PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC/SP
JULIANO CAVALCANTE BORTOLETE
A RELAÇÃO TRANSITIVA ENTRE SOCIEDADE, TECNOLOGIA E
MATEMÁTICA
Aportes relativos à formação profissional em um curso superior de
Informática
MESTRADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
SÃO PAULO
2011
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC/SP
JULIANO CAVALCANTE BORTOLETE
A RELAÇÃO TRANSITIVA ENTRE SOCIEDADE, TECNOLOGIA E
MATEMÁTICA:
Aportes relativos à formação profissional em um curso superior de
Informática
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como
exigência parcial para obtenção do título de MESTRE
EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, sob a orientação
do Prof. Dr. Gerson Pastre de Oliveira.
SÃO PAULO
2011
BANCA EXAMINADORA
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Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta Dissertação por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos. Assinatura: __________________________ Local e Data: __________________________
AGRADECIMENTOS
À Deus, por estar ao meu lado durante esta árdua caminhada. Ao Professor Gerson que sempre me motivou, me orientou, me aconselhou e acreditou no meu trabalho. Foi mais do que um orientador. A ele só tenho a agradecer. À minha esposa e amiga Cláudia, que em muito me motivou e contribuiu de maneira direta para o desenvolvimento deste trabalho. Agradeço por sua paciência, por suas leituras e sugestões e principalmente por não ter me deixado desistir. Aos meus pais, Gilma e Agostinho e minha irmã Marcelly, um agradecimento especial, pela dedicação, pelas constantes orações, por torcerem avidamente para o meu sucesso. Ao meu filho Leonardo, fonte de inspiração e motivação, que compreendeu os momentos que estive ausente para a confecção deste trabalho. Às Professoras Doutoras Silvia Dias de Alcântara Machado e Vani Moreira Kenski, por participarem da banca e, contribuir com observações que nortearam o desenvolvimento desta pesquisa. Ao amigo e professor Edson, por suas inestimáveis colaborações. Aos professores e funcionários da PUC-SP, pelo incentivo e contribuições para a realização deste trabalho. Aos amigos que fiz durante o curso: Carlos, Denílson, Enéas, Jean, Joyce, Márcia, Maurício, Lucimar, Priscila, Rogério, Ricardo, Sonia, Solange e todos os outros, pelas conversas e descontrações nas tardes em que estivemos juntos. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES – pela bolsa concedida que possibilitou o desenvolvimento desta pesquisa. Por fim, a todos aqueles que estiveram ao meu lado durante esta jornada.
RESUMO
Este trabalho procura discutir e compreender, através de uma abordagem qualitativa de
pesquisa, a influência que a Matemática exerce no desenvolvimento tecnológico e social. Os
aportes teóricos empregados apontam para o fato de as pessoas, atualmente, viverem em uma
sociedade informacional, cujo funcionamento está alicerçado nos pilares das tecnologias da
informação, as quais, por sua vez, são condicionadas pela Matemática. A partir destes
pressupostos, mediados pela perspectiva da Educação Matemática Crítica, procurou-se
encontrar uma aplicação apta a explicitar as interfaces entre Matemática e tecnologia, e suas
implicações ao mundo contemporâneo, o que levou ao emprego do Modelo Vetorial para
Recuperação de Informações, tema presente no currículo da disciplina Matemática Discreta,
como fundamento para a construção de mecanismos de busca pelos sujeitos da pesquisa,
alunos de um curso superior de Análise de Desenvolvimento de Sistemas de uma faculdade
pública de São Paulo. A coleta de dados foi realizada por meio de questionários e observações
em sala de aula, procurando identificar no discurso dos alunos as inquietudes acerca do
emprego profissional do conteúdo de disciplinas ligadas à Matemática. Constatada uma
dissociação, na visão dos alunos, a respeito da aplicabilidade da Matemática ao
desenvolvimento tecnológico e profissional, os mesmos foram convidados a construir
mecanismos de busca com base nos conceitos matemáticos presentes no Modelo Vetorial
mencionado. As análises mostraram que o processo de construção das aplicações ocasionou
uma mudança de percepção e de postura em relação ao conhecimento Matemático, de sua
inserção no contexto de produção tecnológica e de seu uso em situações profissionais reais.
Palavras-chave: Educação Matemática Crítica; Formação Profissional; Matemática;
Sociedade; Tecnologia.
ABSTRACT
This work seeks to discuss and comprehend, through qualitative research approach, the
influence that Mathematics has over technological and social development. The theoretical
contributions employed in this study point to the fact that currently people live in an
informational society, whose operation is based on the pillars of information technologies
which, in turn, are driven by Mathematics. From these assumptions, mediated by the
perspective of Critical Mathematics Education, we sought to find an application capable of
explaining the interfaces between Mathematics and technology, as well as their implications
for the contemporary world, which led to the use of the Vector Model for Information
Retrieval, theme present in Discrete Mathematics syllabus, as the basis for the building of
search engines by the students of Analysis of System Development in a public college in São
Paulo. Data collection was carried out by means of questionnaires and observations in the
classroom, trying to identify from the students’ answers their concerns about the professional
use of the contents of disciplines related to Mathematics. Because of dissociation, from the
student’s point of view, regarding the applicability of Mathematics to technological and
professional development, they were invited to build search engines based on mathematical
concepts present in the Vector Model mentioned above. The analyses showed that the
construction process of applications led to a change of perception and attitude towards the
mathematical knowledge, its insertion in the context of technological production and its use in
real professional situations.
Key-words: Critical Mathematics Education; Vocational Training; Mathematics; Society;
Technology.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................................11
1. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA.............................................................................................17
1.1 Tecnologia e Educação Matemática ...............................................................................17
1.2 Trabalhos Correlatos.......................................................................................................23
2. SOBRE TÉCNICA E TECNOLOGIA EM UMA PESQUISA DE EDUCAÇÃO
MATEMÁTICA .......................................................................................................................31
2.1 Técnica, evolução e modernidade ..................................................................................31
2.2 Implicações Sociais das Tecnologias de Armazenamento e Recuperação de
Informações na Visão de Levy .............................................................................................36
3. EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, TECNOLOGIA E SOCIEDADE.....................................45
3.1 Educação Matemática Crítica.........................................................................................45
3.2 Matemática e Sociedade .................................................................................................52
3.3 Matemática e Tecnologia................................................................................................58
4 MODELO VETORIAL PARA RECUPERAÇÃO DE INFORMAÇÃO...........................63
4.1 Construção do Modelo Vetorial .....................................................................................64
5. APORTES METODOLÓGICOS.........................................................................................69
5.1 Pesquisa em Ciências Humanas .....................................................................................69
5.2 Pesquisa Qualitativa .......................................................................................................70
5.3 A escolha do Problema Matemático Abordado na Pesquisa ..........................................72
5.4 Participantes da Investigação .........................................................................................76
5.5 Coleta e Análise dos Dados............................................................................................76
6. COLETA E ANÁLISE DOS DADOS .................................................................................79
6.1 Primeiro Questionário ....................................................................................................80
6.1.1 Apresentação dos Dados e análises preliminares ....................................................80
6.2 Categorias de análise ......................................................................................................84
6.2.1 Percepção da influência dos artefatos tecnológicos na sociedade...........................85
6.2.2 Percepção da importância da Matemática para o desenvolvimento tecnológico ...89
6.2.3 Percepção da influência da Matemática na formação e exercício profissional futuro.
..........................................................................................................................................93
6.3 Questionário pós-implementação dos mecanismos de busca.......................................101
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................105
REFERÊNCIAS .....................................................................................................................109
APÊNDICE A – QUESTIONÁRIO APLICADO AOS ALUNOS .......................................113
LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Ciclo de uso de tecnologias por professores de Matemática – Fonte: Santos, 2010
..................................................................................................................................................21
Figura 2 – Tela inicial do programa .........................................................................................95
Figura 3 – Tela de cadastro dos documentos............................................................................95
Figura 4 – Tela de cadastro dos termos (palavras-chave) ........................................................96
Figura 5 – Matrizes representantes do banco de dados ............................................................96
Figura 6 – Matriz transposta.....................................................................................................97
Figura 7 – Tela de consulta.......................................................................................................97
Figura 8 – Vetor consulta .........................................................................................................98
Figura 9 – Cosseno entre os vetores documento e o vetor consulta .........................................98
Figura 10 – Documentos de maior relevância para a consulta.................................................99
Figura 11 – Mecanismo de Busca – Linguagem Visual Studio 2010 ....................................100
Figura 12 – Mecanismo de Busca – Linguagem Visual Studio 2010 ....................................100
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Matrizes representantes do banco de dados...........................................................67
Quadro 2 – Calendário das Atividades.....................................................................................80
Quadro 3 – Escala de Likert .....................................................................................................81
11
INTRODUÇÃO
No livro “Educação Matemática Crítica: a questão da democracia”, de Skovsmose
(2008), encontram-se, no capítulo 41, questões que relacionam a Educação Matemática ao uso
de tecnologias. No discurso do autor:
Quando usamos a conjunção “Educação Matemática e tecnologia”, facilmente associamos tecnologia com computadores na sala de aula (ou, numa interpretação mais próxima, tecnologia significa equipamento usado na Educação Matemática). Perguntas associadas ao planejamento curricular são: Como usar uma tecnologia para facilitar aos estudantes o acesso às idéias Matemáticas? Como usar computadores a serviço da Educação Matemática? [...] Toda nossa civilização se torna uma reconstrução tecnológica, e se poderia fazer uma tentativa de relacionar a Educação Matemática ao conceito de tecnologia. Questões educacionais poderiam ser: como pôr os estudantes a par do impacto tecnológico sobre a sociedade? Como tornar os estudantes cientes do papel da Matemática como parte de um desenvolvimento tecnológico? Como ter uma idéia das condições básicas para viver em uma sociedade altamente tecnológica? Como refletir sobre a cultura tecnológica? Tais questões podem revelar uma abertura para a educação crítica, e também para a Educação Matemática. (SKOVSMOSE, 2008, p. 97 - 98)
As indagações do autor dinamarquês fazem refletir sobre as distintas possibilidades de
atrelar os temas “Educação Matemática” e “Tecnologias”. A partir destas reflexões, iniciou-
se, nesta pesquisa, uma busca na literatura acadêmica e constatou-se uma forte tendência
relativa a uma das possíveis formas de vincular a Educação Matemática às tecnologias. Em
todos os trabalhos analisados, verificou-se o uso da tecnologia como proposta central, visando
a facilitar ou viabilizar o entendimento de algum conceito matemático, o que certamente
ratifica as questões associadas ao planejamento curricular, citadas acima.
De outro modo, sabe-se que a conjunção entre Matemática e tecnologias oferece
outras possibilidades à educação. Essas diversas possibilidades relacionam a Matemática com
o desenvolvimento tecnológico, com a sociedade tecnológica, com a cultura tecnológica, e
estão contidas no segundo grupo de questões propostas por Skovsmose (2008).
A partir destas constatações, vislumbramos a possibilidade de percorrer a via que liga
a Educação Matemática e as tecnologias em um sentido oposto ao convencional, ou seja, ao
comum à maioria das pesquisas. Em outras palavras, percebemos a viabilidade do
desenvolvimento de um modelo que possibilite o entendimento da Matemática como
conhecimento fundamental para o desenvolvimento tecnológico.
1 O capítulo começa na pagina 97, e tem por título “EM DIREÇÃO À EDUCAÇÃO MATEMÁTICA CRÍTICA”.
12
Na busca por um problema que pudesse aguçar a percepção do aluno no que diz
respeito à influência da Matemática no desenvolvimento tecnológico e, conseqüentemente, na
sociedade atual, nos deparamos com o Modelo do Espaço Vetorial para Recuperação de
Informações, desenvolvido por Gerard Salton, na Cornell University. Este modelo usa
conceitos matemáticos de álgebra linear e geometria analítica para a construção de
mecanismos de recuperação de informações (RI), conforme se encontra de forma mais
detalhada no capítulo 4 deste trabalho. A opção por esse modelo informático justifica-se, de
certa forma, por ser a atual sociedade fortemente baseada em princípios e culturas
informacionais. Os pilares para o desenvolvimento desta sociedade, em seus diversos
segmentos, estruturam-se por meio das tecnologias da informação. A necessidade de
informação para o desenvolvimento não é característica exclusiva da sociedade atual, apesar
de encontrar-se maximizada na atualidade: grandes bibliotecas e centros de pesquisa foram
criados ao longo de toda história da humanidade. Toda nova tecnologia, em quaisquer épocas,
foi possibilitada pelo uso de informações geradas e acumuladas nos anos antecedentes à sua
concepção. No entanto, o que é próprio deste novo momento é a forma de produção e
propagação das informações. Neste sentido é que afirma Castells:
O termo sociedade da informação enfatiza o papel da informação na sociedade. Mas afirmo que informação, em seu sentido mais amplo, por exemplo, como comunicação de conhecimentos, foi crucial a todas as sociedades, inclusive à Europa medieval que era culturalmente estruturada e, até certo ponto, unificada pelo escolasticismo, ou seja, no geral uma infra-estrutura intelectual. Ao contrário, o termo informacional indica o atributo de uma forma específica de organização social em que a geração, o processamento e a transmissão da informação tornam-se as fontes fundamentais de produtividade e poder devido às novas condições tecnológicas surgidas nesse período histórico. (CASTELLS, 2009, p. 65)
Com o surgimento da informática, o desenvolvimento da Internet e,
consequentemente, a criação da World Wide Web, os computadores tornaram-se instrumentos
fundamentais no auxilio à busca e manipulação de informações. Por sua capacidade de
computação e conectividade, possibilitaram uma forma inédita de difusão das informações,
contribuindo, assim, para o surgimento de um novo paradigma informacional e de
desenvolvimento, em que a fonte de produtividade acha-se na tecnologia de geração de
conhecimentos, processamento da informação e de comunicação de símbolos, conforme
afirma o autor espanhol:
O processamento da informação é focalizado na melhoria da tecnologia do processamento da informação como fonte de produtividade, em um círculo virtuoso de interação entre as fontes de conhecimentos tecnológicos e a aplicação da
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tecnologia para melhorar a geração de conhecimentos e o processamento da informação: é por isso que, voltando à moda popular, chamo esse novo modo de desenvolvimento de informacional, constituído de um novo paradigma tecnológico baseado na tecnologia da informação. [...] Embora graus mais altos de conhecimentos geralmente possam resultar em melhores níveis de produção por unidade de insumos, é a busca por conhecimentos e informação que caracteriza a função da produção tecnológica no informacionalismo. (CASTELLS, 2009, p. 54)
Este momento histórico, possibilitado pelas tecnologias de informação e comunicação,
não seria possível sem a contribuição da Matemática, enquanto linguagem, meio e interface.
O conhecimento matemático, incorporado ao conhecimento tecnológico, foi e continua sendo
fundamental para a criação de modelos e algoritmos que viabilizam e impulsionam a criação
das novas tecnologias. Em análise convergente, Skovsmose afirma que:
A Educação Matemática desempenha um papel significante nos processos sociopolíticos. Isso é indicado por algumas das observações referidas aqui, previamente: que a Educação Matemática pode ser vista como a base da sociedade tecnológica; que ela pode ser vista como uma invasão cultural; que ela fornece formas de conhecimento e técnicas de particular relevância para a sociedade informacional; que a aprendizagem Matemática está intimamente relacionada com o desenvolvimento de competências para a manipulação de tecnologias de comunicação e de informação. (SKOVSMOSE, 2007, p. 67)
Este trabalho parte de pressupostos a partir dos quais há forte relação entre
Matemática e tecnologia. De alguma forma, procura inserir-se no âmbito de estudos que
contemplam a Matemática como conhecimento necessário para o desenvolvimento
tecnológico. Por outro lado, pensar em Educação Matemática e uso de tecnologias tem, do
ponto de vista desta pesquisa, dois componentes fundamentais: a questão da estratégia
pedagógica adotada pelo professor e uma proposta de matematização da informática. Estes
elementos teóricos são explicados de forma mais adequada nos capítulos 3 e 4 deste trabalho.
Por enquanto, resta dizer, assim como declara Oliveira (2009b), que uma estratégia
pedagógica deve prever a figura do professor como orientador, a centralidade do aluno e sua
relevância na construção do conhecimento matemático de que é sujeito. De fato, o autor
argumenta, ainda, que a estratégia adotada como proposta para uma trajetória de
aprendizagens em Educação Matemática permeada pelo uso de tecnologias é, em tudo, muito
mais relevante do que a mera adoção de um software qualquer.
Em relação ao termo matematização, é pertinente adiantar que sua semântica constitui-
se de significados que ampliam o entendimento do termo para além daquele que o descreve
como sendo o estudo ou desenvolvimento de processos matemáticos que
modelam/possibilitam a construção de artefatos tecnológicos: há que se considerar, também, a
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incorporação de uma dimensão crítica que envolve reflexões sobre usos e conseqüências dos
dispositivos em que a Matemática subjaz.
Desde este ponto, então, parece importante destacar a pergunta norteadora do esforço
de investigação aqui envidado, como síntese do problema de pesquisa levantado: A
construção de um programa computacional de ampla relevância na sociedade
contemporânea, com base em conteúdos da Geometria Analítica e da Álgebra Linear, pode
contribuir para que o estudante de Informática do Ensino Superior compreenda a correlação
entre a Matemática e o desenvolvimento de aplicações tecnológicas, no âmbito de sua
atuação profissional?
Lendo autores como Castells, Lévy, Kerckhove e Skovsmose, entre outros,
encontramos a base teórica necessária para a fundamentação deste trabalho, que está
organizado em sete capítulos, descritos a seguir:
No capítulo 1, apresentamos a revisão bibliográfica, formada por trabalhos acadêmicos
correlatos ao nosso tema de pesquisa. Também fizemos uma breve análise sobre as principais
concepções sobre o uso de tecnologia com o objetivo de auxiliar o ensino da Matemática.
No capítulo 2, tecemos algumas considerações etimológicas a respeito da palavra
técnica e apresentamos ainda as concepções de alguns pensadores sobre a técnica e suas
influências na sociedade. Por fim, discorremos sobre o tema comunicação, sociedade e
tecnologia, culminando com o entendimento do computador como uma interface entre estes
componentes.
A relação entre Tecnologia, Educação Matemática e Sociedade é abordada no capítulo
3, em que apontamos aspectos que evidenciam o poder de condicionamento social exercido
pela tecnologia. Prosseguimos neste capítulo destacando algumas intersecções entre Educação
Matemática e Educação Crítica e por fim, fazemos algumas considerações a respeito do papel
desempenhado pela Matemática no desenvolvimento tecnológico.
Reservamos o Capítulo 4 para dissertar sobre o Modelo do Espaço Vetorial para
Recuperação de Informações. Faremos alguns apontamentos sobre a Matemática envolvida na
construção deste modelo com destaque para a Álgebra Linear e Geometria Analítica. Além
disso, explicaremos suas funcionalidades e traremos um exemplo de aplicação.
No capítulo 5, tecemos comentários sobre os aportes metodológicos que embasaram o
desenvolvimento da pesquisa, explicamos as razões pelas quais escolhemos trabalhar com
uma aplicação da Matemática à informática, descrevemos os sujeitos da pesquisa, o ambiente
em que esta ocorre, bem como os métodos utilizados para a coleta dos dados.
15
Com o objetivo de investigar se um aprendizado de Matemática, com ênfase na
matematização da informática, proporciona ao aluno um entendimento sobre o significado e
importância da matemática, elaboramos uma oficina para a construção de um mecanismo de
busca utilizado em RI. As atividades propostas nessa oficina, a descrição das observações
feitas e as respectivas análises a priori e a posteriori encontram-se no capítulo 6.
Por fim, nas considerações finais, realizamos a discussão dos resultados, resumindo
nossas principais observações a respeito da oficina implementada e destacamos as
possibilidades abertas com esta investigação.
17
1. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
Para nos situarmos em relação aos atuais trabalhos relacionadas ao nosso tema de
investigação, realizamos esta pesquisa bibliográfica, que nos permitiu conhecer, entender e
listar os temas e objetivos já estudados, bem como alguns dos resultados alcançados. Esta
análise possibilitou identificar algumas questões em aberto e, principalmente, encorajou-nos a
desenvolver este trabalho, já que não encontramos abordagem similar à que pretendemos.
Os trabalhos foram obtidos exclusivamente por meio de sites de universidades que
desenvolvem estudos relacionados à Educação Matemática, com destaque à UNICAMP, que
mantém o CEMPEM (Centro de Estudos, Memória e Pesquisa em Educação Matemática),
órgão de apoio à docência, pesquisa e extensão em Educação Matemática do Departamento de
Metodologia de Ensino da Faculdade de Educação. Também nos valemos das dissertações
desenvolvidas no Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática da PUC/SP,
disponibilizadas em seu site. O CINTED (Centro Interdisciplinar de Novas Tecnologias na
Educação), da Universidade Federal do Rio grande do Sul, igualmente serviu-nos como fonte
para consultas.
1.1 Tecnologia e Educação Matemática
Pesquisas em educação Matemática – ver, por exemplo, a seção 1.2 deste trabalho –
mostram que a disponibilidade crescente e o poder das tecnologias eletrônicas tais como
computadores e calculadoras gráficas, quando aliadas ao aspecto humano que relaciona-se ao
saber fazer, ou melhor, o saber operar com essas tecnologias, inclusive de forma crítica, não
tomando-as como se fossem verdadeiras panacéias, proporcionam novos meios de ensino e de
desenvolvimento do pensamento matemático por promover/facilitar a conjectura, a
justificação e a generalização, além de proporcionar um importante aspecto relacionado à
memória, à coleção e análise de dados, tornando disponível a exploração de múltiplas formas
de representação (por exemplo: numérica, simbólica e gráfica) Goos et al (2003).
As ampliações cognitivas possibilitadas pelo avanço das tecnologias levaram Lévy a
incluir em sua obra observações importantes a esse respeito. Dentre elas, servindo aos
propósitos desta investigação, vale destacar que “as técnicas de simulação, em particular
aquelas que utilizam imagens interativas, não substituem os raciocínios humanos, mas
prolongam e transformam a capacidade de imaginação e de pensamento” (LÉVY, 2008b, p.
165).
18
No livro Cibercultura, Lévy definiu o termo que o intitulou de acordo com a seguinte
argumentação:
O ciberespaço (que também chamarei de “rede”) é o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial de computadores. O termo especifica não apenas a infra-estrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ele abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo. Quanto ao neologismo “cibercultura”, especifica aqui o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolve juntamente com o crescimento do ciberespaço. (LÉVY, 2008b, p. 17)
Neste cenário, marcado pela relação homem–máquina, ou, segundo Skovsmose
(2008), humano e não-humano, Lévy constata que:
[...] o ciberespaço suporta tecnologias intelectuais que amplificam, exteriorizam e modificam numerosas funções cognitivas humanas: memória (bancos de dados, hiperdocumentos, arquivos digitais de todos os tipos), imaginação (simulações), percepção (sensores digitais, telepresença, realidades virtuais), raciocínios (inteligência artificial, modelização de fenômenos complexos). (LÉVY, 2008b, p.157)
Acrescenta ainda que, graças à memória auxiliar, podemos nos dedicar a novas
operações cognitivas, tais como contar, medir, comparar etc. Um conceito similar ao de
tecnologia intelectual, proposto por Lévy, é apresentado por Kerckhove. Esse autor introduz o
termo psicotecnologia e o define como “qualquer tecnologia que emula, estende ou amplifica
o poder de nossas mentes” (KERCKHOVE, 2009, p. 23).
Ambas as perspectivas se coadunam com o pensamento de Castells ao assumir que
“computadores, sistemas de comunicação, codificação e programação genética são todos
amplificadores e extensões da mente humana” (CASTELLS, 2009, p. 69). Mais adiante
veremos que essa visão a respeito das tecnologias, sobretudo as digitais, é reconhecida no
campo da Educação Matemática mediante a concepção denominada “incorporar tecnologias”.
Por se tratar de um trabalho de Educação Matemática, é pertinente e necessário trazer
para o debate autores desta área de pesquisa com visão aglutinadora em relação aos aspectos
cognitivos das interfaces tecnológicas. Entre os teóricos da Educação Matemática, Borba
(2001) argumenta que uma mídia como a informática reorganiza o pensamento. O autor
esclarece que não apenas a informática, mas também outras tecnologias – oralidade, escrita,
lápis e papel – exerceram e exercem, ao longo da história humana, papéis importantes na
produção do conhecimento. Contrário à visão dicotômica entre técnica e ser humano, Borba
defende que:
Certa invisibilidade da oralidade e da escrita na produção do conhecimento reforçava a idéia de que deve haver uma separação entre ser humano e técnica, ao
19
mesmo tempo em que enfatizava a noção de que produção de conhecimento é um processo interno do ser humano. (BORBA, 2001, p.137)
Em sua linha argumentativa, o autor em questão salienta que, se pensarmos na
oralidade e no lápis/papel da mesma forma como pensamos na informática, será possível
constatar a função oculta que cabe a estes suportes. Para o autor, então, é possível concluir
que lápis e papel são tecnologias também, já que estendem a memória.
Por essas razões, Goos et al (2003) consideram a tecnologia um dos vários tipos de
ferramentas culturais que não só ampliam, mas também reorganizam processos cognitivos por
meio da sua integração nas práticas sociais e discursivas de uma comunidade do
conhecimento.
Ao analisar o papel desempenhado pela tecnologia no desenvolvimento cognitivo,
sobretudo no desenvolvimento do pensamento matemático, Frota e Borges (2004) teorizaram
três diferentes aspectos sobre o uso das tecnologias nas práticas educacionais, a saber: i)
consumir; ii) incorporar; iii) matematizar.
No que concerne à primeira abordagem (consumir tecnologia), essa concepção
relaciona-se aos argumentos que essencialmente sustentam serem as novas tecnologias e as
TICs (Tecnologias de Informação e Comunicação) recursos poderosos para ensinar e aprender
Matemática (FROTA e BORGES, 2004). Entretanto, o consumo de tecnologia não
necessariamente implica em uma mudança de comportamento de ensino-aprendizagem por
parte dos professores e alunos.
A tecnologia, neste sentido, pode ser utilizada apenas como um instrumento, isto é,
uma maneira de tornar menos enfadonhos os diversos cálculos necessários para o
desenvolvimento de uma determinada tarefa, permitindo ao aluno concentrar seus esforços na
proposta da atividade. No entanto, as práticas em sala de aula, em certo nível, permanecem as
mesmas: a esse entendimento, os autores denominaram “consumir tecnologia para
automatizar as tarefas”. Em extensão, Goos et al (2003) criaram uma metáfora para descrever
esse tipo de uso de tecnologia – “Tecnologia como Serva” – e esclarecem que é serva quando
usada como uma substituição rápida e confiável para os cálculos mentais ou com lápis e
papel, mas sem qualquer criatividade para mudar a natureza das atividades.
