O preconceito linguístico na escola: uma análise sociolinguística do livro ‘Uma escola
assim, eu quero pra mim’, de Elias José
Rosembergh da Silva ALVES1 Maria Lúcia RIBEIRO DE OLIVEIRA2
Resumo: Este artigo é o resultado de uma pesquisa do Nupic/FAFIRE e tem por objetivo desenvolver um estudo sobre as variantes linguísticas verificadas nas falas das personagens do livro infantojuvenil Uma escola assim, eu quero pra mim de Elias José, como objeto de investigação e análise e como meio de incentivar a busca do conhecimento no combate ao preconceito linguístico nas salas de aula e nas escolas. Para isso, contamos com estudos de Bagno (2005; 2009; 2010), Bortoni-Ricardo (2004; 2005), Mollica e Braga (2007), entre outros aportes teóricos nos quais encontramos sustentação. Através dos estudos, percebemos o quanto os fenômenos da língua são variados e as possibilidades de pesquisa que poderíamos abordar. Neste artigo, mostramos o preconceito linguístico e as variações linguísticas expostos em uma obra infantojuvenil e que deve ser utilizada como estratégia metodológica na prática pedagógica do professor, com a finalidade de trazer à tona essas temáticas polêmicas, que ainda são reproduzidas de forma negativa pela comunidade escolar, como é o caso específico do gênero textual e literário corpus deste artigo, que contempla manifestações sociolinguísticas ou de preconceito linguístico passíveis de serem trabalhadas em sala de aula. A narrativa aqui analisada pode ajudar como instrumento contra o preconceito linguístico e na divulgação e reconhecimento das variações linguísticas, auxiliando a desenvolver competências, valorizar as diferenças na língua e a diminuir as desigualdades socioculturais. Palavras-chave: Preconceito linguístico. Análise sociolinguística. Variantes linguísticas. Elias José.
Introdução
“Quem fala errado não sabe nada”. Com base nesse mito, tão bem discutido por
Marcos Bagno no livro Preconceito Linguístico, a mãe que fala “mode que” em lugar de
“por causa de” tem tratamento diferenciado na escola. A criança que diz “nós vai” é
muitas vezes corrigida, em alto e bom som. Pode-se dizer, ainda, que a escola deveria
ser uma forma de exclusão de todos os tipos de preconceitos, inclusive o linguístico,
que é o que trataremos o presente trabalho. Muitas vezes ela apresenta um conceito
de linguagem um pouco restrito e acaba por dar prioridade a um padrão, deixando de
lado as variedades linguísticas de cada um. E quanto à língua como escrita, devemos
considerar a gramática como uma parte da linguística, e não como um todo, como a
única, já que a linguística trata a língua como um conjunto e a escrita (gramática) como
uma parte desta língua, não menos importante, mas que adiciona um grande valor à
linguagem falada.
1 Graduando em Licenciatura Plena em Português/Inglês – FAFIRE | E-mail: [email protected] 2 Professora do Curso de Letras da FAFIRE; pesquisadora do NUPIC; Mestre em Letras/Linguística pela UFPE. E-mail: [email protected]
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Acreditar que o único português correto é o padrão é sustentar um mito e
desmerecer qualquer tipo de variedade linguística, concretizando e incentivando a
permanência do preconceito linguístico. O preconceito linguístico remete à ideia de
que existe somente uma língua, conhecida como “certa” que encontramos nas
gramáticas normativas e dicionários (BAGNO, 2007). Sendo assim, precisamos superar
práticas pedagógicas que, muitas vezes, amordaçam os alunos e ridicularizam suas
linguagens, em um aniquilamento intencional de suas heranças biográficas, culturais e
linguísticas.
De acordo com Ilari e Basso (2006), a Língua Portuguesa do Brasil não é
uniforme, e nela estão presentes as variações linguísticas: diacrônica, diatópica,
diastrática e diamésica, a saber: variação ao longo do tempo, variação relacionada ao
espaço geográfico, variação em diferentes estratos sociais e a variação associada aos
diferentes meios e veículos entre a língua falada e a escrita. Essas variações só
comprovam que a língua não é compacta, mas sim dinâmica, e em constante
mudança. No entanto, tais variedades são desvalorizadas diante do modelo ideal de
língua, a norma de prestígio, caracterizada por muitos estudiosos como norma padrão.
Para Bagno (2010), quando se estabelece uma norma padrão, ela ganha tanta
importância e prestígio social que as demais variedades são consideradas
“impróprias”, “inadequadas”, “feias”, “erradas”, “deficientes” e “pobres”. A norma
padrão usada na literatura, nos meios de comunicação, nas leis e decretos do governo,
ensinada na escola e explicada na gramática, caracteriza a língua utilizada por pessoas
de nível socioeconômico mais elevado. Porém, além dessa norma padronizada,
consagrada e tão prestigiada, que para Bagno (2007) é o português padrão, existe
outra língua que não é aprendida na escola, mas sim adquirida através da tradição
oral, uma língua espontânea e natural, utilizada pelas classes menos favorecidas da
população, como pobres e analfabetos que compõem o nosso país, o português não
padrão. O português não-padrão caracteriza as pessoas marginalizadas, de nível
econômico baixo, pessoas que falam “errado”, pois falam uma língua diferente da
norma padrão, criando, assim, vários mitos que a cada dia se consagram em nossa
cultura, e que constituem o preconceito linguístico.
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Dizer que existe uma forma “correta” de se utilizar a língua é dizer que todas as
outras são erradas. E se todas as outras são erradas, os falantes de todas as inúmeras
variantes caem no desprestígio. Essa lógica vai se expressar em situações absurdas e
elitistas. Erros de português são simplesmente diferenças entre variedades da língua.
Com frequência, essas diferenças se apresentam entre a variedade usada no domínio
do lar, onde predomina uma cultura de oralidade, em relações de afeto e
informalidade e culturas de letramento, como a que é cultivada na escola (BORTONI-
RICARDO, 2004). Para Bortoni-Ricardo (2004), os professores não sabem como agir
diante dos “erros de português” – a expressão está entre aspas porque é considerada
inadequada e preconceituosa – e é nesse momento que o aluno usa uma regra não
padrão e o professor intervém, fornecendo a variante padrão, e as duas variedades se
justapõem na sala de aula.
A partir daí surge a problemática levantada e constatada na obra infantojuvenil
de Elias José, Uma escola assim, eu quero pra mim, através da difícil tarefa de que é
preciso combater o preconceito linguístico na escola por meio da análise da narrativa
de um estudante que nos faz refletir sobre o preconceito linguístico dentro das
escolas, sobre o sofrimento e exclusão das crianças quando submetidas à avaliação
equivocada da linguagem “certa” e a “errada”, e ao medo de serem corrigidas pelos
docentes e sofrerem bullying por parte dos colegas de sala de aula. Contudo, esse
comportamento é ainda problemático para os professores, e a prática pedagógica
desses professores é comprometida, pois eles não sabem como proceder nesses
momentos em sala de aula e ficam inseguros, sem saber se devem ou não corrigir os
erros e quais erros precisam ser corrigidos, ou até mesmo se podem ou não falar em
erros na sala de aula.
