, se neles estiver apurado o valor da dívida.

Estando em term os a petição inicial,194 deverá o juiz da execução proferir o despacho inicial de conteúdo positivo, o qual determ inará não só a citação do executado, mas ainda que se faça a penhora se a dívida não for paga, nem garantido o juízo; o “arresto”,195 se o executado não tiver domicílio, ou dele se ocultar; o registro da penhora, independentem ente do pagam ento de custas ou outras despesas; a avaliação do bem constrito. Este despacho, como se verifica, é capaz de ordenar todo o procedim ento a ser seguido. O sistem a criado pela Lei de Execução Fiscal tem recebido o aplauso da doutrina, pois dim inui o núm ero de idas e vindas dos autos à conclusão do juiz. Os autos só retom arão ao juiz para que este ouça a Fazenda Pública sobre a garantia do juízo, e para designação de hasta pública, se não houver necessidade de ampliação ou subs­tituição da penhora.196

Proferido o despacho inicial, o executado será citado para, no prazo de cinco dias, pagar ou garantir o juízo. A citação será feita por via postal, através

193 Ronaldo C unha Cam pos, Ação de execução fiscal, p. 81.

194 Tem entendido a jurisprudência (Enunciado n° 392 da Súm ula do STJ) que a Fazenda Pú­blica pode substitu ir a certidão da dívida ativa até a prolação da sentença de em bargos para corrigir erro m aterial ou formal, vedada a modificação do sujeito. N ão se aplica esse enunciado, porém , quando o vício decorrer do próprio lançam ento ou da inscrição da dívida ativa (STJ, REsp 1225978/RJ, rei. Min. M auro Cam pbell M arques, j. em 17 /2 /2011).

195 Não se tra ta de arresto cautelar, m as da "pré-penhora” prevista no art. 653 do CPC, ante­riorm ente estudada, e que tem natureza de m eio executivo.

196 H um berto Theodoro Júnior, Lei de Execução Fiscal, p. 44.

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de carta com aviso de recebim ento, salvo se a Fazenda Pública requerer que se faça por ou tra forma. É curioso notar que este é o único caso em que se adm ite a citação postal no processo executivo, já que nas dem ais m odalidades de exe­cução prevalece a regra do art. 222, d, do Código de Processo Civil, que proíbe tal modo de citação no processo executivo. N orm a excepcional que é, porém, a Lei de Execução Fiscal prevalece sobre a norm a geral do CPC, ainda que esta lhe seja posterior (já que a atual redação do art. 222 do Código foi dada pela Lei n Q 8.710/1993). Isso porque, como notório, norm a geral não revoga norm a excepcional.

Afirma o inciso II do art. 8Q da Lei de Execução Fiscal que a citação postal considera-se feita no dia da entrega da carta no endereço do executado ou, não havendo indicação da data no aviso de recebimento, dez dias após a entrega da carta à agência postal. A citação, tendo de ser pessoal, só se aperfeiçoa com a entrega da carta ao executado, que deverá assinar o aviso de recebim ento. Assinado que seja por ou tra pessoa, não terá havido citação, razão pela qual a diligência deverá ser repetida.197

Não retornando o aviso de recebimento no prazo de 15 dias a contar da entrega da carta na agência postal, a citação deverá ser realizada por oficial de justiça ou por edital. Admitem-se, pois, citação por oficial de justiça (que pode­rá ser realizada toda vez que a citação postal se frustrar, ou ainda quando a Fa­zenda Pública requerer que se faça por esta forma) e a citação por edital (sendo certo que esta últim a só é admissível se frustradas todas as outras modalidades de citação, como estabelecido no Enunciado n Q 414 da Súm ula do STJ).

O ptando-se por este últim o modo de realização da citação, o edital deve­rá ser afixado na sede do juízo, tendo de ser publicado um a única vez no órgão oficial (sendo gratuita a publicação), contendo, tão som ente, a indicação da exequente, o nom e do executado, a quantia devida, a natureza da dívida, a data e o núm ero da inscrição no registro da dívida ativa, o prazo de cinco dias para pagam ento ou garantia da execução e o endereço do juízo. O edital implicará um a dilação de prazo de 30 dias, o que significa afirmar que apenas 30 dias após sua publicação é que se contará o prazo de cinco dias de que dispõe o executado para pagar ou garantir o juízo.

Estando o executado ausente do país, será citado por edital, com as m es­m as características acima apontadas, mas neste caso a dilação de prazo será de 60 dias.

197 No sentido do texto, aparentem ente considerando que a citação do executado só se aperfei­çoa com a entrega em suas m ãos da carta, José da Silva Pacheco, Comentários à Lei de Execução Fis­cal, p. 121, ao afirm ar que "o carteiro fará entrega da carta ao destinatário, se o encontrar, exigin- do-lhe que assine o recibo (CPC, art. 223, parágrafo único, com redação da Lei ne 8 .710/1993)". Contra, afirm ando que não é necessária a entrega da carta em m ãos do executado, bastando que a m esm a seja deixada em seu endereço, Theodoro Júnior, Lei de Execução Fiscal, p. 46.

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Afirma o § 2Q do art. 8Q da Lei de Execução Fiscal que o despacho inicial do juiz interrom pe a prescrição. É de se entender que tal interrupção terá efei­to retroativo, devendo-se considerar que a m esm a ocorreu na data do ajuiza­m ento da dem anda, desde que a citação se faça no prazo previsto no art. 219, §§ 2Q e 3Q, do CPC.198

Falando-se em prescrição, h á outro aspecto a considerar. D eterm ina o art. 40 da Lei de Execução Fiscal que, não sendo localizado o executado ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, será suspensa a exe­cução, e durante tal suspensão não correrá o prazo prescricional. Esta norm a teria, se in terpretada literalm ente, o efeito de tornar na prática imprescritíveis os créditos fazendários. A doutrina, porém , tem se fundado no que dispõem os §§ 2Q e 3Q de tal artigo, para atenuar a eficácia odiosa de tal norm a. Assim é que, suspensa a execução por um ano, deverão os autos ser arquivados, e o desarquivam ento será possível assim que forem encontrados novos bens no patrim ônio do executado. Têm entendido os doutrinadores que trataram da m atéria que, um a vez arquivados os autos (pelo decurso do prazo de um ano de suspensão do processo),199 volta a correr o prazo prescricional, extinguindo- -se a obrigação se o processo ficar parado por mais de cinco anos (que é, como se sabe, o prazo de prescrição contra a Fazenda Pública).200 Esta é, realm ente, a m elhor interpretação do sistem a, pois outro resultado herm enêutico levaria a se estabelecer um a distinção inaceitável en tre a Fazenda Pública e os ou­tros credores, o que violaria flagrantem ente o princípio da isonom ia. A Lei n Q 11.051/2004 inclui no referido art. 40 da Lei de Execução Fiscal um § 4Q que não só afirma expressam ente haver prescrição intercorrente no caso aqui exam inado mas, além disso, perm itiu ao juiz o reconhecim ento ex officio da prescrição nesse caso, depois - evidentem ente - de ser ouvida a exequente.

Citado o executado, terá ele cinco dias para pagar o débito ou garantir o juízo. Paga a dívida, extingue-se a execução. O ptando o executado por garan­tir o juízo, poderá ele escolher entre efetuar depósito, em dinheiro, do valor da dívida (com todos os acréscimos, como juros e correção m onetária), em estabelecim ento de crédito oficial, em conta na qual se assegure a atualização m onetária; oferecer fiança bancária; nom ear bens seus à penhora; ou indicar

198 Aplica-se, pois, à execução fiscal o d isposto nos §§ do art. 219 do Código de Processo Civil. N o m esm o sentido, confira-se Silva Pacheco, Comentários à Lei de Execução Fiscal, p. 123. Contra, entendendo que o sistem a do CPC é inaplicável à execução fiscal e que a interrupção da pres­crição ocorre m esm o na data do despacho, Theodoro Júnior, Lei de Execução Fiscal, p. 51. Vale mencionar, porém , que no caso de execução fiscal de crédito de natureza tributária a interrupção da prescrição é regida pelo disposto no art. 174, parágrafo único, I, do Código Tributário Nacio­nal, segundo o qual a prescrição se in terrom pe pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal.

199 Vide, sobre o ponto, o Enunciado n° 314 da Súm ula do STJ.

200 N este sentido, por todos, Theodoro Júnior, Lei de Execução Fiscal, p. 52-53.

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bens de terceiro à penhora, desde que estes os ofereçam e a Fazenda Pública os aceite.

É de se notar que no sistem a da execução fiscal as coisas não se passam exatam ente como no regime do CPC, já que no m odelo do processo civil co­m um a única form a de garantir o juízo executivo (na execução por quantia cer­ta) é a penhora, enquanto aqui há outros m eios de segurança do juízo, alguns de uso freqüente, como é o caso da fiança bancária.

A indicação de bem imóvel à penhora, pelo executado ou por terceiro, dependerá sem pre de consentim ento de seu cônjuge, se casado for. Além dis­so, pretendendo o executado garantir o juízo através da penhora, deverá obe­decer, ao fazer a indicação, à ordem estabelecida no art. 11 da Lei de Execução Fiscal. Este artigo tem a m esm a função do art. 655 do CPC, mas a ordem nele estabelecida é diversa, o que se verifica, por exemplo, quando se vê que na Lei n2 6.830/1980, ao contrário do que se dá no Código, os bens imóveis encon­tram lugar, na ordem legal, antes dos bens móveis.

Não ocorrendo pagam ento nem garantia do juízo pelo executado, serão penhorados tantos bens quantos bastem para a satisfação do crédito exequen­do. Um a vez feita a penhora, será o executado intim ado, através da publicação, no órgão oficial, do ato de juntada aos autos do processo executivo do auto ou term o de penhora. Recaindo a penhora sobre bem imóvel, será intim ado tam ­bém o cônjuge do executado.201

É de se dizer, aliás, que o auto (ou term o) de penhora deverá conter a avaliação do bem penhorado, a qual será, pois, realizada antes da oportunida­de para oferecimento dos embargos do executado. A avaliação será feita, na execução fiscal, por quem lavrar o auto ou term o de penhora. Será repetida a avaliação (e, agora, será ela feita por avaliador oficial) se qualquer das partes im pugnar a que tiver sido feita por ocasião da lavratura do auto ou term o de penhora.

A penhora será registrada, o que se fará através da entrega, pelo oficial de justiça, de contrafé ou cópia do term o de penhora, para tal fim, no Ofício do Registro de Imóveis (se dessa natureza for o bem penhorado), na repartição com petente para emissão de certificado de registro (se a penhora tiver recaído sobre veículo), na Jun ta Comercial, na Bolsa de Valores e na sociedade comer­cial (se a penhora incidir sobre ações, debêntures, partes beneficiárias, cotas ou quaisquer outros títulos, créditos ou direitos societários nom inativos).

201 Diz o Enunciado ne 406 da Súm ula da Jurisprudência D om inante do STJ que "a Fazenda Pública pode recusar a substituição do bem penhorado por precatório”. Isso só serve para de­m onstrar que o precatório, na prática, não vale absolutam ente nada. N em a Fazenda Pública, que o em ite, reconhece seu valor. O Brasil precisa, tão rápido quanto possível, livrar-se desse m onstro jurídico.

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Garantido o juízo, poderá o executado oferecer embargos, no prazo de 30 dias, a contar do depósito, da juntada da prova da fiança bancária ou da in ti­mação da penhora.202 Mais um a vez, encontra-se um a diferença entre o sistem a da Lei de Execução Fiscal e o do CPC, pois neste o prazo para oferecimento de em bargos do executado é de 15 dias (art. 738 do Código de Processo Civil). Recebidos os em bargos (os quais têm natureza de processo cognitivo au tôno­mo incidente), a Fazenda Pública será intim ada para impugná-los no prazo de 30 dias, designando-se, em seguida, audiência de instrução e julgam ento. Esta não será realizada se a m atéria versada nos em bargos for exclusivamente de direito ou, sendo de direito e de fato, for exclusivamente docum ental a prova a ser produzida, casos em que o juiz deverá proferir a sentença em 30 dias (prazo este que, como todos os dem ais prazos judiciais em nosso sistema, é im próprio, o que significa dizer que seu descum prim ento não acarreta conse­qüências processuais).

Prosseguindo a execução (porque os embargos não foram oferecidos ou porque o seu desfecho foi favorável à em bargada), será designada hasta públi­ca, precedida obrigatoriam ente de publicação de edital, a ser afixado no local de costum e, e publicado um a só vez, gratuitam ente, no órgão oficial. Entre a publicação do edital e a realização da hasta pública, deverá haver intervalo não inferior a dez dias, nem superior a trinta. Com a m esm a antecedência, deve­rá ser intim ado da hasta pública o representante judicial da Fazenda Pública. Também o executado tem o direito de ser intim ado pessoalm ente da data e do horário do leilão (verbete nQ 121 da Súmula do STJ). Afirma a Lei de Execução Fiscal que a alienação de quaisquer bens penhorados será realizada em leilão público (art. 23), o que significa afirmar que não se faz aqui (mais um a vez, ao contrário do que se tem no sistem a codificado) a distinção, usual em nosso direito processual civil, en tre praça e leilão.203 A rrem atado o bem (o que, dian­te do silêncio da lei, deve ser feito nos moldes do que está previsto no CPC, ou seja, por lanço que, em prim eira licitação, seja no m ínim o igual ao valor da avaliação, e em segunda licitação, por valor inferior, desde que não seja preço vil),204 será o dinheiro entregue à exequente, realizando-se, pois, o pagam ento por entrega de dinheiro.

Pode haver, tam bém , pagam ento por adjudicação dos bens penhorados. Esta se fará, a requerim ento da Fazenda Pública, antes do leilão, se não forem oferecidos em bargos do executado, ou sendo eles rejeitados, pelo preço da

202 Adm ite-se, tam bém , o oferecim ento de "exceção de pré-executividade” (rectius, objeção de não executividade), valendo invocar, aqui, o verbete n° 393 da Súm ula da Jurisprudência Domi­nante do STJ.

203 Silva Pacheco, Comentários à Lei de Execução Fiscal, p. 221-222.

204 Pela aplicação do sistem a do CPC, com a duplicidade de licitações, T heodoro Júnior, Lei de Execução Fiscal, p. 83. N este sentido, tam bém , o Verbete n° 128 da Súm ula do STJ.

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avaliação; ou, findo o leilão, se não houver licitante (hipótese em que a adjudi­cação será feita pelo valor da avaliação) ou, havendo licitante, em igualdade de condições com a m elhor oferta, no prazo de trin ta dias.

É de se notar que, no processo de execução fiscal (tam bém nos embargos a ela opostos), contra as sentenças proferidas pelo juízo de prim eira instân­cia, quando o valor da causa não exceder 50 OTNs (Obrigações do Tesouro Nacional),205 não caberá apelação, m as um recurso denom inado "embargos in­fringentes” (e que m elhor seria chamado "embargos infringentes para o m es­mo juízo”, a fim de distingui-lo dos embargos infringentes previstos no art. 530 do CPC). Trata-se de recurso desprovido de efeito devolutivo, pois que apreciado pelo m esm o juízo que proferiu a decisão recorrida. Não se observa, pois, nas execuções fiscais de pequeno valor, o princípio do duplo grau de jurisdição (e não há, aqui, nenhum a inconstitucionalidade, pois que - como afirmado anteriorm ente - tal princípio não encontra guarida na Lei M aior). Não pode haver dúvidas, porém, de que contra a decisão proferida no exame do recurso aqui referido será cabível a interposição de recurso extraordinário (mas não de recurso especial) ,206

Não se tem adm itido tam bém , e com razão, o cabim ento de agravo con­tra as decisões interlocutórias, bem assim do duplo grau de jurisdição obriga­tório das sentenças contrárias à Fazenda Pública (ou que julguem procedentes os em bargos opostos à execução fiscal).207 Não sendo o tribunal local (de Jus­tiça ou Regional Federal) com petente para reapreciar a sentença em grau de recurso, não faria m esm o sentido adm itir-se que as decisões interlocutórias porventura proferidas ao longo do processo lá chegassem através de agravo. O m esm o se diga com relação ao reexame necessário, que causaria sérios in­convenientes. Basta pensar na possibilidade de a sentença ser contrária aos interesses da Fazenda Pública, tendo esta interposto o recurso de "embargos infringentes para o m esm o juízo”. N este caso, caberia ao juiz de prim eiro grau julgar o recurso, e ao tribunal, apreciar a causa em reexame necessário. Além disso, nos casos de sucum bência recíproca, ter-se-ia a bizarra situação em que um a das partes teria seu recurso examinado pelo m esm o juízo que proferiu a sentença, enquanto a ou tra parte teria o direito (já que o duplo grau obriga­tório é um a posição de vantagem em favor da Fazenda Pública) de obter um reexame da m esm a sentença por parte do tribunal superior.

Os "embargos infringentes para o m esm o juízo” são cabíveis no prazo de dez dias. Após ouvir o em bargado tam bém em dez dias, o juiz decidirá o

205 Tendo sido extin ta a OTN e com a criação posterior de outros índices, é de se considerar hoje que a norm a do art. 34 da Lei de Execução Fiscal refere-se a causas cujo valor não exceda 283,43 UFIRs. N este sentido, Carlos H enrique Abrão et alii, Lei de Execução Fiscal comentada e anotada, p. 225.

206 Theodoro Júnior, Lei de Execução Fiscal, p. 108-109.

207 Idem, p. 104.

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recurso (fixando a lei um prazo - im próprio - de 20 dias para que a decisão seja proferida).

§ 4e INSOLVÊNCIA CIVIL

Desde a entrada em vigor do Código de Processo Civil, o direito positivo brasileiro passou a contar com um sistem a análogo ao da falência para deve­dores não em presários. Este sistema, consistente num a espécie de processo executivo por concurso universal de credores, foi chamado de execução por quantia certa contra devedor insolvente ou, mais resum idam ente, insolvência civil. Em bora diferente da falência em diversos pontos (como, por exemplo, na inexistência de tipificação de figuras delituosas, como se dá com os crimes falim entares), a insolvência civil veio preencher um a lacuna em nosso sistem a jurídico, já que até o CPC de 1939 o concurso de credores era, tão som ente, um incidente da execução singular.

Pelo sistem a previsto no vigente CPC, a execução por quan tia certa poderá ser um a execução singular (isto é, m ovida por um único credor) ou coletiva (em que figurarão como exequentes todos os credores), conform e a situação econôm ica do devedor. Assim é que, ao lado da execução por quan tia certa contra devedor solvente, já estudada, tem -se um a execução por quan tia certa contra devedor insolvente, a ser em pregada apenas para devedores que não tenham em seu patrim ônio bens suficientes para garantir a satisfação de todas as suas dívidas.

A inda que a execução por quantia certa contra devedor insolvente tenha por base um títu lo executivo judicial, ter-se-á aqui a instauração de um pro­cesso executivo, autônom o em relação ao módulo processual de conhecim ento que gerou o título. Não se aplicam, pois, as disposições inseridas no CPC pela L e in 2 11.232/2005.

É de se notar que a insolvência é um estado jurídico, e não econômico, razão pela qual pode ocorrer a instauração de execução singular contra devedor insolvente. Basta, para isto, que o credor, em bora sabedor da condição patri­monial do devedor, m as ciente de que os bens de que o executado dispõe são suficientes para a realização do seu direito, opte por prom over a execução por quantia certa contra devedor solvente.208

Para que se utilize o procedim ento da execução por quantia certa contra devedor insolvente, é preciso que alguém pleiteie em juízo a decretação da insolvência. Significa isto dizer que, para que haja a decretação de insolvência,

208 Neste sentido, por todos, Theodoro Júnior, A insolvência civil, p. 9.

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é necessário o exercício do poder de ação, não sendo possível a decretação ex officio da condição de insolvente.209

Pode-se dizer, assim, que há três requisitos para que um devedor seja, ju ­ridicamente, insolvente: em primeiro lugar, é preciso que haja um desequilíbrio patrim onial, que se verifica quando os bens do devedor são insuficientes para assegurar a satisfação de todas as suas dívidas (em outras palavras, é preciso que o passivo do devedor seja maior que seu ativo). Este é o chamado requisito econômico. Há, também, um requisito pessoal, qual seja, a condição do devedor de não em presário.210 Por fim, h á um requisito jurídico, que é a decretação ju ­dicial da insolvência. Como dito, é preciso que se pleiteie em juízo a decretação da insolvência, para que o devedor passe a ser assim tratado (do ponto de vista jurídico). A situação jurídica de insolvência, portanto, só é alcançada depois do provimento judicial que declara o devedor insolvente. Somente com a presença dos três requisitos, sim ultaneam ente, é que se poderá iniciar a execução coleti­va contra o devedor insolvente.

Há, assim, duas fases distintas no processo da insolvência civil: um a fase cognitiva, destinada à verificação da presença dos requisitos econômico e pes­soal da insolvência, quando então será prolatado o provim ento declaratório da insolvência, e, em seguida, um a fase executiva, a que se dá o nom e de execu­ção coletiva ou universal, onde se irá buscar a realização dos créditos de que o executado é devedor.

Aspecto im portantíssim o, e que não pode deixar de ser referido, é a di­ferença entre as finalidades essenciais da execução singular e da coletiva. En­quanto a execução singular se faz no interesse do exequente, o qual adquire, pela penhora, direito de preferência sobre o produto dos bens apreendidos (art. 612 do CPC), no processo da insolvência civil os credores participam da relação processual em igualdade de condições (princípio da par condido creài- torum), o que significa dizer que seus créditos serão realizados proporcional­m ente, com o produto da expropriação dos bens do executado, sem que haja, en tre eles, preferência.211

209 Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 267.

220 Há que se espantar um m ito, m uito com um , segundo o qual a falência seria própria para pessoas jurídicas e a insolvência civil para pessoas naturais. Em verdade, a falência destina-se aos devedores em presários (pessoas naturais ou jurídicas), enquan to a insolvência civil revela- -se adequada para devedores não em presários (que podem , tam bém , ser pessoas naturais ou jurídicas). A partir do Código Civil de 2002, que determ inou a aplicação aos em presários e sociedades em presárias de todas as disposições de lei por ele não revogadas e que dissessem respeito aos com erciantes e sociedades comerciais (art. 2.037), todos os em presários e socie­dades em presárias passaram a estar sujeitos à falência. Com isso, dim inuiu m uito o campo de incidência da insolvência civil, em bora a m esm a continue a existir n o direito brasileiro. Apenas pessoas naturais ou jurídicas que desenvolvam atividades não em presariais, porém , é que ficam sujeitas ao regim e da insolvência.

221 O princípio aqui referido aplica-se aos credores quirografários, ou seja, aos credores que não dispõem de privilégio legal ou preferência decorrente de garantia real. Os credores que têm

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Inicia-se o processo da insolvência civil com o pedido de declaração de insolvência. São legitim ados a form ular tal pedido qualquer credor quirografá­rio, o próprio devedor ou o espólio do devedor falecido (representado por seu inventariante), conforme dispõe o art. 753 do CPC. Como já afirmado, o credor quirografário não está obrigado a pleitear a declaração de insolvência do deve­dor, ainda que ciente de seu estado patrim onial, podendo preferir dem andar a execução contra devedor solvente. Poderá, porém, optar por requerer, desde logo, a declaração de insolvência, para que se instaure a execução universal.

O credor quirografário que pretenda pleitear a declaração de insolvência do devedor deve estar m unido de títu lo executivo, pois o que se tem na insol­vência civil é um processo executivo, e a via executiva, como se sabe, só se to r­na adequada quando existe título executivo. É preciso, pois, que o credor tenha direito que se m ostre revestido dos atributos da certeza, liquidez e exigibili­dade (art. 586), para que possa ser dem andada a declaração de insolvência.212

Também com relação à insolvência requerida pelo próprio devedor (ou por seu espólio), há que se ter bem claro que se tra ta de um a faculdade. O devedor que não tenha em seu patrim ônio bens suficientes para saldar todas as suas dívidas não está obrigado a pedir a declaração de sua insolvência. Tal requerim ento é m era faculdade.213

Discute-se a natureza da atividade judicial quando se dá o pedido de au- toinsolvência, havendo quem afirme tratar-se a hipótese de jurisdição voluntá­ria.214 Assim, porém , não nos parece. O fato de inexistir lide na fase cognitiva do processo não confere a ela a natureza de jurisdição voluntária, pois, como visto em passagem anterior desta obra, a lide não é elem ento essencial da juris­dição contenciosa. Pode haver casos de jurisdição “contenciosa” sem que haja qualquer lide a ser com posta (como se dá, por exemplo, na “ação de anulação de casam ento” em que todos os sujeitos pretendem a invalidação daquele ato jurídico). Não é a ausência de lide, pois, que será capaz de determ inar a natu­reza da atividade judicial neste caso.

algum tipo de preferência verão esta ser respeitada. N este sentido, por todos, T heodoro Júnior, A insolvência civil, p. 9.

222 Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 267. É curioso notar que respeitável se­to r da doutrina considera desnecessário que o crédito já se m ostre exigível para que se possa dem andar a declaração de insolvência, sob o fundam ento de que tal declaração provocaria o vencim ento antecipado da obrigação. N este sentido, pronuncia-se, en tre outros, Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, vol. III, p. 124. Esta afirmação, a m eu sentir, é inaceitável diante do sistem a jurídico vigente, em bora seja, de legeferenda, bastan te interessante.

213 Não é assim com relação ao devedor em presário, o qual - encontrando-se no estado deinsolvência econôm ica - é obrigado a requerer a autofalência. Sobre este dever do em presário, confira-se José da Silva Pacheco, Processo de falência e concordata, p. 173. Sobre a facultatividade do requerim ento de autoinsolvência pelo devedor não em presário, Theodoro Júnior, A insolvência civil, p. 154.

224 Neste sentido, entre outros, Theodoro Júnior, A insolvência civil, p. 159.

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Parece m elhor considerar que a hipótese é de jurisdição "contenciosa”, assim considerada a jurisdição "não voluntária” . A jurisdição voluntária se ca­racteriza por seu objeto imediato, consistente em conferir validade a um negó­cio jurídico envolvendo interesses privados, negócios estes que seriam nulos sem a participação do Estado-juiz. Ao dem andar o provim ento de jurisdição voluntária, o que faz a parte é m anifestar sua pretensão de integração de um determ inado negócio jurídico (assim, por exemplo, a alienação de um bem pertencente a um incapaz, ou um divórcio consensual). Não é isto que se tem na autoinsolvência. Aqui não se pretende a integração de qualquer negócio ju ­rídico, o que exclui a natureza de jurisdição voluntária. Trata-se, a nosso juízo, de atividade que deve ser incluída na tradicionalm ente designada "jurisdição contenciosa”.215

Dem andada a declaração de insolvência, instaura-se a prim eira fase do processo, a qual tem , como visto, natureza cognitiva (não se pense, porém, que se está aqui diante de um processo de conhecim ento, e que a execução que se seguirá seja autônom a em relação a ele; o que se tem aqui é um processo único, de execução, que se divide em duas fases, sendo certo que na prim eira predom ina a natureza cognitiva da atividade judicial). Esta fase seguirá proce­dim entos bastante diversos conforme seja a declaração dem andada por credor ou pelo devedor (ou seu espólio).

Pedida pelo credor a declaração de insolvência, em petição que deve vir acom panhada de títu lo executivo, o devedor será citado para, no prazo de dez dias, oferecer embargos. Decorrido este prazo sem que haja manifestação do dem andado, o juiz proferirá sua decisão.

Oferecendo embargos, poderá o devedor alegar qualquer das m atérias elencadas no art. 475-L (se o pedido foi fundado em título executivo judicial) ou no art. 745 (se fundado em título extrajudicial). Poderá, ainda, o devedor, em seus embargos, alegar que seu ativo é superior ao passivo, ou seja, que possui bens de valor suficiente para assegurar o pagam ento de todas as suas dívidas.

Discute-se em doutrina a natureza dos embargos oferecidos pelo deve­dor. Para um a corrente, estar-se-ia, aqui, diante de um processo autônom o, cognitivo, que teria a m esm a natureza dos em bargos do executado regulados pelo CPC através dos arts. 736 a 747.216 Os embargos, pois, seriam capazes de instaurar processo incidente, em bora autônom o em relação ao processo da insolvência civil.217 Em sentido diverso, há quem considere que os embargos,

215 No sentido do texto, afirm ando a contenciosidade da autoinsolvência, Baptista da Silva, Curso de processo civil, vol. II, p. 120.

216 Sobre os embargos do executado, de que se tratará em capítulo deste livro dedicado à defesa do executado, não diverge a doutrina acerca do fato de ser o mesm o um processo cognitivo autônomo, conforme se verá no m om ento oportuno.

217 N este sentido, en tre outros, T heodoro Júnior, A insolvência civil, p. 138; Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, vol. III, p. 129.

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neste caso, têm natureza de verdadeira contestação.218 Parece m elhor a pri­m eira posição. O legislador, ao estabelecer que o dem andado deve se defender através de embargos, quis, ao que tudo indica, tratá-lo como autor de dem anda incidental. Este tratam ento tem por fim determ inar o modo de distribuição do ônus da prova. Tratado o devedor como dem andado, que se lim itasse a con­testar a pretensão do credor, ficaria com este o ônus de provar a qualidade de insolvente do devedor. Ao tratar o devedor como autor da dem anda incidente de embargos, o sistem a processual inverte o ônus da prova, fazendo com que caiba ao em bargante dem onstrar sua solvabilidade.219

Oferecidos os em bargos, caberá ao juiz verificar se estão ou não pre­sentes os requisitos para a declaração de insolvência. N esta prim eira fase, portanto , deve-se apurar a qualidade de não em presário do devedor e sua condição patrim onial de insolvente. É de se afirmar, aqui, que, nos term os do que dispõe o art. 750 do CPC, há casos de insolvência presum ida. Além de tais casos, porém , será decretada a insolvência sem pre que se verificar que, não sendo em presário o devedor, seus bens são insuficientes para saldar todas as suas dívidas. Ressalte-se, porém , que, em razão da inversão do ônus da prova decorrente do fato de o sistem a processual tra ta r a defesa do devedor como dem anda autônom a, cabe a ele provar sua solvabilidade, e não ao cre­dor provar a condição de insolvência do devedor. Não conseguindo o devedor dem onstrar sua solvabilidade, o juiz irá, fatalm ente, prolatar decisão declara­tória da insolvência.

Além de perm anecer om isso ou de oferecer em bargos (os quais, um a vez rejeitados, implicarão a declaração de insolvência), poderá o devedor op­tar por depositar o valor do crédito dem andado pelo credor, para o fim de discutir sua legitim idade ou seu valor. Esse depósito ilidirá a declaração de insolvência, o que significa dizer que, efetuado o depósito, não será mais pos­sível ao juiz declarar a insolvência do devedor.220 N este caso, o processo segui­rá tendo como objeto a legitim idade ou o valor da dívida cujo cum prim ento se quer exigir, não sendo mais possível a prolação de decisão que reconheça a insolvência do devedor.

Ao final da prim eira fase do processo, verificando o juiz que não se verifi­cou algum dos requisitos para a decretação de insolvência, proferirá sentença, julgando im procedente o pedido do credor. Se, ao contrário, verificar o juiz que o devedor não em presário não tem bens suficientes para assegurar o pagam en­to de todas as suas dívidas, deverá em itir provim ento declarando o devedor

218 Assim , ao que parece, Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 268, ao dizer queos em bargos que podem ser oferecidos pelo devedor cuja insolvência se quer ver declarada são "inconfundíveis com os ‘em bargos do devedor' de que tra ta o T ítulo III, do Livro II".

229 Assim , por todos, Theodoro Júnior, A insolvência civil, p. 127.

220 Barbosa Moreira, O novo processo civil brasileiro, p. 269.

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insolvente. Sobre a natureza deste provimento, bem assim sobre sua eficácia, me pronunciarei adiante, após a análise do procedim ento da prim eira fase do processo nos casos em que este se inicia com o pedido de autoinsolvência, pois se tra ta de tem a complexo e controvertido, que exige atenção redobrada.

Passa-se, assim, ao procedim ento da prim eira fase do processo nos casos em que é o próprio devedor, ou seu espólio, quem pede a declaração de insol­vência.

É preciso notar, em prim eiro lugar, que na autoinsolvência não há quem ocupe o polo passivo da relação processual, eis que o dem andante pretende ob­ter a declaração de sua própria insolvência. A petição inicial, assim, já conterá verdadeira confissão da condição de insolvente em que se encontra o devedor. Nada impede, porém, que algum dos interessados tente dem onstrar que falta algum dos requisitos necessários para que haja a declaração da insolvência.

