SUBsíDIOS PARA O ESTUDO DOS PROBLEMASPETROGÉNICOS PORTUGUESES
POR
c. F. TÔRRE DE ASSUNÇÃOPROFESSOR CATEDRÁTICO E DIRECTOR DO MUSEU E LABORATÓRIO
MINERALÓGICO E GEOLÓGICO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
Algumas considerações sôbre as relações entrea tectónica e a petrogénese
Se a grande variabilidade das rochas eruptivas da Terra éum facto inegável, o carácter original dessa variabilidade é, emgeral, pôsto em dúvida. Notemos, a êste propósito, que asrochas eruptivas ocorrem freqüentemente formando II séries" :certos grupos de minerais associam-se para constituírem unidades petrográficas e, por sua vez, estas unidades aparecem relacionadas. tste facto conduz à idéia de que existiu um magmacomum, responsável pela geração da série considerada.
Compreende-se então que tôda a petrologia moderna sejadominada pela tendência para a concepção dum número limitadode composições magmáticas originais, donde teriam derivado,por diversificação, todos os tipos conhecidos de. rochas ígneas.Os processos de diferenciação magmática ede assimilação sãocorrentemente invocados para explicar, por forma mais oumenos satisfatória, a evolução dos materiais eruptivos.
Excederia os limites dêste artigo fazer um balanço, aindaque sumário, das possibilidades oferecidas pelas várias doutrinaspetrogénicas, Mas desejámos, como introdução ao que vai serdito, focar a significação da teoria da cristalização-diteren-
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craçao, tão fecundamente desenvolvida pela escola Norte-Americana que tem como chefe N. L. Bowen.
A diferenciação, controlada pela cristalização, dum magmabasáltico original, tem sido estudada quer pela observação
-- petrográfica directa, quer pelas experiências de laboratório,realizadas particularmente no Oeophysical Laboratory da Carnegie Institution.Sôbre estas bases, procuram Bowen e os seuscolaboradores explicar a geração detôdas as séries eruptivas, apartir dum magma primário com composição basáltica. Emparticular, a produção de diferenciados ácidos (graníticos) édemonstrada, em várias circunstâncias, especialmente no casoem que a separação de olivina (forsterite), no início da cristalização do liquido basáltico original, se faz em quantidade superior à sua proporção estaquiométrica, Dêste facto resulta umaconcentração de sílica no líquido residual.
As rochas plutónicas predominantes - as que constituem,em grande parte, o substrato cristalino dos continentes - são,como é bem conhecido, as de composição granítica, isto é,precisamente aquelas que muito se afastam do basalto. Poroutro lado, as rochas basálticas evidenciam-se nos grandesmantos derramados pelo vulcanismo sôbre a superffcie daTerd. e parecem constituir porção ~otáv~l do~ fundos o~eânitos,em particular do Oceano Pacffico. A permanência dos magmasbasálticos, através dos tempos geológicos, é· outro facto bemverificado.
Dêste modo, o basalto e o granito são, em largo sentido,as rochas eruptivas essenciais da crusta. A idéia da existênciaduma zona basáltica, inírajacente à zona granítica superficial,concorda não só com a natureza das lavas dominantes, mastambém com tôdas as observações e inferências de ordemisostática, sísmica e geotérmica.
A zona basáltica ou -sima- seria então contínua, ao passoque a granítica se restringiria apenas aos continentes.
Se o magma basáltico fôsse, de facto, primário, tôdas asimensas massas graníticas dos batólitos continentais deveriamser meros diferenciados da cristalização dos Ifquidosbasálticos.É difícil, no entanto, conceber qual deveria ser a massa originaldo magma basáltico para que os seus últimos diferenciados
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pudessem constituir a gigantesca ossatura granítica dos continentes.
Tomando como base as diferenças, talvez apenas aparentes,entre os batólitos arcaicos e post-arcaicos, R. A. Daly admiteque os primeiros serão originais, directamente relacionados como interior do globo e que só os últimos serão o resultado dacristalização de líquidos residuais, altamente silicatados, provenientes da diferenciação do magma basáltico. Mesmo assim.mantém-se a necessidade de imaginar um enorme volume debasalto.
