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Gesto curricular em Matemtica1
Joo Pedro da PonteGrupo de Investigao DIF
Centro de Investigao em Educao e Departamento de Educao
Faculdade de Cincias, Universidade de Lisboa
Resumo. A gesto curricular realizada pelo professor implica uma (re)construo do currculo, tendo emconta os seus alunos e as suas condies de trabalho. Esta gesto curricular assenta, de modo central, emdois elementos. Um deles a criao de tarefas, a partir das quais os alunos se possam envolver emactividades matematicamente ricas e produtivas. As tarefas podem ser de muitos tipos, umas mais
desafiantes outras mais acessveis, umas mais abertas outras mais fechadas, umas referentes a contextosda realidade outras formuladas em termos puramente matemticos. Este artigo analisa a diversidade detarefas que o professor de Matemtica pode propor aos seus alunos, dando especial ateno aosproblemas, exerccios, investigaes, actividades de explorao e projectos. O outro elemento central dagesto curricular a estratgia posta em prtica pelo professor. Uma estratgia de ensino envolveusualmente diferentes tipos de tarefa, articuladas entre si. Um nico tipo de tarefa dificilmente atingirtodos os objectivos curriculares valorizados pelo professor. Por isso, usualmente ele procura variar astarefas, escolhendo-as em funo dos acontecimentos e da resposta que vai obtendo dos alunos. O artigoaborda tambm a questo das estratgias de ensino, dando especial ateno a um dos nveis fundamentaisdeste processo a planificao de unidades didcticas. Neste ponto, prope uma distino entre duasestratgias fundamentais, o ensino directo e o ensino-aprendizagem exploratrio, procurando salientar osseus aspectos mais contrastantes. Analisa, igualmente, os diversos factores que influenciam a planificaode unidades didcticas e o modo como se processa a gesto curricular ao nvel da sala de aula.
Palavras-chave. Gesto curricular, Tarefas, Matemtica
1. Tarefas matemticas
O que os alunos aprendem resulta de dois factores principais: a actividade que
realizam e a reflexo que sobre ela efectuam. Esta perspectiva sobre a aprendizagem ,
de resto, apresentada por numerosos autores, de linhas tericas diferentes, como Bishop
e Goffree (1986) e Christiansen e Walther (1986). Quando se est envolvido numa
actividade, realiza-se uma certa tarefa. Uma tarefa , assim, o objectivo da actividade. A
tarefa pode surgir de diversas maneiras: pode ser formulada pelo professor e proposta ao
aluno, ser da iniciativa do prprio aluno e resultar at de uma negociao entre o
professor e o aluno. Alm disso, a tarefa pode ser enunciada explicitamente logo no
incio do trabalho ou ir sendo constituda de modo implcito medida que este vai
decorrendo. formulando tarefas adequadas que o professor pode suscitar a actividade
1 Ponte, J. P. (2005). Gesto curricular em Matemtica. In GTI (Ed.), O professor e o desenvolvimentocurricular(pp. 11-34). Lisboa: APM.
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do aluno2. No basta, no entanto, seleccionar boas tarefas preciso ter ateno ao
modo de as propor e de conduzir a sua realizao na sala de aula.
Existem muitos tipos de tarefa matemtica. Exemplos bem conhecidos, que
vamos de seguida analisar, so os problemas, os exerccios, as investigaes, os
projectos e as tarefas de modelao.
Problemas
No ensino da Matemtica, a noo de problema no de hoje nem de ontem.
Vejamos um problema que saiu no exame do 3 ano do Liceu de 19393:
Em 18 quilogramas de caf-mistura h 15 quilogramas de caf de S.
Tom. Que quantidade dste caf haver em 270 gramas da mesma
mistura?4
Tal como muitas outras questes matemticas, esta poder ser um problema para
certos alunos de certas idades, enquanto que para outros no passar de um simples
exerccio.
Trata-se de um problema de proporcionalidade que se pode resolver aplicando a
clssica regra de trs simples:
18 --- 15
270 ---x donde se tira quex =18
15270= 225
Um mtodo alternativo, mais moderno, considerar a proporo como uma
equao:
x
2701518
= donde sai igualmente quex =18
15270 = 225
Quem conhecer bem a regra de trs simples ou o modo de resolver equaes do
1 grau e conseguir entender o enunciado do problema (nem todos sabero o que
2 O papel fundamental das tarefas no processo de ensino-aprendizagem sublinhado por numerososautores (por exemplo, Christiansen & Walther, 1986; Smith, 2001) e pela prpria literatura profissional
(por exemplo, NCTM, 1994).3 O 3 ano do Liceu, nesta poca, corresponderia hoje ao nosso 7 ano de escolaridade.4 Problema retirado de Matos Fagundes (1942, p. 130).
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2. Se o lote de 18 quilogramas de caf-mistura custar 40 mil reis [jagora continuemos com as unidades monetrias da poca], quanto custao quilograma de caf?
3. Com 2 mil ris que quantidade de caf posso comprar?
Escrevendo as propores sob a forma de equao, no difcil resolver todasestas questes:
1.10018
15 x= donde concluimos quex = 83,33%.
2.118
40000 x= donde concluimos quex = 2 222,2.
3.x2
1840 = donde concluimos quex = 0,9.
Os resultados dos exerccios 1 e 2 so um tanto irritantes, porque no do conta
certa. O aluno pensar, provavelmente, que isso acontece porque o professor escolheu
mal os nmeros do enunciado.
No pelo facto de uma questo ser ou no colocada num contexto
extra-matemtico que ela um exerccio ou um problema. A questo fundamental
saber se o aluno dispe, ou no, de um processo imediato para a resolver. Caso conheaesse processo e seja capaz de o usar, a questo ser um exerccio. Caso contrrio, a
questo ser antes um problema. Tratando-se de questes contextualizadas num certo
campo da realidade claro que se pressupe algum entendimento desse campo neste
caso, o que o caf (em gro ou modo), a possibilidade de se fazerem misturas com
vrios tipos de caf e as unidades envolvidas (neste caso unidades de massa e unidades
monetrias).