N a petição inicial, através da qual dem anda sua autoinsolvência, cabe ao devedor (ou ao seu espólio), nos term os do art. 760 do Código de Processo Civil, apresentar a relação nom inal de todos os seus credores, com a indicação de seus domicílios, assim como da im portância e natureza de cada um desses créditos; individualizar todos os seus bens, atribuindo-lhes valor; e apresentar relatório de sua situação patrim onial, expondo as causas que acarretaram a in­solvência. Este últim o elem ento que se deve fazer presente na petição inicial é im portante na m edida em que, nos term os do art. 785 do CPC, o devedor que tiver caído em insolvência sem culpa sua terá direito a receber um a pensão, até que ocorra a alienação forçada de seus bens.

Verificando o juiz a falta de algum requisito da insolvência, julgará im ­procedente o pedido, proferindo sentença. Presentes todos os requisitos da autoinsolvência, esta será decretada através de pronunciam ento judicial.

É chegado, assim, o m om ento de tratar deste provim ento que decreta a insolvência, cujas natureza e eficácia, conforme afirmado há pouco, são ex­trem am ente controvertidas. O pronunciam ento judicial a que me refiro nesta passagem vem regulado no CPC através dos arts. 761 e 762, sendo certo que, na linguagem da lei processual, tal provim ento é um a "sentença declaratória de insolvência”. Dois aspectos, porém, têm de ser aqui examinados: em pri­m eiro lugar, há que se verificar se se está m esm o diante de um a sentença; em seguida, é preciso que se examine a eficácia do provim ento (m eram ente decla­ratória ou constitutiva?).

Há que se analisar, em prim eiro lugar, a natureza do provim ento judicial que decreta a insolvência. Será tal ato um a sentença ou um a decisão interlocu­tória? É o que se passa a examinar.

A ntes de mais nada, há que se afirmar que o CPC, quando se refere ao provim ento que aqui se analisa, fala em sentença. É o que ocorre, por exemplo, nos arts. 755, 758 e 761. Não se pode esquecer, porém , que o Código de Pro­

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cesso Civil, apesar de seu propósito de m anter a univocidade terminológica, não conseguiu alcançar este desiderato. Basta lem brar o art. 482, § 3Q, do CPC, que fala em "despacho” para designar um a verdadeira decisão interlocutória.

D iante da equivocidade term inológica encontrada na lei processual, não serve como subsídio para resolução do problem a que aqui se propõe o recurso à linguagem do CPC. É preciso, assim, buscar-se nos conceitos de sentença e de decisão interlocutória os elem entos necessários para que se possa afirm ar a natureza deste provim ento judicial.

Como se sabe, o CPC utilizou-se de um critério pragmático ao definir a sentença e a decisão interlocutória, o que foi feito nos §§ 1® e 2® do art. 162. Assim é que, segundo as definições ali encontradas, sentença é o ato judicial que se enquadra em algumas das hipóteses previstas nos arts. 267 ou 269 do Código;221 enquanto decisão interlocutória é o provim ento que, no curso do processo, resolve questão incidente.

Em outros term os, o CPC cham a sentença ao provim ento que é capaz de levar à extinção de um m ódulo processual, e decisão interlocutória aos provi­m entos em itidos no curso do feito, e que se revelam incapazes de provocar sua extinção. Assim, por exemplo, o provim ento judicial que, na fase de julgam en­to conforme o estado do processo, declarar a presença de todas as "condições da ação” será um a decisão interlocutória, já que o m ódulo processual seguirá em direção ao exame do meritum causae. De outro lado, um provim ento que, naquele m esm o m om ento, afirmasse estar ausente algum a das "condições da ação” será um a sentença, já que implicará a extinção do m ódulo processual sem resolução do mérito.

Não se poderia deixar de recordar, ainda um a vez, que a definição de sentença contida no CPC é falha, um a vez que nem todo ato que se enquadre em algumas das hipóteses dos arts. 267 ou 269 do Código de Processo Civil é sentença. Além disso, a sentença jam ais foi (nem ao tem po da antiga redação do art. 162, § 1Q, do CPC) capaz de extinguir um processo. Este se encerra, na verdade, com a formação da coisa julgada. A sentença m elhor se define como o ato judicial que põe term o ao ofício de julgar do juiz, resolvendo ou não o m érito da causa. Por ofício de julgar entenda-se o ofício judicial de respon­der à dem anda ajuizada. Assim, proposta um a "ação de cobrança”, a sentença será o provim ento judicial que julgue o pedido de condenação do dem andado (procedente ou im procedente), ou que afirme a impossibilidade de apreciação do mesmo. Da m esm a forma, num a "ação de anulação de negócio jurídico”, a sentença afirmará a procedência ou im procedência da pretensão ou a im possi­bilidade de sua apreciação.

221 Sobre o real conceito de sen tença e a im própria redação dada pela Lei n° 11.232/2005 ao § I o do art. 162 do CPC, seja perm itido rem eter o le ito r ao que consta do prim eiro volum e destas Lições.

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Verifica-se, assim, que a sentença, em bora não ponha term o ao processo, é ato capaz de ser alcançado pela coisa julgada, esta sim term inativa do m ódulo processual.

Já a decisão interlocutória não será, jamais, coberta pela situação jurídi­ca denom inada coisa julgada, de form a a encerrar-se o processo (excetua-se, aqui, a decisão interlocutória prevista no art. 273, § 6Q, do CPC, que é capaz de alcançar a coisa julgada, formal e material, por ser um a cisão do julgam ento do m érito da causa). A prolação de um a decisão interlocutória não terá jamais o condão (ainda que decorrido in albis o prazo para oferecim ento de recurso) de acarretar a extinção do m ódulo processual, o qual continuará norm alm ente em direção à sentença.

Esses conceitos, como parece óbvio, devem ser levados em considera­ção para que se possa determ inar a natureza do provim ento declaratório da insolvência. É preciso deixar claro, porém , que a solução da questão não é sim ples, havendo in tensa divergência entre os ju ristas que se m anifestaram acerca do tem a.

Assim é que, para alguns autores, tem -se aqui verdadeira sentença.222 Isso porque, segundo eles, este provim ento seria capaz de extinguir a fase cog­nitiva do processo, além de conter pronunciam ento sobre o m érito da causa. Seria, pois, formal e substancialm ente, um a sentença.

Autores há, de outro lado, que rejeitam esta prim eira posição e afirmam que o provim ento declaratório da insolvência tem natureza de decisão in ter­locutória.223 Esta posição é sustentada com base no fato de que o provim ento judicial declaratório da insolvência não põe term o ao processo, mas apenas a um a fase do mesmo, que continua em direção à fase executiva (ao fim da qual, aí sim, será prolatada um a sentença).

Mais acertada esta segunda posição, pois o provim ento que ora se es­tuda não pode m esm o (com todas as vênias aos que sustentam posição di­versa) ser considerado sentença. Trata-se, sem som bra de dúvida, de decisão interlocutória, a desafiar o recurso de agravo.224 Com o visto, deve-se entender

222 Assim , entre outros, Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 271; Theodoro Júnior, A insolvência civil, p. 143 e 160; Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, vol. III, p. 129-130; Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, vol. III, p. 437-438.

223 N este sentido, entre outros, Frederico M arques, Manual de direito processual civil, vol. IV, p. 259; Assis, Manual do processo de execução, p. 832.

224 É de se afirmar, aliás, que não haverá, aqui, in teresse para a interposição de agravo retido, pois este só seria julgado depois de encerrada a fase executiva do processo, quando já te rá havido a expropriação dos bens que integram o patrim ônio do executado. Além disso, deve-se registrar que este será um bom exemplo de caso em que se pode conceder efeito suspensivo ao agravo de instrum ento , nos term os do art. 558 do CPC (desde que presentes todos os requisitos), pois a im ediata produção de efeitos da decisão declaratória da insolvência poderá gerar danos de difícil ou m esm o im possível reparação.

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por sentença o provim ento judicial que responde à dem anda ajuizada. Ora, parece claro que a dem anda que deu início ao processo de insolvência civil é um a dem anda de execução forçada, e a declaração de insolvência é apenas um pressuposto da instauração daquela execução, que assum irá caráter coletivo. Ao declarar a insolvência, não está o Estado-juiz respondendo à dem anda formulada, m as tão som ente praticando ato essencial a que tal resposta possa ser dada. Afigura-se claro, assim , que não se está d iante de sentença, m as sim de decisão interlocutória.

É certo que esta decisão versará questão de m érito, ou seja, questão que integra o próprio objeto do processo, qual seja, a verificação do estado de insol­vência do devedor. Isso não deve, contudo, causar espécie ao intérprete. Não é de todo estranha ao sistem a processual a existência de decisões interlocutórias que versam sobre o m érito. Basta pensar nas decisões que antecipam a tu tela jurisdicional, interlocutórias que são, e que contêm pronunciam ento sobre o m érito da causa. Assim, tam bém , um a decisão interlocutória através da qual se rejeite um a alegação de prescrição ou de decadência, que são questões de m érito. Mais um a vez, deve-se recordar o que já foi tan tas vezes afirmado: o CPC não classifica os provim entos judiciais conforme seu conteúdo, m as sim de acordo com a sua posição na topologia do processo. Em suma: provim ento que pode levar à extinção do m ódulo processual é sentença; os que não produ­zem tal efeito são decisões interlocutórias.

Registre-se, aqui, o fato de que a nova Lei de Falências (Lei n Q 11.101/2005), que tra ta de um provim ento análogo (a "sentença declaratória da falência”), afirma expressam ente que contra tal provim ento é cabível a in­terposição de agravo (art. 100), o que reforça o entendim ento aqui sustentado.

Tem-se, pois, que o Código fala im propriam ente em sentença, pois que descreve, em verdade, um a decisão interlocutória. Resolvida esta primeira questão, ou tra surge: terá essa decisão eficácia m eram ente declaratória ou cons­titutiva? É o que se passa a analisar, não sem se fazer, também , rápida referência a outras posições doutrinárias, manifestadas não só a respeito da decisão decla­ratória da insolvência, mas tam bém do provimento declaratório da falência, já que am bos apresentam a m esm a eficácia e funções bastante semelhantes.

Como sabido, é costum e definirem-se os provim entos m eram ente decla- ratórios como aqueles que se lim itam a conferir certeza jurídica à existência ou inexistência de um a relação jurídica, à autenticidade ou falsidade de um docum ento. São m eram ente declaratórios, e. g .f os provim entos que dão pela improcedência do pedido formulado pelo dem andante, bem como aqueles que julgam procedente o pedido em "ação de usucapião” e em "ação de consigna­ção em pagam ento”.

De outro lado, são constitutivos aqueles provim entos judiciais que criam, modificam ou extinguem relação jurídica, como se dá, por exemplo, com a sentença que decreta o divórcio ou a que anula um negócio jurídico.

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A sentença constitutiva é formada por dois m om entos lógicos: um declara­tório, em que se certifica a existência do direito de obter um a modificação na situação jurídica existente; e um segundo m om ento, constitutivo, em que se opera tal modificação. Os provim entos m eram ente declaratórios, ao contrário, só possuem aquele prim eiro m om ento lógico, em que se afirma a existência de um a posição jurídica de vantagem. Por tal razão, aliás, é que se fala em pro­vim ento m eram ente declaratório. É que todos os provim entos sobre o m érito são declaratórios, em bora alguns o sejam m eram ente. O utros, como os consti­tutivos (e, além deles, os condenatórios), além de declarar, possuem um quid, um segundo m om ento lógico, de constituição ou de condenação.

Há que se verificar, assim, o conteúdo do provim ento declaratório da insolvência, para que se possa afirm ar se o m esm o é m eram ente declaratório ou constitutivo.

É dom inante o entendim ento segundo o qual o provim ento de que aqui se tra ta tem eficácia constitutiva.225 Esse posicionam ento se firma no fato de que o provim ento que afirma a insolvência do devedor não se lim ita a este acertam ento, m as - e como conseqüência dele - cria um a nova situação jurídi­ca, o status de insolvente.

Há, de outro lado, quem considere que a decisão de que aqui se trata tem , senão natureza m eram ente declaratória, ao m enos eficácia preponderan­tem ente declaratória.226 Para os que defendem esta posição, a decisão se limi­taria a declarar a condição de insolvente do devedor, sem acrescentar nenhum outro elem ento relevante para o processo executivo. Seria, assim, esta decisão bastante diversa da que declara a falência, pois esta sim seria capaz de criar um status novo, o de falido, que não existiria antes da prolação da decisão. Diverge esta corrente da anterior, portanto, por entender que o devedor não em presá­rio já se encontra no estado de insolvente m esm o antes do provim ento judicial, que seria m eram ente declaratório de tal estado, enquanto a prim eira corrente afirma que o estado jurídico de insolvência é criado pelo provim ento com que se encerra a fase cognitiva, pré-concursal, da execução por quantia certa contra devedor insolvente.

Correta, a nosso sentir, a prim eira corrente. A decisão declaratória da insolvência não é m eram ente declaratória, pois contém eficácia constitutiva. Tal conclusão decorre, mesmo, dos requisitos essenciais da insolvência civil, já analisados. Como visto, a insolvência civil exige três requisitos: um pessoal (devedor não em presário), um econômico (passivo m aior do que ativo) e um jurídico (a declaração judicial da insolvência). Apenas na presença destes três requisitos é que se pode considerar insolvente (juridicamente) o devedor. Pa­

225 Assim , en tre outros, m anifestam -se Theodoro Júnior, A insolvência civil, p. 174-175; Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 271.

226 Assim , en tre outros, Baptista da Silva, Curso de processo civil, vol. II, p. 121.

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rece claro, assim, que o devedor só terá o status jurídico de insolvente depois da em issão do provim ento judicial que assim o declara. Tal provim ento é, pois, capaz de criar um a nova situação jurídica, antes inexistente, que é a de insol­vência. Trata-se, pois, de provim ento constitutivo, e não m eram ente declarató- rio (ou m esm o preponderantem ente declaratório).

Não se pode, porém , deixar de referir aqui algumas outras posições dou­trinárias acerca do tema, as quais, em bora não sejam por m im aceitas, devem ser analisadas com o respeito que seus defensores merecem.

Assim é que, para alguns autores, esse provim ento de que ora se trata não produz qualquer efeito no plano substancial, tendo eficácia m eram ente processual.227 O utra posição doutrinária nega a existência de eficácia declara­tória ou constitutiva, afirmando que o provim ento que declara a insolvência tem eficácia puram ente executiva.228 Há tam bém quem considere ter aquele provim ento natureza cautelar.229

N enhum a das opiniões acima referidas, porém , parece acertada. A pro­dução de efeitos processuais do provim ento declaratório da insolvência não afasta a existência de efeitos substanciais, já que o estado de insolvência reper­cute nas relações m ateriais do devedor. Basta saber que ocorre o vencim ento antecipado de todas as suas dívidas e que o executado perde a adm inistração de seus bens para que se tenha claro que há efeitos substanciais no provim ento declaratório de insolvência.

A m esm a crítica pode ser dirigida à posição de Cam elutti. O provim en­to declaratório de insolvência tem , é inegável, eficácia executiva (já que per­m ite a instauração da execução coletiva). Isso não afasta, porém , o conteúdo constitutivo que o m esm o apresenta. É de se afirmar, ainda um a vez, o que já foi dito quando do estudo da classificação das sentenças: im portante, para tal classificação, é o conteúdo do provim ento, e não sua eficácia. O fato de se produzir um efeito nitidam ente executivo não afasta o conteúdo constitutivo, consistente na criação de um a nova situação jurídica para o devedor, que é o próprio estado de insolvente.

Por fim, a natureza cautelar do provim ento declaratório da insolvência deve ser afastado, por não se afinar com o conceito de tu te la cautelar. Esta es­

227 Frederico M arques, Manual de direito processual civil, vol. IV, p. 259.

228 Francesco C arnelutti, Caracter de la sentencia de quiebra, trad. esp. de Santiago Sentis M elendo, in Estúdios de derecho procesal, vol. II, p. 245 e seguintes, esp. p. 262. É de se no tar que a opinião daquele notável ju rista italiano foi m anifestada acerca de provim ento proferido no processo de falência, o qual tem , com o afirmado, a m esm a natureza do provim ento declaratório da insolvência.

229 Piero Calam andrei, La sentenza dichiarativa di fallim ento come prow ed im en to cautelare, in Opere giuridiche, vol. IX, p. 397 e seguintes, esp. p. 420. O trabalho citado, com o se vê pelo título, refere-se à falência, m as valem aqui as considerações feitas na no ta anterior.

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pécie de tu tela jurisdicional, como sabido, se destina a assegurar a efetividade de um processo (chamado processo principal). É o que se dá, por exemplo, com o arresto (m edida cautelar de apreensão de bens que tem por fim assegu­rar a efetividade de um futuro processo de execução por quantia certa) ou com o seqüestro (medida cautelar de apreensão de bens que se destina a assegurar a efetividade de um futuro processo de execução para entrega de coisa). O provim ento declaratório de insolvência não se destina a assegurar a efetivi­dade de um processo, mas sim a criar um a nova situação jurídica, perm itindo a instauração da execução coletiva. O provim ento declaratório da insolvência é o prim eiro ato destinado a perm itir que se realize a expropriação dos bens do executado. Assemelha-se, assim, em certa m edida, à penhora (aliás, um dos efeitos do provim ento declaratório da insolvência, como se verá adiante, é perm itir a arrecadação dos bens penhoráveis do executado), a qual tem - re­conhecida pela doutrina - função cautelar (pois garante a realização do crédito exequendo), mas nem por isto é considerada um a m edida cautelar. Da m esm a forma, o provim ento declaratório da insolvência tem um a "função cautelar”, no sentido de que perm ite que se realizem no futuro a expropriação e o paga­m ento dos credores (com a observância da par conditio creditorum), m as nem por isso deve ser considerado um a m edida de natureza cautelar.

O provim ento declaratório da insolvência é, pois, um a decisão interlocu­tória de conteúdo constitutivo. Esse provim ento produz alguns efeitos, enu­m erados no art. 751 do CPC: vencim ento antecipado das dívidas; arrecadação de todos os bens suscetíveis de penhora, presentes e futuros (ou seja, os que existirem no patrim ônio do devedor no m om ento da declaração de insolvência e os adquiridos no curso do processo); instauração da execução universal. Pro- duz-se, ainda, o efeito previsto no art. 752 do Código, ou seja, o devedor perde o direito de adm inistração dos bens e de disposição sobre eles, até a liquidação da massa. Passa-se, então, a analisar esses efeitos.

4.1 Vencimento A ntecipado das Dívidas

Trata-se de efeito que se produz para que se possa respeitar o princípio da par conditio creditorum. Declarada a insolvência, terá início a liquidação do patrim ônio do devedor, para que se busque a satisfação (ao m enos proporcio­nal) dos credores. É preciso que se perm ita a participação, neste processo, dos credores cujos direitos ainda não eram, até este m om ento, exigíveis, para que todos os credores fiquem, então, em pé de igualdade. O vencim ento antecipa­do das dívidas tem, ainda, um a série de conseqüências no plano substancial, que devem ser aqui registradas. Assim é que tal vencim ento antecipado im pli­ca deságio das obrigações. Isso porque, nos term os do que dispõe o art. 1.426 do Código Civil de 2002, no que concerne às dívidas garantidas por penhor,

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hipoteca ou anticrese, com a antecipação do vencim ento não se com preendem no valor devido o dos juros correspondentes ao prazo ainda não decorrido. Cabe, assim, efetuar o deságio das obrigações vincendas, cujo vencim ento te­nha sido antecipado, para que de seu valor seja excluído o que corresponda a juros referentes ao período convencionado que ainda estaria por decorrer. Além disso, contra a m assa não correm juros, se o ativo não basta ao paga­m ento do principal. As dívidas em m oeda estrangeira são convertidas para o padrão m onetário brasileiro pelo câmbio (oficial) do dia em que for declarada a insolvência. Suspende-se, neste m esm o dia, a fluência de comissão de perm a­nência, a qual recebe tratam ento idêntico ao dispensado aos juros. As dívidas do executado podem ser com pensadas e, resultando ainda saldo credor em favor do exequente, este se habilitará. Por fim, é de se afirmar que os créditos estão sujeitos à atualização m onetária, pelos índices oficiais, nos term os do que dispõe a Lei nQ 6.899/1981.230

4.2 Perda do D ireito de A dm inistração e Disposição dos Bens

Este efeito, jun to com o anterior, compõe o conjunto dos "efeitos subs­tanciais” da declaração de insolvência. O devedor insolvente, cujo patrim ônio não é suficiente para garantir a satisfação de todos os seus credores, não pode­rá mais adm inistrar seus bens, já que todos eles serão (com exceção de alguns poucos, que serão m encionados adiante) em pregados na realização - ainda que proporcional - de tais créditos. É preciso, assim, que a adm inistração de seus bens se transfira para o Estado-juiz, o qual deverá nom ear um adm inistra­dor, preferentem ente entre os maiores credores da m assa (mas, obviamente, se nenhum aceitar o encargo, poderá o ju iz nom ear pessoa de sua confiança, havendo m esm o lugares onde a estru tu ra judiciária já conta com um auxiliar perm anente da justiça que exerce tal função: o liquidante judicial).231

Nos term os do art. 763 do CPC, a m assa de bens do devedor, arrecadada no processo da insolvência civil (e sobre esta arrecadação, efeito processual da declaração de insolvência, tratarei a seguir), ficará sob a custódia e responsa­bilidade de um adm inistrador, que exercerá suas atribuições sob a orientação do juiz. Trata-se, pois, de um auxiliar da justiça: eventual, se nom eado entre os credores; perm anente, se for um serventuário do Poder Judiciário. N om eado o adm inistrador (o que se dá na decisão declaratória da insolvência), o escrivão o intim ará a assinar, dentro de 24 horas, o term o de com prom isso de desem ­penhar bem e fielm ente o cargo (art. 764).

230 Sobre as conseqüências do vencimento antecipado das obrigações, Assis, Manual do processo de execução, p. 852-855.

231 Theodoro Júnior, A insolvência civil, p. 271.

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Sendo o adm inistrador escolhido entre os credores do devedor insolvente, deverá, ao assinar o term o de compromisso, entregar sua declaração de crédito, acompanhada do título executivo de que dispõe. Não os tendo (a declaração e o título), porém, em seu poder, poderá fazer tal entrega no prazo fixado para os demais credores do devedor comum.

São funções do adm inistrador arrecadar os bens do devedor, onde quer que estejam, requerendo, para esses fins, as medidas judiciais que se façam ne­cessárias; representar a m assa da insolvência civil, ativa e passivam ente, con­tratando advogado, cujos honorários serão previam ente ajustados e subm eti­dos à apreciação judicial; praticar todos os atos destinados à conservação dos direitos e ações da massa, bem como promover a cobrança das dívidas ativas (ou seja, das dívidas de que a m assa se apresenta como credora); alienar, em hasta pública, com autorização judicial, os bens que integram a massa.

O adm inistrador terá direito, nos term os do art. 767, a um a rem unera­ção, que o juiz arbitrará, atendendo à sua diligência, ao trabalho, à responsabi­lidade da função e à im portância da massa.

Como se verifica, pois, o devedor insolvente perde o direito de adm inistrar seus bens, já que tal função passa agora, com exclusividade, ao adm inistrador nom eado pelo juiz. Da m esm a forma, perde ele o poder de disposição sobre os bens, em bora os m esm os permaneçam (até que se faça a expropriação) em seu patrim ônio. Isso se dá porque, como visto, a alienação dos bens que compõem a m assa será feita pelo adm inistrador em hasta pública. Esta determinação não seria compatível com a possibilidade de o devedor dispor de seus bens, razão pela qual essa disponibilidade é retirada.

4.3 A rrecadação dos Bens Penhoráveis

Como visto, um a das funções do adm inistrador será efetuar a arrecada­ção dos bens do executado. Esta arrecadação é o prim eiro efeito processual da declaração de insolvência.

A arrecadação é um ato executivo, de apreensão judicial dos bens penho­ráveis do executado, que se destina a perm itir a expropriação dos m esm os, com o que se irá buscar a satisfação, ainda que proporcional, dos créditos. Tem, assim , a m esm a natureza e função da penhora, desta só se distinguindo por seu caráter de universalidade, já que todos os bens penhoráveis serão arrecadados.232

A arrecadação incidirá sobre os bens que se encontrem no patrim ônio do devedor no m om ento em que se declara a sua insolvência, bem assim sobre

232 Assis, Manual do processo de execução, p. 846.

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os bens adquiridos no curso do processo. Isso nada mais é do que aplicação da regra constante no art. 591 do Código de Processo Civil, segundo a qual o devedor responde para o cum prim ento de suas obrigações com todos os seus bens, presentes e futuros. Verifica-se, pois, que as regras a respeito da respon­sabilidade patrim onial são inteiram ente aplicáveis à insolvência civil.

Isso implica afirm ar que tam bém as regras acerca da alienação fraudulen­ta de bens são aplicáveis no caso de execução por quantia certa contra devedor insolvente. São ineficazes em relação à m assa as alienações (bem assim os atos de instituição de ônus real) realizadas em fraude contra credores (podendo a "ação pauliana” ser proposta pela m assa, representada em juízo pelo adm inis­trador), bem como os atos praticados em fraude de execução. Serão, tam bém , afortiori, ineficazes os atos de alienação dos bens arrecadados.

A arrecadação, como dito anteriorm ente, implicará apreensão de todos os bens penhoráveis do devedor. Ficam excluídos, apenas, os bens absoluta­m ente im penhoráveis (art. 649 do CPC). Os bens relativam ente im penhorá­veis (art. 650) poderão ser arrecadados, já que sua apreensão é possível nos ca­sos em que não há outros bens no patrim ônio do devedor capazes de assegurar a realização dos créditos exigidos. Esta é, precisam ente, a situação do devedor insolvente, o que perm ite a apreensão desses bens, que ficam, em princípio, excluídos da responsabilidade patrim onial.

O bem de residência (Lei nQ 8.009/1990) só poderá ser objeto de arreca­dação se, en tre as dívidas do insolvente, houver algum a daquelas previstas no art. 3Q da referida lei, e seu produto só poderá ser empregado para satisfação daqueles créditos.

4.4 Instauração da Execução Universal

Segundo efeito processual da declaração de insolvência, a instauração da execução universal perm itirá a realização da fase executiva do processo da execução por quantia certa contra devedor insolvente.

Fala-se em execução coletiva, ou execução universal, para designar-se esta fase executiva do processo de insolvência civil, pelo fato de a ela concorre­rem todos os credores do devedor insolvente (art. 762 do CPC). É de se notar que o juízo da insolvência é universal, o que significa dizer que tal juízo atrai para sua com petência outros processos do interesse da massa. Assim é que, nos term os do que dispõe o § 1Q do art. 762, serão rem etidas para o juízo da insolvência todas as execuções singulares em que seja executado o devedor in­solvente. Excetuam-se desta regra, tão som ente, aquelas execuções em que já se tenha designado data para realização da hasta pública (art. 762, § 2Q). N es­sas execuções, a hasta pública será realizada, e o bem (ou os bens) ali penhora-

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do poderá ser arrem atado, m as o dinheiro arrecadado com a expropriação não será entregue ao exequente, devendo ser levado para o processo da insolvência civil, para que passe a com por a m assa de bens do devedor insolvente.

É de se notar, porém, que a universalidade do juízo da insolvência não é tão acentuada como o é a do juízo da falência. Isto porque o juízo da falência, além de reunir as execuções singulares movidas em face do falido, é também com petente para todos os processos sobre bens, interesses e negócios da massa falida, ressalvados aqueles não regulados pela lei de falências em que a massa falida seja dem andante (sozinha ou como litisconsorte ativa), as execuções fis­cais, as reclamações trabalhistas e as dem andas anteriorm ente ajuizadas que tenham por base títulos não sujeitos ao rateio.233

Já o juízo da insolvência atrai para sua competência, tão som ente, as exe­cuções singulares movidas em face do devedor insolvente antes da declaração desta sua qualidade. Excetuam-se, aqui, as execuções fiscais e de alim entos.234 N a verdade, essas execuções individuais que serão atraídas para o juízo da insolvência civil serão extintas, já que todos os atos destinados à realização dos créditos que eram, através delas exigidos serão realizados no processo da insolvência. Essa extinção decorre de princípio de ordem pública, não podendo ser afastada por qualquer razão, nem m esm o por vontade das partes ou por inércia em levar a execução singular ao juízo universal da insolvência. Qual­quer ato que venha a ser praticado posteriorm ente à declaração de insolvência naquelas execuções singulares será absolutam ente nulo.235

Para que se instaure efetivam ente a execução universal, determ ina o CPC que, no provim ento declaratório da insolvência, determ ine o juiz a expedição de edital de convocação dos credores, para que apresentem , no prazo de 20 dias, suas declarações de crédito, que deverão vir acom panhadas dos respecti­vos títulos executivos.

Um a vez publicado o edital, terão, portanto, os credores o prazo de 20 dias para apresentar suas declarações de crédito, habilitando-se, assim, jun to à massa.

É de se no tar que apenas credores m unidos de títu lo executivo pode­rão vir se habilitar jun to à m assa da insolvência civil.236 Os credores que não tenham títu lo com eficácia executiva (judicial ou extrajudicial) terão que ob­te r a condenação da m assa, através de processo de conhecim ento, para que depois se habilitem , a fim de receber (se ainda for possível) o pagam ento a que têm direito.

233 Silva Pacheco, Processo de falência e concordata, p. 166.

234 Assis, Manual do processo de execução, p. 849.

235 Theodoro Júnior, A insolvência civil, p. 221.

236 Assis, Manual do processo de execução, p. 868.

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Os credores que não apresentarem suas declarações de crédito no prazo de 20 dias, contado da publicação do edital de convocação, serão considera­dos retardatários, e poderão, por "ação direta”, antes do rateio, pleitear suas prelações (ordem de preferência) ou o recebim ento de cota proporcional aos seus créditos. Efetuado que tenha sido o rateio, o credor retardatário só poderá receber algo se novos bens forem adquiridos pelo devedor e arrecadados.237

A presentadas as declarações de crédito, o escrivão, no quinquídio seguin­te, as ordenará, autuando cada um a com seu respectivo título.238 Em seguida, deverá ser publicado novo edital, dando aos credores o prazo comum de 20 dias para que aleguem suas preferências, bem como a nulidade, simulação, fraude ou falsidade de dívidas e contratos (art. 768 do CPC). Nesse m esm o prazo de 20 dias, poderá o devedor im pugnar quaisquer créditos que tenham sido habili­tados, excluída, obviamente, a possibilidade de se repetir qualquer alegação que já tenha sido deduzida (ou que pudesse tê-lo sido) nos embargos oferecidos na prim eira fase do processo da insolvência civil em face do credor que dem andou a declaração de insolvência.

O procedim ento a ser observado a seguir varia, conforme tenha havido ou não algum a impugnação, por parte de qualquer dos credores ou do próprio executado. Não havendo impugnação, obviamente, o procedim ento se simpli­fica bastante.

Nesse caso, o escrivão rem eterá os autos ao contador judicial, para que este organize o quadro geral dos credores, observando, quanto à classificação dos créditos e dos títu los legais de preferência, o que dispõe a lei civil. Isso se dá porque, durante a fase executiva do processo da insolvência civil, há que se realizar um a atividade cognitiva, de verificação e classificação dos créditos. Trata-se de atividade cognitiva que se desenvolve sim ultaneam ente aos atos executivos que devem ser realizados nesta fase executiva do processo, e que precisa ser feita antes de se efetuar o pagam ento dos credores.

Assim sendo, é preciso que se verifique não só quais são os créditos que devem ser satisfeitos no processo da insolvência civil, m as tam bém qual a or­dem das preferências, ordem esta que é estabelecida pelo direito substancial. Por tal razão, caberá ao contador judicial, encerrado o prazo sem que tenha ha­vido qualquer im pugnação às declarações de créditos, elaborar o quadro geral dos credores.

Deverá tal quadro de credores, como dito, ser organizado respeitando-se a ordem das preferências estabelecidas pelo direito substancial (ou, como diz o art. 769 do CPC, observando-se o que dispõe "a lei civil”). Havendo apenas cre­dores quirografários, que não têm preferência, vigorando entre eles o princípio da par conditio creditorum, o quadro de credores os indicará em ordem alfabética.

237 Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, vol. III, p. 133.

238 Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 273.

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Elaborado o quadro de credores quando os bens da m assa já tenham sido alienados, deverá o contador indicar a proporção que caberá a cada credor do produto das expropriações.

Um a vez apresentado o quadro de credores pelo contador judicial, o juiz ouvirá os interessados no prazo de dez dias, para após decidir. N esta decisão, que o CPC chama de sentença (art. 771, in fin e ) , m as que em verdade é um a decisão interlocutória,239 o ju iz se lim ita a aprovar o quadro de credores. Ha­vendo algum a impugnação fundada ao quadro elaborado pelo contador judi­cial, o juiz deverá determ inar que se retifique o mesmo, para só então proferir sua decisão.

