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Page 1: Politicas Publicas da Educacao

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃOEM POLÍTICAS PÚBLICAS

MESTRADO E DOUTORADO

UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃOv.16, n. 2, julho/dezembro 2012

REVISTA de

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Apoio

A Revista de Políticas Públicas (RPP) é uma publicação acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), de periodicidade semestral, destinada a publicar trabalhos científicos produzidos por pesquisadores brasileiros e de outros países, quando considerados relevantes para o avanço teórico-prático das Políticas Públicas.

Tem o objetivo de promover e disseminar a produção do conhecimento, o debate e a socialização de experiências acadêmicas, mediante a publicação de artigos, ensaios, resenhas e entrevistas, assim como criar mecanismos de intercâmbios científicos do Programa com outros programas de pós-graduação e instituições de pesquisa no Brasil e no exterior.

A RPP possui Conselho Editorial e Cientifico de composição nacional e internacional; é classificada no Estrato A2 do Sistema Qualis Periódicos da CAPES na Área de Serviço Social na qual se situa o Programa de Pós Graduação em Políticas Públicas.

Universidade Federal do MaranhãoNatalino Salgado Filho – ReitorFernando Carvalho Silva – Pró – Reitor de Pesquisa e Pós-GraduaçãoSônia Almeida – Pró-Reitora de GraduaçãoCésar Augusto Castro – Diretor do Centro de Ciências SociaisSalviana de Maria Pastor Santos Sousa – Coordenadora do Programa de Pós Graduação em Políticas Públicas

Endereço para Correspondência Mailing Adress Programa de Pós Graduação em Políticas PúblicasCidade Universitária da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) - Av. dos Portugueses, 1966 - CEP: 65.085-580São Luis – Maranhão – BrasilTelefone: (055 98) 3301 8668Fax: (055 98) 3301 8664 E-Mail: [email protected] ou [email protected]: revistapoliticaspublicas.ufma.br

Assessoria Científica em 2012 (Referees)

Adolfo Ignacio Calderón – PUC, Campinas/SPAlbenise de Oliveira Lima – UNICAP, Recife / PEAlzira Maria Baptista Lewgoy – UFRGS, Porto Alegre / RSAna Cristina Brito Arcoverde - UFPE, Recife/ PEAna Lúcia Suárez Maciel – PUC,Porto Alegre / RSAna Paula Ornellas Mauriel – UFF, Niterói / RJAndréa Cristina Santos de Jesus – UFRN , Natal /RNAndrea de Oliveira Goncalves - UNB, Brasília / DFÂngela Maria Carvalho Borges - UCSal / Salvador / BAAngela Vieira Neves - Unb, Brasília / DFAnnelise Caetano Fraga Fernandez – UFRRJ, Três Rios / RJAntônia Jesuíta de Lima - UFPI, Teresina/ PIAntonio Ricardo Dantas Caffé - UFBA, Salvador / BAAurora Amélia Brito de Miranda – UFMA, São Luis/MABeatriz Gershenson Aguinsky – PUC Porto Alegre / RS

Benjamin Alvino de Mesquita – UFMA, São Luis/MABernadete de Lourdes Figueirêdo de Almeida - UFPB, João Pessoa, PBCássius Guimarães Chai – UFMA. Imperatriz / MACarlos Alberto Batista Maciel - UFPA, Belém/ PACarlos Benedito Rodrigues da Silva - UFMA, São Luís / MACláudio Alberto Gabriel Guimarães – UFMA, São Luís / MACleomar Locatelli – UFT, Palmas/TOCleonice Correia Araújo – UFMA, São Luis / MADenise Machado Cardoso - UFPA, Belém/ PAElaine Marlova Venzon Francisco – UERJ, Rio de Janeiro / RJElenise Faria Scherer – UFAM, Manaus / AMEliana Costa Guerra – UFRN, Natal /RNElione Maria Nogueira Diógenes– UFAL, Maceió / ALElvira Cristina Martins Tassoni – PUC, Campinas/SPEvilásio da Silva Salvador - UNB, Brasília / DFFabiano Antonio dos Santos – UFMS,Campo Grande/MSGeórgia Patrícia da Silva – IFRR, boa Vista / RRGilmar Bueno Santos – UFMG, Belo Horizonte/ MG Giselle Lavinas Monnerat – UERJ, Rio de Janeiro/RJGuiomar de Oliveira Passos – UFPI, Teresina / PIHeloisa Helena Oliveira de Azevedo – PUC, Campinas/ SPHeloisa Helena Corrêa da Silva – UFAM, Manaus/ AMHipólita Siqueira – UFRJ, Rio de Janeiro/RJHorácio Antunes de Sant’Ana Júnior – UFMA, São Luis / MAHumberto Miranda do Nascimento – UNICAMP, Campinas/SPInez Terezinha Stampa – PUC, Rio de Janeiro / RJItaan de Jesus Pastor Santos – UEMA, São Luis / MAIvanete Salete Boschetti - UNB, Brasília / DFIzabel Cristina Dias Lira – UFMT, Cuiabá / MTJoana Valente Santana – UFPA, Belém / PAJoão Ignacio Pires Lucas – UCS, Caxias do Sul / RSJosé de Ribamar Sá Silva - UFMA, São Luís /MAJosé Menezes Gomes - UFMA, São Luís /MAKátia Helena Serafina Cruz Schweickardt - UFAM, Manaus / AMKátia Regina de Souza Lima – UFF. Niterói / RJLarissa Dahmer Pereira – UFF, Niterói / RJLiberata Campos Coimbra – UFMA, são Luis/MALuciana Leila Fontes Vieira - UFPE, Recife/ PELuiz Eduardo Simões de Souza – UFAL, Maceió / ALMabel Mascarenhas Torres – UEL , Londrina / PRMagnus Luiz Emmendoerfer – UFV, Viçosa/MGMara de Oliveira – UCS, Caxias do Sul / RSMárcia Santana Tavares – UFBA, Salvador / BAMaria Alice Melo - UFMA, São Luís/MA Maria Aparecida Ramos de Meneses – UFPB, João Pessoa/PBMaria Augusta Tavares – UFPB, João Pessoa / PBMaria Carmelita Yazbek – PUC, São Paulo / SPMaria das Graças e Silva – UFPE, Recife/ PEMaria de Fátima Cabral Marques Gomes – UFRJ, Rio de Janeiro/RJMaria de Fátima da Costa Gonçalves – UFMA, São Luis/MAMaria do Rosário de Fátima e Silva – UFPI,Teresina/PIMaria do Socorro silva Alencar – UFPI, Teresina/PIMaria Inês Caetano Ferreira – UFRB, Cruz das Almas/BA Maria José de Pinho – UFT, Palmas/ TOMaria Elvira Rocha de Sá – UFPA, Belém / PAMaria José da Silva Aquino - UFPA, Belém / PAMaria Norma Alcântara Brandão de Holanda – UFAL, Maceió / ALMaria Virginia Borges Amaral– UFAL, Maceió / ALMaria Virginia Moreira Guilhon – UFMA, São Luís / MAMarly de Jesus Sá Dias – UFMA, São Luís / MAMirelle Cristina de Abreu Quintela – UFVJM, Teófilo Otoni/ MGMonica Teresa Costa Sousa - UFMA, São Luís / MANádia Socorro Fialho Nascimento – UFPA, Belém / PANailsa Maria Souza Araújo – UFS, Aracajú / SEPaulo Gomes Lima – UFGD, Dourados/MSPatrícia B arreto Cavalcanti – UFPB, João Pessoa/ PB Regina Célia Tamoso Mioto – UFSC, Florianópolis / SCRegina Sueli De Sousa – PUC, Goiânia / GOReginaldo Gomes de Oliveira – UFRR, Boa Vista /RRRosa Helena Stein – UNB, Brasília / DFRosana de Carvalho Martinelli Freitas – UFSC , Florianópolis/ SCRosangela Nair de Carvalho Barbosa – UERJ, Rio de Janeiro/RJRosimar Serena Siqueira Esquinsani – UPF,Passo Fundo/RSSales Augusto dos Santos – UnB, Brasilia/DFSerafim Fortes Paz – UFF, Niterói / RJSilse Teixeira de Freitas Lemos – UFMA, São Luis / MASilvana Mara de Morais dos Santos – UFRN , Natal /RNSilvane Magali Vale Nascimento – UFMA, São Luis / MASolange Maria Teixeira – UFPI, Teresina / PI Sueli Bulhões da Silva – PUC, Rio de Janeiro/RJVânia Maria Manfroi – UFSC, Florianópolis / SCVicente Lentini Plantullo – UNINOVE, São Paulo/SP, Vitória Régia Fernandes Gehlen – UFPE, Recife / PEVera Lucia Martiniak – UEPG, Ponta Grossa/ PR Vera Maria Ribeiro Nogueira - UFSC, Florianópolis/ SCYolanda Aparecida Demetrio Guerra – UFRJ, Rio de Janeiro/ RJYoshiko Sassaki - UFAM, Manaus / AM

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Revista de Políticas Públicas | São Luís | v.16, n. 2 | p. 283-538 | julho/dezembro 2012

UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO

REVISTA de

ISSN 0104-8740

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Revista de Políticas Públicas. - Vol.1, n.1 (Jan/Jun. 1995) - - São Luis: EDFUMA,1995 - .

v. ; 21-30 cm

Semestral Publicada pelo Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão

Também disponível on-line

ISSN 0104-8740 1. Políticas Públicas - Períodicos. I. Universidade Federal do Maranhão. II. Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas.

CDD 320.05 CDU 32(05)

Catalogação na fonte pela Biblioteca Central da Universidade Federal do Maranhão

Conselho Editorial e Científico Ana Cristina Brito Arcoverde - UFPE, Recife/PE Ana Cristina de Souza Vieira - UFPE, Recife/PE Antônia Jesuíta de Lima - UFPI, Teresina/PI Antonio Augusto Moura da Silva - UFMA, São Luís/MA Berenice Rojas Couto - PUC, São Paulo/SP Bernadete de Lourdes Figueiredo de Almeida - UFPB, João Pessoa, PB Carlos Alberto Batista Maciel - UFPA, Belém/PA Denise Bomtempo Birche de Carvalho - UNB, Brasília/DF Elaine Rossetti Behring - UERJ, Rio de Janeiro/RJ Elenise Faria Scherer - UFAM, Manaus / AM Elizabeth Maria Beserra Coellho - UFMA, São Luís/MA Ivanete Salete Boschetti - UnB, Brasília/DF Ivete Simionatto - UFSC, Florianópolis/SC Jorge Luiz Alves Natal - UFRJ, Rio de Janeiro /RJ Laura Tavares Ribeiro Soares - UFRJ, Rio de Janeiro/RJ Marcos Ferreira da Costa Lima - UFPE, Recife/PE Margarita Elena Rozas Pagaza - Buenos Aires / Argentina Maria Alice Melo - UFMA, São Luís/MA Maria Carmelita Yazbek - PUC, São Paulo / SP Maria de Fátima Cabral Marques Gomes - UFRJ, Rio de Janeiro/RJ Maria Inês Sousa Bravo - UERJ, Rio de Janeiro/RJMaria Lorena Molina Molina - San José / Costa Rica Maria Lúcia Martinelli - PUCSP, São Paulo/SP Maria Lucia Teixeira Werneck Viana - UFRJ, Rio de Janeiro/ RJ Maria Virgínia Borges Amaral - UFAL , Maceió / AL Maria Virginia Moreira Guilhon - UFMA, São Luís / MA Marilda Villela Iamamoto - UERJ , Rio de Janeiro / RJ Mônica Solange De Martino Bermúdez - Universidad de la República - Motevideo/ Uruguai Pierre Salama - Paris-Nord, Paris/França Reginaldo Gomes de Oliveira - UFRR, Boa Vista/RR Sérgio Afrânio Lessa Filho - UFAL , Maceió / AL Silvana Mara de Morais dos Santos - UFRN , Natal/RN Silvia Fernández Soto - UNICEN, Buenos Aires / Argentina Valéria Ferreira Santos de Almada Lima - UFMA, São Luís/MA Vera Maria Ribeiro Nogueira - UFSC, Florianópolis/SC Yolanda Aparecida Demetrio Guerra - UFRJ, Rio de Janeiro/ RJ

© 1995 Programa de Pós Graduação em Políticas Públi-cas da Universiade Federal do Maranhão.Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta revista poderá ser reproduzida, seja por quais forem os meios em-pregados, sem permissão por escrito da Comissão Editorial. Os conceitos emitidos em artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores. Comissão Editorial Maria Ozanira da Silva e Silva Salviana de Maria Pastor Santos Sousa Raimunda Nonata do Nascimento Santana Editor Científico: Salviana de Maria Pastor Santos SousaSecretária Executiva: Francinara de Almeida Brasil Produção Editorial Projeto Gráfico: Doliver Pereira Capa: Júlio Mathos Normalização: Maria da Glória Serra Pinto de Alencar e Kádila Morais de Abreu (Bolsista). Revisão e Tradução - Português/ Espanhol : Vilma Maria Carvalho de Melo Revisão e Tradução - Inglês: Carlos Henrique Santos Publicação indexada em: Vlex Brasil - < http://br.vlex.com/source/revista-politicas-publicas-5036> SEER IBICT - <http://seer.ibict.br/index.php?option=com_mtree&task=viewlink_id=1636&ltemid=109> Portal Periódicos UFMA - <http://www.periodicoseletro-nicos.ufma.br/index.php/rppublica> LATINDEX - <http://www.latindex.unam.mx/buscador/ficRev.html?folio=20557&opcion=1> RCAAP - < http://directorio.rcaap.pt/handle/1/754> PORTAL PERIODICOS CAPES - <http://link.periodicos.capes.gov.br.ez14.periodicos.capes.gov.br/sfxlcl3?url_ver=Z39.88-2004&url_ctx_fmt=infofi/fmt:kev:mtx:ctx&ctx_enc=info:ofi/enc:UTF-8&ctx _ver= Z39.88- 2004&rfr_ id=info: sid/sfxit. com:azlist&sfx. Ignore _date _threshold= 1&rft .object_id=991042753972080&svc.fulltext=yes> IRESIE - <http://www.revistapoliticaspublicas.ufma.br/ver_revista.php?id=34> DIADORIM <http://diadorim.ibict.br/handle/1/85>

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SUMÁRIO

EDITORIALRaimunda Nonata do Nascimento Santana

Salviana de Maria Pastor Santos Sousa

POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO: impasses e desafios contemporâneos

ARTIGOS

ACCONTABILITY: Qual o seu significado para servidores de uma instituição federal de ensino?

Ricardo Alexandre Batista de OliveiraJúnia Maria Zandonade Falqueto

Letícia Lopes CalderanAndrea de Oliveira Gonçalves

A CONFIGURAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA NO BRASIL E O TRABALHO DOCENTE

Carlos José de Melo MoreiraMichele Borges de Souza

Verônica Lima Carneiro

A EDUCAÇÃO AMBIENTAL ENQUANTO POLÍTICA PÚBLICA: reflexões acerca de sua inclusão no contexto universitário

Letícia Soares Nunes

AS RELAÇÕES ETNICO-RACIAIS E A IMPLEMENTAÇÃO DA LEI 10.639/03 EM FORTALEZA/ CEARÁ

Maria Zelma de Araújo Madeira Renata Gomes da Costa

CIÊNCIA SEM FRONTEIRAS E AS FRONTEIRAS DA CIÊNCIA: os arrabaldes da educação superior brasileira

Jorge Luiz dos Santos Junior

DESENVOLVIMENTO REGIONAL E TRANSIÇÃO SOCIAL: políticas de incentivo à leitura no espaço rural maranhense

Carlos Wellington Soares Martins

EDUCAÇÃO SOCIAL NO CAMPO DA POLÍTICA PÚBLICA: Profissionalização e condições de trabalho

Roberta de Castro CunhaRosemary de Oliveira Almeida

GESTÃO DE DEMANDAS E DE OFERTAS DE CURSOS TÉCNICOS A DISTÂNCIA EM MINAS GERAIS

Maria Janete VeltenLucília Regina de Souza Machado

MUDANÇAS NO PENSAMENTO SOBRE DESENVOLVIMENTO: o novo-desenvolvimentismo brasileiro

Vânia Cardoso da Motta

NORMAS E REFORMAS PARA A INCLUSÃO: leituras sobre o ensino médio e a lei 10.639/2003

Jean Mac Cole Tavares Santos

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O IMPACTO DO AUMENTO DE RECURSOS NA QUALIDADE DA EDUCAÇÃO DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO NO ESTADO DO MARANHÃO

Jairo Cavalcanti Vieira.Diego Silva Oliveira

PROGRAMA ESCOLA INTERCULTURAL BILÍNGUE DE FRONTEIRA: primeiros anos na fronteira Jaguarão/Brasil – Rio Branco / Uruguai

Cristina Pureza Duarte BoéssioBento Selau

Yanna Karlla H. G. Cunha

TRANSFORMAÇÕES NA CULTURA ACADÊMICA: políticas, impactos e revelações do cotidiano

Silvia Alves dos SantosJoão dos Reis Silva Júnior

UNA COMPARACION DE LA INSCRIPCION EN AGENDA DE LA POLITICA DE RECONOCIMIENTO DE TITULOS UNIVERSITARIOS EN EL MERCOSUR Y LA UNION

EUROPEAFacundo Solanas

ENTREVISTA ESPECIAL COM Dalila Andrade Lélia Cristina Silveira de Moraes

RESENHAFREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 50. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011.

POR QUE CONTINUAR LENDO PEDAGOGIA DO OPRIMIDO?Moacir Gadotti

ARTIGOS SOBRE POLÍTICAS PÚBLICAS

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O TRABALHO PRECOCE NO BRASILInaiá Maria Moreira de Carvalho

CINEMA: uma forma de reflexão filosóficaTânia Mara De Bastiani

Simone Becher Araujo Moraes

DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE: o embate teórico e o direito à saúdeVera Maria Ribeiro Nogueira

INSTRUMENTOS DE POLÍTICA DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA EM GENÔMICA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Renan Gonçalves Leonel da SilvaMaria Conceição da Costa

REFLEXÕES SOBRE DESENVOLVIMENTO NA AMERICA LATINA: uma investigação da política nacional de desenvolvimento regional no Brasil

Cleidson Nogueira Dias

UM CAMINHO A PERCORRER: os desafios da efetivação da política de assistência social no município de recife

Salyanna de Souza Silva

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COMUNICAÇÕES

POLÍTICA EDITORIAL

NORMAS PARA ELABORAÇÃO E APRESENTAÇÃO DE TRABALHOS

CRITÉRIOS PARA ACEITAÇÃO DE TRABALHOS PARA PUBLICAÇÃO

CHAMADA DE TRABALHOS PARA PUBLICAÇÃO NA REVISTA DE POLÍTICAS PÚBLICAS: fluxo contínuo

CHAMADA DE TRABALHOS PARA PUBLICAÇÃO NA REVISTA DE POLÍTICAS PÚBLICAS: v.17 n.1 janeiro/junho 2013

VERSÃO ON LINE DA REVISTA DE POLITICAS PUBLICAS

VI JORNADA INTERNACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS (VI JOINPP)

SUMÁRIOS DE NÚMEROS ANTERIORES DA REVISTA DE POLÍTICAS PÚBLICAS: v.16, n.1, 2012 e v. 15, n.2, 2011

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CONTENTS

EDITORIALRaimunda Nonata do Nascimento Santana

Salviana de Maria Pastor Santos Sousa

PUBLIC POLICIES FOR EDUCATION: contemporary challenges and dilemmas

ARTICLES

ACCOUNTABILITY: what does it mean for the civil servants of federal education institution?Ricardo Alexandre Batista de Oliveira

Júnia Maria Zandonade FalquetoLetícia Lopes Calderan

Andrea de Oliveira Gonçalves

THE SETTING OF PUBLIC POLICIES FOR BASIC EDUCATION AND TEACHING WORK IN BRAZIL

Carlos José de Melo MoreiraMichele Borges de Souza

Verônica Lima Carneiro

ENVIRONMENTAL EDUCATION AS A PUBLIC POLICY: reflections on its inclusion in the university context

Letícia Soares Nunes

RACIAL-ETHNIC RELATIONS AND IMPLEMENTATION OF THE LAW 10.639/03 FORTALEZA / CEARÁ

Maria Zelma de Araújo Madeira Renata Gomes da Costa

SCIENCE WITHOUT BORDERS AND BOUNDARIES OF SCIENCE: the peripheries of brazilian higher education

Jorge Luiz dos Santos Junior

REGIONAL DEVELOPMENT AND SOCIAL TRANSITION: politics of incentive to the reading in the maranhense agricultural space

Carlos Wellington Soares Martins

SOCIAL EDUCATION IN THE FIELD OF PUBLIC POLICY: professional and working conditions

Roberta de Castro CunhaRosemary de Oliveira Almeida

MANAGEMENT OF THE PUBLIC POLICY FOR THE OFFER OF DISTANCE VOCATIONAL COURSES IN MINAS GERAIS

Maria Janete VeltenLucília Regina de Souza Machado

CHANGES IN THINKING ABOUT DEVELOPMENT: The new Brazilian developmentalismVânia Cardoso da Motta

STANDARDS AND REFORMS FOR INCLUSION: readings on the high school level and the Law 10.639/2003

Jean Mac Cole Tavares Santos

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THE IMPACT OF INCREASED RESOURSES ON THE QUALITY OF EDUCATION OF MUNICIPAL SCHOOLS IN THE STATE OF MARANHÃO

Jairo Cavalcanti Vieira.Diego Silva Oliveira

PROGRAM FOR INTERCULTURAL BILINGUAL SCHOOL AT THE BORDER: early years at the border Jaguarão (Brazil) - Rio Branco (Uruguay)

Cristina Pureza Duarte BoéssioBento Selau

Yanna Karlla H. G. Cunha

TRANSFORMATION IN ACADEMIC CULTURE: policies, impacts and revelations of daily life

Silvia Alves dos SantosJoão dos Reis Silva Júnior

AGENDA SETTING COMPARISON OF THE UNIVERSITY DEGREES RECOGNITION POLICY IN MERCOSUL AND EUROPEAN UNION

Facundo Solanas

ESPECIAL INTERVIEW WITH DALILA ANDRADE BRAZILIAN CURRENT EDUCATIONAL POLICY: conflicts and possibilities

Lélia Cristina Silveira de Moraes

REPORTFREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 50 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011.

POR QUE CONTINUAR LENDO PEDAGOGIA DO OPRIMIDO?Moacir Gadotti

FREE SUBJECTS

SOME OBSERVATIONS ON THE EARLY WORK IN BRAZILInaiá Maria Moreira de Carvalho

CINEMA: a way of philosophical reflectionTânia Mara De Bastiani

Simone Becher Araujo Moraes

SOCIAL DETERMINANTS IN HEALTHCARE: the theoretical debate and the right to healthcare

Vera Maria Ribeiro Nogueira

INSTRUMENTS OF SCIENCE AND TECHNOLOGY POLICY ON GENOMICS IN THE STATE SÃO PAULO

Renan Gonçalves Leonel da SilvaMaria Conceição da Costa

REFLECTIONS ON DEVELOPMENT IN BRAZIL: a study on the national regional development

Cleidson Nogueira Dias

ONE WAY TO GO THROUGH: challenges of the effectiveness of the social assistance policy in the municipality of Recife

Salyanna de Souza Silva

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COMUNICATIONS

EDITORIAL POLICIES

RULES AND REGULATIONS FOR PAPER SUBMISSIONS

CRITERIA FOR PAPER ACCEPTANCE

CALLING FOR PAPERS TO BE PUBLISHED AT THE PUBLIC POLICIEIS REVIEW: continuous flux

CALLING FOR PAPERS TO BE PUBLISHED AT THE PUBLIC POLICIEIS REVIEW: v.17, n.1, january/june 2013

ON LINE VERSION OF THE PUBLIC POLICIES REVIEW

VI INTERNATIONAL JORNEY ON PUBLIC POLICIES (VI JOINPP)

SUMMARY OF THE PREVIOUS ISSUES OF THE PUBLIC POLICIES REVIEW :v. 15, n. 2, 2011 and v.16, n.1, 2012

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EDITORIAL

Políticas Públicas da Educação: impasses e desafios contemporâneos é o tema que compõe o Dossiê Temático deste número da Revista de Políticas Públicas (RPP), periódico científico semestral publicado pelo Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas (PPGPP) da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Esse número da RPP traz dois destaques importantes. O primeiro diz respeito ao privilégio concedido ao campo da educação, particularmente, às políticas públicas situadas nessa área, que se reconfiguram no atual contexto de reoordenamento do Estado brasileiro. Reoordenamento que se caracteriza, dentre tantas determinações e expressões, pela metódica diluição das fronteiras entre público e privado com uma tendência de regressividade do ensino público nos diferentes níveis.

O segundo destaque apresentado por essa edição da RPP é a virtuosa articulação acadêmica desenvolvida entre o PPGPP e o Programa de Pós-Graduação em Educação da UFMA. Desta articulação derivou a entrevista com a profaª Dalila Andrade Oliveira, coordenadora geral da Rede Latino-americana de Estudos Sobre Trabalho Docente (RedEstrado) e presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) feita pela profaª Lélia Cristina Silveira de Moraes. Da articulação entre os dois Programas resultou, ainda, a resenha elaborada pelo prof. Moacir Gadotti, Diretor do Instituto “Paulo Freire”, do livro “Pedagogia do Oprimido”, intitulada, sugestivamente, Por que continuar lendo Pedagogia do Oprimido?

Na resenha do livro de Paulo Freire, o prof. Gadotti lembra a grande contribuição desse educador à luta pelo direito a uma educação emancipadora e

o legado que deixou sob a forma de “uma filosofia educacional e um método de investigação e de pesquisa ancorados numa antropologia e numa teoria do conhecimento, imprescindíveis na formação do educador”.

Dada a diversidade dos objetos de estudo abordados pelos autores selecionados para essa edição da RPP, a Comissão Editorial optou por apresentar os artigos em ordem alfabética dos seus títulos, tanto no que se refere aos que compõem o Dossiê Temático quanto aos da seção de Temas Livres.

Accountability: qual o seu significado para servidores de uma instituição federal de ensino? De autoria de Ricardo Alexandre Batista de Oliveira, Júnia Maria Zandonade Falqueto, Letícia Lopes Calderan e Andrea de Oliveira Gonçalves, o artigo busca verificar causas e implicações da ausência do accountability para a Administração Pública, particularizando sua relevância na gestão de uma universidade pública.

O texto de autoria de Carlos José de Melo Moreira, Michele Borges de Souza e Verônica Lima Carneiro denominado A configuração das Políticas Públicas para a Educação Básica no Brasil e o trabalho docente referencia-se em países considerados periféricos para discutir a intervenção do Banco Mundial nas políticas públicas para a educação básica, especialmente a partir dos anos 1990. Argumenta que a intervenção do Banco Mundial nas reformas da educação básica no Brasil vem promovendo a reestruturação do trabalho docente, impondo novas exigências à sua atuação, além de clara precarização e intensificação do trabalho nessa área.

Letícia Soares Nunes, no texto A educação ambiental enquanto política pública: reflexões

Raimunda Nonata do Nascimento Santana Universidade Federal do Maranhão (UFMA)

Salviana de Maria Pastor Santos SousaUniversidade Federal do Maranhão (UFMA)

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acerca de sua inclusão no contexto universitário, sinaliza que, na sociedade capitalista, a educação pode ser usada como um mecanismo ideológico de reprodução das condições sociais ou pode propiciar mecanismos de transformação social. Analisa a constituição do campo da Política Pública em Educação Ambiental (EA) e a sua inclusão no contexto universitário. Por fim, propõe que, enquanto processo educativo dialógico, a EA deve integrar as diversas modalidades de ensino.

As reflexões desenvolvidas por Maria Zelma de Araújo Madeira e Renata Gomes da Costa contidas no texto As relações etnico-raciais e a implementação da lei 10.639/03 em Fortaleza/ Ceará objetivam contribuir para o debate sobre a inserção da temática da inclusão da história e da cultura africana e afro-brasileira no sistema de ensino público de Fortaleza. Tentam identificar como o racismo e o mito da democracia racial estão presentes nas práticas pedagógicas e no cotidiano da escola.

O artigo Ciência sem fronteiras e as fronteiras da ciência: os arrabaldes da educação superior brasileira, de autoria de Jorge Luiz dos Santos Junior, analisa os meandros do “Programa Ciência sem Fronteiras”, destacando o papel das comunidades científicas no seu direcionamento. Argumenta que há uma dicotomia entre ações governamentais que, por um lado, buscam uma ciência de fronteira e, por outro, negligenciam o próprio desenvolvimento da universidade e da sociedade brasileira

Carlos Wellington Soares Martins em seu artigo Desenvolvimento regional e transição social: políticas de incentivo à leitura no espaço rural maranhense tece considerações sobre as implicações no redimensionamento das práticas sociais decorrentes da implantação do “Programa de Bibliotecas Rurais Arca das Letras” que tem como público-alvo as comunidades rurais do estado do Maranhão.

O texto Educação social no campo da política pública: profissionalização e condições de trabalho, de autoria de Roberta de Castro Cunha e Rosemary de Oliveira Almeida, reflete sobre a profissionalização e as condições de trabalho do jovem educador social no âmbito da Coordenadoria-Funci, instituição governamental responsável pela proposição e implementação de políticas públicas voltadas para crianças e adolescentes da cidade de Fortaleza.

A gestão de demandas e ofertas de cursos técnicos no contexto da implementação do Sistema e-Tec Brasil por Institutos Federais mineiros, entre 2008 e 2010, é o objeto privilegiado na reflexão desenvolvida por Maria Janete Velten e Lucília Regina de Souza Machado no artigo intitulado Gestão de demandas e de ofertas de cursos técnicos à distância em Minas Gerais.

O artigo Mudanças no pensamento sobre desenvolvimento: o novo-desenvolvimentismo brasileiro de autoria de Vânia Cardoso da Motta discorre sobre o processo de mudança do pensamento sobre o desenvolvimento formulado pelos organismos internacionais na virada do milênio e sobre o modelo novo-desenvolvimentista que vem sendo implementado no Brasil a partir do segundo mandato do governo Lula.

Normas e reformas para a inclusão: leituras sobre o ensino médio e a lei 10.639/2003 é o texto apresentado por Jean Mac Cole Tavares Santos. Nele, o autor aborda a questão da negritude na educação escolar no ensino médio, a partir da implementação da lei 10.639/2003. Desvenda como esta política pública incluiu e tornou obrigatório o ensino da história e das culturas africana e afro-brasileira nas escolas públicas.

Jairo Cavalcanti Vieira e Diego Silva Oliveira, no texto O impacto do aumento de recursos na qualidade da educação da rede municipal de ensino no estado do Maranhão, procuram demarcar a relação entre os gastos com educação nos municípios maranhenses e o respectivo IDEB. Verificam que, embora os municípios tenham aumentado seus gastos com Educação, em 65% deles o IDEB não evoluiu. Tal constatação leva os autores a concluírem que a elevação dos gastos públicos com Educação se mostra insuficiente para garantir a melhoria desse índice.

Cristina Pureza Duarte Boéssio, Bento Selau e Yanna Karlla H. G. Cunha, no artigo Programa Escola Intercultural Bilíngue de Fronteira: primeiros anos na fronteira Jaguarão/Brasil – Rio Branco / Uruguai, apresentam um relato do desenvolvimento desse Programa, da sua gênese aos dias atuais, discutindo conceitos importantes à sua compreensão, tais como interculturalidade, bilinguismo e fronteira.

Em Transformações na cultura acadêmica: políticas, impactos e revelações no cotidiano, Silvia Alves dos Santos e João dos Reis Silva Júnior buscam compreender como as relações de produção na sociedade capitalista vão redefinindo o trabalho dos professores pesquisadores nas Universidades Públicas, criando uma nova cultura universitária.

O conjunto de artigos pertinentes ao Dossiê Temático encerra com o texto de Facundo Solanas, denominado Una comparacion de la inscripcion en agenda de la politica de reconocimiento de titulos universitarios en el Mercosur y la Union Europea. Ele é formulado com base em entrevistas, pesquisa teórica e documental sobre a análise de políticas públicas e aborda a política de reconhecimento de títulos universitários traduzida nas agendas institucionais do Mercosul e da União Europeia.

Por fim, finalizando o Dossiê Temático deste número da RPP, seguem a entrevista com a profaª Dalila Andrade Oliveira e a resenha, elaborada pelo prof. Moacir Gadotti, do livro “Pedagogia do Oprimido”, de Paulo Freire.

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O bloco de artigos da seção “Temas Livres” inicia com o texto Algumas considerações sobre o trabalho precoce no Brasil de autoria de Inaiá Maria Moreira de Carvalho. Nele, a autora apresenta considerações sobre o trabalho precoce de crianças e adolescentes no Brasil contemporâneo. Aborda aspectos como freqüência, características, condições de inserção e programas em implementação para o combate a essa forma de trabalho.

Tânia Mara de Bastiani e Simone Becher Araujo Moraes, no artigo Cinema: uma forma de reflexão, historiam a luta para inclusão da disciplina Filosofia no currículo escolar do Ensino Médio e a importância do cinema como prática pedagógica através da obra de Cabrera “O cinema Pensa”, destacando duas formas de desenvolvimento da reflexão filosófica: o conceito-ideia e o conceito-imagem para, em seguida, fazer uma análise do filme O cheiro do ralo.

Determinantes Sociais da Saúde: o embate teórico e o direito à saúde de Vera Maria Ribeiro Nogueira debate as tensões existentes entre duas perspectivas interpretativas sobre os determinantes sociais da saúde. Evidencia, no âmbito da ação profissional do Serviço Social, o impacto na garantia e na expansão do direito à saúde em decorrência da adoção de uma ou de outra perspectiva. Destaca, ainda, desafios e possibilidades postos às Unidades de Ensino, tanto na intervenção quanto nas análises teóricas sobre as interfaces entre o Serviço Social e a área da saúde.

“Rastrear” as bases do regime de produção científica em genômica, destacando sua efetivação nas políticas públicas no Estado de São Paulo, é o interesse central que orienta a elaboração do artigo Instrumentos de Política de Ciência e Tecnologia em Genômica do estado de São Paulo de Renan Gonçalves Leonel da Silva e Maria Conceição da Costa.

Cleidson Nogueira Dias, no texto Reflexões sobre desenvolvimento no Brasil: um estudo sobre a Política Nacional de Desenvolvimento Regional, contextualiza a Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR). Avalia a implementação desta política pública, sob a ótica de seus partícipes, e mostra alguns fatores que impulsionam o desenvolvimento local e regional, além de trazer indicações que podem subsidiar a elaboração de projetos ou programas nessa área.

Finalizando o conjunto de textos dessa edição da RPP, Salyanna de Souza Silva analisa a efetivação da Política da Assistência Social no município de Recife no artigo intitulado Um caminho a percorrer: os desafios da efetivação da Política de Assistência Social no município de Recife.

Na seção de Comunicações destaca-se a informação sobre a VI Jornada Internacional de Políticas Públicas, evento que será realizado em São Luís/Ma, no período de 20 a 23 de agosto de

2013, orientado pelo tema “O desenvolvimento da crise capitalista e a atualização das lutas contra a exploração, a dominação e a humilhação”.

Espera-se, com essa edição da RPP qualificada pela participação de pesquisadores e pesquisadoras do Brasil e do exterior, contribuir para aprofundar o debate sobre os impasses e desafios da educação no atual contexto histórico.

Raimunda Nonata do Nascimento Santana Dra. em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - RJMembro da Comissão Editorial da Revista de Políticas Pública

Salviana de Maria Pastor Santos SousaDra. em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Maranhão - UFMAMembro da Comissão Editorial da Revista de Políticas PúblicaPesquisadora Nível - 2 do CNPq

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ACCOUNTABILITY: qual seu significado para servidores de uma instituição federal de ensino?

Ricardo Alexandre Batista de OliveiraMinistério da Educação (MEC)

Júnia Maria Zandonade FalquetoUniversidade de Brasília (UnB)

Letícia Lopes CalderanUniversidade de Brasília (UnB)

Andrea de Oliveira GonçalvesUniversidade de Brasília (UnB)

Accountability: qual seu significado para servidores de uma instituição federal de ensino?Resumo: A accountability é um termo que apresenta uma série de significados desde a prestação de contas à reforma administrativa. Mesmo assim, desde a década de 1990, há uma tentativa de tradução do termo para o português. Diante desta possibilidade, este artigo identifica como a accountability é compreendida no âmbito de uma instituição federal de ensino superior brasileira. Para tanto, realiza um estudo exploratório e analítico, com uma abordagem quantitativa, que esclarece o significado da palavra accountability e verifica as causas e implicações de sua ausência para a Administração Pública, além de estudar a relação entre o termo accountability e a gestão de uma universidade pública.Palavra-chave: Accountability, administração pública, instituição de ensino superior, Brasil.

Accountability: what does it mean for the civil servants of federal education institution?Abstract: Accountability is a term that has a number of meanings from accountability to administrative reform. Yet, since the 1990s, there is an attempt to translate the term into Portuguese. Faced with this possibility, this paper identifies how accountability is understood in the context of a federal institution of higher education in Brazil. To this intention, we have done an exploratory and analytical study, with a quantitative approach, which sought to clarify the meaning of accountability and verifying the causes and implications of its absence to the Government, of addition to studying the relationship between the term accountability and the management of a public university.Key words: Accountability, government, institution of higher education, Brazil.

Recebido em: 29.02.2012. Aprovado em: 22.10.2012.

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Ricardo Alexandre Batista de Oliveira, Júnia Maria Zandonade Falqueto, Letícia Lopes Calderan, Andrea de Oliveira Gonçalves1 INTRODUÇÃO

No início da década de 90, a autora Anna Maria Campos realizou um estudo com o intuito de verificar se a palavra accountability poderia ser traduzida para o português e quais seriam as implicações da ausência deste conceito para a realidade pública brasileira. Duas décadas depois, Pinho e Sacramento (2009), buscaram identificar se as alterações políticas, sociais e institucionais contribuíram para a tradução dessa palavra no Brasil e apontaram que seu significado engloba os conceitos de responsabilidade (objetiva e subjetiva), controle, transparência, obrigação de prestação de contas, justificativas para as ações que foram ou deixaram de ser empreendidas, premiação e castigo.

Por ser um assunto relevante e em expansão, surge o interesse em identificar a aplicabilidade e o uso desse termo em instituições de ensino superior, com vistas à obrigação dos oficiais públicos informarem e explicarem seus atos – answerability – e à capacidade de imposição de sanções e perda de poder para aqueles que violaram os deveres públicos – enforcement – presentes na definição do termo. (CARNEIRO, 2000).

Nesse contexto, este artigo identifica, de forma exploratória e descritiva, como a accountability é compreendida no âmbito de uma instituição federal de ensino superior brasileira de grande porte – A Universidade de Brasília.

O trabalho está dividido em três partes, além desta introdução. Uma parte conceitual que apresenta definições de accountability, baseada nos estudos de Campos (1990), Carneiro (2000), Afonso (2009) e Pinho e Sacramento (2009). Estes autores se destacam na definição e na compreensão do significado desse vocábulo, discutido a partir de uma variedade de abordagens e com distintas ênfases. Além disso, nessa parte, serão relatadas as causas e implicações da ausência de accountability para a Administração Pública brasileira.

A parte seguinte será dedicada à apresentação dos princípios que nortearam a construção do instrumento de pesquisa – o questionário –, para realização da pesquisa exploratória descritiva e, em seguida, apresentação da análise dos resultados alcançados, mediante o estabelecimento de categorias e aferição de frequência nas respostas dos entrevistados. Por fim, são apresentadas as considerações finais sobre os resultados obtidos e as limitações inerentes à pesquisa.

2 ACCOUNTABILITY

A accountability ainda é um desafio quando se trata da tradução/aplicação de seus conceitos e parâmetros nos diversos cenários organizacionais. Faz-se necessário imprimir esforços para que o tema seja melhor incorporado nas agendas

governamentais. Assim, o esclarecimento dos possíveis conceitos adotados para o termo é o primeiro passo para a consecução dos objetivos aqui expostos.

Dessa forma, a presente seção tem por objetivo apresentar ao leitor uma visão geral de conceitos adotados por diversos autores, como Pinho e Sacramento (2009), Campos (1990), Afonso (2009) e Schedler (1999), bem como procura discorrer a temática no campo da administração pública com vistas a fomentar o debate no contexto das organizações que compõem esse campo.

2.1 Definindo Accountability

Embora accountability seja considerado um conceito-chave no estudo da administração pública e na prática do serviço público, observa-se grande dificuldade, por parte dos autores, em obter a tradução perfeita para o vocábulo que possui significados e amplitudes plurais. De acordo com Pinho e Sacramento (2009), a ideia contida na palavra traz implicitamente a responsabilização pessoal pelos atos praticados e explicitamente a exigente prontidão para a prestação de contas, seja no âmbito público ou no privado.

Em 1990, Anna Maria Campos publicou o artigo “Accountability: quando poderemos traduzi-la para o português?”, no qual a pesquisadora busca compreender o significado de accountability, além de analisar as causas da ausência de tradução para o português.

Na busca pelo conceito, a citada autora descreve a dificuldade encontrada e relata que o único indício que pôde captar foi que, apesar do som, nada tinha a ver com contabilidade. Campos (1990) se baseia, entre outros, nos ensinamentos de Frederich Mosher, que apresenta accountability como sinônimo de responsabilidade objetiva ou obrigação de responder por algo: um conceito oposto a, mas não necessariamente incompatível com, responsabilidade subjetiva, que

Acarreta a responsabilidade de uma pessoa ou organização perante uma outra pessoa, fora de si mesma, por alguma coisa ou por algum tipo de desempenho. (CAMPOS, 1990, p. 4).

Dessa forma, quem tem responsabilidade para com algo ou alguém deve sujeitar-se à responsabilização pelo desempenho e pelo resultado de seus atos. (PINHO; SACRAMENTO, 2009).

Carneiro (2000), Afonso (2009), Pinho e Sacramento (2009) abordam as visões de outros autores que contribuíram para o enriquecimento do conceito. Com destaque para a fundamentação de accountability apresentada por Schedler (1999), o qual considera três dimensões estruturantes necessárias à sua eficácia – informação, justificação

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e imposição ou punição. Informação e justificação remetem à ideia de answerability, caracterizada como a obrigação dos detentores de mandatos públicos informarem, explicarem e responderem pelos seus atos. Por outro lado, punição refere-se à enforcement – capacidade das agências de impor sanções e perda de poder para aqueles que violarem os deveres públicos. Resumidamente, para Pinho e Sacramento (2009, p. 1350)

Accountability nasce com a assunção por uma pessoa de uma responsabilidade delegada por outra, da qual se exige a prestação de contas, sendo que a análise dessas contas pode levar à responsabilização.

Com isso, a accountability começou a ser

entendida como questão de democracia, e não apenas de desenvolvimento organizacional ou de reforma administrativa. Assim, o controle da atividade estatal deve ser visto como base de sustentação para o regime democrático, acompanhando o avanço de valores democráticos, tais como igualdade, dignidade humana, participação, representatividade. (CAMPOS, 1990; PINHO; SACRAMENTO, 2009).

Esse controle pode ocorrer de forma horizontal ou vertical. A noção de accountability vertical pressupõe uma ação entre desiguais, em que as ações são realizadas individualmente e/ou coletivamente, com referência aos que, eleitos ou não, exercem posições em instituições do Estado. Contudo, a noção de accountability horizontal pressupõe uma relação entre iguais, por meio de uma relação de mútua vigilância entre os poderes constituídos – Executivo, Legislativo, Judiciário, agências de supervisão e instâncias responsáveis pela fiscalização das prestações de contas. (CARNEIRO, 2000; PINHO; SACRAMENTO, 2009).

Accountability está relacionada à participação, à transparência, à prestação de contas e à responsabilização, que abarca, portanto, a responsabilidade, a obrigação e a responsabilização de quem ocupa um cargo sem prestar contas, segundo os parâmetros da lei envolvida, a possibilidade de ônus, a pena para o não cumprimento dessa diretiva (PINHO; SACRAMENTO, 2009).

2.2 Accountability e a Administração Pública

É na Administração Pública onde a filosofia da accountability deve estar mais presente, pois quando a sociedade elege seus representantes, espera que estes ajam em nome dos eleitores, de maneira correta, e que prestem contas de seus atos. Nesse sistema, os princípios centrais são a soberania popular e o controle dos governantes pelos governados. (STARK; BRUSZT, 1998; SLOMSKI, 2003).

A falta de accountability na Administração

Pública implica em uma crise de credibilidade ao governo. Se não há um sistema de accountability claro e eficiente, a nação passa a não confiar nas instituições públicas e a crise se alastra para além do campo político e alcança os setores econômicos e sociais. Segundo Campos (1990), a falta de accountability na esfera pública se reflete no desrespeito ao cidadão brasileiro enquanto contribuinte, eleitor e cliente dos órgãos públicos.

Ferreira (2006) defende que a accountability também deve ser compreendida como um controle social. Em conjunto com o principio da transparência, o seu exercício permite um aumento da credibilidade do sistema de controle, tornando-o mais eficiente na arbitragem de conflitos. Esse autor afirma que o controle social é denominado de accountability pela ciência política, podendo ser considerado a obrigação da prestação de contas do poder público perante a sociedade civil e as autoridades competentes. Ele se traduz pela existência de mecanismos de cobrança e de controles recíprocos que constituem fator favorável ao êxito da gestão pública, permitindo evitar a apropriação da máquina por interesses privados, o desperdício, o corporativismo, além da alocação de recursos para fins não previstos.

Para outros autores como Nakagawa (1993) e Tinoco (2002), a accountability representa a obrigação que a organização tem de prestar contas dos resultados obtidos em função da responsabilidade que decorre de uma delegação de poder. Nesse contexto, as organizações públicas ou que recebem verba pública se tornam passíveis de fiscalização para assegurar sua integridade, desempenho e representatividade, uma vez que existe a necessidade de o próprio governo prover informações úteis e relevantes para o seu exercício.

Ao realizar uma análise histórica do conceito no país, percebe-se que os mecanismos de accountability foram introduzidos na administração pública brasileira não só por força da Constituição de 1988, mas também como resultado das transformações sociais e políticas ocorridas no país a partir da queda do regime autoritário e da redemocratização nos anos 1980 e 1990, com o crescente fortalecimento da sociedade civil e das organizações não governamentais. (FERREIRA, 2006). Esse processo levou à construção de uma série de instituições públicas responsáveis pela cobrança da prestação de contas e do controle social sobre o Estado e sobre os atos de sua burocracia, formada por sindicatos, igrejas, mídia, organizações de direitos humanos, entidades de classe e corporativas, as centrais sindicais, as associações comunitárias e, inclusive, cidadãos altruístas e atuantes. (O’DONNELL, 1998). Aliado a isso, conforme escreve Ferreira (2006), a Constituição de 1988 instituiu mecanismos legais que favorecem o controle social como o Ministério Público, as Ações de Inconstitucionalidade, os referendos e as

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Ricardo Alexandre Batista de Oliveira, Júnia Maria Zandonade Falqueto, Letícia Lopes Calderan, Andrea de Oliveira Gonçalvesconsultas populares.

Por outro lado, Campos (1990), Pinho e Sacramento (2009) defendem que, apesar de existirem mecanismos públicos que promovam a accountability, a ineficiência das instituições políticas acopladas ao baixo nível de organização da sociedade civil implica na má qualidade do processo de troca de informações entre governo e sociedade. O resultado dessa postura é grave. Essa omissão ou distorção de informação reforça a indigência política porque compromete a possibilidade de controlar a burocracia e, assim, compromete a credibilidade e a transparência governamental.

Pinho e Sacramento (2009) constataram, ao tentar verificar se as alterações políticas, sociais e institucionais contribuíram para a tradução da palavra accountability para o português, que no Brasil o surgimento de um novo valor não implica necessariamente em extinção do tradicional. Segundo esses autores, há uma impressionante capacidade de superação da ordem legal, com extrema criatividade e inventividade, para fazer valer a velha ordem. Pinho e Sacramento (2009) argumentam que, no Brasil, o autoritarismo tem mostrado uma enorme capacidade de se redesenhar diante das mudanças institucionais e culturais a favor da expansão da accountability. Ao que tudo indica, essa é mais uma razão para a falta deste conceito na gestão pública do país.

De acordo com Campos (1990), outra razão é a fraqueza da imprensa. Falta organização e autonomia para poder agir a favor de mecanismos que favorecem à accountability ou contra ações que indicam a falta desta. A autora argumenta que a imprensa brasileira está fragmentada e subserviente a interesses e conveniências particulares e, por isso, não desempenha com a frequência devida o papel de vigilante, que geralmente lhe cabe nas sociedades democráticas.

Assim, apesar dos avanços em direção a uma gestão mais accountable, a sociedade brasileira não desenvolveu uma cultura de accountability. O conceito aparenta estar em construção e a sua ausência é facilmente notada por meio da falta de credibilidade do governo e pela ausência de um controle social mais rígido.

Por fim, figura salientar que a accountability na administração pública não se limita a dar publicidade aos atos do governo e ao final do exercício prestar contas dos recursos públicos, nem tão pouco se restringe a veículos oficiais de comunicação. A accountability deve surgir da integração de todos os meios de controle – formais e informais, aliada a uma superexposição da administração, que passa a prestar suas contas não mais uma vez ao ano e em linguagem hermeticamente técnica, mas diariamente e por meio de demonstrativos capazes de ampliar cada vez mais o número de controladores. (OLIVEIRA, 2002).

3 PESQUISA EXPLORATÓRIA

Foi constatado por Pinho e Sacramento (2009) que o termo accountability é ainda de difícil tradução para a língua portuguesa por ser muito abrangente e de interpretação mais ampla do que outros termos, como, por exemplo, controle ou responsabilização. Os autores apresentam conceitos variados na tentativa de interpretá-lo na língua portuguesa e observa-se que nos diversos setores da Administração Pública existe maior adesão a um ou a outro conceito. A terminologia, então, continua sendo difícil de ser traduzida, seja pelos motivos apresentados pelos autores, seja pelo possível desconhecimento do termo por parte dos servidores.

Poder-se-ia aferir, em uma tentativa de esclarecer o significado de accountability, por meio de sua aplicação, que o conhecimento sobre o tema está vinculado à boa prática do sujeito, visto que o termo encontra-se vinculado à transparência, responsabilidade, eficiência e publicidade, elementos presentes na constituição do Estado, de acordo com Di Pietro (2010). Para tal intento, há que se saber se accountability ou os conceitos parcos que o traduzem parcialmente são conhecidos pelos servidores públicos na execução de seu trabalho.

Com isso, para construção deste paper, viu-se a necessidade de estabelecimento de uma pesquisa exploratória que auxiliasse na compreensão do termo accountability em uma organização do setor público brasileiro. Uma característica interessante da pesquisa exploratória, segundo Raupp e Beuren (2003), consiste no aprofundamento de conceitos preliminares sobre determinada temática não contemplada de modo conclusivo anteriormente. Nesse sentido, ao explorar o conceito de accountability no setor público, busca-se ampliar o conhecimento sobre o tema, bem como incorporar novas características sobre o contexto estudado.

A organização escolhida para a realização desta pesquisa se destaca pelo seu porte e representatividade dentre as instituições federais de ensino superior do país. Criada em 1962, a instituição em questão possui atualmente mais de 30.700 alunos regulares, distribuídos em seus quatro campi. Sua estrutura abrange 105 cursos de graduação, 147 cursos de pós-graduação stricto sensu e 22 especializações lato sensu, distribuídos entre 26 institutos e faculdades e 18 centros de pesquisa especializados. Além disso, a Universidade também possui cinco decanatos, 55 departamentos, seis secretárias, hospital universitário, hospital veterinário e biblioteca.

A ideia do artigo foi apresentar a um grupo específico de servidores desta organização pública diversos conceitos gerais e/ou tratados pela literatura acadêmica e palavras relacionadas ao termo – a exceção de oito termos antagônicos colocados

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em uma das questões – com vistas a aferir qual a percepção que prevalece no específico setor público. A percepção pelas partes pode não definir como de fato o é em toda a instituição escolhida, mas a amostra é capaz de apresentar elementos que nortearão futuras pesquisas sobre o mesmo objeto. Assim, o enfoque dado à pesquisa é instrumental e exploratório-descritivo (RAUPP; BEUREN, 2003), ao criar subsídio para posteriores pesquisas sobre accountability.

3.1 Instrumento de pesquisa e amostra

O instrumento de pesquisa está fundamentado nas diversas definições de accountability apresentadas no texto de Campos (1990), Pinho e Sacramento (2009), O’Donnell (1998), Carneiro (2000), Das Ros (2008), Miguel (2005), Diniz (2001) e Pinho (2008). Estruturado em duas partes, foi construído com vistas a identificar o perfil do servidor e aferir sua compreensão a respeito do termo, além de apresentar sua percepção sobre a vinculação entre a atividade desempenhada e accountability.

Na primeira parte do questionário, buscou-se identificar o perfil dos participantes, por meio de questões sobre cargo atual, sexo, idade, tempo de serviço na instituição e nível de escolaridade. De acordo com os dados obtidos, a amostra representa um grupo heterogêneo, formado por 32 homens e 32mulheres, com formação variada, sendo onze pessoas com ensino médio completo, duas com nível superior incompleto e vinte com graduação completa. E ainda, dezesseis pessoas com especialização, três com mestrado e uma com doutorado.

Do ponto de vista da tipologia da amostragem, os participantes desta pesquisa foram selecionados com base na técnica de amostragem estatística estratificada. (SZWARCWALD; DAMACENA, 2008). Como a Universidade está separada em departamentos, para se obter os estratos de cada conglomerado, foram escolhidos de forma intencional quais departamentos a pesquisa deveria ser aplicada e, dentro destes, a amostra que o responderia.

Deste modo, a pesquisa contou com uma amostra de 64 participantes do corpo de servidores da Universidade de Brasília, que trabalham em áreas estratégicas, relacionadas ao planejamento e controle, tais como: Gabinete do Reitor, Auditoria, Procuradoria Jurídica, Decanato de Administração e Decanato de Planejamento e Orçamento, nas quais são desenvolvidas atividades de prestação de contas, controle interno, tomada de decisão, alocação de recursos, elaboração de instrumentos contratuais, acompanhamento e avaliação institucional.

Foram estabelecidas cinco categorias de análise para o critério tempo de serviço, que variam entre o tempo mínimo (1 mês) e o tempo máximo

(maior ou igual a 30 anos) de permanência na instituição. A primeira, de 1 mês a 3 anos e 11 meses,apresentou 27 participantes; a segunda, composta por servidores que possuem entre 4 e 10 anos e 11 meses de vínculo – 12 entrevistados; a terceira, de 11 a 20 anos e 11 meses –7 entrevistados; a quarta, mais de 21 anos e menos de 29 anos e 11 meses– 2 entrevistados; e a última categoria composta por 5 servidores com mais de 30 anos de instituição.

Em virtude do caráter exploratório da pesquisa, dos resultados obtidos e da especificidade da amostra, tanto essas categorias quanto as categorias estabelecidas para o indicador idade foram consolidadas após a aplicação do questionário. Destaca-se que as categorias do indicador idade também estão dispostas em cinco grupos, com intervalo escalar de cinco anos, tendo por exceção a primeira categoria, que abarca os servidores com idade igual ou superior a19 anos e menor ou igual a 25 anos, e a última categoria criada para abarcar os entrevistados com mais de 41 anos.

A segunda parte do questionário, composta por quatro questões, buscou identificar se os participantes estabeleciam coerência entre (1) afirmar conhecimento sobre o termo e (2) associar palavras correlatas e (3) estabelecer grau de concordância com as definições apresentadas. Além disso, foi elaborada uma questão aberta para que os participantes pudessem expor outros conceitos considerados compatíveis com accountability (4).

Os autores deste paper consideraram a possibilidade de o entrevistado não conseguir estabelecer acertado grau de concordância com as definições apresentadas, na questão 3, caso não conhecesse o termo. Cabe esclarecer que o entrevistado poderia selecionar mais de uma das alternativas apresentadas na questão 2 e apenas um dos níveis na questão 3.

Na questão 3, parte central da pesquisa, foram apresentados diversos conceitos de accountability defendidos por Campos (1990), Pinho e Sacramento (2009), O’Donnell (1998), Carneiro (2000), Das Ros (2008), Miguel (2005), Diniz (2001) e Pinho (2008). Esta parte, composta por dezoito itens, apresentou quinze definições verdadeiras do termo, sem a identificação da autoria, com o objetivo de que o entrevistado mostrasse seu grau de concordância com a definição. Os itens foram categorizados em cinco grupos de palavras-chave, conforme Quadro 1.

Nos outros três itens, uma afirmativa (n°9) apresentou órgãos do governo responsáveis pelo controle da Administração Pública – controle externo (Controladoria Geral da União e Tribunal de Contas da União); enquanto as outras duas (n° 17 e n° 18) buscaram verificar se o entrevistado identificava relação ente o termo accountability e a(s) atividade(s) que desempenha dentro da instituição.

Para responder essa questão, o servidor

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deveria escolher uma opção entre os cinco níveis construídos com base na escala Likert (1. Discordo totalmente; 2. Discordo parcialmente; 3. Não concordo nem discordo; 4. Concordo parcialmente; 5. Concordo totalmente).

Após a aplicação do instrumento, identificou-se que 53 entrevistados(as) marcaram alguma palavra e, entre eles(as), apenas onze escreveram algum comentário sobre o que viria a ser o termo accountability. Quanto à terceira questão, mesmo contabilizando 22 respostas negativas para o quesito conhecimento do termo, foram identificados cinquenta questionários preenchidos validamente.

A categorização dos itens se assemelha àquela realizada por Bardin (2011). Foram construídas três tabelas e, a partir destas, verificada a frequência das respostas para a questão 3, identificadas quais as palavras mais selecionadas na questão 2 e relacionadas as respostas entre ambas as questões para poder aferir o objetivo dessa proposta – se há significado no termo accountability para os servidores da Universidade de Brasília. Assim, com os conceitos apresentados pelos autores, os dados obtidos a partir da questão 2 e os dados obtidos a partir da questão3, foi feita uma triangulação analítica dos dados.

3.2 Resultados obtidos

A análise dos resultados da pesquisa exploratória permitiu identificar elementos que comprovam a dificuldade de tradução do termo accountability para a língua portuguesa, ou melhor, permitiu identificar que o termo ainda é controverso. Como pesquisa exploratória, o trabalho tem enfoque em demonstrar os resultados analisados da segunda parte do questionário para ser o ponto de partida para outras pesquisas mais aprofundadas sobre o tema.

a) Das palavras correlacionadas à AccountabilityAs questões 1 e 2 buscaram identificar se os

participantes já conheciam a palavra accountability e a que termos o seu significado seria associado. Com base na revisão de literatura realizada e considerando o pressuposto adotado por Pinho e Sacramento (2009) de que não existe uma única palavra que expresse o termo em português, foram listados 29 vocábulos, dentre os quais 21 se relacionavam à accountability. Os demais representavam conceitos antagônicos ou até mesmo sem nenhuma relação.

Dos 64 questionários aplicados, cinquenta foram considerados válidos, ou seja, o entrevistado respondeu as questões ainda que tenha afirmado que não conhecia o termo accountability. Nessa amostra, observou-se que 67% dos participantes acreditam que accountability implica em “Prestação de Contas”. Em seguida, foram listados os termos: “Transparência” (56%), “Contabilidade” (54%), “Controle Interno” (37%) e “Fiscalização” e “Responsabilidade Objetiva”, considerados por 35% dos entrevistados.

Deste modo, há evidências da existência de certo grau de conhecimento sobre o tema entre os servidores da Instituição de Ensino Superior pesquisada, tendo em vista que “Prestação de Contas” – ideia contida na palavra accountability, segundo Pinho e Sacramento (2009) – foi o item mais listado. Dentre os demais termos mais listados, apenas “Contabilidade” não possui relação nenhuma com o vocábulo. Fato que chama a atenção, pois conforme estudo realizado por Campos (1990), apesar de accountability ser um termo plural, o qual não pode ser traduzido por uma única palavra, a única certeza é a inexistência de relação semântica com a palavra contabilidade.

Dentre os 27 (vinte e sete) participantes que associaram o termo à contabilidade, 5 (cinco) alegaram conhecer o termo, 14 (quatorze) não o conheciam e 8 (oito) deixaram em branco a primeira questão.

No que tange aos termos não relacionados à accountability – autoritarismo, avocação, capacitação, centralização, contabilidade, corrupção, descentralização e nepotismo – alguns participantes, mesmo declarando conhecer o termo, fizeram associações errôneas, como são os casos dos termos “burocracia” (2 participantes), “centralização” (1) e descentralização (2). Nos demais casos, os entrevistados ou declararam desconhecimento do vocábulo ou não responderam a questão. Observou-se ainda, que os termos “castigo” e “nepotismo” não foram citados por nenhum dos entrevistados. b) Do grau de concordância com algumas

definições de accountabilityA questão 3 é o locus no qual os entrevistados

manifestaram sua concordância ou discordância quanto às definições do termo accountability.

Quadro 1 - Categorias para as questões e suas relações

Questões relacionadasGrupo 1 1 2 10

Grupo 2 3 4 5 8 13 14

Grupo 3 6 12 16

Grupo 4 10 1 2 11 14 15

Grupo 5 7

Palavras-chaveGrupo 1 Responsabilidade, responsabilizaçãoGrupo 2 Controle de poder, controle do Estado,

Grupo 3 Eleição, ação parlamentar, poder constituinte

Grupo 4 Transparência, atos justificados, correição, controle

Grupo 5 Controle social, demanda socialFonte: Elaborado pelos autores

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Apresentando sua percepção sobre o termo accountability, esta percepção é identificada nesse trabalho como a tendência central da compreensão e da prática na universidade.

Houve um grande número de concordâncias por parte dos entrevistados quanto ao primeiro grupo de itens (1,2 e 10). A variação de maior concordância, seja parcial ou total, demonstra que responsabilidade e responsabilização na prestação de contas é o primeiro conceito relacionado ao termo accountability. Essa responsabilidade e essa responsabilização, de acordo com as respostas dos entrevistados, se vinculam à ação de quem ocupa algum cargo na administração pública, da mesma forma que se vinculam à ação de estabelecer “pena” pelo dever não cumprido. Talvez o uso da palavra “pena” no item 2 tenha sido o elemento que estimulou a maior quantidade de marcações de concordância por parte dos entrevistados (40).

O segundo grupo da classificação frisa a relação controle de poder e controle do Estado. Não foi aferida a concepção de Estado e de poder que os entrevistados possuem, visto não ser o objetivo do trabalho. Importa identificar a relação entre a compreensão dos entrevistados do termo accountability e a ação de controle de poder e do Estado. Esse grupo apresentou certa dúvida quanto à relação entre accountability e controle de poder e de Estado. As respostas ao item 3 demonstraram que aquela não é clara para os entrevistados. As respostas ao item 8 esclarecem que a dificuldade de entendimento é com relação à expressão “controle do Estado”, visto que controle de poder político é claro à maioria dos entrevistados – 30 concordâncias.

Se no primeiro grupo se estabeleceu a hipótese de que o termo “pena” justifica a maior concordância com o item n° 2, no grupo 2, o termo semanticamente equivalente a “pena”, que é “sanção”, provocou dúvida nos entrevistados. O mesmo fato ocorreu no item 16 que pertence ao grupo 3 e possui o mesmo termo. Porém, o termo transparência na ação do Estado é conceito estabelecido e firmado, de acordo com essa amostragem.

Apoiado no texto de Miguel (2005), a terceira categoria vinculou nos itens 6, 12 e 16 a relação accountability, ação parlamentar, controle eleitoral. Os entrevistados não identificaram o vínculo entre a escolha dos representantes e accountability. De acordo com Miguel (2005), as eleições são um mecanismo de controle efetivo, visto que de maneira preventiva evitam que ações ímprobas sejam realizadas nas diversas instâncias públicas. Este entendimento está presente na recente decisão do STF pela constitucionalidade da lei denominada Lei da Ficha Limpa. Destaca-se que a resposta de concordância dos entrevistados para o item 6 – relação com a ação parlamentar – pode estar vinculada a grande quantidade de CPIs instauradas pelo parlamento brasileiro.

Além do vínculo estabelecido no grupo 1 para os itens 1, 2 e 10, no grupo 4, o vínculo se faz pela relação transparência, justificação dos atos, controle e correição. Estas são palavras que trouxeram maior relação com o termo accountability, do ponto de vista dos entrevistados. É importante que os atos dos “governantes sejam justificados”, impondo ao seu não cumprimento, processo de responsabilização.

A quinta categoria colocou entre as questões o item n° 7 que vincula a accountability com ação de controle social, que é pressuposto da constituição essencial do Estado. Para este item, foram computadas 48 respostas válidas. Apesar de o valor absoluto das respostas indicar que a maioria dos entrevistados concorda com a assertiva (25 respostas concordam parcial ou totalmente da afirmação), há um conjunto de entrevistados que discorda da relação entre a responsabilidade do Estado e o atendimento às necessidades de sua população.

Os últimos dois itens se referiram à percepção do entrevistado sobre a instituição e o setor onde trabalha quanto a atos de accountability. Os entrevistados (50 respostas válidas) apontaram para a dificuldade de se perceber práticas de accountability. Hipoteticamente, isto pode se dar pela inexistência de ações ou pela complexidade de se entender o termo. Porém, há uma leve tendência a se encontrar vestígios de prática de accountability, tendo em vista uma diferença significativa entre a quantidade de respostas de concordância e a de discordância.

4 CONCLUSÃO

Na literatura referente à accountability, é possível encontrar uma série de significados relacionados ao conceito, tais como: prestação de contas, responsabilidade objetiva e subjetiva, transparência, responsabilização social e pessoal, castigo, premiação, reforma administrativa, ação governamental, controle social. (CAMPOS, 1990; CARNEIRO, 2000; MIGUEL, 2005; AFONSO, 2009; PINHO; SACRAMENTO, 2009). Entretanto, ainda há controvérsia quanto à possibilidade de uma tradução do termo para o português e à prática de accountability na Administração Pública brasileira.

Conforme Campos (1990) e Pinho e Sacramento (2009) constataram em seus estudos, estabelecer o conceito de accountability nas estruturas da sociedade é um passo longo e demorado, visto que ele ainda é desconhecido ou mal traduzido. É preciso, inicialmente, incentivar a criação de uma verdadeira cultura de accountability para que o seu significado possa ser compreendido, traduzido e expandido pelo país.

Dessa forma, a pesquisa realizada neste artigo representa uma tentativa de identificar como a accountability é compreendida no contexto de uma

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Ricardo Alexandre Batista de Oliveira, Júnia Maria Zandonade Falqueto, Letícia Lopes Calderan, Andrea de Oliveira Gonçalvesinstituição pública de ensino superior brasileira. Para tanto, realizou-se um estudo exploratório e analítico, com uma abordagem quantitativa, que buscou esclarecer o significado do conceito, verificar as implicações de sua ausência e identificar elementos capazes de auxiliar os gestores e funcionários desta Universidade a compreender e praticar a accountability.

A organização escolhida destaca-se por ser uma instituição de ensino de grande porte e representatividade no país e a pesquisa de campo realizada se concentrou nas áreas administrativas da organização vinculadas às funções de planejamento, orçamento, auditoria, finanças e controle interno, ou seja, nos locais nos quais se acredita que a prática de accountability esteja diretamente relacionada à rotina do setor.

Primeiro, identificou-se que o significado de accountability é controverso para o grupo participante da pesquisa. Os participantes demonstraram ter um conhecimento superficial do termo. Embora a maioria tenha relacionado accountability aos significados de prestação de contas e transparência, relação encontrada na literatura, os participantes não conseguiram assimilar o significado deste termo às ações de controle do poder do Estado, à presença no ato de escolha dos representantes (eleições) e à ação parlamentar.

A segunda constatação diz respeito à percepção do participante em relação à prática da accountability na organização pesquisada. Foi verificado que os entrevistados não identificam tais práticas em sua instituição. Isso pode significar que essa prática não é difundida ou divulgada o suficiente, ou não faz parte da cultura organizacional, ou, mais grave, a prática de accountability não chama a atenção dos participantes da pesquisa.

A terceira conclusão refere-se à accountability como ação de controle social. Percebeu-se que a maior parte dos participantes admite a relação existente entre a responsabilidade do Estado e o atendimento às demandas da sociedade, entretanto a pesquisa se limita a verificar se o respondente reconhece essa relação, sem se aprofundar na forma como ela se dá e nas suas implicações. A accountability, enquanto um mecanismo de controle social, deve ser aplicada tanto na esfera das decisões políticas (o núcleo estratégico da administração pública) como também na esfera da produção de bens e serviços públicos, pois é no controle social que os cidadãos se tornam controladores das ações governamentais. (PINHO; SACRAMENTO, 2009). Assim, torna-se necessário ampliar a pesquisa neste aspecto para que se possa obter uma conclusão sobre o uso da accountability como uma ferramenta de acompanhamento e controle da ação do Estado.

Pelo que se percebe, mudanças de caráter estrutural, como são a compreensão e a aplicação da accountability, ainda são difíceis de

serem institucionalizadas e requerem um longo prazo. Nesta linha, Pinho e Sacramento (2009) perceberam que, quando é preciso enfrentar forças e culturas conservadoras, é necessário desenvolver habilidades de adequação e de transformação aos novos contextos. Na instituição estudada, os resultados confirmam a falta de clareza em relação ao termo.

Assim, a accountability, após mais de 20 anos desde a publicação do texto de Campos (1990), aparenta permanecer um termo de difícil tradução. No que se refere ao objetivo principal deste estudo, pode-se dizer que há muito a se trabalhar para garantir a compreensão da accountability na organização pesquisada. Tanto o conceito em si, quanto sua aplicação na organização, ainda são desconhecidos por muitos atores de áreas estratégias, fato preocupante para qualquer organização, sobretudo se esta for uma instituição pública.

Por fim, reconhece-se que o presente estudo está limitado pelo número de participantes em relação ao quantitativo de servidores da Universidade de Brasília. Dessa forma, uma linha de pesquisa pode ser a complementação desses resultados na própria Universidade em estudo. Também se admite como limitação a ausência de dados qualitativos que viabilizassem uma compreensão mais aprofundada e completa sobre as implicações da ausência de accountability na organização.

Ainda, para ampliar a discussão sobre os resultados encontrados e refletir a realidade regional ou a nacional, sugere-se que pesquisas como esta sejam realizadas em outras universidades e em outras organizações públicas. Isso possibilitará uma identificação mais completa de como o termo accountability é compreendido no setor público, para posterior comparação entre diferentes áreas de atuação do Estado.

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Ricardo Alexandre Batista de OliveiraFilosofo e TeólogoMestrando em Administração pela Universidade de BrasíliaServidor público do Ministério da Educação (MEC)E-mail: [email protected]

Júnia Maria Zandonade FalquetoAdministradoraMestranda em Administração pela Universidade de BrasíliaServidora Pública da Universidade de Brasília (UnB)E-mail: [email protected]

Letícia Lopes CalderanAdministradoraMestranda em Administração pela Universidade de Brasília Servidora Pública da Universidade de Brasília (UnB)E-mail: [email protected]

Andrea de Oliveira GonçalvesSociólogaDoutora em Integracao da America Latina pela Universidade de São PauloProfessora Adjunta da Universidade de Brasília (UnB) E-mail: [email protected]

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Ricardo Alexandre Batista de Oliveira, Júnia Maria Zandonade Falqueto, Letícia Lopes Calderan, Andrea de Oliveira GonçalvesMinistério da Educação - MECEsplanada dos Ministérios Bloco L, Ed. Sede e Anexos - Brasília / DFCEP: 70.047-900

Universidade de Brasília - UnBCampus Darcy Ribeiro - Instituto Central de Ciências, ala norte, subsolo, módulo 25, Brasília-DFCEP: 70910-900

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A CONFIGURAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA NO BRASIL E O TRABALHO DOCENTE

A CONFIGURAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA NO BRASIL E O TRABALHO DOCENTE

Carlos José de Melo MoreiraUniversidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA)

Michele Borges de SouzaUniversidade Federal do Pará (UFPA)

Verônica Lima CarneiroUniversidade Regional do Cariri (URCA)

A CONFIGURAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA NO BRASIL E O TRABALHO DOCENTEResumo: O artigo discute a intervenção do Banco Mundial nas políticas públicas para a educação básica, especialmente a partir dos anos 1990, nos países considerados periféricos, como o Brasil, em decorrência de exigências postas pelo capital em sua crise estrutural. A investigação partiu da análise da essência do fenômeno, mediante apreensão da totalidade, compreendida como a reconfiguração do Estado brasileiro e suas repercussões na educação, pesquisando as mudanças a partir das demandas apresentadas pelas reformas instituídas pelo MEC, sobre a atividade docente. A intervenção do Banco Mundial nas reformas da educação básica no Brasil, vem promovendo a reestruturação do trabalho docente, impondo novas exigências à sua atuação, em uma clara precarização e intensificação do trabalho docente.Palavras-chave: Banco Mundial, educação básica, trabalho docente.

THE SETTING OF PUBLIC POLICIES FOR BASIC EDUCATION AND TEACHING WORK IN BRAZILAbstract: This article discusses the World Bank intervention in public policies for basic education,since the 1990s, especially in the considered peripheral countries such as Brazil, due to demands made by the capital in its structural crisis. The investigation was based on the analysis of the essence of the phenomenon, by seizing the whole, understood as the reconfiguration of the Brazilian state and its impact on education, researching the changes from the demands presented by the reforms instituted by the MEC on the teaching activity. The World Bank intervention in the reform of basic education in Brazil has been promoting the restructuring of teachers 'work by imposing new requirements for its operations in a clear casualization and intensification of teachers' work.Key words: World Bank, basic education, teaching work.

Recebido em: 30.06.2012. Aprovado em: 22.10.2012.

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Carlos José de Melo Moreira, Michele Borges de Souza, Verônica Lima Carneiro

1 INTRODUÇÃO

No contexto da reestruturação capitalista, os Organismos Internacionais, enquanto financiadores e orientadores das políticas educacionais nos países considerados periféricos têm desempenhado com esmero o papel de difusores da ideologia neoliberal. Esses Organismos Internacionais englobam o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BIRD) e o Grupo Banco Mundial (BM) este, constituído por cinco instituições: o Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD), a Corporação Financeira Internacional (CFI), a Agência Internacional de Desenvolvimento (AID), a Agência Multilateral de Garantias de Investimento (AMGI) e o Centro Internacional para Conciliação de Divergência nos Investimentos (CICDI). (ROSEMBERG, 2000).

Analisando os documentos do Banco Mundial, instituição alvo de análise no presente estudo, é possível verificar a forte presença dos fundamentos do liberalismo clássico, que influenciam, direta ou indiretamente, as políticas educacionais no Brasil, estimulando a minimização do Estado ao máximo possível, em favor da liberdade de mercado.

O Banco Mundial, em coerência com o postulado ideológico que fundamenta seus trabalhos, orienta e desenvolve políticas visando empreender um modelo de sociedade que efetivamente atenda aos seus interesses estratégicos. Nessa perspectiva, considerando a educação como algo altamente estratégico, essa agência internacional financia as políticas educacionais que supostamente deverão promover a “universalização da educação básica” e favorecer a “mobilidade social”. (OLIVEIRA, 2000).

Nesse sentido, ressaltamos que algumas das recomendações político-ideológicas do Banco Mundial focam na defesa de uma ampla reestruturação da educação brasileira, como parte integrante da agenda de ajuste estrutural do capital, repercutindo na imposição de um processo amplo de monitoramento de fatores concernentes à prática socioeducacional, tais como: a avaliação de ensino-aprendizagem; a avaliação institucional; o financiamento educacional; o currículo; a política e legislação educacional; o trabalho docente nos diferentes níveis e modalidades educacionais, dentre outros.

Seguindo a orientação mercadológica do Banco Mundial e outros Organismos Internacionais, os países periféricos passaram a implementar as avaliações externas, em uma perspectiva de Estado neoliberal, utilizando a retórica da necessidade de verificação de aspectos como a produtividade e a eficiência dos serviços públicos educacionais oferecidos, promovendo a responsabilização ou culpabilização, especialmente, dos professores que tendem a ser premiados ou punidos conforme os resultados dessas avaliações sejam positivos ou insatisfatórios.

2 AS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA NO BRASIL E A INFLUÊNCIA DO BANCO MUNDIAL

As grandes alterações ocorridas no campo político-econômico-social são oriundas de um profundo ajuste do capitalismo neoliberal, com repercussões diretas na esfera das políticas sociais, notadamente nas políticas educacionais dos países periféricos, dentre eles, a América Latina e, especialmente, o Brasil.

É importante ressaltar que, dado o agravamento da crise do capital, a partir da década de 1970, o Banco Mundial reorientou sua política de atuação, voltando-se para a assistência aos países pobres, sob o discurso da erradicação da pobreza e de inclusão das nações periféricas no denominado mundo globalizado. Neste cenário, a educação passa a ser considerada altamente estratégica como fomentadora do desenvolvimento e assume um espaço de destaque na pauta do Banco Mundial que, de acordo com Maués (2001, p. 5), o seu interesse sobre a educação “[...] está vinculado à concepção utilitarista da educação, enquanto um instrumento que pode promover o crescimento econômico, por meio da formação de ‘capital humano’ que possa servir, sobretudo, aos interesses do mercado”.

Segundo Dourado (2001), o movimento de redefinição das ações políticas e das reformas no setor educacional passou a ser alvo de grandes mudanças, fortemente influenciadas pelas políticas das agências multilaterais de financiamento, em especial pelo Banco Mundial, considerado o principal órgão financiador das políticas sociais para os países em desenvolvimento.

O cotidiano escolar assimilou as propostas deste Banco ao passo que a formulação das políticas educacionais observadas por meio de padrões como eficiência, eficácia, produtividade e como afirma Oliveira (2000), adotando conceitos de empregabilidade, competência, vigorando a concepção de que a escola tem como obrigação a preparação para o mercado de trabalho. Ideias de descentralização das ações estatais na educação e incorporação da forma de gestão utilizada pela iniciativa privada remeteram os países a reformas estruturais.

O Banco Mundial publica no ano de 2006 o Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial intitulado “Eqüidade e Desenvolvimento” o qual apresenta de forma explícita, que o papel deste Banco volta-se para a redução da pobreza absoluta e, ainda, que a educação e a saúde são essenciais por desenvolverem a capacidade dos indivíduos de se integrarem plenamente à vida social, política e econômica, superando as desigualdades existentes em escala mundial.

No concernente à educação, são destacadas a importância do ensino fundamental e da

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implementação de políticas que favoreçam melhorias concretas em relação ao acesso à educação, ao aumento do incentivo aos docentes, ao incremento de investimentos para a melhoria da qualidade da infraestrutura física das escolas, dentre outros.

A educação, portanto, é considerada como um marco divisor de águas, ao apontar a possibilidade de desenvolvimento individual, com base nas capacidades particulares de cada indivíduo, favorecendo o desenvolvimento social, porém, sem necessariamente ser de forma igualitária, conforme se verifica a seguir:

[...] mesmo com uma igualdade de oportunidades genuína, sempre são esperadas algumas diferenças de resultado devido a diferentes preferências, talentos, esforço e sorte. Isso está de acordo com o importante papel desempenhado pelas diferenças de renda no fornecimento de incentivos para investir em educação e capital físico, para trabalhar e assumir risco. (BANCO MUNDIAL, 2006, p. 15).

Sob a perspectiva do Banco Mundial, é da natureza do homem lutar pelo seu bem-estar, o que no contexto do capitalismo está fortemente identificado com a sua capacidade de consumo, a ser realizada por meio do mercado, que deveria se responsabilizar pelos serviços públicos, cabendo a cada um escolher, por conta de seu próprio arbítrio, as melhores formas de consumo. Isso, na perspectiva neoliberal, possibilitaria uma maior concorrência, gerando mais qualidade no fornecimento dos produtos. Por outro lado, caberia ao Estado financiar a educação, valorizando e apoiando a iniciativa privada, como forma de resguardar o livre mercado e a propriedade privada. Assim, Bianchetti (2001, p. 88) afirma que:

A característica mais importante do neoliberalismo em relação a outras propostas neoliberais é a ampliação do raio de ação da lógica de mercado. Enquanto nas concessões liberais-sociais se reconhece a desigualdade derivada do modo de produção capitalista e, portanto, aceita-se a intervenção do Estado para diminuir as polarizações o neoliberalismo rechaça qualquer ação estatal que vai além da de ser um “árbitro imparcial” das disputas. A idéia do Estado mínimo é uma conseqüência da utilização da lógica do mercado em todas as relações sociais, não reduzidas somente ao aspecto econômico.

Em relação à atuação do Banco Mundial voltada para a educação, cabe destacar que, segundo Fonseca (1998), a política de financiamento do Banco Mundial para educação não foge do

tradicional modelo de empréstimos operacionalizado pelo Banco voltado para outras áreas, portanto, pautado por altos encargos e regras inflexíveis, apresentadas como condicionantes para a liberação dos financiamentos.

Assim, as reformas educacionais a serem efetuadas pelos países pobres devem seguir as orientações dadas, prescritas com base na agenda de Educação para Todos, com forte ênfase na política de universalização da educação básica e nos setores marginalizados da sociedade.

O movimento em favor da educação em âmbito mundial foi iniciado com a Conferência Mundial de Educação Para Todos, realizada em 1990, em Jomtien, na Tailândia. Como resultado dessa Conferência, os diversos organismos internacionais, especialmente o Banco Mundial, assumem o papel de organizadores da educação em nível mundial, definindo um conjunto de metas a serem concretizadas pelos Estados dependentes, além de intervirem incisivamente na elaboração de suas políticas públicas educacionais, com impactos também sobre o monitoramento de seu desempenho na efetivação das metas estabelecidas.

Portanto, se, inicialmente, a educação não constava no elenco de prioridades do Banco Mundial, passou a haver um movimento de redirecionamento de investimentos para o setor educacional, juntamente com a prestação de serviços por este, no que se refere à imposição de assessoria técnica. Nessa perspectiva, o reforço que recaiu sobre a educação básica, considerada como a fórmula para a solução dos males que preocupam a humanidade, cujo foco principal se mantinha sobre a questão da qualificação para o trabalho, objetivava garantir o alcance da sustentabilidade econômica e a inserção dos países periféricos ou em desenvolvimento no contexto da nova ordem mundial globalizada.

Como acima explicitado, o marco inicial para a consolidação do Banco Mundial como importante instância de controle político, econômico, social e, sobretudo, ideológico, especialmente nos países membros da UNESCO foi a Conferência Mundial de Educação para Todos (1990), organizada pelos organismos internacionais da ONU (UNICEF, UNESCO, PNUD), sob o financiamento do Banco Mundial. Na referida Conferência, foram destacadas as Necessidades Básicas de Aprendizagem (NEBAS), a serem alcançadas por todos os povos, independentemente de sua origem, por meio da universalização da educação básica.

Torres (2007) explica que, mesmo que a atuação do Banco Mundial na área da educação seja recente, ele vem agindo de forma direta por mais de trinta anos, sendo que seu raio de influência e ação abrange a pesquisa, assistência técnica e de assessoria aos governos no âmbito das políticas educativas e também de ajuda à mobilização e coordenação de recursos externos para a educação.

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Carlos José de Melo Moreira, Michele Borges de Souza, Verônica Lima Carneiro

No campo da educação básica a atuação do Banco Mundial:

[...] não é monolítica nem fixa: nos próprios documentos e estudos promovidos pelo BM [...] existem importantes diferenças de enfoque, conclusões divergentes e até contraditórias, como também críticas aos arcabouços conceituais, às metodologias e aos resultados de outros estudos publicados ou citados pelo BM. (TORRES, 2007, p. 128).

No Brasil, a intervenção dessas agências internacionais, já mencionadas em parágrafos anteriores, sobretudo a do Banco Mundial, decorreu mais do que sua influência financeira em projetos, mas, sobretudo, se concentrava nas orientações nas políticas junto aos governos por meio da imposição de temas prioritários, linhas de ação e de um enfoque economicista das políticas educacionais.

Os recursos destinados à educação foram focalizados no ensino fundamental, e, de acordo com Haddad (2008), a preocupação estava recaindo mais sobre a eficácia do sistema de ensino do que sobre o aumento dos gastos, o que gerou uma lógica de custo-benefício. Seria, no entanto, ampliar o atendimento utilizando o mesmo volume de recursos arrecadados ocasionando um resultado, avalia Haddad (2008), terrível, pois houve, com essa política, uma queda na qualidade do ensino oferecido pelo setor público. Esse custo-benefício articulado à taxa de retorno são as categorias norteadoras que configuram “[...] a tarefa educativa, as prioridades de investimento, os rendimentos e a própria qualidade”. (TORRES, 2007, p. 138).

Silva Júnior (2002, p. 121) alerta que, tratando-se de um Banco, as políticas públicas formuladas devem se orientar com base em algum critério, e que

[...] o Banco Mundial tem como critério a eficiência, a eficácia, a produtividade: razão mercantil, o que implica dizer que o critério fundamental é a razão de proporcionalidade custo/benefício, sem a menor preocupação com a formação humana.

Retomando a Conferência Mundial, nesta foram definidas seis metas, conforme a seguir:

A expansão dos cuidados e atividades, visando ao desenvolvimento das crianças em idade pré-escolar; O acesso universal ao ensino fundamental (ou ao nível considerado básico), que deveria ser completado com êxito por todos; A melhoria da aprendizagem, tal que uma determinada porcentagem de um grupo de faixa etária “x” atingisse ou ultrapassasse o nível de aprendizagem desejado; A redução do analfabetismo

adulto á metade do nível de 1990, diminuindo a disparidade entre as taxas de analfabetismo de homens e mulheres; A expansão de oportunidades de aprendizagem para Adultos e jovens, com impacto na saúde, no emprego e na produtividade; A construção, por indivíduos e famílias, de conhecimentos, habilidades e valores necessários para uma vida melhor e um desenvolvimento sustentável. (UNESCO, 1990).

Dez anos depois, no ano de 2000, em evento realizado em Dakar, a UNESCO se propôs a avaliar a concretização das metas de Jomtien (UNESCO, 1990), onde se constataram a permanência da existência de um altíssimo índice de analfabetismo, a recorrente discriminação de gênero e a pífia qualidade da educação, presentes em muitos países. Assim, visando a reversão desse quadro, foram definidas algumas metas a serem alcançadas com vistas à superação da situação crítica em que se encontrava a educação, que são: a universalização da educação básica (EPU); educação e cuidados com a primeira infância (ECPI); redução do analfabetismo; paridade entre os gêneros; e, melhoria da qualidade da educação. (UNESCO, 2008).

É importante ressaltar que as orientações e definições estabelecidas no Programa de Educação Para Todos foram plenamente assimiladas por ocasião da elaboração da legislação e das políticas educacionais no Brasil, tais como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), em 1996; o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF), em 1996; os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s), em 1997, o Plano Nacional da Educação (PNE), em 2000; o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), em 2006; e o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), em 2007.

A partir de então, as diretrizes e orientações postuladas para as reformas educacionais definidas em Jomtien passaram a ser ratificadas em todos os espaços de discussão sobre a Educação Para Todos (EPT) e, além disso, são periodicamente avaliadas por meio de relatórios de acompanhamento da concretização dessas metas, pelo Banco Mundial. Por meio desses relatórios de monitoramento, esse Banco sugere, como eixo central de suas recomendações, amplas reformas na educação dos países que anuíram o pacto pela universalização da educação básica, contemplando os mais diversos aspectos envolvidos no processo educacional, desde os concernentes à legislação até os que se referem especificamente à prática de sala de aula.

O Relatório de Monitoramento de EPT de 2008, intitulado “Educação para todos em 2015: alcançaremos a meta?” objetiva analisar a avaliação da educação em nível mundial no que tange aos

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objetivos de EPT firmados na Conferência Mundial de Educação para Todos e reiterada no Fórum Mundial de Dakar no ano 2000, destacando, dentre outros, que em muitos países as condições materiais das escolas são extremamente precárias e a razão do número de alunos por professor é bastante elevada. (UNESCO, 2000).

O referido documento afirma que é alta a precariedade nas condições de trabalho na escola, assim como a carência na contratação de professores, desencadeando grandes entraves à melhoria da qualidade educacional. Entretanto, o próprio documento reconhece que, especialmente na educação básica, a carência de professores reflete a baixa atratividade dos salários e das condições de trabalho docente em geral, incluindo a prática sistemática da contratação temporária em detrimento da realização de concursos públicos.

Em relação às políticas educacionais brasileiras, o relatório destacou o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), implementado pelo Ministério da Educação (MEC) em 2007, como uma ferramenta capaz de promover significativas melhorias no conjunto da educação básica no Brasil. A maior parte das ações do PDE, inclusive, são direcionadas para esse nível educacional.

Algumas das principais ações do PDE, por exemplo, se referem especificamente ao incentivo para atrair docentes, assegurando-lhes uma formação inicial e continuada, à garantia de período letivo compatível com as necessidades educacionais vigentes, à instituição de uma efetiva política de distribuição de livros didáticos escolares, à criação de condições mínimas capazes de assegurar a aprendizagem, à viabilização de parcerias entre Estado e setores não estatais, dentre outros.