Em todas as questes que vimos at aqui, est perfeitamente indicado o que dado e o que pedido. Isso tpico dos problemas e dos exerccios. J o mesmo no
acontece com outros tipos de questes matemticas, como veremos mais adiante.
Os exerccios servem para o aluno pr em prtica os conhecimentos j
anteriormente adquiridos. Servem essencialmente um propsito de consolidao de
conhecimentos. No entanto, para a maioria dos alunos, fazer exerccios em srie no
uma actividade muito interessante. Reduzir o ensino da Matemtica resoluo de
exerccios comporta grandes riscos de empobrecimento nos desafios propostos e dedesmotivao dos alunos. Os exerccios tm, por isso, um lugar prprio no ensino da
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Matemtica, mas, como sublinha Jos Sebastio e Silva, (1964), mais importante do que
fazer muitos exerccios ser fazer exerccios cuidadosamente escolhidos, que testem a
compreenso dos conceitos fundamentais por parte dos alunos.
Investigaes
Vejamos agora outro tipo de questes:
1. Vai a um supermercado e verifica se existem diferentes tipos depacotes de caf de uma mesma marca. No caso de estares interessado em
adquirir uma grande quantidade de caf (por exemplo, para abastecer o
bar da escola), qual a melhor opo de compra?
2. Para o pacote de 250 gramas, analisa, no teu supermercado, os
preos das diferentes marcas. Qual o preo mdio? Que mais podes
dizer acerca da distribuio dos preos? Quais podem ser as razes que
levam umas marcas a oferecer preos mais baixos e outras mais altos?
Qualquer uma destas tarefas pode constituir uma investigao para um aluno de
12-13 anos. Embora fornecendo informao e colocando questes, ambas deixam ainda
muito trabalho ao aluno para fazer, quer em termos de elaborao de uma estratgia de
resoluo, quer em termos da formulao especfica das prprias questes a resolver.
Para responder primeira questo, fui ver num supermercado do meu bairro os
preos de vrias marcas de caf. Os resultados esto na tabela 1. Para no complicar os
dados, apresento apenas valores de alguns tipos de caf (lotes) de trs marcas.
Marca Lote Peso (gramas) Preo (euros)
N Superior 250 2,64Superior 1000 11,99Corrente 250 1,89Corrente 1000 7,56
Descafeinado 250 2,64S Corrente 250 1,99
Corrente 1000 7,96D Corrente 250 1,79
Corrente 1000 8,47Superior 1000 11,99
Tabela 1 Marcas, lotes e preos de diversos tipos de caf.
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Para adquirir uma grande quantidade de caf, o mais prtico seria comprar
pacotes de 1 quilograma. Das trs marcas disponveis, a que oferece melhores preos a
N, no lote corrente (7,56 ). Se quisermos um caf de tipo superior, os preos das duas
marcas que oferecem esta variedade so iguais. claro que, na compra de um bom caf,
o critrio determinante deve ser o gosto e no o preo. De qualquer modo, ser bom
verificarmos se no nos esto a pedir um preo exorbitante (em comparao com outras
marcas) pelo nosso caf preferido.
No ser m ideia analisar os valores que teramos que pagar pela mesma
quantidade de caf, comprada em pacotes mais pequenos de 250 gramas. Uma forma
simples de o fazer acrescentar uma coluna nossa tabela, indicando o peso por
quilograma. J sabemos esse valor para os pacotes de 1 quilograma e para os outros ele
tambm no difcil de calcular.
Marca Lote Peso (gramas) Preo (euros) Preo por
quilograma
N Superior 250 2,64 10,56Superior 1000 11,99 11,99Corrente 250 1,89 7,56Corrente 1000 7,56 7,56
Descafeinado 250 2,64 10,56S Corrente 250 1,99 7,96
Corrente 1000 7,96 7,96D Corrente 250 1,79 7,16
Corrente 1000 8,47 8,47Superior 1000 11,99 11,99
Tabela 2 Marcas, lotes, preos e preos por quilograma de diversos tipos de caf.
Descobrimos com alguma surpresa que se compramos o nosso caf de tipo
superior em pacotes pequenos podemos fazer uma economia considervel. Por cada
quilograma, em vez de 11,99 , precisamos de gastar apenas 10,56 , ou seja, quase um
euro e meio a menos. Se quisermos o caf mais barato possvel em momentos de
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dificuldade econmica pode ser a nica soluo , a melhor estratgia comprar ento
pacotes de 250 gramas, da marca D, lote corrente.
A importncia da realizao de investigaes matemticas pelos alunos tem
vindo a ser defendida por numerosos autores, como Mason (1996), Ernest (1996) e
Goldenberg (1999). Em Portugal, o projecto MPT (Abrantes, Leal e Ponte, 1996;
Abrantes, Ponte, Fonseca e Brunheira, 1999) produziu um significativo trabalho neste
campo, que tem vindo a ser continuado no site Investigar e Aprender (http://ia.fc.ul.pt).
Os argumentos principais utilizados para justificar a importncia das investigaes so
anlogos aos usados para justificar a importncia dos problemas, acrescentando-se ainda
que as investigaes, mais do que os problemas, promovem o envolvimento dos alunos,
pois requerem a sua participao activa desde a primeira fase do processo a
formulao das questes a resolver6.
Estas tarefas de investigao, tal como os problemas e os exerccios anteriores,
surgem num contexto da vida real. No entanto, tambm possvel formular problemas,
exerccios e investigaes em termos puramente matemticos, e muitas das experincias
realizadas no mbito do Projecto MPT (ver Abrantes, Ponte, Fonseca e Brunheira,
1999) mostram que os alunos so capazes de se envolver nestas tarefas com tanto ou
mais entusiasmo do que nas tarefas que remetem para contextos reais7.