Decisão interlocutória que é, o provim ento que aprova o quadro de cre­dores pode ser im pugnado por agravo (art. 522 do CPC).240

Havendo alguma im pugnação às declarações de crédito, o procedim ento da execução concursal se complica, pois não será possível a elaboração do qua­dro geral de credores até que a m esm a seja julgada.

Assim é que, nos term os do art. 772, havendo im pugnação oferecida por credor ou pelo devedor, o juiz deferirá a produção das provas que se fizerem necessárias, designando audiência de instrução e julgam ento, se necessário (§ 1Q do art. 772), isto é, quando tiver sido deferida algum a prova oral. Em seguida à instrução probatória, o juiz deverá decidir a im pugnação de crédito, o que se fará através da prolação de sentença (art. 772, caput, in fin e ).

N essa passagem, acertou o texto do Código ao falar em sentença, já que é m esm o deste tipo de provim ento que se trata.241 Isso porque a im pugnação de crédito dá origem a um novo processo, de natureza cognitiva.242 Trata-se de novo processo porque não se tem, apenas, um novo procedim ento em contra­

239 Assis, Manual do processo de execução, p. 878. Contra, entendendo tratar-se de sentença, Theo­doro Júnior, A insolvência civil, p. 311; Barbosa Moreira, O novo processo civil brasileiro, p. 274; Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, vol. III, p. 135-136.

240 Assis, Manual do processo de execução, p. 878, afirm a que o agravo de instrum ento terá, neste caso, efeito suspensivo, nos term os do art. 558 do CPC. Entre os autores que afirm am ser este provim ento um a sentença, discute-se a respeito dos efeitos em que deve ser recebida a apelação que, segundo eles, é adequada. Há, assim, quem afirme ter a apelação “duplo efeito", devolutivo e suspensivo (assim Barbosa Moreira, O novo processo civil brasileiro, p. 274; Theodoro Júnior, A insol­vência civil, p. 311) e quem sustente que esta apelação deve ser recebida som ente no efeito devolu­tivo (Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, vol. III, p. 136). A m eu sentir, o recurso cabível é o agravo, que será admitido, em princípio, apenas com efeito devolutivo, podendo-se atribuir efeito suspensivo, a requerim ento do agravante, se houver risco de dano grave, de difícil ou impossível re­paração, se for relevante a fundamentação do recurso (ou seja, se estiverem presentes os requisitos periculum in mora efumus boni iuris).

241 Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, vol. III, p. 133; Barbosa M oreira, O novo pro­cesso civil brasileiro, p. 275.

242 Frederico M arques, Manual de direito processual civil, vol. IV, p. 288.

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ditório, m as tam bém um a nova relação processual, diversa daquela intrínseca ao processo da execução coletiva, e de que são partes o im pugnante (que pode ser o próprio devedor ou algum dos credores) e o impugnado (alguém que se apresenta como credor do devedor comum, e que pode ter visto im pugnada sua condição de credor ou o valor do crédito que afirma te r) .

A sentença que julgue procedente a impugnação terá eficácia constitu­tiva, por retirar do im pugnado a condição de exequente ou cortar os excessos de seu crédito.243

Transitada em julgado a sentença que julgou a dem anda de impugnação de crédito (contra a qual se adm ite a interposição de apelação, a ser recebida no duplo efeito),244 a execução universal segue o procedim ento previsto para os casos em que não houve impugnação, ou seja, rem etem -se os autos ao con­tador judicial, para que este elabore o quadro geral de credores. Elaborado este, são ouvidos os interessados no prazo de dez dias e, em seguida, o juiz decide - por decisão interlocutória, e não sentença, repita-se - aprovando o quadro elaborado.

A elaboração do quadro de credores, como dito anteriorm ente, deve ob­servar as preferências estabelecidas pelo direito substancial. É de bom alvitre, assim, que se apresente um a tentativa de fixação da ordem de preferências, em bora se trate de m atéria estranha ao Direito Processual Civil, com o intuito de se perm itir um a visão mais com pleta da execução universal. Assim , é de se considerar que as preferências se m anifestam na seguinte ordem:

1. créditos trabalhistas;2. custas do processo de insolvência e mais débitos da massa;3. créditos resultantes de acidentes do trabalho;4. créditos tributários federais;5. créditos tributários estaduais;6. créditos tributários municipais;7. créditos com garantia real;8. créditos com privilégio especial;9. créditos com privilégio geral;10. créditos quirografários.245

243 Idem, p. 289.

244 Assis, Manual do processo de execução, p. 876. Contra, entendendo que a apelação terá apenas efeito devolutivo quando in terposta contra a sentença que julgou im procedente a im pugnação e duplo efeito quando in terposta contra a sentença que a julgou procedente, Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, vol. III, p. 134.

245 Theodoro Júnior, A insolvência civil, p. 320. Registre-se que não se aplica, aqui, a gradação estabelecida na Lei de Falências, m as a da Lei Civil.

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Esta é a ordem a ser respeitada quando chegar o m om ento de se realizar os pagam entos. É de se recordar, porém, que, um a vez alienados os bens afeta­dos por garantia real, o produto da expropriação será im ediatam ente entregue ao credor que tinha, no bem alienado, sua garantia. Havendo saldo, este será incorporado à massa, para ser utilizado no pagam ento dos outros credores.

Q uanto aos créditos privilegiados (seja o privilégio geral ou especial), encontram -se estes referidos tam bém na lei substancial, principalm ente nos arts. 964 e 965 do Código Civil de 2002 (que enum eram , respectivam ente, os privilégios especiais e os gerais). Alguns dos créditos referidos no Código Civil de 1916 tiveram sua posição alterada depois da vigência daquele diplo­ma, como foi o caso das custas do processo de insolvência, que passaram a ser encargo da m assa (por força do disposto no art. 124, § 1®, I, da antiga Lei de Falências, que era aplicável aqui por analogia, e que corresponde ao art. 84, III, da nova Lei de Falências, Lei n2 11.101/2005, tam bém aplicável por analogia à insolvência civil), bem assim os créditos tributários, que passaram a ser crédi­tos extraconcursais. O Código Civil de 2002, contudo, alterou novam ente a po­sição de alguns créditos, passando a reger a matéria, por ser a lei mais recente. Assim é que, por exemplo, os créditos referentes a im postos devidos à Fazenda Pública no exercício da decretação da insolvência e no exercício anterior são, agora, créditos com privilégio geral. Mais um a vez, só se pode lam entar que o Código Civil de 2002 trate de form a inadequada de algum a m atéria, sem levar em conta as inovações trazidas ao Direito brasileiro depois da década de 1970, quando foi elaborado o anteprojeto que nele resultou. N este ponto, por ser ex­pressa a lei civil, não se pode aplicar a Lei de Falências, que estabelece regime diferenciado para essa espécie de despesa.

O utros diplomas, como o Código Brasileiro do Ar, preveem créditos pri­vilegiados, os quais recebem tratam ento idêntico ao dispensado aos privilégios estabelecidos no Código Civil.

Aprovado o quadro de credores, e completada, assim, a atividade conhe­cida como de verificação e classificação dos créditos, passa-se à expropriação dos bens arrecadados. Ressalve-se, porém, a possibilidade de tais bens terem sido anteriorm ente alienados (o que o próprio Código adm ite, no art. 770, ao prever expressam ente a possibilidade de elaboração do quadro geral de cre­dores após a alienação). Isso porque a alienação dos bens arrecadados não tem um m om ento fixado em lei, ficando a cargo do adm inistrador da m assa verificar a oportunidade mais adequada para realizar os atos de expropriação. A alienação antecipada (ou seja, antes da elaboração do quadro de credores) se revela mais adequada, por exemplo, quando os bens arrecadados são móveis ou perecíveis, ou quando sua custódia é onerosa para a m assa.246

246 Theodoro Júnior, A insolvência civil, p. 336.

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Não tendo sido alienados os bens arrecadados até o m om ento da aprova­ção do quadro geral de credores, deverá o juiz, nos term os do art. 773 do CPC, determ inar sua expropriação, através de praça (para os bens imóveis) e leilão (para os bens móveis).

O CPC não determ ina quais são as norm as a serem observadas na rea­lização da hasta pública para expropriação dos bens arrecadados no processo de execução por quantia certa contra devedor insolvente, razão pela qual terão aplicação aqui todas as norm as aplicáveis à realização daquelas duas m odali­dades de licitação (praça e leilão), previstas para o procedim ento padrão da execução por quantia certa contra devedor solvente. Remete-se, pois, o leitor à parte anterior desta obra em que se tratou do tema, como form a de evitar repetições inúteis.

É de se referir, aqui, que, além da arrematação, pode haver tam bém ad­judicação dos bens arrecadados, desde que observados os requisitos previstos no CPC para a realização dessa form a de expropriação na execução singular. É de se notar, porém, que, sendo o bem adjudicado ou arrem atado por algum dos credores, será obrigatório o depósito integral do preço do bem, não se adm itin­do que a aquisição se faça pela sim ples apresentação do crédito, buscando-se um a compensação. Isto porque na execução concursal (ao contrário do que ocorre na execução singular) o produto da expropriação será distribuído entre todos os credores, não se realizando no interesse individual daquele credor que arrem atou ou adjudicou o bem apreendido. Deve-se, pois, realizar o de­pósito do preço, para que o dinheiro reverta em favor da massa, podendo ser em pregado para pagam ento dos credores na form a do quadro geral.

Liquidada a m assa de bens do devedor insolvente com a satisfação de todos os credores, extingue-se o processo executivo (pois que estarão extintas, tam bém , todas as obrigações do devedor). Não tendo sido satisfeitos todos os credores, porém (e esta é a situação mais freqüente, pois o devedor não tinha bens suficientes para assegurar o cum prim ento de todas as suas obrigações), continuará o devedor obrigado pelo saldo (art. 774 do CPC). Pelo pagam ento deste responderão todos os bens penhoráveis (e tam bém os relativam ente im ­penhoráveis) que o devedor venha a adquirir, até que seja declarada a extinção de todas as suas obrigações.

Esta ú ltim a afirmação, que reproduz a ideia contida no art. 775 do CPC, nada m ais é do que aplicação à insolvência civil da regra geral da responsabili­dade patrim onial, estabelecida no art. 591 do m esm o diploma, segundo o qual o devedor responde para o cum prim ento de suas obrigações com todos os seus bens, presentes e futuros. Assim sendo, os bens que o devedor venha a adqui­rir depois da liquidação da massa, mas antes da realização de todos os créditos (e não tendo sido declarada a extinção total de suas obrigações), poderão so ­frer os atos de constrição necessários para que se atue a vontade concreta do

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direito substancial, o que se dá com o pagam ento integral de todos os credores do devedor comum.

Adquirindo o devedor novos bens que possam ser arrecadados, a apreensão dos mesmos far-se-á nos mesmos autos do processo da insolvência civil, median­te requerimento formulado por qualquer credor que esteja incluído no quadro geral de credores, realizando-se sua expropriação e distribuição proporcional do produto da alienação entre os credores que não tenham sido ainda integralmente satisfeitos.

Não havendo mais bens arrecadáveis no patrim ônio do devedor, e ten­do sido expropriados todos os que com punham a massa, deverá o juiz, por sentença, extinguir o processo de execução por quantia certa contra devedor insolvente.247 O processo, porém , poderá ser reaberto a qualquer tempo, a re­querim ento de algum dos credores que não tenham sido integralm ente satis­feitos, para arrecadação e expropriação de novos bens adquiridos pelo devedor. Apreendidos e expropriados esses novos bens, e distribuído o produto entre os credores, mais um a vez deverá o juiz proferir sentença, declarando extinto o processo executivo.

Há quem afirme que não se está, aqui, diante de verdadeira extinção do processo executivo, aduzindo que a hipótese seria, na realidade, de suspensão do processo.248 Assim, porém , não parece. A m eu juízo, a hipótese é m esm o de extinção do processo executivo, perm itindo-se, depois, que o m esm o se reini­cie (quando requerida a arrecadação de bens adquiridos posteriorm ente pelo devedor). Afirmo m inha posição no sentido de tratar-se de verdadeira extinção por ser, data venia, absurda a m anutenção do estado de litispendência quando o devedor não tem mais nenhum bem que possa ser objeto de arrecadação. Não tendo o devedor mais nenhum bem que possa ser em pregado na realização dos créditos, não há mais qualquer utilidade em se m anter o processo existindo, razão pela qual deve ele ser extinto. Permite-se, porém , que o m esm o seja reaberto, reiniciado, bastando para isso que qualquer credor requeira a arreca­dação de bens adquiridos posteriorm ente pelo devedor.

Considerou o legislador que deveria estabelecer um sistem a de extinção das obrigações do devedor não em presário, que perm itisse a ele evitar a exis­tência de um vínculo eterno com seus credores. Por tal razão, dispôs, no art. 777 do CPC, que "a prescrição das obrigações, interrom pida com a instauração do concurso universal de credores, recomeça a correr no dia em que passar em julgado a sentença que encerrar o processo de insolvência”. E em seguida, no art. 778, afirmou-se que "consideram -se extintas todas as obrigações do deve­dor, decorrido o prazo de 5 (cinco) anos, contados da data do encerram ento do processo de insolvência”.

247 Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 276.

248 Assis, Manual do processo de execução, p. 895; T heodoro Júnior, A insolvência civil, p. 360.

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Esses dois artigos do CPC regulam - nas suas linhas gerais - o sistem a de extinção das obrigações do devedor insolvente. Assim é que, instaurado o concurso universal de credores (o que é, como visto, efeito do provim ento de­claratório da insolvência), interrom pem -se todos os prazos prescricionais dos créditos de que o executado é devedor. Transitada em julgado a sentença que extingue a execução, porém, tais prazos voltam a correr, agora unificados em cinco anos.

Q uer isso dizer que um dos efeitos da insolvência é a unificação dos pra­zos prescricionais que correm contra o devedor insolvente. Todos esses prazos, agora, são de cinco anos, pouco im portando se antes da instauração do concur­so universal o prazo era inferior ou superior ao lustro. Adquirindo o devedor in­solvente outros bens penhoráveis dentro desse período, poderá qualquer credor requerer sua arrecadação e expropriação, pois que não estarão ainda extintas as obrigações. A reabertura do processo executivo implica nova interrupção dos prazos prescricionais, o que nos leva a concluir que o encerram ento do processo a que se refere o art. 778 é, em verdade, o últim o encerram ento. A cada vez que se reabre a execução, repita-se, há interrupção do prazo de cinco anos a que se refere o art. 777 do CPC. Decorridos cinco anos sem que tenha havido reaber­tu ra do processo, aí sim, devem-se considerar extintas as obrigações.249

A extinção, porém , não se opera de pleno direito. Isto porque, nos ter­mos do art. 779 do CPC, caberá ao devedor dem andar a declaração da extinção das suas obrigações, após o decurso de cinco anos do trânsito em julgado da sentença que declarou o últim o encerram ento do processo da insolvência civil. O pedido de declaração de extinção das obrigações dá azo à formação de um novo processo, de índole cognitiva, que se coloca como com plem entar e aces­sório da execução coletiva.250

Tendo o devedor ajuizado a dem anda de declaração da extinção das obri­gações, determ inará o juiz (se a petição inicial, obviamente, estiver em ter­mos, isto é, não contiver vícios que im pliquem seu indeferim ento) que seja publicado edital, com prazo de 30 dias, no órgão oficial e em outro jornal de grande circulação, para convocação dos credores. Q ualquer destes poderá, no prazo estabelecido no edital, opor-se ao pedido, alegando que não transcorreu o prazo de cinco anos previsto no art. 778 do CPC, ou que o devedor, naquele período, adquiriu bens que podem ser arrecadados.

Tendo havido oposição por parte de algum credor, o juiz ouvirá o devedor no prazo de dez dias, proferindo sentença em seguida. Havendo necessidade

249 Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 278.

250 Idem. Nega à h ipó tese a natu reza de processo autônom o, en tendendo tratar-se de m ero incidente da execução universal, Frederico M arques, Manual de direito processual civil, vol. IV, p. 298.

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de produção de provas, estas serão colhidas, realizando-se audiência de instru ­ção e julgam ento se houver necessidade.251

A sentença que julgar procedente o pedido do devedor, declarando extin­tas as suas obrigações, será publicada por edital, ficando o devedor habilitado a praticar todos os atos da vida civil. Recupera, pois, o devedor, com esta sen­tença, os poderes de adm inistração e disposição sobre seus bens, que havia ele perdido quando do provim ento declaratório da insolvência.

Não se deve considerar que esta sentença declaratória da extinção das obrigações do devedor insolvente seja m eram ente declaratória. Trata-se, em verdade, de sentença constitutiva, pois que modifica a situação jurídica do de­vedor, que deixa de ser considerado juridicam ente insolvente.252

A sentença que julgar im procedente o pedido do devedor será, como todas as dem ais sentenças de improcedência, m eram ente declaratória. Tal sen­tença som ente será proferida quando se verificar, de ofício ou m ediante ale­gação de algum credor interessado, que não decorreu o prazo prescricional de cinco anos,253 ou se acolher a alegação de que o devedor adquiriu bens suscetí­veis de arrecadação. Essa sentença não impede, por óbvio, que novo pedido de reabilitação seja formulado depois, desde que tenha novo fundam ento de fato (assim, por exemplo, se se com pletarem os cinco anos, que ainda não estavam com pletos quando da dem anda anterior).

A sentença que julga o pedido de declaração da extinção das obrigações está sujeita à apelação, a qual deverá ser recebida no "duplo efeito", devolutivo e suspensivo.

Ao encerrar-se esta breve exposição acerca da insolvência civil, não se poderia deixar de tecer algum as considerações a respeito do in stitu to previs­to no art. 783 do CPC, e que a doutrina tem cham ado pelo nom e de "concor­data civil”.

A concordata, como se sabe, é in stitu to regulado pela antiga Lei de Fa­lências e, por conseguinte, aplicável apenas em benefício do devedor em pre­sário. Podia ser definida como "o ato processual pelo qual o devedor propõe em juízo m elhor form a de pagam ento a seus credores, a fim de que, concedida

251 Isto é, se houver prova oral a ser colhida. O teo r literal do art. 781 induz o in térp rete a erro, pois dá a falsa im pressão de que sem pre que houver provas a p roduzir haverá necessi­dade de realização de audiência. Esta, na verdade, só será realizada se houver prova oral a ser produzida.

252 Frederico M arques, Manual de direito processual civil, vol. IV, p. 299; Assis, Manual do processo de execução, p. 902. Contra, entendendo tratar-se de sentença m eram ente declaratória. Neves, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VII, p. 378.

253 A dm itindo a verificação, de ofício, do decurso ou não do prazo prescricional de cinco anos, Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 280.

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pelo juiz, evite ou suspenda a falência”.254 A concordata era, pois, in stitu to jurídico destinado a proteger o devedor, evitando a falência (concordata pre­ventiva) ou a suspendendo (concordata suspensiva). A nova Lei de Falên­cias (Lei n Q 11.101/2005) fez desaparecer do D ireito brasileiro a concordata, substitu indo-a pela figura da recuperação da em presa. O fato de não existir mais concordata no plano em presarial, porém , não im pede o reconhecim ento de sua existência no plano não em presarial.

O CPC não regulou o institu to com a m esm a am plitude com que o fez a antiga Lei de Quebras, criando para o devedor não em presário institu to análo­go à concordata suspensiva. Não há, para o devedor civil, a possibilidade de se valer da concordata preventiva (ou institu to similar).

Tem-se, assim, a "concordata civil”, como institu to que guarda sem e­lhanças (ao m enos no que concerne à função desem penhada) com a antiga concordata suspensiva. A m atéria vem regulada no art. 783 do CPC, segundo o qual "o devedor insolvente poderá, depois da aprovação do quadro a que se refere o art. 769, acordar com os seus credores, propondo-lhes a forma de pagam ento. Ouvidos os credores, se não houver oposição, o juiz aprovará a proposta por sentença”.

O institu to só pode ser em pregado m ediante apresentação de propos­ta do devedor, que terá um m om ento adequado para fazê-lo. Isso porque a "concordata civil”, como se verifica pela leitura do texto do art. 783, só pode ser proposta após a elaboração do quadro geral de credores. A fixação deste m om ento como sendo o term o inicial do prazo dentro do qual pode-se propor a "concordata civil” é facilmente justificável: antes da elaboração e aprovação do quadro de credores, poder-se-ia te r algum caso em que a proposta feita pelo devedor estivesse sendo subm etida (e, talvez, rechaçada) por quem, em verdade, não era credor do proponente. Elaborado o quadro, ter-se-á a certeza de que a proposta de "concordata” só estará sendo subm etida aos verdadeiros credores do devedor insolvente.

Há, tam bém , um term o final para a apresentação da proposta, e este é o m om ento da realização do ativo (ou seja, o m om ento da expropriação dos bens da m assa). Isso porque, como parece claro, após a expropriação de tais bens, nenhum a utilidade traria a "concordata civil”, cuja finalidade é preservar o patrim ônio do devedor insolvente, o qual - após a realização do ativo - já terá sido expropriado de forma irreversível.

Fala o art. 783 em proposta acerca da "forma de pagam ento”, o que pode­ria levar a pensar que o sistem a processual só estaria adm itindo a "concordata dilatória”, tam bém cham ada "concordata m oratória” (espécie de concordata em que se fixa novo prazo para o cum prim ento das obrigações do devedor).

254 J. C. Sampaio de Lacerda, Manual de direito falimentar, p. 229.

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Não é assim, porém . O devedor civil poderá valer-se, ainda, da "concordata rem issória” (em que se concede ao devedor um abatim ento na im portância das dívidas) e da "concordata m ista”, que conjuga os objetivos das duas espé­cies anteriores, concedendo-se novo prazo para cum prim ento das obrigações, e dando-se a estas um abatim ento.255

A "concordata civil” depende, para que possa ser im plem entada, da ine­xistência de oposição de credor. Significa isto dizer que é preciso haver unani­m idade entre os credores para que o devedor insolvente possa ser visto como concordatário. Basta que um credor im pugne a proposta, ainda que por capri­cho, ou im otivadam ente, para que a "concordata civil” se tom e inviável.

Não se exige, porém, a concordância expressa de todos os credores. O silêncio deles será tom ado como concordância, já que apenas a resistência (que deve ser expressa) por parte de algum dos credores é que será capaz de im pedir a "concordata civil”.256

A presentada a proposta do devedor, caberá ao juiz ouvir os credores so ­bre a mesm a. Não tendo a lei fixado prazo para que os credores sejam ouvidos, poderá o juiz determ iná-lo. Não havendo assinação judicial, o prazo será de cinco dias (devendo ser contado em dobro se os credores tiverem advogados diferentes, nos term os do art. 191 do CPC).

Não havendo impugnação, o juiz aprovará a "concordata civil”, que terá o efeito de suspender os efeitos da insolvência civil, devolvendo-se ao devedor o poder de adm inistrar (mas não o de dispor, salvo - obviam ente - convenção das partes em sentido contrário) os seus bens, para dali extrair os m eios neces­sários para realizar o pagam ento de todas as suas obrigações.

É com um encontrar-se, em sede doutrinária, a afirmação de que a deci­são que aprova a "concordata civil” é um a sentença.257 Curiosam ente, porém, a m esm a doutrina afirma que a homologação da "concordata civil” não implica extinção do processo executivo, m as tão som ente sua suspensão. Parece-nos, pois, que este provim ento m elhor será definido como decisão interlocutória.

Cum pridos os term os da "concordata civil”, deverá o juiz proferir sen­tença, declarando extintas as obrigações do devedor. Deixando o devedor de cum prir o acordo, deverá prosseguir a execução universal.258

255 Theodoro Júnior, A insolvência civil, p. 331.

256 Frederico M arques, Manual de direito processual civil, vol. IV, p. 294.

257 Assis, Manual do processo de execução, p. 889. Curioso no tar que, em bora fale em sentença e afirm e que o provim ento põe term o à relação processual executiva e que, descum prido o acordo, caberá ao credor prom over execução singular, o au tor aqui citado aduz, textualm ente (ob. loc. cit.) que “o efeito principal do deferim ento da concordata consiste na suspensão do concurso e dos seus efeitos”. No m esm o paradoxo incorre Theodoro Júnior, A insolvência civil, p. 332-333.

258 Theodoro Júnior, A insolvência civil, p. 332.

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Verifica-se, por todo o exposto, que o sistem a da insolvência civil, em ­bora incompleto, exigindo em diversos m om entos o emprego da analogia com a Lei de Falências, é instrum ento útil, capaz de perm itir a preservação dos devedores não em presários que, por qualquer motivo, tenham chegado a um a situação de penúria econômica que, sem a existência de m eio destinado a per­m itir sua reabilitação, poderia se tom ar irreversível Curiosam ente, porém , a insolvência civil é pouco ou nada utilizada na prática (ao contrário da falência, institu to que penetrou com profundidade na cultura jurídica e econômica de nosso povo).

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XI

DEFESA DO EXECUTADO

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§ l e EMBARGOS DO EXECUTADO

N enhum a exposição sistem ática sobre o módulo processual de execu­ção poderia pretender ser completa, ainda que sintética, sem que se fizesse referência aos m eios de que dispõe o executado para se defender. No direito processual positivo brasileiro, apenas dois m eios de defesa são encontrados, os em bargos do executado e a impugnação. Além deles, porém , h á outro, de que se falará em seguida, tradicionalm ente designado "exceção de pré-execu- tividade”. N esta prim eira parte do capítulo voltarei as atenções para aquele prim eiro, e mais conhecido, meio de defesa do executado, os embargos.

Como é sabido, no m ódulo processual executivo não há - em regra - julgam ento do m érito. Não significa isso, é bom que se frise, que não exis­ta m érito no m ódulo processual de execução. O m érito, ou seja, o objeto do processo (Streitgegenstand, na linguagem dos juristas alemães) é a pretensão processual m anifestada pelo dem andante. O m ódulo processual de execução, como qualquer outro, inicia-se com a manifestação de um a pretensão, a qual se revela, pois, como o objeto do m ódulo processual executivo, ou seja, o m é­rito da causa.

Essa pretensão m anifestada pelo dem andante, porém, não é julgada no m ódulo processual de execução fundado em título executivo extrajudicial (ao contrário do que se dá nos m ódulos processuais de conhecim ento e cautelar, onde o juízo profere - desde que presentes certos requisitos - julgam ento do

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m érito). Para que possa se provocar um a análise sobre o objeto do m ódulo pro­cessual executivo nesse caso, é preciso, pois, que se instaure outro processo, autônom o em relação àquele, no qual se poderá, então, verificar se a pretensão m anifestada pelo exequente era fundada ou infundada. A este processo autô­nom o se dá o nom e de em bargos do executado.

Os em bargos do executado são, pois, processo autônom o, incidente à execução, de natureza cognitiva, dentro do qual se poderá apreciar a pretensão m anifestada pelo exequente, para o fim de verificar se a m esm a é procedente ou im procedente. Não parece haver m uitas dúvidas em doutrina acerca desta natureza dos embargos do executado, definidos de form a pouco m enos que unânim e como processo de conhecim ento autônom o em relação à execução.1

Cabe aqui, antes de mais nada, um a observação de ordem terminológica. O institu to que ora se analisa recebia, no texto original do CPC, o nom e de "embargos do devedor”. O m esm o Código, em algumas ocasiões, o denom i­nava "embargos à execução”, denom inação que, aliás, parece te r se tom ado a preferida do legislador a partir da edição da Lei n° 11.382/2006. Prefiro, aqui, todavia, falar em "embargos do executado”. É preciso, pois, que se explique esta opção. N ão nos parece adequado falar-se em em bargos do devedor, pois a dem anda aqui estudada pode ser in terposta por quem não seja o devedor.

Referimo-nos, com essa afirmação, a duas hipóteses distintas: em pri­m eiro lugar, pode o responsável não devedor (assim, por exemplo, o fiador), um a vez executado, opor embargos. Não serão, obviamente, em bargos do de­vedor, pois quem propõe a dem anda não tem tal condição. Em segundo lugar, tem -se de adm itir a possibilidade de o executado (apontado como devedor) oferecer embargos exatam ente com o in tu ito de dem onstrar que nada deve - alegando, e. g., já ter efetuado o pagam ento da dívida - , h ipótese em que se teria um paradoxo na afirmação de que os "embargos do devedor” foram ofe­recidos por quem não era devedor.

A outra denominação, "em bargos à execução”, tam bém não parece ade­quada. Isso porque, como se verá ao longo desta exposição, os em bargos nem sem pre se destinam a atacar o processo executivo como um todo, podendo-se

1 D esnecessário alongar m uito as citações. E n tre ou tros, confira-se o que dizem Paulo H en­rique dos Santos Lucon, Embargos à execução, p. 84; A ssis, Manual do processo de execução, p. 958; Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 288. N a dou trin a estrangeira esta posição tam bém se revela dom inan te. A ssim , en tre os ita lianos, Liebm an, Embargos do execu­tado, p. 154; M andrioli, Corso di diritto processuale civile, vol. III, p. 132. Tam bém na dou trina po rtuguesa , com o se vê em C astro M endes, Direito processual civil, vol. III, p. 336-337. N ão se pode deixar de referir, porém , a posição em sen tido con trário do au to r ca tarinense H aroldo Pabst, para quem os em bargos do executado têm natu reza de defesa no processo executivo, e não de processo cognitivo au tônom o (confira-se, pois, H aroldo Pabst, Natureza jurídica dos embargos do devedor, p. 137).

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restringir a im pugnar um certo ato executivo (assim, por exemplo, os em bar­gos fundados na alegação de nulidade da penhora). O Direito italiano conhece dois meios diversos de oposição do executado, que poderiam ser traduzidos por "em bargos à execução” e "embargos aos atos executivos”.2 Existindo ape­nas um institu to no D ireito brasileiro, destinado a exercer aquelas duas fun­ções que no Direito peninsular são exercidas por duas figuras distintas, não nos parece adequada a utilização da denom inação "embargos à execução”, pois ter-se-ia de adm itir que alguns "em bargos à execução” não atacam a execução, m as algum ato executivo.

Parece mais adequada, assim, a term inologia "embargos do executado”. Pouco im porta se o em bargante é devedor, responsável, ou se não ocupa ne­nhum a das duas posições, ele será, e isso é indubitável, o executado (isto é, o dem andado no processo de execução). Da m esm a forma, pouco im porta se os em bargos atacam o processo de execução como um todo, ou apenas algum ato executivo; de qualquer m aneira serão embargos opostos pelo executado. Estas as razões pelas quais prefiro falar em em bargos do executado, e não em "embargos à execução” ou em "embargos do devedor”.3

Im pende registrar, aliás, que o art. 739-A do CPC, inserido no texto da lei pela Lei nQ 11.382/2006, usa a expressão aqui em pregada ("embargos do executado”).

Os em bargos do executado são, pois, processo de conhecim ento, au tôno­mo em relação ao processo executivo fundado em título extrajudicial, em bora a ele ligado por um a relação de prejudicialidade.4 Fala-se aqui em prejudicialida- de porque os em bargos do executado se apresentam como um a dem anda que deverá, necessariam ente, ser apreciada - ao m enos como regra geral - antes do desfecho do processo executivo. Além de exigir julgam ento prévio ao desfecho do processo executivo, os em bargos do executado influirão naquele desfecho, já que - conforme o resultado do julgam ento nele proferido - poderão levar à extinção anôm ala da execução ou a um corte em seus excessos (dim inuindo- -se, por exemplo, o valor do crédito exequendo).

2 Refiro-me, aqui, à opposizione a li esecuzione e à opposizione agli atti esecutivi. Sobre os dois insti­tu tos, M arco 'Ibllio Zanzucchi, Diritto processuale civile, vol. III, p. 283-319.

3 N ão é isolada em doutrina a opção term inológica feita no texto. Basta citar, en tre outros, Assis, Manual do processo de execução, p. 956 e seguintes (onde tra ta da "ação de em bargos do executado”). A lém disso, foi este o títu lo dado à tradução brasileira da obra clássica de Liebman, Le opposiziorú di merito nel processo di esecuzione, que, no Brasil, na tradução de J. Guim arães Mene- gale, cham ou-se Embargos do Executado. A dotando a term inologia em pregada no texto, acabo por fazer um a hom enagem a um ju rista italiano que tan to influenciou a doutrina jurídica brasileira e que tan tos ensinam entos deixou, sobre o D ireito brasileiro, que ele soube in terpretar com o poucos nos anos em que aqui viveu.

4 A ntonio C láudio M ariz de Oliveira, Embargos do devedor, p. 58.

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Registre-se, ainda, que, em bora se venha falando, aqui, nos embargos como processo incidente à execução fundada em título extrajudicial, há no sistem a do CPC dois casos de execução fundada em títu lo judicial em que o executado pode oferecer embargos: a execução contra a Fazenda Pública (art. 741) e a execução por quantia certa contra devedor insolvente.