Esta dificuldade não escapou naturalmente a Bowen e, porisso•. êle invoca, retomando as idéias de Washington. a hipotética zona peridotitica infra-basáltica, cuja fusão selectiva permitiria a formação do material basáltico.
A doutrina da cristalização-diferenciação do magma basáltico permite incontestàvelmente interpretar a génese de sériesvariadas de rochas eruptivas e prova-nos, em particular, a possibilidade da produção de rochas graníticas a partir dum líquidobasáltico. Mas será talvez extrapolar perigosamente os resultados das experiências efectuadas com os banhos silicatadosartificiais, pretender explicar, a partir dêles, a origem de tôdasas rochas ígneas da Terra.
A idéia de um só magma primário é, sem dúvida, aliciantena sua simplicidade, como o são tôdas as doutrina-s que tentamreduzir à unidade a causa procurada.
Mas, ao lado dêste "unitarismo", verifica-se uma atitudedualista que, segundo parece, existe desde que o problemapetrogénico começou preocupando o homem. No estado actualda questão, êsse dualismo manifesta-se através das idéias deW. Q. Kennedy, quando postula a existência de dois magmasbásicos fundamentais: o tipo' olivino-basáltico e o tipo tholeiítico.
Não há dúvida que esta concepção surgiu do estudo'petrológico da ilha de Mull, condensado na já clássica MaliMemoir, De facto, os dois tipos magmáticos observam-se, ladoa lado, naquela região, onde foram 'inicialmente designadospor magma basáltico dos planaltos e por magma central nãoporíírico, respectivamente.
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Segundo Kennedy (1), é no tipo olivino-basáltico que sefiliam as séries alcalinas: traquiandesite -+ traquite -+ fonolite.Por sua vez, ao magma tholeiítico correspondera o cortejocalco-alcalino, cujos têrrnos principais são a andesite e a riolite.
Mas o que nos interessa, muito em especial, é o facto deKennedy procurar relacionar a geração de cada um dos seustipos magmáticos com as condições tectónicas regionais.. É aêste assunto que nos vamos referir seguidamente.
o problema da .actividade eruptiva apresenta-se cada vezmais ligado não só ao conhecimento da química-física dosmagmas, mas também ao dos elementos estruturais da Terra.
Esta maneira, tão compreensiva, de encarar o problemainteressou. já no final do último século e no início do actual,Harker e Becke. Qualquer dêles achava muito significativo ocontraste patenteado pelas séries eruptivas das regiões orogénicas e não orogénicas. Mas foi, só mais tarde, com P. Nigglie a escola de Zurique, que as relações entre a petrogénese e atectónica se tornaram mais evidentes. Uma terceira fase, naevolução do problema, é a representada pelos trabalhos deKennedy, o qual não se limita à constatação das relações entrea tectónica ambiente e a evolução magmática, porque procuracompreender o mecanismo do « contrôle II tectónico na petrogénese.
As variadas tendências de diferenciação magmática foramagrupadas por Niggli, numa bela tentativa de síntese, em trêsgrandes categorias que correspondem às grandes provínciaspetrográficas: atlânticas, pacíficas e mediterrânicas. Cada umadestas províncias é definida por certos factores mineralógicos,geológicos e químicos. Êstes têrmos não devem porém sertomados num sentido estritamente geográfico. Assim, na Madagáscar e em Mull, as séries atlântica e pacífica existem ladoa lado.
Nas rochas das províncias atlânticas, os feldspatos predominantes são alcalinos e, muitas vezes, pertiticos; os Ieldspa-.tóides assumem grande importância, sobressaindo a nefelina; as
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piroxenas. e anfibolas alcalinas são freqüentes. Em particular,nas rochas basálticas - que correspondem ao tipo progenitorolivlno-basáltico de Kennedy (1) - são minerais dominantes edistintivos a olivina, uma piroxena cálcica ou diopsídica e atitanaugite. O material intersticial, em geral presente, não équartzítero, mas alcalino como a anal cite. As rochas atlânticasocorrem quási sempre fora das zonas orogénícas e são, por isso,características dos antepaíses e das antefossas.