Um quadro organizador dos diferentes tipos de tarefas
Como vimos, duas dimenses fundamentais das tarefas so o grau de desafio
matemtico e o grau de estrutura. O grau de desafio matemtico relaciona-se de forma
estreita com a percepo da dificuldade de uma questo e constitui uma dimenso desde
h muito usada para graduar as questes que se propem aos alunos, tanto na sala de
aula como em momentos especiais de avaliao como testes e exames. Varia,naturalmente, entre os plos de desafio reduzido e elevado. O grau de estrutura
uma dimenso que s recentemente comeou a merecer ateno. Varia entre os plos
aberto e fechado. Uma tarefa fechada aquela onde claramente dito o que dado
6 Uma argumentao detalhada a favor da introduo das actividades de investigao no currculo deMatemtica pode ver-se na introduo do livro Investigaes matemticas na aula e no currculo(Abrantes, Ponte, Fonseca, Brunheira, 1999).7 Neste volume, Cludia Nunes e M Sofia Alves, com base numa experincia realizada com alunos do 7ano de escolaridade, analisam as potencialidades de uma tarefa de investigao de cunho puramente
matemtico, baseada na explorao de regularidades numricas. Estas potencialidades mostram-separticularmente significativas para o desenvolvimento da linguagem e do sentido de formalizaomatemtica destes alunos, constituindo uma promissora via de iniciao ao pensamento algbrico.
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e o que pedido e uma tarefa aberta a que comporta um grau de indeterminao
significativo no que dado, no que pedido, ou em ambas as coisas.
Cruzando estas duas dimenses, obtm-se quatro quadrantes. Tendo em conta as
respectivas propriedades, podemos situar neles os trs tipos de tarefas atrs apresentadas
(ver figura 1):
Um exerccio uma tarefa fechada e de desafio reduzido (2quadrante);
Um problema uma tarefa tambm fechada, mas com elevadodesafio (3 quadrante);
Uma investigao tem um grau de desafio elevado, mas uma tarefaaberta (4 quadrante).
Desafio reduzido
Exerccio Explorao
Fechado Aberto
Problema Investigao
Desafio elevado
Figura 1 Relao entre diversos tipos de tarefas, em termos do seu grau de desafio e
de abertura.
Resta-nos ainda o 1 quadrante, o das tarefas relativamente abertas e fceis, que
designaremos por tarefas de explorao. Na verdade, nem todas as tarefas abertas
comportam um elevado grau de desafio.
Entre as tarefas de explorao e as de investigao a diferena est portanto no
grau de desafio. Se o aluno puder comear a trabalhar desde logo, sem muito
planeamento, estaremos perante uma tarefa de explorao. Caso contrrio, ser talvez
melhor falar em tarefa de investigao.
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Entre as tarefas de explorao e os exerccios a linha de demarcao nem sempre
muito ntida. Um mesmo enunciado, pode corresponder a uma tarefa de explorao ou
a um exerccio, conforme os conhecimentos prvios dos alunos. Por exemplo,
consideremos a questo: Qual o valor mdio dos pacotes de caf do supermercado?
Se os alunos j aprenderam a determinar o valor mdio, seja pela expresso
n
xxx n
++
=
....1 , seja pela regra somam-se todos os valores e divide-se pelo seu
nmero, tratar-se- de um simples exerccio. Se os alunos ainda no aprenderam
formalmente a calcular a mdia de um conjunto de valores, ser uma tarefa de natureza
exploratria, em que os alunos tm de mobilizar os seus conhecimentos intuitivos.
Existe muitas vezes a ideia que os alunos no podem realizar uma tarefa se no
tiverem sido ensinados directamente a resolv-la. uma ideia falsa. Os alunos
aprendem fora da escola muita coisa que so capazes de mobilizar na aula de
Matemtica. muitas vezes mais eficaz, em termos de aprendizagem, que eles
descubram um mtodo prprio para resolver uma questo do que esperar que eles
aprendam o mtodo do professor e sejam capazes de reconhecer, perante uma dada
situao, como o aplicar.
A durao e o contexto da tarefa
H duas outras dimenses das tarefas que so de grande importncia: a durao e
o contexto. No que se refere durao, a realizao de uma tarefa matemtica pode
requerer poucos minutos ou demorar dias, semanas ou meses. Ou seja, a durao pode
ser curta ou longa, como se indica na figura 2. Um exemplo de uma tarefa de longa
durao, que partilha muitas das caractersticas das investigaes, um projecto8. As
tarefas de longa durao podem ser mais ricas, permitindo aprendizagens profundas einteressantes, mas comportam um elevado risco dos alunos se dispersarem pelo
caminho, entrarem num impasse altamente frustrante, perderem tempo com coisas
irrelevantes ou mesmo de abandonarem totalmente a tarefa.
8 Helena Rocha e Manuela Pires, neste volume, mostram as potencialidades de um projecto baseado emprogramao para a aprendizagem da Matemtica de alunos do 11 ano do ensino secundrio. Embora
com algumas dificuldades e percalos, os alunos envolveram-se profundamente no trabalho proposto queos levou a apreciar a importncia do raciocnio lgico e do rigor da linguagem bem como a desenvolveruma nova percepo da importncia e da utilidade da Matemtica.
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Curta Mdia Longa
Exerccios Problemas ProjectosTarefas de explorao
Tarefas de investigao
Figura 2 Diversos tipos de tarefas, quanto durao.
Finalmente, o contexto constitui uma dimenso importante a ter em conta. Os
plos aqui so as tarefas enquadradas num contexto da realidade e as tarefas formuladas
em termos puramente matemticos. Skovsmose (2000), num interessante artigo,distingue ainda um terceiro contexto, de algum modo intermdio, que designa por
semi-realidade. Este contexto extremamente frequente nos problemas e exerccios
de Matemtica. Embora aparentemente estejam em causa situaes reais, para o aluno
estas podem no significar grande coisa. Alm disso, a maior parte das propriedades
reais das situaes no so tidas em conta. A ateno foca-se apenas na propriedade ou
propriedades que interessam a quem enunciou o problema e nelas que o aluno
suposto centrar-se. Por isso, para o aluno, acaba por ser um contexto quase to abstracto
como o contexto da Matemtica pura. Mais atrs, notmos que os resultados dos
exerccios 1. e 2. no davam conta certa. Para o aluno, uma indicao importante de
que no se trata verdadeiramente de questes da realidade mas sim da semi-realidade.
Na verdade, o caf vendido ao pblico em pacotes de 1 quilograma ou 250 gramas e o
seu preo nunca uma dzima infinita...