A dem anda de em bargos do executado, como toda dem anda cognitiva, se identifica, en tre outros elem entos, por um pedido im ediato consistente na postulação de um a sentença de m érito. Discute-se, porém, em doutrina, acerca da natureza de tal sentença.

Há, en tre os estudiosos do tem a, quem afirme que a sentença dos em bar­gos do executado (a que julgue procedente o pedido, obviam ente)5 é sem pre m eram ente declaratória.6 O utros autores preferem afirmar que a sentença de procedência dos embargos tem conteúdo variável, m eram ente declaratório ou constitutivo, conforme o fundam ento dos em bargos.7 Há, por fim, um a tercei­ra corrente, para a qual a sentença de procedência dos em bargos do executado terá sem pre natureza constitutiva.8

Parece-nos mais acertada esta últim a posição. O título executivo, como visto, tem eficácia abstrata, e perm ite a instauração da execução ainda que não exista o crédito afirmado pelo dem andante. Os em bargos do executado terão por fim, assim, retirar a eficácia executiva do título, o que dem onstra seu ca­ráter constitutivo. De nada adiantaria, a nosso juízo, obter-se um a declaração de inexistência do crédito, sem que se retirasse a eficácia executiva do título. A sentença de procedência dos em bargos declarará a inexistência do direito de crédito do embargado (quando este for o fundam ento dos embargos, obvia­m ente), m as não se lim itará a essa declaração. Daí por cjue não a considero, em qualquer hipótese, sentença m eram ente declaratória. E sem pre bom recordar que as sentenças constitutivas têm dois m om entos lógicos: um primeiro, de­claratório, em que se obtém o acertam ento da existência do direito a um a certa modificação jurídica; e um segundo, constitutivo, em que se opera tal modifi­cação. É exatam ente isso que se tem na sentença de procedência dos em bar­gos do executado. N um prim eiro m om ento lógico da sentença, declarar-se-á a existência do direito à retirada da eficácia executiva do títu lo que está à base da

5 É de bom alvitre recordar, neste passo, que apenas as sentenças de procedência são passíveis de classificação, já que as sentenças de im procedência são, sem pre, m eram ente declaratórias.

6 E ntre os defensores desta posição, encontram -se Zanzucchi, Diritto processuale civile, vol. III, p. 273; Lebre de Freitas, A acção executiva, p. 157-158 (esp. no ta de rodapé n° 51).

7 Esta a posição defendida, entre outros, por Lucon, Embargos à execução, p. 292-293; José Ro­gério Cruz e Tlicci, Tbtela processual do direito do executado, in O processo de execução: estudos em homenagem ao Prof. Alcides de Mendonça Lima, p. 244.

8 Liebman, Embargos do Executado, p. 237; T heodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. D, p. 272-273.

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execução (por inexistir o crédito que ele representaria, ou por não ser o crédito exigível, ou por qualquer outro fundam ento); e num segundo m om ento lógico, retira-se a eficácia executiva do título, o que levará à extinção da execução.

A m esm a natureza terá a sentença que, julgando procedentes os em bar­gos, lim itar-se a cortar excessos da execução (pense-se num a execução em que se pretende obter a quantia de dez mil reais, e o executado em barga alegando excesso de execução, afirm ando que a dívida, em verdade, é de sete mil reais). Procedentes os embargos, restringe-se a execução, cortando-se os seus exces­sos, o que implica modificação da situação jurídica anteriorm ente existente. Revela-se, ainda um a vez, portanto, o caráter constitutivo da sentença de pro­cedência dos em bargos do executado.

Afirma-se, pois, nossa adesão à tese segundo a qual a sentença de proce­dência dos em bargos do executado é sem pre constitutiva.

Prevê o Código de Processo Civil um requisito para o oferecim ento dos em bargos do executado, como se vê pela leitura do art. 738 do CPC. Tal requi­sito, porém, não é suficiente para assegurar a apreciação do pedido form ulado na dem anda de embargos. A presença das "condições da ação” e dos pressu­postos processuais tam bém se faz necessária, sob pena de extinguir-se este processo, sem resolução do mérito.

O requisito exigido especificamente para o ajuizam ento da dem anda de em bargos do executado é a tem pestividade, nos term os do art. 738 do CPC. Dispõe esse artigo que "os embargos serão oferecidos no prazo de 15 (quinze) dias, contados da juntada aos autos do m andado de citação”. No caso de cita­ção por carta precatória, o juízo deprecado com unicará im ediatam ente, inclu­sive por m eio eletrônico, ao deprecante que a citação se aperfeiçoou, caso em que o prazo para oferecimento dos em bargos correrá da juntada aos autos da execução dessa comunicação.

Verifica-se, assim, que o prazo para oferecim ento dos em bargos do exe­cutado é sempre de 15 dias, sendo o term o a quo desse prazo a juntada aos au­tos do m andado de citação. Há, porém, caso em que o prazo para oferecimento de em bargos se altera: é a execução fiscal, em que o executado dispõe de trin ta dias para ajuizar sua dem anda incidente.

No caso da execução contra a Fazenda Pública, como se sabe, a executada é citada para opor embargos no prazo de dez dias. O prazo de dez dias, neste caso, e seguindo a sistem ática geral, se inicia com a juntada aos autos do m an­dado de citação cum prido (ou do m andado de intimação, quando se tratar de execução fundada em sentença). Esse prazo, deve-se registrar, foi aum entado para trin ta dias por disposição contida na Medida Provisória n Q 2.180-35, que, a nosso ver, é inconstitucional, por violação dos princípios da isonom ia e da razoabilidade. Registre-se, ainda, que, por haver norm a específica fixando esse prazo em dez dias (art. 730), não se aplica aqui a regra fixada no art. 738 do

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CPC. O prazo para a Fazenda Pública oferecer seus embargos, então, é m enor do que o posto à disposição dos dem ais executados, o que se justifica pelo fato de ser a Fazenda Pública um a parte mais forte do que os particulares, não havendo m esm o razão para que tenha prazos m aiores ou iguais que os demais em um caso assim.

No que concerne à execução por quantia certa contra devedor insolven­te, só há falar em embargos quando se tratar de dem anda executiva ajuizada por credor quirografário, já que na autoinsolvência o devedor ocupa a posição de dem andante. Naquela primeira hipótese, como visto, pedida a declaração de insolvência, o executado é citado para oferecer embargos, no prazo de dez dias. Ainda aqui, e apesar do silêncio da lei, não há razão para fugir à sistemática geral para fixação do term o a quo do prazo, que será a data da juntada aos autos do m andado de citação.

É de se notar que não se aplica, na contagem do prazo para oferecimento de embargos, o disposto no art. 191, ainda que haja diversos executados com advogados diferentes.9 N este sentido, aliás, o disposto no art. 738, § 1Q, do CPC, por força do qual havendo mais de um executado, o prazo para cada um deles corre a partir da juntada do respectivo m andado de citação, salvo tratan- do-se de cônjuges (caso em que o prazo só correrá quando am bos já tiverem sido citados).

Registre-se, por fim, que no caso de te r sido a citação feita por edital, o prazo para oferecimento de em bargos correrá do térm ino da dilação de prazo fixada pelo juiz (entre 20 e 60 dias).

Em todas as espécies de execução, como visto, há que se observar o requisito tem poral para o oferecim ento dos em bargos do executado. Intem ­pestivos os embargos, deverá o processo incidente ser extinto, sem resolução do m érito. Este prazo para oferecimento dos embargos, porém, gera certa per­plexidade. É certo que, para alguns autores, trata-se de prazo preclusivo.10 Esse entendim ento, porém , e com a devida vênia, não pode prosperar. A preclusão, como se sabe, é fenôm eno endoprocessual, ou seja, só produz efeitos dentro do processo em que se m anifesta. Ora, sendo os em bargos do executado um processo autônom o, não se pode querer explicar o fenôm eno da impossibilida­de de oposição de em bargos após o decurso do prazo fixado no art. 738 através do conceito de preclusão. A nosso sentir, o que se tem aí é um elem ento ligado ao interesse de agir (mais especificamente, ligado à adequação do meio pelo qual se pretende obter a tu te la jurisdicional). Como se sabe, o interesse de agir, que pode ser definido como a utilidade da tu te la jurisdicional pretendi­da, só está presente quando tal tu te la jurisdicional é necessária, e quando se pretende obter o provim ento adequado, pelo meio adequado, para solução da

9 Lucon, Embargos à execução, p. 224.

10 Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, vol. III, p. 108.

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crise que provocou a necessidade de tu te la jurisdicional (o que se tem aqui é, pois, o binômio necessidade da tu te la jurisdicional + adequação do provim en­to pleiteado e do meio escolhido para sua obtenção). Decorrido o prazo de 15 dias a que se refere o art. 738, não será mais adequada a utilização dos em ­bargos do executado como meio de o dem andado na execução apresentar sua defesa. Nada im pedirá que ele se utilize de outros m eios (como, por exemplo, a propositura de um a "ação declaratória da inexistência da obrigação”), mas não será mais adequado pleitear a tu te la jurisdicional através dos embargos. Faltará, pois, interesse de agir, por inadequação do meio empregado para ob­tenção da tu te la jurisdicional.11 Aquele que em bargar após o decurso do prazo, pois, será considerado "carecedor de ação”, por falta de interesse de agir (mais especificamente, por falta de interesse-adequação).

Além da garantia do juízo e da tempestividade, duas outras questões merecem aqui nossa atenção: a com petência para o processo dos em bargos do executado e a legitim idade para embargar.

Sobre a com petência para o processo dos em bargos não há, em princípio, m aior dificuldade. Isso porque, nos term os do que dispõe o parágrafo único do art. 736 do CPC, os autos do processo de embargos do executado serão distri­buídos por dependência e apensados aos autos do processo principal (assim entendidos os autos onde se processa a execução). Parece óbvio, assim, que é com petente para os em bargos do executado o m esm o juízo da execução.12 Trata-se de com petência funcional e, por conseguinte, inderrogável (o que sig­nifica afirmar que qualquer outro juízo será absolutam ente incom petente).13

Essa regra, porém, pode ser alterada, quando se está diante do que o di­reito objetivo denom inou "execução por carta”. Trata-se de tem a regulado pelo art. 747 do CPC, que considera "execução por carta” aquela em que alguns atos do processo (e, entre eles, atos executivos, como a penhora e a arrem a­tação) são realizados em juízo diverso daquele onde se instaurou o processo de execução. Basta pensar num processo de execução que tram ita perante um dos juízos cíveis da comarca do Rio de Janeiro, num caso em que o domicílio do executado (lugar onde, tam bém , encontram -se os seus bens) seja na co­marca de Belo Horizonte. N este caso, será preciso que se expeça um a carta precatória, para que o juízo deprecado (o de Belo Horizonte) realize a citação

1J A conclusão análoga chega Assis, Manual do processo de execução, p. 991, em bora tam bém fale em preclusão tem poral, ao afirm ar que “extinguiu-se apenas a oposição à execução no sentido de rem édio processual, subsistindo a ação de direito m aterial, que desenganadam ente autoriza, sem determ inar em pecilhos ao processo executivo, a ação porventura cabível” . Ao m esm o re­sultado (em bora falando, tam bém , em preclusão), chega Pabst, Natureza jurídica dos embargos do devedor, p. 101.

12 N este sentido, Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 289.

13 Por todos, Lucon, Embargos à execução, p. 213. Assim é tam bém em outros sistem as, como o italiano, conforme apontado por Liebman, Embargos do executado, p. 222.

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do dem andado, a penhora, a avaliação e a expropriação dos bens apreendidos, para que se possa alcançar o desfecho do processo que tram ita perante o juízo deprecante (o do Rio de Janeiro).

N este caso, segundo o teor do art. 747 do CPC, os embargos poderão ser opostos tan to no juízo deprecante como no deprecado, m as este só será com petente para apreciar em bargos do executado que versem exclusivamente sobre vícios da penhora, avaliação e expropriação de bens. Nos dem ais casos, com petente para os em bargos do executado será o juízo deprecante.

Assim, por exemplo, se o executado oferecer em bargos para discutir o valor da execução (alegando, pois, excesso de execução), será com petente para os em bargos o juízo deprecante. De outro lado, versando os em bargos sobre um a nulidade da penhora, ou em se tratando de embargos de segunda fase (art. 746 do CPC), será com petente o juízo deprecante.

É de se notar que o juízo deprecado só é com petente para embargos que versem unicam ente sobre vícios da penhora, avaliação ou expropriação de bens. Oferecidos os em bargos com duplo fundam ento, um versando sobre vícios da penhora, avaliação ou alienação (por exemplo, nulidade da penhora, por te r incidido sobre bem absolutam ente impenhorável), o outro sobre tem a estranho ao juízo deprecado (e. g., falta de legitimidade ativa do exequente), será com petente para apreciação da dem anda o juízo deprecante. Observe-se que, neste caso, o juízo deprecante será com petente, tam bém , para conhecer e julgar aquela questão que, alegada como fundam ento único dos embargos, faria com que se considerasse com petente o juízo deprecado.14

É de se registrar, por fim, que com o claro intuito de proteger o embar- gante, que tem, assim, maior facilidade de acesso à via dos embargos para apre­sentar sua oposição à execução ou aos atos executivos, perm itiu a lei processual que os embargos do executado fossem ajuizados em qualquer dos dois juízos, deprecante ou deprecado, pouco im portando se a apresentação da petição ini­cial da dem anda de embargos se deu ou não no juízo com petente para sua apre­ciação. Assim, apresentados os embargos num dos juízos (e. g., o deprecado), e sendo com petente o outro (no exemplo figurado, o deprecante), aquele provi­denciará a remessa, a este, da petição inicial da dem anda de oposição.

O utra questão que não pode deixar de ser abordada é a da legitimidade das partes para o processo de embargos. É certo que, em linha de princípio, não há qualquer dificuldade sobre o ponto, sendo legitim ado ativo o executado (que será o em bargante), e passivo o exequente (que será o embargado).

A dificuldade (e, com ela, a divergência doutrinária) surgia quando ha­via, no processo executivo, litisconsórcio passivo. N este caso, em que h á di­

14 No sentido do texto, Assis, Manual do processo de execução, p. 988; Berm udes, A reforma do Código de Processo Civil, p. 151.

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versos executados, podia ocorrer que fosse penhorado bem de apenas um (ou alguns) deles. N esse caso, então, era de se questionar se apenas o executado que teve bens penhorados teria legitim idade para opor em bargos, ou se tam ­bém os outros, que não sofreram constrição patrim onial, poderiam ajuizar em bargos do executado.

Segundo alguns autores, apenas o executado que teve bens penhorados estaria legitimado a ajuizar em bargos do executado. O fundam ento desta tese era simples: para seus defensores, aquele que não sofreu constrição patrim o­nial não estaria, em verdade, sendo executado e, por conseguinte, não poderia oferecer em bargos do executado.15

O utros autores, porém, sem pre afirmaram que, penhorado um bem de um dos litisconsortes passivos do processo executivo, não só este, mas tam ­bém aqueles que não tiveram bens alcançados pela penhora poderiam ajuizar embargos do executado.16 Este últim o era, realmente, o m elhor entendim ento. Os dem andados no processo de execução sempre tiveram, todos, legitimidade para opor embargos. O fato de se ter efetivado a penhora de bens de apenas um deles não alterava essa constatação. Isso porque a penhora sem pre teve por finalidade a garantia do juízo, razão pela qual deve ela ser feita sobre bens que bastem para assegurar a satisfação do crédito exequendo. Conseguido este desi- derato com a apreensão de bens de um dos executados, não haveria razão para que outros bens, dos outros demandados, fossem penhorados apenas para que eles adquirissem legitimidade para oferecer embargos do executado. Ocorre que esses demandados, apesar de não terem visto a penhora recair sobre seus bens, podiam ter razões para atacar a execução através de embargos (porque, por exemplo, pretendiam alegar o pagamento da dívida, ou ilegitimidade ad causam, ou prescrição). Além disso, é bom lembrar que o produto da expropria­ção do bem penhorado pode se revelar insuficiente para a satisfação do crédito, caso em que se poderá fazer nova penhora, sendo possível que esta incida sobre bem de algum dos outros litisconsortes passivos. Não parecia razoável, pois, que se considerasse que aquele dem andado não tinha legitimidade para opor

15 Assim , en tre outros, Baptista da Silva, Curso de processo civil, vol. II, p. 113; Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. II, p. 275.

16 Lucon, Embargos à execução, p. 242; Assis, Manual do processo de execução, p. 1.009-1.010. Esta é a tese que se m ostrava vitoriosa na jurisprudência do STJ, com o se pode ver no acórdão proferido pela 4a Tlirma daquela Corte no Agravo Regimental no Agravo de Instrum ento n fi 27 .981-3-RN, relator o ilustre processualista Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, in LEX-JSTJ e TRF 49 /45 , onde se lê, na em enta, o seguinte: “N os term os da jurisprudência desta C orte e da orientação firm ada no Suprem o Tribunal Federal na vigência do sistem a constitucional anterior, o codevedor osten ta legitim idade para opor em bargos à execução, m esm o que não tenha sofrido constrição em qualquer de seus bens, desde que seguro o ju ízo por algum dos coobrigados.” No acórdão, unânim e, encontram -se tam bém os votos dos M inistros Barros M onteiro, Bueno de Souza, Fontes de Alencar e A thos Gusm ão Carneiro (este, tam bém , insigne processualista, dos m ais respeitados do Brasil).

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embargos do executado. Fiquei sempre, assim, com a posição dominante, que se revelava mais adequada à realidade. A partir da entrada em vigor da Lei nQ11.382/2006, porém, que - abandonando antiga tradição do direito processual brasileiro - fez com que a prévia garantia do juízo deixasse de ser requisito para oferecimento dos embargos do executado, toda essa controvérsia perdeu sentido. Hoje, indubitavelm ente, todos os litisconsortes passivos na execução podem, após a citação, oferecer seus embargos.

Vistas todas essas questões prelim inares, é de se passar à análise do pro­cedim ento dos em bargos do executado, deixando-se para a seqüência o estudo das m atérias que podem ser alegadas pelo em bargante.

Esse procedim ento começa, obviamente, com a apresentação, em juízo, de um a petição inicial (já que se tra ta de dem anda autônom a), a qual será subm etida à apreciação do juiz da execução. Como há, aqui, um juízo em tese com petente para apreciar os embargos, é de se considerar p roposta a ação quando for proferido o prim eiro despacho (art. 263 do CPC). E de se notar, po­rém, que os em bargos serão tem pestivos se a petição inicial for protocolizada em juízo (ou em protocolo integrado dos juízos, como o que existe na comarca do Rio de Janeiro) dentro do prazo de 15 dias a que se refere o art. 738 do CPC. A data em que será prolatado o prim eiro despacho é, para o fim de determ inar a tem pestividade dos em bargos do executado, irrelevante.

Poderá o juiz, nos casos previstos no art. 739 do CPC, rejeitar liminar­m ente os embargos. São casos de rejeição lim inar dos embargos do executado a intem pestividade (art. 7 3 9 ,1), a inépcia da petição inicial (art. 739, II), ou o caráter m anifestam ente protelatório dos m esm os (art. 739, III). N este últim o caso de rejeição liminar, deverá o juiz fixar m ulta, de até 20% sobre o valor da execução, em favor do exequente (art. 740, parágrafo único, do CPC).

O ato judicial de rejeição lim inar dos em bargos do executado é sentença e, como tal, pode ser atacada através de apelação (não tendo o recurso, neste caso, efeito suspensivo, conforme dispõe o art. 520, V, do CPC).

Não sendo caso de rejeição liminar, serão recebidos os em bargos do exe­cutado, havendo, pois, necessidade de que se estude, aqui, os efeitos de tal recebimento.

Por força do disposto no art. 739-A do CPC, os em bargos do executado serão recebidos sem efeito suspensivo. Poderá o juiz, porém , a requerim ento do em bargante, atribuir efeito suspensivo aos embargos, desde que presentes alguns requisitos. Registre-se, desde logo, que a lei exige expressam ente o requerim ento do executado para que o efeito suspensivo seja atribuído aos em bargos, o que distingue o sistem a de atribuição ope iudicis do efeito suspen­sivo aos em bargos do sistem a de atribuição desse m esm o efeito à im pugna­ção à execução de sentença, em que a concessão pode se dar - como se verá adiante - ex officio.

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O primeiro requisito (do ponto de vista lógico, já que a lei não foi feliz na ordem em que os enum erou) é já ter sido garantido o juízo. Este requisito será exigido quando se tratar de execução por quantia certa contra devedor solvente ou execução para entrega de coisa (e se dará, respectivamente, pela penhora ou pelo depósito). Não se pode pensar em garantia do juízo em execução de obri­gação de fazer ou de não fazer. Tampouco há como se exigir garantia do juízo na execução contra devedor insolvente (afinal, se o executado tivesse como ga­rantir o juízo, não seria insolvente). Além disso, na execução contra a Fazenda Pública não há que se pensar em garantia do juízo, eis que são impenhoráveis os bens públicos.

Além disso, exige a lei que sejam "relevantes os fundam entos” dos em ­bargos e que o prosseguim ento da execução seja capaz de gerar para o execu­tado "grave dano de difícil ou incerta reparação”. Em outras palavras, a sus­pensão da execução, que se dará ope iudicis (isto é, por decisão judicial), exige a presença do fum us boni iuris e do periculum in mora.

A decisão que defere ou indefere o efeito suspensivo, registre-se, é sem ­pre tem porária, podendo ser modificada a qualquer tem po, se modificadas as circunstâncias que a motivaram. Assim, por exemplo, indeferido o efeito sus­pensivo por falta de periculum in mora, pode acontecer de esse requisito aparecer em razão de algum fato superveniente, o que justificará a concessão do efeito antes negado. Pode-se, então, dizer que a decisão sobre o efeito suspensivo é sem pre proferida rebus sic standbus.

O efeito suspensivo pode ser atribuído de form a to tal ou parcial. Pense- -se, por exemplo, em em bargos em que o executado tenha se lim itado a alegar a nulidade da penhora de um dentre os diversos bens apreendidos. Nesse caso, só faria sentido a atribuição do efeito suspensivo quanto aos atos executivos que dissessem respeito a esse bem, e não quanto aos demais. Há que se notar, porém, que, apesar de ser com um em doutrina a referência à suspensão parcial do processo executivo,17 esta não é, em verdade, expressão das mais próprias, pois não explica com acerto o que ocorre com o processo executivo.18 Volta­rei ao tem a adiante, quando do estudo da suspensão do processo executivo, m as é certo que a expressão suspensão parcial contém um a im propriedade, sendo verdadeira contradição em seus próprios term os. Sendo a suspensão do processo um a situação em que nenhum ato processual pode ser praticado, é paradoxal adm itir a existência de um a suspensão parcial, em que o processo estaria suspenso, mas os atos processuais estariam sendo praticados. Não há, em verdade, qualquer suspensão nesse caso, m as m era redução do objeto da execução enquanto pendente de julgam ento a dem anda de embargos. Rejei­tados os embargos (no m érito, ou extinto o processo incidente sem que este

17 Entre outros, Zanzucchi, Diritto processuale civile, vol. III, p. 399.

18 A m esm a crítica que aqui se faz é encontrada em Dinam arco, Execução civil, p. 142-143.

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tenha sido resolvido), o objeto da execução será reposto ao estado anterior, e poderão ser praticados os atos processuais necessários para a satisfação da parte do crédito que havia sido posta em discussão nos embargos. Procedentes estes, a execução será definitivam ente reduzida aos term os em que já se en­contrava, em bora parcialmente.

Além disso, no caso de litisconsórcio passivo na execução, oferecidos os em bargos por apenas um dos executados, o efeito suspensivo eventualm ente deferido só alcançará os atos executivos destinados a invadir o patrim ônio do em bargante, salvo se o fundam ento dos em bargos for com um a eles, tam bém . Pense-se, por exemplo, em um a execução movida em face do devedor principal e do fiador de um a obrigação qualquer. Pode acontecer de só o fiador oferecer em bargos e alegar a nulidade da fiança, fundam ento que só a ele interessa. Pode ele, porém, em bargar para alegar a nulidade da obrigação principal, caso em que seus em bargos beneficiarão o outro executado, a quem o fundam ento tam bém interessa. Trata-se de mais um caso de "suspensão parcial”, que difere da ou tra porque aqui, em vez de um a redução objetiva da execução enquanto os em bargos esperam julgam ento, o que se tem é redução subjetiva. N este caso, a execução prosseguirá, apesar do recebim ento dos embargos do executado, mas só será possível a prática de atos processuais, na execução, que incidam sobre o patrim ônio do executado que não embargou. Conforme o resultado final dos embargos, será possível ou não prosseguir com a execução com relação ao se­gundo dem andado (que ajuizou seus em bargos do executado).

Curiosa disposição se encontra no § 62 do art. 739-A do CPC. Segundo esse dispositivo, a concessão de efeito suspensivo aos em bargos "não im pedirá a efetivação dos atos de penhora e de avaliação dos bens”. Sendo, porém , a penhora um requisito para a concessão do efeito suspensivo aos embargos, e tendo em vista o fato de que a avaliação se faz no m esm o m om ento em que a penhora, é evidente que penhora e avaliação já terão acontecido no m om ento em que o efeito suspensivo for concedido, o que to rna absolutam ente inútil esse dispositivo, verdadeira excrescência, que jamais se conseguirá aplicar.

A tribuído o efeito suspensivo, suspende-se o processo executivo. Em ou­tras palavras: até o julgam ento dos embargos do executado não se poderá pra­ticar nenhum ato processual no processo executivo, ressalvados os de caráter urgente (art. 793 do CPC). Entendo, porém , ser aqui aplicável, por analogia, o que dispõe o art. 475-M, § 1Q, do CPC, sendo possível ao exequente, no caso de ter sido atribuído efeito suspensivo aos em bargos do executado, requerer o prosseguim ento da execução, desde que preste caução suficiente.

É de se notar que a norm a que estabelece a suspensão do processo exe­cutivo por força do recebim ento dos em bargos do executado tem natureza de norm a geral, nada im pedindo que sejam criadas norm as excepcionais, que es­tabeleçam exceções a esta regra. É o que se tem, por exemplo, no art. 745, § 22, do CPC, que perm ite a prática de atos processuais na execução quando ainda

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pendente de julgam ento a dem anda de em bargos por retenção de benfeitorias (mesmo que tenha sido atribuído efeito suspensivo aos em bargos).

Recebidos os embargos do executado, será o em bargado citado para ofe­recer sua impugnação, no prazo de 15 dias (art. 740 do CPC).

Considerando que os em bargos do executado têm natureza de processo cognitivo autônom o, parece fora de dúvida que esta convocação do exequente tem natureza de citação.19 A citação, porém, será feita ao advogado do em bar­gado (constituído para o processo executivo), podendo ser realizada através da im prensa oficial (em bora não haja regra que impeça a realização da citação por m andado ou por via postal)

O em bargado é, assim, citado para oferecer im pugnação aos embargos, no prazo de 15 dias. Esta im pugnação corresponde, em sua essência, a um a contestação, a ela se aplicando, pois, todas as regras constantes nos arts. 300 a 303 do CPC.

A ausência de impugnação aos em bargos implica revelia, presum indo-se (iuris tantum ) verdadeiros os fatos alegados pelo em bargante em sua petição inicial.21

Decorrido o prazo para que seja oferecida a impugnação aos embargos, tenha ela sido apresentada ou não, deve o juiz verificar se algum a das provi­dências prelim inares se faz necessária (CPC, arts. 323 a 328 do CPC). Após as providências prelim inares que se faziam necessárias, ou não havendo necessi­dade delas, o juiz deverá proferir o julgam ento conforme o estado do processo, verificando se é caso de extinção do processo (art. 329 do CPC) ou de julga­m ento antecipado do pedido (art. 330). Este será realizado apenas em duas si­tuações. Em prim eiro lugar, há que se conceber a hipótese em que as questões de m érito nos em bargos são todas de direito, ou - sendo de direito e de fato - não haja necessidade de colheita de prova oral (pense-se, por exemplo, na hi­pótese em que os em bargos tenham sido oferecidos sob o fundam ento de que já se teria operado a prescrição do crédito exequendo). N este caso, deverá o juiz proferir a sentença de imediato. Havendo, porém, necessidade de colheita de prova oral, deverá ser designada um a audiência de conciliação, instrução e julgam ento, onde será realizada toda a atividade probatória. N este caso, o juiz deverá proferir a sentença na própria audiência ou no prazo de dez dias.

19 Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 294, onde o au tor se refere à intim ação prevista no tex to original do art. 740 do CPC, afirm ando “tratar-se, substancialm ente, de ato citatório”.

20 Lucon, Embargos à execução, p. 235.

21 Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 295-296; Assis, Manual do processo de exe­cução, p. 1036-1038. Contra, entendendo que a revelia nos em bargos do executado não produz efeitos, Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. II, p. 281.

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Contra a sentença que julgar procedentes os embargos do executado ca­berá apelação, a ser recebida no "duplo efeito” (devolutivo e suspensivo). Já contra a sentença que os extinguir sem resolução do mérito, ou os julgar im ­procedentes, a apelação será tam bém o recurso adequado, mas não se produzi­rá, neste caso, o efeito suspensivo, podendo a execução retom ar seu curso nor­mal.22 Registre-se, aliás, que por força do disposto no art. 587 do CPC, no caso de ter sido atribuído efeito suspensivo aos em bargos do executado e terem eles sido julgados im procedentes, a pendência da apelação to m a provisória a execução baseada em título extrajudicial (e que antes, portanto, era definitiva). Peço vênia para repetir algo que já foi dito antes nestas Lições. A interpretação literal desse dispositivo contraria a lógica mais elementar. O que é definitivo não pode se to rnar provisório. A execução continua a ser, aí, definitiva. O que a lei quer dizer é que, nesse caso, a realização de atos de alienação dos bens penhorados, ou que im pliquem transm issão da propriedade, dependerão da prestação de caução, aplicando-se, no que couber, o disposto no art. 4 7 5 -0 do CPC. Aplicar-se-ão, tam bém , as regras veiculadas por esse artigo de lei referentes à responsabilidade objetiva do exequente no caso de ser provido o recurso ainda pendente.

Visto o procedim ento dos em bargos do executado, que será sem pre este que acaba de ser descrito, é de se passar à análise das m atérias que podem ser alegadas pelo em bargante. O CPC, neste passo, deu tratam ento diverso aos em bargos conforme sejam eles incidentes à execução fundada em título judicial (contra a Fazenda Pública, já que nas execuções movidas em face de outros devedores caberá o oferecim ento de impugnação, e não de embargos) ou extrajudicial. Esta diversidade de tratam ento se justifica pelo fato de que, em se tratando de execução fundada em título judicial, já houve um m ódulo processual cognitivo anterior, não se podendo adm itir que nos em bargos se pretenda reabrir discussões que já aconteceram (ou, pelo menos, que pode­riam ter ocorrido) naquele prim eiro m ódulo processual.

É, pois, em respeito à eficácia preclusiva da coisa julgada (art. 474 do CPC), que o art. 741 do Código de Processo Civil enum era, exaustivamente, as m atérias que podem ser alegadas nos em bargos incidentes à execução fundada em título judicial contra a Fazenda Pública.23 Todas essas m atérias, como se

22 É de se notar que o art. 520, V, do CPC, prevê que a apelação será recebida sem efeito sus­pensivo quando in terposta contra a sentença que "rejeitar lim inarm ente em bargos à execução ou julgá-los im procedentes". Apesar da redação da norma, porém , é de se considerar que tam bém no caso em que os em bargos são recebidos (não ocorrendo, assim , a rejeição liminar) e, depois, é proferida sentença term inativa - pondo term o ao processo sem resolução do m érito - , a apelação deverá ser recebida som ente no efeito devolutivo. N este sentido, aliás, já havia m e pronunciado anteriorm ente em Lineamentos do novo processo civil, p. 101.

23 Im portante observar que, apesar do silêncio da lei, o art. 741 só se aplica quando a execução contra a Fazenda Pública se fundar em títu lo judicial. Extrajudicial o títu lo e a Fazenda Pública poderá oferecer em bargos com base no d isposto n o art. 745 do CPC.

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verá adiante, são supervenientes à formação do títu lo executivo (com um a úni­ca exceção, contida no inciso I daquele artigo, de que se tratará mais à fren te).