Valente chama a atenção para esse fato e argumenta que:
[...] a introdução da informática na educação na França e nos Estados Unidos da América provocou um grande avanço na disseminação dos computadores nas escolas. Porém, esse avanço não correspondeu às mudanças de ordem pedagógicas que essas máquinas poderiam causar na educação. As escolas nesses países têm mais recursos do que as escolas brasileiras e estão, praticamente, todas
20
informatizadas. Mas, a abordagem educacional ainda é, na sua grande maioria, a tradicional. (VALENTE, 1999, p.18)
A segunda concepção (incorporar tecnologia) está relacionada à modificação das
formas de fazer Matemática. Em outras palavras, surgem novas maneiras de pensar e resolver
problemas à medida que a tecnologia vai sendo incorporada pelo acúmulo de experiências em
seu uso (MIRANDA e FROTA, 2007). Nesse contexto, professores e alunos vislumbram, no
uso das tecnologias, novas possibilidades de fazer Matemática. O uso de calculadoras
gráficas, softwares geométricos, planilhas de cálculos, entre outros, incorporam o ferramental
matemático, propiciando-lhes novas formas de pensar e resolver problemas. Todavia, esse
nível de uso de tecnologias exige uma destreza em relação à sua manipulação. Ao atingir tal
nível de entendimento, o usuário terá novos recursos que ampliam as possibilidades de fazer
Matemática para além daquelas com a utilização de lápis e papel.
Semelhante assertiva é estabelecida por Goos et al (2003), ao afirmarem que ocorre
uma reorganização cognitiva quando a interação dos alunos com a tecnologia, a qual, como
um novo sistema semiótico, transforma qualitativamente seu pensamento. Exemplificam
dizendo que o uso de planilhas eletrônicas e softwares gráficos pode alterar o privilégio
tradicional que é dado ao raciocínio algébrico em detrimento do raciocínio proporcionado
pela visualização gráfica ou análise numérica. Assim, o aprendizado torna-se um processo de
apropriação de ferramentas que mudam a maneira pela qual os indivíduos formulam e
resolvem problemas. Esse entendimento sobre o uso de tecnologias corresponde a considerar
a Tecnologia como Parceira - uma metáfora identificada pelos autores.
A concepção “incorporar tecnologia” pode ser entendida, na visão de Oliveira (2009),
como parte integrante de uma estratégia pedagógica concebida pelo professor, de forma
crítica e reflexiva, e indica quatro níveis pelos quais os docentes precisam passar para utilizar,
de forma crítica, as tecnologias em suas práticas. Santos (2010, p.43), referindo-se ao trabalho
de Oliveira, sintetiza esses níveis da seguinte forma:
• apropriação das interfaces e dos recursos, desenvolvendo fluência na manipulação
das ferramentas;
• inclusão das tecnologias como partes integrantes do fazer didático;
• exploração dos elementos matemáticos envolvidos nos problemas e nos contextos
trabalhados em sala de aula, do ponto de vista do desenvolvimento de tecnologias;
• criação de estratégias pedagógicas que integrem todas as tecnologias, novas e
velhas, como suportes e elementos de mediação em relação ao aprendizado dos
21
estudantes e ao conteúdo matemático (essa dimensão permite empregar, de forma
integrada, as anteriores).
Acrescenta ainda que:
Para Oliveira (2009), estas quatro concepções podem representar um ciclo – e deveriam fazê-lo, idealmente – de modo que o professor de Matemática transite de uma para a outra à medida que refina seu entendimento teórico-prático sobre uso das tecnologias em seu trabalho. Segundo o autor, à medida que avança na apropriação destes níveis e dos conhecimentos correspondentes, o ciclo se repete, em uma instância superior. (SANTOS, 2010, p. 43)
O quadro abaixo, extraído do trabalho de Santos (2010), ilustra a interação entre as
quatro fases descritas acima:
Figura 1 – Ciclo de uso de tecnologias por professores de Matemática – Fonte: Santos, 2010
A perspectiva da “Tecnologia como Parceira” pode também ser analisada mediante a
concepção de Lévy sobre o conceito de interface. Para o autor francês, a noção de interface
“remete a operações de tradução, de estabelecimento de contato entre meios heterogêneos.
Lembra, ao mesmo tempo, a comunicação (ou o transporte) e os processos transformadores
necessários ao sucesso da transmissão”(LÉVY, 2008a, p. 176). Nesse sentido, podemos
entender alguns artefatos tecnológicos, dentre eles os computadores com seus softwares,
como componentes de uma rede de interfaces que serão chamadas aqui de cognitivas. Tais
interfaces proporcionam diferentes meios de abstração de conceitos, dentre os quais se
destacam os de natureza Matemática.
22
Por serem abstratos, os conceitos matemáticos necessitam de um meio para serem
representados e manipulados. O lápis e o papel foram, por longo tempo, e continuam sendo,
importantes instrumentos com essa finalidade, por viabilizarem a visualização dos objetos
matemáticos – ou seja, não dos objetos eles mesmos, mas de suas representações (DUVAL,
2003). Dessa forma, podem-se entender esses instrumentos como uma interface entre o
mundo da Matemática e o sistema cognitivo. Como relata Lévy, a “interface contribui para
definir o modo de captura da informação” (LÉVY, 2008a, p. 180).
Podemos, então, dizer que o lápis e papel, ou instrumentos afins, proporcionam meios
específicos à captura dos conceitos matemáticos. De posse desse pensamento, seria insensato
supor que a obtenção do conhecimento ocorre da mesma forma em diferentes interfaces.
Nesse sentido, Lévy afirma que seria ilusão:
crer que haveria ‘conhecimentos’ ou ‘informações’ estáveis que poderiam mudar de suporte, ser representados de outra forma ou simplesmente viajar guardando ao mesmo tempo sua identidade. Ilusão, porque aquilo sobre o que versam as teorias do conhecimento: saberes, informações e significações são precisamente efeitos de suportes, conexões, proximidades, interfaces. (LÉVY, 2008a, p. 184)
Com esse entendimento, concordamos com a visão de Goos et al (2003) ao afirmarem
que ocorre uma reorganização cognitiva quando a interação dos alunos com a tecnologia,
como um novo sistema semiótico, qualitativamente transforma seu pensamento. Concluímos,
assim, que a concepção “incorporar a tecnologia” implica necessariamente uma mudança no
modo de “fazer”, aprender e ensinar Matemática.
O terceiro aspecto (matematizar a tecnologia) coloca a tecnologia em uma perspectiva
diferenciada: “nessa concepção a tecnologia pode ser incorporada à Educação Matemática,
não como recurso ou ferramenta material ou simbólica, mas como um objeto curricular de
Matemática valioso em si e por si mesmo” (FROTA e BORGES, 2004).
Esse aspecto consiste em descrever a Matemática subjacente ao desenvolvimento
tecnológico e implica no “desenvolvimento da capacidade de projetar tecnologias e de adaptar
a Matemática disponível para resolver problemas reais e concretos, ou projetar processos que
criarão novas realidades sociais” (FROTA e BORGES, 2004).
Segundo os autores, essa concepção entende tecnologia como parcialmente decorrente
da Matemática e, ao mesmo tempo, impulsionando seu desenvolvimento, estabelecendo-se
assim uma relação intrínseca entre ambas.
A importância da matematização da tecnologia pode ser evidenciada nas palavras de
Skovsmose ao argumentar que:
23
A Matemática é o sustentáculo lógico do processamento da informação, e o processamento matemático é também a base para as atuais aplicações da tecnologia da informação. De fato, todas as aplicações de um computador podem ser vistas como uma aplicação de um modelo matemático simples ou complexo. (SKOVSMOSE, 2008, p. 77).
O autor afirma ainda que não teríamos uma sociedade como a atual, altamente
tecnológica, caso subtraíssemos da nossa sociedade o convívio com o conhecimento
matemático.
Esse escritor, no entanto, amplia esta visão de Matemática como apenas um baluarte
para o desenvolvimento tecnológico e entende que matematizar significa, “em princípio,
formular, criticar e desenvolver maneiras de entender; conseqüentemente, a matematização
deve ter um papel importante no processo educacional” (SKOVSMOSE, 2008, p. 26). Para
ele a matematização implica em reflexões, não somente desenvolvimento de modelos
matemáticos que tenham alguma aplicação prática. Trataremos melhor dessa questão no
capítulo 3 deste trabalho.
Balizados pelos trabalhos de Frota e Borges (2004) e Goos et al (2003), descreveremos
a seguir, de forma sucinta, alguns trabalhos que interligam a Educação Matemática e a
tecnologia, possuindo, assim, algumas adjacências com o tema desta pesquisa. Procuraremos
evidenciar qual a concepção sobre o uso de tecnologias que permeia o desenvolvimento destes
trabalhos. Esta análise é importante, pois nos mostra a pouca ênfase que tem sido dada à
matematização da tecnologia, e, conseqüentemente, à necessidade do desenvolvimento de
trabalhos que possibilitem essa abordagem.
1.2 Trabalhos Correlatos
Santos (2008), ao propor uma integração do ensino de geometria analítica com a
utilização de tecnologias digitais, mais precisamente com a introdução do software GrafEq2,
elaborou um tutorial de uso do programa na forma de páginas para web, e um conjunto de
atividades envolvendo tópicos da disciplina em estudo, objetivando responder à seguinte
questão: “A manipulação de igualdades e desigualdades no GrafEq, verificando suas
representações no plano cartesiano, ajudará aos estudantes na apropriação da linguagem
algébrica representativa de situações no plano? Quais problemas ou atividades serão
geradores desta situação de aprendizagem?”
2 O GrafEq é um Software livre produzido por Pedagoguery Software Inc., no Canadá. Está disponível para download no site http://www.peda.com/grafeq.
24
Seu estudo fundamentou-se nas teorias de James J. Kaput, que abordam a introdução
das tecnologias digitais na Educação Matemática.
Na tentativa de responder a pergunta norteadora de seu trabalho, o pesquisador,
também professor dos estudantes envolvidos na experiência, criou atividades com a intenção
de desenvolver e utilizar o raciocínio lógico para testar e validar suas hipóteses. A dinâmica
interativa que permeou o trabalho foi a manipulação dos objetos algébricos com instantânea
visualização das representações geométricas. O GrafEq ofereceu a possibilidade de alteração
das equações já utilizadas, permitindo ao aluno rever, durante suas construções, a
representação que mais se ajustava à solução do problema.
Entretanto, Santos (2008) enfatiza que os conteúdos curriculares não foram
abandonados, apenas a forma tradicional de trabalhar com eles, criando novas perspectivas de
aprendizado. Afirma que o uso do GrafEq proporcionou a aquisição de conceitos em
Geometria Analítica, ampliando a percepção dos estudantes sobre os objetos algébricos,
geométricos e a equivalência entre eles; além disso, ofereceu diferentes formas de visualizar
uma situação-problema. Entre os fatores benéficos aos estudantes, cabe ressaltar a apropriação
da tecnologia para aprender Matemática, a disseminação da cultura informática e a
apropriação da escrita em Matemática.
Neste aspecto, nossa investigação adota perspectiva convergente a de Santos, já que
compactua com a proposta dos PCNs (2006), ao estabelecer uma relação entre Matemática e
tecnologia, propondo uma formação escolar que contemple a Matemática como ferramenta
para entender a tecnologia, e a tecnologia como ferramenta para entender a Matemática. Pode-
se dizer, ainda, que a abordagem proposta por Santos buscou proporcionar incorporação de
tecnologias, no sentido descrito por Frota e Borges (2004), já que o autor desenvolveu novas
estratégias pedagógicas possibilitadas pela inserção da tecnologia em suas aulas.
Trabalhando com alunos do 1º ano do Ensino Médio, Faria (2007) desenvolveu uma
pesquisa que abordou a elaboração e a leitura de gráficos cartesianos que expressam
movimento, em particular o retilíneo, traçando um paralelo entre as representações com lápis
e papel e aquelas com sensor e calculadora gráfica. Nessa pesquisa, pediu aos educandos que
fizessem um gráfico retilíneo, apresentando a trajetória feita por um garoto que andou de sua
casa até a escola.
O pesquisador baseou-se na Teoria da Cognição Corporificada de Lakoff e Núñes, em
particular no papel das metáforas conceituais e no Modelo de Estratégia Argumentativa
(MEA), e nas idéias de Nobile et al, sobre os aspectos de visualização, contemplando as
25
implicações que distintas disposições de símbolos e gráficos acarretam na produção de
significados pelos alunos.
Inicialmente, cada grupo pôde utilizar apenas lápis, papel e régua. Durante a confecção
do gráfico, foi percebida a dificuldade de relacionar o movimento com sua representação
gráfica cartesiana. As opiniões dos próprios alunos do grupo foram diferentes. Nenhuma
solução comum foi encontrada para o problema.
No segundo momento, foi entregue um sensor e uma calculadora gráfica a cada um
dos grupos. Munidos destes equipamentos, os alunos simularam o trajeto percorrido pela
personagem, obtendo, assim, a representação gráfica de seus movimentos na tela da
calculadora. Ao compararem este gráfico com aquele produzido sem o auxílio dos artefatos
mencionados, puderam identificar os erros cometidos. Tal situação levou os estudantes a
compreender os conceitos de origem, referencial, repouso e velocidade do movimento.
O pesquisador, então, percebeu a importância das interações ocorridas entre aluno-
aluno, aluno-professor e aluno-tecnologia. A curiosidade de conhecer o aparelho despertou a
vontade de aprender, e o uso de diferentes instrumentos tecnológicos trouxe à tona questões
que fizeram o aluno ver o mesmo problema de várias formas. Para o autor, os educandos
mostraram-se independentes do professor, pois a própria calculadora permitiu a percepção das
inadequações cometidas, tornando-se motivadora, assumindo um importante papel no
aprendizado. Faria (2007) acredita na importância da utilização de outras tecnologias e sugere
o uso de softwares na resolução de determinados problemas ou questões.
Em análise convergente, Goos et al (2003) tomaram como foco de estudo as interações
entre professores e alunos, entre os próprios alunos, e entre pessoas e tecnologias. A partir
destes pressupostos, teorizaram papéis para a tecnologia em relação ao ensino e aprendizado,
quais sejam: mestre, serva, parceira e extensão de si mesmo. Diante das metáforas
identificadas pelos autores, poder-se-ia dizer que Faria (2007) utilizou a tecnologia como
parceira. Essa metáfora descreve o estágio em que a tecnologia é usada criativamente na
Educação Matemática, para facilitar o entendimento ou explorar diferentes perspectivas.
Nobre (2005) abordou o uso do software Matlab3 e algumas de suas aplicações no
estudo de Álgebra Linear, especialmente equações lineares e álgebra matricial.
Em seu trabalho, o autor busca esclarecer de que forma o uso de softwares pode
auxiliar o aluno em seu processo de construção do conhecimento. Para tanto, deu ênfase ao
3 Matlab é um ambiente para desenvolvimentos matemáticos, numéricos ou simbólicos, com recursos gráficos. Sendo mais utilizado para manipulações numéricas. É mantido por The MathWorks, Inc.
26
uso do Matlab como ferramenta didática, descrevendo alguns passos sobre sua utilização por
meio de seqüência didáticas. Em função disto, menciona a tecnologia como indispensável e
irreversível devido à diversidade de suas aplicações e acrescenta que:
A importância da álgebra linear nas aplicações tem crescido de modo diretamente proporcional ao crescimento do poder computacional, onde cada geração de software desencadeia uma demanda de novas funções. Na atualidade, cientistas, matemáticos e engenheiros trabalham com problemas muito complexos, e a álgebra linear tem grande potencial tanto nas áreas científicas quanto de negócios, alguns exemplos podem ser vistos na exploração de petróleo, na programação linear, em circuitos eletrônicos, entre outros. (NOBRE, 2005, p.1)
Concordamos com a visão de Nobre (2005), ao citar a tecnologia como indispensável
e irreversível e mais ainda, a álgebra linear como conhecimento necessário para o
desenvolvimento tecnológico. Este pensamento leva, no âmbito da investigação aqui relatada,
a compreender a necessidade de incorporar a matematização da informática, como descrito no
início deste capítulo, nas práticas educacionais.
Para o autor, a escola deve munir-se de recursos tecnológicos, que devem ser usados
na formação inicial e continuada do professor. Nobre (2005) conclui que as tecnologias
enriquecem o ensino da Matemática, valorizam a abordagem experimental de conceitos e
oferecem novas perspectivas de linguagens, mas para isso torna-se imprescindível que toda a
ação seja planejada e que os objetivos a serem atingidos estejam implícitos em cada tarefa
sugerida. Salienta ainda que incorporar o ambiente eletrônico à rotina escolar não significa
uma adesão, mesmo porque é necessário recebê-lo criticamente, conhecer suas vantagens e
desvantagens, seus riscos e suas possibilidades, para assim, transformá-lo em ferramenta
pedagógica.
Fortes (2007) buscou investigar se o uso da robótica poderia ajudar os alunos a
resolver suas principais dificuldades quanto à confecção e à interpretação de gráficos
cartesianos, principalmente aqueles em que uma das variáveis é dependente do tempo.
A autora fundamentou-se no Construcionismo de Papert que, com o uso do
computador, visa a proporcionar desafios que estimulam a criatividade e a criação de teorias e
conjecturas. A metodologia utilizada foi o Design Experiments de Kelly e Lesh que tem como
objetivo a reflexão contínua no processo de ensinar e aprender, tornando a criação e o
desenvolvimento de teorias do aprendizado um processo cíclico.
27
Foram desenvolvidas três atividades com uma turma da 8ª série do ensino fundamental
e uma do 1º ano do ensino médio, utilizando o material de robótica LEGO e o software
Robolab4.
A autora concebeu, como primeira atividade, a tarefa de construir um carrinho com o
LEGO, fazê-lo movimentar-se e analisar o tipo de gráfico gerado pelo software para esse
movimento. A segunda atividade solicitava a construção de um carrinho e sua movimentação
de acordo com os deslocamentos descritos em gráficos já prontos. Como terceira atividade, a
autora propôs construir um carrinho e, usando sensores de luminosidade e de toque, além do
software mencionado, fazer um radar que emite um sinal quando o objeto anda com uma
velocidade acima da pré-estabelecida.
No decorrer das atividades, ficou comprovada a dificuldade dos discentes na
compreensão dos parâmetros do gráfico, como, por exemplo, inclinação da reta e área, e o que
significavam em situações reais. Alguns fizeram associações erradas, acreditaram que a
inclinação da reta, do gráfico distância X tempo, representava a inclinação do plano inclinado
em que o carrinho realizava seu movimento. Os educandos do Ensino Médio mostraram mais
facilidade em interpretar os gráficos por terem maior embasamento teórico em Física e
Matemática.
Os alunos puderam compreender melhor como cada aspecto do movimento é
determinado graficamente devido à resposta gráfica imediata dada pelo conjunto (lego e
software). De uma forma geral, apresentaram-se muito interessados na utilização da
tecnologia recém-apresentada, principalmente na confecção dos carrinhos. Alguns alunos
chegaram a acrescentar tarefas que não estavam previstas inicialmente.
Em determinados momentos das atividades, os alunos foram levados a programar o
movimento dos robôs na linguagem Logo. Tal programação, evidentemente, exige
conhecimentos matemáticos. Com isso, os alunos perceberam a necessidade da Matemática
para dar movimento aos robôs – em síntese, eles matematizaram a tecnologia, conforme
argumentam Frota e Borges (2004).
Richit (2006) apresenta, em sua pesquisa, a descrição e a análise de como trabalhar
com projetos em Geometria Analítica usando software de geometria dinâmica para favorecer
a formação de futuros professores de Matemática.
4 O programa ROBOLAB é uma linguagem de programação, que utiliza uma interface gráfica, baseada em ícones. Foi desenvolvido em parceria entre a National Instruments e a Tufts University (College of Engineering).
28
Fundamentada no construcionismo de Papert, que propõe a realização e a construção
do conhecimento a partir da interação do indivíduo com o computador, a teoria apresenta o
educando como agente do processo educativo, o professor como estimulador da investigação
e reflexão e as mídias como mediadoras no processo de aprendizado.
A autora ressalta a importância de introduzir na grade curricular dos cursos de
licenciatura atividades e disciplinas pedagógicas que visem ao desenvolvimento de projetos
com uma abordagem em conteúdos específicos e ao uso de tecnologias, com a finalidade de
proporcionar experiências do cotidiano escolar durante a formação docente.
Baseada nos princípios citados no parágrafo anterior, a pesquisadora desenvolveu um
projeto na disciplina de Geometria Analítica utilizando o software Geometricks5 com um
grupo de licenciandos do curso de Matemática. Os alunos exploraram e utilizaram recursos
distintos na execução das construções, substituindo-as por outras quando o resultado não era
satisfatório. O software facilitou o desenvolvimento das atividades quanto a representações
geométricas; porém, apresentou limitações na análise de algumas propriedades das
construções, sendo necessária a utilização de lápis, papel e calculadora.
Segundo Richit (2006), o desenvolvimento de projetos com auxílio de tecnologia
embasada no Construcionismo, durante a formação do professor, proporciona experiências
pedagógicas que auxiliarão o docente em suas aulas. Para ela, a visualização de conceitos e
propriedades proporcionada pelo Geometricks despertou o interesse do aluno, promoveu
maior aprofundamento dos conteúdos de Geometria Analítica, a construção do conhecimento
em virtude das demonstrações oferecidas pelo software, bem como o domínio dos recursos
tecnológicos que foram utilizados.
Tendo em vista as dificuldades que alunos apresentam para entender Álgebra Linear,
França (2007) baseou sua pesquisa em como a geometria dinâmica pode ajudar os alunos a
assimilar conceitos fundamentais como vetores e coordenadas, dependência linear, base e
transformações lineares. A autora utiliza o software Cabri-Géomètre II6 como ferramenta
didática, podendo, assim, proporcionar uma abordagem diferente da convencional. Ela
fundamenta a pesquisa nos Registros de Representação Semiótica de Duval, cujo objetivo é
estudar o funcionamento cognitivo do sujeito em uma atividade Matemática, em que a
maneira de raciocinar e visualizar está intrinsecamente ligada às representações semióticas, e
5 Software de geometria dinâmica, desenvolvido por Viggo Sadolin da The Royal of Educational Studies. Disponível em http://www.igce.unesp.br/pgem/gpimem.html. 6 Cabri-Geometry é um software de construção em geometria desenvolvido pelo Institut d'Informatiqe et de Mathematiques Appliquees em Grenoble (IMAG).
29
na Teoria dos Campos Conceituais de Vergnaud, baseada na formação e no desenvolvimento
de conceitos – o que ocorre de forma interligada a vários conceitos e em muitas situações –
tendo como objetivo discutir o comportamento cognitivo do indivíduo nas situações de
aprendizado.
A pesquisa foi realizada com uma turma de alunos do curso de licenciatura em
Matemática de uma universidade particular de São Paulo, matriculados na disciplina
Geometria das Transformações. Todos eles já tinham familiaridade com o software Cabri-
Géomètre e haviam cursado a disciplina de Álgebra Linear.
Foi construída uma seqüência composta de três blocos de atividades: o primeiro
abordando os assuntos vetores e coordenadas de vetores; o segundo, dependência linear e
base; e o terceiro, transformações lineares. Os estudantes apresentaram, de forma geral, uma
evolução significativa, tendo alcançado um domínio mais amplo das representações gráfica,
algébrica e geométrica, assim como das conversões em ambos os sentidos. O ambiente
diferenciado possibilitou aos alunos o confronto com as formulações erradas e fez que
buscassem estratégias para resolver os problemas encontrados. Para a autora, as mudanças
mais positivas que os sujeitos apresentaram foram a melhor compreensão de conceitos
importantes da Álgebra Linear e uma maior habilidade para realizar conversões do registro
algébrico para o geométrico e vice-versa.
A revisão bibliográfica aqui apresentada expõe a existência de pesquisas que
evidenciam as diferentes concepções sobre o uso de tecnologia: consumir, incorporar e
matematizar. No entanto, deixa claro que não houve, ao menos entre os trabalhos estudados,
nenhuma abordagem que objetivasse o estudo sobre a matematização da informática como
estratégia de ensino. Tampouco encontramos estudos com o foco na compreensão do papel da
Matemática como conhecimento necessário para o desenvolvimento tecnológico.
Portanto, no contexto delineado, acreditamos ser necessário e producente o
desenvolvimento de um trabalho que contemple a matematização da informática, que estude
não apenas a tecnologia como suporte para o ensino de Matemática, mas que percorra o
caminho em sentido oposto, ou seja, que aborde a Matemática como conhecimento necessário
para o desenvolvimento tecnológico e social, que mostre a Matemática em ação,
possibilitando com isso, o despertar do interesse por parte do aprendiz nesta disciplina.
31
2. SOBRE TÉCNICA E TECNOLOGIA EM UMA PESQUISA DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
A investigação empreendida neste trabalho perpassa por uma análise que compreende
as interações entre sociedade, educação e tecnologia, deste modo, torna-se imprescindível,
entender os conceitos em questão. Neste capítulo, abordaremos o conceito de técnica e
tecnologia, bem como suas implicações à sociedade contemporânea
2.1 Técnica, evolução e modernidade Ao contrario do que concebe o senso comum, a técnica não nasce com o mundo
moderno; é na verdade a técnica uma realidade intrínseca ao ser humano, ou seja, trata-se de
um aspecto inseparável do “modo de ser” do “espírito” do homem. Como disse Oswald
Spengler em sua obra “o homem e a técnica”:
“Na existência do homem a técnica é consciente, voluntária, suscetível de modificação,
pessoal, imaginativa e inventiva.” 7
Contudo, antes de um aprofundamento no sentido antropológico da técnica, faz-se
mister explanar as questões etimológicas pertinentes à palavra “técnica”. “Técnica” deriva do
grego “téchnè” que segundo Abbagnano coincide com o sentido geral de “Arte”. O filósofo
Aristóteles, na antiga Grécia já tratava do tema concebendo a téchnè como algo amplo, que
não englobava apenas a matéria/natureza utilizadas na transformação do mundo, nem apenas
as ferramentas com as quais se efetuava a transformação, mas que unia a essas também o
sujeito produtor/criador. (ABBAGNANO, 2003, p.1106).
Em sociedades culturalmente envolvidas numa amálgama metafísico-religiosa, ou
seja, em cosmologias, como foi, por exemplo, a sociedade da Grécia antiga, por vezes, a
técnica se distinguia da natureza, segundo o sociólogo alemão Niklas Luhmann, “no sentido
grego a técnica tem características lesivas à ordem natural em si, de insistir na habilidade
humana contra a natureza em si que vem a ser por si mesma.” (LUHMANN, 2007, p. 410-
411).
Desse modo tudo nos leva a entender a técnica como algo artificial. Diferentemente da
concepção grega, a contra-conceituação cristã (que sucedeu historicamente a primeira) libera
o conceito de técnica entendendo-a como imitação de leis da natureza. Tal transformação
semântica já iniciada na Idade Média repercutiu posteriormente no modo com o qual os
primeiros pensadores passaram a interpretar a relação entre o homem e a natureza, a qual,
7 SPENGLER, Oswald. O homem e a técnica. Lisboa: Guimarães Editores, 1993, p. 58.
32
longe de ser uma mera postura de admiração religiosa mostrou-se como relação
prática/pragmática/manipuladora.