Bechara (1993) argumenta sobre o respeito que se deve ter para com a língua,
pois esta tem um valor comunicativo, além da necessidade de se estabelecer uma
relação de confiança com o aluno, para que este, ao entrar numa sala de aula, não se
sinta oprimido nem desestimulado a aprender, mas sim completo por em situações de
comunicação ter pleno conhecimento e oportunidade de escolha do uso de sua língua.
Para Possenti (1996), o importante é que o aluno possa vir a dominar
efetivamente o maior número possível de regras, isto é, que se torne capaz de
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expressar-se nas mais diversas circunstâncias, segundo as experiências e convenções
dessas circunstâncias. Nesse sentido, o papel da escola não é o de ensinar uma
variedade no lugar da outra, mas de criar condições para que os alunos aprendam
também as variedades que não conhecem.
Conforme afirmam Leite e Callou (2002), não existe variante boa ou má, língua
rica ou pobre, dialeto superior ou inferior, mas sim variações dialetais em nosso país,
explicitando por meio da fala as características da faixa etária, grupo sociocultural e a
região à qual o indivíduo pertence. No entanto, de acordo com Bortoni-Ricardo (2005),
a realidade é outra: as diferenças de natureza fonológica e morfossintática que
distinguem a linguagem rural da urbana e os diversos dialetos sociais, chamados
socioletos, são profundas. Alguns falantes usam as variedades sociais e étnicas como
recursos de variação da língua para enfatizar sua identidade, alterando-os com traços
da norma padrão quando as circunstâncias o exigem.
De modo geral, as línguas se apresentam de forma interativa, mesclando a
linguagem escrita e a oral. Nesta pesquisa, enfocamos as marcas de oralidade e as
variações linguísticas existentes na obra Uma escola assim, eu quero pra mim,
ancorado nos aportes teóricos sobre variação linguística e preconceito linguístico, sob
a perspectiva sociolinguística, contextualizando com a narrativa infantojuvenil e o
posicionamento das personagens de Elias José neste livro, analisando as variantes
linguísticas presentes nas falas das personagens e sua aplicação contra o preconceito
linguístico nas salas de aula e nas escolas.
A presente pesquisa vem apresentar a narrativa e as falas das personagens de
Elias José, a fim de estabelecer as relações entre a linguagem escrita e a linguagem oral
desta obra, das variantes linguísticas e do preconceito linguístico, principalmente em
salas de aula. A pesquisa, por esse viés, utilizando um livro da literatura infantojuvenil,
visa abordar a questão da variação linguística e do preconceito linguístico na obra de
um escritor contemporâneo, com ênfase para a personagem Rodrigo, aluno que sofre
o preconceito linguístico através das falas e demonstrações de uma de suas
professoras e colegas de turma.
A personagem citada foi escolhida para compor o corpus desta pesquisa por se
tratar de um representante do ambiente rural dentro do universo da literatura
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infantojuvenil de Elias José, e também para evidenciar a existência do preconceito
linguístico que o dialeto caipira do homem do campo tem rotulado em si, não sendo
reconhecido como válido e que é alvo de preconceito por parte dos falantes urbanos e
que são mais letrados, verificando-se, assim, o preconceito linguístico em salas de aula,
e igualmente, por expor suas particularidades, principalmente no tocante à linguagem,
que acarretam na língua portuguesa as mais diferentes variações que compõem o
contexto dessa narrativa, aplicando-se esse instrumento contra o preconceito
linguístico na escola.
Os estudos demonstram que o fato de o Brasil inteiro se utilizar de um mesmo
sistema de comunicação não significa dizer que exista uma unidade da língua. Dentro
do nosso país existem diversas variantes na oralidade, observadas a partir da
pronúncia do português do carioca, do mineiro ou do nordestino, por exemplo. Para
isso, a partir de uma perspectiva sociolinguística, a qual defende que a sociedade
influencia a linguagem do indivíduo, este artigo identificará não somente as variações
da língua, como também tentará quebrar o preconceito linguístico existente em torno
dessas variantes linguísticas, em um livro de literatura infantojuvenil utilizado nas salas
de aula e em escolas de modo geral, enfatizando a variação linguística nas falas de
Rodrigo e das outras personagens. Através dos estudos será possível identificar marcas
de oralidade presentes nesta narrativa e nas falas das personagens. Dessa maneira,
poderemos corroborar que a língua falada e a escrita caminham lado a lado, com a
finalidade de desconstruir o preconceito linguístico em salas de aula e nas escolas.
Este artigo é o resultado de uma pesquisa do Núcleo de Pesquisa e Iniciação
Científica – NUPIC, desenvolvida no curso de graduação em Letras da Faculdade
Frassinetti do Recife – FAFIRE e tem por objetivo abordar relações da linguagem escrita
e oral no livro infantojuvenil de Elias José, Uma escola assim, eu quero pra mim, e
apontar o preconceito linguístico em relação ao dialeto caipira do homem do campo e
às variações linguísticas. Para isso, contamos com estudos de Marcos Bagno, Stella
Maris Bortoni-Ricardo, Maria Cecilia Mollica e Maria Luiza Braga, além de outros
artigos e autores, nos quais encontramos apoio e sustentação para nossa pesquisa.
Através dessa pesquisa, percebemos o quanto os fenômenos da língua são variados e
as muitas possibilidades de pesquisa que poderíamos abordar.
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1. O escritor Elias José e o livro infantojuvenil Uma escola assim, eu quero pra mim
Elias José nasceu em Santa Cruz da Prata, distrito do município de Guaranésia,
interior do estado de Minas Gerais, e faleceu em Santos, São Paulo, aos 71 anos de
idade. Mora na fazenda da família e frequenta o curso primário na escola rural do
distrito. Na adolescência, estreita seus laços com a literatura, ao organizar e escrever,
com um grupo de colegas, o jornal da escola. Foi um escritor, professor e poeta
brasileiro, especialista em literatura infantojuvenil, estreando na literatura com a sua
primeira coletânea de contos, A Mal-Amada, em 1970, apoiado pelo jornalista e
escritor Murilo Rubião. Contudo, não era um autor de todo desconhecido. Em 1962
ganhou o primeiro lugar num concurso de contos promovido pela revista Vida
Doméstica. Formado em 1967 em letras e pedagogia, na Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras de Guaxupé (FAFIG), faz cursos de especialização e pós-graduação em
São Paulo e no Rio de Janeiro. Em 1968 recebeu o segundo lugar e menção honrosa no
Concurso de livros de contos Prêmio José Lins do Rego, patrocinado pela
Livraria Editora José Olympio. Mas foi com seu livro Contos, publicado pela Imprensa
Oficial, que ganhou o Prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro (CBL) como Melhor
Livro de Contos de 1974 e o prêmio Governador do Distrito Federal como Melhor Livro
de Ficção de 1974. A partir de 1976, por sugestão de sua esposa, Sílvia, escreveu
histórias para sua primeira filha, Iara, iniciando, assim, sua produção infantojuvenil. A
afinidade com o gênero e o sucesso obtido com as publicações levaram-no a dedicar-
se quase exclusivamente ao público infantil. Em 1993 aposentou-se de suas atividades
profissionais e permaneceu em Guaxupé, deslocando-se apenas para as inúmeras
palestras das quais participou.