Já nos em bargos à execução fundada em título executivo extrajudicial, conforme o disposto no art. 745, tem o executado m aior campo de atuação, pois adm ite-se a alegação, nesta sede, de qualquer m atéria de defesa que seria lícito alegar em defesa num processo de conhecim ento. Não se deve pensar, porém, que o art. 745 autoriza o executado a alegar, nos em bargos opostos à execução por título extrajudicial, qualquer m atéria de defesa. Apenas aquelas que poderiam ser trazidas como defesa num processo cognitivo poderão ser apreciadas em sede de embargos. Pense-se, por exemplo, num a execução que tenha por títu lo um a nota prom issória. É sabido que este título, assim como os dem ais títulos cambiais, tem entre suas características a abstração. Significa isso dizer que os títu los de tal natureza adquirem natureza independente do negócio jurídico a eles subjacente. Sobre o tem a, é de se transcrever a lição de em inente ju rista de São Paulo: "Às características assinaladas acrescente-se a abstração, com um à letra de câmbio e à nota prom issória. 'O sistem a jurídico exige que todo ato de atribuição patrim onial (tanto de natureza real como obri- gacional) seja justificado por um a causa, por um a razão objetiva lícita credendi, solvendi, donandi’, preleciona Tullio Ascarelli. Todavia, há títu los que adquirem eficácia cambiária independente da causa debendi, num a com pleta abstração ao negócio que lhe deu origem. A obrigação cambial não é, certam ente, um a obri­gação sem causa, mas é um a obrigação cuja causa é a letra, e sobre a causa da letra nenhum a influência direta pode exercer, afirma W hitaker.”24

Verifica-se, assim, que há títulos de crédito (como os dois referidos no trecho transcrito acima: no ta prom issória e letra de câmbio), que corporificam um crédito que, um a vez surgido, vê a sua origem, a causa debendi, tom ar-se irrelevante. Assim, ajuizada dem anda executiva com base num destes títulos, não se poderá adm itir que os em bargos tenham por fundam ento qualquer m a­téria ligada à causa, à origem daquela obrigação. É o que se dá, por exemplo, quando alguém, em razão de dívida de jogo, assina um a nota promissória. Sendo este títu lo abstrato e, portanto, irrelevante a causa debendi, não se poderá alegar, nos em bargos à execução, que a tenha como título, que a causa da obri­gação é ilícita. Há, pois, nestes casos, um a limitação à cognição, m esm o em se tratando de execução fundada em títu lo extrajudicial.25

24 A m ador Paes de Almeida, Teoria e prática dos títulos de crédito, p. 5.

25 Assis, Manual do processo de execução, p. 980-981. D iscordo do ilustre processualista gaúcho apenas no que concerne à utilização, em sua obra, da expressão “cognição sum ária” para de­signar o fenôm eno aqui referido. A m eu juízo, a cognição aqui é exauriente e não sum ária, já que a sentença nos em bargos do executado será proferida com base em juízo de certeza. O que se tem aqui não é um a variação da cognição no plano vertical, da profundidade, m as no plano horizontal, da am plitude, o que m e leva a concluir que a hipótese é de cognição lim itada (que se opõe à cognição plena). No sentido do que aqui se sustenta , Kazuo W atanabe, Da cognição no

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Verifica-se, pelo que foi exposto até aqui, que é impossível ao processua­lista realizar um a análise sistem ática das m atérias que podem ser alegadas nos em bargos à execução fundada em título extrajudicial. Esta análise dependeria de um a verificação de cada título desta natureza no plano do direito substan­cial, o que não pode ter lugar nesta sede. Não é isso, porém, o que se dá no concernente ao elenco de m atérias que podem ser alegadas nos em bargos à execução fundada em títu lo executivo judicial contra a Fazenda Pública, pois neste caso há um elenco (que, como dito, é exaustivo) de m atérias que po­dem ser alegadas, estando quase todas elas mencionadas no art. 741 do CPC. Diz-se "quase todas” porque há um a outra m atéria dedutível nos em bargos à execução fundada em título judicial que será encontrada no art. 33, § 3Ô, da Lei n Q 9.307/1996 (Lei de Arbitragem ). Passo, assim, à análise de cada um a das m atérias que podem ser alegadas em em bargos do executado incidentes à execução fundada em títu lo executivo judicial.

I - Falta ou Nulidade de Citação

Como é sabido, a citação é ato essencial para que se complete a relação processual, fazendo com que o réu se tom e parte do processo, sujeito do con­traditório, legitim ando-se, assim, o provim ento jurisdicional proferido para produzir efeitos sobre sua posição jurídica. Assim sendo, não se pode adm itir o regular desenvolvim ento do processo sem que seja regularm ente citado o dem andado. É certo, porém , que o com parecim ento espontâneo do réu faz com que seja sanada a falta ou nulidade da citação. Estabelecidas estas ideias básicas, pode-se entender por que apenas nos casos de revelia do dem andado é que a ausência de citação válida (ou, mesmo, a ausência pura e sim ples de citação) será relevante.26

Sabe-se, tam bém , que os vícios do processo são, via de regra, sanáveis, pois que a coisa julgada possui eficácia de "sanatória geral”. Assim, m esm o a nulidade absoluta pode ser sanada pela formação da coisa julgada. Após a for­mação desta, porém , pode surgir outro tipo de vício, a rescindibilidade, tam ­bém sanável pelo decurso do tem po, pois que o direito de rescindir a sentença

processo civil, p. 87, ressalvando o culto processualista paulista que a lim itação aqui se dá apenas no plano do direito substancial e não no plano puram ente processual, já que neste só se pode falar em lim itação da cognição com referência a um objeto do processo já estabelecido.

26 Esta observação, segundo a qual a falta ou nulidade da citação só é relevante em caso de revelia, aplica-se aos processos de conhecim ento e cautelar, m as não ao executivo, onde não há que se falar em revelia. Para que se use expressão capaz de abranger as três m odalidades de processo, seria necessário falar-se que a falta ou nulidade de citação só é relevante nos processos em que o dem andado não integra o contraditório. N este passo, porém , in teressa tão som ente a falta ou nulidade de citação no processo cognitivo, razão pela qual se em prega a expressão que vai no texto.

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de m érito transitada em julgado desaparece após o decurso de dois anos da formação da autoridade de coisa julgada substancial (art. 495 do CPC). Surge, então, a coisa soberanam ente julgada.

Assim sendo, e em linha de princípio, é de se considerar que nenhum vício seria capaz de sobreviver à formação da coisa soberanam ente julgada, o que tom aria impossível qualquer discussão sobre o tem a. É inegável, porém, que a falta ou nulidade de citação, num processo em que o dem andado não tenha integrado efetivam ente o contraditório, pode ser arguida m esm o depois do prazo decadencial do direito à rescisão da sentença de m érito transitada em julgado (ou seja, m esm o após o decurso do prazo do art. 495 do CPC). Esta alegação poderá ser feita em ação autônom a (tradicionalm ente chamada querella nullitatis) ,27 desvinculada inteiram ente de qualquer m ódulo processual executivo, ou através de em bargos do executado.28

É m uito discutida, em sede doutrinária, a natureza do vício existente so ­bre a sentença proferida em processo onde o réu revel não foi citado (ou não o foi validam ente). Há quem afirm e tratar-se de sentença inexistente,29 o que nos parece, data venia, equivocado. A sentença, na hipótese aqui considerada, contém seus elem entos constitutivos m ínim os. Foi proferida e assinada por juiz, e contém um a decisão, anunciada na sua parte dispositiva. Não se pode, a nosso juízo, considerar-se que tal sentença seja um "nada” jurídico (mesm o porque seria, para dizer o m ínim o, um contrassenso afirmar-se a possibilida­de de propositura de "ação rescisória” para se pleitear a rescisão de algo que não existisse).

Há, tam bém , quem considere a sentença proferida em processo de que não participou o réu, sem que tenha sido ele citado regularm ente, caso de nulidade absoluta.30 Tratar-se-ia, segundo os defensores desta corrente, de nu ­lidade absoluta capaz de sobreviver ao trânsito em julgado. Assim, porém, não nos parece. Em prim eiro lugar, a adm itir-se que se tem aqui nulidade absoluta,

27 Sobre a querella nullitatis, consulte-se Adroaldo Furtado Fabrício, Réu revel não citado, “que­rella nullitatis,, e ação rescisória, RePro 48 /27 .

28 D urante o prazo de dois anos a contar do trânsito em julgado da sentença, som a-se a estes dois meios de arguição do vício (querella nullitatis e em bargos do executado) m ais um: a “ação rescisória” .

29 Entre outros, assim se m anifestam Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, vol. III, p. 113; Dinamarco, N otas à tradução brasileira do Manual de direito processual civil, vol. I, de Liebman, nota 167-CRD, p. 269. É de se dizer, aliás, que a lição de Liebman sobre o tem a é algo confusa, pois confunde aquele ilustre ju rista os conceitos de ato nulo e ato inexistente, afirmando o seguinte: “Só um desses vícios, o m aior de todos, a falta de citação, é ainda hoje motivo de nulidade abso­lu ta ou de inexistência da sentença” (Liebman, Nulidade da sentença proferida sem citação do réu, in Estudos sobre o processo civil brasileiro, p. 185).

30 Barbosa M oreira, Comentários ao Código de Processo Civil, p. 97 (e n o ta de rodapé n° 16); T heodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. II, p. 283.

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estar-se-ia adm itindo ser inadequada a afirmação, feita em passagem anterior desta obra (quando do estudo dos vícios dos atos processuais), segundo a qual as invalidades internas do processo (nulidade absoluta, nulidade relativa e anulabilidade) são sanáveis pela formação da coisa julgada. Um a de duas: ou está errada a afirmação aqui repetida, ou a sentença de que presentem ente se tra ta não é eivada de nulidade absoluta. Além disso, é de se considerar que a nulidade absoluta, como as demais invalidades processuais, se resolve na atipi- cidade do ato processual. Praticado o ato conforme o tipo previsto em lei, é de se considerar que o m esm o é válido. Ora, é sabido que a sentença tem três ele­m entos essenciais: relatório, motivação e dispositivo. A ausência deste últim o é causa de inexistência jurídica da sentença, enquanto a ausência de qualquer dos outros dois implica nulidade absoluta. Trata-se, pois, a nulidade absoluta de vício de forma. Não é, a nosso sentir, o que se tem aqui. Típico o ato (ou seja, realizado conforme as prescrições e solenidades contidas na norm a), é de se reputar o m esm o um ato válido.

A nosso sentir, a sentença proferida em processo onde não houve regular citação do réu (tendo este, obviamente, perm anecido revel) é ato ineficaz.31 Estou convencido de que a sentença de que ora se tra ta existe e é válida. Não é, porém, capaz de produzir efeitos. O vício que aqui se apresenta assemelha-se, por tudo e em tudo, ao que se tem nos casos em que é proferida sentença de m érito num processo em que se encontrava ausente um litisconsorte neces­sário. Trata-se de decisão inutiliter data, ou seja, o provim ento assim proferido é absolutam ente ineficaz, sendo - dessa forma - incapaz de produzir efeitos jurídicos. A querella nullitatis seria, assim, um a dem anda de m era declaração da ineficácia da sentença.

Seria, a rigor, desnecessário adm itir-se a possibilidade de rescisão dessa sentença (o que tom aria a "ação rescisória” inadmissível, pois faltaria interesse de agir, por inexistência da necessidade da tu tela jurisdicional). Da m esm a for­ma, parece desnecessário oferecer-se embargos do executado, já que - a rigor - a sentença condenatória que serve de base à execução é incapaz de produzir o efeito executivo. É de bom alvitre, porém, que se adm ita tan to a propositura de "ação rescisória” como o ajuizamento de embargos do executado (estes ex­pressam ente autorizados por lei - art. 741, I, do CPC), para que se obtenha a declaração da ineficácia da sentença, pois a utilidade destes meios é inegável. O sistem a processual, nesse passo, abre mão do tecnicismo em favor de um a m aior efetividade, pondo-se à disposição do jurisdicionado um a série de re­médios capazes de perm itir que seja alcançada a atuação da vontade do direito

31 É de se dizer que a conclusão a que aqui chego não é in teiram ente afastada por Fabrício, Réu revel não citado, querella nullitatis e ação rescisória”, p. 32, onde se lê: "Sustentam alguns tratar-se de inexistência da sentença, enquanto ou tros veem no caso nulidade pleno jure. Não são de excluir-se, de resto, situações especiais em que o defeito m elhor se identificaria com o ineficácia.”

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objetivo (que, no caso, consiste em não perm itir a produção de efeitos de um a sentença proferida num processo em que não houve respeito ao princípio do contraditório).

É por tais razões que o inciso I do art. 741 do CPC autoriza o ajuizam en­to de em bargos pelo fundam ento aqui analisado: falta ou nulidade de citação no processo onde se form ou o título que fundam enta a execução, se o embar- gante (isto é, a Fazenda Pública) ali tiver perm anecido revel.

II - Inexigibilidade do Título

Já se viu anteriorm ente que, nos term os do que dispõe o art. 586 do CPC, toda execução deve ser fundada em títu lo executivo que represente crédito cer­to, líquido e exigível. Viu-se, no estudo da teoria do títu lo executivo, que certe­za, liquidez e exigibilidade são características da obrigação exequenda (sem se poder esquecer que a exigibilidade não guarda nenhum a relação, na verdade, com a teoria do título executivo, pois enquanto este é elem ento integrante do chamado interesse-adequação, pois to rna adequada a tu tela jurisdicional in executivis, a exigibilidade diz respeito ao interesse-necessidade, pois não há necessidade de tu tela jurisdicional quando o que se pretende é a realização de um crédito ainda não vencido).

A exigibilidade do título, assim, é elem ento que se integra a um a das “condições da ação”, e que já foi examinado no tem po devido. Sabe-se que a obrigação é exigível quando seu cum prim ento não está sujeito a term o ou condição. Tendo sido proposta a dem anda executiva fundada em títu lo judicial quando ainda não exigível a obrigação (porque, e. g., a sentença que se preten­de executar está ainda pendente de recurso recebido no efeito suspensivo), é o exequente “carecedor de ação", por falta de interesse de agir, já que inexistente a necessidade da tu tela jurisdicional para que se possa realizar seu direito de crédito.32 Assim sendo, adm ite-se a oposição de em bargos do executado para alegação, como defesa do executado (lembre-se que os embargos, a despeito de sua natureza de dem anda autônom a, têm nítido caráter defensivo), da ine­xigibilidade do título executivo.

A M edida Provisória nô 2.180-35 acrescentou um parágrafo único ao art. 741 do CPC, posteriorm ente alterado pela Lei n Q 11.232/2005, segundo o qual, “para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se tam bém inexigível o títu lo judicial fundado em lei ou ato norm ativo declarados inconstitucionais pelo Suprem o Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato norm ativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal por incompatíveis com a Constituição Federal”. Esse dispositivo ten ta fazer com

32 Lucon, Embargos à execução, p. 169.

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que as decisões do STF sobre questões constitucionais possam ser levadas em conta no julgam ento de em bargos incidentes à execução contra a Fazenda Pública fundada em sentença. É preciso, aqui, recordar que no Brasil convivem dois sistem as de controle da constitucionalidade: direto e incidente. As deci­sões proferidas no controle direto fazem coisa julgada erga omnes, sendo certo que esta tem de ser respeitada por todos. De outro lado, as decisões proferidas no controle incidente são eficazes apenas inter partes, e não fazem coisa julga­da, já que a afirmação da constitucionalidade ou inconstitucionalidade da lei ou ato norm ativo se dá na fundam entação da sentença ou acórdão. Ademais, é preciso afirmar que a interpretação do parágrafo acima transcrito depende de se recordar que a sentença que serve de título à execução em bargada pode ou não ter transitado em julgado (já que se pode estar aqui diante de embargos incidentes a execução definitiva ou provisória). Faz-se mister, assim, examinar todas as possibilidades que decorrem do texto desse parágrafo único do art. 741 do CPC.

Em prim eiro lugar, é de se pensar nas decisões proferidas em controle direto, sendo provisória a execução. N este caso, tendo a sentença se baseado em lei ou ato norm ativo considerado inconstitucional por decisão proferida pelo STF, e oponível erga omnes, tom a-se, a toda evidência, inexigível a obriga­ção afirmada no título executivo, já que o órgão a que caiba o julgam ento do recurso ainda pendente ficará obrigado a respeitar a coisa julgada já formada no processo de controle direto da constitucionalidade. Em segundo lugar, há que se pensar nas decisões proferidas em controle direto, sendo definitiva a execução. N este caso, a decisão do STF, que faz coisa julgada erga omnes, tam ­bém atinge a eficácia executiva da sentença já transitada em julgado que tenha se baseado na lei ou ato norm ativo inconstitucional. Será possível, nesse caso, postular (se ainda cabível) a rescisão da sentença que serve de títu lo executi­vo, m as é tam bém admissível que o pedido de rescisão da sentença transitada em julgado seja feito nos em bargos do executado, que no caso de relativização da coisa julgada incidente sobre sentença inconstitucional podem ser tidos como via adequada para a obtenção desse tipo de tu te la jurisdicional.33 Por fim, quanto às decisões proferidas em controle incidental, não produzem qualquer efeito sobre outros processos, lim itando-se a incidir no caso para o qual a de­cisão tenha sido proferida. Assim, tais decisões não produzem qualquer con­seqüência sobre a eficácia executiva de outras sentenças. Interpretação diversa desta implicaria atribuir eficácia vinculante às decisões proferidas pelo STF no controle incidental da constitucionalidade, o que não é aceitável em nosso sistem a processual e constitucional. Conclui-se, pois, que o parágrafo único do art. 741 do CPC só é aplicável - a princípio - às decisões proferidas no controle d ireto da constitucionalidade.

33 Sobre o tem a da “relativização” ou desconsideração da coisa julgada m aterial, consulte-se o que é d ito no prim eiro volum e destas Lições.

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Deve-se fazer, todavia, um a últim a consideração sobre o tem a. A exis­tência de sentença, m esm o transitada em julgado, baseada em lei posterior­m ente declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, gera um a situação inusitada. Isso porque tal sentença seria, tam bém , inconstitucional. E a inconstitucionalidade é vício insanável, por ser o mais grave vício conhecido do ordenam ento jurídico. Tem-se falado, nesses casos, em coisa julgada in­constitucional. A nosso sentir, todavia, a expressão não é das mais adequadas. Inconstitucional, no caso, não é a coisa julgada, m as a sentença. Entendo que, em casos assim (e se a inconstitucionalidade da lei em que se baseou a sen ten­ça tiver sido declarada em processo de controle direto da constitucionalidade, pois a decisão proferida no controle incidental, ainda que oriundo o provim en­to do Plenário do STF, só pode produzir efeitos inter partes) , é possível, a todo tem po, o ajuizam ento da querella nullitatis, para que se obtenha a declaração de ineficácia da sentença. Não se estará, a nosso juízo, diante de um a sentença nula (já que a nulidade terá sido sanada pela eficácia sanatória geral da coi­sa julgada), m as diante de sentença absolutam ente ineficaz, já que contrária ao ordenam ento constitucional. Cabível, pois, a dem anda destinada a obter o reconhecim ento dessa ineficácia. Sendo condenatória a sentença, o pedido de reconhecim ento dessa ineficácia poderá ser veiculado através de embargos do executado, na form a do art. 741, parágrafo único, do CPC, caso em que a sentença de procedência do pedido formulado pelo em bargante terá conteúdo m eram ente declaratório (e não constitutivo, como sói acontecer).34

III - Ilegitimidade das Partes

Prevê o inciso III do art. 741 a possibilidade de oferecimento de em bar­gos do executado, incidentem ente à execução fundada em título judicial contra a Fazenda Pública, em que se alegue a ilegitimidade de algum a das partes na dem anda executiva. Trata a lei processual, nesta passagem, da legitim idade ad causam, um a das "condições da ação”.35 Já tendo sido examinada a legitimidade (ativa e passiva) para a dem anda executiva, m atéria regulada nos arts. 566 a 568 do CPC, parece desnecessário repetir, aqui, o que foi dito no m om ento próprio sobre o tema.

É de se te r claro, porém , que a lei processual está, aqui, a perm itir a alegação, em sede de em bargos do executado, de falta de legitimidade, ativa ou passiva, para a dem anda executiva fundada em sentença (ou outro títu lo executivo judicial). Pode-se figurar o seguinte exemplo: num processo de co­

34 O Superior Tribunal de Justiça editou verbete de súm ula (n° 487) segundo o qual “o parágrafo único do art. 741 do CPC não se aplica às sentenças transitadas em julgado em data anterior à da sua vigência".

35 Considera Theodoro Júnior que o inciso III do art. 741 engloba, tam bém , a legitim idade ad processum, m ais conhecida como capacidade processual, e que não é "condição da ação”, mas pressuposto processual (Curso de direito processual civil, vol. II, p. 283).

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nhecim ento, a Fazenda Pública foi condenada a pagar a Beltrano certa quantia em dinheiro, por sentença já transitada em julgado. Tempos depois, Fulano dem anda a execução desta sentença, afirmando que o credor original faleceu, e que ele seria seu sucessor. Poderá, neste caso, a Fazenda Pública oferecer embargos, para alegar a ilegitimidade ativa de Fulano (sustentando, e. g .f que a legitimidade, na hipótese, seria do espólio de Beltrano).

É de se afirm ar (e esta assertiva terá conseqüências im portantes para que se possa destruir o “m ito dos em bargos”, tem a sobre o qual se tratará no pró­ximo item deste capítulo, dedicado ao estudo da exceção de pré-executividade) que a falta de legitim idade de algum a das partes (ou m esm o de ambas) é m a­téria atinente às “condições da ação”, sendo, pois, questão de ordem pública, que pode - e deve - ser conhecida ex officio pelo juiz da execução. Prevê o CPC, porém, que - tendo o juiz da execução determ inado a citação do executado e um a vez seguro o juízo (quando este requisito se fizer necessário) - , possa ele oferecer em bargos, alegando a ilegitimidade ad causam, ativa ou passiva.

IV - Cumulação Indevida de Execuções

Mais um a vez, encontra-se entre as m atérias que podem ser alegadas em em bargos à execução fundada em título judicial contra a Fazenda Pública m atéria atinente às “condições da ação”.36 A cum ulação de execuções (rectius, cumulação de dem andas executivas) é possível desde que respeitados os requi­sitos previstos no art. 573 do CPC. Nos term os deste dispositivo, “é lícito ao credor, sendo o m esm o o devedor, cum ular várias execuções, ainda que funda­das em títulos diferentes, desde que para todas elas seja com petente o ju iz e idêntica a form a do processo”.

Verifica-se, pela leitura do artigo de lei acima transcrito, que a cumulação de dem andas executivas é possível quando são as m esm as as partes em todas as dem andas. Não deve o intérprete, porém, se im pressionar com o fato de a lei fazer referência a que seja “o m esm o o devedor”. Não significa isto dizer que fica proibida a cumulação nos processos executivos em que haja litisconsór- cio.37 Basta pensar, por exemplo, num caso em que alguém seja credor de dois títu los executivos, em que figuram como devedoras (ou como responsáveis) as m esm as pessoas (Estado e Município, por exemplo).

O segundo requisito da cumulação de dem andas executivas é a com­petência do juízo. Isso porque, obviamente, só se pode adm itir a cumulação quando o m esm o juízo é com petente para todas as execuções. Fica, assim,

36 N este sentido, Lucon, Embargos à execução, p. 174-175. Em sentido diverso, considerando que a cum ulação indevida é de ser considerada com o caso de falta de pressuposto de desenvolvim en­to válido do processo, A raken de Assis, Cumulação de ações, p. 238.

37 Lucon, Embargos à execução, p. 171-172.

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inviabilizada a cumulação de dem andas executivas quando fundadas ambas em títu los judiciais, pois a com petência para a execução, nesse caso, é do juízo onde se desenvolveu o módulo processual cognitivo de cunho condenatório. Sendo esta com petência de caráter funcional, é a m esm a inderrogável, o que im pede a cumulação (além do que a execução de sentença se desenvolve nos m esm os autos do m ódulo processual de conhecim ento).

A lém disso, é perfeitam ente possível a cum ulação de dem andas exe­cutivas fundadas em títu lo s extrajudiciais, ou ainda a cum ulação de um a dem anda fundada em títu lo judicial com ou tra que ten h a por base títu lo extrajudicial (e, tam bém aqui, será com peten te o ju ízo onde se form ou o títu lo executivo judicial).38

O terceiro requisito de admissibilidade da cumulação de dem andas exe­cutivas é, nos expressos term os do art. 573 do CPC, que seja "idêntica a forma do processo”. Significa isto dizer que só é possível a cumulação de demandas executivas quando todas as dem andas cumuladas darão origem a um a m esm a espécie de execução. Em outros term os, é possível cum ular duas (ou mais) execuções por quantia certa, ou duas (ou mais) execuções para entrega de coi­sa. Não se pode, porém, sob pena de violar-se o comando legal, cum ular um a execução para entrega de coisa com outra, por exemplo, de obrigação de fazer.39

Tendo o exequente cum ulado indevidam ente execuções (bastando ima­ginar a hipótese em que se tenha pretendido cum ular um a execução por quan­tia certa com outra, para entrega de coisa certa), será cabível a interposição de em bargos do executado pela Fazenda Pública pelo fundam ento previsto no art. 741, IV, do CPC. Verificado que a cumulação, realm ente, era indevida, é de se considerar o exequente "carecedor de ação”, por falta de interesse de agir. Isto porque, como sabido, esta "condição da ação”, consistente na utilidade da tu te la jurisdicional pretendida, depende, para se fazer presente, da conjugação de dois elem entos: a necessidade da tu te la jurisdicional e a adequação do pro­vim ento pleiteado e do meio eleito para sua obtenção. Ao ajuizar dem andas executivas cumuladas, num caso em que a cumulação não era admissível, terá

38 Assis, Manual do processo de execução, p. 280.

39 M endonça Lima, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VI, p. 170. Adverte o au tor citado, com razão, que a cumulação de duas dem andas de execução de obrigação de fazer dificilmente poderá ocorrer, em razão da natureza das obrigações devidas (em bora m e pareça pouco adequado o exemplo figurado pelo ilustre jurista, que cita a im possibilidade de cumulação de execução da obrigação de p intar um quadro com outra, de lavrar escritura de com pra e venda, um a vez que as obrigações de em itir declaração de vontade não são tuteladas através de um verdadeiro processo executivo, m as sim por sentença constitutiva). Basta pensar na dificuldade em se cumular, num m esm o processo, a execução da obrigação de p intar um quadro com a de construir um edifício. A rigor, apenas execuções por quantia certa contra devedor solvente e execuções para entrega de coisa podem ser cum uladas. É isto, substancialm ente, o que aqui se sustenta.

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o exequente optado por m eio inadequado para ver atendidas suas pretensões, razão pela qual devem ser acolhidos os em bargos ajuizados pelo executado.

Q uestão que não pode deixar de ser enfrentada, e que tem gerado algu­m a polêmica, é a dos efeitos da sentença que julga procedentes os embargos por este fundam ento, reconhecendo a indevida cumulação de dem andas execu­tivas. Inclina-se a doutrina por considerar que deverá o juiz extinguir o proces­so executivo, que teria, assim, desfecho anôm alo, nada im pedindo o posterior ajuizam ento (em separado) das dem andas executivas de cumulação inadm is­sível.40 Há quem considere possível, porém , que o embargado, reconhecen­do a procedência do pedido formulado pelo em bargante, opte por um a das dem andas, desistindo da outra, e prosseguindo o processo executivo apenas com relação à dem anda escolhida.41 Sempre sustentei que esta solução não nos parecia a melhor. Mais adequada me parecia a prim eira posição, segundo a qual o acolhim ento dos embargos, fundados em cumulação indevida de execuções, implica sem pre extinção da execução, por ser o exequente “carecedor de ação” por falta de interesse-adequação.42 A partir da 13a edição deste volume, porém, passei a susten tar que incum be ao juiz, ao acolher os embargos, fixar um prazo para que o em bargado opte por um a das execuções que dem andou. U ltrapas­sado esse prazo, porém, sem que se m anifeste expressam ente a escolha, aí sim me parece possível extinguir-se o m ódulo processual executivo. Assim se sus­ten ta tese que, a nosso ver, está mais de acordo com as m odernas tendências do direito processual civil, dando-se ao processo o caráter instrum ental que deve ter, e não se perm itindo que por razões de pura técnica processual sejam criados obstáculos ao amplo acesso a um a ordem jurídica justa.

V - Excesso de Execução

Prevê o inciso V do art. 741 do CPC a possibilidade de oferecimento de embargos do executado fundados em excesso de execução. Trata-se, aqui, de em­bargos que versam sobre o m érito da execução, pois o que se pretende neste caso é discutir os limites da existência do direito substancial afirmado pelo exequente.

Poder-se-ia pensar que o conceito de excesso de execução estivesse sem ­pre ligado a valores em pecúnia ou à quantidade de coisas fungíveis, como no caso em que se pretende com a execução receber dez mil reais (quando o executado entende dever apenas sete mil), ou quando o exequente pretende que lhe sejam entregues vinte sacas de milho (e o executado considera dever apenas dez sacas). É inegável que nestas situações há excesso de execução,

40 Frederico M arques, Manual de direito processual civil, vol. IV, p. 235.

41 Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, vol. III, p. 114.

42 À m esm a conclusão chega Assis, Manual do processo de execução, p. 971 (ressalvando-se que, para aquele jurista, o caso não é de falta de "condição da ação”, m as de pressuposto de desen­volvim ento válido e regular do processo).

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m atéria dedutível em embargos do executado. É preciso ter claro, porém, que o excesso de execução não ocorre apenas nestes casos, mas em todos aqueles enum erados no art. 743 do CPC.

Assim é que, em prim eiro lugar (art. 743, I), há excesso de execução quando o exequente pleiteia receber quantia superior à prevista no título exe­cutivo. É a hipótese que, sem som bra de dúvida, vem, em prim eiro lugar, à m ente do intérprete, quando este pensa no excesso de execução. N a in terpre­tação deste dispositivo, deve-se ter claro que a palavra "quantia” está em prega­da no sentido de quantidade (o que faz com que a m esm a não se refira, neces­sariam ente, a dinheiro, como ocorre quando o m esm o vocábulo é em pregado na linguagem cotidiana). Dessa forma, haverá excesso de execução tan to nos casos em que o exequente pretenda receber quantidade de dinheiro superior à prevista no título, mas tam bém quando pretenda receber quantidade de outras quaisquer coisas fungíveis superior ao que se prevê no título executivo (como no exemplo, anteriorm ente figurado, das sacas de m ilho).

A prim eira hipótese, sem dúvida (excesso de quantia em dinheiro), é a mais im portante, não só pela frequência com que aparecem na prática as exe­cuções por quantia certa, m as tam bém pelo fato de caber ao exequente o ônus de, na petição inicial da execução por quantia certa, apresentar m em ória de cál­culo, onde dem onstre como chegou ao valor da execução. No caso da execução de sentença, é de se recordar que não mais existe, no Direito brasileiro, a liqui­dação de sentença por cálculo do contador, o que faz com que inexista decisão sobre o acerto dos cálculos previam ente à instauração do processo executivo.

D esta forma, pode ocorrer (e frequentem ente ocorre) que o executado pretenda discutir o cálculo, por considerar que o m esm o está errado, tendo chegado a resultado superior ao verdadeiram ente devido. Caberá, neste caso, aos em bargos do executado o papel de instrum ento apto a perm itir a instaura­ção dessa controvérsia.43

É de se notar que o acolhim ento do pedido manifestado pelo em bargan­te, nesta hipótese ora sob nossa consideração, não levará à extinção do módulo processual executivo, m as tão som ente implicará um a redução de seu objeto, cortando-se os excessos, para que prossiga a execução pela quantia verdadei­ram ente devida pelo executado.

43 É dom inante em doutrina a afirm ação de que a p re tensão do executado de d iscu tir o erro de cálculo do exequente deve ser m anifestada através de em bargos. N este sentido , en tre ou tros, C arreira Alvim, Código de Processo Civil reformado, p. 224-225; G usm ão Carneiro, Da liquidação de sentença conform e a Lei n c 8 .898 /1994 , p. 655; Freitas Câm ara, Lineamentos do novo processo civil, p. 154-155. Há, é certo, au tores que adm item que o ju iz conheça da questão ex officio, perm itindo, tam bém , a alegação da questão no próprio processo executivo (através de exceção de pré-executividade), m as estes au to res consideram que o excesso de execução im plica falta de in teresse de agir quan to ao excedente, o que levaria o tem a para o plano das "condições da ação”. Assim , en tre outros, posiciona-se Lucon, Embargos à execução, p. 177.

