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Políticas Públicas - Prevenção do DelitoPREVENÇÃO DO DELITO
Síntese do trabalho original de autoria de:
Antonio Garcia e Pablos de Molina
I . A PREVENÇÃO DO DELITO NO ESTADO “SOCIAL” E “DEMOCRÁTICO” DE
DIREITO.
O crime deve ser compreendido como um fenômeno social, de natureza inter
pessoal e comunitária. Em linhas gerais o fenômeno criminal está associado ao
conjunto de fatores intervenientes na constituição de uma determinada sociedade.
Assim é que cada sociedade possui uma espécie ou modalidade própria de delito
que caracteriza e sustenta o aspecto de universalidade com que é observado tal
fenômeno. Torna-se fácil verificar que raízes empíricas atuais do fenômeno criminal,
herdados de uma tradição sócio - cultural, constituem a base científica para a
análise e a interpretação dos mecanismos de organização social que engendraram
o comportamento delituoso numa dada e referenciada sociedade.
À primeira vista, a solução veementemente reclamada pela sociedade para a
completa extirpação desse “mal”, passa, necessariamente pela intervenção do
Estado, através de seu aparato policial. Contudo, tal percepção falseia o conteúdo
real de uma evidência universal ao mesmo tempo em que mascara as forças e os
movimentos, histórico e materialmente constituído num ambiente culturalmente
contextualizado. Imputar à miséria, à má distribuição de renda, a impunidade
institucionalizada e a tantas outras razões as causas do fenômeno criminal, por si
só não contribui efetivamente para o enfrentamento racional que a questão exige.
Entender as variáveis e os fenômenos subjacentes que ajudaram a construir o
pensamento político, social e econômico brasileiro talvez seja o primeiro passo na
tentativa de compreender a complexidade do fenômeno criminal que assola, em
particular, nosso país. Não obstante, outros fenômenos sociais merecem destacada
importância para a compreensão do assunto em tela, como por exemplo a Religião,
as Instituições, a Tecnologia, dentre outros. Entretanto, melhor seria considerá-los
como apropriações adaptativas de uma realidade material de dominação do homem
pelo homem, onde o Estado constitui o principal mecanismo de opressão face o
projeto previamente concebido de organização social. É portanto, na perspectiva do
Estado Social e Democrático de Direito, sob a égide e o império da Lei, que os
mecanismos de controle social devem ser empregados como única forma de
garantir os direitos fundamentais e sociais do cidadão. A pergunta que se faz é a
seguinte: Como garantir tais direitos numa sociedade marcada pela desigualdade
social ? A resposta não é simples, porém pode-se arriscar uma intervenção
consubstanciada na idéia de construção de cidadania. Nos dias de hoje, o modelo
clássico de repressão estatal já não corresponde à realidade extremamente
conflituosa reproduzida pelo ritmo de vida urbano. Os conflitos, cada vez mais,
encontram-se revestidos de características peculiares que não podem sequer sofrer
o rigor axiológico da classificação, objetivando assim concentrar os esforços de
repressão. Sem dúvida que, no momento atual, a instituição policial representa
muito menos do que representou em tempos idos, no tocante ao controle das forças
sociais oprimidas e marginalizadas. O efeito repressivo não funciona mais como
resposta às diversificadas demandas conflituosas. Não significa contudo, execrar o
aspecto funcional da ação repressiva do Estado e sim redimensioná-la a um plano
de efetividade e pronta resposta, primando-se sempre pelo conjunto de ações
preventivas, as quais deverão ser balizadas pela concepção de parceria
comunitária, visto que sem ela a evidência delituosa estará sempre em destaque e
o cidadão permanecerá inerte, fomentando constantemente a síndrome do medo.
II . CONSIDERAÇÕES SOBRE A CRIMINOLOGIA “CLÁSSICA”, “NEOCLÁSSICA”
E A MODERNA CRIMINOLOGIA.
