PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
BRUNO YOHEIJI KONO RAMOS
A Questão Fundiária na Amazônia e os Reflexos Jurídicos no Uso e Ocupação
do Solo Público pela Mineração – Estudo de Caso do Estado do Pará
MESTRADO EM DIREITO
São Paulo 2014
BRUNO YOHEIJI KONO RAMOS
A Questão Fundiária na Amazônia e os Reflexos Jurídicos no Uso e Ocupação do Solo
Público pela Mineração – Estudo de Caso do Estado do Pará
MESTRADO EM DIREITO
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
para obtenção do título de Mestre em
Direito do Programa de Pós-Graduação
em Direito, linha de pesquisa Efetividade
dos Direitos de Terceira Dimensão e
Tutela da Coletividade, dos Povos e da
Humanidade, Projeto Temático Direito
Minerário Ambiental, Convênio PUC-
SP/VALE S.A, sob a orientação da Prof.ª
Dr.ª Consuelo Yatsuda Moromizato
Yoshida.
São Paulo
2014
Banca Examinadora:
___________________________________________
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Consuelo Yatsuda Moromizato Yoshida
___________________________________________
1º Avaliador(a):
___________________________________________
2º Avaliador(a):
Aprovado em: ____/____/2014.
Conceito: _________________.
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a minha esposa Anatercia e aos meus filhos Júlio, Mariana e
Cecília.
Aos meus avós e pais, em especial a bisa-vovó Tereza, a mamãe-vovó Ina e ao
meu pai José.
Aos meus sogros, Nona e Fefé.
Aos meus irmãos, Breno e Tati.
Aos cunhados-irmãos, Carol e Duda.
A minha orientadora Profa. Consuelo.
A Fernandinha (in memorian) com todo carinho.
AGRADECIMENTOS
A minha esposa Anatercia e aos meus filhos Júlio, Mariana e Cecília pela paciência, compreensão e amor
A minha mãe pelas orações e colo
Ao meu pai pela memória de uma infância muito feliz e o incentivo espiritual
Aos meus sogros, irmãos e cunhados por darem vida ao significado afetivo da
palavra família
A Carol, minha “cunha”, pelo apoio logístico incondicional em São Paulo
A minha orientadora pela oportunidade de estudo e de experiência de vida
A minha orientadora por nunca ter desistido de mim
Aos amigos Gilberto Santos Souza, Rogério Arthur Friza Chaves e Flávio Ricardo A. Azevedo
Ao amigo Robson Carrera Ramos por compartilhar seus conhecimentos em
cartografia e a elaboração dos mapas deste trabalho
A amiga Andeza Sibelle Holanda de Souza pela inabalável presteza em sempre ajudar-me
Aos amigos-professores Luciana Costa da Fonseca, Girolamo Domenico Treccani,
Jorge Alex Athias e Fernando Facury Scaff
A Profa. Maria Amélia Enríquez pela amizade, obra e oportunidade de trabalhar com pessoas que lutam pelo desenvolvimento sustentável através da mineração
Ao amigo Ambrozio Ichihara pela generosidade na socialização dos seus
conhecimentos sobre mineração acumulados em 30 anos de atuação
Aos dedicados amigos da SEICOM, DNPM e ITERPA
A PUC-SP e a VALE S.A. pelo inédito apoio à pesquisa científica jurídica, na qual foi assegurada a plena autonomia dos pesquisadores
A sociedade e ao minerador que sofrem por falta de políticas públicas que visam
solucionar o problema da questão fundiária
A todos aqueles que, quando mais precisava, prestavam o socorro para me levantar e seguir em frente.
Muito Obrigado!
Quem me dera Ao menos uma vez
Ter de volta todo o ouro Que entreguei a quem
Conseguiu me convencer Que era prova de amizade Se alguém levasse embora Até o que eu não tinha. [...]
Índios (Renato Russo)
Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim.
Francisco Cândido Xavier
O risco econômico é elemento integrante de todo empreendimento, mas a insegurança jurídica não.
José Mendo Mizael de Souza
RESUMO
O estudo do direito minerário no Brasil ainda é incipiente, não obstante a atividade
econômica minerária remontar à colonização brasileira por Portugal. Esta situação é
verificada pelas poucas respostas do direito perante os casos envolvendo a mineração em
si, que se tornam mais raras quando as variáveis ambiental e fundiária são incorporadas.
Por isso, o presente trabalho de pesquisa pretendeu desenvolver estudos que abarcam os
reflexos jurídicos para mineração diante da situação ocupacional do espaço onde pretende
desenvolver suas atividades, sendo objeto de análise a Amazônia, em especial, o Estado do
Pará, visto que, ao mesmo tempo que figura como produtor mineral em ascensão em razão
da qualidade e quantidade dos minérios encontrados no seu território, por outro lado,
apresenta casos emblemáticos de apropriação ilegal de terras públicas e de recursos
naturais, causando insegurança jurídica e instabilidade social, causadoras de prejuízos a
população, lesão ao erário e ao próprio minerador, além de afastar novas oportunidades
que, se conduzidas em prol do desenvolvimento sustentável sensato, poderão converter as
riquezas minerais no pretendido desenvolvimento endógeno, como ocorrido nos Estados
Unidos, Canadá, Chile e Austrália. Para tanto, utilizou-se de recursos bibliográficos óbitos
nas ciências jurídica, social e econômica, além de pesquisa legislativa e jurisprudencial.
Além disso, buscou-se a análise espacial através de mapas da relação entre a ocupação do
solo e a propriedade minerária, bem como levantar a situação jurídica-fundiária e os valores
pagos a título da CFEM de sete empreendimentos minerários executados em terrenos
públicos na Amazônia para estimar o valor devido a título de participação do proprietário nos
resultados da lavra. Como resultado buscou-se contextualizar os poderes públicos e o
minerador sobre a situação fundiária e ocupacional das terras no Estado do Pará,
demonstrar a necessidade de internalizar nos custos de produção o uso econômico do solo
público enquanto bem ambiental em cumprimento do princípio do usuário-pagador e, ainda,
propor a construção de políticas públicas que contemplem a regularização fundiária como
instrumento essencial para redução de conflitos socioambientais pelo acesso a terra e
demais recursos naturais como o minerário.
Palavras-chaves: Amazônia – mineração – terras públicas – regularização fundiária –
conflitos socioambientais – usuário-pagador – participação do proprietário nos resultados da
lavra.
ABSTRACT
The study of mining rights in Brazil is still incipient, despite the mining economic activity
traced to Brazilian colonization by Portugal. This is verified by the few answers right in a case
involving the mining itself, which become rarer when the environmental variables and land
are incorporated. Therefore, the present research aimed to develop studies that cover the
legal consequences for mining on the occupational status of the space where you plan to
develop its activities, being analyzed the Amazon, in particular, the State of Pará, since the
same time appearing as a mineral producer on the rise due to the quality and quantity of
minerals found in its territory, on the other hand, presents emblematic cases of illegal
appropriation of public lands and natural resources, causing legal uncertainty and social
instability, causing injury to population, damage to the treasury and the miner himself, and
away from new opportunities that are conducted in support of sensible sustainable
development, may convert the mineral wealth of the desired endogenous development, as
occurred in the United States, Canada, Chile and Australia. For this, we used library
resources deaths in legal, social and economic sciences, as well as legislative and
jurisprudential research. In addition, we sought to spatial analysis using maps of the
relationship between land use and mining property, as well as raising the legal-ownership
status and amounts paid CFEM seven mining projects run on public lands in the Amazon to
estimate the amount due to the participation of the owner in the mining results. As a result
we attempted to contextualize the government and the mining on land tenure and
occupational land in Pará State, demonstrate the need to internalize the costs of production,
the economic use of the public as well as environmental soil in compliance with the principle
of user-payer and also propose the construction of public policies that address land use
regulation as an essential tool for reducing environmental conflicts over access to land and
other natural resources such as mining.
Keywords: Amazon - Mining - public land - land regularization - environmental conflicts –
user-pays - owner participation in the mining results.
SUMÁRIO
CAPÍTULO 1 – APRESENTAÇÃO ...................................................................................... 11
CAPÍTULO 2 – A ECONOMIA MINERAL E A ECOLOGIA POLÍTICA: UM OLHAR PARA
AMAZÔNIA ......................................................................................................................... 17
2.1 A RELEVÂNCIA DA AMAZÔNIA PARA ECONOMIA MINERAL .................................... 17
2.2 UM BREVE PANORAMA SOBRE O PROCESSO HISTÓRICO DE CONQUISTAS TERRITORIAIS PARA O DOMÍNIO DOS RECURSOS MINERÁRIOS ................................ 20
2.3 O DIREITO, A MINERAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL .................... 27
2.3.1 O reposicionamento da mineração no âmbito internacional em prol do desenvolvimento sustentável sensato ............................................................................. 27
2.3.2 A atividade minerária à luz da Constituição de 1988 e o princípio da proporcionalidade ............................................................................................................. 35
CAPÍTULO 3 – A CRISE FUNDIÁRIA DO ESTADO DO PARÁ E A CONTRIBUIÇÃO DA
MINERAÇÃO PARA DESORGANIZAÇÃO TERRITORIAL ................................................ 46
3.1 DA ORIGEM DAS TERRAS BRASILEIRAS AO PROCESSO DE INTENSIFICAÇÃO DA OCUPAÇÃO DAS TERRAS NO PARÁ ................................................................................ 46
3.1.1. O traumático processo de ocupação do Estado do Pará ...................................... 48
3.1.2 As desarticuladas políticas públicas e os vícios nas titulações de terras ........... 56
3.1.2.1 A produção diversificada e em escala de títulos falsos ............................................ 59
3.1.2.2 O problema da localização dos títulos de origem ..................................................... 61
3.1.3 O descontrolado sistema de registro de imóveis ................................................... 65
3.1.4 A intervenção federal militar, as múltiplas autoridades fundiárias e os espaços especialmente protegidos ................................................................................................. 73
3.2 OS INTERESSES MINERÁRIOS NO CONTEXTO DA OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO PARAENSE ......................................................................................................................... 77
CAPÍTULO 4 – A PROPRIEDADE MINERÁRIA E A PROPRIEDADE DO SOLO E OS
SEUS EFEITOS NO REGIME JURÍDICO BRASILEIRO ..................................................... 83
4.1 A RIGIDEZ LOCACIONAL, A PROPRIEDADE MINERÁRIA E A PROPRIEDADE DO SOLO .................................................................................................................................. 83
4.2 OS SISTEMAS JURÍDICOS DE APROVEITAMENTO DOS RECURSOS MINERÁRIOS NO BRASIL: DA COLÔNIA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ................................... 86
CAPÍTULO 5 – O PAGAMENTO DOS RESULTADOS DA LAVRA E DE RENDA DEVIDA
PELA MINERAÇÃO AO PROPRIETÁRIO E AO OCUPANTE DA SUPERFÍCIE DE
DOMÍNIO PÚBLICO ............................................................................................................ 98
5.1 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, O CÓDIGO MINERÁRIO DE 1967 E O PARECER DNPM Nº 461/2010/HP/PROGE/DNPM: EXCLUSÃO DOS DIREITOS DE PARTICIPAÇÃO E DE RENDAS DE OCUPAÇÃO SOBRE ÁREAS DE TERRAS DE DOMÍNIO PÚBLICO? .......................................................................................................... 98
5.2 A ANÁLISE DA PARTICIPAÇÃO NOS RESULTADOS E DO RECEBIMENTO DE RENDA A PARTIR DA NATUREZA JURÍDICA DA CONTRIBUIÇÃO FINANCEIRA PELA EXPLORAÇÃO DE RECURSOS MINERAIS (CFEM) ........................................................ 101
5.2.1 No direito financeiro-tributário e no direito minerário ......................................... 101
5.2.2 A CFEM, a participação nos resultados da lavra e o recebimento de renda pela ocupação: o minério e o solo na ótica do princípio do usuário-pagador .................... 104
5.3 A SUPERAÇÃO DO PARECER DNPM Nº 461/2010/HP/PROGE/DNPM E O DIREITO
DE PARTICIPAÇÃO DO PROPRIETÁRIO NOS RESULTADOS DA LAVRA E DE RENDAS
PROVENIENTES DO USO DE ÁREAS DE DOMÍNIO PÚBLICO ...................................... 108
CAPÍTULO 6 – A RENDA PELO USO DO SOLO, A PARTICIPAÇÃO NOS RESULTADOS
DA LAVRA E O NOVO MARCO REGULATÓRIO DA MINERAÇÃO ............................... 113
6.1 A IDENTIDADE DO PROPRIETÁRIO DO SOLO PARTICULAR E A ATUAL IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DE ATIVIDADES MINERÁRIAS .................................................................................................................... 113
6.1.1 A inaplicabilidade das leis fundiárias estadual e federal vigentes para
regularização imobiliária da propriedade do solo ......................................................... 118
6.2 O SPL 37/2011 E A PROPOSTA DE PAGAMENTO DA RENDA POR OCUPAÇÃO E USO DO SOLO PELA MINERAÇÃO ................................................................................. 124
6.3 O SPL 37/2011 E O DIREITO DO ENTE PÚBLICO NA PARTICIPAÇÃO DO PROPRIETÁRIO DO SOLO NOS RESULTADOS DA LAVRA ........................................... 127
6.3.1 O direito do possuidor à participação nos resultados da lavra ........................... 128
6.4 AS TERRAS PÚBLICAS FEDERALIZADAS ................................................................ 135
6.5 A REDUÇÃO DO PERCENTUAL DA PARTICIPAÇÃO ............................................... 137
CAPÍTULO 7 – ESTUDOS DE CASOS DE EXPLORAÇÃO MINERAL EM TERRAS
PÚBLICAS E A ANÁLISE SOBRE A PARTICIPAÇÃO NOS RESULTADOS DA LAVRA
EM SOLO PÚBLICO ......................................................................................................... 140
7.1 A IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DE EMPREENDIMENTOS MINERÁRIOS EM TERRAS PÚBLICAS ....................................... 140
7.1.1 Estudo de caso do projeto de manganês da Mineração Buritirama S.A. ............ 140
7.1.2 Estudo de caso do projeto de caulim da Imerys Rio Capim Caulim S.A. ........... 142
7.2 ÁREAS DE PROJETOS DE ASSENTAMENTO RURAL E O PROJETO ONÇA-PUMA DE NÍQUEL DA VALE S.A. ................................................................................................ 145
7.3 ÁREAS FEDERALIZADAS E TRANSFORMAÇÃO EM UNIDADES DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO SEM A PRESENÇA HUMANA: FLORESTA NACIONAL DE CARAJÁS E OS PROJETOS DE FERRO E DE COBRE DA VALE S.A. ................................................ 149
7.4 TERRITÓRIOS TRADICIONALMENTE OCUPADOS POR POPULAÇÕES TRADICIONAIS E REMANESCENTES QUILOMBOLAS E A MINERAÇÃO. .................... 153
7.4.1 Áreas de uso de populações tradicionais e o projeto de bauxita da Alcoa World Alumina do Brasil Ltda. ................................................................................................... 156
7.4.2 Áreas ocupadas por populações tradicionais e quilombolas e o projeto de
bauxita da Mineração Rio do Norte S.A.(MRN) .............................................................. 160
7.5 QUADRO RESUMO .................................................................................................... 162
10
CAPÍTULO 8 – CONCLUSÃO ........................................................................................... 163
BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................. 171
CAPÍTULO 1 – APRESENTAÇÃO
Sabe-se que a atividade minerária assume as duas faces da mesma moeda.
De um lado, é importante fonte econômica e social para o Estado, pois gera divisas
e empregos, além de participar diuturnamente do cotidiano humano através dos
bens de consumo oriundos da transformação mineral: da alimentação ao vestuário,
dos materiais de construção de uma simples moradia as grandes obras de
infraestrutura que servem para prestação de serviços públicos como saneamento e
energia elétrica, dos jornais e livros aos equipamentos da mais elevada tecnologia
da informação, e assim por diante.
Do outro lado, residem os conflitos socioambientais diante da necessidade
da mineração utilizar duas espécies de bens ambientais necessários à sua
implementação: o minerário e o solo. Como resultado deflagra-se a dualidade
imobiliária e a rivalidade entre o titular do direito minerário ou propriedade minerária
e o proprietário ou ocupante imobiliário ou da superfície na qual se acha encravada
pela rigidez locacional a jazida ou área relevante para a instalação de servidões
minerárias.
É sabido que em todas as viradas constitucionais a proposta de
industrialização do Brasil foi entronada como a única forma de crescimento
econômico do país. Para tanto, fomentar a indústria de base somente seria possível
através da mineração, o que justificaria a adoção de medidas impositivas dos
governos que se sucederam.
Porém, as receitas macroeconômicas de incentivo à mineração não eram
sustentáveis, pois primavam pela instalação açodada dos empreendimentos
desacompanhada de políticas públicas de ordenamento territorial. O instrumento
disponibilizado para solução de litígios entre aqueles que dominavam a superfície e
os que almejam explorar o subsolo restringia-se à obrigação do minerador de pagar
ao proprietário do solo os resultados da lavra, que ficou aquém enquanto solução de
conflitos pelo acesso a terra.
Destarte, por esta solução cartesiana, uma vez identificado o proprietário do
solo este não poderia resistir ao nacionalismo representado pela atividade de
mineração, preponderante sobre qualquer outro uso econômico ou não da superfície
do imóvel, se o minerador arcasse com a citada remuneração nos termos da lei.
12
Não bastasse a sua limitação enquanto remediadora de conflitos, a praxe
administrativa também relegou a sua aplicação estritamente aos imóveis sob o
domínio privado, ou seja, aqueles que foram legalmente obtidos do patrimônio
público através de um processo de regularização fundiária individual, que acabava
por ignorar outras questões transversais de grande relevância e de forte influência
na mineração.
Entre as vertentes desconsideradas consta a exclusão desse direito quando
a área na qual se pretende prevalecer a atividade minerária em detrimento de outras
tiver como proprietário do solo o Estado.
Seus defensores explicam que não há permissão na lei para esse tipo de
cobrança quando a área minerada está em terreno público e, não bastasse isso, o
ente político da federação já receberia a título de remuneração pela exploração
mineral em seu território a CFEM. Por isso, o pagamento da participação dos
resultados da lavra significaria bis in idem, além de onerar o minerador, o que iria de
encontro à função estatal de incentivar o segmento econômico.
Esse entendimento institucionalizado pelo próprio órgão gestor máximo das
atividades minerárias, o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), parte
de pressupostos retrógados e equivocados embora lavrado em pleno ano de 2010,
pois, como será visto, confunde os distintos fatos geradores da CFEM e da
participação do proprietário do solo na lavra. E isso ocorreu por não considerar na
análise os seguintes pressupostos orientados pelo princípio do usuário-pagador: a) o
solo é bem ambiental que, direta ou indiretamente, pode ser utilizado para o
desenvolvimento de atividades econômicas; b) a área do solo enquanto não
destinada a um particular permanece integrante do patrimônio público; e, c) o uso
econômico de um bem ambiental público deve ser remunerado ou ter a sua
dispensa autorizada por lei em sentido formal, sob pena de geração de lucro injusto
por não internalizar os custos reais de produção pelo empreendedor.
Não bastasse isso, existem outras duas questões que, embora inafastáveis
em estudos como estes, foram alijadas.
A primeira diz respeito as incertezas jurídicas que assolam o País sobre a
dominialidade dos imóveis resultantes do desorganizado processo histórico de
ocupação e de regularização de terras públicas em favor de particulares, que não
permitem afirmar sem um hercúleo esforço investigatório se o imóvel foi legalmente
destacado do domínio público e incorporado ao privado.
13
A outra consiste na certeza da realização de atividades minerárias em terras
públicas, muitas delas já ocupadas por pequenos produtores rurais, populações
tradicionais e remanescentes quilombolas, como ocorre em assentamentos
destinados à reforma agrária, unidades de conservação da natureza e territórios
quilombolas.
Em ambos os casos o pagamento da participação nos resultados da lavra ou
debate sobre ele fica sobrestado pelo minerador pautado no entendimento do DNPM
que veda cobranças dessa espécie quando se tratar de imóvel público.
São situações que devem ser sopesadas nos estudos em virtude da
expansão da atividade em regiões sensíveis como a Amazônia e, em especial, no
Estado do Pará, onde os conflitos pela ausência de regularização fundiária são
intensos e se destinarão a maior parte dos investimentos da economia mineral tanto
em extração quanto em infraestrutura e logística.
Ocorre que são raros e ainda incipientes os estudos jurídicos existentes
sobre a questão fundiária e a mineração no que tange a ocupação e uso econômico
do solo enquanto recurso ambiental não contabilizado pelos empreendimentos.
Diante disso, o presente trabalho orientou-se pelas seguintes perguntas:
a) à luz da legislação e do princípio do usuário-pagador, é devido o
pagamento da participação do proprietário do solo quando constatada que a
superfície do imóvel é de domínio público?
b) sendo afirmativa a resposta do primeiro questionamento, quais os
prejuízos patrimoniais gerados com a não remuneração pelo uso do solo enquanto
bem ambiental público?
Dito isso, a presente dissertação buscou na pesquisa bibliográfica e estudos
de casos as respostas sobre as questões acima apresentadas, sendo dividida em
oito capítulos, considerando esta nota introdutória o primeiro.
No segundo capítulo, antes de adentrar no mérito do trabalho, fez-se a
exposição do contexto da economia mineral no País e na Amazônia no intuito de
demonstrar a importância deste segmento para produção nacional, do papel da
mineração no processo histórico de ocupação do Brasil, bem como o norteamento
jurídico previsto na ordem internacional e constitucional brasileira sobre a atividade
como instrumento vetor para promoção de um desenvolvimento sustentável sensato.
Com esse foco foi utilizado como parâmetro de estudo o Estado do Pará
que, além de importante produtor mineral, também tem ambientado no seu território
14
conflitos socioambientais de diversas naturezas sempre associados ao processo de
uso e de ocupação do seu solo para o acesso de recursos naturais.
Nisso serve o terceiro capítulo, no qual se apresenta um resumo histórico da
ocupação da Amazônia com ênfase à política de integração da região a partir de
1964 e a contribuição da mineração para o agravamento dessa situação, que
causaram sequelas até hoje vívidas e dão a notoriedade ao Pará quando o assunto
é conflito por terras e recursos naturais. Justamente pela peculiaridade das
diferentes formas de uso do solo pré-existentes à atividade minerária, como aquelas
que ocorrem em territórios tradicionalmente ocupados por populações tradicionais e
de remanescentes de quilombolas.
Diante dos antagônicos interesses sempre presentes na relação entre o
proprietário do solo e da propriedade minerária, o quarto capítulo versa sobre a
análise jurídica da rigidez locacional e da separação dessa dupla propriedade.
No quinto capítulo, foi proposto o debate sobre a natureza jurídica da
participação do proprietário da superfície nos resultados da lavra à luz do direito
minerário, financeiro e ambiental, sendo que neste último, buscou-se demonstrar
que o solo é também um bem ambiental e, como tal, o seu uso pode ser feito de
forma remunerada ou não de acordo com as prescrições legais.
Esse ponto do trabalho foi especialmente estruturado visando demonstrar os
argumentos jurídico-econômicos que, contrariamente ao entendimento do DNPM e
dos mineradores fundamentado no PARECER DNPM Nº
461/2010/HP/PROGE/DNPM, a participação nos resultados da lavra é também
devida quando o solo, ainda sob o domínio público, torna-se objeto de uso
econômico pela mineração.
Da leitura do texto perceber-se-á que foi criada uma controvérsia
desnecessária, a fim de afastar o cumprimento de obrigação prevista na norma
jurídica independentemente se o imóvel for público ou privado.
Tanto que no Substituto do Projeto de Lei nº 37/2011 (SPL 37/2011), no qual
é trazida a proposta do Novo Marco Regulatório da Mineração, a novidade é
meramente textual ao extirpar de vez quaisquer dúvidas sobre o direito de
participação do ente político gestor das terras públicas.
Contudo, em tempos de calorosos debates sobre o SPL 37/2011, viu-se
oportuno analisar no sexto capítulo o art. 75, que trata especificamente da matéria
em estudo, sendo feitas críticas construtivas sobre a necessidade de nova redação
15
do dispositivo, considerando a falta de rigor técnico-jurídico no uso dos termos
proprietário, possuidor e ocupante, bem como a não previsão no texto legal proposto
da intenção do legislador em garantir tais direitos àqueles povos e comunidades que
ocupam tradicionalmente terras objetos de exploração minerária.
Ainda neste capítulo, serão mostradas as barreiras legais para regularização
fundiária de empreendimentos minerários, estendidas a todos as demais atividades
sem o perfil agrário e, também, a esperança de reconhecimento desse direito aos
Estados-membros nos quais a mineração é realizada em áreas que antes lhes
pertenciam e foram expropriadas pela União no processo de federalização
promovida pelo regime militar.
Após a apresentação dos elementos históricos, econômicos e jurídicos que
fundamentam a obrigação do minerador de pagar a participação nos resultados da
lavra quando se tratar de imóvel público, o capítulo sete se propõe a aplicar a base
teórica diante de casos práticos em que a mineração não internaliza no seu
processo produtivo os custos referentes ao uso do bem ambiental público que é o
solo.
Destarte, foram selecionados casos de ocupação e exploração econômica
pela mineração que envolvem áreas com as seguintes situações jurídicas: de
domínio público sem qualquer destinação específica; destinada a assentamento
rural para reforma agrária; federalizada e transformada em unidade de conservação
da natureza sem a presença humana; de territórios tradicionalmente ocupados por
populações tradicionais e remanescentes de quilombolas.
Ademais, aproveitou-se a oportunidade de coletar os dados relativos ao
recolhimento feito pelas mineradoras a título de CFEM resultante da venda do
produto explorado em terra pública entre os anos de 2009 a 2013, para estimar os
valores referentes à participação do proprietário nos resultados da lavra e, assim, ter
um norteamento mínimo sobre a redução de custos da atividade, bem como da
renúncia de receita pública quando não são pagos tais valores mesmo com a
utilização econômica do solo público.
Perceber-se-á que são números nada desprezíveis que causarão mais
polêmicas, visto que os valores apurados são tão significativos ao ponto de levar a
iniciativa privada e o poder público a uma reflexão mais atenciosa acerca dos
impactos financeiros sobre a atividade nos moldes da redação do art. 75, do SPL
37/2011. Aliás, consiste em situação que tornará factível a hipótese de exclusão ou
16
de brusca redução do percentual desse direito no novo marco regulatório da
mineração.
Por derradeiro, no capítulo oito, além das considerações finais, tomou-se a
liberdade para fazer sugestões que impliquem na melhor gestão pública dos
recursos naturais envolvidos, o minerário e o solo, especialmente no intuito de
abrandar as nebulosidades existentes geradas de um lado pelas omissões e
equívocos dos poderes públicos e mineradores, e do outro lado a sociedade que é a
fiel garantidora de mais esse subsídio à mineração.
Situação que, ao final, levará o leitor deste trabalho a avaliar se a sociedade
brasileira não é a principal financiadora da atividade mineira, por arcar com os
conflitos socioambientais deflagrados pela concorrência de interesses antagônicos
sobre uma mesma superfície e da não concretização da melhoria da qualidade de
vida daqueles atingidos diretamente pela mineração, embora no discurso do
minerador seja prometido a adoção de um modelo de desenvolvimento sustentável.
CAPÍTULO 2 – A ECONOMIA MINERAL E A ECOLOGIA POLÍTICA: UM OLHAR
PARA AMAZÔNIA.
2.1 A RELEVÂNCIA DA AMAZÔNIA PARA ECONOMIA MINERAL.
Não há como negar a importância dos minerais para o ser humano que, por
sua vez, nem imagina a presença dos mesmos no seu cotidiano e a influência
exercida por tais bens para assegurar uma vida com mais qualidade1.
Há tempos o homem lascou a pedra e utilizou – e utiliza – o barro. Descobriu
os minerais metálicos e não-metálicos, às vezes cingindo-se a contemplar a beleza2,
por outras, principalmente após o domínio do fogo, buscou desenvolver técnicas e
tecnologias para forjá-lo e maximizar os seus usos. Hoje a exploração minerária
aprofunda diálogos sobre terras raras3 olhando concomitantemente para o futuro que
prospectam a mineração marinha e a espacial4. Portanto, não há como desassociar
a história da evolução humana da atividade minerária.
Por sua vez, o mercado minerário sempre foi oscilante obedecendo a uma
das leis mais fundamentais do capitalismo: a oferta e a procura.
O crescente aumento da população mundial, que se concentra cada vez
mais nos centros urbanos, poderá alcançar oito bilhões de habitantes até o ano de
2050. Cenário revelador do proporcional surgimento e expansão de consumidores,
antes excluídos do sistema econômico, que passaram a assumir grande importância
para movimentação da engrenagem da macroeconômica mundial.
1 Somente a título de exemplo: a) economia: cotação do ouro, exportação de commodities; b) saúde: medicamentos e
equipamentos para exames e cirurgia; c) telecomunicações: redes de transmissão de dados, tv‘s, celulares, computadores e
tablets; d) construção civil: cimento, pontes e casas populares; e) energia: antenas de transmissão, hidrelétricas e indústria
petroquímica; f) transporte: carros, aviões e navios; g) entretenimento: parques de diversão, bicicletas; h) alimentação:
fertilizantes, máquinas e ferramentas agrícolas; i) defesa: armamentos em geral e sistemas tecnológicos de segurança; j)
vestuário: equipamentos da indústria têxtil. 2 Vivacqua apud Bedran (1957, p. 15) leciona que: ―A mineração começou talvez, no dia que o homem colheu, à flor da terra, a
primeira gema precisosa ou o primeiro fragmento aurífero que lhe fulgiram aos olhos curiosos e admirados. E, não seria paradoxal dizer-se que o drama das minas, tão cruel para os indivíduos assim como para as nações, teria comaçado ao alvorecer da consciência humana, através dessa emoção de encanto despertada pelo primeiro maravilhoso achado‖. 3 Sobre no que consistem, a aplicação e a importância estrégica-econômica das terras raras indica-se a leitura de ―O Brasil e a
reglobalização da indústria das terras raras‖, de autoria de Francisco Eduardo Lapido-Loureiro e Ronaldo Luiz C. dos Santos (Rio de Janeiro: CETEM/ MCTI, 2013). Disponível em: http://www.cetem.gov.br/files/docs/livros/2013/reglobalizacao_das_TR.pdf Acesso em: 08.11.2013. 4 Suslick, Machado e Ferreira (2005, pp. 82-83) explicam que: ―[...] Pesquisadores entendem que a maioria dos meteoritos são
pedaços de asteróides próximos da Terra (batizados de NEA – near-Earth asteroids) são mais fáceis de alcançar e transportar material do que da própria Lua. Desta maneira, pesquisadores têm estudado como desenvolver alguns tipos de matérias-primas: aquelas que são raras, valiosas, sendo exauridas na Terra, mas abundantes no espaço, e aquelas que são comuns na Terra e no espaço, mas que custa caro lançá-las da Terra e que são vitais para colonização do espaço e para o desenvolvimento de recursos.‖
Em comum, esses mercados são formados por esfomeados pelo consumo
reprimido, que aguardam a oportunidade de saciá-lo com a aquisição de bens
materiais nos mesmos moldes dos países desenvolvidos na trilha do padrão
ocidental popularmente conhecido como american way of life. Nesta cadeia lógica,
isto gera o aumento da pressão sobre territórios e recursos naturais, entre os quais
os minérios fazem parte.
O Brasil, a Rússia, a Índia e a China (BRINC)5 são exemplos disso ao
ganharem destaque mundial com as alterações das suas políticas internas,
principalmente com o fim da polarização do mundo (GIDDENS, 2007) e
implementação das diretrizes neoliberais ―voluntárias‖ extraídas do Consenso de
Washington (MARKTANNER e WINTERBERG, 2009), no sentido de fortalecer suas
economias domésticas e, assim, criar um ambiente favorável para abertura das
fronteiras nacionalistas diante dos interesses de conquista de novos consumidores e
de acesso a fontes de matérias-primas.
O Brasil, em particular, além do poder de consumo, é também visto como
um dos principais global players da mineração. Trata-se de condição que diz
respeito a uma combinação de fatores que, para Silva (2012), consistem: na classe
internacional do seu patrimônio mineral em quantidade e qualidade na relação
volume-teor; minérios que têm como principais destinos os países industrializados e
em desenvolvimento; custo operacional6; disponibilidade de energia; posicionamento
geográfico para escoamento da produção; e, recuperação paulatina dos preços
internacionais das commodities pós-crise econômica de 2008.
Dessa forma, o setor da indústria da mineração que já é responsável por
mais de 50% do saldo da balança comercial brasileira, tendo alcançado no ano de
2012 a Produção Mineral Brasileira de US$ 51 bilhões (IBRAM, 2012), continuará a
expandir a sua participação na economia nacional.
Não obstante as oscilações do mercado de commodities, o IBRAM (2012)
prevê o crescimento de 2% a 5% ao ano. Além disso, fundamentado nos dados
coletados junto às mineradoras, projetam-se investimentos expressivos da ordem de
US$ 75 bilhões para o período 2012-2016.
5 A sigla BRIC foi resultado do estudo denominado "Building Better Global Economic BRICs" de autoria do economista Jim
O‘Neill em 2001. Disponível em http://money.cnn.com/2009/06/17/news/economy/goldman_sachs_jim_oneill_interview.fortune/index.htm). Acesso em: 12.03.2014. 6 Silva (2012) explica que mesmo com o elevado custo de produção e a precariedade dos sistemas de escoamento minerário e
de produção energética o Brasil consegue destaque internacional na economia mineral. Os ajustes destas fragilidades através de planos de investimentos em parceria com o segmento minerário podem resultar no aumento da competitividade brasileira.
19
Do montante programado a Amazônia deverá receber aproximadamente
30,97%, ou seja, US$ 23,22 bilhões. Elevados investimentos para uma região na
qual a pesquisa mineral para estudos sobre viabilidade econômica de depósitos
minerais ainda é incipiente7.
Daí se tem justificado o grande volume de recursos financeiros do setor
mineral direcionados à região amazônica, que é considerada como a última fronteira
mineral do mundo (IBRAM, 2010)8.
Destaca-se nesse cenário o Estado do Pará que hoje responde por 90% da
produção mineral da Região Norte do Brasil; em 2012, contribuiu com 32% das
exportações de minerais e metais (PARÁ, 2013); tem 28 das 59 minas em atividade
na Amazônia9; é o 2º colocado em arrecadação da Compensação Financeira pela
Exploração de Recursos Minerais (CFEM)10; e, receberá a maioria absoluta dos
investimentos programados pelo setor entre 2012-2016, que chegam à cifra de US$
18,129 bilhões (IBRAM, 2012), ou seja, 24,17% do volume total programado para o
período em todo país.
Em relação à projeção de investimentos, Pará (2013) apresenta a constante
curva de crescimento da atividade nos últimos 25 anos e estima o horizonte dos
próximos 20 anos da economia mineral do Estado, nos termos sintetizados no
quadro abaixo.
1990 2010 2030 (estimado)
Participação PIB % 2,6 26,3 53
Exportações % 74
(US$ 1,1, bi – 38 mt) 87
(US$ 13 bi – 116 mt) + 90
(US$ 30 bi – 300 mt)
Número de Minas menos de 50 171 230
Cidades Mineradoras em torno de 15 55 80
Tabela 1 – Projeção do Crescimento da Mineração no Pará / Fonte: Pará (2013, p. 10)
7 Segundo Enríquez (2010), a região amazônica ainda é um imenso vazio cartográfico na mineração, posto que, daquilo que
está mapeado no território nacional, 54,6% está na escala 1:250.000 e apenas 13,7% em 1:100.000. O que não permite a
avaliação da viabilidade econômica do depósito mineral. Contudo, somente a título de exemplo, cita a economista que a
Amazônia Legal tem 93% das reservas nacionais de Cobre e Fluorita; 92% das reservas de Estanho; 88% da Bauxita; 80% do
Caulim; 72% do Zircônio; 70% do Manganês; 67% do Tungstênio; 46% da Bauxita refratária; 44% do Ouro; 42% da Gipsita;
33% da Columbita; 25% do gás natural; 24% do Cromo; e, 22% do Ferro de alto teor de qualidade. (REVISTA BRASIL
MINERAL, 2010).
No Ranking Nacional de Reservas Minerais da Amazônia elaborado pelo DNPM/ARSB, ocupam o 1º lugar as seguintes
substâncias: Caulim (93%); Bauxita (89%); Cassiterita (82%); Cobre (59,9%); Manganês (40,41%); e, Ouro (37,3). Em 2º lugar:
Nióbio (50,9%); Cromo (23%); Níquel (17%); Potássio (8%); e, Ferro (7,4%) (SILVA, 2012). 8 Apesar dessa observação do IBRAM, sabe-se da forte movimentação de investimentos para o continente africano,
principalmente para países com fragilidades democráticas. 9 Silva (2012) consigna com base no levantamento do DNPM que das 59 minas (grandes, médias e pequenas) existentes na
Amazônia: 28 estão no Pará; 13 no Tocantins; 9 no Amazonas; 7 em Rondônia; e, 2 no Amapá. 10
Em 2012, recebeu 28,6% do total arrecadado a título de CFEM, correspondendo a R$ 523.952.000,00; e, somente até junho de 2013, já tinha praticamente dobrado a sua participação para 42%, alcançando a cifra de R$ 543.206.078,00 (IBRAM, 2013).
20
Indicativos como o número de minas foi incrementado de menos de 50 para
171 entre 1990 a 2010, podendo chegar a 230 unidades até 2030, que poderão
afetar diretamente até 80 cidades. Isso tudo sem contabilizar as atividades da
pequena mineração, que se desenvolvem de maneira clandestina e pulverizada nos
lugares mais inóspitos atraídos pela riqueza mineral. Tão dinâmicas que muitas
delas são executas em fretes de exploração sequer conhecidas – ou sonhadas –
pelo poder público, que tem extrema dificuldade em identificá-las e monitorá-las,
seja por causa do apelo social, seja por força da falta de estrutura dos órgãos
fiscalização11.
Enfim, esses dados demonstram a importância presente e futura do Pará no
cenário da economia e da mineração nacional e mundial.
Daí porque, segundo o jornalista Lúcio Flávio Pinto (2010, p. 26): ―Esses
números escancaram uma realidade: o subsolo do Estado é tão rico que a sua
vocação mineral é inevitável‖.
Contudo, o outro lado da moeda deste próspero horizonte é deflagração de
nova pressão sobre a região que, no curso da história, recebeu megaprojetos
desassociados de investimentos públicos e privados para promover a sua
integração, o desenvolvimento, o ordenamento territorial adequado e a melhoria da
qualidade de vida local (ATHIAS, 2009; KOHLHEPP, 2002).
2.2 UM BREVE PANORAMA SOBRE O PROCESSO HISTÓRICO DE
CONQUISTAS TERRITORIAIS PARA O DOMÍNIO DOS RECURSOS
MINERÁRIOS.
Sabe-se que a ecologia política tem por objeto o estudo das relações
conflituosas entre o interesse econômico e o interesse socioambiental. Por
conseguinte, se faz cada vez imprescindível diante do aumento da pressão pela
busca por recursos naturais como necessidade de intensificar a produção para
atender um mercado consumidor em expansão.
11
Acevedo (s/d, pp. 75) comenta: ―En cuanto al oro y las piedras preciosas, la región amazónica es el lugar donde existe la mayor concentración de minería ilegal ligado a estos materiales, por elle este trabalho se centra es esta zona de Brasil. Esta actividades se dan debido a que todavia existem problemas importantes relacionados com la deficiencia de las autoridades para enfrentar este problema: no existe uma clara planificación, la fiscalización es débil y lós agente del orden son escasos en determinadas zonas.‖ Em seguida, demonstram que o Estado com mais ocorrências de atividade mineral ilegal é o Pará seguido do Mato Grosso e Rondônia.
21
Para o entendimento dos conflitos ecológicos, sociais e econômicos
envolvendo a mineração, é obrigatório regressar aos primórdios do processo de
ocupação da América Latina que, sem dúvida, se manterá como uma das principais
fornecedoras de minérios, conforme tem acontecido nos últimos quinhentos anos e –
quiçá – nas décadas vindouras.
Para tanto, é importante remontar ao Século XV, período que a Europa
sofria com um arrocho econômico sem precedentes resultante da falta de metais
preciosos, especialmente do ouro e da prata, essenciais à sustentação dos volumes
de negócios da economia mundial, bem como as regalias e futilidades das
monarquias (FIGUEIREDO, 2011).
No afã de enfrentar o esgotamento das fontes dessas riquezas naturais na
Europa e na África, as potencias hegemônicas da época, Portugal e Espanha, viam
na expansão dos seus domínios territoriais ultramarinos a esperança desesperada
para avançar suas fronteiras e conquistar novos espaços provedores de metais
preciosos.
Estimulados pelo imaginário europeu da existência de um lugar onde a fonte
de ouro e prata seria magicamente inesgotável, popularmente denominado de
Eldorado12, lançaram-se com fé nessa odisseia.
Entrementes, os países ibéricos primeiramente demandavam estabelecer
entre si os seus respectivos limites dominiais no mundo, em especial, em relação a
terceiros, como os franceses13. E, assim, sob a benção papal, em 1494, dividiram o
mundo fixando uma linha imaginária vertical, sendo que, pertenceriam a Portugal as
terras conhecidas e a descobrir das Ilhas de Cabo Verde até 370 léguas na direção
do poente; e, a Espanha, desse marco virtual adiante.
Em uma Europa decadente, todo misticismo envolvido, o fascínio
provocativo do metal sobre o homem e a possibilidade de enriquecer
repentinamente fizeram com que muitos se lançassem em verdadeira aventura ao
12
Para Becker (2005, p. 7) no mundo contemporâneo existem três eldorados naturais: ―a Antártida, que está dividia entre as
grandes potências econômicas; os fundos marinhos, riquíssimos em minerais e vegetais, ainda não regulamentados
juridicamente; e a Amazônia, em que o Brasil tem a soberania, não obstante as intervenções internacionais, seja pelo capital
estrangeiro ou organizações não-governamentais internacionais.‖ 13
Figueiredo (2011, p. 38) relata o questionamento feito pelo Rei da França, Francisco I, sobre a divisão ibérica do Novo Mundo segundo o Tratado de Tordesilhas: ―Gostaria de ver a cláusula do testamento de Adão que me afastou da partilha do mundo‖. Porto (1965, pp. 22-23) também descreveu a indignação francesa ao consignar que: ―Francisco I, da França, ficara irritado pela parcialidade pontifícia, que, doando o mundo a Portugal e à Espanha, deixara seu país de fora da herança, demonstrando o agastamento quando atalhava a interferência do Embaixador de Carlos V, no sentido de impedir que traficassem os navios franceses em águas americanas‖.
22
Novo Mundo14. Rumo ao desconhecido e as lendas, trocaram o cabo e os calos da
enxada pelo bacamarte, na esperança de afortunarem-se do dia para noite, ainda
que lhes custassem as vidas (HOLANDA, 1995).
A partir de 1503 os espanhóis tiveram os primeiros êxitos. Todavia, foi no
ano de 1510 que ocorreu o grande feito hispano. Com as incursões realizadas por
Hernan Cortés foram descobertos os caminhos das pujanças auríferas e sucumbido
o Império Asteca. Conquista facilitada pela diferença de valores culturais dos
autóctones em relação aos metais, a sanha dos dominadores pelo ouro e o uso de
armas de fogo, que resultaram no saque e na pilhagem dos metais acumulados por
centenas de anos, na violência gratuita e de toda sorte que culminou no genocídio
desses povos (FIGUEIREDO, 2011).
Mesmo na bancarrota, a Coroa Portuguesa por desespero e vaidade pela
perda do poder econômico ocasionado com a conquista espanhola, depositava seus
parcos quinhões na manutenção das buscas de ouro no Brasil15, em virtude da
crença nas lendas e pistas trazidas por desbravadores e estudiosos acerca da
existência de magníficas jazidas do minério16.
Apesar de encontrados alguns veios de ouro desde 1500, as suas
produções e rendimentos eram risíveis. Cenário que somente mudou em 1697
quando foi identificada na região de Ouro Preto (MG) a ocorrência do metal dourado
em quantidade e qualidade, o que desencadeou novas, sucessivas e
surpreendentes descobertas, que levaram Portugal a superar o feito espanhol.
Segundo pesquisa feita por Figueiredo (2011), não é possível quantificar de
forma precisa a produção brasileira pela precariedade e/ou a perda de parte dos
registros oficiais, bem como a impossibilidade de sequer imaginar o volume
contrabandeado.
14
Pode-se afirmar que o exemplo do chamado fenômeno denominado por Figueiredo (2011, pp. 35) de ―metal que endoeça‖, que se acometeu com a febre pelo ouro do período colonial foi repetida no Século XX no sudeste do Estado do Pará, em Serra Pelada, na década de 1980, quando se tornou o maior garimpo a céu aberto do mundo, recebendo pessoas de todos os lugares e níveis de instrução, tais como médicos, professores e advogados que largaram as suas profissões em busca do sonho do enriquecimento através da corrida do ouro. 15
Explica Treccani (2001, pp. 51-52) que a ocupação do território brasileiro foi feita de forma diferente. Explica que: ―Enquanto no Brasil, por exemplo, era estimulada a procura por ouro, no Grão-Pará era desaconselhado. Isso possivelmente porque os portugueses não queriam chamar a atenção espanhola neste território, que juridicamente não lhes pertencia, pois, a linha do Tratado de Tordesilhas passava próximo a Belém e dividia ao meio a Ilha Grande de Joanes (Marajó). Entre as duas colônias tivemos assim uma diferença substancial: enquanto no Brasil as terras por direito eram de Portugal, no Grão-Pará o foram antes de fato e depois de direito‖. Arremata o doutrinador ao afirmar que essa consolidação do domínio português somente ocorreu no Século XVIII pelos Tratados de Madri (1750) e Santo Idelfonso (1777) que adotaram o princípio ut possidetis. É a partir desse momento começaram a ―descobrir‖ a ocorrência de ouro no Pará. 16
O imaginário dos desbravadores pode ser traduzido com as palavras do romancista Gabriel García Marquez no recebimento do Prêmio Nobel de Literatura como: ―O Eldorado, nosso país ilusório tão cobiçado, apareceu em numerosos mapas durante longos anos, mudando de lugar e de forma de acordo com a fantasia dos cartógrafos‖ (MARQUEZ, 2009, pp. 7)
23
Todavia, é incontroverso que, somente com os estudos de historiadores
especializados na matéria, em especial de Pinto apud Figueiredo (2011), e ainda
dentro de uma estimativa bem conservadora, pode-se afirmar que no século XVIII a
produção brasileira chegou a ultrapassar 1.000 toneladas17.
Com efeito, é seguro afirmar que o ouro extraído do solo brasileiro injetou
tamanho volume de metal na economia portuguesa, que somente não a salvou em
razão das dívidas acumuladas por séculos e da malversação das riquezas para
sustentar as ostentações e mordomias palacianas.
Quanto ao método de ocupação e de conquista, os portugueses em nada se
distinguiram dos espanhóis, ambos baseados na redução do valor da vida dos
conquistados. A violência e a cobiça pelo ouro resultaram em conflitos sociais
regradas por mortes, a submissão de povos através da utilização de trabalho
escravo negro e indígena ou dos próprios europeus em condição análoga àqueles.
Isso sem esquecer os danos ambientais que somente passaram a ser considerados
na década de 70 do século XX.
Este é apenas um dos muitos exemplos da recorrente pressão econômica
promovida pela atividade minerária desde os tempos pré-capitalistas (mercantilismo,
por exemplo) sobre os recursos naturais e populações locais que se propaga no
tempo e, nos cenários projetados pela economia mundial, induvidosamente
aumentará18.
A certeza dessa assertiva encontra respaldo no atual momento histórico em
que os recursos naturais necessários para produção de bens de consumo e geração
de lucro se tornam mais raros e estratégicos em um mundo cada vez mais populoso
ou cheio, como explicitado na parábola econômica de Daly apud Enríquez (2008b)19.
Fator que impulsiona o avanço sobre novos territórios, político e 17
Figueiredo (2011) comparou, para fins meramente didáticos, que as 1.000 toneladas de ouro equivaleria ao peso de 1.000 carros populares. 18
Para conhecimento de casos internacionais relacionados ao conflito provocado pela mineração, indica-se a leitura da obra Ecologismo dos Pobres de Juan Martínez Alier (2009). 19
Nesse contexto ganha espaço a teoria econômica ecológica de Herman Daly que divide o mundo em duas épocas: uma
quando o mundo era vazio e a outra quando mundo tornou-se cheio. No mundo vazio, caracterizado pela baixa densidade
populacional e, consequentemente, de consumidores, o padrão produção e consumo era menor e compatível com a
capacidade de resiliência dos recursos naturais, que era visto, por isso, como abundante e infinito, no qual as externalidades
negativas não eram consideradas. Neste cenário, o elemento escasso ou fator limitante da produção era o capital
manufaturado (mão de obra e tecnologia). Com o boom populacional pós II Guerra Mundial e a era do Petróleo, o mundo
tornou-se cheio, demandando o aumento da produção para atender um mercado consumidor cada vez mais em expansão. O
que, inevitavelmente, implicou e implica no aumento da pressão sobre os recursos naturais e conflitos socioecológicos para
acessá-los, fazendo ganhar relevância o conceito de externalidades negativas. Neste prisma, a disponibilidade dos recursos
naturais e serviços ambientais, bem como a capacidade de acúmulo e absorção de resíduos passam a ser o fator limitante.
Diante disso, para o economista segundo Maria Amélia Enríquez: ―o capital natural precisa ser promovido, valorado e utilizado
em uma escala compatível com a sua capacidade de regeneração”, devendo ser reorientado o sistema de preços dos recursos
naturais e dos serviços ambientais, ajustando-os à nova realidade de um ―mundo cheio‖ (ENRÍQUEZ, 2008b, pp. 16), no qual
se incluem os custos resultantes das externalidades negativas.
24
socioecologicamente mais frágeis, visto que as antigas fontes se esgotaram ou se
tornaram inviáveis do ponto de vista econômico (ALIER, 2009).
Vê-se, por conseguinte, que essa relação de dominação é antiga, no qual os
países centrais (ou do Norte ou ricos) detentores do capital e de tecnologia,
dependem de importações/expropriação oriundas de países periféricos (ou do Sul ou
pobres), que se sustentam em uma economia extrativista20, no papel de meros
fornecedores de commodities, que não lhes permitem promover o desenvolvimento.
Para Alier (2009), portanto, esse modelo remonta ao processo de
exploratório colonialista pautado no sistema histórico de domínio bélico-financeiro e,
atualmente, tecnológico-financeiro, no qual se perpetuam as características próprias
de uma economia de rapina (Raubwirtschaft) (RAUMOULIN apud ALIER, 2009), cujo
antídoto seria a implementação da proposta de um modelo de desenvolvimento
sustentável.
Em estudo realizado pela FIOCRUZ e FASE (s/d) com apoio do
Departamento de Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde,
resultou no ―Mapa de conflitos envolvendo injustiça ambiental e saúde no Brasil‖,
cujo objetivo era visualizar espacialmente as principais causas e os locais dos
conflitos socioambientais no Brasil.
Os pesquisadores explicaram que os casos de estudo foram selecionados
de acordo com a sua relevância socioambiental e sanitária, seriedade e consistência
das informações apresentadas por meio de denúncias de comunidades e de
organizações parceiras.
Segundo os resultados obtidos, nas áreas conflituosas houve 79,80% de
piora da qualidade de vida, sendo que a mineração, a garimpagem e a siderurgia
responderam por 16,84% dos conflitos, perdendo apenas para o agronegócio e a
própria atuação deficiente do governo, que contribuíram com 52,86% do total.
O crescente acirramento entre empresas mineradoras e ocupantes de terras
também foi constatada pela Comissão Pastoral da Terra, que na sua publicação
anual ―Conflitos no Campo Brasil 2010‖ constatou 46 ocorrências no ano de 2010,
sendo que 27 dos conflitos foram por terra e 19 pelo acesso à água (BOSSI et. al.
2010).
20
Explica Silva (2012) que o Banco Mundial (BM) classifica como uma economia de base mineira um país, um Estado ou região no qual a indústria minerária representa mais de 10% do seu PIB e contribua com mais de 50% das exportações.
25
Esses dados vão ao encontro do pensamento crítico de Becker (2005) sobre
o comportamento dos poderes públicos, para quem o Estado, submisso à uma
espécie de coerção velada, declinaria em favor do capital, vendendo barato ou
viabilizando o acesso aos recursos naturais por falta de poder ao permitir a forte
influência dos grupos econômicos interessados e não computar no processo os
conflitos socioecológicos gerados por sua ineficiência gerencial. Ou, como
exemplifica Alier (2009), ao não responder as petições através das quais se
postulam ações positivas remediadoras, demonstrando a sua incapacidade de
autotutelar e corrigir atos erroneamente praticados ou omitidos.
Restaria à sociedade um sentimento de desconfiança e de frustração21,
afinal, pela ausência da defesa dos seus interesses nos processos de regularização
de atividades minerárias perante aos órgãos públicos ficaria sujeita ao ônus do
dumping ecológico22-23, ao intercâmbio ecologicamente desigual24 e à assimetria
temporal entre custo e rendas obtidas25-26-27 (ALIER, 2009).