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Note-se, por fim, que este caso previsto no inciso I é o único em que ver­dadeiram ente se tem excesso de execução (sendo, assim, o único caso previsto no art. 743 em que os embargos versarão sobre o m érito da execução). Nos dem ais incisos, ter-se-á casos de "carência de ação”, por falta de interesse de agir, como se verá adiante.44

O utro caso de excesso de execução, previsto no inciso II do art. 743, se dá quando a execução recai sobre coisa diversa daquela declarada no título. É o que se tem , por exemplo, no caso em que o executado esteja obrigado a entregar um autom óvel e, no processo executivo, seja citado para entregar um trator. N este caso, incidindo a execução sobre coisa diversa da que consta do título executivo, tem -se hipótese de "carência de ação” por falta de interesse de agir, já que o exequente estará pleiteando a tu te la jurisdicional executiva por m eio inadequado.45

O terceiro caso de excesso de execução previsto no art. 743 é aquele em que a execução se processa por modo diferente do que ficou estabelecido na sentença. Basta pensar na hipótese de se pretender obrigação pecuniária por conversão de um a obrigação de fazer quando o executado havia sido condena­do a cum prir a prestação in natura. Trata-se, como parece claro, de mais um caso de "carência de ação” por inadequação do meio eleito pelo exequente para obter a tu tela jurisdicional executiva, versando - tam bém aqui - os embargos sobre um a das "condições da ação” de execução.

A quarta hipótese elencada no art. 743 do CPC, entre aquelas que, na linguagem da lei, configuram "excesso de execução”, é a de o exequente, sem ter cum prido a prestação que lhe correspondia, estar exigindo o adim plem ento da obrigação do executado. Prevê o Código, aqui, a possibilidade de alegação, em sede de em bargos do executado, da exceptio non adimpleti contractus, ou "ex­ceção de contrato não cum prido”, prevista no art. 476 do Código Civil de 2002, cuja redação é a seguinte: "Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cum prida a sua obrigação, pode exigir o im plem ento da do outro .” Esta alegação só é possível, frise-se, quando nem a lei, nem o contrato, estabe­leceram qual obrigação deve ser cum prida prim eiro. Fixada a anterioridade no cum prim ento da obrigação, não pode o devedor dela se escusar, alegando que a prestação devida pelo outro contratante ainda não foi cum prida.46

Não é difícil pensar em exemplos de incidência desta hipótese que ora se examina. Basta figurar a seguinte situação: Fulano ajuíza dem anda de execução em face da Fazenda Pública, para ver satisfeito seu crédito em dinheiro, refe­rente ao preço da venda de um certo bem móvel. A Fazenda Pública, por sua

44 Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, vol. III, p. 114.

45 Lucon, Embargos à execução, p. 177-179, especialm ente no ta de rodapé n° 588.

46 O rlando Gomes, Contratos, p. 91.

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vez, opõe embargos, afirmando que não pagou o preço porque o embargado, Fulano, não entregou o bem vendido.

Mais um a vez prevê o Código um a hipótese em que, nos em bargos do executado, poderá o em bargante alegar m atéria atinente às “condições da ação” (mais um a vez, aliás, a “condição da ação” aqui enfocada é o interesse de agir).47 Isso porque, não tendo o exequente realizado a prestação por ele devida, é inexigível a obrigação do executado.48

Acolhidos que sejam os em bargos do executado opostos por esse funda­m ento, portanto, deverá o juiz extinguir a execução, por faltar ao exequente o interesse-necessidade, que é elem ento integrante do interesse de agir.

Por fim, no inciso V do art. 743, prevê o Código como hipótese de “ex­cesso de execução” a situação em que o exequente não tiver dem onstrado que a condição a que estava sujeita a exigibilidade de seu crédito se realizou. Este é mais um caso de em bargos do executado em que se pode alegar falta de in te­resse de agir (por estar ausente a necessidade de tu te la jurisdicional). Isso por­que, estando o crédito do exequente sujeito a um a condição cujo im plem ento não tenha sido dem onstrado, é de se considerar inexigível a obrigação. Basta pensar no caso em que se pretenda executar um a prestação pecuniária a que tenha sido condenado o réu, m as que só seria exigível se o devedor se form as­se em Direito. Não tendo ocorrido a condição, não é exigível a prestação, não tendo o credor necessidade de ir a juízo, um a vez que ainda se pode cogitar da realização norm al de seu crédito (o que poderá ocorrer por cum prim ento es­pontâneo da obrigação, tão logo se dê o im plem ento da condição suspensiva).

Im portante observar que, nos term os do que dispõe o art. 739-A, § 5Q, do CPC, no caso de os em bargos serem fundados em excesso de execução, é ônus do em bargante declarar, na petição inicial, o valor que entende correto, apre­sentando m em ória de cálculo, sob pena de rejeição lim inar dos embargos ou de não conhecim ento desse fundam ento (quando outros houver, evidentem ente). Parece claro que essa regra só se aplica quando se estiver diante da hipótese de excesso de execução prevista no inciso I do art. 743, nenhum a relação guar­dando com os dem ais casos.

Além da alegação de excesso de execução, previa a redação original do inciso V do art. 741 a possibilidade de alegação, em sede de embargos do exe­cutado, de nulidade do processo executivo que tenha ocorrido “até a penhora”. Embora silente a lei sobre esta m atéria a partir da redação que lhe deu a Lei nQ11.232/2005, tal alegação continua evidentem ente possível, mutatis mutandis. Em prim eiro lugar, é de se afirmar que não pode ser interpretada literalm ente

47 Lucon, Embargos à execução, p. 179.

48 Gomes, Contratos, p. 92, onde se lê: "A exceção de contrato não cum prido paralisa a ação do exceto, tornando seu crédito inexigível.”

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a referência à penhora, já que se trata de embargos à execução contra a Fa­zenda Pública, onde não pode ocorrer penhora (e foi certam ente por isso que o legislador retirou do texto da lei essa m atéria alegável). Em verdade, o que perm ite o Código que se alegue em sede de embargos é a nulidade do processo executivo que tenha ocorrido até o m om ento da propositura da ação incidental de em bargos.49 Basta pensar, para entender m elhor a hipótese, no caso em que os embargos estejam sendo oferecidos para o fim de alegar falta ou nulidade de intimação no módulo processual executivo. Imagine-se a seguinte situação: Fulano propõe execução por quantia certa contra devedor solvente em face da Fazenda Pública, fundada em sentença, não sendo esta intim ada para oferecer embargos. Apesar da falta de intimação, é expedido o precatório. Poderá o exe­cutado, neste caso, opor embargos, para o fim de alegar a nulidade da execução.

Não se pode deixar de registrar que, nesse caso, acolhidos os embargos, não se extinguirá o m ódulo processual executivo, m as tão som ente se invalida, desde o ato anulado, para que prossiga regularm ente dali em diante. Assim, por exemplo, procedentes os em bargos em que se alegou nulidade do m ódulo processual executivo (por quantia certa contra devedor solvente) por ausência de citação no processo, deve-se reabrir o prazo para que o ofereça sua defesa, retom ando-se o m ódulo processual de conhecim ento.50

VI - Causas Impeditivas, Modificativas ou Extintivas da Obrigação

O Código de Processo Civil inclui, entre as m atérias que podem ser ale­gadas em em bargos do executado opostos incidentem ente à execução fundada em título executivo judicial, "qualquer causa impeditiva, modificativa ou ex- tintiva da obrigação, como pagamento, novação, com pensação com execução aparelhada, transação ou prescrição, desde que supervenientes à sentença” (art. 741, VI, do CPC).

É de se afirmar, em prim eiro lugar, que se equivoca a lei processual ao incluir, entre as m atérias de que tra ta no referido dispositivo, as causas im pe­ditivas da obrigação. Isso porque, como se depreende do texto legal, apenas causas supervenientes à formação do título executivo podem ser alegadas nos em bargos do executado, o que se dá em respeito à eficácia preclusiva da coisa julgada substancial, prevista no art. 474 do CPC. As causas im peditivas da obrigação, porém, são - por definição - anteriores ou sim ultâneas à sua consti­tuição (assim, por exemplo, a incapacidade do agente ou a nulidade do ato que

49 Assis, Manual do processo de execução, p. 973.

50 É de se no tar que, neste caso, não será necessário realizar a citação, pois é de se considerar que, ao em bargar a execução para alegar falta ou nulidade daquele ato de comunicação, o execu­tado ingressou espontaneam ente no processo, suprindo o vício. Aplica-se, pois, aqui, o art. 213, § 2o, do CPC, cuja incidência é possível por força do que dispõe o art. 598 do CPC.

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deu origem à obrigação por vício de form a). Não se pode, pois, conceber qual­quer causa im peditiva superveniente à formação do títu lo executivo judicial.51

Além disso, é de se considerar exemplificativa a enum eração contida nes­te inciso VI do art. 741. Esta natureza da enum eração feita pela lei processual é facilmente verificada, pois é o próprio dispositivo legal que usa os vocábulos “qualquer” e “como”. Ora, ao afirmar que pode ser alegada “qualquer causa extintiva ou modificativa” do crédito, “como” o pagam ento, a novação, e ou­tros, não deixa a lei processual qualquer margem a dúvidas quanto ao caráter exemplificativo da enum eração.

Assim sendo, ao lado dos fatos extintivos e modificativos ali referidos, como o pagam ento e a novação, pode-se pensar em outros, como a renúncia ao crédito. Acolhidos os em bargos em que se tenha alegado fato extintivo da obrigação, será o caso de extinguirse o processo executivo. Procedentes os em ­bargos em que se tenha alegado algum fato modificativo da obrigação, como, e. g .t o pagam ento parcial, será o caso de prosseguir o processo de execução, m as com seu objeto alterado (para que, por exemplo, se busque a realização da parcela da obrigação que ainda não tenha sido cum prida pelo executado).

A hipótese prevista nesse inciso VI do art. 741, é bom que se diga, é de em bargos do executado que versam sobre o m érito do processo executivo, pois o que aqui se discute é o próprio direito substancial afirmado pelo exequente em sua dem anda executiva.

VII - Incompetência, Impedimento, Suspeição

Este dispositivo sem pre gerou, para os intérpretes do sistem a processual brasileiro, um a certa perplexidade. Isso porque, como se sabe, a incom petência relativa do juízo, o im pedim ento e a suspeição são m atérias cuja alegação se faz através do oferecimento de exceção. A exegese se to rna ainda mais complicada quando se verifica que, nos term os do art. 742 do CPC, “será oferecida, jun ta­m ente com os embargos, a exceção de incom petência do juízo, bem como a de suspeição ou de im pedim ento do juiz”.

51 Do m esm o pensar é Dinam arco, Execução civil, p. 157, no ta de rodapé n° 113. Afirma o ilustre jurista, naquele trecho de sua obra, o seguinte: "Ao cuidar dos em bargos de m érito, fala a lei em causas extintivas, modificativas ou im peditivas do direito do exequente, supervenientes à sentença (art. 741, inc. VI). Mas é absolutam ente inconcebível algum fato im peditivo de direi­tos e obrigações, que seja superveniente à sentença. Diz-se im peditivo o fato que im pede o fato constitutivo de produzir o efeito previsto e, portan to , todo fato im peditivo é an terior ou sim ul­tâneo a este. N ão há com o ser superveniente à sentença, que necessariam ente é superveniente ao fato constitutivo nela reconhecido. A exemplificação contida no inc. VI não inclui qualquer fato im peditivo e é forçoso en tender que tal dispositivo cuida som ente de fatos extintivos ou modificativos.”

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É possível, porém, com patibilizar os dois dispositivos. Em prim eiro lu­gar, há que se considerar que a incom petência absoluta não é alegável por ex­ceção, sendo certo que no processo cognitivo deve a m esm a ser suscitada como prelim inar de contestação. Parece razoável, pois, considerar que a incom pe­tência absoluta para o processo executivo será alegada através de em bargos do executado.52

Já no que concerne à incom petência relativa do juízo,53 ao im pedim en­to e à suspeição, m atérias que norm alm ente são alegadas através de exceção, ou tra será a solução. Q uanto a estas m atérias, há que se examinar se elas são o fundam ento único de defesa do executado ou se existe algum outro. Preten­dendo o executado defender-se alegando, apenas, e. g .t o im pedim ento do juiz da execução ou a incom petência relativa do juízo, e nada mais, deverá fazê-lo através de embargos. Havendo outro argum ento a ser aduzido em defesa pelo executado (por exemplo, pretende ele alegar a suspeição do juiz e excesso de execução), deverá apresentar a arguição de incom petência relativa, im pedi­m ento ou suspeição através de exceção (art. 742 do CPC), e a ou tra m atéria será deduzida através dos em bargos.54

VIII - Nulidade da Sentença Arbitrai

Em bora não esteja referida no art. 741 do CPC, tam bém a invalidade da sentença arbitrai pode ser alegada em em bargos do executado, como se verifica pela leitura do § 32 do art. 33 da Lei de Arbitragem (Lei n2 9.307/1996), cuja redação é a seguinte: "A decretação da nulidade da sentença arbitrai tam bém poderá ser arguida m ediante ação de em bargos do devedor, conforme os aits. 741 e seguintes do Código de Processo Civil, se houver execução judicial.” É a própria Lei de Arbitragem quem se encarrega de enum erar os casos em que a sentença arbitrai é nula (art. 32): “É nula a sentença arbitrai se:

I - for nulo o compromisso;II - em anou de quem não podia ser árbitro;III - não contiver os requisitos do art. 26 desta Lei;55

52 Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 293.

53 Sendo funcional a com petência do juízo do processo de conhecim ento para o processo de execução, é difícil se verificar algum caso de juízo relativam ente incom petente para a execução de títu lo judicial. Apenas no caso de execução civil de sentença penal é que a hipótese poderia se configurar.

54 Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, vol. III, p. 115-116. Diverge desta solução, par­cialm ente, o pensam ento de Barbosa M oreira, para quem a incom petência relativa será sem pre alegada através de exceção (O novo processo civil brasileiro, p. 293).

55 Encontra-se aqui um caso que m elhor se identifica com o de inexistência: o de sentença ar­bitrai a que falte a parte dispositiva. N este sentido, Freitas Câmara, Arbitragem, p. 114; Barbosa M oreira, La nuova legge brasiliana sull’arbitrato, p. 13.

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IV - for proferida fora dos lim ites da convenção de arbitragem;V - não decidir todo o litígio subm etido à arbitragem;VI - comprovado que foi proferida por prevaricação, concussão

ou corrupção passiva;VII - proferida fora do prazo, respeitado o disposto no art. 12,

inciso III, desta Lei; eVIII - forem desrespeitados os princípios de que tra ta o art. 21,

§ 2Q, desta Lei.”56

É de se notar que o direito de obter a declaração de nulidade da sen ten­ça arbitrai por algum destes fundam entos pode ser exercido através de dois rem édios processuais: a “ação declaratória de nulidade da sentença arbitrai” e os embargos do executado. O prim eiro remédio, dem anda declaratória au tôno­ma, não tem aptidão para produzir o efeito de suspender o curso do processo executivo,57 ao contrário dos em bargos do executado.

É de se afirmar, tam bém , que, nos term os do art. 33, § l ô, da Lei de Arbitragem, o direito de obter a declaração de nulidade da sentença arbitrai desaparece se não for ajuizada dem anda destinada a obter tal reconhecim ento no prazo de 90 dias a contar da notificação daquela decisão ou de seu adita­m ento. A nosso sentir, tal prazo é aplicável tan to àqueles que optem pela de­m anda declaratória autônom a, como àqueles que prefiram alegar tal m atéria em em bargos do executado.58 Assim sendo, opostos os embargos do executado depois de mais de 90 dias da notificação da sentença arbitrai, deverá o juiz afir­

56 Sobre a nulidade da sen tença arbitrai, seja consentido rem eter o le ito r ao m eu livro sobre este m eio alternativo de resolução de conflitos. C onsulte-se, pois, Arbitragem, p. 112-120. É de se notar, ainda, que, para Barbosa M oreira, os casos apontados pela lei com o sendo de nulidade m elhor seriam vistos com o sendo de anulabilidade (La nuova legge brasiliana su ll'arb itrato , p. 13). A pesar dos argum entos do ilustre ju ris ta carioca, de quem é sem pre difícil discordar, m an tenho aqui m inha posição (m encionada pelo M estre na no ta de rodapé n c 8 do trabalho citado), segundo a qual os casos m encionados no art. 32 da Lei de A rbitragem , com a única ressalva - já m encionada - da sentença arbitrai a que falte dispositivo, são de nulidade ab­soluta. N ão m e im pressiona o fato de a sen tença arbitrai ser ap ta a p roduzir efeitos an tes do reconhecim ento do vício, pois a aptidão para p roduzir efeitos faz dela um ato eficaz, quando a nulidade é vício que opera em ou tro plano, o da validade, não sendo estranha ao D ireito a existência de atos eivados de nulidade absolu ta ap tos a p roduzir efeitos (bastando pensar, para exemplificar, na sentença judicial sem fundam entação, su jeita a recurso desprovido de efeito suspensivo, ou no casam ento puta tivo em que os cônjuges sejam irm ãos).

57 Sobre a "ação declaratória autônom a”, consulte-se Freitas Câmara, Lineamentos do novo processo civil, p. 150-151.

58 Freitas Câm ara, Arbitragem, p. 120. Em sentido diverso, entendendo que o prazo de noventa dias aplica-se, som ente, à "ação declaratória de nulidade da sentença arbitrai”, nada im pedindo a alegação do vício após este prazo através dos em bargos do executado, Assis, Manual do processo de execução, p. 979.

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m ar a decadência do direito à declaração de nulidade da sentença arbitrai, re- solvendo-se o m érito do processo dos em bargos (art. 269, IV, do CPC). Cabe, pois, à Fazenda Pública interessada, ao verificar que se aproxim a o term o final daquele prazo de 90 dias sem que chegue o m om ento adequado para ajuizar seus em bargos do executado (porque, por exemplo, o credor não dem andou a execução da sentença arbitrai), dem andar por via autônom a a declaração de nulidade da decisão proferida no processo arbitrai.

São estas as m atérias que podem ser alegadas em embargos do executa­do incidentes à execução fundada em título judicial contra a Fazenda Pública.

Quando se tra ta r de em bargos incidentes à execução fundada em título extrajudicial, qualquer que seja o executado, como visto anteriorm ente, pode­rá o em bargante aduzir, além das m atérias aqui examinadas, todas as outras alegações que poderia produzir em sua defesa num processo cognitivo. A m a­téria recebeu novo tratam ento com a entrada em vigor da Lei nQ 11.382/2006. Por força dessa lei, o art. 745 do CPC passou a estabelecer que "nos embargos, poderá o executado alegar: I - nulidade da execução, por não ser executivo o título apresentado; II - penhora incorreta ou avaliação errônea; III - excesso de execução ou cumulação indevida de execuções; IV - retenção por benfeitorias necessárias ou úteis, nos casos de títu lo para entrega de coisa certa (art. 621); V - qualquer m atéria que lhe seria lícito deduzir como defesa em processo de conhecim ento”. A rigor, porém, nada m udou, pois todas as m atérias agora expressam ente referidas no art. 745 já eram alegáveis nos em bargos do execu­tado opostos à execução fundada em título extrajudicial com a redação anterior do dispositivo legal modificado.

É im portante, porém, exam inar um a dessas hipóteses, anteriorm ente prevista no art. 744 do CPC, e agora inserida no art. 745, IV: os em bargos de retenção por benfeitorias.

É de se dizer, antes de mais nada, que até a entrada em vigor da Lei n Q 10.444/2002 só se tinha no Código de Processo Civil a expressa previsão de em bargos de retenção por benfeitorias no campo das execuções fundadas em sentença. Ocorre que, pela sistem ática inaugurada por aquele diplom a legal, a execução para entrega de coisa (único caso em que se pode pensar no direi­to de retenção por benfeitorias) fundada em sentença deixou de se realizar através de processo executivo autônom o, sendo a atividade executiva mero com plem ento da atividade cognitiva, desenvolvidas ambas essas atividades em fases de um só e m esm o processo. Não há, pois, como se pensar em embargos do executado onde não há processo de execução. Observe-se: não só os em bar­gos de retenção por benfeitorias, m as o processo de em bargos do executado, de um modo geral, não pode mais se instaurar incidentem ente a um a fase exe­cutiva de um processo m isto (o que se aplica, pois, aos processos que versem sobre obrigação de fazer, não fazer e entregar coisa diversa de dinheiro em que

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se tenha a fusão das atividades cognitiva e executiva sem que para isso seja preciso instaurar dois processos distintos).

Os em bargos de retenção por benfeitorias, como parece óbvio, só são adm issíveis incidentem ente ao processo de execução para entrega de coisa.59 O conceito de retenção não faria nenhum sentido nos casos em que se exigis­se a execução de um a obrigação de fazer ou de não fazer, e não se pode conce­ber a realização de benfeitorias na coisa a ser entregue quando esta é dinheiro, afastando-se, pois, a possibilidade de oferecim ento deste tipo de em bargos nas execuções de obrigação de fazer, de não fazer, e por quantia certa.

Afirma o art. 745, IV, do CPC que nos embargos, o executado poderá alegar “retenção por benfeitorias necessárias ou úteis, nos casos de títu lo pra entrega de coisa certa”. Esses em bargos perm itirão a prestação da tu te la juris­dicional ao possuidor de boa-fé, pois apenas este, e não o que possui de má-fé, tem direito de retenção por benfeitorias.60 Além disso, é de se recordar que as benfeitorias podem ser de três tipos: necessárias, úteis e voluptuárias. Estas últim as, porém , não geram para o possuidor de boa-fé o direito de retenção.61

O Código de Processo Civil, naturalm ente, não regulou o direito de re­tenção, ou m esm o o direito de perceber indenização por benfeitorias. Este é tem a de direito civil, e no Código Civil se encontra regulado. O CPC limitou- -se a regular questões processuais a serem observadas quando ajuizados os em bargos de retenção por benfeitorias.

Apesar do silêncio da lei processual, a petição inicial destes embargos deve conter, sob pena de rejeição liminar, a especificação das benfeitorias (ne­cessárias, úteis ou voluptuárias) que tenham sido realizadas pelo em bargante,62 a descrição do estado anterior e atual da coisa, o custo das benfeitorias e seu valor atual, e a valorização da coisa a ser entregue, decorrente das benfeitorias realizadas. Isso decorre da exigência, contida no art. 282 do CPC, de que a pe­tição inicial indique a causa de pedir e o pedido com suas especificações.

O procedim ento dos em bargos de retenção por benfeitorias é rigorosa­m ente igual ao que se observa nos demais casos de em bargos do executado, adm itindo a lei processual que o embargado, na im pugnação aos embargos, requeira a compensação de seu crédito com o valor dos frutos ou danos consi­derados devidos pelo executado, a fim de se com pensarem com as benfeitorias (art. 745, § 1Q, do CPC).

59 Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. II, p. 286.

60 A rnoldo M edeiros da Fonseca, Direito de retenção, p. 164-166.

61 Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. II, p. 286.

62 Recorde-se, ainda um a vez, que apesar da necessidade de especificar as benfeitorias volup­tuárias, estas não dão direito à retenção.

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Essa impugnação, em que se deduz pretensão de com pensação da inde­nização por benfeitorias com os frutos ou as perdas e danos devidos ao em ­bargado, tem , segundo respeitável doutrina, natureza reconvencional.63 Esta afirmação, porém, deve ser tom ada com algum cuidado. Em prim eiro lugar, é de se afirmar que a compensação é m atéria de defesa, e o oferecim ento de dem anda autônom a para se exigir a compensação só é necessário quando o réu da dem anda original verifica que, com a compensação, terá superávit (o que significa que, com pensadas as dívidas, a do autor se extinguirá por inteiro, res­tando saldo em favor do réu). Apenas neste caso será preciso ajuizar dem anda de cobrança, onde se irá pretender o recebim ento deste excesso. Assim, por exemplo, se o em bargante pretende receber um a indenização de sete mil reais, e o em bargado pretende com pensar esta indenização com outra, a ele devida pelo reten tor da coisa, por perdas e danos causados, no valor de cinco mil reais, não se poderá adm itir a natureza de dem anda autônom a da sua manifestação. Se, porém , pretende ele com pensar aquela indenização pretendida pelo em ­bargante, no valor de sete mil reais, com um crédito seu, no valor de nove mil reais, aí sim pode-se falar em dem anda autônom a ajuizada pelo embargado, para cobrança do excesso que restará em seu favor.64

Em segundo lugar, não me parece adequado falar, aqui, em reconvenção (ainda que se esteja a fazer referência ao caso em que há saldo em favor do embargado, que pretenda não só extinguir sua obrigação para com o em bar­gante, mas cobrar este superávit que se põe em seu benefício). Isso porque a dem anda condenatória, neste caso, será form ulada na própria im pugnação aos em bargos (a qual, como se sabe, faz as vezes de contestação), e não por petição autônom a, como soem ser oferecidas as reconvenções. A nosso juízo, o que se tem aqui, no § l 2 do art. 745, é um a norm a capaz de tornar dúplice o procedi­m ento dos em bargos de retenção por benfeitorias,65 perm itindo-se, assim, ao embargado que, em sua im pugnação (que, repita-se, é substancialm ente um a contestação), ajuíze dem anda autônom a em face do em bargante, form ulando pedido em seu favor.

63 Frederico M arques, Manual de direito processual civil, vol. IV, p. 241; Castro, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VIII, p. 409.

64 Esta distinção, registre-se, é feita por Castro, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VIII, p. 409, onde se lê: "Se houve superávit em favor do retentor, continuará este na retenção da coisa, até o efetivo reem bolso; e se houver equivalência, ou saldo em favor do exequente, desa­parecerá im ediatam ente o d ireito de retenção. N esse caso, ter-se-á verdadeira reconvenção, pelo que o executado deve te r prazo para contestar os artigos de liquidação.”

65 Como se sabe, um procedim ento é dúplice quando nele se perm ite que o réu, na contesta­ção, formule dem anda, fazendo-se desnecessária (e, por isso m esm o, incabível) a reconvenção. É o que se tem , por exemplo, no procedim ento sum ário, no procedim ento sum aríssim o dos Ju i­zados Especiais Cíveis, no procedim ento especial das "ações possessórias”, na "ação renovatória de locação em presarial” e em tan tos outros casos.

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O julgam ento dos em bargos de retenção por benfeitorias podem produ­zir efeitos variados, conforme o teor do julgam ento. Rejeitados os embargos, prossegue a execução com a entrega da coisa (que, relembre-se, está deposita­da em juízo) ao exequente. Acolhidos os embargos, terá o executado direito de retenção sobre a coisa até que lhe sejam indenizadas as benfeitorias, cabendo ao exequente, para que a coisa lhe seja entregue, depositar em juízo o valor da indenização. Tendo havido compensação entre créditos do em bargante e do embargado, com saldo em favor deste, cessa de im ediato o direito de retenção, com o exequente recebendo a coisa, e podendo, ainda, executar - nos m esm os autos - a obrigação do executado de pagar a ele o saldo apurado.66

Não se pode deixar de afirmar, porém, que a coisa pode ter sido entregue ao exequente-em bargado m esm o antes do julgam ento dos em bargos do execu­tado. Isso porque os embargos de retenção por benfeitorias são recebidos sem efeito suspensivo e, m esm o que esse efeito tenha sido atribuído, obstando o prosseguim ento da execução, podem ver cessar este efeito, na forma do § 2Q do art. 745 do CPC, entregando-se a coisa ao exequente. Para que cesse o efeito suspensivo, basta que o em bargado preste caução, ou deposite em juízo o pre­ço das benfeitorias, ou a diferença entre tal preço e o valor dos frutos ou dos danos, que já tenham sido liquidados.

Encerrada a análise dos em bargos do executado oferecidos ainda no iní­cio do processo executivo, e por isso chamados por alguns de em bargos da prim eira fase,67 não se pode deixar de fazer algum a referência, ainda que breve, aos embargos da segunda fase, regidos pelo art. 746 do CPC.

Esses em bargos da segunda fase seguem as m esm as regras dos cabíveis na prim eira fase, inclusive quanto ao procedim ento a ser observado. Diferem, apenas, no m om ento em que se fazem oportunos, e na m atéria que pode ser aqui alegada.

Os embargos de segunda fase podem ser oferecidos no prazo de cinco dias a contar da data em que se tenha aperfeiçoado a expropriação do bem penhorado. Assim sendo, no caso de em bargos à arrematação, o term o a quo é o dia da assinatura do auto de arrematação; enquanto nos em bargos à adjudi­cação o term o inicial do quinquídio será o dia da assinatura do respectivo auto.

A outra diferença entre os em bargos de prim eira fase e estes, de segun­da fase, está na m atéria que pode ser alegada pelo em bargante. É de se notar, aliás, que não existe aqui qualquer diferença de tratam ento entre em bargos à execução fundada em título judicial ou em títu lo extrajudicial, sendo a norm a do art. 746 do CPC aplicável em am bas as situações.68

66 Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 297-298.

67 Terminologia encontrada, por exemplo, em Assis, Manual do processo de execução, p. 1003.

68 Barbosa M oreira, O novo processo civil brasileiro, p. 294.

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Nos em bargos de segunda fase só se pode alegar fatos extintivos ou mo- dificativos da obrigação, supervenientes à penhora, ou nulidades do processo executivo que tenham ocorrido depois daquele ato de constrição patrim onial. Q ualquer causa extintiva ou modificativa da obrigação (mas não as causas im ­peditivas, pois estas, como já se viu, jamais seriam supervenientes à penhora), que tenha ocorrido após a apreensão dos bens do executado e, por isso, não pôde ser alegada nos embargos da prim eira fase, encontrará nos em bargos de segunda fase o local propício para ser trazida à cognição judicial. Basta pensar num pagam ento (total ou parcial) que tenha ocorrido após a penhora ou num a transação superveniente àquela apreensão de bens.

Também as nulidades do processo executivo supervenientes à penhora, como, e. g .f um a nulidade da hasta pública (basta pensar na hipótese em que o executado não tenha sido regularm ente intim ado da data em que a licitação iria se realizar, ou no caso em que não tenha sido publicado o edital da hasta pública), podem ser alegadas nestes em bargos de segunda fase, os quais, como todos os dem ais em bargos do executado, poderão receber efeito suspensivo ope iudicis, obstando-se assim o prosseguim ento do processo executivo.

É certo que, a rigor, já não haveria m uito o que suspender, pois no m o­m ento da interposição dos embargos já terão ocorrido a expropriação e o paga­m ento do exequente.69 O efeito suspensivo aqui, porém , im pedirá a prolação de sentença que declare extinto o processo de execução, m antendo viva a li- tispendência. A im portância deste efeito está em que, pendente ainda o pro­cesso de execução, será possível desfazer-se os atos executivos atacados pelos em bargos de segunda fase, o que não mais seria possível (ou, pelo menos, se tornaria m uito mais difícil) se a execução já estivesse extinta.70 Aliás, é expres­so o art. 746, § l ô, em afirm ar que oferecidos os em bargos de segunda fase, poderá o adquirente do bem desistir da aquisição, o que será deferido de plano pelo juiz, liberando-se im ediatam ente o depósito por ele efetuado para aqui­sição do bem (art. 746, § 2Q). N este caso, sendo os em bargos de segunda fase considerados m eram ente protelatórios, será o em bargante condenado a pagar um a m ulta de até 20% sobre o valor da execução em favor do adquirente que desistiu do bem (art. 746, § 3Ô). Esta m ulta se cum ula com outra, por serem protelatórios os em bargos, não superior a vinte por cento da execução, devida ao exequente (art. 740, parágrafo único).

Não se pode encerrar esta exposição sobre os embargos do executado sem afirmar que, em bora sejam eles o mais usual m eio de defesa do executado em

69 Foi por esta razão, aliás, que saudoso processualista pátrio afirmou: "Não nos parece que tenham efeito suspensivo os em bargos à arrem atação ou à adjudicação, não só porque pratica­m ente nada m ais há a suspender, com o tam bém em razão do m om ento procedim ental em que são apresentados" (Frederico M arques, Manual de direito processual civil, vol. IV, p. 241).

70 Afirma que nos em bargos de segunda fase h á produção de efeito suspensivo, Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, vol. III, p. 411.

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nosso sistem a processual para a execução fundada em título extrajudicial, não são o único, havendo um segundo meio de defesa, tradicionalm ente chamado “exceção de pré-executividade”, de que se tratará mais adiante.

§ 2- IMPUGNAÇÃO À EXECUÇÃO FUNDADA EM TÍTULO JUDICIAL

A Lei n Q 11.232/2005 criou, no sistem a processual civil brasileiro, um novo m ecanism o de defesa do executado, cuja utilização é adequada quando a execução for fundada em título executivo judicial (ressalvados, apenas, os casos da execução contra a Fazenda Pública e da insolvência civil, quando per­manece cabível o oferecimento de em bargos do executado). A impugnação é m ero incidente processual da fase executiva de um processo sincrético, não levando à instauração de processo autônom o (o que a distingue dos embargos do executado). Cabível no prazo de 15 dias a contar da intimação da penhora e avaliação (art. 475-1, § 1Q, do CPC).