As chamadas tarefas de modelao so, no fundo, tarefas que se apresentam
num contexto de realidade. Estas tarefas revestem-se, de um modo geral, de natureza
problemtica e desafiante, constituindo problemas ou investigaes, conforme o grau de
estruturao do respectivo enunciado. Tambm frequente falar-se em aplicaes da
Matemtica. Conforme a sua natureza, trata-se, na maior parte dos casos, de exerccios
ou problemas de aplicao de conceitos e ideias Matemticas. de notar, como a figura
3 procura ilustrar, que os exerccios, os problemas e as investigaes tanto podem surgir
em contextos de realidade, como de semi-realidade ou de Matemtica pura.
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Realidade Semi-realidade Matemtica pura
Figura 3 Diversos tipos de tarefas, quanto ao contexto.
Uma tarefa igualmente importante e com larga tradio no ensino da Matemtica
so os jogos. Um jogo, de alguma forma, constitui um problema: as regras esto bem
definidas e o objectivo vencer o jogo, seja este individual ou colectivo, com dois ou
mais intervenientes. Conseguir uma estratgia ganhadora pode constituir um problema
de difcil resoluo. Um jogo pode implicar igualmente um importante trabalho de
recolha e organizao de dados e, desse modo, assumir uma natureza exploratria9. Seja
qual for a sua natureza, um jogo pode ter importantes potencialidades para a
aprendizagem, especialmente se o professor souber valorizar os respectivos aspectos
matemticos.
Pe-se ento a questo das tarefas que o professor pode propor na sala de aula.
Na prtica, os exerccios tm tido um papel privilegiado, de tal modo que o professor
por vezes nem se apercebe que podem existir outros tipos de tarefas. Vrios documentos
de orientao curricular, como o Relatrio Matemtica 2001 (APM, 1998) ou as
Normas profissionais (NCTM, 1994), recomendam que o professor diversifique, na
medida do possvel, as tarefas a propor aos alunos. No entanto, diversificar, s por si,
no constitui uma orientao clara sobre as tarefas a seleccionar. Pe-se, assim, a
questo: Qual poder ser a combinao de tarefas mais adequada ao processo de
desenvolvimento do ensino-aprendizagem?
2. Uma gesto curricular combinando diferentes tipos de tarefa
A gesto curricular tem a ver, como dissemos, com o modo como o professor
interpreta e (re)constri o currculo, tendo em conta as caractersticas dos seus alunos e
as suas condies de trabalho. Exprime-se em dois nveis principais: um nvel macro,
9 Irene Segurado e Olvia Sousa, neste volume, mostram como um jogo de equipas pode constituir umaexperincia de aprendizagem de cunho exploratrio levando os alunos do 5 ano de escolaridade a
aprofundar e consolidar o seu conhecimento dos nmeros e medidas, a sua orientao espacial e aaprender a utilizar mtodos estatsticos. Mostram igualmente como esta actividade pode contribuir paraatingir diversos objectivos curriculares de natureza transversal.
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que tem a ver com o planeamento da prtica lectiva (seja de todo o ano lectivo, seja de
um perodo ou de uma unidade didctica) e um nvel micro, que corresponde
realizao dessa mesma prtica na unidade lectiva bsica, a aula (que pode ser de 45,
50 ou 90 minutos ou de durao varivel, como acontece no 1 ciclo). Vejamos cada um
destes nveis por sua vez.
Estratgias de ensino-aprendizagem
A planificao de uma unidade no se reduz seleco de umas tantas tarefas,
exigindo que o professor pondere muitos factores que podem indicar nfases maiores ou
menores em certos tipos de tarefa, certos modos de trabalho, certos materiais 10. Na
verdade, ao fazer a planificao de uma unidade didctica, considera necessariamente
diversos elementos. Alguns desses elementos so de ordem curricular (nomeadamente,
as indicaes constantes dos documentos curriculares oficiais), outros tm a ver com os
alunos com que trabalha, outros ainda com as condies e recursos da escola e da
comunidade, incluindo os materiais curriculares, manual escolar e outros materiais e,
finalmente, outros dizem respeito a factores do contexto escolar e social.
Toda a planificao pressupe a definio (explcita ou implcita) de uma
estratgia de ensino, onde sobressaem sempre dois elementos, a actividade do professor
(o que ele vai fazer) e a actividade do aluno (o que ele espera que o aluno faa), e se
estabelece um horizonte temporal para a respectiva concretizao (um certo perodo de
tempo ou nmero de aulas). Podemos distinguir duas estratgias bsicas no ensino da
Matemtica o ensino directo 11 e o ensino-aprendizagem exploratrio.
No ensino directo, o professor assume um papel fundamental como elemento
que fornece informao de modo tanto quanto possvel claro, sistematizado e atractivo.
Apresenta exemplos e comenta situaes. Assume-se que o aluno aprende ouvindo oque lhe dito e fazendo exerccios, cujo objectivo mobilizar os conceitos e tcnicas
anteriormente explicados e exemplificados pelo professor. Para alm de fazer estes
10 No deixa de ser bastante surpreendente que a questo do planeamento da prtica lectiva, emborafundamental no trabalho do professor, seja to pouco tratada na literatura profissional e de investigao.11 Este termo usado, por exemplo, por Fitzgerald e Bouck (1993) e por Simon, Tzur, Heinz, Smith eKinzel (1999). Outros autores falam em ensino expositivo, ensino magistral ou simplesmente ensino
tradicional (Zabala, 1998). Uso o termo ensino directo por ser aquele que, a meu ver, melhorrepresenta esta perspectiva de ensino, que pressupe uma transmisso unidireccional do conhecimento doprofessor para o aluno.
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exerccios, as tarefas principais do aluno que se evidenciam neste tipo de ensino so
prestar ateno ao que o professor diz e, eventualmente, responder s suas questes.