São situações não inseridas na análise dos processos de regularização de
atividades minerárias, visto que as instâncias decisórias fazem aquém ou deixam de
21
Nessa ótica Giddens (2005; 2007) fala sobre a total descrença social nas instituições públicas, o que permite a organizações paraestatais (organizações não-governamentais e movimentos sociais) assumam funções próprias dos poderes públicos, cujas consequências levam à falta de reconhecimento das autoridades encasteladas no poder. Para o sociólogo, portanto, a recuperação dessa confiança por ora perdida é um dos cinco dilemas deste século. 22
Para Alier (2009), o Estado aceita a influência dos preços de mercado de interesse dos detentores do capital, bem como não leva em conta a ―internalização das externalidades negativas‖ geradas pelos conflitos socioecológicos desencadeados no processo de produção e também da possibilidade de não usufruto desses benefícios pela geração futura. 23
Estudos feitos por Enríquez (2013), o Brasil é o país que, embora tenha maior qualidade de minério concentrado, por outro lado, é o que tem menor custo pela apropriação do bem em si (usuário-pagador) através do pagamento da CFEM. Esta questão fica clara quando se compara o preço dos royalties da mineração entre países de base mineira, estejam eles em condições socioeconômicas ambientais melhores (Canadá, Estados Unidos da América e Chile) ou piores que o Brasil (África do Sul e a Índia). Além disso, assegura incentivos que permitem a desoneração tributária, como exemplo emblemático a isenção do ICMS sobre operações e prestações que destinem ao exterior mercadorias, inclusive produtos primários, como o minério, a energia elétrica e outros. 24
Alier (2009) entende como intercâmbio ecologicamente desigual, na exploração e exportação de commodities de países
pobres para os ricos, sem considerar a possibilidade de sobre-exploração que conduz ao esgotamento dos recursos naturais e
os conflitos socioecológicos. Em troca, os pobres pagam pelo produto transformado pela indústria sem qualquer subsídio
econômico, gerando mais lucro ao capital explorador dos produtos primários. 25
Alier (2009) destaca na sua obra os fatores positivos e negativos na inovação tecnológica. Positivamente, propiciarão, em tese, a redução dos impactos ambientais e o aumento do aproveitamento dos recursos naturais com a redução de desperdícios. Por outro lado, o aumento da produtividade estimulado pelas altas taxas de lucro do capital possibilitam o exaurimento precoce do recurso natural fora do tempo da natureza, ou seja, da sua capacidade de resiliência ou de carga (carrying capacity), quando renovável o recurso. 26
Neste contexto também é pertinente destacar o chamado danos marginais, no qual a Ministra Eliana Calmon nos autos do REsp 904.324, destacou no seu voto que deve-se considerar em termos de responsabilização pelo dano a sua repercussão no tempo necessários à recuperação, visto que este período representa uma perda irreparável. 27
Portanto, prega-se a necessidade de obter preços ―ecologicamente justos‖. Contudo, não haveria como alcançá-los segundo
a economia ortodoxa, que não internaliza ―externalidades negativas‖ e corrige as ―falhas de mercado‖ decorrentes conflitos
socioecológicos. Isto porque eles não seriam passíveis de mensuração de forma linear, em uma escala numérica e qualitativa
única, diante da inexistência de fórmulas padronizadas para precificação dos impactos negativos socioculturais e às interações
ecossistêmicas do homem no espaço objeto de interesse, que variam de acordo com as especificidades do caso em concreto.
Para aqueles que ainda guardam a esperança de elaborar um método de cálculo para definição de preços de direitos e valores
mitigados, desafia-se levar em conta que as externalidades também alcançam as gerações futuras, existindo, assim, uma
assimetria temporal entre custos e rendas obtidas, quer dizer: [...] os lucros estão no presente e os custos localizam-se no
futuro, como seria o caso, por exemplo, dos custos da não-disponibilidade futura da exploração da madeira, pesca, pastos ou
recursos minerais. [...] Por exemplo, não há tecnologia para criar depósitos concentrados de minérios. (ALIER, 2009)
26
fazer os estudos da situação ambiental e socio-ocupacional de fato e de direito28, ou
relegam ao livre critério da mineradora as informações unilateralmente colhidas e
disponibilizadas segundo os seus interesses.
Dessa forma, testemunha-se a perpetuação do modelo colonialista, visto que
é mais conveniente tergiversar sobre questões polêmicas do que enfrentá-las, como
ocorre com o uso e a ocupação do solo e a pauta da (ir)regularidade fundiária dos
imóveis objetos de atividade mineral.
Ocorre que essas omissões somadas à ausência de políticas públicas para
construção de soluções resultam em problemas tanto ao ocupante de terras
públicas, ao minerador e à sociedade como um todo.
Isso porque o ocupante de terras públicas e o empreendedor viverão sob
constante insegurança jurídica em relação à situação da área para onde convergem
elevados investimentos e é símbolo da estabilidade da atividade. Já a sociedade
continuará sob as injustiças provocadas pela ideia de que a mineração ocorre em
espaços vazios, desocupados, continuando, assim, invisíveis as populações lá
existentes (VIANNA, 2008), principais prejudicados com a sonegação do
cumprimento de deveres e observância a direitos.
Destarte, considerando a premissa de que mineração envolve diretamente
ocupação e concorrência por espaços com terceiros, tem-se agravado problema
diante das incertezas sobre quem é – de fato e de direito – o proprietário do solo em
um Estado-membro conhecido nacionalmente em razão dos conflitos fundiários que
imperam no seu território.
Situação que somente contribui para maximizar os conflitos socioambientais
provocados pela intensificação da atividade através dos projetos em curso ou novos
que aguardam adormecidos a melhor conjectura econômica para serem
implementados29.
28
Nos processos de regularização perante o DNPM não há previsão legal sobre a participação social. O Código Minerário e o seu respectivo decreto regulamentador em vigor não trazem nenhuma referência neste sentido. Entende-se que, por força da época da sua aprovação, fundamentado na ideologia militar pautada no absoluto interesse nacional da mineração, seria incongruente falar em democratização dos processos minerários. No âmbito do licenciamento ambiental, critica-se o caráter meramente formal e limitada da participação social na audiência pública para empreendimentos minerários, no que tange a ausência de regulamentação mínima do procedimento; a sua natureza não deliberativa, assumindo a função de mero instrumento de divulgação do empreendimento; não submissão ao contraditório de eventuais alterações dos Estudos Socioambientais resultante da audiência pública; a inexistência de apresentação e aprovação social das medidas de compensação socioambiental entabuladas pela Administração Pública e o minerador; a desnecessidade de aprovação social do mesmo; e, as dificuldades do monitoramento das condicionantes e compensações socioambientais contidas nas respectivas licenças. 29
Portanto, a execução de uma atividade minerária depende de conjecturas econômicas mundiais pela demanda do minério, ou seja, a implementação dependerá da captação de investimentos que somente desperta o interesse caso haja valorização do preço do minério no mercado internacional. Enquanto isso não ocorre, o direito de exploração fica adormecido, posto que à mercê das intenções – especulativas ou não – do primeiro requerente apoiado na prioridade assegurada no Código Minerário. Momento em que, o enaltecido interesse nacional da mineração, é reduzido a um interesse estritamente particular.
27
2.3 O DIREITO, A MINERAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL.
2.3.1 O reposicionamento da mineração no âmbito internacional em prol do
desenvolvimento sustentável sensato.
Interessante perceber que o cenário brasileiro amolda-se perfeitamente às
teses da economia política ora apresentadas, restando demonstrado a ocorrência do
que Lewis apud Enríquez (2008a, p. 93) denominou de ―maldição dos recursos‖, que
consiste no ―[...] conjunto de efeitos negativos típicos das economias de base
mineira.‖
Em outras palavras, no modelo extrativista ortodoxo a euforia da descoberta
de jazidas economicamente viáveis traria uma falsa ideia de chegada automática do
desenvolvimento e melhoria da qualidade de vida local (FREUDENBURG, 1998
apud ENRÍQUEZ, 2008a).
Ao contrário de se constituir uma dádiva, uma provisão divina possuir no seu
território ou na sua área de influência riquezas minerais geradoras de oportunidades
positivas em prol da sociedade impactada, a constatação é da maldição,
considerando os conflitos socioecológicos eclodidos antes da instalação, durante e
com o encerramento do empreendimento.
Diante desse cenário, vê-se que a atividade minerária, pela sua natureza e
forma de atuação tradicional, não pode ser vista como agente promotor do
desenvolvimento sustentável nos moldes conceituais difundidos e popularizados
pelo Relatório Brundtland30, considerando que os recursos minerais não são
renováveis31 e o segmento econômico, em regra, não tem contribuído para melhorar
a qualidade de vida e a redução da pobreza das sociedades com as quais se inter-
relaciona na Amazônia.
Nesse prisma, leciona Enríquez (2008a) que na mineração somente é
possível adotar o conceito de sustentabilidade fraca ou sensata dentro de duas
perspectivas. São elas:
30
Para o Relatório Brundtland a proposta de desenvolvimento sustentável é um modelo no qual ―o desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades‖. 31
Isto porque conforme leciona Eggert apud Enríquez (2008a, p. 53): ―é, teoricamente, simples pensar em sustentabilidade de
recursos renováveis, porém isso fica mais complexo no caso de recursos que existem em quantidades fixas.‖
28
A primeira, referente à atual geração ou intrageração, que consiste em
ações que minimizem os danos ambientais e proporcionem o aumento do bem-estar
social.
A segunda, relativa à geração futura ou solidariedade intergeracional, pela
qual a mineração deve contribuir para gerar outras fontes alternativas e sustentáveis
de fluxos de rendimentos permanentes, considerando a não-renovação dos recursos
minerais32, funcionando como um vetor ou trampolim do desenvolvimento
socioeconômico para garantir a manutenção do nível de bem-estar mesmo após o
encerramento das suas atividades.
A verdade nisso encontra ressonância na explicação Leonardos apud
Bedran (1957, pp. 28-29):
―Os minerais – escreve W. M. Myers (Conservation The Mineral Kingdon) –
diferem de maneira fundamental dos outros recursos naturais numa coisa:
êles são irrecolocáveis. Correm às vêzes lendas que certos depósitos
minerais se refazem com o tempo. É o que afirmam uns quanto às
monazíticas das Praias de Guarapari, Comoxatiba, etc. Entretanto, o que
ocorre nessas localidades é simplesmente a reclassificação gravimétrica
das constituintes minerais das areias pelo vai-e-vem das ondas. Analisando
a extração dêsse minério, escreve Ruy Barbosa (As areias monazíticas e
sua exploração em terrenos da Marinha aforados pela União, 1940): ‗Os
minerais não são frutos. (Demante: Cours, V. II. p. 466, nº 421), porque o
caráter específico dos frutos é a reprodução periódica. Sem
periodicidade, ou quando menos, sem possibilidade ou espectativa de
reprodução, não há frutos: Fructus est quidquid ex renasci solet. (Toullier:
Le Dir. Civ. Franc., V. II, nº 399). Rigorosamente falando, nem produtos se
podem chamar os minerais. ‗O que de uma mina, ou o que de uma pedreira
se extrai, não é o produto do solo: a terra não produz minério, areia ou
calcáreo. É o próprio solo que se aliena em pedaços. A exploração de uma
pedreira ou mina infalivelmente acabará por esgotá-la (Planiol, V. I – nº
1.698). Ora, esgotando-a, não só se terá extinguido a mina ou a
pedreira, subtraindo-lhe o solo, talvez o principal de seu valor, mas
ainda se haverá desfalcado consideràvelmente a substância do imóvel
aforado.‖ (grifo nosso)
Por isso que Bedran (1957, p. 29) arremata já na Década de 1950 que:
―[...] se não soubermos explorar as riquezas minerais que possuimos,
jamais recuperaremos o desleixo. E êsse saber está na oportunidade e na
forma da exploração e do aproveitamento‖.
32
Para Scliar (2009, p. 14) a natureza não renovável dos minérios reside no fato de sua formação depender de complexos fenômenos geológicos, no qual o tempo médio para geração de depósitos de minérios metálicos, por exemplo, pode ser levar 1 bilhão de anos.
29
Assim, as mineradoras devem assumir uma estratégia política local distinta
do modelo tradicional vinculado a uma economia de enclave e restrito à bandeira da
sustentabilidade ambiental33, devendo avançar em iniciativas que também
proporcionem a melhoria da qualidade de vida da população local (ENRÍQUEZ,
2008a).
Nota-se, portanto, que a obtenção de progressos nesse sentido somente é
possível quando há a participação social efetiva, e o reconhecimento e integração do
valor das comunidades durante todo o ciclo da mineração (VEIGA et. al. apud
ENRÍQUEZ, 2008a)34, ou seja, da intenção de pesquisar ao adimplemento do plano
de recuperação de áreas degradadas.
Para isso, faz-se necessário o estabelecimento de um sistema local de
governança, como orientam a International Council on Metais and Environment
(ICME) e o Banco Mundial, retirando, assim, a exclusividade das companhias
mineradoras e/ou dos poderes estadual e federal na condução dos processos que
usualmente impingem fórmulas preconcebidas, formatadas em modelos generalistas
à revelia do modo da gestão pública e da organização social local, cujos seus
integrantes são reduzidos a meros espectadores, enquanto terceiros decidem o
destino das suas vidas.
Essa participação local se faz de extrema importância tanto à comunidade
que representa quanto ao minerador, inclusive dentro de uma lógica ululante. Afinal,
àquela permitirá conhecer os ganhos e perdas, as oscilações mercadológicas
associadas a uma economia de base extrativa, retirando-as do estado de ignorância,
desconfiança e inabilidade para efetivamente negociar (ENRÍQUEZ, 2008a). Dessa
maneira, conseguirá mais benefícios coletivos e aproveitar todas as potenciais
oportunidades que um empreendimento minerário pode viabilizar direta ou
indiretamente.
Quanto à mineração, aproveitará as chances para demonstrar a realidade da
atividade e retirar expectativas surreais criadas com a euforia da chegada de
empreendimento desse porte (ENRÍQUEZ, 2008a).
33
Fernades et al. (2011) defendem que a definição de estratégias empresariais de atividades minerárias deve atentar para o chamado radar da sustentabilidade em mineração direcionado para gestão territorial e socioambiental de empreendimentos dessa natureza. Este radar deve monitorar as seguintes dimensões: social, cultural, institucional, ecológica, econômica, política, territorial, tecnológica, global, sistêmica e social. Os citados autores certamente partem do referencial teórico da ideia de desenvolvimento enquanto um conceito ―pluridimensional‖ de Sachs (1986, p.102). Nesse sentido, Enríquez (2008a, p. 56) sentencia: ―o desenvolvimento sustentável deve obedecer ao duplo imperativo ético da solidariedade com as gerações presentes e futuras, e exigir a explicitação de critérios de sustentabilidade social, ambiental e de viabilidade econômica.‖ 34
Ponderam Warhust et. al. apud Enríquez (2008, p. 122): ―[...] as avaliações dos impactos socioeconômicos precisam ser
realizadas continuamente durante toda a vida útil e após o encerramento do empreendimento mineiro.‖
30
Tanto que Enríquez (2008a) e Hilson (2000) norteados pelas
recomendações de organismos internacionais que formulam as políticas globais
para mineração, como o ICME e o Banco Mundial, pugnam pela construção
democrática da agenda do empreendimento, aproximando-se da comunidade,
compreendendo suas particularidades e ansiedade por respostas, considerando as
limitações do poder público. Tudo no intuito de construir um sistema transparente e
de parceria que efetivamente traga benefícios sólidos e autorizem o
desenvolvimento da atividade harmoniosamente com a sociedade.
A mineração na Amazônia insere-se nesse contexto, pois nos termos já
demonstrados, a economia mineral acompanhada de outras atividades estruturantes
iniciou um novo ciclo de ocupação – espera-se que agora perene – dando novos
contornos ao desenho geopolítico da região35. Por isso, deve-se orientar – e não
iludir – as ações da sociedade civil de acordo com as premissas conceituais e
realistas de um modelo de desenvolvimento sustentável sensato.
Isso tudo não pode deixar de ser visto como uma grande oportunidade que
deve ser conduzida de forma responsável para se constituir em ferramenta útil à
superação de conflitos socioecológicos gerados pelos empreendimentos, bem como
transformar essas riquezas em dádivas fomentadoras para o desenvolvimento
endógeno de regiões mineradoras36, como assim fizeram os Estados Unidos da
América, Canadá, Chile e Austrália.
Contudo, no Brasil a mineração ainda se aproveita da desarticulação entre
as entidades da federação e da sociedade no processo de regularização minerária e
ambiental, da fragilidade técnica e fiscalizatória no trato da matéria e da
vulnerabilidade na gestão pública dos benefícios diretos e indiretos que podem ser
gerados pela atividade econômica em toda sua potencialidade. Fato que a torna
inerte em relação a produção de efeitos sociais sustentáveis e catalisador da
maldição geradora de conflitos socioecológicos.
Todavia, acredita-se que as atividades minerárias em curso ou em projeção
ainda podem ser objeto de ajustamentos e remediações. Para tanto, entende-se que
a participação ativa e qualificada do poder público e da sociedade são elementos
35
Dessa forma, também veremos reduzida a visão de espaço sacralizado de preservação ambiental nacional e mundial, conforme dissertado por Becker (2005). 36
Para Sachs (1986), os três elementos fundamentais para promover o desenvolvimento endógeno são: a) capacidade cultural de pensar-se a si mesmo e de inovar; b) capacidade político-administrativa de tomar decisões autônomas e de organizar a execução das mesmas; e, c) capacidade do aparelhamento de produção para assegurar a sua reprodução ampliada em conformidade com os objetivos sociais do desenvolvimento.
31
imprescindíveis neste processo, porém, ainda estão ausentes ou, quando presentes,
mostram-se desqualificados.
Desta forma, somente o direcionamento em favor do desenvolvimento
sustentável sensato poderá ajustar a atividade minerária aos interesses locais e
vice-versa, estabelecendo-se as regras do jogo37 entre todos os envolvidos na
dinâmica intra e extraprocessual do empreendimento. Proposta que promoveria
oportunidades para todas as partes (GIDDENS, 2007) e reduziria os casos de
oportunismo resultantes de processos inquinados de vícios e tratativas escusas.
Para demonstrar que a mineração se propõe a adotar os trilhos no sentido
do conceito de desenvolvimento sustentável sensato, Enríquez (2008) organizou
cronologicamente os principais eventos e documentos que permitem atestar que a
indústria mineral e seus financiadores assumiram o compromisso de alterar o
modelo extrativista tradicional para um modo de produção sustentável.
Elaborou, assim, um quadro resumo denominado de ―Evolução da
Institucionalização do Conceito de Desenvolvimento Sustentável voltado para a
Indústria Mineral‖, a seguir exposto:
ANO OU PERÍODO
INSTITUIÇÃO EVENTO/ DOCUMENTO CONTEÚDO
1987 Organização das Nações
Unidas (ONU)
World Comission on Environment and Development.
Our Common Future (Relatório Brundtland)
Difusão da ideia de desenvolvimento sustentável
1989 – 2004*
Organização Internacional do Trabalho (OIT)
Convenção nº 169/89 da OIT Decreto nº 5.051/2004
A Convenção 169 reconhece o direito de territorial e a autodeterminação, os
valores e práticas socioecológicas dos povos indígenas e sociedade tribais.
1991 World Business Council for Sustainable Development
(WBCSD)
Documento-base da iniciativa das indústrias líderes em prol de uma
mineração sustentável38
Comprometimento de 20 setores com o crescimento econômico e com o
desenvolvimento sustentável
1992 Organização das Nações
Unidas (ONU)
Earth Summit in Rio Carta do Rio Agenda 21
Plano de Implementação da Agenda 21
Destaque ao Plano de Implementação da Agenda 21 que, no seu parágrafo 46, destina todo o seu conteúdo para as
diretrizes necessárias a uma mineração sustentável
1998
Grupo de companhias mineradoras líderes
International Council on Metals and the Environment
Global Mining Iniciative (GMI)
Dois anos de pesquisa e diálogo denominada Mining, Minerals and
Sustainable Development (MMSD)
2001 Mining and Communities
(MAC) Declaração de Londres
Iniciativa dos atores impactados pela atividade mineral como reação ao MMSD
2001-atualidade*
International Council on Mining and Metals (ICMM)
Fundada para representar empresas líderes mundiais na
indústria de mineração e metais e avançar seu compromisso com o
desenvolvimento sustentável39
A partir de 2010 realiza a avaliação do desempenho dos seus membros em
relação à promoção do desenvolvimento sustentável a partir dos indicadores de
Global Reporting Initiative (GRI)
37
Este foi um dos alicerces da Economia Social de Mercado alemã inspirada no Ordoliberalismo, visando recuperação da
economia e a organização da Alemanha pós-guerra (COSTA, 1999; ERNSTE, 2009) 38
Começou na Noruega e hoje reúne 180 companhias de porte internacional, estabelecidas em 30 países. O livro Changing
Course: A global business perspective on development and the environment 39
Empresas membros do ICMM vinculadas aos seus objetivos na sua maioria com atuação no Brasil: ARM – African Rainbow Minerals; Anglo American; Anglo Gold Ashanti; Areva; Barrick; BHP Billiton; Codelco; Freepor – Macnoran Cooper e Gold Inc.;
32
2001 – 2003
Banco Mundial e Friends of the Earth
Extractive Industry Review (EIR) Reavaliar o papel do Banco Mundial no
apoio às atividades extrativas como meio de eliminação da pobreza
2002 Organização das Nações
Unidas
World Summit on Sustainable Development (WSSD)
Rio + 10 Declaração de Joanesburgo sobre
Desenvolvimento Sustentável
Reforça o compromisso na promoção do desenvolvimento sustentável e ratifica os
termos da Carta Rio 92 Necessidade de criar mecanismos para
aferição dos avanços da proposta de desenvolvimento sustentável
Reafirmar os compromissos da Agenda 21 e das metas de desenvolvimento do
milênio
2003*
International Finance Corporation
(IFC - Banco Mundial)
ABN Amro Bank
Princípios do Equador
Encontro entre os 10 maiores bancos de financiamento internacional de projetos,
que decidiram estabelecer princípios para as suas políticas de concessão de crédito.
O objetivo consistiu na garantia da sustentabilidade, o equilíbrio ambiental, o
impacto social e a prevenção de acidentes que podem ocorrem no
empreendimento financiado, evitando-os como forma de redução de riscos do
investimento e inadimplência.
2005 Banco Mundial
Extractive Industries anda Sustainable Development – na Evaluation of the World Bank
Group Experience
Nortear a conduta do Banco Mundial no financiamento das indústrias extrativas e
no combate à pobreza
2012* Organização das Nações
Unidas O Futuro que Queremos
Reafirmação dos princípios do Rio e planos de ação passados para
implementação do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza,
que somente será possível se houver: ampla participação pública na tomada de
decisões; o acesso à informação sociedade civil; o avanço da economia verde; a integração e participação dos
governos locais no processo de tomada de decisões; e, outros
Tabela 2 – Evolução da Institucionalização do Conceito de Desenvolvimento Sustentável voltado para a Indústria
Mineral / Fonte: Enríquez (2008)
* Adicionado pelo autor desta dissertação.
Desses documentos firmados pela comunidade internacional merece
destaque a Agenda 21.
Para Milaré (2011) a Agenda 21 consiste em um documento elaborado e
oficializado no curso da Cúpula da Terra durante da Conferência das Nações Unidas
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, cujo objetivo é preparar o mundo para os
desafios do Século XXI através do ajuste de interesses supranacionais, servindo de
subsídio para ações do Poder Público e da sociedade em busca do desenvolvimento
sustentável40.
Jx; Lonmin; MMG; Mitsubishi Materials; New Mont; Rio Tinto; Sumitomo Metal Mining Co., Ltd.; Teck; VALE; Xtrata (http://www.icmm.com/members/member-companies). 40
Diante das transformações pelas quais o mundo passa que geram inseguranças e incertezas, Giddens (2005; 2007) elencou
5 temas importantes tidos pelo mesmo como verdadeiros dilemas, pois, como tais, são questões atualmente inafastáveis e
insertas em uma conjuntura difícil e complexa, que demandam soluções inovadoras e ultrapassam os limites ideológicos puros
e simples da partidarização esquerda e direita. Portanto, os 5 dilemas podem ser entendidos como os temas (econômicos,
sociais e ambientais) que, embora alguns deles fossem pré-existentes, nunca estiveram presentes nas agendas políticas da
direita e da esquerda, somente ganhando força valorativa e exigidas respostas com a atual geração. São eles: o mundo passa
pelas seguintes transformações, que geram inseguranças e, ao mesmo tempo, demandam respostas: a) a globalização; b) a
economia do conhecimento; c) as mudanças profundas no cotidiano das pessoas; e) relação com a natureza.
33
Milaré (2011) ainda ressalta que o destaque na origem e na edição desse
documento foi a ―auspiciosa posição consensual‖ na elaboração e na assunção
oficial dos compromissos nela firmados pelos países representados no citado evento
mundial e pelo Fórum das Organizações Não-Governamentais.
Não obstante consista em documento programático e consensual, como
classifica o doutrinador, é fato que em seu teor são feitas referências de outros
textos das Nações Unidas, tendo a sua eficácia condicionada ao grau de penetração
na opinião pública e nos programas de governo (MILARÉ, 2011)
Mesmo com a sua natureza jurídica de norma soft law, dependendo de
ratificação por procedimento legislativo próprio de cada país, Soares (2003)41 e
Cretella Neto (2012)42 explicam que não deixa de ter relevância dentro do contexto
das relações internacionais, na qual pode exercer grande influência nas condutas
comerciais de atividades como a mineração.
Independentemente da força normativa do documento em análise, o setor
mineral se fez presente no Plano de Implementação da Agenda 21 aprovado na
Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio + 10).
No item IV do Plano de Implementação que versa sobre a ―Proteção e
gestão da base de recursos naturais para o desenvolvimento econômico e social‖,
traz no seu Parágrafo 46 as diretrizes mundiais que devem orientar a atividade
minerária em prol do desenvolvimento sustentável. São elas:
46. A mineração, os minerais e os metais são importantes para o desenvolvimento econômico e social de muitos países. Os minerais são essenciais para a vida moderna. Para potencializar sua contribuição ao desenvolvimento sustentável, é necessário que sejam adotadas medidas em todos os níveis para: a) apoiar os esforços envidados para tratar dos impactos e benefícios ambientais, econômicos, sociais e da saúde advindos da mineração, dos minerais e metais durante o seu ciclo de vida, incluindo a saúde e segurança dos trabalhadores, e fazer uso de diversas parcerias, aumentando as atividades existentes em nível nacional e internacional entre Governos, organizações intergovernamentais, empresas de mineração e mineiros, bem como outros grupos de interesse, a fim de promover transparência e responsabilidade (accountability) para alcançar a sustentabilidade da mineração e do desenvolvimento dos minerais;
41
Para Soares (2003, p. 92): ―Na soft law, trata-se de normas com vistas a comportamentos futuros dos Estados, que não chegam a ter o status de normas jurídicas, mas que representariam uma obrigação moral dos Estados (obrigações imperfeitas, mas, de qualquer forma, com alguma normatividade) e têm dupla finalidade: a) fixar metas para futuras ações políticas nas relações internacionais; b) recomendar aos Estados adequarem as normas de seu ordenamento interno às regras internacionais contidas na soft law.‖ 42
Explica Cretella Neto (2012, p. 263): ―Faz parte, assim, do processo nomogenético típico e especial do Direito Internacional do Meio Ambiente, servindo de ponto de partida para elaboração e princípios que passam a integrar o corpus normativo da disciplina, que não cessa de aumentar.‖
34
b) aumentar a participação dos grupos de interesse, inclusive as comunidades locais e indígenas e as mulheres, para que desempenhem um papel ativo no desenvolvimento dos minerais, metais e mineração durante todo o ciclo de vida das operações de mineração, inclusive após o encerramento de suas atividades para fins de reabilitação, em conformidade com as normas nacionais e levando em conta os impactos transfronteiriços significativos; c) fomentar práticas de mineração sustentáveis prestando apoio financeiro, técnico e de capacitação aos países em desenvolvimento e aos países com economias em transição, para otimizar a mineração e o beneficiamento de minerais, inclusive a exploração em pequena escala e, quando possível e adequado, melhorar o beneficiamento que agregue valor, atualizar as informações científicas e tecnológicas e recuperar e reabilitar os locais degradados. (grifo nosso)
Verifica-se que esse norteamento para mineração alinha-se à proposta de
desenvolvimento sustentável sensato e, mesmo consistindo em um gentlemen’s
agreements, já estaria em prática pelas principais empresas mineradoras do mundo,
ao menos nas suas estratégias de mídia43.
43
Em pesquisa das políticas de governança de três das principais mineradoras do mundo, líderes na produção mineral nas suas respectivas especialidades que, coincidentemente, são membros do ICMM e têm atuação no Município de São Félix do Xingu-PA, informam ao público em geral – aqui incluído a comunidade, profissionais, poder público, investidores e outros – que suas propostas de atuação estão pautadas na promoção do desenvolvimento sustentável. A VALE informa que tem como missão: ―Transformar recursos naturais em prosperidade e desenvolvimento sustentável‖. Visão: ―Ser a empresa de recursos naturais global número um em criação de valor de longo prazo, com excelência, paixão pelas pessoas e pelo planeta. Valores: 1. A vida em primeiro lugar; 2. Valorizar quem faz a nossa empresa; 3 Cuidar do nosso planeta; 4. Agir de forma correta; 5. Crescer e evoluir juntos; 6. Fazer acontecer. (http://www.vale.com/brasil/PT/aboutvale/mission/Paginas/default.aspx) Acesso em 15.04.2014. A Anglo American se apresenta: ―Quem somos? Somos um dos maiores grupos em mineração e recursos naturais do mundo, temos operações na África, Europa, América do Sul e do Norte, Austrália e Ásia, falamos mais de 20 idiomas e geramos cerca de 107 mil empregos em todo o planeta. Nossa história: Com quase cem anos de tradição, somos uma das maiores mineradoras do mundo, líderes globais na produção de platina e diamante e com participação expressiva em cobre, níquel, minério de ferro, carvão térmico e metalúrgico. (http://www.angloamerican.com.br/about-us/historia.aspx?sc_lang=pt-PT). Acesso em 15.04.2014. Nossa Ambição: Ser a empresa líder global em mineração por meio da excelência operacional de ativos de classe mundial nas commodities mais atrativas, com firme comprometimento com os mais elevados padrões de segurança e sustentabilidade para atividades de mineração. Queremos ser o investimento, o parceiro e o empregador de escolha. Estamos determinados a crescer no Brasil, trabalhando em conjunto com as comunidades locais e aplicando as melhores práticas de negócio adquiridas ao redor do mundo por quase um século. (http://www.angloamerican.com.br/about-us/nossa-ambicao.aspx?sc_lang=pt-PT) Acesso em 15.04.2014. Nossos Valores: segurança, inovação, colaboração, integridade, preocupação e respeito, responsabilidade (http://www.angloamerican.com.br/about-us/nossos-valores.aspx?sc_lang=pt-PT). Acesso em 15.04.2014. Desenvolvimento Sustentável – Caixa de Ferramentas para Avaliação Socioeconômica. O engajamento positivo com as comunidades anfitriãs não pode se basear apenas em boas intenções. Para permitir que a presença de uma empresa esteja de acordo com as aspirações e melhores interesses de seus vizinhos, é necessário um processo efetivo para criar e implementar políticas de desenvolvimento sustentável. A Caixa de Ferramentas para Avaliação Socioeconômica (SEAT) da Anglo American faz exatamente isso.‖ (http://www.angloamerican.com.br/sustainable-development/avaliacao-socioeconomica/diagnostico.aspx?sc_lang=pt-PT) Acesso em 15.04.2014. A CODELCO divulga: ―La Corporación: Codelco es el primer productor de cobre del mundo y posee, además, cerca del nueve por ciento de las reservas mundiales del metal rojo. (http://www.codelco.com/la-corporacion/prontus_codelco/2011-06-21/164601.html). Nuestros Valores: 1. El respeto a la vida y dignidad de las personas es un valor central. Nada justifica que asumamos riesgos no controlados que atenten contra nuestra salud o seguridad. 2. Trabajar en Codelco es un orgullo, una gran responsabilidad y un enorme compromiso. 3. Valoramos y reconocemos a los trabajadores competentes, con iniciativa y liderazgo, que enfrentan los cambios con decisión y valentía. 4. Fomentamos el trabajo en equipo, la participación responsable y el aporte que proviene de la diversidad de experiencias y de las organizaciones de trabajadores. 5. Perseguimos la excelencia en todo lo que hacemos y practicamos el mejoramiento continuo, para estar entre los mejores de la industria. 6. Somos una empresa creativa, que se apoya en la innovación para generar nuevos conocimientos, crear valor y acrecentar nuestro liderazgo. 7. Estamos comprometidos con el desarrollo sustentable en nuestras operaciones y proyectos. http://www.codelco.com/nuestros-valores/prontus_codelco/2011-02-25/164920.html) Acesso em 15.04.2014.. Sustentabilidad – Estrategia: En Codelco la principal meta es ser los mejores en lo que se hace en toda la cadena de valor. Esta meta comienza por velar por la seguridad y la salud de todos sus trabajadores. También implica tener un comportamiento socialmente responsable que optimiza el uso de recursos; mitiga impactos ambientales; aporta a las comunidades aledañas a sus operaciones, y defiende y promueve el mercado del cobre. http://www.codelco.com/estrategia/prontus_codelco/2011-07-07/115937.html‖ http://www.codelco.com/prontus_codelco/site/artic/20110225/asocfile/20110225164920/cartadevalores.pdf Acesso em 15.04.2014.
35
2.3.2 A atividade minerária à luz da Constituição Federal e o princípio da
proporcionalidade.
Há um dilema contumaz nas rodadas que envolvem a atividade minerária:
mineração versus meio ambiente.
De um lado, a doutrina minerária defende o interesse de mineradores na
relevância da atividade para a qualidade – e até a existência – de vida humana, a
sua onipresença nos produtos do cotidiano, a impossibilidade de minerar sem
impactar o meio ambiente (RIBEIRO, 2006)44 e o inquestionável interesse nacional
que representa (FREIRE, 2010).
Do lado oposto, a defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado que,
a mais respeitada doutrina jurídica ambiental, embora reconheça a
imprescindibilidade da mineração para o ser humano, a qualifica de elevado,
significativo e irreversível impacto ambiental (ANTUNES, 2009; MILARÉ, 2011;
MACHADO, 2009).
Dilema que se tornaria mais complexo se as doutrinas minerária e ambiental
considerassem um terceiro componente fundamental, que se refere à organização
humana. Isto é, do ambiente da sociedade local impactada, como já faz a economia.
Nos estudos jurídicos, a análise se concentrada sobre a proteção do meio
ambiente natural, na classificação de Fiorillo (2011), cuja antropização prejudica a
própria vida humana. Em outras palavras, há preocupação com os resultados
deletérios da má gestão ambiental do espaço do empreendimento.
Há timidez em trazer para o debate jurídico o fator humano nas áreas de
interesse minerário, embora inarredável a premissa de que o ser humano, uma
coletividade também são partes integrantes do ecossistema, contribuindo para sua
conservação ou desequilíbrio.
Assim, ao fazer a análise dos impactos da mineração em determinada área
restrita ao meio biótico busca-se a proteção dos micros bens ambientais, contudo,
subvaloriza a vida humana e nega àqueles que têm ocupações pré-existentes nos
locais de pretensão ou execução de projetos minerários direitos fundamentais
inerentes a toda pessoa humana.
44
Ribeiro (2006, p. 334) sintetiza magistralmente essa situação ao asseverar que: ―Ipso facto, em qualquer lugar, nas residências e nas ruas (e até no espaço), é só olhar em volta, cuidadosamente, para notar sua pujante presença ou sua onipresença‖. Acresce o doutrinador ao afirmar que minerar assemelha-se à impossibilidade da omelete sem a quebra dos ovos. Contudo, ao contrário dos ovos, o meio ambiente degradado poderá ser recuperado.
36
Por contradição dos atos do minerador e do poder público é justamente essa
coletividade ignorada que resistirá ao empreendimento dando azo ao conflito
socioambiental. Tudo por subestimar a inteligência e o crescente poder de
organização social dessas pessoas.
Mas, se há unanimidade acerca da importância dos recursos minerais para
vida humana e a economia de um país, como então equacionar juridicamente o
interesse da atividade minerária com o direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, à sadia qualidade de vida e à dignidade da pessoa humana em uma
leitura intergeracional envolvendo o uso de bens ambientais não renováveis?
Viu-se que a mineração é uma atividade econômica tradicional no Brasil que,
apesar das oscilações resultantes das políticas-econômicas, sempre esteve
presente no curso da história brasileira e assim continuará.
Como produto do relevante papel para economia, industrialização e o
crescimento nacional foi-lhe assegurado o gozo de prevalecer diante de outros
interesses e a necessidade de demonstrar a existência de um cenário estável e
seguro para os investidores fez com que a sua regulamentação tivesse codificação
própria.
Dessa forma, em tese, todas as previsões estariam contidas na legislação
minerária, em especial nos Códigos de Minas de 194045 e de 1967, este ainda em
vigor, fazendo-se uso exclusivo da subsunção para reconhecer direitos e dirimir
conflitos.
Diálogos interpretativos com a Constituição Federal de 1967 e outras
normas jurídicas de natureza social e ambiental eram dispensáveis por força da
valorização e da crença na autossuficiência da codificação da matéria. Neste ponto
é de bom alvitre lembrar que, direitos fundamentais, ainda que previstos no texto
maior, não tinham este status de reconhecimento, ao contrário, eram vistos pela
doutrina e a jurisprudência da época como normas programáticas, senão letra-morta
(SARMENTO, 2010).
Destarte, foi criado um ambiente jurídico fértil para o desenvolvimento da
mineração nos moldes liberais típicos dos direitos humanos de 1ª dimensão.
Assim, imperaram de forma absoluta os interesses minerários amarrados no
discurso capitalista, na defesa do interesse nacional, da importância para economia
45
Dá nova redação ao Decreto-lei nº 1.985, de 29 de janeiro de 1940. (Código de Minas)
37
e na existência de regulação própria do setor para realização de direitos e deveres
entre minerador e o Estado (outorga de direito minerário e recolhimento da CFEM), e
o minerador e o superficiário (preferência ou participação nos resultados da lavra).
Afirmou-se, assim, como disciplinador do interesse econômico-financeiro
envolvendo minerais, indiferente em relação a outros recursos naturais estranhos a
esses, ainda que sempre transversais.
Justo ou não, o certo é que, limitado ao pensamento positivista adotado e
tradicionalmente sucedido no tempo por decisão da política econômica do País,
reduziu-se a atividade à obtenção de lucros pelo minerador e posicionando o Brasil
como um mero fornecedor commodities para equilibrar a balança comercial.
O prometido desenvolvimento não veio. A prometida industrialização
também não. Contudo, conflitos socioambientais sim, principalmente com a
intensificação da mineração a partir da Década de 1960.
Pautado nos ensinamentos de Sarmento (2010, pp. 102-104), pode-se dizer
que a mudança desse paradigma absolutista da mineração somente ocorreu pela
forte influência da nova Constituição, na qual o ―pluralismo social‖ foi incorporado
pela mesma abrigando pré-compreensões do mundo nem sempre harmônicas;
situação que exige a ―releitura dos instrumentos e normas‖ integrantes do
ordenamento jurídico, considerando a ―constitucionalização do direito‖ e a superação
de ―clivagens tradicionais, como as que separam o Direito Público do Direito Privado,
e o Estado da sociedade‖; e, à ênfase dada à efetividade dos direitos fundamentais
como forma de promover a inclusão social e a dignidade da pessoa humana46.
Trata-se no fundo de resultados da possibilidade de democratização das
relações socioeconômicas e culturais as quais se acrescenta, aí, notadamente, as
socioambientais, como pavimento para atingir objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil lavrados no art. 3º da Constituição de 198847.
Destarte, de um arcabouço positivista os operadores do direito se viram
incumbidos em reler e reinterpretar os regulamentos da mineração à luz do Texto
Constitucional e do seu conteúdo axiológico fundamentado em princípios e objetivos
46
Interessante é o destaque dado por Sarmento (2010, p. 105) sobre o entendimento do constituinte sobre os direitos fundamentais e os efeitos dos seus alcances quando constitucionalizados e atribuídos aos mesmos eficácia plena: ―Não é que houvesse um consenso político em relação aos direitos fundamentais. Uma interpretação mais realista dos fatos históricos explica tal fenômeno a partir da descrença então nutrida pelos atores políticos a propósito da possibilidade de efetivação dos direitos fundamentais, que eram vistos mais como adereços para embelezamento da Constituição, do que como normas dotadas de significado prático na vida social.‖ 47
Constituição Federal. Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
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fundamentais dispostos em todo tecido normativo e, em especial, naqueles previstos
no seu Título I, sempre na busca da proteção da vida e da dignidade humana, pois
são os núcleos essenciais dos direitos humanos (GUERRA FILHO, 2009).
Com efeito, a leitura dos direitos e interesses minerários de natureza
eminentemente liberal e econômico, passaram a interagir com outros princípios de
direito fundamental que usufruem do mesmo status e eficácia no topos da pirâmide
normativa, como aqueles que abraçam os direitos sociais e ambientais. Em outras
palavras, trata-se do fenômeno da constitucionalização do direito minerário.
E este é o novo modelo hermenêutico vigente que juntamente com a
legalidade (Estado de Direito) e a legitimidade (Democracia), concretizam a decisão
política fundamental por um Estado Democrático de Direito (GUERRA FILHO, 2009).
Sarlet e Fensterseifer (2011, pp. 42-43) em nome da defesa contra ameaças
às relações sociais, ambientais, e aos valores e princípios republicanos e do Estado
Democrático de Direito que colocam em xeque o ser humano (e não-humano) e a
qualidade de vida, propõe um Estado Socioambiental48 no intuito de conciliar, sem
fulminar os seus respectivos núcleos essenciais, as agendas de interesses
econômico, social e ambiental com o seguinte fundamento:
―O processo de afirmação histórica dos direitos fundamentais, sob a
perspectiva das suas diferentes dimensões (liberal, social e ecológica),
reforça a caracterização constitucional do Estado Socioambiental, em
superação aos modelos de Estado Liberal e Social. O marco jurídico-
constitucional ajusta-se à necessidade da tutela e promoção – integrada
e interdependente – dos direitos sociais e dos direitos ambientais num
mesmo projeto jurídico-político para o desenvolvimento humano em
padrões sustentáveis, inclusive pela perspectiva da noção ampliada e
integrada dos direitos fundamentais socioambientais ou direitos
fundamentais econômicos, sociais, culturais e ambientais (DESCA).‖
(grifo nosso e no original)
Vê-se, na verdade, a transversalidade e a reciprocidade entre direitos
fundamentais socioambientais por toda a Constituição Federal, que devem ser
48
Aliás, trata-se de entendimento que encontra esteio Benjamin (2008, p. 74-84), para quem os direitos sociais e ambientais
estão umbilicalmente associados. Senão vejamos: ―A Constituição de 1988 sepultou o paradigma liberal que via (e insiste ver)
no Direito apenas um instrumento de organização da vida econômica, unicamente orientado a resguardar certas liberdades
básicas e a produção econômica [...]. Uma Constituição que, na ordem social (o território da proteção ambiental, no esquema
de 1988), tem como objetivo assegurar ‗o bem-estar e a justiça sociais‘ (art. 193), não poderia deixar de acolher a proteção do
meio ambiente, reconhecendo-o como bem jurídico autônomo e recepcionando-o como forma de sistema, e não como um
conjunto fragmentário de elementos; sistema esse que, não custa repetir, organiza-se na forma de uma ordem pública
ambiental constitucionalizada‖.
39
observados por aqueles que resolvem empreender no Brasil49 (ATHIAS, 2009;
TRECCANI, 2014).
A opção constitucional resta evidente quando é definido que o modelo
econômico será pautado na livre iniciativa e na valorização do trabalho humano que,
contudo, não ficam ao livre talante do capitalista, devendo ajustar a sua atividade de
forma a não apenas gerar lucros, mas, concomitantemente, garantir uma existência
humana digna, conforme os ditames da justiça social, observados a proteção
ambiental e a redução das desigualdades regionais e sociais como um dos
princípios fundamentais da atividade econômica50 previstos no art. 170, IV e V.
Nesse sentido, colabora Sarmento (2010, pp. 106-107) ao expor que:
―No que diz respeito à ordem econômica, a Constituição de 88 adotou
fórmula compromissória. Por um lado, valorizou a livre iniciativa, o direito de
propriedade e a livre concorrência, mas, por outro, tingiu este sistema
com preocupações com a justiça social, a valorização do trabalho e a
dignidade da pessoa humana. A Constituição expressa a adesão ao
regime capitalista, rejeitando o modelo de economia planificada e de
apropriação coletiva dos meios de produção. Porém, o capitalismo que
resulta do texto constitucional não é o do laissez-faire e do Estado
absenteísta, mas uma fórmula intermediária, que aposta na força criativa
e empreendedora da iniciativa privada, mas não foge à sua
responsabilidade de discipliná-la e limitá-la, não só no interesse da
higidez do próprio mercado, como também no da promoção da
igualdade material e da justiça social‖ (grifo nosso)
Portanto, o minerador, ao orientar a sua atividade de acordo com os trilhos
constitucionalmente assentados, contribui para promoção da dignidade da pessoa
humana não apenas no sentido intramuros do empreendimento, melhorando as
condições trabalhistas dos seus funcionários e reduzindo impactos ambientais, mas
sim enquanto relevante célula integrante da sociedade, considerando a forte
influência que irradia.
Isto porque a dignidade da pessoa humana não depende tão somente da
sua proteção e o livre e pleno gozo de direitos que lhe propiciem o desenvolvimento
da sua persona, mas sim da progressão da coletividade, à medida que ―a dignidade
49
Esta inter-relação advém da releitura de Benjamin (2008, pp. 121-122), que prescreveu: ―A Constituição de 1988 institui uma verdadeira ordem pública ambiental, que conduz o Estado de Direito Social e o modelo político-econômico que adota a assumirem a forma de Estado de Direito Ambiental. A ambientalização constitucional dessa ordem pública e Estado de Direito, embora concentrada no art. 225, aparece espalhada no espaço da Constituição, com destaque para os arts. 5º, XXII e XXIII, 20, II e VII, 21, XIX, 22, IV, 23, VI e VII, 24, VI a VIII, 26, I, 170, VI, 184, 2º, 186, II, e 200, VII e VIII.‖ 50
Aliás, esta leitura ganhou mais robustez com o Código Civil, que consagra o princípio da função social da empresa.
40
do indivíduo nunca é do indivíduo isolado ou socialmente irresponsável, exigindo
também igual dignidade de todos os integrantes do grupo social‖ (SARLET e
FENSTERSEIFER, 2011, p. 59).
Deve, por conseguinte, prevalecer o princípio da solidariedade que:
―[...] expressa a necessidade (e, na forma jurídica, o dever) fundamental de
coexistência (e cooperação) do ser humano em um corpo social,
formatando a teia de relações intersubjetivas e sociais que se traçam no
espaço da comunidade estatal.‖ (SARLET e FENSTERSEIFER, 2011, p.
45).
Aliás, considerando a opção do constituinte prevista no art. 170, que enfatiza
a proteção ambiental e a redução às desigualdades, estabeleceu-se também o
modelo de desenvolvimento o sustentável de tamanha importância que fez Silva
(2003, pp. 26-27) descarregar severas críticas àqueles que se autoadjetivam como
seus promotores, sem, contudo, compreender o alcance e os objetivos
constitucionais que deixam de ser observados:
―[...] o desenvolvimento sustentável tem como seu requisito indispensável
um crescimento econômico que envolva equitativa redistribuição dos
resultados do processo produtivo e a erradicação da pobreza, de forma a
reduzir as disparidades nos padrões de vida da população. O notável jurista
afirma, ainda, que se o desenvolvimento sustentável não elimina a pobreza
absoluta, não propicia um nível de vida que satisfaça as necessidades
essenciais da população em geral, em consequência, não pode ser
qualificado como sustentável.‖
Essa hermenêutica conforme a Constituição exige hercúleo esforço do
minerador para afrouxar as amarras das ―ideias, valores e preconceitos‖ construídos
à luz de um individualismo liberal dentro de uma ―visão esquemática cartesiana‖,
considerando o ―mundo plural e complexo‖, as ―cosmovisões que coabitam no
mesmo espaço-tempo‖ (SARMENTO, 2010, pp. 220-221) e o regime democrático
participativo que se adotou como forma de promover a dignidade da pessoa
humana.
Portanto, apesar da mineração se constituir em uma atividade importante na
estratégia político-econômica do Brasil não quer dizer que prevaleça de forma
absoluta e inquestionável sobre outros interesses, não a desonera do cumprimento
41
da sua função socioambiental e nem autoriza tratamento leniente pelos impactos
negativos gerados (ATHIAS, 2009).
Ao contrário, seguindo as orientações internacionais, deve estar mais
comprometida com as questões ambientais e sociais, visto que reduzem as pegadas
e mochilas socioecológicas, e consequentemente, os riscos para os seus
investidores. É por isso que, atualmente, tão imprescindíveis e cada vez mais
exigidas do minerador não apenas as licenças minerária e ambiental, mas também
deve obter, sobretudo, a licença social, isto é, a legitimação da sociedade local
direta ou indiretamente impactada para desenvolver a sua atividade, formando,
assim, a tríplice licença para minerar (FERNANDES et. al., 2007).
O minerador, ao contrário do que possa julgar, não teve os seus direitos
reduzidos. Os seus direitos humanos de 1ª dimensão, por assim dizer, o princípio da
livre iniciativa no qual se fundamenta está resguardado e no mesmo patamar dos
princípios que fundamentam os direitos humanos sociais e ambientais, todos eles
dispondo da mesma eficácia plena, nos termos do art. 5º, § 2º, da Constituição
Federal, podendo, assim, exercê-lo na hipótese de harmonização entre eles.
Neste sentido, retorna-se a questão da controvérsia trazida no início deste
item sobre a possível incompatibilidade entre atividade econômica minerária, meio
ambiente e o ser humano. Como uma teoria dos direitos fundamentais poderia
contribuir na proposição da melhor solução, considerando a necessidade humana de
minerar?
Sabe-se que todos os interesses envolvidos em uma questão que envolve a
exploração minerária estão albergados em algum princípio fundamental previsto na
Constituição Federal de 1988. A mineração na livre iniciativa, o meio ambiente no
equilíbrio ecológico necessário à sadia qualidade de vida, e o homem na sua
dignidade.
Assim, deve-se avaliar o que a doutrina propõe como solução quando há
confrontação entre princípios que têm como núcleo essencial a proteção dos direitos
humanos cumulativos e posicionados historicamente em dimensões distintas.
Inicialmente, é relevante distinguir regras de princípios de acordo com o
modelo de Alexy (2009).
42
Para o jurista alemão, as regras são mandamentos definitivos tendo como
característica a direta aplicação da subsunção51, cujo conflito de normas dessa
espécie gera uma antinomia e, consequentemente, o cumprimento daquela que se
entender correta em detrimento da perda de validade da outra. É o direito minerário
civilista, ortodoxo em relação à constitucionalismo pós-1988.
Já os princípios são mandamentos de otimização ou, na tradução de Guerra
Filho (2009), determinações de otimização (Optimierungsgebote) que se cumprem
de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas que se apresentam diante de um
caso concreto. Por isso, tem como característica a relatividade, posto que não
existiriam princípios que se acatem de forma absoluta em toda e qualquer situação
sem restringir outros interesses de igual hierarquia, como ocorre com todos os
princípios fundamentais que, para o doutrinador, possuem um núcleo em comum
mínimo de existência que é a dignidade da pessoa humana.
Ademais, o doutrinador parte do pressuposto que todos os princípios
fundamentais têm um conteúdo comum mínimo de existência, que consiste na
dignidade da pessoa humana.
Desta feita, na hipótese de conflito entre eles, sugere a realização da
ponderação diante do caso concreto através da aplicação do princípio da
proporcionalidade, (Grundsatz der Verhältnismäβigkeit), também chamado de
―mandamento da proibição do excesso‖ (Übermaβverbot). Com efeito, ocorrerá a
prevalência de um sem que, contudo, haja o total esvaziamento do outro, até porque
isso também causaria a violação do núcleo essencial que o direito fundamental que
o princípio busca proteger (GUERRA FILHO, 2009).
Nesses moldes, a proporcionalidade se trata de princípio estratégico e
essencial à estabilidade do Estado Democrático de Direito, pois, diante de hard
cases resultantes de choque de interesses e valores diversos e imprevisíveis em
uma sociedade hipercomplexa envolvendo entre si indivíduo, poder público e/ou
coletividades, o que impede a previsão e a regulamentação em abstrato de todas as
situações possíveis, somente com o sopesamento, a ponderação52 seria possível
mitigar os conflitos e construir soluções.