No século XVII, na Inglaterra, Francis Bacon escreveu em seu famoso “Novum
Organum”: “O homem, ministro e intérprete da natureza, faz e entende tanto quanto constata,
pela observação dos fatos ou pelo trabalho da mente, sobre a ordem da natureza [...]”
(BACON, 1999, p. 33)
Em Bacon está claro o pensamento do início da época moderna, de um homem que
não apenas observa, mas que além de observar, age na natureza, transformando-a por meio de
instrumentos desenvolvidos para tal. Na modernidade, a técnica passou a ser ligada à
aplicação do saber natural para fins humanos, entretanto há que se ressaltar que “a ação
humana de milênios já incorporou o meio ambiente natural na sociedade, tornando-nos de
forma concreta e simbólica, parte inseparável desse meio ambiente” (CASTELLS, 2009, p.
52). Castells nos leva a extinguir a dicotomia homem-natureza, desta forma, quando Bacon
fala da ação humana sobre a natureza, pode-se interpretar segundo a visão do autor espanhol,
que está falando da ação do homem sobre si mesmo.
De acordo com o pensador alemão Arnold Gehlen, (ABBAGNANO, 2003, p. 1106),
“a técnica nasce da carência de apetrechamento do homem, que precisa de instrumentos
para:”
a) substituir órgãos e capacidades de que é isento;
b) potencializar órgãos e capacidade já existentes;
c) aliviar o trabalho dos vários órgãos.
Analisando de forma simplista a visão de Gehlen, poder-se-ia dizer que a técnica
propicia a criação de instrumentos que permitem ao homem fazer coisas que não faria sem
eles. Castells, (2009, p.75) reforça esta idéia falando em expansão e aumento da força do
corpo humano, possibilitada pelas invenções tecnológicas e vai, além disso, falando não
apenas da expansão do corpo, mas também da mente humana. Mais adiante, ao analisar os
trabalhos de Lévy falaremos mais sobre esta última expansão.
Segundo o pensamento de Gehlen, a técnica está tão associada ao homem que a
rejeitar equivaleria negar o próprio homem. Na ótica do sociólogo alemão Niklas Luhmann,
podemos considerar a técnica “como forma de intensificação de aquisições evolutivas”
(LUHMANN, 2007, p. 409, tradução nossa), de tal forma que também os artefatos técnicos
33
surgidos por decorrência do processo evolutivo se tornaram em algo característico da
sociedade moderna.
Similarmente a Gehlen, Niklas Luhmann (2007) expõe que a técnica e a sociedade
moderna (não o homem, como para Gehlen) produziram entre si uma relação que jamais
poderá ser dissolvida; a sociedade moderna tornou-se dependente da técnica, ou melhor,
evoluiu e desenvolveu-se com esta. Não apenas Gehlen e Luhmann, mas também autores tais
como Pierre Lévy (2008a, 2008b, 2010), Manuel Castells (2009) e Skovsmose (2007, 2008)
possuem uma visão em comum no que concerne ao forte vínculo entre a sociedade atual e a
técnica. Castells afirma que “a tecnologia é a sociedade, e a sociedade não pode ser entendida
ou representada sem suas ferramentas tecnológicas” (CASTELLS, 2009, p. 43). Segundo
Lévy (2008b), é apenas por meio da técnica que se abrem algumas das inúmeras
possibilidades e opções culturais e sociais averiguadas na sociedade atual.
Enveredando-se pela linha de pensamento de Lévy entendemos que “de fato as
técnicas carregam consigo projetos, esquemas imaginários, implicações sociais e culturais
bastante variados. Sua presença e uso em lugar e época determinados cristalizam relações de
força sempre diferentes entre seres humanos.” (LÉVY, 2008b, p. 23). Segundo o autor, essa
concepção bem estimada de técnica significa que “não podemos falar dos efeitos sócio-
culturais ou do sentido da técnica em geral, como tendem a fazer os discípulos de Heidegger,
ou mesmo a tradição saída da Escola de Frankfurt.” (LÉVY, 2008b, p. 23).
Lévy faz acertadamente tal observação. Primeiramente é de conhecimento comum o
fato do grande alvo da Escola de Frankfurt ser a crítica à sociedade burguesa na qual se dão os
fenômenos massificadores e da indústria cultural. Tal perspectiva é incorporada especialmente
por Theodor W. Adorno e Max Horkheimer. Para ambos a técnica, entendida especialmente
como aplicação da “razão instrumental”, está por trás do desencadeamento e fomento de tais
fenômenos negativos.
Um texto bastante conhecido destes filósofos é a “Dialética do Esclarecimento”, na
qual é feita uma reconstrução crítica da evolução do racionalismo iluminista e seus impactos
na modernidade. Por outro lado, Lévy também cita a perspectiva de Martin Heidegger, que
rotula nosso tempo e o pensamento cibernético como expressões agudas de uma era na qual o
“ser” foi completamente esquecido graças ao obscurecimento gerado pelo pensamento
metafísico moderno inaugurado por Descarte.
Ambas as perspectivas não se coadunam em praticamente nada com o pensamento de
Lévy, que por isso as rechaça. O escritor afirma que:
34
Na época atual, a técnica é uma das dimensões fundamentais onde está em jogo a transformação do mundo humano por ele mesmo. A incidência cada vez mais pregnante das realidades tecno-econômicas sobre todos os aspectos da vida social, e também os deslocamentos menos visíveis que ocorrem na esfera intelectual obrigam-nos a reconhecer a técnica como um dos mais importantes temas filosóficos e políticos de nosso tempo. (LÉVY, 2008a, p. 7)
Ou seja, a técnica altera substancialmente todos os âmbitos da sociedade,
conseqüentemente, isso coloca-nos diante de questões filosóficas novas. Recorrendo a Kant,
em sua “Crítica da Razão Pura”, há uma distinção básica de ordem epistemológica “entre um
domínio empírico (aquilo que é percebido, que constitui a experiência) e um domínio
transcendental (aquilo através de que a experiência é possível, que estrutura a percepção)”
(LÉVY, 2008a, p.14), ou segundo o próprio Kant, o “a posteriori” e o “a priori”. Kant atribui
esta função de estruturação do mundo percebido a um sujeito transcendental a-histórico e
invariável.
Levy, no entanto, superara a perspectiva kantiana do sujeito transcendental operando
uma verdadeira transição de paradigma. Para Lévy:
Hoje ainda que características cognitivas universais sejam reconhecidas para toda espécie humana, geralmente pensa-se que formas de conhecer, de pensar, de sentir são grandemente condicionadas pela época, cultura e circunstancias. Chamaremos de “transcendental histórico” aquilo que estrutura a experiência dos membros de uma determinada coletividade. (LÉVY, 2008a, p. 14)
Com isso, deixa claro que em sua concepção, também o sujeito perde espaço como
figura central do quadro epistêmico na sociedade moderna. Para conectar a idéia de técnica e
coletividade podemos dizer que “a técnica em geral não é nem boa, nem má, nem neutra, nem
necessária, nem invencível. É uma dimensão, recontada pela mente, de um devir coletivo,
heterogêneo e complexo na cidade do mundo” (LÉVY, 2008a, p. 194).
As conseqüências filosóficas da ousadia de Lévy vão muito além. Desde Descartes,
passando por Kant, é forte a tendência da filosofia tradicional européia em pautar a condição
central do conhecimento na distinção sujeito/objeto, prova disso é a existência de correntes
filosóficas distintas sobre a origem do conhecimento, em posições extremas situam-se os
racionalistas e os empiristas, estes últimos postulam ser a experiência a única fonte do
conhecimento, enquanto os primeiros acreditam que a fonte do conhecimento está na razão
humana, ou seja, no sujeito. Em posições intermediarias situam-se o intelectualismo e o
apriorismo. Postula Lévy (2008a) (operando sua transição paradigmática), que na sociedade
atual, constituída pela coletividade heterogênea, tal modelo também não oferece mais
condições para sustentar-se.
35
O autor quer ir além do sujeito e do objeto, para tanto, baseia sua proposta numa série
de trabalhos de filósofos e pensadores de extrema relevância, em especial no cenário
acadêmico francês. O próprio Lévy confessa que suas idéias:
Vão de encontro a uma tendência da filosofia francesa que está representada, hoje, por Gilles Deleuze e Michel Serres. Estes autores radicalizaram o protomaterialismo empedocleano das misturas, o monismo naturalista de um Spinoza ou o pluralismo infinitista de um Leibniz. (LÉVY, 2008a, p.136)
O autor Francês declara ainda que na obra “Mil e Um Platôs”, “Deleuze e Guattari
descrevem os “rizomas” que se estendem sobre um imenso “plano de consistência”,
transgredindo todas as classificações arborescentes e conectando extratos do ser totalmente
heterogêneos. As multiplicidades e os processos moleculares opõem-se às forças
unificadoras”. (LÉVY, 2008, p. 136). Tais idéias desses filósofos franceses coadunam-se com
as propostas de Lévy em suas características gerais. No mesmo sentido, Michel Serres, em sua
obra “O Parasita”,
[...] utiliza as mesmas palavras para falar das relações humanas e das coisas do mundo. Ainda que os dois domínios encontrem-se habitualmente separados e sejam estudados por ciências diferentes, em ambos os casos trata-se de comunicações, interceptações, traduções, transformações efetuadas sobre mensagens, “parasitas”. Ao ser analisada, toda entidade revela-se como uma rede em potencial. (SERRES, 1993 apud LÉVY, 2008a, p. 136)
Lévy segue mencionando Serres ao afirmar que na obra “Statues”, este autor explora
novamente
Os intermediários e as relações recíprocos entre sujeito e objetos. Mostra como através da múmia, do cadáver e dos ossos, o objeto nasce do sujeito, e como inversamente, o sujeito coletivo está fundado sobre as coisas e mistura-se a elas. Ele atinge uma filosofia do conhecimento objetal, que se opõe à vulgata kantiana segundo a qual o sujeito transcendental imporia suas formas a priori sobre qualquer experiência e deteria a chave da epistemologia. (LÉVY, 2008a, p. 136)
Também,
Anunciando uma renovação da filosofia da natureza, Illya Prigogine e Isabelle Stengers tentaram mostrar que não havia uma ruptura absoluta entre universo físico, inerte, submetido a leis, e o mundo inventivo e colorido dos seres vivos - as noções de singularidade, de evento, de interpretações e de história estão no próprio centro dos últimos desenvolvimentos das ciências físicas. A ciência clássica excluía do universo físico a historia e a significação para recalcá-las nos seres vivos, ou mesmo em um único sujeito humano. Mas diversas correntes cientificas contemporâneas redescobriram uma natureza na qual seres e coisas não se encontram mais separados por uma cortina de ferro ontológica. (LÉVY, 2008a, p. 136)
36
Para fundamentar seus estudos e conclusões, o autor cita os trabalhos de Bruno Latour.
Para ele, Latour e a nova escola de antropologia das ciências mostram o papel essencial das
circunstâncias e das interações sociais em todos os processos intelectuais, até mesmo, ou,
sobretudo, quando se trata de pensamento formal ou cientifico. Nesse sentido, segue Lévy
sobre o pensamento de Latour:
Nenhuma essência, nenhuma substância é aceita por Latour, que mostra através da investigação histórica ou etnográfica como instituições mais respeitáveis, os fatos científicos mais concretos ou os objetos técnicos mais funcionais foram, na realidade, resultado provisório de associações contingentes e heterogêneas. (LÉVY, 2008a, p. 137)
Observe-se que também Latour rompe radicalmente com o paradigma ontológico
próprio do pensamento antigo europeu; expõe ainda Lévy na esteira destes filósofos franceses
que:
Por trás de qualquer entidade relativamente estável, ele trás à tona a rede agonística impura, heterogênea, que mantém a existência desta entidade. Como os rizomas de Deleuze e Guattari, as redes de Latour ou de Callon não respeitam a distinção entre coisas e pessoas, sujeitos pensantes e objetos pensados, inerte e vivo. Tudo que for capaz de produzir uma diferença em uma rede será considerado como ator, e todo ator define a si mesmo pela diferença que ele produz. (LÉVY, 2008a, p. 137)
É exatamente neste ponto que, segundo Lévy, Latour inova:
Esta concepção do ator nos leva, em particular, a pensar de forma simétrica os homens e os dispositivos técnicos. As máquinas são feitas por homens, elas contribuem para formar e estruturar o funcionamento das sociedades e as aptidões das pessoas, elas muitas vezes efetuam um trabalho que poderia ser feito por pessoas como eu e você. Os dispositivos técnicos são, portanto, realmente atores por completo em uma coletividade que já não podemos dizer puramente humana, mas cuja fronteira está em permanente redefinição. (LÉVY, 2008a, p. 137)
Desse modo está dado, ainda que em síntese, o material teórico necessário para
fundamentar tal guinada paradigmática, a qual se mostra mais adequada para descrever a
sociedade moderna na qual se perfaz as evoluções obtidas através dos artefatos técnicos.
2.2 Implicações Sociais das Tecnologias de Armazenamento e Recuperação de Informações na Visão de Levy
Quando nos referimos à sociedade, quase que necessariamente conectamos esta à
comunicação. Obviamente, a comunicação, bem como suas formas, evolui juntamente com a
sociedade, e isso se deve, em grande medida aos avanços proporcionados pela técnica. Na
primitividade os seres humanos comunicavam-se exclusivamente por meio da oralidade; a
perspectiva temporal de sociedades primitivas, pautadas na comunicação oral, é circular,
37
arraigada na idéia do “eterno retorno”; também são marcantes, nesse tipo de sociedade, a
presença de narrativas míticas e ritos; outro detalhe pertinente é a grande dependência destas
sociedades com a memória psíquica, visto que na ausência da escrita, necessariamente a
memória repousa na pessoa e não em escritos.
A ausência da escrita impossibilita a comunicação entre ausentes, ou seja, para que
ocorra a comunicação, necessariamente “os parceiros da comunicação encontram-se
mergulhados nas mesmas circunstâncias e compartilham hipertextos próximos” (LÉVY,
2008a, p. 127). Evidentemente, a mente humana é debilitada, por isso:
A memória humana está longe de ter a performance de um equipamento ideal de armazenamento e recuperação das informações já que [...] ela é extremamente sensível aos processos elaborativos e à intensidade dos processamentos controlados que acompanham a codificação das representações. (LÉVY, 2008a, p. 81)
Contudo, com a intensificação do uso da escrita como forma de comunicação no
sistema social, se dá uma alteração panorâmica no horizonte de possibilidades
comunicacionais, ou seja, há um incremento variativo na comunicação; para demonstrar isso,
basta observar a abertura das chances do estabelecimento de uma comunicação entre ausentes,
como coloca Lévy:
A distância entre os hipertextos do autor e do leitor pode ser muito grande, disto resulta uma pressão em direção à universalidade e à objetividade por parte do emissor, assim como a necessidade de uma atividade interpretativa explícita por parte do receptor. (LÉVY, 2008a, p. 127)
Também, de certo modo, é com a escrita que surge a historicidade social, ou seja, a
escrita permite a acumulação de informações e sua conseqüente organização causal.
Segundo Lévy (2008a, p. 127), a memória liberta-se em certa medida da mente humana,
e por meio da escrita torna-se semi-objetivada, aspecto este que:
a) permite a “possibilidade de uma crítica ligada a uma separação parcial do individuo e
do saber”;
b) torna a “exigência de verdade ligada à identificação parcial do indivíduo e do saber”.
Com a escrita, abordamos aqueles que ainda são nossos modos de conhecimento e estilos de temporalidade majoritários. O eterno retorno da oralidade foi substituído pelas longas perspectivas da história. A teoria, a lógica, as sutilezas da interpretação dos textos foram acrescentadas às narrativas míticas no arsenal do saber humano. (LÉVY, 2008a, p. 87)
Contudo, a escrita por si apenas não seria capaz de abranger integralmente a
sociedade; o meio de difusão essencial para que isso ocorresse deu-se através da imprensa, ou
38
seja, desde seu surgimento dentro da religião, a escrita esteve sempre sob o domínio de uma
determinada classe social, em especial a sacerdotal.
Apenas no fim da Idade Média européia, por volta do século XV é inventada a
imprensa. Segundo o autor francês,
[...] podemos sustentar que a invenção de Gutenberg permitiu que um novo estilo cognitivo se instaurasse. A inspeção silenciosa de mapas, de esquemas, de gráficos, de tabelas, de dicionários encontra-se a partir de então no centro da atividade científica. Passamos da discussão verbal, tão característica dos hábitos intelectuais da Idade Média, à demonstração visual, mais que nunca em uso nos dias atuais em artigos científicos e na prática cotidiana dos laboratórios, graças a estes novos instrumentos de visualização, os computadores. (LÉVY, 2008a, p. 99)
Podemos dizer que a imprensa foi um dos artefatos técnicos mais importantes
inventados, pois por meio dela diversas transições estruturais, em especial no sistema
científico da sociedade, fizeram-se possíveis. Isso, não significa dizer que esse artefato
técnico tenha determinado a evolução da sociedade européia, como pondera Lévy:
A prensa de Gutenberg não determinou a crise da reforma, nem o desenvolvimento da moderna ciência européia, tão pouco o crescimento dos ideais iluministas e a força crescente da opinião pública no século XVIII – apenas condicionou-as. Contentou-se em fornecer uma parte indispensável do ambiente global no qual essas formas culturais surgiram. Se, para uma filosofia mecanicista intransigente, um efeito é determinado por suas causas e poderia ser deduzido a partir delas, o simples bom senso sugere que fenômenos culturais e sociais não obedecem a esse esquema. A multiplicidade dos fatores e dos agentes proíbe qualquer cálculo determinista”. (LÉVY, 2008b, p. 26)
Do século XV até a primeira metade do século XX o ocidente passou por um processo
de modernização, o qual implicou numa série ainda mais drástica de transição em
praticamente todos os âmbitos da sociedade.
Nesse cenário, a imprensa permanece atuante, e aquilo que Lévy (2008b) chama de
“pólo da escrita” tem seu apogeu, em especial com a publicação de livros, numa sociedade
que passa a tomar cada vez mais contato com a alfabetização, contudo, toda essa gama de
possibilidades continua ainda restrita às classes dominantes como a nobreza e a burguesia.
Já no inicio do século XX, o ocidente experimentou outra espécie de transição,
equiparável à ocorrida no século XV; nesse período, graças ao desenvolvimento da ciência,
surge um número expressivo de inventos e inovadoras tecnologias tão condicionantes para a
sociedade quanto a imprensa no passado. Dentre tantas novidades, são mais pertinentes as
relacionadas à comunicação, visto que a grande transição marcante em nossos dias concerne à
da informatização. Citemos inicialmente os meios de comunicação de massa, tais como o
39
rádio e a televisão, os quais permitiram durante boa parte do século XX a transmissão e
difusão de informações de modo cada vez mais abrangente na sociedade dita moderna.
Contudo, nada foi tão impactante quanto a invenção do computador e posteriormente
da internet; o computador tornou-se “hoje um destes dispositivos técnicos pelos quais
percebemos o mundo” (LÉVY, 2008a, p. 15).
Para este autor, é justamente em tal momento que podemos passar a situar o pólo
informático-mediático numa posição preponderante. Cabe, no entanto, esclarecer que “os
pólos da oralidade primária, da escrita e da informação não são eras: não correspondem de
forma simples a épocas determinadas, mas com intensidade variável” (LÉVY, 2008a, p. 126),
ou seja, há uma coexistência entre os pólos, no entanto há um primado de cada um destes em
determinados momentos da evolução da sociedade.
É na sociedade marcada pelo primado do pólo informático-mediático que ocorrem
fenômenos de ordem mundial, tal como o fenômeno da globalização. O pensador da
sociedade informatizada, McLuhan, segundo Lévy, já havia tido uma intuição semelhante por
meio de seu conceito de “Aldeia Global”. (LÉVY, 2008a, p. 126).
Descrevendo ainda a realidade da sociedade informatizada, o autor afirma que:
A respeito da “dinâmica cronológica” do pólo informativo-mediático, deve ser lembrado que a explosão sugerida pela “pluralidade de devires” e a “velocidade pura sem horizonte” é compensada, até certo ponto, pela unificação mundial realizada na rede informático-mediática, assim como pela emergência de “problemas planetários” de ordem demográfica, econômica e sociológica. O estado de humanidade global, perseguido pelo homem da escrita e da história de diversas formas (impérios, religiões universais, movimento das luzes, revolução socialista), é de hoje vivenciado pelo homem informático-mediático. Isto não significa nem que todos os grupos sociais que vivem no planeta participem deste tipo de humanidade, nem que a cultura da televisão e do computador possa ser considerada como um final feliz para a aventura da espécie. (LÉVY, 2008a, p. 126)
Com relação à memória social (em permanente transformação na sociedade
informatizada), “encontra-se quase totalmente objetivada em dispositivos técnicos” (LÉVY,
2008a, p. 127). Por outro lado conectados à rede informático-mediática, os atores da
comunicação dividem cada vez mais um mesmo hipertexto. A pressão em direção à
objetividade e à universalidade diminui, as mensagens são cada vez menos produzidas de
forma a durarem, isso tudo no âmbito da pragmática da comunicação. (LÉVY, 2008a, p. 127).
Levando a cabo esta sociedade completamente nova, Lévy introduz uma série de
novos conceitos para explicar nossa realidade, tais como os de cibercultura, ciberespaço, e
inteligência coletiva, por exemplo. Aliado às tecnologias contemporâneas, Lévy (2008a,
2008b, 2010) demonstra de modo revolucionário seus impactos.
40
Também, segundo Manuel Castells:
No fim do segundo milênio da Era Cristã, vários acontecimentos de importância histórica transformaram o cenário social da vida humana. Uma revolução tecnológica encontrada nas tecnologias da informação começou a remodelar a base material da sociedade em ritmo acelerado. Economias por todo o mundo passaram a manter interdependência global, apresentando uma nova forma de relação entre a economia, o Estado e a sociedade em um sistema de geometria variável. (CASTELLS, 2009, p. 39)
Explorando as conseqüências sociais decorrentes das novas tecnologias e seus
eventuais potenciais, Lévy desenvolve sua obra “Cibercultura”. Neste escrito volta a reportar-
se à relação entre técnica, cultura e sociedade, assinalando novamente a técnica não como
fator determinante da realidade social, mas sim condicionante, conforme escreve sobre o
surgimento do “Ciberespaço”:
A emergência do ciberespaço acompanha, traduz e favorece uma evolução geral da civilização. Uma técnica é produzida dentro de uma cultura, e uma sociedade encontra-se condicionada por suas técnicas. E digo condicionada, não determinada. Esta diferença é fundamental. (LÉVY, 2008b, p. 25)
E segue fundamentando sua observação sobre a relação entre as novas tecnologias
condicionais para o surgimento de uma “cibercultura”: “Dizer que a técnica condiciona
significa dizer que abre algumas possibilidades, que algumas opções culturais ou sociais não
poderiam ser pensadas a sério sem sua presença”. (LÉVY, 2008b, p. 25).
Isso que chamamos de Cibercultura, a qual emergiu juntamente e graças à expansão
do ciberespaço, procedeu de tecnologias que abriram tais possibilidades.
Nas palavras do escritor:
Nenhum dos principais atores institucionais - Estado ou empresas – planejou deliberadamente, nenhum grande órgão de mídia previu, tão pouco anunciou, o desenvolvimento da informática pessoal, o das interfaces gráficas interativas para todos, o dos BBS 8 ou dos programas que sustentam as comunidades virtuais, dos hipertextos ou da World Wide Web, ou ainda dos programas de criptografia pessoal inviolável. Essas tecnologias, todas impregnadas de seus primeiros usos e dos projetos de seus criadores, nascidas no espírito de visionários, transmitidas pela efervescência de movimentos sociais e práticas de base, vieram de lugares inesperados para qualquer tomador de decisões. (LÉVY, 2008b, p. 26-27).
8 BBS – Bulletin Board System. Não tem tradução em português, mas ao pé da letra, seria “sistema de quadro de mensagens”. São sistemas onde um computador central, equipado com diversos modems, serve como base para troca de informações entre os usuários que acessarem o BBS a partir de seus computadores pessoais, usando modems e linhas telefônicas. Mal comparando, um BBS seria um híbrido dos atuais sistemas de correio eletrônico e newsletters, com algumas funcionalidades adicionais. LÉVY, Pierre. Cibercultura. 2. ed. São Paulo: Ed. 34, 2008, p. 251.
41
As inovações provocadas pelas alterações e avanços tecnológicos abrangem toda a
sociedade contemporânea, alterando completamente o nosso foco de percepção e vivência.
O ciberespaço é constituído especialmente de materiais, informações, seres humanos e
programas. A universalização desta cibercultura “propaga a co-presença e a interação de
quaisquer pontos do espaço físico, social ou informacional” (LÉVY, 2008b, p. 47). Com a
emergência de um ciberespaço, também a disposição dos hipertextos alteram-se, e isso, na
sociedade informatizada é de suma importância. O hipertexto é nada menos, que “um texto
em formato digital, reconfigurável e fluido. Ele é composto por blocos elementares ligados
por links que podem ser explorados em tempo real na tela” (LÉVY, 2008b, p. 27). Com as
novas tecnologias, tal como a advinda com a Word Wide Web (a qual corresponde a uma
função da internet), torna-se possível juntar num “único e imenso hipertexto ou
hiperdocumento (compreendendo imagens e sons), todos os documentos e hipertextos que a
alimentam”,9 aspecto este que revoluciona âmbitos da sociedade, tais como a política e a
educação.
Contudo, é necessário definir o que se entende por ciberespaço. “A palavra
ciberespaço foi inventada em 1984 por William Gibson em seu romance de ficção científica
Neuromante” (LÉVY, 2008b, p. 92). Lévy (2008b) define o ciberespaço como o espaço de
comunicação aberto pela interconexão mundial dos computadores e das memórias dos
computadores. E segue detalhando:
Essa definição inclui o conjunto de sistemas de comunicação eletrônicos (aí incluídos os conjuntos de redes hertzianas e telefônicas clássicas), na medida em que transmitem informações provenientes de fontes digitais ou destinadas à digitalização. Insisto na codificação digital, pois ela condiciona o caráter plástico, flúido, calculável com precisão e tratável em tempo real, hipertextual, interativo e resumindo, virtual da informação que é parece-me, a marca distintiva do ciberespaço. Esse novo meio tem vocação de colocar em sinergia e interfacear todos os dispositivos de criação de informação, de gravação, de comunicação e de simulação. A perspectiva da digitalização provavelmente tornará o ciberespaço o principal canal de comunicação e suporte de memória da humanidade a partir do início do próximo século. (LÉVY, 2008b, p. 92 - 93)
Ademais, o ciberespaço, a medida que se amplia, torna-se universal, mas não
totalizável. “O universal da cibercultura não possui nem centro nem linha diretriz. É vazio,
sem conteúdo particular”. (LÉVY, 2008b, p. 111).