Verifica-se que, não obstante tratar-se de um conjunto de medidas educacionais que historicamente fez parte da luta da classe trabalhadora, em busca por melhores condições para a educação pública, restou comprovada a dificuldade que é atingir o seu cumprimento, dada a crescente desigualdade aprofundada pela sociabilidade do capital. Constata-se, assim, o baixo desempenho em relação à aprendizagem nos sistemas escolares, haja vista que muitas crianças chegam a concluir o ensino primário sem que tenham adquirido sequer os conhecimentos e as habilidades básicas de leitura e escrita e o domínio dos números.

3 AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS ORIENTADAS PELO BANCO MUNDIAL: algumas aproximações em relação ao trabalho docente

No que tange aos professores, estes são considerados, pelos documentos do Banco Mundial analisados, os atores cruciais no processo de aquisição de uma educação efetivamente de qualidade, pois, segundo o documento, em

muitos países o reduzido número de professores devidamente qualificados torna-se um dos principais obstáculos para a obtenção dos objetivos estratégicos da EPT. Outra questão pontuada afirma que, não obstante haja um grande número de professores capacitados nas áreas urbanas, por exemplo, ocorre uma significativa desmotivação por parte dos mesmos em relação à profissão docente.

Nesse contexto, o documento aponta que é urgente que se consiga reverter essa situação de crise na educação. Assim, além de recomendar que os governos dos países que apresentam déficits na educação invistam na garantia de salários e condições dignas de trabalho para os professores, determina que seja ampliada a oferta de educação inclusiva, utilizando-se de abordagens flexíveis e inovadoras, como, por exemplo, a educação a distância. Adicionalmente, insiste na importância do envolvimento de todos (ONG’s, comunidades, iniciativa privada, etc.) para o cumprimento de tão relevante tarefa.

Orienta, também, que sejam utilizadas, ao máximo, outras fontes de financiamento para a educação, envolvendo parcerias com o setor privado, institutos e fundações, universidades e a comunidade em geral, por meio de voluntários qualificados, afirmando que a crise econômica presente nos dias atuais não devem constituir argumentação para a redução de recursos para a educação. Portanto, cada Governo deve buscar formas alternativas e multiplicar seus esforços para avançar cada vez mais, seguindo a orientação da universalização da educação com qualidade para todos.

Diante da exigência posta em relação ao cumprimento de uma agenda positiva de Educação para Todos, os países mais pobres, sob pressão e orientados pelo ideário de que a educação é panaceia para todos os males da sociedade atual, acaba por atribuir à comunidade escolar, principalmente ao professor, a responsabilidade pela efetivação de uma educação de qualidade, visando formar o trabalhador para a empregabilidade. Assim, recaem sobre os ombros do profissional docente e da comunidade escolar as exigências relacionadas à concretização de objetivos vinculados à manutenção da hegemonia do capital.

No bojo desse processo, o que se verifica, em última instancia, é a desresponsabilização do Estado enquanto agente promotor primordial dos direitos sociais básicos, incluindo, portanto, a educação, como um dos direitos públicos subjetivos inerentes à pessoa humana. Há, assim, uma tendência à mistificação do processo de cooperação e das parcerias, apresentadas enquanto elementos fundamentais alternativos ao financiamento e à manutenção da educação.

Na prática, o que se verifica é que há uma grande falácia no que se refere aos supostos

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benefícios de parcerias mantidas entre o público e o privado, afinal, não é próprio de a iniciativa privada agir sem fins lucrativos ou interesses particulares nem sempre muito bem explicitados. Desse modo, pode-se afirmar que o conjunto de propostas e diretrizes da EPT vigentes nas políticas e programas educacionais no Brasil atende às necessidades do capital em crise estrutural, valorizando especialmente o individualismo que perpassa os referenciais da competência e da empregabilidade, fortalecendo, em última instância, a mercantilização da educação pública.

No interior desse processo, tem-se uma modelagem do Estado que, aprofundando seu relacionamento com a iniciativa privada, torna-se uma ferramenta em favor das demandas apresentadas pelo mercado, favorecendo a qualificação dos trabalhadores por meio do compromisso para com a universalização da educação básica. Segundo Coraggio (1998), o investimento realizado com a educação, para o Banco Mundial, é a principal forma de ampliar a capacidade de trabalho da população pobre. Desse modo, pode-se afirmar que, quando o Banco Mundial menciona a questão da equidade na elaboração das políticas educacionais, intenciona oferecer

[...] oportunidades iguais às pessoas de baixa renda, aumentando sua contribuição econômica para a respectiva sociedade, reduzindo a própria pobreza. (BANCO MUNDIAL, 2006).

Para o Banco Mundial (2006, p. 22):

Quando as sociedades se tornarem mais igualitárias de modo a conduzir a maiores oportunidades para todos, as pessoas de baixa renda estarão em condições de aproveitar um “duplo dividendo”. Primeiramente, a ampliação de oportunidades beneficia os pobres diretamente, por intermédio da participação no processo de desenvolvimento. Segundo, o processo de desenvolvimento propriamente dito pode obter mais êxito e tornar-se mais flexível à medida que a maior eqüidade produzir melhores instituições, gestão mais eficaz do conflito e um melhor uso de todos os potenciais recursos da sociedade, inclusive os recursos das pessoas de baixa renda.

De acordo com Coraggio (1998), as políticas sociais no contexto do capitalismo são voltadas para a compensação dos efeitos da revolução tecnológica e socioeconômica, de modo a garantir a permanência das políticas de ajuste estrutural, além de apoiar a reestruturação do governo,

Deixando nas mãos da sociedade civil competitiva a alocação de recursos, sem mediação estatal. Outro efeito importante é introjetar nas funções públicas os valores e critérios do mercado. (CORAGGIO, 1998, p. 78).

Jimenez e Mendes Segundo (2007) afirmam que, nesse contexto, na área educacional “serão necessárias reformas profundas, capazes de modernizar o parque educacional [...] sob a orientação do Banco Mundial”. Essa preocupação passa a desencadear reformas diversas e formas diferenciadas de pensar as políticas de formação de professores e a prática docente em sala de aula, promovendo a responsabilidade de cada um e o comprometimento de todos para com a educação de qualidade.

Este processo, entretanto, pode indicar um segmento da realidade que oculta mais do que revela, fazendo que não percebamos a essência do fenômeno. Essência essa que, segundo Kosik (2002, p. 17) “ao contrário dos fenômenos - não se manifesta diretamente”, [porém] “o fundamento oculto das coisas deve ser descoberto mediante uma atividade peculiar”, qual seja, o esforço direto da ciência.

Nessa perspectiva, verifica-se que o discurso oficial, ou seja, o fenômeno aparente, vem ressaltando a valorização e o interesse pela educação como forma de libertação do homem, ressaltando-o como sujeito de sua própria aprendizagem, construtor de conhecimentos, sujeito de suas experiências particulares, visando prepará-lo para o mundo do trabalho; contudo, ao se desvelar a essência desse discurso, no aprofundamento do “fundamento oculto das coisas”, verifica-se que, na verdade, esse discurso é parte integrante de uma política econômica que visa preparar o individuo para inseri-lo em uma sociedade crescentemente mistificada pelo forte apelo cientificista e tecnológico.

Assim, em razão da complexidade do objeto, sua aparência possui natureza fenomênica, sendo fundamental, na perspectiva marxiana, o seu desvelamento, o qual requer a apreensão do objeto estudado em sua totalidade, que, não sendo perceptível no cotidiano de forma imediata, necessita dos fundamentos da ciência para conhecer a íntegra do objeto, dado que “toda ciência seria supérflua se houvesse coincidência imediata entre aparência e a essência das coisas”. (MARX, 2006, p. 1080). Desse modo, de acordo com Kosik (2002, p. 18):

O conhecimento se realiza como separação de fenômeno e essência, do que é secundário e do que é essencial, já que só através dessa separação se pode mostrar a sua coerência interna, e com isso, o caráter específico da coisa. Neste processo, o secundário não é deixado de lado como irreal ou menos

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real, mas revela seu caráter fenomênico ou secundário mediante a demonstração de sua verdade na essência da coisa.

Com as exigências do capital fazendo parte do contexto escolar e intervindo no trabalho pedagógico, passa-se a exigir da escola uma educação de qualidade capaz de propiciar diversificadas habilidades e competências no processo formativo. Assim, conforme Gentili (2004), o mercado de trabalho passou a interferir na tomada de decisões relativas às políticas educacionais, estimulando a aplicação de um conjunto de avaliações das instituições educacionais escolares, como forma de auferir critérios de qualidade, estimulando a produtividade, a eficiência e a eficácia na escola.

Entretanto, o que as denominadas avaliações externas ou em larga escala têm favorecido tem sido a comparação e a crescente competição, dada a exigência de resposta em relação à cobrança por parte do Estado e da sociedade para com a produção de resultados positivos, sem, contudo, serem levadas em consideração as peculiaridades de cada instituição escolar, que certamente interferem nos resultados da avaliação aplicada.

O resultado da avaliação imposta tende a promover o ranking entre as escolas e os professores que são considerados produtivos ou não do ponto de vista do mercado, rotulando as escolas como “boas” ou “ruins” e os alunos como “fracassados” ou “vitoriosos”, responsabilizando, direta ou indiretamente, aos professores pela situação da educação no Brasil, desconsiderando aspectos de suma importância no processo, tais como a ausência de investimento dos recursos necessários pelo poder público na educação, as péssimas condições de trabalho a que a grande maioria da categoria docente está submetida, a crescente deterioração de seus espaços físicos de trabalho, a improvisação de recursos materiais, a baixa remuneração e a falta de capacitação profissional.

Sabe-se que as avaliações externas atualmente impostas, pautadas por um novo modelo educacional que vem sendo preconizado sob a orientação de organismos multilaterais, notadamente o Banco Mundial, interferem direta e significativamente no trabalho docente e em sua atividade pedagógica, visto que estes profissionais passam a atuar sob a pressão das avaliações, em detrimento de sua autonomia para com a efetivação de suas propostas pedagógicas.

Nesse sentido, essas avaliações acabam se tornando uma ferramenta de controle do trabalho docente, incorrendo em sua desqualificação. O discurso dominante oficial afirma a suposta autonomia da escola e do professor, porém, na prática, isso não vem se concretizando plenamente, pois os mecanismos de controle do Estado cada vez mais vêm inviabilizando-a, com a utilização de ferramentas como as avaliações externas, numa clara

separação entre o trabalho intelectual e o manual, contrariando uma das importantes premissas da teoria marxista, segundo a qual o trabalho é uma das formas privilegiadas para que o homem se torne ser social. Segundo Marx (1985, p. 50):

[...] como criador de valores de uso, como trabalho útil, é o trabalho, por isso, uma condição de existência do homem, independente de todas as formas de sociedade, eterna necessidade natural de mediação do metabolismo entre o homem e a natureza e, portanto, da vida humana.

Portanto, as atuais políticas educacionais traduzidas, dentre outros fatores, na valorização e crescente centralidade das avaliações externas, defendidas e propagadas pelo Governo, sob a tutela de organismos multilaterais como o Banco Mundial, são tidas como importantes ferramentas para a aferição dos resultados esperados em relação ao alcance das metas definidas para a educação básica no Brasil, impactado de forma significativa sobre o trabalho pedagógico e a profissão docente, inclusive repercutindo e desencadeando questionamentos no âmbito de sua profissionalização.

Isso porque a condição do trabalhador no interior do sistema capitalista tende a ser a de mercadoria, dada a natureza desumanizante que o trabalho assume, levando o trabalhador a diversos sacrifícios em troca de sua subsistência. Nesse sentido, segundo Marx (2006, p. 828):

O processo que cria o sistema capitalista consiste apenas no processo que retira ao trabalhador a propriedade de seus meios de trabalho, um processo que transforma em capital os meios sociais de subsistência e os de produção e converte em assalariados os produtores diretos.

Portanto, considerando o exposto acima, as recentes políticas educacionais implementadas no Brasil não têm contribuído para a efetiva melhoria da qualidade da educação pública no Brasil, mas, ao contrário, difundidas no interior dos sistemas educacionais, têm servido ao capital, atendendo às orientações e diretrizes dos organismos internacionais.

4 CONCLUSÃO

De acordo com os documentos do Banco Mundial analisados no presente artigo, verificou-se que a educação básica é considerada por esse organismo internacional como o passaporte para a inserção dos países pobres ou periféricos no denominado mundo globalizado. Como condição para tal, é fundamental que os países envolvidos façam os

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investimentos necessários nesse nível educacional, comprometendo-se com o cumprimento das metas estabelecidas na Conferência Mundial de Educação Para Todos, realizada em 1990, em Jomtien, na Tailândia, sendo que as medidas a serem adotadas pelos países devem estar vinculadas às reformas educacionais e à implementação de ajustes fiscais, conforme as orientações e diretrizes estabelecidas pelo Banco Mundial.

Verificou-se que, dada a exigência de cumprimento do pacto referente à Educação para Todos, os países periféricos, sob a forte ideologia que a educação é panaceia para todos os males da sociedade atual, passaram a exigir da comunidade escolar, principalmente do profissional docente, o exercício do papel de protagonista em relação à qualidade da educação, de modo a preparar a todos para o mercado de trabalho. A qualidade, então, é tomada enquanto parte integrante dos objetivos vinculados à hegemonia do capital.

Os relatórios de monitoramento do Banco Mundial, por meio de seus diagnósticos, constataram a pequena evolução dos países signatários do pacto de Jomtien, pois permaneceram baixos os rendimentos apresentados pelos alunos. Assim, em 2000, em Dakar, o pacto foi ratificado, visando à continuidade do cumprimento das metas acordadas.

Como forma de superar a precariedade da educação, o Banco Mundial e outros organismos internacionais preconizaram a ativa participação da sociedade civil e a importância do estabelecimento de parcerias com a iniciativa privada e outros, de modo a exigir o comprometimento de todos para o alcance das metas. Entretanto, o que se verifica é que, em última instância, o que os organismos internacionais propõem é a desresponsabilização do Estado enquanto ator privilegiado na promoção dos direitos sociais.

Finalmente, pode-se afirmar que as diretrizes da EPT vinculam-se irrestritamente às demandas do capital em sua crise estrutural, valorizando o individualismo, as competências e a formação para a empregabilidade, numa clara mercantilização da educação pública, com sérias implicações sobre a atividade docente, visto que os professores tendem a ser excluídos do processo de planejamento, atuando quase que exclusivamente, na execução e aplicação das políticas educacionais. Além disso, são altamente cobrados e, mesmo, fiscalizados na realização de seu trabalho pedagógico, por meio, por exemplo, das avaliações externas.

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Carlos José de Melo MoreiraFilosofo, Pedagogo e Teólogo,Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de Minas GeraisProfessor na Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA)Email: [email protected]

Michele Borges de SouzaPedagogaMestrado em Educação pela Universidade Federal do ParáColaboradora na Universidade Federal do Pará (UFPA)Email: [email protected]

Verônica Lima CarneiroPedagogaDoutoranda em Educação pela Universidade Federal do ParáProfessora na Universidade Regional do Cariri (URCA)Email: [email protected]

Universidade Federal do Oeste do Pará - UFOPARua Vera Paz, Sn, Bairro Salé,Santarém – ParáCEP: 68035-110

Universidade Federal do Pará - UFPARua Augusto Corrêa, n. 01, GuamáCEP: 66075-110

Universidade Regional do Cariri - URCARua Cel. Antônio Luis, n. 1161, Pimenta – CratoCEP: 63.100-000

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A EDUCAÇÃO AMBIENTAL ENQUANTO POLÍTICA PÚBLICA: reflexões acerca de sua inclusão no contexto universitário

A EDUCAÇÃO AMBIENTAL ENQUANTO POLÍTICA PÚBLICA: reflexões acerca de sua inclusão no contexto universitário

Letícia Soares NunesUniversidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

A EDUCAÇÃO AMBIENTAL ENQUANTO POLÍTICA PÚBLICA: reflexões acerca de sua inclusão no contexto universitárioResumo: A Universidade, enquanto um centro de produção de conhecimento, constitui-se em espaço profícuo para a incorporação interdisciplinar da dimensão ambiental na formação, especialização e capacitação dos educadores e profissionais. Diante desse contexto, expressando parte dos resultados de uma pesquisa bibliográfica, o presente artigo tem por objetivo refletir sobre o papel da Universidade no âmbito da formação em Educação Ambiental (EA). Para isso, sinaliza-se que, na sociedade capitalista, a educação, assim como a EA, pode ser usada como um mecanismo ideológico de reprodução das condições sociais ou, pode propiciar mecanismos de transformação social. Posteriormente, discute-se acerca da constituição do campo da Política Pública em EA e a sua inclusão no contexto universitário. Por fim, conclui-se que, enquanto um processo educativo dialógico, a EA deve se fazer presente em todas as modalidades de ensino, uma vez que pode vir a contribuir para o enfrentamento da crise ambiental.Palavras-chave: Educação, educação ambiental, política pública, universidade.

ENVIRONMENTAL EDUCATION AS A PUBLIC POLICY: reflections on its inclusion in the university contextAbstract: The University as a center of knowledge production, is advantageous in space for the incorporation of environmental concerns in interdisciplinary training, and specialized training of educators and professionals. In this context, expressing the results of a literature search, this article aims to reflect on the role of the University in the context of Environmental Education graduation (EE). To do so, indicates that, in capitalist society, education, and the EE, can be used as an ideological mechanism of reproduction of social conditions, or may provide mechanisms for social transformation. Later, it will discuss about the constitution of the field of Public Policy at EE and their inclusion in the university context. Finally, it is concluded that while a dialogical educational process, the EE must be present in all forms of education, since it might help to combat the environmental crisis.Key words: Education, environmental education, public policy, university.

Recebido em: 30.06.2012. Aprovado em: 22.10.2012.

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Letícia Soares Nunes

1 INTRODUÇÃO

A análise histórica da consolidação do capitalismo no mundo permite afirmar que os países latino-americanos forneceram os alicerces que os países de economia central precisavam para fortalecer o modo de produção capitalista. A extração do excedente econômico dos “países subdesenvolvidos” pelos e para os “países desenvolvidos” é vista para além de um simplificado problema de circulação ou relações mercantis, na qual os países periféricos produzem matérias primas para os países centrais e estes manufaturas para aqueles. A exploração e a pilhagem envolvidas neste processo de formação do excedente e da mais valia produzida pelos países latino-americanos que sustentam os países centrais, configuram o ciclo da produção e reprodução da dependência. (FREITAS; NELSIS; NUNES, 2012). Assim, as desigualdades existentes são fruto de um

[...] estilo de desenvolvimento ecologicamente predador, socialmente perverso, politicamente injusto, culturalmente alienado e eticamente repulsivo. (GUIMARÃES, 2001, p. 51).

Os problemas causados ao meio ambiente, decorrentes dos processos de crescimento e desenvolvimento desigual, bem como a percepção de que o uso indiscriminado dos recursos naturais compromete a sobrevivência e/ou a qualidade de vida da presente e das futuras gerações, fez com que os países passassem a pactuar as formas de enfrentamento da referida problemática que se caracteriza por perdas e danos humanos, materiais e ambientais. Na década de 1970, identificou-se uma intensificação de manifestações, convenções, reuniões, protocolos, tratados, dedicados a inserir a temática ambiental no centro das políticas públicas enquanto um mecanismo de reparação e de preservação do meio ambiente.

Nesse conjunto de convenções em torno da temática, salienta-se o protagonismo dos organismos multilaterais – com destaque para a Organização das Nações Unidas – que vêm desempenhando um papel central no debate, influenciando as diretrizes políticas e econômicas direcionadas aos chamados “ajustes estruturais” dos países periféricos, bem como apresentando a Educação Ambiental (EA), o Desenvolvimento Sustentável e a Gestão Ambiental, enquanto principais estratégias para minimizar os efeitos negativos da crise ambiental, uma vez que esta se constitui num limite para a sua autorreprodução, pois “impede” a apropriação dos bens sociais e naturais e a sua mercantilização. (SILVA, 2010).

A EA no âmbito brasileiro, com o advento da Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA): Lei nº 9.795 de 27 de abril de 1999,

adquiriu caráter de Política Pública, devendo ser desenvolvida como uma prática educativa, integrada – contemplando uma nova articulação entre as ciências naturais, sociais e exatas –, contínua e permanente em todos os níveis e modalidades do ensino. Nesse contexto, compreende-se que a EA tem um importante papel no sentido de possibilitar o entendimento e a problematização da realidade, estimulando os sujeitos a atuarem de forma crítica e consciente frente à questão ambiental em suas múltiplas relações, envolvendo aspectos ecológicos, psicológicos, legais, políticos, sociais, econômicos, científicos, culturais e éticos.

Assim sendo, o presente artigo, enquanto resultado parcial da pesquisa bibliográfica realizada para elaboração da dissertação de mestrado, tem por objetivo refletir sobre o papel da Universidade no âmbito da formação em EA, uma vez que este é um dos espaços possíveis para fomentar a reflexão sobre os processos de EA, caminhando em direção à abertura do diálogo interdisciplinar, fazendo com que a transdisciplinaridade deixe de ser somente uma idealização teórica.

2 EDUCAÇÃO: prática transformadora ou conservadora?

Antes de quaisquer considerações, parte-se do entendimento que para se discutir acerca da Universidade é necessário, primeiramente, esclarecer o conceito de educação, pois se este não for socialmente contextualizado, pode esvaziar, por um lado seu sentido transformador e emancipatório ou, por outro lado, repetir a visão ingênua do início do século XX que creditava à educação uma responsabilidade na mudança na forma de pensar e agir dos sujeitos para além de suas possibilidades históricas. (LOUREIRO, 2004). Assim, faz-se necessário sinalizar que, ligada à estrutura econômica das classes sociais, a educação, em cada momento histórico, é reflexo dos interesses e aspirações dessas classes.

No contexto da sociedade capitalista, Durkheim (1995), principal representante do pensamento positivista que se desenvolveu no século XIX, compreendia que “toda educação consiste num esforço contínuo para impor às crianças maneiras de ver, de sentir e de agir às quais elas não chegariam espontaneamente”. (DURKHEIM, 1995, p. 48). Ou seja, para o autor nascemos moldados pela pressão do meio social, onde nossas formas de agir, pensar e sentir são dotados de um poder imperativo e coercitivo que se impõem aos indivíduos independente de suas vontades, devendo estes seguir padrões pré-estabelecidos na sociedade. Assim, citando Spencer que defendia a tese de que uma educação racional deveria reprovar tais processos e deixar a criança agir em plena liberdade, Durkheim (1995, p. 49) menciona que

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A EDUCAÇÃO AMBIENTAL ENQUANTO POLÍTICA PÚBLICA: reflexões acerca de sua inclusão no contexto universitário

Como esta teoria pedagógica não foi nunca praticada por nenhum povo conhecido, não constitui senão um desiderato pessoal, não sendo fato que possa ser oposto àqueles que expusemos atrás.

Em uma concepção antagônica da apresentada, Marx e Engels (1978) enfatizam que a plena educação cultural das massas não pode ser atingida na sociedade dividida em classes, mas apenas depois da revolução. Conforme os pensadores, o sistema capitalista “cria” os elementos de formação e de consciência, e, ao mesmo tempo “cria”, também, os elementos subversivos da velha sociedade.

A escola inculca nas crianças preconceitos, sendo as suas verdades falsas para os pais operários, porque lhes ensinam os pensamentos da classe dominante. A escola representa, portanto, sob o capitalismo, uma arma poderosa de mistificação e de conservação entre as mãos da classe capitalista. Tem tendência para dar aos jovens uma educação que os torna leais e resignados ao sistema atual, e os impede de descobrir as suas contradições internas. (MARX; ENGELS, 1978, p. 36).

Sendo um campo tensionado pelas disputas dos diferentes projetos societários, a educação é, ainda, um espaço privilegiado de luta para a conquista da hegemonia política e cultural na sociedade. Nesse contexto, embora a Constituição Federal de 1988 apresente a educação como direito de todos e dever do Estado e da família com a colaboração da sociedade na busca pelo pleno desenvolvimento da pessoa, visando seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988), no reino do capital, a educação é, ela mesma, uma mercadoria.

Assim, assiste-se à crise do sistema público de ensino, pressionado pelas demandas do capital e pelo crescente corte de recursos dos orçamentos públicos, lógica esta inerente ao neoliberalismo. Conforme destaca Sader (2005, p. 16)

Uma sociedade que impede a emancipação só pode transformar os espaços educacionais em shopping centers, funcionais à sua lógica do consumo e do lucro.

Compactua-se, portanto, com uma perspectiva onde a educação, superadora das formas alienadas de existência, além de sua função social, emerge com um caráter político, enquanto instrumento que potencializa a crítica, que imprime nos indivíduos um caráter reivindicatório na busca

por uma transformação da sociedade, permitindo a compreensão da mesma em todas as suas dimensões. Porém, não se pode creditar à educação a “salvação do planeta”, ou seja, ela não é neutra, pode ser reprodutora da ideologia dominante ou questionadora desta ideologia. Freire (1987) já sinalizava a impossibilidade de superação das contradições nas relações sociais vigentes por meio da “educação bancária”, a qual ele denominava a educação reprodutora da sociedade capitalista que mantém e estimula a contradição.

Assim, entende-se que a educação possui limites, ou seja,

[...] não é suficiente em si realizar uma práxis educativa cidadã e participativa, se isso não se relacionar diretamente com outras esferas da vida (família, trabalho, instituições políticas, modo de produção, interações ecossistêmicas etc.). (LOUREIRO, 2009a, p. 96).

Nos termos de Freire (1987, p. 39) o processo de emancipação não se esgota na dimensão individual, afinal, “ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”.

3 A CONSTITUIÇÃO DO CAMPO EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL BRASILEIRO

Foi, principalmente, a partir da década de 1980, com a realização dos primeiros encontros nacionais, a atuação crescente das organizações ambientalistas, a incorporação da temática ambiental por movimentos sociais e educadores e o aumento da produção acadêmica, que a contribuição do processo educativo na preservação e conservação do meio ambiente e na aquisição de novos conhecimentos e habilidades referentes à natureza ganhou mais notoriedade. (NUNES, 2011).

Emergindo como um novo campo de saber, a EA objetiva formular respostas teóricas e práticas aos desafios da questão ambiental, reconstruindo a relação entre educação, sociedade e meio ambiente. Na experiência brasileira, a EA não nasceu no campo educativo, mas parece ser um fenômeno cuja gênese e desenvolvimento estaria mais ligado aos movimentos ecológicos e ao debate ambientalista. (CARVALHO, 2004a).

Com relação ao conceito, a EA é o termo que se convencionou dar às práticas educativas relacionadas à questão ambiental, definindo-a como

[...] uma classe de características que juntas, permitem o reconhecimento de sua identidade, diante de uma Educação que antes não era ambiental. (LAYRARGUES, 2004, p. 7).

Contudo, Layrargues e Loureiro (2001)

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mencionam que não é mais possível entender a EA no singular, como um novo modelo de educação que simplesmente se opõe a uma educação convencional que não é ambiental, ou seja, não é mais possível referir-se genericamente a uma mera EA sem qualificá-la com precisão.

É válido esclarecer que embora não seja possível delimitar rigorosamente o momento fundacional que se expressou a percepção das distintas correntes político pedagógicas na EA, foi por volta dos anos 1990 que, conforme Layrargues e Loureiro (2001), a EA abandonava o perfil inicial predominantemente conservacionista e passava a reconhecer a dimensão social do ambiente. A partir desse momento, já não era mais possível referir-se genericamente a EA sem qualificá-la, ou seja, “[...] sem declarar filiação a uma opção político-pedagógica que referenciasse os saberes e as práticas educativas realizadas”. (LAYRARGUES; LIMA, 2011, p. 4). Isso significa que existe uma multiplicidade de formas legítimas de pensar e fazer EA, ou seja, há uma grande variação de intencionalidades socioeducativas, metodologias pedagógicas e compreensões acerca do que seja a mudança ambiental desejada.

Diante dessa questão, já que todo campo político e de conhecimento se define por meio de contradições e posições divergentes e por vezes antagônicas, faz-se necessário clarificar as diferenciações e as adjetivações dos tipos de EA para um amadurecimento teórico e epistemológico do campo. O autor Layrargues (2004) destaca que renomear a EA pode significar dois momentos simultâneos, mas distintos: um refinamento conceitual fruto do amadurecimento teórico, mas também o estabelecimento de fronteiras internas segmentando diversas vertentes. Carvalho (2001b) destaca que a EA é um conceito que, como outros da “família ambiental”, sofre de grande imprecisão e generalização. O problema dos conceitos vagos é que acabam

[...] sustentando certos equívocos e, neste caso, o principal deles é supor uma convergência tanto da visão de mundo quanto das opções pedagógicas que informam o variado conjunto de práticas que se denominam de educação ambiental. (CARVALHO, 2001b, p. 44).

Justificando a necessidade de compreender a dinâmica atual da EA no Brasil e de diferenciar suas tendências, abordam-se, neste momento, as diferentes vertentes1 presentes em torno do conceito de EA que conduzem as práticas e reflexões políticas e pedagógicas disseminadas no país que, de certa forma, indicam a hegemonia de um discurso que objetiva difundir e cristalizar a ideologia hegemônica, “impedindo” ao mesmo tempo, qualquer manifestação que objetive subverter a

relação sociedade, natureza e desenvolvimento na atualidade brasileira. Assim, inserida num cenário tensionado por projetos sociais antagônicos, destaca-se a existência de pelo menos duas grandes vertentes no âmbito da EA (GUIMARÃES, 2004; CARVALHO, 2004b; LOUREIRO, 2004, 2009a; LAYRARGUES, 2002): uma denominada, por um lado, ora como conservadora ora como conservacionista, e, por outro lado, uma denominada como crítica, transformadora e/ou emancipatória.

Na primeira vertente está implícita a ideia de que a solução dos problemas ambientais dependeria, basicamente, da transformação individual dos sujeitos, ou seja, a transformação da sociedade seria alcançada no momento em que “cada um fizesse a sua parte”. Nesta vertente, aposta-se na possibilidade de compatibilizar crescimento econômico com desenvolvimento humano e qualidade ambiental, acreditando ser possível superar a crise ambiental nos marcos do capitalismo, por meio de reformas e ajustes, na adoção de tecnologias ditas “limpas” e nas mudanças de comportamentos.

Nesse ínterim, empresas de diversos setores passaram, a partir da chamada “responsabilidade ambiental”, a explorar o marketing dos seus produtos aderindo a slogans ecológicos, “selos verdes”, promovendo a lucratividade das mesmas pela imagem. (NUNES, 2012). Cria-se, portanto, a falácia de um “capitalismo verde”, de um “capitalismo humanizado”, onde centrado numa educação individualista, entende-se a problemática ambiental como fruto de um desconhecimento dos princípios ecológicos que gera “maus comportamentos”, ou seja, buscam-se mudanças comportamentais, objetivando a formação de novos hábitos “ambientalmente sustentáveis”, predominando uma visão naturalista.

Na segunda vertente, a pedagogia crítica, origem da EA crítica, transformadora e emancipatória, tem como fundamento a crítica da sociedade capitalista e da educação como reprodutora das relações sociais desiguais. Conforme Quintas (2008) essa vertente é crítica na medida em que discute e explicita as contradições do atual modelo de civilização, da relação sociedade-natureza e das relações sociais que ele institui; transformadora, pois ao discutir o processo civilizatório em curso, acredita na capacidade da humanidade construir outro projeto de sociedade e, assim, instituir novas relações dos seres humanos entre si e com a natureza; emancipatória, por ter como valor fundamental da prática educativa a produção da autonomia dos grupos subalternos, oprimidos e excluídos.

A EA seria, portanto, tratada a partir de uma perspectiva de totalidade, direcionada para a compreensão de que as problemáticas ambientais têm uma causa estrutural, fruto do modo de produção desigual capitalista, ou seja, uma crise estrutural com implicações ambientais e não apenas uma crise ambiental decorrente de uma crise de valores éticos

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e morais.De modo geral, afirma-se que a principal

característica que diferencia essas duas vertentes é a forma de entender a relação entre crise ambiental e o modelo societário vigente. A primeira compreende que é possível superar a crise ambiental sem alterar os fundamentos da sociedade capitalista por meio da mudança de comportamento dos indivíduos e de reformas e ajustes. Já a segunda, entende que as raízes da referida crise têm uma causa estrutural, fruto do modo de produção capitalista, sendo necessário, portanto, uma transformação social.

Sinaliza-se que tradicionalmente a educação é chamada para solucionar problemas sociais. Assim, como evidencia Guimarães (2007, p. 86):

Se o problema é com a sexualidade, cria-se a educação sexual; se é com o trânsito, educação para o trânsito; se é com o meio ambiente, educação ambiental. Será assim? A educação é a solução para todos os problemas da sociedade? [...] Certamente se fizermos um comparativo do quadro atual com o de 20, 30 anos atrás, podemos ver o quanto a educação ambiental ganhou espaço na sociedade: no entanto essa mesma sociedade degrada hoje mais o meio ambiente do que há 20, 30 anos. Que educação ambiental é essa que quanto mais se faz, menos alcança seus objetivos?

Problematizando este questionamento e debatendo sobre os caminhos da educação, Guimarães (2007) parte do reconhecimento de que há hoje uma crise ambiental, decorrente de um processo histórico que colocou a sociedade humana e a natureza em lados opostos. Neste contexto, o autor enfatiza que a EA vem sendo chamada para “resolver” os problemas da sociedade urbano-industrial, ou seja, “resolver” os problemas inerentes ao atual modelo de sociedade que ressaltam os

[...] aspectos antropocêntrico, cartesiano, individualista, consumista, concentrador de riqueza, que gera destruição em sua relação de dominação e exploração, antagônico às características de uma natureza que é coletiva, que recicla, que mantém a vida. (GUIMARÃES, 2007, p. 88).

Ao identificar a “natureza” do problema, questiona-se: “por que não conseguimos solucioná-lo?”. Guimarães (2007) afirma que um passo importante seria romper com a “armadilha paradigmática” que estamos sujeitos. Para o referido autor, esses paradigmas são estruturas de pensamento que, de modo inconsciente, comandam nosso discurso, leva-nos a pensar e agir de acordo com algo preestabelecido.

Os educadores geralmente ao buscarem desenvolver as atividades reconhecidas como de educação ambiental, apresentam uma prática informada pelos paradigmas da sociedade moderna. Ou seja, é querermos fazer diferente pensando da mesma forma. Não podemos deixar de relembrar que os indivíduos em geral, entre eles os educadores, seres sociais que somos, experienciamos em nosso cotidiano a dinâmica informada pelos paradigmas da sociedade moderna que tende a se autoperpetuar e que, seguindo essa tendência, é reprodutora de uma realidade já estabelecida por uma racionalidade dominante. Romper com essa armadilha é estarmos críticos para que ações conscientes possam provocar práticas diferenciadas, que se voltem para o novo, libertos das amarras do tradicionalismo que reproduzem o passado no presente. (GUIMARÃES, 2007, p. 88).

Diante disso, Guimarães (2007) avalia que é necessário que os educadores contribuam com o processo de transformação da realidade, desvelando seus paradigmas e suas influências nas práticas individuais e coletivas; entendam as estruturas do modo de produção desta sociedade, sua dinâmica intermediada pelas relações desiguais de poder; as motivações dinamizadas pelo privilégio aos interesses particulares que, para mantê-los, tende a estruturar relações de dominação de um (indivíduo/sociedade) sobre o outro (indivíduo/natureza). Para o autor, é por meio de uma EA crítica, de uma educação política voltada para intervenção social, que é possível, ao mesmo tempo, a transformação dos indivíduos e da sociedade.

Nesse contexto, Saito (2002) prevê quatro desafios a serem enfrentados pela EA: 1) Busca por uma sociedade democrática e socialmente justa; 2) Compreensão da interdependência entre ambiente e sociedade para o desvelamento das condições de dominação e opressão social; 3) Prática de uma ação transformadora intencional; 4) Necessidade de uma constante busca de conhecimento, uma vez que a realidade é dinâmica, devendo estar sempre atento aos impactos ambientais e sociais.

Com base nessas questões, na seção a seguir abordam-se alguns desafios à consolidação da EA enquanto Política Pública, bem como se reflete sobre sua importante e necessária inclusão no contexto universitário.

4 A EDUCAÇÃO AMBIENTAL ENQUANTO POLÍTICA PÚBLICA NO CONTEXTO UNIVERSITÁRIO

Com a justificativa de garantir ao cidadão brasileiro o acesso à EA, em 27 de abril de 1999, é

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aprovada a Lei 9.795 que institui a Política Nacional de Educação Ambiental. Sob a coordenação da Diretoria de Educação Ambiental do Ministério do Meio Ambiente (DEA/MMA) e da Coordenação Geral de Educação Ambiental do Ministério da Educação (CGEA/MEC), a PNEA entende por EA:

Art. 1º: Os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade. (BRASIL, 1999, p. 1).

Frente a esta concepção, salienta-se que com um viés extremamente conservacionista, falar em ambiente era pensar em preservação, conservação do patrimônio natural, em um assunto técnico destinado à resolução dos problemas ambientais identificados, e em algo que impedia o desenvolvimento do país. Nesse contexto, a EA, predominantemente, inseriu-se nos setores governamentais e científicos

[...] vinculada à conservação dos bens naturais, com forte sentido comportamentalista, tecnicista e voltado para o ensino da ecologia e para a resolução de problemas. (LOUREIRO, 2009a, p. 80).

Contudo, apesar da mobilização dos educadores ambientais e da aprovação da Lei que define sua Política Nacional, a EA ainda não se consolidou como política pública, o que permite compreender a história contraditória que se move a EA à luz da teoria e da pedagogia crítica. (LOUREIRO, 2009a). Convém destacar, brevemente, que a EA deve contribuir com o processo dialético Estado - Sociedade Civil que possibilite uma definição das políticas públicas de caráter democrático e universal.

Para fins deste artigo, parte-se do pressuposto que a Política Pública é ação pública, face às demandas e necessidades sociais da sociedade, na qual,

[...] além do Estado, a sociedade se faz presente, ganhando representatividade, poder de decisão e condições de exercer o controle sobre a sua própria reprodução e sobre os atos e decisões do governo [...]. (PEREIRA, 2009, p. 94).

Quando se fala de política pública, está se falando de uma política cuja principal marca definidora é o fato de ser de todos, e não porque seja estatal (do Estado) ou coletiva (de grupos particulares da sociedade) e muito menos individual. Entende-se que as Políticas Públicas são terrenos em disputa entre a sociedade política e grupos organizados da

sociedade civil na busca pela hegemonia. No âmbito das políticas públicas em EA,

Kaplan (2010, 2010, p. 1) menciona que as mesmas vêm sendo orientadas a partir de uma concepção de Estado como parceiro da sociedade civil, inclusive fortalecendo-a e

[...] priorizando a sociedade civil burguesa (sobretudo na figura das ONGs), em contraposição à sociedade civil popular (movimentos sociais, sindicatos, professores, etc).

A partir da redução do aparelho estatal, presencia-se a transferência de responsabilidades para a sociedade civil, a intensificação de privatizações, terceirizações e incentivo ao voluntariado com parcerias entre o público e privado. Essas ações precarizam as políticas sociais e intensificam sua mercantilização, rompendo com padrões de universalidade.

É válido salientar que a valorização de segmentos da Sociedade Civil é parte da estratégia neoliberal para dar continuidade aos ajustes e reformas do Estado, sem, contudo, superar o atual modo de produção. Frente a esta questão Loureiro e Kaplan (2011), mediante análise da PNEA e do Programa Nacional de Educação Ambiental (ProNEA), constatam um discurso que trata o Estado como “naturalmente” ineficiente e burocrático, devendo ser parceiro da sociedade civil, apoiando-a e transferindo recursos financeiros e responsabilidade de execução das políticas sociais. Ou seja, o Estado se mantém como financiador, enquanto a sociedade civil executa as políticas sociais que vêm se submetendo aos ditames da política econômica. Nessa conjuntura, Kaplan (2010) destaca que as políticas sociais, incluindo as políticas educacionais e de EA, são (re)formuladas devido a acusações de terem gerado altos custos ao “Estado de Bem Estar Social” e, em decorrência, uma crise fiscal.

Conforme Loureiro (2009b) a premissa básica de assegurar a participação de todos e a dignidade de vida para todos, sem qualquer forma de discriminação, é típica de um Estado de Direito democrático, de matriz republicana, como é o caso do Brasil. Porém, o autor afirma que pelo fato deste Estado ter se estabelecido sob premissas liberais e relações capitalistas, ele constituiu-se enquanto um Estado que assegura:

[...] em primeiro lugar o direito à propriedade privada e à liberdade individual com base na concorrência de mercado e na lógica meritocrática. Um Estado que legitima e é legitimado por uma cultura que garante privilégios e que ideologicamente reproduz a certeza de que as classes e frações de classe dominantes não possuem tais

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privilégios! [...] Logo, o famoso “todos” não está dado, uma vez que se define em relações desiguais, de dominação e preconceito, que estabelecem antagonismos estruturais que não são resolvidos pelo simples apelo humanitário ou desejo de que a política pública seja para todos indistintamente. Isto implica que os agentes e instituições de Estado não podem assumir neutralidade em seus atos e na execução de políticas públicas. Estes devem necessariamente saber definir estratégias de reversão dos processos sociais assimétricos e dialogar com os múltiplos grupos e classes em defesa do que é público e na garantia do ambiente como bem comum. (LOUREIRO, 2009b, p. 11).

Diante do exposto, identifica-se a existência de projetos políticos e epistêmicos em disputa como expressão de concepções e materialidades distintas no bojo da educação e da EA, seja ela inserida no ensino básico ou superior. Referindo-se à universidade, Chauí (2003, p. 1) menciona que a mesma:

[...] é uma instituição social e como tal exprime de maneira determinada a estrutura e o modo de funcionamento da sociedade como um todo. Tanto é assim que vemos no interior da instituição universitária a presença de opiniões, atitudes e projetos conflitantes que exprimem divisões e contradições da sociedade como um todo. Essa relação interna ou expressiva entre universidade e sociedade é o que explica, aliás, o fato de que, desde seu surgimento, a universidade pública sempre foi uma instituição social, isto é, uma ação social, uma prática social fundada no reconhecimento público de sua legitimidade e de suas atribuições, num principio de diferenciação, que lhe confere autonomia perante outras instituições sociais, e estruturada por ordenamentos, regras, normas e valores de reconhecimento e legitimidade.

Porém, evidencia-se que a mercantilização da educação e, consequentemente, o sucateamento da universidade pública, vem impactando na formação dos diversos profissionais, demandando que estes reflitam acerca do conjunto de alterações presentes neste espaço, em que um dos pilares reside na proposta de reforma universitária. Entende-se, portanto, que se faz necessário que a universidade esteja, de fato, a serviço da coletividade e que seja um

[...] centro de produção de ciência, de tecnologia, do cultivo das artes e das

humanidades; também uma instituição voltada à qualificação de profissionais com alta competência, para além das necessidades do capital e do mercado. (IAMAMOTO, 2008, p. 432).

Assim sendo, esclarece-se que a PNEA além de estabelecer que a dimensão ambiental deva constar nos currículos de formação de professores, em todos os níveis e em todas as disciplinas, orienta a forma como a EA deve ser incorporada no ensino formal. O art. 10 especifica que:

§ 1o A educação ambiental não deve ser implantada como disciplina específica no currículo de ensino.§ 2o Nos cursos de pós-graduação, extensão e nas áreas voltadas ao aspecto metodológico da educação ambiental, quando se fizer necessário, é facultada a criação de disciplina específica.§ 3o Nos cursos de formação e especialização técnico-profissional, em todos os níveis, deve ser incorporado conteúdo que trate da ética ambiental das atividades profissionais a serem desenvolvidas. (BRASIL, 1999, p. 3).

Cabe salientar que foi em função muito mais de pressões internacionais2 do que por movimentos ambientalistas consolidados, que o governo brasileiro começou, tardiamente, a pensar a natureza com o foco de preservar em benefício das gerações atuais e futuras. No âmbito internacional, a Conferência de Tbilisi de 1977 consolidou o Programa Internacional de Educação Ambiental (PIEA), criado em 1975, e estabeleceu a promoção da EA enquanto elemento essencial para uma educação global que forma indivíduos conscientes de suas responsabilidades. É importante enfatizar que o papel, objetivos, princípios orientadores para a EA que foram acordados nessa Conferência, fortemente inspirada pela Carta de Belgrado3, são até hoje adotadas mundialmente. (INTERGOVERNMENTAL CONFERENCE ON ENVIRONMENTAL EDUCATION, 1977). Nesse contexto, identifica-se que a conferência deliberou, entre outros temas, sobre a EA na Universidade, que influenciou os diversos países na elaboração de suas políticas.

A Declaração de Tbilisi contribui para definir o papel da Universidade na incorporação da dimensão ambiental na sociedade. Na Recomendação nº 13 considera-se que as universidades como centros de pesquisa, ensino e formação de pessoal qualificado no país:

- Devem dar cada vez maior capacidade a investigação sobre educação ambiental e formação de especialistas em educação formal e não formal;- Que a educação ambiental nas

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escolas e universidades serão cada vez mais diferente da educação tradicional e que se transmitirá aos alunos os conhecimentos básicos essenciais para que sua futura atividade profissional redunde em benefícios ao meio ambiente. (INTERGOVERNMENTAL CONFERENCE ON ENVIRONMENTAL EDUCATION, 1977, p. 33).

E, diante disso, recomenda:

- Rever o potencial atual das universidades para a realização de pesquisa, sobretudo fundamental, no que corresponda à educação ambiental;- Que estimulem a necessidade de que os estudantes apliquem um tratamento interdisciplinar aos problemas fundamentais da correlação existente entre o meio ambiente e o ser humano. É necessário para os alunos estudem nao só as ciencias exatas e naturais, mas, também, as ciencias sociais es artes, como consequência de que a relação que guardam entre si a natureza, a técnica e a sociedade marcam e determinam o desenvolvimento de uma sociedade;- Desenvolver material didático e livros sobre as bases teóricas de proteção ambiental para todos os campos a ser escrito por cientistas o mais rapidamente possível;- Desenvolver uma cooperação estreita entre instituições universitárias e seus diferentes departamentos, etc., com o objetivo específico de formação de especialistas em educação ambiental;- Essa cooperação pode assumir diferentes formas, de acordo com a estrutura do ensino universitário em cada país, mas deve combinar contribuições de física, química, biologia, ecologia, geografia, estudos sócio-econômicos, ética, ciências da educação, e educação estética, etc. (INTERGOVERNMENTAL CONFERENCE ON ENVIRONMENTAL EDUCATION, 1977, p. 33).

Silveira (1997, p. 241) descreve que existem várias razões para se enfatizar o papel da universidade na trajetória da EA:

[...] primeiro, porque acumula as funções de ensino, pesquisa, extensão e consultoria, o que a torna responsável pela formação do cidadão-profissional [...] Segundo, a universidade é um fórum de diálogo, por excelência, com escola (todos os graus) e a sociedade em geral, o que lhe permite colher informações sensíveis à criação de novos conhecimentos e novas realidades socioambientais. Terceiro, sendo um

centro de pesquisa, pode compreender a ciência como fator tanto de progresso e qualidade de vida quanto de catástrofe [...] E, finalmente, ela já começa a aceitar a inter e transdisciplinaridade como alternativas curriculares. Esse contexto é um potencial para a EA fluir em abrangência e profundidade.

Diante desse cenário, evidencia-se que, no Brasil, principalmente a partir da segunda metade da década de 1990, no que Carvalho (2001a) denomina de “ambientalização do ensino superior”, as preocupações referentes à problemática ambiental vêm sendo incorporadas no meio acadêmico, a partir da ampliação de cursos de especialização lato senso e stricto sensu, de atividades de extensão e, também, pelo aumento de trabalhos científicos dedicados à problematização do tema. Ao mencionar a entrada da temática ambiental no ensino superior, a autora refere-se a uma noção de meio ambiente que vem se descolando da versão estritamente científica, filiada às ciências naturais ou exatas, sendo que esse deslocamento

[...] tem permitido uma ressignificação do ambiental, enquadrando-o como uma problemática contemporânea, formulada a partir de um debate inter e multidisciplinar; centrada na discussão das relações entre sociedade e natureza. (CARVALHO, 2001a, p. 166).

Mas, para além da ampliação de cursos de Pós-Graduação e projetos de extensão, faz-se necessário, também, que os cursos de Graduação – no sentido de superar as fragmentações do processo de ensino e aprendizagem, abrindo novos caminhos para a construção de conhecimentos e habilidades – incluam a questão ambiental na sua formação onde movido pelo espírito investigativo, com atenção especial à pesquisa e ao estudo sistemático da realidade concreta, os futuros profissionais possam identificar e analisar os movimentos que a vinculam à questão ambiental, contribuindo para a formação de uma cultura ambientalista de caráter “supra classista”.

5 CONCLUSÃO

A Educação Ambiental, assim como a Educação, seja no ensino formal ou superior, pode ser um mecanismo ideológico de reprodução das condições sociais

Evidenciando a existência de assimétricas relações de poder que em última instância ilustram a existência de interesses político-ideológicos que até aceitam a mudança ambiental, mas impedem que se realize a mudança social. (LAYRARGUES, 2002, p. 10),

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A EDUCAÇÃO AMBIENTAL ENQUANTO POLÍTICA PÚBLICA: reflexões acerca de sua inclusão no contexto universitário

Ou, dependendo das práticas desenvolvidas e da conformação das forças sociais em disputa pela significação da EA, pode propiciar mecanismos de transformação social atrelada à questão ambiental.

Assim sendo, uma vez que a Universidade representa um importante espaço para reflexão, formação e difusão de novas concepções, tem a responsabilidade de constituir-se como espaço educador, bem como contemplar, em suas políticas e serviços, as demandas de formação da sociedade. Nesse contexto, o ensino superior desempenha um papel fundamental na incorporação e consolidação da EA nos diferentes níveis de ensino, contribuindo para impulsionar a ambientalização da educação e da sociedade, visto que a formação ambiental, associada a um contexto de participação cidadã pode vir a favorecer “[...] um diagnóstico dos problemas socioambientais bem como a necessária implicação individual e coletiva em sua superação”. (BRASIL, 2007, p. 25).

Com base no exposto, entende-se ser necessário discutir – juntamente com outras questões relativas à educação e envolvendo a participação da comunidade universitária – estratégias possíveis para implementar e consolidar políticas públicas de EA para a educação superior. Dentre algumas questões pontuadas inclusive por Brasil (2007), avalia-se pertinente: a criação e ampliação de espaços que favoreçam relações dialógicas, inter e transdisciplinares, contribuindo para a superação do modelo departamentalizado, tradicionalmente compartimentada e voltada para a hiperespecialização do conhecimento das Instituições de Ensino Superior (IES) que, por vezes, impossibilita o intercâmbio e a divulgação das experiências existentes no âmbito da EA; o incentivo para a reformulação curricular que tenham como direcionamento a garantia da transversalidade e do tratamento transdisciplinar da temática ambiental em toda sua complexidade; a implantação de programas de EA voltados para a demanda tanto interna como externa às IES, que possibilite articulações tanto intra e interinstitucional, como entre a universidade e a comunidade, renovando seu compromisso socioambiental com a promoção da extensão universitária.

Postula-se, ainda, enquanto ações necessárias: a criação e estruturação de espaços dedicados à EA que sejam compatíveis com as ações desenvolvidas, visto que estas estruturas constituem instrumentos importantes para a difusão de uma cultura ambiental dentro e fora da Universidade; o incentivo e desenvolvimento de pesquisa nas linhas acadêmicas e de intervenção social, possibilitando, dentre outras questões, aprofundar o debate teórico-metodológico4 na área; ampliação de recursos financeiros para a implementação da EA na educação superior, criando instrumentos para avaliar e sistematizar as ações, possibilitando

articular e promover uma maior integração das diversas atividades acadêmicas de ensino, pesquisa e extensão. (BRASIL, 2007).

Por fim, conclui-se que, enfatizando o papel social da Universidade de disseminar o conhecimento na direção da transformação social, bem como reconhecendo a EA como área interdisciplinar de produção de conhecimento, a sua inclusão no ensino superior, deve (ao propor uma redefinição do modo como os seres humanos se relacionam entre si e com o planeta) possibilitar o entendimento e a problematização da realidade, estimulando os sujeitos a atuarem nas problemáticas locais e globais de forma crítica e consciente, com o intuito de transformar as relações sociais de exploração e dominação vigentes, construindo um mundo melhor para todos, igualitário, culturalmente diverso e ecologicamente viável.

REFERÊNCIAS

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Letícia Soares Nunes

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Notas 1 Apesar de a complexidade ambiental envolver

múltiplas dimensões, verifica-se, atualmente, que muitos modos de se fazer e pensar a Educação Ambiental enfatizam ou absolutizam a dimensão ecológica da crise ambiental, como se os problemas ambientais fossem originados independentemente das práticas sociais. Insatisfeitos com esse tipo de reducionismo que ainda conquista muitos adeptos, cientes do risco que a Educação Ambiental apresenta – se a sua vertente que enfatiza a mudança cultural associada à estabilidade social for a hegemônica – e representando uma nova tendência que busca efetuar um olhar ponderado entre as múltiplas dimensões da complexidade ambiental, alguns autores brasileiros criaram novas denominações para renomear a educação que já é adjetivada de “ambiental”, para que a Educação Ambiental seja compreendida não apenas como um instrumento de mudança cultural ou comportamental, mas também como um instrumento de transformação social para se atingir a mudança ambiental. (LOUREIRO, 2009a, p. 11).

2 É consenso entre os pesquisadores que a primeira grande manifestação internacional que incluiu o debate ambiental como pauta de preocupação, foi a “Primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano” ou “Conferência de Estocolmo” realizada na Suécia em 1972.

3 Em 1975 foi realizado o I Seminário Internacional de Educação Ambiental em Belgrado na Sérvia, cujo resultado foi a Carta de Belgrado que tinha como horizonte a necessidade de uma nova ética

global, onde cada um deveria se adaptar e mudar “sua própria ética pessoal e individual” em prol da melhoria da qualidade ambiental e vida de todos. Assim, enfatizou-se a necessidade da reforma dos sistemas educacionais, estabelecendo-se duas metas principais: a Meta Ambiental, com objetivo de melhorar as relações ecológicas, incluindo a relação do homem com a natureza e as dos homens entre si; e a Meta de EA objetivando formar uma população mundial consciente e preocupada com o meio ambiente e com os problemas associados. (SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE EDUCACION AMBIENTAL, 1975).

4 Este aprofundamento se faz necessário, pois compreender o amplo leque de correntes de pensamento que se enfrentam no terreno da EA, conforme já sinalizado na seção 3, é fundamental para estabelecer uma coerência teórica e prática que possibilite a materialização de uma política pública e seus instrumentos, a partir de determinada “concepção de sociedade, natureza e valores éticos que balizam a conduta humana sob certas condições históricas”. (LOUREIRO, 2009b, p. 4).

Letícia Soares NunesAssistente SocialMestre em Serviço Social pela Universidade Federal de Santa CatarinaProfessora do Departamento de Serviço Social pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)E-mail: [email protected]

Universidade Federal de Santa Catarina - UFSCCentro Sócio Econômico, Departamento de Serviço Social, Campus Universitário Reitor João David Ferreira Lima Trindade - Florianópolis - Santa Catarina CEP: 88040-900

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AS RELAÇÕES ETNICO-RACIAIS E A IMPLEMENTAÇÃO DA LEI 10.639/03 EM FORTALEZA/ CEARÁ

Maria Zelma de Araújo Madeira Universidade Estadual do Ceará (UECE)

Renata Gomes da CostaUniversidade Estadual do Ceará (UECE)

AS RELAÇÕES ETNICO-RACIAIS E A IMPLEMENTAÇÃO DAS LEIS 10.639/03 EM FORTALEZA/ CEARÁ Resumo: Este artigo é resultado de uma pesquisa que investigou como o racismo e o mito da democracia racial estão presentes nas práticas pedagógicas e no cotidiano da escola. Buscou também compreender os impasses e/ou aspectos facilitadores em efetivar a Lei 10.639/2003 alterada pela Lei 11.645/2008 como ação valorativa no âmbito da promoção da igualdade racial. Objetivamos contribuir com a discussão sobre a inserção da temática da inclusão da história e da cultura africana e afro-brasileira no sistema de ensino público de Fortaleza, por meio de uma reflexão sobre o entendimento da comunidade escolar acerca da citada lei e de sua implementação nas escolas investigadas. Essa lei é resultado da luta política desta população para se ver retratada na história e na cultura do país, aspecto fomentador para uma mudança social rumo a uma educação antirracista. Os resultados elucidam dificuldades para sua real efetivação no que concerne aos contornos do racismo no ambiente escolar e seu enfrentamento.Palavras-chaves: Relações étnico-raciais, racismo, política de ação afirmativa, política de ação valorativa.

RACIAL-ETHNIC RELATIONS AND IMPLEMENTATION OF THE LAW 10.639/03 FORTALEZA / CEARÁAbstract: This article is the result of a research that investigates how racism and the myth of racial democracy are present in teaching practices and everyday school. It also seeks to understand the obstacles and / or facilitating factors in effecting the Law 10.639/2003 amended by Law 11.645/2008 as evaluative action in promoting racial equality. We aim to contribute to the discussion about the insertion of the issue of inclusion of African history and culture and african-Brazilian in the public school system in Fortaleza, through a reflection on the understanding of the school community about the aforementioned law and its implementation in schools investigated. This law is a result of the political struggle of this population to see itself portrayed in the history and culture of the country, developers looking for a social change towards an anti-racist education. The results elucidate difficulties for its real effectiveness in relation to the contours of racism at school and its coping.Key words: Ethnic-racial relations, racism, policy of affirmative action, policy of evaluative action.

Recebido em: 30.06.2012. Aprovado em: 22.10.2012.

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1 INTRODUÇÃO

Passados mais de 120 anos de abolição, cabe refletir se a Lei Áurea, garantidora de liberdade, possibilitou a cidadania à população negra no Brasil. (INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA, 2008). Durante o processo de escravidão a referida população foi o sustentáculo da economia brasileira por quase quatro séculos, sofreu uma brutal fragmentação cultural e política, bem como o esfacelamento da organização familiar, provocando reorientação e reinvenções.

Neste contexto, a desigualdade material e simbólica da população negra subalternizada se manteve, e a desvantagem em relação aos brancos no usufruto de recursos e benefícios continua a afetar severamente esse grupo. Tal desigualdade se inscreve no baixo nível de escolaridade, analfabetismo, inserção precarizada no mercado de trabalho, parca representação política, marginalidade social, discriminação e violência.

O enfrentamento ao racismo, no Brasil, ainda trilha caminhos tortuosos, haja vista não termos sequer unanimidade de que somos racistas. O silêncio quanto à natureza das relações étnico-raciais há mais de 80 anos, a crença no mito da democracia racial, o deslocamento da reflexão sobre o racismo da esfera das relações sociais coletivas para a dimensão individual exprimem o processo de invisibilidade e/ou visibilidade estereotipada da população negra. A sociedade não se reconhece racista, portanto racista é quem propõe o debate e exige políticas de promoção da igualdade racial, como uma reparação por parte do Estado em relação ao passado criminoso da escravidão, que deixou sequelas e tem impedido até hoje a efetivação de oportunidades para os grupos historicamente tratados como desiguais.

De acordo com Gomes (2002), no final do século XVIII, com a vertente do liberalismo, emerge a noção de igualdade perante a lei de natureza genérica e abstrata, dando sustentação ao postulado da neutralidade do Estado. Ganha ênfase o indivíduo igual e livre, numa sociedade fraterna e solidária, sobressaindo a clássica concepção de igualdade jurídica, meramente formal.

Diante das extremas desigualdades sociais e raciais, reveladas sob formas de discriminações, o princípio da igualdade formal passa a ser questionado, surgindo a necessidade de garantir igualdade de oportunidades a segmentos discriminados, excluídos de um lugar social, econômico e político na sociedade que se quer democraticamente referenciada. É importante, como explicita Gomes (2002), adotar uma concepção substancial de igualdade, de modo que se garanta a proteção e defesa dos interesses de segmentos discriminados socialmente e economicamente rumo à justiça social.

Na realidade cearense, a discussão em torno dos contornos do racismo, das particularidades que este assume num Estado que nega a existência da população negra, tem se realizado ainda de forma lenta, perpassada de obstáculos e de ações fragmentadas por parte do organismo governamental no trato das políticas públicas1.

O ingresso e permanência na educação foi historicamente um desafio para a população negra, apresentando-se como um dos recursos para uma situação futura em melhores condições. Diante dessa situação, a sociedade insurgia como urbana industrial, a inclusão dessa população por meio da educação lhe parecia uma saída viável para a superação, mesmo que individual, de algumas questões que perduravam do passado escravocrata.

Nesse bojo, o movimento negro buscava ascensão social e desconstrução do mito de inferiorização racial, através de Clubes sociais, Associações cívicas, Teatro Experimental do Negro, Frente Negra, Imprensa negra, União dos Homens de Cor, consolidando as iniciativas coletivas organizadas por negros e negras2.

O movimento social negro, junto a pesquisadores dessa temática, tomou para si a árdua tarefa de desconstruir esses discursos ideológicos de fomento à igualdade, formas que escondem relações de poder, indicando a necessária luta em defesa dessas populações que convivem com as desigualdades em termos econômicos, políticos, culturais, de negação dos valores, silenciamento acerca do legado como patrimônio sócio-histórico. Esse patrimônio não deve ser confundido só com agruras e delitos: contam com território a defender, patrimônio a conservar que retraduzem sua cosmovisão, seu modo de pensar e estar no mundo.

Diante do exposto, o propósito deste artigo é explicitar os desdobramentos das desigualdades raciais, sob forma da discriminação, exclusão e a diminuição de oportunidade de inserção qualificada no processo produtivo brasileiro. O foco foi a análise do processo educacional brasileiro da população negra, mediante pesquisa realizada nas duas escolas de Fortaleza, por ser uma das estratégias empreendidas por este segmento a fim de alcançar mobilidade social e econômica.

A busca de igualdade a partir do respeito à diferença e à diversidade racial é urgente. Temos hoje, no cenário contemporâneo, uma política de promoção da igualdade racial, a Lei 10. 639/2003 alterada pela Lei 11.645/2008, como ação valorativa rumo a uma educação antirracista de caráter pedagógica de valorização da história e cultura dos africanos, afro-brasileiros e indígenas. Tornou-se oportuno investigar como tal legislação vem sendo implementada no sistema público de ensino em Fortaleza.

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2 DESIGUALDADES RACIAIS NO SISTEMA EDUCACIONAL

No Brasil, pelo decreto nº 1.331/1854, negros e negras não poderiam ser admitidos na escola. Segundo o decreto nº 7031/ 1878, estes só poderiam estudar no período noturno. Verifica-se que o país legitimou leis que proibiam e dificultavam o acesso da população negra na instituição escolar em qualquer nível de ensino. A análise sobre os dados da escolaridade deste segmento se explica também ao levar em conta esse passado excludente e as formas reeditadas de exclusão imersas nas instituições sociais. (BRASIL, 2005).

Na esteira desta compreensão é válido assinalar que essas condições adversas para o acesso e permanência de negros/as no sistema educacional de ensino não foram recorrentes apenas no período do escravismo, perdurou também no século XX, como demonstram os seguintes indicadores:

No quesito instrução, presente em todos os censos brasileiros, apurou-se se o indivíduo sabia ler e escrever. Assim, em 1950, do conjunto da população de 15 anos ou mais, 54,8% dos homens e 44,1% das mulheres eram alfabetizados. No caso da população branca, 65,5% dos homens e 54,8% das mulheres eram alfabetizados. Na população preta & parda, apenas 35,7% dos homens e 25,9% das mulheres sabiam ler e escrever. (PAIXÃO et al, 2010, p. 209).

Este indicador de instrução, em 1950, denota a exclusão de negros/as dos processos participativos, como o direito de votar, posto que analfabetos não poderiam exercer este direito de cidadania. O acesso à escolaridade é uma das formas por excelência de ascensão social e de potencialização do alcance a muitos bens produzidos pela sociedade. Desta forma, enquanto as desigualdades raciais se perpetuarem no campo educacional, também estará garantida a permanência de seus mecanismos de reprodução.

Neste sentido, os indicadores educacionais se convertem em um importante instrumento capaz de possibilitar a construção de oportunidades sociais para os diferentes grupos raciais, mesmo porque

[...] a igualdade de oportunidades e de tratamento associa-se diretamente, mesmo que não exclusivamente, à igualdade de chances e à igualdade de capacitação. (JACCOUD; BEGHIN, 2002, p. 47).

Segundo os dados da PNAD 2008, 10% da população residente, no Brasil, com mais de 15 anos era analfabeta, em 1988 era maior (18,9%). No que

se refere ao percentual do contingente branco no intervalo de 20 anos (1988-2008) passou de 12,1% para 6,2%. No mesmo intervalo, a população negra (pretos e pardos) analfabetos declinou de 28,6% para 13,6%. Verifica-se uma considerável redução, porém ainda é expressiva quando comparada ao percentual de analfabetos brancos. É relevante observar que a taxa de analfabetismo dos pretos e pardos ainda era superior ao mesmo indicador entre os brancos de vinte anos antes. (PAIXÃO et al, 2010, p. 207).

Os dados revelam desigualdades acumuladas no que tange ao acesso à escolarização, que reflete as consequências de um período de escravismo, acrescido de novos contornos da exclusão, pois com idade mais avançada tais pessoas encontram maiores dificuldades de retorno ao sistema escolar. Acresce ao analfabetismo o atraso no processo de alfabetização, a repetência e evasão escolar que concorrem para ampliar a baixa escolaridade neste segmento. Neste sentido, são elucidativas as considerações de Gomes (2002, p. 1):

[...] projetos, apresentados por parlamentares das mais diversas tendências ideológicas, em geral buscam mitigar a flagrante desigualdade brasileira, atacando-a naquilo que para muitos constitui a sua causa primordial, isto é, o nosso segregador sistema educacional, que tradicionalmente por diversos mecanismos, sempre reservou aos negros e pobres em geral uma educação de inferior qualidade, dedicando o essencial dos recursos materiais, humanos e financeiros voltados à Educação de todos os brasileiros a um pequeno contingente da população que detém a hegemonia política, econômica e social no País, isto é, a elite branca.

As condições de acesso e permanência de crianças de 0 a 6 anos, segundo os indicadores da PNAD 2008, no Brasil, 18,1% frequentam a creche; quando decomposto por cor/raça as crianças brancas é de 20,7% e crianças pretas e pardas é de 15,5% (5,0 pontos percentuais inferiores). Cabe ressaltar que as crianças pretas e pardas na sua maioria recorrem ao sistema de creche pública, e tal serviço ainda é deficitário diante da demanda. (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2008).

No que concerne ao ensino fundamental, modalidade que se faz em um período de 9 anos (Lei nº 11.274/2006), iniciando com a criança aos 6 anos de idade (Lei nº 11.114/2005), também se verifica desigualdade nos indicadores de acesso e permanência dos/as alunos/as. Neste sentido são ilustrativos os seguintes dados:

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Pelos dados da PNAD 2008, 48,0% dos meninos brancos com 6 anos de idade frequentava o ensino fundamental, enquanto o percentual de crianças pretas & pardas da mesma faixa etária e sexo matriculadas naquele nível de ensino foi de 39,9%, 8,1 pontos percentuais inferior comparativamente aos primeiros. Entre as crianças de 6 anos de sexo feminino, 50,0% das brancas estavam matriculadas no ensino fundamental, ao passo que, no caso das meninas pretas & pardas, o percentual foi de 43,4% (6,6 pontos percentuais inferior). As demais crianças ou não frequentavam estabelecimentos de ensino, ou se encontravam no maternal, ou jardim da infância, ou nas classes de alfabetização. (PAIXÃO et al, 2010, p. 215).

É interessante ressaltar que a modalidade de ensino fundamental foi a que retratou menos assimetria entre pardos e pretos no período de 1988-2008 (0,7 pontos percentual), ao passo que em 1988 era de 10 pontos percentuais. Notadamente houve alta da taxa líquida de escolaridade, acesso garantido. Diante disso, cabe a reflexão quanto à permanência no sistema educacional permeado de práticas racistas, que tendem a expulsar pretos e pardos pelo viés da evasão e reprovação, principalmente na rede pública de ensino.

Os indicadores referentes à educação refletem-se diretamente nos rendimentos médios da população negra. As desvantagens de escolaridade comprometem o nível de inserção no mercado de trabalho, incidindo em trabalhos de baixa remuneração e sem garantias dos direitos trabalhistas. Alguns destes dados estatísticos trazem questionamentos quanto à ideologia da igualdade na escola. Na maioria das escolas em que a questão racial é tematizada, ela aparece como não prioritária. O não falar sobre o tema é um mecanismo de difusão do racismo.

No que se refere às ações de promoção da igualdade racial na área da educação, estas se desenvolveram a partir do Protocolo de Intenções MEC/SEPPIR, firmado em 2003, com os seguintes eixos: garantia do acesso e da permanência das crianças negras na escola; promoção de alfabetização e qualificação profissional de jovens e adultos negros; incentivo à inserção de jovens negros nas universidades; implementação da Lei nº 10.639/2003; estímulo a uma pedagogia não racista, não sexista e não homofóbica no sistema educacional brasileiro.

Em 2009, foi lançado o Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana – Lei 10.639/2003, alterada pela Lei

11.645/2008, que estabelece metas e estratégias para a ampla adoção da lei, acompanhada da instalação de um banco de dados nacional para o acompanhamento e monitoramento da aplicação da legislação.

Na política educacional, a implementação da Lei significa uma ruptura profunda com um tipo de postura pedagógica que não reconhece as diferenças resultantes do nosso processo de formação nacional. Neste sentido, torna-se relevante definir estratégias e metas que permitam dar concretude de forma sistemática às mudanças previstas na Lei 10.639/2003, alterada pela Lei 11.645/2008, como parte do Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE). As metas também devem ser consideradas no processo de revisão do atual Plano Nacional de Educação e na construção do futuro PNE (2012-2022).

Na realidade cearense, observam-se dificuldades na implementação da Lei quanto aos Conselhos de Educação, as Secretarias Estadual e Municipal de Educação, que na maioria das vezes não vêm trabalhando de forma sistemática e integrada no sentido de divulgá-la e efetivá-la, predominando iniciativas pontuais, marcadas pela baixa institucionalidade. Grande parte das experiências se enquadra em iniciativas isoladas, não abrangendo a educação básica, restringindo-se a projetos descontínuos e de pouca articulação com as políticas de educação, tais como políticas curriculares, de formação de professores, de produção de materiais didáticos, sofrendo da falta de condições institucionais e de financiamento.

Uma adequada política educacional, que possa ter impactos significativos, requer planejamento das ações, continuidade e previsão de recursos, não podendo ficar à disposição apenas de alguns professores sensibilizados à temática de enfrentamento ao racismo, o que compromete uma ação valorativa no que concerne, por exemplo, ao ensino da história e cultura das etnias que formaram a nação brasileira.

Diante disso, os esforços devem dirigir-se para um Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares da Educação das Relações Étnico-Raciais, estruturados nos seguintes eixos estratégicos: 1 – Fortalecimento do marco legal; 2 – Política de formação para gestores e profissionais de educação; 3 – Política de material didático e paradidático; 4 – Gestão democrática e mecanismos de participação social; 5 – Condições institucionais; e 6 - Avaliação e Monitoramento. Sendo seus principais objetivos promover a valorização e o reconhecimento da diversidade étnico-racial na educação brasileira, a partir do enfrentamento estratégico de práticas discriminatórias e racistas disseminadas no cotidiano das escolas e nos sistemas de ensino, que excluem e penalizam crianças, jovens e adultos negros/a e comprometem a garantia do direito à educação de qualidade para todos e todas.

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3 RACISMO E AÇÕES VALORATIVAS NO ESPAÇO ESCOLAR EM FORTALEZA- CE

O combate à discriminação racial apresenta-se como preocupação relativamente recente dos governos no plano internacional; surgiu no pós-guerra com a adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos e o acompanhamento de sua implementação na Organização das Nações Unidas (ONU). No âmbito nacional, estadual e municipal essa pauta tem sido empreendida pelo movimento negro através de lutas e reivindicações para tornar a questão do racismo objeto de atenção das políticas públicas.

Esses esforços convivem com o mito da democracia racial, presente culturalmente na sociedade brasileira, que se orienta pela afirmação de uma convivência harmoniosa entre os grupos étnico-raciais. Esse discurso ideológico tentou mascarar os conflitos raciais e deslocá-los para a esfera individual de negras e negros “complexados”, portanto responsabilizando-os por sua não inserção na sociedade e no usufruto das riquezas produzidas.

Para combater a situação de desigualdade racial no Brasil, é necessário implantar tanto políticas universalistas quanto específicas. A necessidade em se considerar as políticas universalistas é asseverada por Santos e Silveira (2010, p. 44), uma vez que as políticas de promoção da igualdade racial sejam elas ações repressivas, valorativas ou afirmativas3, objetivam a transformação das práticas racistas, sendo de suma importância associar as políticas universais às de promoção de igualdade racial, uma vez que:

[...] todas elas são fundamentais para o desenvolvimento de todo o potencial humano de cada indivíduo, visto que todas essas políticas em interação possibilitam, de fato, a construção de sociedades mais igualitárias, baseadas na igualdade de oportunidade/acesso e de tratamento, onde os indivíduos possam escolher e ser donos dos seus próprios destinos.

A articulação entre essas modalidades de políticas é o reconhecimento, como salienta Santos e Silveira (2010), que o racismo é dinâmico, se renova e se reestrutura conforme as mudanças históricas e sociais. Assim, a luta e o enfrentamento ao racismo não é estática, o que requer a referida associação entre as políticas de cunho universal, focalizada e de promoção da igualdade.

As políticas de promoção da igualdade racial se caracterizam por buscarem a promoção da igualdade de oportunidade de tratamento, diferentemente do que vinha sendo posto pelo universalismo abstrato, como aponta Gomes (2002), pois a igualdade formal

não garante a de oportunidades, que pressupõe igualdade de condições. Desse modo, as políticas de promoção da igualdade racial têm por desígnio:

[...] promover a inclusão (por meio de acesso e permanência diferenciados) dos grupos discriminados racialmente em áreas onde eles são sub-representados em função da discriminação que sofreram em face da sua cor, raça e etnia. Ou seja, se faz necessária também a implementação de ações afirmativas. (SANTOS; SILVEIRA, 2010, p. 43).

A sinalização da necessidade de políticas de ações afirmativas diz respeito ao fato de ser um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero e de origem nacional, bem como para corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e o emprego. Assim,

[...] a igualdade deixa de ser simplesmente um princípio jurídico a ser respeitado por todos e passa a ser um objetivo constitucional a ser alcançado pelo Estado e pela sociedade. (GOMES, 2002, p. 03).

A constatação da associação entre as políticas não elimina as particularidades das mesmas, sinalizando que a implementação destas deve observar o espaço e o público que se deseja atingir. Como aponta Jaccoud e Beghin (2002), as políticas universais são insuficientes para garantir o enfrentamento das desigualdades e discriminações raciais. No âmbito da educação, as autoras apontam que a universalização do ensino fundamental não deu conta de garantir oportunidades iguais para negros e brancos por diversos fatores, como também sinaliza a pesquisa realizada nas escolas de Fortaleza, através da escassez do material didático e da insuficiência dos conteúdos curriculares no quesito propagação do conhecimento diverso e plural do requisito racial e étnico. Dessa maneira:

[...] o enfrentamento dos fenômenos específicos que alimentam a desigualdade e a discriminação racial, quais sejam, o racismo e o preconceito racial, deve ser realizado por políticas específicas. Eles demandam a adoção de políticas persuasivas ou valorizativas, ou seja, políticas públicas que visem a ações que têm como objetivo afirmar os princípios da igualdade e da cidadania, reconhecer e valorizar a pluralidade étnica que marca a sociedade brasileira

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e valorizar a comunidade afro-brasileira, destacando tanto o seu papel histórico como a sua contribuição contemporânea à construção nacional. Incluem-se aqui, entre outras, políticas no campo da educação, da comunicação, da cultura e da justiça. (JACCOUD; BEGHIN, 2002, p. 43).

Nesse sentido, no âmbito da educação, temos a implementação da Lei nº 10.639/03, uma ação valorativa que prevê a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Africana e Afro-Brasileira na Educação Básica. A medida foi complementada com a sanção da Lei nº. 11.645, de 10 de março de 2008, que cria a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Africana, Afro-brasileira e Indígena. Este fato não encontrou consenso entre os movimentos indígenas, que reivindicam há muito tempo uma educação especifica, assim como é diferenciada sua inserção na sociedade brasileira.

Esse tipo de iniciativa torna-se necessário ao observar-se que o sistema educacional é um campo no qual ainda são reproduzidos muitos dos estereótipos de gênero, raça/etnia e orientação sexual existentes em nossa sociedade. No que se refere à questão racial, ainda se constitui uma esfera marcada por fortes desigualdades no acesso e na permanência dos indivíduos dos diferentes grupos populacionais. Diante disso, necessita-se de medidas que enfrentem o racismo nos mais variados âmbitos sociais; aqui destacamos o espaço educacional que precisa refletir e problematizar sobre a situação da população negra, no país, e, em especial, no sistema de ensino.

O esforço para implementar a lei requer um comprometimento dos órgãos governamentais que comandam a política educacional, de professores/as, diretores/as e de toda a comunidade escolar, exigindo-se cursos de formação sobre História da África, produção de material didático, fóruns de debate e controle desta política, apoio institucional e outras medidas que sejam necessárias a uma educação que paute o enfrentamento das discriminações e preconceitos raciais no espaço escolar e na sociedade em geral, pois como afirma Gomes (2002, p. 3), necessitamos de ações

[...] a inculcar nos atores sociais a utilidade e a necessidade da observância dos princípios do pluralismo e da diversidade nas mais diversas esferas do convívio humano.

No que tange diretamente à educação, em

específico à implementação da Lei 10.639/2003, alterada pela Lei 11.645/2008, no Ceará, foi constituído, em 2007, o Fórum Permanente de Educação e Diversidade Étnico-Racial do Estado do Ceará, que vem conseguindo agregar Secretarias Municipais de Educação, organizações

não governamentais que tratam sobre a temática, representantes do movimento negro, provocando discussões em torno das diversas formas de implementação da Lei, socializando experiências nas escolas municipais, dialogando com os estudiosos/as e pesquisadores/as das universidades, como UFC, UECE, UNIFOR, e de fora do Estado.

A partir da experiência de coordenação da pesquisadora responsável pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em Afrobrasilidade, Gênero e Família (NUAFRO- UECE) no citado Fórum, durante o período de 2009-2011, surgiu o interesse de empreender uma investigação científica sobre a implementação da Lei 10.639/2003 nas escolas públicas de Fortaleza.

A referida pesquisa intitulada “A implementação da Lei 10.639/2003 nas escolas Públicas de Fortaleza/CE: por uma educação das relações étnico-raciais”4 objetivou investigar como as escolas municipais estão implementando a referida legislação a partir dos instrumentos de desenvolvimento escolar.

Diante disso, buscou-se verificar as desigualdades étnico-raciais acumuladas no contexto educacional, pesquisando a configuração do racismo e do mito da democracia racial nas práticas pedagógicas, bem como os impasses e/ou aspectos facilitadores em efetivar a Lei.

Para tal, utilizou-se de procedimentos metodológicos que subsidiassem a compreensão da problemática em referência. Primeiramente, buscou-se o treinamento da equipe técnica do projeto de pesquisa quanto à revisão de literatura e a natureza metodológica com elaboração do instrumental de coleta de dados, para posteriormente realizar visitas institucionais aos órgãos para firmar possíveis parcerias na implementação do projeto, tais como: Secretaria Estadual da Educação (SEDUC), Secretaria Municipal de Educação de Fortaleza (SME), Fórum Permanente de Educação e Diversidade étnico-racial do Ceará, escolas municipais da Secretaria Executiva Regional (SER IV) nas proximidades da UECE, no bairro Itaperi e Vila Betânia.

Firmadas as devidas parcerias e com as autorizações dos órgãos competentes, realizou-se a pesquisa de campo nas escolas, através de entrevistas com profissionais e oficinas socioeducativas com os/as estudantes. Com os dados colhidos, iniciou-se a fase, que ainda perdura, de tabulação, sistematização e análise dos dados.

A pesquisa foi de cunho qualitativo e contou como sujeitos entrevistados alunos/as, professores/as, diretores/as, orientadores educacionais, auxiliar de serviço geral, apoio a biblioteca, porteiros e outros funcionários da escola. Os/as profissionais estão numa faixa etária entre 24 a 63 anos e são funcionários/as públicos e também trabalhadores/as terceirizados/as; já os/as estudantes estavam

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cursando o oitavo ano do Ensino Fundamental.As escolas pesquisadas fazem parte do

Sistema Municipal de Educação de Fortaleza: Escola Municipal de Ensino Infantil e Fundamental (EMEIF) Zaira Monteiro Gondim e EMEIF Thomaz Pompeu Sobrinho localizadas, respectivamente, no bairro do Itaperi e Vila Betânia, ambas pertencentes à Secretaria Executiva Regional IV, estando inseridas na parte periférica da cidade.

No que se refere ao Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) que mede a qualidade de cada escola e de cada rede de ensino, o indicador é calculado com base no desempenho do estudante em avaliação do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) e em taxas de aprovação. Assim, a escola Zaira Monteiro apresentou em 2011 o IDEB de 4,5, enquanto a Thomaz Pompeu Sobrinho 3,4. (BRASIL, 2012).

As escolas funcionam nos três turnos na modalidade do Ensino Fundamental II e durante a noite oferecem a Educação de Jovens e Adultos (EJA). A pesquisa foi realizada no turno da tarde, por sugestão da direção das escolas, por ser um horário mais adequado para o contato com um maior número de alunos\as e professores\as. A escola Zaira Monteiro Gondim atende, em 2012, a 725 alunos\as distribuídos por cor\raça da seguinte forma: 16,8% brancos; 0,8% pretos; 81,6% de pardos, 0,8% amarelos e nenhum indígena. Enquanto a EMEIF Thomaz Pompeu Sobrinho conta com 575 alunos\as, sendo: 18,1% brancos; 2,5% pretos; 78,2% pardos; 0,9% de amarelos e 0,3% indígenas5.

A oficina realizada com os/as estudantes sobre o tema Racismo na Escola, Discriminação Racial na Sociedade, Existência da Lei 10.639/2003 contou com 20 alunos/as do 8° ano. Teve como momento inicial as apresentações dos participantes e a explicação dos propósitos da pesquisa. Em seguida, foram distribuídas tarjetas e canetas para cada um e foi solicitado que escrevessem palavras relacionadas aos/as africanos/as e negros/as para que apresentassem ao grupo. Após a referida dinâmica que deu início a discussão sobre a temática do negro/a no Brasil, foi exibido o filme Vista minha pele6, com posterior debate sobre a visão de cada um. O momento foi finalizado com a elaboração de painéis a partir dos recortes em revistas e jornais, em grupo de cinco alunos/as, por conseguinte, encerrou-se com debates e reflexões sobre as exposições e apresentações das ideias contidas em cada painel.

Durante a dinâmica com as tarjetas, observou-se que os/as estudantes associavam a figura do/a negro/a ao preconceito, à discriminação, à exclusão, à desigualdade, ao sofrimento, à violência, ao escravismo, ao trabalho escravo e à humilhação. A referência se articulava com estereótipos negativos em ser negro/a, sem a autoidentificação por parte da maioria, pois o negro/ era o outro/a.

Os/as alunos/as negros/as identificaram-se com a discussão, porém não se sentiram à vontade para falar sobre as práticas racistas, que afirmaram existir através de termos depreciativos e tratamento hostil de alguns professores, porém optaram por não expressarem o que ocorre em sala de aula e na escola, em geral por temerem complicações posteriores. Contraditoriamente a essa opinião expressa pelos/as estudantes ao questionarmos sobre a existência ou não de preconceito e discriminação na escola, uma funcionária respondeu que:

Não. Eu não tenho essa percepção dentro do contexto que eu lido. Porque aqui na escola, os alunos geralmente são bem parecidos de cor. Então eu não vejo aqui que a cor seja fator diferencial para o bullyng. Nem sei se dentro de um contexto mais amplo aqui do Estado isso existe. (Informação verbal, grifo nosso)7.

Essas impressões levam a crer que a realidade brasileira, no momento atual, reconhece as desigualdades, dado o papel da mídia, a força dos movimentos sociais, do movimento negro e de outras práticas antirracistas. Contudo, incentivar a autoafirmação dos sujeitos e a construção e implementação de medidas de combate ao racismo e fortalecimento ao perfil identitário negro ainda se faz distante.

A investigação revelou uma gama de complexidades para a implementação da lei. Ao adentrar as escolas públicas de ensino, localizadas na circunvizinhança da UECE, foi notável a resistência de parte dos atores da escola. Os argumentos foram diversos, como o medo de serem fiscalizados, o não aprofundamento da temática do ensino das relações étnico-raciais, as dificuldades em termo institucionais, entre outros.

No que se refere ao apoio da Secretaria Municipal de Educação (SME), foi evidenciado durante a investigação uma atuação limitada às ações pontuais, como seminários versando sobre a necessidade de implementação da Lei. Verificou-se por parte das escolas uma compreensão distorcida e naturalizadora das práticas racistas, reafirmando a particularidade local de considerar que, no Ceará, não tem negro/a8. Conforme um relato de uma das professoras entrevistadas que afirmou:

Se você for ver, nós cearenses somos um povo bem miscigenado, vai diminuindo. Tem negro, mas é bem menos e eu fiquei sabendo que a população negra cearense se escondeu, foi se afastando do seu espaço. (Informação verbal)9.

Em contato com os/as professores/as e alguns funcionários, que se auto-denominaram pardos/as, ao serem indagados sobre a existência de racismo no Brasil, verificou-se a unanimidade de considerar

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que existe, pois chamaram atenção para a grande população carcerária ser negra, o percentual de desempregado, a tentativa de mascarar a desigualdade por parte da mídia e a permanência de estereótipos nas telenovelas. O depoimento abaixo exemplifica esse contexto:

Presenciar? Nunca eu vi situações que demonstram discriminação racial, particularmente nunca vi. A gente percebe que a grande população carcerária é negra, existem estatísticas que comprovam que existe um percentual do povo brasileiro que tá desempregado e muitas dessas estatísticas vão indicar um grande número de pessoas, que “é uma mistura de todas as cores”, que sofrem preconceito. (Informação verbal)10.

Outro dado pertinente revelado na pesquisa que está em concomitância com as assertivas presentes nas investigações sobre relações étnico-raciais no Brasil, se refere à constatação de um país racista, todavia um racismo sem agente, não evidenciando o autor da prática discriminatória, como bem corrobora uma das entrevistadas:

Tem sim. Você observa um mendigo na rua e a maioria é negro. Você vê uma pessoa passar na rua, você tem medo quando ela é negra, [...] Sempre, até quando eu fui para Salvador, eu estava contando: as pessoas são bem mais negras do que aqui. Esse aqui andando lá em Fortaleza, todo mundo ficava apavorado, achando que é o ladrão, é o vagabundo. (Informação verbal)11.

No que tange à percepção das práticas racistas no ambiente escolar, os depoimentos evidenciaram a não identificação de posturas racistas; são na maioria minimizadas como brigas de crianças, de meninos e meninas que não contém questões maiores, identificam-se como situação de raiva que não guardam relação com a pertença racial. Outros profissionais apontam para a presença de casos de racismo entre os alunos/as mediante brincadeiras, de apelidos, sob formas mascaradas e sutis.

A pesquisa explicitou que ao tematizar a discriminação racial, os/as entrevistados/as, em sua maioria, associavam as práticas discriminatórias raciais à homofobia, sexismo, machismo, não centrando na particularidade racial de modo a diluir em meio às demais, como afirma o seguinte entrevistado:

Eu acho que não. Tá tudo tão liberado, racial, sexual. Você pode ver ali na Praça da Avenida Dom Luís, onde se concentram os “Emos”, ninguém mexe com eles. Nas avenidas, os travestis, eu

não vejo ninguém mexendo com eles, talvez você possa ver mais em são Paulo e Rio, gente batendo, matando, aqui não. Aqui se tiver é numa porcentagem muito pequena. Eu acho que aqui o pessoal é mais tranquilo quanto a isso. (Informação verbal)12.