A Criminologia “clássica” contemplou o delito como enfrentamento formal,
simbólico e direto entre o Estado e o infrator. Nesse contexto, a pretensão punitiva
do Estado polariza e esgota a resposta ao fato delituoso prevalecendo à face
patológica. A reparação do dano causado á vítima não se apresenta como exigência
social. Tampouco preocupa a efetiva “reintegração” do infrator. A dimensão
comunitária do conflito criminal e da resposta solidária que ele reclama
permanecem, portanto, camufladas no nível de abstração. Em suma, não se pode
sequer, dentro deste modelo de análise criminal e político criminal, falar de
“prevenção” do delito (“estricto sensu”), senão de dissuasão penal. Os modelos de
prevenção do delito clássico e neoclássico consideram que o meio adequado para
prevenir o delito deve ter natureza “penal” (a ameaça do castigo), ou seja, o
mecanismo dissuasório, mediante o efeito inibitório da pena, expressa fielmente a
essência da prevenção. A diferença básica entre o modelo “clássico” e
“neoclássico” de prevenção do delito encontra-se no fato de no modelo “clássico” a
questão da prevenção é polarizada em torno da pena, do seu rigor ou severidade
enquanto que, no modelo neoclássico, a efetividade do impacto dissuasório
depende mais do funcionamento do sistema legal, tal como ele é percebido pelo
infrator potencial, que na severidade abstrata das penas.
Já a moderna Criminologia é partidária de uma imagem mais complexa do
acontecimento delituoso de acordo com o papel ativo e dinâmico que atribui aos
seus protagonistas (delinqüente, vítima, comunidade) e com a relevância
acentuada dos muitos fatores que convergem e interagem no “cenário criminal”.
Destaca o lado conflituoso e humano do delito, sua aflição, os elevados “custos”
pessoais e sociais deste doloroso fenômeno, cuja aparência patológica, de modo
algum nos conduz a uma serena análise de sua origem, nem o imprescindível
debate político criminal sobre as técnicas de intervenção e de seu controle. Neste
modelo teórico, o castigo do infrator não esgota as expectativas que o fato delitivo
desencadeia. Nesse sentido, reparar o dano, reintegrar o delinqüente e prevenir o
crime são objetivos de primeira magnitude.
III . O CONCEITO DE “PREVENÇÃO” E SEUS DIVERSOS CONTEÚDOS.
Existe um setor doutrinário que identifica a prevenção com o mero efeito
dissuasório da pena. Prevenir equivale a dissuadir o infrator potencial com a
ameaça do castigo. A prevenção é concebida com prevenção criminal e opera no
processo da motivação do infrator.
Outros autores ampliam o conceito de prevenção, salientando que ele compreende
o efeito dissuasório mediato, ou seja indireto, que pode ser conseguido por meio de
instrumentos não penais que alteram o “cenário” criminal, modificando alguns dos
fatores ou elementos do mesmo (espaço físico, desenho arquitetônico e urbanístico,
atitudes das vítimas, efetividade e rendimento do sistema legal etc.).
Para muitos estudiosos do sistema penitenciário, finalmente, a prevenção do delito
não é um objetivo autônomo da sociedade ou dos poderes públicos, senão o efeito
último perseguido pelos programas de reintegração e inserção do condenado.
Trata-se, pois, não tanto de evitar o delito, senão evitar a reincidência do infrator.
Tal conceito de prevenção equipara-se ao de prevenção especial. Evitar a
reincidência do condenado implica em uma intervenção tardia no problema criminal
(déficit etiológico). Por outro lado, revela um acentuado traço individualista e
ideológico na seleção dos seus destinatários e no desenho dos correspondentes
programas (déficit social). Por fim, concede um papel protagonista desmedido às
instâncias oficiais do sistema legal (déficit comunitário).
Contudo, em sentido estrito, prevenir o delito é algo mais. O conceito de prevenção
do delito não pode desvincular-se da gênese do fenômeno criminal, isto é, reclama
uma intervenção dinâmica e positiva que neutralize suas raízes, suas “causas”. A
prevenção deve ser contemplada como prevenção “social”, ou seja, como
mobilização de todos os setores comunitários para enfrentar solidariamente um
problema “social”. Nesse contexto, há de se destacar a concepção doutrinária
decorrente da classificação dos níveis de prevenção em primária, secundária e
terciária. A distinção baseia-se em diversos critérios : na maior ou menor relevância
etiológica dos respectivos programas, nos destinatários aos quais se dirigem, nos
instrumentos e mecanismos que utilizam, nos seus âmbitos e fins perseguidos.