Conforme já foi ressaltado, este acontecimento transforma, efetivamente, as condições
de vida em sociedade. O ciberespaço é um universo indeterminado, que mantém sua
indeterminação, “pois cada novo nó da rede de redes em expansão constante pode tornar-se
9 LÉVY, Pierre. Cibercultura. 2. ed. São Paulo: Ed. 34, 2008, p. 27, nota 11.
42
produtor ou emissor de novas informações, imprevisíveis, e reorganizar uma parte de
conectividade global por sua própria conta” (LÉVY, 2008b, p. 111).
O ciberespaço é também o “Sistema do Caos”, pois é construído em sistema de
sistemas. Essa universalidade desprovida de significado central, do ciberespaço, esse sistema
da desordem, é chamada por Lévy de “universal sem totalidade”, ou seja, isso constitui uma
“essência paradoxal da cibercultura” (LÉVY, 2008b, p. 111).
Assim, observando tais aspectos, assevera o autor que a emergência do ciberespaço, de
fato, provavelmente terá - ou seja, tem hoje - um efeito tão radical sobre a pragmática das
comunicações quanto teve, em seu tempo, a invenção da escrita.
Contudo, o ciberespaço tem seu crescimento orientado basicamente por três
princípios:
a) a interconexão;
b) a criação de comunidades virtuais;
c) a inteligência coletiva.
Dentre os três princípios, analisaremos posteriormente a “inteligência coletiva”, pois
esta vem a ser tratada por Lévy em obra especifica e possui maiores pertinências com relação
aos objetivos logrados por este trabalho, antes, contudo, é necessário destacar que a
cibercultura, ao refletir-se na sociedade afeta, diversos âmbitos da sociedade, tais como a arte,
a política, a economia, dentre outros, mas em especial, a educação, pois as tecnologias
intelectuais que acompanham a cibercultura favorecem novas formas de acesso à informação:
“navegação por hiperdocumentos, caça a informações através de mecanismos de pesquisa,
knowbots ou agentes de software, exploração contextual através de mapas dinâmicos de
dados” (LÉVY, 2008b, p. 157), bem como de novos estilos de raciocínio e de conhecimento:
“tais como a simulação, verdadeira industrialização de experiência do pensamento que não
advém nem da dedução lógica nem da indução a partir da experiência”. (LÉVY, 2008b, p.
157).
Com isso, está evidente que na educação estabeleceram-se mudanças irreversíveis e
também revolucionárias, as quais alterarão, (e já, de certo modo, alteraram) o modo como os
alunos aprendem e os professores ensinam; na verdade, isso abre um leque de possibilidades
para qualquer um que saiba desfrutar do ciberespaço por meio das novas tecnologias, tanto no
sentido da decadência da presencialidade como fator essencial ao aprendizado (no sentido da
relação mestre/ aluno), quanto no que concerne à quantidade de informações emergentes do
43
ciberespaço. Acrescenta-se ainda que, mesmo em sala de aula as mudanças proporcionadas
pelas novas tecnologias de fato provocaram uma verdadeira revolução, possibilitando novas
formas de ensino e aprendizado, e mais especificamente no que diz respeito à Educação
Matemática, pode-se dizer que esta dispõe de novas possibilidades fomentadas pelo advento
da informática.
Nesse contexto, faz-se necessário retornar à temática da cibercultura para apenas
assim introduzirmos nesta análise aquilo que Lévy denomina de “Inteligência coletiva”. A
cibercultura traz consigo uma série de novos modos de conhecimento, dentre estes, ocupa
lugar central a simulação, ela “é um modo especial de conhecimento, próprio da cibercultura
nascente” (LÉVY, 2008b, p. 166).
Por meio da simulação torna-se possível amplificar a imaginação individual e
aumentar a “Inteligência coletiva”. A simulação depende da exteriorização de processos
cognitivos, uma vez que esses processos “tenham sido exteriorizados e reificados, tornam-se
compartilháveis e assim reforçam os processos de inteligência coletiva”. (LÉVY, 2008b, p.
165). As técnicas de simulação, porém, não vieram para substituir os raciocínios humanos,
mas sim para auxiliá-los e potencializá-los transformando a capacidade de imaginação e
pensamento. Em suma, “a simulação é uma ajuda à memória a curto prazo que diz respeito
(...) a dinâmicas complexas” (LÉVY, 2008b, p. 166).
As interconexões surgidas no ciberespaço favorecem aos processos de
desenvolvimento da inteligência coletiva. Segundo Lévy não mais a inteligência artificial,
mas sim a inteligência coletiva toma lugar central em nossos dias.
O ciberespaço, interconexão dos computadores do planeta, tende a tornar-se a principal infra-estrutura de produção, transação e gerenciamento econômico. Será em breve o principal equipamento coletivo internacional da memória, pensamento e comunicação. Em resumo, em algumas dezenas de anos, o ciberespaço, suas comunidades virtuais, suas reservas de imagens, suas simulações interativas, sua irresistível proliferação de textos e de signos, será o mediador essencial da “inteligência coletiva” humana. Com esse novo suporte de informação e de comunicação emergem gêneros de conhecimento inusitados, critérios de avaliação inéditos para orientar o saber, novos atores na produção e tratamento dos conhecimentos. (LÉVY, 2008b, p. 167)
Dentro da pertinência do que estava sendo discutido sobre a sociedade contemporânea,
Lévy traça um mapa, no qual cartografa a evolução da sociedade e do ser humano com base
numa linha do tempo que parte do paleolítico (sociedade organizada de modo tribal marcada
por mitologias, cosmologias e rituais – espacialmente organizada de modo nômade), passa
pelo neolítico (período à partir do qual o ser humano alcança o logos e surgem as primeiras
civilizações e a noção territorialidade), chega à revolução industrial (resultante do processo de
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modernização ocidental, ligado ao desenvolvimento econômico e cientifico) e culmina no que
Lévy chama de “noolítico”, que vem a ser a “idade da pedra do espírito”. “A pedra não é mais
aqui o sílex, mas sim o silício dos microprocessadores e da fibra ótica.” (LÉVY, 2010, p.
122).
Tal divisão considera quatro períodos aos quais o pensador em tela liga quatro tipos de
especialidade: no paleolítico da terra; no neolítico do território; na revolução industrial das
mercadorias; e, por fim no noolítico o do saber, ou seja, nosso tempo marcado pelo “espaço
do saber” possibilitado pelo ciberespaço oferece condições para o desenvolvimento de uma
“inteligência coletiva”.
Nas palavras de Lévy, a inteligência coletiva,
É uma inteligência distribuída por toda parte, incessantemente valorizada, coordenada em tempo real, que resulta em uma mobilização efetiva das competências. [...] a base e o objeto da inteligência coletiva são o reconhecimento e o enriquecimento mútuos das pessoas, e não o culto de comunidades fetichizadas ou hipostasiadas. (LÉVY, 2010, p. 28 - 29)
Estamos, portanto, diante de uma nova sociedade, de um inédito sistema econômico
globalizado, de um sistema educativo expandido e destituído de fronteiras, de uma nova
política democrática que amplia as “esferas públicas” para os âmbitos virtuais; não há sequer
um campo da sociedade que não tenha sido afetado por esta transição de dimensões globais.
Em conclusão, a evolução levou-nos a um ponto no qual a intensificação dos avanços
tecnológicos, deixou-nos diante de uma nova realidade cibercultural, plural, heterogênea, e
por fim, concluindo ao melhor estilo de Manuel Castells (2009) (em consonância com Lévy)
numa sociedade em rede, interconectada e estabelecida graças às novas tecnologias, as quais
jamais possibilitarão que nosso mundo seja visto da mesma forma.
45
3. EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, TECNOLOGIA E SOCIEDADE
3.1 Educação Matemática Crítica
Parece que a Educação Matemática serve a uma função social de promover uma estratificação que pode deixar
marcas nos estudantes. Essa estratificação separa aqueles que conseguiram acesso ao poder e prestígio daqueles que
não conseguiram. Skovsmose (2007, p.25)
Skovsmose (2007) estabelece um entrelaçamento entre Educação Matemática e EC
(Educação Crítica). A EC, segundo o próprio autor, tem como fonte de inspiração a escola de
Frankfurt. Em um primeiro momento parece uma contradição vincular à Educação
Matemática contemporânea com suas confluências tecnológicas, algum ensinamento extraído
da escola Alemã.
Como relatado na cessão anterior, Theodor Adorno, membro fundador da escola de
Frankfurt, declara que a racionalidade da técnica identifica-se com a racionalidade do próprio
domínio, de tal forma que o poder exercido pelas técnicas sobre a sociedade é arquitetado
pelos economicamente mais fortes. Seduzido por esta ideologia de técnica dominante Adorno
cunha o termo “indústria cultural” para se opor ao termo “cultura de massa”, este último,
entendido como uma cultura surgindo espontaneamente das próprias massas. Para Adorno,
que diverge frontalmente dessa interpretação, a indústria cultural, ao aspirar à integração
vertical de seus consumidores, não apenas adapta seus produtos ao consumo das massas, mas,
em larga escala, determina o próprio consumo. (ADORNO, 1999, p. 8).
Esse movimento arquitetado pela indústria de massa provoca um devir coletivo que
impede a formação de indivíduos autônomos, capazes de julgar e decidir conscientemente. Ao
que tudo indica, é a perspectiva crítica em relação aos fenômenos massificadores que é
incorporada à educação crítica e não um repúdio à técnica e conseqüentemente ao
desenvolvimento tecnológico, tal como instituído por Adorno. A aparente contradição reside
no fato de que a Educação Crítica não é contrária à técnica, assim como, alguns membros da
escola Alemã.
Retornando ao debate sobre Educação Crítica, faz-se necessário explorar alguns
pontos que segundo o pensamento de Skovsmose são centrais para o conceito em questão. O
primeiro deles refere-se ao diálogo entre professor e aluno, e a este, é atribuído um papel
fundamental na educação crítica, por ser parte de um processo de democratização.
46
Se queremos desenvolver uma atitude democrática por meio da educação, a educação como relação social não deve conter aspectos fundamentalmente não democráticos. É inaceitável que o professor (apenas) tenha um papel decisivo e prescritivo. Em vez disso, o processo educacional deve ser entendido como um diálogo. (SKOVSMOSE, 2008, p. 18)
Com isso, autor deixa claro que um dos pontos chaves da EC é estabelecer o
envolvimento dos estudantes no controle do processo educacional, atribuindo assim, não só
aos professores, mas também aos estudantes uma competência crítica.
Oliveira (2009a) ao dissertar sobre o conceito de Transposição Didática propõe uma
alternativa para descentralizar a tarefa de ensinar desde as mãos dos professores, para
compartilhá-la entre os grupos de alunos, sob sua orientação, em jornadas de descobertas,
questionamentos e trabalho em conjunto. Tal alternativa é possibilitada pela introdução das
TICs na ecologia escolar. Nas palavras do autor:
A presença das TICs em contextos de ensino e aprendizagem de Matemática, do ponto de vista da mediação, inaugura diversas possibilidades de experimentações, interações, modelagens, simulações, entre outras abordagens, que possuem um caráter dinâmico, no sentido de permitir mudanças e múltiplas intervenções [...] (OLIVEIRA, 2009a, p. 13)
Ainda segundo Oliveira (2009a), o acesso aos conteúdos compartilhados, o trabalho
cooperativo e/ou colaborativo, a memória das construções e das intervenções, a organização
rizomática das conexões, o histórico dos debates dos quais se originam soluções criativas para
os problemas propostos são alguns dos aspectos relevantes de uma dinâmica mediada por
artefatos tecnológicos e, sem dúvida, orientada por professores, com a possibilidade de
intensa participação dos estudantes.
Com este discurso, Oliveira (2009a), amplia a perspectiva de Skovsmose, do
envolvimento dos estudantes no controle do processo educacional como forma de desenvolver
atitudes democráticas. Para isto, o autor faz uso de uma metáfora botânica ao estabelecer que
a ambiência do ensino é constituída de forma rizomática, estrutura em que não há
convergências, não existe ponto fulcral a não ser transitório, definido pelo foco, pelo olhar.
Nesta estrutura
A conectividade é ampla e multidirecional, constituindo em suas instâncias, uma rede de gerenciamentos grupais, coletivos, do desejo e dos significados. É, por excelência, algo em permanente (re)elaboração, definido exclusivamente, pela circulação de estados: o rizoma não apresenta a estrutura pronta, teleológica, puramente finalista e acabada, mas importa na expansão e conexões, abarcando direções, construções e significados – apesar de constituir-se, preponderantemente, de modo a-significante. Sua natureza não organizada em termos lineares remete à subversão do sentido, como habitualmente pensado na mecanologia ocidental. (OLIVEIRA, 2009a, p. 18)
47
De posse deste pensamento, o autor sugere que a transposição didática Chevallard
(1991) deve ser uma atividade contínua, de mobilização dos múltiplos agentes nas distintas,
porém articuladas, esferas. E segue afirmando que:
Em função do caráter multidimensional e complexo do saber da atualidade, as múltiplas intervenções dos sujeitos, as possibilidades mobilizadas pelas tecnologias de todas as naturezas devem ser analisadas, de forma crítica e reflexiva, de modo a não permitir qualquer engessamento ou afastamento em relação à realidade das pessoas, seja quanto ao conteúdo e suas formas, seja quanto às metodologias. (OLIVEIRA, 2009a, p. 18)
Conforme ressaltado no texto supracitado, as múltiplas intervenções possibilitadas
pelas diferentes estratégias pedagógicas devem ser pensadas de modo a não permitir qualquer
afastamento em relação à realidade das pessoas, e inclui nesta realidade o conteúdo a ser
ensinado.
Similarmente a Oliveira, Skovsmose (2008) expõe tal preocupação em relação à
realidade das pessoas e ao conteúdo a ser ensinado, estabelecendo assim, o currículo como
segundo ponto chave da EC. Para o autor em tela, na Educação Crítica, ambos, estudantes e
professores, devem estabelecer uma distância crítica do conteúdo da educação e postula que
as questões relacionadas com um currículo crítico ligam-se às seguintes indagações:
1) A aplicabilidade do assunto: quem o usa? Onde é usado? Que tipos de
qualificação são desenvolvidos na Educação Matemática?
2) Os interesses por detrás do assunto: que interesses formadores de
conhecimentos estão conectados a esse assunto?
3) Os pressupostos por detrás do assunto: que questões e que problemas
geraram os conceitos e os resultados na Matemática? Que contextos têm
promovido e controlado o desenvolvimento?
4) As funções do assunto: que possíveis funções sociais poderiam ter o
assunto? Essa questão não se remete primeiramente às aplicações possíveis,
mas à função implícita de um EM nas atitudes relacionadas à questões
tecnológicas, nas atitudes dos estudantes em relação a suas próprias
capacidades etc.
5) As limitações do assunto: em quais áreas e em relação a que questões esse
assunto não tem qualquer relevância?
48
Para um aprofundamento reflexivo em relação às questões propostas acima, necessário
se faz recorrer a Chevallard. Este pesquisador desenvolveu a teoria antropológica do didático
(TAD), com a finalidade de situar e compreender o papel do homem perante o saber
matemático, e mais especificamente, perante situações Matemáticas (CHEVALLARD, 1999,
p.1 apud ALMOULOUD, 2007, p. 111).
Um conceito central na Educação Matemática situa-se no cerne da TAD, que é o de
Transposição Didática, e tem como proposta teórica a compreensão das questões relacionadas
ao saber e a centralidade deste elemento como componente de um sistema didático
(OLIVEIRA, 2009a).
Chevallard (1991) teorizou três diferentes conceitos relativos ao saber, quais sejam: o
saber sábio, o saber a ensinar e o saber ensinado.
O saber cientifico, também conhecido como saber sábio, está vinculado à vida
acadêmica desenvolvida nas universidades e espaços correlatos, como as instituições de
pesquisa. Este tipo de saber é geralmente veiculado em relatórios de pesquisa,
dissertações/teses, artigos em periódicos especializados, conferências, além de outros meios
semelhantes (Oliveira, 2009a).
O reconhecimento e desenvolvimento do saber cientifico está vinculado à diversos
interesses, tais como políticos, econômicos, tecnológicos etc. Esses vínculos caracterizam-se
por ser o conhecimento científico, tendo parte integrante o conhecimento matemático, a base
para o desenvolvimento tecnológico e conseqüentemente um conhecimento condicionante
para o modelo de sociedade atual (SKOVSMOSE, 2008).
A existência de interesses relativos ao saber cientifico proporciona os meios
financeiros necessários para o seu desenvolvimento. Nesse sentido é que argumenta Pais ao
afirmar que:
Todavia, quando o Estado se afasta desse financiamento, os recursos necessários são buscados em outras fontes do poder econômico que, entretanto, passam a ditar a finalidade maior da ciência. Esta dependência coloca uma questão ética do saber científico que é crucial para a compreensão da ciência contemporânea. Os benefícios oriundos deste tipo de saber científico, financiado pelo poder econômico, são reservados prioritariamente a uma parcela da sociedade comprometida mais com o consumismo do que com a superação das diferenças sociais. (PAIS, 2008, p. 22)
Esse pensamento coaduna-se ao pensamento de Adorno, explicitado no início desta
seção e nos remete diretamente à segunda pergunta de Skovsmose ao referir-se ao currículo
de Matemática. “Os interesses por detrás do assunto: que interesses formadores de
conhecimentos estão conectados a esse assunto?” (SKOVSMOSE 2008, p. 19).
49
Claramente essa pergunta relaciona-se à Educação Matemática, e ao saber científico,
uma vez que a educação crítica deve democratizar o conhecimento e suas possíveis
implicações/benefícios, para atender não aos interesses de uma minoria, mas aos interesses da
sociedade como um todo. Não se exclui desta abordagem as questões três e quatro também
propostas por Skovsmose, conforme mencionado anteriormente neste trabalho.
Por apresentar uma linguagem hermeticamente voltada para os elementos teóricos
envolvidos, para a análise metodológica sustentada de eventuais dados empíricos e
considerações sobre sua validade em um contexto de pesquisa específico, Oliveira (2009a)
destaca que o saber sábio não é adequado, em sua forma original, ao processo de ensino-
aprendizagem desenvolvido na escola, sendo necessário transformá-lo no saber a ensinar.
Ainda com o objetivo de prestar esclarecimentos a respeito do saber a ensinar o autor afirma
que:
O saber a ensinar é ligado a uma abordagem didática, e que tem por finalidade organizar pedagogicamente e apresentar aos estudantes determinado saber através de livros didáticos e materiais semelhantes, nos quais a apresentação é feita de maneira diversa daquela encontrada nos escritos originais, veículos do saber científico. O saber a ensinar é aquele que surge, também, nas matrizes curriculares e nos conteúdos programáticos das disciplinas no âmbito escolar. (OLIVEIRA, 2009a, p.2)
No desenrolar da definição do saber a ensinar, Oliveira (2009a) destaca que este tipo
de saber é menos consensual que o saber sábio, uma vez que responde aos interesses de
gestores educacionais, autores de livros e materiais, diretrizes governamentais, entre outras
instâncias. Tais afirmações novamente nos remetem às indagações de Skovsmose (2008) a
respeito do currículo.
Vale ainda destacar o posicionamento de Pais (2008), em relação ao saber a ensinar.
Para este autor o saber científico deveria também contribuir para o desenvolvimento crítico do
aluno dando prioridade aos valores éticos da educação. “A finalidade educacional desse saber
científico deve ser voltada assim para as questões mais essenciais dos problemas humanos.”
(PAIS, 2008, p. 22). Devido à importância do saber sábio, é fundamental que o aluno tenha
acesso às questões e soluções por ele proposto, em decorrência disto, é que o autor em tela
afirma que “para o aluno ter acesso ao conhecimento, é necessário a colocação didática do
problema da linguagem envolvida no saber cientifico” (PAIS, 2008, p. 22). E segue afirmando
que:
Para viabilizar a passagem do saber científico para o saber escolar, torna-se necessário um trabalho didático efetivo a fim de proceder a uma reformulação, visando a prática educativa. É necessário, portanto recorrer à elaboração de uma
50
forma didática, surgindo assim a importância de uma metodologia fundamentada numa proposta pedagógica. (PAIS, 2008, p.23)
Em última instância, mas não menos importante que os outros, reside o saber
ensinado, definido por Oliveira, como sendo aquele que:
Tem lugar na sala de aula e demais ambientes de ensino-aprendizagem, resultado da atuação do professor em relação aos grupos de alunos com os quais trabalha em suas aulas, no âmbito de um determinado sistema didático. Em termos ideais, este tipo de saber tem por base imediata o saber a ensinar, contido nos programas curriculares, e como referência o saber sábio, mas é permeado pela prática docente e suas especificidades. (OLIVEIRA, 2009a, p.3)
Nesta perspectiva é preciso destacar que, embora contenham aspectos que os tornam
qualitativamente distintos, os saberes sábio, a ensinar e ensinado, coexistem não de forma
conflituosa, mas de forma complementar. Neste sentido, Oliveira, conclui que:
Os saberes a ensinar e ensinado não podem desprezar o saber sábio, que deve lhes servir como referência. O saber sábio, então, é normatizador e o legitimador das outras esferas de saber. Isto significa que o saber escolar não pode se afastar de sua fonte de referência, o saber acadêmico, pois se desautorizado por este, não se sustenta quanto à utilidade, validade, coerência, e legitimidade, em qualquer esfera de uso ou atuação. (OLIVEIRA, 2009a, p.4)
Finalmente existe um espaço onde ocorrem as mutações entre as diferentes instâncias
do saber, este espaço chamado de noosfera, ao qual Oliveira definiu da seguinte forma:
Por noosfera deve-se entender a esfera que contém os elementos de influência que incidem sobre a escolha dos saberes a ensinar, os quais, por sua vez, integrarão os programas escolares. Na verdade, se consideradas as três instâncias do saber aqui mencionadas (saber sábio, saber a ensinar e saber ensinado), pode-se afirmar que existem distintas regulações, negociações e interesses em cada uma delas, constituindo fatores que acabam por influenciar a trajetória epistemológica do saber, desde seu caráter acadêmico até sua disposição didática. (OLIVEIRA, 2009a, p.7)
É na noosfera que as questões descritas por Skovsmose a respeito do conteúdo
encontram ambiência. Nela estão contidos os diversos elementos de um sistema dinâmico,
que é o sistema educacional. Segundo Oliveira:
Cientistas, professores, autores de livros didáticos, políticos, líderes comunitários e demais pessoas que de alguma forma representam as três instâncias do saber ali se encontram em situação de debates e conflitos, relacionados aos diversos valores e interesses em jogo. (OLIVEIRA, 2009a, p.8)
Note-se que, a palavra “interesse” é recorrente nesse sistema, aparecendo por diversas
vezes, tanto na descrição dos saberes, quanto na descrição da própria noosfera. A existência
de diversos interesses, é exatamente o que torna a noosfera um sistema dinâmico.
51
O último ponto chave da Educação Crítica, estabelecido por SKOVSMOSE (2008),
postula que o processo de ensino-aprendizagem deve ser direcionado à resolução de
problemas, e estabelece dois critérios para selecionar esses problemas:
1. O subjetivo: O problema deve ser concebido como relevante na perspectiva
dos estudantes, deve ser possível enquadrar e definir o problema em termos
próximos das experiências e do quadro teórico do aluno;
2. O objetivo: O problema deve ter uma relação próxima com problemas sociais
objetivamente existentes.
Mais adiante o autor salienta:
Na Educação Crítica, é essencial que os problemas se relacionem com situações e conflitos sociais fundamentais, e é importante que os estudantes possam reconhecer os problemas como “seus próprios problemas”, de acordo com ambos os critérios subjetivo e objetivo da identificação do problema na EC. Problemas não devem pertencer a “realidades de faz-de-conta” sem nenhuma significação exceto como ilustração Matemática como ciência das situações hipotéticas. Em geral, portanto, existe uma grande lacuna entre a EC e a tendência pragmática em EM. (SKOVSMOSE, 2008, p. 24)
Segundo o autor dinamarquês, na tendência pragmática em Educação Matemática, a
essência da Matemática encontra-se em suas aplicações e, portanto, de certo modo, fora da
Matemática. Nessa perspectiva, no processo de ensino, torna-se extremamente importante
ilustrar as diversas maneiras de utilidade da Matemática. No entanto, o autor afirma que,
nessa tendência, “é difícil encontrar uma plataforma para um autêntico diálogo professor-
estudante” (SKOVSMOSE, 2008, p.23). E esclarece que esta dificuldade existe, pois os
materiais de ensino os quais chamou de manuais contêm exemplos de modelagem
Matemática, e o processo de educação mediado por estes materiais - deve pelo menos de
acordo com a exposição – caminhar de um exemplo preparado para outro exemplo preparado.
Cabendo aos alunos encontrar soluções e resolver problemas bem definidos.
Essa tendência infringe diretamente o último ponto chave da educação crítica, aquele
que explica que o processo de ensino-aprendizagem deve ser direcionado a resolução de
problemas. Mas não de qualquer problema, este ponto chave não considera os problemas
“artificiais”, pertencentes a realidades de faz-de-conta. Os problemas, como explicado, devem
estar contidos no quadro teórico do aluno, de modo que este, o assuma como sendo seus
problemas. E isto só é possível, por meio de um diálogo intenso entre professor e aluno.
52
3.2 Matemática e Sociedade Um tema central na sociedade atual refere-se ao conceito de democracia. Pode-se
perguntar qual a relação entre Matemática e democracia, e qual a relevância desse assunto
para o presente trabalho. Falar em democracia requer definições especificas, e vincular a
democracia à Educação Matemática não é uma tarefa fácil. Com isso em mente, pretende-se
neste texto sintetizar (sem encerrar) o assunto, destarte, será abordado apenas os conceitos
fundamentais para o desenrolar deste trabalho.
O dicionário Aurélio Ferreira (2000) define democracia da seguinte forma: “Governo
do povo; soberania popular. Doutrina ou regime político baseado nos princípios da soberania
popular e da distribuição equitativa de poder.”
Abbagnano (2003, p.487) apresenta um entendimento a respeito do conceito de
democracia, estabelecido por Aristóteles que declara que a democracia existe quando os livres
governam.
Notoriamente democracia tem a ver com governar e o ato de governar requer
competências específicas. Não é possível falar em governo sem falar de Estado. O Estado
consiste na posse da soberania (ABBAGNANO, 2003 p. 487). A soberania, que é o caráter
fundamental do Estado, é una e indivisível. O governo consiste no aparato, por meio do qual
esse poder é exercido. O governo pode ser democrático ou despótico, tirânico. A diferença das
formas de governo depende da diversidade das pessoas às quais é confiado o poder soberano
(ABBAGNANO, 2003, p.487).