Em relação ao conhecimento da lei, foi expressivo o número de profissionais que afirmaram não conhecê-la, outros/as têm apenas uma ideia vaga e bem poucos a conhecem. Os motivos apontados pelos/as interlocutores/as são devidos às parcas atividades de caráter continuado que promovem a implementação da lei. Revelaram ainda o desconhecimento do Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Ético-raciais e para o ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana, além de desconhecerem o material didático que a escola recebe sobre o tema. Vale ressaltar que a implementação da lei nas escolas pesquisadas encontra-se de forma distorcida, não perpassando todo o currículo escolar, centrando-se os conteúdos apenas na disciplina de História. O seguinte depoimento retrata esse panorama:

Eu tenho noção do que seja, sei que é a lei que traz a questão de trabalhar as etnias afrodescendentes na escola. E o que eu entendi é que ela não é uma disciplina, ela é uma temática a ser inserida no currículo escolar, eu entendi dessa forma. [...] É engraçado que a gente tá na coordenação e não pensa muito sobre isso, eu achava que ia ser somente no ensino de história, só que na verdade ela é transdisciplinar. E quando se pensa na inclusão de grupos, nos direitos gerais do cidadão, se percebe que realmente determinada classe, a mais pobre, tem um contingente maior de - eu vou de chamar de negros porque eu sou acostumada a falar [...]. Aliás, é uma cor chique [...], as mulheres adoram ficar bronzeadas [...] Então se a grande maioria é negra, então as políticas estão aí pra isso. É uma coisa política pontual, como a de distribuição de renda. (Informação verbal)13.

Não é mais possível negar os efeitos da discriminação racial na inserção no mercado de trabalho, na participação e representação política, no acesso e permanência do(s) aluno/as nos processos educacionais. Todavia, diante de tais desigualdades que minimizam oportunidades para este segmento social, há uma ausência de vontade política para efetivar as ações valorativas e afirmativas que visem reparação de um passado criminoso e proponham a afirmação de identidades positivas de ser negro/as, tendo como horizonte real o enfrentamento ao

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racismo. Desta forma vale considerar que a pesquisa

empreendida contribui para demonstrar os obstáculos que se colocam para a implementação da legislação mencionada, mesmo nove anos depois da criação da primeira lei (10.639/2003) e que tais dificuldades guardam relação com a estruturação das relações raciais no município fortalezense evidenciando uma negação e/ou adiamento em questionar as posturas pedagógicas, que não respeitam as diferenças resultantes do processo de constituição do Estado cearense.

4 CONCLUSÃO

As desigualdades étnico-raciais têm revelado cenários de violências, traduzidas em sexismo e racismo institucional dentro das escolas. Isso requer a efetivação de políticas públicas específicas, de modo que possam construir novos referenciais para os alunos/as, professores/as e todos que fazem a comunidade escolar.

Convém afirmar a necessidade de uma pedagogia social e cultural, compreendida como uma teoria e prática educacionais que apostem na diversidade étnico-racial presente na nossa sociedade. Concebendo as diferenças como riqueza, numa perspectiva da reciprocidade e não sinônimo de desigualdade, orientadas por uma formação do ser humano nas suas relações sociais. Apostar numa pedagogia inclusiva é fundamental, na medida em que valoriza os saberes das classes populares, de homens e mulheres, dos grupos étnicos historicamente discriminados (negros e indígenas), configurando-se uma educação cidadã, democrática e inter/multicultural.

A pesquisa realizada pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em Afrobrasilidade, Gênero e Família (NUAFRO-UECE) revelou a urgente necessidade de organização para vencermos o desafio da implementação da Lei, o que requer somar esforços e estabelecer articulação entre o Ministério da Educação (MEC), Conselho Nacional, Estadual e Municipal de Educação, Núcleo de Estudos Afro-brasileiro (NEABS), Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN), movimento social negro e outros agentes da luta antirracista.

Diante do exposto, é válido dizer que o combate ao racismo é uma causa que diz respeito a toda humanidade. Cabe uma reflexão e ações rumo à construção de uma sociedade brasileira rica de compartilhamento cultural com valores democráticos, fraternos e solidários.

REFERÊNCIAS

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______. ______. Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 9 jan. 2003.

______. ______. Proposta de Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana – Lei 10.639/2003. Brasília, novembro, 2008.

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Notas

1 Em 2007 a Secretaria de Trabalho e Desenvolvimento Social do Ceará (STDS) ficou com a responsabilidade de elaborar o Plano Estadual de Promoção da Igualdade Racial, contudo não obteve êxito, haja vista ter produzido um documento que não retratava as demandas apresentadas nos espaços de controle social como fóruns e conferências municipais, regionais e estadual de enfrentamento às desigualdades raciais, contrariando as expectativas do movimento social negro do Estado, de modo que não foi lançado o referido plano. No final de 2010, foi criada a Coordenadoria Especial de Políticas Públicas de Igualdade Racial do Gabinete do Governador (SEPPIR-CE), órgão responsável pela

implementação da política de promoção da igualdade racial. Atualmente, o Estado não conta com o Conselho de Promoção da Igualdade Racial e nem de um Plano Estadual de Políticas de Igualdade Racial a ser previsto no Plano Estratégico do Estado. (COORDENADORIA ESPECIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE IGUALDADE RACIAL, 2012). A proposta elaborada pela STDS apresentava inúmeras falhas, dentre elas: ausência de diagnóstico socioeconômico das etnias/raças existentes no Estado, não apresentava diretrizes, objetivos, metas, indicadores, cronograma de ação e dotação orçamentária. Mais informações consultar o texto mimio “Uma análise sobre a Proposta do Plano Estadual de Promoção da Igualdade Racial” apresentado na STDS em 21.11.2007 (MADEIRA, 2007).

2 Quanto às diversas formas de resistência da população negra, consultar Andrews (2007); Pereira e Silva (2009), entre outros.

3 As diferenciações entre ações repressivas, valorativas e afirmativas são bem fundamentadas no documento Desigualdades Raciais no Brasil: um balanço da intervenção governamental, de autoria de Luciana Jaccoud e Nathalie Beghin, publicada pelo IPEA em 2002, disponível em:<http://www.ufgd.edu.br/reitoria/neab/downloads/desigualdades-raciais-no-brasil-um-balanco-da-intervencao-governamental-2013-jacoudd-beghin >. Para as autoras, as políticas repressivas têm por objetivo enfrentar e combater os atos discriminatórios através da legislação criminal. Já as políticas de ações valorativas, estas têm por desígnio combater os estereótipos negativos que foram construídos historicamente, são ações que valorizam a pluralidade étnica, o caráter dessas ações é permanente e não focalizado como outras ações, como podem se caracterizar algumas modalidades e técnicas das ações afirmativas, por objetivar atingir toda a população, identificando e fortalecendo a diversidade ética e cultural. Em relação às ações afirmativas, têm por finalidade enfrentar as discriminações e desigualdades indiretas, as que são veladas, que não aparecem explicitamente, de tal modo que enfrentam os resultados das discriminações.

4 A pesquisa contou com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) através da bolsa de Iniciação Científica PIBIC- AF/CNPq com vigência de um ano a ser renovada por mais um, tendo por período inicial 2011-2012. Vale ressaltar que contamos com pesquisadores/as voluntários/as membros do NUAFRO.

5 As informações relatadas foram fornecidas pela Secretaria Municipal de Educação de Fortaleza, a partir da Coordenação de Informações e Pesquisas, tendo como fonte o Censo Escolar de 2011.

6 Vista minha pele é um documentário de 15 minutos, sob direção de Joel Zito Araújo, divulgado em 2003. O objetivo é discutir sobre racismo e preconceito em sala de aula, o filme traz como recurso de apresentação uma paródia da realidade brasileira. Mais informações consultar: http://www.piratininga.org.br/videos/discriminacao.html

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7 Dados retirados de entrevista realizada com funcionários de escolas municipais de Fortaleza.

8 Proliferou-se no Estado do Ceará o discurso ideológico da invisibilidade da população negra, sobressaindo uma associação perversa de que todo negro/a era escravizado/a, bem como a afirmação de que no Ceará a abolição ocorreu antes dos demais estados brasileiros, em 1885. De modo a esconder e silenciar sobre a negritude. É válido salientar que a presença negra no Ceará se fez e se faz presente no âmbito do trabalho, da cultura e da religião, entre outros (FUNES, 2004; MADEIRA, 2009;).

9 Dados retirados de entrevista realizada com professores de escolas municipais de Fortaleza.

10 Dados retirados de entrevista realizada com orientador pedagógico de escolas municipais de Fortaleza.

11 Dados retirados de entrevista realizada com professores de escolas municipais de Fortaleza.

12 Dados retirados de entrevista realizada com professores de escolas municipais de Fortaleza.

13 Dados retirados de entrevista realizada com funcionários de escolas municipais de Fortaleza.

Maria Zelma de Araújo Madeira Assistente SocialDoutora em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC)Professora adjunta do Mestrado em Serviço Social, Trabalho e Questão Social e da graduação em Serviço Social da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e Coordenadora do Grupo de Pesquisa Relações Étnico-Raciais: Cultura e Sociedade da UECE.E-mail [email protected].

Renata Gomes da Costa Assistente SocialMestranda em Serviço Social, Trabalho e Questão Social pela Universidade Estadual do Ceará (UECE)E-mail [email protected]

Universidade Estadual do Ceará - UECEPalácio da Abolição - Av. Barão de Studart, 505 - Meireles, Fortaleza - CECEP: 60.120-000

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CIÊNCIA SEM FRONTEIRAS E AS FRONTEIRAS DA CIÊNCIA: os arrabaldes da educação superior brasileira

Jorge Luiz dos Santos JuniorUniversidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)

CIÊNCIA SEM FRONTEIRAS E AS FRONTEIRAS DA CIÊNCIA: os arrabaldes da educação superior brasileiraResumo: Este artigo tem como objetivo analisar os meandros que conformam o Programa Ciência sem Fronteiras, destacando o papel das comunidades científicas no direcionamento dessa política educacional. A análise crítica se apoia no diagnóstico de que as políticas públicas nesse campo são marcadamente frágeis, resultado de uma esfera pública de decisão concentrada nas mãos de poucos indivíduos e grupos, o que acaba cerceando a participação de diversos outros atores em todo o ciclo da política. Focaliza a dicotomia das ações governamentais que, por um lado, busca uma ciência de fronteira e, por outro, negligencia o próprio desenvolvimento da universidade e da sociedade brasileira. Por fim, apresenta uma análise epistemológica desse processo.Palavras-chave: Políticas públicas, permeabilidade do Estado, política educacional.

SCIENCE WITHOUT BORDERS AND BOUNDARIES OF SCIENCE: the peripheries of brazilian higher educationAbstract: This paper aims to analyze the intricacies that make up the Brazilian government’s Science without Borders program, highlighting the role of scientific communities in the direction of educational policy. The review is based on the diagnosis that public policies in this field are very fragile, as the result of a public sphere of decision concentrated in the hands of a few individuals and groups, which ends up restricting the participation of several other actors throughout the policy cycle. It presents the dichotomy of Brazilian government actions that on the one hand seeks a frontier science and, on the other hand, hinders the development of the university and the Brazilian society. Finally, it presents an epistemological review of this process.Key words: Public policies, permeability of State, educational policy.

Recebido em: 28.06.2012. Aprovado em: 22.10.2012.

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1 INTRODUÇÃO

O campo das políticas públicas que passa pelas políticas educacionais tem apresentado uma dinâmica sui generis nos anos recentes, sobretudo após a recuperação econômica vivenciada pelo Brasil nas duas últimas décadas, em que pese de forma especial a estabilidade inflacionária auferida nos anos 1990 e os sinais de recrudescimento do desenvolvimento ao longo dos anos 2000.

Esse ambiente abriu espaço para novas ações no âmbito do planejamento estratégico e de longo prazo nas áreas de produção industrial, agricultura, saúde, meio ambiente e, especialmente, educação. Particularmente no âmbito federal, o Ensino Superior Brasileiro, a despeito da paralisia e desmonte observados durante os anos 1990, passou a contar no início do novo milênio com um conjunto de investimentos que apontaram para uma reestruturação e expansão das universidades, incluindo também o ensino tecnológico.

Novas universidades e institutos federais de ensino foram criados, o volume e os valores das bolsas de graduação e pós-graduação foram ampliados, bem como a quantidade de cursos de Mestrado e Doutorado. Além disso, programas de mobilidade acadêmica, nacional e internacional, passaram a fazer parte da realidade das universidades brasileiras, surgindo como destaque nesta conjuntura o Programa “Ciência Sem Fronteiras”, lançado em meados de 2011.

Este artigo tem como objetivo analisar os meandros que conformam o Programa Ciência sem Fronteiras, a fim de destacar deslizes históricos que frequentemente marcam as políticas educacionais brasileiras. A análise crítica se apoia no diagnóstico de que essas políticas públicas são marcadamente frágeis, resultado de uma esfera pública de decisão concentrada nas mãos de poucos atores que carregam consigo o estigma de fiducialidade e a chancela social acerca da validade de suas ideologias e ações, o que acaba cerceando a participação de diversos atores em todo o ciclo da política educacional.

O argumento principal defendido é que essa estrutura concentrada nas mãos de uma comunidade de pesquisa impregnada de preceitos de autonomia e sapiência, associada a uma visão linear de progresso e desenvolvimento por parte do governo brasileiro, resulta em políticas altamente parciais e, portanto, excludentes, gerando e perpetuando uma dicotomia ultrapassada do ponto de vista epistemológico e prático, qual seja: de um lado, uma ciência da tecnologia, do futuro e do progresso (física, química, biologia, etc.), por outro lado, as demais ciências que se fazem periféricas, os arrabaldes, já que “não têm” a incumbência de interferir diretamente no desenvolvimento.

Para avançar nos argumentos, o trabalho

está dividido em quatro partes, para além dessa introdução e das considerações finais. Na seção 2, apresenta-se uma breve descrição de como a Política Educacional para o nível Superior e as Políticas Científicas e Tecnológicas têm, historicamente, seus caminhos intercruzados. Na seção seguinte o Programa Ciência sem Fronteiras é apresentado, sua vinculação com outros programas existentes em décadas passadas é descoberta, bem como o conteúdo ideológico presente em seus objetivos e planos de ação. A seção 4 traz uma análise das fronteiras da ciência no Brasil que conformam a relação centro versus periferia no Ensino Superior Brasileiro e, por fim, a quinta seção trata de algumas reflexões epistemológicas.

2 CIÊNCIA E EDUCAÇÃO NO BRASIL

A pesquisa científica e o ensino superior no Brasil têm suas raízes no final do século XIX e início do século XX, período em que foram criadas importantes instituições de pesquisa (Jardim Botânico, Museu Nacional, Instituto Butantã, etc.) e Faculdades (Escola de Agricultura Luiz de Queiroz, Centro Nacional de Ensino e Pesquisas Agronômicas, Escola Nacional de Química, etc.), que se tornaram a gênese daquilo que mais tarde comporia a força científica e tecnológica do País. Porém, cabe ressaltar que as atividades pioneiras de pesquisa e desenvolvimento (P&D) no Brasil, de maneira geral, espelhavam uma necessidade de prover o país de expertise no campo da saúde pública e prospecção de fontes de matérias vegetais e minerais, não tendo, ao menos inicialmente, aspirações industriais.

Interessante destacar que a maioria das instituições existentes até a década de 1950 possuía intensa ligação com a agricultura, o que pode ser explicado pela estreita vinculação da economia nacional ao setor agrícola, onde as perspectivas de desenvolvimento se consubstanciavam na máxima de um Brasil como “celeiro do mundo”.

A década de 1950 se destaca por ser o período em que se materializaram inúmeras instituições deliberadamente voltadas para o desenvolvimento científico e tecnológico do País, a partir de uma lógica nacionalista que pretendia romper com o subdesenvolvimento. Ou seja, estava materializado naquele momento um ideal desenvolvimentista, que tenderia a se fortalecer com a ampliação da capacidade de planejamento do Estado brasileiro. A partir de então se tornava cada vez mais explícita uma ideologia que dicotomizava o rural e o urbano, sendo o primeiro o sinônimo de atraso e o segundo a consubstanciação do progresso, sobretudo através da industrialização.

Entre os anos 1950 e 1970, gestou-se o Sistema Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (SNDCT) no Brasil, a partir de várias

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ações de planejamento e criação de diversas instituições voltadas para o setor, possuindo forte vinculação com o sistema educacional, sobretudo o de nível superior. Em 1951, foi criado o Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) como órgão responsável pela gestão do financiamento da pesquisa científica e tecnológica no país. No mesmo ano, foi criada a Campanha Nacional de Aperfeiçoamento do Pessoal de Ensino Superior (CAPES)1, responsável pelo planejamento da capacitação dos recursos humanos de nível superior que trabalhavam nas diversas instituições de ensino2.

Os resultados dessas ações durante os anos 1950 foram modestos, tendo em vista a baixa dotação de recursos das instituições criadas. Mas não foram desprezíveis, já que algumas “escolas” qualificaram, ainda nessa década, boa parte de seus quadros, como foi o caso do Instituto Tecnológico da Aeronáutica, exemplo que denota a vinculação dessa estratégia inicial não somente ao desenvolvimento econômico, como também à segurança nacional. (VALLE, 2005; BALBACHEVSKY, 2010).

Nesse primeiro momento o que está em pauta é a criação de capacidade intelectual e expertise capazes de lidar com novas tecnologias, sobretudo bens de capital, que precisavam ser inseridas para ampliar a capacidade produtiva nacional a fim de subsidiar a continuidade do processo de substituição de importações3. Para além disso, o reconhecimento das potencialidades energéticas brasileiras, frente à debilidade nessa área apresentada por alguns países desenvolvidos, despertava o interesse e indicava a necessidade de o Brasil gerenciar com know how adequado essas vantagens comparativas.

Já em meados da década de 1960, as principais ações do governo para área de Ciência e Tecnologia (C&T) estiveram focalizadas no desenvolvimento de recursos humanos que pudessem sustentar o projeto de modernização, promovendo as atividades de pesquisa e desenvolvimento internas, seja no âmbito da universidade, através da multiplicação das pesquisas básicas de cunho acadêmico e experimental, seja nas empresas, aplicando os conhecimentos na geração de novas tecnologias competitivas. Aqui, já há um interesse maior na criação de independência tecnológica que se alinhava ao projeto de take-off4 nacional, o que pode ser exemplificado com a entrada das agências de desenvolvimento econômico no financiamento da C&T, sendo caso emblemático o (então) Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE).

A preocupação em estimular as atividades de P&D no interior da empresa aparece, explicitamente, com a criação do Fundo de Desenvolvimento Técnico-Científico (Funtec) em 1964, administrado pelo BNDE. De acordo com Schwartzman (1979, p. 299), nos seus primeiros dez anos, o FUNTEC disponibilizou cerca de 100 milhões de dólares para a pesquisa e

o treinamento em pós-graduação em engenharia, ciências exatas e outros campos. Schwartzman também salienta que, ainda que o FUNTEC tenha possibilitado a consolidação de pesquisas avançadas em diversas instituições (Universidade de São Paulo, Centro Técnico da Aeronáutica, Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas), uma de suas principais contribuições foi o financiamento de um complexo sistema de cursos de pós-graduação em engenharia junto à UFRJ – o Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia, também conhecido como COOPE.

Conforme aponta Dagnino (1983, p. 54),

O pós-graduado era necessário na medida em que, como professor, iria formar novos profissionais que deveriam incorporar-se a uma indústria em expansão; como pesquisador universitário, poderia vir a desenvolver alguma atividade de pesquisa ou de apoio à indústria; como profissional, assumiria cargos tradicionais de liderança ou impulsionaria, internamente às empresas, as atividades de P&D.

Nesse período, o volume de recursos disponibilizados para pesquisa nas universidades e nos diversos institutos aumentou de forma vultosa. Em 1967, ampliou-se o aparato institucional para servir às atividades de Ciência e Tecnologia (C&T), através da criação da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), instituição que ficaria responsável pela gerência do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT)5

criado em 1969 e com operações a partir de 1971. O FNDCT recebeu aportes de recursos do Ministério do Planejamento e do BNDE, “o que alavancou as pesquisas científicas no país em escala então impensável”. (BALBACHEVSKY, 2010, p. 3). A Finep foi um segundo salto institucional na busca pela promoção das pesquisas no interior das empresas, e a partir de 1972 ela assumiu as funções antes desempenhadas pelo Funtec.

Em termos de marco do planejamento, a política explícita de C&T no Brasil inicia-se em 1968 no Plano Estratégico de Desenvolvimento (PED), que tinha como foco acelerar a entrada de tecnologia importada (transferência de tecnologia) e, através dos incentivos às atividades de P&D, promover expertise nacional para desenvolver tecnologias adequadas às dotações dos fatores de produção nacionais. (CASSIOLATO; AMARAL FILHO; PAULA, 1983, p. 30). Como ofensiva nessa direção, através do Decreto-lei 416/69, o governo brasileiro concedeu benefícios aduaneiros a cientistas e técnicos radicados no exterior que estivessem dispostos a exercer suas profissões no Brasil por um período mínimo de cinco anos.

Tinha-se no Plano o reconhecimento de que o desenvolvimento de tecnologia seria uma

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estratégia necessária e suficiente para a retomada do crescimento econômico6. Esperava-se, com o fortalecimento da C&T, prover a indústria nacional de infraestrutura tecnológica e capacidade para inovar, alcançando-se os padrões adequados de competitividade. Além disso, como destaca Valle (2005), o governo Médici deixava evidente que a política de C&T inclusa no PED poderia contribuir para o ideal de transformar o Brasil não somente numa potência econômica, mas também militar.

Para Schwartzman e outros (1995), destacam-se também nesse importante período: a Reforma Universitária de 1968, que adotou o sistema norte-americano de pós-graduação; a organização das universidades em institutos e departamentos e sistema de créditos; e a vinculação da ciência e tecnologia à área econômica federal, possibilitando um fluxo de recursos para o setor muito maior do que no passado. O investimento em pós-graduação era visto como o principal avanço rumo à consolidação de uma comunidade científica brasileira.

Todas as mudanças consubstanciadas permitiram o surgimento de novas formas de organização da atividade científica em centros que tinham a função de combinar a pesquisa básica e a tecnológica e o ensino de pós-graduação com a prestação de serviços à indústria e ao governo. Isso foi feito através das fundações e institutos de prestação de serviços funcionando no interior da universidade, como, por exemplo, a Coppetec, na Universidade do Rio de Janeiro, a Codetec, na Universidade de Campinas, e a Fundep, da Universidade Federal de Minas Gerais. (SCHWARTZMAN, 1979, p. 297).

Como fortalecimento do planejamento em C&T, a década de 1970 contou, no âmbito do primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND), com a criação dos Planos Básicos de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PBDCT), que tinham como

objetivo traçar os rumos do desenvolvimento científico e tecnológico do País, e cuja coordenação era feita pelo CNPq. No pronunciamento de lançamento do I PBDCT (1973-74) feito pelo Secretário Geral de Planejamento João Paulo dos Reis Velloso, destacaram-se os seguintes objetivos: acompanhar o progresso científico mundial; obter, para os setores prioritários, a tecnologia mais atualizada; e montar internamente uma estrutura capaz de, gradualmente, passar a produzir tecnologia, e não apenas bens e serviços. (SALLES FILHO, 2002, p. 10).

Dando continuidade às políticas explícitas e fortalecendo o planejamento das atividades de pesquisa, o I PND reforçou o estímulo dado à pós-graduação, incentivando a criação de centros regionais com forte presença de mestrados e doutorados. Esses incentivos foram institucionalizados pelo governo Geisel com a criação do I Plano Nacional de Pós-Graduação, com aplicações, no período de 1975/77, de relevantes 3,7 bilhões de cruzeiros (Cr$). Isso mostra que a década de 1970 foi a mais profícua para a consolidação de grupos de pesquisa direcionados para pesquisas de “vanguarda”.

Conforme se vê no Gráfico 1 a seguir, em toda a história da pós-graduação no Brasil, a década de 1970 foi bastante dinâmica no que tange à criação de cursos de Mestrado e Doutorado. (BALBACHEVSK, 2005).

Schwartzman (1979) chama a atenção para uma corrida na forma de concessão de financiamentos quando da entrada das agências de desenvolvimento econômico nos campos da ciência e da formação de pós-graduação. Naquele momento:

As decisões maiores de distribuição de recursos para a pesquisa passaram a ser feitas com a participação predominante de técnicos, economistas

Gráfico 1 - Evolução dos cursos de mestrado e de doutorado criados por período

Fonte: Elaboração própria. Para os dados até 1997 foi utilizado o Relatório de Avaliação da Capes (COORDENAÇÃO DE APERFEIÇOAMENTO DE PES-SOAL DE NÍVEL SUPERIOR, 1999). Para os dados de 1999 a 2009 foi utilizada a base Geocapes. Obs.: Os dados do Geocapes consideram os números dos programas de mestrado e doutorado separadamente. Obs.2: Não foi possível incluir os dados do ano de 1998.

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e administradores das agências financiadoras, dentro de um estilo empresarial muito distinto do período em que eram os próprios cientistas que tomavam as decisões a respeito de sua área [...]. Esta mudança significou, em geral um aumento da eficiência nas decisões, mas também uma redução drástica nos mecanismos de peer review que tendem a ser universalmente utilizados em instituições mais bem sucedidas de política científica. (SCHWARTZMAN, 1979, p. 300-301).

Nas décadas de 1980 e 1990, o que se viu foi um desmonte crescente da força científica e tecnológica consubstanciadas no interior das universidades. Nos anos 1980, a crise da dívida, a inflação inercial e a queda da capacidade de programação dos governos contribuíram para a dissolução. Já nos anos 1990, foi a vinculação do executivo nacional ao projeto de governo presente na “Cartilha de Washington” que colaborou para a derrocada crescente do Ensino Superior Nacional e, por conseguinte, da força científica e tecnológica brasileira.

Em resumo, ao longo da segunda metade do século XX, em relação às políticas de pesquisa e pós-graduação, do ponto de vista dos números da pós-graduação os ganhos foram interessantes. Todavia, no tocante à competitividade, ao desenvolvimento econômico e a melhoria do bem-estar social o que se derivou dessas políticas não pode ser considerado tão alvissareiro.

3 CIÊNCIA SEM FRONTEIRAS: raízes pretéritas de uma “visão de futuro”

O Programa Ciência sem Fronteiras (PCSF) foi

instituído pelo Decreto nº 7.642, de 13 de dezembro de 2011. Conforme o decreto, o programa trata-se de uma busca (talvez incessante) para promover a consolidação, expansão e internacionalização da ciência e tecnologia, da inovação e da competitividade brasileira por meio do intercâmbio e da mobilidade internacional. O decreto também trata da criação de um Comitê de Acompanhamento e Assessoramento do Programa, envolvendo representantes de vários ministérios e de entidades privadas participantes do financiamento do Programa, com ingerência, inclusive, para definir áreas prioritárias e avaliar os resultados.

O principal instrumento desse programa é o estabelecimento de parcerias com Universidades Estrangeiras, a fim de que alunos de cursos tecnológicos, de graduação e pós-graduação possam realizar uma parte (Tecnólogo, Graduação Sanduíche e Doutorado Sanduíche) ou a integralidade (Treinamento, Doutorado Pleno e Pós-Doutorado) de seus estudos em centros de pesquisa que estão na vanguarda do conhecimento científico.

Além de prever a concessão de até 75 mil

bolsas de estudos, fomentando a ida de estudantes para o exterior, o programa contempla também a “importação” de estudiosos estrangeiros que tenham interesse em se estabelecer enquanto pesquisadores no Brasil, de forma fixa ou temporária, através de parcerias com instituições nacionais dentro das áreas prioritárias definidas no Programa. Há ainda um objetivo de promoção da ciência aplicada no interior das empresas nacionais; para tanto, o programa abre espaço para que pesquisadores de empresas recebam treinamento especializado no exterior.

Foram estabelecidas algumas áreas prioritárias, o que denota uma orientação ideológica referente àquilo que o governo brasileiro entende como avanço científico. As grandes áreas selecionadas foram: Engenharias e demais áreas tecnológicas; Ciências Exatas e da Terra; Biologia, Ciências Biomédicas e da Saúde; Computação e Tecnologias da Informação. Os seguintes setores de aplicação também foram priorizados: Biotecnologia, Nanotecnologia e Novos Materiais; Tecnologia Aeroespacial; Fármacos; Produção Agrícola Sustentável; Petróleo, Gás e Carvão Mineral; Energias Renováveis; Tecnologia Mineral; Biotecnologia; Tecnologias de Prevenção e Mitigação de Desastres Naturais; Biodiversidade e Bioprospecção; Ciências do Mar; Indústria Criativa; Novas Tecnologias de Engenharia Construtiva e Formação de Tecnólogos.

Uma simples análise do decreto de criação, dos objetivos do programa e da forma de execução evidencia as semelhanças do Programa Ciência sem Fronteiras com estratégias de internacionalização da pesquisa e promoção da competitividade nacional levadas a cabo durante as décadas de 1960 e 1970 (vide a associação com o Decreto-lei 416/69). Os resultados dessas políticas do passado podem ser verificados em trabalhos como o de Schwartzman (1979) e Santos Júnior (2011), mas já se pode destacar que, ao menos do ponto de vista do progresso nacional stricto sensu, não se encontram evidências que justifiquem uma avaliação positiva e, portanto, merecedora de replicação.

O principal argumento aqui defendido é o de que o PCSF trata-se da reinvenção de uma estratégia pouco exitosa, do ponto de vista do desenvolvimento, nos seus mais de 40 anos de maturação. Parece notório que o Brasil conta atualmente com cientistas de competência inequívoca, em vários campos de pesquisa. Porém, se apresenta também evidente a frágil eficácia da atuação da ciência nacional para a promoção do bem-estar da sociedade, sobretudo no que tange ao saneamento básico, à saúde em geral, ao acesso a bens e serviços (principalmente os que demandam alta tecnologia) mais baratos. Talvez isso se deva, por exemplo, por falhas nos critérios de seleção de áreas prioritárias.

Alguns defensores do projeto poderiam até

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mesmo contrapor essa crítica, argumentando que o objetivo principal daquela estratégia era dotar o país de tecnologia autóctone, capaz de promover a modernização do país, elevando-o ao patamar de desenvolvimento, marcando um primeiro estágio de evolução nacional. Porém, sobretudo do ponto de vista das tecnologias nacionais (e aqui não está em discussão a sua categoria – se sociais ou não) as ações da década de 1970 não surtiram efeito, já que o Brasil continua altamente dependente de tecnologias importadas e com uma pauta de exportação marcada por bens primários.

A fragilidade do PCSF paira na visão unidimensional que credita aos estudos externos a modernização da educação profissional, tecnológica e científica nacional. Nesse ponto, cabe uma reflexão sobre a qualidade da estrutura nacional que receberá de volta esses cientistas, que retornam ávidos pela geração de conhecimento.

Enquanto o programa está orçado em cerca de 3,2 bilhões de reais (a preços de 2011), a universidade e os institutos federais de pesquisa enfrentam crises estruturais exasperadas, padecendo com a falta de insumos, equipamentos e recursos humanos necessários ao bom andamento dos experimentos de pesquisa. Além disso, a expansão do ensino universitário iniciada no ano de 2006 apresentou um amplo descompasso entre a criação de vagas e a capacidade de carga das universidades para absorver o contingente de alunos de graduação e pós-graduação. Trata-se de um programa de expansão descontínuo e vertical, que tende a piorar os indicadores de qualidade do ensino superior brasileiro.

Ainda como exemplo do desajuste estrutural do PCSF, enquanto setenta mil alunos são eleitos para compor uma força tarefa que terá a incumbência de promover o desenvolvimento nacional, mais de um milhão e meio de novos alunos entram nas universidades brasileiras a cada ano com déficits cada vez mais profundos no que tange à leitura, escrita, conhecimentos gerais, conhecimentos em matemática, história e geografia, entre outros7, além das consideráveis dificuldades de manutenção social no ambiente universitário que, a despeito de ser gratuito, torna-se custoso devido às bibliotecas com números insuficientes de títulos, transporte urbano e estadas não garantidas, alimentação pouco subsidiada, etc. Isso tem feito com que, não obstante a curva crescente de ingressantes, o número relativo de concluintes apresente sinais de queda ao longo dos anos. (SILVA FILHO et al, 2007).

Como última observação, cabe destacar que o Brasil pode estar promovendo um amplo processo de transferência unilateral para o exterior de boa parte de sua mais alta capacidade científica nacional, visto que muitos desses estudantes/pesquisadores acabam não regressando ao país, pois encontram nos centros de excelência condições

mais adequadas de desenvolvimento enquanto investigadores, nos seus mais diversos campos de atuação. A esperada importação de conhecimento pode tornar-se exportação gratuita do conhecimento científico nacional.

4 AS FRONTEIRAS DA CIÊNCIA NO BRASIL

Uma carta remetida e assinada por diversas associações de pesquisa no campo da educação, em novembro de 2011, cumprimentou e parabenizou os responsáveis pelo PCSF, porém questionou a ausência de oportunidades para estudantes do campo da educação e a exclusão de Universidades Latino- Americanas da lista de excelência. Tal carta torna-se emblemática à medida que expõe a principal fragilidade do programa, qual seja, a ideologia de que o progresso da nação e o desenvolvimento econômico e social são fruto, exclusivamente, de avanços científicos e tecnológicos em áreas “Prioritárias” e previamente selecionadas por alguns poucos atores. A questão que aqui se coloca refere-se não somente aos critérios de seleção das áreas prioritárias, mas, principalmente, àquilo que os formuladores das políticas públicas entendem por ciência.

Parece claro que as políticas educacionais voltadas para a reprodução de um aparato intelectual nacional que dê conta do avanço científico e tecnológico trazem consigo uma compreensão inacabada (e talvez parcial) sobre Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento. Nesse argumento, não se está negligenciando os avanços institucionais no tocante ao desenvolvimento daquilo que se chama de Sistema Nacional de Desenvolvimento, Científico, Tecnológico e Inovação (SNDCT&I). Porém, o que chama a atenção é exatamente a fragilidade da concepção de progresso científico e daquilo que poderia caracterizar o desenvolvimento social.

O reconhecimento da complexidade dos grupos que conformam as políticas educacionais e de ciência e tecnologia e a negligência em relação aos resultados sociais mais efetivos podem ser interpretados à luz dos “Estudos sobre Ciência, Tecnologia e Sociedade” (ECTS), levados a cabo em várias partes do mundo, sobretudo na Europa e de forma especial na América Latina. Esses estudos enfatizam a necessidade de uma maior participação pública nas decisões acerca dos rumos das políticas públicas. O papel dos ECTS é promover uma aproximação das agendas de pesquisa com as necessidades e demandas sociais.

A adoção acrítica de um modelo linear de inovação e desenvolvimento8, esperando-se que os investimentos em tecnologia e inovação sejam suficientes para romper com a condição periférica, reflete a falta de cooperação entre as diversas áreas do conhecimento que poderiam participar equanimente nas discussões em tela. Nas palavras

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de Herrera (1983, p. 14)

[...] o planejamento da ciência seguiu, de maneira geral, as diretrizes oriundas dos países centrais, que têm características muito diferentes.

Então, a questão que se coloca é: até que ponto os retornos e benefícios do tipo de política aqui tratado (se é que existem) se convertem em melhoria das condições de vida em sociedade? Não se trata de uma melhoria simples da disposição e da oferta de bens materiais, já que nisso a estratégia brasileira foi bastante exitosa. A questão aqui colocada aponta para benefícios no que concerne a uma visão ampliada de bem-estar, que, para além dos avanços no nível de renda per capita, incorpora maior acesso à saúde, condições adequadas de trabalho, acesso a bens culturais e de lazer e redução dos riscos de se viver numa sociedade moderna. Portanto, trata-se de uma visão alternativa de desenvolvimento, que refuta o pragmatismo da visão “crescimento igual (=) a desenvolvimento”.

Dagnino (2009; 2010) mostrou que no Brasil houve uma conjunção de elementos relativos aos processos de desenvolvimento científico-tecnológico e produtivo, por um lado, e aspectos ideológicos relacionados às alianças políticas que se estabeleceram entre comunidade de pesquisa e as elites burocráticas e econômicas, por outro. Dias (2010) destacou que a evolução do aparato institucional para o desenvolvimento científico e tecnológico é fruto não só de uma ideologia desenvolvimentista por parte do Estado. É também resultado de pressões explícitas da comunidade de pesquisa que naquele momento gozava de prestígio junto à sociedade e aos órgãos do governo. Para ele

[...] implicitamente, a pressão da comunidade de pesquisa não era apenas pela criação de instituições que pudessem dar suporte às suas atividades, mas pela construção de espaços que garantissem poder político a esse ator. (DIAS, 2010, p. 78).

Ainda de acordo com Dias (2010), no caso brasileiro a comunidade de pesquisa (os cientistas) representa o ator dominante no processo decisório que encerra a construção da agenda da política, tornando-a impregnada de interesses exclusivos dessa comunidade. É aí que se confrontam diversos interesses (comunidade científica, tecnocracia, comunidade política, movimentos sociais, setor privado) que acabam formatando o aspecto final da policy.

Para tentar explicar essa conjunção de interesses diversos, Dagnino (2007) apresenta o conceito de Complexo Público de Ensino Superior e de Pesquisa (CPESP), que se caracteriza como um locus de interação entre os profissionais

responsáveis pelas atividades de C&T no Brasil, o que implica na existência de diversas relações entre atores no interior das universidades, instituições de pesquisa e de fomento e planejamento.

Dagnino (2007, p. 26-27) trabalha com a tese de que, no Brasil, e em geral na América Latina, os professores-pesquisadores com desempenho profissional no âmbito do CPESP possuem um papel dominante na elaboração das políticas científicas, tecnológicas e de ensino superior. Isso se tornaria problemático na medida em que a visão dessa comunidade acerca de desenvolvimento está impregnada de imperativos de eficiência, competitividade, neutralidade científica. Essa ideologia, caracterizada como ethos acadêmico/científico (MERTON, 1974) que estabelece as normas de comportamento profissional, negligencia a participação de atores externos à comunidade.

É como se imperasse a lógica de um colégio invisível9. É nesse “colégio” que se reproduz a comunidade de pesquisa, através das atividades de orientação de ensino e iniciação de novos pesquisadores nos laboratórios universitários. No colégio invisível ocorre um processo de socialização que se converte em manutenção do poder político. Além disso, conforme Dagnino (2007), no Brasil existe a prática de pesquisadores renomados da comunidade de pesquisa assumir cargos de confiança e comando nas instituições responsáveis pela formulação das políticas públicas, inclusive para o ensino superior. Segundo o autor, isso se daria pelas dificuldades inerentes à formação de uma burocracia autônoma nos países periféricos. Assim, a partir dessa lógica, há um fortalecimento do poder da comunidade de pesquisa na formulação das políticas.

Cabe esclarecer que é despropositado questionar a presença dos especialistas na elaboração e execução das políticas, principalmente no Brasil, cuja tecnocracia não se conforma enquanto um corpo coeso capaz de coordenar de forma eficaz a elaboração e o desenvolvimento das políticas públicas. Está claro que são esses especialistas a “força tarefa” que mantém possível o andamento da máquina pública, principalmente em áreas onde se requer alto nível de conhecimento (por exemplo, educação, tecnologia e saúde). Mas a questão em voga diz respeito exatamente à ineficácia de algumas atuações, à medida que interesses confraternos se sobrepõem aos objetivos da política pública.

Faz-se necessário pautar que as políticas educacionais no governo federal acontecem com a inclusão plena da comunidade de pesquisa na arena decisória. A força da comunidade de pesquisa não pode ser entendida apenas por sua intencionalidade para participar da produção da política. O modelo cognitivo que orienta a Política Educacional de Ensino Superior atribui a essa comunidade inquestionável competência para opinar na policy, associada a

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um, também inquestionável, distanciamento da política nas políticas (ROMANO, 2009), ou seja, dos conflitos e interações entre os atores, dos esquemas de cooperação que determinam o mapa da política, a politics.

Ao considerar o cientista como um ente neutro, responsável apenas por propor os rumos e levar a cabo as investigações sobre os temas selecionados pela política pública, negligencia-se a participação da comunidade de pesquisa no jogo estabelecido entre os atores sociais que constroem a agenda da política. Ao contrário do que muitas vezes se pensa, a comunidade de pesquisa é composta por atores sociais com crenças e ideologias acerca do que é desenvolvimento, com mapas cognitivos que não são alheios ao funcionamento do mundo e que, portanto, também participam ativamente nos dois lados da política (Policy e Politics).

5 CAMPO CIENTÍFICO E POLÍTICAS PÚBLICAS:

uma contribuição epistemológica

A comunidade de pesquisa (e também o cientista isolado) é um ator político que participa efetivamente das arenas decisórias, inclusive disputando espaços com outros atores sociais, tal qual a sociedade civil. Uma interpretação desse processo torna-se mais inteligível quando se recorre aos escritos de Pierre Bourdieu sobre a conformação do campo científico. Para Bourdieu (1976), todas as ações e estratégias envolvidas na atividade científica (escolha do campo de pesquisa, métodos empregados, local de publicação, etc.) se ligam a uma estratégia política de obtenção do reconhecimento pelos pares-concorrentes; é a busca pela maximização do capital científico.

Bourdieu (2004a) argumenta que o campo científico é um mundo social. Assim, é necessário escapar de noções como “ciência pura”, livre de qualquer necessidade social, ou “ciência escrava”, sujeita a todas as demandas político-econômicas.

O campo científico é um mundo social e, como tal, faz imposições, solicitações, etc., que são, no entanto, relativamente independentes das pressões do mundo social global que o envolve”. (BORDIEU, 2004a, p. 21).

Ainda conforme Bourdieu (2004a, p. 31), “os eruditos são interessados, têm vontade de chegar primeiro, de serem os melhores, de brilhar”.

O que o sociólogo francês ensina é que a lógica do campo existe independentemente do mundo que o cerca. É um microcosmo dotado de leis próprias que estará mais ou menos sujeito às pressões externas (macrocosmo), tendo em vista o grau de autonomia que ele dispõe. A autonomia se expressa nos mecanismos acionados pelo campo para se libertar das imposições do mundo

exterior, funcionando de acordo com suas próprias determinações, leis, valores, ideias e ideologias internas.

Porém, a politização social, influência crítica do macrocosmo no microcosmo, tende a enfraquecer o campo. Bourdieu afirma que é a estrutura das relações objetivas entre os agentes no interior do campo que determina o que eles podem ou não fazer. É a distribuição do capital científico entre os agentes que determina a força relativa de cada ator, que age conforme as pressões impostas por sua participação na estrutura do campo. (BOURDIEU, 2004b).

Aqui o conceito de capital científico fornece elementos para se entender o tipo peculiar de atuação da comunidade científica, ou de uma comunidade de pesquisa em particular, no âmbito das políticas públicas. Conforme Bourdieu (2004a, p. 26),

O capital científico é uma espécie particular de capital simbólico [...] que consiste no reconhecimento (ou no crédito) atribuído pelo conjunto de pares concorrentes no interior do campo científico.

No caso brasileiro, esse reconhecimento pode vir, por exemplo, com o recebimento da Medalha Nacional do Mérito Científico (Grã Cruz ou Comendador), mas em geral se expressa na entrada dos pesquisadores nos espaços de publicação com maior fator de impacto e na distinção nos índices de citação10. Esse reconhecimento pode criar um ciclo virtuoso de retroalimentação positiva ao garantir aos estudos do campo, espaço nas agendas de financiamento público, fortalecendo as pesquisas, consolidando o campo, etc.

Assim, mais do que permear a estrutura estatal, como ocorre em relações típicas da estrutura de redes de relações nas quais estão imersos diversos atores sociais que participam do ciclo da política, a comunidade de pesquisa possui o aval para direcioná-lo, contando com uma vantagem estrutural consubstanciada em sua roupagem de “deus ex machina”, alheio às políticas e conflitos de interesses, com intelecto inquestionável e cuja ação só pode promover o desenvolvimento.

Mas, supor que a comunidade de pesquisa é a única a determinar os rumos da política é minimizar os outros interesses por trás da Policy (partidários, por exemplo). Não obstante a penetração crítica das comunidades de pesquisa e seus jogos de interesses e ideologias na elaboração das ações, uma explicação para a configuração de toda a política não pode prescindir dos elementos externos que conformam o macrocampo das políticas públicas de governo.

A comunidade de pesquisa está preocupada com o avanço do saber e da ciência (mesmo que

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R. Pol. Públ., São Luís, v.16, n.2, p. 341-351, jul./dez. 2012

de forma parcial), mas aos executivos do governo interessa as tecnologias que daí advém. Cabe ressaltar que, no Brasil, ciência e política sempre andaram juntas, já que se trata da conjunção de uma mesma “intelectualidade brasileira”. Assim, a construção de esferas públicas de debate e fóruns participativos com paridade adequada entre ciência e sociedade parece depender muito mais dos arranjos sociais, das redes de atores preocupados efetivamente com questões do desenvolvimento social, do que da abertura voluntária por parte da burocracia, da tecnocracia e da comunidade de pesquisa.

As políticas públicas de ensino superior, ciência e tecnologia podem ir além do foco exclusivo na promoção da competitividade. Com o foco recaindo sobre o desenvolvimento social, os resultados se tornam mais profícuos. Como exemplo, tem-se os resultados alcançados com os investimentos na área de saúde. As vacinas, os diagnósticos e tratamentos disponibilizados, com toda a sua eficácia, além de aumentarem o bem-estar da população, têm como consequência a redução inequívoca dos gastos públicos em remediação. Mas, mesmo nesses casos, os resultados, a despeito da eficácia, ainda são parcos diante de tanta vulnerabilidade da população brasileira às doenças negligenciadas11.

Por fim, tendo em vista a estrutura ideológica e executiva dentro da qual o PCSF foi consubstanciado e gestado, fortalece-se mais a criação de fronteiras na ciência brasileira e menos uma ciência de fronteira. No centro estão áreas priorizadas e eleitas como redentoras dos infortúnios do atraso tecnológico, nos arrabaldes estão as outras ciências e os segregados, convidados a servir apenas como expectadores de um processo que há décadas se reproduz no Brasil.

6 CONCLUSÃO

Ao longo desse trabalho buscou-se mostrar as principais vicissitudes do PCSF. Viu-se que, apesar de se apresentar como política revolucionária, trata-se apenas da evolução (ou melhor, reedição) de ações experimentadas há mais de 40 anos. O programa também traz consigo uma série de contrastes: segregação de áreas, alto custo relativo e social, incompatibilidade com a estrutura de ensino e pesquisa nacional, falta de garantia dos resultados tendo em vista a possibilidade de fixação dos estudantes e pesquisadores no exterior.

Argumentou-se que a raiz de todas essas vicissitudes está na permeabilidade do Estado brasileiro por grupos e campos científicos selecionados, que trazem consigo ideologias e visões unidimensionais do desenvolvimento. Ao permear o Estado, essas comunidades de pesquisa reduzem o espaço para a formulação de políticas públicas mais democráticas, que incluam a sociedade civil e

os diversos campos da ciência e que se utilize de habilidades da tecnocracia nacional.

Considerando a educação como um processo social, capaz de promover um ambiente sistêmico de desenvolvimento, está claro que no ensino superior faz-se necessária a ampliação dos programas de permanência, no ensino fundamental e médio, a valorização dos docentes e técnicos, o fortalecimento da infraestrutura de educação e pesquisa nacional e mecanismos eficazes de popularização e democratização da ciência.

No entanto, popularizar e democratizar não significa reproduzir o velho estigma do cientista de “jaleco branco”, imerso em tubos de ensaios, fornecendo fórmulas mágicas. Ao contrário, deve-se desmistificar a atividade científica enquanto domínio de alguns poucos e distante do mundo dos comuns. Aqui, as propostas de uma educação inclusiva e reflexiva em moldes democráticos de comunicação pública da ciência com inclusão social aparecem como opção estratégica para romper com a anomia da sociedade civil e com a parcialidade do ambiente público. O imaginário social é fundamental para promover uma análise criativa das potencialidades da ciência nacional, em toda sua amplitude.

A ciência é um corpo de conhecimento parcial e falho, construído em torno de paradigmas psicológicos e instrumentais que servem a ímpetos de curiosidade e, muitas vezes, de vaidades compartilhadas em rede, por alguns grupos/indivíduos e/ou comunidades. Por isso, a ciência do futuro precisa ser pensada através do passado, aprendendo com as vicissitudes e ampliando as redes de participação pública, fugindo do transcendentalismo e da imaterialidade que o futuro enseja.

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351CIÊNCIA SEM FRONTEIRAS E AS FRONTEIRAS DA CIÊNCIA: os arrabaldes da educação superior brasileira

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Notas

1 A Capes foi criada pelo decreto nº 29.741 de 1951. Inicialmente tratava-se de uma Campanha para promover a capacitação de pessoal nacional, a fim de atender o processo de desenvolvimento, tanto nas instituições públicas quanto privadas. Mais tarde ela se torna um órgão autônomo dentro do então Ministério da Educação e Cultura, derivando daí sua atual denominação “Coordenação”.

2 É preciso reconhecer que, ainda nos anos 1950, o desenvolvimento de instituições do aparato científico e tecnológico no Brasil esteve diretamente ligado a uma estratégia de fortalecimento das pesquisas na área de energia nuclear, como foi o caso da criação do CNPq. Porém, não se pode negligenciar a relevância desse primeiro passo para a ampliação de uma estratégia tecnológica mais consistente para o País.

3 Para um detalhamento sobre o processo de substituição de importações ver Tavares (1972).

4 Conforme termo utilizado por Rostow (1978), cuja tradução é “Decolagem”, denotando uma visão ideologizada de progresso continuado das nações a partir dos investimentos industriais.

5 Para um detalhamento sobre o papel do FNDCT na política de C&T brasileira, ver Guimarães (1996).

6 Cassiolato entre outros (1983) destaca que a C&T aparece como fator estratégico desde o PED (1968-70), passando pelo documento “Metas e Bases para Ação do Governo” (1970-73) e I PND (1972-74).

7 Para uma reflexão acerca das dificuldades enfrentadas por alunos ingressantes nas universidades brasileiras ver Belletati (2011).

8 Nessa perspectiva, supõe-se a seguinte sequência de eventos: desenvolvimento de pesquisa básica, passando à pesquisa aplicada, desenvolvimento experimental, aplicação comercial, adaptação e melhorias tecnológicas. (CASSIOLATO et al., 1983; VALLE, 2005).

9 Colégio invisível, trata-se de uma comunidade informal de cientistas que trabalham em um mesmo tema e que intercambiam informação. (CRANE, 1972; ZUCCALA, 2006).

10 Como destacam Pinto e Andrade (1999), no Brasil muitas decisões acerca de alocação de recursos nos projetos de pesquisa levam em consideração, oficialmente e oficiosamente, os dados fornecidos pelas empresas que classificam as revistas e, portanto, os pesquisadores que nelas publicam.

11 As doenças negligenciadas são aquelas que estão diretamente associadas à situação de pobreza e a precárias condições de vida. Esse tipo de doença desperta pouco interesse na indústria farmacêutica (exceto quando há riscos de epidemia), já que a perspectiva de lucro é baixa e localizada. (PONTES, 2009).

Jorge Luiz dos Santos JuniorEconomistaDoutor em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de JaneiroProfessor Adjunto do Departamento de História e Economia do Instituto Multidisciplinar da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)E-mail: [email protected]

Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJBR 465, Km 7, Seropédica – Rio de JaneiroCEP: 23.890-000

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DESENVOLVIMENTO REGIONAL E TRANSIÇÃO SOCIAL: políticas de incentivo à leitura no espaço rural maranhense

Carlos Wellington Soares MartinsUniversidade Federal do Maranhão (UFMA)

DESENVOLVIMENTO REGIONAL E TRANSIÇÃO SOCIAL: políticas de incentivo à leitura no espaço rural maranhenseResumo: O artigo objetiva delimitar, à luz da literatura, sobre desenvolvimento regional, um quadro da situação politica, social e cultural do Estado do Maranhão e suas contradições no que diz respeito a políticas sociais no meio rural, mais especificamente nas referentes a letramento e acesso a bens culturais. Realiza uma breve análise das políticas públicas de incentivo à leitura, especialmente do “Programa de Bibliotecas Rurais Arca das Letras” que tem como público-alvo as comunidades rurais do Estado do Maranhão. Questiona as implicações no redimensionamento das práticas sociais decorrentes da implantação do programa. Constata que a democratização do acesso à informação se configura como um importante fator para que o indivíduo se sinta parte da construção de uma sociedade através das relações sociais.Palavras-chave: Desenvolvimento regional, bibliotecas rurais, politicas públicas, leitura.

REGIONAL DEVELOPMENT AND SOCIAL TRANSITION: politics of incentive to the reading in the maranhense agricultural spaceAbstract: This work aims to outline, in lights of literature on regional development, a picture of the political, social and cultural situation of Maranhão state and its contradictions concerning Social policies in the rural area, specifically those referring to literacy and access to cultural possessions. It briefly carries out an analysis of the public policies of incentive to reading, the “Programa de Bibliotecas Rurais Arca das Letras”, that has the rural communities of Maranhão as a public target, and its implications in the resizing of the social practices resulting from the program introduction. It finds evidences that the democratization of the access to information is an important factor so that the individual feels taking part of Society through Social relations.Key words: Regional development, agricultural libraries, public policies, reading.

Recebido em: 17.02.2012. Aprovado em: 22.10.2012.

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1 INTRODUÇÃO

As contradições no campo social, político, econômico e cultural são vivenciadas diariamente num país com dimensões continentais como o Brasil, demonstrando fragilidade quanto aos direitos sociais e a participação efetiva da sociedade civil nas políticas que são articuladas, tendo o desenvolvimento como principal objetivo.

No entanto, percebe-se que o discurso defendido pelos dirigentes contrasta diretamente com a realidade, quando na verdade, por trás de uma preleção de desenvolvimento, escondem-se intenções reais, como: a extinção de fronteiras econômicas através da criação de amplos mercados, aumentando a exclusão social e reforçando, dessa forma, a desigualdade social entre os indivíduos, como também comprometendo a identidade cultural.

Hoje, o grande insumo que move o mundo é a informação, considerada fator estratégico e determinante para o desenvolvimento de uma nação. Portanto, quem não pode ter acesso a ela, distancia-se cada vez mais do mercado de trabalho e das discussões políticas, ficando à margem das relações sociais. As comunidades periféricas, que se encontram longe dos centros urbanos apresentam dificuldades oriundas dessa necessidade informacional. Nelas, a cidadania não é posta em prática pelo fato de o próprio individuo desconhecer ou mesmo não se reconhecer como membro de uma sociedade que o subjuga e relega a ele papéis secundários nas relações sociais, sempre de forma marginalizada.

Tratando-se de um país com dimensões continentais, que apresenta uma diversidade cultural em ampla escala, o Brasil configura-se ainda como uma nação de níveis de desenvolvimento discrepantes em relação aos estados que compõem a Federação, fato evidenciado pelos indicadores aferidos que atestam as divergências, quando levantados os Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) da Região Nordeste em comparação com outras regiões.

Trazendo a discussão para o Estado do Maranhão, o cenário é ainda mais desolador, pois esse Estado sempre figura como um dos piores em IDH, analfabetismo, falta de saneamento básico, reforçando a contradição de um Estado com tanto potencial continuar numa situação degradante quanto a questões básicas da sobrevivência humana. Como pensar, então, num modelo de desenvolvimento para esse Estado, que lhe permita uma transição social e minimize a segregação social?

A questão é ainda mais alarmante quando se faz uma análise entre o espaço rural e o urbano, revelando uma situação ainda pior em relação aos direitos humanos, onde o homem do campo vive numa situação de extremo abandono, posto que as

políticas sociais ou inexistem ou são ineficientes. No cenário cultural, as políticas públicas

foram utilizadas como instrumento de gestão há menos tempo, a exemplo das políticas públicas de incentivo à leitura e democratização do acesso à informação, que apenas recentemente tem gerado estudos. Este artigo faz uma abordagem da necessidade de políticas de incentivo à leitura no meio rural, mais especificamente no espaço rural maranhense, analisando o Programa de Implantação de Bibliotecas Rurais “Arca das Letras” no Estado do Maranhão e sua relação com o desenvolvimento regional.

2 POLITICAS DE LEITURA E DESENVOLVIMENTO REGIONAL

A questão do desenvolvimento regional é tema recorrente nas discussões acadêmicas e na pauta de atuação do Governo. O favorecimento de uma expansão econômica é decorrente de diversos fatores que coexistem e necessitam de uma atuação conjunta. Todavia, a própria especificação do que seja região e território encontra-se em amplo debate, gerando concepções distintas no campo da teoria e de sua atuação.

No entanto, essas disparidades regionais agravam-se juntamente com um crescimento desigual, reforça Souza (2009), e isso independe do local; então, a definição precisa de cada região configura-se como sendo um dos menores problemas. A ênfase, segundo o autor, deve ser direcionada para os mecanismos que causam e aceleram as disparidades espaciais para uma análise regional contundente.

Sen (2000, p.18) vislumbra um desenvolvimento para a liberdade, porém para que tal fato ocorra faz-se necessário que se:

[...] removam as principais fontes de privação de liberdade: pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância e interferência excessiva de estados repressivos.

A implantação de políticas no meio rural são ainda mais polêmicas devido a conflitos de interesses e esquemas de ação mal elaborados, onde tais iniciativas acabam por estar deslocadas para o lugar comum do voluntarismo, negligenciando as questões estruturais do país e as marcantes especificidades de suas regiões (BRANDÃO, 2007) originando a necessidade de avaliação para apontar possíveis melhorias durante o processo e que as reais metas sejam alcançadas.

O Ministério da Cultura e da Educação, durante o Governo Lula, elaborou o Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL), como política de incentivo à leitura,

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cuja missão era zerar o número de municípios sem bibliotecas e otimizar as que funcionavam de forma precária.

Dentre os objetivos do PNLL, destaca-se: permitir o acesso e democratização da informação para os não-leitores e para aqueles que estão excluídos da possibilidade do acesso ao livro, independente de barreiras geográficas. (BRASIL, 2007). Partindo desse objetivo, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) elaborou um Programa de Criação de Bibliotecas Rurais conhecido como “Arca das Letras” que visa a democratização e facilitação ao acesso à leitura por parte das comunidades rurais, com a entrega de arcas com acervo variado e escolha de agentes de leitura para atuarem como mediadores na socialização desse acervo.

O Programa de Bibliotecas Rurais “Arca das Letras” é uma

[...] política afirmativa e inclusiva materializada pela metodologia de implantação de bibliotecas rurais e veiculadas por meio de uma rede de parcerias, que vem promovendo a leitura como pressuposto para o desenvolvimento das atividades de educação e formação dos moradores do campo (SOARES; CARNEIRO, 2010, p.23).

Contabiliza-se mais de 7.049 arcas e a formação de 15 mil agentes de leitura, além da circulação de mais de 2 milhões de livros nas casas de 800 mil famílias de comunidades rurais. O MDA reforça a necessidade da participação das comunidades nas etapas de planejamento, desenvolvimento e gestão das Arcas das Letras. (SOUSA; CARNEIRO, 2010).

A implantação de um programa como o “Arca das Letras”, que tem o objetivo de facilitar o acesso ao livro e incentivar a leitura no meio rural brasileiro através da instalação de bibliotecas e da formação de agentes de leitura, carece de um olhar sociológico que investigue a real intervenção que tal programa efetivará nas comunidades rurais que serão atendidas. A análise do programa é, assim, relevante, considerando a dimensão do projeto em nível nacional, a grande quantidade de Arca das Letras implantadas e o número de famílias de comunidades rurais que são contempladas com o programa.

A política é estruturada numa tentativa de construção de um espaço familiar de vida e trabalho, como território de memória social para futuras gerações compreenderem os processos sociais das lutas dos trabalhadores rurais, em decorrência da extrema mobilidade do agricultor submetido a constantes deslocamentos espaciais e de segregação social. (MIRANDA, 2010).

Os espaços de leitura evidenciados pelo

Programa de Bibliotecas Rurais Arca das Letras devem ser compreendidos como um

[...] território de memória, informação e conhecimento, por não ser um espaço estático onde as suas atividades se limitam exclusivamente ao atendimento ao alunado do ensino fundamental e médio. Para essa concepção de biblioteca, ela só existe se realmente for um espaço aberto a participação democrática de todos (incluindo a do alunado), porque, apesar de o livro e a leitura serem seus principais suportes físicos e intelectuais, são incorporadas também outras atividades socioculturais, religiosas, políticas, desportivas e/ou recreativas das comunidades usuárias. (PRADO, 2009, p.377).

Uma biblioteca democrática teria que ter como característica a sintonia com as necessidades e interesses de seus usuários com o intuito de proporcionar todo tipo de informação nos níveis de sua utilidade efetiva, lançando mão de todos os recursos disseminadores de informação, utilizando de serviços cooperativos (FEITOSA, 1998).

Através de uma ação cultural dialógica e libertadora é que o usuário pode interagir com a atividade, refletindo sobre o tema apresentado. A partir da discussão é que o individuo toma conhecimento da realidade e uma análise crítica do letramento, da alfabetização, que envolve uma compreensão crítica da leitura e, por conseguinte, uma compreensão crítica da biblioteca. (FREIRE, 1989). A ação cultural, nesse contexto, deve levar o tema à exaustão, para que os sujeitos sociais envolvidos possam, a partir daí, dialogar e poder tirar suas próprias conclusões.

Essa ação dialógica encontra, na proposta de Freire (1982), ressonância, com o intuito de fazer dos indivíduos membros partícipes de sua realidade, não podendo esse processo ser imposto pela cultura das classes opressoras. A conscientização alcança o seu mais alto nível quando se dá a prática da transformação libertadora, havendo a comunhão com as classes populares. (FREIRE, 1982).

Santos (2007) enfatiza a importância que as relações sociais operam na configuração do espaço e analisa a discrepância existente entre o espaço urbano e o rural, bem como o impacto decorrente de políticas sociais, econômicas e de inovações tecnológicas; comunga com o pensamento de Massey (2008), autora que critica duramente a teoria temporal e atesta ser, espaço e tempo categorias distintas, porém indissociáveis. Assim, ela reforça a necessidade das discussões acerca do espaço e revela o quanto o mesmo incorre na compreensão acerca da região, do território, dos movimentos sociais e dos impactos sofridos por essas estruturas através das inovações tecnológicas e das condições

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econômicas e políticas.Harvey (2004) aborda a globalização

como um mal disfarçado em discursos de desenvolvimento, com benefícios para poucos, em detrimento da grande maioria, assassinando esperanças e subjugando humanidades; essa inserção na globalização, para o desenvolvimento, foi amparada em um “[...] discurso que privilegiava a esfera econômica e que teve como vítima o social.” (SOUZA; FURTADO, 2004, p.35), discutindo, dessa forma, uma concepção de atuação dos movimentos sociais na redefinição de políticas e de cenários, trazendo também a discussão acerca das escalas espaciais e sua dinâmica através de diversos fatores correlacionados e contundentes sobre a definição de região, territorialidade e movimentos sociais numa estrutura socioespacial.

Industrialização, desestatização e internacionalização são consideradas como fatores favoráveis ao desenvolvimento, podendo vir a beneficiar de alguma forma o crescimento econômico, porém o que se vislumbra é a ineficácia por parte dessas ações que alteraram cenários de forma drástica e negativa, no que tange às relações de trabalho e as formas de sociabilidade. (POCHMANN, 2001). Nem discursos acerca das benesses oriundas de inovações tecnológicas e da globalização foram suficientes para a melhoria nas condições de vida, pois se evidenciam como excludentes e benefícios para poucos, aumentando ainda mais a distância existente entre regiões e gerando conflitos.

3 SEGREGAÇÃO SOCIAL E O RURAL BRASILEIRO

Questões como infraestrutura, tecnologia, educação e saúde básica sempre são apontadas como lacunas no cotidiano da vida dos brasileiros, e a inexistência ou ineficácia de políticas públicas atestam o descaso para com o cidadão. A questão do espaço e da territorialidade brasileira são desconsiderados na pauta das discussões políticas brasileiras e nas formulações de políticas públicas, relegando a relevância que o tema tem na formação sócio-espacial, como produto de relações sociais no país. (SOUZA, 1996).

Mesmo com o intenso crescimento da pobreza em áreas urbanas, a questão social na dimensão rural agrava-se de forma mais expressiva. Segundo Veiga (2010), 80% dos municípios brasileiros têm características rurais e detêm aproximadamente 30% da população brasileira. A maioria dessa população vive em cenário de extrema miséria, sem perspectiva alguma de vida, submetendo-se a uma subsistência sem acesso ao que existe de mais básico para uma vida digna.

O homem do campo brasileiro, em sua maioria, está desarmado diante de uma

economia cada vez mais modernizada, concentrada e desalmada, incapaz de se premunir contra as vacilações da natureza, de se armar para acompanhar os progressos técnicos contra as oscilações de preços externos e internos, e a ganância dos intermediários. Esse homem do campo é menos titular de direitos que a maioria dos homens da cidade, já que os serviços públicos essenciais lhe são negados, sob a desculpa da carência de recursos para lhe fazer chegar saúde e educação, água e eletricidade, para não falar de tantos outros serviços essenciais. (SANTOS, 2007, p.41-43).

Esse cenário reflete um ambiente tenso, gerando desconforto e revolta por parte do trabalhador rural, ocasionando confrontos de terra cada vez mais comuns na realidade brasileira. Ações governamentais, para manter um diálogo e favorecer mudanças de cenários, ainda são incipientes, mantendo as comunidades rurais como coadjuvantes no processo decisório e de planejamento de políticas públicas. De acordo com a pesquisa Retratos da Leitura, do Instituto Pró-Livro e Ibope Inteligência, a zona rural concentra 66% do total de não leitores no país e as capitais, 22%. (INSTITUTO PRÓ-LIVRO, 2012).

Nas zonas rurais do Nordeste a situação agrava-se cada vez mais, pois a demanda irregular por trabalho acaba por determinar condições de emprego adversas para a grande maioria dos trabalhadores, com contratações temporárias, crescimento do trabalho infantil e trabalho escravo, o que favorece um ambiente hostil, e de degradação humana. O que se percebe é uma intensa ação de grupos empresariais não se restringindo apenas ao setor industrial, mas também à construção civil, complexos agroindustriais e na atividade comercial, o capital centralizando-se em grandes cadeias de magazines e supermercados. (ARAÚJO, 2000).

Apesar do número relevante de investimentos industriais, questões como trabalho escravo e infantil ainda são presentes no cotidiano dos moradores da zona rural maranhense, pois a grande parte dos filhos de trabalhadores rurais ajuda os pais na roça, nas tarefas do lar, cuidando de irmãos mais novos, também trabalhando em feiras e no comércio local. (MOURA, 2009). Assim, grande parte da população ainda sobrevive da agricultura de subsistência, como indica Dias (1990, p.46):

As empresas instaladas na zona rural tiram do homem do campo não só a oportunidade de ter acesso aos bens materiais adquiridos através do cultivo da terra, mas também dos bens culturais. Em conseqüência da expropriação da terra, ao filho do camponês é negado o direito de poder freqüentar uma escola

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pelo deslocamento do trabalhador do campo, de uma região para outra, à procura de terras devolutas para plantar e morar.

Este desenvolvimento desigual traduz-se por desigualdades cumulativas do lucro e da acumulação. (LIPIETZ, 1988). O modo de produção capitalista caracteriza-se pela separação dos produtores de seus meios de produção e pelo caráter privado. A classe trabalhadora, no capitalismo, é privada não somente dos bens que produz, mas de todos os objetos e instrumentos necessários para a produção. A natureza torna-se um meio universal de produção, de modo que ela não somente provê o sujeito, o objeto e os instrumentos de produção, mas é, em sua totalidade, um acessório para o processo de produção. (SMITH, 1988).

A condição humana de pertencimento ao espaço pressupõe o acesso a um lugar, relacionar-se, realizar transformações e ter plena consciência disso. Expressões como: apropriação, valorização e consciência são importantes referenciais das integrações sociais. (HEIDRICH, 2004).

Segundo Castells (1983), a segregação social tem como intenção favorecer a reprodução das forças de trabalho, onde os processos possuem uma integração e são articulados com a estrutura social. Para Marcuse (2004), historicamente existe um padrão de segregação que atinge as classes sociais e pode ser dividido da seguinte forma:

a) divisão cultural: através da língua, religião, características étnicas, arquitetura, país e nacionalidade;

b) divisão funcional: resulta da lógica econômica, com foco na divisão entre bairros comerciais e residenciais, áreas rurais e industriais, onde a divisão do espaço ocorre pela função exercida em cada atividade;

c) divisão por diferença no status hierárquico: reflete e reproduz as relações de poder.

Negri (2008) evidencia que essas relações, atualmente, dão-se em função de fatores econômicos, as formas que as classes se distribuem no espaço dependem do acúmulo do capital individual que cada um agrega, enquanto fatores como diferenciação residencial, de renda, proximidade a serviços como água, esgoto, educação de qualidade, serviços de segurança pública são apontados por Harvey (1980) como indicadores de segregação espacial.

Sob essa perspectiva, questões antigas, sem resolução, permeiam o meio rural, como apontadas por Carmo (2009, p. 263-264):

O espaço rural tem sofrido um conjunto de mudanças estruturais resultantes fundamentalmente do processo de

urbanização que se estendem e penetram em áreas significativas das zonas rurais. No entanto, as influências da urbanização não podem ser vistas de forma homogénea, elas não se generalizam e não são apropriadas da mesma maneira pelas diferentes localidades e comunidades. Pelo contrário, todos esses processos compreendem uma série de modalidades advindas de diferentes relações estabelecidas entre a tradição e a modernização. Neste sentido, nem é o moderno que invade e coloniza os espaços rurais, nem é a tradição que se apropria, à sua maneira, dos fenómenos urbanos. Existe uma inter-relação constante que depende dos contextos sociais.

Além da grande diversidade de fatores sociais, econômicos e culturais, a população que reside no meio rural possui dinâmicas diferentes de acordo com ideologias e modos de vida. Soares e Carneiro (2010) enumeram as localidades de residência e trabalho de agricultores familiares, assentamentos de reforma agrária, remanescentes de quilombos, indígenas e ribeirinhos como exemplos de comunidades rurais.

Temáticas como empoderamento e participação cidadã são cada vez mais comuns na academia e em discursos políticos partidários na tentativa de antever um desenvolvimento regional e garantir a contribuição dos grupos sociais envolvidos em todo o processo. Porém, tais iniciativas esbarram em problemas de ordem teórica e de interesses pessoais. Gohn (2004, p.24, grifo da autora) compreende essa participação cidadã quando as seguintes questões forem levadas em consideração:

a. Uma sociedade democrática só é possível via o caminho da participação dos indivíduos e grupos sociais organizados.b. Não se muda a sociedade apenas com a participação no plano local, micro, mas é a partir do plano micro que se dá o processo de mudança e transformação na sociedade.c. É no plano local, especialmente num dado território, que se concentram as energias e forças sociais da comunidade, constituindo o poder local daquela região; no local onde ocorrem as experiências, ele é a fonte do verdadeiro capital social, aquele que nasce e se alimenta da solidariedade como valor humano. O local gera capital social quando gera autoconfiança nos indivíduos de uma localidade, para que superem suas dificuldades. Gera, junto com a solidariedade, coesão social, forças emancipatórias, fontes para mudanças e transformação social.

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d. É no território local que se localizam instituições importantes no cotidiano de vida da população, como as escolas, os postos de saúde etc. Mas o poder local de uma comunidade não existe a priori, tem que ser organizado, adensado em função de objetivos que respeitem as culturas e diversidades locais, que criem laços de pertencimento e identidade sociocultural e política.

A questão rural configura-se complexa, com muitas lacunas a serem solucionadas. No entanto, a população residente no meio rural tem demonstrado capacidade de organizar-se em prol de um objetivo comum intensificado pelos movimentos sociais e sindicais, com vistas ao início de um diálogo para elaboração de projetos e propostas de reforma agrária, garantindo melhores condições de vida no campo, orientadas por um planejamento regional sustentável. (SOARES; CARNEIRO, 2010).

4 O ESPAÇO RURAL MARANHENSE: um lugar para a leitura?

Em questões comparativas, com relação a investimentos, melhoria na educação, saúde, infraestrutura ou mesmo otimização em relação às políticas sociais, o Maranhão sempre figura como um dos estados mais pobres do Brasil, muito atrás de outros estados da região nordeste, no que tange ao desenvolvimento e à efetivação de políticas públicas. Logicamente que o território e o espaço não se encontram distantes de uma intervenção estatal na produção capitalista, pois:

[...] o território tem sido objeto de intervenção direta do Estado a partir de diretrizes federais que impõe novos elementos e conteúdos. Esses, por sua vez, revelem dinamismo vinculado à modernização da economia e do território em função dos diferentes usos e objetivos definidos em que, para efeito de análise e apreensão da reorganização do espaço, as Políticas Territoriais são o elemento central. (FERREIRA, 2008, p.182).

Obviamente que vários fatores contribuem para essa situação, alicerçada numa política conservadora que impede o desenvolvimento do Estado e legitima um discurso oligárquico, como identifica Barbosa (2000, p.1):

As temporalidades da política no Maranhão estão intrinsecamente associadas ao grupo Sarney e seu projeto de dominação na política regional e local, vinculado ao discurso de modernização econômica desde 1965. A base ideológica desse projeto

foi construída sob o mito do passado de um Maranhão de prosperidade.

Dessa forma, compreende-se território em consonância com o pensamento de Santos (apud SOUZA; FURTADO, 2004, p. 16) como “[...] formas, mas o território usado são objetos e ações, sinônimo de espaço humano, espaço habitado”, e em sua noção operacional, conforme Gonçalves (2008) como sendo um espaço de decisões políticas, envolvendo processos de composição de autoridade, poder e dominação política, além da questão ideológica.

Essa postura acaba por incorrer numa situação desoladora, evidenciada no Censo 2010, e demonstra que a taxa de mortalidade infantil (número de crianças mortas no primeiro ano de vida, em mil nascidas vivas), por exemplo, ficou em 36,5% em 2009. É a segunda taxa mais alta do país, embora tenha havido uma queda em relação a 2008, quando era de 37,9% e aponta que o Maranhão obteve o quarto pior resultado do país, com 19,1% de pessoas acima de 15 anos que não sabem ler nem escrever. O Maranhão conta, segundo o IBGE, com 31,7% de pessoas com mais de 15 anos que são analfabetas funcionais. É o quarto pior índice do país. Os três estados com mais analfabetos funcionais são: Piauí (37,5%), Alagoas (36,5) e Paraíba (33,4%). (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2010).

Um dos fortes indutores para o empobrecimento dos países está relacionado à exclusão do cidadão do mercado de trabalho, à inexistência ou ineficácia de políticas direcionadas à democratização ao acesso à informação e, principalmente, à falta de preparo da mão de obra e de investimentos em educação, com o fim de objetivar a formação integral e integradora do individuo numa concepção cidadã e dele com o ambiente, tendo como pilar de sustentação as demandas sociais das profissões, o fortalecimento da cidadania e da democracia.

Quando se fala em produção e incentivo, por parte do Estado, no que tange à cultura, esbarra-se no direito do cidadão de participar nas decisões da política cultural e de poder intervir nas diretrizes culturais da questão orçamentária, com o intuito de garantir o acesso à produção cultural, como explica Chauí (2006, p. 238):

Trata-se, pois, de uma política cultural definida pela idéia de cidadania cultural, em que a cultura não se reduz ao supérfluo, ao entretenimento aos padrões do mercado, à oficialidade doutrinária (que é ideologia) mas se realiza como direito de todos os cidadãos, direito a partir do qual a divisão social das classes ou a luta de classes possa manifestar-se e ser trabalhada porque, no exercício do direito à cultura, os cidadãos, como sujeitos sociais e políticos, se diferenciam, entram em

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conflito, comunicam e trocam suas experiências, recusam formas de cultura, criam outras e movem todo o processo cultural.

A estatização da cultura acaba gerando produtos e serviços controversos, muito aquém de seus objetivos, pois o vínculo entre cultura e desenvolvimento nacional acaba por subordinar os planos culturais a um modelo de desenvolvimento capitalista, disfarçando interesses econômicos em discursos de progresso e desenvolvimento gerando intervenção estatal e industrialização direta sobre a produção cultural e o controle ideológico da população para o consumo de bens culturais, com vistas a legitimar um discurso. (CHAUÍ et al, 1985).

Compreende-se política cultural como integrando um conjunto de intervenções realizadas pelo estado, as instituições civis e os grupos comunitarios organizados a fim de orientar o desenvolvimiento simbólico, satisfazer as necesidades culturais da população e obter consenso para um tipo de ordem ou transição social. Em se tratando de bens culturais, a situação torna-se mais complicada, pois o acesso é praticamente inexistente para quem está distante dos grandes centros urbanos, onde novamente fica evidente a discrepância em ações entre o espaço urbano e o rural.

Basicamente, o Estado do Maranhão é caracterizado por dimensões rurais, onde as comunidades que vivem na região do campo não encontram soluções para os mais diversos problemas existentes em sua realidade, não se percebendo enquanto sujeitos sociais. Segundo dados do Censo 2010, o Maranhão é o estado que possui o maior percentual de pessoas que habitam na zona rural num percentual de 36.9% dos 6,5 milhões de habitantes, representando um total de 2.427.640 pessoas em todo o Estado. (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2010).

O Programa de Bibliotecas Rurais “Arca das Letras” já implantou arcas no Estado do Maranhão em aproximadamente 421 comunidades nos territórios da Baixada Ocidental, Cocais, Vale do Itapecuru, Baixo Parnaíba, Campos e Lagos, Lençóis Maranhenses, Médio Mearim, Alto Turu e Gurupi (BRASIL, 2010), atendendo 38.713 famílias com características diversas que as classificam enquanto comunidades rurais compreendidas em: agricultura familiar, Projeto de Assentamento (INCRA), remanescente de quilombos, indígenas, Escola Família Agrícola, assentamento estadual, colônia de pescadores, Projeto de Crédito Fundiário e Casa Família Rural.

Mesmo com a quantidade de arcas entregues e a variedade de famílias atendidas pelo programa, sua ação encontra-se ainda de forma incipiente, não encontrando ressonância na comunidade, quanto

ao letramento e alfabetização. Ressalta-se que muitos dos municípios desconhecem totalmente a existência da ação, o que dificulta a construção de novas parcerias para o fomento do programa, além dos inúmeros problemas referentes aos agentes de leitura, ao dificultarem o acesso da comunidade às arcas, devido a questões políticas.

As políticas públicas de incentivo à leitura no país são, todavia, consideradas ineficientes, pois ainda são muito grandes os contrastes nas regiões evidenciadas em pesquisas que atestam sua ineficácia ao tentar diminuir o número de analfabetos no país e a democratização aos bens culturais, por meio das políticas. A falta de articulação entre governo federal, estados e municípios, juntamente com a sociedade civil, acabam por dificultar na elaboração e execução de políticas públicas de incentivo à leitura, seja por questões ideológicas, partidárias ou por ineficiência no planejamento de ações.

As comunidades rurais são excluídas da maioria das políticas públicas que são desenvolvidas no país, não permitindo que se percebam enquanto sujeitos sociais, muitas das vezes agentes passivos em ações que não levam em consideração suas dinâmicas, estruturas produtivas e cultura, submetendo-os a uma política que não respeita as características de cada região, acabando por tornar-se uma política ineficaz no alcance de seus objetivos.

A ampliação e criação de espaços que viabilizem a sociabilidade, questões como letramento e de reafirmação identitária são cruciais para o desenvolvimento; as políticas de incentivo à leitura e bibliotecas são consideradas fatores no auxilio ao desenvolvimento, quando assumem uma atribuição que até então lhes era alheia: ter como seus usuários não só os estudantes, mas outros segmentos que não tinham acesso a esse tipo de bem cultural, como as comunidades rurais, negros, mulheres e os indígenas.

Nas últimas décadas, percebe-se no Maranhão arremedos de políticas culturais, desarticuladas, em sua grande maioria, de políticas globais que têm relação similar, como por exemplo, as de educação. Os investimentos feitos pelo Estado na cultura são ínfimos revelando a pouca atenção dado a área cultural. Os recursos em geral não ultrapassam 1% do orçamento geral do Estado onde as bibliotecas são negligenciadas pela maioria dos governos, que quando muito limitam-se a investir em reformas e ampliação dos prédios (FERREIRA, 2006). Entretanto, uma atuação eficaz por parte de uma biblioteca depende, dentre outros fatores, do acervo, de atividades que podem ser desenvolvidas através de técnicas, métodos, processos, previsões orçamentárias, porém, nada surte efeito se não vier balizada numa sólida política (FREIRE, 1989).

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4 CONCLUSÃO

A volatilidade econômica e o dinamismo nas relações sociais são fatores importantes para a compreensão da atual conjuntura política e social e na discussão sobre região, território e movimentos sociais, visto que, nada atua de forma única, mas em conjunto com demais fatores que acabam por definir e direcionar a atuação social, muitas das vezes de forma alienante, alicerçada por visões imperialistas e capitalistas, relegando à neutralidade a atuação dos movimentos sociais e numa compreensão distorcida sobre desenvolvimento regional e estrutura socioespacial.

A base para o desenvolvimento de uma nação reside na necessidade de encontrar a sua identidade como forma de pertencimento e na construção de um caráter próprio. E somente a partir da prioridade cultural – na busca de si mesma – isto se torna possível. O apoio ao bem cultural perpassa pela produção, distribuição, consumo e preservação, tendo nas três primeiras formas, a síntese da ação cultural, a qual pressupõe uma política de Estado.

Uma política que vise o letramento, o acesso à informação e à criação de novos espaços de sociabilidade precisa integrar-se num contexto econômico, social, cultural e político. Assim, uma instituição, uma comunidade e a sociedade têm por obrigação não só preservar, como também difundir, por vários meios, uma prática sociocultural, junto à comunidade, permitindo a participação dos grupos sociais.

Considerando que o desenvolvimento de um país depende do entendimento do grau de informação de seu povo, este será alto, se a população for conscientizada e estimulada por uma ação cultural eficaz. Uma política cultural que inclua o desenvolvimento de bibliotecas, que permita o acesso a locais aonde antes tais bens não chegavam, se for estruturada apenas na entrega, (guarda) e não estiver estruturada em comum com todos os sujeitos sociais através da delimitação de ações, será uma política cultural fadada ao insucesso.

O baixo índice de bibliotecas públicas no Estado evidencia o grau de pobreza em que este se encontra. Esse fato decorre, principalmente, de suas construções histórico-sociológicas, pautadas numa visão colonialista, patrimonialista e sem políticas ajustadas à realidade econômica, social e cultural, assim como da falta de políticas públicas articuladas com a sociedade civil, que possam garantir qualidade de vida e valorização do sujeito. A falta de organização da sociedade civil no Estado agrava ainda mais a situação, pois sem as organizações, não há pressão para que governos cumpram com suas responsabilidades no campo social e cultural.

Apesar de ter uma fundamentação contundente de ação, as políticas de incentivo à leitura ainda se encontram incipientes no alcance de

seus objetivos; a falta de otimização dos espaços criados para favorecer o acesso e democratização do livro e leitura reafirmam a falta de diálogo entre órgãos mantenedores e sujeitos sociais envolvidos no processo.

Todavia, percebe-se um total descaso para com os bens culturais, enfaticamente no Maranhão, pois a inexistência ou ineficácia na estruturação de uma politica cultural acaba por não permitir uma integração entre as ações do Estado com a sociedade civil, esbarrando em programas assistencialistas, muitas vezes desconhecidos da grande maioria da população, que precisa passar por uma análise e uma possível intervenção para que alcance um resultado positivo para atingir os seus objetivos em prol da construção de uma visão critica do mundo, permitindo a participação cidadã no planejamento de políticas públicas.

O processo de democratização do acesso à informação torna-se, dessa forma, utópico, se os atores envolvidos não se imbuírem desse significado. Estado e sociedade civil precisam medir esforços em conjunto para a solução desses problemas, apropriando-se do conceito de cidadania e pondo-o em prática.

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R. Pol. Públ., São Luís, v.16, n.2, p. 363-376, jul./dez. 2012

EDUCAÇÃO SOCIAL NO CAMPO DA POLÍTICA PÚBLICA: profissionalização e condições de trabalho

Roberta de Castro CunhaUniversidade Estadual do Ceará (UECE)

Rosemary de Oliveira AlmeidaUniversidade Estadual do Ceará (UECE)

EDUCAÇÃO SOCIAL NO CAMPO DA POLÍTICA PÚBLICA: profissionalização e condições de trabalho Resumo: Este artigo analisa a profissionalização e as condições de trabalho do jovem educador social no âmbito da Coordenadoria-Funci, instituição governamental responsável pela proposição e implementação de políticas públicas voltadas às crianças e adolescentes da cidade de Fortaleza. O foco é a Educação Social realizada por jovens educadores que, em suas trajetórias de vida, pertenceram, na condição de educandos, a instituições de assistência do poder público ou da sociedade civil organizada. A ideia foi buscar compreender as práticas e sentidos que os jovens educadores sociais constroem sobre seu trabalho. A pesquisa apontou que a Coordenadoria-Funci transfere a responsabilidade do sucesso de suas ações para os educadores sociais, assim como que as concepções do trabalho social, que partem dos próprios jovens educadores, corroboram com a não valorização profissional. Palavras-chave: Educador social, trabalho, políticas públicas.

SOCIAL EDUCATION IN THE FIELD OF PUBLIC POLICY: professional and working conditionsAbstract: This article examines the professional and working conditions of young social educator in the Coordenadoria-Funci, government institution responsible for proposing and implementing public policy on children and adolescents in Fortaleza. The focus is on social education by young educators, who, in their life trajectories and, as students, belonged to assistance institutions of public authority or civil society organizations. The idea was to try to understand the practices and meanings that young social educators build on their work. The survey showed that the Coordenadoria –Funci transfers the responsibility of the success of its actions for social educators, as well as the Social work conceptions, that come from the very young educators, do not corroborate the professional development.Key words: Social educator, work, public policies.

Recebido em: 21.06.2012. Aprovado em: 22.10.2012.

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1 INTRODUÇÃO

O objetivo do artigo é analisar o fazer profissional, a profissionalização e as condições de trabalho do jovem educador social no âmbito da Coordenadoria-Funci – instituição governamental do poder público municipal da cidade de Fortaleza, responsável pela proposição e implementação de políticas públicas voltadas às crianças e adolescentes. A análise foca o trabalho desenvolvido no âmbito da Educação Social por jovens educadores que, em suas trajetórias de vida, pertenceram, na condição de educandos, a instituições de assistência do poder público ou da sociedade civil organizada. O locus de realização do estudo são os Programas Crescer com Arte e Cidadania e o Ponte de Encontro, da Coordenadoria-Funci1, que possui, em seu quadro de funcionários, este perfil de educador.

Educação Social é compreendida, neste trabalho, como

Um conjunto fundamentado e sistematizado de práticas educativas [...], orientadas para o desenvolvimento adequado e competente dos indivíduos, assim como para dar respostas a seus problemas e necessidades sociais. (PÉREZ, 1999 apud GOHN, 2010, p. 26).

A opção de envolver profissionais que já foram atendidos em projetos sociais decorre da busca de compreender de que forma eles constroem práticas e sentidos sobre seu trabalho, desenvolvido na Coordenadoria-Funci, na medida em que vivenciaram experiências específicas da condição de educandos. A ideia é compreender como esses sujeitos percebem as suas contratações no quadro de profissionais da referida instituição e, também, como a Coordenadoria constrói percepções e estratégias frente à absorção desses educadores sociais. Com efeito, problematiza-se sobre o fazer profissional no âmbito das políticas públicas, a profissionalização e as condições de trabalho, bem como os limites e potencialidades da prática educativa desenvolvida pelos jovens educadores sociais e as possíveis problemáticas desse processo.

Em razão destes objetivos, foi realizada uma pesquisa exploratória junto aos programas da Coordenadoria-Funci, no sentido de identificar o quantitativo geral de profissionais que estavam no perfil da pesquisa. Esta metodologia revelou os Programas Crescer com Arte e Cidadania e Ponte de Encontro como os dois programas com maior número de educadores sociais e/ou arte-educadores na faixa etária de 18 a 29 anos de idade e que já foram atendidos em projetos sociais.

Finalizada a pesquisa exploratória, foi iniciada uma mobilização junto a todos os educadores sociais que estavam no perfil da pesquisa, para

a concretização das entrevistas e demais ações necessárias para a efetivação dos objetivos do trabalho. Dos 19 (dezenove) educadores mobilizados, compareceram para as entrevistas 12 (doze), sendo 9 (nove) vinculados ao Programa Crescer com Arte e Cidadania e 3 (três) vinculados ao Programa Ponte de Encontro.

Os jovens educadores sociais envolvidos na pesquisa responderam um questionário de identificação, contendo questões relativas ao local de trabalho, idade, sexo, cargo, escolaridade, atividades, habilidades etc., assim como responderam um roteiro de entrevista semi-estruturado, contendo questões relacionadas ao sentido da educação social em suas vidas, perfil do educador social, percepção sobre o processo de contratação na Coordenadoria-Funci, regulamentação da profissão, entre outras. Além dos jovens educadores sociais, foram entrevistados 3 (três) gestores2 da Coordenadoria-Funci.

Os instrumentos de pesquisa aplicados auxiliaram discussões sobre imagens e representações acerca do trabalho social realizado pelo educador social no perfil escolhido, apresentando as relações dessas construções sócio-históricas com as reconfigurações do trabalho social, no âmbito da referida instituição.

A abordagem da temática do trabalho foi escolhida em razão dos depoimentos dos jovens educadores sociais que, não raras vezes, ressaltavam questões relativas ao trabalho e as suas condições, além de se considerar que tais fatos estão relacionados à composição de sentidos sobre a Educação Social e suas práticas profissionais.