Conforme tal classificação, os programas de prevenção primária orientam-se à raiz
do conflito criminal, para neutralizá-los antes que o problema se manifeste. Busca
atingir um nível de socialização proveitosa de acordo com os objetivos sociais.
Educação, habitação, trabalho, bem estar social e qualidade de vida são os
âmbitos essenciais para uma prevenção primária, que opera sempre a
longo e médio prazo e se dirige a todos os cidadãos.
A chamada prevenção secundária, por sua parte, atua mais tarde em termos
etiológicos, ou seja, no momento onde se manifesta ou se exterioriza o conflito
criminal. Opera a curto e médio prazo e se orienta seletivamente a
concretos (particulares) setores da sociedade, àqueles grupos e subgrupos
que ostentam maior risco de padecer ou protagonizar o problema criminal. A
prevenção secundária conecta-se com a política legislativa penal, assim
como com a ação policial.
Programas de prevenção policial, de controle dos meios de comunicação, de
ordenação urbana e utilização do desenho arquitetônico como instrumento de
autoproteção, desenvolvidos em bairros de classes menos favorecidas, são
exemplos de prevenção secundária.
IV . BREVE REFERÊNCIA AOS PRINCIPAIS PROGRAMAS DE PREVENÇÃO DO
DELITO.
Podemos destacar a existência de dois fatores básicos que contribuíram para a
definitiva consolidação de um novo paradigma político - criminal: o da prevenção.
Em primeiro lugar, o fracasso indiscutível do modelo repressivo clássico, baseado
em uma política penal dissuasória, como única resposta ao problema do delito. Em
segundo lugar, o próprio progresso científico e a utilíssima informação que diversas
disciplinas reúnem sobre a realidade da delinqüência. Se o crime não é um
fenômeno casual, fortuito, aleatório, isto é se não é um produto do azar ou da
fatalidade, senão um acontecimento altamente seletivo, como revelam tais
disciplinas (o crime tem seu momento oportuno, seu espaço físico adequado, sua
vítima propícia etc.), uma informação empírica confiável sobre as principais
variáveis do delito abre imensas possibilidades para a sua prevenção eficaz.
Dentre os inumeráveis programas de prevenção conhecidos, vejamos uma breve
informação sobre os pressupostos teóricos, principais diretrizes e conteúdos de
alguns deles:
1) PROGRAMAS DE PREVENÇÃO SOBRE DETERMINADAS “ÁREAS
GEOGRÁFICAS”.
Seu pressuposto doutrinário consiste na existência de um determinado espaço,
geográfica e socialmente delimitado, em todos os núcleos urbanos industrializados,
que concentra os mais elevados índices de criminalidade: são áreas muito
deterioradas, com péssimas condições de vida, pobre infra-estrutura, significativos
níveis de desorganização social e residência compulsória dos grupos mais
conflituosos e necessitados. O espírito reformista desse programa prevê medidas de
reordenação e equipamento urbano, melhorias infra - estruturais, dotação de
serviços públicos básicos etc.
2) PROGRAMAS DE PREVENÇÃO DO DELITO POR MEIO DO DESENHO
ARQUITETÔNICO E URBANÍSTICO.
Tais programas de prevenção orientam-se à reestruturação urbana e utilizam o
desenho arquitetônico para incidir positivamente no “habitat” físico e ambiental,
procurando neutralizar o elevado risco de influências que favorecem o
comportamento delituoso ou de se tornar vítima desse comportamento que
ostentam certos espaços, assim como modificar, também de forma satisfatória, a
estrutura “comportamental” do vizinho ou habitante destes lugares. Assim como o
programa de prevenção sobre determinadas “áreas geográficas”, o programa de
prevenção por meio do desenho arquitetônico e urbanístico não previne o delito,
somente o desloca para outras áreas menos protegidas, deixando intactas as raízes
profundas do problema criminal e tem uma inspiração policial e defensiva, é dizer,
não etiológica.
3) PROGRAMAS DE PREVENÇÃO “VITIMÁRIA”.
A prevenção orientada para vítimas parte de uma comprovação empírica não
questionada por ninguém, isto é, o risco de se tornar vítima não se reparte de
forma igual e uniforme na população nem é produto do azar ou da fatalidade: trata-
se de um risco diferenciado, calculável, cuja maior ou menor probabilidade depende
de diversas variáveis pessoais, situacionais, sociais (relacionadas, em princípio, com
a própria vítima).