51
Guerra Filho (s/d) explica que ―[...] o conteúdo de uma regra é a descrição (e previsão) de um fato, acompanhada da prescrição de sua consequência jurídica, e não outra regra.‖ 52
Guerra Filho (s/d) leciona que pelo princípio da proporcionalidade é possível ser feito o que os norte-americanos chamam de “balancing” de interesses e bens, e os alemães de “Abwägung”.
43
Para o jus-filósofo essa orientação em favor da resolução do conflito pela
proporcionalidade visando a preservação do conteúdo mínimo dos princípios estaria
prevista assegurada na seguinte premissa:
―A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos
expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-
se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses
constitucionalmente protegidos.‖ (grifo nosso)
Por isso, Guerra Filho (2009) reitera o já exposto por Sarmento (2010), ao
afirmar que no atual ordenamento não é mais possível interpretar a constituição
através dos cânones pautados no pensamento jurídico-econômico privatista.
Pensamento que serve para retirar o caráter absoluto dos interesses dos
atores sociais envolvidos no conflito, tornando-os relativos e preponderantes de
acordo com o estudo dedicado do caso em concreto. O exemplo disso está
sedimentado no art. 170 da Constituição Federal aplicável à mineração, que
determina a necessidade de observar às normas protetivas de meio ambiente.
No que tange à utilização do princípio da proporcionalidade, apesar de
Guerra Filho (2009) e Silva (2002) divergirem sobre a denominação se ―princípios
parciais ou subprincípios‖ ou ―sub-regras‖, bem como a forma de aplicação,
entendendo o último que devem seguir uma relação de subsidiariedade, os
conteúdos desses elementos de sopesamento são os mesmos.
Destarte, passa-se a consigná-los com as denominações e na ordem
proposta por Silva (2002) acompanhado de reflexões atinentes aos conflitos
ocasionados pela mineração. São eles:
a) adequação: por ele deve-se avaliar se o instrumento utilizado para
viabilizar e atender determinada finalidade foi adequado.
Assim, no caso da mineração, considerando que se propõe a obtenção de
lucro com a promoção do desenvolvimento sustentável e o bom relacionamento com
a sociedade local atingida, deve-se perquirir se nos processos de concessão
minerária e de licenciamento ambiental essas situações foram adequadamente
tratadas para fomentar as condições e atingir esses objetivos.
b) necessidade: um ato estatal limitador de um direito fundamental somente
é necessário na hipótese de não existir outra forma de atingir o objetivo perseguido
com o mesmo resultado e em menor mitigação do direito em conflito.
44
Trata-se de uma análise comparativa de medidas alternativas ao ato
pretendido, na qual se deve escolher entre todas as possibilidades levantadas
aquela menos lesiva ao direito a ser reduzido e igualmente eficaz.
Sabe-se que a viabilidade técnica e econômica de uma jazida impossibilita a
sua mobilidade por força da rigidez locacional. Contudo, diante da sua localização
em áreas sensíveis a conflitos socioambientais, existiriam alternativas para contornar
a situação? Não existiria previsão da utilização de técnicas de ocupação do espaço
e de exploração menos impactantes? As medidas alternativas de mitigação de
impacto foram consideradas no processo de concessão minerária e de
licenciamento ambiental? Essas opções são debatidas com a sociedade diretamente
afetada pelo empreendimento?
c) proporcionalidade em sentido estrito (ou máxima do sopesamento):
na ponderação entre interesses em conflito, deve-se analisar se a medida
prevalecente trará mais vantagens do que desvantagens, promovendo um maior
grau ótimo de realização para todos (Pareto). Dessa forma, a decisão a ser tomada
não pode provocar lesão ao conteúdo mínimo do direito fundamental ao ponto de
esvaziá-lo por completo.
Dessa forma, explica Silva (2002, p. 41):
―[...] consiste em um sopesamento entre a intensidade da restrição ao direito
fundamental atingido e a importância da realização do direito fundamental
que com ele colide e que fundamenta a adoção da medida restritiva.‖
Na mineração existem casos em que a atividade minerária atua em áreas
ambiental ou socioculturalmente sensíveis, como unidades de conservação e
territórios ocupados por populações tradicionais e remanescentes de quilombos.
Daí se questionar se medidas compensatórias ou de remanejamento de
comunidades por causa da mineração não seriam desproporcionais ao colocar sob
risco de extinção o núcleo essencial mínimo dessas coletividades? A garantia da
exploração mineral e a prioridade econômica justificariam essa periclitante
exposição ou seriam providências justificadas por benefícios econômicos e outros de
natureza social gerados pela atividade, como emprego e renda? O que de bom a
mineração geraria e atrairia para o local?
Guerra Filho (2009) esclarece, contudo, que essa análise integra um
conjunto de procedimentos que servirão para captar os subsídios necessários à
45
realização do balanço entre os princípios. Na verdade, trata-se do cumprimento da
garantia fundamental do devido processo legal inerente a um Estado Democrático
de Direito que, assim como o princípio da proporcionalidade, visa coibir excessos,
controlar a legalidade e servir instrumento para construção da decisão mais legítima
e justa.
Ocorre que, na prática, muitos dos conflitos entre princípios na atividade
minerária resultam da forma contumaz dos poderes públicos e do minerador de
conduzir os processos de concessão minerária e de licenciamento ambiental à
revelia de qualquer intenção de tê-los como instrumentos estratégicos para
promover o sopesamento entre direitos e, com isso, decidir um caso difícil.
Neles, ao contrário, impera a insuficiência de informações, pois nos dois
instrumentos a única meta é o cumprimento das fases legais por mera formalidade
para obtenção da outorga de direitos, quando, na verdade, deveriam servir – se
conduzidos com inteligência – como instrumentos catalisadores de dados úteis para
o momento da ponderação entre interesses antagônicos53.
Por conseguinte, embora a ciência do direito já tenha proposto uma
metodologia para solucionar o problema, na prática os atores sociais envolvidos não
oferecem os elementos informativos necessários para o preenchimento da fórmula
apresentada. Fato que torna desproporcional e, consequentemente, lesiva à
dignidade humana toda a decisão prolatada no âmbito de um processo de
concessão minerária e de licenciamento ambiental não precedida do sopesamento
de interesses no qual não foram assegurados a efetividade dos direitos que tem
como corolário a cláusula constitucional do devido processo legal.
53
Certamente outros benefícios seriam gerados, entre os quais a celeridade do processamento em vista da existência de
dados produzidos para pacificação de um conflito, e redução das reclamações do minerador em relação ao demasiado tempo
para o licenciamento ambiental.
46
CAPÍTULO 3 – A CRISE FUNDIÁRIA DO ESTADO DO PARÁ E A CONTRIBUIÇÃO DA
POLÍTICA MINERÁRIA PARA DESORGANIZAÇÃO TERRITORIAL.
3.1 DA ORIGEM DAS TERRAS BRASILEIRAS AO PROCESSO DE
INTENSIFICAÇÃO DA OCUPAÇÃO DAS TERRAS NO PARÁ.
Conforme já explanado, a titularidade sobre bens na época das expansões
além-mar fundamentava-se no direito de conquista, em que o Rei português e o Rei
espanhol apoiados no Tratado de Tordesilhas sob o beneplácito papal dividiram o
novo mundo, tornando-se, assim, senhores absolutos dos povos nativos, das suas
terras e tudo que nelas existiam no solo, no subsolo e na atmosfera.
A Terra do Pau-Brasil, por exemplo, foi incorporada ao acervo patrimonial da
Coroa Portuguesa na figura do Rei D. Manoel I. Daí por diante qualquer ocupação
do território e a exploração de recursos naturais estavam adstritas a sua exclusiva
autorização.
Em relação às suas terras, esse domínio pleno do Imperador Português
somente foi cessado com a Declaração da Independência, quando o patrimônio
fundiário das Terras de Brasileiras passou a pertencer ao Imperador brasileiro D.
Pedro I, ―o Libertador”.
Nesse sentido, explica Treccani (2001, p. 28) sobre a origem pública da
propriedade imóvel no Brasil:
―As terras adquiridas através das armas e da diplomacia, eram-lhe,
formalmente reconhecidas como legitimamente suas, graças às declarações
papais. A partir da conquista, no Brasil deixam de existir terras sem dono,
todas elas incorporam-se ao patrimônio da Coroa Portuguesa. Portanto só o
rei poderia permitir ou impedir o acesso e a exploração a tudo o que existia
na colônia. Isso fez com que o direito de propriedade, no Brasil, tivesse a
sua origem do desmembramento do patrimônio público; as terras eram
assim originalmente públicas e, até hoje, elas podem ser consideradas
propriedades particulares só se estes comprovarem que as receberam a
justo título.‖
Esse pilar doutrinário tem ressonância da proposição lógica, histórica e
jurídica feita por Maia (1982, p. 12)54:
54
Para Meirelles (1995, p. 455): ―No Brasil todas as terras foram, originariamente, públicas, por pertencentes à Nação
Portuguesa, por direito de conquista. Depois, passaram ao Império e à República, sempre como domínio do Estado. A
transferência das terras públicas para os particulares deu-se paulatinamente por meio de concessões de sesmarias e de data,
47
―Como se vê, num País em que a definição da propriedade tinha a sua
origem no reconhecimento pelo Poder Público, originariamente este direito
colocava o particular ante a expectativa de uma concessão. Isto porque este
reconhecimento é fundamentalmente uma concessão. E concessão de terra
genericamente é um ato de disponibilidade pelo Estado de um seu bem
patrimonial em virtude de expressa autorização ou reconhecimento
contemplado em Lei, transferindo-o ao patrimônio privado. Justamente isso,
porque o objeto da concessão é sempre bem público integrante do
patrimônio disponível.‖
Situação que foi alterada com o advento da Proclamação da República e a
promulgação da Constituição de 1891, que no art. 6455 distribuiu as terras públicas
entre a União e os Estados da seguinte forma: enquanto a estes passavam a
pertencer as minas e as terras devolutas56 insertas nos seus respectivos territórios,
àquele foram destinadas as terras de fronteira necessárias à defesa nacional.
Nesse prisma, interessante destacar o voto do Ministro Aliomar Baleeiro nos
autos do RE nº 51.290, nos seguintes termos:
―Então os Estados, como sucessores da nação Brasileira, como sucessora
do patrimônio pessoal do rei de Portugal, não necessitam trazer nenhum
título. O título é a posse histórica, o fato daquela conquista da terra. A
terra, no Brasil originariamente era pública. [...] O particular é que tem
de provar, por uma cadeia sucessória, que as terras foram
desmembradas do patrimônio público. Não há nenhuma dúvida a
respeito disso. (grifo nosso)
Contudo, essa sucessão de direitos patrimoniais públicos com a instituição
da República sobre as terras da coroa portuguesa e do império brasileiro veio
acompanhada por todos os vícios materiais e processuais resultantes de três
compra e venda, doação, permuta e legitimação de posses. Daí a regra de que toda terra sem título de propriedade particular é
de domínio público‖. (grifo nosso) 55
Constituição de 1981. Art. 64. Pertencem aos Estados as minas e terras devolutas situadas nos seus respectivos territórios,
cabendo à União somente a porção de território que for indispensável para a defesa das fronteiras, fortificações, construções
militares e estradas de ferro federais. Parágrafo único. Os próprios nacionais, que não forem necessários para serviços da
União, passarão ao domínio dos Estados, em cujo território estiverem situados.
Constituição de 1981. Art. 72. A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos
direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade nos termos seguintes: [...] § 17. O direito de
propriedade mantêm-se em toda a plenitude, salva a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante
indenização prévia. As minas pertencem aos proprietários do solo, salvas as limitações que forem estabelecidas por lei a bem
da exploração deste ramo de indústria. 56
Rocha et. al. (2010, pp. 130-132) definem terras devolutas nos seguintes termos: ―De modo geral, devolutas são as terras
que não estão aplicadas a algum uso público nacional, estadual ou municipal; as que não estavam na posse de algum
particular, com ou sem título, em 1850; as que não estão no domínio particular, em virtude de algum título legítimo.‖ (art. 20, II,
CF/88; art. 26, IV, CF/88; art. 188, CF/88; art. 225, § 5º, CF/88; art. 5º, do Decreto-Lei nº 9.760, de 05.09.1946). E, continuam:
―As terras devolutas se diferenciam das terras pertencentes ao patrimônio público mesmo que as duas sejam consideradas
bens públicos, pois as terras devolutas são aquelas que não se acham aplicadas a algum uso público federal, estadual ou
municipal, que não havjam legitimamente sido incorporadas ao domínio privado (art. 5º, do Decreto-Lei nº 9.760/46)‖. [...] ―O
domínio das terras devolutas não está condicionado a sua demarcação, pois a falta de demarcação não exclui o domínio
estatal, federal ou municipal. [...] no momento em que o ente público arrecada e demarca e matricula em seu nome uma área
devoluta, esta deixa de ser terreno devoluto para se tornar propriedade pública. [...]‖.
48
séculos de desorganizado processo de concessão de terras públicas em favor de
particulares, conforme leciona Porto (1965, pp. 186-187):
―Tudo quanto o sistema sesmarial podia produzir de nefasto estava
consumado, restando, quando muito, evitar males quanto ao futuro,
enquanto, de respeito ao que distribuíra – praticamente todo litoral –, não
havia remédio, herdando o Brasil republicano todo os vícios da colônia e do
Império, indiferentes os governos diante do problema fundiário brasileiro,
grave, agudo, melindroso e cujos efeitos danosos já constituem um dos
ângulos fundamentais da vida nacional em nossos dias e cuja manifestação
tem sido o drama do latifúndio e o tormentoso acesso à terra‖.
Sequelas jurídicas, sociais e econômicas ainda abertas e que se somaram
aos problemas de acesso às terras ocorridas nos dois séculos seguintes que, além
de continuarem sem respostas, contribuem para o cenário de verdadeira babel
fundiária (ATHIAS, 2009, p. 200) responsável pelo agravamento da tensão social
entre os diversos atores que disputam um mesmo palmo de chão para o uso de
acordo com o seu respectivo interesse e de ideal de dignidade humana.
Na Amazônia, em especial no Estado do Pará, esse agravamento se deu
pelas seguintes razões: a) o traumático processo político-econômico de ocupação
das terras; b) as desarticuladas políticas públicas de titulação de terras e os seus
problemas de falsificação e localização; c) o descontrolado sistema de registro de
imóveis; e, d) a intervenção federal e esquizofrênica gestão das terras públicas.
3.1.1. O traumático processo de ocupação do Estado do Pará.
Leciona Treccani (2001) que o processo de ocupação da Amazônia, em
linhas gerais, pode ser dividido em quatro fases: a primeira relativa aos povos
ameríndios que nela adentraram, adaptaram-se e passaram a integrar a região;
depois, com a chegada dos portugueses, que dominaram as faixas de terras
localizadas às margens dos rios; em seguida, com a entrada de nordestinos para
trabalhar nos seringais; e, por último, com uma nova leva de migrantes
principalmente oriundos do nordeste e a entrada do grande capital monopolista na
década de 1960 até os dias atuais.
49
A compreensão do processo de ocupação precede ao entendimento da
formação do campesinato tradicional amazônico caboclo (TRECCANI, 2001, p. 65).
Essa população é o produto da miscigenação das famílias que deixaram as cidades
da Amazônia rumo ao sertão com o do regime do diretório em 1789, que se
miscigenaram a índios destribalizados, mestiços pobres, escravos negros e, entre
1855 a 1889, seringueiros nordestinos.
Para sua sobrevivência, organizavam-se em sociedades comunais baseadas
no trabalho familiar, na agricultura de subsistência e extrativismo animal e vegetal,
sendo as ferramentas e os frutos do labor pertencentes a todos.
A ideia da ocupação de espaço também seguia a ordem comunal dentro da
proposta da posse agroecológica de Benatti (1991), sendo distribuída em áreas de
uso e de posse comuns, tais como matas, rios, lagos, caminhos, praias, que não
poderiam ser alienadas ou privatizadas, somente utilizadas por todos de acordo com
um código de respeito estabelecido pela comunidade; e, áreas de posse e uso
exclusivo, como casa, quintal e horta.
Santos (1978, p. 59) resume da seguinte forma essa espécie de ocupação
da terra que também contribuiu para que conflitos por ela fossem raros e pouco
conhecidos, bem como a costumeira despreocupação do posseiro da Amazônia em
regularizar sua área:
―Havia certa flexibilidade no exercício da propriedade, que comportava ocupações alheias sem preço, moradia gratuita, uso sem fiscalização, etc.; comportava também o desconhecimento, pelo proprietário, do exato tamanho do imóvel, a indefinição e tolerância quanto aos limites, e às vezes o total desinteresse pela terra, que se convertia em res nullius, em área de ninguém. [...] Além disso, como o Estado concorria com o proprietário particular, permitindo à larga ocupação gratuita de seus terrenos devolutos, a oferta da terra era praticamente ilimitada para o homem rural.‖ [...] (grifo no original)
Treccani (2001), por sua vez, explica que essas ocupações eram feitas
sobre áreas desocupadas, terras devolutas, abandonadas ou não totalmente
exploradas, por vezes entre um latifúndio e outro, de difícil acesso ou com solo de
pior qualidade.
Com efeito, em virtude da primazia econômica do extrativismo vegetal, as
terras não tinham praticamente nenhum valor em si. Ela mais representava o
símbolo do status socioeconômico dos grandes senhores latifundiários, tendo o seu
valor econômico decorrente do que se tirava da floresta (TRECCANI, 2001).
50
Assim, a dinâmica da região amazônica era distinta dos demais eixos do
país. Ela se desenvolvida de forma cadenciada, pouco dinâmica, porém
harmonizada com o bucolismo regional e proporcional à sua importância geopolítica
para o Brasil na época57.
Contudo, o desencadeamento de intensos conflitos socioambientais da
Amazônia resultou de dois processos simbióticos: a abertura de rodovias rasgando a
floresta intocada, a iniciar pela Belém-Brasília em 1958 (SANTOS, 1978); e, na ótica
de Foweraker (1981), a Revolução de 1964.
Em 1953, Getúlio Vargas criou o Plano de Valorização da Amazônia e, como
órgão executivo, a Superintendência de Valorização Econômica da Amazônia
(SPVEA), que elucubrou a construção da Belém-Brasília a fim de dar acesso à
região (TRECCANI, 2001). Uma obra executada por Bernardo Sayão, o bandeirante
do século XX, no curso do governo desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek,
iniciada em 1958 e concluída em 195958 (ARPDF, 2011).
Dessa forma, as estradas começavam a substituir os rios e o transporte
fluvial que, por muitos séculos, serviram para o comércio e o deslocamento de
pessoas59.
Embora iniciado o fluxo migratório para ocupação das faixas marginais das
rodovias, este somente se intensificou com a Revolução de 1964 e o primeiro Plano
de Integração Nacional (PIN) defendido pelos militares, que previa a implementação
do Plano Rodoviário Nacional na Amazônia através da abertura da Transamazônica,
BR-230 e da Pará-Maranhão, sem esquecer das PA‘s 70 e 150.
A proposta, portanto, consistia na abertura da estrada e a migração de
nordestinos como beneficiários do programa de ocupação da Amazônia. Com isso, o
governo militar também pretendia aliviar as tensões sociais no Nordeste resultados
da seca e da elevada concentração de terras.
57
SANTOS (1978, p. 61) assim descreve o ambiente do desenvolvimento Amazônico até os anos de 1950: ―Tudo isso tendia a fazer do enorme território amazônico um mundo rural de ritmos lentos, que só paulatinamente ia absorvendo as novidades técnicas e institucionais, de resto poucas. Não havia abalos tecnológicos, corridas, ondas migratórias, pressão relevante sobre a terra. Uma densa calma social se espalhara por todo o vale, mascarando o atraso, a inconsciência e a espoliação do seringueiro, do balateiro, do caçador, do mateiro, do castanheiro, do pescador, do lavrador, do vaqueiro‖. 58
Bernardo Sayão faleceu faltando 50 quilômetros para concluir a rodovia. Entrou para a história com sua última e grande realização: a construção da Belém-Brasília. Rodovia radial cujo ponto inicial é, ainda hoje, Brasília – DF, segue pelos Estados-membros de Goiás, Tocantins e Maranhão, tendo seu trecho final em Belém-PA, cujo objetivo maior da epopéia, do audacioso desbravamento, era integrar definitivamente o sul ao norte do Brasil. Planejada com extensão de 2.169 quilômetros, dos quais aproximadamente 1.000 quilômetros estão em solo paraense (ARPDF, 2011). 59
Monteiro (1980, p. 150): ―A ocupação das terras da Amazônia sempre se fez através dos rios, furos e igarapés, únicos meios de acesso durante séculos e únicos meios de escoamento da produção e trânsito do comércio, salvo raríssimas exceções de pequenas ferrovias e estradas de penetração. Assim mesmo ligando um rio a outro rio‖.
51
Como estímulo, inspirada na ideologia cunhada nos lemas ocupar para não
entregar e terras sem homens para homens sem terras, prometeram assentar 100
mil famílias de colonos, sendo lhes oferecidos: lotes agrícolas de até 100 hectares
em uma faixa de 10 quilômetros de extensão ao longo dos dois lados das rodovias,
assistência médica, casa, seis meses de salário, educação para os filhos, bem como
extensão rural e condições para produzir e escoar o resultado do seu trabalho60
(SANTOS, 1978; TRECCANI, 2001). Essa era a propaganda oficial.
Em resposta à oportunidade lançada pelos militares, diversos migrantes se
propuseram a enfrentar o inferno verde61, as dificuldades de penetração e de
adaptação na densa selva Amazônica.
Deveras, facilitado pelas rodovias, o número de itinerantes foi acima do
esperado e da capacidade de absorção pelas colônias planejadas. O resultado disso
foi que esse corpo excedente de trabalhadores rurais, robustecidos com aqueles que
estavam desempregados com a conclusão dos trechos das rodovias, passaram a
apropriar e a lavrar qualquer terra acessível, supondo que, sendo do Estado e
desocupadas, estariam à sua livre disposição (SCHMINK e WOOD, 2012)62. Ledo
engano, pois serviram apenas para amansar a selva para em seguida serem
expulsos em virtude da precariedade da ocupação em comparação ao aparato do
empresário63.
Destarte, é fácil imaginar os negativos impactos causados ao campesinato
amazônico já pré-existente e ao seu modo de vida com a abertura de estradas e a
chegada de novos colonos por ordem unilateral do poder central militar. De acordo
com Treccani (2001, p. 127) apesar da colonização dirigida ter dobrado o tamanho
das terras ocupadas no Brasil, igualmente ―[...] serviu para transferir a violência para
os estados, onde novos donos passaram a disputar a terra com os posseiros.‖
60
Treccani (2001) elucida que o PIN seria financiado através do repasse de 30% de todos os incentivos fiscais entre 1971 a 1974. 61
Explica Treccani (2001) que a expressão inferno verde é de autoria de Alberto Rangel utilizada em obra de mesmo nome, representando a dificuldade de acesso e condições de vida que não favoreciam o colonizador. 62
Santos (1978, p. 68) aduz que: ―A publicidade oficial fora, porém, mais do que proporcional às necessidades. Ao lado das famílias que vinham no regime de assistência, um volume muito maior de imigrantes começou a chegar na região. Espalharam-se em vários pontos, ocuparam áreas e puseram-se a trabalhar, em inteiro desacordo com as previsões oficiais. Em certos casos, sua ocupação se fez em terra alheia, ou em terra grilada, ambas as hipóteses dando origem a disputas.‖ 63
SCHMINK e WOOD (2012, p. 128) explicam que: ―Tão logo uma área se tornava acessível por uma nova estrada, ou assim
que se vislumbrava a possibilidade de se construir uma, migrantes mudavam-se para a área, tomando posse de fato dos
pequenos lotes. Ao mesmo tempo, os grupos econômicos mais poderosos, como grandes fazendeiros, especuladores de
terras e investidores empresariais, compravam os direitos às mesmas terras, entrosando-se e fazendo negociatas nos vários
órgãos de Brasília e Belém. A maioria das transações acontecia sem nenhum levantamento adequado para determinar os
limites fundiários exatos da propriedade em questão. Nem havia muita informação sobre a existência de pessoas no local, o
que de qualquer forma não preocupava muito. Ao descobrirem que estava ocupada, os fazendeiros procuravam ‗limpar a terra‘.
Para tanto faziam uso da pistolagem e da polícia que utilizavam métodos violentos como incêndios, açoites, torturas e até
assassinatos.‖
52
Contudo, houve a maximização do balaio conflituoso quando o governo
militar e seus tecnocratas erigiram o domínio da Amazônia como estratégico para o
sucesso do regime. Com efeito, à luz do pressuposto das riquezas naturais
inexploradas, da grande extensão de terras incultas e de existir um vazio
demográfico que tornava vulnerável a soberania nacional, passaram a priorizar o
estímulo à atração de empresas de outras regiões do país em detrimento da
colonização dirigida em virtude da necessidade de modernização capitalista no
campo (TRECCANI, 2001).
A estrutura para tanto foi assegurada com a substituição da SPVEA pela
Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) em 1966, que
juntamente com o Banco da Amazônia S.A. (BASA), deram início à Operação
Amazônia, passando, respectivamente, a conceder incentivos fiscais e créditos em
nome do governo com tamanhos benefícios que tornou induvidosa a vinda de
investidores do centro e do sul do Brasil (SCHMINK e WOOD, 2012). Em 1976
houve a intensificação da prospecção e o direcionamento dos investimentos com o
programa POLAMAZÔNIA.
De outro lado, aproveitando de forma vil a oportunidade, também vieram os
grileiros e com eles os matadores de aluguel (ÉLERES, 2002). Tudo em razão da
mudança do valor socioeconômico de uso da terra64.
A terra que antes não valia nada e a ninguém interessava (ATHIAS, 2009),
passou a ser alvo de cobiça, pois mesmo que adquirida mediante o pagamento do
seu preço público risível e com referência à terra nua65 – como se nada nela
existisse –, passaram, por outro lado, a servir como ativo financeiro para obtenção
de benefícios creditícios e fiscais, meio de produção, reserva de valor e via de
acesso a outros recursos naturais, tais como madeira e minério.
Além disso, deve-se falar do galopante crescimento do valor econômico da
terra. De acordo com Biondi apud Treccani (2001), entre 1972 a 1974, o preço teve
o aumento mínimo de 500% chegando até 10.000% conforme a região.
64
No mesmo sentido leciona Athias (2009), ao também afirmar que a terra que antes não valia nada e a ninguém interessava.
Otávio Mendonça, por sua vez, ao prefaciar a obra de Paulo Lamarão (1980, p. 3), registra que: ―[...] A terra, antes farta e
inútil, tornou-se cada vez mais disputada e seus preços atingiram alturas galopantes. Velhos papéis antes esquecidos,
cadeias sucessórias nunca levantadas, registros, medições e partilhas jamais feitos – vieram à tona, de repente, e reclamaram
uma disciplina legislativa ou uma decisão judicial que não se podem escusar de justapor a cada fato e a cada documento as
normas vigentes ao tempo em que surgiram.‖ (grifo nosso) 65
Treccani (2001, p. 178) explica: ―Entre 1960 a 1980 o Estado do Pará vendeu seu patrimônio fundiário levando em consideração só o valor da terra nua sem calcular o valor da floresta. Por isso na década de 60, um hectare localizado na beira da rodovia federal Belém-Brasília era vendido entre 7 e 12 mil cruzeiros (valor da época), quando explorando só 20 tipos de madeira o comprador ganharia entre 550 a 600 mil cruzeiros (40 vezes o valor que ele tinha pago).‖ (grifo nosso)
53
Isso revela que, antes de ser um instrumento de produção, a terra assumiu
uma função essencialmente especulativa sujeitando-se as altas taxas de inflação e
ao baixo risco de prejuízos. Aragon e Mougeot apud Treccani (2001, p. 193)
simplificam a filosofia econômica nos seguintes termos: ―[...] Os empresários sabiam
que, mesmo se tudo fracassasse, o valor da terra subiria‖.
Nesse contexto, a prática da grilagem66 e da pistolagem67 em suas diversas
modalidades assumiram funções imprescindíveis em favor do expansivo e lucrativo
mercado de terras. Isso porque não bastava tê-las fisicamente, havia também a
necessidade de estarem documentadas ainda que de forma fraudulenta, porque
eram os papeis que davam acesso aos créditos e financiamentos públicos68.
Vê-se, portanto, que o conceito de propriedade extrativista e modo de vida
típica do campesinato tradicional amazônico pautado na oralidade, na dispersão e
na liberdade proporcionada pelo uso e posse coletiva, não se adequava ao modelo
de ocupação privatizada, delimitada e individualizada – civilista – imposta pelo
governo militar a fim de atender a sua causa desenvolvimentista e o regime jurídico
das garantias reais mínimas dos incentivos financeiros concedidos69.
Santos (1978, p. 69) diz que passou a prevalecer o formalismo jurídico em
favor do interesse do econômico através do qual:
―O Direito Civil, a legislação de registros públicos, certidões cartorárias, as
medidas de superfície e uma série de práticas inusitadas se generalizaram.
Isso tudo determinava uma alteração profunda do conceito provinciano de
propriedade imobiliária‖.
66
A grilagem é uma prática nacional, que consiste na apropriação indevida de terras públicas. Para Brasil apud Rocha et. al. (2010, p. 58) o termo grilagem ou grilo trata-se de: ―toda ação ilegal que objetiva a transferência de terras públicas para o patrimônio de terceiros‖. Essa referência é feita em homenagem ao método de envelhecimento do papel para dar aparente veracidade por causa da sua ancianidade, conforme explica Treccani (2001, p. 202) em sua obra referência: ―Se utiliza o termo ‗grilagem‘ pois um dos métodos adotados para ‗autenticar‘ um documento falso consistia em colocá-lo numa gaveta com centenas de grilos que, morrendo, apodreciam soltando toxinas. O papel apresentava assim manchas amarelo-fosco-ferruginosas, eram corridos pelas bordas e apresentavam orifícios as páginas, fazendo-o parecer muito mais velho.‖ 67
Leciona Éleres (2002, p. 46) que os camponeses amazônidas: ―[...] tiveram os casebres derrubados pelo correntão de
tratores ou foram queimados no acero. Outros, sentenciados pelos artigos ‗38‘ e ‗12‘ da Lei da selva, foram mortos a bala,
acreditando no sagrado direito a um pedaço de chão nos rincões da Amazônia.‖ Já Schmink e Wood, 2012) explicam que:
―Época conflituosa em que a lei do Xingu se fundamentava no Artigo 44, referindo-se ao revolver calibre 44, a favorita da
época‖. 68
Elucida Pinto (1980, pp. 17-18 e 161): ―O maior problema causado por essas transações é que frequentemente elas são meramente especulativas: comprador e vendedor não estão interessados se o que está escrito no papel tem correspondência no terreno, basta ter um título.‖ 69
Santos (1978, p. 60) fala da repercussão resultante da adaptação ao sistema capitalista de concessão de créditos e de
garantias: ―[...] consistiu na ação até certo ponto modernizadora do sistema bancário oficial, forte concorrente do crédito
informal do aviamento e incentivador indireto de uma reconceituação da propriedade imobiliária.‖ (grifo no original)
Para Schmink e Wood (2012, p. 108) ―[...] à natureza extrativa da economia amazônica, que tornou especialmente difícil definir direitos de propriedade na forma compatível com os padrões adotados nos procedimentos burocráticos. Os protocolos legais pressupunham lotes claramente demarcados, mas isso tinha pouca relação com a vasta extensão de territórios controlados por grupos econômicos poderosos, que faturavam com a extração da borracha e castanha-do-pará, e pensavam mais em termos de distribuição de árvores do que nos hectares de terras.‖
54
Consistia, portanto, no tratamento jurídico do domínio privado do imóvel que
era – e ainda é – incompreensível ao caboclo, que viu desconsiderada a ética da
relação existente entre a terra, o ambiente e os seus pares, passando a depender de
intrincada e onerosa teia burocrática e kafkaniana para ver o seu direito reconhecido
se o sistema, por um grande descuido, permitisse (SANTOS, 1978).
O próprio governo incentivava, premiava, legitimava e legalizava
(TRECCANI, 2001) essa apropriação ilegal ao criar ambiente e mecanismos legais
para favorecer a regularização a posteriori dessas terras na fronteira.
Primeiramente, ao represar a emissão de novos títulos e a existência de
documentos sujeitos a anulação, tornou raro, valorizado e sujeito à multiplicação
pela indústria da fraude o título ―bom‖ (SCHMINK e WOOD, 2012); ao estipular preço
baixo para terra; a fragilidade dos órgãos fundiários para administrar o processo de
ocupação e de regularização de terras públicas70; e, a total falta de controle dos atos
dos cartórios de registro de imóveis.
No nível federal foram as Diretrizes nº 005 e nº 006 de 1976, elaboradas
pelo Conselho Nacional de Segurança e o Ministério da Agricultura71 para o Instituto
de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).
A primeira justificava a medida de reconhecer a validade dos títulos
transcritos irregularmente no registro imobiliário desde que adquiridos de boa-fé,
pois os empreendimentos que neles se sustentavam foram aprovados por órgãos
federais e promoveriam o desenvolvimento da região (TRECCANI, 2001; SCHMINK
e WOOD, 2012). A segunda, por sua vez, reconhecia os direitos daqueles que já
ocupavam áreas de até 3.000 hectares por 10 anos (SCHMINK e WOOD, 2012).
No âmbito estadual a chancela à grilagem ocorreu com a possibilidade de
recompra ou compra em regime especial assegurado pelo art. 88 do Decreto-Lei nº
57/1969, sendo ratificado e ampliado pelo art. 27, VII, da Lei Estadual nº 4584/75.
Assim, por este subterfúgio legal os beneficiários de financiamentos aprovados pela
SUDAM, Banco do Brasil S.A., BASA S.A. e Banco do Estado do Pará S.A.
(BANPARÁ) teriam prioridade na regularização das suas terras que, embora
adquiridas com boa fé, foram incautos na pesquisa sobre a irregularidade/ilegalidade
70
Além da falta de estrutura e de quadro funcional dos órgãos fundiários, bem como da incapacidade de administrar processos de ocupação, Foweraker (1981) também exemplifica a própria limitação da função institucional destes, ao afirmar que, já em 1979, verificou que a atividade principal do cotidiano do ITERPA era de rever títulos expedidos pelo Estado do Pará e não a regularização de terras públicas. O que, infelizmente, depois desses quase 35 anos, constata-se que essa condição de revisor se massificou no tempo tornando-se absoluta. 71
Segundo Schmink e Wood (2012) essas diretrizes nunca foram publicadas, mas eram constantemente invocadas pelos servidores do INCRA para desestimular ocupações e evitar novas, conforme testemunhado pelos próprios autores.
55
do título de origem e do registro de imóveis. A estes seria garantida a oportunidade
de recomprar a área do verdadeiro dono, no caso, o Estado do Pará através do
ITERPA, com o desconto de 50% do valor da terra (TRECCANI, 2001).
Foram, portanto, medidas que aqueceram o mercado da fraude de
documentos de terras, títulos falsos e outros meios, visto que o Estado, ao presumir
que todos foram enganados, a todos também estaria franqueada a oportunidade de
esquentar papeis e, assim, atestar a legalidade e a legitimidade sobre áreas
apropriadas com violência e/ou ao total arrepio da lei.
Por isso, torna-se pertinente o entendimento de Asselin apud Treccani
(2001, p. 222) sobre o voluntarismo da prática da grilagem na Amazônia, ao assim
asseverar:
―Pode-se assim afirmar que a grilagem, sobretudo na Amazônia, não é um
mero ‗acidente de percurso‘ ou uma atividade ilícita praticada à revelia do
ordenamento jurídico e a política oficial, ao contrário: ‗A grilagem na
Amazônia Legal não representa um fato isolado, ‗uma ação nefasta de
maus brasileiros‘ mas faz parte de um modelo econômico, de uma estrutura
sócio-política. Grilagem é um problema estrutural e, por ser de ordem
estrutural, ela é planejada e estimulada‖.
Foi assim, então, que muitos dos antigos detentores e pequenos ocupantes
de terras, cuja simplicidade proporcionada pelo isolamento somente era quebrada
pelas raras quermesses (LOUREIRO e PINTO, 2005), passaram a sucumbir perante
as exacerbadas coações e a avidez da aquisição da terra a qualquer custo.
O cenário, portanto, abarcava fazendeiros, investidores, especuladores,
grileiros, colonos e ocupantes tradicionais que lutavam entre si por domínio de
territórios para defesa dos seus interesses.
Além deles deve-se também destacar a presença, a partir da década de
1970 de forma intensificada, de mais dois grupos nessa turbulência social da região:
os garimpeiros em milhares e as empresas de mineração, entre as quais a
Companhia Vale do Rio Doce e a sua subsidiária Rio Doce Geologia e Mineração
(DOCEGEO), estas também incentivadas institucional e financeiramente pelos
militares. Todos atiçados pela descoberta de anomalias geológicas que, na verdade,
consistiam no afloramento na superfície de ouro e de cassiterita, cuja exploração era
viável economicamente até pela lavra mais rudimentar.
Dessa forma, muitos mataram e muitos morreram dentro de um modelo
desenhado para isso, porém que foi escolhido pelo governo militar para desenvolver
56
o país, no qual a riqueza e luta pela vida andavam de mãos dadas em uma região
distante dos olhos da opinião pública amordaçada pelo próprio regime. A justiça, em
suma, era prolatada sob a égide de Lei do Talião amazônico.
Foweraker (1981) defende que um problema fundiário não resolvido ou no
qual se protela uma efetiva solução, tornar-se-á o combustível para conflitos em
algum momento no futuro, cuja iminência de eclosão ganha concretude à medida
que o eixo geopolítico se direciona novamente para Amazônia através da nova
investida da mineração e de outras atividades de considerável porte, como o
agronegócio, a geração de energia, portos, hidrovia e mais estradas.
Todavia, o atavismo socioeconômico e ambiental será mais pujante e
fortemente combativo pelas sociedades locais, visto que agregará a luta ininterrupta
pela terra entre os históricos atores sociais diante da inércia do poder público; a
existência de ocupações consolidadas que, desta vez, não podem ser ignoradas; a
presença de grupos sociais mais organizados, que dispõe de canais para fazer
ecoar sua resistência e seus pleitos com mais eficiência; e, um ambiente
democrático com a disposição de instrumentos e órgãos constitucionais de defesa
de direitos e garantias fundamentais.
3.1.2 As desarticuladas políticas públicas e os vícios nas titulações de terras.
O regime legal de concessão de terras da história do Brasil pode ser dividido
em quatro períodos: 1º) o regime sesmarial (1500 a 1821); 2º) o regime de posse
(1821 a 1850); 3º) regime da Lei de Terras (1850 a 1889); e, 4º) regime do período
republicano (1889 aos dias atuais) (ROCHA et. al., 2010).
De acordo com os pré-falados pesquisadores, desde o descobrimento foram
identificadas até agora a utilização de 24 espécies de documentos fundiários através
dos quais se estabeleceram a relação jurídica entre homem-terra, podendo ou não
ser representativos de domínio privado, mera ocupação ou domínio útil. São eles:
57
TÍTULOS DE TERRAS
1 Carta de Sesmarias 15 Título de Arrendamento
2 Registro Paroquial, Registro do Vigário ou
Título do Vigário72
16 Título de Ocupação
3 Registro Torrens 17 Título de Ocupação Colonial
4 Título de Posse 18 Título Colonial
5 Título de Legitimação de Posse 19 Título de Ocupação de Terras Devolutas
6 Título de Propriedade 20 Licença de Ocupação
7 Título Provisório 21 Autorização de Detenção
8 Título Definitivo 22 Doação pelo Poder Público com condições
resolutivas
9 Contrato de Alienação de Terras Públicas 23 Autorização de Detenção de Bem Público
10 Bilhete de Localização 24 Certificado de Habilitação a Regularização
Fundiária
11 Título Precário de Doação Onerosa 25 Contrato de Concessão de Uso
12 Carta de Anuência 26 Contratos de Concessão de Direito Real de Uso
13 Certificado de Ocupação de Terras
Públicas 27 Escritura Pública de Permuta*
14 Título Definitivo de Venda sob Condição
Resolução 28 Escritura Pública de Compensação*
Tabela 3 – Relação de Títulos de Terras Concedidos pelo Poder Público / Fonte: Rocha et. al. (2010) * Adicionados pelo autor.
Os citados autores destacam, ainda, que a própria legislação esparsa que
autorizava à expedição desses documentos era confusa. Não raro, sua
hermenêutica é ainda contraditória, dificultando atuais interpretações que implicam
no próprio questionamento sobre o seu valor jurídico e, consequentemente, a
capacidade de transferência do domínio público para a propriedade particular, como
das Cartas de Sesmarias não confirmadas, dos Registros Paroquiais, dos Títulos de
Posse não Legitimados e dos Títulos Provisórios.
Incertezas que, sobretudo, contribuem para a prática – voluntária ou não –
da incorporação indevida de terras públicas por pessoas físicas ou jurídicas, de
direito privado ou público, com o consequente aumento patrimonial por
locupletamento ilícito.
Neste ponto, portanto, importa enfatizar que a aquisição ou concessão
originária de terras públicas em favor do particular ou de outro ente público, deve ser
resultado de um processo administrativo próprio, conduzido de forma hígida até a
prática do ato administrativo final que é a expedição de um título de terras
representativo da transferência de domínio com aptidão jurídica para inscrição no
registro de imóveis nos termos da Lei nº 6.015/1973.
72
Somente para exemplificar, o título do vigário que, na verdade, consistia em uma espécie de cadastro de ocupações e propriedades no qual era cobrado por letra do declarante. Destaca-se que o pagamento era feito ao vigário enquanto representante do Poder Público Imperial e não como agente da Igreja. Portanto, quanto mais lacônico fosse, menos seria recolhido aos cofres públicos, o que certamente dificulta a localização seja pela ancianidade do título, seja pela carência de dados.
58
Portanto, o processo de titulação e o título estão adstritos ao cumprimento
de todo iter processual e do preenchimento de todos os elementos para validade do
ato administrativo, isto é: a) deve ser praticado pelo órgão público dotado de
competência legal em favor de pessoa que não tenha impedimento legal para ser
beneficiária; b) estar de acordo com a forma prescrita ou não proibida em lei; c)
estar fundamentado em motivos de fato e de direito que autorizem ou não proíbam a
transferência; d) tenha como objeto área passível de disposição pelo poder
concedente; e, e) atenda a finalidade legal que consiste em permitir o acesso à terra
de forma regular para que se beneficie desta condição.
Por outro lado, caso assim não ocorra, por violação do devido processo
legal, Treccani (2001, p. 197) expõe que:
―Esta transferência de domínio devia se dar através de processos
administrativos, com os quais o poder público expressava o seu
consentimento, concedendo o título correspondente. Por isso qualquer
propriedade de um imóvel, para ser legítima, deve poder comprovar ter, na
sua origem, uma autorização expressa do poder público; caso isso não
exista, ou o elo de continuidade entre aquele primeiro documento e o
registro atual se tenha corrompido ao longo do tempo (cadeia
dominial), aquela terra continua de domínio público tendo o Estado o
direito de destiná-la da maneira que achar melhor.‖ (grifo nosso)
Dessa forma, arremata que:
―Isso permite afirmar que podem ser considerados propriedade particular só
os imóveis cujos donos conseguem comprovar que os mesmos foram
legalmente descorporados do patrimônio público. Em outras palavras, pelo
nosso direito, a terra é pública, até prova em contrário.‖
Contudo, além da difícil sistematização da legislação de acesso a terra no
Brasil para torná-la compreensível principalmente quanto aos efeitos jurídicos de
cada modalidade de titulação e dos títulos propriamente ditos, conforme já
testemunhado por Foweraker (1981)73, pesa ainda a prática da falsificação dos
documentos dos órgãos fundiários e a dificuldade de confirmar a sua localização no
espaço territorial. Senão vejamos.
73
Foweraker (1981) fala da confusão legislativa provocada pelo complexo corpo normativo constituído acumulado durante séculos por inúmeras leis, decretos-leis, regulamentos, instruções e explicações.
59
3.1.2.1 A produção diversificada e em escala de títulos falsos.
Conforme já exposto, a valorização da terra na Amazônia, a necessidade
econômica de ter alguma documentação da área e a incapacidade dos governos do
Estado e da União de prestar serviço público de organização de atos/dados e de
regularização fundiária ensejou no incentivo à indústria de falsificação de
documentos.
Segundo Treccani (2001), entre 1963 a 1967, entraram em circulação cerca
de 1.000 títulos falsos, acobertando uma área aproximada de 3 milhões de hectares.
Documentos que tiveram fácil comércio em virtude da conivência das serventias
imobiliárias que não titubeavam em registrá-los.
A título de exemplo, em 1969, o Coronel Alacid da Silva Nunes, então
Governador do Estado, declarou a falsidade de 163 títulos de terras através dos
Decretos-Leis nº 6.830, de 21.10.1969, e nº 6.861, de 28.11.1968.
Para tanto, escritórios montados em Belém, Brasília, São Paulo, Goiânia e
Vitória com influência direta sobre a Administração Pública fundiária eram os
operadores das negociatas para titulações (ÉLERES, 2002) que, ao ver dos seus
clientes e das instituições de crédito e de incentivos, eram suficientes para atingir os
seus fins especulativos, ficando para um segundo momento a tomada efetiva da
posse (TRECCANI, 2001).
A ausência de controle da administração fundiária daquilo que foi, para
quem foi e para onde foi expedido contribuía para falsificações nas mais diversas
formas, entre as quais as mais rotineiras foram e são:
a) a utilização de títulos considerados bons, ou seja, que tiveram a sua
validade confirmada pela autoridade fundiária competente, para dar aparência de
legalidade também a outras áreas nas mais diversas localidades;
b) títulos expedidos como produtos do extravio ou entrega do talonário74 de
títulos terras a apadrinhados políticos75 ainda com os seus campos de beneficiário,
74
No Parecer Jurídico do Processo Administrativo ITERPA n° 2007/83420, explicamos esse procedimento nos seguintes
termos: ―No Estado do Pará, imemorialmente, o método oficial de emissão de títulos de terras é regido pelo sistema de ‗livro
talonário‘, que consiste em um talão com várias folhas, todas devidamente numeradas. Cada folha é composta por um canhoto
e o seu respectivo título, os quais terão, obrigatoriamente, a mesma forma de lavratura – manual ou mecânica –, e,
principalmente, idêntico conteúdo. Destarte, cada canhoto e seu respectivo título representam, na verdade, um documento
único com 02 (duas) partes divisíveis, uma destacável e, a outra, não. Quando do procedimento de titulação de terras pelo
Estado do Pará, as 02 (duas) partes do documento são preenchidas, repise-se, com forçosa igualdade de conteúdo, porém
assumindo funções distintas. A via do título é destacada do canhoto e entregue ao particular, como representação simbólica do
desmembramento do patrimônio público daquela parcela de área transferida ao domínio privado, permitindo, assim, a
circulação no mercado imobiliário de terras anteriormente públicas. Por outro lado, o respectivo canhoto permanecerá anexado
60
localização e tamanho da área, por exemplo, a preencher ao livre sabor do seu
portador;
c) títulos expedidos sem processo administrativo precedente;
d) títulos outorgados a pessoas mortas, inexistentes, laranjas e/ou menores;
e) a concessão dos chamados títulos voadores ou plumas por não terem
amarrações geográficas e geodésicas, conforme será explicado no tópico seguinte;
Ainda, de acordo com as pesquisas de Trecanni (2001), também podem ser
incluídos nesse rol de fraudes as seguintes:
f) utilização da fotocópia adulterada do canhoto76 do título, gerando um novo
título diferente daquele que foi originalmente destacado;
g) falsificação do canhoto do título para que fosse levado a crer sobre uma
verídica titulação;
g) a expressão ―sem efeito‖ lançada nos canhotos dos títulos anulados por
não terem sido utilizados por qualquer motivo, era apagada para que fosse
aproveitada a parte em branco para criar novos títulos;
h) a adição de números no título para aumentar o tamanho da área; e,
i) a falsificação de assinaturas de servidores/autoridades e de carimbos do
órgão público.
Isso tudo alicerçado na certeza da impunidade dos responsáveis intelectuais
e materiais pelo derrame de títulos falsificados, pois contariam com o silêncio
conivente ou ato de validação posterior do poder público, bem como no não
ajuizamento de ação pretendendo o cancelamento judicial dos registros imobiliários
fundamentados nesses títulos declarados falsos, o que permitiu a continuação da
transferência do bem a terceiros.
São situações que combinavam entre si gerando a bi ou múltiplas titulações,
legais ou não, incidentes total ou parcialmente sobre uma mesma área que,
somados aos documentos cartoriais escriturados de forma avulsa e aleatória,
ao talonário e arquivado no ITERPA, exclusivamente como instrumento de controle interno dos atos praticados pela
Administração Pública em relação à disposição dos seus bens fundiários. Assim, importa dizer que o canhoto e o respectivo
título são partes que formam um documento único, em essência, qualidade e formalidade, portanto, infungível. Daí porque na
ocorrência de extravios do título original, as segundas e terceiras vias, obviamente, somente poderiam ser reproduzidos caso o
ITERPA não fornecesse o título original ao particular, entregando no ato de outorga tão somente o seu traslado, como assim o
fazem os serviços públicos delegados dos cartórios de títulos e documentos. Outrossim, apesar do canhoto do título ter relação
umbilicalmente vinculada ao do título original, sendo o comprovante da expedição deste, trata-se documento com caráter
finalístico específico e distinto do título ao qual faz referência, sendo parte estéril, incapaz de gerar outras vias do título
original.‖ 75
Pinto (1980) ressalta que, após a Revolução de 1964, houve essa distribuição entre os cabos eleitorais de Jarbas Passarinho: ―livros de títulos que eram preenchidos e destacados sem nenhum controle‖. 76
Ver nota de rodapé 74 sobre o sistema de controle de talonário e canhoto do título de terras.
61
resultaram na sobreposição de títulos formando um edifício de áreas existentes
somente no papel.
Edifício porque a cada novo documento sobre a terra, um novo andar surgia
sobre o documento anterior e assim sucessivamente77, tendo o céu como o limite
enquanto a Administração Pública ou o Poder Judiciário não colocassem termo à
questão, o que também era ainda mais raro. Enquanto isso, diante de tanta
incerteza, insegurança e animosidade não é difícil imaginar o que ocorria no campo.
3.1.2.2 O problema da localização dos títulos de origem.
Outro problema inerente à questão fundiária diz respeito à possibilidade ou
não de localização dos títulos de terras, isto é, de verificar se a área efetivamente
ocupada corresponde ao título de origem outorgado que faz referência o registro de
imóveis.
Para melhor ilustrar, traz-se o caso do processo administrativo ITERPA nº
2013/18595, em que o Juízo da Vara Agrária da Região de Castanhal Pará78
solicitou àquela autarquia fundiária informações sobre títulos de terras e a sua
respectiva localização de origem, a fim de instruir ação de reintegração de posse
ajuizada pela VALE S.A. em desfavor de representantes de comunidades de
remanescentes de quilombos.
Após estudos feitos pelos setores técnico e jurídico, foi confirmado que o
título de terras tem origem regular, ou seja, foi efetivamente expedido pelo Estado do
Pará. Contudo, da análise do ITERPA podem ser feitas outras duas pontuações:
A uma, quanto à sua localização, demonstrou existir divergência na
localização. Isto porque a área originariamente titulada estaria aproximadamente a
60 quilômetros de distância do local onde, segundo a alegação e documentos
apresentados pela própria mineradora, teria ocorrido a titulação originária e onde
pretende desenvolver as suas atividades.
77
Schmink e Wood (2012, p. 111) utilizam a analogia da arquitetura para descrever a desordem que se alastrou por todo o
processo de obtenção de títulos de terras. ―As reivindicações mais antigas, que davam da época do Brasil colônia, eram
conhecidas como ‗primeiro andar‘. Sobre o primeiro andar foram sobrepostos andares adicionais de reivindicações
concorrentes, cada uma com suas respectivas elaborações legais. Muitos títulos eram descaradas falsificações e poucos deles
baseavam-se em elementos topográficos que identificassem com clareza os limites ou a presença de posseiros legítimos. No
Pará eram comuns propriedades que tinham de sete até dez ‗andares‘. O resultado era um emaranhado legal de proporções
inacreditáveis, equiparado em complexidade somente à confusão em torno da mineração de ouro, cassiterita e outros
minerais‖. 78
O processo judicial ainda está na fase de instrução.
62
A duas, como consequência lógica da análise, detectou-se que existe outra
pessoa estranha à relação litigiosa entre a VALE S.A. e os Remanescentes
Quilombolas, que também fez constar no seu registro imobiliário o mesmo título de
terras utilizado pela mineradora para demonstrar a origem do destacamento do
imóvel do domínio público para o particular. Conclusão: diante da duplicidade do
registro imobiliário, um ou outro – ou ambos – acabou por se envolver na
apropriação ilegal de terras públicas.
A compreensão dessa divergência pode ser melhor visualizada da seguinte
forma:
Imagem 1 – Mapa demonstrativo da ausência de correspondência entre as áreas adquirida pela VALE S.A, a do título de terras que faz referência o seu registro de imóveis e a de pretensão quilombola. Fonte: ITERPA (2013).