2 IMAGENS E REPRESENTAÇÕES DO TRABALHO SOCIAL

A discussão sobre a categoria trabalho nunca perdeu a sua importância no meio acadêmico; ao contrário, é fundamental para a compreensão dos diversos fenômenos sociais, políticos e econômicos e a sua relação com a atualidade.

Em concordância com Martins (2010, p. 41), citando o pensamento de Marx e Engels (1984), considera-se que

O processo histórico que se desdobrou ao longo dos tempos e que fez a humanidade ser como é nos dias atuais traz a marca indelével do trabalho. Foi por meio dele que o homem se impôs sobre a natureza, transformando-a segundo suas necessidades e intencionalidades, tendo como decorrência, ao transformar a natureza, a sua própria transformação.

Ao refletir acerca da categoria trabalho e suas características, é relevante mencionar as contradições existentes nas construções sócio-históricas do capitalismo no mundo ocidental.

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(ARAÚJO, 1997). São importantes para a compreensão de um tipo específico de trabalho denominado social, que surge como consequência de tais contradições. É importante compreender as configurações objetivas do valor do trabalho, base para o desenvolvimento do capitalismo moderno, cujas consequências para amplos contingentes de população, foram a sua exploração e expulsão ou mesmo a não absorção nos postos de trabalho. Com efeito, o trabalho social se ergue historicamente como um fenômeno resultante, em certa medida, das diferentes relações de exploração e escravização, das quais o trabalho humano faz parte. É mesclado, porém, por estas características objetivas e pelas subjetivas, como uma ação social, permeada de contradições, que ora denota mais valor social, um contributo para a cidadania e a justiça, ora mais desvalor, na medida em que realiza ações voltadas para indigentes, geralmente denominados de vadios.

Na formação do Brasil imperial, por exemplo, as contradições objetivas que envolveram o trabalho desde suas origens, podem ser vistas sem rodeios ou eufemismos, afinal, quem desfrutava do berço da preguiça, gozando de um ócio, graças à exploração, era exatamente o mais rude nas penalizações dos chamados “vadios” ou “vagabundos”. Formava-se, assim, um crescente contingente da população brasileira, objeto de exploração ou de caridade que, segundo Araújo, (1997, p. 150), “vivia à margem da grande produção (monocultura ou mineradora), a única que, no fundo, interessava à Coroa”. Acrescenta o autor,

Era toda uma população desajustada e sem inserção produtiva – negros forros e brancos pobres – que assombrava a vida dos que pagavam impostos e frequentavam a igreja. (ARAÚJO, 1997, p. 160).

Como alocar e controlar essa população-objeto?

Guardando as particularidades históricas, esta realidade nos remete ao pensamento de Marx (1984), quando aborda sobre a expropriação dos camponeses – no texto ‘A chamada acumulação primitiva’ –, um processo que se utilizou da violência e gerou muita oferta de terra e força de trabalho. Desse modo, acabou gerando uma massa de pessoas sem meios de produção e sem espaço de inserção, ocasionando a “vadiagem”, que era punida através de leis arbitrárias e sem qualquer observância aos direitos humanos.

No Brasil havia um parasitismo regulamentado, bastava a pessoa pagar os seus impostos e esta seria considerada honesta, distinta e até nobre. (ARAÚJO, 1997). Quanto ao “desclassificado”, que pesava à coletividade, este deveria ser reprimido e controlado, pois escapava “às normas de convivência, de sobrevivência e de conveniência

minimamente aceitáveis por uma sociedade que só admitia o parasitismo que fosse considerado honesto”. (ARAÚJO, 1997, p. 174).

Frente à repressão e ao controle da população que estava à margem da produção – “os desclassificados” –, o Estado e a Igreja passaram a disseminar o espírito da caridade, capaz de assegurar a propriedade privada das pessoas de posse e, ainda, a salvação de suas almas. Nessa lógica, nascem as primeiras experiências de trabalho social, atreladas à Igreja católica, cujo trabalho de caridade, com as ressalvas da moral cristã, cresceu na mesma medida da construção e manutenção das estruturas da sociedade vigente.

Essas imagens, construídas à época da colonização do Brasil, ainda perpassam o imaginário da população brasileira na atualidade e produzem sentidos, sobretudo as imagens vinculadas ao trabalho social, ainda que remodeladas e com novas reconfigurações.

No imaginário dos jovens educadores sociais, em especial daqueles que já foram beneficiados por projetos sociais, ainda é muito presente a perspectiva do trabalho social atrelado ao voluntariado e às concepções de missão e vocação:

[...] eu estou aqui por uma causa, por uma missão e eu vou lutar por ela, até porque eu passei por essa causa, eu passei por todo esse processo. Eu não estou trabalhando só pelo dinheiro, estou por sensibilidade e para tentar amenizar ou mudar a história daquela criança ou adolescente. (Informação verbal)3.

[..] desenvolvo minha função de educadora social como uma missão, uma vocação. Eu luto pelos direitos das pessoas, de crianças e adolescentes. Nunca me imaginei trabalhando em uma loja, no comércio e também não me preocupo apenas com o dinheiro. (Informação verbal)4.

Estas concepções podem estar entranhadas em suas histórias de vida, como um entendimento de retribuição à “dádiva” recebida, conceito de Marcel Mauss (1974) amplamente disseminado nas ciências sociais. O autor estudou sociedades primitivas buscando compreender as trocas e favores estabelecidos não como mercantis, mas como objetos de uma obrigação de “dar, receber e retribuir”. Esta tríplice aliança alicerça-se em seu caráter voluntário e livre, mas sem escapar a dimensão da imposição de ser efetivamente exercida, já que o ato de dar é também uma forma do doador se impor e permanecer na aliança para uma possível retribuição. O costume das sociedades arcaicas ainda ecoa como uma força interessada, na medida em que alguns indivíduos se sentem

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obrigados em presentear alguém como retribuição a um benefício recebido. Os educadores sociais, com efeito, revelaram sentidos sobre seu trabalho relacionados à dimensão social voluntária e, ao mesmo tempo, obrigatória de retribuir o benefício doando seus esforços por uma causa humanitária e também continuar recebendo na forma de salário e reconhecimento social.

A dádiva faz parte do imaginário do voluntariado e da missão, em virtude do qual as construções atreladas à caridade e à ajuda como premissas do trabalho social ainda são predominantes entre os jovens educadores sociais, sujeitos desta pesquisa. Na maioria dos depoimentos, estes jovens, ao mesmo tempo em que se policiavam para não utilizar termos como “ajuda”, “caridade”, caracterizavam suas ações como “amor ao próximo”, “solidariedade”, ou seja, premissas de valores morais religiosos e fundantes do espírito da caridade. Em suma, a maioria dos jovens educadores sociais configura as suas atuações no âmbito da Coordenadoria-Funci como uma missão vocacional-religiosa.

Essa percepção, contudo, não é a única. Salientando a importância de buscar

Construir um modo de observar os fenômenos sociais que tenha como foco a tensão entre a universalidade e a particularidade, entre o consenso e a diversidade, com vistas a produzir uma ferramenta útil para transformações da ordem social. (SPINK; MEDRADO, 2000, p. 61).

Nesta análise, há diferentes concepções dos educadores, mostrando, por exemplo, a ruptura dessa perspectiva vocacional-religiosa, defendida com muita ênfase pela educadora J:

[...] temos que ter muito cuidado com esse lance de amor, senão estaremos disseminando o discurso do Governador5, de trabalhar por amor. Antes de tudo, o meu trabalho possui um valor, pois é através dele que eu “como”, que me visto e que posso me capacitar para melhorar a minha atuação e verdadeiramente ter condições de facilitar um processo de transformação. Não significa que eu não tenha amor pelo que faço, mas o profissionalismo é importante.

Esse relato surge com menor força entre os entrevistados, mas reflete o sentido técnico-profissional do trabalho social desenvolvido na Coordenadoria-Funci, relativo ao entendimento do valor trabalho e ao sentido sócio-crítico relacionado à ideia de transformação social. Estes aspectos diferem do anterior (vocacional-religioso), porque se caracteriza pela intenção de realizar um trabalho profissional remunerado e valorizado, que promova

direitos e justiça tanto para os trabalhadores da educação social quanto para crianças e adolescentes.

Outra identificação de sentido percebida no relato dos jovens educadores foi o aspecto militante-político, que não exclui o técnico-profissional. Embora eles não utilizem exatamente o termo “militância”, acabou ficando subtendido em algumas falas, como a que expressa: “agora eu sou remunerado, pelo que antes eu fazia de graça, por ideologia”. (Informação verbal)6. Nesse depoimento, o educador estava ratificando a fala da presidenta da Funci em um evento da instituição que, segundo o profissional, ela afirmara:

Gente, vocês são felizardos em trabalharem na Funci, porque estão recebendo dinheiro, pelo que antes vocês faziam de graça, militando nos partidos de esquerda. (Informação verbal)7.

É importante salientar que essa missão de militância-política aparece, sobretudo, nos depoimentos dos jovens educadores sociais oriundos de projetos da sociedade civil organizada. Embora, depois, já na condição de funcionário do poder público, ainda se identificam como representantes dos movimentos sociais, como salientado no depoimento: “antes de estar na Funci eu represento a periferia, a minha comunidade, a sociedade civil”. (Informação verbal)8.

Nenhum jovem educador, no âmbito desta análise, atendido pela própria Coordenadoria-Funci, expressou essa questão em suas falas. Considera-se que o fato está relacionado à inserção nas estruturas institucionais do poder público, aos espaços reais de participação oferecidos aos jovens e ao próprio lugar de reivindicação que os jovens oriundos das Organizações não-governamentais ocupavam anteriormente.

Essa realidade é permeada de contradições, pois antes assumiam uma posição de apenas reivindicar, segundo eles, sem conhecerem os trâmites burocráticos para a efetivação de uma ação, conforme o depoimento:

Quando eu estava no projeto eu só reivindicava, só queria a solução, hoje eu tenho que responder às reivindicações e vejo que as coisas não são fáceis. (Informação verbal)9.

Como expressa a educadora, na condição de partícipe da instituição, precisa dar respostas às mesmas reivindicações de outrora. Talvez, por isso, seja mais cômodo se considerar representante do movimento social do que do poder público, já que não possui as respostas concretas.

Voltando ao caráter missionário ou ao que se denominam estilos de educadores sociais, o

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pensamento de P. Ayerbe (1995 apud ROMANS; PETRUS; TRILLA, 2003, p. 131) é conciso:

A fuga entre dois estilos de educadores, que iriam dos perfis da filantropia e da benevolência ou ao dos rebeldes ou contestatórios, pode ser evitada garantindo aspectos técnicos em suas competências.

No entanto, não seria uma excessiva tecnicização, nas palavras de Romans, Petrus e Trilla (2003, p. 132) “excessivamente aplicador dos recursos e com atitudes abertamente desvinculadas do social”, mas “educadores transformadores da realidade social, sujeitos ativos e reflexivos”. (ROMANS; PETRUS; TRILLA, 2003, p. 133).

Na realidade dos jovens educadores sociais desse estudo, o perfil de educador social ativo e reflexivo, salientado acima, ainda está distante, uma vez que a maioria está inserida em situações de precariedade do trabalho, de dependência dos empregadores e envolta em percepções relacionadas à dádiva, o que acaba evitando uma postura mais crítica no âmbito institucional. Com efeito, analisam-se, a seguir, questões relativas à política pública e suas imbricações com a educação social e suas problemáticas até aqui levantadas, além dos aspectos identificados nos depoimentos dos educadores sociais, relativos à profissionalização e condições de trabalho.

3 PROFISSIONALIZAÇÃO E CONDIÇÕES DE

TRABALHO NO ÂMBITO DE UMA POLÍTICA PÚBLICA

No campo da política pública de atendimento às crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, a Coordenadoria-Funci vem adotando a prática de contratar jovens que já foram atendidos em projetos sociais, sejam em projetos da própria instituição ou de organizações não-governamentais. Parte-se da hipótese de que esta prática tem duas dimensões: uma de orientação político-pedagógica e outra de cunho político-institucional. A primeira utiliza as experiências de vida e o trabalho de jovens educadores sociais que já foram educandos como meio de enriquecer o processo de aprendizagem das crianças e dos adolescentes atendidos, mediante a socialização destas experiências. A segunda dimensão revela o caráter da política pública que vem sendo utilizado no Brasil, como expressão e manutenção do poder legítimo do Estado, do caráter político-institucional de guardião das relações sociais de dominação.

O que isto significa? Que, diante das contradições e desigualdades sociais, das demandas e exigências da sociedade civil e da possibilidade de também o Estado interferir como ator social, este passa a optar por políticas públicas que,

tanto se associam às demandas e necessidades da população, para garantir a “governabilidade democrática”, como funcionam como estratégias para investir e dispor de recursos que voltam para o próprio Estado, sob a forma de capital político, promovendo o desenvolvimento da instituição e da dominação, como assevera Abad (2003). Tal governabilidade só ocorre com um mínimo de controle e consenso social, sendo, portanto, a política pública, uma forma de barganha do cidadão.

Dependendo da ação estatal, da flexibilidade ou não do Estado e de suas instituições legítimas, que tratam do controle social de conflitos e da forma de gerir as políticas, estaremos lidando com um vasto índice de controle e repressão ilimitado ou com um campo simbólico onde se verifica um jogo de forças, as disputas por autoridade e território, as negociações mais flexíveis. No campo simbólico, verifica-se, também, através das políticas, mais que expandir mudanças qualitativas na vida dos jovens, no que concerne ao seu aparecimento e a sua participação cidadã, uma efetivação da instituição estatal, em diferentes níveis, registrando o alvorecer de um tipo de “saber-poder” do Estado, através de seus atores e técnicos. Salienta Abad que:

Ainda que seja óbvio que tenham sido implementadas sob diversos enfoques e características institucionais, resulta lógico que o surgimento das mais importantes iniciativas das políticas sociais de juventude, com nome próprio, se relaciona, mais do que com os efeitos na vida dos jovens, com o florescimento e perfeição de uma máquina de domínio, uma institucionalidade pública especializada a nível supranacional, nacional e subnacional, o desenvolvimento de marcos normativos e legais, o incremento de ofertas programáticas, e a formalização de um saber-poder, encarnado em investigadores, consultores e acadêmicos. (ABAD, 2003, p. 21-22).

A Coordenadoria-Funci, como instituição responsável para planejar e executar políticas voltadas para crianças e adolescentes, é parte integrante desta forma de gerir as ações e políticas sociais, sob a ótica da flexibilidade e do campo simbólico assinalado por Abad. Significa que se estabelece sob o campo de forças entre a institucionalização do poder, da formalidade e de ações pragmáticas, e a flexibilidade de atendimento às demandas sociais de crianças e adolescentes da cidade de Fortaleza. Esta gestão tem refletido tais contradições em suas experiências na medida em que se verificam tentativas de minorar a vulnerabilidade de crianças e adolescentes, porém surtindo efeitos que menos modificam a vida destes jovens e mais bem se associam à chamada “máquina de domínio”.

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Essa concepção da política pública evidenciou contradições importantes na análise do fenômeno da contratação de jovens educadores sociais no perfil analisado, que tem sido encarada de forma diferenciada, dependendo do lugar que ele ocupa. Ela pode ser caracterizada como reconhecimento das potencialidades juvenis para o trabalho social, como exploração do trabalho e reforço da instituição ou, ainda, como misto entre estas caracterizações.

A maioria dos educadores sociais caracteriza essa contratação como uma valorização da juventude por parte da instituição, como salienta o depoimento:

Eu acho bem bacana essa iniciativa. É uma forma de dar oportunidade aos jovens que já fizeram parte de projetos; emprego hoje está difícil, principalmente para os jovens. (Informação verbal)10.

Alguns educadores sociais percebem-na como um misto de valorização e exploração, não em relação à exploração da força de trabalho, mas, sobretudo, em prol do fortalecimento da imagem institucional, como trazem os depoimentos:

Querendo ou não é uma estratégia para a política, por que hoje as coisas não funcionam sem propaganda. Mas, além disso, acredito que existe sim uma valorização desse jovem. (Informação verbal).11

É uma iniciativa positiva, pois houve a necessidade de contratação, existia o jovem capacitado, ele foi valorizado e foi bem visto para a imagem da instituição. (Informação verbal)12.

Quanto aos gestores, existem mais variações de percepções acerca da contratação dos jovens educadores sociais. A supervisora de gestão considera que tal prática não é frequente, dada a dificuldade de encontrar jovens no perfil, mas, quando isso ocorre, ela considera muito interessante para o projeto; o coordenador do Programa Crescer com Arte e Cidadania considera que a instituição está reduzindo essa prática, por achar importante não só a padronização no processo de contratação dos profissionais como a relevância da qualificação; já o coordenador do Programa Ponte de Encontro considera que essa prática está sendo fortalecida, uma vez que esses jovens demonstram envolvimento em suas monitorias e facilitam o processo de atuação no âmbito das comunidades, conforme ilustram os seus depoimentos:

[...] na verdade não é uma situação muito corriqueira, porque nem todas as pessoas têm o perfil para trabalhar com o social. Quando a gente consegue trazer alguém que foi atendido enquanto

público-alvo para ser um profissional da instituição isso é importante, porque ele tem a visão dos meninos que já estiveram lá sendo atendidos recebendo os “cuidados”, entre aspas, o atendimento do projeto. (Informação verbal)13.

[...] hoje nós temos absorvido bem menos jovens que foram educandos do próprio projeto, pois existe uma padronização quanto à contratação de profissionais, que é realizada pelo setor de desenvolvimento humano junto com a coordenação de gestão, em parceria com a coordenação do programa. O ex-educando não é mais contratado diretamente, pois ele pode ser absorvido por qualquer outro programa desde que tenha qualificação. (Informação verbal)14.

[...] já é o terceiro monitor da escolinha de surf que a gente contrata como educador e essa realidade vem se intensificando, porque são pessoas que se destacam em suas atividades, possuem envolvimento com a comunidade e abertura com as crianças e os adolescentes. Isso facilita o processo de compromisso, de atuação dentro da comunidade. Fica muito mais fácil pra gente trazer uma pessoa que já foi atendida pela gente, que vivenciou a história, do que de repente trazer uma pessoa com mais experiência, mas cheia de vícios. (Informação verbal)15.

Unanimemente, gestores e educadores descartaram a possibilidade das contratações serem uma política institucional, conforme observado nos depoimentos: “a contratação de quem já foi atendido não é uma política da instituição, até porque não existe um quadro de vagas para egressos do programa” (Informação verbal)16;

Não é uma política da instituição, pois a contratação não é adotada por todos os programas, vai depender de cada gestor individualmente. Inclusive tem gestores que tem medo de fazer isso (Informação verbal).17

Não consigo perceber essa prática como uma política da instituição, acho que é um processo de valorização, sem ser instituído oficialmente. (Informação verbal)18.

Gestores e educadores consideram importante a ampliação dessas contratações e não desconsideram a possibilidade de haver uma regulamentação dessa prática, como ressaltaram: “o [...] secretário da SDH19 disse pra mim: vamos adotar essa política de contratar as pessoas que já

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foram atendidas?” (Informação verbal)20; “podemos trabalhar na perspectiva de adotar essa prática como política, é uma ideia” (Informação verbal)21

e “os vários exemplos que deram certo acabaram estimulando essa prática e talvez ela possa ser transformada em política”. (Informação verbal)21.

Quanto à escolha dos jovens educadores, existem diferenciações entre os dois Programas. Segundo o coordenador do Programa Crescer com Arte e Cidadania, “o jovem é avaliado pela equipe que o acompanha e convidado a participar do processo seletivo como outra pessoa qualquer”. (Informação verbal)22. Já no Programa Ponte de Encontro, o processo de escolha é baseado no destaque de cada jovem como monitor de alguma atividade do Programa e há priorização para quem reside nas áreas de vulnerabilidade social, como salientou o coordenador: “acabamos de contratar três jovens que eram monitores e que se destacaram muito; um da Barra do Ceará, um do Bom Jardim e outro do Oitão Preto” 23.

Acredita-se que a diferença no processo de escolha está relacionada ao objetivo de atuação de cada Programa. No Crescer com Arte e Cidadania prioriza-se a técnica e os méritos da pessoa que será contratada tendo em vista a perspectiva de profissionalização, ainda que não assumida propriamente. Importante salientar que, para os gestores, independentemente da função, é imprescindível que o jovem que será contratado tenha tido, além de alguma habilidade, comprometimento na sua experiência de educando, entendido como assiduidade, participação ativa, entre outros.

Os próprios educadores também reconhecem tais aspectos como preponderantes para as suas contratações, conforme os depoimentos:

Com esse tempo que eu passei lá no projeto eu sempre fui um dos mais dedicados. Sempre que rolava atividades fora, rolava um debate, eu estava participando. Também me destaquei no desenho. (Informação verbal).24

Tive uma participação muito ativa no projeto, uma consciência muito crítica e também o desenvolvimento artístico. (Informação verbal)25.

Quanto à habilidade e à aptidão artística serem condições necessárias à contratação dos jovens educadores sociais, percebe-se contradições entre as falas dos gestores e o que de fato é praticado. Salientaram os coordenadores: “a habilidade esportiva ou artística não são condição para a contratação no Programa” (Informação verbal)26;

Não priorizamos a contratação de quem possui habilidades artísticas ou esportivas, mas alguns educadores

possuem e vão colaborar com o processo metodológico e de intervenção. (Informação verbal)27.

No primeiro programa (Crescer com Arte), a contratação do arte-educador necessariamente está relacionada a tais habilidades, e, em ambos os programas, embora a contratação dos educadores sociais não esteja vinculada às habilidades, todos os jovens deste estudo, contratados como educadores sociais, possuem alguma aptidão artística ou esportiva. Tal realidade remete à ideia de intensificação do trabalho, ou seja, exploração da força do trabalho tido como polivalente, abordado mais adiante.

Em relação às potencialidades e limites da prática educativa, desenvolvida pelos jovens educadores sociais no âmbito institucional, os gestores destacaram como potencialidades: (i) a socialização de suas experiências junto às crianças e os adolescentes atendidos; (ii) a facilidade de inserção comunitária e (iii) o compromisso com a transformação da situação de vulnerabilidade.

Esse último aspecto carrega contradições, uma vez que o fato de vivenciar situações de vulnerabilidade social é considerado um limite à atuação desses jovens, como salientou o coordenador do Programa Ponte de Encontro:

Esses jovens muitas vezes vêm de situações complicadas, muitas vezes estavam em situação de vulnerabilidade e essa situação não se supera quando ele é contratado. (Informação verbal)28.

No depoimento acima também é possível identificar a fragilidade da proposta institucional em promover a transformação da situação de vulnerabilidade e melhoria na qualidade de vida, já que os poucos que conseguem certo destaque, ainda assim, não conseguem alterar suas condições de vulnerabilidade. O próprio documento que versa acerca da proposta de atuação do Programa Ponte de Encontro reconhece tal fragilidade ao afirmar:

[...] tendo consciência desse contexto e do enorme desafio a ser enfrentado, não podemos ser prepotentes em apontar soluções imediatas, contudo não seria possível nos omitirmos de nossas obrigações em fazer cumprir o Estatuto da Criança e do Adolescente. (FORTALEZA, 2010, p. 2).

Ainda como limites da prática educativa desenvolvida pelos jovens educadores, os gestores destacaram: (i) a fragilidade na educação escolar, que compromete a eficácia nas ações mais formais exigidas, como a elaboração de relatórios e (ii) a dificuldade na condução de grupos, por não se perceberem na condição de educadores.

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Para os gestores, a primeira limitação pode ser identificada pelo fato da contratação se efetivar ainda que o profissional não tenha concluído o ensino médio, e pela resistência deste em registrar e planejar antecipadamente as suas ações, assim como em responder às solicitações das coordenações dos Programas. Particularmente, identifica-se essa fragilidade pelo vocabulário e conotação das ideias apreendidas nas entrevistas, bem como pelo contato com o parco material produzido pelos jovens educadores no período deste estudo, como planos de aula, respostas de questionários sobre interesse de formações, entre outros. Se percebida, ainda assim, essa limitação não foi verbalizada pelos educadores.

Quanto à segunda limitação, identificada pelo coordenador do Programa Crescer com Arte e Cidadania, a justificativa mais parece um desejo de silenciar uma postura crítica do que uma real limitação, conforme expresso no depoimento:

[...] ao invés de contribuir para a organização da oficina, ele está junto na discussão. Se os meninos se reúnem para fazer uma manifestação contrária, pela falta de material, digamos, ele não tenta mediar a situação, ele é tão incisivo, ele entra no embate no ritmo dos meninos. (Informação verbal)29.

Nesse depoimento, o coordenador critica o fato de o jovem educador não saber mediar conflitos, uma vez que ele entra no embate junto com o adolescente para reivindicar melhores condições de trabalho e qualidade das atividades. Ou seja, uma postura crítica do educador social e não simplesmente uma limitação, haja vista, também, a complexa tarefa de mediação de conflitos.

Sobre a possibilidade da existência de algum tipo de processo de transição dos jovens educadores que já foram atendidos no próprio projeto e/ou algum acompanhamento diferenciado para os que são oriundos de outras instituições, os dois coordenadores afirmaram não existir, mas que, para os jovens que são contratados sem o ensino médio completo, a sua permanência na Instituição é condicionada à conclusão.

Também foi relatado que não existe diferenciação nos processos de formação. Esses são caracterizados por encontros realizados no âmbito institucional e/ou promovidos por instituições que compõem a rede de proteção às crianças e adolescentes, onde são discutidas as temáticas pertinentes ao fazer profissional, conforme salientou o coordenador do Programa Ponte de Encontro:

[...] temos um processo de formação permanente. Toda segunda-feira nos reunimos com todos os profissionais da unidade e discutimos temas ligados à realidade do trabalho, como o sistema

de garantia de direitos, a rede que a gente pode encaminhar, passando por ética, por várias temáticas que dizem respeito ao cotidiano do educador. (Informação verbal)30.

Essa realidade foi identificada como um fenômeno comum das instituições que trabalham com a categoria do educador social, conforme afirmou Caliman (2011, p. 238): “a formação dos educadores sociais se dá em geral através de reuniões periódicas de revisão e avaliação da prática sociopedagógica cotidiana”.

Nesse sentido, existe valorização da ação prática nos momentos de formação institucional, identificada no discurso: “toda ação educativa deve privilegiar a prática como norteadora da reflexão”. (FORTALEZA, 2010, p. 3) e no relato:

A formação do educador social seria a rua mesmo; formação por formação na escola você já tem; acho que a Educação Social é um trabalho mais sensível, é mais o olhar mesmo, a magia daquele momento e sentir o próximo. (Informação verbal)31.

Sobre a valorização do saber prático, percebe-se, pelos depoimentos, a priorização do conhecimento prático e sua identificação como fator preponderante na conquista de suas posições atuais, como salientou o educador F:

A escola formal não influenciou em nada para a atividade que hoje exerço. O que influenciou foram as minhas vivências práticas. Hoje estou como arte-educador, graças às vivências práticas. (Informação verbal)32.

A questão surge como reflexão importante sobre a perspectiva da educação formal e informal como contraditórias, no âmbito das políticas públicas de juventude. Em que medida uma é mais importante do que a outra? Se os educadores revelam valorizar a Educação Social como informal, em detrimento da escolar, não estariam também alimentando a informalidade de sua profissão? Como atender as demandas de profissionalização dos jovens na contemporaneidade?

Sabe-se que a concepção moderna de juventude tornou a escolaridade uma etapa importante para a passagem da maturidade. Idealmente o atraso dos jovens ao mundo do trabalho garantiria melhor essa transição. Contudo, muitos jovens de famílias pobres deixam a escola para trabalhar no mercado informal prematura e precariamente em busca de emancipação financeira, acesso a bens de consumo e de lazer, ou, até mesmo, para garantir o sustento da família. Os jovens sabem que ter certificado escolar é importante, mas isso não lhes

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garante a inserção no mercado de trabalho. Por isso há a necessidade de construir uma nova cultura com relação ao trabalho, o que leva a necessidade de criar programas governamentais que garantam a iniciação e inserção na vida produtiva.

Nesse contexto é que o sistema educacional, diante das contradições e demandas do mundo do trabalho no sistema neoliberal, tem como tarefa construir práticas diferenciadas de formação escolar voltada para o conhecimento, para a qualificação profissional e acesso ao mercado de trabalho aos jovens, de modo que haja inclusão destes na vida social.

Segundo Regina Novaes (1998, p. 5), fundamental é um novo casamento entre educação e qualificação profissional, o que pressupõe não só conhecimentos técnicos, pragmatismo,

Equipamentos e recursos humanos, mas também uma nova perspectiva de cooperação interdisciplinar, voltada para o desenvolvimento de saberes, conhecimentos, competências e valores de solidariedade e cooperação condizentes com as exigências do século XXI.

Neste sentido, esta análise volta a questionar o caráter paradoxal das políticas públicas, entre a manutenção política e o favorecimento das demandas públicas.

Contraditoriamente, alguns educadores sociais percebem certa relevância ao saber formal, mesmo ainda, sob forte apreciação do que é informal. Sobre os fatores que contribuíram para se tornar um educador social, o educador F inicialmente não dá importância ao saber teórico, mas em seguida reconhece a pesquisa e o aprofundamento sobre a linguagem artística que desenvolve como importantes para alcançar a sua posição atual, conforme se apresenta no relato:

Primeiramente a minha vivência com a construção civil, que me despertou a sensibilidade para as artes visuais e as minhas vivências no projeto, depois eu me aprop riei e despertei o interesse em pesquisar e me aprofundar sobre essa linguagem. (Informação verbal)33.

A pesquisa e o aprofundamento teórico, denominados neste trabalho de teorização da prática, são incipientes na Coordenadoria-Funci. Apesar do Programa Crescer com Arte e Cidadania desenvolver um momento de nivelamento junto aos profissionais, voltado às linguagens artísticas desenvolvidas e às discussões temáticas, pouca coisa é registrada e quase nada produzida e transformada em textos e material de consulta. O aperfeiçoamento real das técnicas, o aprofundamento teórico, a formação técnica ou acadêmica é de inteira responsabilidade

do educador social, ainda que não disponha de um salário que possa lhe propiciar tais garantias.

No Programa Ponte de Encontro, diferentemente, as limitações e fragilidades nas atuações profissionais são toleradas e até aceitas, levando-se em consideração que a Instituição ainda tem um caminho de acertos pela frente, já que é uma escola de Educação Social onde os profissionais aprendem na prática, conforme salientou o coordenador do programa:

A Funci acaba sendo uma escola de Educação Social em Fortaleza, porque você não tem isso formalmente instituído. Inclusive tem um movimento de trazer uma escola de Educação Social para Fortaleza, através da equipe interinstitucional. (Informação verbal)34.

Em relação à regulamentação da profissão, apenas um educador social afirmou categoricamente não conhecer o debate. Os demais relataram ser importante o reconhecimento da categoria, embora não tenham demonstrado propriedade perante a discussão, como salientou o educador G: “escuto falar sobre a regulamentação, considero importante, mas confesso que não conheço o debate profundamente”. (Informação verbal)35.

Os educadores sociais que afirmaram conhecer tal debate sabem que ele está ocorrendo, mas desconhecem as suas argumentações e consideram como fator decisivo para a paralisia da discussão o não engajamento no sindicato dos educadores, conforme se observa no depoimento:

O que eu sei sobre a regulamentação é por cima, justamente por essa ausência de estar no sindicato. Sem hipocrisia ou ignorância, eu não vou para uma reunião que vai ter três pessoas, onde existem quase oitenta educadores na instituição. (Informação verbal)36.

Importante salientar que nenhum dos educadores sociais desse estudo participa ativamente do sindicato e da associação dos educadores do Estado do Ceará. A maioria só tem conhecimento sobre o sindicato quando vem deduzida a contribuição sindical no contracheque.

A regulamentação da profissão, pela não apropriação das discussões, ainda parece muito confusa para os jovens educadores sociais. Em seus depoimentos, encontra-se: menção à necessidade de valorização salarial e melhoria na estrutura do trabalho, como afirmou o educador E: “a regulamentação tocará na questão da valorização do salário, pela estrutura do trabalho” (Informação verbal)37; referência à valorização subjetiva da atuação, como salientou o educador H:

Essa regulamentação é precisa para

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valorizar mais o educador social, não é querendo falar, mas a gente faz praticamente a mesma coisa que esse pessoal que tem faculdade, só porque tem diploma são mais valorizados. (Informação verbal)38.

Foi justamente a discussão sobre a necessidade ou não de uma formação superior em Educação Social que gerou mais polêmica e posicionamentos divergentes. Os educadores sociais que já possuem formação superior completa ou em andamento, com exceção da educadora L, são categóricos em afirmar a necessidade de uma formação específica e condicionada para a atuação profissional, conforme identificado nos depoimentos:

[...] acredito que o educador social deve passar por uma formação superior, para que seja reconhecido e valorizado como profissional, como acontece com outras profissões. Só a partir disso as pessoas vão ter outro olhar para a Educação Social também. No dia a dia o educador social tem feito a diferença na vida das pessoas, portanto a ideia da Educação Social como profissão é primordial para um processo político de reconhecimento da categoria, de reconhecimento das suas ações. (Informação verbal)39;

[...] o educador social precisa ter um processo de formação sim, porque você está trabalhando diretamente com crianças, que estão em processo de crescimento, de descoberta e você é referência. O educador social tem que ter um processo de formação de graduação, mas também uma formação humana, para quebrar essa visão preconceituosa que muitos têm. Por isso eu digo que não é qualquer pessoa que você coloca ali para estar à frente de uma oficina. O educador social é responsável por vidas e isso não é tão simples. Acho que a formação é de suma importância. (Informação verbal)40;

[...] apesar de estar flutuando nessa discussão, acho que o sonho de todo educador é ter sua profissão reconhecida como uma categoria que desenvolve uma função importantíssima na instituição. E para isso acontecer, vejo que o curso de nível superior em Educação Social tem que ser inserido no nosso contexto, pois essa área está cada vez mais complexa e precisamos de um conhecimento teórico específico, pois só a prática não está trazendo eficiência para o trabalho. (Informação verbal)41.

Este último depoimento traz a importância da

teorização da prática profissional, pois como o próprio educador salienta: “só a prática não está trazendo eficiência para o trabalho”. (Informação verbal)42.

Os educadores de nível médio possuem mais dissensos quanto à questão, mas consideram importante a existência de uma formação, seja superior, de extensão, especialização, como alternativas opcionais, mas jamais como condição obrigatória para inserção na atividade profissional, conforme os relatos:

[...] eu acho que a profissão deve ser regulamentada, mas não sei se a obrigatoriedade de ter o nível superior seria o grande diferencial, porque quando se trabalha com seres humanos, quando se trabalha com gente tudo pode acontecer. Você vai passar dois, três, quatro anos numa cadeira estudando, tendo a parte teórica, mas quando você for para a ponta, cada caso é um caso. Sei lá, a vida é quem mais te ensina. E na Funci tem grandes exemplos desse tipo, pessoas autodidatas e que exercem um trabalho fantástico, são ótimos profissionais sem ter a faculdade. Todo o contexto deve ser levado em consideração, não só o diploma. (Informação verbal)43;

[...] acho importante essa formação acadêmica, mas não sei se ela seria necessária para o engajamento de um profissional na instituição. Como já foi salientado, existem pessoas autodidatas que fazem um trabalho igual ou até melhor do que aquelas que vivenciaram um processo teórico. A exigência do diploma excluirá pessoas capacitadas, mesmo que não tenham o nível superior. Espero que a valorização da profissão não aconteça condicionada a uma formação acadêmica, mas que essa formação seja opcional, ao tempo de cada um. (Informação verbal)44;

[...] eu acho extremamente importante a regulamentação da profissão, para valorizar a categoria, mas isso deve ser feito com todo cuidado, para não perder o caráter popular da atuação. Acho que deve existir um curso de especialização, mas também acho muito complicado exigir essa participação como requisito de contratação, porque senão a gente cai na contradição de exigir um diploma para executar a atividade. A qualificação é uma necessidade nossa, de melhorar a nossa atuação, mas não deve ser encarada como uma exigência mercadológica, para não perder o popular e o nosso jeito de atuar. O diploma não deve ser crucial na contratação de um educador social. (Informação verbal)45.

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Como demonstraram os depoimentos, a questão necessita de mais debates, argumentações e decisões, no mínimo cuidadosas, para não excluir do mercado de trabalho inúmeros trabalhadores, preocupação principal dos educadores sociais que são contrários à exigência de uma formação superior como condição necessária à inserção na atividade profissional.

Nessa questão da regulamentação da profissão, percebe-se a destrutiva separação entre os profissionais “qualificados”, que já alcançaram ou estão prestes a alcançar um patamar mais elevado na concorrência desleal do mercado de trabalho, e os que buscam se manter nesse posto, ainda que não estejam caminhando rumo às exigências desse mercado. No entanto, todos eles – “qualificados ou desqualificados” – vivenciam a “contraditória processualidade do trabalho, que emancipa e aliena, humaniza e sujeita, libera e escraviza”. (ANTUNES, 2009, p. 12).

O pensamento de Antunes (2009), ainda que utilizado para ilustrar as novas formas de intensificação do processo de trabalho produtivo, serve para ilustrar a realidade dos jovens educadores sociais da Coordenadoria-Funci, que prega o discurso do “envolvimento participativo” dos trabalhadores, salientado por Antunes (2009, p. 54), como uma “participação manipuladora e que preserva, na essência, as condições do trabalho alienado e estranhado”.

Tanto os gestores como os jovens educadores não relacionaram diretamente em suas falas possíveis características relacionadas à intensificação das condições de exploração da força de trabalho, mas é possível identificar, nas entrelinhas dos depoimentos e ao longo das observações no âmbito institucional, tais características que podem ser ilustradas da seguinte forma: (i) na redução dos postos de trabalho, já que um único profissional pode desenvolver as mais variadas funções e substituir outro que está de férias, somando à nova atividade as suas funções, como relatado pela educadora J: “se um dia falta um educador de determinada atividade, temos que estar prontos e dispostos a assumi-la nesse dia” (Informação verbal)46; (ii) na desregulamentação dos direitos do trabalho, presente nas inúmeras trocas de empresa de terceirização, como salientou o educador E: “vejo como negativo na Funci o troca-troca de prestadoras de serviços” (Informação verbal)47. Essa realidade muitas vezes obriga os trabalhadores a abrirem mão de seus direitos trabalhistas, para garantirem suas permanências na Instituição, tendo como meio de defesa um “sindicalismo de empresa” 48; (iii) na precarização do trabalho, considerada passível de transformação graças à competência individual de cada profissional, que deve ser criativo, propositivo e garantir, em virtude dos seus poderes de mobilização e articulação com outras instituições, condições estruturais de trabalho sem depender do

que deveria ser obrigação da instituição em garantir-lhes, como ressaltou o educador I:

Trabalhar na Funci é tirar leite de pedra. Não temos estrutura adequada e dependemos da boa vontade das mães e das associações do bairro que nos cedem espaço. (Informação verbal).49

(iv) na terceirização da força de trabalho e na absorção de profissionais para fins políticos de governabilidade, salientadas no depoimento da educadora J:

Deveria existir concurso público ou ao menos a garantia de uma seleção pública por edital, para evitar as indicações políticas, que muitas vezes não entram na Funci com disposição de trabalho. (Informação verbal)50.

Enfim, compreende-se, nesta análise, que a excessiva terceirização é uma prática ilegal, visto que a função de educador social configura-se em uma atividade fim da instituição, e a indicação política para a ocupação de postos de trabalho é, além de ilegal, um amplo desrespeito aos princípios da Administração Pública.

Considera-se que os jovens educadores sociais estão inseridos em um contexto instável e precário de trabalho, onde vigora a “boa” vontade e o compromisso de cada um como fatores primordiais na efetivação dos objetivos institucionais. E a exigência de um profissional polivalente e propositivo, desamparado das condições estruturais mínimas de trabalho, coaduna para a evidente intensificação/exploração do trabalho desses sujeitos, ainda que eles não percebam essa realidade, caracterizada por Antunes (2009) como inibição do afloramento de uma subjetividade autêntica, ou seja, uma subjetividade à disposição do capital.

4 CONCLUSÃO

Considera-se que as percepções dos jovens educadores sociais sobre a profissionalização e as condições de seu trabalho relacionam-se, pelo menos, a três motivações subjetivas e objetivas: pensamento em suas sobrevivências objetivas, ter um emprego; lembrança da própria condição anterior de vulnerabilidade social; e absorção de sua força de trabalho pela instituição pública da qual agora fazem parte na condição de responsáveis por ações demandadas pela política de Educação Social direcionada a crianças e adolescentes. Tais percepções são frutos da paradoxal situação das políticas públicas e seu caráter de institucionalização de práticas pragmáticas e consensuais em benefício da própria governabilidade, como já refletido neste artigo.

Neste sentido, há um consenso social no que

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se refere à construção da profissão e às condições de trabalho, na medida em que os educadores sociais nem sempre se percebem como trabalhadores explorados, que vivenciam a precarização do trabalho. Por outro lado, suas percepções, também se mostram, em alguns casos, impregnadas pelos conflitos sociais inerentes às suas atividades profissionais, como foi possível observar em alguns relatos críticos.

Com efeito, eles vivenciam a dupla dimensão político-pedagógica e político-institucional de suas funções no cotidiano, algumas vezes, valorizadas, outras vezes, meramente absorvidas como força de trabalho, sobrepondo-se a manutenção do modo de fazer da política institucional e não o potencial juvenil voltado para mudanças efetivas na vida de crianças e adolescentes em situação de rua e de outras problemáticas sociais.

A Coordenadoria-Funci acaba criando uma política que transfere a responsabilidade do sucesso das ações para os educadores sociais, na medida em que devem ser vocacionados para o trabalho social, comprometidos, polivalentes, criativos e militantes. Desta forma, observa-se que a referida instituição tem demandado pouca atenção às difíceis condições estruturais de trabalho, à formação profissional continuada e aos baixos salários, uma vez que têm desconsiderado o caráter profissional e elevado às características militantes e de voluntariado.

As concepções do trabalho social como missões vocacional-religiosa, de militância-política e, mesmo técnico-profissional, que partem dos próprios jovens educadores sociais, acabam corroborando com os discursos institucionais e, consequentemente, com a não valorização profissional em termos objetivos, como melhoria salarial e estrutural de trabalho. Esta conotação é arregimentada ainda mais pela posse de capital simbólico que os educadores vêm adquirindo, caracterizado pelo sentimento de valorização e aceitação social por parte da família e da comunidade. Eles agora são referência onde vivem, por estarem inseridos no mercado de trabalho e, ao mesmo tempo, por contribuírem com a transformação e mudança de seus territórios, além de serem reconhecidos como parceiros de trabalho pelos demais profissionais da Instituição, e não mais como educandos, agora estão “entre iguais”.

No que se refere às contratações dos jovens educadores sociais, por parte da Coordenadoria-Funci, considera-se que não se revelam como parte da política da Instituição.

Para alguns gestores e jovens educadores sociais que já foram educandos, é por meio deles – jovens educadores – que é possível alcançar maior aproximação comunitária e junto às crianças e adolescentes, em decorrência da socialização de suas experiências junto a este público. O quesito – já ter sido atendido em um projeto social – pode ser considerado de relevância, no momento da

contratação, mas não se configura como critério institucional, ao lado de outros fatores como formação e experiências profissionais em trabalho comunitário.

Todas as atividades desenvolvidas são bem vindas em seu caráter criativo, artístico e pedagógico, mas não se configuraram, ainda, como atividades profissionais apropriadas efetivamente pela política pública. Outra percepção dos educadores sociais, que contribui para manter as contratações desta forma, refere-se à regulamentação da profissão de educador social. Demonstraram desconhecimento, embora reconhecendo que pode trazer benefícios, como melhoria dos salários, das condições de trabalho e concurso público.

Enfim, nos moldes como hoje se configura a Educação Social na Coordenadoria-Funci, em relação ao fazer profissional dos educadores sociais, sobretudo os jovens educadores sociais desse estudo, observa-se que, embora vigorando certa liberdade de trabalho “quase voluntário”, é pouca a autonomia profissional, pois as práticas pedagógicas são pautadas ao sabor das determinações dos gestores, do tema de discussão que está em voga, e do produto final que talvez traga uma apresentação artística exigida de última hora para ilustrar uma pseudo participação de crianças e adolescentes.

Resulta destas constatações, mais uma vez, a desvalorização objetiva do trabalho que se esconde sob a ideia de valorização daquele que já foi educando, uma espécie de marketing institucional, ganhando reconhecimento externo a partir da estratégia de utilização da força de trabalho juvenil. Assim, tal realidade leva à conclusão de que a Instituição desconhece o papel dos educadores sociais, em especial, os que já foram atendidos em projetos sociais e que estes ainda não adentraram no processo de identificação profissional do educador social. Parecem que ainda estão aprendendo na “escola da vida”, perpetuando a imagem da ajuda voluntária, da dádiva, e se distanciando dos reais objetivos da Educação Social – a efetivação de direitos e a emancipação humana.

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Notas

1 O Programa Crescer com Arte e Cidadania se propõe atender crianças e adolescentes (de 7 a 17 anos) com a finalidade de desenvolver ações que estimulem o exercício da cidadania, o reconhecimento da identidade, o sentimento de pertença, despertando a consciência dos direitos humanos através de oficinas de arte-educação, de acordo com o que rege seu projeto pedagógico. O Programa Ponte de Encontro projeta ações diretas com crianças e adolescentes em situação de rua e abrigamento. Tem seu funcionamento

dividido em três eixos: educação social de rua, casa de passagem e acolhimento institucional.

2 Nomeamos cada educador social com uma letra do alfabeto no sentido de resguardar seus nomes e mostrar diferentes depoimentos que representam as concepções semelhantes e divergentes entre os entrevistados para a construção de sentidos sobre a educação e o trabalho social. Já os gestores são nomeados por seus cargos na instituição.

3 Dados retirados da entrevista realizada com Educador G.

4 Dados retirados da entrevista realizada com Educadora L.

5 A educadora referiu-se a um pronunciamento do governador do Estado do Ceará (Cid Gomes) quando estava em negociação salarial com a categoria de professores da educação básica em greve no período entre agosto e novembro de 2012, ao mencionar que antes de qualquer valor, o professor deveria trabalhar por amor.

6 Dados retirados da entrevista realizada com Educador E.

7 Dados retirados da entrevista realizada na pesquisa.

8 Dados retirados da entrevista realizada com Educadora J.

9 Dados retirados da entrevista realizada com Educadora L.

10 Dados retirados da entrevista realizada com Educador B.

11 Dados retirados da entrevista realizada com Educador F.

12 Dados retirados da entrevista realizada com Educador C.

13 Dados retirados da entrevista realizada com Supervisora de Gestão

14 Dados retirados da entrevista realizada com Coordenador do Programa Crescer com Arte e Cidadania.

15 Dados retirados da entrevista realizada com Coordenador do Programa Ponte de Encontro.

16 Dados retirados da entrevista realizada com Coordenador do Programa Crescer com Arte e Cidadania.

17 Dados retirados da entrevista realizada com Coordenador do Programa Ponte de Encontro.

18 Dados retirados da entrevista realizada com Educadora J.

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19 Secretaria de Direitos Humanos da Prefeitura Municipal de Fortaleza.

20 Dados retirados da entrevista realizada com Coordenador do Programa Ponte de Encontro.

21 Dados retirados da entrevista realizada com Coordenador do Programa Crescer com Arte e Cidadania..

22 Dados retirados da entrevista realizada com Educador C

23 Dados retirados da entrevista realizada na pesquisa.

24 Bairros e comunidades da cidade de Fortaleza que possuem índices elevados de situações de vulnerabilidade social.

25 Dados retirados da entrevista realizada com Educador B.

26 Dados retirados da entrevista realizada com Educador C.

27 Dados retirados da entrevista realizada com Coordenador do Programa Crescer com Arte e Cidadania.

28 Dados retirados da entrevista realizada com Coordenador do Programa Ponte de Encontro.

29 Dados retirados da entrevista realizada na pesquisa.

30 Dados retirados da entrevista realizada com Coordenador do Programa Crescer com Arte e Cidadania.

31 Dados retirados da entrevista realizada na pesquisa..

23 Dados retirados da entrevista realizada com Educador G

33 Dados retirados da entrevista realizada na pesquisa.

34 Dados retirados da entrevista realizada com Educador F..

35 Dados retirados da entrevista realizada na pesquisa

36 Dados retirados da entrevista realizada na pesquisa.

37 Dados retirados da entrevista realizada com Educador F.

38 Dados retirados da entrevista realizada com Educador E.

39 Dados retirados da entrevista realizada na pesquisa. A.

40 Dados retirados da entrevista realizada com Educador

41 Dados retirados da entrevista realizada com Educador E.

42 Dados retirados da entrevista realizada com Educador I.

43 Dados retirados da entrevista realizada com Educador I.

44 Dados retirados da entrevista realizada com Educador C.

45 Dados retirados da entrevista realizada com Educador F.

46 Dados retirados da entrevista realizada com Educador J.

47 Dados retirados da entrevista realizada na pesquisa.

48 Dados retirados da entrevista realizada na pesquisa.

49 Dados retirados da entrevista realizada na pesquisa.

50 Dados retirados da entrevista realizada na pesquisa.

Roberta de Castro CunhaAssistente SocialMestre em Políticas Públicas e Sociedade pela Universidade Estadual do Ceará (UECE)E-mail: [email protected]

Rosemary de Oliveira AlmeidaSociólogaDoutora em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC) Professora do curso de Ciências Sociais e do Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade, da Universidade Estadual do Ceará (UECE)E-mail: [email protected]

Universidade Estadual do Ceará - UECEPalácio da Abolição, Av. Barão de Studart, n. 505 - Meireles, Fortaleza – CeCEP: 60.120-000

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377GESTÃO DE POLÍTICA PÚBLICA DE OFERTA DE CURSOS TÉCNICOS A DISTÂNCIA EM MINAS GERAIS

R. Pol. Públ., São Luís, v.16, n.2, p. 377-387, jul./dez. 2012

GESTÃO DE POLÍTICA PÚBLICA DE OFERTA DE CURSOS TÉCNICOS A DISTÂNCIA EM MINAS GERAIS

Maria Janete VeltenCentro Universitário UNA

Lucília Regina de Souza Machado Centro Universitário UNA

GESTÃO DE POLÍTICA PÚBLICA DE OFERTA DE CURSOS TÉCNICOS A DISTÂNCIA EM MINAS GERAISResumo: Este artigo analisa aspectos da gestão da implementação de política pública de educação a distancia voltada à interiorização da oferta de cursos de educação profissional técnica de nível médio como forma de atender necessidades e demandas do desenvolvimento de territórios. Focaliza os aspectos que dizem respeito à gestão das demandas e das ofertas desses cursos no contexto da implementação do Sistema e-Tec Brasil por Institutos Federais mineiros, entre 2008 e 2010. A pesquisa realizada, quanti-qualitativa, se fundamentou em análise documental e em survey realizado em campi dos Institutos Federais do Sul e Sudeste de Minas Gerais. Os resultados alcançados revelaram problemas na gestão das demandas e ofertas dos cursos técnicos a distância. Mostraram a necessidade de maior atenção às articulações sociais e políticas e ao diálogo com instituições da sociedade civil tendo em vista a tomada de decisões que atendam ao interesse público e à promoção do desenvolvimento dos territórios. Palavras-chave: Educação profissional e tecnológica, Sistema e-Tec Brasil, Institutos Federais de Educação, ciência e tecnologia, gestão de demandas

MANAGEMENT OF THE PUBLIC POLICY FOR THE OFFER OF DISTANCE VOCATIONAL COURSES IN MINAS GERAISAbstract: This paper analyzes aspects of the managing of implementation of public policy for distance education focused on internalization of the offer of vocational education courses in high school as a way to meet needs and demands of the developing of territories. The focused aspects are related to the management of these demands and offers courses in the context of implementation of E-Tec Brazil System-Tec by Federal Institutes, placed in the state of Minas Gerais, between 2008 and 2010. The research, quantitative and qualitative, was based on document analysis and survey conducted in Federal Institutes campuses of South and Southeast of Minas Gerais. The achieved results revealed problems in the management of demands and offers of distance vocational courses. It showed that they need pay more attention to social and political articulations and dialogue with civil society institutions in order to make decisions that deal with the public interest and promote the development of the territories.Key words: Vocational and technological education, Brazil E-Tec System, Federal Institutes of Education, science and technology, management of demands.

Recebido em: 21.06.2012. Aprovado em: 22.10.2012.

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378 Maria Janete Velten, Lucília Regina de Souza Machado

R. Pol. Públ., São Luís, v.16, n.2, p. 377-387, jul./dez. 2012

1 INTRODUÇÃO

Ampliar e democratizar o acesso à educação profissional e tecnológica (EPT) tornou-se um imperativo de política pública comprometida com o desenvolvimento interiorano do país, com o incentivo ao exercício profissional de alto nível, com o estímulo à produção de conhecimentos significativos e a participação ativa dos educandos na construção social dos seus contextos locais.

Essa direção tem sido sinalizada por políticas governamentais nacionais de EPT, o que tem exigido confrontações com os processos reprodutores das desigualdades sociais e de descompromisso com o desenvolvimento local. Nesse sentido, destacam-se a recente Resolução nº 6/12 (BRASIL, 2012), que trazem novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio; as metas do Plano de Desenvolvimento da Educação para essa modalidade educacional; a Lei nº 11.892/08 (BRASIL, 2008b), que instituiu a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica e criou os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia; o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), criado pelo Governo Federal, em 2011, com o objetivo de ampliar a oferta de cursos de EPT; o programa Brasil Profissionalizado instituído em 2007para fortalecer as redes estaduais de EPT mediante repasse de recursos do Governo Federal para os estados investirem na modernização e expansão de suas redes de ensino médio integradas à educação profissional; o Programa Nacional de Integração da Educação Básica com a Educação Profissional na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (Proeja), instituído pelo Decreto nº 5.840/06(BRASIL, 2006), com o propósito de favorecer jovens e adultos que não tiveram a oportunidade de cursar o ensino fundamental e/ou o ensino médio na idade regular e que buscam também uma profissionalização; a Rede Certific, programa executado, de forma gratuita, pela Rede Federal visando à certificação de saberes adquiridos ao longo da vida por trabalhadores; e o Sistema Rede e-Tec Brasil, lançado em 2007-Decreto nº 6.301 (BRASIL, 2007b) com a finalidade de promover a ampliação e a democratização do acesso público e gratuito a cursos técnicos de nível médio mediante tecnologia a distância e o regime de colaboração entre os entes federados e a União.

Este artigo não pretende analisar todas essas iniciativas, mas focalizar especificamente aspectos da gestão da implementação do Sistema e-Tec Brasil, em Minas Gerais, entre 2008 e 2010. Tais recortes analíticos se referem ao cumprimento de diretriz estabelecida pela política pública ao criar tal programa, qual seja o compromisso com o desenvolvimento de territórios. Essa determinação também informa o ordenamento da nova Rede

Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, conforme a Lei nº 11.892/08, que a instituiu.

Para tanto, serão analisados resultados de pesquisa exploratória e descritiva, quanti-qualitativa, realizada em unidades de dois recém-criados Institutos Federais em Minas Gerais, os Institutos Federais do Sul de Minas e o do Sudeste de Minas. O estudo realizado buscou se referenciar na política federal para a EPT de articulação do reordenamento da Rede Federal mediante a criação dos Institutos Federais e a implementação do Sistema e-Tec Brasil. Por outro lado, buscou verificar se também se observavam(-se) necessidades e demandas educacionais dos contextos locais e regionais das cidades definidas como polos presenciais dos cursos técnicos oferecidos a distância.

O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas (IFSULDEMINAS) nasceu da unificação das antigas Escolas Agrotécnicas Federais de Inconfidentes, Machado e Muzambinho e expressa, no seu Plano de Desenvolvimento Institucional (BRASIL, 2009b) preocupação com o envolvimento da comunidade nos seus projetos, principalmente na área de agropecuária com ênfase na agricultura familiar. Exprime, igualmente, propósitos de responsabilidade social, de inclusão social, de promoção do desenvolvimento sustentável mediante a integração das demandas da sociedade e do setor produtivo.

A área territorial de abrangência desse Instituto corresponde à mesorregião sul/sudoeste de Minas Gerais. Seu público-alvo provém desse território e de outras regiões do Estado, assim como de São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia.

O IFSULDEMINAS oferecia, à época da pesquisa, por meio do campus Muzambinho os cursos técnicos na modalidade a distância em Cafeicultura, Informática e Meio Ambiente. O primeiro destinava-se aos polos de Alfenas, Boa Esperança e Três Pontas. O de Informática a Alfenas, Boa Esperança, Cataguases, Juiz de Fora, Timóteo e Três Pontas e o de Meio-Ambiente a Boa Esperança, Juiz de Fora e Três Pontas. Para cada curso eram ofertadas 50 vagas, por turma, preenchidas mediante processo seletivo definido previamente em edital.

O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sudeste de Minas (IFSUDESTE) estava composto à época da pesquisa pelo campus Barbacena (antiga Escola Agrotécnica Federal de Barbacena), campus Juiz de Fora (antigo Colégio Técnico Universitário), campus Rio Pomba (antigo CEFET Rio Pomba), campus Muriaé (unidade nova decorrente do plano de expansão da rede federal) e o Núcleo Avançado de São João Del Rei. Abrange duas mesorregiões: Zona da Mata, com 142 municípios e o Campo das Vertentes, com 36 municípios. No Plano de Desenvolvimento Institucional desse Instituto (BRASIL, 2009a),

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a EPT se apresenta como importante fator do desenvolvimento econômico e social, do ingresso qualificado no mercado de trabalho competitivo e como componente fundamental da formação cidadã.

Do IFSUDESTE participaram da pesquisa: a) o campus Rio Pomba, que ofertava o curso técnico em Meio Ambiente para os polos situados em Porteirinha, Alfenas e Cataguases; b) o campus Barbacena, com a oferta do curso técnico em Agropecuária para os polos situados em Alfenas e Cataguases. Para cada curso eram ofertadas 50 vagas por turma, preenchidas por processo seletivo definido em edital.

A oferta dos cursos técnicos a distância estava configurada conforme Tabela 1.

A pesquisa de campo nesses institutos foi precedida de estudos bibliográficos e consulta documental, formas de obtenção de dados e informações que se mantiveram ao longo da investigação. Os documentos foram recolhidos em sítios eletrônicos dos institutos federais pesquisados e de fontes governamentais (Presidência da

República e Ministério da Educação).Para o levantamento, processamento e

análise das informações primárias utilizou-se o método survey, escolhido pela sua aplicabilidade às pesquisas que se apoiam fundamentalmente em questionários, voltadas à descrição quantitativa, interessadas em saber o que está acontecendo no momento e ambiente da investigação com relação ao problema que se quer ver esclarecido. O questionário foi aplicado presencialmente, compreendeu 38 perguntas (33 fechadas e 5 abertas) e dirigiu-se ao universo dos coordenadores e professores dos cursos técnicos acima mencionados, que estivessem atuando no semestre em que se realizou a consulta.

Conforme se vê na tabela abaixo não foi possível obter a participação de todos os pretendidos pela pesquisa (41) devido aos seus afastamentos para atividades profissionais externas aos campi. Chegou-se, entretanto, ao retorno de 70,7% deles.

Somente questões relacionadas ao problema da investigação foram incluídas no questionário, iniciando-se com as mais simples. Cuidou-se para

Tabela 1 – Oferta de cursos técnicos a distância pelo IFSULDEMINAS e IFSUDESTE

IF Campus Cursos técnicos Número de módulos

Carga horária parcial

Carga horária do

estágio

Carga horária

total

IFSULDEMINAS

Muzambinho Informática 3 1200 240 1440

Cafeicultura 4 1400 200 1600

Meio Ambiente 3 920 0 920

IFSUDESTE

Rio Pomba Meio Ambiente 2 880 0 880

Barbacena Agropecuária 8 1650 200 1850 Fonte: Elaborada pelos autores.

IF Campus Nº prof. por curso

Nº prof. / curso 2º semestre 2010

Total prof. participantes da

pesquisa IFSULDEMINAS Muzambinho 37 23 15

IFSUDESTE Rio Pomba 13 7 7

Barbacena 16 11 7 IFSUDESTE 29 18 14 TOTAL 66 41 29

Tabela 2 – Total de professores dos cursos técnicos a distância e de professores participantes da pesquisa

Fonte: Elaborada pelos autores.

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que elas se reportassem a uma ideia de cada vez, que possibilitassem uma única interpretação, que fossem de fácil entendimento, que não induzissem respostas. Nas questões fechadas, buscou-se cobrir todas as possíveis respostas. Os coordenadores e professores consultados foram informados dos objetivos do estudo e deles se obteve assentimento aos Termos de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Na sequência desta Introdução, serão apresentadas duas seções deste artigo. Na primeira, serão apresentados os elementos de contextualização e caracterização dos Institutos Federais e do Sistema e-Tec Brasil e os conceitos de gestão de ofertas e demandas de cursos na sua relação com as determinações legais que orientam a política educacional em exame. Na seção seguinte, serão apresentados e analisados os resultados da pesquisa realizada. Por último, as considerações finais.

2 OS INSTITUTOS FEDERAIS, O SISTEMA e-TEC BRASIL E A GESTÃO DE OFERTAS E DEMANDAS DE CURSOS TÉCNICOS A DISTÂNCIA

A atual política nacional de EPT prevê seu alinhamento com outras políticas sociais setoriais visando à promoção do desenvolvimento local em todo o país, sobretudo em regiões periféricas e distantes dos maiores centros urbanos. A perspectiva é de que a EPT se interiorize territorialmente e efetive o direito humano ao conhecimento social, universal, superando concepções restritivas de cunho mercantil, pragmático e utilitário. Propõe para isto sua inserção social no contexto dos territórios, de forma democrática e participativa, promovendo a formação de cidadãos autônomos, com formação ampla e crítica, criatividade científica e técnica, consciência social e do papel que lhes cabe no desenvolvimento das localidades em que vivem. Esta articulação contextual requer decisão política consequente, arranjos político-organizacionais apropriados, estruturas institucionais eficientes, alinhamentos entre ofertas e demandas educacionais, distribuição justa e equilibrada e qualidade social.

2.1 Os Institutos Federais

Os Institutos Federais foram criados como política pública para responderem a essas necessidades de articulação e alinhamento da EPT com as premissas do desenvolvimento local. A Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008, que instituiu a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica e criou os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, integra um conjunto de medidas normativas visando à concretização do Plano de Desenvolvimento da Educação - PDE

(BRASIL, 2007a), considerado como importante componente educacional do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) do Governo Federal.

A criação dos Institutos Federais revela a concepção de um novo modelo de EPT, que tem um marco importante na Lei nº 11.741/08, de 16 de julho de 2008 (BRASIL, 2008c), que veio alterar dispositivos da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996), de diretrizes e bases da educação nacional, visando ao redimensionamento, institucionalização e integração das ações da educação profissional técnica de nível médio, da educação de jovens e adultos e da EPT.

Os Institutos Federais se identificam por estrutura diferenciada, originada da agregação/transformação de instituições educacionais federais previamente existentes, e surgem com o propósito de afirmar o papel estratégico da educação pública, em especial, da EPT no fomento do desenvolvimento do país. Têm como finalidade primordial a

Promoção da justiça social, da equidade, do desenvolvimento sustentável com vistas à inclusão social, bem como à busca de soluções técnicas e geração de novas tecnologias. (SILVA, 2009, p.8).

A esse desiderato são chamados a responder de forma ágil e eficaz considerando-se as demandas crescentes por formação profissional, conhecimento científico e suporte técnico aos arranjos produtivos locais.

Como política pública, tais institutos foram “pensados em função da sociedade como um todo na perspectiva de sua transformação”. (BRASIL, 2008a, p.19). Política que pressupõe o compromisso de operar

A igualdade na diversidade (social, econômica, geográfica e cultural) e ainda estar articulada a outras políticas (de trabalho e renda, de desenvolvimento setorial, ambiental, social e mesmo educacional, dentre outras). (BRASIL, 2008a, p.19).

O enfrentamento de tais desafios exige que os Institutos Federais considerem questões relativas aos territórios em que se encontram especialmente suas especificidades culturais e diferentes potencialidades de desenvolvimento. Isso significa compreender o território como lugar onde se produzem e reproduzem as contradições sociais e as disputas políticas que perpassam o estado e a sociedade, situações que impactam as perspectivas e possibilidades do desenvolvimento, igualmente afetadas pelo fenômeno da globalização e pela difícil tarefa de como com ele se articular de forma a favorecer os dinamismos locais. (CASANOVA, 2004).

Conforme Schneider (2004), a noção de

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território não se refere somente a uma referência teórica e conceitual, já que é fundamental ao planejamento de ações propulsoras do desenvolvimento. Com esse sentido tal noção orientou a criação dos Institutos Federais, a definição das unidades integrantes e a delimitação geográfica de cada um, mesorregiões socioeconômicas dos estados da federação brasileira. Mais que espaço físico, entendeu-se

[...] território enquanto construção sociocultural que ocorre em determinado espaço e tempo. Trata-se, portanto, de um espaço estabelecido por grupos sociais a partir de suas identidades e das interações que ocorrem entre si, num determinado tempo histórico. Esse cenário exige que se supere a dimensão apenas geográfica de território e passe a percebê-lo como espaço de rede de relações sociais em permanente movimento e, consequentemente, em constante mutação. (SILVA, 2009, p. 36).

Isso significa que os Institutos Federais, nas suas ações educacionais, precisam estar atentos às conexões entre lugares e sujeitos sociais, à dinâmica da construção social do seu território de abrangência, às ações de mobilização da sociedade com vistas à construção de parcerias e compromissos comuns. Significa entender-se como parte integrante do território, concebido como sujeito de seu próprio desenvolvimento, como redes sociais trabalhando em prol da valorização dos seus próprios atributos. (ABRAMOVAY, 1998).

Percebe-se, assim, que na arquitetura da implantação dos Institutos Federais a perspectiva da territorialidade como interface entre as dimensões físicas, sociais e culturais, tal como expressa Albagli e Maciel (2004), está presente. Assim, cada Instituto Federal teria seu território como seu contexto primordial e o desenvolvimento socioeconômico local, regional e nacional como desafios e compromissos fundamentais. Com isso, deles se espera atuação de forma articulada, contextualizada e sistêmica e em sintonia com as necessidades do desenvolvimento territorial e dos arranjos produtivos, culturais, sociais e educacionais locais. Sem perder o sentido universal da educação, a atuação dos Institutos Federais em prol do desenvolvimento territorial é compreendida como fundamental estímulo às populações, antes apartadas do acesso à educação pública de qualidade. Trata-se, segundo Arruda (2010) de referencial inovador de educação pública, de um novo patamar na construção e democratização social do conhecimento científico e tecnológico.

2.2 O Sistema e-Tec Brasil

Sancionado pelo Decreto N° 6.301, de 12

de dezembro de 2007 (BRASIL, 2007b), o Sistema e-Tec Brasil tem a finalidade de levar cursos técnicos de nível médio a regiões distantes das instituições educacionais e para a periferia das grandes cidades brasileiras, integrando as estratégias de expansão da EPT no país. Com tal perspectiva, interpretou o objetivo do I Plano Nacional de Educação – I PNE de incentivar

A produção de programas de educação a distância que ampliem as possibilidades de educação profissional permanente para toda a população economicamente ativa. (BRASIL, 2001, p.55).

O Sistema e-Tec Brasil abrange a educação profissional técnica de nível médio, regulamentada pela Lei nº 11.741/08, traz em seu discurso o intuito de democratizar a educação e, com isso, desenvolver as regiões beneficiadas. Portanto, é de fundamental importância para o seu sucesso que a oferta dos cursos seja precedida de uma avaliação de demanda real.

A premissa básica que orienta a oferta dos cursos pelo Sistema e-Tec Brasil é a de vinculação estreita com as demandas regionais por EPT de nível médio. Para tanto, é necessário que as instituições envolvidas se organizem nesse sentido e que cada curso oferecido seja tratado como um projeto específico e ajustado à realidade para a qual se destina. (NOGUEIRA, 2009). As atividades presenciais ou a distância precisam estar em consonância com a realidade econômica local e permitir, dentro das possibilidades institucionais, o desenvolvimento socioeconômico. É importante considerar a norma que orienta a não implantação de cursos onde não existam demanda para eles.

Compreender o significado da criação do Sistema e-Tec Brasil implica considerar as novas formas de pensar, aprender, agir, trabalhar e se relacionar com o mundo a partir das mudanças tecnológicas advindas com a Internet e as redes sociais virtuais de relacionamento. Implica, entretanto, levar em conta as peculiaridades da educação no Brasil, os aspectos específicos da cultura brasileira e as necessidades do país com relação à expansão da educação profissional como fator fundamental à promoção do desenvolvimento socioeconômico.

2.3 Gestão de demandas e ofertas de cursos

Para que as políticas públicas de EPT possam favorecer o desenvolvimento social de forma efetiva e duradoura, é fundamental que sejam geridas de forma democrática, respeitando as diversidades envolvidas. Isso significa gestão interativa, inclusiva, acessível e articulada com outras políticas sociais e projetos de desenvolvimento, numa permanente sintonia com a sociedade civil, o mundo do trabalho

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e a cidadania coletiva. (MACHADO, 2009). Trata-se de “resultado de embate de forças e tensões alocadas pelos diversos focos de interesses e solicitações sociais”. (GONÇALVES, 2008, p.97).

Nesse processo, o que está em jogo é a garantia da qualidade e quantidade na oferta dos serviços educacionais, das oportunidades de acesso e de permanência nos cursos pelos alunos, da correspondência com as reais necessidades locais, o que pressupõe articulações e concertações entre setores, pessoas e instituições.

Para tanto, a noção de território é importante, pois se acha associada ao reconhecimento das necessidades sociais, à minimização dos custos devido à maior eficiência na utilização dos recursos disponíveis localmente, e a desenhos curriculares pertinentes, inovadores e flexíveis. Ela requer, entretanto, ações intencionais e planejadas, sujeitos identificados e mobilizados na definição conjunta de objetivos a serem conquistados, de estratégias a serem seguidas, no monitoramento de resultados de forma a garantir as finalidades e a continuidade das ações. (MACHADO, 2009).

Trata-se de um processo político de articulação e concertação de interesses sociais que pode abrir caminhos para as escolhas baseadas em consensos, as iniciativas referenciadas no saber e no discernimento crítico, a participação social de todos os segmentos sociais interessados, a discussão em torno dos grandes desafios, prioridades e necessidades locais.

Mas, segundo Machado (2009), é importante considerar que para a perspectiva territorial de gestão de demandas e ofertas de EPT não há uma fórmula de uso geral, pois ela requer atenção à heterogeneidade social e econômica dos territórios e à diversidade de estratégias em razão das especificidades dos sujeitos, empresas e instituições envolvidos.

Isso é importante, pois a proposta do Sistema e-Tec Brasil é de atuar em todos os territórios brasileiros, contextos de grandes diversidades em todos os sentidos na medida em que cada um, conforme definição de Favareto e Bergamasco (2009, p. 160), pode ser “concebido como um espaço geográfico, mas construído socialmente, marcado culturalmente e delimitado institucionalmente”.

3 OS RESULTADOS DA PESQUISA REALIZADA

A análise dos resultados da pesquisa baseia-se em dados obtidos na consulta aos professores em atividade nos cursos técnicos a distância no segundo semestre de 2010, em informações sobre políticas do Governo Federal para a EPT, na legislação de criação dos Institutos Federais e do Sistema Escola Técnica Aberta do Brasil - e-Tec, nos dados obtidos sobre os Institutos Federais participantes da pesquisa e nas observações diretas

do seu contexto institucional e local permitidas pelo momento da coleta de dados.

3.1 Dados obtidos

Segundo os professores do IFSULDEMINAS participantes da pesquisa, para a oferta dos cursos técnicos a distancia é realizado um levantamento sobre as necessidades e demandas. 80,0% disseram que isso é feito em diálogo com o poder público municipal, 70,0% afirmaram que a consulta ocorre junto ao setor urbano e 60,0% com o rural, seguindo a tradição do campus Muzambinho, que como escola agrotécnica já a fazia. A consulta aos arranjos produtivos existentes no território comparece em 50,0% dos questionários. Entretanto, as orientações legais e da política educacional que informam a criação dos Institutos Federais e do Sistema e-Tec enfatizam os arranjos produtivos locais como setor preferencial no levantamento de demandas.

Esse levantamento seria conhecido, acompanhado e até mesmo fácil de realizar conforme parte significativa dos docentes consultados (46,6 %). Entretanto, um percentual significativo deles (40,0%) demonstrou ter certo distanciamento em relação à realidade dos locais de origem dos alunos que realizam os cursos, apesar da recomendação do Sistema e-Tec da busca de sintonia da formação oferecida com as necessidades da região dos alunos de modo a valorizar as iniciativas e empreendimentos econômicos locais e contribuir para a fixação da força de trabalho nos seus locais de origem.

As políticas de desenvolvimento local referentes às questões agrícolas, agrárias, ambientais, tecnológicas e educacionais foram as mais citadas com relação ao processo da constituição dos cursos. Além de não terem sido citadas por todos os professores envolvidos nos cursos oferecidos, nem todos eles confirmaram participar das análises e discussões sobre demandas de cursos.

É importante registrar que os setores com os quais o campus Muzambinho vem conversando para o desenvolvimento dos cursos técnicos a distância é um assunto desconhecido por mais da metade dos professores deste campus ouvidos pela pesquisa. Mas, segundo eles, o conteúdo curricular dos cursos ofertados, tão importante para atender ao desenvolvimento territorial, contempla fortemente elementos da problemática social (73,3% dos questionários recebidos), ambiental (93,3%), da identidade cultural (53,3%) e econômica (86,7%) dos territórios de abrangência.

Para atender as demandas do território e de seu desenvolvimento por meio de cursos técnicos do Sistema e-Tec Brasil, os professores do IFSULDEMINAS consideraram que as dificuldades se deviam principalmente à inexistência de levantamento apurado dessas demandas; à formação incipiente dos docentes, tutores, equipe

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pedagógica e administrativa; à falta de adequação dos conteúdos à realidade local; ao pequeno número de docentes que atuam no sistema; à deficiência na estruturação dos cursos e ao frágil envolvimento com a comunidade. Os professores consultados consideraram que, para realizar a sintonia com as demandas do território, as principais soluções seriam a formatação de currículos contextualizados com as necessidades locais; ofertas condizentes com as demandas dos diversos setores da região e capacitação adequada dos docentes e tutores.

Os professores do IFSUDESTE que foram consultados apresentavam mais tempo de atuação no Sistema e-Tec Brasil do que os do IFSULDEMINAS. Entretanto, não consideraram o Sistema e-Tec como uma estratégia de grande expressividade para a expansão do ensino técnico no país. O levantamento das necessidades por cursos estaria sendo realizado e de forma frequente pelos dois campi para 78,6% dos respondentes. 72,7% confirmaram que esse diálogo estaria sendo feito com os setores públicos municipais, 81,8% disseram que as consultas contemplavam o setor rural e 54,5% afirmaram a existência de consultas ao setor urbano. Empregadores e cooperativas aparecem como interlocutores pouco ouvidos e os arranjos produtivos locais não são tomados como parceiros, apesar das determinações legais nesse sentido. Entidades da sociedade civil, trabalhadores autônomos e, principalmente, o poder público estadual não estaria participando do processo de consulta para a constituição das demandas por cursos técnicos.

Para a oferta dos cursos, os dois campi do IFSUDESTE, baseados em suas experiências e tradições agrícolas, estariam se referenciando de forma mais frequente nas políticas agrícolas e agrárias (27,3% dos questionários), ambientais (18,0%) e educacionais (13,6%).

Tal como no IFSULDEMINAS, neste Instituto, os órgãos públicos envolvidos na deliberação sobre oferta dos cursos eram os próprios institutos, a Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação e as Secretarias Municipais de Educação das localidades atendidas. Por outro lado, é importante destacar que 28,6% dos docentes do IFSUDESTE consultados pela pesquisa não souberam indicar quais órgãos da gestão pública vêm participando das decisões sobre oferta dos cursos técnicos a distância da qual participam.

Dos professores do IFSUDESTE ouvidos pela pesquisa, somente 35,7% consideravam a existência de envolvimento da comunidade do entorno territorial na discussão sobre a oferta e acompanhamento dos cursos técnicos oferecidos a distância. Com relação à comunidade interna desse Instituto, o posicionamento majoritário dos respondentes foi de que somente parte dela estaria envolvida nas discussões.

55,6% dos professores consultados do IFSUDESTE afirmaram que as secretarias municipais de educação das áreas de abrangências dos seus campi constituem o setor mais consultado com relação à oferta dos cursos técnicos a distância. Os consultados afirmaram que, dentre os setores que não são ouvidos sobre tal assunto, encontram-se os empreendimentos da economia solidária e as escolas estaduais e particulares da região.

Para apenas 42,9% dos professores consultados desse Instituto o conteúdo curricular dos cursos ofertados apresenta elementos das problemáticas sociais locais. Uma proporção ainda menor (35,7%) confirma a inclusão de temas referentes às identidades culturais locais. No entanto, de forma coerente com as temáticas indicadas pelo Ministério da Educação para os eixos tecnológicos dos cursos ofertados, o conteúdo curricular, segundo 100,0% dos consultados, estaria contemplando conteúdos da problemática ambiental e, para 85,7%, as questões referentes à identidade econômica da área de abrangência dos campi.

Os professores do IFSUDESTE, em resposta aos principais problemas encontrados na busca de contribuição ao desenvolvimento dos territórios de seu entorno, afirmaram existir problemas nos polos presenciais com relação à formação, profissionalização e definição de atividades dos tutores, de inadequação dos currículos à realidade local. Citaram, ainda, os problemas e as motivações de ordem político-partidária que resultaram em desarmonia entre os entes federativos. Questionaram a interferência política local na composição dos quadros de pessoal dos polos e o pouco contato dos dirigentes do Instituto com governantes locais. O pouco conhecimento dos aspectos administrativos do Sistema e-Tec foi também lembrado e isso estaria provocando, segundo os professores que os mencionaram, atrasos nos processos de abertura de novos cursos e turmas. Referiram-se, ainda, à insuficiência de professores e de funcionários técnico-administrativos para atender às necessidades dos cursos técnicos a distância.

4 CONCLUSÃO

Segundo Almandoz (2009), a complexidade e especificidade da EPT transcendem o educacional para contemplar as dinâmicas dos sistemas sociolaboral e socioprodutivo, sendo necessário, portanto, identificar as necessidades de interlocução e integração, reconhecendo as diferenças entre as representações sociais, as expectativas e os interesses dos setores envolvidos. Daí a importância de fortalecer as instâncias do diálogo social, reconhecendo-o como um dispositivo político, que envolve diversos organismos públicos, instituições privadas e a sociedade civil.

Pelo que se viu nas informações colhidas

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na pesquisa realizada, o diálogo social referente às demandas por cursos técnicos a distancia e à deliberação sobre sua oferta e desenvolvimento ainda se apresenta frágil na implementação do Sistema e-Tec Brasil. Um diálogo social frágil resulta em ações fragmentadas, desarticuladas da realidade local, com paralelismos nas ofertas, com centralização das decisões, informações e recursos, provocando divergências quanto aos objetivos e papel de cada área, unidade, instituição ou serviço. A interlocução requerida pressupõe a concertação de diferentes lógicas e interesses, a resolução de pontos de tensão entre os diversos sujeitos sociais e políticos. Trata-se de desafio complexo cuja superação depende de preparação dos interlocutores, de vontade política e de efetivação de compromissos assumidos por setores envolvidos.

Outra questão que merece ser destacada diz respeito ao significado de território. Os Institutos Federais trazem em sua constituição o conceito territorial geográfico, referente à localização estratégica da Reitoria e dos campi, mas também agregam o conceito de território como conexão entre sujeitos e lugares com base na cultura, no sentimento de pertencimento, na história comum. Do ponto de vista físico, possuem um território de abrangência referido a uma ou mais mesorregiões do estado. Mas só isso não significa que as afinidades com as pessoas e instituições locais estejam asseguradas.

Os polos atendidos pelos Institutos que fizeram parte da pesquisa estão distribuídos por várias regiões do território mineiro e cada qual possui suas manifestações culturais, identidades sociais, configurações econômicas e políticas. Esses polos nem sempre estão localizados nas mesorregiões de abrangência dos Institutos que os atende. Como então considerar o conceito de territórios de abrangência nesses casos? Considerando a formatação atual, os Institutos teriam que assumir a região onde o polo está situado como parte do seu território de abrangência para fazer o levantamento das demandas por cursos técnicos a distância? Como evitar a homogeneização dos conteúdos e oferecer uma EPT respeitadora das diversidades quando se trata de educação a distância? Como tornar matrizes curriculares de cursos técnicos a distância aderentes às características socioculturais e do mercado de trabalho territorial se a oferta se dirige a polos geograficamente distantes das áreas de abrangência dos Institutos? Não seria o caso de realizar a constituição das demandas locais com o concurso de todos os Institutos Federais que tenham a intenção de fazer suas ofertas aos mesmos polos?

A preparação de pessoal docente e técnico para atuar na EPT a distância foi um dos principais problemas encontrados nesta pesquisa. Conforme Machado, existe uma carência de pessoal docente qualificado para a EPT, sendo que os mesmos também enfrentam,

[...] novos desafios relacionados às mudanças organizacionais que afetam as relações profissionais, aos efeitos das inovações tecnológicas sobre as atividades de trabalho e culturas profissionais, ao novo papel que os sistemas simbólicos desempenham na estruturação do mundo do trabalho, ao aumento das exigências de qualidade na produção e nos serviços, à exigência de maior atenção à justiça social, às questões éticas e de sustentabilidade ambiental. São novas demandas à construção e reestruturação dos saberes e conhecimentos fundamentais à análise, reflexão e intervenções críticas e criativas na atividade de trabalho. (MACHADO, 2008, p.10).

À insuficiência da formação do pessoal docente e técnico para atuar na EPT alia-se outro desafio: a modalidade a distância. A educação a distância possui características próprias, as quais tornam particulares e distintos o seu enfoque, seus meios, métodos e estratégias. A pesquisa realizada permitiu constatar que os professores consultados, apesar de em determinados momentos se declararem plenamente aptos para a atuação nesta modalidade educacional, noutros se revelaram incomodados em face dos desafios encontrados e da falta de docentes em número necessário para o desenvolvimento dos cursos.

Por outro lado, a oferta na EPT deve se referenciar em dados atualizados sobre as atividades produtivas existentes no local ou região, nas tendências observadas no mundo do trabalho, nos recursos existentes no território, nos programas e projetos educacionais em andamento ou previstos para serem oferecidos e nas características sociodemográficas, culturais e educacionais da população a ser atendida.

Conhecer e fazer a gestão da demanda educacional e de forma bem conduzida potencializa a função social da educação. Isso, entretanto, não é tarefa simples, pois requer aproximação, articulação e concertação de diversos sujeitos sociais e políticos, com outras políticas públicas setoriais, levando-se em conta, ainda, as implicações das inovações tecnológicas, organizacionais, econômicas e sociais, o fenômeno da dialética global e local.

Segundo a autora,

[...] a gestão de ofertas de qualificação e de ETP [Educação Técnica e Profissional] compreende ações exercidas com a finalidade de zelar para que haja ampla, suficiente e adequada oferta de bens e serviços de qualificação e de ETP, oportunidades de acesso aos seus processos de obtenção e de permanência, conforme demandas identificadas. (MACHADO, 2009, p.18).

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Trata-se, portanto, de um cuidado importante em atenção às necessidades da economia e do desenvolvimento do território, mas também de respeito ao direito das pessoas, pois conforme apregoa o Sistema e-Tec Brasil, a EPT deve ser interativa e flexível com relação às diversidades de diferentes origens, articulada com os setores produtivos e a sociedade na perspectiva do desenvolvimento socioeconômico e ambiental, local e regional.

O trabalho de adequação entre demanda e oferta de cursos técnicos na esfera de atuação do Sistema e-Tec Brasil se revela de crucial importância, pois tal política embora desenhada centralmente, no Ministério da Educação, pressupõe que sua operacionalização comporte mecanismos de gestão social e deve ser capaz de responder às necessidades sociais e econômicas dos indivíduos e dos territórios atendidos. Ela reivindica o exercício do diálogo e a participação social na definição de prioridades, na tomada de decisões e na identificação e sistematização das informações relevantes com relação a conhecimentos que precisam ser contemplados nos currículos. Todos esses processos contribuem para fortalecer e fomentar a capacidade endógena dos sujeitos locais, estratégia crucial quando se trata da promoção do desenvolvimento local.

Portanto, a gestão social do alinhamento entre oferta e demanda de cursos técnicos a distância, contemplando tipos de cursos por região, verificação de ofertas similares eventualmente superpostas, características da população-alvo, volume e qualidade social necessária da oferta, se mostra essencial para a implementação do Sistema e-Tec Brasil por meio dos Institutos Federais. A despeito disso, a pesquisa realizada mostrou que essa lógica de gestão se apresentava pouco desenvolvida no âmbito do Sistema e-Tec, em Minas Gerais. Tal consideração não significa fazer qualquer juízo de valor como relação à qualidade dos cursos técnicos a distância que estavam sendo ofertados pelos Institutos contemplados pela pesquisa realizada, nem tão pouco com relação à sua pertinência, pois não foi esse o objetivo da investigação. Considerou-se, simplesmente, a existência de um espaço crítico na gestão da construção das demandas educacionais e das tomadas de decisão quanto aos cursos a serem oferecidos que, se bem trabalhado, pode aumentar significativamente as potencialidades do recurso a distância na EPT com relação à sua expansão, alcance e significado social.

Visando contribuir para o enfrentamento desse desafio, produziu-se, a partir da pesquisa realizada, um guia metodológico, uma ferramenta destinada ao registro de informações que facilitem o processo de análise e a tomada de decisões visando ao alinhamento das demandas e ofertas dos cursos técnicos a distância tendo em vista o atendimento

das necessidades do desenvolvimento territorial. Esse guia contempla informações para as fases que antecedem a oferta de um novo curso, de término de cada período letivo e para o ensejo do surgimento de propostas de constituição de novas turmas de cursos em andamento. Tais informações abarcam as identidades regionais, as demandas sociais, o perfil e a necessidade ou não do curso na região, a pertinência do curso para o contexto geográfico e socioeconômico do território de abrangência, a construção da matriz curricular para a região a ser atendida, as aplicações do regime de colaboração, controle de evasão, perfil dos docentes e os impactos sociais esperados.

A pesquisa realizada se inseriu num campo de estudos ainda pouco estudado, o da gestão social da EPT a distância, especialmente com relação à atuação dos Institutos Federais em seus territórios de atuação. Ela teve pretensões exploratórias, de ser um estudo preliminar e aproximativo tendo em vista uma visão geral do problema e a realização de estudos posteriores mais aprofundados e detalhados. Espera-se ter despertado o interesse de outros pesquisadores sobre o tema estudado e ter contribuído para a identificação de questões que requerem atenção particular para fins de investigação ou de intervenção social.

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Lucília Regina de Souza Machado SociólogaDoutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São PauloCoordenadora do Programa em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNAEmail: [email protected]

Centro Universitário UNARua Guajajaras 175 – 5º andar, CentroBelo Horizonte – MG.CEP: 30180 100

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MUDANÇAS NO PENSAMENTO SOBRE DESENVOLVIMENTO: o novo-desenvolvimentismo brasileiro

MUDANÇAS NO PENSAMENTO SOBRE DESENVOLVIMENTO: o novo-desenvolvimentismo brasileiro

Vânia Cardoso da MottaUniversidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

MUDANÇAS NO PENSAMENTO SOBRE DESENVOLVIMENTO: o novo-desenvolvimentismo brasileiro Resumo: Este artigo discorre sobre o processo de mudança do pensamento sobre o desenvolvimento formulado pelos organismos internacionais na virada do milênio e sobre o modelo novo-desenvolvimentista que vem sendo implementado no Brasil a partir do segundo mandato do governo de Lula. Objetiva indicar elementos que foram introduzidos nesse período e que possam contribuir com as análises da atual conjuntura, à luz dos debates sobre o nacional desenvolvimentismo dos anos 1950-70. Palavras-chave: Capital social, ideologia do desenvolvimento, organismos internacionais, novo-desenvolvimentismo.

CHANGES IN THINKING ABOUT DEVELOPMENT: the new Brazilian developmentalismAbstract: This article discusses the change of mind process on development formulated by international organizations at the turn of the millennium and the new-developmental model that is being implemented in Brazil since the second term of Lula's government. It aims to point at elements that were introduced during this period and may have contributed to the analysis of the current situation in the light of debates over national developmentalism between 1950-70. Key words: Social capital, ideology of development, international organizations, new developmentalism.

Recebido em: 25.01.2012. Aprovado em: 22.10.2012.