A experiência histórica do mundo moderno e contemporâneo mostrou que a liberdade e o bem-estar dos cidadãos não depende da forma de governo; mas da participação que os governos oferecem aos cidadãos na formação da vontade estatal e da presteza com que eles são capazes de modificar e de retificar suas diretrizes políticas e suas técnicas administrativas (ABBAGNANO, 2003, p. 487)
A liberdade e o bem estar dos cidadãos dependem da presteza com que eles são
capazes de modificar e de retificar suas diretrizes políticas e técnicas administrativas. Em
outras palavras, o bem governar, depende de qualificações especificas dos cidadãos
envolvidos de forma direta ou indireta no governo. E como estabeleceu Skovsmose (2008),
existem competências distintas em um governo, a saber, as competências de quem é escolhido
para governar - no caso da democracia indireta – são as competências que tornam os
governantes capazes de tomar decisões bem fundamentadas e atuar de maneira apropriada. E
53
a competência necessária para julgar se os resultados e as conseqüências de quem governa são
aceitáveis, esta última competência é atribuída ao cidadão comum.
Isso torna óbvio o que é a hipótese básica na interpretação clássica de democracia: a competência para governar das pessoas encarregadas é de natureza especial, ao passo que a competência para julgar é de natureza comum. À última também chamamos de competência democrática. Em outras palavras, competência democrática é uma capacidade comum a seres humanos – mas talvez apenas uma capacidade potencial, porque apenas uma postura enfatiza a importância de um modo democrático de controle social. (SKOVSMOSE, 2008, p. 55)
A competência democrática deve ser cultivada na escola e parte significativa dessa
competência é uma conseqüência do aprendizado matemático. Via de regra, as implicações
dos atos de quem governa são analisadas estatisticamente, é na estatística que encontramos
ferramentas para representação dos dados e tratamento das informações. As decisões
econômicas são tomadas com base em modelos matemáticos, o entendimento de como
ocorrem os ajustes nas taxas de juros, taxas de câmbio, os modelos utilizados para medir o
PIB (produto interno bruto), PNB (produto nacional bruto) entre outros, são todos
desenvolvidos com base em conhecimentos matemáticos. É importante destacar que não só na
elaboração de tais modelos, mas também na interpretação dos dados colhidos, na
transformação de informações em conhecimentos, em todas essas etapas o conhecimento
matemático é essencial.
Como determinar se o país está realmente crescendo? Como entender o sistema
monetário? Como determinar se os custos com uma obra foram realmente compatíveis com o
que foi construído? Como determinar se o salário mínimo é justo ou não? Como julgar
criticamente o aumento ou redução de preços? Como entender as conseqüências das taxas de
inflação? Como entender o funcionamento de mercado – os deslocamentos das curvas de
oferta e demanda de determinados produtos em função de medidas protecionistas ou não por
parte do governo, ou em função de outras variáveis? Como entender?
As respostas a todas estas perguntas serão incompletas se não incorporarem a
Matemática como parte de suas explicações. Nessa ótica, a Matemática é parte fundamental
da competência democrática. Este é também o entendimento do Ministério da educação, no
que diz respeito ao ensino fundamental:
A compreensão e tomada de decisões diante de questões políticas e sociais também dependem da leitura e interpretação de informações complexas, muitas vezes contraditórias, que incluem dados estatísticos e índices divulgados pelos meios de comunicação. Ou seja, para exercer a cidadania, é necessário saber calcular, medir, raciocinar, argumentar, tratar informações estatisticamente, etc. (BRASIL, 1997, p.25)
54
O Estado de São Paulo, com sua proposta curricular para o ensino de Matemática,
também destaca a importância desta disciplina para o desenvolvimento da competência
democrática, não de forma explícita, mas com idéias que corroboram com as deste texto.
Vislumbrando, por exemplo, como competências necessárias a serem desenvolvidas pelos
alunos ao longo da escola básica, três pares complementares, que constituem três eixos
norteadores da ação educacional, os quais estão diretamente relacionados à Matemática:
1. O eixo expressão/compreensão: a capacidade de expressão do eu, por meio das
diversas linguagens, e a capacidade de compreensão do outro, do não-eu, do que me
completa, o que inclui desde a leitura de um texto até a compreensão de fenômenos
históricos, sociais, econômicos, naturais etc;
2. O eixo argumentação/decisão: A capacidade de argumentação, de análise e de
articulação das informações e relações disponíveis, tendo em vista a construção de
consensos e a viabilização da comunicação, da ação comum, além da capacidade de
decisão, de elaboração de sínteses dos resultados, tendo em vista a proposição e a
realização da ação efetiva;
3. O eixo contextualização/abstração: a capacidade de contextualização, de enraizamento
dos conteúdos estudados na realidade imediata, nos universos de significações –
sobretudo no mundo do trabalho – e a capacidade de abstração, de imaginação, de
consideração de novas perspectivas, de potencialidades no que ainda não existe. (SÃO
PAULO, 2008, p.42)
Em cada um dos eixos citados, pode-se compreender o papel da Matemática. No
primeiro eixo, ao lado da língua materna, a Matemática compõe um par complementar como
meio de expressão e de compreensão da realidade. O texto declara ainda que os objetos
matemáticos – números, formas, relações – constituem instrumentos básicos para a
compreensão da realidade, desde a leitura de um texto ou a interpretação de um gráfico até a
apreensão qualitativa das grandezas e relações presentes em fenômenos naturais ou
econômicos, entre outros. (SÃO PAULO, 2008, p. 42).
No eixo argumentação/decisão, destaca-se o raciocínio lógico – tendo em vista a
obtenção de conclusões necessárias para a tomada de decisões. Enfatiza-se que a Matemática,
com situações problemas, favorece o exercício do movimento argumentar/decidir ou
diagnosticar/propor.
No que se refere ao terceiro eixo de competências, a “Matemática é um lugar (ou
instância) bastante adequado ou mesmo privilegiado para se aprender a lidar com os
elementos do par concreto/abstrato” (SÃO PAULO, 2008, p. 43). De acordo com esse ponto
55
de vista, os objetos matemáticos, mesmo sendo considerados essencialmente abstratos, são os
exemplos mais facilmente imagináveis para se compreender a permanente articulação entre as
abstrações e a realidade concreta. A essência da Matemática nesse sentido, não está
conectada a conceitos particulares e nem à aplicabilidade (utilitarismo puro), mas aos
processos de pensamento que levam ao insight matemático (SKOVSMOSE, 2008, p. 24).
Nos três eixos citados, encontramos ingredientes que relacionam a Matemática com a
competência democrática, Matemática como meio de expressão e compreensão da realidade,
Matemática como meio de obter conclusões necessárias para a tomada de decisões e
Matemática para entender as articulações entre as abstrações e a realidade concreta. Todos
esses aspectos são competências necessárias para avaliar atos e decisões das pessoas
encarregadas de governar.
Em formulação convergente a respeito do amálgama composto pela Matemática e
democracia, Skovsmose (2008) descreve dois argumentos a favor da conjunção destes
componentes. O primeiro deles, chamado de argumento social da democratização, estabelece
a importância da identificação de um assunto relevante da Educação Matemática por meio de
reflexões acerca das possíveis implicações deste assunto na construção e aperfeiçoamento de
instituições democráticas e capacidades democráticas na sociedade. Este argumento declara
que:
• Por causa de suas aplicações, a Matemática tem a função de “formatar a sociedade”. A
Matemática constitui uma parte integrada e única da sociedade. Ela não pode ser
substituída por nenhuma outra ferramenta que sirva a funções similares. É impossível
imaginar o desenvolvimento de uma sociedade do tipo que conhecemos sem que a
tecnologia tenha um papel destacado, e com a Matemática tendo um papel dominante
na formação da tecnologia. Dessa forma, a Matemática tem implicações importantes
para o desenvolvimento e a organização da sociedade – embora essas implicações
sejam difíceis de identificar;
• Para tornar possível o exercício dos direitos e deveres democráticos, é necessário
estarmos aptos a entender os princípios chave nos “mecanismos” do desenvolvimento
da sociedade, embora eles possam estar “escondidos” e serem difíceis de identificar.
Em particular, devemos ser capazes de entender as funções de aplicações da
Matemática. Por exemplo, devemos entender como decisões (econômicas, política
etc.) são influenciadas pelos processos de construção de modelos matemáticos.
(SKOVSMOSE, 2008, p. 39)
56
O segundo argumento, denominado de argumento pedagógico difere do argumento
social. Enquanto o argumento social se preocupa com questões externas ao processo
educacional, ou seja, questões que não estão diretamente ligadas à sala de aula, o argumento
pedagógico trabalha em uma perspectiva voltada para “dentro” do processo educacional. Uma
declaração importante deste argumento postula que:
As possibilidades de exercício dos deveres e direitos democráticos não estão apenas relacionadas às estruturas democráticas formais institucionalizadas, mas também a uma atitude democrática individualmente consolidada. Ações democráticas de nível macro devem ser antecipadas no nível micro. Isso quer dizer que não podemos esperar o desenvolvimento de uma atitude democrática se o sistema escolar não contiver atividades democráticas como principal elemento. Se queremos desenvolver uma atitude democrática pela Educação Matemática, os rituais dessa educação não podem conter aspectos fundamentalmente não-democráticos. O diálogo entre professor e estudantes tem um papel importante. (SKOVSMOSE, 2008, p. 46)
Ambos os argumentos – social e pedagógico – estão relacionados a atitudes e
competências democráticas. O argumento social da democratização enfatiza que a
competência democrática não pode ser constituída apenas por certas atitudes democráticas,
para ser consistente, deve buscar entender os mecanismos que regem um determinado sistema
social e as implicações da Matemática neste sistema. Já o argumento pedagógico destaca a
atitude democrática no ambiente educacional e estabelece como ponto chave desta atitude o
diálogo entre professor e alunos, no sentido de analisar criticamente o conteúdo a ser
estudado, estimulando assim a abertura do processo ensino-aprendizagem de modo a integrar
o aprendiz na construção deste processo. Neste sentido é que afirma Skovsmose:
A competência democrática tem de ser desenvolvida; a competência está fielmente relacionada à atitude democrática, mas elas não são idênticas, o desenvolvimento de uma competência democrática pressupõe uma atitude, mas, ao lado disso, muito conhecimento e muita informação sobre o domínio dos processos democráticos têm de ser desenvolvidos. (SKOVSMOSE, 2008, 9.55)
Em complemento ao argumento social e pedagógico, o autor dinamarquês enfatiza a
necessidade de desenvolver no aprendiz uma atitude crítica em relação à aplicação da
Matemática, essa atitude diz respeito não somente ao aprimoramento da capacidade dos
estudantes, de modelarem matematicamente os diversos problemas que compõem o sistema
social em que estão inseridos, mas também associa essa atitude ao desenvolvimento do que
chamou de conhecimento reflexivo. O conhecimento reflexivo permite analisar e avaliar as
construções tecnológicas e suas implicações. Permite distinguir quais são os interesses que
57
fomentaram o desenvolvimento de determinado modelo. Pode-se exemplificar este tipo de
conhecimento por meio de um tema que entraram recentemente em pauta: as eleições.
Atualmente o modelo eleitoral estabelece que o voto de cada cidadão tem peso igual,
independente da localização de sua residência. Seria viável, ou melhor, um modelo que
atribuísse pesos de acordo com o estado em que o eleitor reside? A um estado com maior
expressão econômica e com maior contribuição para o desenvolvimento do país poderia ser
dado o direito de um peso maior no voto de seus habitantes?
A competência necessária para argumentar a respeito dessas questões é de natureza
distinta da competência necessária para o desenvolvimento de um modelo/algoritmo para a
computação de votos. Pode-se dizer que essa última competência é uma competência técnica
enquanto a primeira faz parte do conhecimento reflexivo. Skovsmose assevera ainda que:
A capacidade para distinguir entre inferências Matemáticas necessárias e conseqüências de um modelo, que expresse o interesse o interesse que tenha sido incluído na modelagem, é essencial em uma sociedade onde os modelos matemáticos estão em operação. (SKOVSMOSE, 2007, p. 242)
De posse destes argumentos, pode-se afirmar que a Matemática desempenha um papel
fundamental na sociedade. A Matemática é um componente para a consolidação da
democracia, a Matemática tem o poder de formatar a sociedade Skovsmose (2008). Nesta
ótica, torna-se fundamental que a Educação Matemática se ocupe de questões ligadas não
apenas ao conhecimento matemático em si, ou a questões epistemológicas relativas ao
conhecimento matemático, mas deve incorporar à sua pauta questões relativas à sociedade e
as implicações da Matemática em um sistema social.
É nesse mesmo sentido que segundo Skovsmose (2007) a Matemática vem representar
a primazia da racionalidade que está intrinsecamente conectada à maneira democrática de ser,
afirma ainda que essa idéia tem implicações sobre o modo de ver a Educação Matemática e
conclui, citando Hannaford, que “se às crianças for ensinada bem Matemática, esta lhes
ensinará muito de liberdade, habilidade e, sem duvida nenhuma, muito das disciplinas de
expressão, sentimento e tolerância de que a democracia necessita para ser bem-
sucedida”(HANNAFORD, 1998, p. 186, apud SKOVSMOSE, 2007, p. 69).
******
No início deste tópico, citamos Aristóteles ao dizer que a democracia existe quando os
livres governam. Também foi visto que para governar e julgar as conseqüências das atitudes
de quem governa é necessário o desenvolvimento de competências especificas e para o
58
desenvolvimento de tais competências o conhecimento matemático é indispensável. Partindo
dessas premissas, podemos concluir que a Educação Matemática pode vir a ser libertadora - se
incluir questões com este propósito - capacitando os cidadãos para pensar e agir, ou seja,
tornando-os livres, e tendo como conseqüência, a consolidação da democracia.
3.3 Matemática e Tecnologia
Skovsmose ao dissertar sobre as aplicações da Matemática traz a seguinte ilustração:
Nós não estamos acostumados a pensar em um caixa de supermercado como usando Matemática. Entretanto, a leitura automática do código de barra e o pagamento por cartão de crédito pressupõem que um gigantesco aparato matemático esteja em operação. A leitura de código de barra baseia-se em um dispositivo técnico complicado sustentado pela Matemática, que pode estar ligado a uma movimentação automática de estoque. O uso de cartão de crédito inclui grande quantidade de comunicação eletrônica e é aplicação da Matemática na política de segurança. A Matemática está condensada em programas e pacotes instalados em computadores, prontos para serem usados. (SKOVSMOSE, 2007, p. 48)
A Matemática instala-se e acomoda-se em “embalagens” tecnológicas das mais
variadas. Os mais diversos tipos de algoritmos que viabilizam ou descrevem o funcionamento
de um artefato tecnológico, de um modo ou de outro, são permeados em sua elaboração por
conhecimentos matemáticos. Como afirma Skovsmose, a Matemática está em toda parte
assim como os computadores, o autor enfatiza ainda que “‘haver Matemática em toda parte’ e
‘haver computadores em toda parte’ referem-se ao mesmo fato” (SKOVSMOSE, 2007, p.
115), qual seja: Matemática e computação são atividades inter-relacionadas.
Em outro texto afirma que:
A Matemática é o sustentáculo lógico do processamento da informação, e o processamento matemático é também a base para as atuais aplicações da tecnologia da informação. De fato, todas as aplicações de um computador podem ser vistas como uma aplicação de um modelo matemático simples ou complexo. (SKOVSMOSE, 2008, p. 77)
Atribuir à Matemática o status de sustentáculo lógico do processamento da informação
e enxergá-la como base para as atuais aplicações da tecnologia da informação implica
incorporá-la ao conhecimento tecnológico. Utilizo esse termo no mesmo sentido de
Skovsmose (2008) ao definir que “o conceito de ‘conhecimento tecnológico’, se refere à
competência necessária ao desenvolvimento e à aplicação de uma determinada tecnologia”.
Esta relação existente entre Matemática e tecnologia, atribui à Matemática uma
dimensão política que se explicita diante da percepção do papel desempenhado pela
59
tecnologia na sociedade atual, tal dimensão também foi constatada na seção anterior. Para
evidenciar esse papel podemos recorrer à abordagem expressa por Kenski:
Na atualidade, o surgimento de um novo tipo de sociedade tecnológica é determinado principalmente pelos avanços das tecnologias digitais de comunicação e informação e pela microeletrônica. Essas novas tecnologias – assim consideradas em relação às tecnologias anteriormente existentes –, quando disseminadas socialmente, alteram as qualificações profissionais e a maneira como as pessoas vivem cotidianamente, trabalham, informam-se e se comunicam com outras pessoas e com todo o mundo. (KENSKI, 2008, p. 22)
Ao refletir sobre as considerações da autora, percebemos que o modelo atual de
sociedade é determinado pelos avanços das tecnologias digitais. Entretanto, como citado
anteriormente, tais avanços são impulsionados pelo desenvolvimento da Matemática.
Evidencia-se assim uma relação transitiva entre sociedade, tecnologia e Matemática. Nesse
sentido Skovsmose argumenta:
Obviamente, enfocar o papel da Matemática como parte de um desenvolvimento tecnológico pressupõe que a Matemática esteja “fazendo algo” pela sociedade. Usarei a formulação de que a Matemática está formatando a sociedade, ou que a Matemática tem um poder de formatação. A Matemática é vista como um princípio básico do design tecnológico. (SKOVSMOSE, 2008, p. 99)
Cabe ressaltar que esse aspecto político e social da Matemática, enfatizado por suas
aplicações à tecnologia não é recente, tampouco se limita ao desenvolvimento tecnológico,
mas transcende esta dimensão e se estabelece na gênesis da forma de vida humana
caracterizada por seu poder de raciocínio modelado pelo pensamento matemático, nesse
sentido, D’Ambrosio argumenta que:
A Matemática é, desde os gregos, uma disciplina de foco nos sistemas educacionais, e tem sido a forma de pensamento mais estável da tradição mediterrânea que perdura até os nossos dias como manifestação cultural que se impôs, incontestada, às demais formas. Enquanto nenhuma religião se universalizou, [...], a Matemática se universalizou, deslocando todos os demais modos de quantificar de medir, de ordenar, de inferir e servindo de base, se impondo como o modo de pensamento lógico e racional que passou a identificar a própria espécie. Do Homo sapiens se fez recentemente uma transição para o Homo rationalis. Este último é identificado pela sua capacidade de utilizar Matemática, uma mesma Matemática para toda humanidade e, desde Platão, esse tem sido o filtro utilizado para selecionar lideranças. (D’Ambrosio, 1990, p. 10)
Na citação anterior D’Ambrosio afirma que a capacidade de utilizar a Matemática tem
sido o filtro utilizado para selecionar lideranças, esta seleção pode ser entendida também
60
como exclusão no sentido de determinar quem pertence ou não pertence a uma classe social
dominante, nesse mesmo sentido, Skovsmose (2007) destaca que a Educação Matemática
serve a uma função social de promover uma estratificação que pode deixar marcas nos
estudantes. Essa estratificação é responsável pela formação de dois grupos - aqueles que
conseguirão acesso ao poder e prestigio e aqueles que não conseguirão – o autor reforça esse
pensamento citando Volmink.
Matemática não é somente um mistério impenetrável para muitos, mas também, mais do que qualquer outra matéria, foi lançada no papel de um juiz ‘objetivo’, a fim de decidir quem, na sociedade, ‘pode’ e quem não ‘pode’. E, dessa forma, serve como a ‘porteira’ que deixa ou não passar pela porta de entrada dos que participarão na decisão produtora de processos da sociedade. Negar algum acesso à participação em Matemática é também determinar, a priori, quem irá adiante e quem ficará para trás. (VOLMINK, 1994, p. 51-52 apud SKOVSMOSE, 2007, p. 66)
As concepções acima delineadas mostram que existe em certa medida uma
dependência Matemática para o desenvolvimento social e tecnológico. Diante deste papel
desempenhado pela Matemática torna-se necessário refletir sobre a Educação Matemática, no
sentido de procurar estratégias que ampliam seu campo de atuação com o objetivo de
incorporar mecanismos capazes de expandir a percepção do aluno para que se conscientize em
relação à importância do aprendizado matemático e suas aplicações ao desenvolvimento
tecnológico.
Nesse sentido, nas Orientações Curriculares para o Ensino médio encontramos:
Não se pode negar o impacto provocado pela tecnologia de informação e comunicação na configuração da sociedade atual. Por um lado, tem-se a inserção dessa tecnologia no dia-a-dia da sociedade, a exigir indivíduos com capacitação para bem usá-la; por outro lado, tem-se nessa mesma tecnologia um recurso que pode subsidiar o processo de aprendizagem da Matemática. É importante contemplar uma formação escolar nesses dois sentidos, ou seja, a Matemática como ferramenta para entender a tecnologia, e a tecnologia como ferramenta para entender a Matemática. (BRASIL, 2006, p. 87)
O discurso do MEC destaca um importante aspecto da nossa problemática de estudo: a
Matemática como ferramenta para entender a tecnologia, e a tecnologia como ferramenta para
entender a Matemática. Este é o cerne da questão que quero tratar nestas considerações. Penso
que negligenciar este elemento pode limitar o desenvolvimento do aluno, no sentido de que
ele passa a enxergar o aprendizado em Matemática como um objetivo fim, quando na verdade
esse aprendizado tem sentido amplo, que é o de entender a sociedade, as ciências e as
61
tecnologias desenvolvidas por esta sociedade. Enfim, a Matemática deve ser ensinada com o
objetivo de possibilitar o entendimento do mundo em que vivemos.
Entretanto, há que se considerar aquilo que Skovsmose chamou de paradoxo da razão.
Esse paradoxo estabelece uma contradição entre desenvolvimento cientifico/tecnológico e
comportamento humano, o autor considera que a ciência e, também a Matemática, operam
como agente duplo, servindo tanto ao bem como ao mal. Se por um lado, vivemos em um
momento histórico sem precedentes, em que o desenvolvimento científico e tecnológico
alcançou níveis jamais vistos em toda história da humanidade, por outro lado, vivemos uma
época que evidencia um comportamento humano desprezível:
Meios sem precedentes de destruição em massa, de insegurança, novas doenças terríveis, fome injustificável, abuso de droga, e decadência moral igualada somente pela destruição ambiental. Muitos desses paradoxos têm a ver com a ausência de reflexões e considerações dos valores acadêmicos, particularmente nas disciplinas cientificas, tanto na pesquisa, como na educação. Muitos dos meios de alcançar essas maravilhas e também esses horrores da ciência e da tecnologia têm a haver com os avanços da Matemática (D’AMBROSIO, 1994 apud SKOVSMOSE, 2007, p 141)
Reformulando as palavras de Lévy (2008a), poder-se-ia dizer que a Matemática não é
nem boa, nem má, nem neutra, mas que comporta condições necessárias, mas não suficientes
para o estabelecimento do paradoxo da razão.
Por um lado, nosso conhecimento da natureza e do desenvolvimento de novas poderosas tecnologias baseadas no conhecimento ultrapassam qualquer expectativa possível, e, por outro, testemunhamos um “comportamento humano indigno” diretamente originado nesse conhecimento da natureza e nesse conhecimento com base em tecnologias . O progresso cientifico não traz simplesmente “maravilhas”. É também, acompanhado por “horrores”. [...] As ações sociotecnológicas fundamentadas pela Matemática são paradoxais por natureza, no sentido de que mesmo quando podem ser fundamentadas nas competências Matemáticas, suas qualidades “progressivas” são questionáveis. Nenhuma qualidade intrínseca da Matemática assegura que a Matemática em ação leve a “maravilhas”. (SKOVSMOAE, 2007, p. 142)
Com isso queremos dizer que entendemos que a Matemática não constitui por si só
uma panacéia para os problemas sociais e tecnológicos, talvez este remédio venha a ser o
desenvolvimento de uma nova sociedade, com ideais, políticas, ciências e tecnologias
distintas da sociedade atual, em que as relações pessoais, a solidariedade, a vida humana
esteja em primeiro plano. Contudo, mesmo aceitando a impossibilidade de tal reconstrução,
podemos dizer que a educação pode ser um princípio ativo importante em um antídoto que
visa ao menos a amenização dos sintomas percebidos em uma sociedade autodestrutiva.
62
Poderíamos, ainda que utopicamente, estabelecer assim como ADORNO o fez no
texto “Educação Após Auschwitz”, algumas missões para a educação, tais como: Impedir um
novo Auschwitz, ou ainda impedir um novo Apartheid, uma nova Ditadura, um novo Muro de
Berlim. Enfim, parafraseando Adorno, a exigência de evitar um comportamento humano
indigno é a primeira de todas para a educação.
63
4 MODELO VETORIAL PARA RECUPERAÇÃO DE INFORMAÇÃO Já foi dito neste trabalho que vivemos em uma sociedade denominada sociedade
informacional, entretanto há que se considerar que a necessidade de conhecimentos não é um
privilégio da sociedade contemporânea, o homem necessita e sempre necessitou de
conhecimentos para sobreviver. Nesta perspectiva, um aspecto importante a destacar é que a
obtenção de conhecimentos é precedido pela aquisição de informações, fato que
historicamente tem levado o homem a construir artefatos capazes de armazená-las.
Em um primeiro momento podemos citar a própria fala como um modo de transmissão
de informações, este momento é caracterizado pelo que Lévy chamou de oralidade primária.
O homem evoluiu, inventou a escrita e passou a gravar suas informações em tábuas de argila,
posteriormente em pergaminhos e este evoluiu para o livro no formato do códex. Com a
invenção da prensa, os livros passaram a ser impressos em grande escala, posteriormente, as
inovações tecnológicas possibilitaram novas formas de armazenamento e transmissão de
informações.
Paralelamente ao desenvolvimento dos meios de armazenagem de informações, foram
sendo desenvolvidos mecanismos que possibilitam a recuperação de tais informações. As
bibliotecas, por exemplo, desenvolveram fichas catalográfica, na qual cada novo item é
catalogado baseado em informações sobre o que a obra (livro, revista, fita vhs, DVD etc.)
trata. Cada obra é analisada individualmente afim de se determinar do que se trata, esta
abordagem é geralmente conhecida como indexação manual.
Existe ainda em uma biblioteca a figura do bibliotecário, este conforme afirmam Berry
e Browne (2005), com sua experiência, sabe que passar alguns minutos com um usuário,
ouvindo, perguntando, questionando, pode levá-lo a indicar corretamente a este usuário o
recurso adequado (livros, revistas, CDs etc.) que irão suprir satisfatoriamente a informação
desejada.
No entanto, no mundo digital, esta figura do bibliotecário não existe. Alternativas que
levem a resultados semelhantes estão sendo desenvolvidas por meio da inteligência artificial,
mas ainda existe um longo caminho a ser percorrido. Este é um problema, pois a Internet
possibilita a qualquer um inserir dados de diversos tipos na rede, ocasionando um crescimento
incomparável e sem precedentes do volume de dados disponíveis para consulta. Outro fato
importante destacado por Berry e Browne (2005), é que o foco da nova tecnologia tem sido
mais o processamento e digitalização de informações, que podem ser textos, figuras, imagens,
64
ou áudio, do que na necessidade de organização dessas informações. Esta situação segundo os
autores gerou, o que os especialistas chamam de tsunami de dados.