63
Em diversas manifestações técnicas do ITERPA79 são feitas advertências
sobre os problemas para espacializar (localizar) os títulos de terras expedidos até a
Década de 60, que podem ser assim resumidas:
a) referências utilizadas na descrição dos limites dos imóveis: acidentes
geográficos e/ou de marcos físicos artificiais ou naturais80, todos suscetíveis a
alterações ou ao desaparecimento pela toponímia, intempéries81 e antropização;
b) confinantes: a utilização de pessoas físicas ou jurídicas como
confinantes, que estavam passíveis de constantes mudanças devido as dificuldades
de adaptação à região; e, quando o confinante era desconhecido, o Estado tornava-
se o lindeiro. Assim, era usual a aplicação das expressões vagas ―quem de direito‖ e
―terras devolutas do Estado‖;
c) técnicas de amarração da localização da área: a utilização de azimute
(rumo) e distância (entre marcos e/ou as outras referências acima citadas),
desassistidos de, no mínimo, um ponto de coordenada georrefenciada de um dos
vértices da poligonal do imóvel, que até possibilita conhecer o seu desenho, mas
não onde está fixado geograficamente no globo terrestre;
d) mapas analógicos: feitos (marcados/desenhados) a mão, por isso, sem
rigor técnico e fazendo uso de coordenadas estimadas, com pouca ou nenhuma
precisão cartográfica e que, ao serem digitalizados e vetorizados nas Cartas
Topográficas do Projeto Radam-Brasil, inevitavelmente acusam/acusarão
divergências ou deslocamentos de localização, bem como a incompatibilidade do
desenho do imóvel, visto que os títulos eram concedidos em formato de retângulos
perfeitos, enquanto as áreas eram polígonos irregulares.
Isto ocorreu porque, na sua maioria, foram demarcações feitas diretamente
na prancheta, dentro de escritórios, sem verificação em campo, por ser mais prático
ao atendimento aos interesses econômicos da época82.
Nesse sentido, colabora Paulo Lamarão (1980) ao comentar o art. 23, da Lei
Estadual nº 4.584, de 08.10.1975, que trata das medições, demarcações e
aviventações administrativas pelo ITERPA:
79
As manifestações são de autoria do Engenheiro Agrônomo, Perito Agrário e Professor da Universidade Rural da Amazônia, José Maria Hescketh Condurú Neto, que respondeu pela Diretoria Técnica do ITERPA entre 2006 a 2010. 80
v.g. marcos cravados com pedaços de acapu; uma árvore de acapu; ou, uma estrada vicinal ou um seringal. 81
v.g. assoreamento, avulsão e aluvião. 82
No mesmo sentido, explana Éleres (2001, p. 41): [...] como se viu nos anos 56/70 com a festança das massivas titulações de terras do Estado do Pará, Mato Grosso e Goiás (do qual foi desmembrado o Estado do Tocantins) quando, mais uma vez, o pequeno lavrador ficou fora ante a impotência e inércia dos governos estaduais, enquanto ‗loteadores‘ agiam sediados com seus escritórios de ‗colonização‘ em Brasília, São Paulo, Goiânia, Vitória... [...]‖.
64
―A maioria das demarcações eram ‗feitas na prancheta‘, sem fixação no
campo dos seus verdadeiros marcos, rumos e distâncias. Se se comparar
uma centena de processos demarcatórios de um Município do Sul do Pará,
por exemplo, verifica-se que todos eles possuem a mesma declinação
magnética, as mesmas datas de abertura e encerramento dos trabalhos, os
mesmos azimutes, etc. Todos, sem exceção, não eram fiscalizados ou pelo
menos conferidos. Daí resultou a imensa bagunça gerada pela incerteza
das localizações, excessos incorporados ao primitivo título, pela
insegurança dos limites e divisas, etc. [...]‖
De fato, essa precariedade ou ausência de referências sobre os limites e da
localização exata83 viciou uma centena de títulos, apesar de sempre presente
preocupação da legislação com a medição e demarcação para evitar conflitos
(TRECCANI, 2001)84. Fato que permite pousá-los – por isso voador – como uma
pluma em qualquer área e, assim, legalizá-la perante cartórios imobiliários mesmo
que violador do art. 176, § 1º, II, da Lei nº 6.015 (de Registros Públicos), bem como
legitimar a retirada dos ocupantes pré-existentes.
Apesar das veementes críticas e, obviamente, sem excluir a má-fé de
oportunistas oxigenada pela intervenção militar e o interesse econômico em diversos
casos – senão quase em absoluto –, também se deve levar em consideração a
precariedade dos recursos humanos e tecnológicos disponíveis na época, cuja
defasagem é mais gritante quando comparada ao avanço proporcionado pelo
obrigatório uso da ferramenta de georreferenciamento (Lei nº 10.267, de
28.08.2001).
Essa ponderação, contudo, serve para contextualização do operador do
direito e não pode servir de justificativa à redenção do problema, a tratamento
leniente e, tampouco, à isenção de responsabilidade do Estado per si, dos seus
órgãos fundiários e serventias imobiliárias85, assim como a indiferença do particular
em enfrentar o problema e também pleitear soluções.
83
Exemplifica Treccani (2001) que o caso mais acintoso foi encontrado pelo Procurador Decano do ITERPA, Dr. Pedro Marques, no Cartório de Registro de Imóveis de Monte Alegre, que assim descrevia: Livro 2A, matrícula nº 288, Folha nº 272, Denominação 1/6 dos campos denominados Arumanduba; Localização: Igarapé Curicaca; Área: “medindo o que realmente se verificar e com os limites que oportunamente forem determinados”. 84
Elucida Treccani (2001, pp. 98-99) que: ―O laudo técnico com engenheiro ou agrimensor deveria ser acompanhado por um
memorial descritivo, onde deveriam constar as ocorrências da medição, a descrição dos marcos, a forma poligonal, a superfície
e o perímetro, rumos, extensões, nomes dos confinantes. Todas as medidas deveriam ser por anotações numérica e por
extenso, literalmente e sem rasuras. Todos esses cuidados foram, porém, vanificados pela prática posterior. A sistemática
desobediência a estes preceitos legais consagrados na legislação do século passado, é, ainda hoje, fonte de graves conflitos
agrários.‖ 85
Para Carvalho (1998, p. 48): ―O imóvel deve ser descrito de modo a fixar exatamente o local que ocupa na superfície da terra, a sua situação, no país e na circunscrição territorial. A descrição há de mencionar primeiramente o terreno, com seus limites e confrontações, e secundariamente as construções, se houver, porque estas são meras acessões.‖
65
3.1.3 O descontrolado sistema de registro de imóveis.
Apesar de Ceneviva (2010) entender que o sistema nacional de registro de
imóveis é misto, no que tango à presunção deste o Brasil escolheu não adotar o
sistema germânico, no qual prevalece a absoluta (juris et de juris) do domínio da
pessoa em que consta o assento do imóvel. Optou pela presunção relativa, portanto,
vencível pela prova em contrário.
Nesse sentido, ensina Diniz (2009, pp. 44-45):
―[...] O registro colabora na defesa dos interesses daquele em cujo nome o
direito real está assentado, revertendo o ônus da prova. Se o teor do
registro não corresponde à verdade, o lesado poderá reclamar. Se, por
exemplo, após o assentamento do bem de raiz, fora apurado que a pessoa
em cujo nome foi feito o registro não era seu titular, a alienação por ele feita
não terá eficácia, uma vez que nemo plus juris ad alium transferre quam
ipse habet. Logo, o valor probante desse registro não será absoluto, visto
que só se presume verdadeiro até prova em contrário. [...]‖
Por isso que Almeida apud Ceneviva (2010, p. 65) assevera que, entre as
funções desse registro está de constituir-se de meio probatório das ―[...] mutações,
alterações e extinções de direitos referentes a imóveis‖.
A história jurídica do imóvel e, consequente, a configuração da propriedade
registrária tem início com a matrícula (CRIADO, 2010), sendo, por isso, considerada
o núcleo do registro (SOUZA, 2011) ou ―ato jurídico de aquisição da propriedade‖
(CARVALHO, 1998, p. 23), para onde convergem e aderem todos os lançamentos a
seu respeito (registos e averbações)86, objetivando garantir segurança jurídica ao
tráfico imobiliário (MELO, 2010).
Porém, hoje em virtude das reiteradas violações à taxatividade legal dos
direitos reais suscetíveis ao registro público previstos na Lei de 6.015/73, as
serventias de imóveis pagam o preço pelos inúmeros atos apropriatórios de terras
públicas feitos à revelia de um título de origem capaz de transferir a propriedade
imobiliária do Estado, originariamente titular do domínio, para o particular, como
através do uso de simples escrituras públicas de compra e venda e de cessão de
posse ou ocupação atos judiciais extraídos de formais de partilha ou de sentenças
86
Comenta o autor: ―Ao introduzir o termo ‗matrícula‘, a lei registral teve razão bastante para o fazer, qual a de distinguir, no fólio real, a primeira inscrição, que é a da propriedade do imóvel, de qualquer outro subsequente, a que servirá naturalmente de base.‖ (MELO, 2010, p. 116)
66
de usucapião, e falsos documentos de terras expedidos utilizados para abrir o fólio
real (matrícula).
Diante da realidade fundiária do Brasil, embora registrado e aparente
legalidade, não tem necessariamente força jurídica para transferir a propriedade; ou,
quando esse documento não for registrável pela lei nacional, a aquisição do domínio
também não se constituirá, tampouco poderá ensejar na presunção deste por força
do princípio informativo da continuidade do registro imobiliário.
Incontornável é a existência da causalidade entre o título de transferência de
domínio de origem e o registro, como estampa o ensinamento de Pereira (1970).
Para o jurista, o registro, por estar sempre ―[...] vinculado ao título translativo
originário e somente opera a transferência da propriedade dentro das forças e sob a
condição da validade formal e material do título‖. Destarte, existindo vício na origem,
restarão contaminados de ilegalidade todos os atos que dele, direta ou
indiretamente, resultam.
Assim, partindo-se do adágio de que não se transmite mais do que se tem
(PEREIRA, 1924)87, viciada na origem pelo título registrado, resta contaminado toda
cadeia dominial do imóvel, provocando a nulidade da matrícula e de todos os atos
nele fundamentados, em observação ao princípio da continuidade, conforme
decidido no Superior Tribunal de Justiça (STJ)88.
Com efeito, o que aparentava propriedade, na verdade, com fundamento no
art. 5º, do Decreto-Lei nº 9.760/46, constitui-se em terras devolutas89, que são
espécies do gênero bens públicos, pendentes de regularização fundiária e registral.
Em tese, portanto, somente quando vencida a problemática do título de
origem, constituída a matrícula e confirmada a existência de uma cadeia dominial
contínua e hígida que relacione o título originariamente expedido pelo Poder Público
87
Neste sentido, Virgílio de Sá Pereira assim colabora, in verbis: ―Não a liquida porque, pela entrega da coisa, não se transmite mais do que se tem: Traditil nihil amplius transferre debet potest ad eum, qui accipt, quem est apud eum que tradit, de forma que se o tradente era dono, transferia o domínio; se era apenas possuidor, ou detentor, nada transferia: si igitur quis dominium in fundo habuit id tradendo transfert, si nom habuit, ad eum qui accipt, nihil transfert (Liv. 20, Degesto, Liv. 41, t. 1) 88
Registros públicos. Ação anulatória. Prescrição. Não se perde a propriedade pelo não-uso (REsp-76.927, DJ de 13.4.98). Não se extingue enquanto não se adquire, a saber, "a prescrição extintiva não ocorre enquanto não se perfizer a prescrição aquisitiva que se lhe contrapõe" (RP-55/196). Inocorrência de afronta ao art. 177 do Cód. Civil. Precedentes da 3ª Turma do STJ: REsp's 76.927 e 89.768, DJ's de 13.4.98 e 21.6.99. 2. Questões não suscitadas. Caso em que se não ofenderam os arts. 128, 460 e 515 do Cód. de Pr. Civil. 3. Recursos especiais não conhecidos. (REsp 119.959/PR, Rel. Ministro NILSON NAVES, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/12/1999, DJ 22/05/2000, p. 105) 89
Na ótica doutrinária e fundamentada no art. 5º, do Decreto-Lei nº 9.760/46, essa situação implica na classificação das ditas terras como devolutas, posto que: ―não estão aplicadas a algum uso público nacional, estadual ou municipal as que não estavam na posse de algum particular, com ou sem título, em 1850; as que não estão no domínio privado, em virtude de algum título legítimo‖ (ROCHA et al. 2010). E, por isso, ainda à mercê do processo de regularização fundiária.
67
e o atual proprietário da área, que poderia ser atestada a dominialidade privada do
imóvel.
Desta feita, pesar da nobre função do registro imobiliário de acompanhar
―[...] a vida dos direitos reais sobre os bens de raiz‖ e de ―repositório de informações
e centro para onde convergem todos os elementos referentes à propriedade
imobiliária‖ (RODRIGUES apud CENEVIVA, 2010), é incontroverso que o sistema é
falho e indigno de confiança.
Indiscutível, portanto, a relevância do sistema registral para o controle e
segurança jurídica do tráfico imobiliário. No entanto, apesar da presunção de fé
pública, de veracidade e demais atributos que lhes são inerentes, é fato as
hercúleas dificuldades herdadas de uma época na qual houve pouco ou nenhum
apego à taxatividade dos atos registráveis, ao rigor no lançamento das descrições
dos imóveis, visando possibilitar a sua efetiva localização (ORLADI NETO, 2011).
Em relação à região amazônica, em 1980, o prof. Otávio Mendonça na
palestra no I Ciclo de Estudos de Direito Imobiliário promovido pelos Conselhos
Federal e Regional de Corretores de Imóveis realizada em Belém-PA, asseverou
que: ―Infelizmente, e com louváveis exceções, registrou-se tudo quanto se quis nos
cartórios da Amazônia‖ (ROCHA et. al., 2010, p. 378).
Brasil apud Rocha et. al. (2010) demonstrou a agudeza do problema em
termos estatísticos a partir dos resultados dos estudos do Ministério de Política
Fundiária e do Desenvolvimento Agrário, que concluiu pela existência de mais de
100 milhões de hectares de área grilada no Brasil, dos quais 30% estariam no
Estado do Pará90.
Somente a título de exemplo91, traz-se à tona o caso do Município de São
Félix do Xingu em virtude da sua representatividade na agropecuária, visto que é o
maior município produtor de gado de corte do Brasil com um plantel de 2.250.000
cabeças segundo o senso da Agência Defesa Animal do Estado do Pará
(ADEPARÁ, 2013); para onde avança de forma intensa a produção de grãos,
principalmente o milho e a soja; e, tem no seu histórico a mineração pela
90
Além disso, contribui o mesmo documento ao definir o termo grilagem ou grilo como: “toda ação ilegal que objetiva a
transferência de terras públicas para o patrimônio de terceiros”. (BRASIL apud ROCHA et. al., 2010, p. 378) 91
Em data de 27.09.2010, foi editado o Provimento CJCI/TJE/PA nº 04/2010, que determinou o cancelamento e o encerramento das matrículas do registro de imóveis no Município de Vitória do Xingu e nas Comarcas de Altamira, Brasil Novo, Senador José Porfírio e São Félix do Xingu, abertas a partir de 14.06.1963, com base nas certidões extraídas dos Livros 3-I a 3-S, do Cartório de Registro de Imóveis de Altamira, estendendo-se os efeitos a eventuais matrículas que delas tenham sido desmembradas, em cumprimento a ordem extraída dos autos de Correição nº 200910000031456 e do Pedido de Providências nº 200910000053221, da lavra do Corregedor Nacional de Justiça, Ministro Gilson Dipp.
68
garimpagem através de avulsos e cooperativas de mineradores de cassiterita e de
ouro, e empresas como a VALE S.A. e a Anglo American na extração do níquel, e a
MbAC na exploração do fosfato para produção de fertilizantes.
Após correição feita pelo Juiz Corregedor José Torquato Araújo de Alencar
no Cartório de Registro Imóveis de São Félix do Xingu, apurou-se que, enquanto a
extensão oficial do território municipal tem 8.421.200ha, as áreas registradas no
correspondente Cartório de Registro de Imóveis somavam 18.022.589ha, sem
contar com as reservas indígenas e unidades de conservação de proteção integral,
que ocupam 59,35%92.
Município São Félix do Xingu
Extensão Territorial
Oficial 8.421.200 ha
Comparativo entre
extensões territoriais
oficiais
+/- 2 x Estado Rio de Janeiro
+/- 3 x Bélgica
+/- 2 x Holanda
Soma das áreas das
matrículas
bloqueadas pelo
Prov. 13/2006
18.022.589 ha
Proporcionalidade 2,14 x tamanho oficial do município
Fonte
Comissão Permanente de
Monitoramento, Estudo e
Assessoramento das Questões
Ligadas à Grilagem (Portaria
TJE/PA nº 271/2007)
Imagem 2 – Mapa ilustrativo da comparação Tamanho Oficial do Município de São Félix do Xingu-PA x
Tamanho da Área Bloqueada pelo Provimento CJCI/TJE/PA nº 13/2006. Fonte: Pará (2007).
O caso de São Félix do Xingu-PA, repise-se, é apenas um exemplo cuja
essência do problema se repete em todo o Pará sem exceção. Entretanto, não se
trata de um problema regionalizado, como muitos possam imaginar. Consiste, na
verdade, de uma tormenta nacional presente na maioria – senão em todas – as
serventias imobiliárias do Brasil.
92
De acordo com a base digital do Observatório Ambiental da Secretaria Municipal de Meio Ambiente de São Félix do Xingu –
a partir de dados processados pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), a Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Pará
(SEMA/PA) e The Nature Convervancy (TNC), o município em questão tem 4.490.282 hectares de Território Indígena e
509.716 hectares de Unidades de Conservação de Proteção Integral.
69
A diferença está no mérito do Tribunal de Justiça do Pará que adotou
providência inédita e corajosa para obter informações qualificadas sobre a
verdadeira situação nefasta dos registros imobiliários tanto propalada nos calorosos
discursos, denúncias e conflitos, mas nunca efetivamente pesquisada, investigada e
diagnosticada na proporção da iniciativa paraense93. Resultados idênticos – senão
piores – induvidosamente seriam detectados pelos tribunais de justiça dos outros
estados caso tivessem a mesma postura.
Para combater os notórios e famosos casos de grilagem de terras públicas,
os quais as autoridades não poderiam ficar mais alheias, foi editado o Provimento
nº 13, de 21.06.2006, da Corregedoria de Justiça das Comarcas do Interior (CJCI)
do Tribunal de Justiça do Estado do Pará (TJE/PA) que, em caráter geral e cautelar,
determinou a averbação de bloqueio administrativo das matrículas de imóveis rurais
nos quais estivessem configuradas as seguintes situações:
Fundamento
Período da
realização do
Registro
Tamanho da
área registrada
Data do Título
registrado
Efeitos do Provimento
1º 2º
Art. 1º 16/07/1934 a
08/11/1964
Superior
a 10.000 ha
Independente
da data da
suposta
expedição
Bloqueio da
matrícula
Extensão às
matrículas que
nela se
originaram
Art. 2º 09/11/1964 a
04/10/1988
Superior a
3.000ha
Independente
da data da
suposta
expedição
Bloqueio da
matrícula
Extensão às
matrículas que
nela se
originaram
Art. 3º A partir de
05/10/1988
Superior a
2.500ha
Independente
da data da
suposta
expedição
Bloqueio da
matrícula
Extensão às
matrículas que
nela se
originaram
Tabela 4 – Sistematização do Texto do Provimento CJCI/TJE/PA nº 13/2006
Dessa forma, o desbloqueio somente poderia ocorrer quando o beneficiário
do registro comprovasse que: 1) a matrícula imobiliária se origina em um título
legalmente outorgado pelo Poder Público capaz de transferir o domínio definitivo da
área ao particular; e, 2) haveria correspondência espacial entre a área titulada e a
área efetivamente ocupada e georreferenciada pelo interessado na desconstituição
da constrição administrativa.
93
O Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas foi o primeiro a realizar este levantamento. Contudo, a verificação ocorreu em apenas um terço dos registros imobiliários.
70
Em um segundo momento, o TJE/PA, mediante a Portaria nº 271/2007 –
GP, criou a Comissão Permanente de Monitoramento, Estudo e Assessoramento
das Questões Ligadas à Grilagem composta por diversas entidades94. Sua proposta
era dimensionar qualitativa e quantitativamente os imóveis que tiveram suas
matrículas bloqueadas por suspeita de irregularidades em titulações e registros de
imóveis.
Segundo o relatório, verificou-se que nos cartórios de registro de imóveis do
Estado do Pará a soma apenas dessas áreas bloqueadas corresponderia a
112.547.719,34ha, ou seja, a 90,2% do tamanho oficial do Estado do Pará.
Novamente, isso sem considerar no cômputo a existência de reservas indígenas,
unidades de conservação da natureza e áreas militares95.
Constatou-se, documentalmente, a existência de aproximadamente 5.000
matrículas com suspeitas de irregularidade quanto à sua origem e,
consequentemente, mais registros imobiliários e papéis dos cartórios do que terra,
provocando total ambiente de insegurança jurídica.
Diante disso, a CJCI/TJE/PA provocou o Conselho Nacional de Justiça
através do Pedido de Providências nº 0001943-67.2009.00.0000, visando a adoção
das medidas legais para o cancelamento administrativo das matrículas imobiliárias
encontradas nessa situação de ilegalidade.
O fundamento para tanto foi a aplicação da Lei nº 6.739/1979 que, na ótica
de Carvalho (1982), tinha por objetivo regularizar a situação fundiária das terras na
Amazônia diante dos tumultos patrocinados pelos grileiros.
Como resultado, o Corregedor Nacional de Justiça, Ministro Nilson Gipp, nos
autos do Pedido de Providências nº 0001943-67.2009.00.0000, determinou que os
oficiais de registro de imóveis averbassem o cancelamento e o encerramento
imediato de todas as matrículas independentemente se bloqueadas ou não pelo
Provimento CJCI/TJE/PA nº 13/2006, mas que se enquadrassem nas situações
fixadas por este diploma normativo no que tange aos prazos e extensões
estabelecidas no seu art. 1º, I, II e III96.
94
CJCI/TJE, ITERPA, INCRA, MPF, MPE, AGU, PGE/PA, OAB, FETAGRI, SPDDH, CPT e FAEPA. 95
Segundo dados extraídos da BDF do ITERPA: Áreas/Reservas indígenas corresponde a 24% do território paraense; as unidades de conservação federal correspondem a 16%; as unidades de conservação estadual a 18%; áreas militares a 1,7%; 25% áreas arrecadadas e matriculadas pela União; e, apenas 15,3% de domínio e gestão do Estado do Pará e ITERPA. 96
Explana ainda o Corregedor Nacional de Justiça, Ministro Nilson Gipp, nos autos do Pedido de Providências nº 0001943-
67.2009.00.0000: ―É importante deixar clara a exata extensão da medida a adotar. Consoante a solicitação inicial e os termos
da deliberação da Corregedoria de Justiça das Comarcas do Interior do Estado do Pará, devem ser cancelados os registros
que equivocadamente incompatíveis com a legislação constitucional e infraconstitucional, ainda que não individualmente
identificados. Oferece, no entanto, o Provimento e o requerimento das instituições que assinam o pedido, o quadro preciso das
71
Na sua decisão, ainda, o Ministro Corregedor enfatiza que:
―Devo assinalar o absoluto cuidado e a necessária cautela ante a eventual e abrupta liberação de tais terras, fruto do cancelamento ora determinado, com efeito, não interessa ao patrimônio público, à paz e à segurança social ou à ordem pública que sendo cancelados os registros abra-se novo e talvez mais grave avanço sobre esses bens públicos, ou se instalem distúrbios, disputas ou crimes a propósitos deles. A deliberação que ora subscrevo [...] deverá ser averbada nos registros correspondentes aos mencionados registros bloqueados pelo Provimento referido, sendo comunicada às instituições de crédito oficiais, ao Tribunal de Contas do Estado, aos órgãos de administração fundiária do Estado e da União, e ao Ministério Público Estadual e Federal para seu conhecimento e eventuais providências. Vale enfatizar que o cancelamento dos registros e matrículas referidos não implicam, como é natural, a perda ou descaracterização da posse de quem regularmente a exerça com base no título afetado. Nos limites da sua posse deverão ser respeitados os direitos dos interessados, cabendo ao Estado do Pará e à União, conforme o caso, por seus órgãos fundiários competentes adotar as medidas necessárias e suficientes para a regularização dos títulos observando a legislação local, as diretrizes da legislação federal, os limites e legitimidade da posse e,
sobretudo, os limites e exigências constitucionais.‖
A CJCI/TJE/PA, por seu turno, editou o Provimento nº 02, de 23.08.2010,
através do qual determinou o cumprimento da ordem em apreço do Corregedor
Nacional de Justiça.
A partir dessa deliberação, pode-se concluir que:
Estabeleceu-se de vez o caos registral, vez que o cancelamento e o
encerramento geral e irrestrito dessas matrículas ensejaram na liberação de bens
dados como garantias reais para obtenção de financiamentos de instituições
privadas e públicas como a SUDAM e o fundo constitucional administrado pelo
BASA S.A.; em execuções judiciais (trabalhistas, tributárias e cíveis); além de
desconstituir as averbações referentes à reserva legal do imóvel.
Pior ainda, colocou na vala comum os imóveis juridicamente impossíveis de
desbloqueio, por se tratarem de produtos inquestionáveis da grilagem, e aqueles
imóveis que ainda poderiam ser objeto de desbloqueio por não estarem inquinados
com este irremediável vício.
situações que merecem correção. [...] Nesses limites, devem ser cancelados todos os registros, com as averbações
necessárias em todos os atos de transferências subsequentes encerrando-se a matrícula respectiva, nos Cartórios de
Registros de Imóveis rurais atribuídos a particulares pessoas físicas ou jurídicas e originariamente desmembrados do
patrimônio público estadual por ato da Administração que configure concessão, cessão, legitimação, usucapião, compra e
venda e qualquer tipo de alienação onerosa ou. (sic) e que, sem autorização do Senado ou do Congresso: - tenham sido
lançados [registrados], no período de 16 de julho de 1934 a 8 de novembro de 1964, com área superior a 10.000 (dez mil)
hectares (sic); - tenham sido lançados [registrados], no período de 9 de novembro de 1964 a 4 de outubro de 1988, com área
superior a 3.000 (três mil) hectares; - tenham sido lançados [registrados], a partir de 5 de outubro de 1988, com área superior a
2.500 (dois mil e quinhentos) hectares.‖ (grifo do autor e nosso)
72
Por outro lado, consignou que o cancelamento e o encerramento da
matrícula imobiliária não ensejavam na perda da ocupação exercida até então, no
intuito de arrefecer os ânimos de invasões de terras por terceiros sob o pretexto de
que as áreas voltaram a ser públicas. Contudo, tal entendimento não teve
canalização até o campo, ocasionando o aumento da tensão social.
Enquanto pairavam diversas dúvidas, foi prolatada uma única decisão
elucidativa sobre a matéria nos próprios autos do Pedido de Providência nº
0001943-67.2009.2.00.0000, da lavra da Ministra Corregedora Eliana Calmon, que
estabeleceu um novo procedimento registral denominado de "requalificação
administrativa do respectivo título causal dos registros cancelados".
Diante da indefinição do que consistiria a "requalificação administrativa do
respectivo título causal dos registros cancelados", o CNJ foi provocado pelo Ofício
de n° 4156/2010 – CJCI/TJE/PA, para aclarar o conteúdo prático do termo.
A resposta ao mencionado expediente, a Corregedoria Nacional de Justiça
explicou que se tratava da convalidação da matrícula por meio de nova averbação
que tornaria sem efeito o cancelamento e o encerramento antes averbado. Contudo,
conquanto parte defende a legalidade do ato com base no princípio da celeridade
processual considerando a possibilidade de agravamento e a postergação de
medidas mais concretas sobre as questões fundiárias até o trânsito em julgado da
decisão judicial (art. 250, da Lei nº 6.015/7397); outra parte, pugna pela sua
ilegalidade por não encontrar fundamento na citada Lei de Registros Públicos sem a
prévia observância do devido processo legal98.
Inobstante a divergência, este entendimento foi reproduzido em uma nova
Instrução Normativa do CJCI/ TJE/PA, a de n° 003/2010, posteriormente ab-rogada
pelo Provimento Conjunto das Corregedorias de Justiça do TJE/PA nº 10/2012, que
vem, até então, gerenciando os pedidos de requalificação.
97
A Lei de Registros Públicos assim regulamenta o cancelamento: Art. 250 - Far-se-á o cancelamento: I - em cumprimento de decisão judicial transitada em julgado; II - a requerimento unânime das partes que tenham participado do ato registrado, se capazes, com as firmas reconhecidas por tabelião; III - A requerimento do interessado, instruído com documento hábil; IV - a requerimento da Fazenda Pública, instruído com certidão de conclusão de processo administrativo que declarou, na forma da lei, a rescisão do título de domínio ou de concessão de direito real de uso de imóvel rural, expedido para fins de regularização fundiária, e a reversão do imóvel ao patrimônio público. 98
Na tentativa de impugnar a medida de cancelamento administrativo, foram impetrados perante o Supremo Tribunal Federal os Mandados de Segurança (MS) 30220 e 30231, que discutem, no seu mérito, a violação do princípio do devido processo legal em razão do cerceamento do contraditório e da ampla defesa que não teriam sido assegurados antes da decisão de cancelamento. A Relatora Min. deferiu o pedido liminar para suspender os efeitos do cancelamento, contudo, mantendo-se o bloqueio administrativo da matrícula até ulterior decisão. Os processo aguardam julgamento.
73
Porém, isso não solucionou o problema da desoneração dos bens e da
reserva legal, posto que é uma providência que demanda a iniciativa daquele que
teve a matrícula cancelada e encerrada.
No que tangencia a possibilidade da regularização fundiária, a constatação é
de que a inexistência de políticas públicas, de normas federal e estadual sobre a
matéria, bem como a estrutura dos órgãos fundiários, na prática, não atende a
realidade social posta à remediação, colocando à pique as chances de enfrentar um
problema que ataca dos pequenos produtores aos grandes empreendimentos
econômicos solucionar. Paradoxalmente, tudo que o Pedido de Providência nº
0001943-67.2009.2.00.0000 objetivava desencadear uma solução.
3.1.4. A intervenção federal militar, as múltiplas autoridades fundiárias e os
espaços especialmente protegidos.
O sucesso da implementação do projeto militar desenvolvimentista e de
todos os seus interesses estratégicos pós-Revolução de 64 para Amazônia
dependia do esvaziamento do poder das autoridades estaduais e das oligarquias
locais mediante a sua concentração no governo central federal.
Para tanto, o art. 4º, I, da Carta de 1964, foi o legitimador constitucional dos
atos intervencionistas que se seguiriam, à medida que passavam a se constituir bem
da União as terras devolutas indispensáveis à defesa nacional, ou essenciais ao seu
desenvolvimento (TRECCANI, 2001. SCHMINK e WOOD, 2012).
O conceito vago de essenciais ao seu desenvolvimento permitia amoldá-lo
às mais diversas situações ao livre talante militar, nos termos exemplificados por
Schmink e Wood (2012, p. 119):
―Em 1976, por exemplo, uma diretiva do INCRA revelou um novo mapa que
mudava a rota da rodovia federal BR-158, de Cuiabá a Altamira. Essa
simples canetada de um cartógrafo tirou mais de 32 milhões de hectares
dos estados do Pará e Mato Grosso da jurisdição estadual.‖
Essa versátil conveniência também serviu a intenção inicial de ocupar a
Amazônia com o assentamento de migrantes nordestinos nas margens de 10
quilômetros de cada lado das rodovias. Isto, contudo, somente seria possível se a
74
União tivesse o domínio imobiliário dessas terras. Por tal necessidade de plena
autonomia territorial, foi publicado o Decreto-Lei nº 1.106, 15.07.1970, que
federalizou essa extensão na Transamazônica e na Cuiabá-Santarém.
Seguindo o mesmo conceito e, dessa vez, considerando garantir grandes
áreas para os clientes dos programas de financiamento e incentivos fiscais, em
01.04.1971, houve a publicação do Decreto-Lei nº 1.164, que ampliou o domínio do
ente político federal para 100 quilômetros de largura, em cada lado do eixo das
rodovias construídas, em construção ou projetadas.
Como continuidade da política de dominação do espaço e de poder, assim
como objetivando demonstrar existir um cenário jurídico sob controle e seguro ao
investidor, a União instituiu toda uma estrutura administrativa e legal para gerir e
disciplinar o acesso/aquisição de terras e de recursos naturais, tais como os
florestais e minerários, por exemplo:
a) quanto ao fomento, a criação de uma instituição com todas as
prerrogativas da SUDAM, conforme já explanado;
b) em relação ao acesso a recursos naturais, instituiu o Código de
Mineração pelo Decreto-Lei nº 227, de 28.02.1967, e o Código Florestal pela Lei nº
4.771/1965; criou também o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF)
por meio do Decreto-Lei nº 289, de 28.02.1967;
c) com o alargamento do seu domínio territorial promulgou o Decreto-Lei nº
4.504, de 30.11.1964 (o Estatuto da Terra); e, através do Decreto-Lei 1.110, de
06.07.1970, criou o Instituto Nacional de Colonização e de Reforma Agrária (INCRA)
para absorver as funções do Instituto Nacional de Imigração e Colonização (INIC) e
do Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (IBRA).
Por outro lado, viu-se esvaziada a área de gestão do Estado do Pará através
da sua Secretaria de Agricultura que, a partir da Lei Estadual nº 4.584, de
08.10.1975, modificou o Decreto-Lei Estadual nº 57/69 e também criouo Instituto de
Terras do Pará (ITERPA).
Até então, portanto, atuavam no território paraense duas autoridades
responsáveis pela autorização do acesso a terra: o INCRA, com competência para
as áreas que fossem de domínio federal; e, o ITERPA, para aquelas áreas que
permaneciam sob o domínio do estado.
Situação que Foweraker (1981) denominou de dupla autoridade ou dual
authority, o que causava – e causa – confusões pela ausência de uma definição
75
clara sobre as áreas de domínio de cada órgão, provocada pela questionável
legalidade das arrecadações e matrículas sumárias e sumaríssimas de áreas em
favor da União; sem deixar de considerar a ausência, supressão de fases ou o
desaparecimento de processos discriminatórios de acordo com a Lei nº 6.383/76,
que implicou na desconstituição de diversas situações jurídicas constituídas99 nos
termos previsto pelo próprio Decreto-Lei nº 1.164/71 e no Decreto-Lei nº 2.375/87.
Com isso, é gerada dúvida ao cidadão ou empresa – independente na
atividade – tomadora do serviço público, pois tem a rotineira dificuldade de acesso à
informação se a área que ocupa é de domínio da União ou do Estado, para assim,
por exemplo, saber se deverá pleitear a regularização fundiária perante o INCRA ou
o ITERPA.
Porém, ao aprofundar o raciocínio de Foweraker (1981), percebe-se, na
verdade, que na época eram cinco as autoridades atuando no setor fundiário. Isso
porque do INCRA foram geradas mais duas autoridades autônomas: o Grupo
Executivo das Terras do Araguaia Tocantins (GETAT) e o Grupo Executivo para a
Região do Baixo Amazonas (GEBAM) criados pelo Decreto-Lei nº 1.767/80 visando
agilizar os processos de regularização fundiária e aliviar as tensões no campo. E,
também no âmbito federal, a Secretaria do Patrimônio da União já atuava há
aproximadamente 120 anos em relação aos terrenos de marinha e terrenos
marginais de rios.
Decorridos os anos, o GETAT e o GEBAM foram extintos permanecendo as
demais entidades fundiárias que, no ano de 2009, viu surgir um novo ator: o
Programa Terra Legal pela Lei nº 11.952/2009, que tem por escopo a regularização
fundiária de imóveis da Amazônia Legal localizados em áreas arrecadadas e
matriculadas em favor da União não destinadas à reforma agrária.
Em geral, tudo teve como cerne o Decreto-Lei nº 1.164/71, que também
possibilitou, segundo Éleres (2002), a criação ou ampliação de áreas de fronteiras
internacionais, como o Projeto Calha Norte; de unidades de conservação da
natureza, a exemplo da Floresta Nacional de Carajás, onde está localizado o maior
99
O Decreto-Lei nº 1.164/71, no seu art. 5º, estabelece: São ressalvados, nas áreas abrangidas pelo artigo 1º: [...] b) as situações jurídicas constituídas, até a vigência dêste Decreto-lei, de conformidade com a legislação estadual respectiva. Já o Decreto-Lei nº 2.375, de 24.11.1987, descreve no art. 3º no que consistem as situações jurídicas constituídas: Para os efeitos deste decreto-lei: [...] III - caracterizam situações jurídicas, já constituídas ou em processo de formação, aquelas em que as terras públicas tenham sido objeto de: a) concessão, alienação, ou simples ocupação ou uso permitidos, por parte da União, seus entes e órgãos, mediante título definitivo ou provisório, expedido diretamente por uns e outros ou através de convênios por eles celebrados; b) posse lícita, por motivo outro, previsto em legislação federal, pendente de titulação; c) projetos de colonização, loteamento, assentamento e assemelhados, a cargo do Poder Público Federal, inclusive os de que trata o Decreto nº 68.524, de 16 de abril de 1971; d) regularização fundiária em curso, sobretudo nas hipóteses em que revertidas ao domínio da União por força de cancelamento do registro imobiliário, promovido pelo particular interessado.
76
Projeto de Minério de Ferro do mundo VALE S.A.; de bases militares; de alagação
de hidrelétricas; territórios indígenas; e, territórios de remanescentes de quilombos.
Além destas, deve-se considerar os pré-existentes terrenos de marinha e os
terrenos marginais dos rios navegáveis.
Intervenção que, de acordo com a Comissão de Estudos das Áreas de
Jurisdição Federal no Território do Estado do Pará (PARÁ,1996), deixou sob o
domínio estadual apenas 15,14% do seu território, conforme o quadro abaixo:
DESTINAÇÃO NÚMERO HÁ %
Faixa de fronteira 5.768.400 4,72
Áreas do Decreto 1.164/71 63.544.200 52,04
Terras Indígenas 38 22.828.000 18,70
Áreas de Unidades de Conservação da Natureza
13 3.342.000 2,74
Área do EMFA 1 3.907.200 3,20
Área da Aeronáutica 1 148.617 0,12
Áreas do Exército 8 2.849.100 2,34
Terrenos de Marinha e Marginais 1.223.000 1,00
Total de áreas sob jurisdição da União 61 103.610.517 84,86
Áreas sob jurisdição do Estado 18.490.783 15,14
Área Total do Pará 122.101.300 100
Tabela 5 – Áreas de Jurisdição Federal no Território do Estado do Pará / Fonte: Pará (1996)
Apesar da seriedade da pesquisa acima realizada e sua utilidade em
diagnosticar de maneira qualificada os efeitos da intervenção territorial da União no
Estado do Pará, Treccani (2001) entende que não é possível chegar a números
exatos, porque há diversas ocorrências de sobreposição de áreas em razão da
imprecisão dos decretos definidores dos limites.
77
Imagem 3 – Mapa ilustrativo que demonstra como é complexa a situação das áreas de competência e de atuação das autoridades federais e das estaduais. Fonte: Pará (2014).
Com a revogação do Decreto-Lei nº 1.164/71 pelo Decreto-Lei nº 2.375/87,
as terras públicas não arrecadadas e matriculadas em nome da União deveriam ter
sido devolvidas ao Estado do Pará. Todavia, a euforia inicial sucumbiu pela
ineficácia da medida, visto que são raríssimos os casos de devolução e, ainda
assim, de pequenas glebas.
Interessante, nesse sentido, é o exemplo dado por Treccani (2001) no qual
informa que o ITERPA solicitou formalmente nos anos de 1997 e 1998 o retorno de
4.438.232ha na região Sudoeste do Estado do Pará (Cachimbo e BR-163). Tudo,
por enquanto, em vão.
3.2 OS INTERESSES MINERÁRIOS NO CONTEXTO DA OCUPAÇÃO DO
TERRITÓRIO PARAENSE.
A segunda metade do Século XX desencadeou uma corrida por minério na
Amazônia. Pará (2013) e Silva (2012) consignam que, entre 1953 a 1959, que após
78
diversas frentes foi descoberto ouro na região do Tapajós causando uma explosão
garimpeira. Em razão da sua significância, este pode ser considerado mais um
evento de leva migratória que robusteceu a ocupação da Amazônia além daqueles
propostos por Treccani (2001).
Contudo, as incursões para as pesquisas patrocinadas exclusivamente pelo
capital privado preponderaram até a década de 1960, quando daí por diante se inicia
a participação estatal-militar para financiar a prospecção e a exploração de minerais.
A febre pelos metais e o enriquecimento vertiginoso provocou a vinda de
muitos facilitada pela abertura das rodovias, o que não elidia as severas
dificuldades de adaptação. Somou-se a este exército de brasileiros de todas as
regiões do país os colonos que não conseguiram se beneficiar na distribuição de
lotes de terras ou que, mesmo tendo-as recebido, viam uma oportunidade
excepcional de enriquecer100 e escapar daquele inferno verde101.
Principalmente entre as décadas de 70 e 80, os homens buscaram áreas
para minerar atraídos pela alta demanda do mercado pela cassiterita com
ocorrências em Rondônia (SILVA, 2012) e na região de São Félix do Xingu-PA, e a
alucinada corrida do ouro nas regiões do Tapajós-PA e da Serra Pelada-PA
(SCHMINK e WOOD, 2012), em concorrência com empresas mineradoras que
detinham legalmente os direitos minerários de prioridade para exploração das
jazidas, visto que requeridas as áreas nos termos do Código Minerário de 1967.
Tudo isso provocou uma nova dinâmica na região, em particular no Sul do
Pará, visto que a febril busca por minérios promoveu o aumento da população da
fronteira e alterou a sua distribuição espacial.
A economia local também teve o seu boom, gerou empregos diretos e
indiretos, fazendo com que os garimpeiros demandassem por bens e serviços de
cada centro urbano próximo aos garimpos que eclodiam embrenhados na floresta.
Diante desse cenário de apoderamento econômico, o próprio sistema bancário
dispensou tratamento atencioso diante de tanta riqueza circulando (SCHMINK e
WOOD, 2012)102.
100
Segundo Procópio Filho apud SCHMINK e WOOD (2012, p. 135): ―O dinheiro ganho em três dias de garimpagem podia ser
maior do que aquele proveniente de um mês de trabalho na agricultura‖. 101
Éleres (2002) utiliza a expressão de inferno verde como uma figura de linguagem para demonstrar o grau de dificuldades enfrentadas por todos que aqui vieram na crença de encontrar o el dourado fundiário. 102
Os autores Schmink e Wood (2012, p.82) trazem o exemplo de Serra Pelada: ―Serra Pelada – cuja extensão não passava de meio quilômetro quadrado – estava estreitamente ligada às economias das cidades vizinhas de Marabá, Imperatriz e Araguaína. Esses municípios beneficiavam-se do aumento da receita dos impostos arrecadados com a mineração.‖
79
Em paralelo ao ouro, a cassiterita também assumiu papel relevante na
Amazônia. Além da região de Ariquemes-RO, o Município de São Félix do Xingu-PA
ganhou destaque ao ter por volta de 1986 o maior número de concessões de
mineração do que qualquer outro lugar do Pará, sendo em sua maioria para aquela
substância estanífera (SCHMINK e WOOD, 2012).
As investidas da estatal Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) e das suas
subsidiárias também se mostraram presentes, demonstrando a razão de ser da
federalização pelo Decreto-Lei nº 1.164/71 enquanto estratégia imprescindível para
o controle das terras e os recursos minerais coincidentes.
Os exemplos da chamada militarização das áreas de mineração (SCHMINK
e WOOD, 2012, p. 134) são inúmeros destacando-se: a criação da Província
Minerária de Carajás e a Floresta Nacional de Carajás concedida para uso da
CVRD; a arrecadação da área de Serra Pelada de titularidade da mesma
mineradora, embora a tensão social tenha sido tamanha com os garimpeiros que,
mesmo com o apoio militar, não foi possível retirá-los103; a arrecadação da área do
Distrito da Taboca, no município de São Félix do Xingu, onde foram concedidos
títulos minerários também a CVRD para exploração da cassiterita.
Quanto ao acesso às terras necessárias à exploração minerária, a
valorização mercadológica dessas commodities resultava no estado de ameaça de
invasão de áreas de colonos, caboclos e índios por empresas mineradoras e
garimpeiros. A resistência ao desapossamento ensejava, por sua vez, em
exacerbada violência e assassinatos.
Como resumo a todos os apontamentos feitos sobre a relação entre a
estrutura fundiária e a ocupação do solo e do subsolo, é pertinente inspirar-se nas
observações de Mascarenhas e Antunes (1994) que, embora tenham estudado o
caso do município de Itaituba-PA (região do Tapajós), suas conclusões encontram
identidade a todos aqueles que, direta ou indiretamente, desenvolvem ou pretendem
desenvolver atividade mineira no Estado do Pará. São elas:
a) que a aguda complexidade da estrutura fundiária dificulta – e pode até
inviabilizar – tanto a atividade minerária quanto outras atividades concorrentes,
como a agropecuária, independentemente do porte;
103
Schmink e Wood (2012) constataram que, em 1980, os militares tiveram um novo desafio em virtude da descoberta de
depósitos de ouro no sul do Pará. A corrida pelo metal resultou em uma nova leva de migrantes para Amazônia, transformando
a economia da região. Estabelecia-se, assim, uma nova forma de violência, desta vez envolvendo garimpeiros, índios,
camponeses e empresas mineradoras, como é o caso de Serra Pelada em que a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) –
mesmo com o apoio militar – não conseguiu retirar os garimpeiros.
80
b) há desorientação e desconhecimento dos antigos ocupantes quanto à
necessidade de regularização de suas posses, sendo raríssimos os títulos
definitivos. A maioria dos documentos que dispõe das suas terras não tem força
constitutiva de domínio privado do imóvel, tais como certidões vintenárias do registro
de imóveis, escrituras públicas de compra e venda, contratos particulares de compra
e venda, Licença de Ocupação, Autorização de Ocupação. Além disso, não sabem a
quem recorrer e como proceder;
c) inoperância dos órgãos fundiários para iniciar, realizar procedimentos de
demarcação, delimitação, vistoria e fiscalização nos imóveis rurais, e concluir o
processo de regularização fundiária;
d) falta de apoio administrativo, técnico e de infraestrutura para os
trabalhadores rurais, garimpeiros e ex-garimpeiros desprovidos de terras, o que
agrava a tensão social;
e) conflitos entre donos de garimpo e donos de áreas já ocupadas,
utilizando-se, para tanto, de apossamentos ilegítimos e da grilagem.
Para demonstrar o estado de tensão por espaço, Mirad apud Schmink e
Wood (2012, pp. 380-381) empresta o seguinte caso:
―Em meados dos anos 80, algumas empresas também buscaram direitos
sobre a terra, nas áreas que conduziam operações de mineração em São
Félix do Xingu. Esperg, um dos pequenos compradores de estanho tinha
comprado um seringal de dezenove lotes, ou cerca de 57 mil hectares. A
empresa também tinha fazendas em Goiás. Mamoré tinha desmatado
aproximadamente dezessete hectares para plantar pasto e cultivos
agrícolas, e buscava o título de posse. A empresa tinha procurado o
Getat para verificar a possibilidade de construir uma estrada para São Félix,
em troca do título de terra em um lado da estrada. O órgão não se
interessou pela proposta. Essas posses de terra eram, às vezes, causa
do envolvimento de mineradoras em disputas por terra. Em 1985, um
grupo de posseiros em São Félix acusou a Comipa de fazer ameaças,
destruir propriedade e invadir seus lotes. (grifo nosso)
De acordo com o DNPM (2013), os mais diversos requerimentos minerários,
demonstram interesses – seja para fins especulativos de reserva de
mercado/patrimonial, seja para efetiva produção – sobre 46,5% do território
paraense, o que corresponde a uma área de 58.258.880 hectares, conforme
discriminado no quadro a seguir.
81
Regime de Exploração Área do solo e de ocupação do
subsolo do Pará (ha) Percentual de ocupação
solo e subsolo
Solicitação de Pesquisa 37.816.931 23,5
Autorização de Pesquisa – Alvará 13.665.538 64,9
Requerimento de Lavra 610.422 1,0
Portaria de Lavra 933.397 1,6
Disponibilidade 3.531.888 6,1
Requerimento de Licenciamento 9.750 0,0
Registro de Licenciamento 12.087 0,0
Requerimento de Extração 25 0,0
Registro de Extração 99 0,0
Requerimento de PLG104
1.584.845 2,7
Autorização de PLG 93.893 0,2
TOTAL 58.258.880 46,5%
Tabela 6 – Relação Títulos Minerários x Tamanho da Área do Título Minerário x Percentual de Ocupação do
Solo/Superfície. Fonte: DNPM (2013)
A disposição espacial dos títulos minerários no território paraense pode ser
visualizado no mapa adiante exposto:
Imagem 4 – Mapa ilustrativo da quantidade e da localização dos títulos minerários no território do Estado do Pará. Fonte: DNPM (2013).
104
PLG: Permissão de Lavra Garimpeira
82
Já a relação fundiária entre os títulos minerários e o ordenamento da
superfície, tais como glebas de terras públicas, áreas militares, unidades de
conservação, territórios indígenas e quilombolas, e assentamentos rurais, o mapa
abaixo serve para ilustrar a dimensão das sobreposições que podem se traduzir em
potenciais conflitos pelo uso e ocupação do solo.
Imagem 5 – Mapa ilustrativo da relação de sobreposição entre áreas dos Títulos Minerários x áreas da
superfície. Fonte: Pará (2014)/DNPM (2013).
Por tudo exposto, isso significa que, até nos dias atuais, a descoberta de
riquezas minerais em áreas onde o superficiário, ocupante ou proprietário do solo
não é minerador, bem como para aquele que compra uma área para minerar, não
significa, na expressão de Enríquez (2008a), necessariamente uma ―dádiva‖ e sim
uma ―maldição‖. Principalmente diante da pressão econômica sobre a Amazônia
diante de um novo aquecimento do mercado das commodities minerais.
83
CAPÍTULO 4 – A PROPRIEDADE MINERÁRIA E A PROPRIEDADE DO SOLO E OS
SEUS EFEITOS NO REGIME JURÍDICO BRASILEIRO.
4.1 A RIGIDEZ LOCACIONAL, A PROPRIEDADE MINERÁRIA E A PROPRIEDADE
DO SOLO.
Não é possível minerar sem intervir na superfície (propriedade do solo) onde
se localiza a mina e nas áreas circunvizinhas – ou não – necessárias à instalação da
infraestrutura necessária à execução da atividade (servidão minerária) e à proteção
de empreendimento minerário (área de amortecimento)105. Consequentemente, não
há como minerar sem influenciar a vida de pessoas ocupantes da sua área de
influência, ainda que de forma indireta106.
Essas assertivas são máximas absolutas resultantes da rigidez locacional do
depósito mineral e das particularidades estruturais para o desenvolvimento do
empreendimento minerário, que repercute na distinção jurídica entre solo e subsolo,
isto é, na propriedade do solo e na propriedade minerária.
A doutrina minerária considera como característica unânime da atividade
minerária a rigidez locacional. Isto quer dizer que o minerador não tem a liberdade
de escolher o local onde desenvolverá sua atividade, como uma indústria de
confecção de calçados, por exemplo. Destarte, as minas devem ser explotadas onde
foi constatada a ocorrência geológica da reserva mineral107, por ser, obviamente,
fisicamente impossível o seu deslocamento (ATHIAS, 2009; FREIRE, 2010108;
RIBEIRO, 2006).
105
No entendimento de Pellegrino (2012, pp. 110-111): ―O aproveitamento mineral para o atendimento das demandas da
sociedade impõe, por conseguinte, impactar áreas, no solo ou subsolo, em que forem identificadas jazidas minerais, assim
como demais áreas que possuam elementos essenciais à atividade. Tal é a importância da atividade que se permite a
pesquisa a lavra em terrenos públicos e privados, inclusive em propriedade de terceiros. [...] Em vários casos, a abertura de
novas minas interfere com propriedades privadas, havendo, assim, a necessidade de sopesamento entre interesse público da
atividade de mineração e os interesses privados do proprietário, devendo imperar o primeiro‖. 106
Silveira (2009, p. 175) alerta que: ―A extração mineral, vê-se com clareza, é em muitos casos incompatível com a permanência dos prévios ocupantes na área – em maior ou menor grau, dependendo da necessidade da área para o empreendimento, podendo ser desde a mera sujeição à instalação de dutos, até a perfuração e extração da própria jazida‖. 107
Suslick, Machado e Ferreira (2005, p. 49) definem uma reserva mineral como a parte economicamente lavrável de um recurso mineral medido e indicado, nos quais são considerados fatores de lavra, metalúrgicos, econômicos, comerciais, legais, ambientais, sociais e governamentais. 108
Explica, ainda, Freire (2010, p. 55), que nenhum minerador deseja ter uma jazida em um espaço especialmente protegido, como uma Área de Preservação Permanente (APP). Contudo, em razão do processo de formação geológica, a realidade é que vários minérios estão concentrados nesses espaços, estimando o autor que 80% (oitenta por cento) de todas as reservas minerais de ferro do mundo estão localizadas caprichosamente em regiões com tais características. Destarte, arremata que: ―[...] o empreendedor não pode escolher livremente o local onde exerce sua atividade produtiva, porque as minas devem ser lavradas onde a natureza as colocou‖
84
No sentido mais técnico, Herrmann, Poveda e Silva (2011, pp. 13-14)
elucidam que:
―[...] as concentrações naturais de elementos minerais encontram-se nos
lugares onde estão por razões geológicas. Essa concentração não é
aleatória, ela atende aos ciclos das rochas: erosão, transporte e
sedimentação. O transporte do material particulado até sua
sedimentação em depósitos naturais obedece também a condicionantes
geomorfológicos e sísmicos. [...] Por força de tal processo, a grande
maioria das jazidas minerais tem como expressão topográfica um
monte, morro ou montanha. [...] É de ressaltar, por conseguinte,
contrariamente ao que alguns imaginam, que as jazidas minerais
existentes na superfície ou subsuperfície estão quase sempre
localizadas em Áreas de Preservação Permanente (APP), em especial
em topo de morros, montes, montanhas e serras ou no próprio maciço, e
também nas várzeas dos corpos d‘água. Nos primeiros casos, em
função da movimentação tectônica da crosta terrestre; e, no segundo
caso, causadas pelo transbordamento do rio, lago ou curso d‘água. Por
isso mesmo é que boa parte das jazidas minerais está, direta ou
indiretamente, localizada em áreas de preservação permanente ou no
seu entorno. Isso é compreensível, tendo em vista a alta concentração
de determinados elementos físicos e químicos componentes das
massas rochosas – bens minerais – portanto, existentes nestes locais
por força de condicionantes geológicas.