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Vânia Cardoso da Motta

1 INTRODUÇÃO

No governo de Luis Inácio Lula da Silva, mais especificamente a partir do segundo mandato, a ideia de desenvolvimento econômico e social do país é retomada e difundida pela base governista como um modelo de desenvolvimento alternativo ao neoliberalismo. Neste modelo “novo-desenvolvimentista” são resgatados elementos do nacional desenvolvimentismo dos anos 1950-1970, tais como crescimento econômico e redistribuição de renda, porém ainda operando segundo as premissas do “livre” mercado, das grandes fusões e aquisições de empresas, da hipertrofia do capital financeiro, entre outros aspectos que compuseram a dura conjuntura neoliberal para os trabalhadores.

Entendemos que a inserção dessas “novas” medidas econômicas, após a crise de hegemonia da “doutrina neoliberal” no limiar do século XXI (PAULANI, 2008), expressa uma nova composição de expansão do capital com novos elementos de hegemonia sem, contudo, superar sua estreiteza.1

No âmbito deste artigo, buscaremos indicar elementos que possam contribuir para algumas reflexões sobre a atual conjuntura desenvolvimentista no Brasil, a partir de uma perspectiva histórico-cronológica da trajetória do pensamento desenvolvimentista dos anos 1930 até a virada do milênio. Inicialmente, fazendo um breve resgate da discussão sobre desenvolvimento, analisados à luz de clássicos do pensamento crítico social brasileiro, que indica o caráter ideológico que permeia e permeou os processos políticos calcados na ideia de desenvolvimento econômico e social em suas diferentes fases de expansão do capital. Seguiremos indicando o processo de mudança do pensamento sobre desenvolvimento que ocorre na direção dos organismos internacionais na virada do milênio. E, por último, noções sobre o modelo novo-desenvolvimentista brasileiro em curso.

2 IDEOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO

A ideia de desenvolvimento na América Latina surgiu nos anos 1930-40 no processo de enfrentamento dos problemas imediatos e severos da “grande depressão” dos anos 1930, associada à tese de modernização dos setores produtivos e sociais como forma de transição ao capitalismo avançado. Tratava-se de um projeto político de desenvolvimento da nação brasileira e de transição ao capitalismo avançado, em meio a uma grande crise econômica e política2.

Florestan Fernandes (2006, p. 254), ao esboçar um estudo sobre “a formação e o desenvolvimento da ordem social competitiva”, apontou três modalidades de pressão sofrida pela burguesia brasileira depois da década de 1930: 1) a “pressão de fora para dentro, nascida das

estruturas e dinamismos do capitalismo monopolista mundial” que ameaçavam vários interesses internos e punham em causa “a base material de poder de certos setores da burguesia brasileira; 2) a pressão do “proletariado e das massas populares” voltada para a formação de um “novo pacto social”, porém “contida nos limites da ‘revolução dentro da ordem’”; 3) a intervenção do Estado na esfera econômica. A reação da burguesia brasileira, mais especificamente “dos setores dominantes das classes altas e médias”, frente a estas pressões foi aglutinar “em torno de uma contra-revolução autodefensiva”. (FERNANDES, 2006, p. 255).

Até então, esclareceu Marini (2010, p. 103), a teoria social produzida nos países latino-americanos partia das considerações da questão nacional. Mas foi nos anos pós-segunda guerra, com a criação da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL)3 que um corpo teórico sobre desenvolvimento econômico foi fortalecido e se formulou uma “corrente estruturada e [...] original de pensamento sobre a região”, sistematizada como teoria do desenvolvimento4.

As teses centrais da teoria do desenvolvimento cepalino, calcadas no etapismo e na modernização, concebem o desenvolvimento econômico como um continuum no qual o subdesenvolvimento constitui uma etapa anterior ao desenvolvimento pleno (superar etapas do atraso de certos setores produtivos como forma de atingir o modelo de desenvolvimento dos países centrais) e implica a modernização das condições econômicas, sociais, institucionais e ideológicas dos países periféricos, nos padrões dos países centrais.

Segundo Marini (2010, p. 104), tais análises foram realizadas em decorrência da necessidade de “responder à inquietude e à inconformidade manifestadas pelas novas nações que emergiam para a vida independente, a partir do processo de descolonização, ao se darem conta das enormes desigualdades que caracterizavam as relações econômicas internacionais”. A base metodológica da teoria de desenvolvimento cepalina era “explicar e justificar essas disparidades”. (MARINI, 2010, p.106). No entanto, “por ser essencialmente descritiva, não possu(ia) nenhuma capacidade explicativa” (MARINI, 2010, p. 106), o que indicava o caráter ideológico da teoria do desenvolvimento produzida e amplamente difundida pela Cepal.

Nesse período histórico, as disputas pela hegemonia são acirradas com a formação de dois grandes blocos antagônicos – socialista e capitalista. E havia uma tensão relacionada ao aumento da influência comunista nos novos países independentes. Nesta perspectiva, dois aspectos centrais estavam postos na teoria do desenvolvimento cepalino: sua imbricação direta com o “problema” da pobreza nesses países e a ascensão de políticas de segurança que extrapolaram as fronteiras de Estado5.

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MUDANÇAS NO PENSAMENTO SOBRE DESENVOLVIMENTO: o novo-desenvolvimentismo brasileiro

A concepção de desenvolvimento predominante, que entendia a condição de “subdesenvolvimento” econômico e “atraso” cultural como impeditivos ao progresso, também via a pobreza como uma “ameaça à coesão social”, um risco à segurança internacional. Conforme McNamara, então diretor do Banco Mundial: “a pobreza é a mãe do comunismo que destrói as liberdades e a democracia”. (LEHER, 1998, p. 199).

É importante destacar, também, que o processo de transformação da estrutura produtiva interna brasileira foi possível por causa das condições extremamente favoráveis do capitalismo mundial no pós-guerra. Tratava-se de um período de extraordinária expansão e crescimento das economias e de internacionalização do capital produtivo, e o Brasil possuía um grande mercado potencial. Nesse sentido, a inserção internacional do Brasil como resultado do processo de industrialização deu-se dentro do “padrão de desenvolvimento tardio” e, em grande parte, de forma subordinada ao processo mais global e com a conservação da dualidade estrutural, combinando “setores atrasados” com “setores modernos”, do tipo “desigual e combinado”6.

Já Florestan não atribui o capitalismo dependente exclusivamente à dominação externa. Trata-se de uma variante do capitalismo, moldado pelas forças sociais hegemônicas articuladas

De fora para dentro’ (dos centros capitalistas hegemônicos para as economias capitalistas dependentes) e ‘de dentro para fora’ (da periferia para os centros hegemônicos). (CARDOSO, 2005, p.18).

Um tipo de capitalismo dependente marcado pela sobreexploração e sobreexpropriação realizadas pelas burguesias internas e externas.

Celso Furtado (1974), pós-período na Cepal, concluiu que se tratava de um mito. Octávio Ianni, Florestan Fernandes e outros intelectuais também encaminharam suas análises apontando o caráter ideológico do pensamento desenvolvimentista predominante e sua perspectiva na dinâmica da luta de classes. No entanto, foi Miriam Limoeiro Cardoso que tomou a “ideologia do desenvolvimento” como objeto de estudo. Cardoso (1978), à luz de Marx e Gramsci, identifica ideologia como fator de exercício hegemônico com funções de direção e domínio que se define como produto das relações entre classes e parte de uma estrutura determinada pela base econômica. Focou sua análise no momento em que, segundo a autora, se forja uma nova hegemonia estadunidense,

Sob a qual se projeta um novo ciclo de expansão do capitalismo em que as regiões então chamadas ‘pobres’

do mundo eram estratégicas, tanto do ponto de vista econômico quanto do ponto de vista político7.

Discorre a autora que:

Segundo a ideologia, o desenvolvimento interessa a todos [...] quer se trate de nação avançada ou atrasada. [...] a expansão do sistema é uma finalidade universalmente positiva: para os que comandam a expansão e para os que cooperam com ela, assim como para os que são por ela incorporados. Não é necessário um esforço muito grande para localizar aí um processo em que as vantagens de alguns são racionalizadas e por eles mesmos apresentadas como abrangendo todos, escurecendo, deste modo a exclusão de outros, talvez muitos, e conseguindo a participação destes na produção daquelas vantagens de que eles próprios estão excluídos. (CARDOSO, 1978, p. 413).8

Na perspectiva de luta de classes, Fernandes (1981, p. 163-164) discorreu que a expansão e a internalização do modo de produção e civilizatório capitalista implicaram também mudanças socioculturais, produzidas pela nova relação entre aquele que detém o meio de produção e aquele que vende sua força de trabalho. Para o autor, o conflito, que diz respeito às lutas de classes, e o planejamento, relacionado ao papel determinante do Estado, são “as duas formas básicas capazes de impor alterações de caráter estrutural”. É “a posição das classes sociais na estrutura de poder da sociedade” que “determina e gradua a maneira pela qual as mudanças sociais se concretizam historicamente” e “os interesses e os valores sociais a serem consagrados ou beneficiados pelas mudanças socialmente necessárias e in flux”. (FERNANDES, 1981).

Para alguns intelectuais a estratégia “nacional-desenvolvimentista” brasileira, apesar de não estender seus benefícios a toda população, foi de certa forma bem sucedida. Coutinho (2000) indica que nesse processo intensivo de modernização a sociedade civil tornou-se mais complexa, do “tipo ocidental”, isto é, com certo equilíbrio na correlação de forças entre classes9.

No entanto, com a crise econômica mundial que se instaurou nos anos 1960-1970 esse modelo desenvolvimentista brasileiro sinalizava seu esgotamento. A partir de então, sem citar as consequências políticas de vinte anos de ditadura militar, a sociedade brasileira herda uma enorme dívida financeira externa - “crise da dívida” do início dos anos 1980 -, a manutenção de velhos desafios sociais e novos desafios políticos.

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Vânia Cardoso da Motta

3 O PROCESSO DE MUDANÇA DO PENSAMENTO SOBRE DESENVOLVIMENTO NOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS

Nos anos 1970, com a dinâmica do capitalismo global num contexto de crise econômica, com as disputas entre setores econômicos, com os avanços tecnológicos, etc., eclodiu uma nova divisão internacional, sob as bases da hipertrofia do capital financeiro e da ideologia neoliberal. Conforme discorreu Leher (1998), processa-se, nesse contexto, a passagem da ideologia do desenvolvimento para a ideologia da globalização. Houve, no entendimento de Cardoso (2000, p. 113), um tipo de ocultamento da concepção desenvolvimentista tendo em vista que “a temática do ‘desenvolvimento’ tenderia mais a evidenciar (a) exclusão” que se realizaria mais intensamente com o novo modelo econômico de “livre” mercado e poderia privilegiar a “análise do processo histórico”, demandando

Algum entendimento do processo que a cria [...], até porque está em pauta uma mudança de rota – da inclusão desenvolvimentista para a exclusão produzida pelo capital rentista. (CARDOSO, 2000, p. 113).

Já na segunda metade dos anos 1990 foi deflagrada uma reação antiglobalizante, tendo em vista o alto custo social resultante das políticas neoliberais: desemprego, precarização do trabalho e aumento da pobreza, mais intenso nos países de capitalismo dependente, porém não exclusivo a eles10. A tensão decorrente deste quadro social provocou a necessidade de setores dominantes operarem novos encaminhamentos – políticos, sociais e econômicos – e, com eles, novos mecanismos de hegemonia (MOTTA, 2007) resgatando a ideia sobre desenvolvimento.

Segundo o Banco Mundial (2004, p. 3-15), alguns fatos históricos criaram a possibilidade de retomar o pensamento sobre o desenvolvimento, entre eles: o “fracasso” atribuído ao Fundo Monetário Internacional (FMI) das “lições dos programas de ajuste da década de 1980” (Consenso de Washington) que incluíam a “promessa” de que com os mercados “livres” das amarras do Estado seria gerado um acúmulo tal de riquezas que, naturalmente, seriam “derramadas” às camadas mais pobres; o fim da Guerra Fria, que segundo o Banco, removeu “as vendas dos olhos dos países doadores, que eles próprios haviam colocado” para evitar investigações sobre os “fracassos de governança”. O Banco Mundial assume alguns erros de encaminhamento político em prol da urgente necessidade de recompor a estabilidade política, tendo em vista o receio pelos riscos da perda das “bases de governabilidade” e de “ruptura da coesão social”12, principalmente nos países que mais sofreram o impacto das políticas

neoliberais. Ao elaborar uma retrospectiva sobre as

políticas macroeconômicas dos anos pós-segunda guerra - nas quais se compreendia que o processo de desenvolvimento seria mais bem conduzido através do Estado - e sobre as políticas dos anos 1970-90, mais especificamente as do Consenso de Washington - nas quais defendia uma posição contrária, ou seja, a interferência do Estado na economia impedia o desenvolvimento -, o Banco Mundial menciona que

[...] tornou-se evidente que as estratégias simples de desenvolvimento e redução da pobreza eram ilusórias. Embora os mercados sejam instrumentos poderosos para a redução da pobreza, também é importante contar com instituições para assegurar que os mercados sejam eficientes e beneficiem os pobres. (BANCO MUNDIAL, 2000, p. 200, grifo nosso).

Na virada do milênio, a compreensão de desenvolvimento toma um caráter mais “pragmático”, segundo a equipe do Banco Mundial, superando “dogmas antigos [...], pacotes de políticas padronizados, soluções milagrosas receitadas [...] para todos os países” (BANCO MUNDIAL, 2000, p. 4). Segue um trecho do relatório:

Os últimos 10 anos presenciaram uma mudança radical no pensamento e na prática do desenvolvimento. Compreendemos melhor o conceito de pobreza e a dinâmica da redução da pobreza. E nossa compreensão tornou-se mais pragmática, conduzida não por dogmas, mas pelas realidades dos países. Essa mudança no pensamento do desenvolvimento mudou os mecanismos de ajuda do Banco Mundial e do FMI e da comunidade de doadores como um todo. (BANCO MUNDIAL, 2004, p.15, grifo nosso).

Nessa perspectiva analítica e interventiva as instituições e a governança assumem papel central por quatro motivos:

Primeiro, o fracasso dos programas de ajuste estrutural para desencadear o crescimento em muitos países de baixa renda na década de 1980 [...]. Segundo, e talvez o mais importante, o fim da Guerra Fria [...]. Até o início da década de 1990, os Estados Unidos e seus aliados haviam evitado investigar os fracassos de governança dos Estados intermediários por medo de prejudicar o que consideravam baluartes contra a expansão comunista [...]. Terceiro, a transição das economias do Leste

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MUDANÇAS NO PENSAMENTO SOBRE DESENVOLVIMENTO: o novo-desenvolvimentismo brasileiro

Europeu e da antiga União Soviética no início e em meados da década de 1990 [...] enfatizou a grande importância das bases institucionais para os mercados e para a boa política. Quarto, a crise financeira no Leste da Ásia em 1997-98 demonstrou que mesmo onde as políticas haviam apoiado o crescimento rápido e a redução da pobreza, a fragilidade das bases institucionais e da governança pode afetar toda a estrutura do progresso do desenvolvimento. (BANCO MUNDIAL, 2004, p.5-6).

Na concepção dos organismos internacionais a precariedade das instituições públicas colabora com a persistência da pobreza e da exclusão social e econômica que se realiza nos países menos desenvolvidos e põe em risco a estabilidade política, consequentemente, a coesão social. É nesse sentido que na nova abordagem de desenvolvimento a equidade e a igualdade de oportunidades são fatores fundamentais e o foco de atenção nos programas de “reforma e modernização do Estado” passa a estar nas instituições públicas e nas organizações da sociedade civil. Conforme expresso no documento do Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID (2000, p. 4):

La modernización del Estado [....] implica, a su vez, un proceso complementario y recíproco de fortalecimiento de la sociedad civil. No hay Estado eficiente con una sociedad civil débil.

Enfim, a defesa gira em torno da melhoria da qualidade institucional para garantir a estabilidade política e econômica, garantir os direitos de propriedade e os contratos, fornecer suficientemente bens públicos e limitar a predação e a corrupção dos governos. E isso exige que se estabeleça uma boa governança no sentido de implementar ações públicas descentralizadas, participativas e, fundamentalmente, sensíveis às necessidades dos pobres.

Na liderança de definições das ações da CEPAL, o Secretário Executivo José Antonio Ocampo (2003, p. 26) expôs que esse debate sobre a agenda do desenvolvimento do milênio tendia a ordenar-se em torno de dois eixos principais e complementares:

[...] por una parte, la búsqueda de un nuevo equilibrio entre el mercado y el interés público y, por otra, la concepción de las políticas públicas como formas de acción en favor de objetivos de interés común, que no se limitan a las acciones estatales. De esta manera, se pone de relieve la necesidad de abrir nuevas oportunidades para la participación de la sociedad civil y superar, por ese camino, ala crisis del Estado que repercute por

igual en los mundos desarrollado y en desarrollo.

O “equilíbrio” entre as esferas pública e privada foi, ao mesmo tempo, uma preocupação e uma tendência que abarcou diversos matizes políticos liberais e socialdemocratas. Fukuyama (2005) se redime em relação à sua tese sobre o “fim da história” e afirma que a polarização entre ricos e pobres é uma ameaça à coesão social. A convergência de instituições em torno do modelo de capitalismo democrático não significa o “fim das ameaças à sociedade” (FUKUYAMA, 2005, p.16). Para usar a terminologia de Fukuyama, o “mundo histórico” ameaça o “mundo pós-histórico”, ou ainda, a “barbárie” ameaça a “civilização”. Para Giddens (2005), formulador da “terceira via”, nos tempos da globalização o grande desafio é a “governação” da contradição entre a expansão do individualismo e o conservadorismo filosófico de valores como família e democracia. Nesta perspectiva, para o autor, era preciso consolidar uma “esquerda moderna” voltada para governar um tipo de capitalismo “competente e justo”. (MOTTA, 2007, p. 81).

O que estava em foco não era somente estabelecer estratégias de desenvolvimento econômico, mas, sobretudo, de desenvolvimento social, visando a amenizar os efeitos das políticas neoliberais e, principalmente, manter a estabilidade política. Conforme expresso no relatório do Banco Mundial (2004, p. 5):

A exclusão de grandes segmentos da sociedade desperdiça recursos potencialmente produtivos e gera conflito social” e “sem participação ampla, sem mais capital humano e capital social, é improvável que o desenvolvimento seja rápido e sustentável.

O suporte teórico-metodológico que passou a

fundamentar as ações interventivas dos organismos internacionais para o “desenvolvimento do milênio” foi a “teoria do capital social” de Robert Putnam (2002)12. Na sua perspectiva analítica, para que se tivesse um processo de desenvolvimento econômico e social bem sucedido as dimensões cultural e moral deveriam ser inseridas nas políticas públicas13.

A expressão “capital social” não é nova, mas no enfrentamento das novas expressões da “questão social”14 ganha uma roupagem nova, focada nas instituições15. O sentido geral que vem sendo atribuído ao termo expressa, basicamente, “a capacidade de uma sociedade estabelecer laços de confiança interpessoal e redes de cooperação com vistas à produção de bens coletivos”. (D’ARAÚJO, 2003, p.10).

Para Motta (2007), a noção de capital social trata-se, afinal, de um mecanismo de hegemonia de função de direção intelectual e moral que implica

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um processo de despolitização da sociedade civil e de esvaziamento do sentido público – reforçando a concepção liberal de sociedade civil como trama de interesses privados, porém agora mediados pelo terceiro setor e parcerias público-privadas, em conformação com as condições impostas pelo grande capital. E a retomada da ideia de desenvolvimento na virada do milênio traz novas determinações que exigem exaustivo exame, tendo em vista que na especificidade brasileira essa tendência vem se realizando sob a direção de governos “progressistas” e está permeada por profundas contradições.

4 O MODELO NOVO-DESENVOLVIMENTISTA BRASILEIRO

A partir do segundo mandato do governo de Lula os anúncios sobre crescimento econômico passam a ser associados ao de desenvolvimento social, justificados pelo o que seria a implementação de um modelo alternativo ao neoliberalismo, denominado de “novo-desenvolvimentista”16. Progressivamente é possível constatar a proposta sendo objetivada através de “programas de aceleração do crescimento”, de investimentos em infraestrutura, incentivos fiscais e de empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ao empresariado brasileiro, políticas de redistribuição de renda, etc.17

Entendemos que os novos mecanismos de hegemonia introduzidos pelas agências multilaterais para o “desenvolvimento do milênio” mais as mudanças no âmbito econômico propiciaram as condições favoráveis para o fortalecimento das frações de economistas desenvolvimentistas situados na base do governo federal. E, no âmbito social, estava posta a condição de elaboração política voltada para o alívio da pobreza, conforme visto anteriormente, num processo de harmonia entre Estado, sociedade civil e mercado.

Para Castelo (2010), o modelo “novo-desenvolvimentista” busca resgatar a “conciliação entre capital e trabalho tendo em vista o ‘interesse nacional’, abstrata e voluntariamente colocado acima dos conflitos antagônicos de classes” (p.198), presente nos princípios nacional-desenvolvimentistas dos anos 1950. No entanto, entendemos que se trata de uma abordagem complexa, uma vez que tem sido uma tendência não só na base governista18 como também entre economistas tanto ligados à socialdemocracia como ao social-liberalismo (PEREIRA, 2002) e escopos propositivos de outros economistas brasileiros, tais como o próprio Luiz Carlos Bresser Pereira19 e pela “nova” Cepal. (CARCANHOLO, 2010).

Para Sicsú, De Paula e Michel (2005, p. 513), a “reforma de gestão pública” requer “maior profissionalização da gestão pública” e “certo grau de descentralização do Estado”, transferindo

determinadas funções às agências “(semi) autônomas” e serviços sociais e científicos a organizações públicas, semi ou não-estatais.

É importante destacar que a concepção de Estado gerenciador está presente desde a reforma do Estado no governo de Fernando Henrique Cardoso, assim como o processo de privatização nas esferas estatais e sociais. O que se percebe nos governos seguintes é a manutenção dessa abordagem, com o aumento crescente de parcerias público-privadas nas esferas sociais e da desresponsabilização do Estado na garantia dos diretos sociais conquistados, haja vista o crescente número de “organizações sociais” criadas pelos setores públicos federais, estaduais e municipais nas áreas da saúde, cultura e educação20, como também a inserção de novos elementos.

Segundo Barbosa e Souza (2010), as principais visões sobre economia no governo Lula podem ser divididas, grosso modo, em duas vertentes: uma mais próxima do consenso neoliberal e outra defensora de um papel mais ativo do Estado no desenvolvimento econômico e social ou entre uma visão neoliberal que predominou no período entre 2003-2005 e outra desenvolvimentista sobre política econômica, a partir de 2005. Segundo esses economistas, em contraponto ao caráter teórico e ideológico mais coeso dos liberais, os desenvolvimentistas adotaram, então, uma postura mais pragmática em torno da defesa de três linhas de atuação: acelerar o crescimento econômico e aumentar a capacidade produtiva do país combinando medidas de redução das desigualdades, distribuição de renda e investimento público.

É fato que nos dois últimos governos a pobreza e a desigualdade foram reduzidas. No entanto, como analisa Pochmann (2011), entre 1995 e 2009 o aumento da renda se realizou tanto no nível dos detentores de renda de propriedade – de 3,9% em 1995 para 14,3% em 2009 – como no dos detentores de renda do trabalho – de 58,9% em 1995 para 78,5% em 2009. E na média de renda da população ocupada, em 2009, 83,6% ganhavam até 3 salários mínimos, nesse grupo 58,7% ganhavam até 1,5 salário mínimo. A concentração da ocupação está no setor terciário, de serviços e comércio, mais de 57%. As preocupações apontadas por Pochmann (2011) neste documento são: a queda da participação dos setores primário e secundário no PIB: tem havido um processo de desindustrialização; o aumento da ocupação no setor secundário vem se dando por causa da construção civil; são na construção civil, nos serviços e no comércio que se encontram o peso do trabalho informal. Se o setor terciário (basicamente serviços e comércio) está diretamente relacionado aos setores primários e secundários, qual a sustentabilidade desse modelo calcado no setor terciário?

Lima (2007) considerou o projeto do governo

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MUDANÇAS NO PENSAMENTO SOBRE DESENVOLVIMENTO: o novo-desenvolvimentismo brasileiro

Lula – “Brasil: um país de todos” – uma concertação nacional de diluição da luta de classes. Dentro da “agenda do possível”, mantém a concepção social-liberal, conduzindo um Estado regulador e estimulador de uma “nova cultura cívica”, onde a responsabilidade pela gestão da vida social é de todos – compartilhando o financiamento, a execução e a gestão do conjunto de políticas econômicas e sociais com a sociedade civil e o setor privado. A ampliação do espaço de participação política, nos limites da cidadania burguesa, é o eixo do novo pacto social defendido por Lula. Nessa perspectiva, Lima (2007) destaca a criação dos Conselhos de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), as Parcerias Público-Privadas (PPP) e a reforma sindical.

Não se trata da destruição dos sindicatos e dos movimentos sociais, mas de sua reconfiguração colaboracionista, descolada da luta de classes e nos limites da ordem burguesa do tipo capitalismo dependente. (FERNANDES, 1981). Não se trata da atomização dos indivíduos, do individualismo egoísta, mas do estímulo ao associativismo nos marcos da cidadania burguesa e da democracia restrita.

Enfim, em linhas gerais, percebe-se que a proposta “novo-desenvolvimentista” vai ao encontro da proposta de desenvolvimento disseminada pelos principais organismos multilaterais – conciliar Estado, mercado e sociedade civil; exercer um Estado eficiente, governado por gerentes “autônomos e responsáveis perante a sociedade” nas intervenções aos males do capitalismo, como defende Pereira (2004 apud SICSÚ; DE PAULA; MICHEL, 2005) promover políticas de redução da pobreza da ampla massa de trabalhadores; criar parcerias público-privadas, com empresas, bancos e organizações empresariais e da sociedade civil para colaborar nos encaminhamentos das políticas de enfrentamento da “questão social” e na eficácia das instituições estatais, entre outras ações articuladas.

Precisamos ter mais clareza sobre as contradições, os limites e os avanços e as implicações desse modelo novo-desenvolvimentista. No entanto, no âmbito político, é possível perceber a manutenção, talvez até mesmo o aprofundamento, do caráter despolitizador que tem processado os encaminhamentos de políticas públicas dos últimos governantes.

Fernandes (1981), ao se centrar no conflito e no planejamento como mecanismos de mudanças sociais em direção à revolução burguesa em sua totalidade, destaca a necessidade de identificar as correlações de forças inseridas no âmbito conjuntural. No entanto, tal abordagem não deve deixar de conter a “análise realista” da nossa formação histórica, cultural e política; “a compreensão e a explicação objetivas de nossa situação histórico-social” calcadas em duas conexões: o nosso passado

colonial e a condição presente, de “povo periférico e dependente”. (FERNANDES, 1981, p. 166-167), uma vez que: “Ainda hoje não completamos a absorção, a neutralização e a superação da complexa herança negativa, recebida de nosso passado colonial” (FERNANDES, 1981, p. 167). Nada tão atual, mesmo no século XXI.

Desse modo, as tendências de modernização, pelas quais o Brasil não se converteu noutra coisa senão numa nação subdesenvolvida (e, portanto, satélite e dependente), permitem uma terrível falsificação: a de identificar-se a nossa história com a ‘façanha de liberdade’ e com o ‘destino de grande potência’ que não se herdam com a transplantação pura e simples de complexos culturais. Essas elucubrações (e outras ainda mais fantásticas, como a de ‘organizar o Brasil para o ano 2000’) possuem evidentes funções compensatórias (e, sob esse aspecto, inteligíveis e construtivas). Contudo, deveríamos sair desse círculo vicioso tentando compreender objetivamente por que um país colonial se converte numa nação dependente. (FERNANDES, 1981, p.168-169, grifo do autor).

Para Fernandes (1981, p. 167), “a sonhada posição de independência e de grande potência” não é impossível. “Impraticável seria lográ-la deformando a percepção da realidade e adulterando o uso da razão”.

Nessa perspectiva, para Fernandes (1981, p. 166), o desenvolvimento não é um problema econômico ou um problema social ou político ou cultural, mas macrossociológico e que depende de uma “vontade nacional” afirmada “coletivamente por meios políticos, e tome por seu objetivo supremo a construção de uma sociedade nacional autônoma”. “Coletivamente” porque não se trata de mera “vontade esclarecida (qualquer que seja a encarnação: o ‘empresário inventivo’; o ‘militar patriota’; o ‘burocrata competente’; o ‘político responsável, etc.)” (FERNANDES, 1981, p. 174), ou seja, de elites capazes de realizar bons diagnósticos – precisos e completos – da situação histórica. Mas de elites corajosas e decididas a realizar mudanças estruturais efetivas e com o apoio da população. Entretanto, afirma: “O Brasil não possui elites desse tipo; e, de outro lado, as próprias massas ainda não se projetam no cenário histórico, como atores do drama e fatores humanos de mudanças sociais conscientemente desejadas em escala coletiva”, incluindo “todas as camadas sociais de todas as regiões do País” (FERNANDES, 1981, p. 174-175). Os requisitos estruturais, apontados pelo autor, para se construir um “destino nacional” são a “destruição de estamentos e de grupos sociais privilegiados”,

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democratização da renda, do prestígio social e do poder” (p. 175). Até que ponto esse modelo novo-desenvolvimentista pode propiciar a construção de um destino nacional no mínimo nos moldes da clássica democracia burguesa?

5 CONCLUSÃO

Como foi dito anteriormente, esperamos que essa breve análise da trajetória histórico-cronológica sobre o pensamento desenvolvimentista dos anos 1930 até a virada do milênio colabore com algumas reflexões sobre a atual conjuntura desenvolvimentista, na busca de se ter maior clareza sobre as contradições, os limites, os avanços e as implicações desse modelo novo-desenvolvimentista.

À luz de Gramsci (2000), é preciso combinar o pessimismo da inteligência com o otimismo da vontade. Nesse sentido, é necessário questionar se as condições atuais se põem favoráveis à construção de um projeto de sociedade democrática de massa. A atuação conciliadora do governo Lula, entre interesses “potencialmente conflitantes”, realizou-se à custa da despolitização e do enfraquecimento dos movimentos sociais e do movimento sindical, segundo Filgueiras (2010). Satisfaz a massa popular através da “inclusão forçada” no restrito mercado de consumo (MOTTA, 2011) e pela via da “educação para o conformismo” (MOTTA, 2007). Isto é, colabora com a expansão da acumulação do capital centrada no consumo popular, na educação empreendedora (como forma de sobreviver à sua sorte, sem direitos) e sustentada pelo agronegócio (produção de baixo valor agregado). Contudo, a empreitada novo-desenvolvimentista promete recobrar o “atraso” perdido e apresenta novas determinações.

Mas fica uma questão inspirada em Florestan Fernandes (1997, p. 5) “a história nunca se fecha por si mesma e nunca se fecha para sempre. São os homens, em grupos e confrontando-se como classes em conflito, que ‘fecham’ ou ‘abrem’ os circuitos da história” - quais as implicações históricas desse giro para a modernização conciliadora sob a base do novo-desenvolvimentismo?

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Notas

1 Segundo Paulani (2008, p. 67), o neoliberalismo é a doutrina de um capitalismo mais duro e livre de regras que, comparado ao liberalismo clássico, é “mais estreito, pois se restringe ao aspecto econômico da vida humana em sociedade e [...] menos ‘iluminista’, porque depende mais de crença do que de razão”.

2 Os anos 1930 foram marcados por grandes disputas entre setores sociais tendo em vista os limites impostos pelo sistema político oligárquico, a emergência da burguesia industrial e os impasses do latifúndio

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semifeudal aliado ao imperialismo, às reivindicações dos trabalhadores se organizando como classe em si e o papel desempenhado pelas forças armadas. Existe uma vasta literatura sobre o processo de construção da teoria social e do desenvolvimento no Brasil e na América Latina.

3 Raúl Prebisch, na Argentina, Celso Furtado, no Brasil, e Aníbal Pinto, no Chile, fazem frente ao pensamento cepalino nesse período.

4 Não podemos deixar de fazer referência ao Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) criado em 1955 pelo, então, Presidente da República em exercício, João Café Filho, sucessor interino de Getúlio Vargas, com a finalidade de analisar e compreender criticamente a realidade brasileira, “visando à elaboração de instrumentos teóricos que permitam o incentivo e a promoção do desenvolvimento nacional” (VALE, 2006, p. 17). O ISEB, constituído de intelectuais de várias áreas de conhecimento e diferentes matizes teóricos, foi, segundo Schwartzman (apud VALE, 2006, p. 47) “uma visão muito particular e ambiciosa do papel da ideologia e dos intelectuais na condução do futuro do país”. Serviu de apoio ao governo populista de Juscelino Kubitschek na formulação de uma “ideologia nacional de desenvolvimento” que seria a “base de uma consciência e cultura autenticamente brasileiras”. (VALE, 2006, p. 22). No entanto, o ideário dos intelectuais filiados ao ISEB de “formar um povo, uma cultura e um caráter brasileiros” (VALE, 2006, p. 27) foi golpeado, em 1964, com a extinção do Instituto.

5 A proposta de se criar um “sistema mundial de segurança e uma cruzada pela democracia” (LEHER, 1998, p.198), sob a hegemonia estadunidense, resultou na criação de vários organismos multilaterais - Organização das Nações Unidas (ONU), Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), Grupo Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), inclusive a CEPAL – e na predominância de suas orientações na condução das políticas de desenvolvimento econômico, de amenização da pobreza e de segurança.

6 A “lei do desenvolvimento desigual e combinado” foi formulada por Trotsky em sua História da Revolução Russa (em 2 volumes editados em 1930 e 1932). E desenvolvida mais sistematicamente por George Novack, nos anos 1950-60. Para Novack (2008, p. 17) “a lei do desenvolvimento desigual e combinado é uma lei científica da mais ampla aplicação no processo histórico”. Explica a combinação do novo e do velho, do moderno e do arcaico, numa mesma formação social que caracteriza a historicidade dos países atrasados.

7 Entrevista IHU On-Line: “Falta política a política”. Disponível em:<http://amaivos.uol.com.br/amaivos09/noticia/ noticia.asp?cod_noticia=7756&cod_canal=41>. Acesso em: 14 out. 2011.

8 É preciso pontuar que nos Objetivos do Milênio da ONU, elaborado em 2000, consta o objetivo de “todo mundo trabalhando pelo desenvolvimento”. http://

www.objetivosdomilenio.org.br/>. Acesso em: 19 jan. 2011.

9 Carlos Nelson Coutinho desenvolve sua análise sobre a formação histórico social brasileira tomando como base de referência o pensamento de Antônio Gramsci. Aplica o conceito de “revolução passiva” de Gramsci para designar o processo da revolução burguesa no Brasil pela via não-clássica, conservando e articulado aos setores “atrasados”, para outros autores um processo de “modernização conservadora”.

10 Ver: HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX 1914-1991. 2. ed., 27. reimp. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

11 Em 1995, houve um encontro denominado de “primeira cúpula mundial sobre o desenvolvimento social”, realizado em Copenhague. Neste encontro, Jaime Wolfensohn, presidente do Banco Mundial, considerou que “a distribuição dos benefícios do crescimento representa um dos maiores desafios para a estabilidade do mundo, (pois) as injustiças sociais podem destruir os avanços econômicos e políticos”. (KLIKSBERG, 2002, p. 17). Frederico Mayor (UNESCO), também neste encontro, discorre: “Enquanto se realizam progressos no âmbito conceitual, sobretudo na definição do que deva ser o desenvolvimento humano duradouro na prática, os objetivos econômicos, a curto prazo, continuaram prevalecendo, seja qual fosse o preço social e ecológico dessa miopia” (KLIKSBERG, 2002, p. 20) e Gustave Speth, administrador do Programa das Nações Unidas para o desenvolvimento (PNUD) indicou que enfrentar o problema da desigualdade nas próximas décadas “é algo crucial e inadiável”. (KLIKSBERG, 2002, p. 17-18).

12 Putnam é um pesquisador norte-americano que durante 20 anos, no período entre 1970-1990, analisou o processo de descentralização administrativa da Itália e concluiu que o Norte da Itália era mais avançado que o Sul porque desenvolveu uma cultura cívica que permitiu maior participação e intervenção da população nos problemas sociais imediatos. Isto é, a população do Norte desenvolveu seu capital social enquanto que a população do Sul, herdeira dos traços do autoritarismo histórico, não conseguiu. (MOTTA, 2007).

13 Motta (2007) discorre sobre a tese de Putnam e realiza um exame crítico respaldado nas análises de Gramsci, em “A Questão Meridional”, sobre o desenvolvimento desigual das regiões Norte e Sul da Itália centrado na luta de classes.

14 Entendemos que as configurações políticas, econômicas e sociais que se realizaram nos anos 1970-90 sob as bases da ideologia neoliberal trouxeram novas determinações, porém como novas expressões da questão social. Isto é, não compreendemos como nova pobreza ou nova questão social, mas sim como novas expressões da questão social, esta inerente à sociedade de classes no modo de produção e civilizatório capitalista.

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MUDANÇAS NO PENSAMENTO SOBRE DESENVOLVIMENTO: o novo-desenvolvimentismo brasileiro

15 Na ampla bibliografia norte-americana, sua aplicação foi identificada pela primeira vez no mundo acadêmico, em 1916, por Lyda Judson Hanifan, preocupada com o esvaziamento da cultura cívica na zona rural de West Virginia. Nos anos 1960, Jane Butzner Jacobs aplica o termo em sua pesquisa etnográfica baseada no cotidiano urbano de grandes cidades norte-americanas. No entanto, as definições consideradas mais importantes são as do teórico social francês Pierre Bourdieu (1930-2002), do cientista social James Coleman e do cientista político Robert Putnam, ambos americanos, porém fundadas em diferentes abordagens teórico-analíticas: Jeremy Bentham (1748-1832), James Mill (1773-1836), Alexis de Tocqueville (1805-1859), Karl Marx (1818-1883), Max Weber (1864-1920), Georg Simmel (1858-1918), John Dewey (1859-1952) e Émile Durkheim (1858-1917). Bourdieu e Coleman definem capital social tomando como referencia grupos sociais, coletivos e comunitários; já Putnam (2002) se deslocou para o associativismo, para as organizações sociais, redes e normas que inserem comportamentos de confiança e cooperação entre pessoas e instituições em benefício mútuo, como sinônimo de “cultura cívica”. (MOTTA, 2010).

16 Tal denominação, segundo Sicsú, De Paula e Michel (2005), teve como inspiração um artigo de Bresser-Pereira publicado na Folha de São Paulo em 19 de setembro de 2004 com o mesmo título.

17 Ver: SADER; GARCIA (Orgs). Brasil, entre o passado e o presente. São Paulo: Boitempo, 2010.

18 É importante destacar que, aparentemente, tal proposta tem continuidade no governo de Dilma Rousseff.

19 Um grupo de economistas publicou, em 2005, o livro Sicsú, De Paula E Michel (Orgs). “Novo-desenvolvimentismo: um projeto nacional de crescimento com equidade”, pela editora Manole, com apoio da Fundação Konrad Adenauer. A Fundação Konrad Adenauer é de origem alemã, com representações em vários países, e seus integrantes são democratas cristãos. Através do modelo de Economia Social de Mercado o grupo objetiva divulgar um modelo integrado de políticas públicas com o objetivo de defender o ideal de justiça social, de igualdade de oportunidades para todos os cidadãos e de solidariedade (Disponível em:<www.adenauer.org.br>. Acesso em: 27 jan. 2007). Bresser-Pereira é um dos autores da obra citada.

20 Na esfera da educação escolar é possível constatar o crescimento de parcerias público-privadas que se realizam, não só com “doações” dos empresários, mas com projetos de intervenção no espaço escolar promovendo uma reforma intelectual e moral para o empreendedorismo e recebendo incentivos fiscais para isso, além do gerenciamento privado de certos setores escolares através do que se regulamentou como Organizações Sociais. Estas são criadas pelos governos para cederem a administração para o setor privado. Segundo o Censo Gife 2010, estão cadastradas no Ministério da Justiça – Cadastro

Nacional de Entidades de Utilidade Pública - 17.681 entidades, sendo que 3.963 são organizações da sociedade civil e 11.954 são entidades sociais de utilidade pública federal, 90 são organizações estrangeiras e 1.674 são associações ou fundações não tituladas ou qualificadas.

Vânia Cardoso da MottaPedagogaDoutora em Serviço Social pela Universidade federal do Rio de JaneiroProfessora adjunta da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)E-mail: [email protected]

Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJAv. Pedro Calmon, n° 550 - Prédio da Reitoria, 2° andar Cidade Universitária - Rio de Janeiro, RJCEP: 21941-901

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NORMAS E REFORMAS PARA A INCLUSÃO: leituras sobre o ensino médio e a Lei 10.639/2003

NORMAS E REFORMAS PARA A INCLUSÃO: leituras sobre o ensino médio e a Lei 10.639/2003

Jean Mac Cole Tavares SantosUniversidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN)

Patrícia Cristina de Aragão AraújoUniversidade Estadual da Paraíba (UEPB)

NORMAS E REFORMAS PARA A INCLUSÃO: leituras sobre o ensino médio e a Lei 10.639/2003Resumo: O presente artigo faz uma leitura da questão da negritude na educação escolar no ensino médio a partir da implementação da lei 10.639/2003. Expõe a maneira como esta política pública incluiu e tornou obrigatório o ensino da história e das culturas africana e afro-brasileira nas escolas públicas. Para isso, aborda as políticas públicas elaboradas para a expansão do ensino médio e o papel sociocultural destas, no sentido de visibilizar ou não o ingresso de negros/as nessa modalidade de ensino. Propõe analisar as políticas educacionais elaboradas para este nível de ensino e entender como estas culturas foram ou não visibilizadas. Deste modo, objetiva discutir sobre as políticas públicas elaboradas para o ensino médio e a tessitura de suas implicações para a cultura negra no ensino de história. Palavras-chave: Ensino médio, políticas públicas, cultura afro-brasileira.

STANDARDS AND REFORMS FOR INCLUSION: readings on the High school level and the Law 10.639/2003Abstract: This article is a reading of the question of blackness in school education in high school from the implementation of the law 10.639/2003.It exposes how this policy included and made compulsory the teaching of African history and cultures and african-brazilian public schools. For this reason, we approach public policies designed to expand the school and their sociocultural role towards visualizing or not the entry of blacks in this teaching modality. Our proposal is to analyze educational policies designed to this level and understand how these cultures were either not visualized. Thus, we aimed to discuss public policies designed for high school and the tessitura of their implications for black culture in history teaching.Key words: High school, public policy, afro-brazilian culture.

Recebido em: 17.02.2012. Aprovado em: 22.10.2012.

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Jean Mac Cole Tavares Santos, Patrícia Cristina de Aragão Araújo

1 INTRODUÇÃO

Neste artigo abordamos as políticas públicas elaboradas para a expansão do ensino médio e o papel sociocultural destas, no sentido de visibilizar ou não o ingresso de negros/as no contexto da educação. Partimos da assertiva de que a história e a cultura africana e dos afro-brasileiros estiveram ausentes das discussões das políticas educativas implementadas na sociedade brasileira. Apesar de no discurso oficial o foco ser a reformulação curricular, objetivamente, por força da pressão do aumento da demanda, as reformas foram centradas no aumento do acesso. Deste modo, buscamos construir uma ponte, sob a perspectiva histórico-educativa, entre as reformas do ensino médio e a questão da inserção de negros/as nesta modalidade.

Ressaltamos que a discussão em torno da história e cultura africana e afro-brasileira ganhou eco em 2003, a partir da implementação da lei 10.639, quando foi estabelecido o ensino destas matrizes culturais na educação básica. Na realidade, a luta pela afirmação histórica e cultural de negros/as na educação e o reconhecimento de sua história e legado remontam às ações realizadas antes e após o surgimento do movimento social negro e de segmentos articulados à questão da negritude.

Assim, tomamos como aporte para a discussão a trajetória das políticas educacionais, entre o período final dos anos 90 e início deste século, tempos de reformas e de propagandas de um ensino médio para a vida e para todos (SANTOS, 2008), somado com as reflexões sobre as ações positivas para este segmento étnico-racial. Nosso intuito é mostrar que, mesmo diante da elaboração de políticas públicas para o ensino médio, no período recortado para estudo, negros/as só foram visibilizados/as na educação, em termos de sua história e cultura, a partir da lei 10.639/2003. Isto é, não havia ainda na contextura da educação básica uma discussão educacional que visibilizasse o repertório cultural, histórico e social de africanos/as e afrodescendentes.

2 POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O ENSINO MÉDIO: a expansão do acesso como foco

Pensar o acesso de estudantes negros e negras na escola pública de ensino médio exige lembrar a formação histórica da sociedade e, consequentemente, da escola brasileira. Autores como Kuenzer (1997), Zibas (2002), Santos (2008) e Nascimento (2007) apontam que o Ensino Médio no Brasil se caracteriza pela dualidade estrutural, que estabelece políticas educacionais diferenciadas para as camadas sociais distintas, definidas pela divisão social do trabalho. Há, assim, relação estreita entre o ensino médio e o processo de consolidação do capitalismo no Brasil. Desde a

economia agroexportadora, baseada no trabalho escravo, até o processo de industrialização, com a substituição de mão de obra escrava pela mão de obra assalariada europeia, foi sendo construído um país para poucos, com nomes, sobrenomes e cor bem definida.

Assim, nas raízes históricas da formação do trabalho e da divisão de classes, encontramos vários dos motivos que deixaram uma grande parcela da população, negra e pobre, longe dos bancos escolares. Dessa forma, as reformas educacionais para o Ensino Médio, realizadas na década de 90 do século passado e nos primeiros anos do novo século, foram incapazes de enfrentar o gigantesco problema que vem se acumulando a partir do desenvolvimento das forças produtivas e da exploração da mão de obra no desenvolvimento capitalista brasileiro. Nas palavras de Nascimento (2007, p. 78),

As políticas educacionais no Brasil para o Ensino Médio têm expressado o dualismo educacional fundamentado na divisão social do trabalho, que distribui os homens pelas funções intelectuais e manuais, segundo sua origem de classe, em escolas de currículos e conteúdos diferentes. O ensino médio tem sido historicamente, seletivo e vulnerável à desigualdade social.

As políticas educacionais dos anos noventa foram ainda mais incisivamente atreladas aos interesses do desenvolvimento da sociedade capitalista, concebida como única forma de socialização e de vida. O atrelamento da educação ao movimento de adequação para o trabalho, no sentido de alavancar o progresso do país, pautou a necessidade ou não de investimento na área educacional. Para os idealistas das reformas, finalmente, o momento chegou:

Devemos nos dar conta de que, hoje, há um novo mundo, e este novo mundo requer duas grandes características do sis¬tema educacional: a educação geral para todos é condição essencial pa¬ra a própria sobrevivência do país; e em segundo lugar, é necessária a integração entre educação geral e preparação para o mercado de trabalho. É preciso estabelecer formas claras de vinculação entre educação geral e preparação para o mercado de trabalho. (SOUZA, 1998, p. 59).

No entendimento do ex-ministro Paulo Renato Souza, a expansão é resultado da sinergia entre a educação e o desenvolvimento do capitalismo. Por tal tese, a universalização da educação básica tem uma função para o desenvolvimento social, que não pode mais esperar: sustentar o desenvolvimento do país e preparar para o mundo do trabalho, visando

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à inclusão do jovem nas benesses geradas por esse desenvolvimento. É importante frisar que esse tipo de relação funcional entre a formação e o mundo capitalista não atende à concepção de homem para além da mesquinhez do capital. Cabe, ainda, um olhar sobre como se foi dando, na prática, a educação geral para todos, cantada como essencial no atual modelo de desenvolvimento.

A constatação inicial é de que, apesar de dados recentes apontarem um aumento significativo nas matrículas do Ensino Médio, ultrapassando em muito os outros níveis de ensino, é possível notar que a universalização do atendimento, pregada acima como imprescindível para a sobrevivência do país, está bem longe da realidade, visto que ainda é grande a parcela da população fora da escola. Segundo dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2009, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas 30% (trinta por cento) da população cursou o Ensino Médio. Ou seja: uma enorme quantidade de jovens e adultos ficou fora da escola média na década da reforma.

Apesar disso, há concordância entre os diversos estudiosos das políticas educacionais de que a expansão existente é suficiente para pressionar o sistema educacional brasileiro por mais e melhores vagas. O principal fator que influenciou a expansão estava associado ao investimento feito no Ensino Fundamental público. Como mostra Costa (2001, p.72),

Os três níveis de governo – municipal, estadual e federal – vêm implementando programas visando à expansão da cobertura e à manutenção da totalidade da população de 7 a 14 anos na escola.

Com isso, houve um aumento no número de concluintes do Ensino Fundamental e, por conseguinte, na demanda por matrículas no Ensino Médio. Como resultado desse investimento, os dados do PNAD de 2003 mostraram que a taxa de escolarização líquida da população de 7 a 14 anos de idade foi de 93%, sendo que sua taxa de escolarização bruta ultrapassa os 120%1.

É, sem dúvida, um elevado número de alunos com potencial para o Ensino Médio. À medida que o Ensino Fundamental foi sendo ampliado, incrementado pela criação do FUNDEF, aproximando-se, em alguns casos, da universalização da matrícula de crianças em idade escolar (7 a 14 anos), gerou um público para o Ensino Médio que anteriormente não existia2.

Além disso, vários programas de aceleração da aprendizagem e de combate à distorção idade-série, como os ciclos de aprendizagem, a promoção automática e os programas de educação de jovens e adultos – o Tempo de Avançar Fundamental (TAF) no Ceará – contribuíram para retomar um contingente

significativo de alunos que, ou estavam emperrados no Ensino Fundamental ou praticamente já tinham abandonado a escola.

Somado à expansão do Ensino Fundamental, é preciso considerar ainda, como causa da crescente demanda, o discurso de que a crise do emprego é uma crise de qualificação, levando os trabalhadores e/ou desempregados a buscarem a escola para não ficar à margem do processo do trabalho. Mobilizados pelo discurso hegemônico da qualificação a qualquer custo, profissionais que concluíram somente o ensino fundamental e estavam satisfeitos com isso, voltam à escola com o objetivo de espantar o fantasma do desemprego ou mesmo para afiar seus currículos em busca de outra ocupação.

Mesmo não podendo acreditar que a crise do emprego pode ser resolvida com a qualificação, é possível admitir que são, atualmente, maiores as exigências de qualificação por parte do mercado de trabalho, altamente seletivo, que define o requisito mínimo de Ensino Médio completo. Costa (2001, p. 72) aponta que, em função disso, é

Relevante o contingente de pessoas que, tendo abandonado os estudos após o término do ensino fundamental, vêem se reintegrando ao sistema de ensino, em geral, público.

Por fim, há também uma questão primordial para o aumento da procura pelo Ensino Médio: a urbanização. Fugindo da questão preconceituosa de tratar o urbano em contraponto ao rural, numa falsa relação progresso versus atraso, é fato que as cidades foram conseguindo instituir-se enquanto centros de socialização da vida moderna, contribuindo para que o Estado seja cada vez mais exigido.

Apesar do atraso verificado no Brasil em algumas áreas, quando se trata de atender às necessidades básicas da população, vale ressaltar que é possível encontrar escolas públicas municipais e estaduais em quase todos os recantos do país. Mesmo ainda não sendo suficiente para atender a toda a demanda, principalmente do Ensino Médio, o fato serve para colocar a educação enquanto direito de todos (presente nas diversas leis federativas) e, assim, aumentar o nível de cobrança aos poderes constituídos. Desse modo, à medida que se tem ensino, aumenta a demanda por educação, o que gera pressão para que o direito à escola seja ampliado. (COSTA, 2001).

Como resultado dos processos em curso, citados acima, no Ensino Fundamental e no Médio – de universalização do Ensino Fundamental, de melhoria nos indicadores de fluxo nesse nível de ensino, de aumento nos anos de escolaridade da população, de maior procura pelo Ensino Médio e de expansão da obrigatoriedade –, a soma das matrículas nesses dois níveis, no país, cresceu.

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Infelizmente, tal crescimento se deu determinado pela insuficiência das condições. A expansão possível foi um crescimento desordenado e incapaz de atender aos requisitos básicos de qualidade no ensino. Com efeito, a expansão que vem acontecendo precisa ser bem analisada, já que não é acompanhada pelo crescimento no seu financiamento, o que, no mínimo, limita a possibilidade de um ensino com parâmetros razoáveis de qualidade. (HADDAD, 2004).

Por consequência, é preciso refletir em quais condições a educação básica vem sendo de fato ampliada e, já que não basta expandir de qualquer jeito, a qualquer custo, é necessário ampliar com condições que garantam a permanência do aluno na escola e a qualidade do seu aprendizado. Para isso acontecer, são necessárias ações para muito além dos incisivos discursos. Nesse sentido, excluindo-se os investimentos com o Ensino Fundamental, mais particularmente, a lei do FUNDEF, nada parece apontar que o discurso passará à prática.

A expansão do Ensino Médio, observada nos dez últimos anos no país, não veio acompanhada da resposta política capaz de atender aos novos alunos. É bom frisar que tal ausência ou insuficiência de intervenção governamental (que não fosse paliativa, como os empréstimos externos) não foi causada pela imprevisibilidade ou mesmo pelo desconhecimento da expansão. Pelo contrário, foi acompanhada e, até certo ponto, prevista pelo governo brasileiro, já que em vários documentos oficiais do MEC, é considerada como resultado das várias políticas de intervenção para a melhoria do ensino fundamental. A questão é que, apesar do acompanhamento e da previsão, nada de sério, concreto e duradouro foi feito para enfrentar a demanda, numa equação que possibilitasse aumentar o atendimento e a qualidade do ensino.

Segundo Davies (2006, p. 172),

o mais provável é que a expansão do ensino médio tenha acontecido e venha a acontecer com forte deterioração da qualidade, mediante a ocupação dos espaços ociosos (no horário noturno, sobretudo) das escolas de ensino fundamental e contratação de profissionais de educação em regime precário, com salários baixos e decrescentes em termos reais, reproduzindo, assim, algo parecido com o que ocorreu com o aumento da escolaridade de quatro para oito anos no ensino de 1o. grau e a profisionalização compulsória na Lei 5692/71, de 1971, ou seja, aumento de atribuições dos governos subnacionais (estados e municípios) sem os recursos necessários para fazer face a tal aumento, uma característica recorrente das políticas federais.

É importante esclarecer o que significa o

‘regime precário’ acima referido. Do ponto de vista pedagógico, o regime precário é uma catástrofe, já que o tipo de espaço necessário para crianças e adolescentes desenvolverem seu aprendizado é muito diferente daquele necessário aos jovens e adultos. Muitas vezes, os dois ambientes são incompatíveis, antagônicos. Claro que vai haver prejuízo sério no processo de aprendizagem de ambos.

Do ponto de vista do financiamento é terrível, posto que o Ensino Médio não conta ainda com uma fonte de recursos específicos. Em consequência, acontece de os parcos recursos do Ensino Fundamental bancarem o Ensino Médio, pois não é possível separar, no dia a dia da gestão escolar – e, se fosse possível, não seria do ponto de vista pedagógico – quem é aluno de uma modalidade ou de outra. Se, além disso, for considerada a diminuição drástica dos alunos do Ensino Fundamental transferidos das escolas públicas estaduais, onde estão predominantemente os alunos do Ensino Médio, para a rede municipal de ensino, a realidade financeira torna-se catastrófica. Os resultados, obviamente, não poderiam ser positivos.

3 PENSANDO A LEI 10.639/2003 NO ENSINO MÉDIO E OS SABERES HISTÓRICOS

Perceber a diversidade étnico-racial como algo positivo na escola implica reconhecer a sociedade brasileira como pluriétnica e pluricultural, conscientizando sobre a importância de se conviver com esta realidade, especialmente no que concerne ao respeito do jeito de ser e à identidade de cada um e cada uma no processo educativo. Em tempos de convivência com o preconceito, discriminação e racismo, acreditamos que se pode promover a inclusão de sujeitos sociais negros/as na educação básica, pensando tal problemática a partir do campo da História.

A lei trouxe à tona esta possibilidade, uma vez que, ao propor a inclusão deste grupo social e étnico, também abre o leque para inserir uma proposta de educação alçada nos valores éticos, humanos, e trabalhando numa perspectiva centrada nas relações étnico-raciais. Vistas deste modo, as proposições que orientam a lei estão articuladas também a uma experiência pedagógica transformadora, que conscientize os sujeitos aprendentes, por permitir o diálogo, que é tão necessário ao cotidiano escolar, em situações de ensino-aprendizagem. (FREIRE, 2002).

Deste modo, a partir da lei 10.639, de janeiro de 2003, que empreendeu o ensino de História da África e da cultura afro-brasileira como uma realidade na educação básica, nas áreas destinadas a História, Literatura e Artes, foi permitido que se pudesse rever uma circunstância, que não estava ainda inserida no contexto da história da Educação,

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uma vez que no pensamento educacional brasileiro, no que concerne ao campo da história ensinada, notabilizou-se uma ausência de discussões sobre negros/as na contextura deste campo de saber. Durante muito tempo, neste espaço, sobretudo no ensino médio, foco de nossa discussão, não se observou no currículo desta área do conhecimento, discussões e estudos sobre a África e os afro-brasileiros/as.

O campo educacional precisava corrigir esse tipo de postura, trazendo para o currículo escolar do ensino de história estudos relativos à cultura, história e produção de saberes de africanos/as e afro-brasileiros/as. Pois, durante tanto tempo, foram parcelas da população negligenciadas, não havendo por parte dos poderes governamentais preocupação em elaborar uma proposta educacional/pedagógica que viesse primar por este segmento étnico e racial na contextura dos saberes educativos, sobremaneira, da história ensinada. Se a cultura negra, seus saberes e sua história, tanto na matriz africana como na afro-brasileira, foram durante tanto tempo postergadas, ao tornar obrigatório o ensino cultural da África e do povo negro no Brasil, possibilitou-se o reconhecimento do papel do negro na sociedade, a partir do viés educacional, como um meio de superação dessa injustiça de caráter igualmente histórico.

Podemos compreender o porquê de negros/as terem sido muitas vezes “invisibilizados”, tanto em sua cultura quanto no seu credo religioso, não sendo valorizados como sujeitos históricos e sociais. Se na narrativa historiográfica a cor da pele consistiu um parâmetro de sujeição do ser humano às formas exploratórias e espoliadoras da sua liberdade e de seus direitos, que excluíram estes segmentos do âmbito educacional, tornou-se fundamental empreender ações dialógicas a partir de políticas afirmativas que viessem promover o reconhecimento e a importância destes segmentos étnicos na contextura da educação (SILVA, 2007).

Observamos que, transcorrido o pós-abolição, não houve o reconhecimento social, histórico e cultural de negros/as na sociedade brasileira, pois esta construiu uma postura, através da qual a colonização de ideias preconceituosas e discriminatórias no corpo social ganhou contornos e visibilidade. Uma postura que se estendeu ao campo educacional, sobretudo na história ensinada. Verificamos que a escola, devido à ação de muitos professores/as, consistiu num lócus para disseminar tais preconceitos e atitudes, ao contrário de ser um espaço de esclarecimento identitário. (CUNHA JÚNIOR, 2005; MUNANGA, 2006).

No tocante ao campo da história, a introdução da História da África e da cultura afro-brasileira na grade curricular teve como objetivo propiciar aos alunos/as do ensino médio o reconhecimento e a importância da cultura africana e afro-brasileira

no contexto da sociedade nacional. Contudo, este processo precisa reconhecer as singularidades destes povos e suas culturas, e a partir deste conhecimento, valorizar seus modos de ser e estar no mundo. Esta valorização é uma passagem que se vislumbra para dialogar com as diferenças. (FREIRE, 2002).

Discutir no sistema educacional a presença de negros/as é uma questão necessária, em especifico na contextura da sala de aula de história do ensino médio, visto que esta é uma questão educacional, cultural, social e também política, tendo em vista que nos currículos escolares de história no ensino médio a ênfase dada a esses povos e à sua cultura ficou ausente durante muito tempo. (DANTAS, 2007).

A negação cultural e histórica do povo negro na história da educação nos permite perceber que esta ausência corroborou com muitas visões estereotipadas destas culturas e povos. (LINO GOMES, 2006). Visões que perpassaram o cotidiano da sala de aula, através de atitudes discriminatórias e preconceituosas, como também do próprio material didático desta área do conhecimento. Salientamos que o livro didático de história do ensino médio, muitas vezes, representou negros/negras apenas na condição de escravizados, não se atentando para suas produções culturais, artísticas, suas matrizes religiosas, notabilizando suas trajetórias históricas como sujeitos sociais atuantes fazedores de suas histórias e cultura na tessitura nacional cujas diferenças culturais demonstram uma realidade multi/intercultural. (CANDAU, 2008; FLEURI, 2003).

4 CONCLUSÃO

Discutir sobre negros/as no contexto das políticas públicas para o ensino médio no âmbito da história ensinada é de fundamental importância, no sentido de entender como, neste campo de saber, foram debatidas questões atinentes a este segmento etnico e racial. Isto é válido porque observamos que durante muito tempo não houve por parte do poder público preocupação em desenvolver políticas públicas voltadas para esta parcela da população, notabilizadas tanto no currículo escolar como no livro didático. Na realidade, questões que problematizassem os/as negros/as, sua cultura e história ficaram excluídas das políticas públicas para o ensino médio.

As reformas educacionais para o ensino médio, nos anos noventa, apesar de assinalarem algumas vezes o interesse por acentuar uma mudança curricular que atingisse a diversidade e a pluralidade da sociedade, buscando corrigir vácuos históricos seculares, restringiram-se a buscar atender à crescente demanda. Isso assim se sucedeu devido, por um lado, ao discurso pela adequação ao novo mundo do trabalho que só permitia pensar nas tecnologias a serem aprendidas

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para viver (e trabalhar) na sociedade pós-industrial. Qualquer mudança curricular passava pelo atendimento das necessidades do aluno pela tal empregabilidade. Por outro lado, por causa do grande contingente de alunos que invadiram essa modalidade de ensino, exigindo vagas e melhores condições de ensino. Desse modo, como não foi possível atender à qualidade, à diversificação do currículo e à demanda, tomou-se, não como política pensada, mas, principalmente, como falta de pensar a política educacional com seriedade, no que se refere ao atendimento dessa crescente demanda. Atendê-la, interessava ao governo, aos reformadores das escolas, aos empresários, ao mundo tecnológico, aos burocratas dos ministérios, desejosos de atingirem os níveis estatísticos dos países desenvolvidos. Neste embaraço, foi impossível lembrar-se de atender às demandas sociais pela revisão do papel dos/as negro/as na história do Brasil.

Somente com a culminância da lei 10.639/2003 e, posteriormente, a 11.645/2008, reiterou-se uma luta histórica para inclusão social e educativa do negro nas políticas públicas deste país. A inserção na educação básica da história do povo negro africano e afro-brasileiro na educação, e particularmente no ensino médio, foco de nossa análise, mostra avanços no que concerne às mudanças no pensamento educacional. Contudo, percebemos que ainda há muito a ser discutido e problematizado no ensino médio sobre estas questões, uma vez que mesmo com a culminância de uma política pública que deu notoriedade a estes povos e suas culturas, continua premente a necessidade de se empreender, no âmbito da escola, uma prática educativa que valorize os saberes do povo negro e sua história. Precisamos ficar atentos para não permitir que dificuldades estruturais (ausência de material didático de qualidade, falta formação de professores, por exemplo) inviabilizem essa conquista.

REFERÊNCIAS

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NORMAS E REFORMAS PARA A INCLUSÃO: leituras sobre o ensino médio e a Lei 10.639/2003

Notas

1 Isso quer dizer que o ensino fundamental atende 20% a mais de alunos do que o total da população de 7 a 14 anos. Mesmo assim, ainda há 7% de crianças e adolescentes nessa faixa etária fora da escola.

2 No Ceará, já em 1997, o governo do Estado propagava que havia conseguido colocar 97% das crianças na escola.

Jean Mac Cole Tavares SantosHistoriadorDoutor em Educação pela Universidade Federal da ParaíbaProfessor Adjunto III da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação – Mestrado acadêmico em Educação – da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN)E-mail: [email protected]

Patrícia Cristina de Aragão AraújoPsicólogaDoutora em Educação pela Universidade Federal da ParaíbaProfessora do Departamento de História da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). E-mail: [email protected]

Universidade do Estado do Rio Grande do Norte-UERN Rua Almino Afonso, 478 - Centro - Mossoró/RN CEP: 59.610-210

Universidade Estadual da Paraíba - UEPBRua Baraúnas, 351 - Bairro Universitário - Campina Grande-PBCEP 58429-500

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409O IMPACTO DO AUMENTO DE RECURSOS NA QUALIDADE DA EDUCAÇÃO DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO NO ESTADO DO MARANHÃO

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O IMPACTO DO AUMENTO DE RECURSOS NA QUALIDADE DA EDUCAÇÃO DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO NO ESTADO DO MARANHÃO

Jairo Cavalcanti VieiraTribunal de Contas do Estado do Maranhão (TCE-MA)

Diego Silva OliveiraUniversidade Federal do Maranhão (UFMA)

O IMPACTO DO AUMENTO DE RECURSOS NA QUALIDADE DA EDUCAÇÃO DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO NO ESTADO DO MARANHÃOResumo: Este ensaio analisa se há uma relação diretamente determinada entre o volume de gastos públicos com Educação e o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB, principal indicador nacional da qualidade do ensino fundamental. A comparação entre os gastos com Educação dos Municípios do Estado do Maranhão e o respectivo IDEB mostram que, embora todos os Municípios tenham aumentado seus gastos com Educação, em 65% deles o IDEB não evoluiu. A constatação indica que a elevação dos gastos públicos com Educação se mostra insuficiente para garantir a melhora constante e progressiva desse índice.Palavras-chave: Gastos públicos, educação, IDEB, qualidade da educação, eficiência do gasto público.

THE IMPACT OF INCREASED RESOURSES ON THE QUALITY OF EDUCATION OF MUNICIPAL SCHOOLS IN THE STATE OF MARANHÃOAbstract: This study examines if there is a determined direct relationship between the volume of public expenses on Education and the Index of Development of Basic Education – IDBE, the main national indicator of the quality of basic education. The comparison of expenses on Education of Municipalities of the State of Maranhão and its IDBE shows that while all Municipalities have increased their expenses on Education, in 65% of them the IDBE has not advanced. This evidence suggests that the rise in public expenses on Education is insufficient to guarantee the constant and progressive improvement of this index.Key words: Public expenses, education, IDBE, quality of education, efficiency of public expenses.

Rebecido em: 30.06.2012. Aprovado em: 22.10.2012.

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1 INTRODUÇÃO

Este ensaio visa analisar se o aumento de gastos com a Educação dos Municípios maranhenses é diretamente proporcional ao Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB – índice criado no ano de 2007 e utilizado nacionalmente para aferir a qualidade do ensino no Brasil.

O financiamento da educação do Brasil conta com um amplo conjunto de normas e ferramentas com o objetivo de garantir recursos orçamentários e direcionar sua aplicação. Neste sistema, aos Municípios foi conferida pela Lei nº 9.394/96 a incumbência de oferecer o ensino fundamental, e a Constituição Federal garantiu o repasse de recursos aos Municípios para o custeio dessa oferta.

Teoricamente, o incremento à aplicação de recursos deve acarretar a melhoria do acesso e da qualidade da educação. Entende-se que um dos requisitos para que não haja solução de continuidade no processo de universalização da educação básica com qualidade é a ampliação dos recursos públicos para a área. (ABRAHÃO, 2005, p. 846). Esta premissa, no entanto, merece uma análise para objetivá-la, a partir de dados concretos.

Segundo Weber (1992, p. 110-111), a ciência, sem adentrar a seara da especulação, somente poderá conscientizar que determinado juízo de valor ou ideal historicamente dado possua como fundamento primeiro determinado axioma, são expostos o objeto em análise e as finalidades pretendidas, não se constituindo, entretanto, em uma receita para a prática, pois, se assim o fosse, demonstrar-se-ia uma prática científica eivada de subjetividade, isto é, produto de juízos de valor, os quais, por sua vez, são baseados em ideais determinados cujas raízes possuem origens subjetivas, portanto, carentes de cientificidade.

A única marca que o pesquisador pode deixar na pesquisa é aquela da qual seja impossível se desprender sob pena de descaracterização do próprio sujeito. (WEBER, 1992. p. 111). A crítica técnica, os juízos de fato, aqueles que não estão arrimados em ideais determinados cujas origens reportam a subjetividades, são aqueles que visam conduzir o indivíduo à própria responsabilização pela imprescindibilidade da ponderação entre fins e consequências de suas respectivas ações.

As informações dos gastos dos Municípios com Educação estão disponíveis em sítios eletrônicos oficiais. Da mesma forma, os resultados do IDEB são publicados regularmente. A partir destes dados é possível formular juízos de fato, fundamentados em dados quantitativos que evidenciaram o impacto do aumento dos recursos aplicados em educação na qualidade do ensino ofertado na rede pública municipal dos Municípios do Maranhão.

No Maranhão há 217 Municípios, que em 2010

contavam com um total de 10.440 escolas de ensino fundamental em suas redes. Entre os anos de 2006 e 2010 os gastos com educação dos Municípios do Maranhão saltou de R$1.255.662.360,86 para R$2.431.040.195,42, portanto o investimento em Educação da rede municipal de ensino neste Estado da Federação praticamente dobrou, acompanhando o vertiginoso processo de municipalização de todo o ensino fundamental no Brasil. (ARELARO, 2005. p. 1042).

Comparando os gastos municipais em Educação com a evolução do IDEB no período é possível averiguar o impacto no aumento de recursos da qualidade da educação na rede municipal de ensino dos Municípios maranhenses.

2 O IDEB – ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO BÁSICA

O Decreto n.º 6.094/2007 foi o marco legal que instituiu o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação e estabeleceu o IDEB como referencial para aferir a qualidade da Educação Básica1, sendo o indicador objetivo para a verificação do cumprimento de metas fixadas pelos Municípios.

Na década de 1990, foram instituídos no Brasil o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica – SAEB, o Exame Nacional do Ensino Médio – Enem e o Exame Nacional de Cursos – ENC/PROVÃO, enquanto em âmbito internacional foi realizado o Primeiro Estudo Internacional Comparado, promovido pelo Laboratório Latino-Americano de Avaliação da Qualidade da Educação – LLCE. (FERNANDES, 2012). Com a virada do século, as avaliações foram intensificadas, os indicadores passaram a ser metas perseguidas como padrão de qualidade da Educação, demandando, assim, o remodelamento dos supramencionados índices nacionais em voga até então.

Em 2005 o SAEB foi reorganizado e passou a ser composto pela Avaliação Nacional da Educação Básica (Aneb) e a Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (Anresc). A Aneb tem o seu foco nas gestões dos sistemas educacionais e é conhecida como SAEB. Já a Anresc é mais ampla e focaliza as unidades escolares brasileiras e, devido a isso, recebe o nome de Prova Brasil. Se antes a avaliação era feita por amostragem, com essa organização e novo sistema de dados tornou-se possível avaliar cada sistema e cada escola brasileira. “A Prova Brasil deu nitidez à radiografia da qualidade da educação básica” (MEC, 2007, p. 12), segundo posicionamento governamental. O ENEM também sofreu modificações e tornou-se, inclusive, a porta de entrada às diversas universidades. Não foi diferente em relação ao ENC-PROVÃO, cujo nome

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foi alterado para Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE), cujo objetivo é o de aferir o rendimento dos alunos dos cursos de graduação em relação aos conteúdos programáticos, suas habilidades e competências, em caráter amostral. (FERNANDES, 2012).

No âmbito internacional, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE institui o Programa para Avaliação Internacional de Estudantes – PISA, cuja avaliação por amostragem considera a faixa etária, especificamente o 15º ano. (FERNANDES, 2012). Este índice tende a ser utilizado como parâmetro mundial para a Educação e atualmente conta com a participação de 65 Estados Nacionais (Países). É nesse contexto de monitoramento da qualidade da Educação que é instituído no Brasil o IDEB por meio do Decreto mencionado alhures.

O IDEB é um índice consubstanciado pelo resultado produzido por dois outros indicadores, o desempenho em exames padronizados2 e informações sobre rendimento escolar3. Esta combinação permite a representação objetiva do funcionamento da rede de ensino, fazendo com que sejam enxergados apenas os dados enquanto dados, na medida em que “se manifesta tanto na objetividade quanto na subjetividade” ocultando esta em virtude daquela. (FARIAS, 2001. p. 31). O IDEB visa equilibrar rendimento escolar e desempenho nos exames padronizados, pressupondo que não interessa à sociedade um elevado índice de reprovações, ainda que os que não forem reprovados alcancem uma elevada pontuação nos aludidos exames (INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS, 2012a), nem a aprovação maciça dos estudantes sem atender a um parâmetro mínimo de aprendizado.

O IDEB funciona como um indicador estratégico que reúne, a um só tempo, dois padrões de qualidade: rendimento e desempenho escolares. Do Censo Escolar é retirada a taxa média de aprovação das séries iniciais e finais do Ensino Fundamental; dos exames padronizados é retirada a pontuação média dos estudantes em cada etapa avaliada; a taxa de proficiência é dada pela média obtida nos exames padronizados nas disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática e seu respectivo Desvio Padrão, sendo calculados os limites inferior e superior. (FERNANDES, 2007b). Tal explicação se expressa algebricamente pela seguinte fórmula: IDEBji = Nji x Pji ; 0 ≤ Nj ≤ 10 ; 0 ≤ Pj ≤ 1 ; 0 ≤ IDEBj ≤ 10. (INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS, 2012b).

Conforme expresso em linguagem matemática, a nota do IDEB varia de 0 a 10. A meta compromissada por todos os Municípios do Brasil é que o IDEB seja, em média, 6,04 até 2021, data emblemática, simbólica e subjetivamente escolhida

por anteceder às comemorações pelo bicentenário da Independência do País.

A configuração exposta logo acima implica dizer que o sistema avaliativo do IDEB é limitado como ferramenta de comparação entre a qualidade de ensino nacional e de outros países, vez que a compatibilização matemática entre o SAEB e o PISA traz consigo incoerências estruturais como apontado pelo INEP (2012c):

Outra limitação que deve ser considerada está relacionada às diferenças existentes nas matrizes de referência, especialmente na prova de Leitura, que no SAEB avalia os conhecimentos do aluno em ‘língua portuguesa’, com ênfase em leitura enquanto o PISA avalia a ‘capacidade de leitura’ de forma a contemplar todos os países participantes.

Outra crítica acerca do IDEB é que ele não tem como garantir que todos os alunos progridam em permanente elevação da nota. Assim, é possível que muitos melhorem suas proficiências enquanto outros tantos podem ficar abaixo da expectativa que, mesmo assim, a média do IDEB dessa escola será elevada. Isto pode produzir escolas com aprendizagem polarizada, onde alguns sabem muito e outros, muito pouco.

Por fim, o cálculo do IDEB não leva em consideração alguns fatores implícitos que influenciam na sua evolução. Há muitos outros fatores que influenciam no desempenho e no rendimento escolares, como por exemplo: abusos domésticos5, transporte escolar da má qualidade ou inexistente, docentes desqualificados ou desinteressados, falta de incentivo ao estudo no ambiente doméstico, gravidez na adolescência, entre outros fatores que corroboram para a instabilidade no lar e, consequentemente, na vida escolar também. Estas circunstâncias não entram na fórmula meramente matemática do IDEB.

Mesmo não estando isento de críticas, o índice em questão é um único atualmente calculado em nível nacional a partir de informações confiáveis e que incorpora o resultado da aplicação de avaliações dos conhecimentos adquiridos pelos estudantes brasileiros. As avaliações aplicadas são padronizadas em todo o Brasil, nivelando os testes a que são submetidos os estudantes em todo o território. Estas características fazem do IDEB o melhor parâmetro disponível para aferir a qualidade do ensino, admitindo que, se um percentual satisfatório dos alunos adquire os conhecimentos esperados e avança até o fim da vida escolar, o sistema educacional está ofertando serviços de qualidade uniformemente.

O IDEB é divulgado pelo INEP de dois em dois anos, desde o ano de 2005, e passou a ser

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um indutor de Políticas Públicas de Educação ou de Ações Educacionais conclamando à mobilização social pela melhoria da Educação Básica, mediante ações de assistência técnica e financeira.

3 AUMENTO DOS GASTOS PÚBLICOS COM EDUCAÇÃO DOS MUNICÍPIOS MARANHENSES

Há estudos constatando que o Estado, em todas as suas esferas de Poder, tem aumentado a destinação de recursos públicos para a Educação. Abrahão (2005, p. 847) demonstrou que os gastos em Educação, pelas três esferas de governo, tiveram uma ampliação e ganho de importância, em termos relativos, no período transcorrido de 1995 a 2002, quando saíram de 3,90% para 4,31% do PIB.

Informações do Balanço do Setor Público Nacional (SECRETARIA DO TESOURO NACIONAL, 2012) demonstram que os gastos com Educação em 2009 foram de R$169.190.490.155,97, correspondendo a 5,38% do PIB, e em 2010 totalizaram R$192.771.827.297,70, correspondendo a 5,25% do PIB. Movimento semelhante ocorreu nos Municípios maranhenses.

Tomou-se como referência o período de 2006 a 2009, posto que apesar de haver dados disponíveis sobre gastos com educação no SIOPE6 de 2006 a 2011 segregados por Município, o valor do Produto Interno Bruto (PIB) de cada Município divulgado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) só está disponível até o ano de 2009. Incluindo todos os Municípios do Estado do Maranhão, mesmo aqueles de não enviaram integralmente informações ao SIOPE em cada ano, foi possível construir os dados totalizados dos Municípios do Maranhão apresentados na tabela 1.

A Tabela 1 mostra que os Municípios do Maranhão, em conjunto, aumentaram significativamente as despesas com o ensino. No ano de 2008 a evolução parece ter sido interrompida, contudo deve ser observado que o PIB dos Municípios maranhenses, nesse ano, teve um aumento de mais de 22%, repercutindo no percentual calculado. Em 2009, os valores das despesas com Educação retomaram o crescimento em velocidade idêntica ao início do período verificado, mesmo com o aumento do PIB, confirmando a tendência de incremento dos gastos com Educação.

Verificando individualmente cada Município

maranhense constata-se que todos eles, sem exceção, elevaram o valor absoluto dos gastos com Educação entre 2006 e 20107.

O aumento dos valores absolutos dos gastos com Educação, contudo, pode não significar disponibilidade de mais recursos para ampliação e melhoria do sistema educacional municipal, posto que o número de alunos da rede também se modifica no decorrer dos anos. Havendo mais alunos, é evidente, há necessidade de mais recursos para a manutenção da estrutura da rede municipal nos mesmos patamares. Mais alunos exigem mais professores, mais salas de aula, mais material didático, mas merenda escolar, mais veículos de transporte, mais fardamento, etc.

Dados do Ministério da Educação demonstram que no conjunto dos Municípios maranhenses não houve incremento dos números de alunos da rede municipal de ensino entre 2006 e 2010, segundo resume a Tabela 2.

Dos 217 Municípios maranhenses, somente em 46 o número de alunos entre 2006 e 2010 aumentou, sendo que o Município de Itapecuru-Mirim foi o que apresentou maior aumento do número de alunos, acrescendo 2.051 alunos à sua rede de ensino. O Município de Caxias foi aquele que teve maior redução no número de alunos nas escolas municipais, perdendo 4.847 alunos, de um total de 171 Municípios cujo número de alunos diminuiu entre 2006 e 2010. Nenhum Município manteve o mesmo número de alunos no período.

A partir do cruzamento dos valores gastos com Educação, por Município, com o número de alunos da rede municipal de ensino de cada Município, é possível apontar a relação gasto por aluno, que indica quantos reais, em média, foram despendidos

Ano Despesas dos Municípios do Maranhão com ensino PIB dos Municípios do Maranhão Percentual do PIB

2006 1.255.662.360,86 28.620.246.000,00 4,382007 1.645.559.432,77 31.606.026.000,00 5,202008 1.969.006.761,35 38.486.010.000,00 5,112009 2.384.510.352,72 39.854.677.000,00 5,98

Tabela 1 - Relação entre os gastos com educação e o PIB dos Municípios do MA

Fonte: SIOPE/FNDE e IBGE.

Ano Número de alunos das escolas dos Municípios do Maranhão

2006 1.440.9072007 1.378.0562008 1.374.2392009 1.360.3132010 1.327.871

Tabela 2 - Quantidade de alunos dos Municípios do Maranhão por ano

Fonte: INEP/MEC.

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para cada aluno existente nas escolas municipais durante um ano. Ao proceder tal operação verifica-se que também desta perspectiva houve significativo aumento. Elaborando uma tabela que apresenta a média de reais gastos por aluno/ano do conjunto dos Municípios do maranhão, chegou-se aos seguintes valores apresentados na Tabela 3.

Tabela 3 - Média de despesa anual por aluno dos Municípios do Maranhão

Ano DESPESA POR ALUNO (R$/ALUNO)2006 871,442007 1.194,122008 1.432,802009 1.752,912010 1.842,75

Fonte: Elaborado pelos autores.

Vê-se que de 2006 a 2010 houve sucessiva elevação do valor gasto anualmente por aluno e, ao fim do período, o percentual de aumento foi de 219%. Mesmo nos 46 Municípios nos quais se verificou o aumento da quantidade de alunos, o valor do gasto por aluno não sofreu decréscimo. Neste grupo a média do gasto por aluno em 2006 foi de R$ 887,21, em 2007 foi de R$ 1.192,88, em 2008 foi de R$ 1.325,47, em 2009 foi de R$ 1.627,92 e em 2010 chegou a R$ 1.730,02. Portanto, a elevação neste grupo foi de 207% entre 2006 e 2010, inferior à média do conjunto de todos os Municípios, porém significativa, posto que o valor mais que triplicou no intervalo de cinco anos, conquanto tenha ocorrido o aumento na quantidade de alunos.

Os levantamentos demonstram que todos os Municípios do Estado do Maranhão elevaram significativamente o montante dos recursos destinados ao ensino nas suas respectivas redes. Independentemente de ter ocorrido elevação na quantidade de alunos, os valores declarados pelos Municípios como aplicados em Educação evoluiu ano após ano no período de 2006 a 2010, mantendo a média dos gastos por aluno também em movimento ascendente.

Isto traduz que os Municípios do Estado do Maranhão investiram em Educação entre 2006 e 2010, canalizando cada vez mais recursos para esta área.

4 EVOLUÇÃO DO IDEB DOS MUNICÍPIOS MARANHENSES

A primeira elaboração e divulgação do IDEB ocorreu no ano de 2006 e se refere aos dados coletados e avaliações aplicadas no ano de 2005. Esta primeira formulação funciona como linha de base ou referencial para a verificação bianual da qualidade do ensino no Brasil. Nos anos seguintes foi divulgado o IDEB referente a 2007 e 2009. O

IDEB de 2011, até então, ainda não foi divulgado.Este período coincide com o acima analisado

dos gastos municipais. O IDEB de 2005 estabeleceu a situação do ensino nos Municípios maranhenses. Os gastos com Educação realizados em 2006 e 2007 teriam repercussão no IDEB de 2007. Do mesmo modo, as despesas com educação efetuadas em 2008 e 2009 impactariam no IDEB de 2009.

O Ministério da Educação mantém um sítio eletrônico8 contendo todas as informações sobre o IDEB. Deste, pode-se extrair a nota das escolas da rede municipal de cada município brasileiro. O IDEB é segmentado, havendo um valor para o 5º ano e outro para o 9º ano do ensino fundamental, isto porque são aplicadas duas avaliações diferentes, uma para cada ano do ensino fundamental mencionado. Colheu-se e utilizou-se na pesquisa a nota atribuída ao 9º ano por retratar a situação do último ano do ensino fundamental e também para permitir o confronto com os gastos municipais com o ensino fundamental, gastos estes que não são fracionados até o 5º ano, apenas informados em sua totalidade, abrangendo todos os anos do ensino fundamental.

Na tabulação das notas do IDEB houve necessidade de excluir 46 Municípios maranhenses em razão de não haver informação da nota destes em todos os três anos divulgados. Assim sendo, foi verificada a evolução do IDEB dos 171 Municípios maranhenses que se submeteram às avaliações do MEC, representando uma suficiente amostragem para construir um cenário do ensino municipal no Maranhão. No universo de 171 Municípios constata-se que:

a) 113 Municípios melhoraram a nota do IDEB em 2007 com relação a 2005;

b) 123 Municípios melhoraram a nota do IDEB em 2009 com relação a 2007;

c) 57 Municípios melhoraram a nota do IDEB em 2007 e em 2009;

d) 10 Municípios pioraram a nota do IDEB em 2007 e em 2009.

Considerando que o IDEB é o indicador que mede a melhoria da qualidade do ensino, observou-se que somente em 57 Municípios do Maranhão, ou 26% do total considerado, conseguiram melhorar a educação em sua rede de escolas no decorrer de quatro anos. Dos 113 Municípios do Estado que melhoram a qualidade do ensino em 2007, 56 – praticamente a metade deles – não foi capaz de manter a melhoria do ensino no biênio seguinte. Outros 66 Municípios só alcançaram melhoria na qualidade do ensino após quatro anos, quando avaliados em 2009. Por fim, constatou-se que em 10 Municípios, equivalente a 4,6% dos Municípios maranhenses, o ensino perdeu qualidade.

A nota média do IDEB do conjunto de todos os 171 Municípios incluídos no levantamento evoluiu conforme representado no gráfico 1.

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Gráfico 1 - Evolução da média do IDEB dos Municípios do Maranhão

Fonte: Elaborado pelos autores.

A primeira nota do IDEB divulgada referente a 2005 foi de 2,76 na média das redes de ensino municipal do Maranhão. A última média, de 2009, chegou a 3,14, representando uma melhoria percentual da ordem de 13,76%. Dessa forma, admitindo que o IDEB quantifica a qualidade do ensino, pode-se concluir que no Maranhão o ensino público municipal teve uma melhoria acumulada em quatro anos de pouco mais de um décimo, se comparado ao seu estágio inicial.

5 IMPACTO DOS GASTOS PÚBLICOS DOS MUNICÍPIOS MARANHENSES NA EVOLUÇÃO DO IDEB

Demonstrado o aumento dos gastos dos Municípios do Maranhão com Educação e, em seguida, a evolução da nota do IDEB dos mesmos Municípios, observou-se que, em média, o volume dos gastos com Educação foi acrescido em 219%, ao passo que a nota do IDEB teve uma elevação média de apenas 13,76%. É possível afirmar que não há relação direta entre o aumento do gasto com educação e a melhoria da qualidade do ensino nos Municípios do Maranhão.

Toma-se como exemplo o Município de Matões, que aplicou 658% mais recursos em Educação em 2010 que em 2006. Neste Município o gasto por aluno em 2006 era de R$285,26 e em 2010 foi de R$1.877,16. De outra parte, a nota do IDEB deste ente da Federação que em 2005 era 2,5, em 2007 subiu para 2,8 e em 2009 manteve-se. Neste exemplo o município que apresentou o maior aumento de gastos por aluno no Maranhão não obteve elevação expressiva do índice de qualidade do ensino, não guardando qualquer proporção com os dispêndios em Educação.

Na Tabela 4, abaixo, fica evidente que a proporção do aumento de gastos por aluno é díspar em relação à nota do índice que mede a qualidade do ensino. Foram compilados os dados de cada um dos 157 Municípios maranhenses que disponibilizaram integralmente as informações no período analisado.

Complementarmente, foi calculado quantos

reais por aluno cada Município teve que aplicar na Educação para obter um acréscimo de 0,1 (um décimo) na nota do IDEB. Assim como se projetou quantos reais por aluno, em média, o Município deverá aplicar anualmente para alcançar a nota do IDEB, proposta no programa Compromisso Todos pela Educação para o ano de 2021.

Observou-se que nenhum Município melhorou a nota do IDEB na mesma proporção do aumento dos gastos com Educação. O desempenho mais satisfatório foi o do Município de Nova Colinas, cujo aumento do gasto com Educação foi de 165% no período verificado e a nota do IDEB foi elevada em aproximadamente 87%.

Os dados revelam que todos os Municípios do Maranhão realizaram despesas crescentes na área de educação entre 2006 e 2010. Todavia, somente 26% dos Municípios conseguiram ter uma melhoria continuada da qualidade do ensino. Outros 4,6% dos Municípios maranhenses, a despeito de também terem aumentado seus gastos com Educação, apresentaram piora continuada na qualidade do ensino.

Outrossim, ainda que aplicar mais recursos determinasse a elevação da nota do IDEB, mantendo-se o desempenho do quadriênio analisado, cada Município deveria aumentar continuamente os gastos com educação em ritmo incompatível com as disponibilidades de recursos para alcançar a meta proposta da qualidade de ensino.

6 CONCLUSÃO

Considerada a relação entre o IDEB e os gastos dos Municípios Maranhenses com Educação, notou-se não haver evidências de que o aumento dos recursos aplicados na Educação influenciam decisivamente na elevação da qualidade do ensino. O percentual equivalente a apenas um quarto dos Municípios ter obtido melhora na nota do IDEB, na verdade, qualifica tal ocorrência como uma exceção.