A fim de manipular de forma eficiente as informações contidas nesta avalanche de
dados, que ocorrem em ambientes de informações automatizadas, novas técnicas se tornam
necessárias. Com este objetivo, profissionais da área de informática têm desenvolvido um
conjunto de ferramentas baseadas em modelagem Matemática, que visam a aprimorar o
desempenho dos “buscadores” de informações. Tais profissionais situam-se na chamada área
de Recuperação de Informação (RI) ou Informação Retrieval, que se ocupa com a
representação, armazenagem, organização recuperação das informações.
A seguir, mostraremos como a Matemática pode ser útil ao desenvolvimento de
mecanismos para a recuperação de informações.
4.1 Construção do Modelo Vetorial
Um dos primeiros mecanismos baseado no modelo do espaço vetorial foi o SMART
(System for the Mechanical Analysis and Retrieval of Text), desenvolvido por Gerard Salton
na Universidade de Cornell. Em tal modelo, termos e documentos são representados como
vetores no espaço n-dimensional. Segundo Richards e Lovely (2002), a finalidade desta
representação é estabelecer as relações numéricas e geométricas entre os vetores documentos
e os vetores consultas, a fim de encontrar os documentos que são mais relevantes para a
consulta. Medidas como o cosseno do ângulo entre o vetor de busca e o vetor do documento
fornecem os valores da similaridade para ordenação.
Exemplo
Uma coleção composta por d documentos contendo t termos (palavras-chave) com
os quais estes documentos foram armazenados pode ser representada por uma matriz tXdA . Os
d vetores (colunas) representando os d documentos formam as colunas da matriz. Assim, o
elemento ija da matriz Aé estabelecido como sendo a frequência do i-ésimo termo associado
ao j-esimo documento. Desta forma, se considerarmos a coleção de documentos como um
banco de dados, a matriz A representante deste banco, é formada por vetores colunas que
expressam a ocorrência das palavras chaves em cada um dos documentos deste banco de
dados. As coordenadas deste vetor podem ser estabelecidas de diversas formas, neste
exemplo, usaremos pesos binários, de forma que será atribuído 1 se o termo it tiver relação
com o documento jd e 0 caso contrário. Isto posto, a matriz Aé representada da seguinte
forma:
65
=
dtttttt
d
d
d
d
d
d
d
d
DTDTDTDTDTDT
DTDTDTDTDTDT
DTDTDTDTDTDT
DTDTDTDTDTDT
DTDTDTDTDTDT
DTDTDTDTDTDT
DTDTDTDTDTDT
DTDTDTDTDTDT
DTDTDTDTDTDT
A
...
:...:::::
...
...
...
...
...
...
...
...
54321
85848382818
75747372717
65646362616
55545352515
45444342414
35343332313
25242322212
15141312111
(4.1)
O vetor q correspondente à consulta poderá ser representado de maneira similar:
TtTTTTTTq )...( 54321= (4.2)
As respostas às requisições de busca neste modelo podem ser visualizadas como uma
busca no espaço coluna da matriz A (isto é, o subespaço gerado pelos vetores documentos)
com o intuito de encontrar os documentos mais relevantes para a pesquisa. Uma das medidas
mais comuns de similaridades, conforme mencionado anteriormente, para responder a uma
requisição de busca nesse contexto é o cosseno do ângulo formado entre o vetor consulta e o
vetor documento, desta forma, o documento mais relevante para a consulta será aquele que
formar com o vetor consulta o ângulo com o maior cosseno.
Se definirmos jd como o ésimoj − vetor documento (ou a ésimaj − coluna da matriz
A, então os cossenos entre o vetor q e os d vetores documentos são definidos como:
||||||||cos
qd
qd
j
Tj
j ⋅⋅
=θ , para j= 1,...,d (Ver matriz 4.1)
Onde || jd || é a norma Euclidiana igual a ddT ⋅ , o mesmo vale para ||q||.
Para facilitar este cálculo, podemos sem nenhum prejuízo substituir os vetores q e
jd por seus respectivos versores (vetor unitário de mesma direção e sentido), de forma que o
cálculo do cosseno acima ficará resumido a um simples produto interno. Vejam:
||ˆ|||ˆ||
ˆˆcos
qd
qd
j
Tj
j⋅
⋅=θ
Note que 1||ˆ||||ˆ|| == jdq , logo:
qdTjj ˆˆcos ⋅=θ (4.3)
66
Em que o vetor q̂= ||||q
qr
r
, o mesmo vale para jd̂ .
Dessa forma pode-se estabelecer como sendo relevante à uma determinada consulta,
os documentos cujas representações vetoriais formam com os vetores consultas, ângulos com
cosseno maior ou igual a 0.5.
A seguir veremos uma aplicação prática deste modelo.
Consideremos um banco de dados, em que está armazenada uma pequena coleção
fictícia de títulos de livros, tal como descrito na tabela abaixo:
Termos Documentos
T1: Álgebra
T2: Analítica
T3: Cálculo
T4: Computação
T5: Criptografia
T6: Discreta
T7: Geometria
T8: Matemática
T9: Tecnologia
D1: Matemática Discreta
D2: Álgebra Linear
D3: Geometria Analítica e Vetores
D4: Matemática para Ciências da
Computação
D5: Aprendizado matemático em cursos
de tecnologia
D6: Cálculo Numérico
D7: Teoria dos Números e Criptografia
Conforme descrito no inicio desta seção, este banco de dados deverá ser representado
por uma matriz dtA× , em que d representa a quantidade de documentos e t a
quantidade de termos (palavras chaves) com as quais estes documentos foram
armazenados, ou seja, a matriz representante do banco de dados deverá ser composta
da seguinte forma:
A=
0010000
0011001
0000100
0000001
1000000
0001000
0100000
0000100
0000010
Matriz 1
Usamos, nesse caso, pesos binários, em que 1 (um) indica a presença de um dos termos no documento e 0 (zero) indica ausência do termo. Normalizando as colunas de
Esta é a matriz (4.1) dimensionada conforme nosso exemplo.
67
A, obtemos:
Â=
000000
0000
000000
000000
1000000
000000
0100000
000000
0000010
21
21
21
21
21
21
21
21
Matriz 2
Quadro 1 – Matrizes representantes do banco de dados
A coleção de títulos de livros na tabela acima pode ser usada para ilustrar a requisição
de uma busca. Assim, uma consulta de um usuário deste banco de dados, querendo encontrar
um livro sobre Matemática discreta, pode ser representada pelo vetor:
Tq )010100000(= (Ver matriz 4.2)
Que também pode ser normalizado para:
q̂= ( T)0000000 21
21
Esse vetor representa a seguinte consulta:
:q Matemática Discreta
Essa consulta possui os termos T6 e T8, por este motivo o vetor q, tem coordenadas 1
nas posições 6 e 8, e zero nas demais, indicando que os outros termos não fazem parte da
consulta.
O vetor de cossenos, que mede a similaridade entre a pesquisa q e os 7 documentos é
dado a seguir:
Tj )00001()cos( 2
12
1=θ
Esses valores foram obtidos usando a fórmula (4.3)
Conclui-se neste caso que os documentos D1, D4 e D5 são relevantes, sendo o
primeiro o mais relevante, já que o cosseno do ângulo entre o vetor que o representa e o vetor
consulta é 1, o que indica que o ângulo entre eles é zero, e os outros dois possuem a mesma
similaridade – 0,5 - tendo, portanto, o mesmo grau de relevância.
68
Na construção da matriz (4.1), os termos são usualmente definidos por seus radicais,
assim, palavras como reformulação, reformatório, reformado, reformação e reformismo
podem todas ser radicalizadas para o radical reform. Todas as cinco palavras poderiam
representar a palavra reforma. Isso economiza espaço de 5 palavras, reduzindo assim a
dimensão da matriz txd . Entretanto, este procedimento pode acarretar vantagens e
desvantagens. Berry e Browne (2005) afirmam que a redução na armazenagem (via
radicalização) é certamente uma importante consideração para coleção de documentos muito
grandes, isso representa uma vantagem. Para falar em desvantagem, estes autores ilustram
dizendo que, se um usuário buscar informações sobre reformulação e alguns dos documentos
retornados descreverem reformatórios, pode levar o usuário a duvidar da qualidade do sistema
de busca.
É importante declarar que o modelo do espaço vetorial, conforme apresentado neste
trabalho, encontra-se em sua forma mais primitiva sendo que em sua aplicação prática, ele
possui diversos refinamentos. Berry e Browne (2005), por exemplo, declaram que novas
técnicas para melhorar a representação de espaço vetorial de documentos têm sido
desenvolvidas a fim de corrigir eventuais erros ou incertezas associadas a esse modelo básico
e asseveram que a Álgebra Linear oferece técnicas importantes para o aprimoramento do
modelo, tal como as fatorações QR e SVD de matrizes.
69
5. APORTES METODOLÓGICOS Neste capítulo, é realizada uma abordagem teórica sobre a investigação qualitativa em
educação, julgada pertinente para a pesquisa aqui relatada. Em seguida, uma descrição sobre a
escolha do problema/modelo matemático a ser tratado na investigação é feita. Na continuação,
os participantes da pesquisa são descritos, bem como as estratégias de coleta de dados, que
ocorreu através da observação direta e do emprego de questionários.
5.1 Pesquisa em Ciências Humanas
Laville e Dionne (1999) apresentam alguns aspectos divergentes relacionados a
pesquisas em ciências naturais e em ciências humanas. A primeira observação considerada é a
de que estas ciências tratam de objetos que não se assemelham nem de longe. Como o nome
sugere, o objeto – se é que se pode chamar assim – de estudo das ciências humanas é o ser ou
são os seres humanos, e estes são “dotados de liberdade e consciência. A realidade dos fatos
humanos é delas amplamente tributária, e raramente se pode determiná-la, em toda sua
complexidade, sem considerar os múltiplos elementos que a compõe” (LAVILLE e DIONNE,
1999, p. 32).
Os fatores observados nas pesquisas em ciências humanas são diversos e estão
relacionados a múltiplas variáveis, de forma que equacioná-los, para os autores, torna-se
demasiadamente complicado, senão impossível. Pode-se exemplificar esse fato observando os
economistas, que, ao estudarem o que chamam de lei de oferta e demanda, se apropriam da
expressão latina ceteris paribus, cuja tradução é algo como “outras coisas sendo iguais” – ou,
ainda, “se tudo o mais se mantiver constante”. Quando fazem isso, analisam o comportamento
da oferta ou da demanda em termos de uma única variável, o preço, por exemplo, e
consideram constante todas as demais que exercem influência sobre estes fenômenos, como o
gosto do consumidor, preço de produtos substitutos ou complementares, comportamentos
governamentais, mão de obra, capital, fenômenos naturais que eventualmente acarretariam
mudanças na oferta de certos produtos, como os agrícolas, entre outros. Tal simplificação
torna possível entender, ainda que de forma restrita, o objeto de estudo considerado: de outra
forma, seria praticamente impossível tal entendimento, dada a grande quantidade de variáveis
envolvidas, muitas das quais situam-se fora do controle do pesquisador.
Contudo, as simplificações infligidas pelos economistas são problemáticas se
transportadas para a educação. Como “ignorar” ou tornar constante algumas variáveis quando
tratamos de pessoas? Como preterir suas realidades? Como ignorar suas particularidades?
70
Como não considerar seu solo pretérito? Como desprezar seus complexos? Como
desconsiderar o sistema social e político em que o indivíduo está inserido? Como?
No entanto, há que se considerar a dificuldade ou até a impossibilidade de reunir todos
esses aspectos em uma única pesquisa: este é um dos motivos pelos quais existe pluralidade
de estudos nesta área. Diversos pesquisadores estão engajados em entender cada um dos
aspectos inerentes à condição humana que de algum modo interferem na educação. A esse
respeito, Borba (2004) esclarece que dificilmente uma tese, uma dissertação ou um projeto de
pesquisa conseguem responder a um problema de forma abrangente. Com isso, o autor
enfatiza que a consolidação e o surgimento de grupos de pesquisa é a expressão mais
significativa desta impossibilidade. Neste trabalho, não foi diferente: ao definir objetivos e
questões particulares, apenas alguns aspectos do problema foram tratados, restando a outros
trabalhos a ampliação e/ou aprofundamento necessários.
5.2 Pesquisa Qualitativa Borba (2001; 2004) defende que pergunta, metodologia e linha de pesquisa se
constituem mutuamente em um processo, que, na maioria das vezes, não é totalmente
racional, mas tem tons de emoção e condicionantes sócio-políticos. Ao falar das
subjetividades que permeiam uma investigação qualitativa, o autor não o faz em tom
pejorativo, ao contrário, esclarece suas particularidades e suas pertinências.
Para o autor existe uma interação mútua entre as perguntas que norteiam uma pesquisa
e a metodologia escolhida. Em sua argumentação, estabelece que a metodologia engloba os
procedimentos e a visão do que é conhecimento. Para apoiar essa idéia, Borba cita Lincoln e
Guba (1985), atribuindo a estes autores a percepção sobre a necessidade de haver uma
coerência entre a visão de conhecimento e os procedimentos adotados. Prossegue
exemplificando que uma visão behaviorista de conhecimento é consistente com
procedimentos de pesquisa que enfatizam o uso de teste e análise estatística, assim como
visões epistemológicas que enfatizam a compreensão estarão em harmonia com
procedimentos qualitativos que destacam as formas como os estudantes pensam, e não os
resultados obtidos.
Mais especificamente, ao falar em pesquisa qualitativa, Borba se refere a uma forma
de conhecer o mundo que, em sua visão:
Se materializa fundamentalmente através dos procedimentos conhecidos como qualitativos, que entende que o conhecimento não é isento de valores, de intenção e
71
da história de vida do pesquisador, e muito menos das condições sócio-políticas do momento. Como já dizia Paulo Freire: a escolha da pergunta de pesquisa já é em si um ato embebido de subjetividade. (BORBA, 2004, p. 3, grifo do autor)
Como sugerido na citação anterior, o conhecimento não é isento de valores, e está
sujeito a história de vida do pesquisador. Interessante é observar que, subjetividades existem
não apenas por parte do investigador, mas também por parte dos investigados. Estes, como
relatam Laville e Dionne (1999), são seres humanos, livres, e possuem inclinações,
percepções, preferências, visões de mundo. Com efeito:
O fato de o pesquisador em ciências humanas ser um ator que influencia seu objeto de pesquisa, e do objeto de pesquisa, por sua vez ser capaz de um comportamento voluntário e consciente, conduz a uma construção de saber cuja medida do verdadeiro difere da obtida em ciências naturais. (LAVILLE e DIONNE, 1999, p. 35)
O discurso sobre as “influências pessoais” em uma pesquisa qualitativa empreendido
até o momento tem o objetivo de justificar a maneira pela qual a presente pesquisa se
desenvolve. Dessa forma, pode-se dizer que a abordagem tecnológica adotada nos capítulos
anteriores, bem como os aspectos relacionados à Educação Matemática crítica, tem sua razão
de ser em função das análises subseqüentes, assim como se relacionam com a visão de mundo
e concepções que influenciam o pensamento do autor deste trabalho.
Segundo Bogdan e Biklen (1994), a investigação qualitativa tem em sua essência,
cinco características: (1) a fonte direta dos dados é o ambiente natural, sendo o investigador o
principal instrumento de coleta desses mesmos dados; (2) os dados que o investigador recolhe
são essencialmente de caráter descritivo; (3) os investigadores que utilizam metodologias
qualitativas interessam-se mais pelo processo em si do que propriamente pelos resultados ou
produtos; (4) a análise dos dados tende a ser indutiva; e (5) o significado que os participantes
atribuem às suas experiências e a maneira com que estes encaram a situação em estudo são de
fundamental interesse para o investigador.
Mais adiante será descrito o ambiente em que ocorreu esta pesquisa, porém, é possível
adiantar que o ambiente natural constitui-se na fonte de dados deste trabalho, já que os dados
foram obtidos por meio de questionários e observações realizadas pelo pesquisador em um
curso específico de Análise e Desenvolvimento de Sistemas, mais especificamente na
disciplina Matemática Discreta, de freqüência regular por parte dos sujeitos.
Pode-se dizer, também, que a pesquisa é descritiva, pois contempla e descreve os
dados obtidos com os questionários, bem como as observações realizadas pelo professor
72
pesquisador. As elucidações sobre as concepções do aluno em relação à matematização da
informática e, conseqüentemente, sobre a importância da Matemática para sua formação
profissional, ocorreram não em um momento pontual, mas foram fruto do estudo de um
processo em que os sujeitos estiveram envolvidos com questões que permitiram tais
elucidações, conforme podem corroborar as análises, mais adiante. Desta forma, foi possível
prover um inter-relacionamento destes elementos e suas respectivas categorizações, ou seja,
as análises ocorreram de forma indutiva.
Com estas observações, e pela importância atribuída à maneira com que os sujeitos
encararam a situação de pesquisa, autoriza-se, segundo a visão de Bogdan e Biklen (1994), a
chamar a esta pesquisa de qualitativa.
Salienta-se, ainda, que a opção pela pesquisa qualitativa foi a que se mostrou mais
adequada desde os estágios iniciais. Utilizando as palavras de Oliveira (2007), as questões que
surgiam e que causavam o impulso em direção da busca de sentidos e elucidações tinham
caráter particular, não podiam ser generalizadas em torno de quantidades sempre aplicáveis e
de percentuais infalíveis, pedindo antes, descrições que apontassem na busca das respostas
direcionadas pelo problema e pelas hipóteses substantivas. Contudo, o autor acrescenta que os
números podem ser usados em caráter complementar e, de acordo com seu ponto de vista, as
abordagens quantitativas e qualitativas tendem à complementaridade. Esta asserção corrobora
a ótica de Laville e Dionne (1999, p. 225), segundo a qual “as perspectivas quantitativas e
qualitativas não se opõem então e podem até parecer complementares, cada uma ajudando à
sua maneira o pesquisador a cumprir sua tarefa, que é de extrair as significações essenciais da
mensagem”.
5.3 A escolha do Problema Matemático Abordado na Pesquisa
O problema surgiu através de um discurso coletivo, emitido por uma comunidade de
alunos do curso de Análise e Desenvolvimento de Sistemas de uma faculdade pública do
Estado de São Paulo, e que foi percebido pelo autor deste trabalho, também professor da
turma. Em tal discurso, ecoava uma inquietação, bem como uma necessidade dos alunos em
vislumbrar uma aplicação da Matemática estudada no curso em sua área de formação.
A voz coletiva inquietou o professor, mesmo porque este discurso não ocorreu apenas
em uma classe, mas em outras também. Houve uma turma de dependência da Disciplina
Cálculo I do curso de Informática com Ênfase em Gestão de Negócios, da mesma faculdade,
porém em um campus diferente, em que a inquietação era ainda mais contundente. Nas
73
primeiras aulas do curso, muitos alunos questionavam a necessidade desta disciplina e de
outras até, da área de Matemática, já que não conseguiam associá-las à sua formação
profissional.
Este discurso causou um incômodo ao professor – autor desta pesquisa – e levou-o a
procurar estratégias apropriadas com a tentativa de modificar a visão que conduzia o aluno a
dissociar a Matemática de sua atuação profissional. Na busca pela estratégia adequada, o
diálogo entre pesquisador e orientador foi decisivo na construção de uma base teórica que
abarcasse o problema percebido.
Dentre os autores estudados, Skovsmose (2007), conforme o capítulo 3 deste trabalho,
sugere que a escolha de um problema/aplicação Matemática, deve ser feita levando em
consideração não uma realidade de “faz-de-conta”, ou seja, uma irrealidade, mas, ao
contrário, o problema escolhido deve fazer parte do quadro teórico e estar contido na
realidade dos alunos. Ainda em relação a esse autor, vimos que, em sua visão, o diálogo entre
professor e aluno consiste em um dos pontos centrais da Educação Crítica e faz parte de uma
atitude democrática, sendo, portanto, fundamental para o desenvolvimento de uma sociedade
democrática. Com isso, deixa claro a fundamental importância do envolvimento do estudante
no controle do processo educacional. Pensamento análogo é encontrado em Oliveira (2009),
descrito também no capítulo 3.
Borba (2004) faz observações semelhantes sobre a escolha de problemas a serem
tratados em sala de aula. O autor trata, por exemplo, da modelagem como uma proposta
aberta em que uma seqüência didática é substituída por uma ordem que tem forte influência
do interesse dos alunos. Neste contexto, os aprendizes trabalham com temas diversos,
escolhidos por eles e negociados com o professor.
Motivado pelos aspectos teóricos citados e percebendo o incômodo em relação ao
aprendizado de Matemática, iniciou-se um diálogo com os alunos, colocando assim, o
estudante no centro do processo educacional (OLIVEIRA, 2009b; SKOVSMOSE, 2008).
Além disso, procurou-se entender suas inquietudes e encontrar conjuntamente um problema
que poderia servir aos objetivos da pesquisa.
O problema considerado consiste no Modelo Vetorial para Recuperação de
Informações, descrito no capítulo anterior. Este é um problema do interesse dos alunos de
informática, pois consiste em uma aplicação direta da Matemática na área de formação desta
comunidade/coletivo de alunos, além de ser um problema atual, que não atingiu seu total
desenvolvimento, necessitando, portanto, de pessoas que o estudem e o aprimorem. Como
74
afirma Castells “as novas tecnologias não são simplesmente ferramentas a serem aplicadas,
mas processos a serem desenvolvidos” (CASTELLS, 2009, p. 69).
Outra característica importante do problema escolhido é que ele atende aos critérios
subjetivos e objetivos, descritos por Skovsmose (2008) e estabelecidos por este autor como
um dos pontos chaves da educação crítica. Embora este assunto já tenha sido tratado em
capítulos anteriores, vale recuperar estes critérios e analisá-los em função do problema em
tela. São eles:
1. O subjetivo: O problema deve ser concebido como relevante na perspectiva dos
estudantes. Além disso, deve ser possível enquadrar e definir o problema em termos
próximos das experiências e do quadro teórico do aluno;
2. O objetivo: O problema deve ter uma relação próxima com problemas sociais
objetivamente existentes.
Já foi dito que o problema escolhido trata de questões tecnológicas, e portanto, atende
ao critério de ser subjetivo, já que os sujeitos da pesquisa são alunos de um curso de
informática. Em relação ao critério de ser objetivo, é importante destacar que o assunto
abordado tem implicações sociais relevantes. É difícil imaginar alguém que nunca tenha feito
uma consulta na Internet com o objetivo de obter alguma informação. Esta última observação
corrobora o pensamento dos teóricos tratados nos capítulos 2 e 3. Skovsmose (2008), por
exemplo, afirma que não se teria uma sociedade como a atual caso subtraíssemos dela o
conhecimento matemático e tecnológico. Castells (2009), como mencionado anteriormente,
afirma que a tecnologia é a sociedade, e a sociedade não pode ser entendida ou representada
sem suas ferramentas tecnológicas, o que é confirmado nas asserções de Lévy (2008b).
Novamente, é difícil imaginar uma sociedade que não seja influenciada pelas questões
tecnológicas, como foi dito: a técnica está tão associada ao homem que rejeitá-la equivaleria
negar o próprio homem.
Essas reflexões sobre as implicações sociais de uma tecnologia possibilitada por
algum modelo matemático permearam o diálogo ocorrido durante as aulas, entre professor e
alunos e entre os próprios alunos. Com isso, procurou-se ir além do simples estudo de um
algoritmo, procurando cultivar o que Skovsmose (2008) chamou de conhecimento reflexivo.
Desenvolveram-se, aqui, argumentos a favor do diálogo, com a justificativa de que ele
permeou a construção do trabalho. Citou-se, por exemplo, o diálogo entre pesquisador e
orientador na escolha de uma base teórica que suportasse o desenvolvimento da pesquisa, o
diálogo entre professor e aluno e entre os próprios alunos com o intuito de entender as
75
necessidades do coletivo. Com isso, procurou-se colocar em prática o que Skovsmose (2008)
denominou de argumento pedagógico relacionado à conjunção de Matemática e democracia.
Para o autor:
As possibilidades de exercício dos deveres e direitos democráticos não estão apenas relacionadas às estruturas democráticas formais institucionalizadas, mas também a uma atitude democrática individualmente consolidada. Ações democráticas de nível macro devem ser antecipadas no nível micro. Isso quer dizer que não podemos esperar o desenvolvimento de uma atitude democrática se o sistema escolar não contiver atividades democráticas como principal elemento. Se queremos desenvolver uma atitude democrática pela Educação Matemática, os rituais dessa educação não podem conter aspectos fundamentalmente não-democráticos. O diálogo entre professor e estudantes tem um papel importante. (SKOVSMOSE, 2008, p. 46)
Ainda em relação à escolha do problema, em sintonia com o pensamento de Lévy
(2008b), os mecanismos de recuperação de informações, ou sistemas de buscas, constituem-se
em artefatos técnicos, desenvolvidos com base em modelos matemáticos, e contribuem para
estruturar o funcionamento da sociedade, sendo, portanto, na ótica do pensador francês, atores
em uma coletividade que já não se pode dizer puramente humana (conforme já discutido no
capítulo 2).
Foi descrito, também, no capítulo dois que Levy (2010) rompe com a dicotomia entre
homem e técnica: mais especificamente, o autor fala sobre as tecnologias como extensão da
mente e do corpo humano, havendo, portanto, em sua visão, uma interação direta entre estes
elementos. Assevera o mesmo escritor, ainda, que a memória humana é limitada e ao falar
sobre isso, declara explicitamente a importância de equipamentos de armazenamento e
recuperação de informações, visto que estes atuam não de forma separada, mas conjunta à
mente humana, aumentando sua capacidade.
Outro ponto relativo à escolha do problema escora-se em outras asserções de Levy
(2008b). Ao dissertar sobre cibercultura, esse autor declara que o movimento afeta diversas
áreas da sociedade, com destaque à educação, pois as tecnologias intelectuais que
acompanham a cibercultura favorecem novas formas de acesso à informação: navegação por
hiperdocumentos, caça a informações através de mecanismos de pesquisa, knowbots ou
agentes de software e exploração contextual através de mapas dinâmicos de dados. Com isso,
o pensador francês classifica os mecanismos de busca como uma tecnologia intelectual,
possuindo, portanto, implicações sociais e educacionais motivadoras quanto à escolha do tema
desta pesquisa.
Entende-se ainda, como Lévy (2010), a comunidade de alunos como um coletivo
pensante, constituinte de uma inteligência coletiva, da qual emanou a necessidade de novos
76
conhecimentos. A voz coletiva, ao contrário da voz do sujeito isolado, possui maior apelo, e
surgiu dotada de maior poder de mobilização, o que levou ao desenvolvimento deste trabalho.
5.4 Participantes da Investigação A presente investigação ocorreu em uma faculdade pública do Estado de São Paulo.
Os participantes foram os alunos do primeiro semestre do curso de Análise e
Desenvolvimento de Sistemas da referida faculdade, e o professor desempenhou também o
papel de pesquisador.