Portanto, uma vez demonstrada a existência de valor econômico destes
recursos naturais para fins exploratórios, constituem-se em propriedade minerária
integrante do acervo patrimonial da União109.
No atual contorno constitucional, essa propriedade é autônoma em relação à
propriedade do solo, também denominada pela doutrina de superficiária, fundiária ou
imobiliária, que, por sua vez, pode estar sob o domínio de pessoa física ou jurídica
de direito público ou privado de acordo com o histórico da situação jurídica fundiária
do imóvel, a fim de constatar se o seu detentor é o verdadeiro proprietário, posseiro,
mero ocupante ou especulador.
Não obstante o entendimento de Freire (2005)110 e Ribeiro (2006)111 de que
essa dicotomia seja apenas legal não existindo na prática, visto que a ocorrência
109
Código de Mineração art. 4º: ―Considera-se jazida toda massa individualizada de substância mineral ou fóssil, aflorando à superfície ou existente no interior da terra, e que tenha valor econômico; e mina, a jazida em lavra, ainda que suspensa.‖ Constituição Federal art. 20, IX: ―São bens da União: [...] IX - os recursos minerais, inclusive os do subsolo; [...]‖. Constituição Federal art. 176, caput: ―Art. 176. As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra.‖ Código Civil art. 1229: ―A propriedade do solo abrange a do espaço aéreo e subsolo correspondentes, em altura e profundidade úteis ao seu exercício, não podendo o proprietário opor-se a atividades que sejam realizadas, por terceiros, a uma altura ou profundidade tais, que não tenha ele interesse legítimo em impedi-las.‖ Código Civil art. 1230: ―A propriedade do solo não abrange as jazidas, minas e demais recursos minerais, os potenciais de energia hidráulica, os monumentos arqueológicos e outros bens referidos por leis especiais.‖
85
mineral pode ser constatada desde a superfície, também concordam que tal ficção
jurídica foi criada para ajustar os interesses de quem pretende minerar com os
daqueles que terão sacrificados o direito de propriedade ou de ocupação sobre a
área da superfície por onde será viabilizado o acesso direto aos recursos minerais e
o desenvolvimento da atividade econômica como um todo.
Explica Ribeiro (2006, p. 4):
―Fortes argumentos recomendam essa separação, entre eles o perfil do proprietário do solo, geralmente pouco ajustado às atividades minerárias, cujas características incluem o alto grau de risco do empreendimento e um prolongado período de maturação, além da impossibilidade de recuperação do insucesso numa próxima safra. Diferem, portanto, das características da atividade agropastoril, via de regra desenvolvida pelos proprietários do solo, aos quais geralmente faltam tradição ou experiência em mineração, além dos recursos financeiros exigidos para o exercício de atividades minerárias. [...] Assim, ante a grande importância política e econômica dos recursos minerais, não seria recomendável que permanecessem à mercê dos proprietários do solo, sob o risco de submetê-los à sua inércia, fruto do desconhecimento ou da insensibilidade a essa condição, quando não da incapacidade financeira para aproveitá-los, em detrimento dos interesses da sociedade.‖
Considerando que a área de lavra é apenas uma unidade produtiva do
processo de mineração, a leitura da dualidade imobiliária não pode ficar restrita à
propriedade do solo onde coincide o corpo mineralizado, devendo-se, por
conseguinte, abranger as demais áreas necessárias à viabilização do
empreendimento que sofrerão intervenções contra os quais os seus proprietários ou
ocupantes, em tese, não podem se opor112, tal como ocorre nos espaços destinados
às servidões minerárias113.
110
Para Freire (2005, p.94): ―Na dicção do art. 4º do Código de Mineração, a jazida pode estar no subsolo ou aflorada. Estando
aflorada, a separação entre o solo é apenas jurídica.‖ No ensinamento de Herrmann et al. (2010) na individualidade jurídica
entre a propriedade mineral e a do solo, a superficial, pertencendo aquela à União e esta ao superficiário, o proprietário do
solo; prevalecendo aquela em relação a esta, porque a atividade mineral é considerada de interesse público. 111
Ribeiro (2006, p. 18) explicita que: ―Ex vero, a propriedade minerária sempre estará enquistada no solo, mesmo quando a mina estiver no subsolo, pois seu aproveitamento dependa da instituição de servidões de solo, desde aquelas necessárias ao acesso às mesmas, às plantas de tratamento de minério, às instalações diversas, aos depósitos de minério e de rejeito de mineração, etc.. (sic) Essas servidões, desde que imprescindíveis ao aproveitamento da mina, constituem partes integrantes da mesma (Código de Mineração, art. 6º, parágrafo único), aderindo-se à propriedade minerária. Vale dizer que esta propriedade só ocasionalmente alcança o subsolo, mas sempre abrange o solo. Vê-se, pois, que é imprópria a referência ao subsolo para indicar a propriedade minerária ou a propriedade dos recursos minerais, amiúde utilizada. Compreende-se, pois, que a intenção do constituinte foi realçar essa situação, ou a dicotomia entre a propriedade minerária e a propriedade do solo para que, definitivamente, não se entenda que só serão recursos minerais se estiverem no subsolo, ou para que não se confunda a propriedade minerária com o subsolo. (grifo no original). 112
Resalvada as hipóteses de comunidades tradicionais, de remanescentes quilombolas e de territórios indígenas quando deverá ser observado a Convenção 169 da OIT, conforme será apreciado mais adiante. 113
Código Minerário Art. 59. Ficam sujeitas a servidões de solo e subsolo, para os fins de pesquisa ou lavra, não só a propriedade onde se localiza a jazida, como as limítrofes. Parágrafo único. Instituem-se Servidões para: a) construção de oficinas, instalações, obras acessórias e moradias; b) abertura de vias de transporte e linhas de comunicações; c) captação e adução de água necessária aos serviços de mineração e ao pessoal; d) transmissão de energia elétrica; e) escoamento das águas da mina e do engenho de beneficiamento; f) abertura de passagem de pessoal e material, de conduto de ventilação e de energia elétrica; g) utilização das aguadas sem prejuízo das atividades pre-existentes; e, h) bota-fora do material desmontado e dos refugos do engenho.
86
Nesse sentido, o Decreto-Lei nº 227/67 e a Constituição Federal de 1988
estabeleceram os direitos do proprietário do solo de participar nos resultados da
lavra; e, do proprietário ou ocupante de área, o direito de percepção de rendas pela
utilização do terreno pela mineração e de indenizações provocadas por danos ou
prejuízos causados pela atividade extrativa.
Entretanto, para debater as repercussões jurídicas desses direitos de
proprietários e de ocupantes diante da complexidade fundiária dos imóveis de
interesse minerário localizados na Amazônia e ainda integrantes do patrimônio
público, é pertinente, antes de tudo, conhecer a evolução histórica dos sistemas de
aproveitamento dos recursos minerais e a sua relação ao domínio do solo no Brasil.
4.2 OS SISTEMAS JURÍDICOS DE APROVEITAMENTO DOS RECURSOS
MINERÁRIOS NO BRASIL: DA COLÔNIA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.
Alinhado ao entendimento de Herrmann (1992), de Barbosa (1994), de
Ribeiro (2006), de Sirotheau (2006), de Serra e Esteves (2012) e de Scaff (2014) os
sistemas de exploração dos recursos minerários adotados no curso histórico do
Brasil foram: a) o regaliano ou regalengo; b) o dominial; c) a acessão ou fundiário; e,
d) a concessão.
O sistema regaliano vigorou no período do Brasil Colônia. Recorda-se que
nesse momento histórico de início da colonização portuguesa a mineração foi
frustrante, à medida que os primeiros exploradores não encontraram quantidade de
ouro e metais preciosos suficientes.
Somente no princípio do século XVIII ocorreram as primeiras descobertas
significativas de jazidas auríferas, levando a Metrópole portuguesa a envidar todos
os seus esforços para explorá-las e gerar arrecadação (SIROTHEAU, 1996; SILVA,
2006; FIGUEIREDO, 2011).
Como sequela do direito de conquista, o descobrimento do Brasil também
reservava à Coroa Portuguesa o domínio não apenas do que existia no solo, mas
também no subsolo do seu território.
Segundo Herrmann (1992) essa prerrogativa estava assentada no direito
medieval, consistindo a propriedade minerária, assim como às caças e terras da
colônia, como bem patrimonial exclusivo do Rei por desígnio divino. Dessa forma, o
87
direito de utilizá-la resultava da autorização do monarca, caracterizando, assim, um
verdadeiro privilégio para os poucos que conseguiram.
Por isso, tratava-se de uma espécie de regalia fisicamente representada
pela outorga de uma carta de data mineral (SERRA e ESTEVES, 2012), ficando o
beneficiário obrigado a pagar o quinto (quinta parte ou 20%) do material extraído,
que posteriormente foi reduzido para o dízimo de 10% com o Alvará de 13 de maio
de 1803.
Dessa forma, uma vez concedida a autorização de lavra, em razão da figura
absoluta e soberana do rei, não podia o proprietário privado do solo, por exemplo, o
titular de uma carta de data sesmaria confirmada, opor-se aos trabalhos de
mineração concedidos a terceiros, restando-lhe apenas ser indenizado pelas terras
aproveitadas ou cultivadas, conforme prescrito nas Ordenações do Reino (Livro II,
Título XXVI) (RIBEIRO, 2006). Presenciou-se, assim, a dualidade imobiliária nesse
período.
Com a proclamação da Independência do Brasil houve a substituição do
Sistema Regaliano pelo Sistema Dominial com a edição da Lei de 20.10.1823 e do
Decreto de 17.09.1824, que sujeitavam a mineração à legislação portuguesa sobre a
matéria.
Destarte, a Coroa Portuguesa deixava de ter jurisdição sobre o Brasil e o
novo Estado-Nação sucedia e incorporava todos os seus bens e direitos (RIBEIRO,
2006), entre os quais: o patrimônio minerário, à exceção daqueles já concedidos
através de datas minerais (SIROTHEAU, 1996; SILVA, 2006).
A Constituição de 1824, por sua vez, não trouxe no seu bojo disposição
específica sobre essa matéria, causando incertezas jurídicas quanto à propriedade
minerária, à medida que reconheceu o direito de propriedade em sua plenitude.
Na ótica de importantes juristas, no Texto de 1824 o Estado deixava de ter a
propriedade minerária, que passaria a ser um bem acessório à propriedade do solo.
Fato que iniciaria um novo sistema, o da acessão ou fundiário. O que fora
confirmado pelo Decreto de 27.1.1829. Contudo, este entendimento não prevaleceu
diante da corrente que pugnava pela propriedade do ente estatal diante da ausência
de previsão expressa em contrário (SERRA e ESTEVES, 2012).
Portanto, vigorou no Brasil Império o regime dominial no qual era distinguida
a propriedade do solo da minerária, que passava a se constituir em propriedade do
88
Estado-Nação e não mais da Coroa Portuguesa, ficando as atividades de mineração
à mercê da autorização do imperador brasileiro (SIROTHEAU, 1996).
Em resumo, ao comparar os sistemas regaliano e dominial, Herrmann (1992,
p. 23) conclui que: ―[...] a distinção entre os dois sistemas é meramente acadêmica,
pois na prática ambos os regimes se confundem‖.
Com o advento da Proclamação da Repúbica e contando com a expressa
disposição na Constituição de 1891, passou a vigorar no Brasil o Sistema da
Acessão ou Fundiário, ao prever no seu art. 22, § 17, que: ―As minas pertenceriam
ao proprietário do solo, salvo as limitações que forem estabelecidas por lei a bem da
exploração desse ramo da indústria.‖
Houve, portanto, uma espécie de repristinação da proposta outrora vencida
do Decreto de 27.1.1829. Tudo em razão da influência do liberalismo norte-
americano (SCAFF, 2014) e da forte atuação dos grandes latifundiários cafeicultores
que, em virtude da ascensão socioeconômica e do apoio dado aos militares para
derrubada do Império, também exerciam relevante influência política.
Destarte, nesse período extinguiu-se a distinção e a autonomia entre
propriedade solo e propriedade minerária, passando esta ser acessório daquela,
constituindo, como lecionado por Ribeiro (2006, p. 6), uma ―só unidade econômica‖,
ficando a autorização para exploração ao livre e exclusivo talante do proprietário da
superfície. Sistema, aliás, que foi referendado pelo art. 526 do Código Civil de
1916114.
Essa era a regra aplicável se as minas estivessem em propriedades
particulares. Assim, pela unicidade e relação jurídica principal-acessório, enquanto
as terras não tivessem sido transferidas ao domínio privado (entendido como
resultante de um processo de titulação), as minas pertenceriam – assim como as
terras devolutas – aos Estados, de acordo com a dicção do art. 64 da mesma
Constituição de 1891, que previa: ―Pertencem aos Estados as minas e terras
devolutas situadas nos seus respectivos territórios [...]‖115.
Contudo, relata a doutrina que o sistema da acessão gerou uma série de
entraves à atividade minerária, que ficava adstrita à vontade do proprietário do solo
por razões diversas que, ao final, inviabilizava a entrada na área para realização de
114
Código Civil. Art. 526: ―A propriedade do solo abrange a do que lhe está superior e inferior em toda a altura e em toda a profundidade, úteis ao seu exercício, não podendo, todavia, o proprietário opor-se a trabalhos que sejam empreendidos a uma altura e profundidade tais, que não tenha ele interesse algum em impedi-los.‖ 115
Este entendimento também é compartilhado por Scaff (2014).
89
novas descobertas e a exploração de jazidas. A compreensão desse cenário
desalentador para o segmento econômico é feita por Oliveira (2003, p. 174)116:
―Sendo, pois, naquele início de Século XX, o proprietário do solo também
senhor do subsolo, ele, ou por inabalável vocação para agricultura, ou pelo
medo do risco, ou por falta de recursos financeiros, ou por receio em
eventual sociedade, ou, até mesmo, por não desejar a imiscuição da
mineração na sua atividade, somente optava pelo empreendimento mineiro
diante de evidências significativas de sucesso. A prudência e o
desinteresse, superiores ao espírito de aventura, inibiam, então, o
incremento da mineração, totalmente dependente da iniciativa ou da
anuência do proprietário do solo.‖
Tentou-se superar a situação com o Decreto nº 15.221/1921, denominada
de Lei Simão Lopes. Todavia, não logrou êxito por desarmonia com o texto
constitucional. Nem mesmo a Reforma Constitucional de 1926 conseguiu alterar o
sistema, mantendo-se inabalável o da acessão ou fundiário.
No intuito de superar a incompatibilidade entre interesses minerários e do
proprietário do solo quanto ao seu uso pelo sistema de aproveitamento vigente,
objetivando atender a política de nacionalização e de industrialização varguista para
enfrentar as instabilidades provocadas pela oscilação no mercado da monocultura
cafeeira, bem como destacar a importância da economia mineral neste processo
para o crescimento econômico do Brasil117-118-119, a Constituição de 1934 voltou a
distinguir a propriedade do solo da propriedade minerária, ficando a exploração à
mercê da autorização ou concessão federal. Com efeito, passou a vigorar o Sistema
da Concessão (SERRA e ESTEVES, 2012), Dominial (PELLEGRINO, 2012) ou
Dominial Republicano (RIBEIRO, 2006)120-121.
116
Pinheiro apud Bedran (1957, p. 22): ―[...] os capitalistas brasileiros preferem empregar os seus capitais na lavoura,
plantações de café, algodão, cacáu, criação de gado, ao invés da exploração de minas‖. 117
A mudança das forças produtivas demandadas por Getúlio Vargas também exigia a reestruturação da organização para
administração dos recursos minerais. Por isso, com o Decreto nº 23.979, de 08.03.1934, criou o Departamento Nacional da
Produção Mineral (DNPM), enquanto órgão integrante da Administração Pública direta, que substituiu a Diretoria-Geral de
Pesquisas Científicas. Somente com o advento da Lei nº 8.876, de 02.05.1994, foi autorizada a sua instituição como autarquia. 118
Sirotheau (1996) destaca que no período Vargas a intervenção política do Estado na economia foi cada vez maior. Dessa maneira vislumbrou-se um projeto de constituição de um capitalismo nacionalista, no qual o setor mineral assumiria uma função estratégica objetivando levar ao interior do país o motor do desenvolvimento. 119
Scliar (2009, p. 35) exemplifica: ―Um exemplo de política de integração da mineração com o processo de industrialização e desenvolvimento regional e nacional foram as ações de Getúlio Vargas para a indústria siderúrgica. Mobilizaram-se investimentos para o aproveitamento dos depósitos de ferro, manganês, cromo, carvão mineral e outras substâncias. O objetivo era conseguir a autonomia brasileira na produção de aço com a construção da Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda, Rio de Janeiro‖ 120
Entende o doutrinador que, na verdade, houve um retorno ao sistema dominial da época do Brasil Império. 121
Parte relevante da doutrina entende que, com a Constituição de 1934 até a Constituição de 1988, vigorou, na verdade, o
sistema da res nullius, pois a Carta Política não teria atribuído a propriedade minerária a ninguém, tornando-a coisa sem dono,
sem domínio definido, sendo apenas objeto de apropriação da Nação quando do seu descobrimento, embora concorde esse
entendimento de que a pesquisa e lavra dependia da autorização da União. Essa discórdia doutrinária teria emergido por força
da exposição de motivos do citado Código de Minas, conforme explicam Serra e Esteves (2012, p. 29): ―Há que entenda,
porém, que a Constituição de 1934 instaurou o sistema da res nullius, passando os bens minerais a serem coisas de ninguém,
90
No entanto, o divórcio das propriedades não foi abrupto, sendo adotada uma
transição entre sistemas com a possibilidade do proprietário do solo manter-se
proprietário dos recursos minerários coincidentes à superfície, desde que, no prazo
de um ano, se manifestasse nesse sentido.
Configurava-se a chamada manifestação da mina ou mina manifesta, que
fundamentada no direito adquirido, se tornava domínio do proprietário do solo os
recursos minerais uma vez cumpridos os procedimentos legais previstos no art. 5º,
caput e § 2º, e art. 10, da Constituição de 1834, e no art. 15, do Código de Minas de
1934.
Inobstante a adoção dessa postura pretendida para impulsionar a economia
mineral, a doutrina minerária avalia que a mesma não trouxe efeitos práticos
favoráveis por força do direito assegurado ao proprietário do solo de preferência no
aproveitamento dos recursos minerários ou de coparticipação nos lucros (art. 119, §
1º).
Explica Oliveira (2003, p. 180) que a previsão desses benefícios tinha por
escopo a amenização de ―[...] um possível impacto e uma incômoda reação
provocadas pela sensação de perda de um direito de propriedade, o que lhes
empresta uma natureza compensatória de caráter eminentemente político.‖
A intenção era, ao final, criar mecanismos econômico-jurídicos para que
proprietário do solo não impedisse mais os trabalhos de pesquisa ou lavra, conforme
comenta Bedran (1957, p. 39)122:
―Dessa leitura, sente-se que a liberdade de pesquisa, isto é, a
independência, autonomia entre a propriedade mineral e a propriedade
fundiária sempre se fêz sentir. É certo que, nem sempre de caráter
cabendo ao Estado conceder seu aproveitamento apenas por ser o representante dos interesses da sociedade. Esta ideia foi
generalizada no Brasil em virtude da exposição de motivos, anexa ao Código de Minas de 1934, conter os seguintes dizeres do
então Ministro Juarez Távora: ‗Na realidade por estas circunstâncias, o regime jurídico instituído no Brasil é o de autorizações e
concessões dos poderes públicos, como meros administradores, não sendo, em suma, senão o da res nullius em sua mais
pura acepção. A ninguém pertencem de fato as minas: como detentores, terão aqueles que as lavrarem enquanto mantiverem
a lavra em plena atividade‘ (VIVÁCQUA, 1942). O mesmo ocorreu em Portugal, quando, em 1796, a Constituição não fez
referência ao domínio público dos recursos minerais. Isto, como observou Ramos (1994), não significou ‗para Oliveira
Ascensão, para Gomes Canotilho e Vital Moreira, para Freitas do Amaral e José Pedro Fernandes e, ainda, para alguma
jurisprudência que o domínio deixou de existir e que, consequentemente, certos recursos geológicos deixaram de se integrar
nesse domínio’. Vivácqua (1942) menciona que o Código Civil então vigente, no art. 593, faz referência à res nullius
considerando apenas bens móveis. Explica o autor que o instituto de terras res nullius foi especialmente utilizado na fase de
colonização, como instrumento de criação de direito de soberania, tendo larga aplicação na conquista de terras novas por
Portugal, Espanha, Grã-Betanha, França, Países Baixos e outros, sobretudo nos anos de 1400 a 1800, e que volta a ser
utilizado sobre os territórios do Continente Ártico. [...] Tratava-se de verdadeira dominialização das riquezas minerais,
fundamento básico da política nacional do subsolo que começava a nascer.‖ 122
Em outra passagem, reforça Bedran (1957, p. 22): ―O legislador com essa visão ampla, sensata e não menos jurídica,
contornou certas aparentes injustiças, conciliando interêsses em oposição, concedendo aos proprietários das terras o direito de
preferência (§ 1º do art. 153 da Constituição) e a quem, na eventualidade de desinterêsse, são asseguradas indenizações
pelos danos e utilização da área a ser pesquisada ou lavrada (art. 23 do Código de Minas, modificado pelo Decreto-Lei 9.449,
12-07-1946 e art. 10).‖
91
absoluto. Amolda-se ao respeito dos direitos inerentes ao aproveitamento
do solo, conferindo ao ‗dominus‘, quando não fôsse o pesquisador, as
indenizações que a restrição ao pleno uso da propriedade lhe causava. De
sorte que o direito de preferência que adotamos na Constituição vigente,
tornou-se, como veremos na oportunidade, uma solução boa, e melhor
ainda porque serviu para aparar os conflitos, alguns sérios que a
inconformação dos proprietários do solo gerava. É que uns, às vezes
nasceram, se criaram e vivem...; outros por ganância extrema, na suposição
de que o inventor ou descobridor, enfim o explorador da mina iria se
locupletar à custa ‗alheia‘... Mas, raramente há enriquecimento satisfatório,
pois, a maioria não chega a compensar o labor e as dificuldades arrostadas.
A mineração exige, além de trabalhos técnicos especializados,
investimentos comumentes elevadíssimos, para que, então, dessa harmonia
de aplicações, sejam retirados lucros. Bem entendido, tudo isso estará na
dependência da natureza da jazida. Quantas vêzes, a despeito das mais
cuidadosas previsões e cálculos, não surgem imprevistos que
decepcionam?‖
De outra banda, Rocha e Lacerda (1983, p. 290) ressaltam a necessidade
de também sopesar a visão do proprietário do solo diante das incursões minerárias,
ao explanarem que:
―Geralmente se torna difícil, devemos mencioná-lo, a indispensável
compreensão do proprietário ou posseiro do imóvel, gente simples e rústica,
quanto a essa intromissão de terceiro na sua propriedade, pela qual sempre
lutou, quer regando-a com o suor do seu rosto, quer pagando os seus
impostos dela decorrentes com enormes dificuldades e sacrifícios. Façamos
justiça, neste particular, ao pequeno proprietário ou posseiro que, no instinto
de defesa própria, repele a semi-invasão de suas terras. Para o homem do
campo, lembremos que o seu pedaço de chão é o seu mundo.‖ (grifo
nosso)
Vê-se, por conseguinte, a renitente problemática entre os proprietários e
ocupantes do solo com aqueles que pretendem desenvolver a atividade mineira.
Mesmo com as garantidas acertadas, os titulares do direito de superfície acabavam
por frustrar a mineração, pois, continuavam escorados na inércia quanto ao efetivo
exercício do direito de preferência (PELLEGRINO, 2012. RIBEIRO, 2006) ou
tornando inviável o empreendimento por força da necessária divisão de lucros sem
que respondessem por nenhum investimento para implementação ou ônus
operacional.
As Constituições seguintes de 1937 e de 1946 nada alteraram a Constituição
de 1934 em relação à separação da propriedade do solo da propriedade minerária,
preservando, por conseguinte, o Sistema da Concessão.
92
Entretanto, cabe ressaltar que, enquanto a de 1937 acentuou o domínio da
União ou dos Estados sobre as minas e jazidas desconhecidas situadas em suas
terras, mantendo o direito do proprietário do solo de preferência no aproveitamento
ou de coparticipação nos lucros, a de 1946, neste último ponto, assegurou apenas a
preferência, o que não impedia que as partes interessadas entabulassem um acordo
para que o proprietário do solo tivesse a participação nos lucros como forma de
renúncia daquela (OLIVEIRA, 2003).
Com a Constituição de 1967 o Sistema da Concessão foi ratificado.
É de bom alvitre relembrar que a política militar pós-Revolução de 1964
também tinha como cerne a industrialização e a capitalização do campo. Para tanto,
a mineração voltou a assumir o protagonismo nesse intento. Coelho apud Sirotheau
(1996, p. 35) afirma que o sentimento desse contexto pode ser sintetizado na
Exposição de Motivos nº 391, de 1964, do Ministério das Minas e Energia, que nos
seus objetivos gerais pugnava pelo crescimento econômico a qualquer custo nos
moldes assim transcritos:
―aproveitar intensa e imediatamente os recursos minerais conhecidos;
ampliar a curto prazo o conhecimento do subsolo do país; promover a
regulamentação dos artigos 152 e 153 da Constituição Federal (a de 1946,
então vigente); propor a revisão do Código de Minas de 1940.‖
Com efeito, a Carta Constitucional de 1967 manteve a separação do solo
dos recursos minerais; não alterou o regime de autorização e concessão, embora
tenha subtraído dos Estados tal competência, que passava a ser exclusiva da
União123, à medida que também foi vinculada à segurança nacional; substituiu o
direito de preferência do proprietário do solo pela participação nos resultados da
lavra, aplicável às concessões feitas após 14.03.1968; e, instituiu o direito de
prioridade para o aproveitamento dos recursos minerais.
Sobre a perda da preferência explica Gonçalves apud Oliveira (2003, p.
120):
―o direito de participação nos resultados da lavra, instituída pela Carta
Magna de 1967, trata-se nitidamente de uma compensação pela extinção
do direito de preferência assegurado nas égides constitucionais de 1934,
1937 e 1946 ao proprietário do solo para exploração e aproveitamento dos
recursos minerais, o qual, por sua vez, lhe havia sido atribuído em função
da perda do direito da propriedade sobre esses recursos existentes no
123
Na Constituição de 1934: o art. 5º, XIX, § 3º; na Constituição de 1937: o art. 17; e, na Constituição de 1946: o art. 6º.
93
subsolo, em face da estatização e da instituição do regime de concessão
para o seu aproveitamento, advindas da Constituição de 1934‖
Em relação ao direito de preferência que de acordo com Herrmann et al.
(2010)124 beneficiava o proprietário do solo, foi destituída pelo direito de participação
nos resultados da lavra e de prioridade, afiançando juridicamente o direito minerário
de outrem interessado em custear a pesquisa mineral e na lavra. Dessa forma,
objetivou-se fomentar o aproveitamento dos recursos minerais e garantir o
abastecimento do País, que não pode ficar à mercê do livre talante e vicissitudes do
proprietário do solo por envolver interesse nacional.
Então, uma vez reconhecida a prioridade, a União é obrigada a consentir a
exploração àquele que primeiro requereu regularmente, passando o minerador a ter
legitimidade para defender o solo e o subsolo da área de interesse, podendo,
inclusive, adotar medidas judiciais de defesa da posse e inibitórias que se fizessem
necessárias à defesa dos recursos minerais e, ao final, do empreendimento
considerado de interesse da própria Nação (FREIRE, 2010)125.
Todavia, na nova ordem constitucional, em relação à separação da
superfície da propriedade minerária, não se limitou a tratar da participação do
proprietário do solo nos resultados da lavra.
Cientes de que a atividade minerária não se restringia à área de lavra,
tornando outros imóveis de propriedade ou de ocupação de terceiros suscetíveis a
intervenções parciais ou totais, o Decreto-Lei nº 227/67 também buscou disciplinar
essas relações jurídicas para evitar obstáculos à instalação de estruturas
necessárias ao pleno desenvolvimento do empreendimento minerário.
Destarte, fez prever o dever de pagar renda e indenizações por danos e
prejuízos resultantes da ocupação desde a fase de pesquisa mineral. Obrigação que
se estende às instalações das servidões minerárias no procedimento de lavra, que,
em ambos os casos, o valor pode ser fixado por consenso entre as partes ou
arbitrado judicialmente.
124
Herrmann et al. (2010, pp.19-20) o direito de prioridade consiste ―no direito de obtenção da autorização de pesquisa ou do registro de licença, atribuído ao interessado cujo requerimento tenha por objeto área considerada livre, para finalidade pretendida, à data da protocolização do pedido do Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM), atendidos os demais requisitos cabíveis, estabelecidos neste Código.‖ E, área considerada livre, Ribeiro (2006, p. 310) esclarece que consiste naquelas áreas que ―não estejam tipificadas nas situações previstas no art. 18, caput do Código de Mineração, sendo, em regra, aquelas sobre a qual já não está sendo exercido esse direito por terceiros através da outorga de título minerário anterior ou cujo requerimento desse título não tenha sido indeferido de plano pelo DNPM‖. 125
Trata-se, portanto, o direito de prioridade, no escopo de Freire (2010), de um direito absoluto e que não pode ser
flexibilizado, sob pena de causar insegurança indesejável.
94
A Emenda Constitucional nº 01/69, não obstante ter se tratado, na prática,
em uma nova Constituição, manteve os princípios basilares da mineração
estabelecidos no Texto Fundamental emendado.
Com a Constituição de 1988, a questão mineral recebeu especial atenção,
sendo mantido o Sistema da Concessão.
O art. 176, da Constituição de 1988, é o dispositivo norteador de todos os
demais aplicáveis à mineração, que assim prescreve:
Art. 176. As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra. § 1º. A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o "caput" deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas. § 2º. É assegurada participação ao proprietário do solo nos resultados da lavra, na forma e no valor que dispuser a lei. § 3º. A autorização de pesquisa será sempre por prazo determinado, e as autorizações e concessões previstas neste artigo não poderão ser cedidas ou transferidas, total ou parcialmente, sem prévia anuência do poder concedente. § 4º - Não dependerá de autorização ou concessão o aproveitamento do potencial de energia renovável de capacidade reduzida. (grifo nosso)
Além do disposto no art. 176, outras prescrições normativas a respeito da
atividade de mineração merecem destaque ao propósito ao presente trabalho. São
elas: a) a propriedade minerária da União, no art. 20, IX e § 1º; b) a competência
privativa da União para legislar sobre jazidas, minas, outros recursos minerais e
metalurgia, no art. 22, XII; c) a compensação financeira dos Estados, Municípios e
do Distrito Federal no resultado da exploração mineral, especificado no art. 20, § 1º,
conforme optado pelo legislador ordinário; d) a mineração em terras indígenas,
previsto no art. 231, § 3º; e) as disposições dos arts. 43 e 44 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias (ADCT), que versam sobre os efeitos das autorizações,
concessões e demais títulos minerários concedidos anteriormente à promulgação da
Constituição de 1988; e, g) o art. 225, caput, § 1º, IV e § 2º, que tratam da obrigação
do minerador de reparar danos ambientais decorrentes da exploração de recursos
minerais.
95
Especificamente em relação à dualidade imobiliária, tornou incontroverso o
texto constitucional: a propriedade do solo pertence ao proprietário da superfície; e,
os recursos minerais passíveis de exploração e aproveitamento, inclusive os do
subsolo, são bens pertencentes da União.
No que tange à propriedade exclusiva da União sobre os recursos minerais,
a respeitável doutrina Freire (2010) em uma ótica mais tradicional e, portanto,
cartesiana, leciona que se constituem em categoria a parte dos bens dominicais e
dos bens de uso especial, posto que integram como de propriedade da União os
recursos minerais conhecidos, os potencialmente conhecidos e, acrescenta-se,
aqueles a conhecer. O que diverge de outros como Yoshida (2006), que defende o
caráter difuso dos mesmos por cumprir simultaneamente funções múltiplas, como
será visto em tópico próprio126.
Manteve-se, portanto, a premissa da dupla propriedade e, com isso, o
minerador deverá, como regra geral, responder pelos seguintes pagamentos:
a) ao proprietário do solo: a participação nos resultados da lavra no valor
equivalente a 50% daquilo que é devido a título de Compensação Financeira pela
Exploração de Recursos Minerais (CFEM), nos termos da Lei nº 8.901/94, que
alterou o art. 11, ―b‖, do Código Minerário; a renda pela ocupação da área
pesquisada ou lavrada; a indenização por eventuais danos causados ao imóvel,
inclusive os ambientais; e, indenização em virtude da instituição de servidão mineral.
b) àqueles ocupantes de áreas que, porém, não são proprietários da
superfície do imóvel: todos os direitos previstos no item anterior, exceto o de
receber a participação nos resultados da lavra, vez que não tem a condição de
proprietário do imóvel, bem como de receber renda pela ocupação na fase de
pesquisa caso o imóvel seja público.
Trata-se, deveras, da regra geral127 em que prevalece o interesse minerário
em relação ao uso da superfície de forma diversa àquela escolhida pelo seu
proprietário ou ocupante, que vê suprimida a sua liberdade de decidir sobre o uso e
a destinação do seu patrimônio. Assim, diante do caso em concreto bastaria a
126
Não obstante o pensamento clássico do renomado doutrinador, ao estudar o direito minerário à luz do direito ambiental, o próprio Freire (2010b) assevera que os recursos minerais são, antes de tudo, bens ambientais. Isto é, consiste em dos micro-bens (minério) que está contido no macro-bem (meio ambiente. 127
Fala-se em regra geral em virtude do necessário sopesamento entre interesses minerários e interesses coletivos sobre territórios étnicos, por exemplo, como indígenas, quilombolas e populações tradicionais, considerando a Convenção 169 OIT, que assegura a autodeterminação desses povos sobre os seus respectivos territórios.
96
subsunção da norma jurídica para resolução de eventuais óbices à pesquisa e à
lavra mediante pagamento.
Ocorre que, conforme demonstrado à saciedade, no Brasil e, em especial, o
no Estado do Pará, há problemas imobiliários gravíssimos que refletem diretamente
às suas pretensões de concretizar políticas públicas e investimentos privados em
prol do desenvolvimento sustentável. A instabilidade provocada pela incerteza
fundiária alimenta conflitos socioambientais, pois retira a segurança jurídica tanto de
quem ocupa o solo quanto de quem pretende nele se instalar.
Medidas de proteção ambiental como para redução do desmatamento, de
combate à grilagem de terras públicas e privadas, de atração de empresas e
investimentos para geração de empregos, renda e divisas, e de acesso ao crédito
para fomento da produção agropecuária são concebidas, porém, nascem sem efeito
– natimortos – diante da omissão do Poder Público em garantir através da
regularização fundiária a estabilidade jurídica e a pacificação social imprescindíveis
para um ambiente propício ao desenvolvimento de atividades econômicas de todos
os portes e segmentos, do pequeno produtor aos grandes projetos de infraestrutura.
Portanto, no caso da relação do minerador com o proprietário e o ocupante
do solo não seria diferente, afinal, a complexa trama fundiária do Estado do Pará,
sem uma dedicada análise dominial, não permite saber quem verdadeiramente é o
proprietário do solo, isto é, se é aquele que o ocupa, se é aquele que consta no
registro de imóveis ou, ainda, se é o Estado.
Na dúvida tem prevalecido a compra pelo minerador da mera ocupação dos
imóveis necessários ao empreendimento mineiro visando elidir conflitos para
posterior confirmação da regularidade do imóvel ou a tentativa da sua regularização
perante os órgãos competentes. O que em razão das incertezas dominiais efervesce
o mercado de terras, fortalece a figura do especulador e estimula ocupações
desorganizadas potencializando a ocorrência de conflitos pela terra até mesmo de
cunho étnico.
O fato é que, diante do cenário fundiário já apresentado, ganha força a
presunção de que atividades minerárias são desenvolvidas em áreas ocupadas,
porém, não necessariamente transferidas juridicamente ao domínio privado.
Situação que enseja, conforme o caso, no pagamento das remunerações relativas à
propriedade do solo e das rendas pela instalação de servidões nas terras públicas
97
destinadas a atender com prevalência o interesse minerário em detrimento de outros
interesses públicos.
CAPÍTULO 5 – O PAGAMENTO DOS RESULTADOS DA LAVRA E DA RENDA
DEVIDA PELA MINERAÇÃO AO PROPRIETÁRIO E AO OCUPANTE DA
SUPERFÍCIE DE DOMÍNIO PÚBLICO.
5.1 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, O CÓDIGO MINERÁRIO DE 1967 E O
PARECER DNPM Nº 461/2010/HP/PROGE/DNPM: EXCLUSÃO DOS DIREITOS DE
PARTICIPAÇÃO E DE RENDAS DE OCUPAÇÃO SOBRE ÁREAS DE TERRAS DE
DOMÍNIO PÚBLICO?
A Constituição Federal de 1988 manteve a linha adotada pelo Brasil desde a
Constituição de 1934 ao separar a propriedade minerária da propriedade do solo,
assegurando ao proprietário deste o direito de participação nos resultados da lavra,
nos seguintes termos:
Art. 176. [...] § 2º. É assegurada participação ao proprietário do solo nos resultados da lavra, na forma e no valor que dispuser a lei. (grifo nosso)
Trata-se, portanto, de ponto pacífico que, quando da sua promulgação,
mostrou-se alinhado aos propósitos da Constituição anterior e ao Decreto-Lei nº
227/67, ainda em vigor, que no seu art. 11, alínea ―b‖ e § 1º, conforme se lê abaixo:
Constituição de 1967
Art. 161. As jazidas, minas e demais recursos minerais e os potenciais de
energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo para o efeito
de exploração ou aproveitamento industrial. [...]
§ 2º. É assegurada ao proprietário do solo a, participação nos resultados, da
lavra; quanto às jazidas e minas cuja exploração constituir monopólio da
União, a lei regulará a forma da indenização.
Decreto-Lei nº 227/67
Art. 11. [...]
b) o direito de participação do proprietário do solo nos resultados da lavra.
§ 1º. A participação de que trata a alínea ―b‖ do caput deste artigo será de
cinquenta por cento do valor total devido aos Estados, Distrito Federal,
Municípios e órgãos da administração direta da União, a título de
compensação financeira pela exploração de recursos minerais, conforme
previsto no caput do art. 6º da Lei nº 7.990, de 29 de dezembro de 1989 e
no art. 2º da Lei nº 8.001, de 13 de março de 1990.‖
99
Quanto às demais rendas e indenizações devidas a terceiros resultantes da
ocupação do solo são direitos assegurados no próprio Decreto-Lei nº 227/67 nos art.
27 a 29 e 59 a 62, com o destaque para os seguintes dispositivos:
Art. 27. O titular de autorização de pesquisa poderá realizar os trabalhos
respectivos, e também as obras e serviços auxiliares necessários, em
terrenos de domínio público ou particular, abrangidos pelas áreas a
pesquisar, desde que pague aos respectivos proprietários ou posseiros uma
renda pela ocupação dos terrenos e uma indenização pelos danos e
prejuízos que possam ser causados pelos trabalhos de pesquisa,
observadas as seguintes regras:
[...] V - No caso de terrenos públicos, é dispensado o pagamento da
renda, ficando o titular da pesquisa sujeito apenas ao pagamento relativo
a danos e prejuízos; [...]
Art. 47. Ficará obrigado o titular da concessão, além das condições gerais
que constam deste Código, ainda, às seguintes, sob pena de sanções
previstas no Capítulo V: [...]
VIII - Responder pelos danos e prejuízos a terceiros, que resultarem, direta
ou indiretamente, da lavra; [...]
Art. 60. Instituem-se as Servidões mediante indenização prévia do valor do
terreno ocupado e dos prejuízos resultantes dessa ocupação. (grifo nosso)
Percebe-se que da leitura do texto constitucional e da legislação
regulamentadora da matéria, a atividade minerária poderá ser realizada em áreas de
domínio público e de domínio particular. Além disso, em relação à participação nos
resultados da lavra, tipifica o titular desse direito como aquele que comprova
juridicamente a condição de proprietário da área de superfície, sem fazer qualquer
distinção se o imóvel é privado ou público.
Em relação às rendas e às indenizações por danos causados aos imóveis
utilizados pela mineração, também qualifica como os sujeitos de direito de recebê-
los tanto aqueles que têm a propriedade do solo, quanto aqueles meros ocupantes
de áreas, igualmente sem qualquer alusão sobre a sua natureza jurídica dominial.
Esta, na verdade, consiste na regra geral, visto que o próprio Código
Minerário quando dispensa pagamentos desse jaez o faz de maneira expressa,
como ocorre na única exceção prevista sobre o caso que diz respeito à renda pela
ocupação de terreno público na fase de pesquisa (art. 27, V, do Código Minerário).
Não há, por consequência, outra previsão legal que desonere o minerador
de adimplir a obrigação de pagar a participação nos resultados da lavra, rendas e
indenizações quando a área da superfície integra o patrimônio dos entes políticos ou
das suas entidades diretas de direito público.
100
Embora se trate de um assunto incontroverso com fundamento lógico-
jurídico na Constituição Federal e no Código Minerário, bem como na premissa do
dever do particular de remunerar o ente estatal pelo uso econômico de bem
integrante do patrimônio público, o DNPM através do Parecer nº
461/2010/HP/PROGE/DNPM exarado nos autos do Processo Administrativo nº
484400-001188128, posicionou-se de maneira diversa ao negar o direito nos termos
da ementa abaixo transcrita:
I. Artigo 176, § 2º da Constituição Federal e artigos 11, „b1‟, e 12 do
Código de Mineração. Participação nos resultados da lavra. Natureza.
Compensação dirigida ao proprietário do solo particular, que não se
destina às pessoas jurídicas de direito público, uma vez que aos entes
estatais está reservada unicamente a participação prevista no art. 20, §
1º da Carta Política. (grifo nosso)
Em suas razões, o parecer utiliza como sustentação quatro argumentos
jurídicos abaixo resumidos:
a) aspecto histórico do instituto: que, historicamente, a preferência do
proprietário do solo no aproveitamento dos recursos minerais foi substituída pela
participação deste nos resultados da lavra como forma de compensar a perda
daquele direito fundamentado no sistema da acessão ou fundiário, quando também
era titular da propriedade minerária, no intuito de dinamizar a atividade econômica.
Por isso, o art. 176, § 2º, da Constituição Federal de 1988, não seria norma
destinada ao Estado, regulando o pagamento de valores ao poder público, mas sim
os casos em que ―[...] a exploração se dá em solo particular‖ (BRASIL, 2010);
b) o direito de participação dos entes políticos: afirma que existe o direito
do Estado de participação nos resultados da exploração de recursos minerais,
contudo, ele estaria previsto no art. 20, § 1º, da CF/88, sendo produto da localização
da jazida no território do ente político, e não em virtude da exploração mineral
realizada em terreno de sua propriedade nos termos do art. 176, § 2º. Entendimento
que se estenderia às entidades integrantes da administração pública direta, pois tem
identidade com o Estado ao se inserirem no conceito de Fazenda Pública;
c) o Estado como apoiador da atividade minerária: a possibilidade do
ente político em participar da participação prevista no art. 20, § 1º, e no art. 176, §
128
O processo administrativo com a finalidade de elaboração do aludido parecer foi instaurado a requerimento da Procuradoria-Chefe do DNPM mediante o MEMO nº 337/2010/PROGE/DNPM, sendo o posicionamento jurídico adotado aprovado pelo órgão requerente em 05.10.2010, e pela sua Diretoria-Geral em 15.10.2010.
101
2º, seria causa de oneração da mineração sem autorização legal expressa nesse
sentido.
Diversamente, afirma que o animus do legislador foi apoiar tal atividade
produtiva, que é de interesse nacional, ao isentar legal e taxativamente, por
exemplo, o minerador de pagar renda pela ocupação de terreno público para
pesquisa mineral, nos termos delineados no art. 27, V, do Código Minerário.
Ademais, haveria concurso de intenções entre o Estado e o minerador, já
que este exerce atividade no interesse daquele, diferentemente do particular. Dessa
forma, concluiu que:
―[...] ao Estado compete fomentar e viabilizar o aproveitamento dos bens
minerais. Por isso, a exploração de recursos minerais deve ser, na medida
do possível, atrativa e desprovida de obstáculos e encargos que dificultem,
desestimulem ou requeiram do empreendedor gastos excessivos.‖
d) direito à indenização: argumenta que, quando há mineração em terras
de domínio dos entes políticos ou das entidades da administração pública direta, o
minerador somente estaria incumbido de arcar com os danos e prejuízos
provocados ao imóvel por conta da sua atividade. Assim, não seriam exigíveis os
direitos de participação previsto no art. 176, § 2º, da CF/88, bem como o de renda
pela ocupação dispostos no art. 60 do Código Minerário.
A disseminação desse posicionamento prevalece no setor minerário,
contudo, demonstra uma visão restritiva e até simplista, visto que não considera a
natureza jurídica da CFEM e do solo sobre diversos prismas jurídicos; a plena
autonomia da propriedade do solo em relação à minerária mesmo que sob o domínio
público; e, a possibilidade de exploração econômica desse bem público ou a sua
utilização com fim diverso da mineração, que igualmente atende a um interesse
público.
5.2 A ANÁLISE DA PARTICIPAÇÃO NOS RESULTADOS DA LAVRA E DO
RECEBIMENTO DE RENDA A PARTIR DA NATUREZA JURÍDICA DA CFEM.
5.2.1 No direito financeiro-tributário e no direito minerário.
102
Na lição de Scaff (2009, p. 282) há diferença entre propriedade do solo e a
exploração dos recursos minerais, nos termos do art. 176, da CF/1988, isto é, não
se deve confundir propriedade com atividade129. Dessa forma, assevera de forma
precisa que: ―uma coisa é ser proprietário do solo, outra é desenvolver a atividade
de exploração dos recursos minerais, estejam no solo ou no subsolo‖.
Ressalta que, não obstante ser utilizada a CFEM como base de cálculo para
aferição da participação do proprietário nos resultados da lavra, com aquela não se
confunde, já que têm naturezas jurídicas totalmente distintas.
Para o emérito jurista (2009 e 2014), a CFEM trata-se de receita patrimonial
(originária) do Estado em sentido lato, por isso, não tributária, visto que sua
exigibilidade resulta da exploração de seu patrimônio, no caso, o minério; que, nos
termos do art. 20, IX, da Constituição Federal130, é de domínio da União.
Os recursos minerais, assim como os demais recursos naturais
renováveis131 ou não, inclusive áreas de terras, são bens integrantes do Patrimônio
público que consistem no olhar de Scaff (2014, p. 68) em
―[...] ativo público dentro do sistema orçamentário, mas para que gere
Receita é necessário que seja explorado. Reservas intocadas no fundo da
terra se constituem em ativos públicos – Patrimônio –, mas não geram
receita por si sós. Essa transformação em só ocorre quando esse
patrimônio ‗estático‘ for explorado‖.
Nesse contexto, Scaff (2014, p. 77) também propõe a seguinte classificação
dos bens públicos de acordo com a capacidade de geração de receita pública: a)
bens públicos com potencial de gerar receita; b) bens públicos que geram receita; e,
c) bens ainda não descobertos, mas que pertencem ao patrimônio público e com
potencial de gerar receitas.
Essa distinção leva à conclusão de que, independentemente da modalidade
em que se enquadre, quando esses bens são explorados economicamente devem
gerar receita pública, embora ainda existam diversas atividades que fazem tal
apropriação no processo produtivo sem o devido pagamento pela própria falta de
controle do Estado sobre as potencialidades financeiras reais do seu patrimônio.
129
Scaff (2009) ressalta que esta distinção foi feita pelo STF nos autos da ADIN 3273, na Relatoria do Ministro Eros Grau. 130
Cita Scaff (2009) a posição do Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário 228.800/DF, da Relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence. 131
A título de exemplo, a Lei de Gestão de Florestas Públicas nº 11.284/2006, veio regulamentar a exploração econômica dessa espécie de bem ambiental por particulares, estabelecendo as regras procedimentais visando a cobrança pelo uso deste bem público.
103
No caso do aproveitamento de bem minerário, os royalties configuram-se
com o pagamento da CFEM. Esse entendimento é traduzido a partir da lição de
Scaff (2014, p. 90) nos seguintes termos:
―No caso de royalties pagos ao Estado em função da extração dos
Recursos Naturais Não Renováveis, esse preço se caracteriza como uma
receita pública, decorrente da exploração de um patrimônio público – receita
pública para quem recebe; preço público para quem paga. São bens que se
inserem no processo produtivo das pessoas físicas ou jurídicas, que os
extraem e beneficiam, transformando petróleo em gasolina, querosene,
polipropileno etc. Ou no meio mineral, com igual transformação em ligas de
ferro, aço, cobre, ouro etc.‖
Como visto, em uma visão utilitarista, trata-se do pagamento pela exploração
econômica de um bem público, que é o bem minerário. Recurso natural administrado
pela União (YOSHIDA, 2006)132, por isso, responsável pela arrecadação e
transferência para os demais entes políticos, sob o prisma do federalismo
participativo, visando a promoção do equilíbrio socioeconômico entre Estados e
Municípios (SCAFF, 2009).
Essa diferença, aliás, está presente em todos os manuais de direito
minerário quando tratam da dualidade imobiliária ou da dupla propriedade,
afirmando que existe distinção jurídica entre a propriedade do solo e a propriedade
minerária, exatamente como está explícito no art. 176, da Constituição Federal. Não
há dúvida quanto a isso.
Ocorre que as terras públicas também integram o patrimônio público,
podendo ser suscetíveis de apropriação por particulares de forma onerosa ou
gratuita, e desde que não esteja destinada a outro fim estratégico do Estado.
Induvidoso, portanto, afirmar que, com base na fidedigna doutrina colecionada, o
seu uso econômico e/ou alienação deve também gerar receita pública.
Fica claro então que, embora autônomos entre si, os recursos minerários e o
solo integram o patrimônio público, sendo possível através das suas explorações
econômicas por particulares a geração de receita pública através do pagamento da
contraprestação pecuniária legalmente definida. No caso, a CFEM com fundamento
132
Yoshida (2006, pp. 91-92) pugna pela ultrapassagem da visão clássica dos recursos minerários enquanto bens da União,
devendo os arts. 20 e 176, da Constituição Federal, serem interpretados em harmonia com o art. 225, caracterizando-o como
―bem ambiental de natureza difusa, de uso comum do povo, e não como bem público dominial ou dominical, como faz a
doutrina clássica‖. Por isso, à União cabe o gerenciamento desses bens no interesse da coletividade, que é ―a verdadeira titular
e beneficiária do rico patrimônio ambiental mineral existente no subsolo‖.
104
no art. 20, § 1º, da CF/88, e nas Leis nº 7.990/89 e 8.001/90; e, o uso do solo no art.
176, § 2º, da CF/88, e nos arts. 11, 27, 45 e 60 do Código Minerário.
Acentua-se, assim, que a dualidade imobiliária não pode ser vista
exclusivamente como uma ficção jurídica que serve para retirar poderes do
proprietário do solo sobre o uso do bem minerário. A leitura exige tratamento jurídico
apropriado, pois abarca o diálogo sobre a relevância e o impacto financeiro de cada
bem público envolvido em determinada atividade econômica, ainda que pertencente
à mesma pessoa jurídica de direito público.