Diante das evidências acima, surge o seguinte questionamento: por que, embora os Municípios do Maranhão gastem cada vez mais em Educação, a qualidade do ensino de suas redes não melhora?

A qualidade do ensino é uma totalidade complexa e contraditória, influenciada não apenas pelo volume da aplicação financeira em Educação, mas também por outros fatores sociais, que geram a necessidade de políticas públicas inter-relacionadas, ou seja, a política de Educação associada à política de Saúde, à política de Segurança Pública, à política Habitacional, á política de Qualificação Profissional, etc. Isto porque são necessárias políticas públicas intersetorializadas já que

O grande desafio está na limitada mediação entre os interesses da criança/adolescente e os jogos de poder dos gestores das políticas públicas, em função da escassa

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Tabela 4 - Relação entre os gastos públicos dos Municípios - Maranhenses com Educação e o IDEB

MUNICÍPIO DESPESA POR ALUNO (R$/ALUNO) IDEB EVOLUÇÃO DO IDEB

RELAÇÃO AUMENTO DE GASTO/AUMENTO DO IDEB (R$-ALUNO/

DÉCIMO)

2006 2007 2008 2009 2010 2005 2007 2009 2007 2009 2006-2007

2008-2009

Anual até 2021

Acailândia 980,60 1274,17 1454,99 1752,69 2087,67 2,9 3,3 3,6 0,4 0,3 73,39 159,50 126,15

Água Doce do Maranhão 811,94 1120,45 1443,90 1695,88 1978,51 3,1 3,8 3,5 0,7 -0,3 44,07 0,00 413,00

Aldeias Altas 778,94 1060,81 1456,03 1754,26 1765,30 2,5 2,2 2,7 -0,3 0,5 0,00 138,69 315,42

Alto Alegre do Maranhão 900,18 1170,45 1286,51 1637,46 1668,02 2,5 2,9 2,8 0,4 -0,1 67,57 0,00 378,66

Alto Alegre do Pindaré 745,79 1154,15 1061,96 1645,71 1800,62 3,8 3,9 4,5 0,1 0,6 408,36 81,93 265,57

Alto Parnaíba 889,66 1219,89 1580,15 1488,45 1869,00 2,5 2,3 2,5 -0,2 0,2 0,00 134,28 387,09

Amarante do Maranhão 696,30 1061,54 1128,66 1525,34 1704,48 2,8 3,1 3,1 0,3 0 121,75 0,00 86,24

Anajatuba 646,67 1082,00 1450,87 1658,35 1755,86 2,5 3,2 3,5 0,7 0,3 62,19 192,12 105,96

Anapurus 1052,68 1091,71 1594,65 1294,69 1871,71 2,1 2,8 3,1 0,7 0,3 5,58 67,66 30,52

Apicum-açu 725,91 1046,84 1353,56 1664,06 1649,67 3 3,6 3,2 0,6 -0,4 53,49 0,00 503,03

Araguanã 884,58 1129,62 2657,78 1036,46 2042,15 2,7 3 3 0,3 0 81,68 0,00 57,86

Araioses 616,69 932,85 1245,46 2179,74 1849,68 2,8 3,2 3 0,4 -0,2 79,04 0,00 994,45

Arame 752,43 1195,38 1276,02 1420,34 1667,02 3,2 3 3,3 -0,2 0,3 0,00 74,99 410,04

Arari 114,99 1263,23 1426,35 1689,98 1913,32 2,9 2,7 3,3 -0,2 0,6 0,00 71,12 812,91

Bacabal 1002,99 1394,29 1507,12 1710,54 2009,34 2,8 2,6 3,5 -0,2 0,9 0,00 35,14 230,98

Bacabeira 1000,88 1153,77 1681,55 2067,14 2201,30 3 2,7 3 -0,3 0,3 0,00 304,46 381,12

Bacuri 919,53 993,93 1390,94 1634,76 1811,73 2,3 2,8 3 0,5 0,2 14,88 320,42 181,62

Bacurituba 1172,17 1087,73 1412,68 1569,08 1820,82 3 4,4 3,3 1,4 -1,1 0,00 0,00 340,96

Barra do Corda 820,10 1252,82 1331,97 1616,41 1930,59 3,4 2,9 3,3 -0,5 0,4 0,00 90,90 458,16

Barreirinhas 805,40 918,30 1334,87 1533,88 1573,82 3,1 2,9 3 -0,2 0,1 0,00 615,58 637,42

Bela Vista do Maranhão 761,73 1171,02 1415,87 1761,25 1988,76 3,1 2,1 3,9 -1 1,8 0,00 32,79 221,04

Belágua 789,78 1104,64 1537,10 1640,07 1967,22 2,7 3 2,7 0,3 -0,3 104,95 0,00 533,65

Benedito Leite 1304,60 1735,86 1719,70 1786,17 2449,74 2,5 4,3 3,6 1,8 -0,7 23,96 0,00 27,85

Bequimão 853,60 1266,48 1376,15 1474,96 1781,27 2,8 2,8 2,6 0 -0,2 0,00 0,00 0,00

Boa Vista do Gurupi 780,64 1083,99 1402,64 1481,79 1921,29 3,1 2,2 3,6 -0,9 1,4 0,00 28,41 207,36

Bom Jardim 970,79 1310,46 1315,30 1515,16 1723,81 2,6 3,1 3,4 0,5 0,3 67,93 68,24 68,08

Bom Jesus das Selvas 855,13 1101,50 1340,44 1594,04 1721,55 3,1 2,9 3,2 -0,2 0,3 0,00 164,18 325,02

Bom Lugar 1015,63 1386,01 1630,33 1578,83 1830,76 3,2 2,7 2,9 -0,5 0,2 0,00 96,41 447,34

Brejo 802,24 1022,48 1529,43 1621,65 1779,65 2,5 2,4 3 -0,1 0,6 0,00 99,86 200,07

Brejo de Areia 683,53 1222,14 1392,44 1297,85 1684,34 2,9 3,1 3,3 0,2 0,2 269,31 37,85 204,77

Buriti 776,17 963,68 1249,37 1525,69 1741,61 2,6 3,2 3,2 0,6 0 31,25 0,00 18,23

Buriti Bravo 968,12 1002,00 1461,26 1750,99 1809,37 3,1 2,7 2,8 -0,4 0,1 0,00 748,98 750,25

Buriticupu 897,09 1079,88 1359,91 1563,70 1662,92 3 3,5 3,3 0,5 -0,2 36,56 0,00 368,60

Buritirana 819,57 1409,28 1393,93 1615,92 1716,15 2,8 2,5 3,2 -0,3 0,7 0,00 29,52 412,82

Cachoeira Grande 973,92 1014,83 1642,73 1516,64 1768,27 2,3 2,6 2,7 0,3 0,1 13,64 501,81 343,63

Campestre do Maranhão 914,97 1457,14 1607,99 1670,03 1524,14 2,7 3,4 3,1 0,7 -0,3 77,45 0,00 193,56

Cantenhede 872,59 1108,67 1555,98 1413,54 1999,04 2,3 2,7 2,7 0,4 0 59,02 0,00 39,35

Carolina 941,25 1115,56 1470,47 1810,46 2067,94 3,3 3,4 3,7 0,1 0,3 174,31 231,63 270,63

Caxias 847,59 1313,08 2106,29 1883,86 1896,48 2,4 2,6 3,1 0,2 0,5 232,74 114,16 187,90

Central do Maranhão 815,66 1164,74 1562,41 1894,05 1935,34 2,7 2,3 3 -0,4 0,7 0,00 104,19 321,06

Centro do Guilherme 953,65 1341,79 1440,09 1520,43 1625,26 2,8 2,4 3,3 -0,4 0,9 0,00 19,85 254,99

Chapadinha 629,26 881,94 1258,71 1577,68 1600,94 2,8 3,1 3,2 0,3 0,1 84,23 695,74 519,98

Cidelândia 851,05 1317,29 1283,36 1754,21 1957,53 2,9 3,4 3,3 0,5 -0,1 93,25 0,00 353,44

Page 134: Politicas Publicas da Educacao

416 Jairo Cavalcanti Vieira, Diego Silva Oliveira

R. Pol. Públ., São Luís, v.16, n.2, p. 409-420, jul./dez. 2012

MUNICÍPIO DESPESA POR ALUNO (R$/ALUNO) IDEB EVOLUÇÃO DO IDEB

RELAÇÃO AUMENTO DE GASTO/AUMENTO DO IDEB (R$-ALUNO/

DÉCIMO)

2006 2007 2008 2009 2010 2005 2007 2009 2007 2009 2006-2007

2008-2009

Anual até 2021

Codó 940,10 1092,46 1290,47 1563,85 1762,61 2,8 3 3,1 0,2 0,1 76,18 471,39 387,86

Coelho Neto 935,18 1302,53 1361,18 1537,90 1817,21 2,3 2,5 3 0,2 0,5 183,67 47,08 124,99

Colinas 932,10 978,24 1303,25 1725,13 1796,12 2,7 3 3,2 0,3 0,2 15,38 373,45 243,02

Conceição do Lago-Açu 789,26 1124,51 1231,98 1964,89 1639,08 2,4 2,6 2,7 0,2 0,1 167,62 840,38 714,00

Coroatá 794,78 945,32 1342,34 1383,65 1661,27 2,4 3 3,4 0,6 0,4 25,09 109,58 56,11

Cururupu 703,64 998,89 1024,03 1543,02 2118,20 2,5 3,2 3,8 0,7 0,6 42,18 90,69 38,75

Davinópolis 786,23 1028,19 1096,61 1769,14 1566,69 2,9 2,8 2,8 -0,1 0 0,00 0,00 0,00

Dom Pedro 710,48 993,33 1251,71 2656,27 1675,21 2,6 3,8 3,7 1,2 -0,1 23,57 0,00 632,44

Estreito 726,42 888,36 1319,41 1814,63 2190,18 2,3 2,7 3,4 0,4 0,7 40,49 132,32 64,80

Feira Nova do Maranhão 1021,69 1292,89 1444,92 1623,83 1885,07 2,6 3,1 3,4 0,5 0,3 54,24 110,31 82,28

Fernando Falcão 897,63 1053,44 1357,56 1378,42 2225,52 3,4 3,7 3,4 0,3 -0,3 51,94 0,00 314,10

Formosa da Serra Negra 1049,69 1166,31 1482,38 1365,19 1720,47 2,9 3,5 3,3 0,6 -0,2 19,44 0,00 145,54

Fortuna 843,17 1240,64 1480,95 1524,33 1725,27 2,4 3 3,3 0,6 0,3 66,25 94,56 73,70

Governador Archer 1009,96 963,74 1208,00 1638,88 2019,84 3,3 3,2 3,4 -0,1 0,2 0,00 337,57 230,65

Governador Edison Lobão 878,57 3777,62 1562,19 1667,87 1693,32 2,9 3,1 3,5 0,2 0,4 1449,53 0,00 845,56

Governador Eugênio Barros 827,83 1243,43 1386,56 1517,40 1935,41 2,8 2,5 2,7 -0,3 0,2 0,00 136,99 483,51

Governador Nunes Freire 982,54 1122,79 1387,52 1517,17 1619,19 2,8 3 3 0,2 0 70,13 0,00 52,60

Graça Aranha 1387,22 1252,58 1557,15 1546,32 2068,06 2,1 2,7 2,9 0,6 0,2 0,00 146,87 73,43

Grajaú 683,65 1120,52 1364,10 1586,42 1699,37 2,6 3 3 0,4 0 109,22 0,00 72,81

Humberto de Campos 707,74 983,21 1256,47 1532,81 1631,29 2,4 2,4 2,8 0 0,4 0,00 137,40 91,60

Icatu 778,99 1221,99 1300,95 1560,80 1665,39 2,7 2,9 3,8 0,2 0,9 221,50 37,65 97,18

Igarapé do Meio 852,07 1157,17 1509,95 1873,68 1872,85 3,4 4,4 3,1 1 -1,3 30,51 0,00 715,89

Imperatriz 919,53 1321,35 1469,35 1968,87 1937,58 3,4 3,4 3,9 0 0,5 0,00 129,50 80,94

Itaipava do Grajaú 717,80 1209,13 1066,17 1462,11 1615,25 2,5 3,4 2,7 0,9 -0,7 54,59 0,00 230,68

Itapecuru-mirim 842,79 1158,24 1288,00 1538,14 1763,56 2,8 2,9 3,4 0,1 0,5 315,44 75,98 228,33

Itinga do Maranhão 868,97 1232,20 1501,75 1704,00 1702,91 3,2 3,6 3,2 0,4 -0,4 90,81 0,00 468,84

Jatobá 900,62 1229,38 1621,22 1540,80 1735,68 1,9 2,3 2,9 0,4 0,6 82,19 51,90 55,87

Jenipapo dos Vieiras 985,82 1284,15 1557,39 1784,40 2176,14 2,9 3,4 3,4 0,5 0 59,67 0,00 37,29

João Lisboa 880,49 1056,62 1461,69 1931,82 2092,50 3 3,5 3,8 0,5 0,3 35,22 291,73 163,48

Junco do Maranhão 937,95 1520,00 1638,92 1456,90 1671,31 2,5 3,3 3,3 0,8 0 72,76 0,00 36,38

Lago da Pedra 700,44 940,48 1340,23 1707,65 1561,30 2,6 2,7 3 0,1 0,3 240,04 255,72 330,51

Lago do Junco 905,49 1082,65 1564,93 2456,11 1847,77 3,8 3,5 3,7 -0,3 0,2 0,00 686,73 755,90

Lago dos Rodrigues 651,70 1326,51 1206,16 1907,01 1883,09 3,1 2,7 2,9 -0,4 0,2 0,00 290,25 884,64

Lago Verde 793,58 1122,60 1298,20 1362,90 1774,33 2,4 2,4 2,7 0 0,3 0,00 80,10 56,74

Lagoa do Mato 885,41 1894,74 1537,69 1509,07 1789,40 3,3 3 3,9 -0,3 0,9 0,00 0,00 0,00

Lagoa Grande do Maranhão 913,72 1322,02 1402,88 1434,17 1403,64 2,9 2,6 2,7 -0,3 0,1 0,00 112,15 477,08

Lajeado Novo 946,00 1198,52 1444,42 1853,51 1953,54 2,9 2,9 3,3 0 0,4 0,00 163,75 109,16

Lima Campos 890,34 1341,69 1361,01 1981,27 1869,95 1,9 2,7 2,4 0,8 -0,3 56,42 0,00 434,99

Loreto 803,52 1136,90 1499,70 1655,25 1823,87 3,6 3,3 3,5 -0,3 0,2 0,00 259,17 518,48

Maracaçumé 836,72 1035,59 865,60 1430,12 1779,22 3,1 3 2,9 -0,1 -0,1 0,00 0,00 0,00

Marajá do Sena 922,49 836,41 1552,83 1189,11 1831,46 2,5 2 1,8 -0,5 -0,2 0,00 0,00 0,00

Maranhãozinho 780,90 1094,46 1516,26 1701,61 1687,94 2,8 2,8 3,6 0 0,8 0,00 75,89 37,95

Mata Roma 746,91 878,19 1419,82 1710,51 1818,21 2,6 2,9 3,2 0,3 0,3 43,76 277,44 187,37

Continuação

Page 135: Politicas Publicas da Educacao

417O IMPACTO DO AUMENTO DE RECURSOS NA QUALIDADE DA EDUCAÇÃO DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO NO ESTADO DO MARANHÃO

R. Pol. Públ., São Luís, v.16, n.2, p. 409-420, jul./dez. 2012

Continuação

MUNICÍPIO DESPESA POR ALUNO (R$/ALUNO) IDEB EVOLUÇÃO DO IDEB

RELAÇÃO AUMENTO DE GASTO/AUMENTO DO IDEB (R$-ALUNO/

DÉCIMO)

2006 2007 2008 2009 2010 2005 2007 2009 2007 2009 2006-2007

2008-2009

Anual até 2021

Matinha 750,97 1255,17 1366,76 1593,56 2023,69 2,3 2,7 2,6 0,4 -0,1 126,05 0,00 328,98

Matões 285,26 1069,31 1310,98 1618,61 1877,16 2,5 2,8 2,8 0,3 0 261,35 0,00 185,12

Matões do Norte 796,89 1044,05 1327,01 1428,22 1857,06 3,2 2,9 3,7 -0,3 0,8 0,00 48,02 184,49

Milagres do Maranhão 1100,49 1504,20 1400,72 1457,06 1607,24 2,2 2,4 2,9 0,2 0,5 201,85 0,00 109,34

Mirador 850,29 1400,87 2044,08 1504,22 1978,77 2,4 2,5 2,4 0,1 -0,1 550,59 0,00 544,94

Miranda do Norte 1024,61 1013,18 1265,88 1411,24 1683,68 2,6 3,6 3,2 1 -0,4 0,00 0,00 0,00

Mirinzal 969,87 1097,17 1432,94 1815,23 1920,14 2,9 2,9 3,1 0 0,2 0,00 359,03 269,27

Monção 750,84 1184,90 1203,89 1913,68 1807,36 2,3 3,1 3,2 0,8 0,1 54,26 728,77 358,89

Montes Altos 822,37 1430,90 1229,70 1481,52 1877,05 3,4 3,8 4 0,4 0,2 152,13 25,31 103,51

Morros 783,47 1008,77 1432,73 1586,84 2024,78 3 2,6 2,3 -0,4 -0,3 0,00 0,00 0,00

Nova Colinas 1038,28 1111,35 1481,47 1737,72 1709,11 2,2 4,1 3,9 1,9 -0,2 3,85 0,00 78,78

Nova Olinda do Maranhão 907,48 1153,70 1469,87 1715,06 1833,44 2,6 3 3,3 0,4 0,3 61,56 187,12 134,70

Olinda Nova do Maranhão 809,87 1284,29 1481,98 1680,09 1653,08 2,9 2,3 3,1 -0,6 0,8 0,00 49,48 392,92

Paraibano 804,71 1406,74 1527,65 1614,86 1621,31 2,2 2,8 3,1 0,6 0,3 100,34 69,37 77,78

Pastos Bons 914,29 1083,57 1445,43 1566,30 1642,57 2,7 2,8 2,8 0,1 0 169,28 0,00 134,01

Paulino Neves 673,15 1108,53 1411,81 1512,20 1674,26 2,7 3,1 3,5 0,4 0,4 108,85 100,92 104,88

Pedreiras 874,43 1092,03 1384,35 1628,58 1541,40 2,5 2,7 3,2 0,2 0,5 108,80 107,31 117,06

Pedro do Rosário 650,59 983,07 1357,01 1808,44 1954,77 2,6 2,4 3 -0,2 0,6 0,00 137,56 313,36

Penalva 802,10 1093,66 1169,41 1434,29 1456,20 2,4 2,6 2,8 0,2 0,2 145,78 170,32 210,73

Peri Mirim 951,04 1460,22 1598,31 1821,09 2113,34 3,5 3 3,6 -0,5 0,6 0,00 60,14 450,72

Pindaré-Mirim 617,90 1031,76 1268,33 1694,04 1990,48 2,7 3,5 3,7 0,8 0,2 51,73 331,14 159,53

Pinheiro 912,55 1101,00 1467,83 1715,94 1803,06 2,7 2,9 3,4 0,2 0,5 94,22 122,99 117,66

Pirapemas 910,94 1205,49 1539,22 1395,68 1785,06 2,2 2,3 3,1 0,1 0,8 294,55 23,77 145,90

Poção de Pedras 985,11 1229,32 1646,38 1573,38 1980,22 3,5 4,2 3,1 0,7 -1,1 34,89 0,00 378,95

Porto Franco 1262,90 1422,64 1490,94 1776,96 1708,67 3,5 3,9 4 0,4 0,1 39,94 354,33 246,41

Presidente Dutra 907,45 1113,06 1500,39 2252,10 1945,10 2,6 2,6 3,2 0 0,6 0,00 189,84 110,74

Presidente Juscelino 898,75 1339,14 1481,51 1760,61 2079,52 2,8 2,6 2,8 -0,2 0,2 0,00 210,73 542,60

Presidente Médici 799,02 1269,65 1338,07 1902,85 1920,69 2,7 3 3,2 0,3 0,2 156,87 316,60 295,92

Presidente Sarney 771,89 1212,64 1272,45 1596,96 1602,51 2,7 2,5 3 -0,2 0,5 0,00 76,86 366,64

Raposa 791,28 955,66 1459,87 1616,29 1642,59 2,7 3,5 3,5 0,8 0 20,55 0,00 10,27

Ribamar Fiquene 910,98 1397,50 1390,60 1735,00 1982,23 3,3 3,3 3 0 -0,3 0,00 0,00 0,00

Ricahão 910,14 1229,02 1459,38 1696,20 1941,60 3,1 2,8 3,2 -0,3 0,4 0,00 116,79 344,91

Rosário 1017,43 1952,41 1964,98 1650,64 1841,84 2,2 2,2 2,7 0 0,5 0,00 0,00 0,00

Santa Filomena do Maranhão 792,18 2054,35 1521,65 1415,88 1758,33 2 2,7 3 0,7 0,3 180,31 0,00 75,13

Santa Helena 750,54 983,60 1458,36 1363,62 1789,68 2,2 2,7 2,2 0,5 -0,5 46,61 0,00 355,53

Santa Inês 908,78 937,63 1327,97 1498,28 1704,39 2,8 2,9 3,4 0,1 0,5 28,85 112,13 82,24

Santa Luzia 710,47 892,52 1325,87 1450,81 1717,25 3 3 3,4 0 0,4 0,00 139,57 93,05

Santa Luzia do Paruá 778,02 1160,86 1350,08 1758,03 1897,64 3,1 2,7 3,7 -0,4 1 0,00 59,72 258,16

Santa Rita 809,14 1045,04 1485,21 2122,11 1811,23 2,3 3 3,5 0,7 0,5 33,70 215,41 83,04

Santana do Maranhão 917,29 1225,72 1410,50 1870,39 1960,79 2,7 3,3 3,6 0,6 0,3 51,40 214,89 122,05

Santo Antônio dos Lopes 907,59 888,80 1319,64 1548,78 2293,60 3,1 3 3 -0,1 0 0,00 0,00 0,00

São Bento 769,10 1270,93 1397,16 1619,05 1985,83 2,8 2,9 3,4 0,1 0,5 501,83 69,62 333,35

Page 136: Politicas Publicas da Educacao

418 Jairo Cavalcanti Vieira, Diego Silva Oliveira

R. Pol. Públ., São Luís, v.16, n.2, p. 409-420, jul./dez. 2012

MUNICÍPIO DESPESA POR ALUNO (R$/ALUNO) IDEB EVOLUÇÃO DO IDEB

RELAÇÃO AUMENTO DE GASTO/AUMENTO DO IDEB (R$-ALUNO/

DÉCIMO)

2006 2007 2008 2009 2010 2005 2007 2009 2007 2009 2006-2007

2008-2009

Anual até 2021

São Bernardo 848,06 1179,86 1366,88 1782,06 1849,74 2,8 2,9 2,8 0,1 -0,1 331,81 0,00 778,34

São Domingos do Maranhão 879,74 1163,28 1501,23 3943,55 4032,32 3,1 3,3 3,1 0,2 -0,2 141,77 0,00 2435,04

São Francisco do Brejão 896,41 1049,43 1282,92 1614,28 1930,33 2,8 3,6 3,3 0,8 -0,3 19,13 0,00 364,98

São João Batista 742,21 1005,94 1385,33 1641,85 1957,44 2,6 2,6 2,8 0 0,2 0,00 317,95 238,47

São João do Sóter 1033,23 1829,07 1455,92 1591,39 1579,14 2,3 2,3 2,2 0 -0,1 0,00 0,00 0,00

São João dos Patos 948,92 1687,86 1482,51 1717,90 1847,20 2,3 2,8 3,1 0,5 0,3 147,79 10,01 78,90

São José dos Basílios 819,42 1115,25 1340,78 1286,82 1609,11 2,1 2,7 2,6 0,6 -0,1 49,30 0,00 138,05

São Luís 1441,70 1879,52 2502,14 3049,84 3728,30 2,9 3,5 4,1 0,6 0,6 72,97 195,05 89,34

São Mateus do Maranhão 985,36 1096,48 1220,26 1718,98 1644,73 2,6 2,8 2,6 0,2 -0,2 55,56 0,00 565,04

São Pedro da Água Branca 841,83 1444,02 1457,60 1601,89 1842,31 2,4 3 3,1 0,6 0,1 100,37 157,87 139,88

São Pedro dos Crentes 1227,91 1486,29 1683,07 1747,55 1971,97 3,3 3,7 3,3 0,4 -0,4 64,60 0,00 271,54

São Vicente Férrer 800,02 847,09 1415,33 2069,25 1610,54 2,4 2,1 2 -0,3 -0,1 0,00 0,00 0,00

Sítio Novo 862,56 1455,09 1375,44 1680,09 2004,13 2,4 3,2 2,9 0,8 -0,3 74,07 0,00 186,91

Sucupira do Riachão 1129,05 2003,50 1533,29 1670,19 1940,34 3,1 3,2 3,7 0,1 0,5 874,45 0,00 510,10

Tasso Fragoso 1067,21 1292,22 1659,15 2005,33 2247,16 3,1 2,9 2,9 -0,2 0 0,00 0,00 0,00

Timbiras 745,58 1111,70 1281,19 1604,85 1719,91 2,9 3,4 3,3 0,5 -0,1 73,23 0,00 377,58

Trizidela do Vale 830,83 1141,95 1383,69 1801,24 1950,95 3 3,2 3,5 0,2 0,3 155,56 219,76 234,58

Tufilândia 817,93 1349,47 1588,61 1732,27 1914,46 3 4 2,8 1 -1,2 53,15 0,00 399,62

Tuntum 735,71 899,92 1438,00 1528,92 1653,89 2,5 2,8 3,1 0,3 0,3 54,74 209,66 154,23

Turiaçu 785,09 1238,17 1482,85 1504,53 1993,24 2,5 2,6 3,2 0,1 0,6 453,08 44,39 269,47

Turilândia 752,31 1322,20 1274,02 1672,88 1700,06 2,4 2,8 2,5 0,4 -0,3 142,47 0,00 390,42

Tutóia 734,31 968,57 1331,59 1458,55 1618,52 2,9 3,3 3,3 0,4 0 58,56 0,00 39,04

Urbano Santos 803,09 967,99 1078,29 1739,21 2209,04 2,9 2,7 3 -0,2 0,3 0,00 257,07 334,06

Vargem Grande 851,00 906,10 884,47 1538,76 1800,65 3,1 3,3 3,6 0,2 0,3 27,55 210,89 149,02

Viana 486,57 314,88 1424,70 1835,55 1915,16 2,5 2,7 2,9 0,2 0,2 0,00 760,33 506,89

Vila Nova dos Martírios 1011,26 1257,95 1439,86 1482,46 1795,65 2,6 3,1 2,8 0,5 -0,3 49,34 0,00 205,39

Vitória do Mearim 750,52 1513,71 1681,41 1627,51 1814,46 2,6 2,7 2,7 0,1 0 763,19 0,00 604,19

Vitorino Freire 943,97 1199,83 1366,44 1682,40 1651,04 2,4 2,8 3 0,4 0,2 63,96 241,29 178,06

Zé Doca 797,10 1310,65 1208,30 1812,04 1634,66 2,7 3 3,4 0,3 0,4 171,18 125,35 160,62Fonte: Elaborado pelos autores.Nota: Na coluna 'RELAÇÃO AUMENTO DE GASTO/AUMENTO DO IDEB (R$-ALUNO/DÉCIMO)' foi inserido R$0,00 nos casos em que a nota do IDEB não melhorou.

articulação interinstitucional e baixo poder de mobilização dos beneficiários. (OLIVEIRA, 2011).

Outro aspecto que não pode ser desprezado é a qualidade do gasto público. Os Municípios maranhenses aplicaram muitos recursos em Educação, contudo esta aplicação não acarretou melhoria correspondente na qualidade do ensino, o que indica a utilização ineficiente do dinheiro público canalizado para ações das políticas locais de Educação. Além do aumento de recursos para a Educação, é preciso pensar a qualidade do ensino numa perspectiva que abranja insumos, clima e

cultura organizacional. (OLIVEIRA; ARAÚJO, 2005. p. 20).

Recentemente foi noticiado que a comissão especial que analisou o Plano Nacional de Educação concluiu a votação do documento que vai nortear a educação brasileira pelos próximos dez anos, tendo sido estabelecida a meta de investir 10% do PIB Nacional em Educação ao fim dos próximos dez anos. (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2012). Embora seja uma medida que favorece a Educação, não há indicativo de que terá o efeito de melhorar a qualidade do ensino, ao menos não na rede escolar dos Municípios do Maranhão. Estes Municípios estão superando o obstáculo da falta de recursos para

Continuação

Page 137: Politicas Publicas da Educacao

419O IMPACTO DO AUMENTO DE RECURSOS NA QUALIDADE DA EDUCAÇÃO DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO NO ESTADO DO MARANHÃO

R. Pol. Públ., São Luís, v.16, n.2, p. 409-420, jul./dez. 2012

investir em Educação e é a qualidade dos gastos e a inter-relação com outros fatores sociais que se tornam a questão central da política educacional referente à Educação básica.

REFERÊNCIAS

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ARELARO, Lisete Regina Gomes. O ensino fundamental no Brasil: avanços, perplexidades e tendências. Educação e Sociedade, Campinas, v. 26, n. 92, p. 1039-1066, Especial - Out. 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/%0D/es/v26n92/v26n92a15.pdf>. Acesso em: 29 jun. 2012.

BRASIL. Decreto nº 6.094, de 24 de abril de 2007. Dispõe sobre a implementação do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, pela União Federal, em regime de colaboração com Municípios, Distrito Federal e Estados, e a participação das famílias e da comunidade, mediante programas e ações de assistência técnica e financeira, visando a mobilização social pela melhoria da qualidade da educação básica. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/de creto/d6094.htm>. Acesso em: 15 jun. 2012.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Comissão do PNE vota e define percentual do PIB para financiar a educação. 27 jun. 2012. Disponível em:<http://www2.camara.gov.br/ tv/mater ias/CAMARA-HOJE/421094-COMISSAO-DO-PNE-VOTA-E-DEFINE-PERCENTUAL-O-PIB-PARA-FINANCIAR-A-DUCACAO.html>. Acesso em: 29 jun. 2012.

FARIAS, Flávio Bezerra de. O Estado capitalista contemporâneo: para a crítica das visões regulacionistas. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2001. cap. 1. (Questões da Nossa Época, v. 73).

FERNANDES, Caroline Falco Reis. O IDEB e a Prova Brasil na gestão das escolas municipais de Vitória-ES. Disponível em:<http://www.anped.org.br/33encontro/app/webroot/files/file/Trabalhos%20em%20PDF/GT05-6889--Int.pdf>. Acesso em: 15 jun. 2012.

FERNANDES, Reynaldo. IDEB: monitoramento objetivo da qualidade dos sistemas a partir da combinação entre fluxo e aprendizagem escolar. In: GRACIANO, Mariângela (Coord.). O Plano de

desenvolvimento da educação. São Paulo: Ação Educativa, 2007a. (Em questão 4)

INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS. Metodologia utilizada para o estabelecimento das metas intermediárias para a trajetória do Ideb no Brasil, Estados, Municípios e Escolas: nota técnica. Disponível em: <http://download.inep.gov.br/educacao_basica/portal_ideb/metodologias/Nota_Tecnica_n1_concepcaoIDEB.pdf.>. Acesso em 12 jun. 2012a.

______. Nota metodológica sobre a compatibilização de desempenhos do PISA com a escala do SAEB: nota técnica. Disponível em:<http://download.inep.gov.br/educacao_basica/portal_ideb/metodologias/Nota_Tecnica_n1_concepcaoIDEB.pdf.>. Acesso em: 12 jun. 2012.

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OLIVEIRA, Fabiana Noronha de et al. A criança e o adolescente como sujeitos de direitos e os desafios para sua inclusão na agenda das políticas públicas Municipais. Revista de Políticas Públicas, São Luís, v. 15. n. 2. p. 213-223, jul./dez. 2011.

______, Romualdo Portela de; ARAUJO, Gilda Cardoso de. Qualidade do ensino: uma nova dimensão da luta pelo direito à educação. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 28, p. 5-23, jan./abr. 2005. Disponível em:<http://www.scielo.br/pdf/%0D/rbedu/n28/a02n28.pdf>. Acesso em: 27 jun. 2012.

SECRETARIA DO TESOURO NACIONAL. Balanço do setor público nacional. Disponível em:<http://www.stn.gov.br/contabilidade_governamental/downloads/Balanco_Setor_publico_Nacional.pdf>. Acesso em: 28 jun. 2012.

WEBER, Max. Metodologias das ciências sociais. São Paulo: Cortez, 1992. cap. 1. p.107-117.

Notas

1 Período que, no Brasil, engloba desde a Educação Infantil, passando pelo Ensino Fundamental, chegando até o Ensino Médio, com prazo de duração ideal de 18 anos.

2 Prova Brasil ou Saeb obtido pelos estudantes ao final das etapas de ensino (4ª e 8ª séries do ensino fundamental e 3ª série do ensino médio)

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420 Jairo Cavalcanti Vieira, Diego Silva Oliveira

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3 Entenda-se aprovações ao final do prazo de duração ideal anual, ou final do ano letivo.

4 Média dos Países desenvolvidos que participam do PISA, considerando que o SAEB, um dos componentes do IDEB, foi matematicamente compatibilizado com o PISA, razão pela qual se espera que a média da Avaliação da Educação atingida pelos Países desenvolvidos no PISA seja refletida no IDEB.

5 Agressões, abusos sexuais, discriminação de gênero, consumo de substâncias psicoativas, etc.

6 O Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Educação (SIOPE) é um sistema eletrônico, instituído para coleta, processamento, disseminação e acesso público às informações referentes aos orçamentos de educação da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.

7 Não foi possível analisar a relação com o PIB até 2010 porquanto o IBGE ainda não divulgou o PIB dos Municípios. A previsão para divulgação é Dezembro de 2012.

8 Sítio eletrônico sobre o IDEB hospedado pelo MEC: http://ideb.inep.gov.br/

Jairo Cavalcanti VieiraAdvogadoEspecialista em Direito Processual Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISULProcurador do Ministério Público de Contas do Estado do Maranhão (TCE-MA)E-mail: [email protected]

Diego Silva OliveiraAdministrador/AdvogadoMestrando em Políticas Púbicas pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA)Funcionário público pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA)E-mail: [email protected]

Tribunal de Contas do Estado do Maranhão - TCE/MA Av. Carlos Cunha, s/n, Jaracati - São Luís (MA)CEP 65076-820

Universidade Federal do Maranhão - UFMACidade Universitária, Av. dos Portugueses, 1966, Bacanga - São Luis/MACEP: 65.085-580

Page 139: Politicas Publicas da Educacao

421

R. Pol. Públ., São Luís, v.16, n.2, p. 421-431, jul./dez. 2012

PROGRAMA ESCOLA INTERCULTURAL BILÍNGUE DE FRONTEIRA: primeiros anos na fronteira Jaguarão/Brasil – Rio Branco/Uruguai

Cristina Pureza Duarte BoéssioUniversidade Federal do Pampa (UNIPAMPA)

Bento Selau da Silva JuniorUniversidade Federal do Pampa (UNIPAMPA)

Yanna Karlla H. G. CunhaUniversidade Federal do Pampa (UNIPAMPA)

PROGRAMA ESCOLA INTERCULTURAL BILÍNGUE DE FRONTEIRA: primeiros anos na fronteira Jaguarão/Brasil – Rio Branco/UruguaiResumo: O governo do Brasil vem realizando ações para qualificar o ensino em todos os níveis educativos do país, bem como estreitar relações com os países integrantes do MERCOSUL. O trabalho aborda o Programa Escola Intercultural Bilíngue de Fronteira, fazendo um relato descritivo do desenvolvimento desse projeto, observado na região Jaguarão-Brasil/Rio Branco-Uruguai desde seu surgimento até os dias atuais, e discutindo alguns conceitos que foram fundamentais para a compreensão da proposta, tais como interculturalidade, bilinguismo e fronteira. A metodologia escolhida caracterizou-se como estudo de campo, utilizando, como instrumentos para coleta de dados, entrevistas com os professores que atuavam no projeto e fontes documentais. Assim, essa discussão leva a refletir sobre a importância da formação, inicial e continuada, dos sujeitos envolvidos neste processo. Os resultados apontam, ainda, que a ausência de apoio pedagógico representa um obstáculo para um melhor desenvolvimento do Programa.Palavras-chave: PEIBF, bilinguismo, fronteira, interculturalidade

PROGRAM FOR INTERCULTURAL BILINGUAL SCHOOL AT THE BORDER: early years at the border Jaguarão/Brazil - Rio Branco/UruguayAbstract: The government of Brazil has been carrying out actions to qualify teaching at all educational levels, as well as to narrow relationships with the countries members of MERCOSUL. In this scenario lies the Program for Intercultural Bilingual School of Frontier, which will be handled in the current assignment. The aim of this study was to have a descriptive report of this project development observed in Jaguarão (Brazil) / Rio Branco (Uruguay) since its inception to the present days and, with it, discuss some concepts which were fundamental to the understanding of the project, such as interculturalism, bilingualism and border. The methodology chosen, can be characterized as a field study, using as data-collection instruments, interviews with teachers who worked in the project and documentary sources. The present discussion proposed a reflection on the initial and continuing training of the subjects involved in the project. The results also indicated that the lack of educational support is an impediment to a better development of the program.Key words: bilingualism, border, interculturality.

Recebido em: 30.06.2012. Aprovado em: 22.10.2012.

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1 INTRODUÇÃO

A estruturação dos processos educativos não é resultado de uma política restrita aos órgãos educacionais, nem ao menos é algo que está pronto e acabado. A educação não tem uma função unívoca em nossa sociedade, pois está sempre se renovando e sendo repensada de acordo com as transformações políticas, econômicas, sociais e culturais. Dessa forma, a escola não pode ser vista apenas como uma representação dos valores sociais predominantes, mas sim um espaço no qual podemos repensar e até subverter esses valores.

É nesse cenário de redefinição do papel da educação que surgem ações políticas visando a integrar a escola a outras instituições governamentais. O governo do Brasil vem realizando ações para qualificar o ensino em todos os níveis educativos do país, bem como estreitar relações com os países integrantes do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL). É neste contexto que se encontra o Programa Escola Intercultural Bilíngue de Fronteira (PEIBF).

O objetivo deste trabalho é fazer um relato descritivo do desenvolvimento desse Programa, observado na região Jaguarão-Brasil/Rio Branco-Uruguai, desde seu surgimento até os dias atuais, discutindo alguns conceitos que foram fundamentais para a compreensão do Programa, tais como interculturalidade, bilinguismo e fronteira. Essa discussão nos leva à reflexão sobre a importância da formação inicial e continuada dos sujeitos envolvidos neste processo.

Segundo o Ministério da Educação, o PEIBF tem, como um de seus objetivos, o de promover o intercâmbio entre professores dos países do MERCOSUL. Criado em 2005 como um projeto de ação bilateral Brasil-Argentina, fechou o ano de 2008 com 14 escolas participantes dos dois países. No ano de 2009, já como Programa, inicia com 26 escolas, em cinco países (Brasil, Uruguai, Argentina, Paraguai e Venezuela).

O Programa na fronteira Jaguarão/Brasil – Rio Branco/Uruguai começou em 2009, quando já se podem observar algumas experiências, bem como alguns parâmetros para o desenvolvimento de um modelo de ensino comum em escolas de zona de fronteira que é visto, no mundo contemporâneo, como um espaço múltiplo. Sendo assim, o PEIBF implementado nessas regiões surge com a proposta de criar uma identidade regional que concilie o bilinguismo e o interculturalismo presentes nesse contexto fronteiriço.

Portanto, esse Programa está inserido num contexto histórico de redefinição das relações políticas entre os países do MERCOSUL. Um dos acordos que reflete essa redefinição é o Tratado de Assunção1, firmado em 1991, no qual fica declarado, no artigo 23, que o português e o espanhol são

idiomas oficiais do MERCOSUL. A partir de então, o Setor Educacional do

MERCOSUL aponta a difusão do aprendizado desses idiomas por meio de sistemas formais, como a escola, e outros sistemas não formais, como fundamentais para o desenvolvimento de uma política de integração na região de fronteira. A Argentina foi a primeira a implantar o PEIBF ao firmar, em 2003, a Declaração Conjunta de Brasília2, na qual “a educação é reafirmada como espaço cultural para o fortalecimento de uma consciência favorável à integração regional”. (BRASIL, 2006, p. 8).

2 PROGRAMA ESCOLA INTERCULTURAL BILÍNGUE DE FRONTEIRA: contextualizando

No primeiro documento, “Projeto Escolas Bilíngue, versão preliminar de 2006”, que visa a regulamentar a proposta do Programa, encontramos que ele ainda é denominado de Projeto, e que já tinha por objetivo

Permitir, organizar, fomentar a interação entre os agentes educacionais e as comunidades educativas envolvidas, de tal maneira a propiciar o conhecimento do outro e a superação dos entraves ao contato e ao aprendizado. (BRASIL, 2006, p. 26).

Cabe ressaltar que, no início do PEBF, na sigla não aparecia a vogal “I”, porém, no mesmo documento, é possível perceber que a interculturalidade já está contemplada. Sendo assim, com o intuito de não causar equívocos, a vogal “I” foi acrescentada à sigla e hoje temos o PEIBF. Existem somente dois documentos que balizam o Programa, que são a versão preliminar de 2006 e a última versão, datada de 2008, que, ainda hoje, é considerada uma versão preliminar.

Da primeira versão de 2006 até a segunda de 2008, algumas pequenas alterações foram feitas, dentre as quais podemos destacar: a alteração do nome, a mudança de Projeto para Programa, a inclusão de temas como a leitura e a escrita e discussões sobre os temas letramento e alfabetização e seu correspondente (ou não) na Argentina.

A conclusão a que chegam os documentos é de que há uma diferença entre o uso da terminologia, já que no Brasil se faz a diferença entre letramento e alfabetização, e na Argentina não; o que, segundo os documentos de 2008, “demandaram uma explicitação durante as reuniões bilaterais do Programa”. (BRASIL, 2008, p. 31). Ainda, no Brasil, o termo letramento

Faz referência à apropriação de conhecimentos que constituem a cultura chamada ‘letrada’, isto é, ao processo de ensino-aprendizagem da língua escrita,

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mas compreende também a oralidade e a leitura. Ao termo alfabetização cabe a fase inicial deste processo, associada ao processo de codificação/decodificação de sons em letras e vice-versa. (BRASIL, 2008, p. 31).

Na Argentina, os processos envolvidos então interligados num mesmo termo: alfabetización. Nos documentos curriculares emprega-se o termo alfabetización

Em sentido amplo para fazer referência aos momentos iniciais do processo de apropriação e recriação da cultura escrita (letrada) e inclui tanto a aprendizagem da língua escrita (suas formas, usos e funções) como o dos conhecimentos do sistema alfabético da escrita, o reconhecimento e traçado das letras e o progressivo conhecimento do sistema da ortografia das palavras. Em linhas gerais, o alcance do termo alfabetización na Argentina inclui os conhecimentos que no Brasil são abarcados nos termos letramento e alfabetização. (BRASIL, 2008, p. 31).

Ainda que haja diferença terminológica, mantém-se a unicidade de objetivos, abarcando os conceitos na proposta metodológica do Programa. A metodologia adotada no PEIBF é a de ensino por projetos de aprendizagem. Os professores, de ambos os países, realizam o planejamento das aulas juntos e determinam os dias em que realizarão o intercâmbio, pelo menos uma vez por semana. Portanto, o que ocorre no PEIBF é a intenção de criar um ambiente no qual o ensino em língua estrangeira, e não da língua, aconteça de maneira natural, o que nos encaminha para um contexto real de bilinguismo e interculturalidade. É preciso chegar, juntamente com as crianças, à escolha de uma temática intercultural para que essa possa ser apresentada e discutida na língua alvo, e não, colocar o foco do trabalho unicamente na língua.

O texto do documento recomenda, então, o uso de atividades orais no início do contato das crianças com a segunda língua, por meio de “conversações, jogos, canções, narrativas, rotinas escolares previstas nos projetos” (BRASIL, 2008, p. 32), possibilitando que as crianças aprendam

Formas de intercâmbio, o significado e uso de palavras e expressões e as regras de combinação desta língua. Dado que a escrita envolve processos afetivos e cognitivos, não teria nenhum sentido que as crianças copiassem palavras escritas por outros sem conhecer seu significado. (BRASIL, 2008, p. 32).

Ainda segundo o documento, as instâncias

ideais para introdução da escritura como atividade de uma sociedade letrada deve surgir do desejo e curiosidade das crianças em relação a alguma palavra que lhes chame atenção nas atividades realizadas. As demais habilidades (de ler e escrever) devem ser introduzidas em atividades que tenham significado, com léxico contextualizado, isto é, dentro dos “âmbitos discursivos que o contextualizam e que lhe dão sentido”. (BRASIL, 2008, p. 33).

O documento traz algumas propostas de uso de livros, já que as escolas do Programa contam com bibliotecas bilíngues, bem como sugere materiais autênticos para o trabalho com elementos linguístico-culturais como canções, histórias, lendas, poesias, jogos, etc. Também ressalta a complexidade da compreensão do princípio alfabético e da questão da ortografia, mas em nenhum momento aponta saídas para o trabalho com essas questões.

Após essa contextualização geral da estrutura do Programa, passaremos a discutir alguns conceitos que foram fundamentais para a compreensão do PEIBF, refletindo sobre a importância da formação, inicial e continuada, dos sujeitos envolvidos neste processo. Cabe destacar que este foco de interesse surgiu por meio dos relatos dos educadores envolvidos que, ainda que questionados sobre outros tópicos, recaíam na sinalização de que a formação era necessária e não estava ocorrendo naquele momento.

3 CONCEITOS FUNDAMENTAIS

Para compreensão do Programa, é imprescindível entendermos e refletirmos sobre três conceitos fundamentais que dão sustentação à proposta: fronteira, interculturalismo e bilinguismo. Esses conceitos nos possibilitam enxergar a complexidade da proposta, bem como suas prioridades e objetivos.

Visto que o Programa foi desenvolvido para ser implementado em regiões de fronteira, este será o primeiro conceito a ser discutido. Abrimos um parêntese para destacar que os conceitos aqui explicitados são aqueles defendidos pelos órgãos responsáveis pela elaboração da proposta das Escolas Intercultural Bilíngue de Fronteira, principalmente os Ministérios da Educação dos países envolvidos. Desse modo, podem ser encontrados tanto na versão de 2006 como na de 2008, que tratam da estrutura e dos objetivos do Programa.

Buscando conhecer a definição de fronteira, é possível perceber que esse termo nos remete a diversas concepções, dependendo do período em que é analisado. Para o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Faixa de Fronteira é considerada um território que compreende uma faixa interna de 150 km de largura, paralela à linha divisória terrestre do território nacional. Assim, no

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Rio Grande do Sul, são 43 municípios que estão localizados nessa faixa.

Segundo o documento do Ministério da Educação,

Definiu-se como lugar privilegiado para o desenvolvimento do Programa o sistema de cidades-gêmeas internacionais, isto é, aquelas cidades que contam com uma parceira no outro país, propiciando as condições ideais para o intercâmbio e a cooperação interfronteiriça”. (BRASIL, 2006, p. 11).

Considerou-se o conceito de fronteira, destacado acima, como fator decisivo para a escolha das escolas que poderiam participar do Programa.

Tendo por base que este espaço fronteiriço é heterogêneo, abre-se, então, a necessidade de inserir uma perspectiva intercultural, pois a diversidade não é apenas linguística, até mesmo porque a linguagem não é vista, aqui, como um sistema abstrato. No mesmo documento, encontramos o entendimento de interculturalidade em dois momentos: primeiro como “um conjunto de práticas sociais ligadas ‘estar com o outro’, entendê-lo, trabalhar com ele, produzir sentido conjuntamente”, segundo, como “conhecimentos sobre o outro, sobre o outro país, suas formas históricas de constituição e de organização”. (BRASIL, 2006, p. 18).

Compreendendo o que é considerada faixa de fronteira e o que se entende por interculturalidade, cabe verificar o que se entende por bilíngue/bilinguismo e tecer algumas reflexões sobre os conceitos, já que estamos tratando de escolas bilíngues. Segundo Richards, Platt e Platt (1997), no Diccionario de Linguística Aplicada, bilingue é um adjetivo e quer qualificar “Persona que conoce y usa dos lenguas”. Segundo os autores,

En su uso común, el término bilingüe se suele emplear para referirse a una persona que habla, lee y comprende dos lenguas igual de bien (un bilingüe equilibrado), pero una persona bilingüe generalmente tiene un conocimiento mayor de una de las dos lenguas. Por ejemplo quizá pueda: a) Leer y escribir en una sola lengua; b) Utilizar cada lengua en diferentes situaciones (ámbitos – véase ámbito), p.ej. una lengua en casa y otra en el trabajo; c) Utilizar cada lengua para objetivos comunicativos diferentes, p. ej. Una para hablar de la vida en la escuela y la otra para hablar de sus sentimientos. (RICHARDS; PLATT; PLATT, 1997, p. 45).

Tendo em vista que os alunos inseridos nas zonas de fronteira são de uma maneira, ou outra, expostos ao contato com os dois idiomas,

a discussão acerca do que é ser bilíngue se mostra fundamental. Interligado à ideia de interculturalidade, o objetivo do Programa, no que se refere ao bilinguismo, não está restrito ao ensino de língua de maneira abstrata. Assim, a presença do professor nativo da segunda língua é uma maneira de ampliar o ensino/aprendizagem, pois o aluno não terá apenas acesso aos usos da língua, mas um convívio com falantes, possibilitando o contato entre culturas e a oportunidade de conhecer outro modo de organização educacional.

Ser bilíngue, em uma região de fronteira, é uma das possibilidades de reconhecimento do outro, visto que o “o contato com o outro implica necessariamente o contato com a língua falada por ele”. (BRASIL, 2008, p. 20). Esse contato amplia o conhecimento da diversidade cultural e proporciona uma aproximação entre os dois países, e é nesse sentido que os conceitos de fronteira, interculturalidade e bilinguismo se entrecruzam e tornam-se necessários para o desenvolvimento da proposta do PEBIF.

4 O MÉTODO DE PESQUISA

Esta pesquisa caracterizou-se como estudo de campo. Gil (1999; 2009) sugere que a utilização de depoimentos e entrevistas são instrumentos para a coleta de dados para investigações que optam pelo estudo de campo. De acordo com o autor, nesse tipo de investigação a participação dos sujeitos emitindo opiniões e verbalizando as suas vivências no meio de atuação são fundamentais. O envolvimento dos sujeitos deve aparecer, inclusive, no momento de se redigir os resultados, existindo a necessidade de se permitir que as falas dos professores apareçam de forma explícita. Foram utilizados, ainda, documentos que nos auxiliaram a compreender melhor a realidade pesquisada, especialmente porque esse material constituiu-se como a base teórica de todo o trabalho prático que vem ocorrendo nas escolas estudadas.

O campo de estudo foi delimitado entre duas cidades da fronteira Brasil/Uruguai: Jaguarão (no Brasil) e Rio Branco (do Uruguai). As investigações foram feitas em quatro escolas: duas escolas do lado brasileiro e duas do lado uruguaio, que participam do Programa Escola Intercultural Bilíngue de Fronteira. A Escola Municipal Dr. Fernando Corrêa Ribas, em Jaguarão, interagia com a Escola número. 5 de Rio Branco; a Escola Municipal Dr. Marcílio Dias, de Jaguarão, interagia com a Escola 12, em Rio Branco.

Buscamos, primeiramente, conhecer os documentos que sustentam o PEIBF e suas bases teóricas. O material encontrado foi: a versão preliminar do Projeto denominada “Escolas de Fronteira”, de 2006, redigida pelos Ministérios de Educação do Brasil e da Argentina; a versão do Programa, de 2008, na qual percebemos alguns

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acréscimos teóricos.Após o conhecimento das bases da proposta e

do seu contexto, procuramos ouvir as avaliações dos docentes envolvidos no Programa nessa fronteira. Eram oito os sujeitos envolvidos no processo no ano de 2011: quatro professoras brasileiras e quatro uruguaias, duas profissionais de cada uma das quatro escolas. Todos os sujeitos envolvidos assinaram termo de consentimento informado, livre e esclarecido, concedendo autorização para participação na pesquisa. A entrevista com as professoras foi feita por meio das seguintes perguntas:

Como você compreende o PEIBF?Quais escolas fazem parte desse Programa?Como foi a seleção de escolha dessas escolas?Quais critérios?Quais turmas da escola fazem parte?A escola disponibiliza hora-extra para a elaboração dos encontros?Quais os critérios para um professor participar?Houve capacitação?Como é escolhida a temática dos encontros de capacitação?Quais as suas expectativas em relação ao Programa?Quais as expectativas dos alunos para o encontro?Quais as maiores alegrias ou descobertas positivas?

O modelo de entrevista semiestruturada foi utilizado com cada um dos participantes. Esse instrumento permitiu-nos a realização de explorações mediante as perguntas citadas, previamente elaboradas, relacionadas ao referencial teórico explorado, quando da realização da revisão de literatura. À medida que a entrevista se desenvolvia, surgiam outros temas que forneciam pistas para obtenção de maior profundidade para a coleta de dados, o que sugeria-nos a elaboração de outros questionamentos considerados relevantes. (BELEI et al, 2008; FRASER; GONDIM, 2004).

Os dados coletados foram trabalhados pela alternativa de análise textual discursiva, proposta por Moraes (2003), e constituída sobre a análise de conteúdo de Bardin (2009). Moraes (2003) propõe um ciclo de análise configurado em três etapas (a unitarização, a categorização e a comunicação) que se apresentam como um movimento que possibilita a emergência de novas compreensões. Esse autor compreende que a análise textual discursiva parte de um conjunto de pressupostos em relação à leitura do material que se examina. Os materiais analisados constituem um conjunto de significantes, e o pesquisador atribui a eles significados a partir de seus conhecimentos e teorias.

Essa modalidade de análise mostrou-se oportuna para a compreensão dos dados coletados e serviu como ponte para a produção dos resultados constituídos de informações pertinentes para que se atingisse o objetivo. Apresentamos, a seguir, os resultados das análises das entrevistas com os sujeitos envolvidos e das fontes documentais utilizadas.

5 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Acreditamos ser interessante abordar, primeiramente, qual a concepção das entrevistadas a respeito do PEIBF. Nesse sentido, observamos que nem todas possuem o mesmo conhecimento sobre o Programa. Para algumas, o foco está na língua e, para outras, nas questões interculturais. Demonstrando a concepção em que o foco está na língua, a primeira entrevistada, ao responder o que é o Programa, diz que

[...] é para trabalhar com os alunos do Uruguai, então a finalidade é de ter um maior contato. Eles no caso com a nossa língua e os meus daqui com a língua deles, por ser cidades de fronteira para eles terem mais contato de uma língua com a outra. (Informação verbal)3.

Dessa forma, o contato linguístico é ressaltado na fala da professora que, em nenhum momento, faz referência às questões interculturais. Na mesma direção dessa concepção, o Sujeito B relata que

O Projeto Bilingue é um projeto onde a gente desenvolve a experiência de duas línguas nessa região que a gente vive, de fronteira, Que a gente convive no comércio, na própria família. A gente tem parentes uruguaios, então essa é uma experiência que a gente tem e está trazendo para a sala de aula. Este é o Projeto Bilíngue. (Informação verbal)4.

Aqui também é possível observar que a visão do Programa recai sobre a língua, já que é destacado o uso das duas línguas em uma região de fronteira, no cotidiano. Na verdade, o foco deveria estar nos conteúdos interculturais que devem ser trabalhados através da segunda língua e não na segunda língua. Além disso, encontramos o aspecto econômico, muito presente nas regiões fronteiriças, principalmente com a implementação dos “free shops”. Ainda que possamos inferir que as questões culturais estejam implícitas quando a docente relata que tem parentes uruguaios e essa é uma experiência que se traz para a sala de aula, em nenhum momento mencionou as questões interculturais. A segunda língua deveria ser apenas o instrumento de interação e de apresentação e discussão dos temas interculturais e não objeto de ensino.

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Apesar de algumas professoras fazerem referências a essas questões, mesmo entre elas há certa divergência: para algumas, o foco está em conhecer o que há de comum entre as “duas” culturas; para outras, nas diferenças entre ambas. O sujeito que se refere a duas culturas e, ao final, a uma “cultura de fronteira”, aponta:

Para conocer las dos culturas a través del idioma utilizando más que nada la parte oral de la lengua y como es un abordaje progresivo… tenemos que empezar por el tema de la realidad después sí, ampliar a la escritura ya para clases de los más grandes. Digo, pero en sí es eso, conocer, intercambiar, conocer más la cultura de frontera que es distinta del resto de las demás zonas, tanto de Brasil como de Uruguay o de las otras fronteras donde se lleva a cabo… pero utilizando la herramienta de lengua, sobre todo la lengua oral. (Informação verbal)5.

Essa docente enfatiza uma terceira, a “cultura de fronteira”, assinalando que é uma cultura única, distinta das demais regiões e, portanto, deveria ser foco de trabalho no PEIBF. As temáticas de estudo deveriam ser retiradas dessa realidade. Reitera, afirmando que

Y en eso se basa el proyecto, de que de alguna manera nos podamos comunicar y que podamos comprender mejor nuestra cultura y que nuestra cultura es distinta del resto del territorio, es distinta a Melo, es distinta a 20km más allá ya es distinto […]. (Informação verbal)6.

Também essa docente enfatiza a importância do uso da língua oral, em consonância com a ideia central do projeto que, no nosso entender, é uma perspectiva aquisitiva de língua. (KRASHEN, 1982; 1985). A língua é o instrumento de interação, não algo a ser ensinado, como propõe a próxima entrevistada:

Então, na realidade, o projeto, ele não tem por finalidade nenhuma, como é que eu vou te dizer? Ensinar espanhol para as nossas crianças e nem muito menos ensinar o português para as crianças do outro lado. Não é essa a finalidade do projeto. A finalidade do projeto é trabalhar com questões interculturais, em uma outra língua, e a partir daí as crianças terem acesso a outra língua, mas não tem por finalidade nenhuma, o ensino da outra língua. (Informação verbal)7.

A língua, na perspectiva da docente, vai de encontro ao que propõe o Programa, pois é vista

como instrumento de interação e não como objeto de aprendizagem. A mesma professora afirma que

Ele [PEIBF] não tem por finalidade ensinar uma outra língua, apenas proporcionar à criança momentos de interculturalidade sobre questões diversas, isso é o projeto bilíngue, entendeste? (Informação verbal)8.

Contudo, ainda que seja esse o foco, afirma que há dificuldade na escolha das temáticas, acusando a falta de assessoria às professoras “porque como não tem assessoria, as maestras não sabem escolher o tema intercultural e isso já aconteceu”. (Informação verbal)8.

Todos os entrevistados foram unânimes em considerar que uma das lacunas do projeto refere-se à falta de formação continuada. Para a execução de um Programa que envolve uso de distintas línguas, às vezes nem tão próximas aos docentes e discentes envolvidos, como parecem pressupor as bases do Programa, imprescindível seria uma formação continuada, um acompanhamento das atividades realizadas pelos órgãos competentes para um melhor desenvolvimento da proposta. Essa formação deveria contemplar, também, o conhecimento mínimo das línguas em uso, considerando-as indispensáveis à interação. Essa nossa percepção se justifica pela seguinte fala:

Eu passei por várias situações dentro da sala de aula, que eu não entendi o que estava passando e aí quando eles falam rápido demais, aí mesmo que tu não entendes. Fica uma situação difícil, então eu acho assim, o Projeto é legal, a ideia é muito boa. Se ela fosse amparada com tudo aquilo que deveria ser. Um Projeto, uma ideia boa assim, mas ela [...] A gente não tem [...] além da orientação que não está tendo. (Informação verbal)9.

Todas concordam que são as crianças que escolhem a temática, ainda que uma delas assegure, como já mencionado, que as maestras, por falta de assessoria, não sabem escolher os temas. No documento sobre as Escolas de Fronteira de 2006 (versão preliminar) está explicitado que

O planejamento conjunto é um dos momentos em que a professora conta com a assessoria pedagógica local disponibilizada pela escola ou pelos ministérios. (BRASIL, 2006, p. 28).

De qualquer forma, chegamos a observar, pelas falas das docentes brasileiras, que as crianças uruguaias são levadas a solicitar os temas que estão dentro dos conteúdos curriculares, influenciadas, talvez, por suas professoras, o que não ocorreria no

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lado brasileiro

[...] e aí aproveitam também a brasileira para fazer uma atividade diferenciada, para dar aquele conteúdo que ele [professor uruguaio] também é responsável por dar, né? Não sei [...] Fiquei analisando [...] sistema digestivo? Com tanta coisa que tem, né? [...] Para criança? [...] podia ser um tema mais interessante para eles, mas eu achava uma maneira de desenvolver este tema que eu conseguisse trabalhar, mas agora eu estou meio assustada [...]. (Informação verbal)10.

O documento assinala que

A metodologia de projetos tem sido pauta de momentos de formação nas diferentes escolas desde que foi consensuada pelos ministérios da educação dos dois países na Reunião Técnica de Brasília em junho de 2005. (BRASIL, 2006, p. 30).

No entanto, reconhece que

Há um percurso longo a ser feito até que o corpo docente das escolas esteja devidamente familiarizado com suas práticas, o que será obtido paulatinamente à medida em que se envolvam com essa metodologia” (BRASIL, 2006, p. 30).

Mesmo assim, a falta de assessoramento segue marcada na fala dos sujeitos.

Respondendo sobre o andamento do Programa e reiterando a necessidade de familiarização dos docentes com as práticas, a docente explicita

Cosa que vemos complicado, porque si no tenemos asesoramiento técnico, solos no podemos seguir, porque estamos haciendo todo por cuenta nuestra. Digo, pero como cada año se incorporan colegas nuevos, porque al ser extensivo sí o sí, se van a incorporar colegas nuevos, que es lo pasa con mi colega de la tarde, ella no tiene ni idea de esas cosas que te estoy hablando, por ejemplo, ella no tiene ni idea, porque no estuvo el año pasado en todas las jornadas que estuvimos nosotros. Hace dos años, nada más que estoy, sé más porque que el año pasado tuvimos esto. (Informação verbal)11.

No documento aparecem os termos “assessoramento pedagógico e momentos de formação nas diferentes escolas”, duas práticas que parecem não ter ocorrido nos últimos tempos. A falta de suporte e de recursos financeiros também são

pontos apontados pelos docentes. No documento, quando o Programa estava a

cargo do Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística – IPOL – a função de acompanhamento e assessoria pedagógica ficava respaldada por esse órgão, “[...] cujos assessores periodicamente visitam as escolas de fronteira”. (BRASIL, 2006, p. 33). Nos dias atuais, todavia, parece não haver clareza quanto à responsabilidade de acompanhamento, assessoria e formação. Ainda no referido documento está amparado o suporte teórico base do Programa:

Estas equipes participam do planejamento conjunto das escolas-espelho, propiciam discussões sobre didática das línguas e sobre o trabalho com projetos de aprendizagem para a escola, assistem periodicamente algumas aulas para colaborar no aprimoramento da ação docente das professoras, organizam a relatoria do PEIBF e ajudam a manter as comunicações entre todas as instâncias de organização do trabalho. (BRASIL, 2006, p. 33).

Destaca, ainda, o Sujeito C, que, no ano de 2011, seguiram realizando o Programa por comprometimento, embasando-se na capacitação de 2010, mas que os novos professores que começam a participar, ficaram sem esta formação e que, assim, é impossível continuar.

Pero ese es uno de los problemas, que no tenemos este, asistencia técnica ni de parte de Brasil ni de parte de Uruguay, que no tenemos, este, dinero para insumo, para los viajes, esta es una escuela carenciada, muy carenciada que no nos da para pagar este, cosas extras de la escuela. No recibimos dinero para comprar material […] Además, no tenemos tiempo extra en nuestra casa, de sentarnos a organizar un tema, buscar materiales, digo [...] Esos son los primeros problemas. (Informação verbal)12.

Quanto à formação, à falta de comprometimento das instâncias superiores, o Sujeito B diz que

[...] faria parte do Projeto, o professor ter uma orientação e fazer reuniões [...] Fazemos as reuniões pedagógicas, mas não houve nada, seminário, nada que fosse referente ao Projeto. Nada! Este ano nada! (Informação verbal)13

Reiterando que as assessorias pedagógicas não estão sendo realizadas como prevê o documento.

Essa ausência no planejamento é referida tanto pelas docentes brasileiras como pelas

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uruguaias, como podemos observar quando a terceira entrevistada afirma que

A nosotros nos seleccionan igual, después si […] tenés o no tenés capacitación! Digo que ese es uno de los problemas que hemos tenido este año, que quedamos sin capacitación. Por ningún lado, ni por la parte de Brasil, ni por la parte de Uruguay. (Informação verbal)14.

O hiato apontado pela docente é reafirmado no decorrer de sua fala, parecendo haver uma falta de apoio das instâncias superiores, ao deixar todos sem um acompanhamento do trabalho:

[…] y en coordinación Brasil/Uruguay nos daban el asesoramiento, que a veces hacían en la Casa de Cultura o a veces hacían acá […] pero este año, eh […] venció el contrato, no nos renovaron el contrato a ellos, de ninguna universidad de Brasil, no han hecho cargo del Proyecto y ahora quedamos sin. Y Uruguay tampoco, ¿no? Tampoco hemos recibido apoyo de Uruguay. (Informação verbal)15.

A docente segue reiterando que já houve capacitação, mas que simplesmente, de um momento a outro, parou de acontecer

Porque, lo que te decía no tenemos, este […] técnicos que nos formen. Pero el año pasado teníamos jornadas de ocho horas y nuestro horario son de cuatro, o sea, que yo que trabajo de tarde tenía que venir de mañana y me pasaba todo el día en esta jornada, o sea que sí […] pero este año no, no porque por ese problema quedamos si. (Informação verbal)16.

Uma das professoras brasileiras resume todas as dificuldades, ano após ano, em que o Programa se realiza na fronteira Jaguarão/Rio Branco, enfatizando que, no ano de 2011, a formação foi a questão mais comprometida:

Eu posso te responder assim: Em 2009, a maior dificuldade do projeto foi falta de verba,... 2009. 2010 nós recebemos a verba para o transporte porque em 2009 nós não tínhamos dinheiro para transporte nem para material então a verba foi o pior, o pior entrave. 2010 foi a verba para material, porque nós, o IPOL pagou para nós o transporte, a assessoria do IPOL recebeu do Ministério da Educação uma verba que disponibilizou aos municípios que tinham problemas de transporte então, veio direto do MEC para o IPOL e o

IPOL repassou para o responsável pelo transporte aí nós ficamos com o entrave que era o problema da verba para material. 2011 nós temos a verba para o transporte, temos a verba para material, não temos a assessoria... então, 2011 o maior entrave é a falta de: o que fazer? Como fazer? quem dá a formação? Quem ensina? Quem orienta? (Informação verbal)17.

As dificuldades começam nos recursos materiais e passam pela formação de recursos humanos. Mesmo assim, acreditamos na validade do Programa, assim como acredita a maioria dos sujeitos (docentes) envolvidos e a “pertinência” de uma formação ancorada na troca de experiência, diálogos e reflexão em que os docentes possam compartilhar suas práticas, suas angustias e alegrias. Como aponta o Sujeito D:

Esse ano não, porque quem nos trazia as informações era a assessoria, e assim, eram realizados encontros, onde nós podíamos participar. Nós encontros que eram realizados em Brasília no inicio do ano, e ao final do ano. E no final do ano, um encontro em Porto Alegre de todas as fronteiras, todas as fronteiras do Brasil, participavam apresentando o que haviam trabalhado. Com relatos, relatos de dificuldades, relatos das experiências, pontos positivos, pontos negativos e através disso a assessoria organizava melhor o trabalho para o ano seguinte, e quem tava dentro do, do, do próprio projeto também tinha condições de visualizar olha esse problema não é só da minha fronteira, lá na fronteira lá do outro lado também acontece [...] Não houve capacitação. Houve formação, a assessoria do IPOL vinha, em 2009, realizou algumas conversas e ensinou os professores, capacitou os professores, como é que se fazia o planejamento, como é que se fazia o cruce, como é que isto tinha que acontecer e como é que [...]. (Informação verbal)18.

Nessa fala, percebemos a importância de que conhecendo o outro viríamos a conhecer melhor a nós mesmos, principalmente neste contexto fronteiriço, no qual os dois países dividem suas conquistas, seus anseios e suas dificuldades. O olhar que lançamos ao outro pode desvendar aspectos da nossa realidade que até então não se faziam perceptíveis.

Além da formação, é mencionada, na entrevista, a falta de recursos materiais, o que certamente dificulta a consecução do trabalho. O Sujeito C acusa, ainda, a falta de comunicação, de compromisso e de tudo mais que envolve o programa, assinalando, apesar disso, que é preciso

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apoio para que ele não termine:

El objetivo es, bueno, poder solucionar todo eso, que ahora el objetivo más reciente que tenemos es lograr el apoyo de UNESCO, para que esto no se termine como proyecto, porque en realidad es un proyecto de MERCOSUR […] entonces, el MERCOSUR no está haciendo nada por el proyecto, no está funcionando como tal. Los países no están funcionando como tal. Porque uno dice una cosa, otro dice otra. Ninguno […] Falta comunicación, falta compromiso, falta de todo. No nuestro, no de los docentes que somos los que llevamos […] ponemos en práctica el proyecto, pero falta todo eso. Y bueno, yo creo que el objetivo ahora es tratar de solucionar esas cosas para que el proyecto continúe el año que viene. (Informação verbal)19.

Embora as lacunas apontadas pelo Sujeito C, no documento consta a referência à Comissão Curricular de Projetos que teria iniciado seus trabalhos em junho de 2006 e seria constituída por

Membros de cada um dos dois ministérios nacionais, dos sistemas regionais gestores das escolas envolvidas (secretarias municipais, estaduais e províncias) e pelas assessorias pedagógicas. (BRASIL, 2006, p. 21).

Podemos perceber, então, a falta de consistência entre o documento e o que realmente ocorre no desenvolvimento do Programa nesta fronteira.

6 CONCLUSÃO

O ensino, na contemporaneidade, não se restringe às atividades com foco nos conteúdos descontextualizados. No campo da linguagem, os estudos empreendidos a partir dos anos 70/80 consolidaram a abordagem linguística com a ênfase no processo comunicativo, e não mais no conjunto abstrato de normas e regras gramaticais.

Essas mudanças nos encaminham a pensar a escola em sua complexidade: tanto em seu aspecto de representação social quanto em sua potencialidade de subversão dos valores culturais dominantes. Nessa última perspectiva, a escola constitui-se como um espaço sempre em construção, visto que os valores que embasam sua filosofia e pedagogia são transitórios.

Em um espaço fronteiriço, como é o caso apresentado neste trabalho, a reflexão dos conceitos tradicionais de ensino torna-se urgente e inevitável, pois a ruptura com a homogeneidade

da língua é constatada cotidianamente, ou seja, o Outro, no espaço fronteiriço, não é uma abstração teórica. Por isso, o conhecimento puramente linguístico não é o suficiente para a interação entre as fronteiras; é necessário o conhecimento cultural para percebermos, em relação ao Outro, nossas semelhanças e nossas diferenças.

É, nesse sentido, que este trabalho trouxe essas reflexões conceituais imprescindíveis para compreensão do Programa Intercultural Bilíngue de Fronteira, tais como Fronteira, Interculturalidade e Bilinguismo. Esse Programa apresenta-se como uma possibilidade de levarmos para o contexto escolar fronteiriço os estudos e acordos políticos entre os países do MERCOSUL.

No entanto, o interesse político e econômico não pode desvincular-se de uma metodologia pedagógica adequada ao objeto de promover a interação cultural entre os países. Destacamos isso porque na análise dos dados percebeu-se que a ausência de formação inicial e continuada foi apontada como um dos fatores que inviabilizou o sucesso do Programa nesta região.

Essa formação mostra-se necessária para a discussão tanto dos aspectos teóricos que permeiam a proposta, como os já citados acima, quanto para o desenvolvimento de metodologias que sejam adequadas ao público alvo. Para tanto, necessário se faz uma formação continuada, capaz de acompanhar os processos, subsidiando os protagonistas com as discussões pertinentes.

Destaca-se essa preocupação porque no texto do documento do PIBIF se observa a falta de explicitação de referenciais teóricos utilizados. A inclusão de teorias de base como as que discutem letramento e alfabetização e a necessidade de formação dos educadores neste sentido não estão embasadas teoricamente.

Nas considerações finais do documento versão 2008 é afirmado que o documento sintetiza as concepções iniciais e experiências vivenciadas pelas escolas envolvidas no período de implementação do Programa Brasil e Argentina e que teve a contribuição de quase 200 professores e demais sujeitos que se encontraram no I Seminário Internacional sobre as Escolas Bilíngues de Fronteira, realizado pelo Ministério da Educação do Brasil em 31 de julho e 1º de agosto de 2006 em Foz do Iguaçu. Apesar dessa assertiva, não se percebe no decorrer do texto a voz desses sujeitos, por isso, trabalhos como este são os sinalizadores de como estão acontecendo as ações em regiões específicas, como é o caso desta fronteira; servem, também, para lembrar uma história que ocupa lugares restritos sem que, muitas vezes, o conhecimento seja compartilhado e retroalimentado.

A interlocução escola/universidade/poder público é de fundamental importância para qualificar o ensino, desde a escola básica até a educação

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superior e para depois dela. Propomos, para ações como esta, a participação do discente universitário pelo fato de contribuírem para sua formação, pois, é na retroalimentação escola/universidade que se qualificam as práticas educativas. Assim, propostas como a do PEIBF, se bem administradas, tornam-se totalmente viáveis para a concretização dessa interlocução. Ao propor essas ações, o governo deve criar mecanismos para acompanhá-las e subsidiá-las, oferecendo formação, capacitação e recursos.

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Notas

1 Tratado assinado em 1991 entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, que teve como objetivo a criação de um mercado comum entre estes países, formando o que foi popularmente chamado de MERCOSUL.

2 Esta informação foi retirada do documento “Escolas de Fronteiras”.

3 Dados retirados da entrevista realizada com o sujeito A.

4 Dados retirados da entrevista realizada com o sujeito B.

5 Dados retirados da entrevista realizada com o sujeito C.

6 Dados retirados da entrevista realizada com o sujeito C.

7 Dados retirados da entrevista realizada com o sujeito D.

8 Datos retirados da entrevista realizada com o sujeito D.

9 Dados retirados da entrevista realizada com o sujeito D.

10 Dados retirados da entrevista realizada com o sujeito D.

11 Dados retirados da entrevista realizada com o sujeito B.

12 Dados retirados da entrevista realizada com o sujeito C.

13 Dados retirados da entrevista realizada com o sujeito C.

14 Dados retirados da entrevista realizada com o sujeito C.

15 Dados retirados da entrevista realizada com o sujeito B.

16 Dados retirados da entrevista realizada com o sujeito C.

17 Dados retirados da entrevista realizada com o sujeito C.

18 Dados retirados da entrevista realizada com o sujeito D.

19 Dados retirados da entrevista realizada com o sujeito D.

20 Dados retirados da entrevista realizada com o sujeito C.

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Cristina Pureza Duarte BoéssioLicenciada em Artes Visuais e Letras: Língua EspanholaDoutora em Educação no PPGE/FaE/UFPelProfessora Adjunta da Universidade Federal do Pampa/Campus Jaguarão (UNIPAMPA)Email: [email protected]

Bento Selau da Silva JuniorEducador FísicoDoutor em Educação pela Universidade Federal de PelotasProfessor da Universidade Federal do Pampa/Campus Jaguarão (UNIPAMPA)Email: [email protected]

Yanna Karlla Honório Gontijo CunhaGraduanda em Letras/Espanhol da Universidade Federal do Pampa/Campus Jaguarão (UNIPAMPA)Email: [email protected]

Universidade Federal do Pampa - UNIPAMPARua Conselheiro Diana, nº650. - Jaguarão/RS CEP: 96300-000

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TRANSFORMAÇÕES NA CULTURA ACADÊMICA: políticas, impactos e revelações do cotidiano

Silvia Alves dos Santos Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP-PR)

João dos Reis Silva Júnior Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)

TRANSFORMAÇÕES NA CULTURA ACADÊMICA: políticas, impactos e revelações do cotidianoResumo: Analisar as relações de trabalho na universidade necessita, antes, reconhecer que estas relações se alteram em diferentes momentos históricos, caracterizados, sobretudo, pelas mudanças no contexto político e econômico do país. Este trabalho busca evidenciar as pressões que se colocam sobre professores pesquisadores. Destaca a análise de trechos de entrevistas realizadas com professores pesquisadores de uma IES pública no Estado do Paraná. O texto se refere à organização de uma tese de doutorado em andamento. Dada essa sinalização, faz conjecturas sobre a alienação que, por vezes, contida nas práticas universitárias, nem sempre é reconhecida no processo de produção científica. Por fim, tenta compreender como as relações de produção na sociedade capitalista aos poucos vão redefinindo o trabalho dos professores pesquisadores nas universidades públicas, criando, consequentemente, uma nova cultura universitária. Palavras-chave: Educação superior, trabalho docente, alienação.

TRANSFORMATION IN ACADEMIC CULTURE: policies, impacts and revelations of daily lifeAbstract: Analyzing labor relations at the university needs rather to recognize that these relationships change in different historical moments, characterized mainly by changes in the political and economic clout. The analysis here intended seeks to highlight the pressures on teachers facing researchers. For this work we emphasize the analysis of excerpts from interviews with teacher researchers in public higher education institutions in the State of Paraná. This is a text that refers to the organization of a doctoral thesis in progress. Given this signal, it is possible to conjecture that, alienation, sometimes contained in university practices is not always recognized in the scientific production process. We try to understand how the relations of production in capitalist society are slowly redefining the work of research professors in public universities, thus creating a new university culture.Key words: Higher education, teaching work, alienation.

Recebido em: 13.06.2012. Aprovado em: 22.10.2012.

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1 INTRODUÇÃO

As transformações ocorridas na educação e na universidade pública nas duas últimas décadas no Brasil representaram a tradução insidiosa do novo paradigma produtivo afiançado pelo atual estágio do capitalismo. Mais do que simples alterações nas políticas públicas orientadas pelo Estado reformado, as ações que derivaram dessas políticas no interior das universidades afetando o trabalho docente e as atividades dos alunos vinculados a programas de iniciação à pesquisa provocaram reações diversas, que em ambos os casos – tanto professores como alunos – foram tomados como protagonistas de um longo processo reformista que continua em curso na educação superior brasileira.

Essa fase do capitalismo e com ela, a reestruturação das instituições republicanas, passa a reproduzir uma nova lógica para o trabalho acadêmico intelectual. Essa lógica, entre outros desdobramentos, causa impactos substanciais nas relações de trabalho, relações entre as pessoas, universidade e a produção de conhecimento.

Para esse artigo propomos num primeiro momento abordar sobre o movimento político mais amplo que trouxe consigo transformações para a cultura acadêmica a partir da Reforma do Aparelho do Estado em 1995. No segundo momento, destacamos como a categoria alienação se põe no cotidiano dos sujeitos e suas práticas na universidade. E por último, mostramos os impactos dessas transformações na vida de professores, ouvindo especialmente professores vinculados a uma universidade pública paranaense.

2 UMA NOVA CULTURA ACADÊMICA EM VIGÊNCIA

Julgamos relevante, uma análise, cuja reflexão possa contribuir para a compreensão das mudanças político-econômicas que recaem sobre a pesquisa nas universidades públicas, buscando evidenciar como essas instituições respondem às mudanças mais amplas do processo produtivo na sociedade, sob o modelo capitalista de organização.

Convém destacar que, a universidade acompanha as transformações históricas da sociedade, como uma instituição que produz e reproduz os conhecimentos acumulados pelos homens ao longo de sua existência; assim sendo, acompanha, nesse movimento, as contradições do processo histórico fundado no modelo de sociedade capitalista.

Ao que nos parece, nesse movimento histórico, o campo da universidade pública passa a ser ameaçado pelo objetivo de produzir ciência e tecnologia para o capital internacional, utilizando-se da força de trabalho de alunos e professores na graduação e na pós-graduação, no que se refere

ao desenvolvimento de pesquisas de impacto, pesquisas estas, cujo custo recai sobre a exploração da força de trabalho, e o lucro representa o poder de circulação e acumulação do capital das empresas que contribuíram para o financiamento da pesquisa.

Inegavelmente, não de forma direta, mas indiretamente, a concepção de ciência difundida para consolidar as pesquisas induzidas, é predominantemente, uma ciência ajustada aos interesses de acumulação do capital. Pode-se depreender que há um movimento de consolidação de capital intangível, no qual a produção é sugada ao máximo nos países periféricos ou em desenvolvimento, nos polos estratégicos dos Estados nacionais, como as universidades, por exemplo, a fim de que a tecnologia produzida nesses polos possa ser consumida por outros a preços abusivos, voltando os lucros para corporações nacionais ou mundiais que, em grande parte, financiam a pesquisa nas universidades.

Pode-se dizer que é num complexo movimento do capital mundializado e de suas estratégias, que as relações se consolidam via orientações aos países em desenvolvimento, utilizando-se de elementos prescritivos que tendem a subsidiar reformas ou reestruturações nas instituições nacionais, entre as quais, a universidade pública.

Sob a hegemonia burguesa, o Estado capitalista vem realizando a adaptação do conjunto da sociedade a uma forma particular de civilização, de cultura, de moralidade. No decorrer do século XX, diante das mudanças qualitativas na organização do trabalho e nas formas de estruturação do poder, o Estado capitalista, mundialmente, vem redefinindo suas diretrizes e práticas, com o intuito de reajustar suas práticas educativas às necessidades de adaptação do homem individual e coletivo aos novos requerimentos do desenvolvimento do capitalismo monopolista. (NEVES, 2005, p. 26).

Mais que isso, é com a Reforma do Aparelho do Estado no Brasil que percebemos a abertura para as mudanças substanciais que conferiram às instituições sociais uma nova estrutura jurídica que contribuiu para refundar a racionalidade mercantil, expressa no documento Plano Diretor da Reforma do Estado e permitiu, por sua vez, a exploração do fundo público1 como resposta à crise econômica em nível internacional.

Os elementos que nortearam a reorganização da administração pública foram a qualidade e a produtividade. Esses elementos têm origem nos princípios sobre o qual o sistema capitalista se assenta para organizar a sociedade. A reforma seria necessária porque, orientada pelo mercado, garantiria a concorrência e criaria condições para

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enfrentar as mudanças provocadas pela competição internacional e, até mesmo, para o atendimento das demandas comerciais propostas pelos organismos internacionais no início da década de 1990 do século XX. O documento do Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado indicaria, então, o arcabouço jurídico e político que nortearia as iniciativas de organização de um novo modelo de sociedade no Brasil. (BRASIL, 1995).

Percebe-se que, no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado no Brasil, as políticas sociais foram consideradas serviços não-exclusivos do Estado e, portanto, de propriedade pública não-estatal ou privada2. É sob essa direção que o terceiro setor encontra terreno fértil para se expandir e se consolidar na garantia de serviços que, outrora, eram ofertados exclusivamente pelo Estado.

Ainda, de acordo com Neves (2002, p. 53), esse movimento capitaneado pela Terceira Via sugere que a sociedade civil seja o “lócus da colaboração e da harmonização das classes sociais” de modo que possa atuar em parceria com o Estado ao promover iniciativas que auxiliem na resolução de problemas sociais emergentes como, por exemplo: educação, programas de saúde, lazer, emprego e renda, por meio de cooperativas, associações de bairro, programas de voluntariado, entre outros. Essas ações estão quase sempre acompanhadas de um grande apelo social na mídia televisiva, utilizando-se do discurso da solidariedade e da necessidade de "voluntários para construir um novo projeto de sociedade".

Além do apelo social em veículos de informação de grande abrangência territorial, o que se percebe, é que esse movimento foi adentrando todas as esferas da sociedade, modificando a cultura das instituições secularmente existentes e as relações que os sujeitos mantinham com elas.

É nesta perspectiva que a terceira via toma a reforma da aparelhagem estatal como outro importante princípio. O pressuposto que o fundamenta baseia-se na compreensão de que as formas estatais inspiradas no modelo do Welfare State atingiram o ápice da incapacidade política e econômica frente aos desafios do mundo contemporâneo, o que exige uma reestruturação de sua organização e dinâmica em termos jurídicos, políticos e econômicos. Assim a reforma do Estado, ou seja, da aparelhagem estatal, enquanto princípio orientador básico da política da Terceira Via, deveria ser responsável por um conjunto de medidas inovadoras, tais como promover a sociedade civil ativa e com isso assegurar um modelo de inclusão social em bases distintas do que foi tentado pelo Estado de bem-estar social. (NEVES, 2002, p.55).

A matriz orientadora, expressa no documento supracitado, parece levar-nos a reconhecer as estreitas relações das reformas que foram desencadeadas a partir de então nos diversos setores da sociedade, como nas universidades, com o atual estágio do capitalismo, caracterizado pelo modelo de mundialização do capital, em que os princípios que asseguram o modelo econômico atual (acumulação flexível), se colocam em todas as esferas por meio de complexas relações entre o Estado, a sociedade civil e o mercado.

As reformas no campo da educação que se desdobraram a partir da segunda metade da década de noventa, parecem indicar uma proximidade com os eixos explícitos no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, em que as instituições educativas tornar-se-iam organizações sociais, cuja existência seria atribuída à sociedade civil por meio dos contratos e parcerias com a sociedade civil ativa.

Nesse contexto, de acordo com as orientações mais amplas, do capital mundializado, coube às instituições de educação superior públicas a reprodução de uma cultura mercantil por meio da adoção de políticas neoliberais, graças as quais se preconizam os princípios da concorrência, da competitividade, do individualismo e da produtividade como elementos norteadores da prática social universitária.

3 TRABALHO ALIENADO DO PROFESSOR PESQUISADOR OU ADAPTAÇÃO CONSENTIDA ÀS MUDANÇAS NA UNIVERSIDADE?

O objetivo deste item é entender a forma como os professores e alunos envolvidos com pesquisas na universidade pública podem estar orientados por uma cultura universitária alienada, como resultado de um processo histórico engendrado, de forma mais intensificada e sutil, após os processos reformistas que se sucederam nas agências de pesquisa a partir da segunda metade dos anos noventa com fortes repercussões para a graduação nos anos 2000.

Obviamente que a prática universitária tem suas peculiaridades, justificadas em razão das diferentes áreas de conhecimento a que se dedicam os professores na universidade. Entretanto, suas trajetórias de vida, suas condições de trabalho e produção científica, bem como a estrutura que possuem para o desenvolvimento de seus projetos se relacionam, embora talvez, não diretamente.

A cultura universitária contemporânea possui características muito peculiares pelo seu modo de produção. Considerando, de forma ampla, que uma cultura representa o modo de vida e produção de um grupo social, tomamos o contexto atual do modo de produção capitalista, para mostrar como as mudanças na instituição universitária, pós Reforma do Aparelho do Estado em 1995, foram expressando as correlações de forças entre os objetivos da

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universidade e os interesses do setor produtivo que mudaram substancialmente as condições e relações de trabalho no espaço universitário, bem como os objetivos da produção do conhecimento.

Sob essa cultura, o ambiente da academia acaba configurando-se como um espaço de competição entre pares. O conhecimento lá produzido, não sem resistências da parte de grupos contra-hegemônicos, passou a ser orientado por interesses de mercado. Atualmente, o prestígio e o status do trabalho numa universidade pública só são conferidos mediante a apresentação e exposição da quantidade de artigos qualificados, orientações de iniciação científica, mestrado e doutorado, publicação de livros, relatórios de pesquisa, enfim, atributos que não se quantificam de forma imediata, porquanto demandam um tempo de reflexão e amadurecimento intelectual.

O que se deve reconhecer em todo esse processo de arrefecimento do polo da crítica, é que a produção do conhecimento científico, na universidade pública, passa pela compreensão de relações sociais mais amplas que movimentam essa demanda, mesmo porque, a produção científica e os tipos de pesquisa a serem desenvolvidos acompanham o movimento histórico e as correlações de forças, próprias da sociedade em que se realiza esse trabalho.

Observa-se que há modos distintos de apropriação do saber produzido pela universidade, que de um lado, atende muitas vezes, às forças políticas atuantes fora dela, de modo organizado, e de outro, à correlação de poder que essas forças estabelecem no jogo político nacional, estadual ou local. (FÁVERO, 2003, p.181).

Considerando as finalidades da universidade, somos levados a compreender que, a partir do ano 2000, a universidade pública brasileira sofreu modificações substanciais em sua dinâmica organizativa em relação ao trabalho de professores e alunos vinculados à pesquisa. A competição que domina e rege o trabalho dos professores e também, a vida acadêmica dos alunos, principalmente nos programas de pós-graduação, com o objetivo de se conseguirem publicações qualificadas, exigindo uma sobrecarga de trabalho daqueles e destes, tornou-se o parâmetro definidor do trabalho a ser desenvolvido nesse espaço de produção acadêmica.