Nas províncias pacíficas destacam-se, além doutros minerais importantes, a ortose (nas rochas ácidas) e as plagioclaseszonadas, bem como a biotite, augite e as ortopiroxenas. /
Os basaltos tholeiíticos - correspondentes ao magma progenitor destas séries - oferecem caracteristicamente ou umapiroxena pobre em cálcio, da variedade pígeonite, ou umaassociação de orto- e clino-piroxenas, O resíduo intersticial éácido: quartzo-feldspático. A olivina é um mineral raro ousubordinado. São estas as rochas habituais, segundo Niggli,nas zonas orogénicas e é notável a sua associação com ricos[azlgosmetalíteros.
E enfim, as rochas das províncias mediterrânicas têm, comomineral mais peculiar, a leucite e revelam portanto um quimismo potássico. As suas condições tectónicas são intermédias,porque a sua ocorrência tem lugar principalmente nos limitesdas zonas de fractura e dos grandes dobramentos orogénicos e,também, nas regiões de passagem entre as zonas orogénicas eos seus antepaíses.
A relação entre a índole das unidades tectónicas e ocurso da dííerencíação magmática" parece bem estabelecida,porquanto verificações satisfatórias têm sido feitas em muitasregiões. Uma tentativa de interpretação, sôbre êste assunto,deve-se, como atrás dissemos, a Kennedy (1). .
No decorrer dos dobramentos orogénicos, a zona granítica da crusta (fig. 1- a) será espessada e dobrada, baixando,por êsse motivo, o seu nível inferior. Kennedy supõe que, inferiormente à formação granítica. exista uma camada tholeiítica(b) substituída em profundidade por outra olivino-basáltica (c).Como os dobramentos afectaram não só os granitos, mastambém as camadas ínfraiacentes, conclui-se que, na zona
Fig. 1
_ - Zonas geradoras de magma
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orogénica (001 ) a curvatura das camadas basálticas para ointerior da Terra produzirá a fusão duma parte não só daformação tholeiítica, como possivelmente também dos níveismais baixos do granito cujo domínio de fusão corresponde,como se sabe, a temperaturas relativamente moderadas.
Nestas regiões portanto se o magma tholeiítico fizererupção e se se diferenciar dará origem às séries calco-alcalinasou pacificas.
Nas zonas não orogénicas (fig. l-op ), pelo contrário, o granito e o basalto tholeiftico nunca serão transportados, por dobramentos crustais, à profundidade necessária para que o magmapossa ser gerado e, desta forma, só a camada olivino-basáItica,
mais profunda, poderá, emdeterminados níveis, fundir.
, - ,," : • : ••' :-:.;. :. : ~ -: ': : : : :"'; :- ': <li As erupções subseqüentes---.=_--=------------- _ .. ~ .. " ,. ~ ..=--====::.=::.~::.::.::::.j:.::.=====:.==:.=-__==-=-_=.=.=_~~ -&- permitirão a ascensão do~-:-:::======::==::::==-=':':'=;=-~~~~:=.=-';:.c magma, cuja diferenciação
conduzirá às séries alcalinasou atlânticas,
A coexistência, numamesma região, de rochasde quimismo atlântico e
pacífico poderá, em certos casos, ser interpretada, desdeque se reconheça que essa região desempenhou tectónicamente papéis diferentes, em períodos geológicos distintos.O Midland VaIley da Escócia apresenta rochas calco-alcalinas, produzidas no decurso dos movimentos caledonianos;posteriormente, no Antracolítico, geraram-se ali rochas alcalinas, quando aquela região já estava integrada no antepafshercíniano.