O estilo de escrita de Elias José é marcado pelo realismo mágico, justapondo
fantasias oníricas ao absurdo do cotidiano. Elias José era professor aposentado
de Literatura Brasileira e de Teoria da Literatura do Departamento de Letras na FAFIG,
onde atuou também como diretor, vice-diretor e coordenador. Na rede pública de
ensino, ministrou aulas de língua portuguesa e literatura brasileira na Escola Estadual
Dr. Benedito Leite Ribeiro, e teve muitos de seus contos e poemas traduzidos e
publicados em vários países, como México, Argentina, Estados Unidos,
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Itália, Polônia, Nicarágua e Canadá, através de revistas literárias e antologias de
autores brasileiros. Durante sua vida, também ministrou cursos, oficinas e palestras,
participando de vários congressos de educação, linguística e literatura. O espólio das
suas obras literárias pode ser avaliado e dividido em: seis livros de contos, dentre eles,
Um Pássaro em Pânico, de 1977, considerado sua obra maior pelos críticos; 114 livros
infantojuvenis, entre eles a obra corpus desta pesquisa, Uma escola assim, eu quero
pra mim, de 1993, e um livro específico para formação de pais e professores; dois
romances, um livro de crônicas e dois de poesias.
Em sua produção de obras infantis e juvenis, iniciada em 1976, Elias José buscou
a linguagem cotidiana e a sintaxe direta, no esforço de se aproximar dos seus leitores.
Tematicamente, trabalhou com elementos bastante variados, como a realidade social
e suas injustiças, como o preconceito linguístico na escola, as relações afetivas e
humanitárias, as aventuras que visam decifrar enigmas e o reconto de narrativas
folclóricas de origem europeia, indígena ou africana. Na poesia para crianças, valorizou
a temática do cotidiano e o aspecto material das palavras, buscando efeitos de
sonoridades e trocadilhos. Nesse sentido, retomou procedimentos da cultura oral e
popular, em poemas que não se propunham a ensinar conteúdos morais, mas
aprender a brincar com as palavras, extraindo delas novos significados. Já os temas
trabalhados pela contística de Elias José envolviam a solidão e alienação dos
indivíduos, a cisão dos vínculos afetivos tradicionais, a necessidade de romper a rotina,
em oposição à impossibilidade de realmente efetivá-la, bem como a angústia daí
decorrente. Também desenvolveu os chamados minicontos.
O livro Uma escola assim, eu quero para mim, do autor Elias José, corpus deste
artigo, tem datada sua primeira publicação em 1993. Contudo, a obra utilizada para
esta análise é uma edição renovada de 2007, contendo 32 páginas, publicada pela FTD,
São Paulo e com ilustrações de Ricardo Dantas. O autor aborda, através de temas
como Ética e Pluralidade cultural, o relacionamento professor-aluno, a recepção do
outro, o preconceito, a aceitação da diversidade já na fase da infância e do
aprendizado escolar. E a obra, narrada em terceira pessoa, trata do relato de uma
criança que se chama Rodrigo, que veio da roça para estudar na cidade. Na escola da
cidade há meninos e meninas de todas as origens. Rodrigo, que veio da roça, tem uma
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maneira de se expressar que difere da de seus colegas. Isso é motivo de chacota e de
implicância por parte de sua professora e dos colegas. Rodrigo sofre, se cala e cogita
voltar para a roça, onde é bom em suas habilidades. No entanto, entra em cena outra
professora que age de modo diferente e ajuda Rodrigo a desabrochar como aluno,
longe de medos ou inibições.
Assim como toda criança, Rodrigo chegou à escola todo entusiasmado para viver
seus momentos escolares. O menino primeiramente se deparou com a professora
Marisa, que o desanimou por criticar seu modo de falar, não procurando saber de
onde ele veio e qual sua cultura. Mas logo conhece outra professora que substituiu a
professora Marisa por algum tempo, se chamava Celinha e tinha metodologia
diferente da primeira professora. A partir de então, música, brincadeiras, poesia,
violão, jogos, desenhos passaram a fazer parte do cotidiano da criançada. Todos
adoraram e isso fez a criança se sentir capaz de aprender e de interagir como as
demais. A professora Celinha considerou e respeitou a importância que tem a fala, e
soube conduzir a turma, respeitando a cultura regional e a influência que cada criança
traz de casa.
As duas professoras tinham visões diferentes em relação ao “erro”. Para a
professora Marisa, a fala de Rodrigo era considerada um erro, diferindo da tradicional,
falada pela maioria da turma; já a professora Celinha dá importância à fala trazida por
Rodrigo, do seio familiar e do seu ambiente, ou seja, à língua materna. Às vezes, em
alguns momentos em nossa prática pedagógica, agimos como a professora Marisa,
levando para o trabalho nossos problemas, que só atrapalham em nossa sala, e
também fazendo correção dos alunos na frente dos outros colegas. Outras vezes,
agimos com a humanidade, o discernimento e a sabedoria da professora Celinha,
trazendo para a turma métodos nos quais todos se envolvam e aprendam de forma
prazerosa, sendo compreendidos e apreendidos conhecimentos e deixando nossos
alunos se expressarem cada um do seu modo, pois não somos todos iguais, e é essa
diversidade, não só linguística, mas também sociocultural que deve ser respeitada.
A leitura do texto dessa narrativa contribui muito para nossa prática pedagógica,
pois o texto nos faz refletir sobre a necessidade de conhecer a realidade do aluno e
estimulá-lo, pois a criança sempre traz consigo uma bagagem que precisa ser
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explorada, seguindo o exemplo exitoso da professora Celinha: trabalhar com
dedicação, buscando sempre novidades e tecnologias, metodologias estimuladoras e
adequadas a cada realidade escolar e o aprimoramento da prática pedagógica, que faz
com que os alunos sintam prazer de ir à escola.
Em seu livro Nas arte-manhas do imaginário infantil: o lugar da literatura na
sala de aula, a escritora Fátima Miguez (2000) discorre sobre o uso da literatura no
ensino básico, tomando como um dos exemplos o livro Uma escola assim, eu quero
para mim. Segundo a autora, a história descreve uma situação ainda muito comum e
atual, em que o cenário da narrativa é a sala de aula e as personagens tipificam
inicialmente a escola tradicional, cujo aluno-personagem e protagonista Rodrigo chega
à escola, conforme nos informa o narrador:
Rodrigo veio do sítio para a escola, sem ter frequentado o infantil. Veio doidinho para aprender a descobrir os segredos que havia no encontro das letras (JOSÉ, 2007, p. 07).
Ainda compondo essa parte inicial da narrativa, nessa turma supostamente de
alfabetização, a professora Marisa é a personagem que tipifica e representa os valores
do passado e o tradicionalismo nas salas de aula, e prefere investir na cobrança de
exercícios, no uso mecânico da cartilha e na punição e correção dos erros, tanto
escritos, quanto orais, castigando-os com repetições obrigatórias. A figura austera e
conservadora de Dona Marisa é apresentada da seguinte forma pelo narrador, através
da percepção de Rodrigo:
De cara, levou um susto com a professora. Dona Marisa era grandona, feia, sabichona como ninguém. Azeda, sem sal nem açúcar. A barriga imensa, com uma criança dentro dela, tomava a dianteira (JOSÉ, 2007, p. 08).