O ensino directo tem subjacente a ideia da transmisso do conhecimento. Este
conhecimento encontra-se sistematizado no programa, no manual escolar e noutros
materiais. O professor procura garantir que o aluno aprende este conhecimento e avalia
de que modo o adquiriu. No quadro deste ensino, a exposio de matria assume um
lugar de relevo, razo porque ele , muitas vezes, designado por ensino expositivo.
de notar que esta exposio da matria pode ser realizada tanto em aulas magistrais, em
que apenas fala o professor, como em aulas mais informais, em que o professor vai
fazendo aqui e ali perguntas aos alunos, que ajudam a ilustrar um ou outro ponto, e
contribuem para criar um ambiente mais participado. No entanto, tais perguntas no
presumem da parte dos alunos um envolvimento especial, cabendo-lhes essencialmente
seguir por onde o professor os conduz.
Neste ensino, ao lado da exposio da matria, surge tambm com grande relevo
a realizao de exerccios, atravs dos quais o professor prev que o aluno possa aplicar
os conhecimentos apresentados e, eventualmente, formular e esclarecer as suas dvidas.
Muitas vezes, a resoluo de exerccios ganha mesmo o lugar central, de tal modo que,
para o aluno, aprender sobretudo saber como se fazem todos os tipos de exerccios
susceptveis de sarem em testes ou exames.
Para um ensino que segue uma estratgia alternativa tm sido sugeridas muitas
designaes ensino por descoberta, ensino activo, etc. O melhor termo, a meu ver,
talvez seja o de ensino-aprendizagem exploratrio12. A sua caracterstica principal
que o professor no procura explicar tudo, mas deixa uma parte importante do trabalho
de descoberta e de construo do conhecimento para os alunos realizarem. A nfase
desloca-se da actividade ensino para a actividade mais complexa ensino-
aprendizagem.Existem verses extremas de ensino directo e de ensino-aprendizagem
exploratrio, tal como existem muitas verses intermdias. Se o professor suscita a
participao dos alunos na exposio da matria, atravs de perguntas, no deixa de ser
ensino directo, pois neste caso ainda ele quem assume o protagonismo fundamental na
aula. Continuamos a ter este tipo de ensino quando o professor, ao lado de exerccios de
aplicao prtica dos conceitos ensinados, prope pontualmente outras tarefas mais
12 Este termo tambm usado, por exemplo, por Lloyd (1999).
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problemticas ou mais abertas, com vista a promover outro tipo de actividade nos
alunos. No uma ou outra tarefa pontual mais interessante que marca o estilo de
ensino, mas sim o tipo de trabalho usual na sala de aula. Por outro lado, num processo
de ensino-aprendizagem de cunho exploratrio, tambm podem (e, possivelmente, em
muitos casos devem) haver momentos de exposio pelo professor e de sistematizao
das aprendizagens por ele conduzidos. Ensino-aprendizagem exploratrio no significa
que tudo resulta da explorao dos alunos, mas sim que esta uma forma de trabalho
marcante na sala de aula. Ou seja, no a realizao ocasional de um outro tipo de
tarefa que define o carcter geral do ensino, mas a tendncia geral do trabalho
desenvolvido.
Ensino directo Ensino-aprendizagem exploratrio
Exposio pelo professor nfase em tarefas de explorao einvestigao
Resoluo de exerccios Discusso professor-alunos
Figura 4 Diversas estratgias de ensino, de acordo com do papel do professor e dosalunos e a nfase das tarefas
Na definio da sua estratgia, o professor decide, explicita ou implicitamente,
optar por uma abordagem de cunho essencialmente directo ou exploratrio ou, ainda,
optar por uma estratgia que combine em graus diversos estas duas modalidades. Os
elementos que constituem os factores decisivos dessa definio so (i) o modo como a
informao introduzida e (ii) a natureza das tarefas propostas aos alunos e daactividade delas decorrente.
Na primeira parte deste artigo j se discutiu largamente a questo da natureza
das tarefas. Sobre a introduo da informao, coloca-se a questo de saber se esta
introduzida como etapa prvia ao restante trabalho ou durante a realizao das tarefas.
Coloca-se tambm a questo de saber se esta discutida e sistematizada de forma
aprofundada e com que grau de participao dos alunos. Na verdade, uma estratgia de
ensino-aprendizagem exploratria, pretendendo evitar os efeitos negativos de comearpela introduo de informao conduzida pelo professor, corre o risco de no chegar a
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evidenciar a informao importante, deixando os alunos confusos e sem uma noo
clara do que podero ter aprendido. Por isso, os momentos de reflexo, discusso e
anlise crtica posteriores realizao de uma actividade prtica assumem um papel
fundamental. Ou seja, tal como referi no incio deste artigo, no tanto a partir das
actividades prticas que os alunos aprendem, mas a partir da reflexo que realizam
sobre o que fizeram durante essas actividades prticas. A aprendizagem decorre assim,
sobretudo, no de ouvir directamente o professor ou de fazer esta ou aquela actividade
prtica, mas sim da reflexo realizada pelo aluno a propsito da actividade que
realizou.13
Note-se que no ensino directo surge em primeiro lugar a teoria, a exposio de
matria, informaes, explicaes ou exemplos proporcionados pelo professor. S
depois h lugar para a realizao de exerccios, ou seja, para a prtica. No ensino-
aprendizagem exploratrio, a teoria e a prtica esto tambm presentes, mas de outro
modo. Parte-se de actividades em que os alunos so chamados a um forte envolvimento,
para se fazer num segundo momento uma discusso, balano, clarificao relativamente
ao que se aprendeu. De alguma forma, trata-se do caminho inverso, em que se comea
com forte nfase em actividade prtica que, por sua vez, serve de base elaborao e
fundamentao terica14.