Mas, em certas regiões, tudo indica que os magmas alcalinos e calco-alcalinos foram produzidos simultâneamente; é ocaso de MuIl e da Madagáscar. Nestas condições, as tentativas de interpretação são menos satisfatórias e então, comotantas vezes sucede com teorias petrogénicas, reconhece-se quea complexidade, pelo menos aparente, dos factos observadosnão se submete ao simplismo e à feição esquemática das precárias concepções humanas.
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II
Sôbre a petrogénese das. formações eruptivasde Lisboa (e arredores) e do Algarve
Vejámos se, em face dos elementos já reünidos sôbre asrochas basálticas portuguesas, será possível integrá-las num dosgrandes tipos de magmas progenitores.
Para efectuar êsse estudo, dispomos dum certo número deanálises químicas e dum vasto documentário mineralógico.
A) -Tratemos, em primeiro lugar, das indicações de ordemquímica.
As análises químicas de rochas basálticas portuguesas são,por enquanto, em pequeno número, no que respeita ao mantovulcânico de 'Lisboa e arredores. Existem também algumasanálises de rochas, com fácies basáltica, do Algarve.
A utilização destas análises exige porém bastante reservaporque, na maior parte dos casos, trata- se de rochas comacentuado porfirismo e, nestas condições, as análises globais não devem corresponder aos liquidas magmáticos originais. Como é sabido, as análises que melhor representarãoos 'líquidos magmáticos são as de rochas vulcânicas pràticamente afiricas, ou as das pastas de rochas acentuadamenteporfiricas.
Infelizmente, entre as nossas rochas basálticas, já analisadas quimicamente, poucas existem que sejam prãticamenteaffricas. Por outro lado, a composição química das pastas dasrochas porfiricas não se pode atingir senão através de cálculoscuja exactidão é um tanto discutível.
Nas considerações que se seguem, procuraremos reüniralguns elementos, de ordem química, sôbre o problema emapreciação, não esquecendo as restrições impostas pela índoledo assunto.
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a) - Rochas basdlticas de Lisboa e arredores.
As quatro análises de Raoult permitiram a Pereira deSousa (2) classificar, nesta região, um basalto dolerítico e trêsbasanitóides. Dêstes, um dêles - o exemplar coligido porDolomieu e de local desconhecido-e-afasta-se nitidamente dosoutros, pelas elevadas percentagens de alumina e de potassa epela sua pobreza em magnésia. Deve corresponder esta rocha,como Parga Pondal (3) mostrou, ao magma gabroide-essexíticode Niggli, ao qual pertencerão, também, as rochas faneríticasdos tipos das mafraítes e das luscIadites, dos arredores deLisboa. Como alguns filões luscladíticos, tais como o daFalagueira e o de Pai Calvo, atravessam o manto basáltico (4),é natural que as rochas do tipo gabroide-essexítico sejamposteriores às que constituem o manto e a que correspondemas três restantes análises de Raoult.
Destacaremos, em < primeiro lugar, a análise do basaltodoleritico de Campolide, porque se trata de uma rocha pràticamente sem fenocristais, embora com uma granularidade relativamente grosseira, traduzida' pela sua estrutura com claratendência ofítica..