A professora, reproduzindo sua prática pedagógica antiquada e tradicional, não
admitia erros por parte dos estudantes, cobrando sempre exercícios e acertos. Neste
sentido, o entendimento negativo de Rodrigo sobre a escola, a professora, seus
colegas de turma que também se mostraram hostis e preconceituosos, só fez crescer,
e os problemas se acumularam com o passar do tempo, somado ao ódio internalizado
pela escola, professora e pela turma, e também ao medo criado pelas situações às
quais era exposto. Rodrigo não conseguiu sentir prazer em participar e interagir com
atividades propostas pela professora, e isso acabou gerando um bloqueio em seu
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aprendizado, externando sua insatisfação com família e refletindo nas suas ações fora
da escola:
Ele não conseguia ler, escrever ou entender [...] Tudo era tão chato e duro, pior do que dobrar a língua para falar problema. Rodrigo chegava na casa da avó [...] triste e arrasado. Sentia-se menor, mais magrinho e ignorante. Queria desistir da escola, voltar para o sítio (JOSÉ, 2007, p. 09).
Em um dado momento, Rodrigo passou constrangimento e foi humilhado pela
professora, sendo exposto frente à turma, que também zombou dele, levando-o a
abandonar abruptamente a sala de aula:
[...] e a professora mandou que ele repetisse dez vezes: “nós fomos”. Foi um prato cheio para a turma cair na gozação. Ele terminou a frase tremendo. Descia água dos olhos e do nariz. Estava vermelho de raiva. Juntou os objetos e saiu voando da classe, nem ligou para os gritos de dona Marisa e as risadas dos colegas (JOSÉ, 2007, p. 11).
Após essa cena de autoritarismo da professora, que resultou na punição de
Rodrigo, ele acabou encontrando a diretora no portão da escola, que o convenceu a
voltar, pois dona Marisa ia sair de licença e seria substituída por uma nova professora,
dona Celinha. Tentando amenizar a situação e apaziguar os ânimos, a justificativa da
diretora era de que:
Dona Marisa anda nervosa porque tem sempre partos difíceis. Só que isso não dá a ela o direito de zombar de você. Não liga não (JOSÉ, 2007, p. 12).
Rodrigo, que veio do interior para a cidade grande com uma história de vida
diferente daquela dos colegas da escola, pois, no seu ambiente original, cuidava das
vacas, dos bezerros das plantas, dos irmãos menores e divertia-se com coisas simples,
foi o maior prejudicado nessa imposição do saber. Foi, inclusive, invadido em sua
individualidade e desrespeitado, principalmente pela professora, que deveria ter outro
papel no processo de ensino-aprendizagem: o de mediar conhecimentos.
Após esse episódio, começa outro movimento narrativo, a escola tradicional com
sua proposta estereotipada de ensino, através unicamente da leitura e do acerto,
representada por dona Marisa, vai sendo deslocada e, em seu lugar, surge a escola
construtivista, através de dona Celinha, portadora de novos procedimentos em relação
à leitura e às novas metodologias, utilizando práticas pedagógicas estimuladoras e
exitosas em sala de aula. Dona Celinha, simpática e aparentemente frágil, porta-voz e
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adepta dessa nova proposta educacional, na visão do narrador, chegou criando
vínculos com os alunos e sondando-os, através de um ambiente leve e de
aproximação:
Dona Celinha chegou, magra e pequenina, dizendo oi, sorrindo, dando bom-dia. Quis saber o nome de todos, onde moravam, do que gostavam ou não na vida e na escola, quais eram as dificuldades (JOSÉ, 2007, p. 15).
A nova professora, apresentando-se e expondo suas experiências de vida e
aspirações, falou do prazer e da beleza que era saber ler, sonhar e viajar
intuitivamente com os livros, suas personagens e o encantamento das histórias,
incentivando a leitura e todas as suas formas de manifestação, seja ela através da
televisão, de cartazes, livros, bilhetes, cartas, etc. Dona Celinha, além da vontade e do
prazer em ensinar, tinha habilidades e vocação para ler e interpretar as histórias dos
livros que escolhia para leitura e deleite dos alunos, conduzindo-os a uma “caixa
mágica” cheia de livrinhos de histórias. A apresentação desses livros era feita
gradativamente. De início, ela mostrava a capa, para estimular a imaginação e a
curiosidade dos alunos. Depois, lia para eles, e quando eles estivessem lendo sozinhos,
trazia outros.
Logo, através dos livros e da sua integração com a própria vivência, a
personagem dona Celinha ia priorizando o imaginário e o aprendizado satisfatório de
seus alunos, possibilitando, assim, a construção da leitura dentro de uma relação
afetiva-prazerosa. Destaca-se, também, a importância dada às atividades relacionadas
às artes de modo geral, que são, na narrativa, motivadas a partir da leitura de uma
história infantil ou poema. E assim, Rodrigo e seus colegas passaram a vivenciar a
leitura e suas especificidades como ato coletivo, social e, também, como experiência
individual, por meio da identificação de nomes dos produtos em propagandas
coloridas, mapas poéticos, interação entre clássicas estórias infantojuvenis e suas
personagens, além do contato com músicas e instrumentos musicais. A partir do livro
literário e do processo da leitura e de outras experiências, a sala de aula se
transformava em outros cenários e ambientes inusitados. E com esse clima
espontâneo e suavizado, Rodrigo teve a oportunidade de recobrar suas raízes e
vivenciar sua identidade, sua história de vida, tocando violão ao seu modo e cantando
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músicas regionais, contando histórias de caboclos, vacas, bezerros, família e plantas,
usando sua oralidade sem ser corrigido.
E para finalizar a narrativa, a professora substituta, após seis meses, teve que se
despedir da turma frente a choro, reclamações e abaixo-assinados dos pais. A
despedida de dona Celinha foi marcada por uma festa realizada com a ajuda da
diretora e de dona Marisa, que retornou diferente à sala de aula após a licença
maternidade. De volta à escola, a antiga professora:
[...] entrou na sala de aula mais solta e com cara de feliz. Falou do seu Marquinhos com carinho. Contou sobre as gracinhas que ele já fazia. Sobre a alegria do pai e o amor ciumento dos irmãos (JOSÉ, 2007, p. 28).
Contudo, a professora foi hostilizada pelos alunos, que não lhe deram muita
atenção, e após cobrar-lhes a cartilha, ouviu a seguinte resposta de Rodrigo: “A minha
eu nem sei onde enfiei. E nem sei pra que aquela cartilha, qui a gente já tá cansadu de
sabê lê...” (JOSÉ, 2007, p. 28). Dona Marisa encontrou sua turma mais unida e
reivindicando mudanças, que concordou e falou junto com Rodrigo, levando-a a
perceber que teria que inventar novos caminhos para o ensino a partir daquele
momento. E aderindo à prática já incorporada ao grupo, a professora atualizou sua
prática e trouxe metodologias baseadas na leitura de histórias, poemas, desenhos,
quadrinhos, e inventava novas estratégias atrativas na sala de aula, e aprendeu a
respeitar as particularidades e individualidades dos seus alunos, deixando-os
manifestar seus dons naturais e suas habilidades, ouvindo sem corrigir os casos e
modas de viola de Rodrigo, que trazia em si o socioleto caipira, marca de oralidade de
sua variante linguística.