Deste modo, uma estratgia de ensino-aprendizagem de cunho exploratrio dar
nfase a actividades de explorao, incluindo possivelmente tambm algumas
investigaes, projectos, problemas e exerccios. Uma estratgia de ensino directo dar
mais nfase resoluo de exerccios, podendo ainda incluir um ou outro problema,
projecto, ou investigao. Uma estratgia de ensino directo dar nfase introduo de
matria nova como primeira etapa no estudo de um novo assunto, feita sobretudo pelo
professor ou por este em dilogo com os alunos. Uma estratgia de
ensino-aprendizagem exploratria valorizar mais os momentos de reflexo e discusso
13 Uma abordagem assumidamente exploratria no estudo de uma unidade didctica (funes, no 8 anode escolaridade), apresentada neste volume por Fernanda Perez e Manuela Diogo. Nesta experincia,teve um papel determinante a criao de oportunidades de reflexo escrita por parte dos alunos, comoelemento-chave da estratgia de ensino-aprendizagem, em contraponto com os momentos de discusso detoda a turma.14 O trabalho descrito por Elvira Ferreira, neste volume, ilustra uma estratgia de ensino das operaesaritmticas elementares ao longo de todos os anos do 1 ciclo do ensino bsico (neste caso, com atenoespecial diviso), cujo ponto de partida a resoluo de problemas. semelhana de Ana Jesus,tambm neste volume, Elvira Ferreira, em vez de comear por ensinar o algoritmo e passar depois
exerccios de aplicao, props aos alunos problemas que envolviam situaes diversificadas,procurando valorizar as suas estratgias. Concluindo que os alunos so capazes de resolver problemasrelativamente complexos muito antes do que aquilo que habitualmente se assume.
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com toda a turma, tendo por base o trabalho prtico j previamente desenvolvido, como
momentos por excelncia para a sistematizao de conceitos, a formalizao e o
estabelecimento de conexes matemticas.
Discusso
A realizao de tarefas abertas, de carcter exploratrio e investigativo um
elemento marcante neste tipo de ensino, mas importncia idntica assumem os
momentos de discusso em que os alunos apresentam o seu trabalho, relatam as suas
conjecturas e concluses, apresentam as suas justificaes e questionam-se uns aos
outros e que o professor aproveita para procurar que se clarifiquem os conceitos e
procedimentos, se avalie o valor dos argumentos e se estabeleam conexes dentro e
fora da Matemtica. Os momentos de discusso constituem, assim, oportunidades
fundamentais para negociao de significados matemticos e construo de novo
conhecimento15.
A discusso constitui um aspecto da comunicao que ocorre na sala de aula de
Matemtica. A sua caracterstica mais marcante pressupor a interaco de diversos
intervenientes que expem ideias e fazem perguntas uns aos outros. O registo alterna-se
entre o afirmativo e o interrogativo. Uma discusso tem sempre um objectivo, por
exemplo, a estratgia a seguir para a realizao de uma tarefa, a avaliao de uma dada
soluo, o balano do trabalho realizado ao longo de todo um perodo, etc.
Ao contrrio da exposio ou do questionamento, em que o professor assume um
papel de protagonista central, a discusso pressupe um muito maior equilbrio de
participao entre ele e os alunos. Cabe-lhe, naturalmente, assumir um papel de
moderador, gerindo a sequncia de intervenes e orientando, se necessrio, o
respectivo contedo. Mas os alunos dispem de uma ampla margem de interveno einfluenciam, individual e colectivamente, o rumo dos acontecimentos. Por isso,
aprender a conduzir discusses no s uma tarefa do professor, mas tambm uma
aprendizagem colectiva a realizar por cada turma16.
15 A importncia dos momentos de discusso no ensino-aprendizagem da Matemtica sublinhada pornumerosos autores. Um dos primeiros documentos curriculares que d grande ateno a este aspecto dotrabalho na sala de aula o relatrio Crockcroft (1982). Uma discusso mais aprofundada sobre o papelda discusso no ensino-aprendizagem da Matemtica pode ver-se em Ponte e Serrazina (2000).16
Neste volume, Alexandra Rocha e Cristina Natlia Fonseca, debruam-se em especial sobre o momentode discusso na aula decorrente da realizao de trabalho investigativo por alunos do 10 ano do ensinosecundrio. As autoras documentam o modo como os alunos participam progressivamente de modo mais
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A articulao das tarefas e dos diversos momentos de trabalho
A planificao detalhada do professor envolve usualmente diversos momentos
de trabalho, recorrendo a diversos tipos de tarefa. Uma das ideias que se tem vindo a
afirmar a necessidade desta diversificao de tarefas (bem como diversificao de
experincias de aprendizagem e de instrumentos de avaliao)17. A diversificao
necessria porque cada um dos tipos de tarefa desempenha um papel importante para
alcanar certos objectivos curriculares:
As tarefas de natureza mais fechada (exerccios, problemas) soimportantes para o desenvolvimento do raciocnio matemtico nosalunos, uma vez que este raciocnio se baseia numa relao estreita erigorosa entre dados e resultados.
As tarefas de natureza mais acessvel (exploraes, exerccios), peloseu lado, possibilitam a todos os alunos um elevado grau de sucesso,contribuindo para o desenvolvimento da sua auto-confiana.
As tarefas de natureza mais desafiante (investigaes, problemas),pela sua parte, so indispensveis para que os alunos tenham umaefectiva experincia matemtica.
As tarefas de cunho mais aberto so essenciais para odesenvolvimento de certas capacidades nos alunos, como aautonomia, a capacidade de lidar com situaes complexas, etc.
A diversificao das tarefas a propor pode envolver ainda outros aspectos
relacionados com os contextos e com a complexidade do trabalho a realizar, o que, por
sua vez, necessariamente se relaciona tambm com a sua durao:
produtivo nos momentos de discusso e concluem que estes momentos envolvem dois processosfundamentais o confronto e a defesa e permitem aprofundar a actividade desenvolvida, levando osalunos e a professora a envolverem-se em raciocnio matemtico, formularem novos problemas e novasconjecturas e a valorizar o processo de justificao/prova.17 Renata Carvalho, neste volume, preocupa-se em especial com o desenvolvimento da autonomia dosalunos do 5 ano de escolaridade. Compara diferentes tipos de tarefa, com destaque para o trabalho deprojecto, as investigaes e as tarefas de natureza mais estruturada, no que se refere s suaspotencialidades para o desenvolvimento deste objectivo curricular. A autora conclui que o projectoevidencia-se claramente em relao aos outros tipos de tarefa dado o modo como propicia a
responsabilizao dos alunos. Assinala, igualmente, que embora seja reduzido o contributo das tarefas denatureza mais estruturada em relao a este objectivo curricular, elas so importantes para a consolidaodas aprendizagens matemticas.
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estilo de percurso delineado, nomeadamente a natureza das tarefas propostas e a sua
articulao curricular.