Ao analisar esse contexto caracterizado por uma cultura marcada pelo acirramento da competição no espaço universitário, o fetichismo da mercadoria, desenvolvido por Marx em O Capital (S.d), pode ser evidenciado através da atual tendência tão enaltecida nas atividades de pesquisa e divulgação. Entendemos que elucidar o conceito dos fatos ou objetos é papel daqueles que

produzem e divulgam o conhecimento científico. Para tanto, compreender como os sujeitos resistem aos fetichismos e alienações do cotidiano no espaço universitário implica reconhecer antes, a necessidade de desvelar o que se encontra no mundo da pseudoconcreticidade, como afirma Kosik (2010), implica, também, entender as relações entre esses dois termos na dinâmica de produção do conhecimento científico na universidade pública contemporânea.

Em se tratando da forma como esses fenômenos se concretizam nas práticas universitárias, tomamos como exemplo o processo de produção do conhecimento que, nas atuais formas de valoração do capital, correspondem a uma mercadoria que pode ser vendida ou trocada, segundo as orientações do mercado, utilizando-se, por vezes, da força de trabalho de professores e alunos que desenvolvem pesquisas.

Ocorre que no mercado há um processo de compra e venda de mercadorias, e esse processo apresenta-se aos olhos dos seres humanos como sendo uma relação entre coisas, isto é, a aparência é a de que as relações estabelecidas no mercado seriam relações entre os objetos, quando, na verdade, são relações sociais. É a atividade humana de trabalho que é trocada no mercado. Aquilo que se mostra aos sentidos humanos como sendo uma relação física entre coisas é uma relação social, uma relação entre pessoas. Assim como o bezerro de ouro não tinha nenhum poder por si mesmo, pois quem tem o poder na verdade são os seres humanos, também as mercadorias não tem em si mesmas a capacidade de se trocarem umas pelas outras, o que possibilita essa troca são as relações sociais. É assim que surge o fetichismo da mercadoria. (DUARTE, 2004, p. 10).

De forma muito semelhante, na universidade, verifica-se um movimento produtivista, muito enaltecido por alguns professores pesquisadores, no intuito de acompanhar as demandas não só no âmbito da universidade, mas também da sociedade em geral, por meio das agências reguladoras da produção científica. No entanto, paralelamente, percebe-se que nem todos os docentes que desenvolvem pesquisa e são pressionados a publicar, compactuam com essa prática. O depoimento de uma professora da área de Ciências Humanas é crítico ao revelar a contradição que vive o professor pesquisador em relação às pressões por produtividade.

Constante preocupação. As coisas não dependem sempre de você. Às vezes o aceite da revista, não é você fazer e está

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garantido. Você faz, passa por um crivo e infelizmente nem todos os periódicos são criteriosos e cuidadosos em dar um retorno rápido. [...] Então isso é de uma preocupação e de um desgaste tão grande e você tem que fazer isso porque é a questão da cobrança, da pressão, da necessidade. [...] Eu acho que isso é uma dificuldade muito grande, porque você precisa da produção e você fica a mercê de tantas outras coisas que não dependem de você. (Informação verbal, grifos nossos)3.

Outro exemplo, vivenciado no trabalho de levantamento de dados para a tese da autora, mostra que, na fala de vários docentes, a visão sobre o produtivismo que, domina também, os espaços da graduação, rompe com o caráter histórico de amadurecimento e socialização do conhecimento científico, porque há uma pressão para colocá-lo rapidamente em circulação nas “prateleiras” do mercado educacional das editoras ou dos periódicos qualificados pela Capes.

O pesquisador, quem produz conhecimento, ele se tornou também uma peça descartável, infelizmente! Então a gente se dá conta disso. Cada vez que a gente se submete a um processo de avaliação, que você faz o teu memorial e você resgata toda a história e analisa as suas opções teóricas, as suas trajetórias, enfim, e você vê o quanto a trajetória de todos nós está imbricada com o próprio desenvolvimento das nossas instituições de ensino superior. E se quer elas tem um olhar para valorizar isso. [...] Então o que a gente começa a se dar conta é que a hora que você atingiu o teu tempo e você se aposenta, você é substituído com a maior facilidade, entendeu? Sem ninguém nem se dar conta. (Informação verbal, grifos nossos)4.

Essa nossa condição condiz com o que Marx (s/d) diz na obra O Capital sobre o fetichismo da mercadoria. Nesse contexto do conhecimento científico transformado em mercadoria, que pode ser vendida ou trocada a qualquer momento e a qualquer preço, o pesquisador passa, também, a ser peça que pode ser substituída a qualquer momento na universidade, caso sua produção não seja extensa e qualificada nos moldes daquilo que espera o setor produtivo industrial, uma vez que a pauta de pesquisa no país encontra-se associada a essa esfera de produção social.

De maneira muito semelhante, mas não direta, visualiza-se o fetichismo da produtividade acadêmica, que desconsidera as condições

objetivas dessa produção. As relações de trabalho, as relações de venda ou troca do conhecimento, transformaram-se em práticas naturalizadas.

A produção, quando já é comandada pelo capital, além de produzir a mais-valia, também produz um sistema de exploração e dominação geral das propriedades naturais e humanas tendo como suporte a ciência. Ou seja, ela realiza a apropriação através da ciência, não da violência e do poder pessoal, colocando o saber científico ao seu serviço, na espécie de capital fixo, diferentemente do escravo, que é apropriado pessoalmente, e não socialmente. Essa apropriação do conhecimento científico nada custa ao capital, o que não ocorre com o escravo, enquanto uma modalidade de capital fixo. A ciência se apresenta, perante o capital, como um “saber acumulado da sociedade” (“ciência experimental, ciência que se objetiva e é materialmente criadora”). (HIRANO, 2001, p. 12).

Paralelamente à discussão do fetiche da produtividade na universidade, visualiza-se um processo de alienação no ato de produção do produto, embora não compreendido ou aceito como tal pelos sujeitos criadores. E assim constata-se aquilo que Marx (1964, p. 161) previu:

A alienação não se revela apenas no resultado, mas também no processo da produção, no interior da própria actividade produtiva. Como poderia o trabalhador estar numa relação alienada com o produto de sua atividade, se não se alienasse a si mesmo no próprio acto da produção?

Pode-se afirmar que alienação e fetichismo, no processo de produção científica, conforme os atuais modelos de avaliação da pesquisa se entrecruzam no processo. Entretanto, esse termo terá significações diversas em determinados períodos históricos, mas é com Karl Marx, nos Manuscritos Econômicos e Filosóficos, que o significado de “alienação” é desenvolvido a partir da compreensão de razões históricas mais amplas e, por vezes, contraditórias. Vê-se que, para Marx, a alienação ocorre nas relações sociais objetivas, propriamente através do trabalho que determina a relação entre os homens, distinguindo-os entre operários e não-operários.

A alienação do trabalhador no seu produto significa não só que o trabalho se transforma em objecto, assume uma existência externa, mas que existe independentemente, fora dele e a ele estranho, e se torna um poder autônomo em oposição com ele; que a vida que

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deu ao objecto se torna uma força hostil e antagônica. (MARX, 1964, p. 160).

Concebida desse modo, a alienação representa o não-reconhecimento, pelo próprio homem, dos produtos que ele produz, como também das atividades que realiza para produzir. Os produtos que ele produz são externos a ele, e a sua atividade (o trabalho) também é externa e não lhe pertence; tem-se, assim, a expropriação de sua força de trabalho, e este caracteriza-se como alienado.

O trabalhador torna-se tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais a sua produção aumenta em poder e extensão. O trabalhador torna-se uma mercadoria tanto mais barata, quanto maior número de bens produz. Com a valorização do mundo das coisas aumenta em proporção directa a desvalorização do mundo dos homens. O trabalho não produz apenas mercadorias, produz-se também a si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria, e justamente na mesma proporção que produz bens. (MARX, 1964, P. 159).

De forma semelhante, como parte de uma sociedade produtiva, o espaço da universidade também é caracterizado por complexos processos de trabalho, que repercutem nas relações dos sujeitos que dela fazem parte, ora contribuindo para a emancipação dos homens por meio de sua atividade, ora reproduzindo processos alienantes por meio da própria atividade, ou seja, da própria produção de sua existência.

Os processos de alienação no trabalho de professores envolvidos com pesquisa nem sempre são aparentes e se admitem como tais. Identificar que está alienado ao movimento do produtivismo acadêmico requer a superação de estratégias e práticas individualizadas e competitivas no ambiente da academia. Para tanto, essa iniciativa depende, em grande parte, das condições objetivas de trabalho que se tem hoje nas universidades públicas, reconhecendo-se que há um movimento de precarização do trabalho docente, que atinge primeiramente a questão salarial, seguida dos regimes de trabalho e contratação, além da sobrecarga de atividades docentes e administrativas na graduação e na pós-graduação. Enfim, o reconhecimento de um processo alienante não se dá descolado das condições objetivas que se vive, ou que se precisa para viver.

O que se pode depreender é que as reformas instituídas no país no início da década de noventa, e realimentadas na 1ª década do ano 2000, representa para nós a plataforma política dos interesses do grande mercado global que quer tornar consenso a educação superior como um produto negociável. Os

reflexos desses interesses recaem sobre o modelo de universidade pública que se foi delineando a partir de então. Recrutar, selecionar, descartar, racionalizar são práticas que se tornaram naturalizadas nos ambientes de trabalho, especialmente aqueles envolvidos com a produção de conhecimento que podem tornar-se matéria-prima e ser comercializada.

Pode-se dizer que o trabalho de produção científica desenvolvido nas universidades e centros de pesquisa, e regido pelo modo de produção capitalista, passa a pertencer ao movimento do capital, que, por sua vez, transforma o trabalho em um pêndulo, que, de um lado, pressupõe realização pessoal, com reconhecimento acadêmico e status social, e, de outro, legitima um processo de alienação, por meio da captura da subjetividade5. (ALVES, 2007).

O sujeito, embora ciente das determinações mais amplas da sociedade, ou mesmo das exigências difundidas pelas agências de pesquisa, não se reconhece alienado no processo de produção do seu trabalho.

Desse modo, o trabalho dos professores e alunos pesquisadores, na produção de conhecimento, ciência e tecnologia no espaço universitário, mesmo que indiretamente, são forças que pertencem ao capital e que por isso mesmo são moldadas conforme o movimento pendular que lhe é dado, ora como criador de utilidades, ora como forma de apropriar-se do mecanismo de mais-valor.

O mais-valor, contudo, além de desvendar o mecanismo de acumulação de capital, isto é, a expropriação do trabalhador, expressa um processo ainda mais fundamental: mais do que significar a exploração do trabalho, como de fato o faz, o mais-valor representa a objetivação, estranhada dos sujeitos, do potencial que possui o trabalho (social) de reproduzir de forma ampliada as suas condições antecedentes. Pode-se compreender melhor o mais-valor como expressão do estranhamento da produtividade do trabalho social quando se leva em conta que o trabalho, como categoria especificamente humana, diferencia o metabolismo da espécie humana com a natureza. (MARX, 2011, p.21).

Nesse contexto, a cultura universitária conforma-se a um tipo de produção que intensifica, aliena e torna estranhos os produtos do trabalho dos sujeitos que desenvolvem pesquisa na universidade. Até então, esse caráter produtivista estava socializado e internalizado no ambiente da pós-graduação stricto sensu, mas percebemos que essa cultura produtivista passa a transmutar-se, de forma mais evidente a partir de 2005 e se estende também aos cursos de graduação, incitando-os, mesmo que

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indiretamente, a uma acentuada concorrência por vagas em projetos de pesquisa ou nos editais para concorrer bolsas de Iniciação Científica.

4 IMPACTOS NO TRABALHO DE PROFESSORES ENVOLVIDOS COM PESQUISA

As transformações recentes no capitalismo, ocorridas, especialmente, a partir da segunda metade da década de 1990 no Brasil, refletiram mudanças significativas no trabalho do professor, na universidade pública. A prática social universitária do professor pesquisador mostra-se em constante contradição: de um lado, pressupõe o objetivo de emancipação por meio da produção e apropriação do conhecimento científico e, de outro, tende a reduzir essa produção em produto alienado, cuja produção e circulação podem servir à mera performance no processo de valoração do capital.

Considerando esse cenário, podemos dizer que a natureza do trabalho do professor pesquisador é resultante de uma complexa relação entre capital, políticas e instituições, que se utiliza de mecanismos flexíveis para consolidar estratégias de exploração do trabalho humano mediante elementos que, aos olhos individuais ou coletivos, aparentam-nos a materialização das políticas oficiais que ora chegam para ser executadas nas universidades públicas, como parte do processo de uma silenciosa reforma das instituições sociais que atendem aos processos de reestruturação mais ampla do capital.

As instituições sociais, entre as quais a universidade pública, acaba incorporando o jogo das relações mercantis, hoje dominantes na educação pública, com a existência dos contratos de parceria entre o setor público e o setor privado. O que se pode depreender é que as políticas emanadas dessas relações são apropriadas pelos professores em seu cotidiano nas instituições onde desenvolvem suas atividades. Pode-se dizer que, ao mesmo tempo em que incorpora as orientações das políticas oficiais no seu cotidiano, o professor também cria formas de convivência e produção de sua existência com a cultura produzida nesse espaço de trabalho.

O professor pesquisador, em face de tal contexto, em sua prática universitária produz e reproduz a política e a cultura da instituição em que atua. O sujeito transforma-se no protagonista de uma prática social conformada ou engajada à ideologia produtivista, própria do movimento reformista silencioso que adentrou a universidade nos últimos anos.

Ao retomarmos os depoimentos que foram realizados com professores vinculados ao Programa de Iniciação Científica na graduação, percebemos, em vários momentos, casos em que o professor encontrava-se diante de situações de sofrimento ou adoecimento, cujos motivos, resguardando as particularidades de cada um, eram sempre a dinâmica

intensa de trabalho ou acúmulo de atividades que se relacionam, geralmente, às atividades de pesquisa e às pressões por divulgá-las ou socializá-las.

Um professor da área de Ciências Humanas, ciente das razões geradoras de sofrimento na produção de sua atividade laboral, revela sua indignação pelas condições de trabalho precarizadas, que lhe tomam parte do tempo que devia ser reservado à família; revela também um sofrimento inexplicável pela situação que viveu recentemente com a perda de um ente querido.

Em janeiro eu tive quarenta processos para analisar. [...] O que mais me doeu é que eu fiquei esse tempo analisando e eu terminei contando que eu poderia dar uma atenção para o meu pai que já estava velhinho. Uma semana depois meu pai faleceu, eu perdi o meu pai! Aí eu fiquei muito revoltado com o meu trabalho por ter me tirado o último mês de vida do meu pai, entendeu? [...] Então, eu acho assim, a invasão que faz na tua vida, nos teus finais de semana, na tua convivência familiar, na tua noite entendeu? (Informação verbal, grifos nossos)6.

Esse depoimento mostra aquilo que Silva Júnior e Silva (2010) retratam sobre a categoria marxiana estranhamento. Numa cultura acadêmica, orientada pelas pesquisas de resultados, aplicados para a valoração do capital, não há nem mesmo atestado de óbito que possa fazer a racionalidade mercantil do sistema, engendrado nas práticas universitárias, entender que o professor pesquisador é antes de tudo um ser humano e que, portanto, seu sofrimento pela morte de algum ente familiar não está sendo levado em conta na sua própria prática social.

Para Marx, ao explicar essa sociedade fundada no modo de produção capitalista, os produtos do trabalho e o próprio processo de trabalho humano mostram-se como uma atividade ou objeto estranho ao trabalhador. Tem-se a desrealização do trabalhador. Se a atividade de trabalho lhe é estranha, os resultados que dela provêm ser-lhes-á alheios. Isso significa que o trabalhador, nesse modo de produção, não reconhece o trabalho como parte de sua humanização, ao contrário, vê no trabalho a sua desumanização. (MARX, 1964).

As características da sociabilidade burguesa contemporânea, ao desumanizar o homem por meio do trabalho, evidenciam que as condições objetivas para o desenvolvimento do trabalho docente na universidade pública encontram-se atreladas a processos sociais de valoração do capital que, ao invés de contribuir para a emancipação do homem pela apropriação da cultura produzida historicamente através do trabalho, engendram a negação da essência humana.

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Tal situação está representada pelos obstáculos sociais, construídos e intensificados pelo próprio homem no atual contexto. A essência humana passa a ser negada pela sociabilidade posta. Portanto, quando nos referimos ao estranhamento do professor nas suas atividades de produção científica, na universidade ou fora dela, estamos afirmando que esta produção se encontra estranha ao sujeito porque ele está imerso em uma sociabilidade já estranha a ele.

A sociabilidade burguesa estranhada é uma síntese de relações sociais que mobiliza a reprodução e a valoração do capital. Assim sendo, as repercussões desse movimento nas atividades docentes e discentes tendem a desencadear o distanciamento da sua humanidade por meio do próprio processo de trabalho que realiza. Ao tomarmos ciência de que o capital é uma produção do homem que domina outros homens, vemos que o agir dos homens, independente da esfera ou posição em que estejam na sociedade, só pode ser estranho à sua essência humana. Trata-se de uma ação estranhada dentro do próprio metabolismo do capital que, por construção histórico-humana, já se mostra alheia.

As consequências da desumanidade gerada pelas condições objetivas da sociabilidade burguesa colocam em desequilíbrio o cotidiano dos indivíduos, levando-os a situações desprovidas de humanidade em relação a si mesmos. Os reflexos concretos desse estranhamento podem, aparentemente, ser visualizados em simples e pequenas alterações no ambiente de trabalho ou mesmo no corpo do indivíduo, mas, que na realidade, já está dado por esta sociabilidade que desconsidera a plenitude da vida humana.

Ainda que seja um processo complexo para se compreender num cotidiano alienado como é o da sociedade burguesa contemporânea, algumas revelações mostram-nos a essência humana sendo suprimida diante da competitividade, do individualismo e da tentativa de sobrevivência nesse meio. Contudo, as denúncias ecoam latentes nos lábios de quem, diariamente, convive com as pressões e resiste, ou pelo menos tenta resistir com bom humor.

Então tantas coisas que a gente vê, eu, por exemplo, acordo com os dentes doendo de tanto que eu estou pressionando. Mas mesmo assim eu já quebrei três dentes do início do ano para cá. Então, quer dizer, é uma questão de sobrevivência senão daqui a pouco eu não terei mais. [...] E se você for ver eu sou uma pessoa que lida muito bem com o estresse, eu lido muito bem com isso. Eu não deixo afetar o humor, outra pessoa sairia dando cacetadas, quebrando as coisas. (Informação verbal, grifos nossos)7.

A contradição em que vive o professor sob a pressão do seu trabalho estampa-se em sua saúde. Apesar de dizer que não “perde o humor”, ele carrega na esfera da vida privada, as pressões e os valores que a sociedade produz. Tais pressões o forçam a dizer que leva a vida com bom humor; entretanto, a objetividade presente na fala “eu não deixo afetar o humor” não se põe como sua prática diária, porque as pressões exercidas pelas orientações da sua instituição de trabalho mostram-se um polo latente a interferir em sua rotina, neste caso, afetando sua saúde.

Há diversos estudos e pesquisas que se voltam para o debate na relação entre trabalho e saúde. Ao longo da história podemos observar que a organização do trabalho passou por diferentes abordagens, as quais, por sua vez, levaram os trabalhadores a diferentes formas de respostas. Situações de sofrimento físico ou psíquico foram-se desenvolvendo paulatinamente, dada a pressão do modelo de gestão à qual o trabalhador estava submetido no seu ambiente de trabalho por horas, como no caso de pesquisadores que diariamente levam trabalho para casa.

Uma das questões que procuramos defender é que as transformações ocorridas na gestão do trabalho docente, nos últimos dez anos, na universidade pública estatal, provocaram uma série de impactos de toda ordem, especialmente na saúde e no tempo livre, no qual, prevalece o tempo da economia e, portanto, o tempo livre no capitalismo não passa de um tempo para o revigoramento das forças vitais para continuar a valorização do capital por meio de processos flexíveis de trabalho.

5 CONCLUSÃO

Ao longo da história do capitalismo, as prioridades sempre se voltaram para a valorização de formas cada vez mais intensificadas de exploração do trabalho humano. No século XXI, com a acentuação de um modelo de gestão flexível para o trabalho, os processos laborais foram cada vez mais aviltados na sua dimensão criadora. Para o trabalhador, essa metamorfose do sentido do trabalho levou a consequências de toda ordem, uma das quais é a forma como o homem lida com o tempo livre, ou melhor – como deixou de lidar com o tempo livre.

A hegemonia do tempo econômico em detrimento do tempo livre nos parece dizer que a dinâmica do capitalismo requer a cada dia um trabalhador orientado pela racionalidade mercantil e capaz de incorporar essa racionalidade em outros ambientes de trabalho, privando os trabalhadores, inclusive aqueles que desenvolvem o trabalho intelectual, de vivenciar o sentido criador do trabalho, ou seja, a capacidade de humanizar-se por meio dessa atividade e ter a oportunidade de viver

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um tempo verdadeiramente livre fora do ambiente de trabalho.

A análise desenvolvida nesse artigo mostrou as pressões que incidem sobre professores pesquisadores. Buscamos as relações dos processos de produção na sociedade capitalista, que aos poucos vem redefinindo o trabalho dos professores nas universidades públicas conforme os interesses do setor produtivo empresarial. Não nos surpreende que o trabalho dos professores pesquisadores, assim como outras práticas laborais, seja um campo que acompanha as tendências de flexibilização e precarização, próprias desse modelo social de organização do trabalho. Como também não nos surpreende que a produção científica, no estágio atual da sociedade capitalista, a ciência aqui produzida e os produtos derivados dela, estejam engajados aos interesses de reprodução desse modelo e, por isso mesmo, adapta os elementos de competitividade, individualismo, fetichismo, alienação e produtividade nas práticas sociais universitárias.

As pesquisas sobre trabalho docente no Brasil, conquanto revelem as condições degradantes e de intensificação do trabalho do professor, parecem indicar a necessidade de continuar revendo as investidas insidiosas do capital nesse campo.

A necessidade de ampliar as análises já empreendidas por outros autores requer que, antes reconheçamos que as mudanças no mundo da produção vêm sofrendo alterações, tendo os fundamentos dessa produção relações com os processos de reestruturação do capital, que, por sua vez, se utiliza da força produtiva dos trabalhadores em educação para continuar ampliando seu poder econômico e ideológico por meio de condições precárias de trabalho ou mesmo pelas exigências de produção fora da instituição em que atuam os trabalhadores, fazendo com que eles não tenham tempo para se organizar e construir uma contra-hegemonia.

Diante de tal contexto, é preciso lançar mão de uma análise que busque nas transformações econômicas dos últimos anos, o entendimento de que é no movimento de reformas que repercutiu nas instituições educativas, entre as quais as universidades, que se observa um aumento das queixas em relação às condições de trabalho. Isso não quer dizer que não existia antes, mas, sobretudo que, no contexto atual do capitalismo, as forças produtivas tendem a levar o trabalhador a um sofrimento desmesurado para a continuação do projeto de sociabilidade burguesa.

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HIRANO, Sedi. Política e economia como formas de dominação: o trabalho intelectual em Marx. Tempo Social, São Paulo, v. 13, n. 2, p. 1-20, 2001.

KOSIK, K. Dialética do concreto. 8. Reimp. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2010.

MARX, Karl. A mercadoria. In: ______. O capital. Tomo I Vol. 1, s.d.. Disponível em: http://www.histedbr.fae.unicamp.br/acer_fontes/acervo_marx.html. Acesso em: 12 maio 2012.

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______. Manuscritos econômico-filosóficos. Tradução de Artur Morão. Edições 70, 1964.

NEVES, Lúcia W. A nova pedagogia da hegemonia: estratégias do capital para educar o consenso. São Paulo: Xamã, 2005.

______. O empresariamento da educação: novos contornos do ensino superior no Brasil dos anos 1990. São Paulo: Xamã, 2002.

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Notas

1 Em artigo publicado em 2008 pela HEERA - Revista de História Econômica e Economia Regional Aplicada (v. 3, n.4) o professor Dr. Cezar Honorato explica a relação entre Estado e fundo público, concluindo que “no caso da América Latina, a montagem do fundo público foi devida a necessidade de atender a crise econômica e política derivadas da conjuntura internacional, passando o Estado a desempenhar papel fundamental na aceleração do desenvolvimento econômico e na mudança das bases produtivas nacionais. Ao contrário do ocorrido alhures, a América Latina não avançou na montagem de um Estado de Bem-Estar. O que ocorreu de avanço na cidadania latinoamericana ateve-se aos aspectos jurídicos e a montagem de alguns serviços sociais setorizados, não inclusivos e de má qualidade. A inexistência de um programa de políticas de inclusão social foi a marca da atuação dos estados, mesmo em países que apresentaram altas taxas de crescimento econômico e de modernização como o Brasil, a Argentina, o México e o Chile” (HONORATO, 2008, p35-36). Disponível em: http://www.ufjf.br/heera/edicoes-anteriores/

2 Para Sguissardi e Silva Jr. (2009) “A institucionalização da dimensão estatal/mercantil criou um espaço para as relações entre o Estado e entidades da sociedade civil (organizações não governamentais, empresas do terceiro setor) para a prestação de serviços antes de natureza estatal pública, por meio de contratos de gestão. Passou a permitir a transferência de responsabilidades do Estado para a sociedade civil e para o mercado. As universidades estatais públicas passaram a executar atividades que antes não lhe eram pertinentes, tais como convênios com empresas privadas ou com associações de moradores para resolver problemas de violência, alfabetização de jovens e adultos, dentre outras que se poderia enumerar”. Complementando a análise dos autores, identifica-se nessa institucionalização da dimensão estatal/mercantil na sociedade brasileira, o objetivo de consolidar a sociedade civil (esfera do terceiro setor) como parceira do Estado na execução de seus serviços sociais.

3 Dados retirados da entrevista no ano de 2010 com PCH 1.

4 Dados retirados da entrevista no ano de 2010 com PCH 1.

5 Giovanni Alves (2007, p.188) utiliza a expressão “captura” da subjetividade do trabalho para caracterizar o nexo essencial do modo de organização toyotista do trabalho capitalista. É importante destacar que o autor coloca “captura” entre aspas para salientar o caráter problemático da captura, ou seja, a captura não ocorre, de fato, como o termo utilizado poderia supor. Estamos lidando com um processo social que não se desenvolve de modo perene, sem resistências e lutas cotidianas. Enfim, o processo de “captura” da subjetividade do trabalho vivo é um processo intrinsecamente contraditório, constituído por um jogo de simulações, em que se articulam mecanismos de coerção e de consentimento, que interagem com

uma teia de manipulação que perpassa não apenas o local de trabalho, mas também as instâncias da reprodução social. Além disso, o processo de “captura” como inovação sócio-metabólica do capital tende a dilacerar/estressar não apenas a dimensão física da corporalidade viva da força de trabalho, mas sua dimensão psíquica e espiritual, dilaceramento que se manifesta através de sintomas de doenças psicossomáticas que atingem o trabalhador.

6 Dados retirados da entrevista no ano de 2010 com PCH 1.

7 Dados retirados da entrevista no ano de 2010 com PCH 1 na página 6.

Silvia Alves dos Santos PedagogaDoutoranda pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de São CarlosProfessora do Colegiado de Pedagogia da Universidade Estadual do Norte do Paraná - Campus Cornélio Procópio (UENP)E-mail: [email protected] ou [email protected]

João dos Reis Silva Júnior Engenheiro Doutor de Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Professor do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)E-mail: [email protected]

Universidade Estadual do Norte do Paraná - UENPPR-160, Km 0 - Campus Universitário Cornélio Procópio, PR - CEP: 86300-000

Universidade Federal de São Carlos - UFSCarRod. Washington Luiz, km 235 - - São Carlos – SPCEP: 13565-905

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UNA COMPARACIÓN DE LA INSCRIPCIÓN EN AGENDA DE LA POLÍTICA DE RECONOCIMIENTO DE TÍTULOS UNIVERSITARIOS EN EL MERCOSUR Y LA UNIÓN EUROPEA1

Facundo SolanasUniversidad Nacional de Mar del Plata (UNMP)

UNA COMPARACION DE LA INSCRIPCION EN AGENDA DE LA POLITICA DE RECONOCIMIENTO DE TITULOS UNIVERSITARIOS EN EL MERCOSUR Y LA UNION EUROPEAResumen: La Comunidad Económica Europea (CEE) -hoy Unión Europea- y el MERCOSUR constituyen procesos de integración marcadamente diferentes, con instituciones y formas de construir políticas difícilmente comparables. A pesar de ello, en ambos bloques se realizaron avances importantes sobre la posibilidad de facilitar la circulación de profesionales, a partir de la simplificación de los mecanismos de reconocimiento de títulos universitarios. Partiendo de herramientas teóricas provenientes del análisis de políticas públicas, el texto borda el proceso de inscripción de la política de reconocimiento de títulos universitarios en las agendas institucionales de los dos bloques. Para ello, toma en cuenta diversas fuentes documentales, así como un conjunto de entrevistas realizadas con informantes clave. El análisis comparado permite dar cuenta de las semejanzas que ha tenido el proceso de inscripción en la agenda institucional de la CEE y del MERCOSUR de la política en cuestión, a pesar de sus importantes diferencias.Palabras-claves: Políticas publicas comparadas, agenda, Union Europea, Mercosur, reconocimiento de títulos universitarios.

AGENDA SETTING COMPARISON OF THE UNIVERSITY DEGREES RECOGNITION POLICY IN MERCOSUL AND EUROPEAN UNIONAbstract: The European Economic Community (EEC) -today European Union- and MERCOSUL integration processes are extremely different, with institutions and ways of policies making that make the comparison difficult. However, in both blocks, important improvements were made to encourage the movement of professionals as of the simplification of the university degrees recognition mechanisms. Based on theoretical tools from public policy analysis, we address the agenda-setting process of the university degrees recognition policy in both blocks. We consider some different documentary sources, as well as a set of interviews with key informants. The comparative analysis allows accounting the similarities between EEC and MERCOSUL institutional agenda-setting policy process, despite their significant differences.Key words: Comparative public policy, agenda, European Union, Mercosul, university degrees recognition.

Recebido em: 27.06.2012. Aprovado em: 22.10.2012.

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1 INTRODUCCIÓN

Desde la creación de la Comunidad Económica Europea (CEE) y del MERCOSUR, las respectivas “agendas institucionales” (COBB; ELDER, 1983) encuentran su principal foco de atención en los temas económico-comerciales -en especial en el último bloque. Aquí abordaremos el proceso de inscripción en la agenda de ambos bloques de un aspecto menos visible, aunque no por ello menos importante ni menos afectado por la lógica comercialista de estos procesos: la integración del espacio profesional.

En ambas regiones es posible distinguir tres etapas distintas del reconocimiento de los títulos universitarios a nivel nacional, como paso previo e indispensable para el ejercicio de la profesión en otro país. La primera, durante el siglo XIX y primera mitad del siglo XX, donde los controles del ejercicio profesional no eran tan estrictos y se buscaba incentivar la movilidad debido a la escasez de profesionales en los distintos países. La segunda, de mediados del siglo XX hasta los años 70 en Europa y los años 90 en el MERCOSUR, donde los Estados a través de controles más exigentes restringen normativamente el reconocimiento en sintonía con su responsabilidad social frente a la población y el aumento de la cantidad de profesionales. Por último y donde nos centraremos, con la construcción de ambos bloques se busca incentivar la movilidad de los profesionales independientes, por un lado, con vistas a compensar su escasez en determinados países y sectores, sin desatender la responsabilidad social del Estado, por otra lado, con vistas a generar un mercado regional para los profesionales, aunque uno de los riesgos contextuales de esta problemática es reducirla a sus aspectos exclusivamente comerciales.

Para entender como estas políticas se están implementando en ambos bloques, es necesario analizar de qué forma se han inscrito en las respectivas agendas. Mas allá de que esto determina las modalidades de su tratamiento (MÉNY; THOENIG, 1987; MULLER; SUREL, 1998) y sus posibles redefiniciones, la inscripción constituye un recurso estratégico para los distintos protagonistas que buscan intervenir en el proceso de la decisión (MULLER, 1994, p. 64), lo que resulta tanto válido para la Unión Europea (UE) como para el MERCOSUR.

En la actualidad la UE se encuentra, por un lado, discutiendo un nuevo proyecto que reemplace la Directiva 2005/36/CE sobre reconocimiento de cualificaciones profesionales y, por otro lado, se encuentra construyendo el Espacio Europea de la Educación superior (EEES) a raíz del proceso de Bolonia (CORBETT, 2005); mientras que por su parte el MERCOSUR se encuentra implementando el sistema de acreditación de carreras de grado

ARCUSUR2 y, por otro lado, aprobó la Decisión CMC 25/2003 sobre el ejercicio profesional temporario, propuesto por las asociaciones profesionales de los países miembros. Las razones de este doble proceso en ambos bloques encuentran su génesis en la forma en que fueron inscritas estas cuestiones en las respectivas agendas.

La construcción diacrónica de ambos procesos de integración no sólo testimonia diferentes temporalidades, sino que manifiesta fuertes asimetrías entre ellos3, por lo cual la inscripción en la agenda institucional de la Política de Reconocimiento de Títulos Universitarios (de ahora en más PRTU) en ambos bloques, en principio se desfasará unos cuantos años y presenta características distintas. Partimos de la hipótesis de que a pesar de este desfasaje, la forma en que las dos políticas se inscribieron sobre las agendas de los dos bloques, de forma independiente entre ambos procesos, constituye un elemento central para comprender la doble evolución producida en cada región de dos agendas institucionales: una en relación con el reconocimiento con fines profesionales y la otra orientada al reconocimiento con fines académicos.

Teniendo en cuenta la literatura académica especifica acerca de la temática sobre la UE (CRAYENCOUR, 1969/1970/1973; PERTEK, 1999/2008; FRAZIER, 1995; BOUSQUET, 1998) y el MERCOSUR (SOLANAS, 2007 y 2009 a/b), nos proponemos realizar un análisis comparativo abordando cronológicamente la inscripción en la agenda de la política en cuestión en la CEE, para luego abocarnos al proceso homónimo en el MERCOSUR, a fin de contar con los elementos empíricos necesarios para su comparación. Para ello, nos apoyamos en algunas herramientas teóricas provenientes del análisis de políticas públicas, así como en cierta literatura proveniente del campo de la educación comparada y de orden jurídico. Asimismo, partimos de la base del análisis de determinadas fuentes documentales y de distintas entrevistas realizadas con informantes clave.

2 LA AGENDA DE ROMA Y LAS DIRECTIVAS SECTORIALES

Dada la lógica económico-comercial predominante en la UE y el MERCOSUR su objetivo central apunta a la libre circulación de los factores productivos -entre los que se encuentran comprendidas las personas y, por ende los profesionales-, en sus respectivos espacios desde los Tratados constitutivos. Esto permite constatar la forma en que se encuadró y se trató nuestro objeto, al menos, en los orígenes del proceso de construcción de la PRTU, priorizando sus aspectos exclusivamente comerciales, a partir de su encuadre dentro de la libre circulación de personas y servicios.

Resulta ya muy conocida y citada la famosa

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frase de Jean Monnet, uno de los padres de la CEE, cuando afirmaba que si tuviese que empezar de nuevo, empezaría por la educación. Con esa frase hace referencia a que el Tratado de Roma que instituye la CEE ignora la educación (BOUSQUET, 1998, p. 5), que perdura hasta nuestros días como una competencia exclusiva de los Estados miembros. Desde entonces, la inscripción en la agenda de la PRTU europea delimitará las primeras fronteras de esta política condicionando su evolución y futuras redefiniciones. En su primera definición estos límites han adquirido la forma de “directivas sectoriales”, pero como toda política pública es una construcción social sujeta a redefiniciones y modificaciones y, por lo tanto, también sus contornos estructurales y los límites de los campos políticos. (MULLER; SUREL, 1998, p. 15).

En sintonía con la dimensión económico-comercial de la integración, el proceso europeo procuraba promover cuatro libertades fundamentales: la libertad de circulación de mercancías; la libertad de circulación de las personas, lo que le da el derecho a todo ciudadano de un Estado miembro a establecerse en el territorio de otro Estado; la libre prestación de servicios, que incluye la posibilidad de ejercer una profesión en otro Estado miembro; y la libre circulación de capitales y de operaciones de pago. Esto daba lugar a que se contemplara, indirectamente y desde una perspectiva mercantil, la dimensión de la educación superior y el reconocimiento de diplomas en el caso de requerirlos para poder ejercer la profesión.

Teniendo presente que la CEE garantiza el derecho de establecimiento4, se introduce un ítem donde se hace mención explícita al reconocimiento de títulos universitarios, precisando lo siguiente:

Con el fin de facilitar el acceso a las actividades no asalariadas y su ejercicio, el Consejo, a propuesta de la Comisión y luego de consultar a la Asamblea, deja, resolviéndole por unanimidad la primera etapa a la mayoría cualificada más tarde, las directivas que apuntan al reconocimiento mutuo de los diplomas, los certificados y otros títulos. (ROMA, 1957, art. 57).

Se utiliza la expresión “reconocimiento mutuo de los diplomas” y no “equivalencia de los diplomas”, que concerniría sobre el plano internacional, la equivalencia material o académica de los programas de estudios (CAYENCOUR, 1970) y, no constituye el objeto del tratado, sino facilitar el acceso a la actividad y su ejercicio. Es decir, se trata del reconocimiento mutuo con un fin profesional y no académico, lo que implica que el nivel de equivalencia exigido para el reconocimiento mutuo de los diplomas no es el mismo que impone una equivalencia académica. Concierne a las dificultades que puede encontrar un

profesional en el momento del acceso a actividades debido a la “nacionalidad de su diploma”. (FRAZIER, 1995, p. 73). Este doble nivel de reconocimiento que ya está situado en la base de la CEE, es el origen del desdoblamiento de dos agendas institucionales europeas, que unos años más tarde y a través de avances incrementales (LINDBLOM, 1959), provocarán, por un lado, la evolución de la PRTU hasta la Directiva 2005/36/CE sobre el reconocimiento con fines profesionales y, por el otro, la génesis del "proceso de Bolonia"5 sobre la creación del EEES, proceso generado a partir de la necesidad de trasparentar las formaciones europeas para poder captar y contener la mayor cantidad de recursos humanos que, en general, se alejan del viejo continente para especializarse en particular en Estados Unidos.

Asimismo, “las actividades de las profesiones liberales”, aparecen comprendidas en el Capítulo 3 sobre Servicios como “prestaciones proporcionadas normalmente a cambio de una remuneración, en la medida que no se rijan por las disposiciones sobre libre circulación de mercancías, capitales y personas”. (ROMA, 1957, art. 60). Sin embargo, para promover los “servicios profesionales”, lo que entraña una concepción mercantil de las profesiones que sería posteriormente incorporada en el Acuerdo General sobre Comercio de Servicios (AGCS o GATS) de la Organización Mundial del Comercio (OMC), así como facilitar la movilidad laboral dentro de la CEE, era necesario crear ciertas condiciones para “desbloquear” los “obstáculos” que impedían a los profesionales realizar trabajos intra-bloque. Entre ellos, el proceso de reconocimiento de títulos universitarios que se inscribe en la agenda institucional europea, a partir de la necesidad de eliminar las barreras que bloquean la movilidad. Como subraya Frazier (1995, p. 69, traducción propia):

El reconocimiento mutuo de diplomas, certificados y otros títulos tiene esencialmente un carácter práctico. Su objetivo es facilitar la movilidad profesional brindando las garantías necesarias y suficientes para que los ciudadanos de un Estado miembro ejerzan su ocupación en otro Estado miembro, en condiciones de competencia satisfactoria y habiendo completado con un esfuerzo substancialmente igual la adquisición de estas habilidades para todos en la Comunidad.

Por otra parte, en relación al Fondo Social Europeo6, aparece reconocida la capacidad de la comunidad de intervenir en el campo de la formación profesional. (ROMA, 1957, art. 128). Esta doble base jurídica colocada en el texto fundador de la CEE permitirá distinguir entre el reconocimiento de los diplomas con fines profesionales (vinculada al

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derecho de establecimiento) y enmarcada dentro de una concepción comercial, del reconocimiento académico de los diplomas y de los períodos de estudios (vinculada al desarrollo de la movilidad de los estudiantes y de los profesores). Como lo destaca Bousquet (1998), en cuanto a las finalidades, la primera concurre de modo directo al establecimiento del mercado común, mientras que el segundo es de allí sólo una consecuencia. Pero, precisamente al estar sometidas a los mismos principios fijados por el tratado, los de la libre circulación y del libre establecimiento, no son indiferentes uno al otro. (BOUSQUET, 1998, p. 55). Esta división inicial “habilita” la posibilidad de avanzar según pautas comerciales en la “liberalización” de las profesiones por un lado, mientras que el reconocimiento académico -que abarca la educación superior-, continúa siendo una competencia exclusiva de los Estados. A pesar de esta estrecha relación entre los dos derechos europeos, la agenda de Roma da el puntapié inicial para la creación de dos agendas europeas independientes entre sí y, a medida que la integración avanza, la escasa articulación entre una esfera y la otra se hace evidente. En torno a ellas, se nuclearán diferentes tipos de actores y niveles institucionales: a nivel nacional, en relación al reconocimiento con fines profesionales, son los Estados, las autoridades públicas competentes y las asociaciones, órdenes y/o colegios profesionales quienes se encuentran más interesados en la construcción de esta política, dado que no se trata en sentido estricto de apreciar el valor de la enseñanza, sino el derecho a la actividad profesional. En cambio, las autoridades académicas universitarias están especialmente interesadas en el reconocimiento con fines académicos, dado que:

Para llegar a este nivel, se requiere una mayor exigencia en el proceso de comparación de los estudios, porque lo que está en juego allí, es principalmente el tipo, nivel y calidad de la instrucción dada. Las universidades depositan su orgullo para obtener una evaluación adecuada de sus diplomas. (CAYENCOUR, 1970, p. 456, traducción propia).

A raíz de la limitada base jurídica en lo atiente a la educación, a nivel supranacional intervendrán diferentes actores acorde a sus capacidades y recursos. Entre ellos, diferentes Direcciones Generales (DG) de la Comisión Europea (CE), la Asamblea7, la Corte de Justicia de las Comunidades Europeas (CJCE), los Ministros de Educación de los países miembros, las asociaciones profesionales y autoridades universitarias, por nombrar los más protagónicos. El retraso en la adopción de respuestas a la petición de muchas actividades y profesiones ha ayudado a desarrollar una jurisprudencia significativa

de la CJCE:

En una serie de fallos, la Corte respondió a los tribunales nacionales de los casos en los que estuvo involucrado el uso del derecho a la libre circulación de profesionales cualificados en otro Estado miembro” (PERTEK, 1999, p. 24, Traducción propia). Del mismo modo, las sentencias de la Corte concluyeron que: “cuando un nacional es legalmente instalado en el territorio de un Estado miembro, el derecho de acceso a la educación no se puede negar en aplicación de la regla de no discriminación por razón de nacionalidad. (FRAZIER, 1995, p. 122, traducción propia).

Desde el Tratado de Roma y el encuadre del reconocimiento mutuo de títulos dentro de la libre circulación de personas, se delimitó el campo del reconocimiento, que adoptaría como primera forma jurídica la de las directivas sectoriales para las profesiones reglamentadas. Esta delimitación inicial de la PRTU constituirá el factor clave que condicionará el futuro desarrollo de esta política. Este primer sistema de reconocimiento mutuo de títulos académicos en el marco comunitario comienza en los años 60 y 70 con el desarrollo de la CE, profesión por profesión, de numerosas directivas sectoriales que incluía a las siete profesiones universitarias siguientes: medicina, enfermería, odontología, veterinaria, parteras, farmacia y arquitectura. Su mayor inconveniente ha sido la lentitud y la burocratización de los procesos de transposición, lo que dio cuenta a largo plazo de que el procedimiento era prácticamente inviable.

Por otra parte, a fines de los años 60, la Asamblea votó una resolución8 donde solicitaba la creación de un Consejo de Ministros de Educación. En 1971, a más de veinte años de iniciado el proceso de integración europeo y catorce años después del Tratado de Roma, se reunió por primera vez el Consejo de Ministros de Educación de los países miembros de la Comunidad (seis en ese entonces). Los ministros reconocieron la necesidad de establecer una “cooperación en materia de educación”9 que “complete la acción comunitaria en el ámbito de la formación profesional”. (BOUSQUET, 1998, p. 13). Este acontecimiento marca un punto de inflexión con respecto a la inercia post-Roma: constituye el antecedente más importante en la construcción de una política comunitaria para la educación superior. A pesar de la existencia de otros antecedentes de la cooperación en educación superior europea antes de la reunión de los ministros, este acontecimiento abrió la posibilidad de construir una política de cooperación en educación superior y que, al mismo tiempo, contempla el reconocimiento de los períodos de estudio.

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Según Crayencour (1973, p. 258, traducción propia), en primer lugar, los ministros:

Pidieron al Consejo de las Comunidades acelerar al máximo los trabajos sobre el reconocimiento mutuo de diplomas, es decir, teniendo en cuenta las propuestas de la Comisión, y, en segundo lugar, ponían fuertemente en tela de juicio esos mismos trabajos, pidiéndole a la Comisión el estudio de otra solución, llamada “El reconocimiento mutuo generalizado de los títulos”. Esta fórmula ambigua implicaba la intención de reemplazar la labor de la Comisión, demasiado técnica para su gusto, por una mucho más simple, que consiste en breve a aceptar los títulos, que ya existen en la actualidad.

El resultado inmediato de esta deliberación ha sido el bloqueo de las iniciativas de la Comisión que, en consecuencia, ha creado dentro de dos estructuras de reflexión y de coordinación. Como lo señala Frazier (1995, p. 70), "a partir de 1971, el reconocimiento mutuo de los diplomas se comenzó a abordar en el contexto de una posible política común en materia de educación", pero en noviembre de 1972, cuando se concluyó el informe preparado por el grupo de altos funcionarios, la cuestión del reconocimiento mutuo de diplomas en el marco de la política educativa parecía abandonado. A finales de 1972, los tres Estados en vías de adhesión a la CEE, el Reino Unido, Irlanda y Dinamarca, habían formulado reservas sobre el trabajo de la Comisión en relación a la educación, lo cual ayudó a bloquear el proyecto de directivas sectoriales para las profesiones reglamentadas. (CRAYENCOUR, 1973).

De las definiciones de la Comisión, en el año 1974 se crea el Comité de Educación compuesto por representantes de los Estados miembros y la Comisión para desarrollar acciones de cooperación. Entre los temas considerados se contemplaba la mejora de oportunidades para el reconocimiento académico de los títulos y períodos de estudio, el fomento de la libre circulación y la movilidad de profesores, estudiantes e investigadores, entre otras cuestiones10. Esta resolución "inauguró una nueva fase de trabajos" (FRAZIER, 1995, p. 71): se permitió la adopción de las primeras directivas sectoriales para el reconocimiento de diplomas de las profesiones reglamentadas, y también a partir de ello, el mencionado Comité logró elaborar el primer Programa de acción comunitario en materia de Educación Superior en 197611, que incluye los ámbitos considerados y, a partir del cual se desarrollarán posteriormente las acciones de cooperación comunitaria.

De esta manera y sintetizando, este período comprendido por los años 1971-1976, se puede

caracterizar como una etapa de definiciones entre dos tendencias contradictorias que conviven a partir de la doble caracterización de la agenda institucional de Roma: la primera, ya iniciada con el trabajo de la Comisión en torno a las propuestas de las directivas sectoriales para el reconocimiento de los títulos a efectos profesionales. La segunda, que surgió principalmente de la primera reunión de ministros de educación que osciló entre el reconocimiento de las cualificaciones para el reconocimiento profesional de diplomas con fines académicos o sólo de los períodos de estudio.

3 EL RECONOCIMIENTO DE LOS TÍTULOS UNIVERSITARIOS EN LA AGENDA REGIONAL DEL MERCOSUR

De la misma manera que en la CEE, después de la entrada en vigor del MERCOSUR durante los años 90, se introdujo en la agenda institucional de la región la necesidad de progresar en la simplificación de los mecanismos de reconocimiento los títulos universitarios. En la construcción del MERCOSUR de los profesionales y académicos, un paso fundamental fue considerar el reconocimiento de los títulos universitarios e introducirlo dentro de la lista de temas identificados como problemas por las autoridades ejecutivas de los Estados miembros (MÉNY; THOENIG, 1989, p. 231), es decir, su inscripción propiamente dicha sobre la agenda institucional.

El MERCOSUR y su texto fundador de 1991 -el Tratado de Asunción-, fijaban una agenda de cuestiones exclusivamente comerciales y económicas, aunque ese mismo año se firmaba el Protocolo de Intenciones, por el cual se creaban las Reuniones de Ministros de Educación (RME) del MERCOSUR. Gracias a la iniciativa de algunos funcionarios de los ministerios de educación de los países miembros, a partir de entonces surgiría una agenda institucional educativa del bloque. Las RME constituirían la máxima autoridad intergubernamental en la materia y estarían asistidos por un Comité Coordinador Regional (CCR) que distribuiría las tareas entre distintas Comisiones de Trabajo (CTR). De esta manera y desde el mencionado protocolo se incorporaba a la agenda educativa regional la necesidad de avanzar en la armonización de los diplomas y títulos universitarios. En este sentido, la definición del problema de la necesidad de agilizar los mecanismos de reconocimiento de los títulos, contribuía a instituir de autoridad al sector educativo, al constituir uno de los objetivos centrales de la creación del mismo.

El proceso de inscripción en la agenda regional de las políticas de reconocimiento de títulos se llevará a cabo de manera paralela a la elaboración de la Ley de Educación Superior (LES) argentina, así como diversas reformas normativas emprendidas

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en Brasil y Chile, realizadas con asesoramiento del Banco Mundial en los años 90, en pleno auge del paradigma neoliberal en América Latina. La LES introducía mecanismos de acreditación y evaluación universitarias, en alguna medida para contrapesar les efectos del proceso de mercantilización del sistema de educación superior, una de cuyas características principales había sido la apertura de una cantidad importante de universidades privadas. (SOLANAS, 2009b). Tanto en Argentina como en Brasil y Chile se incorporaban “criterios economicistas en el campo educativo, políticas de financiamiento, restricciones a la autonomía y pautas externas de evaluación”. (PADLOG, 1997, p. 100).

Dadas las características intergubernamentales del MERCOSUR, las diversas áreas del Sector Educativo del MERCOSUR (SEM) son integradas por representantes de los respectivos ministerios de educación de los países miembros, lo que hace que exista una permeabilidad casi automática entre los temas de las agendas nacionales y aquellos que pueden consensuarse a nivel del bloque. Por lo tanto, la promulgación de esos marcos normativos y los mecanismos de acreditación universitaria influirán directamente en la redefinición de la PRTU.

Por otra parte, cabe señalar que el ejercicio profesional aparece inscrito de forma implícita en el Tratado de Asunción, dado que se encuentra comprendido dentro del concepto de servicios y, consecuentemente, bajo esta concepción comercialista. A partir del funcionamiento imperfecto de la Unión Aduanera en 1995, el Grupo del Mercado Común (GMC) constituye el Grupo de Servicios (GS) -en principio, ad hoc-, que sería el encargado de elaborar un proyecto de Acuerdo Marco sobre Servicios de conformidad con el AGCS12. A fin de tender a desregular progresivamente el comercio de servicios en la región -donde se incluyen como subcategoría los “servicios profesionales”-, a fines de 1997 se suscribiría el Protocolo de Montevideo sobre el Comercio de Servicios en el MERCOSUR13. Si bien, los servicios profesionales han encontrado cabida en el GS del MERCOSUR, el SEM se ha manifestado abiertamente contrario a que la educación superior pueda ser considerada un servicio. (SOLANAS, 2009a).

A partir del momento en que se coloca en la agenda formal del SEM, el reconocimiento de títulos universitarios comenzará a ocupar un lugar destacado entre las diversas cuestiones que serán abordadas por las autoridades del sector. Aunque el propio sector tuvo la iniciativa de promover la cuestión sin abrir la discusión a las universidades o asociaciones profesionales, en el transcurso de la definición del problema se hicieron presentes algunas asociaciones profesionales, así como otros actores. (SOLANAS, 2009a).

A los fines de avanzar con el reconocimiento de títulos universitarios en octubre de 199414 se resolvió

distinguir entre el reconocimiento a los efectos de habilitar el ejercicio profesional, de aquel que sólo tenía alcances académicos. Esta primera resolución o definición del problema será la que posteriormente condicionará todo el proceso de implementación, a pesar de que las posibles soluciones avizoradas en un principio no hayan sido las finalmente adoptadas. En otra palabras, la “manera en que se construye un problema condiciona en parte las maneras pensables de considerarlo y de tratarlo”. (GARRAUD, 1990, p. 52).

Con relación al reconocimiento con fines profesionales, en un principio:

Se pensó que el mecanismo de tablas de equivalencia podía satisfacer los requisitos de agilidad y seguridad en el proceso de reconocimiento de títulos a los fines de habilitar el ejercicio profesional, decidiéndose, con ese criterio, iniciar una experiencia piloto con las carreras de abogacía y contador público, agregándose, posteriormente, la de ingeniería. Con respecto al reconocimiento con alcance exclusivamente académico se resolvió aplicar un mecanismo más a menos automático de reconocimiento de títulos de grado universitario a los fines de continuar estudios de posgrado o realizar actividades académicas.

A los fines de resolver este último punto

fueron aprobados dos protocolos: el “Protocolo de integración educativa para la prosecución de estudios de Post-grado en las universidades de los países miembros del MERCOSUR”15 y el “Protocolo de admisión de títulos y grados universitarios para el ejercicio de actividades académicas en los países del MERCOSUR”16.

Aunque nuestro propósito en este trabajo no es continuar el análisis de la evolución de la PRTU, cabe señalar que las discusiones se prosiguieron al interior del SEM, hasta que rápidamente se decidió abandonar las tablas de equivalencia para reemplazarlo por un proceso de acreditación de carreras de grado limitado al ámbito académico17, con lo cual, el desdoblamiento de las agendas institucionales del MERCOSUR se vio reforzado por esta vía. El proceso siguió evolucionando pasando de un Mecanismo Experimental de Acreditación de Carreras de Grado (MEXA) al Sistema ARCUSUR que tendría un carácter permanente. De esta forma, la habilitación profesional para ejercer en los demás países del bloque, más adelante se concentraría en el GS del bloque, desde donde se pensaría en las formas de realizar un “reconocimiento” a los fines del ejercicio temporario de la profesión. Como ha sido abordado en otros trabajos, este tipo de reconocimiento viene a cubrir una práctica que no obstaculiza la realización de trabajos o “venta de servicios” por parte de las grandes empresas

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multinacionales, sino que sólo impide su realización por parte de profesionales independientes. (SOLANAS, 2009a).

4 COMPARAR LA INSCRIPCIÓN EN AGENDA

Para que sea posible realizar una comparación tienen que existir fenómenos que tengan alguna cosa de esencial en común. (SPURK, 2003, p. 73). En los casos analizados, a pesar de las importantes diferencias entre ambos procesos de integración regional, la inscripción en la agenda institucional de ambos bloques invita a la comparación habida cuenta de las notables semejanzas que presentan.

Ahora bien, la comparación de los dos procesos de construcción e inscripción en la agenda de la PRTU implica tanto describir y analizar los puntos en común de los contenidos como las diferencias (HASSENTEUFEL, 2008) que alimentan estas políticas y las formas y dinámicas que adoptan.

4.1 Las semejanzas

Retomando algunos puntos en común de los dos procesos, la problemática de la PRTU se desdobla entre el reconocimiento con fines académicos y el reconocimiento con fines profesionales, donde éste último se enfoca hacia una visión netamente comercial del ejercicio de la profesión, considerada como un servicio en sintonía con las definiciones de la OMC. Además del carácter comercialista de su encuadre y a pesar de las fuertes diferencias institucionales entre un proceso y otro, el común denominador entre ellos fue la celeridad con la cual la PRTU se introdujo en las respectivas agendas de integración.

En el caso de la UE, pero también en el del MERCOSUR, podemos evocar la correspondencia de la respectiva inscripción sobre la agenda de la PRTU con “el modelo de la anticipación” descripto por Garraud (1990), que también es calificado como “movilización por el centro” y que retomaremos en el próximo apartado. En los dos casos, pero sobre todo en la CEE, la iniciativa de la CE y de las autoridades regionales del SEM fueron decisivas para volver visible el problema. En los dos Tratados constitutivos de ambos bloques, la PRTU se encuadró dentro de la libre circulación, al mismo tiempo que la educación resultaba completamente ausente de los dos textos. Entonces, nuestra problemática se articula a partir de una definición muy similar y, claramente, comparable en ambos casos.

A diferencia de otras políticas públicas de los dos bloques, la génesis e inscripción en la agenda institucional de la PRTU constituye un asunto cuya “visibilidad social” (FAVRE, 1992) se encuentra limitada a una parte de los actores directamente concernidos y el grado de conflictibilidad entre estos actores es relativamente bajo. En ambos

casos, la PRTU se inscribió en sus respectivas agendas institucionales como un ítem a ser tratado prácticamente desde los orígenes de cada proceso de integración: en el Tratado de Roma de manera directa y en el Tratado de Asunción, en principio de manera indirecta, pero inmediatamente después fue retomado notoriamente en el Protocolo de intenciones.

Indudablemente y de la misma forma que en la CEE, la agenda institucional del MERCOSUR se compondrá de temas fundamentalmente de naturaleza comercial. Los elementos que componen esta agenda institucional y, en particular, las cuestiones abordadas en las cumbres presidenciales son aquellas que tienen más posibilidades de difundirse en la opinión pública, a través de los medios masivos de comunicación. Su principal insumo son los temas de la agenda del Consejo Mercado Común (CMC), del GMC y fundamentalmente, por las cuestiones abordadas en las cumbres presidenciales. Es en este marco intergubernamental de la máxima jerarquía que se tratan las cuestiones de mayor importancia pública. En este marco, la agenda del SEM tendrá un lugar casi marginal y, por lo tanto, una visibilidad pública muy reducida.

En cualquier caso, la inscripción sobre la agenda institucional implicó en los dos casos que el problema se volvió público (LASCOUMES; LE GALÈS, 2007, p. 70). Es decir, la CE y los Ministros de Educación de los países miembros del MERCOSUR consideraron necesario construir políticas para facilitar la posibilidad de los profesionales de ejercer sus respectivas actividades en los distintos países que conforman su bloque de pertenencia, aunque con algunas diferencias.

4.2 Las diferencias

A pesar de la existencia de las instituciones supranacionales en la UE, el ámbito de la educación siguió siendo una competencia exclusiva de los Estados. Evidentemente y por defecto, en el MERCOSUR también. Si por distintas razones el ámbito de la educación ha sido casi olvidado en los Tratados de Roma y Asunción, existen al menos tres diferencias importantes entre ellos. La primera, en el caso de la CEE, el Tratado hace referencia al reconocimiento de los títulos y, también, a la formación profesional. Este desdoblamiento explícito en el Tratado tendrá consecuencias importantes para la PRTU de la UE porque constituye una suerte de invitación a construir dos políticas diferentes, lo cual refuerza la visión comercial en sintonía con los servicios. Por el contrario, en el MERCOSUR, el desdoblamiento se realizará más tarde y, sobre todo, a partir de las definiciones del SEM.

La segunda diferencia incluye el ámbito de la educación que permanece hasta nuestros días

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como una competencia exclusiva de los Estados nacionales en la UE, hecho que por un lado no impidió a la CE, a través de la DG de educación, que tomara medidas para fomentar la movilidad académica y, por otro lado, encuadró la PRTU dentro de las políticas más estrictamente económico-comerciales. En el caso del MERCOSUR, la ausencia de instituciones supranacionales no impidió hacer progresos en el ámbito de la PRTU, que ha permanecido bajo la tutela del SEM en este primer momento de inscripción en la agenda y de primera definición de esta política y que, al mismo tiempo, ha rechazado cualquier toma de compromisos de liberación en materia de educación superior.

La tercera diferencia y directamente en relación con la anterior, en el caso del MERCOSUR, los Ministros de Educación reaccionaron con celeridad para crear el sector educativo del bloque con el “Protocolo de intenciones”. Hecho que permite mostrar la rápida capacidad de reacción, especialmente en comparación al tiempo excesivamente prolongado por un lado de las autoridades intergubernamentales europeas y, por otro lado, a nivel supranacional. En el marco europeo, se pusieron de relieve los resquemores por parte de algunos Estados miembros para traducir el texto de Roma en las directivas comunitarias, como una especie de resistencia al proceso de europeanización top down (PALIER; SUREL, 2007, p. 34-36)18 y que, posteriormente, resurgirán también en el momento de implementar las directivas sectoriales. En el mismo sentido, se realizó la primera reunión de Ministros de Educación de los Estados miembros doce años después de la creación de la CEE.

Si la definición del problema del reconocimiento de títulos universitarios ha tardado más de quince años en la CEE con la primera Directiva sectorial, la complejidad del asunto puede explicar sólo parcialmente dicho plazo. Evidentemente, las resistencias a un proceso de europeanización en un único sentido: de la esfera comunitaria hacia la esfera nacional y, asimismo, las resistencias al cambio por parte de algunos actores locales constituyen otros factores explicativos de la primera definición del problema. Desde una perspectiva comparada con el MERCOSUR, se pueden apreciar las importantes diferencias que marcan este desfasaje entre la inscripción en la agenda y esta primera definición, a pesar de las semejanzas entre la construcción de una PRTU y otra (ver Cuadro 1).

Si a partir de los acontecimientos comparados del Cuadro 1 puede hacerse la imagen de un MERCOSUR dinámico (al menos en el sector de la educación) frente a una CEE más lenta y burocratizada, este dinamismo puede ser posible a un precio bastante elevado para el primer bloque: la debilidad institucional de este proceso de integración. Como lo constata Ventura (2003), en la UE una vez incorporadas, las normas comunitarias

disponen de la misma fuerza vinculante que las normas nacionales, o la de las leyes o actos normativos del Poder Ejecutivo, puesto que están incluidas en el derecho interno. En cambio no existe obligación absoluta de transposición, ni control de la aplicación del derecho derivado del MERCOSUR. Esta ausencia de mecanismos vinculantes en el MERCOSUR deja un importante margen de maniobra a las autoridades intergubernamentales de cada Estado miembro, para fomentar o bloquear las distintas iniciativas presentadas. Al contrario y a pesar del tiempo que cada política puede tomar, la UE cuenta con las condiciones e instrumentos institucionales para asegurar la continuidad y control sobre la aplicación de las políticas comunitarias.

Cuadro 1 - Evolución comparativa de la inscripción en la agenda y las primeras definiciones de la PRTU

CEE MERCOSUR

Inscripción en agenda

1959 (Tratado de Roma)

1991 (Tratado de Asunción + Protocolo de Intenciones)

1° Reunión de Ministros 1971 1991

Adopción de las primeras

medidas

1975 (primeras directivas secto-

riales)

1995 (Protocolo de integración

educativa)Fuente: Elaboración propia.

El plazo del Consejo en la aprobación de las directivas sectoriales basadas en el derecho de establecimiento y la garantía de la libre circulación provocó la irrupción de otro actor importante en la CEE: la CJCE. Ante la ausencia de dinamismo del Consejo y también de los Ministros de Educación de los países miembros, como constatamos la Corte de Justicia se vio obligada a resolver distintas situaciones que se presentaron, producto del derecho de residencia creado por el Tratado de Roma y, también, producto del derecho a la igualdad de acceso a la educación. (FRAZIER, 1995, p. 105-136).

Las dificultades encontradas en el proceso de europeanización de la PRTU - interpretado en el sentido original de Ladrech (1994), es decir, dando cuenta del impacto de la CEE sobre la acción pública nacional- se han traducido más tarde en la ausencia de transposición de las distintas directivas sectoriales por parte de los Estados miembros. Del diseño de estas directivas dependería la evolución muy condicionada de la PRTU hacia la aprobación de otras “medidas correctivas”.

Este artículo ha focalizado el análisis en el proceso de inscripción en agenda y definición de la construcción de esta política en ambos bloques, aunque la PRTU como las demás políticas públicas deben “comprenderse como una secuencia de decisiones y efectos en interacción” (HASSENTEUFEL, 2008, p. 12), que están obligadas

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a integrar la duración del proceso. En este sentido, en el caso europeo existe otro factor adicional que contribuye a retrasar la definición e implementación de cada política y que en el caso del MERCOSUR no ha tenido la misma importancia y tampoco un impacto similar: el proceso de ampliación. Algunas veces este proceso puede constituir una excusa para explicar el plazo en la definición de la política en cuestión, pero a medida que la ampliación europea progresa, la coordinación y la aplicación de las políticas en los Estados miembros resultan más complejas.

En el proceso de integración europeo, la educación no tiene una competencia comunitaria, por lo tanto, no constituyó un tema o ítem fuertemente instalado en los asuntos fundamentales de la UE - al menos hasta la aparición del “proceso de Bolonia”. En cualquier caso, las directivas sectoriales no tuvieron una visibilidad relevante en la agenda institucional europea a partir del Tratado de Roma y su implementación, y al menos en los primeros años han provocado sólo efectos marginales. A partir de la aplicación de los programas europeos de formación y movilidad académica, las acciones comunitarias comenzaron a tener un lugar más visible en la agenda institucional europea.

Las inscripciones de las PRTU sobre las agendas de ambos bloques no provocaron la toma de posición de la mayoría de los actores y su traducción en el campo político y, tampoco constituyeron un problema mencionado en múltiples lugares de este campo. (FAVRE, 1992, p. 5-37). En los dos casos, se trata de una iniciativa de los actores comunitarios -de la Comisión- o intergubernamentales -de las RME del MERCOSUR-, y la política se orientaba hacia públicos muy limitados: los profesionales que buscan ejercer sus actividades especificas en otro Estado miembro del bloque. Pero, no se trataba de un asunto problematizado para este público y tampoco de una solicitud explícita de estos actores. (GARRAUD, 1990, p. 21).

Retomando el modelo de la anticipación de Garraud (1990, p. 36-37), en el caso de la CEE, la CE desempeñó el papel motor de la iniciativa. Ante la ausencia de conflicto, controversia política, explotación mediática o partidaria, y también de demanda social constituida y explícita vinculada a la acción de grupos organizados, la CE percibe el desfasaje existente en el ámbito de las profesiones y, a partir de su pericia, construyó el problema a ser resuelto.

En el caso del MERCOSUR, la iniciativa ha sido motorizada por algunos actores gubernamentales, pero a medida que el proceso avanza, las asociaciones profesionales comienzan a organizarse y a participar más activamente en las definiciones de la política.0

5 CONCLUSION

Si hoy la UE se encuentra construyendo un EEES a partir del proceso de Bolonia y proponiendo modificaciones a la Directiva 2005/36/CE sobre reconocimiento de las cualificaciones profesionales y, por su parte, el MERCOSUR acredita sus carreras en el marco del sistema ARCUSUR y existe la posibilidad de realizar practicas profesionales temporarias en los países del bloque en el marco de la Decisión CMC 25/03, las razones de este desdoblamiento en ambos bloques hay que rastrearlas en la génesis de su inscripción en la agenda institucional.

En este trabajo hemos constatado en primer lugar la manera en la cual se ha definido la PRTU y su riesgoso encuadre comercialista dentro de la libre circulación de profesionales y servicios en ambos bloques en sintonía con el enfoque mercantilista de la OMC. En segundo lugar, como el terreno de la educación ha sido dejado de lado en los dos tratados constitutivos y sin embargo la CEE había incorporado en el mismo, el problema del reconocimiento de los diplomas y el MERCOSUR lo hizo un poco más tarde con el Protocolo de Intenciones, corrigiendo la omisión de la agenda de Asunción. Esta primera definición de nuestro objeto condicionará fuertemente el proceso europeo desde la agenda de Roma, a pesar de la falta de dinamismo que ha caracterizado a las directivas sectoriales. En cambio, en el caso del MERCOSUR la ausencia de instituciones ha sido compensada por el gran dinamismo del SEM y la inscripción en la agenda de la PRTU. Sin embargo, su debilidad institucional no deja de sembrar dudas sobre su capacidad para garantizar y controlar la implementación de esta política.

Para concluir, la comparación de ambos procesos de construcción de la PRTU nos permite encontrar grandes similitudes, a pesar de los importantes aspectos que diferencian las dinámicas de integración regional de los dos bloques. Como lo hemos constatado, una de esas semejanzas consiste en la forma en que esa primera definición de la PRTU condicionará fuertemente la doble evolución experimentada por cada bloque y en forma independiente uno del otro.

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Notas

1 El autor agradece las críticas y comentarios de los dos consultores ad Hoc de la Revista que le han permitido mejorar el presente artículo.

2 “Acuerdo sobre la creación e implementación de un sistema de acreditación de carreras universitarias para

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el reconocimiento regional de la calidad académica de las respectivas titulaciones en el MERCOSUR y Estados Asociados”, 2006. Aprobado por Decisión CMC Nº 17/08.

3 La mayor parte de los trabajos comparativos entre los bloques han abordado extensamente el tema de las asimetrías, por lo que no nos detendremos en ellas.

4 Cf. Capítulo 2, tercera parte del Tratado de Roma, referida a la libre circulación de las personas, de los servicios y de los capitales.

5 No es nuestro propósito analizar el “Proceso de Bolonia” sobre el que ya se ha escrito mucho. Véase la obra de Corbett citada en la bibliografía.

6 Tercera parte del texto fundador de la CEE (la política de la comunidad), capítulo 2 del tercer título (la política social).

7 Convertida en el Parlamento Europeo, después de las primeras elecciones de sufragio universal, en junio de 1979.

8 Resolución del 28-10-1969.

9 Resolución del 16-11-1971.

10 Resolución de los ministros de educación, reunidos en el seno del Consejo, del 06-06-1974, concerniente a la cooperación en el dominio de la educación.

11 Resolución del Consejo y de los Ministros de Educación reunidos en el Consejo, del 09.02.1976, concerniente a un programa de acción en materia de educación.

12 Resolución GMC Nº 38/95: “Pautas Negociadoras de los Subgrupos de Trabajo, Reuniones Especializadas y Grupos Ad-Hoc”.

13 Decisión CMC Nº 13/97, 15-12-1997.

14 En la reunión de la CTR de Educación Superior realizada en Paraguay.

15 Aprobado en la Ciudad de Montevideo el 30 de noviembre de 1995.

16 Aprobado en la Ciudad Asunción el 11 de junio de 1997.

17 Memorándum de Entendimiento sobre la Implementación de un Mecanismo Experimental de Acreditación de Carreras para el Reconocimiento de Títulos de Grado Universitario en los Países del MERCOSUR, 1998.

18 En referencia a la noción de europeanización existe un importante debate desde sus orígenes hasta la actualidad que es retomado en el texto citado, dando cuenta de la evolución teórica de esta noción.

Facundo SolanasCientista PolíticoDoctor en Ciencias Sociales de la Facultad de Ciencias Sociales de la Universidad de Buenos AiresProfesor Adjunto de la Facultad de Humanidades de la Universidad Nacional de Mar del Plata (UNMP)E-mail: [email protected]

Universidad Nacional de Mar del Plata - UNMPDiagonal J. B. Alberdi 2695 - (7600) - Mar del Plata

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POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA ATUAL: embates e possibilidades

ENTREVISTA ESPECIAL COM DALILA ANDRADE OLIVEIRA

Entrevistadora: Lélia Cristina Silveira de Moraes1

Realizada em novembro de 2012.

Resultado da articulação acadêmica desenvolvida entre o PPGPP e o Programa de Pós-Graduação em Educação da UFMA derivou-se a presente entrevista realizada com a Profaª Dra. Dalila Andrade Oliveira.Dalila Andrade Oliveira é Professora Titular da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Minas Gerais na área de Políticas Públicas e Educação. É mestre em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais e doutora em Educação pela Universidade de São Paulo com pós-doutoramento na Universidade Estadual do Rio de Janeiro e na Université de Montréal, Canadá. Pesquisadora PQ 1C do CNPq. Desenvolve estudos e pesquisas com ênfase em Política Educacional, gestão escolar e trabalho docente na América Latina. Foi coordenadora do Grupo de Trabalho "Educación, politica y movimientos sociales" no âmbito do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (CLACSO) entre 2006 e 2009; Diretora de Cooperação Internacional da Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE) entre 2007 e 2009 e Vice-presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação - ANPEd entre 2005 e 2009. Atualmente exerce a coordenação geral da Rede Latino-americana de Estudos Sobre Trabalho Docente (RedEstrado) e é presidente da ANPEd (2009/2011 - 2011/2013). Autora e co-autora de vários livros e artigos em periódicos nacionais e estrangeiros, entre os quais se destacam: Gestão democrática da educação: desafios contemporâneos (Vozes, 2009, 9ª. Ed.) Educação Básica: gestão do trabalho e da pobreza (Vozes, 2010, 2a. Ed.); Política e trabalho na escola (Autêntica, 2003, 3ª. Ed.); Gestão e política da educação (Autêntica, 3ª. Ed., 2008); Reformas educacionais e os trabalhadores docentes na América Latina (Autêntica, 2003), Políticas educativas y trabajo docente en América Latina. (Fondo Editorial UCH, Peru, 2008); Políticas educativas y trabajo docente: nuevas regulaciones y nuevos sujetos. (Buenos Aires: Noveduc, 2006). Coordena a Coleção Politicas educativas y trabajo docente del Fondo Editorial UCH, Peru. A seguir a entrevista de Dalila Andrade Oliveira.

Entrevistadora - A garantia do acesso e permanência à educação básica tem se constituído uma luta histórica, envolvendo a participação da União, dos estados e municípios. Na sua visão, quais os principais desafios para a efetivação da universalização da educação básica?

Dalila Andrade Oliveira - São muitos, mas o mais importante na atualidade é a garantia do financiamento público adequado para corrigir as distorções que temos na oferta da educação básica, tanto no que se refere à criação de instituições educacionais, sobretudo as creches, a equiparação das existentes e a melhoria da carreira e remuneração dos profissionais da educação básica. Por isso defendemos os 10% do Produto Interno Bruto (PIB) para a educação pública no Plano Nacional de Educação (PNE).

Entrevistadora - O processo de elaboração do PNE 2011-2020 evidenciou a necessidade avançarmos na construção de uma política de Estado para uma educação mais sólida. Quais são os avanços e limites presentes nesse PNE?

Dalila Andrade Oliveira - Esta é uma questão ampla, temos avanços e limites no PNE, considerando o texto aprovado na Câmara dos Deputados que seguiu para o Senado. Um avanço importante a se destacar é justamente com relação ao financiamento. Foram aprovados os 10% do PIB, lamentavelmente, não foram os 10% já, mas ter a perspectiva de chegar a eles, garantida em lei, até o final dos 10 anos já pode ser considerado um importante avanço. Alguns limites importantes no PNE referem-se à constituição, de fato, de um Sistema Nacional de Educação que melhor articule a relação entre União, estados e municípios efetivando a cooperação necessária e a repartição de competências e responsabilidades, mas assegurando o financiamento adequado. Há outros limites no que se refere à ampliação da Educação Superior (a previsão de crescimento em Educação à Distância para a formação inicial de nível superior é preocupante). Considero, ainda, que o estabelecimento de uma meta para alfabetizar todas as crianças até os 8 anos de idade, pode trazer consequências graves no que concerne ao acolhimento da diversidade na educação regular.

Entrevistadora - A ampliação da obrigatoriedade da educação básica representa a conquista de um direito, mas como garantir que essa ampliação seja associada à qualidade do ensino?

Dalila Andrade Oliveira - Considero uma importante conquista a extensão da obrigatoriedade escolar que tivemos com a Emenda Constitucional nº 59, de novembro de 2009. Ela amplia o direito à educação, permitindo que as crianças a partir de 4 anos sejam

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atendidas em instituições públicas de Educação Infantil e revalorizando o Ensino Médio como uma etapa obrigatória da escolaridade, uma vez que a obrigatoriedade é definida entre os 4 e 17 anos de idade. Contudo, os desafios são muitos para a oferta de qualidade e a efetividade desse direito. A falta de estrutura adequada na Educação Infantil faz com que, em muitas redes públicas, o atendimento seja realizado por meio de convênios com instituições de direito privado, ainda que sejam filantrópicas confessionais ou comunitárias, representando um sério problema, já que não estão submetidas ao controle e gestão públicos. No caso do Ensino Médio, nossas escolas precisam ser adequadas às exigências das novas Diretrizes Curriculares Nacionais e à cultura juvenil que é diversa. Sabemos que o Ensino Médio público no Brasil cresceu nas sobras do Ensino Fundamental. Isto precisa ser revisto.

Entrevistadora - Historicamente, o financiamento da educação pública no Brasil esteve sob a responsabilidade dos entes federados: a Educação Superior como encargo da União e a Educação Básica dos estados e municípios. Como você vê essa composição no que se refere à distribuição do aporte financeiro destinado à educação pública?

Dalila Andrade Oliveira - Acho que a divisão das competências não é ruim, o problema é a distribuição orçamentária. Justamente, a ponta mais fraca do Sistema Federativo, os municípios, é que ficam com a responsabilidade de oferecer a base da educação. Os municípios brasileiros são, em sua grande maioria, pobres. Por isso oferecem, muitas vezes, uma escola pobre para uma população pobre. Deveria ser o contrário. O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) busca promover justiça aplicando o princípio da equidade, no âmbito estadual, prevendo a complementação da União, mas isto não basta. O princípio da equidade, para promover justiça na Educação Básica pública, deveria ser em âmbito nacional, pois as desigualdades regionais no Brasil são gritantes e elas são, antes de tudo, econômicas.

Entrevistadora - Como você analisa os investimentos destinados à educação e a sua posição no contexto da Política Econômica brasileira?

Dalila Andrade Oliveira - Considero, como já afirmei antes, que os recursos destinados à educação pública são insuficientes em relação à demanda e são poucos se consideramos a capacidade do país. Somos uma população de quase 200 milhões de habitantes, com uma baixa taxa de escolaridade. Contudo, somos a 6ª economia do mundo.

Entrevistadora - Dentre as várias estratégias de expansão da Educação Superior no Brasil, a Educação à Distância assume papel de destaque na atual política educacional. Qual a sua avaliação sobre os programas destinados à formação do professor desenvolvidos nessa modalidade?

Dalila Andrade Oliveira - Considero bastante temerária a formação inicial realizada à distância, pois, em geral, os que mais demandam uma boa formação inicial, justamente por terem limitadas suas condições de acesso a bens culturais, é que acabam por realizá-la dessa maneira, sem a estrutura adequada para desenvolver seus estudos com a autonomia que essa modalidade exige. Estudar é um hábito que se desenvolve e, portanto, que se aprende. A convivência com colegas, os debates em sala de aula, as discussões frente a frente com os professores, sobretudo nos cursos de graduação, são insubstituíveis. A vivência institucional em uma Universidade é fundamental para a formação inicial. São mais que conteúdos que se repassam, mas a possibilidade de frequentar uma boa biblioteca, participar de seminários e outros eventos que ocorrem na vida acadêmica, conviver com os colegas, tudo isso agrega valores à formação e imprime marcas na vida pessoal e profissional do estudante.

Entrevistadora - Definição de um piso salarial, plano de carreira, formação inicial e continuada, valorização dos professores e demais profissionais da educação são questões presentes no debate educacional, constituindo-se lutas históricas dos educadores. Qual o lugar dessas questões na construção da qualidade do ensino?

Dalila Andrade Oliveira - A valorização profissional ocupa lugar central na educação de qualidade. Não há boa educação sem o exercício profissional competente e responsável. No caso específico da docência, sabemos que quanto mais bem formado e gozando de boas condições de trabalho, incluindo carreira e remuneração, maior será a autonomia profissional e melhores serão os resultados educativos. A valorização docente foi um termo cunhado no Brasil, durante os anos 1980, justamente no seio das lutas pelo direito à educação de qualidade para toda a população. Considera-se que a valorização profissional deve estar assentada sobre um tripé: formação inicial e contínua; condições de trabalho e carreira; e remuneração.

Entrevistadora - Na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 206, encontra-se expresso o conceito de gestão democrática, também presente no artigo 3º da LDB de 1996, bem como em vários documentos legais dos sistemas estaduais de ensino. Esses asseguram autonomia da escola,

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conferindo à comunidade escolar participação na elaboração do Projeto Político-Pedagógico da escola, participação da família, professores, gestores, alunos em conselhos escolares, que dão a base legal para exercer o direito de participar das ações da escola. Percebemos, contudo, que ainda existem muitas limitações no efetivo exercício da democratização da gestão da educação. Como você vê essa questão?

Dalila Andrade Oliveira - Não podemos reduzir a gestão democrática da educação à eleição de diretores e colegiado pela comunidade e à participação dos profissionais no Projeto Pedagógico da escola. O exercício democrático é mais complexo. A democratização da gestão da educação não deveria primeiramente ser estrita ao ensino público, como prevê o referido dispositivo constitucional. Além disso, são necessárias garantias do exercício democrático no cotidiano escolar, garantindo condições para que os profissionais participem (tempo remunerado) e a comunidade em geral. Também se relaciona pouco o poder que tem hoje os sistemas de avaliação para definir os currículos, ainda que de forma indireta, à gestão democrática da educação. Em geral, elaboradas por especialistas externos e em uma estrutura hierárquica e verticalizada, essas avaliações impedem que o exercício democrático, que se buscou conferir com a participação efetiva da comunidade no projeto pedagógico, seja considerado. É necessário desvelar o conteúdo político dessas avaliações e submetê-las ao critério da justiça social e da democracia.

Entrevistadora - Na sua concepção, quais os maiores desafios para que se possa melhorar a gestão da educação no Brasil?

Dalila Andrade Oliveira - Alguns deles já foram anunciados nas questões anteriores, tais como: mais recursos e mais justa distribuição deles entre os entes federados; melhores condições de trabalho, carreira e remuneração para os profissionais da educação; respeito às diretrizes curriculares nacionais para a Educação Básica, que estabelecem maior respeito à diversidade na escola, entre outros.

Entrevistadora - A integração Ensino Médio e Educação Profissional, a oferta de escola em tempo integral são aspectos que estão presentes no cenário do debate educacional atual, se colocando como desafios no Plano Nacional de Educação. Na sua concepção o que é necessário para a materialização dessas propostas?

Dalila Andrade Oliveira - A aprovação do Projeto de Lei 8.035/2010 pelo Senado e a efetivação das políticas relativas a esses temas ali previstas. No caso específico do Ensino Médio, a questão é um

pouco mais complexa, pois as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Profissional Técnica de Nível Médio (DCN EPT) são orientadas em direção contraditória às Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio (DCNEM). Essas últimas, na minha opinião, representam muito mais o anseio da sociedade brasileira.

Entrevistadora - As discussões sobre flexibilização e precarização das relações de emprego e do trabalho, presentes no contexto atual, envolvem também a organização escolar. Em que aspectos verificam-se as repercussões dessas questões para a força de trabalho do Magistério?

Dalila Andrade Oliveira - Essa questão é muito ampla. É vasta a literatura das duas ultimas décadas dedicadas ao tema. O processo de reestruturação produtiva trouxe novas formas (mais flexíveis e mais instáveis) de organização do trabalho e isto teve impactos na educação, tanto no sentido dos seus objetivos formativos (que aluno deverá ser formado, para que e como) como também para as relações de trabalho na escola. O trabalho escolar se tornou mais flexível, as relações de trabalho nas escolas hoje são menos hierarquizadas, o docente passou a assumir mais responsabilidades e funções. Também passou a ser mais responsabilizado pelos resultados de seu trabalho e da sua escola. Nesse contexto, os docentes ganharam autonomia, mas as condições de trabalho não melhoraram de forma a permitir que o exercício da autonomia não pesasse sobre as costas dos próprios profissionais.

Notas

1 Professora adjunta da Universidade Federal do Maranhão, com atuação na graduação e pós-graduação. Possui Mestrado em Educação pela Universidade Federal do Maranhão e Doutorado em Educação, Brasileira pela Universidade Federal do Ceará. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Currículos Específicos para Níveis e Tipos de Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: currículo, competências, educação profissional de nível técnico, gestão de sistemas educacionais e política educacional.

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RESENHA

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 50. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011.

POR QUE CONTINUAR LENDO PEDAGOGIA DO OPRIMIDO?

Moacir GadottiDiretor do Instituto Paulo Freire

O livro Pedagogia do oprimido chega à sua 50ª edição. Em 2001, o Instituto Paulo Freire, com sede em São Paulo, recebeu o fac-símile dos manuscritos deste livro cuja história começa em 1968, quando Paulo Freire entregou a Jacques Chonchol, diretor do Instituto Chileno de Reforma Agrária (ICIRA), onde Paulo Freire trabalhava. No ano seguinte, ele sairia do Chile, passando quase um ano na Universidade de Harward, nos Estados Unidos e, depois, se estabelecendo em Genebra, no Conselho Mundial de Igrejas, de onde regressou ao Brasil dez anos depois, completando 16 anos de exílio. Depois que ele entregou os manuscritos a Chonchol nunca mais os viu, pois não ficou com nenhuma cópia. No final de sua vida, desejando revê-los, tinha a intenção de escrever a Jacques Chonchol para obter uma cópia, mas faleceu logo depois, sem conseguir realizar esse sonho.

Ao entregá-los a Jacques Choncol e a sua esposa Maria Edy, numa carta escrita a eles, na “primavera de 68”, Paulo Freire fala das saudades que tinha de Recife, após quatro anos de exílio, “de suas pontes, suas ruas de nomes gostosos: Saudade, União, 7 pecados, Rua das Creoulas, do Chora menino, ruas da Amizade, do Sol, da Aurora”. Ele dizia ter deixado “o mar de água morna, as praias largas, os coqueiros”, deixava “o cheiro da terra e das gentes do trópico, os amigos, as vozes conhecidas”. E afirmava que estava deixando o Brasil, mas também “trazia o Brasil” e “chegava sofrendo a ruptura entre o meu projeto e o projeto do meu País”. E conclui dizendo: “gostaria que vocês recebessem estes manuscritos de um livro que pode não prestar, mas que encarna a profunda crença que tenho nos homens, como uma simples homenagem a quem muito admiro e estimo”.

Em 1968, Paulo Freire estava receoso de que seu livro fosse confiscado - haviam surgido boatos de que forças da inteligência chilena estariam atrás de um livro “subversivo e perigoso” - datilografou os manuscritos e tirou algumas cópias antes de entregá-los a Choncol. Os manuscritos começam com a conhecida epígrafe: “Aos esfarrapados do mundo e aos que neles se descobrem e, assim descobrindo-se, com eles sofrem, mas, sobretudo, com eles lutam”.

Pedagogia do oprimido, livro traduzido em

mais de 25 idiomas, é sua principal obra e a principal obra da teoria transformadora da educação, uma referência permanente da educação popular no mundo. Nesse livro ele sistematiza e desenvolve temas antes esboçados e, ao mesmo tempo, temas que irá aprofundar depois.

A ênfase principal desta obra foi muito bem captada no prefácio escrito por Ernani Maria Fiori: o objetivo principal de uma educação libertadora é fazer com que o homem e a mulher aprendam a “dizer a sua palavra”, não repetindo, simplesmente, a palavra do outro. A palavra como instrumento por meio do qual o homem torna-se sujeito de sua história.

Se é pela palavra que o ser humano revela sua humanidade, é no diálogo que ele se encontra com o outro, completando sua humanidade. Só por meio de uma comunicação autêntica, na reciprocidade e na igualdade de condições, estabelecidas pelo diálogo, é que o indivíduo torna-se criador e sujeito. Paulo Freire sustenta que a educação não é um processo neutro. Ela pode tanto formar sujeitos sujeitados quanto sujeitos livres. Ela pode ser tanto uma ação cultural para a dominação quanto pode ser uma ação cultural para a libertação. Ela pode ser libertadora ou bancária. O diálogo só pode existir entre iguais e diferentes. Nunca entre antagônicos. Do contrário, seria um falso diálogo, utopia romântica quando parte do oprimido, e ardil astuto quando parte do opressor.

Em Paulo Freire o diálogo dos oprimidos, orientados por uma consciência crítica da realidade, aponta para a superação do conflito destes com seus opressores. Nele, o diálogo não é só um encontro de dois sujeitos que buscam o significado das coisas - o saber - mas um encontro que se realiza na práxis - ação + reflexão - no engajamento, no compromisso com a transformação social. Dialogar não é trocar ideias. O diálogo que não leva ação transformadora é puro verbalismo.

É neste livro que Paulo Freire desenvolve o conceito de “educação bancária”, uma educação rígida, autoritária e antidialógica na qual o professor tem o papel de transferir o seu saber para alunos dóceis e passivos como se eles fossem uma lata vazia. Ao contrário, a educação problematizadora é participativa e dialógica. Ambos, professor e alunos, buscam juntos, “em comunhão”, construir conhecimento valorizando o que já sabem.