Assim como se dá nos em bargos à execução fundada em sentença contra a Fazenda Pública, tam bém na impugnação o fato de já ter havido um módulo processual de conhecim ento faz com que se tenha de estabelecer um a série de limitações às m atérias alegáveis pelo executado. Por esta razão é que o art. 475-L enum era, exaustivam ente, as m atérias alegáveis na impugnação.

Também aqui, porém , é admissível a alegação de nulidade da sentença arbitrai, na form a do disposto no art. 33, § 3Q, da Lei nQ 9.307/1996.

As m atérias alegáveis em sede de impugnação são, basicamente, as m es­m as previstas no art. 741 do CPC, razão pela qual não há necessidade de repro­dução de tudo quanto se disse no item anterior. Limitamo-nos, pois, a tratar aqui das m atérias que estão no art. 475-L e não aparecem no art. 741 do Códi­go de Processo Civil (ou vice-versa).

Começo por dizer que não há, no art. 475-L do CPC, inciso equivalente ao inciso VII do art. 741. Isto faz com que a alegação de incompetência, im pe­dim ento ou suspeição incidente a um m ódulo processual executivo fundado em sentença não se faça por impugnação, m as por exceção.

Além disso, o art. 475-L, III, do CPC veicula um a norm a que não poderia existir no art. 741 (já que incompatível com a execução contra a Fazenda Pú­blica), através da qual se perm ite a alegação, na impugnação, de “penhora in­correta ou avaliação errônea”. Assim, vícios da penhora e da avaliação do bem penhorado terão de ser arguidos desde logo pelo executado, em sua im pug­nação. Basta pensar na possibilidade de se ter penhorado bem absolutam ente impenhorável, ou de se ter dado ao bem penhorado valor diferente do seu real preço de mercado.

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No m ais, as m atérias elencadas no art. 475-L coincidem com as do art. 741.

Im porta observar, aqui, que o oferecimento de im pugnação à execução não tem o condão de produzir, autom aticam ente, efeito suspensivo. Ao con­trário, estabelece a lei processual que a impugnação será, em regra, recebida sem efeito suspensivo (art. 475-M). Poderá o juiz, todavia, atribuir efeito sus­pensivo à execução se estiverem presentes os requisitos do fum us boni iuris e do periculum in mora. Esse efeito suspensivo, a nosso ver, pode ser deferido de ofício pelo juízo da execução.71

Pense-se, por exemplo, no caso de se te r obtido no m ódulo processu­al executivo a penhora de dinheiro e o executado oferecer im pugnação para alegar pagam ento posterior à sentença (tendo juntado à sua impugnação um recibo de plena quitação subscrito pelo exequente). Em um caso assim, parece fora de dúvida que estarão presentes o fum us boni iuris (em razão do fundam en­to da impugnação e da prova que o acompanha) e o periculum in mora (pois o prosseguim ento da execução perm itiria o levantam ento do dinheiro penhora­do, que dificilmente se devolveria no caso de vir a ser acolhida a impugnação, afinal, como disse um grande artista carioca, “dinheiro na mão é vendaval”,72 e o exequente provavelmente não o teria mais em seu patrim ônio). Em um caso assim, deve-se atribuir efeito suspensivo à impugnação.

O legislador, porém, construiu um sistem a absolutam ente perfeito acer­ca desse ponto, já que perm ite ao exequente, ao ver atribuído efeito suspen­sivo à impugnação, requerer o prosseguim ento da execução desde que preste caução idônea. Alcança-se, assim, o desejável equilíbrio entre os interesses do exequente e do executado.

O ato judicial que resolve a im pugnação é decisão interlocutória, im ­pugnável por agravo de instrum ento . Pode acontecer, porém , de ao julgar a im pugnação o juiz determ inar a extinção do m ódulo processual executivo, caso em que se estará diante de sentença, impugnável por apelação.

§ 3fi EXCEÇÃO DE PRE-EXECUTIVIDADE (OU OBJEÇÃO DE NÃO EXECUTIVIDADE)

Tema pouco estudado em nosso país, em que poucas obras são dedica­das ao estudo do ponto, é a cham ada “exceção de pré-executividade”, meio de

71 A ssim m e m anifestei em Freitas Câmara, A nova execução de sentença, p. 136, com apoio na lição de Assis, Cumprimento da sentença, p. 348-349. Em sentido contrário, porém , Fidélis dos Santos, As reformas de 2005 do Código de Processo Civil, p. 82.

72 Refiro-me, com o facilm ente se descobre, ao verso inicial da canção Pecado capital, de Paulinho da Viola.

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defesa de que se pode valer o executado dentro do processo de execução.73 É inegável, porém , que a "exceção de pré-executividade” ingressou no D ireito brasileiro pela pena genial de Pontes de Miranda, que a vislum brou em parecer dado em caso que se tom aria célebre na história forense de nosso país.74

A "exceção de pré-executividade” é um meio de defesa de que se pode valer o executado, dentro do próprio m ódulo processual de execução.75 Permi­te, assim, que o executado - independentem ente de oferecimento de em bar­gos - ofereça defesa, dentro do m ódulo processual de execução. A "exceção de pré-executividade” é, pois, um meio através do qual se pode com bater o "m ito dos embargos (ou da im pugnação)”, segundo o qual a única form a de que o executado poderia dispor para se defender seria através do ajuizam ento da­quela dem anda autônom a (ou da provocação de instauração daquele incidente processual).76

Através da "exceção de pré-executividade” poderá o executado alegar qualquer m atéria de ordem pública, ligada à adm issibilidade da execução, e que poderia - em razão dessa sua natureza - ser conhecida de ofício pelo juízo da execução.77 Assim, por exemplo, é possível a alegação através da "exceção de pré-executividade” da falta de alguma das "condições da ação” (incluindo- -se, aqui, as questões ligadas à teoria do título executivo, como a falta de li­quidez da obrigação ou a inadequação do meio escolhido para obtenção da tu te la jurisdicional executiva [pense-se, por exemplo, num caso em que se

73 Poucas são as obras de qualidade dedicadas especificamente ao tem a de que ora se trata. Há aquelas, porém, que já se tom aram clássicas, e sempre merecerão referência. Consulte-se, pois, Marcos Valls Feu Rosa, Exceção de pré-executividade, passim; Luiz Peixoto de Siqueira Filho, Exceção de pré-executividade, passim. Além destes, outros autores trataram do tem a incidentem ente em outros trabalhos, havendo ainda diversos artigos sobre o instituto, que serão citados ao longo da exposição.

74 Trata-se do fam oso "caso M annesm ann”, ocorrido em 1966, em que diversas dem andas exe­cutivas (inclusive de natureza concursal, através de requerim entos de falência) foram ajuizadas em face da C om panhia Siderúrgica M annesm ann, com base em títu los falsos, dem andas estas que geravam um grave problem a para a dem andada, que, para em bargar a execução, precisaria garantir o juízo através do oferecim ento de bens à penhora (em bora os títu los fossem, sabida­m ente, falsos). Surge, então, do parecer de Pontes de M iranda, esta segunda form a de defesa do executado, dentro do próprio processo executivo, a que se deu o nom e de "exceção de pré- -executividade”.

75 Marcelo Lima Guerra, Execução forçada: controle de admissibilidade, p. 147.

76 Sobre o "m ito dos em bargos", assim se m anifestou o m ais profundo dos estudiosos contem ­porâneos do processo executivo no Brasil: "É preciso debelar o m ito dos em bargos, que leva os juizes a um a atitude de espera, postergando o conhecim ento de questões que poderiam e de­veriam te r sido levantadas e conhecidas lim inarm ente, ou talvez condicionando o seu conheci­m ento à oposição destes. Dos fundam entos dos em bargos (CPC, art. 741), m uito poucos são os que o ju iz não pode conhecer de ofício, na própria execução" (Dinamarco, Execução civil, p. 451).

77 Feu Rosa, Exceção de pré-executividade, p. 52; Siqueira Filho, Exceção de pré-executivida­de, p. 71.

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esteja diante de execução de obrigação de fazer fundada em sentença que con­denou o devedor ao pagam ento do seu equivalente pecuniário], e as referentes à legitim idade das partes e à possibilidade jurídica da dem anda), ou de algum pressuposto processual (como, e. g ., a falta de capacidade processual ou a irre­gularidade formal da dem anda executiva).

Verifica-se, assim, que, en tre as m atérias elencadas no art. 741 ou no art. 475-L do CPC, apenas as previstas nos incisos I e VI (de am bos os arti­gos) dependem , para serem conhecidas, do oferecimento de em bargos ou de im pugnação (ressalve-se aqui, tam bém , a incom petência relativa, incluída no inciso VII do art. 741, que tam bém não pode ser reconhecida ex officio, bem assim o caso - já examinado - em que o excesso de execução diz respeito ao m érito - art. 741, V, e art. 475-L, V, c/c art. 743, I, ambos do CPC). Isso por­que a falta ou nulidade de citação só pode ser conhecida através de processo próprio (que pode ser, tam bém , a “ação rescisória ou a querella nullitatis, como visto anteriorm ente), em razão de já se te r formado a coisa julgada sobre a sen­tença exequenda; enquanto, de outro lado, os fatos extintivos e modificativos do crédito dizem respeito à relação jurídica de direito substancial, tendo índole privada, razão pela qual não se pode delas conhecer de oficio.78

É de se dizer, neste m om ento, que a denom inação “exceção de pré-exe- cutividade”, em bora tradicional (e, por tal razão, em pregada ao longo do tex­to), não é das mais apropriadas. Por este motivo, aliás, é que a grafei entre aspas. Como se sabe, a denom inação exceção foi, tradicionalm ente, reservada para aquelas m atérias de defesa que só podem ser conhecidas m ediante alega­ção do interessado. Fala-se, neste sentido, em exceção de contrato não cum pri­do. Para se referir às m atérias de defesa que podem ser conhecidas de ofício, a doutrina sempre preferiu reservar o nom e objeção, como se tem, por exemplo, na objeção de litispendência ou na objeção de decadência. Além disso, a rigor a questão suscitada não diz respeito ao que é prévio à execução, razão pela qual tam pouco é adequado falar-se em pré-executividade. A questão não é de antes ou depois, mas de sim ou não. Em outros term os, consiste a defesa aqui examinada na alegação de que não pode haver execução. Por tais razões, parece-nos preferível dar ao institu to aqui referido o nom e de objeção de não executividade.79

Com a “exceção de pré-executividade” (rectius, objeção de não executivida­de), portanto, permite-se ao executado, dentro do próprio módulo processual de execução, sem necessidade de opor embargos ou impugnação, apresentar alega­ções em defesa, restritas tais alegações às m atérias que podem ser conhecidas de oficio, por dizerem respeito à admissibilidade da tutela jurisdicional executiva.

78 No m esm o sentido, D inam arco, Execução civil, p. 310.

79 Esta term inologia é a preferida tam bém por N elson Nery Júnior, Princípios do processo civil na Constituição Federal, p. 134.

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Defesa do Executado 4 3 9

Era fácil entender as razões que levavam à admissibilidade deste meio defensivo diverso dos embargos e da impugnação antes da Lei nQ 11.382/2006. É que estes exigiam, nos casos de execução por quantia certa e execução para entrega de coisa, a prévia segurança do juízo, como requisito essencial para que pudesse ser proferido o provimento postulado pelo executado que se defende. Ocorre que tal garantia do juízo se dava através da realização de um ato exe­cutivo (bastando, para dem onstrar a veracidade desta assertiva, recordar aqui a penhora). Os atos executivos, todavia, só podem ser praticados quando es­tão presentes os requisitos de admissibilidade da execução forçada. Soava, no mínimo, como um contrassenso exigir que o dem andado se subm eta a um ato executivo para poder afirmar que aquele ato não poderia ser praticado.

Basta pensar na hipótese em que se pretendesse ajuizar a dem anda de execução sem que o dem andante disponha de título executivo. Tendo o juiz determ inado a citação do executado, sem pre pareceu absurdo exigir que este oferecesse um bem à penhora para que pudesse dizer c^ue, por falta de título executivo, seu patrim ônio não poderia ser penhorado. E para situações como estas que a objeção de não executividade se fazia necessária. Não se adm itindo este meio defensivo, estar-se-ia a im por ao dem andado um sacrifício absurdo (quando é sabido que um dos princípios reitores da execução forçada é o prin­cípio do m enor sacrifício possível).80

Poderia, então, parecer que a partir do m om ento em que se modificou o modelo processual (por força da Lei n Q 11.382/2006), e se passou a adm itir o oferecim ento dos em bargos independentem ente da garantia da execução, teria se tom ado desnecessária a objeção de não executividade. Assim, porém , não nos parece. Em prim eiro lugar, é preciso recordar que na execução de sentença a prévia garantia do juízo ainda é exigida para oferecim ento da impugnação. Além disso, é preciso recordar que tan to a impugnação à execução de sentença como os em bargos do executado estão sujeitos ao requisito da tempestivida- de. Pode, então, acontecer de o executado perder o prazo para oferecimento daqueles meios defensivos e, apesar disso, pretender apresentar um a alegação de defesa referente a m atéria de ordem pública, não sujeita a preclusão (como, e. g .t a falta de algum a "condição da ação”). Evidentemente, em casos assim, deve-se continuar a adm itir a objeção de não executividade, que continua a ser extrem am ente útil para a inteireza do sistema.

A objeção de não executividade pode ser apresentada a qualquer tem po, ao longo do m ódulo processual de execução, já que versa sobre m atérias de

80 A pesar de todos estes argum entos, ainda há quem não adm ita a “exceção de pré-executivida­de”. Seu m ais ferrenho (e categorizado) opositor é, sem som bra de dúvida, Alcides de M endonça Lima, que se posicionou contra sua adm issibilidade em Ação executiva: necessidade da penhora para discutir a exigibilidade dos títu los, parecer incluído na obra Processo de conhecimento e processo de execução, p. 275-290, esp. p. 279-280.

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ordem pública, a cujo respeito não se opera a preclusão.81 A objeção de não executividade poderá ser oferecida, assim, antes da apreensão de bens do exe­cutado, ou depois de encerrado o prazo para ajuizam ento dos em bargos ou da impugnação, pois som ente nesses m om entos é que o institu to será de alguma utilidade para o executado.

Não dando origem a processo autônom o (ao contrário do que ocorre com os em bargos do executado), há que se ter atenção para a natureza da de­cisão que aprecia a “exceção de pré-executividade”, principalm ente para que se possa verificar o recurso adequado à sua impugnação. O pronunciam ento judicial que rejeitar a objeção, considerando que todos os requisitos de adm is­sibilidade da execução se fazem presentes, será - como parece claro - decisão interlocutória, sujeita a agravo (art. 522 do CPC). De outro lado, o provim en­to que acolher a objeção e, em conseqüência disso, puser term o ao processo executivo, terá natureza de sentença, sendo recorrível através de apelação (art. 513 do CPC). Aplica-se, pois, aqui o m esm o raciocínio que levou o legislador a editar o art. 475-M, § 3Q.

8J Assim , por todos, Galeno Lacerda, Execução de títu lo extrajudicial e segurança do "juízo'", in Estudos de direito processual em homenagem a José Frederico Marques, p. 167-176, esp. p. 175.

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XII

SUSPENSÃO E EXTINÇÃO DO MÓDULO PROCESSUAL

EXECUTIVO

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§ l 8 SUSPENSÃO DO MÓDULO PROCESSUAL EXECUTIVO

Assim como ocorre com o m ódulo processual de conhecim ento, tam bém o m ódulo processual executivo pode passar por crises transitórias, que acar­retam sua suspensão. Há, além delas, crises definitivas, insuperáveis, que têm como conseqüência a extinção do m ódulo processual de execução, e que serão analisadas no tópico seguinte deste capítulo.

A suspensão do m ódulo processual de execução tem características m ui­to sem elhantes às do m ódulo processual cognitivo, o que se verifica pela lei­tu ra do art. 793 do CPC, segundo o qual durante a suspensão do m ódulo processual executivo não se pode praticar nenhum ato processual, salvo os que tenham caráter urgente. Assim, por exemplo, suspenso o m ódulo proces­sual executivo (pela m orte do exequente, por exemplo), não se pode praticar nenhum ato processual, m as deverá o juiz determ inar a citação (ou intimação, conforme o m ódulo tenha natureza de processo autônom o ou de fase executiva de um processo sincrético) do executado, se verificar que o prazo prescricional está próximo de seu term o final, e que postergar a citação (ou intimação) para depois da habilitação do espólio do dem andante poderia implicar a extinção do direito subjetivo.

É de se notar, aliás, que não só providências cautelares poderão ser deter­m inadas durante a suspensão do m ódulo processual executivo, a despeito do

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teor literal do art. 793 do CPC. Todas as providências urgentes, ainda que não tenham a m arca da cautelaridade, poderão ser determ inadas pelo juiz.

Prevê o CPC, nos arts. 791 e 792, os casos de suspensão do m ódulo pro­cessual executivo. Não se tem, ali, porém , enum eração exaustiva. O utros casos de suspensão podem ser aqui lembrados, e que não constam daqueles dispo­sitivos legais. Basta pensar, por exemplo, na suspensão do m ódulo processual executivo por razão de força maior; em razão da interposição de em bargos de terceiro (CPC, art. 1.052); a execução provisória se suspende quando chega o m om ento da realização da expropriação dos bens penhorados (só podendo voltar a tram itar quando o exequente prestar caução, a fim de levar os bens penhorados à hasta pública ou quando a execução se tornar definitiva), além de outras hipóteses que são apontadas por estudiosos do tem a.1

Há que se tratar, antes de analisar as causas de suspensão previstas nos arts. 791 e 792, das espécies de suspensão do m ódulo processual executivo. Em prim eiro lugar, é preciso distinguir os casos de suspensão total e parcial.

N a realidade, só a suspensão total merece ser considerada verdadeira suspensão do processo. Não se pode adm itir que o processo esteja suspenso parcialmente, sob pena de se considerar que haveria casos de suspensão em que seria possível prosseguir-se com o processo. É, realm ente, paradoxal a existência de processos que tram itam durante a suspensão. Os casos de sus­pensão parcial, como se poderá notar, são casos em que ocorre um a restrição subjetiva ou objetiva do processo.

Assim, por exemplo, se num a execução por quantia certa em que se pre­tende receber 20 mil reais, e tendo o executado oferecido em bargos para alegar excesso de execução, afirm ando que o real valor da dívida é de 12 mil reais, a execução prossegue, ainda que os em bargos estejam pendentes de julgam ento, m as só poderão ser praticados atos executivos que se refiram aos 12 mil reais sobre os quais não há controvérsia. Houve, neste caso, um a restrição objetiva do processo executivo.

Haveria restrição subjetiva do processo executivo se, por exemplo, num a execução em que houvesse litisconsórcio passivo, com dois executados, ape­nas um deles opusesse embargos, alegando m atéria que não fosse com um a ambos, caso em que a execução poderia prosseguir em relação ao que não em ­bargou. Haveria, neste caso, "suspensão parcial” do processo executivo, pois o processo estaria "suspenso” em relação ao executado que embargou, prosse­guindo em relação ao que não em bargou.2

1 Os exem plos aqui figurados, e alguns outros, são apresentados por D inam arco, Execução civil, p. 145.

2 A term inologia “suspensão to tal" e “suspensão parcial” do processo executivo é encontrada em doutrina das m ais atualizadas: Dinam arco, Execução civil, p. 142, onde se encontra crítica sem elhante à que se faz no tex to quanto à expressão “suspensão parcial", m ostrando-se sua im propriedade.

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Suspensão e Extinção do Módulo Processual Executivo 4 4 5

O utra im portante classificação da suspensão é a que distingue os casos de suspensão própria e im própria.3 N a prim eira modalidade o m ódulo proces­sual executivo fica, realm ente, paralisado por inteiro. É o que acontece, por exemplo, quando a suspensão da execução ocorre por m orte de um a das partes ou por convenção celebrada entre dem andante e dem andado. Já na suspensão im própria o que ocorre, em verdade, é a suspensão do procedim ento normal do m ódulo processual executivo (que se poderia cham ar "procedim ento prin­cipal”), para que se desenvolva um procedim ento incidente, que não é apto a dar origem a um processo autônom o. É o que se tem , e. g .f quando o pro­cedim ento executivo é suspenso pelo oferecim ento de exceção de suspeição ou im pedim ento do juiz ou de incom petência relativa do juízo. N estes casos, paralisa-se o procedim ento executivo (mas não o processo), para que se desen­volva o procedim ento incidente da exceção. Uma vez decidido o incidente, aí sim, poderá prosseguir o procedim ento principal da execução.

Estabelecidas as distinções entre suspensão to tal e parcial, e entre sus­pensão própria e imprópria, pode-se passar a analisar as causas de suspensão do m ódulo processual executivo, enum eradas nos arts. 791 e 792 do CPC.

A prim eira causa de suspensão, prevista no inciso I do art. 791 do CPC, é a do recebim ento dos embargos do executado. Trata-se de tem a já apreciado, razão pela qual não irei, aqui, repetir conceitos já expostos.

A partir da aprovação da Lei nQ 11.382/2006 modificou-se o sistem a tra­dicionalm ente adotado no direito processual civil brasileiro. A ntes dessa lei, os em bargos do executado eram sem pre recebidos com efeito suspensivo. A partir da entrada em vigor desse diploma, porém , os em bargos do executado passaram a ser recebidos, em regra, sem efeito suspensivo. Tem o juiz, porém, o poder de atribuir efeito suspensivo aos em bargos opostos à execução já ga­rantida (por penhora ou depósito) se o executado dem onstrar a presença de fum us boni iuris e perículum in mora. Nesse caso, então, os em bargos do executa­do suspenderão a execução.

É de se lembrar, porém, que não é o m ero ajuizam ento dos embargos que causa a suspensão da execução. Apenas se os em bargos do executado forem recebidos (ou seja, se não for caso de rejeição lim inar dos embargos) e, por decisão judicial, atribuído o efeito suspensivo, é que tal efeito se produzirá. A suspensão da execução, por esta causa, será to tal ou parcial, conforme o caso.

Será to tal a suspensão quando os embargos forem interpostos por todos (ou pelo único) os executados, e digam respeito a todo o objeto da execução, ou a algum a questão prelim inar (como, por exemplo, quando os embargos forem fundados em ilegitimidade das partes ou em inexigibilidade da obriga-

3 Dinamarco, Execução civil, p. 143.

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ção). Será total, ainda, quando interpostos os em bargos por apenas um dos executados (num processo executivo onde haja litisconsórcio passivo), basea­do em fundam ento com um aos executados que não embargaram. Assim, por exemplo, se a execução é movida em face de locatário e fiador, e apenas este em barga a execução, com a alegação de que o contrato de locação é absoluta­m ente nulo, a execução ficará suspensa tam bém em relação ao locatário, já que o argum ento em que se fundam os em bargos é com um a am bos os executados.

Vale lembrar que tudo o que aqui se disse acerca da suspensão da execu­ção por força de embargos aplica-se, tam bém , à impugnação à execução de títu ­lo judicial, que, em regra, será recebida sem efeito suspensivo (podendo o juiz, porém, atribuir tal efeito se presentes o fum us boni iuris e o periculum in mora).

D eterm ina o inciso II do art. 791 a suspensão do m ódulo processual exe­cutivo quando ocorrer qualquer das hipóteses previstas no art. 265, incisos I aIII.4 Assim sendo, suspende-se o m ódulo processual de execução:

"I - pela m orte ou perda da capacidade processual de qualquer das partes, de seu representante legal ou de seu procurador;

II - pela convenção das partes;III - quando for oposta exceção de incom petência do juízo, da

câmara ou do tribunal, bem como de suspeição ou de im pedim ento do juiz.”

A prim eira daquelas causas de suspensão do m ódulo processual não guarda, com relação à execução, qualquer peculiaridade. Já as outras duas pre­cisam ser aqui analisadas. No que concerne à suspensão convencional do m ó­dulo processual executivo, é preciso distinguir duas situações diversas, um a prevista no art. 791, II, com binado com o art. 265, II, do CPC; outra, bastante diversa, é a que está prevista no art. 792 do Código de Processo Civil.

A prim eira hipótese de suspensão convencional do m ódulo processual executivo, decorrente da aplicação à execução do art. 265, II, do CPC, é aquela em que as partes decidem paralisar o m ódulo processual executivo para ten tar chegar a um acordo. Essa paralisação convencional, nos term os do que dispõe o § 3Q do art. 265, não poderá durar mais de seis meses.

H ipótese diversa é a que se encontra no art. 792 do CPC. Dispõe o refe­rido dispositivo que, "convindo as partes, o juiz declarará suspensa a execução durante o prazo concedido pelo credor, para que o devedor cum pra voluntaria­m ente a obrigação”. A situação, aqui, é diferente da anterior. No caso de que ora se trata, o acordo já foi celebrado entre as partes, tendo sido concedido pelo exequente ao executado um prazo, dentro do qual deverá ser cum prida

4 Rem ete-se o leitor, neste passo, ao volum e 1 deste livro, onde se estudam as causas de sus­pensão do processo cognitivo.

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Suspensão e Extinção do Módulo Processual Executivo 4 4 7

a obrigação exequenda (pense-se, e. g .f no caso de um a execução por quantia certa, em que o exequente aceite receber o valor devido em prestações m en­sais). N esta hipótese, o m ódulo processual executivo ficará suspenso durante o prazo concedido pelo exequente para que o executado cum pra a obrigação.

Encerrado o prazo, e tendo sido cum prida a obrigação na form a con­vencionada, deverá o juiz proferir sentença, extinguindo o m ódulo processual executivo. Não tendo sido realizado o direito exequendo, deverá o processo retom ar seu curso normal.

É de se notar que nesta segunda modalidade de suspensão convencional do m ódulo processual executivo, prevista no art. 792 do CPC, não h á o lim ite de prazo de seis meses, previsto para a hipótese anterior. Aqui, o processo fi­cará suspenso pelo prazo concedido pelo exequente ao executado para que este cum pra sua obrigação, pouco im portando qual seja esse prazo.5

No que se refere à suspensão do processo pelo oferecimento de exceção (de incom petência relativa, de im pedim ento ou de suspeição), caso típico de suspensão imprópria, é de se recordar apenas que estas m atérias poderão ser alegadas através de em bargos do executado (art. 741, VII, do CPC), toda vez que o executado não tiver nenhum outro fundam ento em que basear sua defe­sa (quando se tratar de execução que adm ita o oferecim ento de em bargos do executado, claro).

Por fim, prevê o inciso III do art. 791 a suspensão do m ódulo processual executivo "quando o devedor não possuir bens penhoráveis”. N este caso, como se percebe facilmente, a execução não prossegue por absoluta impossibilidade de alcançar seu desfecho norm al, com a satisfação do crédito exequendo. A execução, neste caso, perm anecerá suspensa até que o executado adquira bens penhoráveis de valor suficiente para assegurar a realização do crédito.

É de se notar que, um a vez constatada a inexistência de bens penho­ráveis, e sendo quirografário o credor, será possível dem andar a declaração de falência ou de insolvência civil do devedor. Esta demanda, porém , é m era faculdade do credor, que pode optar por esperar que o executado adquira bens penhoráveis em quantidade suficiente para garantir o juízo.

Registre-se, por fim, que, em bora especificamente destinadas a reger a suspensão do processo executivo, as disposições aqui examinadas são subsi- diariam ente aplicáveis à fase executiva dos processos sincréticos (em que se fundem cognição e execução).

5 A distinção que aqui se faz en tre as duas m odalidades de suspensão convencional do p ro­cesso executivo é encontrada, tam bém , na obra de im portante teórico brasileiro da execução, dando-se à prim eira das m odalidades o nom e de “suspensão convencional genérica” e, à se­gunda, o de “suspensão convencional dilatória”. Confira-se, pois, Assis, Manual do processo de execução, p. 950-952.

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§ 2 B EXTINÇÃO DO MÓDULO PROCESSUAL EXECUTIVO

O m ódulo processual de execução, assim como os dem ais m ódulos pro­cessuais em nosso sistem a jurídico positivo, tem como ato final um a sentença. Esta, é certo, não contém jam ais julgam ento do m érito, sendo incapaz de al­cançar a coisa julgada substancial. De toda sorte, é preciso que a sentença seja proferida para que se possa extinguir o estado de litispendência que existe en­quanto aquele provim ento judicial não é pronunciado. Não é por ou tra razão, aliás, que o art. 795 do CPC afirma que "a extinção só produz efeito quando declarada por sentença”.

A sentença, aqui, deve conter os m esm os elem entos essenciais a todas as sentenças, enum erados no art. 458 do CPC, sendo certo que a fundam entação do provim ento pode ser concisa, já que não há resolução do m érito da causa.

Enum era o art. 794 do CPC as causas de extinção do m ódulo processual de execução, em enum eração que, sem som bra de dúvidas, deve ser considera­da m eram ente exemplificativa.6 Além dos casos ali previstos, outros poderiam ser aqui figurados, como é o da desistência da execução (prevista no art. 569 do CPC) ou a hipótese em que sejam julgados procedentes os em bargos do executado em sentença que reconheça a "carência de ação” do exequente ou a inexistência do crédito exequendo. Em todos estes casos, porém , aplica-se a norm a contida no art. 795, e o estado de litispendência só se encerra com a prolação de sentença.

São três os casos previstos no art. 794 do CPC, e que levarão, inexoravel­m ente, à extinção do módulo processual executivo. O primeiro deles, previsto no inciso I do referido artigo de lei, determ ina a extinção da execução quando "o devedor satisfaz a obrigação”. É de se dizer, em primeiro lugar, que a técni­ca empregada pelo legislador não é das mais elogiáveis. A execução, como se sabe, vale-se de técnicas de sub-rogação, para que - através da substituição da atividade do devedor, e m esm o contra sua vontade - seja atuada concretam ente a vontade do direito substancial. Parece estranho, para dizer o mínimo, que o primeiro caso em que se afirma a extinção da execução seja, pois, a raríssim a hipótese em que o executado cumpre, voluntariam ente, a obrigação exequenda.

Em verdade, o inciso I do art. 794 prevê a extinção do m ódulo proces­sual executivo pela satisfação do crédito exequendo, pouco im portando aqui saber se esta satisfação se deu por ato do executado ou através do emprego dos m eios executivos.7

6 Por todos, consulte-se José Carlos Barbosa M oreira, N otas sobre a extinção da execução, in Temas de direito processual: quinta série, p. 169, no ta de rodapé n° 1.

7 Dinam arco, Execução civil, p. 154.

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É de se notar que este é o único caso em que se prevê o que se costum a cham ar desfecho norm al do m ódulo processual executivo, pois, como sabido, o m ódulo processual executivo é destinado a um desfecho único, o que signifi­ca dizer que, sendo esta modalidade de m ódulo processual dirigida à satisfação de um crédito, o único desfecho norm al que pode ele te r é o que se dá com a realização do crédito do dem andante.

O segundo caso de extinção do m ódulo processual de execução arrolado no art. 794 (inciso II) é a hipótese em que "o devedor obtém, por transação ou por qualquer outro meio, a rem issão to tal da dívida”. Mais um a vez, em prega o legislador fórm ula pouco elogiável. A transação é um a form a de extinção das obrigações diferente da remissão, e não um meio de alcançar esta. M uito m e­lhor seria dizer o texto legal que se extingue a execução quando ocorre alguma causa extintiva da obrigação, como a transação, a remissão, ou qualquer outra, de que é exemplo a novação.

Não se pode, ainda, confundir a rem issão da dívida, m encionada neste inciso II, com a remição da execução, que corresponde ao pagam ento da dívida, e que leva à extinção do m ódulo processual executivo com fulcro no inciso I do art. 794 do CPC.8

Os casos de extinção do m ódulo processual executivo previstos neste inciso II do art. 794, como parece óbvio, são de extinção anômala. A inda que tenha havido autocom posição (com, por exemplo, a celebração de um a transa­ção), não se terá o desfecho norm al do m ódulo processual de execução, um a vez que o resultado final do m ódulo processual não terá sido correspondente à vontade concreta do direito substancial. De toda sorte, terá sido extinta, neste caso, a relação jurídica de direito m aterial que unia as partes, alcançando-se, assim, o escopo social da jurisdição consistente na pacificação dos conflitos.