ê sabido que as dolerites de várias regiões têm sido consideradas como representantes dos líquidos magmáticos originários. Na concepção de Daly, perfilhada por W. Kennedy,para que um tipo de rocha possa representar um liquido primário deve, além do seu afirismo ou de um porfirismo limitado, oferecer uma distribulção mundial, no espaço e no tempo,mantendo pràticamente uma uniformidade de composição eapresentando-se em grandes volumes. Ora muitas doleritessatisfazem a estas condições e, nelas e nos basaltos olivinicos,se baseou Kennedy para o estabelecimento do tipo magmático olivino-basáltico cujos caracteres mineralógicos já foramreferidos. '
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Quadro A
é
I II III IV VMédia das
Basalto eompostções Dolerites Tipo Tipodoterítíeo dos basaní- de olivino- tholetítícode Lisboa tóides de Skye -basáltico
Lisboa
Si O2 . . 43,6 41,6 47,6I
45 50
Os Al2 13,0 12,6I
14,1 15 13
03 Fe2+0 Fe. 12,9 11,3 13,1 13 13
O Mg 11,5· 12,3 7,4 8 5
OCa 10,5 11,8 11,7 9 10
O Na2 2 2,8 2,4 2,5 2,8
O K2 . 1,2 0,9 0,7 0,5 1,2
Ti O2 2,5I
3 1,3 Não indicada Não indicada
Observa-se pelo quadro A que, relativamente a outrasrochas doleríticas (como as de Skye) e ao magma olivino-basáltico de Kennedy, a rocha portuguesa se afasta um tantopela menor percentagem de sílica e pela maior percentagem demagnésia. A sua composição aproxima-se, apesar disso, da domagma olivino-basáltico, da qual se distancia essencialmenteno que toca à proporção de magnésia, Se passarmos agora aoexame comparado das análises das rochas de Lisboa do tipobasanítõide (II do quadro A), excluindo o exemplar coligidopor Dolomieu, pelas razões apontadas, notaremos que há 'umacerta concordância com o magma olivino-basáltico, acentuando-se porém, neste caso, a maior proporção de magnésia e decal e uma proporção um pouco menor de sílica.
Considerámos muito provável que os basanitóides deLisboa não sejam representantes muito fiéis do líquido magmático ori'ginal, porque o seu exame microscópico prova que oporfirismo é caracter bem acentuado em muitos exemplares.Num dos exemplares estudados quimicamente, verificámos quea proporção em pêso de fenocristais é elevada, existindo, em
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100 gramas de rocha, mais de 17 gramas de fenocristais olivínicos e cêrca de 12 gramas de feno cristais de piroxenas (4).Não admira pois que estas rochas apresentem, relativamenteaos líquidos originais, uma percentagem particularmente elevada de magnésia e uma certa deficiência quanto à sílica.Note-se ainda que é uma olivina do tipo forsterftico que predomina na geração fenocristalina. Por outro lado, as piroxenasdestas rochas são particularmente ricas em metasilicatos de-cálcio e de magnésio, o. que explica não só o excesso de.magnésia como o excesso menos acentuado de cal.
Uma estimativa sôbre a composição da pasta destas rochasjá por nós foi tentada noutro local. É certo que, se esta estimativa pudesse ser feita com segurança, teríamos uma composição certamente muito mais próxima da composição magmáticado que a global. Porém a composição das pastas é, neste caso,bastante incerta, visto que é difícil, a partir de dados ópticos,avaliar a composição química, especialmente das piroxenas.Por outro lado, há que atender às reacções de reabsorção e deequilíbrio que poderão ter lugar entre os fenocristais, inicialmente separados, e o líquido magmático. Estas reacções, provocando uma evolução complexa e em geral recorrente nosfenocristais piroxénicos, estão bem marcadas pelas estruturaszonadas que encontrámos e descrevemos noutros locais. Asinter-acções feno cristais-líquido terão certamente muito menorimportância, no caso das olivinas, em vista do carácter maisrefractário dêstes minerais, o que é demonstrado pela ausênciaquási total de estruturas zonadas.
No seu conjunto, as indicações de ordem química fornecidas pelas rochas basálticas de Lisboa são, tendo em conta adiscussão anterior, favoráveis à sua filiação nos magmas do tipoolivino-basáltico de Kennedy.
b) - Rochas do Algarve.
A documentação química reünida, sôbre as rochas doAlgarve, é já bastante rica. Tentámos, noutro trabalho (5),utilizar êsses elementos para, com certa probabilidade, concluirmos alguma coisa sôbre a composição do magma pri-
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mario responsável por essas rochas. Recorremos, não apenasàs rochas melanocratas e alcalinas daquela província, comotambém às que formam essencialmente a intrusão de Monchique - rochas leucocratas e alcalinas da família das sienitesnefelfnicas - dada a existência de relações evidentes de naturezaquímica, entre as rochas do Algarve litoral e as de Monchique.Da discussão que fizemos, no trabalho já citado (5), resultaque não é difícil explicar as discrepâncias observadas entre ascomposições do magma olivino-basáltico, segundo Kennedy,e do magma basáltico que hipoteticamente considerámos comoprogenitor das rochas alcalinas do Algarve. Essas discrepânciasdizem respeito:
1.0 - às percentagens um pouco menores de magnésiae de óxidos de ferro, naquele último magma.