A leitura não obrigatória do texto literário, associada a outras manifestações
situadas, no espaço intermediário entre ler e o viver, passaram a ser um dos meios de
aquelas crianças escaparem das cobranças clichês da escola tradicional, para alçarem
novos voos e alcançarem outros caminhos de leitura, trazendo à tona o velho e o novo
na sala de aula, simbolizadas respectivamente pelas professoras Marisa e Celinha, em
que o texto metaforiza a importância da renovação no sistema educacional brasileiro,
não somente pela mudança de professores, mas pela atualização através de formações
continuadas, e de novas estratégias metodológicas aplicadas à realidade de sua prática
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pedagógica. Pois, percebemos que, independente do docente, a sala de aula e o
ambiente escolar devem ser um espaço libertário e democrático, onde o imaginário da
criança consiga desvendar e descobrir as várias possibilidades de conhecer e
interpretar a vida, as pessoas, o mundo e sua diversidade. Assim, a leitura enquanto
ato individual, espontâneo e interior não deve ser manipulada ou forçada como dever
de sala de aula, pelo contrário, ela tem que representar a expressão de um sentimento
íntimo de deleite e degustação da leitura. Esse é o prazer de ver, ler e descobrir o
mundo através da literatura. Essa escola que o livro apresenta é a que almejamos para
todas as crianças: que adote uma prática literária democrática.
A literatura infantojuvenil contemporânea, atualmente, é bastante utilizada nas
salas de aula como textos complementares e também é considerada como leitura para
diversão. Justamente por esse fato é que a narrativa corpus foi escolhida para mostrar
os fenômenos que abordamos nesta pesquisa. Esse tipo de literatura está presente,
tanto na vivência escolar como no cotidiano da criança e do adolescente, e também
dos adultos. Para que o grande público goste tanto desse tipo de leitura, acreditamos
que as histórias infantojuvenis continuam sendo um gênero literário muito apreciado e
valorizado por seus leitores. Acreditamos, também, que seus produtores tentam
aproximá-las o máximo possível do cotidiano, das vivências reais e, portanto, da língua
falada e escrita, dos dialetos e gírias, para atrair cada vez mais leitores.
2. Língua, variação e sociedade
Temos, a seguir, um breve estudo teórico sobre importantes temas que foram
usados em nossas análises ao longo desta pesquisa. Este artigo compreende alguns
conceitos de Sociolinguística. Para isso, foi necessária também uma breve reflexão
sobre o tema Variação Linguística, o qual estabelece relações entre a sociedade e a
língua. Em seguida, apresentamos um sucinto estudo sobre o preconceito linguístico,
tema presente durante toda a análise do corpus desta pesquisa. Para a realização
deste estudo teórico, baseamo-nos em reflexões de alguns estudiosos, tais como:
Bagno (2005; 2009; 2010), Bortoni-Ricardo (2004; 2005), Mollica e Braga (2007), Silva
(2007), Silveira e Barin (2012), e Werneck (2010), entre outros artigos acadêmicos
sobre as temáticas abordadas.
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2.1 Sociolinguística e Variação linguística
A Sociolinguística, subárea da Linguística, estuda a língua em uso nas
comunidades de fala e se propõe a investigar e correlacionar seus aspectos linguísticos
e sociais. E, como ciência, faz-se presente em espaços interdisciplinares, na fronteira
entre língua e sociedade, focalizando os empregos linguísticos concretos,
principalmente os de caráter heterogêneo (MOLLICA; BRAGA, 2007).
Segundo Mollica e Braga (2007), todas as línguas têm um dinamismo inerente,
sendo assim, são heterogêneas. O português falado no Brasil está repleto de exemplos
de formas distintas que se equivalem no nível do vocabulário, da sintaxe e
morfossintaxe, do sistema fonético-fonológico e no domínio pragmático-discursivo.
Cabe, ainda, aos estudos sociolinguísticos, investigar o nível de estabilidade ou
mutabilidade das variações linguísticas; o surgimento ou extinção de línguas,
multilinguismos e mudanças linguísticas.
A variabilidade linguística está presente em todas as línguas naturais humanas e
a Sociolinguística considera especialmente como objeto de estudo a variação, passível
de ser descrita e analisada cientificamente. Sendo assim, a variação linguística parte do
pressuposto de que as alternâncias de uso são influenciadas por fatores estruturais e
sociais, também referidos como variáveis independentes, pois, os usos de estruturas
linguísticas são motivados e essas alternâncias configuram-se como sistemáticas e
previsíveis.
A variação linguística constitui fenômeno universal e pressupõe a existência de
formas linguísticas alternativas, as variantes, as quais configuram um fenômeno
variável, que é chamado de variável dependente (MOLLICA; BRAGA, 2007). Uma
variável é compreendida como dependente, pois, o emprego das variantes não é
aleatório, mas influenciado por grupos de fatores ou variáveis independentes, de
natureza social ou estrutural. Essas variáveis independentes podem ser de natureza
interna ou externa à língua e exercem pressão sobre os usos, aumentando ou
diminuindo sua frequência de ocorrência.
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Ao estudar a língua em uso numa comunidade, defrontamo-nos com a realidade
da variação. Os membros dessa comunidade são falantes de idades diferentes e
pertencentes a estratos socioeconômicos distintos, desenvolvendo atividades variadas,
e é natural que essas diferenças sociais ou externas atuem na forma de cada um
expressar-se (SILVA, 2007).
De acordo com Mollica e Braga (2007), a variação linguística é uma das
características universais das línguas naturais que convive com forças de estabilidade,
pois os usos da língua são controlados por variáveis estruturais e sociais, que podem
ser agentes internos ou externos ao sistema linguístico. Das variáveis externas ou não-
linguísticas, registram-se os marcadores regionais predominantes em comunidades
identificadas geograficamente, simultaneamente com indicadores de estratificação
estilístico-social, de forma que a variação descreve tendências de uso linguístico de
comunidades de fala caracterizadas diferentemente quanto ao perfil sociolinguístico.
As variáveis linguísticas e não linguísticas não agem isoladamente, operando na
inibição ou no favorecimento do emprego de variantes semanticamente equivalentes,
admitindo-se que existam pelo menos o padrão popular e o culto.
As mudanças que ocorrem na sociedade são refletidas na língua. É importante
ressaltar que as línguas não são sistemas perfeitos, acabados. A língua está sempre
sendo renovada, mas nem toda inovação é realmente incorporada e difundida pelos
falantes. A língua é heterogênea, é um sistema vivo (CHAGAS, 2004). No entanto, as
escolas tentam ensinar o que os livros defendem como certo e, muitas vezes, se
esquecem de que o falante tem a sua própria característica enquanto pessoa, ele
aprendeu a falar em sua comunidade e em sua família, por isso traz com ele aquela
forma de se expressar que sempre usou em seu meio e sempre foi entendido através
dela. Isso pode ser exemplificado no trecho, quando questionado pela professora se
havia trazido os exercícios prontos, ao que Rodrigo respondeu: “Eu truce, mas o di onti
eu num consegui...” (JOSÉ, 2007, p. 08). Imediatamente, após a cobrança, foi corrigido
de forma abrupta e preconceituosa por dona Marisa, não o deixando concluir a frase, a
qual gritou mandando-o repetir a frase segundo preconiza a norma culta: “Repita: eu
trouxe, mas o de ontem não consegui” (JOSÉ, 2007, p. 08). O aluno, atemorizado,
repetiu gaguejando e também sofrendo bullying dos colegas, que riam.