Consequentemente, as remunerações devidas pelo minerador não se
confundem, tendo cada uma delas os seus respectivos fatos geradores assim
caracterizados: a) a participação nos resultados da lavra: com a configuração do
uso da propriedade de terceiros, seja ela pública ou privada, cujo valor devido
equivale a 50% do apurado a título da CFEM; b) a renda pela ocupação: o uso de
área pública ou privada pela mineração necessária à instalação das suas servidões,
sendo o valor arbitrado pelas partes ou judicialmente; e, c) a CFEM: com a venda da
propriedade minerária pelo minerador, em percentual que varia de acordo com a
substância mineral aplicado sobre o preço da nota fiscal.
5.2.2 A CFEM, a participação nos resultados da lavra e o recebimento de renda
pela ocupação: o minério e o solo na ótica do princípio do usuário-pagador.
A CFEM, a participação nos resultados da lavra e o recebimento de renda
pela ocupação também devem ser analisadas à luz do princípio do usuário-pagador,
previsto na Lei nº 6.938/81, que reza:
Art. 4º. A Política Nacional do Meio Ambiente visará: [...] VII – à imposição,
ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os
danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de
recursos ambientais com fins econômicos. [...] (grifo nosso)
Trata-se da remuneração devida por aquele que aproveita os recursos
naturais como insumo ao seu empreendimento, tal como o são o minério e o solo,
que, por possuírem valor de mercado, integram o sistema produtivo dos mineradores
visando a obtenção de lucro.
105
Caso não sejam contabilizados como custo de produção geram efeitos ou
externalidades negativas para sociedade, pois a coletividade é quem arcará com os
ônus socioambientais e com os resultados da apropriação de bens ambientais que
compõe o patrimônio público sem qualquer contraprestação do empreendedor.
Essas externalidades, também chamadas de custos sociais, como leciona
Derani (2008) pautada nas teorias econômicas de Pigou e Coase, devem se
submeter a correções através da internalização nos custos de produção dos
recursos naturais utilizados para o desenvolvimento da atividade econômica, sem os
quais esta seria inviável. Isso não se trata de pagar para ter o direito de poluir
(pagador-poluidor), mas sim de pagar pelo uso de determinados bens ambientais.
Trata-se, por conseguinte, de uma retribuição financeira que deve ser feita
pela utilização do bem ambiental133, que é comum a todos, necessário ao equilíbrio
ecossistêmico e a qualidade de vida, sob pena da sociedade, presente e futura, que
é a titular do direito difuso, responder por tais ônus em detrimento da privatização
dos ganhos econômicos do capital134.
Ademais, serve o princípio do usuário-pagador como mecanismo de gestão
e otimização do aproveitamento dos recursos naturais, objetivando reduzir
desperdícios maculados pela falsa ideia de abundância infinita e de alta capacidade
de resiliência.
Nesse sentido, explica Bechara (2009, pp. 190-191) que:
―Assim o é porque muitos recursos ambientais, como a água e os minerais,
apesar de serem difusos (o próprio art. 225 da CF é categórico em afirmar
que os bens ambientais são de uso comum do povo), sob a administração
do Poder Público, são, por vezes, apropriados individualmente por pessoas
e empresas, tanto para usos privados como para usos
comerciais/industriais‖.
Por isso, Benjamin (1998, p. 19) afirma que o princípio em estudo busca
evitar uma espécie de subsídio, pois:
133
Para Alier (2009, p. 54) as tentativas de precificação do bem ambiental sempre ficarão aquém da capacidade plena de obter
os verdadeiros custos visando a internalização das externalidades negativas, pois estas alcançam as gerações futuras,
ocorrendo, desta forma, uma assimetria temporal entre custos e rendas obtidas, quer dizer: ―[...] os lucros estão no presente e
os custos localizam-se no futuro, como seria o caso, por exemplo, dos custos da não-disponibilidade futura da exploração da
madeira, pesca, pastos ou recursos minerais.‖
No âmbito jurídico, há o chamado danos marginais, no qual a Ministra Eliana Calmon nos autos do REsp 904.324, destacou no
seu voto que deve-se considerar em termos de responsabilização pelo dano a sua repercussão no tempo necessários à
recuperação, visto que este período representa uma perda irreparável. 134
Para Yoshida (2006) a CFEM é a contraprestação paga pelo minerador em virtude da utilização dos recursos minerais, assumindo, assim a sua natureza compensatória em relação à comunidade direta ou indiretamente afetada pela atividade econômica.
106
―[...] se o recurso é coletivo e uns poucos o estão utilizando sem
qualquer compensação pelo seu esgotamento ou uso, então a conta
está sendo coberta pelo público em geral.‖
É o caso da atividade minerária que através da CFEM remunera o Estado,
enquanto gestor do patrimônio público, pelo uso de um bem comum a todos que é o
minério.
Como visto, nas abordagens tributária, minerária e ambiental sobre a CFEM
nada é ventilado sobre a propriedade do solo, do proprietário deste ou da sua
participação. Ao ser estudada a atividade, contemplam-se os reflexos jurídicos e
econômicos da exploração do bem minerário em si, independentemente de quem
seja o proprietário do solo. O que reforça a observação de Scaff (2009) ao norte
exposta.
Nesse sentido, explica Oliveira (2003, p. 182) que a participação do
proprietário do solo nos resultados da lavra é um direito resultante de duas situações
simultâneas: ―a lavra de uma jazida e o fato de esta jazida estar encravada em solo
de propriedade que não do concessionário da lavra‖.
Como o presente estudo tem vinculação direta com a propriedade do solo, é
pertinente lembrar que as terras brasileiras têm origem no domínio público,
dependendo de um processo próprio de aquisição com vistas a constituir
propriedade privada. Caso isso não ocorra, tais bens continuam a compor o
patrimônio público do Estado, que deve tutelá-lo em favor da sociedade, conforme
dissertado no Capítulo 3 deste trabalho.
Portanto, se o imóvel possui algum vício na sua origem, ou seja, não foi
destacado regularmente do acervo patrimonial do Estado em favor de um privado,
seja ele individual ou coletivo, o mesmo continua sob domínio público e, como tal,
pertencente à sociedade que, na qualidade de proprietária do solo é a titular do
direito da percepção dos resultados da lavra e de rendas pela ocupação através do
ente político responsável pela gestão do bem imóvel objeto de exploração135, com
fundamento no art. 176, da CF/88, e no art. 11, ―b‖, do Código Minerário.
Ainda no prisma ambiental, Marchesan et. al. (2008, p. 16) asseveram que:
―[...] o meio ambiente é um ‗macrobem‘ jurídico, incorpóreo, inapropriável,
indisponível e indivisível, cuja qualidade deve ser mantida íntegra a fim de propiciar
135
Na mesma ótica de Yoshida (2006), MIRRA (1994, p.8) pugna: ―O Estado, em matéria ambiental, atua como simples administrador de um bem que pertence à coletividade e não como proprietário desse bem‖
107
a fruição coletiva.‖ Apesar disso, tais elementos corpóreos do meio ambiente, ou
seja, os microbens ambientais podem ser apropriados conforme limitações e critérios
estabelecidos em lei, como ocorrem com o minério, florestas, petróleo e o solo.
É cediço que o solo pode ser objeto de uso tanto pelo poder público quanto
por particulares, ajustando-se ao mesmo tempo como uma fonte de receita e ao
conceito de bem ambiental, considerando a sua relevante função ecossistêmica,
seja por si, seja pela referência que assume perante aos demais bens ambientais
que nele aderem ou interagem para que se desenvolvam e gerem o equilíbrio do
sistema.
Krieger et. al. (2008, p. 307) definem o termo solo como:
―Porção da superfície terrestre formada pela transformação e acumulação
de materiais provenientes da desintegração das rochas, decomposição da
matéria orgânica, interações com organismos vivos, sob ação de fatores
climáticos como vento, chuva, temperatura e umidade‖.
Milaré (2009, p. 237) explica que: ―Na visão da Ecologia, o solo, por assim
dizer, tem a sua ‗vida própria‘, além de dar suporte aos biomas e a ecossistemas
peculiares [...].‖ E, continua o doutrinador a lecionar que: ―[...] o solo é o suporte
global da flora e da fauna e, obviamente, da espécie humana que, no cotidiano, está
presa a ele para viver e reproduzir.‖
Destarte, o solo enquanto recurso natural e/ou espaço social (LEMOS,
2008a, p. 29), também pode permanecer sob a gestão pública ou ser objeto de
transferência em favor do particular, desde que obedecidas as normas jurídicas
aplicáveis à espécie136, no caso, as de regularização fundiária, para que se constitua
em domínio privado e, assim, faça jus na qualidade de proprietário do solo às
remunerações minerárias em estudo.
Consequentemente, enquanto não houver a transferência legal ao domínio
privado, obviamente, o imóvel continua sob domínio público e submetido à gestão
dos entes políticos em nome da coletividade, mesmo que a ele não tenha sido dado
destinação específica.
136
Explica Lemos (2008b, pp. 99-100) que: ―Os recursos ambientais podem estar sujeitos tanto ao regime jurídico de direito público, pertencente a um Ente público, quanto ao regime jurídico de direito privado, pertencendo ao indivíduo. [...] Com isso, os particulares podem se apropriar, para fins econômicos, de determinados elementos corpóreos que compõem o meio ambiente, desde que obedeçam aos limites e critérios da lei e desde que essa apropriação não gere a apropriação individual do meio ambiente como bem imaterial.‖ Contudo, essa privatização não desonera o particular de cumprir a função socioambiental do bem em virtude da responsabilidade pela sua gestão de forma sustentável e sadia para as presentes e gerações futuras.
108
Neste ponto, partindo-se do ensinamento de Scaff (2014), um terreno de
domínio público também integra o patrimônio público de determinado ente político,
podendo gerar receita pública com a sua exploração econômica ou atender a outra
finalidade de interesse público, como o caso de assentamentos para a reforma
agrária e unidades de conservação da natureza.
Trata-se do mesmo raciocínio lógico-jurídico resultante do princípio do
usuário-pagador que já é aplicado aos recursos minerário e a outros bens
ambientais, tais como: a) florestas: a Lei nº 11.284/2006 trata a gestão de florestas
públicas para produção sustentável, da concessão e do preço a ser pago pela sua
apropriação por particulares; b) recursos hídricos: a Lei 9.433/97 instituiu a política
nacional de recursos hídricos e estabelece a cobrança do seu uso das atividades
sujeitas a outorga.
Dessa forma, quando há interesse minerário sobre área da superfície de
propriedade de uma entidade pública, não haveria motivos para deixar de aplicar a
participação do proprietário do solo nos resultados da lavra, posto que há dualidade
imobiliária e esta é a solução disponibilizada pelo legislador não apenas em
substituição do direito de preferência do proprietário do solo, mas também é a
prevalência da mineração pelo uso do solo em relação a outras atividades que
disputam o mesmo espaço.
5.3 A SUPERAÇÃO DO PARECER Nº 461/2010/HP/PROGE/DNPM E O DIREITO
DE PARTICIPAÇÃO DO PROPRIETÁRIO NOS RESULTADOS DA LAVRA E DE
RENDAS PROVENIENTES DO USO DE ÁREAS DE DOMÍNIO PÚBLICO.
Diante dos fundamentos jurídicos apresentados, não há como prosperar os
argumentos defendidos no Parecer nº 461/2010/HP/PROGE/DNPM exarado nos
autos do Processo Administrativo nº 484400-001188, para excluir dos entes
públicos, ou melhor, a sociedade da participação e de recebimento de rendas pela
ocupação na fase de lavra.
Os apontamentos abaixo expostos resumem os fundamentos para
exigibilidade desses direitos.
109
a) inexistência de distinção de tratamento constitucional: a Constituição
Federal em nenhum momento faz distinção se a propriedade do solo dever ser
exclusivamente privada para fazer jus aos direitos em estudo;
b) a existência de autonomia entre os bens imobiliários integrantes do
patrimônio público: não há dúvidas sobre a autonomia física, jurídica e econômica
dos bens ambientais que integram o patrimônio público. Isso se torna incontroverso
com a própria defesa da doutrina minerária sobre a dupla propriedade
caracterizadora da atividade extrativa. Freire (2010b, p. 69) demonstra isso ao
asseverar que:
―O domínio dos recursos minerais não se confunde nem quando a União
tiver a propriedade da superfície. Ainda que a União seja proprietária da
superfície isso não interferirá no domínio e no regime jurídico de
utilização das riquezas minerais.‖ (grifo nosso)
Por conseguinte, deve-se também respeitar a autonomia financeira e a
capacidade de geração de receita pública tanto do solo quanto do subsolo.
Nesse sentir, não há como admitir juridicamente que três obrigações legais
(CFEM, participação nos resultados da lavra e renda pela ocupação) cada uma com
os seus próprios e inconfundíveis fatos geradores, sejam unificadas sob uma única
rubrica de pagamento, a da CFEM, que, conforme demonstrado por diversos
ângulos, tem como fundamento o uso do recurso minerário e não o uso da
propriedade do solo.
b) análise estática dos institutos: interpretar os institutos em estudo
exclusivamente sob a ótica histórica é desconsiderar as futuras repercussões
jurídicas e econômicas no contexto de uma sociedade na qual se consolida a
democrática participativa (HABERMAS, 2012).
É certo que na época da Constituição de 1934 a 1937, os regimes ditatoriais
privilegiavam os senhores detentores de capital e de terras. O pensamento no
coletivo não tinha guarida. Contudo, com o advento da Constituição de 1988 houve
um verdadeiro giro em prol da cidadania e da defesa do interesse público.
Com efeito, os institutos e categorias jurídicas devem estar em constante
releitura considerando a intensa dinâmica social vivida. Isso não implica a mudança
da essência concebida pelo legislador originário e o seu contemporâneo aplicador
do direito, mas sim ampliados para também reconhecer direitos latentes de pessoas
110
ou grupos sociais que, embora se amoldassem ao fato previsto na norma, não
receberam a merecedora tutela jurídica.
Na era dos Direitos Humanos de 3ª Dimensão no qual se prima pela garantia
de interesses coletivos inspirados na solidariedade humana, qualquer análise do
direito deve extrapolar a ótica restritiva pautada no individualismo.
O caso do parecer em estudo é um exemplo típico, posto que defende a
propriedade privada individual como única merecedora do recebimento da
participação nos resultados da lavra e de rendas pela ocupação, pois, em especial
àquela, serviu para substituir o antigo direito de preferência.
Contudo, a doutrina minerária deixou de considerar que houve, na verdade,
não uma substituição de direitos, mas, sobretudo, o reconhecimento da prevalência
da atividade minerária sobre qualquer outra, particular ou pública, que concorresse
pela mesma área da superfície. Entendimento que encontra arrimo no próprio papel
da mineração no contexto político-econômico do Brasil naquela época.
Em uma percepção atual a lógica continua a mesma, posto que o interesse
minerário pode sucumbir o interesse de um indivíduo e até de uma coletividade
sobre determinada superfície. Isto é, a destinação pensada pelo proprietário ou
ocupante do solo é preterida por aquela planejada pela mineração. Essa mudança
de finalidade da área, seja ela pública, seja ela privada, enseja no dever legal do
minerador de remunerar pelo seu uso diverso às pretensões do seu proprietário ou
ocupante.
Ademais, também não pode mais prosperar a concepção militarista de não
valorização de bens públicos que orbitam em volta do recurso mineral que resulta no
desperdício de recursos naturais.
Lembra-se que dentro da proposta de viabilizar e desonerar a qualquer custo
a atividade econômica minerária, importou em sacrifícios patrimoniais com a
exploração de outros recursos naturais, como o solo, a água e a floresta, sem
qualquer contraprestação pecuniária e sem que a sociedade fosse convidada a
deliberar nesse sentido.
c) a restrição a direitos não se presume: ao contrário do que afirma o
parecer, o Código Minerário quando distingue o tratamento dispensado às áreas
públicas o faz de forma expressa, como assentado no art. 11, V, que versa sobre a
dispensa de pagamento de renda pela ocupação de áreas públicas úteis à pesquisa
111
mineral. Aliás, como já ressaltado, trata-se da única previsão que traz uma distintiva
sobre a titularidade imobiliária.
Consequentemente, inexistindo disposição em contrário, são devidos os
direitos remuneratórios pelo uso do bem público representado pelo imóvel objeto de
lavra ou de servidão minerária sob pena de locupletamento indevido do minerador.
d) violação do princípio da igualdade: admitir a prevalência da tese
contida no Parecer nº 461/2010/HP/PROGE/DNPM, importa na quebra de isonomia
entre proprietários privados e a sociedade enquanto proprietária dos imóveis
públicos, visto que em relação a esta não há contraprestação pecuniária, inclusive
na fase de pesquisa, quando é dispensado de pagamento pela renda, como defende
Remédio Júnior (2012).
Então, na ótica do DNPM e do minerador, sendo o imóvel privado, o seu
proprietário é credor dos direitos remuneratórios devidos pelo empreendedor pelo
uso do solo. Do contrário, sendo o solo de propriedade pública, nada é devido pelo
seu uso, deixando a sociedade de receber quaisquer valores a título da sua
exploração pela ocupação em favor da mineração.
Contudo, não há dúvidas que a legislação não exime o minerador de pagar a
participação nos resultados da lavra e a renda quando o imóvel ainda está sob
domínio público, afinal a área tem sim um proprietário que é a sociedade, devendo
os órgãos gestores de terras públicas realizarem os levantamentos das áreas
mineradas, verificando se são públicas ou privadas; e, uma vez públicas exercer o
direito sob pena de renunciar receita e praticar ato de improbidade administrativa.
e) inocorrência de exação ou obstáculos ao empreendimento: o
pagamento desses direitos de forma alguma pode ser considerado como um fator de
oneração do empreendimento minerário ao ponto de inviabilizá-lo por três razões:
A uma, como visto há previsão legal que assegura o direito ao proprietário
do solo, ainda que seja o poder público o titular do domínio, e a imposição desse
dever ao minerador.
A duas, caso o imóvel fosse privado, seria arcado pelo minerador o custo da
participação nos resultados da lavra e de rendas pela ocupação. Afinal, pelo próprio
pressuposto da rigidez locacional defendido pela doutrina minerária tradicional, o
minerador não tem a liberdade de escolher o local e nem se o imóvel objeto de lavra
é público ou privado.
112
A três, a sociedade não pode abrir mão de um direito em razão da ineficácia
das políticas de regularização fundiária, do qual o minerador aproveita-se da
fragilidade do sistema para – conscientemente ou não – não efetuar o pagamento.
Outrossim, possibilitar o uso de bens públicos imobiliários por particulares
sem a devida contraprestação pela mineração ou outra atividade econômica é deixar
de internalizar os custos provocando a maximização dos lucros, distorção nos
preços dos bens de consumo produzidos e a socialização dos prejuízos ocasionados
pela privatização de área de domínio público.
Mas no posicionamento do DNPM isso é possível, o que garante à
mineração a concessão de mais um subsídio de forma apócrifa, sem qualquer
amparo legal que autorize essa isenção.
Aqui é importante trazer novamente ao debate o caso do art. 27, V, do
Código Minerário, que serve de exemplo de incentivo legalmente concedido à
atividade minerária. Isso porque ao isentar o pagamento de renda pela ocupação de
terrenos públicos, demonstra-se o interesse em estimular a pesquisa mineral, pois
tem ciência dos elevados investimentos do prospector, que na maioria das vezes
não vê o produto do seu trabalho transformado em lavra.
Assim, é legalmente possível colaborar com a arriscada empreitada através
da não cobrança da renda nesta fase, o que já não se admite quando da operação
da mina, em virtude da demonstração da sua viabilidade econômica e a geração de
riquezas.
Do exposto, fica evidente que existem razões jurídicas suficientes e
legítimas para o exercício do direito dos entes políticos de receber do minerador a
participação dos resultados da lavra e as rendas pela ocupação de áreas destinadas
à instalação de servidos coincidentes em terrenos de domínio público.
Vencida essa controvérsia, resta analisar o direito de recebimento em suas
várias vertentes diante da complexidade fundiária encontrada no solo paraense.
CAPÍTULO 6 – A RENDA PELO USO DO SOLO, A PARTICIPAÇÃO NOS
RESULTADOS DA LAVRA E O NOVO MARCO REGULATÓRIO DA MINERAÇÃO.
6.1 A IDENTIDADE DO PROPRIETÁRIO DO SOLO PARTICULAR E A ATUAL
IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DE ATIVIDADES
MINERÁRIAS.
Antes do estudo sobre a propriedade do solo público, é relevante analisar o
procedimento de identificação do proprietário do solo particular considerando o
polêmico ambiente imobiliário na Amazônia e seus efeitos.
Para tanto, parte-se do pressuposto da separação da propriedade do solo da
propriedade minerária prevista no art. 176, da CF/88, bem como nos arts. 1229 e
1230 do Código Civil. Dessa maneira, a constatação de conteúdo econômico sobre
os recursos minerais provoca a distinção entre os bens imóveis (solo e subsolo)
caracterizando a dualidade imobiliária.
Neste caso, a propriedade superficiária confunde-se com a propriedade
fundiária ou imobiliária, fazendo com que o registro de imóveis se constitua no
instrumento jurídico adequado para identificar o proprietário-beneficiário do direito de
receber a participação nos resultados da lavra.
Nesse sentido, orienta Moraes (2000, p. 98) que, sendo inquestionável que o
minerador é o titular da obrigação de pagar a participação, indica que o credor nessa
relação jurídica será ―[...] o titular do domínio sobre a propriedade superficial, ou
seja, aquele cujo título esteja devidamente transcrito no Registro de Imóveis.‖
(grifo nosso)
Pellegrino (2012) reforça esse entendimento ao afirmar que, no caso de
transferência da propriedade imobiliária, o adquirente do bem passará a ser o titular
do direito de participação. Dessa forma, resta demonstrada a vinculação do direito
de participação àquele que consta no registro de imóveis, ou seja, ao titular da
propriedade registrária.
Ocorre que na Amazônia essa constatação torna-se mais desafiadora
considerando todo histórico e formas de apropriação de terras as quais uma
consulta ao registro imobiliário demonstra-se insuficiente e pouco digna de
confiança.
114
No curso das pesquisas feitas para elaboração do presente trabalho, pode-
se assim resumir a atuação dos órgãos públicos licenciadores da atividade e do
minerador.
No que tange aos agentes públicos licenciadores, constatou-se que a
SEMA-PA137, IBAMA e o DNPM não adotam medidas necessárias para identificação
do titular da propriedade do solo.
Malgrado a ciência da complexa estrutura fundiária do Pará que enseja na
presunção de mineração em terras públicas, as aludidas entidades não solicitam a
análise dos órgãos fundiários, como INCRA e ITERPA, acerca da legalidade da
titulação, da análise da cadeia sucessória e da existência de correspondência entre
a área titulada e a área de lavra nos processos de licenciamento de atividades de
mineração.
O mais estarrecedor é que mesmo quando induvidosa a exploração mineral
em superfície pública, por exemplo, como ocorre em áreas federais destinadas a
assentamentos rurais para reforma agrária, a autarquia de terras competente
(INCRA) limita-se a outorgar a chamada ―autorização/anuência de uso e ocupação
do solo‖ ou documento equivalente, sem implementar nenhuma espécie de cobrança
da renda e da participação em virtude do bloqueio promovido pelo teor do Parecer
461/2010/HP/PROGE/DNPM.
O minerador, por sua vez, adota como regra a política de priorização de
aquisição das ocupações do superficiário para tirá-los das áreas de interesse.
Assim, aquecem o mercado de terras, em especial a partir da aprovação do relatório
de pesquisa mineral pelo DNPM, quando passam a transacionar todas as áreas do
seu interesse, inclusive em espaços territoriais onde é legalmente vedada tais
negociações.
Nesta primeira fase, portanto, para o minerador não importa a situação
jurídica do solo, se público ou privado, mas sim a garantia da sua ocupação efetiva
através de contratos privados ou escrituras públicas de promessa de compra e
venda.
Dessa forma, pagam aos ocupantes como se legítimos proprietários fossem.
Nessa estratégia visam proteger os direitos minerários, reduzir potenciais conflitos, e
não pagar rendas pela ocupação e participação nos resultados da lavra138.
137
Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Pará.
115
Com efeito, a confirmação da regularidade fundiária do imóvel é feita sempre
a posteriori, assumindo, assim, os riscos inerentes de atitudes desse jaez, entre as
quais de não poder obter para si a propriedade imobiliária por ausência previsão
legal para regularização fundiária de atividades não-agrárias.
O problema é que enquanto não é feita essa definição por total falta de
interesse dos poderes públicos e dos mineradores, assume-se constantemente o
risco de utilização de patrimônio público sem a devida remuneração.
Constata-se mais uma forma de lesar o interesse público resultante da
desordem fundiária e a apropriação irregular de terras públicas que, por força da
falta de diligência dos órgãos envolvidos no licenciamento das atividades minerárias,
causam o enriquecimento injusto em favor do minerador que não internaliza esses
custos em detrimento do prejuízo econômico da sociedade.
O entendimento desta dinâmica do comércio de terras demonstra que é
economicamente justificável essa prática que, enquanto os agentes e órgãos
públicos não atentarem nesse sentido, perpetuar-se-á a não remuneração de bens
públicos utilizados pela atividade econômica.
Por isso, demonstra-se imprescindível a participação de entidades públicas
como o INCRA e o ITERPA no processo de licenciamento ambiental e minerário,
para que, diante da latejante crise do sistema fundiária do Estado do Pará,
confirmem aos demais órgãos licenciadores da atividade o status jurídico do imóvel
objeto de uso e ocupação pela mineração.
Conseguintemente, uma vez que é de interesse público, sugere-se que o
órgão ambiental competente e o DNPM, quando no bojo dos processos de
licenciamento minerário e ambiental adotem as cautelas que hoje são tomadas pela
SEMA-PA nos projetos de manejo florestal sustentável, a fim de evitar a exploração
de recursos florestais sob o regime privado em áreas do Estado do Pará ou da
União, ou seja, em áreas não tituladas em favor de particulares.
Certo será que, quando adotados procedimentos de verificação perante os
órgãos fundiários, confirmar-se-ão inúmeros vícios nos processos de titulação e/ou
nos registros imobiliários, o que poderá levar a duas constatações: a) de que a terra
ainda é pública; e, b) que há uso de terra pública apropriada irregularmente e sem
as devidas remunerações legais.
138
Assim, mesmo não tendo interesse prioritário na aquisição de áreas, o minerador vê como uma opção benéfica para elidir tensões sociais no campo e desenvolver sua atividade econômica pacificamente, conforme afirma Athias (2009).
116
É fato também que há incontroverso desaparelhamento do Estado para
enfrentar a questão e propor regulamentações no sentido de solucionar o problema
da segurança jurídica a todos os atores sociais envolvidos.
O exemplo repousa nas legislações federal e estadual que não contemplam
especificamente a regularização fundiária para as atividades de mineração,
demonstrando que o legislador ainda está alheio à realidade da mineração na
Amazônia.
Do outro lado, o minerador não esboça interesse contundente no sentido de
confirmar esta dominialidade, apenas se motivando quando exigido por
financiadores o reestabelecimento da matrícula imobiliária bloqueada/cancelada.
Enquanto isso, logicamente, não efetua o pagamento de renda e da participação.
Essa situação é demonstrada ao comparar o número de registros de
mineradoras no Cadastro Estadual de Controle, Acompanhamento e Fiscalização
das Atividades de Pesquisa, Lavra, Exploração e Aproveitamento de Recursos
Minerários (CERM-PA)139 e o quantitativo de pedidos submetidos à análise do órgão
fundiário estadual (ITERPA) por questões voluntárias ou judiciais140.
Nº de Registros - CERM
Nº de Processos - ITERPA
Nº de Mineradoras
Natureza das Demandas Nº de
Processos por Tema
% Nº de processos com respostas
conclusivas
284141 26 5
Solicitação de informação da SEMA-PA (licenciam.
ambiental) 3 11,53 1
Instituição de Servidão Mineral
6 23,07 0
Informação sobre a regularidade fundiária
2 7,69 0
Informação sobre a regularidade fundiária para desbloqueio de matrícula
imobiliária
6 23,07 0
Pedido de regularização fundiária (alienação de
terras) 3 11,53 2
Conflito fundiário – Reintegração de Posse
6 23,07 1
Tabela 7 – Relação do Número de Cadastros de Atividades Minerárias no CERM-PA x Número de Processos de
Consulta Fundiária de Mineradoras no ITERPA por Assunto. Fonte: SEICOM (2014); ITERPA (2014).
139
A Lei Estadual 7.591, de 28.12.2011, que instituiu a Taxa de Controle, Acompanhamento e Fiscalização das Atividades de Pesquisa, Lavra, Exploração e Aproveitamento de Recursos Minerários (TFRM) e o Cadastro Estadual de Controle, Acompanhamento e Fiscalização das Atividades de Pesquisa, Lavra, Exploração e Aproveitamento de Recursos Minerários (CERM). 140
O critério para seleção dos processos analisados foi a identidade dos requerentes enquanto mineradores,
independentemente se a questão envolve matéria administrativa com a simples consulta ao órgão fundiário ou litígios judiciais.
Diante disso, é factível que estejam em trâmite outros pedidos de informação sobre títulos de terras e a situação da
regularidade fundiária de áreas de interesse minerário, contudo, a forma como são feitas as solicitações não permitem associá-
los diretamente à mineração. Outrossim, para pesquisa foram utilizados como ferramentas o sistema de consulta processual do
ITERPA disponível no seu site oficial e o manejo dos processos físicos. 141
Segundo a SEICOM-PA, esses números ainda não demonstram a realidade. Ademais, nesse cadastro constam grandes, médias e pequenas mineradoras; pequenas empresas de extração; pessoas físicas detentoras de títulos minerários sem produção; garimpos; empresas de pesquisa mineral atuantes e apenas com requerimento; e, atividades de uso temporário como a terraplanagem.
117
O cruzamento das informações permite verificar o grande número de
empreendimentos minerários no CERM-PA. Por outro lado, mesmo diante da
complexidade fundiária do Estado do Pará, demonstra-se que o número de pedidos
de informações sobre a situação imobiliária das áreas é muito baixo, quase
insignificante.
Extrai-se, ainda, que nenhum deles tem por escopo o pagamento de
participação nos resultados da lavra, tampouco a diligência para identificação dos
prováveis proprietários das áreas para que, mesmo imperando a dúvida, pudesse
adotar a medida cabível à espécie através da propositura de ação de consignação
em pagamento142. O que leva a três conclusões:
A uma, conforme antes já posicionado, as mineradoras priorizam garantir a
compra da ocupação do imóvel independentemente da sua regularidade fundiária,
como forma de assegurar as áreas úteis à exploração das riquezas minerais.
Nesse espírito, assumem os riscos de adquirir imóveis com vícios de
legalidade, colocando a sua regularização para momento posterior e se isso for
demandado por órgãos de créditos ou investidores e/ou entendido como necessário
para defesa contra iminentes conflitos em relação a terceiros.
A dois, a hipersuficiência econômica da atividade não autoriza a utilização
de justificativa de não conhecer a grande probabilidade de ocorrência de vícios
imobiliários, que alegam somente descobri-los após a sua aquisição.
A três, a inércia do minerador e dos demais órgãos licenciadores da
atividade tem como fundamento o Parecer nº 461/2010/HP/PROGE/DNPM.
Consequentemente, não há atuação de ofício dos órgãos públicos fundiários sobre a
gestão física e financeira do uso de bens imóveis pela mineração, bem como mesmo
diante de tamanhas dúvidas o empreendedor não se dispõe em atuar com justeza,
visto que pagar tais valores significa redução dos seus ganhos.
Portanto, essa inação é intencional e provoca efeitos já bastantes
conhecidos quando não se busca realizar uma análise imobiliária adequada, ficando
o patrimônio público sujeito as vicissitudes daqueles que adquiram áreas de forma
irregular independentemente de boa-fé ou não. Fenômeno latejante no Pará.
142
Orienta Pellegrino (2012) que o minerador deverá propor Ação de Consignação em Pagamento nas seguintes hipóteses: a)
existir dúvida em relação à titularidade do proprietário do solo; b) quando o proprietário do solo estiver em local incerto e não
sabido; e, c) recusa do proprietário do solo em receber a quantia.
118
Notadamente, aquele que se apresente como ―proprietário-vendedor‖ e o
minerador-adquirente de área constituída de matrícula imobiliária143 inquinada de
vícios insanáveis na sua gênese locupletam-se indevidamente – ou mesmo
ilicitamente – às custas da apropriação irregular de terras públicas, o que poderá
provocar diversos danos ao erário e, consequentemente, à sociedade, proprietária
desse patrimônio.
Em outras palavras, a partir dos dados iniciais do CERM-PA, do ITERPA e
da Comissão Permanente de Monitoramento, Estudo e Assessoramento das
Questões Ligadas à Grilagem (Portaria nº 0271/2007-GP/TJE-PA), conclui-se que
muito está se utilizando do solo público paraense e nada é recolhido a título de
renda pela ocupação e de participação nos resultados da lavra.
6.1.1 A inaplicabilidade das leis fundiárias estadual e federal vigentes para
regularização imobiliária da propriedade do solo para fins de mineração.
No contexto amazônico são imprescindíveis as seguintes providências
visando confirmar se o imóvel está sob o domínio privado:
a) análise da cadeia dominial: para extrair das informações cartoriais todas
as sucessões de domínio ocorridas, objetivando identificar se obedecem uma
sequência lógica e o documento que dá origem ao registro imobiliário tem
idoneidade para transferir o domínio do patrimônio público para o privado (v.g. título
definitivo de compra e venda de terras; carta de sesmaria concedida e confirmada;
título de doação; título de legitimação de posse; e, outros);
b) confirmação da expedição do título identificado perante o órgão
fundiário: não obstante a presunção juris tantum atribuída ao registro imobiliário, ad
cautelam, faz-se mister pesquisar e confirmar se o título de origem identificado na
cadeia imobiliária foi efetiva e regularmente expedido pelo poder público
competente;
c) confirmação da correspondência entre a área titulada e a área
ocupada: em razão das diversas mazelas produzidas pela falta de estrutura e de
143
Pellegrino (2012) destaca a relevância registral considerando aquilo que trata o art. 12 do Código de Mineração, que impossibilita a transferência ou caucionamento da participação separadamente do imóvel, salvo se inscrito no Registro de Imóveis para que produza os seus efeitos contra terceiros (erga omnis). Inclusive, a leitura do dispositivo denota que a PPRL é um direito do proprietário que somente pode ser renunciado com a respectiva averbação no registro de imóveis. Situação que comprova a vinculação da PPRL, à propriedade do solo e à propriedade registrária.
119
dados técnicos suficientes dos órgãos de terras, irregularidades em processos
administrativos de titulação de terras públicas e o descontrole cartorial, torna-se
necessário verificar se o imóvel ocupado e com uma cadeia imobiliária sucessória
aparentemente legal corresponde à área efetivamente titulada pelo poder público,
cuja discrepância tolerável entre eles fica à mercê de justificativa técnica subjetiva
de quem analisa o caso;
d) confirmar se a área de interesse não incide em territórios destinados
a fins socioambientais específicos: ou seja, aqueles que merecem um tratamento
especializado em relação à regularização fundiária considerando os interesses
coletivos que visam proteger, tais como assentamentos rurais e agroextrativistas,
unidades de conservação, territórios indígenas, quilombolas e populações
tradicionais.
Assim, vencido o procedimento acima no qual não se confirmou a
dominialidade privada e nem há disputa por áreas de especial proteção, por
exclusão, o imóvel público está, em tese, disponível para aplicação de outras
atividades econômicas entre as quais a mineração.
Contudo, o segmento mineral, assim como qualquer outro que não se
enquadra no conceito de atividade agrária, por exemplo portos, indústria e energia,
não está amparado pelas legislações fundiárias vigentes para disciplinar a
disposição desses bens à iniciativa privada.
Tanto a Lei nº 11.952/2009, que versa sobre a regularização fundiária das
ocupações incidentes em terras situadas em áreas da União no âmbito da Amazônia
Legal, quanto a Lei Estadual 7.289/2009, que trata sobre a disposição de terras
públicas pertencentes ao Estado do Pará, têm como escopo atender os praticantes
de atividade agrícola e os seus imóveis rurais, que é legalmente estão definidos no
art. 4º, I, da Lei nº 4.504/64 (Estatuto da Terra) como:
―[...] o prédio rústico, de área contínua qualquer que seja a sua localização que se destine à exploração agrícola, pecuária ou agro-industrial, quer através de planos públicos de valorização, quer através de iniciativa privada‖.
O quadro abaixo resume os objetos e pessoas destinatários das normas
citadas normas, bem como os requisitos mínimos para tanto.
120
Tabela 8 – Quadro resumo comparativo entre as legislações federal e estadual de regularização fundiária.
Fonte: Ramos (2014).
Hironaka (1997, p. 30) define como atividade agrária aquela:
―[...] empreendida profissionalmente pelo trabalhador agrário, no sentido de
produção econômica, a responsável pela caracterização da propriedade –
na qual se desenvolve – como agrária. Este critério é defendido pela melhor
doutrina e pela legislação brasileira que, no inciso I do art. 4º da Lei 4.504,
de 30 de novembro de 1964, o Estatuto da Terra, definiu imóvel rural como
‗... o prédio rústico, de uma área contínua, qualquer que seja a sua
localização, que se destine à exploração agrícola, pecuária ou
agroindustrial, quer através de planos públicos de valorização, quer através
de iniciativa privada‘‖.
Já Rocha et al. (2010, pp. 30-31) apresentam as principais atividades
produtivas agrárias. São elas:
1. Agricultura (ou lavoura): atividade que se destina a extrair do solo os
frutos desejados: a) lavoura temporária: para obter frutos pretendidos é
necessário refazer constantemente o plantio: arroz, feijão, mandioca, milho,
ALIENAÇÃO
Lei nº 11.952/2009 Lei Estadual nº 7.289/2009
Órgão
Responsável Programa Terra Legal ITERPA
Áreas passíveis
de regularização
Arrecadadas e matriculadas em nome
da União Arrecadadas e matriculadas em nome do
Estado do Pará Localizadas fora de áreas de UC‘s,
AM‘s, TEQ‘s e PA‘s
Destinação da
área Atividades agrárias Atividades agrárias
Tamanho da
área Máximo de 15 módulos rurais ou
1.500ha
Máx. 2.500ha
Até 1.500 ha – ITERPA
Acima de 1.500ha – Autorização Assembleia Legislativa
Requisitos
1. Pessoa Física Pessoa Física e Jurídica
2. Morada habitual e cultura efetiva Morada habitual e cultura efetiva
3. Uso e ocupação do solo por atividade
agrária
Uso e ocupação do solo por atividade
agrária
4. Demarcação por georreferenciamento Demarcação por georreferenciamento
5. Prazo mínimo estabelecido por lei –
ocupação anterior a 1º.12.2004
Prazo mínimo estabelecido por lei – 5
anos ocupação efetiva
6.
Apenas 1 imóvel por pessoa física
Não ser proprietário de outro imóvel
rural no Brasil.
Não pode ter sido beneficiário de
programa de reforma agrária e de
regularização fundiária
Possibilidade da regularização de outras
áreas, desde que tenha sido por compra
e não tenha sido beneficiado
anteriormente por doação de terras
públicas.
Licitação Dispensa Inexigibilidade
121
etc. b) hortigranjeira: hortaliças, frutas, verduras, ovos, etc. c) lavoura
permanente: culturas que permitem a colheita periódica dos frutos, sem
necessidade de replantar constantemente, a não ser após longos períodos:
café, cacau, laranja, pimenta do reino, etc.
2. Extrativismo: extração de produtos florestais (borracha, castanha do
Pará, açaí, babaçu); captura de animais (caça e pesca).
3. Pecuária: criação de animais: a) pecuária de pequeno porte: aves
domésticas, abelhas, etc. b) pecuária de médio porte: suínos, caprinos,
ovinos; c) pecuária de grande porte: bovinos, bubalinos, equinos, etc.
4. Agroindústrias: transformação das matérias-primas produzidas pela
agricultura (cana-de-açúcar, beneficiamento de arroz, feijão, farinha de
mandioca, etc.). Parte da doutrina não considera esta atividade como
agrária, mas industrial, sendo, porém, contraditada pela maioria dos autores
e pela própria legislação.
5. Atividades conexas: a) transporte: prestação de serviço. b)
comercialização: venda dos produtos. c) atividades de pesquisa e
experimentação: permitem o melhor aproveitamento do solo e a melhoria da
produtividade.
Dessa forma, percebe-se que na atividade agrária o ponto crucial é o vínculo
entre o homem e a terra baseado no exercício da posse agrária (MATTOS, 1988) ou
a posse agroecológica do imóvel (BENATTI, 2001).
Situação que não guarda qualquer relação com a atividade minerária que,
segundo Serra e Esteves (2012, p. 42), assim a define:
―a mineração é uma atividade industrial básica. [...] ela se situa na origem
de uma cadeia de atividades industriais sucessivamente mais complexas
que adicionam valor às matérias-primas e produtos até a situação em que
possamos utilizá-las de acordo com a nossa conveniência e conforto.‖
Silva (2012, p. 119), por sua vez, traz a seguinte classificação da indústria
mineral:
―A indústria mineral é dividida em dois grandes segmentos: indústria
extrativa e de transformação. A primeira, por sua vez, subdivide-se em:
garimpo, representando a fase artesanal, ou semiartesanal, e mineração,
onde os produtos são extraídos na forma in natura; já a de transformação,
envolvendo a verticalização dos bens produzidos‖.
Contudo, a impossibilidade de enquadramento da mineração como uma
atividade agrária não se configura como único impedimento para regularização
fundiária mediante a Lei nº 11.952/2009 e a Lei Estadual 7.289/2009. Outros
requisitos também não podem ser atendidos como morada habitual e cultura efetiva;
ou em razão do sujeito beneficiado, por exemplo, a norma federal não permite a
regularização fundiária por pessoas jurídicas.
122
Restaria, portanto, aos mineradores submeterem-se ao regime geral de
licitações para compra e venda de bens públicos que são as terras administradas
pelos entes políticos ou suas pessoas jurídicas de direito público com fundamento
no art. 37, XXI144, da CF/88, e no art. 17, alínea ―i‖ da Lei nº 8.666/93145. Situação
que certamente aumenta o risco da atividade, pois ao não dispor de previsões
específicas de dispensa ou inexigibilidade da concorrência, o vencedor da licitação
pode ser pessoa estranha daquele que é titular do direito minerário.
Não obstante, parte dos operadores da legislação fundiária estadual pugnam
que é possível regularizar o imóvel público estadual em favor da atividade minerária
através da Concessão de Direito Real de Uso (CDRU) previsto no art. 2º da Lei
Estadual 7.289/2009, que assim dispõe:
Art. 2º É instituída a concessão de uso de terras públicas estaduais, em caráter individual ou coletivo, remunerada ou gratuita, por tempo certo ou indeterminado, como direito real resolúvel, para fins específicos de industrialização, exploração e cultivo agropecuário da terra, exploração florestal ou outra utilização de interesse social. § 1º A Concessão de direito real de uso só não se aplicará em terras devolutas ou arrecadadas pelo Poder Público Estadual por ações discriminatórias necessárias à proteção dos ecossistemas naturais. [...] § 3º Desde a inscrição da concessão de direito real de uso, o concessionário fruirá plenamente do terreno para os fins estabelecidos no contrato e responderá por todos os encargos civis, administrativos e tributários que venham a incidir sobre o imóvel e suas rendas. § 4º Resolve-se a concessão antes de seu termo, desde que o concessionário dê ao imóvel destinação diversa da estabelecida no contrato, ou descumpra cláusula resolutória do ajuste, perdendo, neste caso, as benfeitorias de qualquer natureza. [...] § 7º A concessão de direito real de uso poderá ser objeto de garantia, desde que com formal anuência do Instituto de Terras do Pará. § 8º A concessão de uso em caráter gratuito somente ocorrerá a favor de comunidades tradicionais ou trabalhadores rurais de baixa renda. (grifo nosso)
Entretanto, a tentativa de estender a interpretação em favor das mineradoras
é polêmica por entenderem outros aplicadores que, por se tratar de regulamentação
144
Art. 37. [...] XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. 145
Art. 17. A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas: [...] i) alienação e concessão de direito real de uso, gratuita ou onerosa, de terras públicas rurais da União na Amazônia Legal onde incidam ocupações até o limite de 15 (quinze) módulos fiscais ou 1.500ha (mil e quinhentos hectares), para fins de regularização fundiária, atendidos os requisitos legais; [...]
123
da aquisição de terras para fins agrários, o mote consistiria em atender a
agroindústria ou outras atividades afins também de interesse social.
O próprio Decreto Estadual nº 2.135/2010 que regulamentou a Lei de Terras
do Pará corrobora ao estabelecer no seu art. 25146 como finalidade do CCDRU a
consecução do interesse social nesse sentido.
Ainda que se admita por hipótese o enquadramento da atividade minerária
nos dispositivos em questão permitindo a regularização mediante CCDRU, a
divergência continua sem solução, posto que é possível que este instrumento
jurídico não atenda as expectativas econômicas e negociais do minerador
considerando que não terá propriedade privada plena do imóvel.
Além disso, a legislação também é incompleta para essa finalidade, à
medida que não estabeleceu os procedimentos e requisitos legais que devem ser
preenchidos pelo minerador para que tenha concedido ao seu favor um CCDRU.
Deveras, ao contrário de forçar entendimentos que dependem do
subjetivismo oscilante de cada administrador público, vulneráveis a impugnações
dos órgãos de fiscalização e controle, a mineração, assim como todas as atividades
produtivas não-agrárias, diante do cenário político-econômico que se desenha para
região, merece receber o tratamento proporcional a sua importância para o Brasil.
Tudo no intuito de garantir segurança jurídica e a viabilização de
investimentos desprotegidos pela mácula da falta de regularização fundiária,
sobretudo para estabilizar a convivência com outros grupos sociais com os quais
manterá uma relação de vizinhança ou mesmo de sobreposição.
Por isso, urge os poderes estadual e federal estabelecerem as regras
jurídicas específicas acerca do acesso às propriedades do solo para exploração
mineral, elidindo, dessa maneira: a possibilidade do empreendedor minerário tornar-
se refém do juízo de valor do administrador público, que pode afrontar aos princípios
da impessoalidade e da legalidade da Administração Pública; e, a judicialização de
demandas para imitir-se ou defender a ocupação das áreas.
146
Art. 25. O ITERPA poderá firmar Contrato de Concessão de Direito Real de Uso de terras públicas estaduais visando à consecução de fins de interesse social, em acordo com os preceitos da Lei nº 7.289/2009. [...] Art. 27. O Contrato de Concessão de Direito Real de Uso será rescindido, com a reversão do uso do bem à Administração Pública, garantido ao interessado o direito ao contraditório e ampla defesa, sem direito à indenização, sempre que, comprovadamente: I - for descumprida qualquer cláusula contratual; II - não forem observadas as legislações ambientais, fiscais, trabalhistas e demais normas de ordem pública; III - ocorrer desvio de finalidade. Parágrafo único. Ocorrendo razão superveniente que, em atendimento ao interesse público, imponha a rescisão antecipada, caberá indenização das benfeitorias úteis e necessárias.
124
6.2 O SPL 37/2011 E A PROPOSTA DE PAGAMENTO DA RENDA POR
OCUPAÇÃO E USO DO SOLO PELA MINERAÇÃO.
A proposta do Novo Código de Mineração em trâmite na Câmara dos
Deputados através do Substitutivo ao Projeto de Lei nº 37/2011 e seus apensos
(SPL 37/2011), demonstra prevalência da atividade no concurso com outras de
naturezas diferentes pelo mesmo espaço da superfície, inclusive em áreas do
patrimônio público, ao assegurar ao minerador titular da pesquisa, da autorização e
da concessão o uso e gozo do imóvel público ou particular sobre o qual recaia o
direito minerário (art. 20, IV; art. 27, III; art. 39, V).
Em relação à ocupação de áreas necessárias ao desenvolvimento da
mineração147, diferentemente ao que prevê o art. 27, caput e inciso V, do Código de
Mineração de 1967, os titulares da autorização de pesquisa mineral são obrigados a
pagar pela ocupação e retenção da área (art. 28, II), sem qualquer ressalva quanto à
situação jurídica do imóvel, tornando, por isso, suscetível de pagamento quando
ocorrida em terrenos públicos, propriedades privadas ou meras ocupações.
Por outro lado, no que tange à instituição de servidões minerárias, o
proposto nos arts. 41 a 43 do SPL 37/2011, passam a regulamentar a matéria de
forma incompleta e obscura o instituto da servidão minerária, o que certamente
gerará dúvida quando da sua aplicação.
Um exemplo disso pode ser extraído quando a redação do art. 41 utiliza sem
rigor técnico-jurídico o termo propriedade para qualificar o solo objeto de servidão
minerária. Isso poderá levar ao entendimento de que somente poderão ser utilizadas
para sua instituição áreas do patrimônio público ou de propriedades particulares,
sendo excluídas aquelas de mera ocupação que, não obstante falte a apoio em
documentos legítimos, sofre com intervenções da mineração.
O efeito disso repercute nos direitos indenizatórios que, pela letra da lei,
somente é reconhecido aos que demonstrarem a titularidade sobre a propriedade do
imóvel.
Aliás, pode-se dizer que o Código de 1967 é mais cauteloso que a proposta
do SPL 37/2011 no que tange à regulamentação das relações ocupacionais entre
147
Sobre a instituição de servidões minerárias, explicam Rocha e Lacerda (1983, p. 412) que: ―É fundamental, portanto, a instituição da servidão no campo ou vizinhança da área da lavra mineral. Implica, às vezes, no suporte técnico-jurídico da exploração econômica da jazida mineral. Sua implantação na área mineralizada ou na vizinhança tem por escopo primordial evitar ou impedir embaraços ao desenvolvimento da pesquisa (temporariamente) ou da lavra (permanentemente), do contrário isso acarretaria graves e irreparáveis prejuízos no plano de aproveitamento econômico da mineração‖.
125
minerador e superficiários por disciplinar a forma e o momento de acesso aos
imóveis, as regras para fixação de rendas e de indenizações por danos causados
pela atividade, bem como estabeleceu os ritos processuais tanto na esfera
administrativa quanto na judicial (art. 27 e 60, § 2º, do Decreto-Lei nº 227/67).
O SPL 37/2011, ao contrário, cinge-se a definir servidão minerária e que a
sua constituição pela via judicial ―[...] depende de pagamento prévio e justo de
indenização em dinheiro ao proprietário pelos danos materiais causados à sua
propriedade‖ (art. 42).
Na mesma linha segue o disposto no art. 43, que prevê:
―Para os casos em que as propriedades estejam localizadas, total ou
parcialmente, dentro da área objeto do direito minerário, fica presumida a
sua utilidade para a atividade de mineração, para fins do art. 41 desta Lei.‖
Sem embargo, naquilo que toca à servidão minerária, o SPL 37/2011 não
garante ao ocupante do solo renda pelo uso do espaço da superfície pela
mineração, mas sim o pagamento de indenização restrita àqueles que se
configurarem proprietários do solo e quando ocorrer prejuízo material ao bem.
Ademais, existem três dispositivos propostos no novo marco regulatório da
mineração que fazem referência às rendas pela ocupação do solo, apesar de
incompletos e contraditórios.
O primeiro está previsto no art. 28, II, do SPL 37/2011148, topograficamente
localizado no Capítulo IV, da Seção I, Subseção V, que trata ―Dos Direitos e
Obrigações do Autorizatário de Pesquisa Mineral‖. Como se trata de obrigação do
minerador prevista na fase de pesquisa, a aplicação para os demais regimes de
exploração ficará à mercê da boa vontade do intérprete para estender os seus
efeitos através da analogia.
O segundo repousa na proposta de remuneração pela ocupação nos moldes
previstos nos art. 73149 e 74150, nos quais o legislador pretende estimular atividade
minerária através do pagamento pelo minerador à União de valor anual, progressivo
e fixado por hectare pela ocupação ou retenção de áreas de aproveitamento mineral
148
Art. 28. Sem prejuízo de outras estabelecidas no termo de autorização, no regulamento ou nesta Lei, são obrigações do titular da autorização de pesquisa: II - efetuar o pagamento pela ocupação ou retenção da área; 149
Art. 73. O titular de direitos minerários pagará anualmente à União valor pela ocupação ou pela retenção de área para o aproveitamento mineral, sobre as áreas: I - objeto de autorização de pesquisa, ainda que seu prazo esteja suspenso; e II - em que não houver produção durante a fase de lavra, ainda que a atividade esteja suspensa. Parágrafo único. O valor do pagamento pela ocupação ou pela retenção de área será fixado por hectare, na forma disciplinada pela ANM. 150
Art. 74. O valor do pagamento pela ocupação ou retenção de área será progressivo anualmente, de modo a estimular o aproveitamento mineral ou a devolução da área ao Poder Concedente.
126
que se constituam: ―I - objeto de autorização de pesquisa, ainda que seu prazo
esteja suspenso; e II - em que não houver produção durante a fase de lavra, ainda
que a atividade esteja suspensa.‖
São disposições que analisadas em conjunto com os arts. 55, XIX151 e
113152 do SPL 37/2011, reforçam a posição da União como credora e,
consequentemente, gestora de bem imóvel ainda que o solo ocupado seja de
propriedade de terceiros particulares ou de outros entes de direito público. Fato que
induz a configuração da desapropriação indireta da área.