2.°- às maiores percentagens de alcalis no mesmo magma.Invocámos, então, em face dos elementos reünidos, quer
pela interpretação dos diagramas das composições químicas,quer pelo estudo microscópico, o processo de acumulação decristais densos ou de separação gravítica, o qual teria originadoa série máfico-alcalina do Algarve, enquanto que, ao líquidoresidual, pobre em componentes ferro-magnesianos e muitoalcalino, corresponderiam as rochas de composição essencialmente fonolítica.
Calculámos a composição do magma primário (fig. 2) nasuposição de que êsse líquido conteria uma percentagem detitânia igual a 3. Êste valor foi escolhido, tendo em conta aspercentagens daquele componente em muitas rochas basálticasda Penfnsula Ibérica (6) e do Mediterrâneo Ocidental (7).
No quadroB, mostrámos as composições médias das sériesmãtico-alcalina e fonolftica e a do magma hipotético original.O quadro C permite comparar as composições dos magmasprimário olivino-basáltico de Kennedy e do hipotético progenitor das rochas algarvias. Êste quadro mostra que umacôrdo mais perfeito se poderia estabelecer, desde que admitíssemos', para a titânia, uma percentagem um pouco superior a 3(fig. 2). Tais percentagens são perfeitamente admissíveis, emface do que se conhece sôbre o carácter titanífero dos magmasbasálticos da penínsulae do Mediterrâneo (7).
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Quadro B
ICOMPOSIÇÕES MÉDIAS
II II IIISérie máfico- Série-alealína (se- ronolítdca Magmaparação de (líquido hipotético
cristais) residual) original
Si O2 41,2 58,8 47,8Os AI2 11,3 20,2 14,7Os Fe2+0 Fe. 13,0 3,5 9,4O Mg • . 9,6 0,6 6,1OCa 13,4 1,9 9,0O Na2 2,9 I 7,6 4,7OK2 1,7 5,2 3,0Ti 02 4,4 0,7 3,0
I - Composição calculada a partir das análises das rochas porfíricas emâfíco-alcalínas do Algarve litoral e da Serra de Monchique.
II - Idem, para as rochas de composição fonolítica (sienites nefelínicas,pulaskítes, etc.) da Serra de Monchique. .
III - Composição calculada na hipótese da percentagem de titãnia ser iguala 3. Vidé fig. 2.
Quadro C
I I II III
Magma original Magma original Magma olívíno-na hipótese de na hipótese da -basáltico
percentagem de percentagem de segundoTi O. ser 3 Ti O. ser 3,5 Kennedy
Si O2 47,8 45 45Os A12 14,7 13 15Os Fe2+0 Fe. 9,4 11 13O Ca 9 11 9O Mg 6,1 8 8O Na2 4,7 3,7 2,5O K2 3 2,3
I
0,5Ti O2 3 3,5 Não indicado
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A maior divergência, entre as composições calculadas e ado magma olivino-basáltico, é a que diz respeito às percentagens de alcalis, sempre maiores nas primeiras. Bastará poréminvocar, para a compreensão dêste facto, os argumentos que jáuma vez apresentámos e que aqui reproduzimos condensa-damente: '
1.0 - Desde que é provável que, na petrogénese das formações algarvias, tenha intervindo um processo de separaçãogravítica, há a notar que os cristais densos, que se teriamacumulado no seio dum líquido presumivelmente basáltico einfrajacente, não corresponderão exactamente às rochas quetomámos como suas representantes, isto é, as da série máíico-alcalina do Algarve (basanites, limburgites, ankaratrites, etc.).De facto, aquêles cristais (olivinas, piroxenas, anfíbolas, etc.)mergulharam num líquido magmático um pouco mais pobreem ferro e magnésio e nitidamente mais rico em alcalis do queos cristais, como se conclui da comparação entre as composições médias dos bas.altos de todo o mundo e as das horneblendas,piroxenas e olivinas. Por esta razão, aos cristais separadosgraviticamente, deverão caber percentagens de alcalis inferioresàs admitidas e, portanto, ao magma original ter-se-iam atribuído valores em excesso para os alcalis e em defeito para osóxidos de ferro e para a magnésia,
2.° - Por sua vez, a "influência dos componentes voláteisna geração das rochas feldspatóidicas parece incontestável, dadaa grosseira granularidade, tão comum nos maciços constituídospor aquelas rochas, facto que se verifica na Serra de Monchiquee que é confirmado pela presença de concentrações pegrnatítícasno seio da sienite nefelínica (8).