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Tomando essa passagem do livro como um exemplo negativo e que nunca
deveria ser seguido ou repetido por nenhum professor dentro de sua prática
pedagógica, portanto, o que as escolas deveriam fazer é ensinar aos seus alunos que,
no Brasil, existe uma forma de falar prestigiada, que é aquela aprendida nas
gramáticas, forma essa que precisa sim ser estudada, pois é através dela que se tem
acesso a bens culturais mais valorizados, mas que essa forma não seja considerada
como única e absoluta. Quando essa forma de falar passa a ser defendida como o jeito
certo de falar, ela faz com que as variações sejam vistas como o jeito errado de falar,
fazendo, assim, com que o seu usuário seja menos valorizado do que os falantes de
norma culta. Deste modo, essa é uma das formas de se disseminar o tão combatido
preconceito linguístico nas escolas, uma vez que o preconceito linguístico é a atitude
de discriminar uma pessoa quando seu modo de falar difere das regras estabelecidas
pela Gramatica Tradicional. De acordo com Scherre (2005), o preconceito vai além da
forma de falar, atingindo, assim, o indivíduo que traz consigo uma variante linguística
menos prestigiada, como observada nas falas de Rodrigo, que utiliza o socioleto caipira
do início ao fim da narrativa, com suas particularidades, cultura e tradições.
3. O preconceito linguístico
Sabemos que, embora a existência de preconceito linguístico seja ignorada pela
sociedade em geral, (ao contrário do que acontece com outras formas de preconceito:
racial, sexual, etc.), academicamente há um referencial bibliográfico extenso sobre ele,
sobre o modo como se manifesta e suas origens. Ainda assim, a inquietação com
relação a esse tema, e principalmente com a possibilidade de combatê-lo e neutralizá-
lo, tem sido uma constante, principalmente na figura dos artigos acadêmicos e
pesquisadores.
Nesse contexto, a Língua Portuguesa, como língua materna e disciplina escolar,
deveria estar ancorada na realidade dos estudantes, próxima e ao alcance de todas as
pessoas de modo geral, referindo-se às práticas sociais escritas e orais e, dessa forma,
ancorada nos objetos de estudo da sociolinguística: variações e preconceito. O Brasil é
um país rico em diversidades sociais e culturais e, consequentemente, caracteriza-se
por ser um país rico em linguagens. As variações geográficas revelam múltiplas facetas
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e representações de um mesmo português, aquela língua abordada pela gramática
normativa, “única”, “imutável”, “concreta” e “correta” dá lugar às mais diversas
formas de expressão, de acordo com cada região (SILVEIRA; BARIN, 2012).
Para Bagno (2009, p. 27), “não existe nenhuma língua no mundo que seja
uniforme e homogênea. O monolinguísmo é uma ficção”. Percebe-se, assim, que a
problemática no ensino de Língua Portuguesa é gerada quase que unicamente pelos
equívocos conceituais elencados, que restringem e condenam a língua não padrão do
ensino. Dessa forma, a variação não padrão é, geralmente, tratada como uma
“anomalia”, uma espécie de anormalidade na língua ou como erro. Na Língua
Portuguesa não é diferente, principalmente no Brasil. Fruto de uma educação
tradicional no ensino da Língua Portuguesa, o pensamento da população brasileira que
teve acesso ao ensino básico entende a Língua Portuguesa como sinônimo de
Gramática Normativa. Em seguida ao estudo e reconhecimento de variações
linguísticas, é preciso trabalhar com os estudantes o trato com o preconceito
linguístico, pois “é preciso que a escola atue no sentido de evitar dicotomias
simplificadoras e reducionistas e que permita a exposição dos estudantes à variedade
sem estimular a reprodução de preconceitos” (BRASIL, 2000, p. 134).
Conforme Bagno (2009), o preconceito linguístico é tão poderoso porque, em
grande medida, ele é invisível, no sentido de que quase ninguém se apercebe dele e
quase ninguém fala dele. Poucas pessoas reconhecem a existência do preconceito
linguístico, que dirá a sua gravidade como um sério problema social. E, quando não se
reconhece sequer a existência de um problema, nada se faz para resolvê-lo. É
evidente, a partir da perspectiva de Marcos Bagno, a necessidade de esclarecimento
aos estudantes sobre a diversidade linguística e do preconceito em que circulam as
práticas de interação linguística, tornando-se necessário, segundo o mesmo autor, um
movimento de combate ao preconceito linguístico em prol da educação de língua
materna como mais democrática e coerente com a sociedade e o sujeito que a
articula. A partir disso, seria inviável continuar a ensinar uma língua de maneira
reduzida, como se houvesse uma única e insubstituível norma a ser seguida. O
português brasileiro é dinâmico por estar sujeito a uma gama de variações no espaço
geográfico e social, no tempo e na escolha do canal de articulação. Assim como a
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sociedade brasileira passa por processos de mudança muito rapidamente, o mesmo
acontece com a língua, tornando-se claras as variações implicadas. Dessa forma, é
obvio e lógico que a Língua Portuguesa não se baseia em um único livro denominado
gramática normativa.
Segundo Werneck (2010), deve-se ter cuidado e respeito ao lidar com pessoas
que têm saberes e produzem cultura, embora se expressem de modo pouco
familiarizado com a gramática de nossa língua. Não há justificativa para transformar a
linguagem popular ou o dialeto caipira, típico de um espaço rural, em piada, chacota e
risos, porque seria um desrespeito às pessoas que não tiveram oportunidades para
aprender bem, e consequentemente, a sua fala e a sua escrita, ou seja, a sua variante
linguística. Independente do espaço onde é falada ou escrita, a língua deve ser
respeitada, pois esta tem um valor comunicativo, além de estabelecer uma relação de
confiança entre as pessoas, apesar de não ser necessário que os indivíduos em
situações de comunicação tenham pleno conhecimento da língua e oportunidade de
escolha do uso de sua língua.
O desrespeito expressado pela professora frente às falas de Rodrigo ficou
marcado em sua mente, fazendo-o reproduzir o preconceito linguístico, diminuindo-se,
excluindo-se e se sentindo inferior, quando disse à diretora: “Eu sô burru. Num vô
memo aprendê” (JOSÉ, 2007, p. 13). Contudo, a diretora dá uma lição de tolerância e
respeito à diversidade e às variações linguísticas em sua fala:
Você é inteligente e vivo. Só de olhar, eu conheço menino assim. Está acostumado no sítio, onde tudo é diferente, e estranhou a escola. Isso é muito normal. Sempre aconteceu e vai acontecer. Com o tempo, arrumará amigos. Vai aprender a falar dos dois jeitos. Vai amar a escola e aprender bem (JOSÉ, 2007, p. 13).