Os programas de prevenção de orientado para vítimas, potenciais ou não,
pretendem informar - e conscientizar - as vítimas potenciais dos riscos que
assumem, com a finalidade de fomentar atitudes maduras de responsabilidade,
autocontrole, em defesa dos seus próprios interesses. Perseguem também, uma
mudança de mentalidade da sociedade em relação à vítima do delito: maior
sensibilidade, solidariedade com quem padece as conseqüências dele.
4) PROGRAMAS DE PREVENÇÃO DO DELITO DE INSPIRAÇÃO POLÍTICO-
SOCIAL.
Uma Política Social progressiva, se converte, então, no melhor instrumento
preventivo da criminalidade, já que desde o ponto de vista “etiológico” - pode
intervir positivamente nas causas últimas do problema, do qual o crime é um mero
sintoma ou indicador. Os programas com esta orientação político - social são, na
verdade, programas de prevenção “primária”: genuína e autêntica prevenção. Pois
se cada sociedade tem o crime que merece, uma sociedade mais justa que
assegura a todos os seus membros um acesso efetivo às cotas satisfatórias de bem
- estar e qualidade de vida - em seus diversos âmbitos (saúde, educação e cultura,
casa etc.) - reduz correlativamente sua intensidade conflituosa assim como as taxas
de delinqüência. E os reduz, ademais, de modo mais justo e racional, combinando a
máxima efetividade com o menor custo social.
5) PROGRAMAS DE PREVENÇÃO DA CRIMINALIDADE DE ORIENTAÇÃO
“COGNITIVA”.
Se a aquisição de habilidades cognitivas tem demonstrado ser uma eficaz técnica
de intervenção reintegradora, porque isola o delinqüente de influências perversas,
parece lógico supor que uma tempestiva aquisição pelo jovem de tais habilidades
evitaria que este tivesse participação em comportamentos delitivos. Sua eficácia,
pois, alcança não só o âmbito da intervenção (“tratamento”), senão também o da
“prevenção”.
6) PROGRAMAS DE PREVENÇÃO DA REINCIDÊNCIA.
Embora este tipo de programa não contemple a prevenção como objetivo específico
imediato, haja vista dirigir-se, antes de tudo, ao condenado - ou ao infrator - com a
pretensão de evitar que o mesmo volte a delinqüir. São, pois, programas de
prevenção terciária, que tratam de evitar a reincidência do infrator, não
de prevenir o “desvio primário”. Muito destes programas, como se verá,
pertencem mais à problemática da “intervenção” (ou “tratamento”) que à
prevenção, entendida em sentido estrito. Outros correspondem ao conhecido
modelo dos “substitutivos” penais: baseia-se em fórmulas alternativas à
intervenção drástica do sistema legal (quando se trata de conflitos pouco graves)
para liberar o infrator do seu inevitável impacto gerado por estigmas.
V . BASES DE UMA MODERNA POLÍTICA CRIMINAL DE PREVENÇÃO DE
DELITOS.
Uma moderna política criminal de prevenção do delito deve levar em conta as
seguintes bases:
1) O objetivo último de uma eficaz política de prevenção não consiste em erradicar
o crime, senão em controlá-lo razoavelmente.
2) No marco de um Estado social e democrático de Direito, a prevenção do delito
suscita inevitavelmente o problema dos “meios” ou “instrumentos” utilizados,
assim como dos “custos” sociais da prevenção.
3) Prevenir significa intervir na etiologia do problema criminal, neutralizando suas
“causas”.
4) A efetividade dos programas de prevenção deve ser programada a médio e longo
prazo.
5) A prevenção deve ser contemplada, antes de tudo, como prevenção “social” e
“comunitária”, precisamente porque o crime é um problema social e comunitário.
6) A prevenção do delito implica em prestações positivas, contribuições e esforços
solidários que neutralizem situações de carência, conflitos, desequilíbrios,
necessidades básicas.
7) A prevenção científica e eficaz do delito, pressupõe uma definição mais complexa
e aprofundada do “cenário criminal“, assim como nos fatores que nele interagem.
8) Pode-se também evitar o delito mediante a prevenção da reincidência. Mas,
desde logo, melhor que prevenir “mais” delitos, seria “produzir” ou “gerar”menos
criminalidade.