Outras razões, embora menores; da mesma actuação, sãoaduzidas noutro local (5).
Ora, esta actividade dos componentes voláteis tenderá aconcentrar, pelo seu fluxo ascendente, uma mais elevada proporção de alcalis nos níveis superiores, onde se formou olíquido residual fonolítico. A êste, portanto, atribuímos quantidades de alcalis mais elevadas do que as que resultariam dosimples processo de separação gravítica. Em resumo, a atender·apenas a êste processo, haveria que baixar, no gráfico (fig. 2),
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um pouco, as linhas correspondentes à soda e à potassa.E dêste facto resultariam, para a composição do magma primário, percentagens sensivelmente mais moderadas para aquêlescomponentes.
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Fig. 2 - Solução gráfica do problema da determinaçãodas composições de magmas originais nas hipóteses
das percentagens de Ti O2 serem ou 3 ou 3,5
Poderemos, pois, concluir que o ajustamento entre as composições do magma olivino-basáltico e do progenitor das rochasdo Algarve não será difícil de aceitar.
B) - Olhemos agora aos caracteres mineralógicos dasrochas basálticas portuguesas e vejamos até que ponto as indicações de ordem química são confirmadas, quanto à analogiados nossos magmas primários com o tipo olivino-basáltico.
A análise microscópica dum grande número de exem-
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piares de rochas basálticas portuguesas das orlas Ocidental eSul do Maciço Hespérico (4) não deixa dúvidas sôbre os seguintes factos:
1.0 - As piroxenas predominantes são caracterizadas. pelariqueza em metasilicatos de magnésio e de cálcio e pela acentuada pobreza em metasilicato ferroso. Os baixos valores que,quãsí sempre, se observam, para o ângulo óptico, resultamessencialmente duma percentagem, bastante elevada, dum componente menor das piroxenas - a titânia,
Êste predominio, tão marcado, de piroxenas ricas em cale em titânia é já um carácter de grande significação para aatrlbutção dos magmas basálticos portugueses ao tipo olivino-basáltico.
Como caracteres, até certo ponto particulares, as piroxenas portuguesas oferecem uma estrutura zonada, definidaprincipalmente pela variação do teor em titânia, notando-se,nos íenocristals, que a quantidade dêsse componente aumenta •durante a primeira' fase da cristalização para em seguida diminuir e retomar valor semelhante ao inicial; nalguns casos podemobservar-se, quanto a esta variação, dois ciclos completos de. . '
recorrencia.2.° - Um residuo intersticial analcitico, e portanto alca
lino, é comum nas nossas rochas basálticas. Conseqüentemente,não se observa qualquer residuo silicioso, quer quartzoso, querquartzo-Ieldspâtico, quer vítreo.
3.° - A importância das olivinas é outro facto íncontestável na mineralogia destas rochas. Asolivinas assumemenorme desenvolvimento na geração feno-cristalina, num grandenúmero de exemplares 'estudados, e a muitas das rochas basálticas da orla ocidental do Maciço Hespérico fomos levados adar a designação de b-asaltos olivinicos, embora guiados apenaspelo estudo microscópico.