Utilizando-se como base de exemplificação o corpus do artigo, é comum ouvir a
seguinte frase: “As pessoas sem instrução ou as pessoas da Zona Rural falam tudo
errado” – Isso se deve simplesmente a uma questão que não é linguística, mas social e
política. Pelo fato de as personagens caipiras falarem “ocê”, “carece”, “sô”, “fio”, etc.,
– esses indivíduos acabam sendo rotulados e pertencem a uma classe social
desprestigiada, marginalizada, que não têm acesso à educação e aos bens culturais da
elite, e por isso a língua que elas falam sofre o mesmo preconceito que pesa sobre elas
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mesmas, ou seja, sua língua é considerada “feia” e “pobre”, quando na verdade é
apenas diferente da língua ensinada na escola. Assim, o problema não está naquilo
que se fala, mas em quem fala o quê. Neste caso, o preconceito linguístico é
decorrente de um preconceito social. Nesse sentido, como afirma Bourdieu (2013, p.
59), “a igualdade formal que pauta a prática pedagógica serve como máscara e
justificação para a indiferença no que diz respeito às desigualdades reais diante do
ensino e da cultura transmitida, ou melhor dizendo, exigida”. Ainda sobre essa
desigualdade social na escola, Bourdieu (2013, p. 65) expõe que
ao atribuir aos indivíduos esperanças de vida escolar estritamente dimensionadas pela sua posição na hierarquia social, e operando uma seleção que – sob as aparências da equidade formal – sanciona e consagra as desigualdades reais, a escola contribui para perpetuar as desigualdades, ao mesmo tempo em que as legitima.
Em um dado momento da narrativa, Rodrigo, ainda impregnado pela experiência
negativa do preconceito linguístico, e vítima desse preconceito social, continua
reproduzindo na sua fala o ser do ambiente rural inferiorizado, acuado e diminuído
frente ao homem da cidade grande, refletindo, assim, o dogma estabelecido pela
hierarquia sociocultural:
Eu só sei cantá errando. Coisa de caipira, que professora e genti da cidadi num gosta (JOSÉ, 2007, p. 25).
Conforme Schneider (2009), o preconceito linguístico sustenta-se na confusão
entre língua e gramática normativa, e o mesmo ocorre com o estereótipo que se
sustenta apenas no nível discursivo e não resiste à primeira tentativa de comprovação
empírica dessas criações preconcebidas. Essa confusão vem sendo reforçada durante
muitos anos em nossa sociedade, tendo como pilares de sustentação a escola e os
meios de comunicação. O preconceito linguístico é entendido, portanto, como uma
atitude em que o indivíduo faz um prejulgamento da forma de uso da língua de outro
indivíduo. Nessa conduta, ocorre o preconceito, uma vez que o sujeito se considera
linguisticamente superior.
Enraizado em nossa sociedade, o preconceito constitui uma agressão que se
exerce contra a própria capacidade de racionalizar. Embora apresente características
sociais, trata-se, também, de um fenômeno gerado na relação entre sujeito e
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sociedade, que precisa ser compreendido a partir do diálogo entre as dimensões
psicológica e social, constituintes dos processos de humanização e socialização. Assim,
o preconceito é entendido como resultado deste processo, e, portanto, sofre
alterações com o passar do tempo, em função das diferenças culturais e também dos
condicionantes históricos (SCHNEIDER, 2009).
A militância contra o preconceito linguístico se faz necessária na medida em que,
segundo Bagno (2009, p. 96), “os preconceitos linguísticos, como bem sabemos, se
impregnam de tal maneira na mentalidade das pessoas que as atitudes
preconceituosas se tornam parte integrante do nosso próprio modo de ser e de estar
no mundo”. Ou seja, a língua influencia de maneira determinante a vida dos sujeitos, e
a forma como falamos e escrevemos diz muito sobre quem somos, de onde viemos.
Isto é, há uma inter-relação entre o linguístico e o social. Assim, considerar a fala do
próximo como um erro não implica apenas questões linguísticas, mas também
questões sociais. Assim, para Schneider (2009), a estigmatização linguística ocorre
através de dois processos: um reproduz o estigma linguístico social que está
relacionado à condição social do falante e o outro sustenta o estigma gramatical
escolar resultante da ação normativa da escola que tende a condenar formas
particulares de uso e corresponde a uma marca linguística negativa.
3.1 O preconceito linguístico nas escolas
O preconceito linguístico decorrente da linguagem utilizada nas escolas é uma
das causas do fracasso escolar, da evasão e da indisciplina de muitos alunos
pertencentes às camadas populares. Segundo Soares (1995), a nossa escola ainda está
longe de ser uma escola para todos, pois tem se mostrado incompetente para lidar
com a educação das camadas populares, acentuando cada vez mais as desigualdades
sociais. Para a autora, é o uso da linguagem na escola que evidencia mais claramente
as diferenças entre os grupos sociais, gerando discriminações e fracassos, já que a
escola usa e quer ver usada a variante padrão socialmente prestigiada. Portanto, é
fundamental que a escola reconheça que existem as variações linguísticas e busque
soluções para os problemas linguísticos que nela ocorrem, não impondo e aceitando
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somente a língua padrão, mas também incluindo a linguagem popular e os dialetos, ao
invés de supervalorizar a gramática normativa.
A escola e os professores devem então estar atentos ao preconceito linguístico, e
para isso Bagno (2005) propõe um ensino crítico da norma-padrão, em que a escola dê
espaço para todas as manifestações linguísticas possíveis: rurais, urbanas, formais,
informais, cultas, não cultas, orais, escritas, etc. Assim, quando o aluno tem contato
com todas as variações linguísticas, pode ter a possibilidade de escolha ao se expressar
nas diferentes circunstâncias de interlocução.
Para Bortoni-Ricardo (2005), a escola não pode ignorar que existem as diferenças
sociolinguísticas. Segundo a autora, os professores devem mostrar aos alunos que
existem várias formas de se dizer a mesma coisa, sendo que cada forma é recebida de
maneira diferenciada, algumas geram prestígio e outras uma imagem negativa do
falante. Neste sentido, a grande tarefa da escola com relação ao ensino de língua é
ensinar e propor uma reflexão sobre a norma padrão, já que só se ensina algo que
ainda não é sabido – mas para isso não é necessário a exclusão e a rejeição ao dialeto
utilizado pelo aluno. O papel da escola é o de acolher e respeitar os diferentes dialetos,
e ao mesmo tempo possibilitar o aprendizado e o reconhecimento das diferentes
variedades linguísticas, como forma de incentivar a aquisição de novas habilidades de
uso da linguagem.
Diferentemente de dona Marina, a professora tradicionalista, observa-se como
dona Celinha tinha toda uma postura sociolinguística quanto ao respeito à diferença,
na diversidade de atividades desenvolvidas com as crianças, bem como no processo de
letramento em que as crianças foram envolvidas. Neste sentido, como verificado por
Ribeiro de Oliveira (2014), observamos claramente como a mudança pedagógica e
atitudinal da nova professora influenciou todo um ensino e aprendizagem voltados
para o respeito às diferenças, seja através da diversidade de atividades orais e escritas
e de uma multiplicidade de gêneros textuais apresentados em sala de aula. Notamos
também, como analisado por Ribeiro de Oliveira (2014) que, com a volta de dona
Marisa à sala de aula, ela encontrou as crianças acostumadas a ler e a escrever, a
desenvolver muitas atividades diversificadas, muitas “invencionices”. Ou seja,
ocorrera, em sua ausência, uma grande transformação à qual ela teria que dar
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continuidade, pois, uma nova proposta de trabalho voltada para o letramento fora
iniciada. E as próprias crianças já haviam tomado consciência dessa nova postura
metodológica centrada nos preceitos da sociolinguística e participavam ativamente
desse processo de letramento plural, em que as práticas são social e culturalmente
determinadas.