O últim o caso previsto no art. 794 do Código de Processo Civil (inciso III) é de difícil interpretação. Afirma o CPC que se extingue a execução quando "o credor renunciar ao crédito”. É difícil a exegese deste inciso em razão da aparente coincidência entre os conceitos de rem issão e renúncia. Sem querer aprofundar o tema, que pertence ao direito substancial, e não ao processual, optei por transcrever as palavras que sobre o tem a proferiu insigne jurista carioca: "Se ‘renunciar ao crédito' e ‘rem itir a dívida' são atos cujos conceitos se superpõem , ainda que em parte, exsurge óbvia a conclusão: um a das duas m enções é supérflua. Se se cuida de atos distintos, tem -se de admitir, em todo caso, a sim ilitude de efeitos: tam bém a renúncia ao crédito, tal como a rem is­são da dívida, conduz à extinção do processo executivo, pelo m esm o motivo por que a esta conduz a remissão. Em sem elhante perspectiva, o m elhor lugar para aludir à renúncia seria o inciso II, onde ela certam ente ficaria bem situada,

8 Sobre a diferença en tre a rem issão da dívida e a rem ição da execução, e ainda sobre a d istin ­ção entre essas duas figuras e a rem ição de bens, consulte-se, supra, o Capítulo XI deste volume.

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ao lado das outras modalidades de extinção das obrigações (entre as quais a rem issão).”9

O que parece fora de dúvida é que a extinção do m ódulo processual exe­cutivo com fiilcro neste inciso III do art. 794 é mais um caso de extinção anô­mala, pois não terá havido, aqui, a realização do crédito exequendo.10

As três causas de extinção do m ódulo processual de execução arroladas no art. 794 do CPC têm, pelo menos, algo em comum. Apesar de se te r ali um caso de extinção norm al e dois de extinção anôm ala da execução, é inegável que nos três incisos do art. 794 encontram -se situações que acarretam a extin­ção da relação jurídica de direito substancial, motivo pelo qual já se afirmou em doutrina de nobre estirpe que "bastaria estabelecer que a execução se ex­tingue quando se extingue a dívida exequenda”.11 Repita-se, porém, o que já se disse anteriorm ente: apesar de nesses casos a sentença declarar extinto o processo executivo por ter desaparecido a relação jurídica de direito substan­cial, não se está aqui diante de sentença que contenha resolução do m érito da causa, não se formando, portanto, a coisa julgada substancial.

9 Barbosa M oreira, N otas sobre a extinção da execução, p. 175.

10 Dinam arco, Execução civil, p. 155.

13 Barbosa M oreira, N otas sobre a extinção da execução, p. 175.

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REFERENCIASBIBLIOGRÁFICAS

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ÍNDICE REMISSIVO

Page 484: Processo civil   alexandre freitas câmara - lições de direito processual civil - vol. 02 (2013)

A

Açãoanulatória, 24, 25 autônom a de im pugnação, 14 de adjudicação com pulsória, 292 declaratória incidental, 47 de execução, 162de homologação de sentença estrangeira,

40de locupletam ento ilícito, 200 de substituição de com prom isso arbitrai,

292, 293 direta, 386pauliana, 219, 223, 227, 311, 384 rescisória, 6, 13, 14, 15, 24, 25, 27, 28,

194 ,415

Aceitaçãoda decisão, 81 tácita, 238

Ações autônom as de im pugnação, 7

Acórdão, 151

Acordo extrajudicial, 197

Adequação do recurso interposto, 73

Adjudicação, 304, 333, 334, 335, 343, 351, 390do quinhão sucessório, 199

A dm inistrador, 346, 382, 383 Adm issibilidade, 69

Agravo, 102, 103, 131, 132, 369, 377 de instrum ento , 102, 106, 107, 112 interno, 102, 131 retido, 102, 103, 104, 105, 106 retido oral, 104

Alegações finais, 30

Alienaçãode bem penhorado, 228, 310 dos bens arrecadados, 389 fraudulenta de bens, 228 ou oneração do bem penhorado, 310 por iniciativa particular, 335, 341

A lim entosconvencionados, 358 definitivos, 361 provisionais, 358, 360 provisórios, 358

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4 6 8 Lições de Direito Processual Civil • Câmara

Alteração, 281 Aluguel, 205, 206

Amicus curice, 140, 143 Ampliação da penhora, 333 Analogia, 396

A n debeatur, 241, 242

Antecipaçãode tu te la em sede de recurso, 110 de tutela, to tal ou parcialm ente, a p reten­

são recursal, 110 do vencim ento, 382

A nticrese, 203, 204, 303, 344

Apelação, 91, 92, 93, 95, 96, 97, 299, 369, 393, 412

Apreensão, 321 física, 326 forçada, 352 judicial, 309, 321

Arguiçãode inconstitucionalidade, 45, 46 de relevância, 138

Arrecadação, 383, 384de todos os bens suscetíveis de penhora,

381Arrem atação, 337, 338, 339, 340, 351, 390A rrem atante, 338

A rrendam ento rural, 206

A rresto, 300, 301, 302, 303, 356

A rrom bam ento, 321

A ssunção da com petência, 56Astreintes, 161, 259, 278, 279, 280, 281, 282,

283Atividade jurisdicional, 160Ato executivo, 301

Ato-regra, 207Atos de sub-rogação, 277Audiência

de instrução e julgam ento, 368 prelim inar, 29

A usência de citação, 426

Auto, 322, 323, 340, 348 de arrem atação, 340 de penhora, 321, 322, 324 (ou term o) de penhora, 367

Autocom posição, 449

Autoinsolvência, 372, 375

A utonom ia do processo de execução de sen­tença, 164

Autos, 236Auxiliares eventuais da justiça, 208Avaliação, 329, 330, 332, 336, 337, 348, 349,

367, 369 extrajudicial, 331 judicial, 331

Averbação, 322, 324, 345 Aviso de recebim ento, 365

B

Bemde família, 318 de residência, 311, 384

Benfeitorias, 261, 431

Bensabsolutam ente im penhoráveis, 311, 312,

320, 384 arrecadados, 390 futuros, 216, 217 im penhoráveis, 310 passados, 217, 311 penhorados, 304, 336 penhoráveis, 298, 301 presentes, 216, 217 presentes e futuros, 311 públicos, 351relativamente impenhoráveis, 311,317, 384

Busca e apreensão, 260

cCálculo aritm ético, 252, 254 Capacidade processual das partes, 78

C artade alienação, 335 de arrem atação, 340 de constituição do “usufru to”, 345

Caução, 204, 233, 234, 235, 262

Page 486: Processo civil   alexandre freitas câmara - lições de direito processual civil - vol. 02 (2013)

índice Remissivo 4 6 9

Causa (s)debendi, 413 de pedir, 187extintiva da obrigação, 449 im peditiva, modificativa ou extintiva da

obrigação, 426 im peditiva superveniente, 427 m adura, 97 petendi, 187 de suspensão, 444 im peditivas da obrigação, 426 repetitivas, 142

Cédula hipotecária, 210

Certeza, 2 1 1 ,2 1 2 ,2 1 3 , 417

Certidãocom probatória do ajuizam ento da dem an­

da executiva, 298 da Dívida Ativa, 209, 364 de ônus reais, 324 de partilha, 199

Cisão funcional da com petência, 46 Citação, 29, 259, 264, 269, 276, 299, 302, 354,

364com hora certa, 299, 300 por edital, 299 por oficial de justiça, 299 postal, 365

Classificação do recurso, 63dos créditos e dos títu los legais de prefe­

rência, 386 C láusula penal, 278 Coisa (s)

determ inadas pelo gênero e quantidade, 263

fungível, 263 julgada, 281, 282, 414 julgada m aterial, 13 soberanam ente julgada, 31, 194, 415

Colusão, 18 processual, 19

Com petência, 172, 174, 175, 198, 385, 405 de foro, 176 executiva, 173 funcional, 198

internacional, 174, 175 para a execução, 176para a execução fundada em títu lo executi­

vo extrajudicial, 174 territorial, 173

C om prom isso arbitrai que fixa os honorários do árbitro, 210

Comunicação ao juízo a quo, 114da interposição do agravo de instrum ento ,

113

Conceito, 163am plo de execução (execução lato sensu),

162de recurso, 59, 63

Concessão excepcional de efeito suspensivo ao agravo de instrum ento , 109

Conciliação, 195 Concordata, 393, 394

civil, 394, 395

Concursode preferências, 341, 342 universal de credores, 370, 392

Concussão, 15

Condenaçãogenérica, 190, 241 ordinária, 190

Condição, 214da ação, 188, 201 da ação de execução, 160 dos recursos, 71

Confissão, 23, 24, 25 de dívida, 201, 202

Consilium fraudis, 218, 225, 226, 310 C ontador judicial, 297 Contestação, 29, 40, 41, 266, 374

C ontraditório , 164, 167, 168, 169

C ontrarrazões, 111

C ontratode constituição de renda, 207 de locação, 205, 208 escrito de honorários advocatícios, 210

C ontroleconcentrado, 43, 47, 48 da constitucionalidade, 43, 418 difuso, 43, 44

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4 7 0 Lições de Direito Processual Civil • Câmara

difuso da constitucionalidade, 47, 48 direto, 418 incidental, 418

Convenção de condom ínio, 207

Conversãoda obrigação em perdas e danos, 276 do agravo de instrum ento em agravo re ti­

do, 109do ju lgam ento em diligência, 98 do m esm o em agravo retido, 108 em agravo retido, 111 em perdas e danos, 268, 270, 277

Correio, 107, 108 Corrupção, 15 C rédito

alimentar, 235alim entar decorrente do “ajustam ento dos

interessados às exigências” do E sta tu to da Criança e do Adolescente, 210

de alienação fiduciária em garantia, 210 do auxiliar da justiça, 208 privilegiados, 389

Credor quirografário, 372

Cum prim ento da sentença, 162 de obrigação de não fazer, 274 voluntário da obrigação, 268

Cum ulação, 421de dem andas executivas, 420, 421 de execuções, 420

C urador especial, 300 C usto econômico, 349

D

Dano, 218

D ebênture, 200 Decadência

do direito à declaração de nulidade da sen­tença arbitrai, 430

do direito à rescisão, 31

Decisãointerlocutória, 245, 376, 377 inutiliter data, 416 denegatória, 126

Declaraçãode insolvência, 373, 374 judicial da insolvência, 379 de crédito, 386

Decretação de insolvência, 374 Defesa, 359

do executado, 428

Definição de recurso, 60 Deformalização do processo, 273

D em andas repetitivas, 141

D em onstrativo do débito, 296

Depositário, 309, 322

Depósito, 321, 368

Desafetação, 351D esconto em folha de pagam ento, 362

Desfechoanôm alo do processo, 170 norm al, 170norm al da execução, 171 norm al do m ódulo processual executivo,

449

Desistência, 23, 24 da execução, 170 do recurso, 81

Despacho, 376 inicial, 364, 366

D espesas condom iniais ordinárias, 208

D estinatário da intim ação, 348

Detenção, 309

D etentor, 309

Devedorinsolvente, 383 solvente ou insolvente, 294

Devedores não em presários, 370

Devido processo legal, 164

D inheiro, 295 D ireito

a um a prestação (direito subjetivo stricto sensu), 289

certo e líquido, 241 certo, líquido e exigível, 352 de escolha, 265, 266 de preferência, 272, 307

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índice Remissivo 4 7 1

Internacional, 35 líquido, 243 potestativo, 289 Processual Civil, 35 Processual Civil Internacional, 35 real, 308

D ispensada avaliação, 331 da caução, 234

D ispersão de votos, 118, 119 Dissídio jurisprudencial, 130

D istribuição, 147, 148

Divergência, 54jurisprudencial, 131

Dívida, 216 ativa, 363em m oeda estrangeira, 382

D ocum ento novo, 22, 23

Dolo da parte vencedora, 18, 19

D om ínio útil, 205

Duplicata, 200

D uplo grau de jurisdição, 7, 369

D uplo grau de jurisdição obrigatório, 5, 369

D úvida objetiva, 76

E

Edital, 300, 337, 338, 365, 368, 385, 386 da hasta pública, 337 de convocação, 386

Efeito, 305, 381da recorribilidade, 85 devolutivo, 82, 83, 93, 100 interruptivo, 124 m aterial, 309 retroativo, 366

Efeitosda interposição, 82, 86 da penhora, 310 do julgam ento, 82, 86 m ateriais, 305 processuais, 305, 306

substanciais da declaração de insolvência, 382

suspensivos, 84, 85, 100, 101, 120, 153, 154, 235, 408, 410

suspensivos ativos, 110 Efetividade, 165

do processo, 293 Eficácia

executiva, 380preclusiva da coisa julgada, 412

Em bargos, 265, 353, 354, 355, 368, 373, 374, 403, 404, 406, 408, 410, 417, 424, 446 à execução, 400, 413, 414, 426, 435 à execução fundada em títu lo executivo

judicial contra a Fazenda Pública, 414 da segunda fase, 433 de declaração, 121, 122, 123, 124 de divergência, 143, 144, 145 de prim eira fase, 433de retenção por benfeitorias, 430, 431, 433 de segunda fase, 434 do devedor, 400do executado, 163, 260, 262, 399, 400,

401, 402, 403, 404, 405, 406, 407, 408, 411, 412, 417, 419, 425, 427, 428, 433

do executado incidentes à execução funda­da em títu lo judicial contra a Fazenda Pública, 430

incidentes à execução fundada em títu lo extrajudicial, 430

infringentes, 114, 115, 116, 117, 118, 119, 120, 369

Em enta, 151

Encargo de condom ínio, 207, 208Enfiteuse, 205Entidade familiar, 319Erro de fato, 25, 26

Error in iudicando, 60, 61, 86, 87

Error in procedendo, 61, 86

Escritura pública, 201Escusa do executado, 359Estado de insolvência, 378

Eventus damni, 218

Exceção, 29de pré-executividade, 420, 435, 436, 437,

438, 440

Page 489: Processo civil   alexandre freitas câmara - lições de direito processual civil - vol. 02 (2013)

4 7 2 Lições de Direito Processual Civil • Câmara

Excessode execução, 253, 403, 422, 423, 424, 425 de penhora, 254, 332

Execução, 41, 160, 161, 355 civil da sentença penal, 174 coletiva, 384, 388 com pleta, 233 concursal, 390contra a Fazenda Pública, 294, 350 das obrigações de fazer e de não fazer, 258,

267de alim entos, 358, 359 de obrigação de fazer, 274 de obrigação de fazer fundada em senten­

ça, 268de obrigação de fazer fundada em títu lo ex­

trajudicial, 269 de obrigação de não fazer, 275 de prestação alim entícia, 294, 350, 357,

358de sentença, 164de sentença estrangeira homologada, 174 de títu lo judicial ou extrajudicial, 279 específica, 166fiscal, 209, 294, 350, 354, 362, 363, 364,

367, 369 forçada, 159, 163, 279 fundada em títu lo judicial, 174, 283 genérica, 166 injusta, 172para entrega de coisa, 258 para entrega de coisa certa, 258, 259 para entrega de coisa incerta, 263 por carta, 405por coerção ou por sub-rogação, 162 por expropriação, por desapossam ento,

257por expropriações, 295 por quan tia certa, 258, 261, 274, 294 por quantia certa contra a Fazenda Pública,

351, 352, 353 por quantia certa contra devedor insolven­

te, 404por quantia certa contra devedor solvente,

295, 347, 350, 362 por quantia certa de obrigação de prestar

alim entos, 359

por títu lo extrajudicial, 264, 266 provisória, 101, 231, 232, 233, 234, 235,

236, 237 universal, 384, 385

Execuçõesfiscais e de alim entos, 385 individuais, 385

Exigibilidade, 211, 214, 215, 417 do títu lo , 417

Expropriação, 339, 391 das quotas, 328 forçada, 339

Extensão do efeito devolutivo da apelação, 99

Extinção, 443anôm ala, 449, 450 das obrigações, 391das obrigações do devedor insolvente, 392,

393do m ódulo processual executivo, 448, 450 do processo executivo, 391

F

Falência, 370, 396

Falsidade da prova, 21, 22

Falta ou nulidade da citação, 414, 417

Fase, 295cognitiva, 371 com plem entar, 351 executiva, 371 satisfativa, 261

Fato novo, 250, 251, 254

Fazenda Pública, 363, 365, 368, 404

Fiadorconvencional, 182 judicial, 182

Fiança, 203, 204 Formal, 199

Form a retida, 134 Foro, 205

Fraude, 218contra credores, 217, 218, 219, 221, 222,

2 2 3 ,3 1 0 ,3 1 1

Page 490: Processo civil   alexandre freitas câmara - lições de direito processual civil - vol. 02 (2013)

índice Remissivo 4 7 3

de execução, 217, 224, 225, 226, 227, 228,2 9 8 ,3 1 0 ,3 1 1

pauliana, 218, 220, 221, 224, 227, 228, 309

Fumus boni iuris, 409, 436 Função do títu lo executivo, 186, 187 Funções do adm inistrador, 383

Fundoslíquidos, 327, 328 sociais, 328

G

G arantiado juízo, 306, 364 do juízo executivo, 367

H

H asta pública, 335, 336, 338, 339, 341, 368, 384, 390

H asta pública virtual, 340Herdeiros, 199

Hipoteca, 203, 204, 303, 308

Homologação, 203de sentença estrangeira, 35, 36de sentenças estrangeiras, 39judicial, 197

H onorários, 208, 349, 350advocatícios, 302

I

Im issão na posse, 261 Im pedim ento, 427, 428

recursal, 80

Im pedir o trânsito em julgado, 82 Im penhorabilidade, 314

absoluta, 311, 317, 320 do bem de residência, 318, 319, 320, 321 dos bens públicos, 357 relativa, 318, 321

Im possibilidade tem porária de pagam ento, 359

Impugnação, 41, 349, 388, 399, 435 à execução, 349, 436 aos em bargos, 411 de crédito, 387, 388

Inalienáveis, 351

Incidente, 54de arguição de inconstitucionalidade, 48 de concentração da obrigação, 263, 264 de im pugnação da escolha, 266 de inconstitucionalidade, 44, 46, 49 de liquidação de sentença, 245 de uniform ização de jurisprudência, 51 do processo executivo, 342 processual, 52, 244

Incom petência absoluta, 428 relativa do juízo, 427, 428

Indeferim ento liminar, 111

Indenização por benfeitorias, 432Indevida cum ulação de dem andas executivas,

422Indicação de bens à penhora, 303 Ineficácia, 221

originária, 227 relativa, 228, 338 sucessiva, 227

Inform ações, 111

Infungibilidade, 285 Inoponibilidade, 221, 223 Inscrição na dívida ativa, 210 Insolvência, 227, 371, 373, 375

civil, 370, 372, 378, 390, 391, 393, 396 presum ida, 374

Insolvente, 371Instauração da execução universal, 381

Instrum ento particular, 201 público, 201

Instrutória, 295

Interessede agir, 187de agir in executivis, 160, 188, 211 em recorrer, 72, 73

Page 491: Processo civil   alexandre freitas câmara - lições de direito processual civil - vol. 02 (2013)

4 7 4 Lições de Direito Processual Civil • Câmara

Interesse-adequação, 74, 214, 215, 417 Interesse-necessidade, 74, 214, 215, 417

Interposição, 107do agravo de instrum ento , 114

Intérpretes, 208

Interrupção da prescrição, 366

Interrupção dos prazos prescricionais, 392

Intim ação, 324, 348 da penhora, 368 pessoal, 338, 347

Invalidadeda sentença arbitrai, 428 processual, 416

Inventariante, 199

Isonom ia, 164, 354

Iudiáum rescindens, 14, 28, 30

Iudicium rescissorium, 14, 28, 30

Ius eligendi, 265

Ius novorum, 94

JJuízo

absolutam ente incom petente, 17 da falência, 385de adm issibilidade, 66, 67, 68, 70, 150 de delibação, 36 de m érito, 66, 68, 70, 150 deprecante, 406de retratação, 104, 112, 114, 141 investido de jurisdição, 160 negativo de adm issibilidade do recurso,

152negativo de m érito, 152 relativam ente incom petente, 18 rescindente, 18 rescisório, 18

Julgam ento, 149, 150conforme o estado do processo, 29 do m érito, 150 em diligência, 99

Jurisdição voluntária, 198

Jurisprudência defensiva, 132 Justiça

Estadual, 175 Federal, 175 gratuita, 297

L

Lanço, 336, 337 Laudêmio, 205

Laudo arbitrai, 196

Legatários, 199 Legitimada ativa, 363

Legitimado ordinário prim ário, 179

Legitimados, 334, 372 passivos, 363

Legitimidade, 27, 407, 420 ad causam, 245, 419 ativa, 177, 178, 179 das partes, 176, 406 extraordinária ativa, 178 para dem andar, 27 para recorrer, 71, 72 passiva, 27, 180, 181, 182 passiva do responsável tributário , 183 passiva ordinária, 181

Leilão, 336, 338, 368, 369

Letra de câmbio, 200

Licitação, 334, 337, 339 Liquidação

da m assa, 390da obrigação por arbitram ento, 254 da sentença, 214, 243, 244, 246, 247, 248,

252, 254 incidente, 270individual da sentença coletiva, 248 por arbitram ento, 248, 249 por artigos, 248, 250, 251, 254 por cálculo do contador, 253

Liquidez, 2 1 1 ,2 1 3 ,4 1 7 Locação

de imóvel, 208 de imóvel urbano, 206

Page 492: Processo civil   alexandre freitas câmara - lições de direito processual civil - vol. 02 (2013)

índice Remissivo 4 7 5

M

M aioria absoluta, 54

M andadode entrega, 335 de penhora e avaliação, 348

M anifestam ente protelatórios, 124

M ecanismo de prevenção ou com posição de divergência, 55

M edidas de apoio, 268, 269, 270

Meiode coerção, 161, 274, 277, 280, 360 de coerção pessoal, 294, 357, 359

Meiosde defesa, 399 de sub-rogação, 161 executivos, 268

M em ória de cálculo, 297

M érito, 69, 399

M inistério Público, 112 M ódulo processual de conhecim ento, 284 M ulta, 28, 125, 161, 236, 237, 238, 261, 268,

275, 278, 279, 280, 281, 282, 283, 348, 350

N

N atureza, 121, 245da sentença substitu tiva da declaração de

vontade, 286 jurídica da penhora, 305 jurisdicional, 161 recursal, 121

N ecessidade de interposição do recurso, 73 N ota prom issória, 200

Nulidadeabsoluta, 415 da sentença arbitrai, 429

O

Objeção, 438de não executividade, 438, 439, 440

Obrigação, 270de celebrar contrato, 290 de desfazer, 276de em itir declaração de vontade, 284, 285 de entregar coisa certa, 264 de entregar coisa fungível, 264 de fazer de prestação fungível ou infungí-

vel, 269 de fazer e de não fazer, 277 de fazer fungível e infúngível, 284 de não fazer perm anente, 276 perm anente (ou contínua), 275

O fensa à coisa julgada, 20 O ferecim ento de exceção, 447 Ope iudicis, 409

O rdem , 303dos processos nos tribunais, 147

O rdinário, 63, 64, 65 Órgão

ad quem investido de jurisdição, 77 especial, 46, 49 fracionário, 46, 54 de superposição, 5

P

Pagam ento, 302, 348, 349, 359, 367 ao exequente, 341 por adjudicação, 334, 342, 368 por entrega de dinheiro, 304, 368

Parcelam ento, 302

Parcial, 63Par condido creditorum, 307, 371, 381, 386

Partes capazes, 160 Patrim ônio, 215

Pauta, 149Penhor, 203, 204, 303Penhora, 302, 303, 304, 305, 307, 308, 310,

311, 321, 323, 334, 348, 349, 351, 362 das quotas sociais, 328 de bens imóveis, 322, 323, 324 de créditos e ou tros direitos sem elhantes,

324de imóveis, 321

Page 493: Processo civil   alexandre freitas câmara - lições de direito processual civil - vol. 02 (2013)

4 7 6 Lições de Direito Processual Civil • Câmara

de navios e aeronaves, 327 de quotas de sociedade lim itada, 328, 334 do crédito, 325 dos bens do executado, 329 que incide sobre em presas ou outros esta­

belecim entos, 326 sobre coisa ou direito litigioso, 325 sobre direito à entrega ou restituição de

coisa determ inada, 326 sobre “direito e ação”, 325 sobre dívidas de dinheiro a juros, 326 sobre em presa, 326

Pequena propriedade rural, 315

Perda da posse d ireta do bem penhorado, 308

Perdas e danos, 278

Periculum in mora, 234, 409, 436

Peritos, 208

Petição inicial, 29, 259, 269, 276, 296, 298, 364, 375, 408, 431

Poder cautelar do juiz, 234

Posse direta, 309

Possibilidadede penhora de quotas sociais, 327 jurídica do recurso, 77

Postulatória, 295

Praça e leilão, 336, 338, 368, 390

Prazo, 29, 123, 260, 354, 360 decadencial, 30 prescricional, 392

Precatório, 353, 355, 356

Precedente, 54

Preclusão, 404

Prejudicialidade, 401

Preliminar, 150

Pré-penhora, 301, 303

Prequestionam ento, 136, 137

Prescrição, 200, 201

Pressupostos processuais, 77 processuais executivos, 160 recursais, 71

Prevaricação, 15

Princípio, 164 da dem anda, 276 da fungibilidade, 76 da fungibilidade dos recursos, 75 do desfecho único, 169 do duplo grau de jurisdição, 6, 8 do m enor sacrifício possível, 166

Prior tempore, potior iure, 307, 323

Prisão, 361, 362civil, 161, 294, 359, 360 civil do devedor, 357

Privilégio geral, 389

Procedim ento, 28, 53, 412 padrão, 294, 295, 350 especial, 350

Processoautônom o de execução fundado em títu lo

judicial, 351 de execução, 269 de natureza sincrética, 274 eletrônico, 151 executivo, 161 m isto, 266m isto, sincrético, 268 sincrético, 354, 435

Procurador-Geral da República, 41

Produção de provas, 29

Produto da alienação, 391

Profundidade do efeito devolutivo da apela­ção, 99

Pro solvendo, 346

P rotesto, 200

Protocolo, 147

Prova, 411da fiança bancária, 368

Providênciasprelim inares, 29 urgentes, 444

Provim entodeclaratório da insolvência, 379, 380, 381 judicial declaratório da insolvência, 377 m eram ente declaratório, 378

Page 494: Processo civil   alexandre freitas câmara - lições de direito processual civil - vol. 02 (2013)

índice Remissivo 4 7 7

Q.

Q uadrode credores, 386, 387, 388, 389 geral de credores, 391

Quantum debeatur, 241, 242, 243, 244, 245, 246, 247, 248, 249, 252, 254, 270, 276

Querella nullitatis, 415, 416

Quid debeatur, 241, 242 Q uinhão sucessório, 199 Q uotas sociais, 329

R

Razões, 79 Reconhecim ento

do pedido, 24, 25 jurídico do pedido, 195

Reconvenção, 29

Recurso, 5, 7, 64adesivo, 63, 87, 88, 89, 90 especial, 128, 129, 130, 132, 133, 134, 141 excepcional, 131, 134 extraordinário, 128, 129, 130, 132, 133,

134, 140, 141 extraordinário ou especial, 131 ordinário, 126, 128ordinário constitucional, 125, 126, 127 parcial, 63, 64 principal, 63, 64 subordinado, 89, 90 total, 63, 64

Recursos, 5, 7, 64 especiais, 142 especiais repetitivos, 142 especiais representativos dos recursos re­

petitivos, 143 excepcionais, 66, 128 excepcionais retidos, 135 secundum eventum litis, 127

Redução da penhora, 332 Reexame necessário, 60

Referendo, 203 Reforço de penhora, 333

Reformado in peius, 84, 97

Regim ento de custas, 208

Registro, 321, 322, 323, 324

Regularidadeformal da dem anda executiva, 160 formal do recurso, 78 formal dos recursos, 79

Reiteração, 125 Rejeição

lim inar do agravo de instrum ento , 108 lim inar dos em bargos do executado, 408

Relativização da certeza, 213 Relator, 29, 148, 149, 151, 152, 153 Remição da execução, 449

Rem issão da dívida, 449

Rendaconstitu ída sobre imóvel, 207 de imóvel, 206

Renúncia, 24, 25, 80

Repercussão geral, 140geral da questão constitucional, 138, 139

Réplica, 41 Requerim ento

de execução, 348 de execução provisória, 236

Requisição de força policial, 322 Requisito, 345

econômico, 371 jurídico, 371 pessoal, 371 tem poral, 345, 404

Requisitos, 92, 344, 371 de adm issibilidade, 66 de admissibilidade da execução forçada, 439 de adm issibilidade dos recursos, 70 intrínsecos, 70para a homologação de um a sentença es­

trangeira, 37

Rescindibilidade, 15, 16, 25, 414

Responsabilidade, 216, 217patrim onial, 215, 216, 218, 228, 305, 309,

311 ,316 , 344, 384, 390Resposta, 29

Page 495: Processo civil   alexandre freitas câmara - lições de direito processual civil - vol. 02 (2013)

4 7 8 Lições de Direito Processual Civil • Câmara

Restriçãoobjetiva do processo executivo, 444 subjetiva do processo executivo, 444

Resultado zero, 248

Revelia, 300

Revisão criminal, 193

Revisor, 148, 149

sSaldo, 341

Satisfação do crédito exequendo, 448

Seguro, 204

Seguros de vida, 204

Sem reserva, 238

Sentença, 260, 269, 286, 287, 376, 377, 402, 4 0 3 ,4 1 1 ,4 1 2 , 448 arbitrai, 196, 197 condenatória, 189 condenatória genérica, 242, 243 constitutiva, 289, 290, 379 estrangeira, 36, 38 estrangeira hom ologada, 198 fundada em prova falsa, 21 hom ologatória, 25, 195 hom ologatória de transação e de concilia­

ção, 194 m eram ente declaratória, 191 pauliana, 223penal condenatória, 191, 192, 193, 194 substitu tiva da declaração de vontade, 286,

288, 289, 290 substitu tiva da declaração de vontade não

em itida, 292

Sentençascondenatórias, 190 de m érito, 15 estrangeiras, 198 hom ologatórias, 24 “m eram ente hom ologatórias”, 24

Seqüestro, 356

Sessão de julgam ento, 149

Sistem a

acusatório, 194

constitucional, 43

recursal, 9, 10

Sociedade por quotas de responsabilidade li­m itada, 329

Substituiçãoda atividade do executado pela de terceiro,

268da penhora, 333 do bem penhorado, 349

do contrato pela sentença, 291

Substituição ou anulação do provim ento re­corrido, 86

Sucum bência parcial, 88 recíproca, 87, 88

Sujeição, 215

Súmula, 54im peditiva, 82 im peditiva de apelação, 92 im peditiva de recurso, 92

Superior Tribunal de Justiça, 129

Suprem o Tribunal Federal, 129

Suspeição, 427, 428

Suspensão, 366, 443, 446

convencional, 447

convencional do m ódulo processual execu­tivo, 446

da eficácia da sentença rescindenda, 29

da execução, 409

do m ódulo processual, 446

do m ódulo processual executivo, 444 do m ódulo processual executivo quando o

devedor não possuir bens penhoráveis, 447

do processo, 391 do processo executivo, 410

oral, 149, 150 própria e im própria, 445 total e parcial, 445

Page 496: Processo civil   alexandre freitas câmara - lições de direito processual civil - vol. 02 (2013)

índice Remissivo 4 7 9

T

Tempestividade, 79

Teoriada causa m adura, 96 docum ental, 185docum ental do títu lo executivo, 184, 199 do títu lo executivo, 214 do títu lo executivo como ato de acerta-

m ento, 185 do títu lo executivo com o ato jurídico, 184 geral dos recursos, 59 m ista, 184, 185

Termo, 214, 321, 348 de penhora, 323 nos autos, 324, 335

Tese jurídica, 54

Título, 188executivo, 160, 184, 186, 187, 188, 190,

191, 198, 202, 209, 211, 241, 283, 294, 352, 354, 364, 417

executivo extrajudicial, 259, 294, 353 executivo judicial, 41, 188, 195, 197, 198,

258, 357, 370 extrajudicial, 188, 358, 414 judicial, 347, 353

Títulosde crédito, 413 executivos, 197 executivos extrajudiciais, 200 executivos judiciais, 189, 199 extrajudiciais, 295

Transação, 23, 24, 25, 195, 203, 449 extrajudicial, 202 pré-judicial, 197

Trânsito em julgado, 30, 286

Tribunais superiores, 5

Tribunalestrangeiro, 36 pleno, 46, 49

Tbrma julgadora, 151 Tlitela

específica, 275, 291 inibitória, 275 jurisdicional específica, 279 jurisdicional específica das obrigações de

em itir declaração de vontade, 283 preventiva, 275substitu tiva da declaração de vontade, 291

uUnificação

de jurisprudência, 6, 52, 53 dos prazos prescricionais, 392

U niversalidade do juízo da insolvência, 385

U sufruto, 343, 346, 347 de móvel, 327de móvel ou imóvel, 343, 344, 345, 346 sobre o imóvel, 346

V

Valor zero, 246Vencimento antecipado das dívidas, 381

Verificação e classificação dos créditos, 389

Via postal, 364

Vinculação do juiz, 123

Violação do D ireito em tese, 20

Vista dos autos, 151Voto divergente, 115

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