Entrementes, indica a proposta que, na fase de execução econômica da
mina (lavra), o minerador estará isentado do pagamento a este título. O que
representaria um verdadeiro incentivo à mineração, pois reduziria custos. Contudo, a
controvérsia reside nessa nova forma de intervenção da União em que
unilateralmente delibera sobre terras de patrimônio de particulares e de outros entes
políticos.
Por derradeiro, deve-se destacar também a ausência de parâmetros legais
para fixação do quantum da renda devida pelo minerador, bem como o
processamento de cobrança, afinal, não se localiza no corpo normativo do SPL
37/2011 nenhuma regra aplicável que se aproxime daquelas disciplinadas nos arts.
27 e 60 do Código vigente.
Ainda há tempo para rever essas melindrosas lacunas e distorções que
podem servir de escudo ao minerador que, se servindo do legalismo, defenderá a
dispensa do dever de pagar pelo uso de imóvel público – e agora até do privado –,
podendo, inclusive, iniciar os trabalhos de pesquisa e de lavra mesmo que pendente
de pagamentos dessa natureza, ao contrário do que prevê o Código de 1967, no seu
art. 62.
São falhas regulamentares que não atendem o interesse público, pois
favorecem a instauração de conflitos fundiários em regiões sensíveis como a
Amazônia.
Resta, agora, analisar o art. 75, do SPL 37/2011, que versa especificamente
sobre a participação do proprietário do solo.
151
Art. 55. A ANM terá como finalidade promover a regulação, a gestão de informações e a fiscalização do aproveitamento dos recursos minerais no País, competindo-lhe: [...] XIX - fiscalizar e arrecadar o pagamento pela ocupação ou retenção da área para aproveitamento mineral, bem como constituir e cobrar os créditos delas decorrentes; 152
Art. 113. O pagamento do bônus de assinatura, do bônus de descoberta, da CFEM, da participação da União no resultado
da lavra e pela ocupação ou pela retenção de área observarão as seguintes regras:
127
6.3 O SPL 37/2011 E O DIREITO DO ENTE PÚBLICO NA PARTICIPAÇÃO DO
PROPRIETÁRIO DO SOLO NOS RESULTADOS DA LAVRA.
No que tange à participação do proprietário do solo nos resultados da lavra,
o SPL 37/2011 faz o reconhecimento da tese aqui defendida, ao assegurar que:
Art. 75. É devido ao proprietário ou possuidor do solo, público ou privado, nos termos do art. 176, §2º, da Constituição da República de 1988 e a partir da publicação desta Lei, o pagamento, pelos titulares de direitos minerários, de valor correspondente a vinte por cento do montante devido a título de CFEM
153.
§ 1º. Quando a área envolver mais de uma propriedade ou posse, a divisão da participação será proporcional à produção dos minérios obtida em cada uma delas, conforme apurado pela ANM. § 2º. No caso de terra pública estadual ou de terra federalizada, a participação de que trata o caput deste artigo será devida ao Estado em cujo território ocorra a exploração mineral. (grifo nosso)
Esse dispositivo demonstra que o Parecer nº 461/2010/HP/PROGE/DNPM
utilizou premissa equivocada para afastar esse direito das pessoas jurídicas de
direito público enquanto gestores do patrimônio da sociedade.
O fundamento do DNPM baseado na origem histórica do instituto como
substituição do direito de preferência e na impossibilidade de dupla participação com
fundamento no art. 20, § 1º, e no art. 176, § 2º, da CF/88, sucumbiram ao argumento
da separação imobiliária da propriedade do solo da minerária defendida, da
autonomia jurídica e econômica desses bens, e a necessária cobrança pelo uso
econômico da mineração de patrimônio público sob pena de locupletamento
indevido por parte do minerador, e de renúncia de receita e improbidade
administrativa no que toca aos órgãos e gestores públicos.
Portanto, não se trata de posicionamento novo, visto que a relação solo e
recursos minerais sempre se fez presente em todos os sistemas de aproveitamento
adotados no curso histórico do Brasil. Ocorre que a superfície no contexto minerário
era menosprezada enquanto patrimônio gerador de receita pública. Isso se justifica
pelo interesse dos governos ditatoriais em facilitar e reduzir custos da operação
minerária através da omissão e não cobrança pelo uso econômico de bens públicos
sem a competente autorização da norma jurídica.
153
Art. 10. O Poder Concedente fixará as condições para o aproveitamento de substâncias minerais pela União, Estados ou Municípios de minérios destinados à realização de obras de responsabilidade do Poder Público, sendo vedada a sua comercialização, podendo ser dispensada a licitação. § 2º Fica assegurada a compensação financeira pela exploração de recursos minerais à União, Estados, Distrito Federal e Municípios, assim como a participação do proprietário ou possuidor do solo nos resultados da lavra.
128
Destarte, a partir do parâmetro doutrinário de Scaff (2014), se a propriedade
do solo for privada, a participação terá a natureza jurídica de receita privada. A
contrario sensu, isso quer dizer que, uma vez pública a propriedade fundiária, o
pagamento da participação resultante do seu uso pela mineração terá o caráter de
preço-público e, como tal, fonte de receita pública.
Essa participação, todavia, não se confunde com aquela denominada de
participação da União no resultado da lavra contempladas nos arts. 6º, XXIII, 31 e
113154, do SPL 37/2011, que consiste na ―[...] remuneração ofertada pelos
concorrentes ao ente licitante, que pode consistir em critério de julgamento na
licitação para a concessão de direitos minerários, conforme edital.‖ (art. 6, XXIII).
Portanto, nada tem a ver com o pagamento pelo uso do solo pertencente àquele
ente político.
Além da expressa garantia de participação, o SPL 37/2011 trouxe outras
inovações que devem ser analisadas considerando a complexidade fundiária na
Amazônia.
6.3.1 O direito do possuidor à participação nos resultados da lavra.
Outro ponto de debate versa sobre a extensão do direito de participação nos
resultados da lavra ao ―possuidor‖ do solo, embora o art. 176 da CF/88 assegura
apenas tal recebimento ao proprietário do solo. O que poderia encerrar a discussão
senão fosse a curiosidade em compreender as razões do legislador para atribuir ao
―posseiro‖ de terras públicas esse direito.
Inicialmente, cabe destacar que nas áreas privatizadas regularmente, o
proprietário é o titular do direito pautado em um justo título, visto que ―[...] a posse
nada mais é do que um complemento da propriedade‖ (IHERING apud BENATTI,
2001, p. 41). Portanto, não existindo a propriedade não há que se falar em posse,
154
Art. 6º Para os fins desta Lei, considera-se: XXIII - participação da União no resultado da lavra - remuneração ofertada pelos
concorrentes ao ente licitante, que pode consistir em critério de julgamento na licitação para a concessão de direitos
minerários, conforme edital;
Art. 31. Os critérios de julgamento a serem utilizados nas licitações para concessão de direitos minerários serão, isolada ou
conjuntamente: III - a participação da União no resultado da lavra;
Art. 113. O pagamento do bônus de assinatura, do bônus de descoberta, da CFEM, da participação da União no resultado da lavra e pela ocupação ou pela retenção de área observarão as seguintes regras:
129
mas de mera detenção e, ainda assim, apenas nos casos autorizados pela lei155-156-
157.
Portanto, em linhas gerais, para fazer jus na ótica civilista ao recebimento da
participação nos resultados da lavra, o proprietário deverá comprovar o domínio
privado do imóvel, enquanto o possuidor o exercício de fato desse direito.
Trata-se, portanto, de relação de direito privado e, como tal, sujeito a
negócios jurídicos e à prescrição aquisitiva, tais como a usucapião158.
Percebe-se que em um cenário estático entre proprietário e possuidor,
aquele teria prevalência no recebimento pelas razões legal e doutrinária
apresentadas. Todavia, na intensa dinâmica social, tornam-se factíveis
interpretações dúbias caso a proposta legislativa não seja aprimorada diante do seu
potencial gerador de conflitos fundiários com reflexos na própria atividade minerária.
Ocorre que a problemática da posse e participação nos resultados da lavra
não se encerra aí, vai mais além ao considerar a possibilidade do ―possuidor‖ do
solo público também se constituir titular desse crédito.
Aqui, no caso, passam a disputar o direito o ente político proprietário do solo
e aquele que efetivamente o ocupa, que pode ser um indivíduo ou uma coletividade.
Como já demonstrado na doutrina e jurisprudência não há posse de bem
público e sim mera detenção, haja vista que, se admitisse fosse, o imóvel estaria
sujeito à usucapião. Contudo, tal hipótese é vedada pela regra geral fixada no art.
183, § 3º, da Constituição Federal de 1988, ao prever: ―Os imóveis públicos não
serão adquiridos por usucapião.‖159
155
Com efeito, para reconhecimento da existência da propriedade e, conseguintemente, da posse civil e da condição de posseiro, faz-se mister a existência não apenas do corpus e do animus, mas também de um justo título, ou seja, aquele que, em tese, tem idoneidade para transferir a propriedade, remontando sua origem a um ato de destacamento válido do acervo fundiário público. 156
art. 1.208, que: ―Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade.‖ 157
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. BEM PÚBLICO. TERRENO DE MARINHA. MERA DETENÇÃO.
BENFEITORIA. DEMOLIÇÃO. ALEGADA VIOLAÇÃO AOS ARTS. 131 E 458, DO CPC. INOCORRÊNCIA. ACÓRDÃO EM
CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. 1. Não há violação dos arts. 131 e 458 do CPC. Ao contrário do
afirmado pelo recorrente, o Tribunal de origem, com ampla cognição probatória, tratou da cessão da posse e da suposta
ilegitimidade do recorrente. Trechos do acórdão recorrido. 2. O acórdão encontra-se em perfeita consonância com a
jurisprudência desta Corte, que já adotou o entendimento no sentido de que a "ocupação de área pública, quando
irregular, não pode ser reconhecida como posse, mas como mera detenção. Se o direito de retenção ou de indenização
pelas acessões realizadas depende da configuração da posse, não se pode, ante a consideração da inexistência desta, admitir
o surgimento daqueles direitos, do que resulta na inexistência do dever de se indenizar as benfeitorias úteis e necessárias"
(REsp 863.939/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 24.11.2008). 3. Recurso especial não provido. (REsp
1194487/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/10/2010, DJe 25/10/2010). 158
Assim, o posseiro de área regularmente destacada do patrimônio público e integrada ao domínio de um particular, por exemplo, cumprindo as condições legais para usucapir o imóvel, passaria a ser titular do direito de recebimento da participação, posto que a natureza da decisão judicial que declara a prescrição aquisitiva é meramente declaratória. 159
O Supremo Tribunal Federal na Súmula nº 340 consolidou que: DOMINICAIS E DEMAIS BENS PÚBLICOS – USUCAPIÃO. Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião. Outrossim, somente é admissível a usucapião de bens públicos quando se tratar de situações jurídicas expressamente autorizadas pela própria CF/88.
130
Portanto, a partir dessa tese, se o imóvel for público e ocupado, o seu
detentor não faria jus ao direito de participação nos resultados da lavra, visto que
nem possuidor seria. No caso, repise-se, é a sociedade enquanto proprietária do
solo a titular deste direito de receber a participação através da pessoa jurídica de
direito público gestora da área.
Restaria ao possuidor se o imóvel for privado (ressalvada a hipótese da
usucapião160) e ao mero detentor (se as terras forem públicas), o pagamento pelo
minerador-concessionário de indenização pelos eventuais danos causados às suas
benfeitorias, insumos agrários e produções depredadas em face da instalação e
operacionalização do empreendimento minerário (ATHIAS, 2009).
Contudo, o relutante incômodo provocado pela dicotomia proprietário-
possuidor incentivou a realização de pesquisa no sentido de compreender a
verdadeira intenção do legislador. Como resultado, identificou-se no trâmite do SPL
37/2011 que essa questão foi trazida pelas Emendas de Plenário (EP‘s) 217/2013,
224/2013161 e 256/2013162, todas com a seguinte justificativa:
Nas concepções democráticas atualmente vigentes, tanto no plano
internacional (Convenção 169 da OIT) quanto no plano nacional, estão
reconhecidos e garantidos os direitos das populações que vivem,
trabalham e tiram seu sustento dos territórios e áreas que ocupam. O
sentido de propriedade legal da terra se amplia assim com o sentido
popular, comunitário de posse e uso.
A legislação brasileira reconhece a posse da terra como um direito
para além de sua propriedade titulada. Por exemplo, a usucapião está
prevista principalmente no Código Civil Brasileiro e na Constituição da
República Federativa do Brasil. A partir desse reconhecimento a atualização
da legislação relativa ao uso dos recursos minerais no subsolo deve
reconhecer o direito do superficiário que tem a posse da terra e não apenas
a sua propriedade. (grifo nosso)
A previsão se mostra louvável quando é evocada a Convenção nº 169 da
Organização Internacional do Trabalho (OIT) que trata dos direitos fundamentais dos
povos indígenas e tribais, para defender a posse agroecológica que é típica de
sociedades indígenas, de remanescentes quilombolas e de populações tradicionais,
160
Para Pellegrino (2012, p. 122): ―Desta forma, não assiste ao mero detentor ou possuidor de um imóvel no qual se está
promovendo a extração mineral direito ao recebimento da participação nos resultados da lavra. Salvo na hipótese de
prescrição aquisitiva, na qual é adquirida a aquisição da propriedade por meio de posse prolongada, com ânimo dominial, não
há margem para grandes debates.‖ 161
As Emendas de Plenário 217/2013 e 224/2013 são de autoria dos Deputados Padre João, Luiza Erundina, Marcon, Valmir Assunção e Padre Ton. 162
As Emendas de Plenário 256/2013 é de autoria do Deputado Walter Feldman
131
historicamente desfavorecidos quanto ao reconhecimento jurídico formal dos seus
territórios.
Contudo, vê-se que a redação do dispositivo fica a aquém da sua pretensão
ao utilizar o termo posseiro de forma genérica possibilitando diversas interpretações,
menos aquela encontrada nas EP‘s. O que certamente manterá o raciocínio
tradicional da posse civil pelo minerador, DNPM, Poder Judiciário, órgãos ambientais
e fundiários, por exemplo, posto que ainda não incorporaram nas suas rotinas
conceitos jurídicos difusos como o da posse agrária e agroecológica.
Assim, ao adotarem o posicionamento privatista, como outrora
fundamentado, gerará distorções quando aplicado à realidade das áreas rurais na
Amazônia por excluir do direito os detentores de posses agrária e agroecológica
que, mesmo tendo preenchido os requisitos legais, ainda não tiveram o reconhecido
de domínio fundamentado em um título de terras, em razão do histórico e crônico
déficit da regularização fundiária na região.
Essa situação provoca o seguinte dilema: na iminência de exploração
mineral de área não titulada, portanto, ainda integrante do patrimônio público,
porém, efetivamente ocupada no exercício da posse agrária ou agroecológica, seria
justo ao Estado fazer o uso do seu poder de império para postar-se como credor da
participação nos resultados da lavra?
A resposta certamente não é simples, estando à mercê de estudo específico
sobre a matéria, um verdadeiro hard case, para construção de sugestões sobre as
regras mais acertadas e justas a partir da aplicação do princípio da
proporcionalidade em relação aos interesses em jogo.
Todavia, qualquer análise deve obrigatoriamente considerar o papel do
Estado como um dos principais – senão o principal – vetor do caos fundiário
instalado na Amazônia por atos omissivos e comissivos, e que o direito a esses
ocupantes tem alinhamento no ordenamento constitucional.
Isso porque diz respeito aos direitos territoriais de índios, de remanescentes
de quilombos e de populações tradicionais no sentido de reconhecer a existência de
tais grupos e a sua importância para formação e evolução da sociedade brasileira,
bem como a imprescindibilidade do componente espaço para manutenção de
identidades e ao pleno desenvolvimento sociocultural dos mesmos.
Esses direitos, contudo, não estariam assegurados remotamente na
Convenção 169 da OIT. Segundo Treccani (2014) e Duprat (2007) os direitos
132
territoriais especiais (coletivos) estão assim garantidos no ordenamento jurídico
pátrio:
Constituição Federal de 1988 Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. § 1º - São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. § 2º - As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. § 3º - O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, FICANDO-LHES ASSEGURADA PARTICIPAÇÃO NOS RESULTADOS DA LAVRA, na forma da lei. § 4º - As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis. § 5º - É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, "ad referendum" do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco. § 6º - São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé. [...] Ato das Disposições Constitucionais Transitórias Art. 68. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos. (grifo nosso)
No que tange às populações tradicionais, também explicam Treccani (2014)
e Duprat (2007) que, à luz dos arts. 215 e 216, da Constituição Federal, foi
promulgado o Decreto nº 6.040/2007, responsável pela instituição da Política
Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais
(PNPCT) no interesse de assegurar o pleno e efetivo exercício da cidadania (art. 1º,
II, do Anexo) através da promoção do desenvolvimento sustentável desses grupos
sociais com ênfase no reconhecimento, fortalecimento e garantia dos seus direitos
133
territoriais, socioambientais, econômicos e culturais, com respeito à sua identidade,
suas formas de organização e suas instituições (art. 2º do Anexo).
No intuito de demonstrar a relevância do fator espacial para esses povos e
comunidades tradicionais, a legislação define como povos e comunidades
tradicionais163 e territórios tradicionais:
Art. 3º. [...]
I – Povos e Comunidades Tradicionais: grupos culturalmente
diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas
próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos
naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa,
ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas
gerados e transmitidos pela tradição. (grifo nosso).
II – Territórios Tradicionais: os espaços necessários a reprodução
cultural, social e econômica dos povos e comunidades tradicionais,
sejam eles utilizados de forma permanente ou temporária, observado, no
que diz respeitos aos povos indígenas e quilombolas, respectivamente, o
que dispõe os arts. 231 da Constituição e art. 68 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias; e, [...] (grifo nosso)
Vê-se, com isso, que a partir da Constituição Federal de 1988 houve o
reconhecimento da relevante função dos povos das florestas que, por meio dos seus
usos, costumes e tradições, garantem o cumprimento da função socioambiental dos
territórios que ocupam, gerando efeitos positivos por transbordar o interesse de
autopreservação sociocultural já que os seus modos de vida também contribuem
para a proteção ambiental, o equilíbrio ecológico, a economia pública local164 e a
qualidade de vida de todos.
Isso acabou por autorizar a superação do entendimento único até então
consagrado sobre direitos fundiários pautado na privatização individual e cartesiana
sobre as terras, como foi impingida na Amazônia a partir da Década de 1960 pelas
forças de mercado, resultando em diversas injustiças sociais.
163
O Art. 2°, II da Lei no 9.985, de 18 de julho de 2000, que regulamenta o Sistema Nacional de Unidades de Conservação
(SNUC) previa: ―População Tradicional: Grupos humanos culturalmente diferenciados, vivendo há, no mínimo, três
gerações em um determinado ecossistema, historicamente reproduzindo seu modo de vida, em estreita dependência do meio
natural para sua subsistência e utilizando os recursos naturais de forma sustentável”. (grifo nosso)
Aliás o artigo 20 da mesma Lei quando oferece a definição de Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) apresenta as:
―Populações tradicionais [como aquelas]: cuja existência baseia-se em sistemas sustentáveis de exploração dos recursos
naturais, desenvolvidos ao longo de gerações e adaptados às condições ecológicas locais e que desempenham um
papel fundamental na proteção da natureza e na manutenção da diversidade biológica”.
O artigo 3º, X da Lei de Gestão de Florestas Públicas (Lei nº 11.284, de 02 de março de 2006) amplia o conceito apresentando
a definição de: ―comunidades locais: populações tradicionais e outros grupos humanos, organizados por gerações
sucessivas, com estilo de vida relevante à conservação e à utilização sustentável da diversidade biológica‖. 164
Neste ponto destaca-se o ICMS ecológico instituído no Estado do Pará, que assegura a maior participação no rateio os municípios que têm maior área de florestas, unidades de conservação e territórios indígenas, bem como aqueles que reduziram o desmatamento.
134
Nesse sentido, explica Duprat (2007, p. 14):
―A Constituição de 1988 passa a falar não só em direitos coletivos, mas
também em espaços de pertencimento, em territórios, com configuração
em tudo distinta da propriedade privada. Esta, de natureza individual, com
viés de apropriação econômica. Aqueles como lócus étnico e cultural. O
seu artigo 216, ainda que não explicitamente, descreve-os como espaços
onde diversos grupos formadores da sociedade nacional têm modos
próprios de expressão e de criar, fazer e viver (incisos I e II)‖. (grifo
nosso).
Em seguida, conclui a doutrinadora:
―A Constituição brasileira, na linha do direito internacional, rompe a
presunção positivista de um mundo preexistente e fixo, assumindo que
fazer, criar e viver, dão-se de forma diferente em cada cultura, e que a
compreensão de mundo depende da linguagem do grupo. Nesse cenário a
Constituição reconhece expressamente direitos específicos a índios e
quilombolas, em especial seus territórios. Mas não só a eles. Também são
destinatários de direitos específicos os demais grupos que tenham formas
próprias de expressão e de viver, criar e fazer. Inspirado nessa
compreensão, vem o Decreto 6.040, de 7 de fevereiro de 2007, a instituir a
política nacional de desenvolvimento sustentável dos povos e comunidades
tradicionais. É emblemática a composição da Comissão Nacional de
Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais:
seringueiros, fundos de pasto, quilombolas, faxinais, pescadores, ciganos,
quebradeiras de babaçu, pomeranos, índios e caiçaras, dentre outros.‖
(DUPRAT, 2007, p. 15)
Vê-se que a escolha política-jurídica reposicionou a atuação de grupos
sociais outrora totalmente ignorados, que se legitimaram por força constitucional na
luta pela reapropriação dos seus territórios e a racionalização dos recursos naturais
não apenas resultante do direito a terra em si, mas também em razão da importância
destes para defesa das suas identidades e geração de riquezas centrífugas
resultantes da exploração sustentável de bens ambientais (LEFF, 2009). Ao final, na
verdade, pretende-se com tais medidas proteger direitos socioculturais e ambientais
com o fim maior de assegurar a dignidade humana e autodeterminação desses
povos165.
Entende-se, portanto, que acertou o legislador ao justificar nas EP‘s a
inclusão do termo posseiro. Todavia, o dispositivo merece ser reescrito para que não
haja dúvida de que os ocupantes de terras públicas titulares do direito de
165
Explica Dupra (2007) que: ―Cabe ao direito assegurar aos grupos portadores de identidades específicas: o controle de suas próprias instituições e formas de vida e seu desenvolvimento econômico e manter e fortalecer suas identidades, línguas e religiões, dentro dos estados onde moram. Assim, a defesa da identidade cultural passa a ser, para os estados nacionais, um imperativo ético, inseparável do respeito à dignidade da pessoa humana.‖
135
participação são aqueles que cumprem os seguintes requisitos: a) fazem uso
produtivo e sustentável da terra no exercício da posse agrária e agroecológica,
dando à mesma função socioambiental; e, b) cumprem as exigências legais
necessárias para obter a regularização fundiária de imóveis para fins agrários ou
agroextrativistas.
A contrario sensu, na hipótese do ocupante da terra pública não se ajustar a
essas espécies ocupacionais e, consequentemente, não demonstrar o cumprimento
das exigências legais para titulação do imóvel, o Estado se manterá como único
credor para que seja beneficiada a sociedade, e não aqueles que têm a terra como
uma reserva patrimonial improdutiva com caráter meramente especulativo, cujo
mercado é superaquecido a cada novo impulso econômico, principalmente na região
Amazônica, que tem fomentado problemas sociais e ambientais historicamente
conhecidos e agravados nesses cenários.
6.4 AS TERRAS PÚBLICAS FEDERALIZADAS.
Com a proposta do § 2º, do art. 75 do SPL 37/2011, os Estados que tiveram
suas áreas federalizadas pela União passarão a receber a participação nos
resultados da lavra.
Trata-se de uma forma de compensar as perdas patrimoniais causadas pela
intensa intervenção militar sobre as terras estaduais em especial Pós-Revolução de
1964.
Somente para melhor compreender a medida legislativa proposta, é
imprescindível resgatar o contexto político-econômico da época mesmo que já
amplamente abordado neste trabalho em capítulo próprio. Assim, na ótica de Pinto
(2013):
―Em 1971 o governo federal se apropriou de dois terços das terras
devolutas da Amazônia Legal, com seus quase cinco milhões de
quilômetros quadrados, através de um instrumento jurídico característico
das ditaduras, o decreto-lei, que é a intromissão do Executivo na esfera de
competência do Legislativo. Talvez não tenha havido maior violência em
toda a história fundiária mundial.
Mas não houve reação. O Brasil estava no auge da ditadura, sob o governo
do general Garrastazu Médici. Os Estados se achavam totalmente
submissos ao poder central. A opinião pública estava anestesiada. E,
136
ainda por cima, predominava a crença de que a União era mais eficiente,
sábia e justa do que os entes federados.‖ (grifo nosso)
Destarte, ainda que as terras sob exploração mineral estejam sob o domínio
da União por força de processo de federalização, o titular do direito de participação
será o Estado-membro.
Trata-se o caso típico aplicável ao Estado do Pará em razão do intenso
processo de intervenção militar que promoveu a federalização das suas terras,
viabilizando a arrecadação e matrícula imobiliária de extensas glebas em favor da
União com fundamento no Decreto-Lei nº 1.164/71166.
É bom relembrar os números da Comissão de Estudos das Áreas de
Jurisdição Federal no Território do Estado do Pará (PARÁ,1996), para a qual
84,86% do território paraense está sob o domínio da União, independentemente da
análise do mérito da legalidade do processo de arrecadação e matrícula das terras
públicas.
Com isso, grande parte do solo estadual, coincidentemente incluídas as
áreas de excelência minerária, ficaram sob a tutela da União, como é o caso da
Região de Carajás, do Xingu e do Tapajós.
Assim, na hipótese de recebimento de exploração mineral em terras de
propriedade da União por força da federalização, o Estado do Pará, já lesado pela
Lei Complementar nº 87/1996 (Lei Kandir)167 que ascendeu ao status na hierarquia
normativa com o advento da Emenda Constitucional nº 43/2003 (DOU de
31.12.2003), mais uma vez seria prejudicado, pois não se enquadraria juridicamente
na condição de proprietário do solo.
166
―Art. 1º São declaradas indispensáveis à segurança e ao desenvolvimento nacionais, na região da Amazônia Legal,
definida no artigo 2º, da Lei nº 5.173, de 27 de outubro de 1966, as terras devolutas situadas na faixa de cem quilômetros
de largura, em cada lado do eixo das seguintes rodovias já construídas, em construção ou projetadas: (Redação dada
pela Lei nº 5.917, de 10.9.1973) [...]‖ (grifo nosso)
Já foi comentado neste trabalho que somente em 1987 com a edição do Decreto-Lei nº 2.375, o Decreto-Lei nº 1.164/71 foi revogado. Contudo, a União, até a presente data, não efetivou a devolução das terras devolutas que deixaram de ser indispensáveis à segurança nacional. 167
A mineração já recebe o incentivo da Lei Kandir, que isenta de ICMS operações e prestações que destinem ao exterior mercadorias, inclusive produtos primários, como o minério de ferro e outros; e a energia elétrica, lembrando que o Estado do Pará é um dos principais produtores do Brasil. Segundo a Profa. Dra. Maria Amélia Enriquez, atualmente Secretária Adjunta de Indústria, Comércio e Mineração do Estado do Pará (SEICOM-PA), em apresentação à Comissão de Meio Ambiente do Congresso Nacional, em 2013, o Pará é um Estado sui generis, pois tem a maior parte da participação do seu PIB desonerado pela Lei Kandir. Explica que a mineração representa 90% das exportações do Estado que, por sua vez, contribui com 70% do saldo comercial brasileiro. Ademais, a economista ainda apresentou dados em que, somente a Floresta Nacional de Carajás, que é uma Unidade de Conservação, cuja área foi federalizada para atender os interesses econômicos defendidos pelo regime militar, onde está localizada a maior mina a céu aberto de minerário de ferro do mundo em atividade, seriam devidos ao ente público o valor estimado de R$ 2 bilhões a título de participação do proprietário nos resultados da lavra, posto que o imóvel público, nos termos da Lei do SNUC.
137
Diante dessa iminente situação, já havia sido proposto o Projeto de Lei nº
01/2013, de autoria do parlamentar paraense Senador Flexa Ribeiro em igual
sentido, que encontrou posterior assento no SPL 37/2011.
Ocorre que o processo de federalização de terras é contínuo e não restrito
as ações fundamentadas do extinto Decreto-Lei nº 1.164/71. A intervenção sobre as
terras do Estado do Pará se mantém em expansão e totalmente desarticulado com
as políticas públicas estaduais de gestão territorial, através de incursões de órgãos
federais no território como ICMBio, IPHAN, FUNAI, SFB e outros. O que torna mais
complexo o aspecto fundiário do Estado do Pará.
Portanto, caso o legislador pretenda compensar a perda de terras públicas
estaduais para União, deve fazê-lo de forma mais abrangente, estendendo o direito
para as demais áreas federalizadas, principalmente aquelas apropriadas ao arrepio
da lei, nas quais são ou poderão ser passíveis de exploração mineral futura.
6.5 A REDUÇÃO DO PERCENTUAL DA PARTICIPAÇÃO.
A parte final do caput do art. 75, do SPL 37/2011 propõe manter o valor
devido pela CFEM como referência para o cálculo da participação, porém, consigna
que o percentual aplicável será de 20% e não mais de 50%, como prevê o Decreto-
Lei nº 227/67.
A Lei nº 8.901/94 regulamentou o disposto no § 2º, do art. 176, da
Constituição Federal e alterou o art. 11, do Decreto-Lei nº 227/67, que trata da
participação do proprietário do solo nos resultados da lavra e o respectivo percentual
devido ao seu titular.
O art. 11, do Código Minerário em vigor, então passou a ter a redação
abaixo transcrita:
―A participação de que trata a alínea b do caput deste artigo será de
cinquenta (sic) por cento do valor total devido aos Estados, Distrito
Federal, Municípios e órgãos da administração direta da União, a título
de compensação financeira pela exploração de recursos minerais,
conforme previsto no caput do art. 6º da Lei nº 7.990, de 29 de dezembro de
1989 e no art. 2º da Lei nº 8.001, de 13 de março de 1990.‖ (grifo nosso)
138
Após realização de pesquisa no site oficial da Câmara dos Deputados, não
foi encontrada nenhuma justificativa para tanto168, levando a crer que o legislador
pretende reduzir as despesas do minerador através da diminuição da participação.
Isso fica claro diante do posicionamento de respeitáveis doutrinadores como
Oliveira (2003), que entende indevido esse pagamento por ser economicamente
injusto, visto que o proprietário do solo não responde pelos compromissos
financeiros demandados pela atividade.
Presume-se, no entanto, que essa redução encontra mais força na efetiva
consciência de mineradores e legisladores na realização de lavras em áreas
públicas e a taxativa obrigação de pagamento da participação aos entes políticos
titulares do domínio, o que na Amazônia é a esmagadora maioria conforme já
demonstrado. Situação que ensejará no aumento proporcional tanto da receita
pública quanto das despesas do minerador.
Prima facie, com a redução proposta, legisladores e mineradores
demonstram não agradar a possibilidade do ente político receber a sua cota-parte da
CFEM e a participação nos resultados da lavra no percentual em vigor.
Mas os legisladores não devem esquecer que são os legítimos
representantes da população e que esses recursos pertencem à proprietária do solo,
no caso, à sociedade, devendo ser revestidos os seus benefícios em prol da mesma,
sugerindo-se, inclusive, a vinculação legal da destinação desses valores para
aplicações sustentáveis que visem na melhoria de vida da população, como assim
se pretende com a CFEM, principalmente para fase pós-exploração.
Logo, com a redução não se estará enriquecendo o Estado, que é apenas
gestor dos bens públicos, mas sim desvalorizando um direito da coletividade em
favor de uma atividade econômica que, salvo melhor juízo, nunca efetuou o
pagamento da participação do proprietário nos resultados da lavra quando
explorados imóveis dessa natureza ou, se efetuaram, o fizeram a pessoa indevida,
apoiadas no Parecer nº 461/2010/HP/PROGE/DNPM, na falta de fiscalização dos
órgãos gestores de terras e no caos fundiário encontrado.
É óbvio que o legislador deve estimular a atividade minerária, contudo deve
sopesar os interesses em jogo e a defesa do patrimônio público com coerência, que
notadamente lhe falta diante das previsões já comentada sobre a remuneração da
168
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_emendas?idProposicao=581696&subst=0. Acesso em 20.02.2014, às 12:22.
139
União pela ocupação e retenção do solo (arts. 73 e 74), e na sua participação nos
resultados da lavra (arts. 6º, XXIII, 31 e 113), que afrontam e inviabilizam qualquer
discurso de distribuição de riquezas em um federalismo cooperativista.
Dessa forma, mais um subsídio estaria sendo garantido à mineração através
da exploração patrimonial de outros entes políticos que não sejam da União, que
tanto reclama da falta de incentivos. Quem arcará com esse ônus? A sociedade,
obviamente, que receberá valor a menor se comparado com a legislação minerária
ainda vigente.
CAPÍTULO 7 – ESTUDOS DE CASOS DE EXPLORAÇÃO MINERAL EM TERRAS
PÚBLICAS: A CONFIRMAÇÃO DO NÃO PAGAMENTO DA PARTICIPAÇÃO NOS
RESULTADOS DA LAVRA EM SOLO PÚBLICO.
7.1 A IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DE
EMPREENDIMENTOS MINERÁRIOS EM TERRAS PÚBLICAS.
7.1.1 Estudo de caso do projeto de manganês da Mineração Buritirama S.A.
Em 16.03.2013, a empresa Mineração Buritirama S.A. requereu ao Estado
do Pará/ITERPA a compra de uma área de 1.386ha12a93ca localizada no Município
de Marabá.
Nos autos do processo administrativo 2013/341689, informou que no imóvel
é desenvolvida atividade econômica de extração de manganês, conforme o Plano de
Viabilidade Econômica da Mina juntado às fls. 30 a 61, aprovado pelo DNPM nos
autos do processo administrativo de concessão de lavra nº 815.959/1973.
Ao analisar a admissibilidade jurídica do pedido, a Procuradoria da Autarquia
Estadual Fundiária, às fls. 125 a 126, partindo do pressuposto que a legislação de
terras em vigor tem como objetivo o atendimento da regularização fundiária de
atividades agrárias, entendeu pelo indeferimento do pleito, visto que a mineradora
não cumpria o requisito legal da cultura efetiva que, nos termos do art. 2º, II, da
Instrução Normativa ITERPA nº 04/2010, consiste:
―Art. 2º. [...] II – Cultura efetiva: exploração agropecuária, agroindustrial,
agroflorestal, extrativa e pesqueira, mantida no imóvel rural, com o objetivo
de prover o requerente e sua família, por meio da produção e da geração de
renda; [...]‖
Ressaltou-se, ainda, que o pedido também não se amoldaria às prescrições
legais de dispensa de licitação contidas no art. 17, § 2º, II, e § 2ª-A, da Lei º
8.666/93.
O parecer pautado na incompatibilidade entre a atividade e o conteúdo da
legislação fundiária, aprovado pela Diretoria Jurídica do ITERPA, levou a empresa a
141
renunciar o direito de recorrer e requerer a desistência do pedido sem qualquer
análise técnica sobre a localização do imóvel. Preferiu formular um novo pedido
instaurado sob o nº 2014/340645.
Todavia, o pleito em curso foi protocolado com o mesmo conteúdo daquele
que foi indeferido. Portanto, inevitavelmente padecerá de breve indeferimento.
Imagem 6 – Mapa ilustrativo que demonstra a atuação minerária da Mineração Buritirama S.A. em terra pública estadual. Fonte: Pará (2014)/DNPM (2013).
Verifica-se que essa pendência não se apresenta como razão para impedir a
mineradora de continuar a desenvolver normalmente as suas atividades de extração
de manganês.
Por outro lado, o caso confirma o uso econômico de área integrante do
patrimônio público sem a devida contraprestação da empresa pela sua ocupação e a
participação do proprietário do solo nos resultados da lavra, bem como a
142
inexistência de legislação aplicável para solucionar a controvérsia sobre a
regularização fundiária do empreendimento.
Com efeito, a tabela abaixo demonstra os valores estimados que deixaram
de ser pagos a título de participação nos resultados da lavra.
ANO Valores recolhidos
CFEM169
(R$)
Estimativa da
participação nos
resultados da lavra – Art.
11, “b”, § 1º, do Código
de Mineração.
(50% CFEM) (R$)170
Valores
efetivamente
pagos (R$)
Estimativa da participação
nos resultados da lavra –
Art. 75, SPL 37/2011.
(20% CFEM) (R$)
2009 1.978.706,52 989.353,26 0,0 395.741,30
2010 5.502.917,99 2.751.457,90 0,0 1.100.583,10
2011 1.995.936,66 997.968,33 0,0 399.187,33
2012 1.348.205,58 674.102,79 0,0 296.641,11
2013 1.373.334,08 668.667,04 0,0 274.666,81
TOTAL 12.199.154,83 6.099.577,41 0,0 2.439.830,96
Tabela 9 – Quadro dos valores estimados a título de participação do proprietário nos resultados da lavra –
Mineração Buritirama S.A. (proc. DNPM nº 815.959/1973): período 2009-2013. Fonte: RAMOS (2014)/DNPM (2014).
7.1.2 Estudo de caso do projeto de caulim da Imerys Rio Capim Caulim S.A.
Em 1995, com o objetivo de regularizar um imóvel localizado no município
de Ipuxina do Pará-PA, onde desenvolve sua atividade de lavra concedida através
do processo administrativo DNPM nº 815.104/1971, a mineradora Rio Capim Caulim
S.A., antecessora da Imerys Rio Capim Caulim S.A., solicitou ao Estado do Pará
através do ITERPA, a compra de uma área de 2.435ha através do processo
administrativo nº 00667/1995, posteriormente renumerado para 1996/30158.
O pedido de titulação em questão foi processado à luz da Lei Estadual nº
4.584, de 08.10.1975171, que nessa época regulava a alienação de terras públicas
também destinadas ao uso agrário.
Mesmo assim, em data de 27.05.1996, o Estado do Pará/ITERPA expediu
em favor da citada empresa o Título Provisório de Venda de Terras nº 31, ficando
assim configurada a relação entre a ocupação do solo e o título minerário:
169
Fonte DNPM/2014 170
Valores sem a aplicação de multa por atraso e de correção previstos no art. 11, §§ 2º e 3º, do Decreto-Lei 227/67 com a redação dada pela Lei nº 8.901/94. 171
A Lei Estadual nº 4.584/75, alterou o Decreto-Lei n° 57/69.
143
Imagem 7 – Mapa ilustrativo que demonstra a atuação minerária da Imerys Rio Capim Caulim S.A. em terra pública estadual. Fonte: Pará (2014)/DNPM (2013).
Ocorre que em um processo de regularização fundiária, a titulação definitiva
constitui-se em um ato administrativo final representativo do cumprimento de todas
as fases procedimentais necessárias à transferência do bem de propriedade público
para a particular. Nada mais consiste do que o obrigatório cumprimento da cláusula
do o devido processo legal.
A expedição de um título provisório, nesse contexto, constituía-se em uma
fase intermediária em que o Estado oficialmente demonstra existir um processo de
alienação de bem público imobiliário em curso.
Contudo, ainda faltar-lhe-ia cumprir os seguintes procedimentos legais: a)
demarcar a área (hoje georreferenciar); b) ter aprovado no mínimo 1/3 do Plano de
Aproveitamento Econômico (PAE); e, c) considerando que o imóvel objeto de
alienação tem mais do que 1.500ha, obter a autorização da Assembleia Legislativa
nos termos do art. 241 da Constituição do Estado do Pará.
144
Essas pendências não foram sanadas e o processo administrativo de
compra não teve nenhum ato decisório desde 1996.
Dessa forma, o processo de alienação não foi concluído e, ainda que o título
provisório não se constitua em um instrumento hábil representativo de domínio
privado para fins de registro, o Cartório de Registro Imobiliário de São Domingos do
Capim-PA dispensou tratamento como se fosse propriedade particular plena e
definitiva, e assim instaurou em favor da empresa a matrícula imobiliária nº 273, às
fls. 280, do Livro 2-A1.
Com efeito, à revelia da lei, deu aparência de propriedade privada ao imóvel
diante daqueles que desconhecem as normas de regularização fundiária.
Notadamente se está diante de caso incontestável de apropriação irregular
de terras públicas, e ainda que haja interesse da mineradora em regularizar a sua
situação, estará impedida de fazê-lo considerando que a legislação de terras em
vigor, a Lei Estadual nº 7.289/2009, extinguiu o procedimento de titulação provisória,
devendo os detentores desses documentos solicitaram a conversão dos seus
processos de compra nos mesmos moldes de um pedido de venda de terras trazidos
pela novel norma jurídica (arts. 46 a 52 do Decreto Estadual nº 2.135/2010).
O que nada muda a situação, visto que, em geral, são as mesmas
pendências que precisarão ser remediadas e, mesmo que cumpridas, sucumbirão
no requisito legal de destinação do imóvel à atividade agrária que já estava prevista
na legislação anterior.
Diante da permanência do imóvel sob o domínio público, vê-se que a
mineradora também ocupada e faz uso econômico do solo sem o devido pagamento
de renda e da participação nos resultados da lavra.
Em relação à participação nos resultados da lavra, o quadro abaixo resume
o cenário do princípio do usuário-pagador da questão.
145
ANO Valores recolhidos
CFEM172
(R$)
Projeção da participação
nos resultados da lavra –
Art. 11, “b”, § 1º, do
Código de Mineração.
(50% CFEM) (R$)173
Valores
efetivamente
pagos (R$)
Projeção da participação
nos resultados da lavra –
Art. 75, SPL 37/2011.
(20% CFEM) (R$)
2009 3.350.367,85 1.675.183,92 0,0 670.073,57
2010 5.949.911,48 2.974.955,70 0,0 1.189.982,20
2011 4.744.648,94 2.372.324,47 0,0 948.929,78
2012 5.523.871,22 2.761.935,61 0,0 1.104.774,24
2013 5.563.082,11 2.781.541,05 0,0 1.112.616,42
TOTAL 24.931.881,60 12.465.940,8 0,0 4.986.376,32
Tabela 10 – Quadro dos valores estimados a título de participação do proprietário nos resultados da lavra –
Imerys Rio Capim Caulim S.A. (proc. DNPM nº 815.104/1971): período 2009-2013. Fonte: RAMOS (2014)/DNPM (2014).
7.2 ÁREAS DE PROJETOS DE ASSENTAMENTO RURAL E O PROJETO ONÇA-
PUMA DE NÍQUEL DA VALE S.A.
O Projeto Onça-Puma de Níquel da VALE S.A. é executado na fronteira
entre os Municípios de São Félix do Xingu e Ourilândia do Norte, sendo que neste
está localizada a planta industrial e, naquele, a área de extração do minério
concedida através do processo administrativo DNPM nº 811.015/1973.
Imagem 8 – Mapa ilustrativo da área de extração e da planta de beneficiamento do Projeto Onça-Puma VALE S.A.. Fonte: Pará (2014)/São Félix do Xingu (2013).
172
Fonte DNPM/2014 173
Valores sem a aplicação de multa por atraso e de correção previstos no art. 11, §§ 2º e 3º, do Decreto-Lei 227/67 com a redação dada pela Lei nº 8.901/94.
146
Não obstante os limites territoriais dos municípios, a área ocupada e
utilizada pela VALE S.A. no desenvolvimento da sua atividade econômica foi
arredada e matriculada com fundamento no Decreto-Lei nº 1.164/71 em favor da
União, destinada à implantação do Projeto de Assentamento Rural denominado ―PA
Tucumã‖. Portanto, está sob a gestão do INCRA.
Imagem 9 – Mapa ilustrativo que demonstra a atuação minerária da VALE S.A. em terra pública federal. Fonte:
Pará (2014)/DNPM (2013).
A mineradora e o DNPM no processo administrativo DNPM 811.015/1973
que trata da concessão mineral, demonstram ciência de que o imóvel está inserido
em um Projeto de Assentamento do INCRA, tanto que no bojo dos referidos autos a
VALE S.A. informa que está em tratativa com a autarquia fundiária federal sobre a
obtenção da anuência do uso e ocupação do solo.
Além disso, a mineradora instrui às fls. 903 a 1755 as escrituras públicas
intituladas de compra da posse, quando, na verdade, seriam aquisições das
benfeitorias e da cessão da ocupação, e a relação de compra das benfeitorias.
147
Apesar de declarar no processo do DNPM e no processo de licenciamento
ambiental da SEMA-PA que as negociações, a retirada e o reassentamento de
pequenos produtores ocorreram de forma pacífica, Oliveira (2012) constatou que a
empresa agiu sem qualquer monitoramento do INCRA, provocando diversos
conflitos com movimentos sociais de luta pela terra.
Nesse sentido, elucida Treccani (2014) que somente com a Comissão
Pastoral da Terra Alto Xingu houve a organização dos assentados e promover atos
concretos de insatisfação, como a interdição da via de acesso à Serra do Onça
(mina), forçando a VALE S.A. a entabular acordo que garantisse a indenização e o
reassentamento dos produtores rurais.
Segundo explica Freire (2005) esses conflitos seriam provocados pelo
INCRA ao criar assentamentos rurais sem analisar o potencial mineral do imóvel.
Por sua vez, a PROGE/AGU foi instada a se manifestar a requerimento do
INCRA que, com fundamento no art. 42 do Código de Mineração, declinou pela não
concessão da portaria de lavra em áreas de assentamento rural, por entender que a
atividade seria prejudicial ao bem público ou comprometedor de interesses que
superem a utilidade da exploração industrial.
A resposta dada através do Parecer PROGE nº 318/2004-CCE pugnou pela
realização da ponderação entre interesses minerário e de assentamento rurais, para
que fosse apurado qual deles seria o prevalente, considerando que ambos são
espécies do gênero interesse público.
Para tanto, deveriam INCRA e DNPM sopesar, segundo a conveniência e a
oportunidade, qual delas melhor contribuiria para o desenvolvimento nacional na
atualidade, embora ao final conclua que somente prevalece o interesse agrário se
comprovado que a concretização de reforma agrária supera a utilidade da área pela
exploração mineral174.
Contudo, essa orientação jurídica não pôs termo à questão que continuou
nebulosa. Assim, no intuito de regulamentar os procedimentos a serem adotados
quando houver sobreposições entre atividades de mineração e projetos de
assentamentos para fins de reforma agrária, foi criado o Grupo de Trabalho INCRA e
DNPM através da Portaria Conjunta nº 104, de 25.03.2009.
174
Nesse mesmo sentido pugnam Serra e Esteves (2012), para quem o imóvel objeto de desapropriação para fins de reforma agrária é o improdutivo, nos termos dos arts.184 e 185, II, da CF/88. Daí se questiona se não seriam improdutivos para fins de interesse minerário aqueles imóveis sobre os quais incidem apenas requerimentos e títulos minerários sem a efetiva produção mineral?
148
Um dos produtos dessa comunhão de esforços foi a Norma de Execução do
INCRA nº 95, de 27 de agosto de 2010, que versa sobre os procedimentos
administrativos e técnicos nas ações de obtenção de terras para assentamento de
trabalhadores rurais.
Destarte, o seu art. 11 trata da consulta ao DNPM sobre a existência de
direitos minerários no imóvel passíveis de indenizações ou de substâncias minerais
que possam causar riscos à saúde e ao meio ambiente, bem como da necessária
análise pelo Conselho Comitê de Decisão Regional sobre os ―[...] impactos da
eventual exploração minerária que possam comprometer a implantação de projeto
de assentamento‖175.
No entanto, não há decisões acerca do pagamento e dos titulares dos
direitos de recebimento de rendas pela ocupação e de participação nos resultados
da lavra.
Com efeito, nada foi decidido se os titulares desses direitos são os
assentados regularizados por uma CCDRU, os assentados que cumprem os
requisitos legais para obtenção de uma CCDRU ou a União através do INCRA
enquanto proprietária imobiliária.
Enquanto isso, as mineradoras posicionadas nessa situação continuam a
ocupar e explorar economicamente o bem ambiental fundiário sem qualquer
contrapartida econômica com fulcro no PARECER DNPM Nº
461/2010/HP/PROGE/DNPM.
Outrossim, cabe destacar que, no caso em estudo, nada nesse sentido é
abordado nos autos do licenciamento ambiental e no processo de concessão
minerária.
Por outro lado, na projeção dos valores devidos pela atividade econômica a
título de participação nos resultados da lavra realizada em área de domínio público,
chegou-se a seguinte estimativa.
175
Art. 11. O Incra oficiará o Departamento Nacional de Produção Mineral - DNPM com o objetivo de consultar a existência de direitos subjetivos privados de natureza minerária, potencializadores de pleitos indenizatórios ou que apresentem riscos à salubridade, à segurança e a sustentabilidade ecológico-econômico na implantação do projeto de assentamento rural. § 1º O ofício será acompanhado da planta do perímetro e das coordenadas dos vértices do imóvel rural, em meios físico e magnético, obtendo-se a comprovação de recebimento do oficio pelo ente. § 2º O CDR, previamente à expedição do decreto declaratório, deverá analisar os impactos da eventual exploração minerária que possam comprometer a implantação de projeto de assentamento. § 3º O procedimento previsto no caput será mantido até a edição da Portaria Conjunta DNPM/Incra, que tem como objetivo implantar o cadastro nacional de monitoramento das áreas de interesse do DNPM e do Incra.
149
ANO Valores recolhidos
CFEM176
(R$)
Projeção da participação
nos resultados da lavra –
Art. 11, “b”, § 1º, do
Código de Mineração.
(50% CFEM) (R$)177
Valores
efetivamente
pagos (R$)
Projeção da participação
nos resultados da lavra –
Art. 75, SPL 37/2011.
(20% CFEM) (R$)
2009 0,0 0,0 0,0 0,0
2010 523.895,59 261.947,79 0,0 104.779,11
2011 2.636.204,45 1.318.102,22 0,0 527.240,89
2012 1.867.347,04 936.673,52 0,0 373.469,40
2013 393.035,87 196.517,93 0,0 78.607,17
TOTAL 5.420.484,95 2.710.242,47 0,0 1.084.096,99
Tabela 11 – Quadro dos valores estimados a título de participação do proprietário nos resultados da lavra –
VALE S.A. (proc. DNPM nº 811.015/1971): período 2009-2013. Fonte: RAMOS (2014)/DNPM (2014).
7.3 ÁREAS FEDERALIZADAS E TRANSFORMAÇÃO EM UNIDADES DE
UNIDADES DE CONSERVAÇÃO SEM A PRESENÇA HUMANA: FLORESTA
NACIONAL DE CARAJÁS E OS PROJETOS DE FERRO E DE COBRE DA VALE
S.A.
Conforme já explanado, a federalização das terras públicas implementada
pós-1964 visava concentrar o poder político-econômico nas mãos do governo militar
e dos seus tecnocratas em detrimento do esvaziamento dos poderes estaduais e
municipais sobre os seus territórios.
No discurso, o afã era garantir integração, o desenvolvimento e a segurança
da Amazônia, contudo, após leitura de abalizada bibliografia sobre o tema, o plano
de fundo consistia em garantir o acesso do grande capital a recursos naturais
estratégicos, como as florestas, água/energia e minérios.
Nos dias atuais percebe-se com mais discernimento a intenção militarista e
da União. O problema é que, mesmo com a instauração do regime democrático no
Brasil, ainda não há espaço para novos debates, ficando à mercê da exclusiva
vontade federal a revisão das regras de distribuição de rendas obtidas com a
exploração de recursos naturais incorporadas ao domínio da União por força de atos
arbitrários como o Decreto-Lei nº 1.164/71.
São situações como essas que o art. 75, § 2º, do SPL 37/2011 pretende
corrigir, afinal os prejuízos causados pela intervenção federal nas terras estaduais
geram sequelas que a todo instante são reveladas.
176
Fonte DNPM/2014 177
Valores sem a aplicação de multa por atraso e de correção previstos no art. 11, §§ 2º e 3º, do Decreto-Lei 227/67 com a redação dada pela Lei nº 8.901/94.
150
Um exemplo é a Floresta Nacional de Carajás, localizado na denominada
Província Mineral de Carajás, no qual a VALE S.A. desenvolve os superprojetos de
exploração de minério de ferro (processo administrativo DNPM nº 852145/1976) e de
minério de cobre (processo administrativo DNPM nº 851.355/1991).
A mineradora obteve a concessão dos direitos reais de uso resolúvel de uma
área de 411.948,87ha através da Resolução nº 331, de 05.12.1986, do Senado
Federal, publicada no Diário Oficial da União de 11.12.1986178.
Tratava-se de área federalizada desmembrada de uma maior de 467.000ha
que, sob os auspícios do Decreto-Lei nº 1.164/71, fora arrecadada pelo INCRA e
GETAT, e matriculada com os números 0660.079, 005.766 e 005.763, dos Livros 2-
U, 2-B e 2-D do Cartório de Registro de Imóveis de Marabá em favor da União.
De acordo com o estudioso advogado fundiário e agrimensor Paraguassú
Éleres (2003, p. 118-119), sobre a mesma área Resolução nº 331/86, coincide a
área do Decreto s/nº de 06.03.1997, que, sem revogar a primeira, dispõe que: ―[...]
autoriza a concessão de direito real de uso resolúvel, sob a forma de utilização
gratuita, de uma gleba de terras de domínio da União adjacente à província Mineral
de Carajás, situada no município de Parauapebas, no Estado do Pará‖179.