O professor, muitas vezes por desconhecimento do tema devido a uma formação
deficitária, acaba anulando tudo o que o aluno traz consigo referente à sua linguagem
natural, rotulando o “certo” e o “errado” a partir da Gramática Normativa,
esquecendo-se de que o principal objetivo da língua consiste na comunicação entre os
falantes. Em razão disso, existe um empenho significativo da Sociolinguística Aplicada
ao Ensino, um ramo da Linguística (VALENTIM; SILVEIRA, 2015), em produzir estudos
acerca da influência das variantes linguísticas no processo de ensino e aprendizagem
da língua materna, visando a uma formação docente, inicial e continuada, mais
consistente e mais crítica.
Salientamos que a variação linguística é uma realidade inegável, e cabe aos
docentes o dever de acolher as diferentes linguagens e respeitar as diversidades.
Desse modo, é esperado que, gradativamente, o aluno possa compreender que sua
fala apresenta marcas características de seu contexto social ou geográfico, mas que
sua escrita precisa refletir as regras estabelecidas pela Gramática Normativa, para que
qualquer leitor possa decodificar o que foi escrito e, a partir daí, interpretar e utilizar a
seu modo. Espera-se, desse modo, contribuir para um processo educacional de fato
integrador, com práticas pedagógicas conscientes e construtivas, abolindo conceitos
segregadores e preconceituosos, tornando os discentes agentes participativos em seu
processo educacional e os docentes como mediadores de uma ação humanizadora.
Compartilhamos das considerações de Ribeiro de Oliveira (2014) sobre o texto
de Uma escola assim, eu quero pra mim, e podemos observar que Elias José, tanto no
papel de escritor para crianças como no de educador para adultos, mostra-se como um
grande batalhador por uma escola mais democrática e transformadora, lúdica e
eficiente; ou seja, uma grande agência de letramento. E é essa proposta
transformadora que observamos em Uma escola assim, eu quero pra mim, em que
temos duas práticas pedagógicas distintas, duas atitudes diferentes frente à linguagem
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e ao ensino, duas escolas diferentes: uma voltada para a pedagogia do erro e a
correção, altamente estigmatizante, preconceituosa e excludente, e outra
fundamentada nos preceitos sociolinguísticos defendidos por estudiosos e descritos
nos Parâmetros Curriculares Nacionais (1997; 1999). Ou seja, uma proposta de
letramento reducionista e outra plural e transformadora. Dessa forma, Elias José nos
apresenta uma proposta pedagógica transformadora, que vê a escola como um espaço
de inclusão social pela linguagem. Ambiente este onde a Sociolinguística encontrou
espaço e vem se transformando, desde o seu nascimento, em 1964, num instrumento
de luta e no combate contra toda forma de discriminação e de exclusão social pela
linguagem.
Considerações finais
Mediante a narrativa de Elias José e suas personagens no livro infantojuvenil
Uma escola assim, eu quero pra mim, nas falas e ações, principalmente da
protagonista Rodrigo, estão presentes as variações linguísticas, destacando-se o
socioleto caipira, e suas possibilidades metodológicas, nas práticas pedagógicas da
professora dona Celinha e da diretora, e o preconceito linguístico, representado pela
professora dona Marisa, temas estes objetos de estudo da Sociolinguística. Nessa
perspectiva, tendo em vista um ensino mais democrático, em que o aluno se veja e se
represente enquanto articulador de uma língua, torna-se relevante capacitar o corpo
docente e discente ao reconhecimento das variedades linguísticas existentes.
Em vez de ser colocada como fala ilegítima, a linguagem das crianças precisa ser
abordada do ponto de vista das identidades familiares e dos pertencimentos
geográficos, etários e socioculturais. Nesse sentido, é fundamental respeitá-las e
ampliar a competência comunicativa de nossos alunos. Para isso, podemos
proporcionar encontros prazerosos e significativos entre eles e a linguagem formal, por
meio da literatura, principalmente a infantojuvenil.
Os leitores de livros infantojuvenis devem perceber e compreender as
personagens e suas falas, além da escrita, identificando-se e respeitando suas marcas
de oralidade, como agentes do processo de interlocução, independente da linguagem
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que utilizam, seja pela utilização de variações linguísticas ou pelos ensinamentos que
as personagens passaram para os outros, gerando resultados significativos como
instrumento eficiente contra o preconceito linguístico.
Com base nos pressupostos teóricos aqui trabalhados, destaca-se a importância
desse gênero textual nas aulas de Língua Portuguesa, pois permite o acesso concreto
dos aprendizes ao maior número possível de modalidades faladas e escritas de sua
língua, modalidades que só se realizam empiricamente.
Com relação ao tratamento das variações linguísticas em sala de aula, bem como
do preconceito linguístico decorrente dos mitos em relação à linguagem, comprovou-
se, neste artigo, as possibilidades de aplicação dos temas com os estudantes. Pois,
além de formar um profissional para o mercado de trabalho, a escola deve formar
cidadãos críticos para exercer cidadania nas relações interpessoais em sociedade. Esta
pesquisa também mostra ser possível se desprender da didática centrada na língua
padrão e ir além dos paradigmas referentes à língua, trabalhando e criticando fatores
sociais que envolvem as mudanças e variações linguísticas, além do preconceito
linguístico. Seria importante, também, a utilização das histórias e livros infantojuvenis,
com suas diversas leituras e interpretações para possibilitar a formação de estudantes
menos preconceituosos ou, pelo menos, compreensivos e tolerantes com as diversas
manifestações da oralidade, respeitando-as e combatendo o preconceito linguístico e
sociocultural, fazendo-se referência e respeitando-se o contexto geográfico e histórico-
social de cada um. Nesse sentido, é necessária uma mudança de atitude, mudar essa
ideia de “certo” e “errado” e refletir a respeito de um ensino mais consciente e menos
preconceituoso.
Por fim, ressalta-se a possibilidade do trabalho docente com questões sobre a
sociolinguística nas aulas de língua portuguesa, promovendo-se a democracia dos
conteúdos, de materiais didáticos, e atividades e novas metodologias e práticas
pedagógicas para desenvolver, e sua aproximação com a realidade, tornando o espaço
da sala de aula um laboratório de análise da língua como um todo, e proporcionando
aos estudantes maior desenvolvimento em relação à sua língua materna, através da
ferramenta do gênero textual e literário das histórias e narrativas infantojuvenis,
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servindo de apoio para docentes interessados na temática sociolinguística e em
desenvolver um trabalho sociocultural com a língua.
A partir dessa reflexão sociolinguística centrada no texto de Elias José, podemos
afirmar que a literatura infantojuvenil pode funcionar como suporte e estratégia
metodológica na formação didática e na prática pedagógica de nossos atuais e futuros
professores de língua materna, sejam eles educadores da educação infantil, dos anos
iniciais, do ensino fundamental, médio ou superior.
Referências
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