Factores que influenciam a gesto curricular do professor
A definio de uma estratgia e a consequente planificao do professor no
decorre apenas do currculo, mas tem necessariamente em conta outros elementos,
incluindo as caractersticas dos alunos e as condies e recursos de que dispe. Estes
elementos intervm todos em simultneo e influenciam-se mutuamente.
Assim, em termos curriculares, o professor analisa os objectivos de
aprendizagem matemtica visados na unidade em causa. Estes objectivos envolvem o
conhecimento de conceitos matemticos, de modos de representar conceitos, o domnio
de procedimentos, processos de raciocnio, etc. aquilo que habitualmente se designa
por temas, tpicos ou contedos matemticos. O professor decide o nvel de
profundidade com que quer que os alunos trabalhem cada um deles, estabelece
prioridades, e deixa de lado aspectos que considera secundrios ou que podem surgir
mais tarde.
Alm disso, o professor analisa os outros objectivos curriculares fundamentais a
ter em ateno na unidade. Um currculo enuncia usualmente diversas grandes
finalidades que informam todo o trabalho realizado ao longo do ano lectivo. Alm disso,
enuncia diversos objectivos curriculares transversais (como o desenvolvimento da
autonomia, da iniciativa, da capacidade de cooperao, da solidariedade, do esprito
crtico, do sentido de responsabilidade, do gosto pela Matemtica, etc.) que marcam o
trabalho realizado nas aulas. Tudo isto est sempre presente, mas no com igual
importncia. Numa dada unidade, o professor pode centrar a sua ateno num aspecto,
noutra unidade noutro aspecto, e assim sucessivamente. Esta ateno selectiva sgrandes finalidades e objectivos curriculares transversais constitui uma estratgia que
viabiliza a efectiva considerao de todos eles no conjunto do trabalho realizado ao
longo do ano de forma possivelmente mais efectiva do que a preocupao constante e
uniforme com todos eles.
O professor tem tambm em conta, naturalmente, os alunos, as suas capacidades
e interesses. H alunos que reagem bem a certo tipo de propostas, outros que preferem
outro tipo, outros que tm uma atitude relativamente indiferente. Cada vez com maiorfrequncia, encontramos alunos que revelam grande desinteresse em relao a tudo o
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avaliao que o professor recolhe a informao que lhe permite detectar problemas e
insuficincias nas aprendizagens dos alunos e tambm no seu trabalho, verificando
assim a necessidade (ou no) de introduzir mudanas na sua planificao e no seu modo
de trabalho. Os prprios alunos podem participar neste processo de avaliao, fazendo
eles prprios a sua auto-avaliao e reflectindo sobre a avaliao realizada pelo
professor. A avaliao evidencia, em ltima anlise, o que os diversos actores que
intervm no processo educativo mais valorizam e, por isso, os seus resultados
repercutem-se sobre todo o trabalho realizado, contribuindo, assim, a seu modo, para a
construo do currculo19.
A planificao de uma unidade didctica tem sempre em conta, de modo mais ou
menos assumido, estes elementos bem como o conhecimento que o professor tem da sua
histria anterior de trabalho conjunto com os alunos. Com base nesta planificao, o
professor realiza o seu plano para cada aula ou para cada semana de trabalho. Trata-se
de um nvel intermdio de planificao, naturalmente dependente do anterior.
Por vezes, o professor estabelece apenas um planeamento muito geral da
unidade de ensino, registando o nmero de aulas a atribuir a este ou quele captulo.
Depois, na concretizao da unidade, apoia-se num manual escolar ou numa
planificao escrita realizada em anos anteriores. Trata-se de um estilo de trabalho
marcado no pelo planeamento autnomo do professor (feito individualmente ou em
conjunto com outros colegas), mas pela dependncia de materiais pr-existentes. O
facto desses materiais terem sido eventualmente produzidos pelo prprio professor no
passado no muda muito as coisas, porque os seus alunos de hoje so certamente
diferentes dos de anos anteriores e, muito provavelmente, tambm o sero as condies
de trabalho e os recursos disponveis.
No quer isto dizer que o professor possa ou deva fazer a sua planificao sem
recorrer a manuais escolares ou a outros materiais. claro que o professor tem todo ointeresse em tirar partido, no seu trabalho de planificao, de todos os recursos
disponveis. O que est em causa saber se o professor equaciona de modo crtico as
necessidades dos seus alunos, e procura fazer uma gesto do currculo articulada com
essas necessidades, ou se se limita a seguir um guio curricular pr-estabelecido, com
adaptaes mnimas e, por vezes, ao sabor dos acontecimentos.
19 Neste volume, Isabel Paula, relata um trabalho que investiga de que modo o uso de porteflios,
integrando a aprendizagem e a avaliao, modela o currculo desenvolvido na sala de aula com alunos do6 ano de escolaridade. Na sua perspectiva, este modo de avaliao, para alm da sua funo reguladora,permite reinterpretar o currculo, seleccionar tarefas, questionar e reflectir sobre as mesmas.
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Esta forma de trabalho, que segue um guio pr-estabelecido, adaptando-o ao dia
a dia, tem a vantagem da flexibilidade, mas corre talvez o risco de no levar
devidamente em considerao todos os factores acima enunciados inerentes gesto
curricular finalidades, objectivos de contedos, objectivos transversais, alunos,
materiais, condies e recursos e factores do contexto escolar e social.
Deste modo, a gesto curricular pode ser feita de modo determinante para toda a
unidade ou ento semana a semana ou mesmo aula a aula. Cada professor escolhe o
estilo que melhor se lhe adapta, sendo certo que um protagonismo curricular efectivo
por parte do professor exige uma ateno tanto ao nvel macro como micro de gesto
curricular, bastante planeamento e, sobretudo, reflexo e ajustamentos em funo do
desenvolvimento do trabalho.