A turma é constituída por um total de 34 alunos; destes, 27 são do sexo masculino e 7
são do sexo feminino. A classe inicialmente era composta por 40 alunos, mas houve 4
desistências do curso, além de dois alunos que foram dispensados da disciplina por a terem
cumprido em outra instituição. A escolha ocorreu de forma intencional, tendo em vista que
esses alunos participam de um curso da área de informática, possibilitando, assim, a
concretização dos objetivos logrados por esta investigação. Vale ressaltar que os alunos foram
voluntários, pois aderiram à idéia de participarem como sujeitos da pesquisa sem que
houvesse qualquer contrapartida.
Em relação à faixa etária, pode-se dizer que é bem heterogênea, de forma que as
idades estão distribuídas em um intervalo de classe com limite inferior igual a 18 anos e
superior igual a 50 anos. Cabe ainda declarar que a pesquisa foi realizada durante as aulas da
disciplina Matemática Discreta e ocorreu sem prejuízo ao planejamento efetuado antes do
início das aulas, visto que os conceitos matemáticos, relevantes à aplicação que foi
desenvolvida, estavam contidos no conteúdo programático da disciplina.
5.5 Coleta e Análise dos Dados Para responder a questão de pesquisa e atingir o objetivo desta investigação, procurou-
se um instrumento que possibilitasse a obtenção dos dados a serem analisados. Importante
salientar que a coleta dos dados foi exclusivamente feita pelo pesquisador em sala de aula.
Laville e Dionne esclarecem que:
Para coletar informações a propósito de fenômenos humanos, o pesquisador pode, segundo a natureza do fenômeno e a de suas preocupações de pesquisa, ou consultar documentos sobre a questão, ou encontrar essa informação observando o
77
próprio fenômeno, ou ainda interrogar pessoas que o conhecem. (LAVILLE e DIONNE, 1999, p. 175-176)
Em seção anterior, foi relatado que a escolha do problema matemático tratado na
pesquisa emergiu da percepção do professor/pesquisador a respeito do descontentamento dos
alunos em relação ao aprendizado de Matemática, principalmente pelo fato de não
vislumbrarem aplicações relevantes em seus estudos. Tal percepção surgiu a partir da
observação do comportamento e das reivindicações dos estudantes. Desta forma, pode-se
dizer, ainda que informalmente, que a observação constituiu-se nesta pesquisa em um
instrumento primeiro de obtenção de informações. A partir da observação direta dos alunos,
foi possível desenvolver estratégias para registrar suas concepções sobre as imbricações entre
Matemática e tecnologia.
Laville e Dionne enfatizam que “a observação como técnica de pesquisa não é
contemplação beata e passiva; não é também um simples olhar atento” (LAVILLE e
DIONNE, 1999, p. 176). Esclarecem, ainda, que para ser científica, a observação deve ser
criteriosa e satisfazer certas exigências. Para cumprir a exigência do rigor cientifico, os
autores apresentam algumas técnicas de observação. Dentre elas, destaca-se a utilização de
questionários, cuja uniformização assegura que as pessoas vejam as questões formuladas da
mesma maneira, na mesma ordem e acompanhadas da mesma opção de respostas, facilitando
sua compilação a comparação.
Os questionários, ainda na visão destes autores, ao oferecerem respostas
predeterminadas ajudam inicialmente a:
Esclarecer o sentido das perguntas que poderiam mostrar-se ambíguas, garantindo ao pesquisador que as respostas fornecidas serão da ordem das respostas esperadas, que corresponderão aos indicadores que ele estabeleceu. [...] Ao mesmo tempo, uma escolha de respostas preestabelecidas evita que o pesquisador deva interpretar a resposta dos interrogados: estes colocam a si mesmos nas categorias, apontando sua escolha. (LAVILLE e DIONNE, 1999, p. 184)
A partir da adequação do questionário, passou-se à elaboração de seus enunciados. As
opções de respostas foram modeladas segundo a escala de Likert, que consiste em uma “série
de campos que lhes permite precisar se, por exemplo, estão em total desacordo, em desacordo,
sem opinião, de acordo, ou totalmente de acordo com o enunciado considerado” (LAVILLE e
DIONNE, 1999, p. 183).
O primeiro questionário desta pesquisa (Apêndice A) continha, ainda, uma questão
aberta, ou seja, sem opção de respostas, proporcionando ao interrogado um espaço para emitir
78
sua opinião: com isso, o aluno pôde “exprimir seu pensamento pessoal, traduzi-lo com suas
próprias palavras, conforme seu próprio sistema de referências” (LAVILLE e DIONNE,
1999, p. 186).
Houve, ainda, uma segunda questão, aplicada aos alunos, após o desenvolvimento de
algumas atividades propostas na pesquisa, em que os participantes da pesquisa efetuaram o
registro de suas impressões acerca das atividades propostas e da relação entre a Matemática e
seu uso social, do ponto de vista de sua formação profissional.
A seguir, no próximo capítulo, apresentamos o enunciado de cada questão, seguido
das respostas obtidas, bem como as respectivas análises.
79
6. COLETA E ANÁLISE DOS DADOS
Descrevem-se, neste capítulo, os questionários aplicados por ocasião da pesquisa
descrita neste trabalho, suas respectivas respostas, bem como a dinâmica dos acontecimentos.
Apresentam-se, ainda, as análises dos documentos e das produções discentes.
Um importante aspecto já mencionado, mas que vale ser relembrado, é o fato de a
investigação ter decorrido num contexto normal de aula, sem prejuízo das atividades letivas,
uma vez que os conceitos matemáticos abordados estavam previstos no plano de ensino da
disciplina. Assim, não foi necessário apresentar nenhuma justificativa relativa a qualquer
mudança no planejamento inicial da disciplina que pudesse ocorrer em função da pesquisa.
Durante as atividades letivas, o estudo foi enquadrado nas aulas de Matemática Discreta do
curso de Análise e Desenvolvimento de Sistemas.
O estudo em causa decorreu no segundo semestre do ano letivo de 2010. A
distribuição das atividades relacionadas com o estudo ocorreu durante cinco semanas, período
no qual houve a aplicação dos questionários, a apresentação e discussão do Modelo Vetorial
para Recuperação de Informações e a construção dos mecanismos de busca baseados no
modelo vetorial. Adiante, tais etapas surgem com maior detalhamento. Não se está, portanto,
computando nessas semanas o tempo utilizado para ensino/aprendizado dos conceitos
matemáticos envolvidos na construção do mecanismo de busca, uma vez que este processo
ocorreu ao longo do semestre, respeitando a dinâmica normal do curso, exatamente por estes
conceitos estarem contidos no conteúdo programático da disciplina.
O calendário das atividades, contendo a descrição dos instrumentos de coleta de dados
utilizados, encontra-se listado no quadro abaixo.
Momento do Estudo Instrumento de Coleta de
Dados
Período
Fase Inicial do Estudo Primeiro questionário 20/10/2010
Apresentação do modelo
vetorial para RI
Não houve 22, 27 e 29/10/2010
Desenvolvimento do
mecanismo de busca
Não houve 29/10 à 17/11/2010
Entrega dos Mecanismos Os programas foram 17/11/2010
80
implementados. implementados e entregues
ao professor gravados em
CD
Fase final do estudo –
Discussão do processo de
desenvolvimento do
programa e averiguação
das atitudes e
conhecimentos adquiridos
Segundo Questionário 19/11/2010
Quadro 2 – Calendário das atividades
Na fase inicial do estudo, todos os alunos preencheram o primeiro questionário, cujas
questões estão descritas a seguir.
6.1 Primeiro Questionário
Miles e Huberman (2004) apud Martins (2006) propõem um modelo de análise na
investigação qualitativa que consiste em três momentos: a redução dos dados, sua
apresentação/conclusão e a verificação. A redução diz respeito ao processo de selecionar,
simplificar e organizar todos os dados obtidos durante a investigação. A apresentação dos
dados refere-se ao momento em que a informação é organizada e compactada para, assim, o
investigador poder ver rápida e eficazmente o que se passa no estudo. O terceiro e último
momento corresponde à extração de conclusões de toda a informação recolhida, organizada e
compactada, que está dependente da quantidade de notas tiradas, dos métodos usados e,
principalmente, da experiência do investigador neste campo.
Partindo dos pressupostos descritos acima sobre as etapas de uma análise qualitativa,
procurou-se, nesta pesquisa, reduzir os dados a percentuais, a fim de facilitar as
interpretações, bem como sua apresentação em tabelas – as análises efetuadas estão dispostas
abaixo de cada uma delas.
6.1.1 Apresentação dos Dados e análises preliminares
Em relação às respostas providas em cada uma das questões, o enunciado relativo ao
quadro seguinte servia de referência.
81
Relativamente a cada uma das afirmações que seguem, diga qual o seu grau de concordância:
(Assinale com um X o número associado à resposta que quer dar)
1 2 3 4 5
Discordo totalmente
Discordo Não concordo nem discordo
Concordo Concordo totalmente
Quadro 3 – Escala de Likert
As questões e seus respectivos comentários estão dispostos a seguir:
1.
Tudo o que é estudado em Matemática neste curso poderá ser usado amplamente na profissão pretendida.
1 2 3 4 5
As respostas para essa questão estão sintetizadas no quadro abaixo:
Grau de Concordância
1 2 3 4 5
Frequência 1 6 4 14 5 Frequência Percentual
3,33% 20% 13,33% 46,67% 16,67%
Os resultados acima elencados causaram certa surpresa, pois pareciam contrariar
nossas observações a respeito do discurso dos alunos, que demonstravam insatisfação a
respeito do aprendizado matemático, além de falta de visão relativa às possíveis aplicações da
Matemática em sua formação profissional. Contudo, as respostas à questão aberta, descritas
mais adiante, proporcionarão um melhor entendimento destes dados.
2.
A Matemática exerce influência no modelo da sociedade atual 1 2 3 4 5
Grau de Concordância
1 2 3 4 5
Frequência 0 1 10 11 8 Frequência Percentual
0,00% 3,33% 33,33% 36,67% 26,67%
Percebe-se que uma parcela significativa dos sujeitos pesquisados não tem uma
opinião definida a sobre a influência da Matemática na sociedade atual. Essa indecisão a
respeito da afirmativa reforçou a necessidade de um trabalho didático/pedagógico com o
82
intuito de ampliar a visão dos alunos, levando-os a perceber o papel substancial exercido pela
Matemática na sociedade contemporânea.
3.
O desenvolvimento da sociedade é condicionado pelo desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação.
1 2 3 4 5
Grau de Concordância
1 2 3 4 5
Frequência 0 0 3 16 11 Frequência Percentual
0,00% 0,00% 10% 53,33% 36,67%
Os dados obtidos nesta questão, combinados com os resultados da questão anterior nos
levaram a um entendimento sobre uma possível dissociação, ao menos em certo nível, por
parte dos alunos, sobre Matemática e desenvolvimento tecnológico. Na questão dois, 36,67%
e 26,67% responderam, respectivamente, “concordo e concordo totalmente” sobre a afirmação
“A Matemática exerce influência no modelo da sociedade atual”. Em relação à questão três
para os mesmos graus de concordância, as respostas totalizaram 53,33% e 36,67%,
respectivamente. Percebe-se claramente que, na visão dos discentes, está mais consolidada –
ou, pelo menos, consolidada por um número maior de pessoas – a visão através da qual a
tecnologia exerce grande influência na sociedade contemporânea. Este número, superior em
relação aos sujeitos que tem esta percepção em relação à Matemática, corrobora as
observações iniciais desta investigação, mas com um refinamento: não há uma correlação
direta entre a importância das duas áreas de conhecimento aqui aventadas, o que permite
assinalar que boa parte dos alunos não assimila a Matemática como conhecimento
fundamental para o desenvolvimento tecnológico.
4.
Os mecanismos de busca na Internet – o Google por exemplo – são aplicações de importância relativa, pois é possível selecionar dados provindos da Internet manualmente.
1 2 3 4 5
Grau de
Concordância
1 2 3 4 5
Frequência 2 13 6 9 0
83
Frequência
Percentual
6,67% 43,33% 20% 30,00% 0,00%
A metade dos alunos discordou dessa afirmação, enquanto que 20% assinalaram nem
concordar nem discordar da afirmação. Outros 30% assinalaram concordar parcialmente. Com
a finalidade de tornar os resultados mais claros, procedeu-se a um levantamento informal
entre os estudantes, no qual foi possível perceber que eles atribuíam grande importância aos
mecanismos de busca. Concluiu-se, então, que, ao escolher os itens 3 e 4 da escala proposta,
os alunos não desejavam dizer que os mecanismos de busca não tinham extrema importância,
mas que, apesar disto, seria possível fazer buscas manuais – o que é verdade, ainda que
tenham assinalado que buscas manuais seriam muito ineficientes. Estas observações
permitiram entender a pertinência na escolha de estudar os mecanismos de busca como
tecnologias desenvolvidas com base em modelos matemáticos.
5.
Os mecanismos de buscas, entendidos como as tecnologias que permitem a recuperação de informações na Internet, poderiam ser concebidos sem o emprego de conhecimentos matemáticos – a inteligência artificial seria uma alternativa, por exemplo.
1 2 3 4 5
Grau de
Concordância
1 2 3 4 5
Frequência 8 11 10 1 0
Frequência
Percentual
26,67% 36,67% 33,33% 3,33% 0,00%
Embora a frequência percentual acumulada entre aqueles que discordam totalmente e
discordam da afirmação supere os 50%, um grande percentual, ou seja, 36,66% dos
pesquisados não concordam nem discordam ou não concordam da afirmação. Estes resultados
permitem indicar que uma parte deste grupo de alunos não tem conhecimentos suficientes
para afirmar que os mecanismos de buscas, bem como a inteligência artificial, estão
fundamentados em algoritmos matemáticos. Novamente, comparando estes percentuais com
os obtidos na questão 2, constata-se uma defasagem em relação ao entendimento do papel que
a Matemática exerce no desenvolvimento social e tecnológico.
84
Esta análise das questões fechadas do questionário reforçou as observações realizadas
em sala de aula, e que foram levantadas anteriormente ao período da investigação. Pode-se de
fato constatar que os alunos, embora atribuam uma importância à Matemática, não sabem
como relacionar o conhecimento matemático ao desenvolvimento tecnológico, tendo como
conseqüência uma desmotivação em relação ao aprendizado desta disciplina, bem como uma
visão distorcida em relação à necessidade deste aprendizado em sua formação profissional.
Este questionário trazia ainda uma questão aberta, solicitando que os alunos
comentassem as respostas anteriores. Não foi exigido que os sujeitos comentassem questão
por questão: eles poderiam fazer da forma que achassem mais conveniente, comentar todas as
questões ou apenas uma. O objetivo foi deixar os alunos livres para expressar suas opiniões.
As informações assim colhidas foram descritas e analisadas através de duas categorias. Uma
terceira categoria de análise, como se explica mais adiante, refere-se ao desenvolvimento de
um sistema de busca pelos alunos.
6.2 Categorias de análise
Laville e Dionne (1999) explicam que após a obtenção do material a ser analisado – no
caso deste trabalho, o questionário descrito acima – faz-se necessário um estudo minucioso de
seu conteúdo, das palavras e frases que o compõem, do sentido, das intenções, de modo a
reconhecer o essencial e selecionar em torno das idéias principais, extraindo, assim, uma
significação. Esclarecem ainda que:
Uma das primeiras tarefas do pesquisador consiste, pois, em efetuar um recorte de conteúdos em elementos que ele poderá em seguida ordenar dentro de categorias. Dado que a finalidade é evidentemente agrupar esses elementos em função de sua significação, cumpre que esses sejam portadores de sentido em relação ao material analisado e às intenções da pesquisa. Os elementos assim recortados vão constituir as unidades de análise [...]. A palavra importante aqui é a unidade para significar que cada um desses fragmentos de conteúdo deve ser completo em si mesmo no plano do sentido (LAVILLE e DIONNE, 1999, p. 216)
O termo unidade na citação anterior deve ser entendido como unidade de sentido,
sentido que o pesquisador se propõe a encontrar em sua investigação. Portanto, as categorias
comportam, cada uma, recortes, cujos valores, nuanças e sentidos são agrupados sob
determinado “rótulo” que, na interpretação do pesquisador, descreve o conteúdo nela contido.
Ao falar em interpretação, cabe ressaltar que “toda análise compreende uma parte de
85
interpretação em que o pesquisador explicita o que ele entende dos resultados obtidos”
(LAVILLE e DIONNE, 1999, p. 217). Oliveira (2007, p. 33) concorda com esta afirmação e,
servindo-se de Gomes (1994), entende que a “análise e a interpretação estão contidas no
mesmo movimento: o de olhar atentamente para os dados da pesquisa”.
Entendendo que análise e interpretação estão intimamente ligadas, segue Oliveira
explicando que:
Apesar de ser mais sistemática e formal após a coleta de dados, o trabalho de análise permeia todo o estudo, o que, em uma abordagem qualitativa, é extremamente importante, já que o objeto, as hipóteses, as categorias não permanecem engessadas, mas submetem-se às variações constantes em quaisquer elementos presentes no tecido social em foco. Da mesma forma, [...] a tarefa de análise pode ser concomitante em relação à coleta de dados, sendo esta a abordagem mais frequentemente utilizada pelos pesquisadores qualitativos. (OLIVEIRA, 2007, p.34)
Este pensamento tem permeado o desenvolvimento deste trabalho, inclusive quanto à
formação das categorias de análise: 1) percepção da influência dos artefatos tecnológicos na
sociedade; 2) percepção da importância da Matemática para o desenvolvimento tecnológico;
3) percepção da influência da Matemática na formação profissional. A seguir, explicam-se
estas categorias, procurando evidenciar os pontos de vista dos alunos manifestados no
questionário, ilustrando suas opiniões e seus valores em relação às afirmações propostas.
6.2.1 Percepção da influência dos artefatos tecnológicos na sociedade O debate em torno da questão aventada pelo título desta seção é rico e digno de
análise, visto que reflexões acerca dos artefatos tecnológicos, sobretudo as tecnologias de
informação e comunicação, constituem-se em um dos pilares deste trabalho.
Por falar em comunicação, uma abordagem pertinente refere-se à comunicação do
professor para o aluno. O papel do professor, ao longo do tempo, tem sido transformado. No
passado, a transmissão do saber , assim como dos ritos e tradições, era feita oralmente, em
uma época que havia a primazia do que Levy (2008a) chamou de oralidade primária. Neste
contexto específico, a narrativa era uma estratégia adequada à transmissão de conhecimentos,
havendo, portanto, a necessidade da coexistência cronológica e espacial entre os parceiros da
comunicação; em outras palavras, o conhecimento repousava na figura do narrador – pode-se
dizer “professor”. Como relatado no capítulo três, este tipo de sociedade tinha uma grande
86
dependência da memória dos indivíduos, visto que ela repousava em pessoas e não em
registros externos.
Em um segundo momento histórico, encontra-se o “pólo da escrita” (LÉVY, 2008a).
Com a invenção da escrita, a memória, que antes repousava na pessoa, amplia-se por meio
dos relatos que eram produzidos sobre tábuas de argila, papiros, entre outros suportes.
Contudo, a figura do transmissor de conhecimento continuava sendo essencial, já que a
reprodução destes escritos era extremamente trabalhosa. O ensino substancialmente ocorria
por intermédio de um locutor, fato que centralizava o conhecimento na figura do professor.
Com a invenção da prensa de Gutenberg, esse paradigma começa a ser alterado.
Segundo Lévy (2008a), a prensa permitiu que um novo estilo cognitivo se instaurasse. Surge a
figura do autodidata, como relata o pensador francês: “a inspeção silenciosa de mapas, de
esquemas, de gráficos, de tabelas, de dicionários encontra-se a partir de então no centro da
atividade cientifica.” (2008a, p. 99). Não existe mais, a partir de então, a necessidade de uma
sincronia física e temporal entre quem comunica e a quem é comunicado.
No século XX, a mudança acentua-se ainda mais. Dentre as inovações tecnológicas, a
mais significativa relaciona-se com a invenção do computador, e consequentemente, o
desenvolvimento da Internet. Como relatado no capítulo 2, Lévy (2008a) considera o
computador como um dos dispositivos técnicos pelos quais percebemos o mundo. Na visão do
autor, os pólos da oralidade primária e da escrita passam a coexistir juntamente com o pólo
informático-midiático, com preponderância deste último. Neste pólo, a memória social
encontra-se objetivada em dispositivos técnicos, a velocidade da comunicação é
impressionante e a rede de interlocutores estende-se por todo globo terrestre.
Esta intensa disponibilidade de dados, evidentemente necessitando de crítica e de
seleção adequada, desloca e despersonaliza a possibilidade de ter acesso aos elementos que
subsidiam a construção do conhecimento. Para Lévy (2008a), a utilização de um determinado
tipo de tecnologia intelectual coloca ênfase particular em certos valores. Como conseqüência,
diferentes formas de atividades cognitivas cristalizam formas culturais particulares. É neste
ponto que voltamos a figura do professor, este já não é mais a fonte exclusiva do
conhecimento: novos hábitos foram adquiridos e vão sendo disseminados entre as pessoas que
aprendem, como conseqüência de a memória social encontrar-se no ciberespaço.
Essa nova realidade vem sendo percebida com freqüência no discurso dos alunos: é
possível observá-los buscando novos meios de aprendizado. Falam sobre tutoriais e
vídeoaulas, cheios de motivação. Participam de comunidades virtuais nas quais encontram
outras pessoas e a memória de suas interações. Buscam estes espaços com o objetivo de
87
resolver um determinado exercício ou de resgatar certo material de estudo, cujo assunto havia
sido tratado em sala de aula.
Percebe-se, assim, que os alunos fazem uso das tecnologias de informação e
comunicação e que estas não estão à margem de suas escolhas, mas que ocupam posição de
destaque. Retornando à terceira afirmação do questionário descrito na seção anterior, “o
desenvolvimento da sociedade é condicionado pelo desenvolvimento das tecnologias de
informação e comunicação”, notamos que a grande maioria dos alunos concordava com ela.
Porém, naquela seção, estávamos tratando de percentuais, e como dissemos, estes tem caráter
complementar em uma pesquisa qualitativa. Como afirma Oliveira (2007) palavras e/ou
imagens são mais adequados à descrição do que os números. Com este entendimento,
reproduziremos algumas das respostas produzidas pelos alunos, ao comentarem a terceira
afirmação do questionário:
1) Com certeza, a tecnologia da informação e comunicação promove a mentalidade da sociedade e desenvolve ela (sic) como um todo;
2) A sociedade como um todo é profundamente impactada
pelos avanços tecnológicos, pelo fato destes avanços terem proporcionado a globalização, fazendo com que povos adotem costumes de outras nações, que geralmente são as mais industrializadas;
3) Acredito que o desenvolvimento das tecnologias de
informação e comunicação facilite o desenvolvimento da sociedade, pois acelera a comunicação e aumenta a disponibilidade das informações;
4) Sem dúvida, pois os meios de comunicação influenciam
diretamente no desenvolvimento da sociedade;
5) Sim a evolução social sempre aconteceu no ritmo dos avanços tecnológicos e com a velocidade com que a informação se propaga.
Esta questão foi comentada por vinte alunos, todas as respostas de uma forma ou de
outra expressam uma visão favorável à afirmação. Isso deixa claro que os alunos entendem
que as tecnologias de informação e comunicação são fatores condicionantes para o
desenvolvimento da sociedade. Mais do que um simples entendimento, esses alunos utilizam
os recursos tecnológicos objetivando seu próprio desenvolvimento. Esta conclusão emerge a
partir das respostas à quarta questão, “os mecanismos de busca na Internet, o google por
88
exemplo, são aplicações de importância relativa, pois é possível selecionar dados provindos
da Internet manualmente”, para a qual seguem algumas respostas:
1) O mecanismo de busca é de muita importância, pois a busca é rápida e eficiente;
2) Todos os dias eu uso o Google ele é um meio rápido de
obter informações;
3) Nem sei como fazer uma pesquisa manual na internet;
4) É possível sim selecionar dados manualmente na internet, mas desmerecer a facilidade no uso desses mecanismos é absurdo. Todos nós usamos o Google ou outro site de busca;
5) Dada a quantidade absurda de informação na internet é
quase impossível localizar uma informação sem um mecanismo de busca;
6) Discordo totalmente. O Google é líder em buscas na
internet. A internet é uma imensa biblioteca, repositório necessário, útil à sociedade;
7) Para mim, o único meio de obter dados na internet é através
de sites buscadores (Google, Bing, cadê...). Sempre que preciso de alguma informação recorro a eles.
Dezesseis alunos comentaram esta questão. Todos eles, a exemplo dos acima
retratados, expressaram-se de forma favorável aos mecanismos de busca na Internet,
assumindo, inclusive, que utilizam estes mecanismos como fonte de informações. É
importante observar que em nenhum momento o questionário sugeria alguma utilização
pessoal da Internet como fonte de consulta para obtenção de informações. Não obstante, os
alunos voluntariamente relataram que fazem uso freqüente da Internet com esse fim.
Não obstante as percepções levantadas nesta seção, ainda não era possível aventar, até
este momento, se a importância atribuída às tecnologias e, por extensão, aos mecanismos de
busca, alimentava qualquer correlação com o uso de ferramenta matemática, tanto no contexto
social quanto no profissional, em particular. A análise em outras categorias permitiu, ao
mesmo tempo, comparar e intervir neste aspecto.
89
6.2.2 Percepção da importância da Matemática para o desenvolvimento
tecnológico
No meio acadêmico, existe algum consenso em relação à importância da Matemática
para a consolidação e desenvolvimento de diversas áreas científicas. Autores como
Skovsmose (2008), por exemplo, argumentam que não teríamos uma sociedade como a atual,
altamente tecnológica, caso subtraíssemos dela o convívio com o conhecimento matemático.
Bassanezi possui uma visão interessante relativa ao binômio Matemática e
Computação:
A ciência da computação está em fase de ser cristalizada como disciplina. Ela inclui muitas aplicações da lógica Matemática (teoria das máquinas de Turing) e mais recentemente a lógica fuzzy, as funções recursivas, e de um modo geral a computabilidade. A interação entre a computação e a Matemática tem crescido de tal forma que seria difícil afirmar quem ajuda quem em seu desenvolvimento. (BASSANEZI, 2006, p. 34)
No capítulo 3 deste trabalho, falamos sobre a Matemática como sustentáculo para o
desenvolvimento tecnológico, assim como para o desenvolvimento social. No âmbito desta
investigação, foi uma preocupação importante a de entender a visão do aluno a esse respeito.
Pensamos que grande parte das insatisfações manifestadas pelos alunos em relação ao
aprendizado matemático, já relatada por diversas vezes neste trabalho, surge em função de
uma falta de conhecimento do papel exercido pela Matemática no desenvolvimento
tecnológico. Intuímos, inicialmente, que esta falta de entendimento seria uma das possíveis
causas de tal insatisfação, já que estão em um curso de tecnologia e não conseguem associar a
Matemática ao desenvolvimento tecnológico, conseqüentemente, não atribuem uma
importância significativa para a Matemática em sua formação.