178
Resolução 331/1989. Senado Federal. Art. 1º É o Poder Executivo autorizado a conceder à Companhia Vale do Rio Doce - CVRD, o direito real de uso resolúvel de uma gleba de terras do domínio da União, adjacente à Província Mineral de Carajás e localizada no Município de Marabá, Estado do Pará, coma área de 411.948,87 hectares (quatrocentos e onze mil, novecentos e quarenta e oito hectares e oitenta e sete ares). Art. 2º A área de que trata o artigo anterior tem as coordenadas geográficas aproximadas dos vértices a seguir indicados: [...] Art. 3º A concessão do direito real de uso sobre a gleba referida nesta Resolução é por tempo indeterminado e tem validade a partir da inscrição do ato concessivo, que explicitará os direitos e deveres da concessionária, no registro de imóveis competente, contendo cláusulas obrigacionais de: a) defesa do ecossistema; b) proteção e conservação no seu ambiente natural de exemplares de todas as espécies e gêneros da flora e da fauna indígenas, incluindo aves migratórias; c) proteção e conservação das belezas cênicas naturais, das formações geológicas extraordinárias ou de interesse estético ou valor histórico ou científico; d) produção de alimentos para atender às populações envolvidas nos projetos de mineração; e) amparo das populações índigenas existentes às proximidades da área concedida e na forma do que dispuser convênio com a Fundação Nacional do Índio - FUNAI ou quem suas vezes fizer; f) conservação e vigilância das concedidas terras do domínio da União; g) aproveitamento das jazidas minerais, e h) proteção e conservação dos recursos hídricos existentes na área e outros serviços indispensáveis. Art. 4º A concessão de que trata esta Resolução é intransferível, vedado à concessionária manter a gleba sem uso por tempo superior a 3 (três) anos a contar da assinatura do ato concessivo. Art. 5º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação. 179
Decreto s/nº de 06.03.1997. Art. 1º Fica autorizada a concessão de direito real de uso resolúvel, sob a forma de utilização gratuita, à Companhia Vale do Rio Doce - CVRD, sociedade de economia mista federal supervisionada pelo Ministério de Minas e Energia, de uma gleba de terras adjacente à Província Mineral de Carajás e localizada no Município de Parauapebas, desmembrado do Município de Marabá, no Estado do Pará, com área total de 411.948,87 hectares, com as seguintes características e confrontações: [...] Parágrafo único. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional representará a União nos atos inerentes à concessão da gleba de que trata o presente Decreto, cabendo à Secretaria do Patrimônio da União a lavratura do respectivo contrato. Art. 2º A concessão é realizada por tempo indeterminado, destinando-se a gleba à pesquisa, extração, beneficiamento, transporte e comercialização de recursos minerais, hídricos e florestais, constituindo obrigações da concessionária: I - a defesa do ecossistema; II - a proteção e conservação, no seu ambiente natural, de exemplares de todas as espécies e gêneros da flora e da fauna indígenas, incluindo as aves migratórias; III - a proteção e conservação das belezas cênicas naturais, das formações geológicas extraordinárias ou de interesse estético, ou de valor histórico ou científico; IV - a produção de alimentos para atender às populações envolvidas nos projetos de mineração; V - o amparo das populações indígenas existentes nas proximidades da área concedida, na forma do convênio formalizado com a Fundação Nacional do Índio - FUNAI, ou quem suas vezes fizer; VI - a conservação e vigilância da gleba ora concedida; VII - o aproveitamento das jazidas minerais; e VIII - a proteção e conservação dos recursos hídricos existentes na área e outros serviços indispensáveis. Parágrafo único. A concessão é intransferível, sendo vedado à concessionária manter a gleba sem uso por tempo superior a três anos, a contar da data da assinatura do contrato de concessão, que explicitará os direitos e deveres da concessionária, e tem validade a partir da sua inscrição no registro de imóveis competente. Art. 3º Responderá a concessionária, judicial e extrajudicialmente, por quaisquer reivindicações que venham a ser efetuadas por terceiros, concernentes à gleba de que trata este Decreto. Art. 4º Os direitos e obrigações aqui mencionados não excluem os outros explícita ou implicitamente decorrentes
151
Já em fevereiro de 1998, foi criada exatamente sobre as duas áreas citadas
a Floresta Nacional de Carajás através do Decreto nº 2.486/1998, destinando-a a
VALE S.A., na época a estatal Companhia Vale do Rio Doce S.A., e empresas a ela
vinculadas180.
Em sua obra o Prof. Éleres (2003) relaciona sem exaurir as diversas
contradições perpetradas, tais como: a) destinação de área pública de conservação
ambiental e de exploração mineral sem preceder de licitação; b) o GETAT procedeu
a arrecadação de uma faixa de 100 km a partir da Rodovia PA-279, que é estadual e
não federal, violando assim os parâmetros legais do Decreto-Lei nº 1.164/71,
contudo, era única forma de complementar os 40% restantes para apropriação total
da província mineral de Carajás; c) os atos de concessão do Senado Federal e a
Presidência da República através da Resolução nº 331/86 e do Decreto s/nº, de
06.03.1997; d) a inconsistência cartográfica da Rodovia BR-158, que foi utilizada
como referência para o estabelecimento da faixa de 100 Km que permitia envolver
toda província mineral; e, e) o INCRA e o GETAT realizaram arrecadações de forma
estimada na cartografia do projeto RADAM, isto é, não executaram as demarcações
em campo violando a Lei nº 6.383/78, que não admite tal procedimento, causando
nulidade de pleno direito não apenas à arrecadação em si, mas também aos
registros de imóveis por vício insanável de ilegalidade.
Diante disso, para o ilustre advogado o Estado do Pará manter-se-ia
proprietário do solo e, como tal, titular do direito de participação nos resultados da
lavra, devendo o ente político estatal propor as medidas judiciais necessárias para
tanto.
Nesse sentido, uma das primeiras providências a serem tomadas versaria
sobre a impossibilidade legal de uma Resolução do Senado Federal e de Decreto
autônomo do Executivo isentar a mineradora de responder por qualquer ônus
resultante da ocupação e do uso econômico do solo integrante do patrimônio
público.
Admitir essa hipótese é violar postulado basilar do Direito pautado no
princípio da hierarquia das normas jurídicas que, à luz da teoria piramidal kelsiana,
do contrato de concessão e da legislação pertinente, inclusive no que se refere à rigorosa observância da legislação ambiental em vigor. Art. 5º A concessão tomar-se-á nula, independentemente de ato especial, sem direito o concessionário a qualquer indenização, inclusive por benfeitorias realizadas, se ao imóvel, no todo ou em parte. vier a ser dada destinação diversa daquela prevista no artigo 2º deste Decreto, se inobservadas as condições estabelecidas em seu parágrafo único, ou, ainda, se ocorrer inadimplemento de cláusula contratual. Art. 6º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação. 180
Reza ao art. 3º, do Decreto nº 2.486/1998: ―As atividades de pesquisa e lavra mineral realizadas pela Companhia Vale do Rio Doce – CVDR e suas empresas coligadas e controladas.‖
152
não permite que atos inferiores isentem obrigação instituída por normas
hierarquicamente superiores.
Destarte, a gratuidade concedida pela Resolução do Senado Federal e o
Decreto s/nº do Poder Executivo, é ilegal por não encontrar arrimo nos diplomas que
guardam relação superior com a matéria, que são: a Constituição Federal de 1967, a
Constituição Federal de 1988 e o Decreto-Lei nº 227/67. Em outras palavras, não
existe nos seus respectivos conteúdos previsão que autorize a outras autoridades
públicas a dispensar discricionariamente, segundo um juízo de conveniência e
oportunidade, o pagamento da participação nos resultados da lavra.
Portanto, como o embate sobre a titularidade desse crédito em favor do
Estado do Pará somente poderá ser decidida com a declaração judicial de nulidade
das matrículas imobiliárias ou a conversão em lei do SPL 37/2011 da redação do §
2º, do art. 75, resta apresentar os valores devidos a título de participação nos
resultados da lavra, visto que é direito líquido e certo diante da ilegalidade da
gratuidade concedida à mineradora.
Assim, em relação ao projeto de exploração do minério de ferro referente ao
processo administrativo de concessão de lavra DNPM nº 852.145/1976, foram
apurados os seguintes valores:
ANO Valores recolhidos
CFEM181
(R$)
Projeção da participação
nos resultados da lavra –
Art. 11, “b”, § 1º, do
Código de Mineração.
(50% CFEM) (R$)182
Valores
efetivamente
pagos (R$)
Projeção da participação
nos resultados da lavra –
Art. 75, SPL 37/2011.
(20% CFEM) (R$)
2009 112.642.410,99 56.321.205,49 0,0 22.528.482,19
2010 295.594.089,06 147.797.044,53 0,0 59.118.817,81
2011 413.183.068,86 206.591.534,43 0,0 82.636.613,77
2012 367.171.948,99 183.585.974,49 0,0 73.434.389,79
2013 399.280.280,39 199.640.140,19 0,0 79.856.056,078
TOTAL 1.587.871.798,29 793.935.899,14 0,0 317.574.359,65
Tabela 12 – Quadro dos valores estimados a título de participação do proprietário nos resultados da lavra –
VALE S.A. (proc. DNPM nº 852.145/1976): período 2009-2013. Fonte: RAMOS (2014)/DNPM (2014).
Quanto ao projeto de exploração de minério de cobre, objeto do processo
administrativo de concessão de lavra DNPM nº 851.355/1991, foram apurados os
valores abaixo discriminados:
181
Fonte DNPM/2014 182
Valores sem a aplicação de multa por atraso e de correção previstos no art. 11, §§ 2º e 3º, do Decreto-Lei 227/67 com a redação dada pela Lei nº 8.901/94.
153
ANO Valores recolhidos
CFEM183
(R$)
Projeção da participação
nos resultados da lavra –
Art. 11, “b”, § 1º, do
Código de Mineração.
(50% CFEM) (R$)184
Valores
efetivamente
pagos (R$)
Projeção da participação
nos resultados da lavra –
Art. 75, SPL 37/2011.
(20% CFEM) (R$)
2009 10.776.237,83 5.388.118,91 0,0 2.155.247,56
2010 28.887.049,26 14.443.524,63 0,0 5.777.409,85
2011 32.303.661,74 16.151.830,87 0,0 6.460.732,34
2012 35.628.781,75 17.814.390,87 0,0 7.125.756,35
2013 31.789.653,95 15.894.826,97 0,0 6.357.930,79
TOTAL 139.385.384,53 69.692.692,26 0,0 27.877.076,90
Tabela 13 – Quadro dos valores estimados a título de participação do proprietário nos resultados da lavra –
VALE S.A. (proc. DNPM nº 851.355/1991): período 2009-2013. Fonte: RAMOS (2014)/DNPM (2014).
7.4 TERRITÓRIOS OCUPADOS POR POPULAÇÕES TRADICIONAIS E
REMANESCENTES QUILOMBOLAS E A MINERAÇÃO.
Como já exposto, a ideia da Amazônia enquanto vazio demográfico padece
de veracidade. A região está ocupada devendo a mineração e as demais atividades
econômicas compreenderem a história e a ocupação muitas das vezes imemorial de
pessoas e povos. Situação jurídica que serve para contrapor o discurso de interesse
nacional absoluto e a ausência de alternativas em virtude da rigidez locacional da
jazida.
Nesse contexto serve a Convenção nº 169 da OIT ao propósito de defender
direitos de diversas naturezas de indígenas e povos tribais, entre os quais os
territoriais e de autodeterminação, em que se incluem os remanescentes
quilombolas e as populações tradicionais (TRECCANI, 2014).
Isso porque todos eles teriam como traço em comum a ocupação de
espaços através de um vínculo étnico-cultural entre seus membros e a interação
harmônica com o ecossistema que habitam, ou melhor, fazem parte, o que fora
definido por Benatti (2001) como característico da posse agroecológica.
Esse entendimento encontra arrimo no próprio item 2 do seu art. 13, no qual
é esclarecido que o conceito de territórios ―[...] abrange todo o ambiente das áreas
que esses povos ocupam ou usam para outros fins‖.
Destarte, o art. 14 da norma internacional suso obriga os Estados
signatários:
183
Fonte DNPM/2014 184
Valores sem a aplicação de multa por atraso e de correção previstos no art. 11, §§ 2º e 3º, do Decreto-Lei 227/67 com a redação dada pela Lei nº 8.901/94.
154
1. Dever-se-á reconhecer aos povos interessados os direitos de
propriedade e de posse sobre as terras que tradicionalmente ocupam.
Além disso, nos casos apropriados, deverão ser adotadas medidas para
salvaguardar o direito dos povos interessados de utilizar terras que não
estejam exclusivamente ocupadas por eles, mas às quais,
tradicionalmente, tenham tido acesso para suas atividades tradicionais e
de subsistência. [...]. 2. Os governos deverão adotar as medidas que sejam necessárias para
determinar as terras que os povos interessados ocupam tradicionalmente
e garantir a proteção efetiva dos seus direitos de propriedade e posse.
3. Deverão ser instituídos procedimentos adequados no âmbito do
sistema jurídico nacional para solucionar as reivindicações de terras
formuladas pelos povos interessados.
Percebe-se a perfeita harmonia entre a Convenção adotada pela
Organização das Nações Unidas em 1989 e ao que dispõe o art. 68 do ADCT e do
art. 322 da Constituição do Estado do Pará de 1989185, em relação ao
reconhecimento da propriedade definitiva das terras ocupadas pelos remanescentes
de quilombos, bem como o que trata o já comentado Decreto 6.040/2007186, que
versa sobre a propriedade territorial de povos e comunidades tradicionais, tais como
os ribeirinhos que ocupam ou não unidades de conservação, visto que trazem na
sua ancestralidade e miscigenação a carga histórica ocupacional da Amazônia.
Interessante que os direitos dessas comunidades não ficam restritos a terra,
estendendo-se aos recursos naturais.
O art. 15187 da Convenção assegurada aos comunitários a participação na
utilização, na administração e na conservação dos mesmos, e quando for o Estado o
―proprietário‖ do bem ambiental, tais como o minério, estão garantidos os seus
direitos de prévia anuência para o desenvolvimento da atividade por terceiros, a
participação nos benefícios gerados e o recebimento de indenizações por danos.
185
Art. 322. Aos remanescentes das comunidades dos qu ilombos que estejam ocupando suas terras, é reconhecida a
propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes títulos respectivos no prazo de um ano, após promulgada esta
Constituição. 186
Art. 3o Para os fins deste Decreto e do seu Anexo compreende-se por: [...] II - Territórios Tradicionais: os espaços
necessários a reprodução cultural, social e econômica dos povos e comunidades tradicionais, sejam eles utilizados de forma
permanente ou temporária, observado, no que diz respeito aos povos indígenas e quilombolas, respectivamente, o que
dispõem os arts. 231 da Constituição e 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e demais regulamentações; e
[...] 187
Art. 15. 1. O direito dos povos interessados aos recursos naturais existentes em suas terras deverá gozar de salvaguardas
especiais. Esses direitos incluem o direito desses povos de participar da utilização, administração e conservação desses
recursos. 2. Em situações nas quais o Estado retém a propriedade dos minerais ou dos recursos do subsolo ou direitos a
outros recursos existentes nas terras, os governos estabelecerão ou manterão procedi- mentos pelos quais consultarão estes
povos para determinar se seus inter esses seriam prejudicados, e em que medida, antes de executar ou autorizar qualquer
programa de exploração desses recursos existentes em suas terras. Sempre que for possível, os povos participarão dos
benefícios proporcionados por essas atividades e receberão indenização justa por qualquer dano que sofram em decorrência
dessas atividades.
155
No que tange a possibilidade de remanejamento das áreas tradicionalmente
ocupadas, preveem os art. 16188 e 17189 que isso ocorrerá de forma excepcional
antecedida do conhecimento e livre consentimento das populações atingidas. E,
uma vez não obtida a anuência, somente poderão ser forçosamente remanejadas
nos termos legais estabelecidos, assegurado o direito de receber terras de
semelhante qualidade e o retorno tão logo deixem de existir as razões que
fundamentaram sua transferência.
Aliás, o assentimento das populações é um direito garantido no art. 6º, que
por oportuno também fixa as diretrizes para o seu atendimento:
ARTIGO 6º
1. Na aplicação das disposições da presente Convenção, os governos
deverão: a) consultar os povos interessados, por meio de procedimentos
adequados e, em particular, de suas instituições representativas, sempre
que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de
afetá-los diretamente; b) criar meios pelos quais esses povos possam
participar livremente, ou pelo menos na mesma medida assegurada aos
demais cidadãos, em todos os níveis decisórios de instituições eletivas ou
órgãos administrativos responsáveis por políticas e programas que lhes
afetem; c) estabelecer meios adequados para o pleno desenvolvimento das
instituições e iniciativas próprias desses povos e, quando necessário,
disponibilizar os recursos necessários para esse fim.
2. As consultas realizadas em conformidade com o previsto na presente
Convenção deverão ser conduzidas de boa-fé e de uma maneira adequada
às circunstâncias, no sentido de que um acordo ou consentimento em torno
das medidas propostas possa ser alcançado.
Trata-se, como visto, de dispositivo que encontra reforço nos Princípios do
Equador190, no qual as instituições financeiras assumiram entre vários compromissos
o que é consignado no Princípio 15:
188
Artigo 16 1. Sujeito ao disposto nos próximos parágrafos do presente artigo, os povos interessados não deverão ser retirados das terras que ocupam. 2. Quando a retirada e o reassentamento desses povos forem considerados necessários como uma medida excepcional, eles só serão realizados com seu livre consentimento e conhecimento. Não sendo possível obter seu consentimento, essa transferência só será realizada após a conclusão dos procedimentos adequados previstos na lei nacional, inclusive após consultas públicas, conforme o caso, nas quais os povos interessados tenham oportunidades de ser efetivamente representados. 3. Sempre que possível, esses povos terão o direito de retornar às suas terras tradicionais tão logo deixem de existir as razões que fundamentaram sua transferência. 4. Quando esse retorno não for possível, como definido em acordo ou, na falta de um acordo, por meio de procedimentos adequados, esses povos deverão receber, sempre que possível, terras de qualidade e situação jurídica pelo menos iguais às das terras que ocupavam anteriormente e que possam satisfazer suas necessidades presentes e garantir seu desenvolvimento futuro. Quando os povos in- teressados manifestarem preferência por receber uma indenização em dinheiro ou espécie, essa indenização deverá ser adequadamente garantida. 5. Pessoas transferidas de uma terra para outra deverão ser plenamente indenizadas por qualquer per da ou dano. 189
Artigo 17 1. Procedimentos estabelecidos pelos povos interessados para a transmissão de direitos sobre a terra entre seus
membros deverão ser respeitados. 2. Os povos interessados deverão ser sempre consultados ao se considerar sua
capacidade de alienar suas terras ou de outra maneira transmitir seus direitos fora de suas comunidades. 3. Deverão ser
tomadas medidas para impedir que pessoas alheias a esses povos tirem proveito de seus costumes ou do desconhecimento
das leis por parte de seus membros para assumir a propriedade, posse ou uso de terras que lhes pertençam. 190
Em nota de rodapé do documento é delineada definição sobre consulta livre, prévia e informada: A consulta deve ser "livre"
(livre de manipulação externa, interferência, coerção ou intimidação), "prévia" (divulgação tempestiva de informações) e
"informada" (com informações relevantes, compreensíveis e acessíveis) e precisa contemplar todo o processo do projeto, e não
somente as etapas iniciais do mesmo. O financiado adaptará seu processo de consulta ao linguajar das comunidades afetadas,
156
Princípio 15. O governo, o cliente ou terceiro especialista deverá ter
consultado as comunidades afetadas pelo projeto de forma
estruturada e culturalmente adequada Em projetos com significativos
impactos adversos em comunidades afetadas, o processo deverá
garantir consulta livre, prévia e informada, assim como facilitar a
participação informada como meio de determinar, de modo que satisfaça
à EPFI, se o projeto incorporou adequadamente as preocupações
das comunidades afetadas. (grifo nosso)
Percebe-se, por conseguinte, que no ordenamento jurídico já existem
instrumentos legais suficientes que asseguram os direitos territoriais dessas
comunidades, o que influencia diretamente sobre a titularidade do recebimento de
rendas pelo uso econômico das suas áreas pela mineração e a participação dos
resultados da lavra.
Contudo, ressalta-se o apontamento feito por Treccani (2014) de que as
deficiências estatais no processamento desses reconhecimentos territoriais
dificultam a negociação e o recebimento das rendas. Isso poderá gerar um interesse
inverso do próprio Estado em não pretender mais a regularização fundiária desses
imóveis diante das vultosas remunerações devidas pelo minerador em razão da
participação do proprietário do solo nos resultados da lavra, conforme poderá ser
visualizado nos casos a seguir apresentados.
7.4.1 ÁREAS DE USO DE POPULAÇÕES TRADICIONAIS E O PROJETO DE
BAUXITA DA ALCOA WORLD ALUMINA BRASIL LTDA.
No Município de Juruti-PA está instalada uma das principais minas de
bauxita do Brasil, quiçá do mundo. A concessão mineral da ALCOA outorgada nos
autos do processo administrativo DNPM nº 808.954/1975, é desenvolvido às custas
da resistência da identidade territorial e no uso coletivo do território e dos recursos
naturais pela Associação das Comunidades da Região de Juruti Velho (ACORJUV)
e a Federação das Associações de Moradores e Comunidades do Assentamento
Extrativista da Gleba Lago Grande (FEAGLE) que, segundo Marialva (2011), é
compostas por comunidades tradicionais descendentes dos índios mundurukus.
aos seus processos de tomada de decisão e às necessidades de grupos de pessoas deficientes ou vulneráveis. A consulta a
Povos Indígenas deve atender aos critérios específicos e detalhados do Padrão de Desempenho 7. Outrossim. é preciso
abordar os direitos especiais dos Povos Indígenas, conforme reconhecidos pela legislação do país-sede (grifo nosso).
157
A tensão teve início já na fase de pesquisa e foi agravada na de exploração
quando os comunitários foram proibidos de acessar a área destinada à lavra embora
estivesse localizada no interior do território por eles tradicionalmente usado para
caça, pesca e extrativismo de recursos florestais não-madeireiros.
Como resultado das lentas negociações, os integrantes das populações
tradicionais ocuparam a área da ALCOA. Ações judiciais possessórias foram
propostas pela mineradora contra a Federação das Associações de Moradores e
Comunidades do Assentamento Extrativista da Gleba Lago Grande (FEAGLE) e
mais 20 comunitários. O grau de polarização do conflito foi tão grande que provocou
o surgimento de duas forças antagônicas: o ―Movimento 100% ALCOA‖ vs. o
―Movimento 100% Juruti‖.
Lopes (2012, p. 180) afirma que o mote do conflito concentra-se na
apropriação e uso da terra que, para essas comunidades, sempre foi um grande
desafio por gerações em virtude das riquezas naturais. Porém, no ano 2000 com a
chegada da mineradora
―[...] a luta pela regularização fundiária se tornou o epicentro das
reivindicações coletivas entre muitas comunidades do município de Juruti,
mais especificamente na região de Juruti Velho.
A partir desse momento, cada vez mais os comunitários se envolveram em
luta coletiva, e a regularização fundiária passou a ser um dos instrumentos
indispensáveis para reivindicar e negociar com a empresa.‖
O produto da atuação social organizada e os desgastes socioeconômicos
sofridos pela mineradora fizeram com que o INCRA, em 2009, acelerasse e
concluísse o processo de criação do Projeto de Assentamento Extrativista (PAE)
Juruti Velho com 109.551ha, atendendo 1.998 famílias, e o Governo do Estado do
Pará outorgasse aos comunitários Contratos de Concessão de Direito Real de Uso
sobre as suas terras.
158
Imagem 10 – Mapa ilustrativo que demonstra a atuação minerária da ALCOA Ltda. em terra pública federal e estadual e também em comunidades tradicionais. Fonte: Pará (2014)/DNPM (2013).
No entanto, o conflito continuou no âmbito da luta pelos comunitários em prol
do reconhecimento da obrigação da empresa de pagar a participação nos resultados
da lavra.
Como resultado, Treccani (2014) explica que foi firmado o Termo de
Compromisso, Responsabilidade e Ajustamento de Conduta entre ALCOA-
INCRA-ACORJUVE191 no qual foram assegurados:
―[...] direitos à participação no resultado da lavra, renda pela ocupação
do terreno, indenização por danos e prejuízos e servidão minerária, os
quais reverterão em benefício do PAE JURUTI VELHO e constituirão fontes
191
Explica o documento: ―Os signatários do presente Termo de Compromisso reconhecem neste ato que as unidades
familiares beneficiárias do Projeto Agroextrativista PAE JURUTI VELHO, criado pela Superintendência Regional do INCRA de
Santarém, Estado do Pará, por meio do Processo Administrativo SR-30/STM Nº 54501.000656/2005-23, com apensos
54501.004431/2007-16 e 54501.018355/2007-18 e...., constituem Comunidades Tradicionais da Região de Juruti Velho, nos
termos do Decreto nº 6.040/2007, possuindo formas próprias de organização social, que ocupam e usam o território e recursos
naturais de forma permanente, que lhes foi destinado e reconhecido pelo INCRA como seus, como condição para sua
reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e
transmitidos, também, pela tradição. Esse reconhecimento tem por base o estudo denominado ―Aspectos Históricos e
Socioeconômicos do Projeto de Assentamento Agroextrativista – PAE JURUTI VELHO”.
159
de renda daquelas famílias, ficando desde já acordado que as
especificações para assegurar objetiva, concreta e efetivamente cada direito
decorrente serão tratadas em ajuste individualizado, tão logo firmado este
Termo de Compromisso e desde que os elementos estejam todos reunidos
(grifos no original).
Marialva (2011, p. 82) esclarece que essa participação seria correspondente
a 1,5% da receita apurada nos quais estariam inclusos o ―[...] pagamento por danos
e prejuízos pela ocupação da terra e retirada da água‖, cujo montante pago seria
distribuído da seguinte forma: a) 50% entre as famílias; e, b) os 50% restantes,
gerenciado pela Associação para investimentos coletivos em produção e
necessidades básicas. Em relação à parcela destinada aos comunitários, a
pesquisadora informa que gerou para cada uma das 2.500 famílias uma renda
trimestral de R$ 600,00.
Lopes (2012), por sua vez, consigna que, de acordo com os dados
fornecidos pela ALCOA, foram feitos os seguintes repasses a ACORJUVE: a) ano
de 2009: R$ 757.000,00; b) ano de 2010: R$ 5.600.000,00; e, c) ano de 2011: R$
3.600.000,00. Informações estas que não foram confirmadas pela Associação
beneficiária até o fechamento deste trabalho.
Contudo, as duas referências bibliográficas não explicam a forma de
obtenção desses números, não se sabendo ao certo a metodologia do cálculo que,
por certo, não utilizou os parâmetros legais previstos no art. 11, ―b‖, § 1º, do Código
Minerário em vigor, conforme a comparação que pode ser feita a partir dos dados
apresentados no quadro abaixo.
ANO Valores recolhidos
CFEM192
(R$)
Projeção da participação
nos resultados da lavra –
Art. 11, “b”, § 1º, do
Código de Mineração.
(50% CFEM) (R$)193
Valores
efetivamente
pagos (R$)
Projeção da participação
nos resultados da lavra –
Art. 75, SPL 37/2011.
(20% CFEM) (R$)
2009 0,0 0,0 0,0 0,0
2010 11.933.171,49 5.966.585,74 0,0 2.386.634,29
2011 10.864.196,69 5.432.098,34 0,0 2.172.839,33
2012 10.577.749,14 5.288.874,57 0,0 2.115.549,82
2013 10.428.411,44 5.214.205,72 0,0 2.085.682,28
TOTAL 43.803.528,76 21.901.764,38 0,0 8.760.705,75
Tabela 14 – Quadro dos valores estimados a título de participação do proprietário nos resultados da lavra –
ALCOA (proc. DNPM nº 808.954/1975): período 2009-2013. Fonte: RAMOS (2014)/DNPM (2014).
192
Fonte DNPM/2014 193
Valores sem a aplicação de multa por atraso e de correção previstos no art. 11, §§ 2º e 3º, do Decreto-Lei 227/67 com a redação dada pela Lei nº 8.901/94.
160
Não obstante a incompatibilidade entre valores e a confusão entre institutos
jurídicos da renda pela ocupação e uso da água, participação nos resultados da
lavra e indenização por prejuízos, o certo é que o caso em estudo demonstra os
resultados positivos da luta qualificada das comunidades tradicionais pelo
reconhecimento dos seus direitos territoriais para que a mineradora fosse compelida
a cumprir suas obrigações legais.
7.4.2 ÁREAS OCUPADAS POR POPULAÇÕES TRADICIONAIS E QUILOMBOLAS
E O PROJETO DE BAUXITA DA MINERAÇÃO RIO DO NORTE S.A. (MNR).
Explica Treccani (2014) que desde 1976 na Região de Trombetas no Estado
do Pará convivem em uma relação conflituosa as populações ribeirinhas e
comunidades remanescentes quilombolas e a Mineração Rio do Norte S.A. (MRN).
Esse projeto minerário de exploração da bauxita cuja concessão foi
outorgada nos autos do processo administrativo DNPM nº 950.341/1989, teve como
principal incentivador a política econômica militarista da época, que até hoje gera
conflitos em relação à ocupação do solo e à poluição ambiental do Lago Batata e de
vários igarapés, tendo sido alguns deles assoreados.
O espaço territorial que serve de cenário do conflito é a Floresta Nacional
(FLONA) Sacará-Taquera, cujo Decreto de criação, de nº 98.704/1989, permitiu a
atividade minerária194, contudo, não reconheceu a dominialidade dos seus 2.485195
ocupantes ribeirinhos e remanescentes de quilombos, que foram identificados no
respectivo Plano de Manejo da unidade de conservação.
Também alerta Treccani (2014) a necessidade de monitoramento da relação
considerando que no plano de expansão das atividades da mineradora consta a
exploração já licenciada pelo DNPM de uma área de 3.750 ha no Platô Monte
Branco.
194
O artigo 2º do Decreto nº 98.704/1989 prevê que: ―As atividades de pesquisa e lavra minerais autorizadas já em curso ou consideradas reservas técnicas na área da Flona, ora criada, não sofrerão solução de continuidade [...].‖ 195
O Plano de Manejo da Floresta Nacional foi publicado em dezembro de 2001 e está disponível em http://www.ufrrj.br/institutos/if/lmbh/pdf/plano_manejo_flona_%20Saraca_taquera_sumario_executivo.pdf, acesso em 03 de dezembro de 2011. Quilombolas: Moura, Palhal, Jamari, Sagrado Coração, Mãe-Cué e Tapagem, com uma população de 1.395 pessoas; ribeirinhas: Boa Nova Casinha, Ajará, Lago Batata, Acari, Sumaúma, Carimun, Igarapé Samaúma e Jarazal, Serra, Jamari, Vira-volta, Posto Aurora e Boa Esperança, com 1.090 moradores, perfazendo um total de 2.485 moradores.
161
Isso porque essa nova empreitada envolverá o desmatamento de uma área
vizinha às comunidades Moura e Jamari/Último Quilombo, que também temem pela
poluição da água dos igarapés e prejuízos na exploração da copaíba196.
Analisa o doutrinador que, segundo o Plano de Manejo, atualmente a
atividade minerária abrange um espaço de 1.546,56ha, que se localizam
exclusivamente na área da FLONA, ou seja, 0,36% da sua extensão territorial
total197. Entretanto, segundo o Plano de Manejo, a área reservada para mineração é
de 142.095,47 ha, correspondendo a 33,08% da unidade de conservação, embora
46.593,71 ha serão efetivamente destinados a futuras lavras e à recuperação
ambiental, pulverizadas de tal forma nesse espaço que inevitavelmente
comprometerá a permanência das populações tradicionais.
No que tange ao mérito deste trabalho, há poucos avanços sobre o
reconhecimento de direitos dominiais das populações tradicionais e comunidades
quilombolas, apesar da criação de projetos de assentamentos extrativistas como
Sapacuã-Trombetas.
Tanto é verdade a assertiva que nenhuma bibliografia foi encontrada sobre
os esforços da mineração e dos poderes públicos sobre o pagamento de rendas e
da participação dos resultados da lavra resultante da propriedade do solo de
ribeirinhos e quilombolas, tampouco qualquer medida legal de isenção nesse sentido
em favor da mineradora relativa aos quase 40 anos de uso econômico das terras
públicas.
Nesse diapasão, do levantamento feito foram encontrados os valores abaixo
consolidados:
196
A copaíba (Copaifera sp) fornece um óleo de uso medicinal empregado como anti-inflamatório e anticancerígeno bastante procurado nos mercados regional, nacional e internacional pelas suas propriedades químicas e medicinais. 197
Plano, op. cit. p. 3.9. O diagnóstico atesta a existência de um: ―Grande potencial mineral, com reservas de bauxita em torno
de 1,1 bilhões de toneladas‖ (p. 4.1).
162
ANO Valores recolhidos
CFEM198
(R$)
Projeção da participação
nos resultados da lavra –
Art. 11, “b”, § 1º, do
Código de Mineração.
(50% CFEM) (R$)199
Valores
efetivamente
pagos (R$)
Projeção da participação
nos resultados da lavra –
Art. 75, SPL 37/2011.
(20% CFEM) (R$)
2009 14.091.867,45 7.045.933,72 0,0 2.818.373,49
2010 18.951.597,12 9.475.798,56 0,0 3.790.319,42
2011 19.835.497,01 9.917.748,50 0,0 3.397.099,40
2012 4.461.982,07 2.230.990,03 0,0 892.396,41
2013 10.428.411,44 5.214.205,72 0,0 2.085.682,28
TOTAL 67.769.355,09 33.884.677,54 0,0 13.553.871,01
Tabela 15 – Quadro dos valores estimados a título de participação do proprietário nos resultados da lavra – MRN
(proc. DNPM nº 950.341/1989): período 2009-2013. Fonte: RAMOS (2014)/DNPM (2014).
7.5 QUADRO RESUMO
Após os levantamentos realizados, os valores devidos pelos sete
empreendimentos mineiros a título de participação do proprietário do solo nos
resultados da lavra realizada em solo público nos últimos cinco anos, chega-se aos
seguintes números:
Mineradora Processo de
Concessão DNPM Natureza do Imóvel
CFEM
2009-2013
(R$)
Estimativa do valor da
participação nos
resultados da lavra
2009-2013200 (R$)
Mineração
Buritirama S.A. 815.959/1973
Terra devoluta – Sem
destinação específica 12.199.154,83 6.099.577,41
Imerys Rio
Capim Caulim
S.A.
815.104/1971 Terra devoluta – Sem
destinação específica 24.931.881,60 12.465.940,80
VALE S.A. 811.015/1973 Projeto Assentamento
Rural Federal 5.420.482,95 2.710.241,47
VALE S.A. 852145/1976 Unidade de
Conservação 1.587.871.798,29 793.935.899,14
VALE S.A. 851.355/1991 Unidade de
Conservação 139.385.384,53 69.692.692,26
ALCOA 808.954/1975
Assentamento
Agroextrativista de
Populações
Tradicionais
43.803.528,76 21.901.764,38
Mineração Rio
do Norte 950.341/1989
Unidade de
Conservação e
Território Quilombola
67.769.355,09 33.884.677,54
TOTAL 1.881.381.586,05 940.690.793,025
Tabela 16 – Quadro resumo dos valores estimados a título de participação do proprietário nos resultados da
lavra dos empreendimentos minerários pesquisados: período 2009-2013. Fonte: RAMOS (2014)/DNPM (2014).
198
Fonte DNPM/2014 199
Valores sem a aplicação de multa por atraso e de correção previstos no art. 11, §§ 2º e 3º, do Decreto-Lei 227/67 com a redação dada pela Lei nº 8.901/94. 200
Valores sem a aplicação de multa por atraso e de correção previstos no art. 11, §§ 2º e 3º, do Decreto-Lei 227/67 com a redação dada pela Lei nº 8.901/94.
CAPÍTULO 8 – CONCLUSÃO.
Este trabalho demonstrou a impossibilidade de desvincular a questão
fundiária da atividade minerária, afinal a exploração da propriedade minerária, que
não se confunde com a do solo, somente é possível com o acesso pela área da
superfície onde a lavra ocorrerá e/ou serão ocupadas pelas instalações de servidões
necessárias à viabilização do empreendimento.
Contudo, estabelecer a identidade da propriedade do solo exige cautela em
um processo complexo diante das armadilhas criadas pelo caos imobiliário causado,
isolada ou conjuntamente, por problemas relacionados aos títulos de terras
expedidos, a falta de estrutura de órgãos fundiários, a deficiências legislativas, a
crise do sistema cartorial, a ausência de políticas públicas destinadas à solução do
problema e a especulação imobiliária em virtude do aumento do valor da terra.
Tudo resultado de um processo de ocupação desorganizado que ganhou
intensidade com a política de integração econômica da Amazônia patrocinada pelo
governo militar pós-1964 através da concessão de incentivos fiscais e
financiamentos, a abertura de estradas sem as cautelas estruturais devidas e a
migração da tensão social do nordeste para o norte do País.
Viu-se que um dos focos foi a intervenção federal das terras estaduais para
que o governo central pudesse concentrar o controle sobre áreas e,
consequentemente, o acesso aos recursos naturais, tais como floresta, energia e
minério. O objetivo era atender o interesse de grupos econômicos e modernizar o
capital na região, incentivando atividades de grande porte como a mineração.
Contudo, o processo de ocupação e uso do solo se fez de forma
desalinhada à realidade local, desconsiderando a pré-existência de pessoas e
grupos sociais com os seus próprios modos de vida, bem como na exploração
focada em determinados recursos naturais, ainda que, para tanto, exigisse
tangenciar a utilização de outros.
Com efeito, a maioria da matéria-prima utilizada e dos danos resultantes do
processo de produção de riquezas não eram – e não são – internalizados pelos
empreendimentos provocando distorções no mercado e o lucro às custas da
utilização de bens ambientais sem a devida contraprestação da sociedade, que arca
sozinha com conflitos socioambientais gerados para acessar os bens ambientais de
interesse econômico.
164
Situação que é mais problemática na Amazônia, onde há uma crise histórica
no que tange ao direito sobre a terra que, sem uma acurada pesquisa fundiária, não
é possível saber quem é o verdadeiro proprietário privado ou se a área continua
integrante do patrimônio público. Na verdade, pelos dados apresentados neste
trabalho viu-se que a maioria das áreas continua sob o domínio público ocasionado
pelo que se chamou de déficit de regularização fundiária seja de imóveis
individualizados, seja de imóveis destinados a uma coletividade.
O resultado são as graves querelas que, ao final, dizem respeito ao acesso
dos recursos naturais. E isso não é de hoje, pois remonta aos tempos do
descobrimento, quando a conquista de territórios tinha como objetivo encontrar
metais, em especial o ouro e a prata. Cenário que demonstra as raízes profundas da
associação umbilical entre o solo e a mineração, que mantém entre si uma relação
complexa de sobreposição de interesses que potencializam os problemas de uso e
ocupação da superfície.
Essa total desorganização fundiária é paga com a vida de pessoas, a
apropriação ilegal de terras públicas (grilagem) e o uso econômico do solo público
sem a devida remuneração legal, como ocorre na atividade minerária no que se
refere as rendas pela ocupação resultante da instalação de servidões minerárias e a
participação do proprietário do solo nos resultados da lavra.
Muitas dúvidas pairavam por conta de entendimentos equivocados como
aquele liderado pelo DNPM que confunde a CFEM com a participação do
proprietário do solo nos resultados da lavra, tornando inadmissível o exercício deste
direito pelo ente político quando o imóvel estiver no domínio público.
Ao desconsiderar a natureza jurídica do solo enquanto bem ambiental
integrante do patrimônio público, essa orientação afastava a aplicação do disposto
no art. 4º, VII, 2ª parte, da Lei nº 6.938/81, que consagra o princípio do usuário-
pagador. Interpretação que isenta o minerador de remunerar quando o solo público é
utilizado economicamente para garantir o pleno desenvolvimento da sua atividade.
Com isso, o empreendedor não internaliza as externalidades negativas do
empreendimento, os quais acabarão sendo custeados pela sociedade.
Portanto, os argumentos trazidos no presente trabalho visam ultrapassar a
ideia retrógada de privilegiar o interesse privado, que valoriza com a remuneração
apenas a utilização pela mineração de imóveis regularmente sob o domínio privado
– espécie rara –, como forma de prevalecer o seu interesse sobre qualquer outra
165
destinação da área objeto de intervenção, como forma de superar conflitos com o
proprietário do solo e, assim, assegurar as condições necessárias para o
desenvolvimento da atividade.
Demonstrou-se, contudo, que a Constituição Federal de 1988 promoveu um
salto democrático pautado no pluralismo social, bem como a saída de um status de
miserabilidade ecológico-constitucional para a opulência ecológico-constitucional
Benjamin (2008, p. 87), exigindo uma nova hermenêutica que não comporta mais
uma leitura estritamente positivista-privatista, que atende exclusivamente o interesse
do empreendedor minerário.
Destarte, buscou-se superar a visão da mineração que foi legitimado pelos
governos autoritários a fazer uso do que fosse necessário para cumprir a função
econômica que lhe fora dada de desenvolver o país. Nesse caso, entrar nas áreas,
extrair e pagar pelos minérios, enquanto pessoas não tinham a sua dignidade
respeitada e os demais recursos naturais utilizados não eram contabilizados, tais
como a floresta, a água e o solo.
A noção do valor econômico dos bens ambientais e a necessidade de
internalizá-los no processo produtivo até como uma forma de melhorar a sua gestão
não pode ser considerada uma novidade trazida pelas cobranças institucionalizadas
nos últimos 20 anos com as Leis nº 9.433/97 e nº 11.284/2006, mas sim remontam a
Constituição de 1934, reforçada na Constituição de 1967 e no Decreto-Lei nº 227/67,
e consolidada na Constituição Federal de 1988, ao prever o pagamento pelo uso de
solo objeto de lavra mineral, independentemente se essa área da superfície for de
domínio público ou privado.
Entender de modo contrário é restringir o direito da sociedade que, na visão
mais moderna do direito, é a verdadeira titular das áreas públicas que são
administradas em seu nome pelos entes públicos. Então, como não efetuar esse
pagamento quando existem outros usos destinados ao imóvel diversos da
mineração e também atendem a um interesse público?
Percebe-se que a defesa tradicionalista do direito a participação nos
resultados da lavra somente admite o pagamento quando realizado em imóveis
privados em virtude da perda do direito de preferência do seu proprietário. Contudo,
esse argumento se esvazia diante das premissas do princípio do usuário-pagador
que, como visto, foi introduzido formalmente no ordenamento jurídico brasileiro em
1981, e abrange indistintamente os solos públicos e particulares.
166
Dessa forma, a utilização de área de imóvel público pela mineração implica
no dever de pagar ao seu ente público gestor a participação nos resultados da lavra
com fundamento no art. 176, § 2º, da Constituição Federal de 1988, e no art. 11,
alínea ―b‖ e § 1º, do Código Minerário, que não trazem qualquer isenção legal como
entende o DNPM e as mineradoras. Assim, agir de forma diversa configura renúncia
de receita e locupletamento indevido por causar lesão ao patrimônio público.
Após o estudo dos casos do Estado do Pará e o seu cenário fundiário crítico
em relação à grilagem de terras, pode-se afirmar que muito já se pagou a pessoa
indevida em substituição ao verdadeiro titular do solo, apoiado em um registro
imobiliário inidôneo, ou nada se pagou a título de participação nos resultados da
lavra, caso seja público.
Percebe-se que da apuração referente aos anos de 2009 a 2013, relativo a
apenas sete frentes de lavra, os valores estimados de não pagamento pelo uso do
solo público alcança o valor absoluto de R$ 940.690.793,025. Cifras estas
impensadas até o presente levantamento que geram benefícios financeiros ao
minerador e aos seus investidores, posto que o uso econômico desse bem
ambiental não é contabilizado como custo pela atividade produtiva.
Quanto à sociedade, posiciona-se como grande financiadora do segmento,
afinal, cede o uso do solo de que é proprietária para o desenvolvimento do
empreendimento sem nenhuma contrapartida financeira.
Dessa forma, nos cerca de 50 anos de mineração na Amazônia esses
significativos valores devidos pela exploração do solo enquanto recurso ambiental e,
ao mesmo tempo, bem integrante do patrimônio público, deixaram de ser
arrecadados. Antes até se justificava o silêncio em virtude da repressão política, mas
pós-1988 isso não é admissível, visto que representa uma possibilidade de obtenção
de receita legítima e legal para conversão na melhoria da qualidade de vida da
população.
Por isso, não se cogita a gratuidade ou desoneração dessa obrigação
considerando que a atividade minerária concorre com outras atividades sobre o
mesmo espaço, posto que de igual forma como acontece com a florestal, deve pagar
o preço-público de um bem que lhe serve para atingir os seus objetivos
empresariais.
Por outro lado, isso também aponta para um cenário mais preocupante. Com
a revelação do significado econômico da participação do proprietário do solo nos
167
resultados da lavra, se acentuará a luta pela terra, muito fértil em locais onde há
interesse econômico em áreas sem regularização fundiária ou com documentados
duvidosos quanto à legalidade. A história da Amazônia comprova isso.
O engenho humano, por sua vez, contará com antigas e novas práticas no
intuito de ludibriar a legislação para comprar a terra pública a preços módicos se
comparado com o valor a receber a título de participação nos resultados da lavra ou
pela sanha da mineração em pagar por áreas regularmente tituladas.
Em tempos de calorosos debates sobre o novo marco legal da mineração, a
redação do Substitutivo ao Projeto de Lei nº 37/2011 e apensos deixam de trazer
soluções e gera mais dúvidas, principalmente por não mais regulamentar temas
previstos no Código em vigor. Apresenta-se, na verdade, com a timidez típica do
melindre que envolve a matéria, tendendo-se a perder a oportunidade de dar mais
segurança ao minerador e àqueles proprietários do solo que sofrerão algum tipo de
intervenção pelo empreendimento.
Vê-se que, embora possa ser constatado que a questão fundiária é um
assunto de extrema relevância para o minerador, continua pouco explorada na seara
minerária, apesar de presente no seu cotidiano. Sempre postergada, deixada no
canto para tentar passar despercebida até eclodir diante do caso concreto,
tumultuando e atrasando cronogramas de empreendimentos, além da iniludível
geração de conflitos socioecológicos.
Isso pode ser constatado pelas atitudes dos poderes públicos federal e
estadual, que mesmo cientes desse cenário as políticas desenhadas através do
Plano Nacional de Mineração 2030 e o Plano de Mineração do Estado do Pará
2014-2030, respectivamente, não levaram em conta essa situação, deixando de
traçar nos seus horizontes o enfrentamento da matéria em prol do desenvolvimento
da mineração.
Confirmou-se nos estudos que essa omissão é provocada pelo
desconhecimento do assunto, ausência de massa crítica qualificada nos debates e a
própria falta de interesse do Poder Público em enfrentar a questão.
Por isso, tonam-se necessárias e imprescindíveis a adoção de cautelas
consultivas técnicas e jurídicas que devem anteceder a aquisição de áreas no
Estado do Pará e, assim evitar a ideia de esquizofrenia fundiária total que tentam
impingir aos leigos, contra o qual não haveria remédios e esperanças de dias
melhores.
168
Assevera-se que há sim remédios e esperanças. A regularização fundiária é
parte insuperável e precedente ao processo de desenvolvimento sustentável do
Estado do Pará, visto que o meio ambiente e as atividades econômicas, no caso, a
minerária, dela dependem como instrumento de gestão e de proteção sem a qual se
perpetuarão a insegurança jurídica e a instabilidade social do pequeno produtor rural
às mineradoras independentemente do porte.
Por isso, faz-se premente a construção e a execução efetiva de uma Política
Fundiária do Estado do Pará que tenha como fim o ordenamento territorial,
abarcando, basicamente, os seguintes elementos:
a) o Estado lato senso mediante os seus órgãos de terras e de mineração
deve iniciar de imediato o levantamento das áreas objetos de lavra, a fim de verificar
a regularidade fundiária e, na hipótese de constatação de dominialidade pública do
bem, efetue a cobrança devida a título de participação nos resultados da lavra,
conforme fundamentado neste estudo;
a.1) deverão também levantar as áreas públicas que são objetos de servidão
minerária a fim de obter a renda devida a título de ocupação na fase de lavra;
b) órgãos que atuam no processo de licenciamento ambiental e no
licenciamento minerário (DNPM) devem colaborar com os órgãos gestores de terras,
em um verdadeiro processo de integração, solicitando dos mineradores a
confirmação da regularidade fundiária do imóvel, evitando lesão patrimonial a
particulares ou à coletividade;
c) a elaboração de legislação que trate da regularização fundiária de
atividades econômicas não-agrárias, como é o caso da mineração, portos e
infraestrutura;
c.1) no caso particular da mineração, é relevante que o Estado considere
nas futuras vendas de terras para atividades agrárias ou não-agrárias, uma cláusula
de garantia sobre resultados financeiros de eventual lavra realizada no imóvel, vez
que o potencial econômico dos bens ambientais que agrega não o autoriza mais a
vender suas áreas tendo como referência o valor da terra nua, como se nada lá
existisse, sob pena de dilapidação do patrimônio público;
d) o investimento em infraestrutura, equipamento e pessoal dos órgãos de
regularização fundiária;
169
e) a modernização do modelo de gestão pública dos órgãos fundiários
através do planejamento das ações de regularização fundiária, utilizando, por
exemplo, as ferramentas tecnológicas disponíveis, como o sensoriamento remoto;
f) os mineradores devem proceder de forma ética buscando identificar o
verdadeiro titular da participação nos resultados da lavra e, diante de dúvidas
irremediáveis, proponha ação competente depositando em juízo o valor, conforme
legalmente previsto na legislação processual civil, pois consiste em medida
necessária para desconfigurar eventuais acusações de inadimplência em relação a
obrigação;
g) em relação ao SPL 37/2011:
g.1) aprimorar a redação do art. 75, devendo fazer uso de rigor técnico no
que se refere aos termos proprietário, possuidor e ocupante, individual ou coletivo,
de terras públicas e privadas;
g.2) em virtude da política arbitrária de federalização das terras estaduais e
os prejuízos sofridos pelo Estado do Pará, é exigível a aprovação da proposta
prevista no § 2º do dispositivo em questão, devendo, contudo, ser aprimorada a
redação legislativa por sugestão;
g.3) considerando que o ente municipal suporta os maiores ônus resultantes
dos conflitos socioambientais gerados pela mineração, que seja destinada parcela
da participação nos resultados da lavra ocorrida em áreas de domínio público
estadual ou federal em seu território, que deverá ser compartilhada entre o município
diretamente impactado e os municípios indiretamente impactados.
Contudo, não basta a elaboração da política fundiária. O Estado do Pará
deve assumi-la como agenda prioritária diante de todos os testemunhos dos graves
impactos negativos socioeconômicos e ambientais que a sua falta acarreta na sua
história201, pois sem isso não há que se falar em desenvolvimento sustentável.
Se o Pará será realmente o principal Estado produtor de minerários como
profetizam os especialistas deve começar a se preparar para assumir tal
responsabilidade, deixando de lado o modelo colonialista e desorganizado da
mineração que temos hoje, pois, caso contrário, nenhum legado positivo será
201
Em virtude do lamentável histórico conflituoso provocado pela regularização fundiária no Estado do Pará, questiona-sese há
necessidade de perder mais vidas por causa dos conflitos pela terra? Quantos empreendimentos deixaram e deixarão de ser
instalados por falta de regularização fundiária? Quantos homens e mulheres já desistiram de lutar contra um gigante que é o
Estado e não conseguir regularizar suas áreas? Até que ponto pessoas e empreendedores pretendem assumir os riscos de
desenvolver suas atividades em áreas não regularizadas? O futuro é permanecer nessa clandestinidade fundiária pela omissão
de todos fundiária? É um pacto da mediocridade que foi firmado entre todos os atores sociais?
170
gerado, se perderão oportunidades fazer receita entre elas a referente à participação
nos resultados da lavra incidente sobre imóveis públicos que, confessa-se, nunca foi
pleiteada por estes lados amazônicos.
E, nessa paisagem, a mineração pela força que representa e pela
sustentabilidade que defende na mídia, deve ser protagonista como indutora e
incentivadora dessa mudança de paradigma, ao enfrentar o problema e apoiar a
agenda fundiária do Estado, pois é interesse da mesma e também daqueles que
estão na sua área de influência.
Tratam-se de propostas certamente ousadas. Entretanto, são técnica e
juridicamente possíveis de serem executadas, as quais não cabem mais
procrastinações, devendo ser implementadas imediatamente de forma integrada as
demais agendas social, econômica e ambiental, sob pena de ser a causa da falência
dos grandiosos esforços envidados em planejamentos e ações patrocinados pelo
próprio Estado, por empreendedores e cidadãos que têm por escopo impulsionar o
desenvolvimento sustentável sensato no território paraense através da mineração.
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