Gesto curricular na aula
Para cada aula, o professor estabelece, de modo explcito ou implcito, um plano
de trabalho que concretiza alguns dos aspectos previstos para a unidade. Este plano, tal
como o plano da unidade, organiza-se essencialmente em torno do que ele prev fazer,
do que prev que os alunos faam, e qual a sequncia das actividades. A gesto
curricular ao nvel da aula tem a ver com o modo como o professor concretiza a
estratgia definida, tanto para a unidade como para a aula (seja esta mais marcadamente
de ensino directo ou de natureza exploratria) e a adapta s condies concretas e
resposta que vai obtendo dos seus alunos. Tem por base uma avaliao feita em tempo
real e reactualizada a cada momento no decorrer na aula, num processo de
monitorizao do trabalho.
Um dos plos de anlise dessa gesto curricular tem a ver com as finalidades e
os objectivos visados. Deste modo, cabe perguntar se o trabalho que est a ser realizadopelos alunos est a contribuir para as finalidades, para os objectivos curriculares visados
em termos de contedos e para os objectivos de natureza transversal?
Outro plo centra-se nos alunos e na sua relao com o professor o ambiente
de trabalho adequado? Como est a ser a dinmica da aula? Os alunos esto
efectivamente envolvidos no trabalho? Esto a assumir um papel compatvel com o
esperado? A comunicao na sala de aula decorre dentro de um padro desejvel? Est a
haver uma efectiva negociao de significados matemticos entre os alunos e entre estese o professor?
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Outro plo, ainda, prende-se com as tarefas propostas e os materiais e recursos
mobilizados. As tarefas esto a desenrolar-se de acordo com o previsto, ou revelam-se
de difcil compreenso? Os materiais e recursos que esto a ser usados revelam-se
adequados? preciso suspender algum aspecto do que foi proposto ou introduzir novos
elementos de informao ou novas ferramentas de trabalho?
Enquanto que a gesto curricular ao nvel da planificao pensada em termos
de uma unidade de tempo de longa durao, a gesto curricular feita na prpria aula
realizada em tempo real e tem a marca fundamental do factor tempo o que est a
acontecer compatvel com o plano estabelecido para a aula e para a unidade?
Representa um desvio que h que corrigir? Representa um desvio que se considera
necessrio e por isso h que assumir e incluir no prprio plano geral?
A gesto curricular feita na aula no um simples trabalho de aplicao e
controlo do trabalho de acordo com o plano previsto. O trabalho do professor na aula
um trabalho eminentemente criativo. Cabe-lhe explorar as situaes que se
desenvolvem, tirar partido das intervenes dos alunos, aproveitar as oportunidades que
se lhe oferecem. Reformular os seus objectivos e a sua estratgia, em funo dos
acontecimentos na aula ainda, portanto, um elemento fundamental do processo de
gesto curricular.
3. A concluir
Como vemos, a problemtica da gesto curricular liga-se estreitamente a dois
pontos fundamentais: a seleco das tarefas e o modo dominante de construo do
conhecimento. As tarefas so um elemento fundamental na caracterizao de qualquer
currculo, pois elas determinam em grande medida as oportunidades de aprendizagem
oferecidas aos alunos. O modo de construo do conhecimento tem a ver com o papelque o aluno chamado a desempenhar: procurar aprender o que lhe apresentado de
modo j sistematizado e organizado ou explorar e descobrir por si mesmo, apoiado pelo
professor e em negociao com os colegas do grupo-turma.
Ao estabelecer uma estratgia adequada, contemplando diversos tipos de tarefa e
momentos prprios para explorao, reflexo e discusso, o professor d um passo
importante para criar oportunidades que favoream a aprendizagem dos alunos. A partir
da, o professor entra numa nova fase, a da realizao e regulao do processo deensino-aprendizagem. Uma boa preparao no garante totalmente o xito do trabalho
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subsequente. H muita coisa que pode correr mal devido a factores externos ou internos
ao trabalho na sala de aula. No entanto, parece-me indiscutvel que uma preparao
cuidada uma condio necessria para a qualidade do trabalho do professor e inclui,
de modo decisivo, a definio da estratgia e a seleco das tarefas.
A gesto curricular comea no planeamento da unidade, passa ao nvel
intermdio da preparao da aula ou da semana de trabalho, e culmina na gesto de
ensino-aprendizagem em tempo real, feita no decorrer da prpria aula. Esta gesto um
processo complexo de tomada de decises, com base em informao que o professor vai
recolhendo. No entanto, o professor no se limita a fazer gesto curricular. Depois de ter
elaborado um planeamento, h que concretiz-lo, o que uma actividade certamente
bem mais complexa. O modo de trabalho na sala de aula, a forma como o professor
negoceia com os alunos a resoluo das tarefas, os papis assumidos por ele e pelos
alunos, a estratgia e os instrumentos de avaliao utilizados, tudo isso tem uma grande
influncia no trabalho realizado e nas aprendizagens que podero ter lugar. Ou seja,
resolvida a questo da gesto curricular, preciso dar ateno ao trabalho do professor e
dos alunos na sala de aula20. Trata-se de um outro campo essencial da actividade do
professor a conduo do processo de ensino-aprendizagem na sala de aula que
constitui igualmente um ponto central do conhecimento e da prtica profissional do
professor de Matemtica.
Ao fazer a gesto do currculo, tanto na fase de planificao e seleco de tarefas
como na fase de realizao na sala de aula, tendo em conta os necessrios momentos de
avaliao e reflexo, o professor reconstri necessariamente esse mesmo currculo,
contribuindo de modo decisivo para a sua re-interpretao e transformao. So as
experincias dos professores, muitas vezes inspiradas em projectos e materiais
produzidos em conjunto com educadores matemticos, que abrem o caminho para a
inovao curricular e para o desenvolvimento do currculo em profundidade. importante que os documentos oficiais e os manuais escolares sistematizem e
aproveitem o melhor do pensamento curricular, constituindo-se em documentos de
trabalho teis para professores e alunos; no entanto, nas experincias conduzidas no
terreno, de modo formal ou informal, e na reflexo e depurao dos seus resultados,
produzida nas instncias profissionais e de investigao, que podemos encontrar o
20
O estudo desta questo, de resto, tem merecido bastante ateno em Portugal como se pode ver, porexemplo, nos trabalhos de F. Guimares, (1999), H. Guimares (2003), Ponte, Oliveira, Brunheira,Varandas e Ferreira (1999), Ponte e Santos (1998), Santos (2001) e Santos e Ponte (2001).
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