Ao analisarmos as respostas dadas à afirmação dois do questionário, segundo o
modelo da escala de Likert, comentado anteriormente, começamos a entender que nossa
hipótese não estava destituída de verdade. Recuperando-a temos: “a Matemática exerce
influência no modelo da sociedade atual”.
A esta afirmação 33,33% dos alunos, portanto, uma parcela significativa, não
concordam nem discordam, ou seja, não possuíam um posicionamento definido e 3,33%
estavam em desacordo. Os demais concordam em algum grau. Alguns comentários a respeito
desta afirmação na questão aberta possibilitam um melhor entendimento deste
posicionamento dos alunos.
1) Não sei avaliar;
90
2) Acredito que sim, já que vivemos em um modelo capitalista
tudo é basicamente somar ou dividir;
3) Acredito que sim, porém não sei exatamente como;
4) Exerce pouca função se comparada com outras atividades;
5) Acredito que sobre certos aspectos sim, mas nunca cheguei a pensar sobre;
6) Não tenho opinião sobre o assunto.
Treze alunos comentaram essa questão, as respostas acima manifestam que alguns não
refletem a respeito do tema e não tem conhecimento suficiente para dissertar sobre; outros,
entretanto, possuem posicionamento mais definido, como os descritos a seguir.
7) Concordo totalmente, pois a Matemática em geral cria uma visão mais sistêmica e lógica, coisas indispensáveis para tomar decisões;
8) Sim, quanto menos Matemática na sociedade mais
desorganizada ela será;
9) A Matemática está presente tanto na sociedade atual como nos antigas. Porém é muito forte dizer que ela exerce influência no modelo da sociedade atual;
10) Concordo, pois a Matemática está em tudo e seu
desenvolvimento ajuda nas melhorias e no desenvolvimento de novas tecnologias;
11) Totalmente porque a sociedade atual tem como principal
elemento as tecnologias de comunicação e informação e estas têm sua base na Matemática;
12) Sim, pois a Matemática direciona tudo para uma evolução,
trazendo uma solução pautada em fundamentos concretos;
13) Sim, veja a estatística.
Embora os alunos que emitiram essas últimas respostas concordem de certa forma com
a afirmação, apenas dois deles relacionaram, em suas argumentações, a Matemática com o
desenvolvimento tecnológico. Isto nos leva a pensar que a insatisfação inicialmente verificada
em meio aos estudantes se deva mais à dissociação entre tecnologia e Matemática feita por
boa parte deles, bem como à falta de percepção da correlação de ambas em um cenário de
91
atuação profissional em uma sociedade específica, do que mais propriamente à opinião de que
a Matemática não seria importante. Esta conclusão ficou ainda mais evidente quando
comparamos os comentários relacionados à questão três e relatados na seção anterior. Esses
comentários revelam um elevado percentual de opiniões que admitem o fato de a sociedade
ser condicionada pelo desenvolvimento tecnológico. Porém, como vimos, em relação à
Matemática, as opiniões neste sentido são compartilhadas por um número bem menor de
respondentes.
Ao se manifestarem de forma desconectada em relação a estes elementos –
Matemática e TICs – no que diz respeito à suas influências no desenvolvimento social,
mostram que de fato não enxergam com clareza a relação de dependência entre elas, tal como
Skovsmose (2008) e Bassanezi (2006) o fizeram.
O que se aventa aqui, de acordo com os dados, não é que os alunos acham a
Matemática irrelevante, mas que eles não sabem como instrumentalizar o conhecimento
matemático em sua área de formação.
Para a maioria dos estudantes, o grande ponto de contato entre tecnologia e
Matemática é o chamado raciocínio lógico. Foi possível observar, com os comentários feitos à
primeira questão, que o desenvolvimento deste tópico, na concepção dos alunos, é favorecido
pelo estudo da Matemática. Entretanto, outras dimensões do conhecimento matemático não
são sequer mencionadas. Abaixo reproduziremos alguns desses comentários à afirmação
“tudo o que é estudado em Matemática neste curso poderá ser usado amplamente na profissão
pretendida”.
1) Será usado o conhecimento em tudo que envolverá lógica, porém não sei avaliar num contexto geral da profissão se será totalmente necessária;
2) É de grande importância para o desenvolvimento do
raciocínio lógico;
3) Concordo em parte, pois dependendo da área a ser seguida, pode ser que não se use todo conhecimento aprendido;
4) Acredito que a Matemática é a base para o curso de Análise
e Desenvolvimento de Sistemas, pois a mesma será aplicada juntamente com a lógica;
5) Como programador, acredito que é fundamental, não apenas
seus fundamentos, mas principalmente o modelo de raciocínio que o exercício de Matemática desenvolve;
92
6) Acredito que a Matemática seja importante na profissão,
pois mesmo que o cargo exercido não exija cálculos é imprescindível o raciocínio lógico;
7) Trabalho na área de tecnologia da informação e nunca usei;
8) O raciocínio lógico utilizado na Matemática é importante
para a área de programação;
9) Discordo, pois na área de programação é necessário apenas o básico em Matemática;
10) Sim, computação foi desenvolvida em cima de modelos
matemáticos;
11) Cada tópico de Matemática ajudara na profissão pretendida, como por exemplo, na lógica utilizada;
12) Sim, pois vai desenvolver mais o meu raciocínio para a
profissão;
13) Acredito que não utilizarei uma grande parte do que aprendo em Matemática, porém uma porção da matéria servirá apenas de base para outras aplicações.
A concepção de ser a Matemática provedora do raciocínio lógico está fortemente
impregnada nos alunos: basta observar que, dos treze estudantes que comentaram a primeira
questão, oito argumentaram a favor da Matemática como relevante para o desenvolvimento de
semelhante raciocínio. Surgiram, ainda, observações relativas ao desconhecimento sobre
como usar os conteúdos matemáticos aprendidos, bem como a convicção, em alguns
respondentes, de que os conhecimentos que enxergam como mais complexos (no sentido de
“não básicos”) não teriam aplicação prática. Fica, então, consignada a dificuldade da maior
parte dos estudantes em relacionar a Matemática com sua aplicação no âmbito profissional.
Outros, ainda, não enxergam esta relação com clareza ou a vêem de forma bastante limitada.
Trataremos, a seguir, da próxima categoria de análise. Nela mostraremos os
mecanismos de busca construídos pelos alunos, bem como analisaremos as respostas dadas ao
último questionário – pós-implementação do Modelo Vetorial para Recuperação de
Informações.
93
6.2.3 Percepção da influência da Matemática na formação e exercício
profissional futuro.
No capítulo três, mencionamos que uma estratégia pedagógica deve ter a figura do
aluno como ponto central, deve contemplar o diálogo entre professor e aluno (e entre os
próprios alunos). Além disso, a escolha dos problemas de aplicação deve contemplar
ocorrências do cotidiano do aluno, ou seja, os problemas não devem pertencer a uma
realidade fictícia, mas ter uma relação direta com os fazeres e saberes comuns aos sujeitos.
Partindo desses pressupostos, após aplicar o primeiro questionário, no dia 22/10/2010,
iniciamos uma apresentação e discussão com os alunos sobre o Modelo Vetorial para
Recuperação de Informações, conforme consignado no capítulo 4 deste trabalho. A explicação
da funcionalidade do modelo ocorreu seguindo a dinâmica normal de aula. O professor-
pesquisador explicou e exemplificou, passo a passo, a arquitetura do sistema. Estávamos, com
esta abordagem, interessados em mostrar para os alunos que a Matemática provê conceitos e
modelos fundamentais para o desenvolvimento das tecnologias, sobretudo das TICs, ou seja,
queríamos fornecer subsídios para ampliar a concepção segundo a qual os alunos, em sua
maioria, davam importância à Matemática por achar que este estudo apenas desenvolveria seu
raciocínio lógico.
Neste ponto vale retomar a discussão iniciada no capítulo 3 deste trabalho, onde foi
evidenciado que devido à importância do saber sábio, é fundamental que o aluno tenha acesso
às questões e soluções por ele proposto. Como foi visto, Pais (2008), salienta que “para o
aluno ter acesso ao conhecimento, é necessário a colocação didática do problema da
linguagem envolvida no saber cientifico” (PAIS, 2008, p. 22). A estratégia de trabalhar com o
problema em questão proporcionou o desenvolvimento de uma abordagem didática, que visa a
transformação de um conhecimento científico - o próprio modelo - no saber a ensinar
Chevallard (1991). Cabe ainda ressaltar, que essa mutação, no âmbito desta pesquisa, ocorreu
através da interação entre alunos e professor. Por meio dessa relação dialógica, o aluno teve
acesso a uma questão importante e a uma solução proposta por um saber científico.
Priorizamos nessa abordagem, o desenvolvimento crítico do aluno, apresentando-o a um
problema relevante à sociedade moderna.
Após este processo, foi sugerido que os alunos desenvolvessem um mecanismo de
busca utilizando qualquer linguagem de programação que dominassem de alguma forma.
Pedimos, assim, que eles se organizassem em grupos. Como havia trinta e quatro alunos nesta
turma, foi possível compor seis grupos com cinco alunos e um grupo com quatro.
94
Deixamos os alunos livres para se organizarem, bem como informamos que o diálogo
entre os grupos com o objetivo de compartilhar as idéias e os avanços era permitido e
producente. Reiteramos que a este trabalho não seria atribuída nenhuma nota. Os dias 17 e
19/11/2010 foram reservados para que os grupos compartilhassem publicamente suas
implementações e transmitissem para a sala como havia sido o processo de desenvolvimento
do sistema.
Inicialmente, estávamos um pouco céticos a respeito do empenho dos alunos em
desenvolverem este trabalho; entretanto, para nossa surpresa, nas aulas subsequentes à
proposta, os alunos nos procuravam para tirar dúvidas e compartilhar os avanços obtidos. No
dia marcado para a divulgação dos resultados, cinco grupos entregaram seus programas
gravados em CDs. Apenas um grupo não entregou o produto da atividade, justificando não
possuírem seus componentes conhecimentos suficientes de programação para desenvolverem
a tarefa. Eles ainda assim haviam tentado, utilizando a linguagem Delphi, mas não obtiveram
sucesso. Em seguida, procedemos à descrição de dois destes trabalhos, dos grupos 1 e 2. Os
trabalhos dos grupos 3 e 4 são bastante similares, inclusive quanto às ferramentas
computacionais utilizadas para a implementação.
6.2.3.1 Trabalho do Grupo 1
Este grupo desenvolveu um mecanismo de busca utilizando a linguajem Java. Para
demonstrar a funcionalidade deste mecanismo utilizaremos o mesmo exemplo do capítulo 4.
Abaixo apresentamos a tela inicial do programa. No campo de inserção dos
documentos, digitamos os documentos hipotéticos apresentados no exemplo em questão.
95
Figura 2 – Tela inicial do programa
Após digitar os textos dos documentos, obtemos a seguinte tela:
Figura 3 – Tela de cadastro dos documentos
Com este procedimento, criou-se um banco de dados contendo os documentos D1 à
D6, como pode ser observado na tela acima. Seguindo a sugestão do programa, para sair da
tela de cadastro, bastava digitar -1.
96
Figura 4 – Tela de cadastro dos termos (palavras-chave)
Na tela posterior, mostrada acima, são solicitadas as palavras-chave que representarão
os documentos digitados anteriormente. No teste, inserimos os termos T1 à T9, conforme
Quadro 1.
A seguir, o programa automaticamente cria a matriz dxt (termo por documento – ver
matrizes 1 e 2 do quadro 1), conforme a tela abaixo:
Figura 5 – Matrizes representantes do banco de dados
97
A primeira matriz, conforme figura 5, contém em suas colunas os vetores
representando cada um dos 7 documentos inseridos no banco de dados e a segunda matriz
apresenta a normalização destes vetores.
Figura 6 – Matriz transposta
A figura 6 apresenta a matriz transposta, cujas linhas são os vetores normalizados, ou
seja, são versores.
A tela seguinte solicita que seja feita uma consulta neste banco de dados. No nosso
exemplo, buscamos por um documento que contenha informações sobre “Matemática
Discreta”.
Figura 7 – Tela de consulta
98
Figura 8 – Vetor consulta
A figura 8 apresenta o vetor consulta e seu respectivo versor.
Figura 9 – Cosseno entre os vetores documento e o vetor consulta
Na figura 9 está representado o vetor de cossenos que mede a similaridade entre a
pesquisa e os 7 documentos contidos no banco de dados. Assim o cosseno do ângulo entre o
vetor D1 - que representa o documento 1 – e o vetor consulta é igual a um, portanto, este
documento apresenta total relevância para a consulta. O cosseno do ângulo entre o vetor D2 e
a consulta é zero, significando que este documento não tem importância alguma para a
pesquisa. O ângulo entre o documento D4 e a consulta é 0.5, sendo este, portanto, o segundo
documento em grau de relevância. E assim sucessivamente.
99
Figura 10 – Documentos de maior relevância para a consulta
Por fim, a tela acima, apresenta os dois documentos mais relevantes para a consulta,
mantendo a ordem de importância. Assim, o documento “Matemática Discreta” seria o mais
importante, enquanto o segundo em grau de relevância seria o documento “Matemática para
Ciências da Computação”.
6.2.3.2 Trabalho do Grupo 2 O grupo 2 desenvolveu um mecanismo de busca utilizando o framework de
programação Visual Studio 2010. Os alunos pensaram neste programa como um “buscador”
de livros em uma biblioteca. Para testar a funcionalidade deste programa, no campo Livros,
inserimos os mesmos 7 documentos apresentados no exemplo anterior, e no campo Termos,
as 9 palavras-chave. Na busca, digitamos novamente os termos “Matemática Discreta” e por
fim, o programa ordenou os livros mais importantes para esta busca, apresentando em
primeiro lugar o livro Matemática Discreta e em segundo Matemática para Ciências da
Computação, assim como no programa anterior.
100
Figura 11 – Mecanismo de Busca – Linguagem Visual Studio 2010
Figura 12 – Mecanismo de Busca – Linguagem Visual Studio 2010
Cossenos dos ângulos entre os vetores dos documentos e o vetor consulta.
101
Apresentados os trabalhos dos grupos, o passo seguinte foi propor uma reflexão por
escrito aos estudantes, de modo a coletar informações acerca da experiência que tiveram na
implementação dos mecanismos de busca (ou em sua tentativa, o que inclui o grupo 5, que
não conseguiu concluir o trabalho). A próxima seção encerra esta fase da pesquisa.
6.3 Questionário pós-implementação dos mecanismos de busca
Este instrumento trazia, na verdade, apenas uma questão, que tinha o intuito de
levantar, entre os estudantes, de forma mais direta, quais mudanças poderiam ter ocorrido em
relação àquilo que pensavam inicialmente acerca da relação entre a Matemática aprendida no
curso que faziam e sua aplicabilidade no cotidiano profissional. Além disso, indiretamente,
perceber se, de alguma forma, os estudantes haviam percebido correlações entre o emprego de
certas tecnologias e os estudos que envidaram em Matemática. A questão era a seguinte: Após
ter cursado a disciplina Matemática Discreta e estudado algumas aplicações voltadas para a
área de tecnologia, tal como o Modelo Vetorial para a Recuperação de Informações, ocorreu
alguma mudança em sua forma de pensar sobre a importância da Matemática para sua
formação profissional? Comente sua resposta.
As respostas obtidas foram:
1) A principio acho que sim. Infelizmente não me recordo da minha resposta no questionário passado, mas depois de passar dias na frente do computador, tentando fazer o algoritmo do modelo vetorial, percebi que para o desenvolvimento tecnológico e para a maioria das coisas que fazemos utilizamos a Matemática, mesmo sem perceber, como quando utilizamos um mecanismo de busca e não percebemos que ali tem muita Matemática. Resumindo, acho que minha opinião mudou um pouco depois desse semestre;
2) Sim, pois não sabia como funcionava um mecanismo de
busca, e não sabia que isso envolvia Matemática. Interessante saber que por trás de boa parte do que vamos desenvolver tecnologicamente, existem conceitos matemáticos dando base e exatidão;
102
3) Me deu (sic) uma nova visão sobre a Matemática, mostrando que seus conceitos são fundamentais para a avaliação e aperfeiçoamento de novas tecnologias;
4) Depois de ter cursado a matéria, percebi que não importa só
para o raciocínio e a utilização de seus operadores (lógicos e aritméticos) para criação de um software. Mas que a Matemática possui mais ferramentas que se forem exploradas corretamente podem fazer coisas espetaculares, como os sistemas de busca;
5) Ao longo do curso estudei uma linguagem de programação
e pude ter contato com o desenvolvimento de um software. Algo muito importante que pude verificar é a quantidade de Matemática aplicada nos programas, logo eu creio que para ser um bom profissional, não só para ser um bom usuário das ferramentas, mas sim desenvolver novas aplicações úteis, tenho que saber Matemática;
6) Sim. Após visualizar as aplicações de maneira pratica pude
perceber que a importância da Matemática vai além de desenvolver o raciocínio lógico. Diversos mecanismos tecnológicos surgiram a partir de conceitos matemáticos muitas vezes criados sem a intenção de serem aplicados na tecnologia, ou seja, mesmo que na época que foram criados não tiveram aplicação, após um período de tempo, achou-se uma aplicação, muitas vezes voltadas para a tecnologia. Após o curso, pude verificar que a Matemática está presente tanto na maioria das aplicações como na sociedade em geral, influenciando diversos setores, sejam eles tecnológicos ou não;
7) Sim. Houve uma conscientização sobre os aspectos
importantes do aprofundamento das teorias Matemáticas e dos benefícios que elas podem trazer quando aplicadas na prática. Conhecer estes aprofundamentos é essencial para nós, alunos de um curso superior;
8) Sim, percebi que além de ter um bom raciocínio lógico, para
resolver problemas, ou melhor, para criar soluções utilizando informática, também é necessário conhecer os conceitos matemáticos adequados e achar uma forma de aplicá-los na solução proposta.
As respostas colhidas, entre outras de teor semelhante, indicam que os estudantes
construíram significados relacionados às correlações entre Matemática e tecnologia, bem
como à aplicação deste binômio na profissão para a qual se preparam. A trajetória percorrida
desde as respostas iniciais, que indicavam uma “suspeita”, por parte dos estudantes, de que a
103
Matemática teria alguma importância, passou pela percepção, no âmbito desta pesquisa, que a
relevância alegada ligava-se mais ao que os estudantes convencionaram chamar de
“desenvolvimento de raciocínio lógico”, algo bastante impreciso, e que nenhum deles soube
relacionar com o desenvolvimento de aplicações computacionais, pelo menos do ponto de
vista da Matemática, ou com a atuação profissional como um todo. A criação de um cenário
de potencial aplicabilidade concorreu para que os estudantes percebessem a necessidade de
compreender os elementos matemáticos ali envolvidos, sem o que a criação do protótipo de
mecanismo de busca seria impraticável. O background teórico empregado neste trabalho
concorreu, também, do ponto de vista desta análise, para que a aplicação escolhida pudesse
conciliar aspectos importantes do desenvolvimento tecnológico da sociedade contemporânea,
à medida que os sujeitos tinham elementos para compreender a importância organizadora dos
mecanismos de busca, mas não enxergavam a relevância do conhecimento matemático para
que tal aplicação pudesse ganhar corpo e personificar-se em um sistema. Para que pudessem
avançar nesta direção, a proposição da tarefa foi fundamental, uma vez que o problema
estava, por assim dizer, “cotidianizado”, ou seja, fazia parte de suas interações comuns, seja
na perspectiva de profissionais (ou aspirantes a) de informática, seja na de pessoas com
intensivo emprego de artefatos tecnológicos.
105
CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho iniciou-se com uma pesquisa bibliográfica em que se constatou
uma forte tendência relacionada às pesquisas na área de educação Matemática em explorar as
potencialidades das tecnologias informáticas como suporte ao ensino/aprendizado desta
disciplina. Diante desta análise, concordamos com Skovsmose (2008), ao afirmar que o papel
da Matemática supera aqueles objetivados por um ensino que se encerra em si mesmo, não
destacando o papel social exercido por esta ciência, enclausurando-a em um sistema teórico
desconexo da realidade. No lugar disso, a Matemática é viva, age, modifica e condiciona a
realidade, o mundo e o sistema social em que estamos inseridos. Tanto quanto a tecnologia.
Este trabalho procurou mostrar que existem importantes interfaces entre ambas, de tal forma
que certas construções essenciais à sociedade atual não são possíveis sem as interações que
buscamos mostrar nas análises.
Nesse contexto, compreendemos ser importante investigar outras abordagens
conjugadas ao amálgama Educação Matemática e tecnologias. No decorrer deste trabalho,
inclusive, quando a problematização apontou para esta preocupação, procuramos encontrar
uma aplicação em que Matemática e tecnologia, e as ligações entre ambas, fossem
fundamentais para evidenciar a influência que este binômio exerce na sociedade. Neste
percurso, nos deparamos com o Modelo Vetorial para Recuperação de Informações, abordado
no capítulo 4 deste trabalho, que se mostrou ideal para atender nossas expectativas.
De posse deste modelo, e motivados pelos aspectos producentes de nossa
problemática, concentramos nossos esforços em elaborar uma questão de pesquisa que
traduzisse de forma fiel a inquietação que sentíamos, ou em outras palavras, que fosse clara o
suficiente para transparecer as indagações que habitavam nossas mentes. Neste ponto, vale a
pena citar novamente Borba (2001; 2004) ao defender que a questão de pesquisa não ocorre
em um momento pontual, não se dá de forma acabada em um momento específico da
pesquisa, mas que evolui em um processo não linear de amadurecimento. Neste movimento
de construção e desconstrução de questões chegamos a um consenso, que nos permitiu
enunciar a questão de pesquisa, que aqui recuperamos: A construção de um programa
computacional de ampla relevância na sociedade contemporânea, com base em pressupostos
da Geometria Analítica e da Álgebra Linear, pode contribuir para que o estudante de
Informática do Ensino Superior compreenda a correlação entre a Matemática e o
desenvolvimento de aplicações tecnológicas, no âmbito de sua atuação profissional?
106
Conforme já mencionado, houve um fator decisivo que motivou o desenvolvimento
desta pesquisa, qual seja: a percepção, advinda da experiência profissional, do discurso dos
alunos acerca da inquietude, ou incômodo mesmo, em relação às disciplinas ligadas à
Matemática. Muitos chegavam a questionar a necessidade deste aprendizado. Este fato
corrobora a visão de Skovsmose (2008) sobre a necessidade de uma abordagem educacional
que modifique este pensamento, que seja capaz de mostrar a Matemática como uma ciência
viva, útil e fundamental para a vida, ou, como diria Latour (2000), a Matemática em ação.
Partimos, então, da hipótese de que a porta ideal de entrada para o mundo da
ciência/Matemática, é a “porta de trás, a da ciência em construção, e não pela entrada mais
grandiosa da ciência acabada” (LATOUR, 2000, p. 17).
Castells (2009) iluminou a trilha que leva até este ponto ao declarar que as tecnologias
não são apenas ferramentas a serem aplicadas, mas processos a serem desenvolvidos,
processos que estão inseridos em um mundo matemático. O modelo vetorial mostrou-se
adequado a essas exigências. Convictos de que estávamos no caminho certo, partimos para a
sala de aula, ambiente natural, onde os dados foram obtidos, conforme descrito no capítulo 6
desta pesquisa.
A primeira conclusão a que chegamos, a partir da análise do primeiro questionário, é
que, na visão dos discentes a tecnologia exerce maior influência na sociedade do que a
Matemática. Entendemos, também, que essa visão não é ocasionada por um sentimento de
desprezo em relação a esta ciência, mas por uma falta de entendimento em relação ao seu uso,
ou seja, por não saberem como instrumentalizar o conhecimento matemático em sua área de
formação.
Foi possível ainda constatar uma forte tendência nos alunos de restringirem a utilidade
da Matemática como uma espécie de provedora de situações que levem a um exercício mental
capaz de desenvolver o raciocínio lógico. Talvez esse entendimento seja fruto de uma
influência cultural/social, ou o resultado de um ensino que enfatize a Matemática como
disciplina que desenvolve o raciocínio lógico. O entendimento deste fenômeno não é alvo
deste trabalho, apesar de merecer um debate mais aprofundado, que poderá ser promovido em
pesquisas futuras.
Após o desenvolvimento das atividades, tal como descrito no capítulo 6, pode-se
constatar que os alunos apresentaram outra forma de pensar sobre a Matemática e suas
funções sociais. A evolução pode ser constatada na fala dos próprios alunos, trazida no
contexto da análise. A metodologia empregada permitiu levantar elementos acerca da visão
que os alunos sustentavam acerca da empregabilidade dos conhecimentos matemáticos em um
107
contexto profissional real, ou seja, em uma situação social (e não apenas experimental).
Constatada a dissociação presente no discurso dos estudantes, foi possível propor a
construção de um mecanismo de busca, visto como representante, ao mesmo tempo, de um
objeto tecnológico passível de desenvolvimento (um “caso prático”) e de um elemento
organizador da sociedade em rede. A aplicação, construída com base em modelos
matemáticos e inserida no fluxo normal da disciplina Matemática Discreta, permitiu que os
estudantes elaborassem propostas de solução nas quais os elementos matemáticos tinham
papel decisivo. Em um momento seguinte, as reflexões dos sujeitos indicaram uma mudança
de percepção e de postura em relação ao conhecimento Matemático, o que nos leva a
responder de forma positiva à questão da pesquisa.
Evidentemente, generalizações em pesquisas qualitativas, ainda mais baseadas em um
único trabalho, surgem com caráter limitado. Outros trabalhos devem, em nossa visão,
concorrer para ampliar esta abordagem, usando elementos da Geometria Plana, do Cálculo, da
Estatística, da Álgebra e de tantas outras áreas da Matemática, de modo que a correlação com
a tecnologia, a dependência mesma desta em relação àquela, possa ser explorada, em toda sua
amplitude social.
109
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APÊNDICE A – QUESTIONÁRIO APLICADO AOS ALUNOS
Questionário segundo o modelo da Escala de Likert
Relativamente a cada uma das afirmações que seguem diga qual o seu grau de concordância:
(Assinale com um X o número associado à resposta que quer dar)
1 2 3 4 5
Discordo totalmente
Discordo Não concordo nem discordo
Concordo Concordo totalmente
Tudo o que é estudado em Matemática neste curso poderá ser usado amplamente na profissão pretendida.
1 2 3 4 5
A Matemática exerce influência no modelo da sociedade atual 1 2 3 4 5
O desenvolvimento da sociedade é condicionado pelo desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação
1 2 3 4 5
Os mecanismos de busca na internet, o google por exemplo, são aplicações de importância relativa, pois é possivel selecionar dados provindos da internet manualmente.
1 2 3 4 5
Os mecanismos de buscas, entendidos como as tecnologias que permitem a recuperação de informações na Internet, poderiam ser concebidos sem o emprego de conhecimentos matemáticos – a inteligência artificial seria uma alternativa, por exemplo.
1 2 3 4 5
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