Se compararmos êstes factos com os que caracterizam amineralogia das rochas representativas do magma olivino-basãltíeo de Kennedy, encontraremos um perfeito acôrdo.
Pelo contrário, os caracteres mineralógicos das nossasrochas basálticas são nitidamente opostos ao~ que definem asrochas representantes do magma tholeiítico.
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o estudo mineralógico confirma pois, com maior nitidez,as suposições baseadas nas análises químicas.
c - Recordemos finalmente que, num trabalho de conjunto (3), I. Parga Pondal estuda o quimismo das rochas terciárias da nossa Península, baseando-se em 122análises químicasglobais. Destas, nada menos de 60 dizem respeito a rochas doAlgarve e 50 delas referem-se à Serra de Monchique, êssemagnifico maciço de rochas feldspatóidicas, que, com maiorrazão ainda do que a Serra de Sintra, deve ser consideradoII un [oyau de la pétrographie ».
Utilizando o método de Niggli, Parga Pondal chegou àconclusão de que as rochas de quimismo atlântico provenientes,segundo Kennedy, do magma olivino-basáltico, se localizam nogrande antepaís ibérico, de encontro ao qual se ergueram osarcos alpinos da zona orogénica bética. Nesta zona ocorremprecisamente, em bom acôrdo com as idéias de Niggli, as rochasde quimismo pacífico. Muito mais raras, as rochas com afinidades mediterrânicas restringem-se à região limite entre ascordilheiras béticas e o seu antepaís, Dêste modo, as _rochasterciárias (ou provàvelmente terciárias) portuguesas, das orlasSul e Oeste do Maciço Hespérico, caem nitidamente na área do
. quimismo atlântico, conclusão que concorda com tudo o quetemos constatado sôbre a composição mineralógica dos basaltos,basanites e rochas afins das nossas regiões vulcânicas.
. Dum magma progenitor do tipo olivino-basálticoe portanto atlântico, derivarão as séries cujo carácter alcalino estáperfeitamente definido, como a de Monchique.
Há que reconhecer porém que os problemas petrogénicos,referentes às rochas ígneas das orlas Ocidental e Sul do MaciçoHespérico, continuam oferecendo aspectos muito duvidosos.
Assim, as relações entre o provável magma olivino-basâltico e seus derivados (rochas basálticas da orla ocidental,rochas máfico-alcalinas e rochas de composição fonolitica doAlgarve) por um lado, e as rochas intrusivas do batóIito deSintra e da cúpula de Sines, por outro lado, escapam ainda aqualquer interpretação razoàvelmente fundamentada.
Os aspectos geológicos do problema da cronologia relativa
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de tõdas estas formações ígneas, conduziram recentementeO. Zbyszewski (9) a aceitar que à fase de compressão orogénícado final do Secundário corresponderia a intrusão dos maciçosplutónicos de Sintra, Sines e Monchique, enquanto que à fasesubseqüente de descompressão ou de distensão corresponderiamas extrusões lávicas de natureza basáltica. Observa, tambémmuito justamente, aquêle "geólogo, a analogia que parece existirentre as rochas de Sintra e de Sines, o que já não deve terlugar entre aquelas e as da Serra de Monchique.
A filiação de rochas com composição granítica, comogrande parte das de Sintra, num magma do tipo olívino-basâltico não é fácil de conceber J porque tôda a informação recolhidasôbre o assunto obriga a considerar como ascendente dos tiposriolíticos (e andesíticos ), ou seja das séries calco-alcalinas, omagma tholeiítico de Kennedy, cujas características, particularmente as mineralógicas, estão em total desacôrdo com as dasnossas rochas basálticas.
Nesta fase dos nossos conhecimentos, uma síntese aceitávelquanto à petrogénese de tôdas as formações eruptivas atrás referidas, apresenta-se como tarefa muito superior às possibilidades actuais.
BIBLIOGRAfIA SUMÁRIA
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(9) G. ZBYSZEWSKY - Contrtbuiion à l'étuâe des terrains éruptifs du CapSines. Comun, Servo GeoI. de Portugal. Tõmo XXII- 1942.