A Pedagogia do oprimido possibilita desvelar a realidade opressora, tornando o homem consciente da sua situação de exploração em que vive, o primeiro passo para libertar-se da opressão. Trata-se de uma pedagogia que leva à luta pela transformação de opressão na qual o oprimido vive. A Pedagogia do oprimido é, ao mesmo tempo, uma pedagogia da esperança e uma pedagogia da luta. Não há esperança na pura espera, sem luta.

Nesse livro, Paulo Freire deixa claro que a

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educação sozinha não poderá decidir sobre os rumos da história; entretanto, mostra como uma educação transformadora pode contribuir para mudar o rumo das coisas. Conscientes e organizados, os oprimidos podem libertar-se da opressão. Ele combate a pedagogia fatalista e conservadora.

A educação bancária e o seu oposto, a educação problematizadora, fundam-se, respectivamente, na teoria da ação antidialógica, caracterizada pela conquista, pela divisão do povo, pela manipulação e pela invasão cultural e na teoria da ação dialógica caracterizada pela colaboração, pela união, pela organização e pela síntese cultural.

A educação bancária caracteriza-se pelo depósito assistencialista onde não há comunicação, mas apenas comunicados, onde só há sujeitos narradores que são os professores, e objetos ouvintes, que são os alunos; os primeiros são os que sabem e os segundos são considerados ignorantes. Se consideramos que só há aprendizagem quando o sujeito participa dela, a educação bancária não favorece a aprendizagem; ela não desenvolve a criatividade, a busca e a inovação. O educador bancário deposita conteúdos no educando, anulando seu potencial criativo. Ele incita à memorização e não ao pensar crítico.

Ao contrário, na educação problematizadora, educadores e educandos se educam no diálogo, mediatizados pelo mundo e ambos tornam-se sujeitos do processo de aprendizagem. Ambos aprendem juntos. Ele não leva ao aluno uma mensagem salvadora, mas, junto com ele, mediatizados pela realidade, busca respostas para os desafios da reflexão e da ação.

Paulo Freire faz a defesa de uma pedagogia dialógica e emancipatória do oprimido, problematizante e participativa, em oposição à pedagogia da classe dominante, que é bancária e domesticadora. (Ele) Propõe a conscientização como forma do povo passar da consciência ingênua, mágica, para a consciência crítica e científica da realidade. O diálogo problematizador, para ele, se estabelece(-se) na relação horizontal, baseada na confiança entre os sujeitos, sendo, portanto, a essência mesma da educação como prática da liberdade.

As teorias de Paulo Freire expostas na Pedagogia do oprimido cruzaram as fronteiras das disciplinas, das ciências, para além da América Latina. Suas abordagens transbordaram para outros campos do conhecimento, criando raízes nos mais variados solos, fortalecendo teorias e práticas educacionais, bem como auxiliando reflexões não só de educadores, mas também de médicos, terapeutas, cientistas sociais, filósofos, antropólogos e outros profissionais. Seu pensamento é considerado um modelo de transdisciplinaridade.

Por que o livro teve tanto reconhecimento, tanta aceitação e por públicos tão diversos?

Há uma razão básica que explica tamanha repercussão: podemos dizer que Paulo Freire faz uma espécie de “metateoria”, um discurso que atende a públicos muito diversos e que atravessou tanto as fronteiras geográficas quanto as fronteiras das ciências e das profissões. Isso tem a ver também com a polifonia do seu pensamento. Paulo Freire escreve para educadores e para não-educadores, para estudantes, pais e mães, operários, camponeses e outros. Pessoas muito diferentes encontraram-se nesse livro, identificaram-se com o seu ponto de vista. O livro ganhou importância nos mais diversos ambientes, seja na academia, seja na sociedade. Sindicatos, igrejas, movimentos sociais e populares foram responsáveis por uma grande difusão e debate da Pedagogia do oprimido, servindo de guia para a ação transformadora.

Alfabetizadores, intelectuais de esquerda, indígenas, marginalizados, militantes políticos, universitários, pobres e ricos comprometidos com os mais empobrecidos, políticos, trabalhadores sociais e outros, utilizaram-se de suas teses para defender seus próprios pontos de vista.

São ideias simples e revolucionárias que impactaram várias gerações de educadores e de educadoras na América Latina e no Mundo. Muitos educadores, por meio da Pedagogia do oprimido, despertaram para a luta democrática criando espaços de resistência ao autoritarismo político e pedagógico.

Paulo Freire deixou como legado uma filosofia educacional e um método de investigação e de pesquisa ancorados numa antropologia e numa teoria do conhecimento, imprescindíveis na formação do educador. Depois de Paulo Freire não se pode mais afirmar que a educação é neutra. Ele demonstrou a importância da educação na formação do povo sujeito, do povo soberano; foi um dos grandes idealizadores do paradigma da educação popular. Miríades de experiências de educação popular e de adultos inspiram-se em suas ideias pedagógicas.

Ele também deu uma grande contribuição à luta pelo direito à educação, não a qualquer educação, mas ao direito a uma educação emancipadora. Sua pedagogia destacou a necessidade de teorizar a prática, a necessidade da pesquisa participante e o reconhecimento da legitimidade do saber popular.

A atualidade da Pedagogia do oprimido é demonstrada não só pelo número de suas edições, mas pelas marcas que ela deixou na educação do século XX, também neste início de milênio: muitos centros de estudos, cátedras, institutos, associações e entidades públicas e privadas fundamentam-se hoje em Freire e desenvolvem estudos sobre ele. Sua pedagogia está comprometida com a cidadania, com a autonomia do aluno, uma concepção pedagógica amplamente aceita hoje. Paulo Freire recusou o pensamento fatalista neoliberal, o que lhe

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dá uma inquestionável posição de vanguarda frente às concepções pedagógicas conservadoras que não se preocupam com a ética e a radicalização da democracia.

O livro Pedagogia do oprimido continua muito atual, não só porque ainda existem oprimidos, mas porque é uma obra de grande valor para todos os que buscam, por meio da educação, “criar um mundo em que seja menos difícil amar”, como afirma ao terminá-lo.

Para aqueles que não se conformam com o pensamento único neoliberal que renuncia ao sonho e à utopia, para aqueles que acreditam que “um outro mundo é possível”, como sustenta o Fórum Social Mundial, a palavra “oprimido” não perdeu vigência, não perdeu sentido e nem atualidade.

Por que continuar lendo Pedagogia do oprimido?

Alguns certamente gostariam de deixar esse livro nas prateleiras, no passado, para trás, na história das ideias pedagógicas; outros gostariam de esquecê-lo, por causa das opções políticas assumidas neste livro. Certamente, não é um livro que agrada a todos. Em certos lugares, até hoje, ele é um livro interditado. Mas para os que desejam conhecer e viver uma pedagogia de inspiração humanista, esta é uma obra imprescindível. A pedagogia do diálogo que este livro defende, fundamenta-se numa filosofia pluralista. A força desta obra não está só na sua teoria do conhecimento, mas em mostrar uma direção, mostrar que é possível, urgente e necessário mudar a ordem das coisas. Paulo Freire não só convenceu tantas pessoas em tantas partes do mundo pelas suas teorias e práticas, mas também porque despertava nelas a capacidade de sonhar com uma realidade mais humana, menos feia e mais justa. Como legado, nos deixou a utopia.

Moacir GadottiFilosofoDoutor em Educação pela Universidade de GeneveDiretor do Instituto Paulo FreireE-mail: [email protected]

Instituto Paulo FreireRua Cerro Corá, n. 550, São Paulo – SPCEP: 05061-100

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ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O TRABALHO PRECOCE NO BRASIL

Inaiá Maria Moreira de CarvalhoUniversidade Federal da Bahia (UFBA)

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O TRABALHO PRECOCE NO BRASILResumo: Este artigo apresenta algumas considerações sobre o trabalho precoce – aquele executado por crianças e adolescentes – no Brasil contemporâneo. Abordando aspectos como a frequência desse trabalho, as características e condições de inserção dos pequenos trabalhadores e os programas que vêm sendo implementados para o combate a esse tipo de ocupação, o texto procura ressaltar a complexidade dos seus determinantes, assim como a multiplicidade de mudanças e medidas necessárias para a sua erradicação.Palavras-chave: Infância e adolescente, trabalho precoce, combate ao trabalho precoce.

SOME OBSERVATIONS ON THE EARLY WORK IN BRAZILAbstract: This article presents some considerations on child and adolescent labor in contemporary Brazil. It discusses issues such as labor frequency, working characteristics and conditions of working children insertions. It presents social programs being implemented in order to prevent this kind of child exploitation. The article focuses on reasons for this kind of social problem and necessary changes to eliminate it.Key words: Chidhood, adolescence, early work, struggle against child and adolescent labor.

Recebido em: 30.06.2012. Aprovado em: 22.10.2012.

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1 INTRODUÇÃO

Em uma pesquisa de campo sobre o funcionamento e impactos do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI, no interior da Bahia, tive a oportunidade de observar uma cena que me deixou intrigada: na precária moradia de uma das famílias entrevistadas uma criança assistia à televisão enquanto uma outra trabalhava na confecção de fogos, atividade arriscada que absorve uma boa parte da população local, tanto de adultos como de crianças. Indagada sobre a razão dessa diferença, a mãe explicou com naturalidade que a primeira filha era beneficiária do PETI, mas a outra não. Embora respeitando os compromissos assumidos com o Programa para que uma das meninas fosse por ele beneficiada, a visão da entrevistada sobre o trabalho precoce1 não parecia ter se alterado com a sua exposição ao discurso do PETI, evidenciando a complexidade dos determinantes desse trabalho, que dificultam a sua extinção.

Reconhecendo que essa inserção ocupacional ainda afeta milhares de meninos e meninas no Brasil contemporâneo, expondo-os a diversas situações de risco, violência e exploração, com prejuízos para o seu desenvolvimento e o seu futuro, o presente texto se propõe a discuti-la, abordando a sua evolução nos últimos anos, as características e os padrões de inserção dos pequenos trabalhadores, as políticas e programas que vêm sendo implementados para o combate ao referido trabalho e as possibilidades da sua erradicação.

2 EVOLUÇÃO E CARACTERÍSTICAS DO TRABALHO INFANTO-JUVENIL

Como diversos estudos têm assinalado, a exploração do trabalho precoce tem uma longa trajetória na sociedade brasileira. (GRUNSPUN, 2000; RIZZINI, 2007; GÓES; FLORENTINO, 2007). Para os donos das crianças escravas nas fases colonial e imperial, para os grandes proprietários de terra, nas unidades domésticas de produção artesanal ou agrícola, nas casas de família e nas ruas, os meninos e meninas pobres sempre trabalharam e a experiência mostrou que essa era uma mão de obra dócil., mais barata, adaptável, e especialmente adequada para o desempenho de certas tarefas. Sua ocupação tornou-se naturalizada e até valorizada, entre outros aspectos porque, com as representações preconceituosas contra as classes populares, ela também passou a ser vista como um meio de “educar” ou até “recuperar” os então denominados “menores”, transformando-os em indivíduos teis à sociedade e em futuros bons cidadãos. (ALVIM; VALLADARES, 1988).

Estas concepções só começaram a mudar no período da redemocratização do país, quando

se constituiu um amplo movimento em favor das crianças e adolescentes brasileiros, notadamente daqueles marginalizados. Partindo de uma crítica ao velho e falido modelo assistencialista e correcional repressivo que embasava, tradicionalmente, as políticas orientadas para o segmento em discussão, esse movimento definiu as crianças e adolescentes como sujeitos de amplos direitos, procurando assegurá-los através do artigo 227 da Constituição de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente, promulgado em 1990. E entendendo que a infância e a adolescência devem representar um período lúdico, preservado de maiores responsabilidades e voltado para o desenvolvimento e a preparação para a vida adulta, o Estatuto proibiu qualquer trabalho a menores de 16 anos, procurou assegurar o direito à profissionalização e proteger a ocupação dos aprendizes e demais adolescentes.

Apesar de resistências iniciais, com o tempo e ainda que lentamente, essas disposições começaram a ser socialmente assimiladas, desnaturalizando-se e deslegitimando-se esse tipo de trabalho. Em 1992 o Brasil passou a fazer parte do Programa Internacional para a Erradicação do Trabalho Infantil da Organização Internacional do Trabalho e, com isso, começaram a ser implementadas providências para o combate às chamadas “piores forma” desse trabalho, ou seja, aquelas consideradas como perigosas, penosas, insalubres e degradantes. (CARVALHO, 2004; 2008). O principal instrumento para esse combate foi o Programa de Erradicação e Prevenção do Trabalho Infantil (PETI), oferecendo uma pequena compensação financeira (em forma de bolsa) às famílias pauperizadas para a retirada das crianças do trabalho, condicionada à sua frequência regular à escola, assim como à chamada “jornada ampliada” no turno complementar.

Lançado em 1996, esse programa começou a operar em Mato Grosso do Sul, onde denúncias apontavam a existência de 2.500 crianças envolvidas na produção de carvão vegetal e vivendo em condições intoleráveis. Pouco depois, ele se estendeu aos Estados de Pernambuco e da Bahia, privilegiando, respectivamente, a zona canavieira e a região do sisal. Contemplando outras áreas e atividades, no ano 2000 o Programa já atendia a cerca de 140 mil crianças e adolescentes. Em 2001 houve um grande aumento e em 2002 esse número chegou a 810.769, beneficiando 2.590 municípios em todos os estados da Federação

Como a expansão desse Programa foi associada a uma sensibilização da opinião pública sobre os efeitos adversos da ocupação precoce e a uma ação mais incisiva dos órgãos de controle e fiscalização do trabalho no sentido da sua repressão, apesar das dificuldades e limitações apontadas por estudos como os de Souza e Souza (2003) ou de Carvalho (2004), ela contribuiu para uma redução muito expressiva da referida ocupação. Como a

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tabela 1 deixa patente, se em 1992 o percentual de meninos e meninas ocupados entre os 5-17 anos chegava a 19,5 %, esse número decresceu para 18,7% em 1995, 15,1% em 1999 e 12,6 em 2002, devendo ser ressaltado que foi entre 1999 e 2002 que o PETI teve a sua maior expansão.

Contudo, como as raízes do problema permaneceram praticamente intocadas, após esse período a queda tornou-se mais lenta e nem sempre continuada. A partir de 2005 a PNAD registrou um certo crescimento da mão de obra infantil em atividades informais, e no primeiro semestre de 2007 mais que dobrou o número de crianças encontradas pela fiscalização do Ministério do Trabalho ocupadas ilegalmente em pequenos negócios e empresas. Em 2008, apesar da proibição legal e das diversas medidas orientadas para reduzir essa condição, 4.451.226 crianças e adolescentes encontravam-se ocupados no Brasil, 35,5% em atividades agrícolas e 64,5% em atividades não agrícolas, representando, conforme a tabela apresentada, 10,2% da população entre os 5-17 anos. Essa proporção era ainda mais elevada no Nordeste e no Sul do país, assim como em estados menos desenvolvidos e/ou onde as atividades agropecuárias tinham um maior peso econômico, como o Maranhão, Piauí, Pernambuco, Alagoas, Bahia, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Ao que parece, os programas direcionados para o combate ao trabalho precoce já não têm o

mesmo efeito anterior, e, por isso, pode-se dizer como a Secretaria Executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil que “O cenário do Brasil no combate ao trabalho infantil é de estagnação. (Folha de São Paulo, 20 de março de 2008, Especial AC)”.

Como assinala Ferreira (2001), as condições de exercício do trabalho precoce têm sido analisadas por vários pesquisadores brasileiros. Com base em tabulações especiais da PNAD de 2008, Carvalho e Fernandes (2010), por exemplo, caracterizaram o perfil dos pequenos trabalhadores brasileiros e suas condições de ocupação, constatando que embora as crianças pequenas sejam mais poupadas, sua atividade pode começar antes dos 10 anos, principalmente nas áreas rurais, onde a maioria trabalha como auxiliar não remunerado de membros da família e na produção para o próprio consumo. A partir dos 10 anos essa participação se amplia, notadamente nas áreas urbanas, tornando-se mais significativa a partir dos 14 e, principalmente, entre os 16-17 anos, quando boa parte dos adolescentes das classes populares já se encontra ocupada ou à procura de trabalho.

A partir da especificidade desses pequenos trabalhadores, sua incorporação produtiva se efetua dentro de certos padrões. A ocupação dos meninos é superior à das meninas, mais requisitadas para auxiliar às mães (ou substitutas) nos afazeres

Total e Ocupados Total

Por Grupo de Idade

5 a 9 anos

10 a 13 anos

14 e 15

anos

16 e 17

anos

Total (em mil)

1992 42.895.432 16.741.225 13.792.072 6.367.890 5.994.245

1998 43.026.509 15.515.558 13.564.161 6.986.172 6.960.618

2002 43.761.657 16.528.545 13.211.249 7.004.428 7.017.435

2008 43.622.078 15.770.253 14.004.600 6.972.681 6.874.544

Ocupados (em mil)

1992 8.385.170 611.990 2.457.937 2.302.966 3.012.277

1998 6.641.516 395.263 1.735.037 1.770.199 2.741.017

2002 5.504.327 281.597 1.254.978 1.488.193 2.479.559

2008 4.451.226 140.115 851.799 1.152.856 2.306.456

% de ocupados no

total

1992 19,5 3,7 17,8 36,2 50,3

1998 15,4 2,5 12,8 25,3 39,4

2002 12,6 1,7 9,5 21,2 35,3

2008 10,2 0,9 6,1 16,5 33,6

Tabela 1 - Crianças e Adolescentes: Total e Ocupados – Brasil - 1992, 1998, 2002 e 2008

Fonte: INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD. Brasília, DF, 2005. Tabulações Especiais dos micro-dados, conforme Carvalho e Fernandes (2010, p. 8).

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domésticos, de acordo com a divisão sexual do trabalho e os valores relativos às questões de gênero que prevalecem na sociedade brasileira. E como seria de esperar, em decorrência das diferenças sociais associadas às características étnicas e das condições historicamente desfavoráveis da população não branca no Brasil, as crianças pertencentes a famílias que se autodeclararam como pretas ou pardas são mais intensamente afetadas pela inserção precoce no mundo do trabalho, representando 60,6% das crianças e adolescentes ocupados em 2008.

Como já foi mencionado e a Tabela 2 deixa evidente, as crianças de menor idade são incorporadas principalmente nas atividades agrícolas (onde se encontravam 73,4% dos ocupados entre os 5-9 anos e 58,5% entre os 10-13 anos), como auxiliares não remunerados de membros da unidade domiciliar ou trabalhadores para o próprio consumo, com uma jornada semanal de até 14 ou entre 15-24 horas, pois nessa fase sua frequência à escola é priorizada. Entre os 10-13 anos, contudo, isto começa a mudar. Cresce a vinculação a atividades não agrícolas, (que absorviam 63,7% entre os 14-15 e 75,7% entre os 16-17 anos), a frequência dos que trabalham na condição de empregados e, principalmente, a jornada de trabalho. Entre os 16-17 anos ela tende a se aproximar daquela comum entre os adultos ou até mesmo a superá-la, ainda que os ganhos não se elevem na mesma proporção2.

Ainda assim, a pobreza das suas famílias é tão acentuada, que nem sempre a contribuição

econômica dos pequenos trabalhadores pode ser considerada como desprezível. Analisando o perfil dessas famílias no Estado da Bahia, por exemplo, com base em tabulações especiais da PNAD de 2008, Carvalho e Fernandes (2010) constataram que entre as famílias mais pobres ou indigentes as crianças e adolescentes chegavam a ser responsáveis por 10 a 20% da sua renda total3.

Em contrapartida, porém, os pequenos trabalhadores ficam expostos a vários riscos, com prejuízos para a sua saúde, educação e desenvolvimento. No que tange à saúde, aqueles engajados em atividades agrícolas, por exemplo, ficam expostos aos efeitos nocivos da radiação solar, calor, umidade, picadas de animais peçonhentos, levantamento e transporte de peso excessivo, acidentes com instrumentos perfuro-corte-contusos, doenças respiratórias e contaminação com agrotóxicos. No comércio ambulante, uma das principais atividades das crianças e adolescentes em áreas urbanas, eles estão sujeitos ao levantamento e transporte de peso excessivo, manutenção de posturas inadequadas, movimentos repetitivos, exposição à radiação solar, calor, umidade e chuva, acidentes de trânsito, assédio sexual, drogas e violência. No trabalho doméstico, a fadiga, queimaduras, maus tratos e atraso no desenvolvimento físico, emocional e psíquico. Sendo fisicamente mais vulneráveis que os adultos, os pequenos trabalhadores ficam susceptíveis a várias lesões, doenças e prejuízos relacionados com o trabalho, como ferimentos, fraturas, queimaduras,

Tabela 2 - Crianças e adolescentes de 5 a 17 anos de idade ocupados, segundo a posição na ocupação* - Brasil, 1992, 1998, 2002 e 2008

Posição na ocupação Total Grupos etários

5 a 9 anos 10 a 13 anos 14 e 15 anos 16 e 17 anos

N % N % N % N % N %

Empregados e trabalhadores domésticos

1992 3.820.918 45,6 37.388 6,1 617.018 25,1 1.193.695 51,8 1.972.817 65,5

1998 2.885.303 43,4 27.330 6,8 303.862 17,5 792.713 44,8 1.761.398 64,3

2002 2.494.557 45,3 18.379 6,5 238.983 19,0 641.249 43,1 1.595.946 64,4

2008 2.296.379 51,6 6.557 4,6 164.103 19,3 559.234 48,5 1.566.485 67,9

Conta-própria e empregadores

1992 491.827 5,9 18.741 3,1 124.336 5,1 139.100 6,0 209.650 7,0

1998 374.370 5,6 10.154 2,5 90.158 5,2 106.768 6,0 167.290 6,1

2002 370.464 6,7 11.643 4,1 81.054 6,5 98.678 6,6 179.089 7,2

2008 300.162 6,7 5.244 3,7 41.099 4,8 84.162 7,3 169.657 7,4

Não remunerados

1992 3.508.897 41,8 435.416 70,9 1.461.233 59,4 873.528 37,9 738.720 24,5

1998 2.815.934 42,4 248.283 61,8 1.109.455 63,9 753.734 42,6 704.462 25,7

2002 2.251.562 40,9 199.255 70,1 796.259 63,4 645.374 43,4 610.674 24,6

2008 1.437.502 32,3 104.818 74,2 500.335 58,7 391.750 34,0 440.599 19,1

Trabalhadores na produção para o próprio

consumo e na construção para o

próprio uso

1992 565.381 6,7 122.298 19,9 255.350 10,4 96.643 4,2 91.090 3,0

1998 572.343 8,6 115.930 28,9 231.562 13,3 116.984 6,6 107.867 3,9

2002 390.232 7,1 54.808 19,3 138.682 11,1 102.892 6,9 93.850 3,8

2008 418.258

9,4 24.571

17,4 146.262

17,2 117.710

10,2 129.715

5,6

Fonte: INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD. Brasília, DF, 2005. Tabulações Especiais dos micro-dados, conforme Carvalho e Fernandes (2010, p. 17). * Percentuais calculados sobre o total da população ocupada entre os 5-17 anos.

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mutilações, doenças de pele, doenças respiratórias, dores nas costas e nos ombros, etc.

No que se refere à educação, cujo acesso é fundamental para o seu desenvolvimento, preparação para a vida adulta e perspectivas de futuro, crianças e adolescentes ocupados encontram no trabalho um significativo obstáculo ao ingresso, permanência e sucesso no sistema educacional. Como vislumbram para a geração sucessiva o que não conseguiram obter e o aumento da escolaridade dos filhos é parte da realização do seu papel de pais, ao inseri-los nas atividades produtivas os chefes das famílias em apreço normalmente levam em conta tanto a sua capacidade física como a necessidade de conciliar essa inserção com a frequência ao sistema elementar de ensino. Por isso 81,9% dos ocupados em 2008 também frequentavam a escola, e se a frequência era maior nas áreas urbanas que nas áreas rurais, é provável que isto se devesse tanto às exigências da ocupação quanto à carência de vagas e às características das escolas rurais, uma vez que as matrículas se reduziam tanto para os ocupados como para o conjunto de menores de 18 anos que residem nas referidas áreas.

Com a ampliação do sistema escolar, a expansão e as condicionalidades dos programas de transferência de renda (onde se inclui a frequência obrigatória à escola) e a elevação dos requisitos educacionais, as matrículas vêm se ampliando entre os pequenos trabalhadores, em todas as faixas etárias. Ela passou de 57,5% do total de ocupados em 1992 para 81,9% em 2008, elevando-

se especialmente na faixa dos 5-9 e dos 10-13 anos, quando chegou a respectivamente 96,4% e 96,2%, bem próxima da registrada entre os não ocupados. Mas os números deixam patente que à medida que a idade se eleva (e cresce o comprometimento com o mundo do trabalho) a permanência na escola se reduz, não indo além de 88,4% na faixa dos 14-15 e de 72,5 na de 16 e 17 anos, ou seja, mais de dez pontos percentuais abaixo da frequência observada entre as crianças e adolescentes que não trabalham.

Não se pode ignorar, também, as características do ensino público no Brasil, que, como se sabe, tem se mostrado incapaz de propiciar aos alunos a necessária aprendizagem e progressão. Embora a repetência, o atraso escolar daí decorrentes afetem a todos os matriculados, crianças e adolescentes que trabalham são especialmente penalizados pelos problemas em questão. Pertencendo a famílias pobres e com baixo capital cultural e tendo acesso a um ensino de má qualidade, que não atende às suas necessidades e expectativas, muitas vezes eles chegam à escola já cansados, ou não conseguem frequentá-la regularmente, como ocorre nos períodos de colheita nas áreas rurais, o que prejudica ainda mais a sua aprendizagem e contribui para aumentar as reprovações.

Como mostra a tabela 3, com o tempo e o acúmulo dessas reprovações ocorre uma defasagem escolar significativa. Em 2008, por exemplo, as crianças e adolescentes sem atraso representavam apenas 8,3% dos ocupados entre os 5-17 anos, contra 24,1% dos não ocupados. Na faixa dos 10-

Situação de atraso escolar

TotalGrupos elátricos

5 a 9 anos* 10 a 13 anos 14 e 15 anos 16 e 17 anosN % N % N % N % N %

Sem atraso escolar

1992 170.694 2,2 - - 59.708 2,4 47.646 2,1 63.340 2,11998 278.427 4,2 79.839 20,2 57149 3,3 55697 3,1 85742 3,12002 343.050 6,2 73.748 26,2 73.677 5,9 74.750 5,0 120.875 4,92008 370.240 8,3 31.858 22,7 82.005 9,6 90.494 7,8 165.883 7,2

1 ano de atraso

1992 557.123 7,2 - - 250.835 10,2 152.803 6,6 153.485 5,11998 908.663 13,7 142.746 36,1 251.908 14,5 231.787 13,1 282.222 10,32002 1.168.114 21,2 116.980 41,5 331.974 26,5 305.471 20,5 413.689 16,72008 1.182.259 26,6 53.731 38,3 219.164 25,7 314.655 27,3 594.709 25,8

2 ou 3 anos de atraso

1992 1.754.964 22,6 819.943 33,4 458.928 19,9 476.093 15,81998 1.915.785 28,8 172.678 43,7 619.418 35,7 461.448 26,1 662.241 24,22002 1.838.764 33,4 90.869 32,3 499.054 39,8 486.694 32,7 762.147 30,72008 1.559.546 35,0 54.526 38,9 374.749 44,0 384.012 33,3 746.259 32,4

4 ou 5 anos de atraso

1992 2.242.232 28,8 - - 877.271 35,7 750.480 32,6 614.481 20,41998 1.691.621 25,5 - - 591.613 34,1 497.113 28,1 602.895 22,02002 1.123.038 20,4 - - 275.108 21,9 362.669 24,4 485.261 19,62008 823.355 18,5 - - 148.422 17,4 248.612 21,6 426.321 18,5

6 anos ou mais de atraso

1992 3.048.167 39,2 - - 450.180 18,3 893.109 38,8 1.704.878 56,61998 1.847.020 27,8 - - 214.949 12,4 524.154 29,6 1.107.917 40,42002 1.031.361 18,7 - - 75.165 6,0 258.609 17,4 697.587 28,12008 515.826 11,6 - - 27.459 3,2 115.083 10,0 373.284 16,2

Tabela 3 - Crianças e adolescentes de 5 a 17 anos ocupados, segundo a situação de atraso escolarBrasil, 1992, 1998, 2002 e 2008

Fonte: INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD. Brasília, DF, 2005. Tabulações Especiais dos micro-dados, conforme Carvalho e Fernandes (2010, p. 29).* No ano de 1992, a variável "Anos de estudo" não foi calculada para as crianças de 5 a 9 anos.

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13 anos, 17,4% apresentavam um atraso escolar de 4 anos ou mais, quase o dobro dos não ocupados (10,2). Entre os 14-15 anos de idade os ocupados nessa condição somavam 21,6%, e na faixa dos 16 a 17 anos 18,5% dos ocupados se encontravam nessa situação. Esse atraso ocasiona um desestímulo que se soma ao cansaço, à ampliação das jornadas e do envolvimento com o mundo do trabalho, levando muitos a abandonar o sistema educacional com baixos níveis de escolaridade, comprometendo tanto o seu presente como o seu futuro. Com isto, conforma-se um círculo vicioso que contribui significativamente para a reprodução das desigualdades e da pobreza, com a persistência da ocupação precoce em termos intergeracionais.

3 A PERSISTÊNCIA DESSE TRABALHO

Como foi visto, para evitar esses danos e proteger a população infanto-juvenil a ocupação precoce foi legalmente proibida e passou a ser atacada através de diversos procedimentos, com efeitos que inicialmente foram bastante positivos. Mas ao se concentrar em setores como a agricultura de subsistência ou, no caso dos centros urbanos, em atividades de menor visibilidade e/ou mais difícil controle (a exemplo do serviço doméstico, do pequeno comércio ou da coleta de material para reciclagem), ela se tornou bem menos sensível às medidas que vêm sendo implementadas para combatê-la, como as pequenas transferências de renda efetuadas através do PETI ou uma maior fiscalização.

É claro que o referido Programa necessita ser mantido, expandido e aperfeiçoado, e a continuidade e o avanço da fiscalização e repressão sobre o trabalho precoce por parte dos órgãos governamentais competentes também são imprescindíveis. Entre outros aspectos porque o desenvolvimento desigual e combinado que caracteriza a economia e a sociedade brasileira tem levado à conformação de algumas cadeias produtivas em cujos extremos se encontram tanto modernas empresas nacionais e multinacionais, em setores como a produção de fumo, aço ou suco de laranja, como a exploração da mão de obra infanto-juvenil. Mas é preciso levar em conta que a relação entre pobreza e trabalho precoce não é tão simples e direta, nem sempre sendo possível quebrá-la através de pequenos estímulos econômicos que reduzam o chamado “custo de oportunidade” de manutenção das crianças fora das atividades produtivas, como alguns estudiosos parecem acreditar.

Como as raízes do trabalho precoce estão na desigualdade social, na concentração da propriedade da terra e da renda e na pobreza de um amplo contingente de brasileiros, sua utilização precisa ser compreendida a partir do padrão de organização de determinados setores da economia e das condições

de inserção produtiva de um grande contingente de trabalhadores, com impactos decisivos sobre as suas condições de vida e sobre seus valores e representações. Condições que impossibilitam o pleno cumprimento das suas responsabilidades pela subsistência da família, obrigando-os a se valer do esforço laboral conjunto dos seus componentes (sem excluir os mais jovens deles), da contribuição da aposentadoria dos membros mais idosos que conseguiram ter acesso a esse benefício, dos recursos a entidades e programas assistenciais e de outras estratégias para assegurar a sua manutenção.

É o caso dos ocupados na agroindústria canavieira, por exemplo, onde o pagamento de salários, comumente, por produção, intensifica a exploração de mão de obra, barateando o preço da força de trabalho e reduzindo o valor dos salários reais e, com isso, levando a ocupação dos filhos a se tornar parte das condições de existência desses trabalhadores, a ponto de obrigá-los a se responsabilizar pela sua inserção produtiva e até a escondê-la da fiscalização dos órgãos públicos. Ou de fumicultores do sul do país, cultura que demanda bastante mão de obra em todas as operações. Explorando pequenas propriedades subordinados à indústria do fumo (que fornece um pacote tecnológico e financiamento e compra da produção dos seus assistidos, terminando, com isto, praticamente por controlar o seu preço), assim como outros pequenos produtores rurais e urbanos, eles dependem de toda a família para assegurar essa produção, envolvendo os filhos nela desde muito cedo4.

Mas o trabalho precoce também está associado a outros determinantes, como a carência de uma rede de instituições e políticas sociais que apóiem efetivamente essas famílias na reprodução física e social dos seus filhos, ou o seu sistema de valores e representações. Muitas crianças começam a ser levadas muito cedo para o trabalho pelos pais, entre outros motivos pela carência de creches e outras instituições onde elas possam ser deixadas com proteção e segurança. E como o episódio relatado no parágrafo inicial do presente texto deixa patente, os valores e representações sobre a ocupação das crianças e adolescentes têm uma relevância significativa, embora a maioria dos estudiosos lhe conceda muito pouca atenção, limitando-se a assinalar que a frequência do trabalho precoce também é determinada por “fatores culturais”.

Na sua clássica teoria sobre a economia camponesa, porém, Chayanov já ressaltava a importância do trabalho familiar para a sua sustentação, e vários outros estudiosos têm analisado como a ocupação de crianças e adolescentes se insere nesse processo, não apenas como uma contribuição econômica mas, também, como um elemento essencial para a socialização e formação moral das novas gerações. Em pesquisa realizada em uma comunidade rural do semiárido

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baiano, por exemplo, Cardel (1996) observou como essa ocupação é valorizada a partir de uma dimensão moral, como um conjunto de regras e práticas orientadas para socializar os indivíduos para o trabalho desde a infância, pois a concepção da infância como um tempo de investimento para o futuro, dissociado da relação com a terra, não cabe na lógica da ética camponesa. Essa infância é vista, antes, como o momento da sua constituição para o trabalho, com a especificidade que este constitui uma “labuta” e labutar com a terra, desde pequeno, “é extenuar o corpo, calejar as mãos e os pés, forjar os membros do corpo como uma ferramenta para se tornar, quando adulto, um lavrador”. (CARDEL, 1996, p. 48)5.

Ademais, também é preciso levar em conta que a experiência histórica, a cultura e o autoritarismo social brasileiro condensaram uma malha de múltiplos preconceitos, estigmas e discriminações que atingem esses pequenos produtores e os trabalhadores desqualificados, de ocupação incerta e precária, associando a pobreza à delinquência, considerando aqueles por ela afetados como agentes da desordem e da violência e reclamando sobre eles a ação repressiva e punitiva do Estado. Tentando neutralizar esses estigmas, os trabalhadores em apreço procuram provar o tempo todo que conseguiram se salvar da poluição moral da pobreza, apesar da ocupação precoce ou do desemprego, dos salários insuficientes, das más condições de vida em geral. Nessas circunstâncias, o trabalho adquire um valor que ultrapassa a lógica do cálculo econômico, articulando-se também com o mundo da ordem e a moral do provedor, chefe de família, na medida em que

A honra, entre os pobres, não estando associada à posição social, vincula-se à virtude moral, como afirmação de si em face do olhar dos outros, sendo o trabalho um dos instrumentos fundamentais para afirmação pessoal e social. (SARTI, 1996, p. 68).

A partir desses valores e representações, as famílias procuram zelar pela integridade moral dos filhos, ensinando-os a respeitar os outros, a não roubar, a valorizar o trabalho e a vida familiar, preparando-os desde cedo para ocupar o seu lugar em uma sociedade bastante estratificada e autoritária, onde lhes são reservadas as funções mais subalternas. (FAUSTO; CERVINI, 1991; ZALUAR, 1994). Mas não é fácil transmitir aos filhos essas disposições, notadamente quando pais e mães frequentemente se afastam para trabalhar, os mecanismos tradicionais de socialização e controle se desmantelam e a carência de serviços públicos não provê a sua substituição. Além disso, a partir da trajetória dos pais e da sua própria experiência, os adolescentes podem questionar este projeto de vida

estruturado em torno da família e do trabalho, na medida em que este último lhes aparece como uma forma de servidão. Afinal, os postos ao seu alcance se caracterizam por serem duros, desinteressantes, mal pagos, sujeitos a longas jornadas e ao autoritarismo dos patrões.

Por isso, as famílias temem a sedução das ruas, das drogas, do dinheiro fácil mas perigoso e do envolvimento com a criminalidade, que tem levado milhares de jovens à prisão e à morte no Brasil, mas que podem lhes aparecer como a via possível para uma vida melhor em uma fase em que eles testam a construção de sua autonomia frente aos pais. Preocupadas em esconjurar esses riscos, elas tendem a encarar a ocupação precoce como uma forma de organizar o tempo dos filhos e colocá-los no “bom caminho”, mantendo-os longe das ruas, das más companhias, das drogas e da delinquência e desenvolvendo a sua disciplina, responsabilidade e ética no trabalho. Expressando esses valores e a divisão do trabalho que organiza a interdependência entre os membros das famílias pobres, onde todos, desde cedo, devem colaborar para a subsistência do grupo doméstico, a ocupação precoce acaba sendo considerada como algo virtuoso, conforme declarações obtidas por alguns estudos junto aos referidos trabalhadores sobre essa questão: [O trabalho] “tira os meninos da rua, tá aprendendo alguma coisa a mais e ainda ganha dinheiro”. (CARVALHO, 1995, p. 132). [Trabalha] “acho que está aprendendo, livra de estar na rua, brincando [...] o trabalho é muito bom”. (CARVALHO, 1995, p. 132). “Se já passou a quarta série já sabe o suficiente para por comida na mesa; além disso, aqui não é lugar de vagabundo”. (FERREIRA, 2001, p. 221). “O trabalho é uma distração para as crianças. Se não estiverem trabalhando, vão inventar moda”. (RIZZINI, 2007, p. 390).

Socializadas com esses valores, as crianças tendem a aceitar a inevitabilidade do seu trabalho como parte do compromisso de solidariedade familiar, inclusive porque a escola não consegue interessá-las e retê-las, como têm constatado alguns investigadores. Conversando com crianças ocupadas em uma grande feira livre de Salvador, por exemplo, Barros (2008, p. 91) ouviu deles que embora preferissem apenas brincar e estudar, “é bom trabalhar porque a mãe dá comida em casa, compra pão prá tomar café”. “Trabalhar é bom porque a pessoa tá precisando aí trabalha, é melhor que roubar, porque se a gente crescer vai ter que ser alguém na vida, né?”. “Trabalhar é melhor que roubar, do que ficar na malandragem, e trabalhar não, a gente arranja uma coisa melhor na vid”.

Para os adolescentes, além de constituir parte de suas obrigações como filho, o trabalho também é visto como afirmação da sua individualidade, abrindo a possibilidade de conquistar uma certa autonomia e de ter acesso a padrões de consumo

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e comportamentos que definem a própria identidade de “jovem” na sociedade contemporânea. Além disso, enquanto completar a escolaridade lhes parece algo distante e mais difícil (em decorrência da descontextualização da escola, da defasagem idade-série e do atraso acumulado), a inserção ocupacional constitui uma perspectiva mais concreta e imediata.

Nessas condições, o trabalho precoce constitui um fenômeno complexo, com determinantes que vão além de fatores de ordem econômica, envolvendo todo um conjunto de representações, valores e mecanismos de socialização dos filhos das classes populares. Pode-se dizer que para esses meninos e meninas as condições de existência das famílias transformaram a sua inserção produtiva no que Bourdieu denomina como um “habitus”. Ou seja, em um conjunto de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todas as experiências passadas, funciona, a cada momento, como uma matriz de percepções, de apreciações e de ações, para cuja mudança é necessário transformar as condições que levaram à sua conformaçãol. (BOURDIEU, 1994). A cena relatada no início desse texto, assim como as declarações de pais e de crianças nele reproduzidas, são bastante ilustrativas a esse respeito.

4 CONLCUSÃO

Por tudo isso, a eliminação do trabalho precoce precisa ser lastreada em mudanças econômicas e sociais muito profundas, envolvendo questões como o caráter desigual e combinado de desenvolvimento brasileiro, a estrutura de propriedade da terra, a geração de oportunidades de trabalho, emprego e renda capazes de reduzir a vulnerabilidade econômica das famílias pauperizadas e um avanço das políticas sociais. A constatação de que essas mudanças são difíceis, envolvendo lutas e conquistas sociais de mais longo prazo, porém, não significa que mais imediatamente não devam ser ampliados políticas e programas que desestimulem a inserção produtiva em apreço, resguardando o desenvolvimento físico e psíquico, a formação e o futuro dos meninos e meninas em discussão.

A fiscalização e repressão ao uso do seu trabalho precisam ser continuadas, avançando no sentido da identificação e atuação sobre as cadeias produtivas que o exploram em uma das pontas. O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil necessita ser ampliado e aperfeiçoado, não se confundindo com o Bolsa Família, mas mantendo as suas especificidades, notadamente no que diz respeito à Jornada Ampliada, cujo funcionamento continua a ser problemático e precário na maioria dos estados e municípios. Como demonstra a experiência desse Programa na região sisaleira baiana, o bom funcionamento dessa Jornada é fundamental não apenas para assegurar a retirada das crianças do

trabalho, como, também, para uma melhoria do seu rendimento escolar e um alargamento do seu capital cultural e de suas perspectivas de futuro.

Além disso, porém, parece urgente a implementação de programas especiais para atingir o “núcleo duro” do referido trabalho, a exemplo do que começou a ser feito no semiárido baiano, através de uma parceria entre a Organização Internacional do Trabalho e o governo estadual; a mobilização e atuação de órgãos públicos, organizações e atores que integram o sistema de garantias dos direitos à infância e à adolescência ou operam na área da promoção e da assistência social para o desenvolvimento de um conjunto de ações solidárias e integradas, evitando a sua fragmentação e desarticulação e ampliando a sua eficácia.

Merecem destaque, entre essas ações, providências destinadas à melhoria do ensino público (cuja contribuição atual para o abandono da escola e a inserção nas atividades produtivas já foi mencionada), de forma a torná-lo mais atrativo e eficiente e a enfrentar os problemas da repetência, do atraso e da evasão; uma atuação continuada junto às famílias sobre os efeitos negativos do trabalho precoce e a importância de prolongar a escolarização dos filhos, que somada a políticas governamentais para uma melhoria das condições de vida dessas famílias possa contribuir para uma mudança do “habitus” assinalado; e como intervenções dessa ordem supõem um conhecimento mais aprofundado das condições de subsistência das famílias pauperizadas e dos determinantes do trabalho precoce na sociedade brasileira, um aumento dos estudos e pesquisas com essa orientação.

REFERÊNCIAS

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471ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O TRABALHO PRECOCE NO BRASIL

R. Pol. Públ., São Luís, v.16, n.2, p. 463-472, jul./dez. 2012

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ZALUAR, Alba. A máquina e a revolta: as organizações populares e o significado de pobreza. São Paulo: Brasiliense, 1994.

Notas

1 Como nas sociedades modernas a infância é considerada como uma fase lúdica, de preparação para a vida e responsabilidades adultas (Ariés, 1998), e a legislação brasileira proíbe o seu exercício antes dos 16 anos, procurando assegurar o direito à profissionalização e proteger a ocupação dos aprendizes, o trabalho das crianças e adolescentes é avaliado e denominado como precoce no presente texto.

2 Entre os 14-15 anos 35,8% dos adolescentes trabalhavam na condição de empregados e entre os 16-17 anos essa frequência se elevava a 53,1%. Com uma jornada igual ou superior e 40 horas encontravam-se 20% dos ocupados entre os 14-15 anos e 45,5% daqueles entre 16-17 anos. Apesar disso, apenas 3,4% e 15,9% no segundo desses grupos declararam ganho iguais ou ligeiramente superiores a um salário mínimo mensal.

3 Como diversos estudos tem constatado, as meninas e meninos precocemente ocupados geralmente pertencem a famílias de pequenos produtores rurais, muitas vezes obrigados a trabalhar “de ganho” em outras propriedades para complementar os seus baixíssimos rendimentos; de trabalhadores rurais expulsos das propriedades para as periferias urbanas do interior e transformados em assalariados temporários da agro-pecuária típica de cada região e daqueles que se encontram na base da pirâmide do mercado de trabalho urbano (como trabalhadores não qualificados da construção civil, empregadas domésticas, vendedores ambulantes ou catadores de sucata) ou desempregados, com rendimentos irrisórios ou inexistentes.

4 Como as características de agricultura familiar são relativamente diferenciadas, de acordo com a situação dos pais as condições das crianças ocupadas nessas propriedades também podem variar. Em algumas áreas e propriedades elas são mais poupadas, reduzem as atividades no período das aulas, se alimentam e se vestem adequadamente e possuem alguma forma de lazer. Mas em outras os meninos e meninas pegam um trabalho mais duro e cansativo, tem condições de vida bastante precárias, são mais expostas a riscos (como o contacto com agrotóxicos) e podem até abandonar a escola por exigências da ocupação. Ver a esse respeito Huzack e Azevedo, 1994, Neves (1999 e 2004) e Rizzini (2007).

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472 Inaiá Maria Moreira de Carvalho

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5 Como ressalta a autora, isto termina impedindo que a maioria dessas crianças, forçada a migrar quando jovens ou adultos (até mesmo pela impossibilidade de uma maior fragmentação da propriedade familiar), adquiram o capital cultural e simbólico necessário para uma melhor integração no mercado de trabalho urbano, contribuindo para a persistência da pobreza tanto entre os que ficam como entre os que saem da terra.

Inaiá Maria Moreira de CarvalhoSociólogaDoutora em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP)Professora do Mestrado em Políticas Sociais e Cidadania da Universidade Católica do Salvador e professora colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal da Bahia (UFBA)E-mail: [email protected]

Universidade Federal da Bahia - UFBAFaculdade de Filosofia e Ciências Humanas - UFBA - Estrada de São Lázaro, 197, Federação, Salvador, BA - Brasil CEP: 40.210-730

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473CINEMA: uma forma de reflexão filosófica

R. Pol. Públ., São Luís, v.16, n.2, p. 473-479, jul./dez. 2012

CINEMA: uma forma de reflexão filosófica

Tânia Mara De BastianiInstituto Federal Farroupilha (IFFarroupilha)

Simone Becher Araujo MoraesUniversidade Federal de Santa Maria (UFSM)

CINEMA: uma forma de reflexão filosóficaResumo: O ensino de filosofia é obrigatório. Partindo dessa realidade, este trabalho aborda o histórico de luta da disciplina dentro do currículo escolar do Ensino Médio – da primeira lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) até a lei 11.684 de 2008 – e a importância do cinema como prática pedagógica através da obra de Cabrera (2006), “O cinema Pensa”. Destaca duas formas de desenvolvimento da reflexão filosófica: o conceito-ideia e o conceito-imagem para, em seguida, fazer uma análise do filme O cheiro do ralo (2007), verificando como o conceito de fetichismo da mercadoria pode ser abordado através dele e, em que medida as proposições de Cabrera aplicam-se, ou não, ao filme em questão. Assim, este trabalho reconhece que não basta que a disciplina filosofia seja obrigatória; é preciso garantir que ela seja ensinada efetivamente e de modo significativo, sendo o cinema uma alternativa. Palavras-chave: Ensino de filosofia, cinema, conceito-ideia, conceito-imagem.

CINEMA: a way of philosophical reflectionAbstract: Teaching Philosophy is mandatory. For this reason, this work is about the struggle for teaching Philosophy in High School – relying on the national statute of education called “Primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)” and the Law 11.684 of 2008 - and the importance of cinema as a pedagogical practice through the work of Cabrera (2006) “O Cinema Pensa”. This work highlights two shapes of developing philosophical reflection: the concept-idea and concept-image in order to, thereafter, make an analysis of the film “O cheiro do ralo” (2007), checking how the concept of commodity fetishism can be approached through it, and to what extent Cabrera propositions apply to the referenced film or not. Finally, this work recognizes that not only the inclusion of Philosophy teaching in schools are important but we must guarantee its effectiveness and a good performance, being cinema an alternative.Key words: Philosophy teaching, cinema, concept-idea, concept-image.

Recebido em: 09.05.2012. Aprovado em: 22.10.2012.

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474 Tânia Mara De Bastiani, Simone Becher Araujo Moraes

R. Pol. Públ., São Luís, v.16, n.2, p. 473-479, jul./dez. 2012

1 INTRODUÇÃO

Pensar hoje em dia práticas pedagógicas que possibilitem ao educador uma proximidade maior ao universo cultural dos jovens, requer, além de outras coisas, uma exploração adequada dos meios audiovisuais nos quais esses estão cotidianamente imersos. Assim, do ponto de vista do ensino de filosofia, isso quer dizer que o educador deve se perguntar como é possível (se é que é possível) aproximar os jovens educandos ao universo de reflexão filosófica através da utilização dos meios audiovisuais, bem como em que medida esses meios se relacionam com a própria produção filosófica.

Dentre os meios audiovisuais existentes, um dos que mais chama a atenção é o cinema, pois além de conter uma grande dimensão reflexiva, ainda vai ao encontro da cultura juvenil1. Assim, resgatar a dimensão filosófica da produção cinematográfica é um desafio para todo educador que busque explorar novas práticas pedagógicas. Desta forma, este artigo tem por objetivo fazer um levantamento bibliográfico do Ensino de Filosofia no Brasil, assim como uma análise bibliográfica do livro O cinema pensa, de Julio Cabrera (2006), buscando, através da concepção de conceito-imagem, desenvolver uma reflexão sobre como trabalhar o conceito de fetichismo da mercadoria através do filme O cheiro do ralo (2007).

2 ENSINO DE FILOSOFIA NO BRASIL

A disciplina filosofia está presente dentro do currículo do ensino médio. Porém, para que se tornasse obrigatória, traçou um longo caminho de luta e resistência teórica para comprovar sua importância. Hoje o grande desafio está em torná-la significativa para seus aprendizes, ou seja, os jovens de nível médio.

A primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) é de 1961; com ela, a filosofia passou de disciplina obrigatória para disciplina complementar. O caráter de complementaridade significa que ela poderia ser escolhida, entre outras disciplinas também complementares, para preencher a grade curricular exigida pela LDB.

Com o golpe militar de 1964, a filosofia tornou-se, segundo Horn (2000, p. 27) “uma mera disciplina optativa, com sua presença na grade curricular passando a depender da direção do estabelecimento de ensino, representando, do ponto de vista de seu ensino, um claro retrocesso”. Começou a haver o processo de supressão da filosofia dos currículos escolares. Houve neste período a substituição da reflexão filosófica pela “ordem e progresso” através da criação das disciplinas de Educação Moral e Cívica no Ensino Médio.

Ainda dentro do regime militar, houve a

Reforma do Ensino Básico (Lei nº 5692/71). Para Horn (2000, p. 28), esta lei “intermediou o despojamento da formação da massa critica no país, também reduzindo a carga horária de outras matérias que instigam a reflexão, como história”. Com isto, a filosofia ficou fora dos currículos, pois segundo a ideologia política da época, pensava-se que esta disciplina nada teria a acrescentar a uma educação que tinha como meta principal o preparo para o ingresso no mundo do trabalho, através, principalmente, da “formação básica profissionalizante”. Em 1972, com o parecer do Conselho Federal de Educação, o ensino de filosofia passou a ser facultativo nos currículos das escolas de Ensino Médio, ficando a cargo das próprias escolas ministrá-lo ou não.

Em 1982, através do parecer do Conselho Federal de Educação, a filosofia passou a fazer parte do elenco das disciplinas do núcleo diversificado do currículo. Por isto surgiram, em 1983, dois manifestos. O primeiro é conhecido como “Documento de Campinas”, e foi elaborado no encontro realizado na Puc-Campinas intitulado “A volta da filosofia ao 2º Grau”. O segundo documento foi uma carta enviada pelo Departamento de Filosofia da USP ao então secretário da Educação, Paulo de Tarso Santo, reivindicando a volta da disciplina de filosofia no Ensino Médio. Em 1984, uma nova legislação permitiu que a filosofia pudesse ser incluída nos currículos, porém, como disciplina opcional.

Com a LDB vigente, as disciplinas de filosofia e de sociologia foram consideradas áreas de conhecimentos fundamentais para os estudantes do Ensino Médio, porém, não foram consideradas disciplinas obrigatórias. Segundo o artigo 36, parágrafo 1º, Inciso III, ao final do Ensino Médio o educando deve demonstrar “domínio dos conhecimentos de filosofia e de sociologia necessários ao exercício da cidadania”. (BRASIL, 2008). Essa lei não sustenta, no entanto, que a competência para desenvolver essa atividade seja exclusividade de disciplinas chamadas filosofia e sociologia. Mas, pelo contrário, encarrega a todas as disciplinas do currículo a responsabilidade de fazer com que o educando, ao final do ensino médio, demonstre conhecimentos filosóficos e sociológicos. Para Horn (2000, p. 29)

A lei não caracterizou objetivamente sua obrigatoriedade no currículo, ficando novamente na condição de disciplina complementar, podendo ser ofertada ou não pela direção da escola dentro do quadro de preenchimento de 25% com disciplinas optativas.

Finalmente, após tanta luta para que a

disciplina filosofia se tornasse obrigatória no ensino médio, sua inclusão no currículo consegue uma vitória através da Resolução CNE/CEB nº 4/2006. De

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acordo com ela, no caso de escolas que adotarem, no todo ou em parte, organização curricular estruturada por disciplinas, deverá ser incluída a disciplina de filosofia, exigindo, assim, aos currículos de ensino médio se adequar a esta disposição, tendo para isto o prazo de um ano.

Passado o tempo estipulado para que as escolas se adequassem, é sancionada, em 2008, a lei 11.684 em revogação ao artigo 36, parágrafo 1º, Inciso III da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Assim, a lei 11.684/08

Altera o art. 36 da Lei nº 9.394, de 20/12/96, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir a Filosofia e a Sociologia como disciplinas obrigatórias nos currículos do ensino médio.O VICE - PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no exercício do cargo de PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º O art. 36 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar com as seguintes alterações:

Artigo 36. [...]V - serão incluídas a Filosofia e a Sociologia como disciplinas obrigatórias em todas as séries do ensino médio. § 1º [...] III - (revogado).[...]" (NR)

Art. 2º Fica revogado o inciso III do § 1º do art. 36 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.

Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 2 de junho de 2008; 187º da Independência e 120º da República. (BRASIL, 2008).

O professor Silvio Gallo (UNICAMP), em entrevista à seção “Filosofia na Escola” da Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia (ANPOF), ao ser questionado sobre a lei 11. 684/08 afirma

Se a obrigatoriedade é fruto de uma luta que começou na década de 1970 e teve muitos momentos distintos, é também verdade que se a Filosofia não se consolidar como disciplina na educação média poderá ser retirada novamente, com uma “canetada” qualquer. Se a mobilização e a luta para sua inclusão foram grandes, penso que o trabalho agora é ainda maior, pois temos que garantir que a Filosofia seja ensinada efetivamente e o seja de modo

significativo. Se não conseguirmos provar, com um bom trabalho que a Filosofia é uma contribuição importante para a formação dos jovens brasileiros, ela será retirada. E aí talvez não tenha volta possível [...]. (GALLO, 2012).

Portanto, para os que não fizeram parte da luta pela inclusão da disciplina filosofia, no Ensino Médio, a lei de obrigatoriedade de seu ensino pode ser apenas mais uma. No entanto, para quem há anos lutava pela obrigatoriedade do Ensino de Filosofia, tal lei passa a ser o início de uma nova luta: garantir que a referida disciplina seja ensinada efetivamente e o seja de modo significativo, conforme sugerido por Sílvio Gallo.

3 A FILOSOFIA ESTÁ PRESA À ESCRITA?

Quando pensamos na produção filosófica, nos vem quase que automaticamente a imagem de um grande pensador debruçado em sua mesa de estudo escrevendo uma grande obra que influenciou ou influenciará significativamente a humanidade. Em outras palavras, pensamos que a escrita é o meio pelo qual se dá a produção e reflexão filosófica, isto é, a escrita seria o meio necessário e adequado para o desenvolvimento da filosofia, sendo que todas as outras formas de reflexão seriam apenas meios ilustrativos que serviriam de apoio a uma melhor compreensão dos textos de filosofia, não sendo, portanto, capazes de por si mesmos desenvolverem uma reflexão filosófica. Além disso, outra coisa também nos vem à mente quando pensamos na produção dos textos filosóficos, que esses devem ter uma estrutura racional-discursiva adequada, devem possuir uma necessária seriedade e um indispensável afastamento de todo sentimentalismo, pois esse seria uma espécie de antagonista essencial da racionalidade, isto é, um inimigo a ser abatido a todo o momento.

Foi justamente buscando questionar estes pressupostos do senso comum, que Cabreira se põe a pensar acerca das formas de desenvolvimento da reflexão filosófica, apontando que esta não possui apenas um único meio de desenvolvimento, como pode ser percebido claramente na tradição filosófica que se inicia com diálogos de Platão e vai até o desenvolvimento de algumas Cartas filosóficas. Além disso, Cabrera ainda fala da sua inserção ao universo da filosofia que, segundo ele, deu-se não através dos textos ditos filosóficos, mas através da literatura, pois, de acordo com o autor, essa permite uma forma diferenciada de inserção e assimilação das questões propriamente filosóficas, pois se dão não através da racionalidade discursiva, mas da afetação sentimental carregada de subjetividade, fazendo com que o leitor adentre na reflexão filosófica a partir da ideia do pertencimento, ou seja, reconhecendo-se como um sujeito em questão da

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problemática elencada. Partindo desta reflexão, Cabrera propõe-se a

discutir duas formas diferenciadas de produção de conceitos: uma que ele designou de conceito-ideia, tradicionalmente desenvolvida pela filosofia que se nos é apresentada pelos bancos acadêmicos, e outra, que ele chamou de conceito-imagem, isto é, conceitos que aparentemente seriam não filosóficos, pois não teriam sido produzidos por filósofos propriamente ditos, ou seja, profissionais. No que diz respeito à nossa compreensão do que Cabrera quer designar como conceito-ideia, devemos pensar na racionalidade discursiva que busca o alcance da verdade através da universalização das suas proposições, tal qual a tradição dos textos filosóficos vem se desenvolvendo, isto é, uma discursividade ancorada na lógica que se fundamenta no princípio de não contradição, enquanto o conceito-imagem seria uma forma de produção reflexiva que estaria firmada não em cima da busca incessante pela verdade, mas por uma forma específica de alcance da universalidade, qual seja, a de que um caso particular pudesse ser apreendido de tal forma que aquele que se vê de frente a um conceito-imagem possa pensar “isto poderia acontecer comigo também”, isto é, diferente do conceito-ideia que está voltado para a universalidade de tal forma que ela se aplique a todos os casos particulares; o conceito-imagem parte de uma particularidade que pode ser reconhecida dentro de uma universalidade possível.

4 CONCEITO-IMAGEM, CINEMA E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS

Ao afirmar a validade do conceito-imagem para a produção filosófica, Cabrera (2006, p. 7) afirma que “a filosofia não deveria ser considerada algo perfeitamente definido antes do cinema, mas sim algo que poderia modificar-se com esse surgimento”, pois o cinema instaura uma forma de reflexão capaz de causar grande impacto emocional, pois ele não apenas congrega imagem, som, movimento e discursividade, mas ainda agrega a possibilidade de rompimento das barreiras do real, já que é capaz de instaurar formas de ser e de viver completamente distintas daquilo que vivenciamos, ou seja, nos permite extrapolar os limites da reflexão cotidiana – para percebermos isso basta pensarmos em filmes como Matrix (1999) e 2001: uma odisséia no espaço (1968).

Todavia, ressalta o autor, os conceitos-imagens apresentados nos filmes não podem ser visto como tais a menos que

Nos disponhamos a ler o filme filosoficamente, isto é, a tratá-lo como um objeto conceitual, como um conceito visual e um movimento. Ou seja, devemos impor a pretensão de verdade e universalidade em nossa leitura do

filme, quer o diretor tenha proposto isto ou não. (CABRERA, 2006, p. 45)

Tendo em vista o que foi dito acima, de que um filme não é filosófico em si, mas dependente de nossa apreensão, isto é, depende que nos disponhamos a lê-lo filosoficamente, podemos dizer que as situações expostas nos filmes são, de certa forma, semelhantes às proposições da filosofia escrita, pois nos apresentam elementos conceituais indispensáveis à reflexão filosófica. Assim diz Cabrera (2006, p. 19-20):

As situações congregam todo tipo de elementos, objetos, pessoas, espaços, ruídos e silêncios, e todos eles são elementos conceituais. Nesse sentido, sustento que as situações afirmam algo, como as proposições, só que por meio de outro tipo de dispositivo.

Tendo nos apercebido da importância do cinema para o desenvolvimento de uma forma de reflexão filosófica, e, levando em conta que a cultura juvenil é fortemente marcada pelo impacto da influência audiovisual, temos de reconhecer que o cinema se constitui em uma importante ferramenta pedagógica capaz de aproximar os educandos do universo da filosofia, pois os convida a participar da reflexão primeiramente através do impacto emotivo para, posteriormente, buscar desenvolver outra forma de reflexão filosófica, fundada na racionalidade discursiva. Além disso, a utilização do cinema tem a importante função de buscar fazer com que a escola saia de seu “estado de inércia, de degradação, de prisão e ‘quebrar as armadilhas’ que impeçam a possibilidade de se ter momentos de aprendizagens prazerosas” (NETO, 2012), fazendo com que o espaço de sala de aula seja importante e significativo para a vida do educando.

5 O DESENVOLVIMENTO DO CONCEITO DE FETICHISMO DA MERCADORIA NO FILME O CHEIRO DO RALO

De acordo com o que vínhamos expondo até aqui, o cinema não é apenas uma maneira de ilustrar de forma imagética alguns conceitos produzidos pela escrita filosófica, mas também é uma forma bastante peculiar de produção de conceitos (desde que nos disponhamos a lê-los como tais). Partindo desse pressuposto, podemos fazer uma análise do filme O cheiro do ralo como uma espécie de complementação ao conceito de fetichismo da mercadoria tal qual foi desenvolvimento por Marx (1982).

Segundo Marx, quando observamos o processo de circulação de mercadorias, nós costumamos ver as mercadorias como algo relativamente simples, pois as vemos como coisas que satisfazem certas necessidades daqueles que

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as adquirem. Por exemplo, quem compra um pão, o vê como uma coisa capaz de saciar a fome e que possui um gosto específico, assim como quem compra uma roupa a vê como uma coisa capaz de saciar uma necessidade estética (ou qualquer outra necessidade, dependendo do sujeito). Assim, conclui Marx, a mercadoria, do ponto de vista do seu valor de uso, é algo realmente simples, isto é, sacia alguma necessidade. Todavia, Marx afirma que, ainda assim, a mercadoria é uma coisa bastante misteriosa, mistério esse que não deriva do seu valor de uso, mas da própria forma mesma da mercadoria. Mas o que seria a forma mesma da mercadoria? Segundo ele, a mercadoria seria algo que possui ao mesmo tempo um valor de uso e um valor (expresso sob a forma de valor de troca – expressão essa que se dá geralmente sob a forma dinheiro). Ao se perguntar sobre a origem do valor da mercadoria, Marx, apoiado nos clássicos da economia política, chega à conclusão de que o trabalho é o único elemento presente em todas as formas de mercadorias e que, portanto, o trabalho é o único elemento capaz de produzir valor, o que significa, então, que é o humano que se apresenta sob a forma mercadoria.

O que significa, então, dizer que a forma mesma da mercadoria é misteriosa? Segundo Marx, a mercadoria é misteriosa porque quando nós a compramos fazemos isso pelo fato de a percebemos como uma coisa simplesmente dotada de valor de uso, isto é, a mercadoria quando entra no processo de circulação não traz inscrita em si as diversas relações humanas que a produziu, pelo contrário, essas se apagam, ou melhor, apresentam-se apenas sob a forma de preço. Dito de outra forma, o humano não é visível na mercadoria. E é a esse processo de apagamento do humano na forma mercadoria, de apagamento da própria história contida na mercadoria, que Marx designa de fetichismo da mercadoria.

Ao observarmos essa formulação de Marx acerca do fetichismo da mercadoria, buscando relacioná-lo com o filme O cheiro do ralo, podemos perceber claramente (desde que leiamos o filme filosoficamente) que esse complementa de forma bastante original o conceito marxiano de fetichismo da mercadoria.

O filme O cheiro do ralo conta a história de Lourenço (Selton Mello), dono de uma loja de compra e venda de objetos usados. Durante o processo de compra desses objetos, Lourenço vê-se a todo o momento numa situação de conflito de interesses com aqueles que querem vender os objetos a ele, pois na maior parte das vezes, aqueles que estão tentando vender não querem, na verdade, se desfazer de seus bens e só decidem fazê-lo, porque estão passando por sérias dificuldades financeiras.

Lourenço não tem necessidade imediata daquilo que compra, pois está em uma confortável

situação financeira. Assim, aqueles que estão tentando vender seus bens, querem vendê-los pelo preço mais digno possível (isto é, mais alto possível), enquanto Lourenço tenta pagar o preço mais baixo possível; e como nessa situação sempre vence aquele que é o mais forte (ou seja, o menos necessitado), Lourenço sempre compra os objetos pelo menor preço.

Todavia, mesmo que na maior parte das vezes consiga ganhar a disputa com os seus vendedores, Lourenço não consegue fazer com que esses parem de tentar persuadi-lo a comprar os objetos por um preço mais alto e, pior ainda, não consegue fazer com que eles abandonem a forma de argumentação que sempre usam, isto é, contar a história que aqueles bens carregam e as relações afetivas que as pessoas desenvolveram através da mediação daqueles objetos (por exemplo, “essa caixinha de música pertencia a minha mãe [...]”).

Ao longo do filme, Lourenço, que no início se apresentava de forma bastante tranquila, começa aos poucos a ficar cada vez mais perturbado até praticamente “enlouquecer”, pois ele não aguentava mais comprar as histórias das pessoas; ele queria apenas comprar coisas e vender coisas, ele queria que todo o humano se apagasse daquilo que ele estava comprando, para ver apenas objetos.

Aqui chegamos ao ponto em que podemos dizer que o filme O cheiro do ralo complementa algo daquilo que Marx designou de fetichismo da mercadoria, ou seja, aquilo que Marx não desenvolveu e que o filme desenvolve. Isto é, o fato de que o fetichismo da mercadoria não é apenas o processo de coisificação das relações humanas, de apagamento do elemento humano nas mercadorias, mas é também um processo indispensável ao movimento de circulação das mercadorias, pois, como podemos perceber no filme, Lourenço “enlouquece”, entre outras coisas, porque ele não consegue entrar na relação de compra e venda de forma fetichizada, isto é, ele não consegue comprar simplesmente coisas, ele está a todo o momento comprando histórias de pessoas, comprando o sofrimento das pessoas, pois tudo que ele compra está sendo reivindicado pelos vendedores em seus valores humanos. Assim, ao lermos filosoficamente O cheiro do ralo podemos perceber a angústia de Lourenço diante da desfetichização das relações humanas sob a forma de relações capitalistas.

6 CONCLUSÃO

De acordo com o que esse artigo tentou evidenciar, fundamentado em Cabrera, o cinema é uma ferramenta contemporânea muito importante para o desenvolvimento da reflexão filosófica, já que ele está muitas vezes carregado de conceitos-imagem que não poderiam ser experimentados com tanta intensidade em outros formatos. Todavia,

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como ressaltamos anteriormente, é preciso compreender que os filmes não são filosóficos em si, mas dependentes da forma de recepção dos espectadores que devem ser capazes de lê-los filosoficamente. Isso quer dizer, em outras palavras, que um filme só pode tornar-se filosófico se o espectador souber ler filosoficamente.

Mas o que significa saber ler filosoficamente? Significa que o espectador deve, pelo menos, já ter tido alguma vez um contato com uma espécie de reflexão filosófica (o que não quer dizer que esse contato deva ter se dado em sala de aula), isto é, o espectador deve já ter tido alguma experiência reflexiva que o leve a não aceitar de imediato a realidade como algo dado, como algo a ser simplesmente assimilado, pelo contrário, ele deve buscar romper a barreira aparencial e ir em direção daquilo que está escondido na aparência, ou seja, ir em direção à essência da coisa, questionar seus fundamentos, sua validade, sua veracidade, etc. Dito de outra maneira, o espectador deve desenvolver uma atitude critico-questionadora, ou, simplesmente, uma atitude filosófica. (CERLETTI, 2008).

Assim, do ponto de vista de um educador em filosofia, isso significa que a utilização do cinema como prática pedagógica pode ser muito importante, desde que os educandos já tenham experimentado e, em certa medida, desenvolvido uma atitude questionadora, uma atitude filosófica, atitude essa que já deve ter sido estimulada pelo educador; caso contrário, a utilização do cinema estará apenas vinculada a um momento de lazer completamente descolado da filosofia.

REFERÊNCIAS

2001: uma odisséia no espaço. Direção de Stanley Kubrick. EUA: Warner Home Video, 1968.

BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Lei 11.684, de 2 junho de 2008. Lei que altera o art. 36 da Lei nº 9.394, de 20/12/96. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir a Filosofia e a Sociologia como disciplinas obrigatórias nos currículos do ensino médio. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Legislativo, Brasília, DF, 3 jun. 2008. Disponível em: <http://www.deloitte.com.br/publicacoes/2008all/062008/Diversos/lei11684.pdf > Acesso em: 28 mar. 2012.

BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN). Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Legislativo, Brasília, DF, 1996.

CABRERA, Julio. O cinema pensa: uma introdução

à filosofia através dos filmes. Rio de Janeiro: Rocco, 2006.

CERLETTI, Alejandro. O ensino de filosofia como problema filosófico. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2008.

GALLO, Silvio. Entrevista à seção Filosofia na Escola da Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia (ANPOF). Disponível em: <http://anpof.org.br/spip.php?article118>. Acesso em: 27 mar. 2012.

HORN, Geraldo B. A presença da filosofia no currículo do Ensino Médio brasileiro: uma perspectiva histórica. In: GALLO, Sílvio; KOHAN, Walter O. (Orgs.). Filosofia no ensino médio. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.

MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. São Paulo: Difel, 1982. Livro 1, v. 1.

MATRIX. Direção de Andy Wachowski e Larry Wachowski. Austrália, EUA: Waner Bros. Pictures, 1999. 136 min.

NETO, Armindo Quillici. O cinema como suporte para o entendimento da filosofia. Disponível em:<http://alb.com.br/arquivo-morto/edicoes_anteriores/anais16/sem05pdf/sm05ss04_08.pdf >. Acesso em: 7 fev. 2012.

O CHEIRO do ralo. Direção de Heitor Dhalia. Brasil, 2007. 112 min.

PAIS, José M. Culturas juvenis. Lisboa: Imprensa Nacio-nal: Casa da Moeda, 1993.

Nota

1 Cultura juvenil é entendida como “o sistema de valores socialmente atribuídos à juventude (tomada como conjunto referido a uma fase de vida), isto é, valores a que aderirão jovens de diferentes meios e condições de vida” (PAIS, 1993, p. 54).

Tânia Mara De BastianiFilosofaMestranda em Educação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)Professora do Instituto Federal Farroupilha, campus Alegrete (IFFarroupilha)E-mail: [email protected]

Simone Becher Araujo MoraesFilosofaMestranda em Educação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) E-mail: [email protected]

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479CINEMA: uma forma de reflexão filosófica

R. Pol. Públ., São Luís, v.16, n.2, p. 473-479, jul./dez. 2012

Instituto Federal FarroupilhaRua Esmeralda, 430 - Faixa Nova - Camobi - Santa Maria - Rio Grande do Sul. CEP 97110-767

Universidade Federal de Santa Maria - UFSMAv. Roraima nº 1000 - Cidade Universitária - Bairro Camobi - Santa Maria – RSCEP: 97105-900

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481DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE: o embate teórico e o direito à saúde1

R. Pol. Públ., São Luís, v.16, n.2, p. 481-491, jul./dez. 2012

DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE: o embate teórico e o direito à saúde1

Vera Maria Ribeiro NogueiraUniversidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE: o embate teórico e o direito à saúdeResumo: Este texto debate as tensões existentes entre duas perspectivas interpretativas sobre os determinantes sociais da saúde e evidencia, no âmbito da ação profissional, o impacto na garantia e na expansão do direito à saúde em decorrência da adoção de uma ou de outra perspectiva. Para tanto, refaz a trajetória histórica e teórica dos determinantes sociais, contextualiza o debate acerca do tema, apresenta os aspectos conceituais e as divergências centrais entre a posição considerada herdeira do modelo epidemiológico norte-americano e a posição construída a partir da epidemiologia social latino-americana. Conclui destacando desafios e possibilidades às Unidades de Ensino de Serviço Social visando uma formação acadêmica qualificada, tanto para a intervenção quanto para as análises referentes as interfaces entre o Serviço Social e a área da saúde. Palavras-chave: Determinantes sociais da saúde, direito à saúde, política de saúde, ação profissional.

SOCIAL DETERMINANTS IN HEALTHCARE: the theoretical debate and the right to healthcareAbstract: This text debates the tensions between two interpretative perspectives about social determinants in healthcare found in the realm of professional action, the impact on guarantees to and expansion of the right to healthcare due to the adoption of one or the other. The study retraces the historic and theoretical trajectory of social determinants, contextualizes the debate about the issue, presents the conceptual factors and the central disagreements between the position considered to be inherited from the U.S. epidemiological model and the position constructed from Latin American social epidemiology. It concludes by highlighting the challenges and opportunities for social service schools in providing qualified academic education for both interventions as well as for analyses about the relationship between social service and healthcare.Key words: Social determinants of healthcare, right to healthcare, healthcare policy, professional action.

Recebido em: 04.04.2012. Aprovado em: 22.10.2012.

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482 Vera Maria Ribeiro Nogueira

R. Pol. Públ., São Luís, v.16, n.2, p. 481-491, jul./dez. 2012

1 INTRODUÇÃO Historicamente, o assistente social atuou

na interface saúde – meio social, notabilizando-se pela sua funcionalidade coadjuvante no tratamento das enfermidades na medida em que o objeto de intervenção – a doença, era reconstruído pelo detentor do saber necessário à sua cura, ou seja, o médico. Situava-se como um profissional paramédico, desempenhando a competência esperada e norteado pelo paradigma de atenção que orientou o sistema nacional de saúde até a década de 1980. Consolidado como hegemônico, o modelo de atenção à doença foi contestado, na década de 1970, pelo movimento da reforma sanitária, que propôs um sistema de saúde construído com base na universalidade, responsabilidade do Estado, integralidade e, especialmente, outra concepção de saúde, entendendo-a como determinada socialmente, concepção construída nos marcos da epidemiologia social latino-americana. Na disputa entre os dois projetos de saúde, antagônicos quanto aos princípios, valores e modelos sanitários, vence o proposto pelo movimento sanitário, sendo inscrito na Constituição brasileira de 1988. Entretanto, o embate continua, pois ambos os projetos contêm, em si, os pressupostos que distinguem os projetos societários. Por esta razão, é de fundamental importância especificar as distinções entre o que significa adotar a referência dos determinantes sociais da saúde, ou da determinação social, como nexos explicativos do processo saúde-doença.

Como esperado, as inovações constitucionais contemplam uma radical alteração no paradigma de atenção sanitária, com a concepção ampliada de saúde. Em decorrência, foi necessário revisar o conteúdo e a intencionalidade das competências do assistente social neste campo. Tal ocorreu não só porque o assistente social passa a integrar legalmente o quadro dos profissionais de saúde, mas principalmente para incorporar, em seu fazer cotidiano, os valores e princípios adotados na Constituição brasileira, coincidentes com os princípios do Código de Ética Profissional dos Assistentes Sociais2.

A concretização destes princípios no espaço sócio-ocupacional da saúde significou e significa alterar ações profissionais centradas na doença para ações centradas prioritariamente na saúde, exigindo um repensar dos referenciais que balizam o fazer profissional. Por esta razão, as ações executadas sob o modelo da hegemonia médica são ressignificadas e reconstruídas a partir do novo modelo, o qual relaciona de maneira inequívoca o social com a saúde. Impôs a exigência de uma postura analítica, crítica e com densidade teórica, tendo como pressupostos da ação profissional em saúde, em sua dimensão ético-política, a determinação social do processo saúde-doença/necessidades sociais

em saúde; na dimensão teórico-metodológica, a importância do referencial teórico relativo ao campo crítico das ciências sociais em saúde; e a dimensão técnico-operativa, constituída pela articulação das competências ético-política e teórico-metodológica face às demandas do real.

Nos últimos cinco anos, o debate dos determinantes sociais destaca-se entre os estudiosos e profissionais que atuam ou pesquisam a interface entre ciências sociais e saúde. O retorno deste tema na agenda da saúde no plano internacional se deve à reconquista, pela Organização Mundial da Saúde (OMS), de seu papel estratégico na orientação do setor, substituindo o Banco Mundial (BM), que dominou o cenário internacional na década de 1990. A Comissão dos Determinantes de Saúde (CDSS), aprovada na Assembleia da OMS, em 2004, e instituída em 2005, retomou e impulsionou a produção de conhecimento sobre o tema, instigando e favorecendo a multiplicação de pesquisas e relatórios, mobilizando profissionais, gestores e autoridades do campo sanitário. Esta ênfase é explicada pelo agravamento da situação de saúde em nível mundial, apresentada no longo informe da CDSS, publicado em 2008.

O relatório da Comissão expôs as evidências dos determinantes sociais na melhoria e garantia de saúde das populações, as disparidades entre os países e no interior dos países, sinalizando fortemente para a gravidade do problema sanitário em nível global e alertando para a responsabilidade do sistema econômico face ao ocorrido. Seu conteúdo provocou a convocação de uma Conferência Mundial a respeito do tema, visando sensibilizar a opinião pública internacional, os dirigentes de sistemas de saúde em todos os níveis, bem como autoridades governamentais dos países vinculados à Organização das Nações Unidas acerca das condições de iniquidades em saúde e da gravidade dos índices de morbi-mortalidade em certas áreas do planeta. Não sem razão, os mais empobrecidos e com altos índices de desigualdade econômica, desigualdades na gestão dos sistemas e desigualdades na oferta de bens e serviços de saúde.

Os documentos aportados como contribuição acadêmica à CDSS mostraram que a determinação social do processo saúde doença “é uma área do conhecimento que oscila entre o absolutamente óbvio e o surpreendentemente oculto”, em que pese seu papel na organização dos processos e modelos de atenção à saúde. (FLEURY-TEIXEIRA, 2009, p. 1).

As produções do período, no campo teórico-metodológico e no campo político, tornaram patentes as distintas visões sobre os determinantes sociais, seja na formulação de modelos de atenção à saúde sedimentando uma determinada concepção de saúde, tanto na definição das políticas, como

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na adoção do modelo de atenção e financiamento âmbito, como ainda no âmbito da gestão dos sistemas de saúde. Isto é, trouxeram à tona as tensões entre posições distintas, as quais, a partir de um campo teórico definido, contemplam projetos sanitários contrapostos que se filiam a uma tradição universalista, pautada na garantia integral do direito à saúde ou busca consolidar a saúde como um bem privado, sujeito às leis do mercado.

Este debate está em aberto e merece entrar na agenda dos assistentes sociais, na medida em que a apreensão crítica sobre os determinantes sociais da saúde viabiliza uma ação mais efetiva frente às necessidades sociais, ampliando a garantia do direito universal e integral à saúde. Há que se levar em conta que a ênfase nos determinantes sociais, desde a Conferência de Alma-Ata, favoreceu a inserção mais qualificada dos assistentes sociais no campo da saúde, ainda que sob uma ótica limitada e pontual, que precisa ser superada.

No Brasil, a urgência de revisar o debate sobre os determinantes sociais é imposta pela expressiva e crescente presença dos assistentes sociais nos quadros profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS) – brasileiro. Portanto, há necessidade de qualificar as suas ações, com base em referências teóricas sólidas e um claro compromisso político com as classes populares, através da incorporação da análise sobre o processo saúde-doença derivada do campo marxiano. A sedimentação do campo das ciências sociais em saúde, a partir de sua vertente crítica, ofereceu um vigoroso veio explicativo para a questão da determinação social do processo saúde doença, favorecendo a construção de referências analíticas úteis à profissão. O eixo interpretativo acerca da determinação social da saúde-doença ainda tem frágil repercussão entre a categoria profissional, presente em currículos de apenas algumas unidades de formação de assistentes sociais3. Por este motivo, não tem impacto na ação profissional, fato que contribui para ressaltar a oportunidade atual da discussão.

A oportunidade de aprofundar o debate, com uma reflexão mais acurada e crítica, decorre, também, da realização, em outubro de 2011, no Rio de janeiro, da Conferência Mundial de Determinantes Sociais da Saúde, reunindo estudiosos, gestores, técnicos, além de organizações não governamentais e governamentais dos países integrantes da Organização das Nações Unidas. Mesmo reconhecendo os limites das recomendações da Conferência, estas detêm uma força estratégica poderosa, subsidiando o discurso político em torno dos determinantes sociais da saúde. (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2011).

Pode-se afirmar a atualidade deste tema também para o Serviço Social na medida em que um dos conferencistas convidados para uma das plenárias do próximo Congresso Mundial de Serviço

Social, a se realizar em julho próximo, em Estocolmo, é o professor Michael Marmot, presidente da Comissão Mundial dos Determinantes Sociais da Saúde da OMS.

Além do campo teórico, outros elementos de ordem geopolítica e econômica propiciaram a retomada do discurso sobre os determinantes sociais de saúde, presente em períodos históricos anteriores, não com esta denominação, mas com conteúdos explicativos similares. Nos anos 2000 retoma-se o debate iniciado a partir da Conferência de Alma-Ata e se intensificam os esforços, no plano analítico, para ampliar o conhecimento e as formas de intervenção mais adequadas sobre os determinantes sociais da saúde. Este revival foi detonado pela crise capitalista iniciada nos finais de 1970, na Europa, espraiando-se para os outros continentes nos últimos anos de 1980 e inicio de 1990. As soluções propostas pelos organismos de financiamento e fomento aos Estados nacionais para ajuste estrutural das economias, com destaque para a posição do Banco Mundial, agravaram as condições financeiras dos países situados na franja financeira do sistema mundial, com o retorno de moléstias já debeladas e o aumento exponencial da morbi-mortalidade. Destacou-se, de forma cabal, a assimetria entre países ricos e pobres, e as iniquidades no interior dos países, as desigualdades em saúde entre classe e etnias, decorrentes tanto das precárias condições de vida, como do reduzido acesso aos bens e serviços sanitários. Questões centrais, tais como “por que alguns adoecem e morrem de uma forma e outros não”, conduziram a própria Organização Mundial da Saúde a reconhecer o impacto do econômico sobre a saúde e encetar medidas em seu âmbito de ação.

Considerando o cenário exposto, este texto refaz a trajetória histórica dos determinantes sociais, contextualiza o debate sobre o tema, focando os pontos centrais das divergências entre a posição considerada herdeira do modelo biomédico e a posição crítica. Toma como referência empírica o relatório da CDSS/OMS, publicado em março de 2008, e a posição de autores filiados a uma posição crítica, de cariz marxiano, expressa em dois documentos. O primeiro consiste no relatório da Associação Latina de Medicina Social (ALAMES), encaminhado, em 2008, como um aporte para a Comissão dos Determinantes Sociais da OMS, e o segundo, o material produzido pelo Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (CEBES), no sentido de fomentar o debate nacional. Este texto aponta, ainda, o entrelaçamento dos determinantes sociais e sua relação com o Serviço Social, sugerindo desafios e pistas para se pensar as ações profissionais. Concluindo, indica as possíveis estratégias para subsidiar atores políticos vinculados ao setor saúde em sua luta, nos limites do capitalismo, para a ampliação e garantia do direito integral e universal à

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saúde, considerando sua dimensão ampliada.

2 OS DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE NA HISTÓRIA

A constatação da relação entre saúde e formas de organização societária é antiga e parametrada pela concepção de saúde/doença decorrente da racionalidade hegemônica em cada época, contendo, portanto, elementos históricos, econômicos, sociais e culturais e favorecendo a construção de teorias interpretativas sobre o viver, adoecer e morrer. Estas teorias expressam maneiras de se pensar e organizar a sociedade e traduzem projetos filosóficos e sociais distintos, quando não antagônicos. Em outros termos, as teorias interpretativas dão suporte a projetos de intervenção que atendem a necessidades sociais consideradas legítimas, como apontam Oliveira e Egry (2000). Infere-se, assim, que a saúde, ou a sua ausência, refletem formas de consciência coletiva, podendo-se afirmar não ser a saúde um conceito científico, e a enfermidade ser um conceito unicamente no plano da ciência cartesiana. Saúde e doença não são estados ou condições estáveis, mas sim conceitos vitais, sujeitos à constante avaliação e mudança pelo entorno social, o qual é determinado essencialmente pela estrutura de classe social, e, secundariamente, com as relações que os indivíduos estabelecem com o mundo objetivo. (GARCIA, 1995). Assim, se reconhece que as concepções sobre a saúde e a doença são limitadas pelo desenvolvimento teórico conceitual da ciência e particularmente por posições ideológicas que favorecem a centralidade e a legitimidade de determinadas opções conceituais.

A teoria miasmática, hegemônica do século VIII ao XIX, debitava as questões socioambientais às causas das doenças, situando-se como as primeiras evidências da determinação social do processo saúde-doença, marcando o início dos modelos de interferência estatal na saúde. Tal interferência ocorreu nos países onde a crescente industrialização e os processos de urbanização decorrentes provocaram a degradação das condições ambientais nas cidades mais industrializadas da França, Alemanha e Inglaterra. Este processo favoreceu a consolidação de teorias relacionando a ocorrência das doenças às condições de vida da população, veiculando a ideia da medicina como uma ciência social, conforme assinalam Ribeiro (2004) e Pelegrini Filho (2011), trazendo a contribuição de Virchow, Chadwick e Engels.

As ações sobre o processo saúde-doença consistiam em um conjunto de intervenções sistemáticas sobre o ambiente físico para torná-lo mais seguro, configurando-se como iniciativas pioneiras no campo da saúde pública. A miséria e os miasmas eram invocados para explicar a disseminação das enfermidades e a necessidade da intervenção para

além do plano individual, acentuando-se a dimensão pública da saúde. Os engenheiros e administradores públicos se destacavam como os profissionais responsáveis pelas condições de saúde, e as ações encetadas conseguiram responder às demandas relacionadas aos novos processos de organização da vida cotidiana nas áreas industrializadas. Posteriormente, as descobertas de Pasteur, Koch e outros, para a cura das doenças infecciosas e o desenvolvimento das vacinas, irão colaborar na construção de um novo paradigma, com enfoque bacteriológico. Instaura-se o conflito entre o novo paradigma e o da saúde pública, na busca da hegemonia de um novo campo de conhecimento, de prática e de educação. Nesta luta:

A bacteriologia firmou-se como a concepção vitoriosa abandonando-se os critérios sociais na formulação e solução dos problemas de saúde das populações que vinham sendo sistematicamente aplicados pela "polícia médica" alemã, pela "medicina urbana" francesa e pelo "sanitarismo" inglês. (BUSS; PELEGRINI FILHO, 2007, p. 77).

Tal decisão representou o predomínio do conceito da saúde pública orientada ao controle de doenças específicas, fundamentada no conhecimento baseado na bacteriologia e contribuiu para “estreitar” o foco da saúde pública. (BUSS; PELEGRINI, 2007). Esta passa a distanciar-se das questões políticas e dos esforços por reformas sociais e sanitárias de caráter mais amplo. Contribuiu, também, para a consolidação do modelo biomédico, baseado nos princípios científicos erigidos pela ciência cartesiana.

O primeiro documento sobre Determinantes Sociais da Saúde, elaborado por solicitação da CDSS, repõe com clareza os fatores que determinaram o giro ocorrido em relação à saúde pública na década de 1950.

Uno de ellos fue la sucesión de grandes adelantos en la investigación de medicamentos que dio lugar en este período a una serie de antibióticos nuevos, vacunas y otros medicamentos, lo que infundió en los profesionales sanitarios y el público en general la idea de que la tecnología encerraba la respuesta a los problemas mundiales de salud. […] Otro cambio clave en el contexto político fue la retirada temporal en 1949 de la Unión Soviética y otros países comunistas de las Naciones Unidas y sus organismos respectivos.[...] A pesar de la función clave de los EE.UU. en la redacción de la Constitución de la OMS, los funcionarios estadounidenses se mostraron reacios en ese momento a hacer hincapié en un

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modelo social de salud cuyas alusiones ideológicas fueran mal recibidas en el escenario de la guerra fria. (IRWIN; SCALI, 2005, p.10).

O resultado foi a aplicação do modelo biomédico nas iniciativas e ações de saúde pública via prevenção das doenças, através do controle dos agentes patogênicos, caracterizando-se por programas verticais, focalizados, e em campanhas dirigidas a doenças, desconsiderando o contexto social e a pessoa. Nos anos 1960 e 1970, nos países empobrecidos, reinou o enfoque da saúde comunitária, sob a batuta da OMS. Este modelo privilegiava profissionais de saúde contratados localmente, com reduzida formação no campo sanitário, com a função de partilhar, entre vizinhos, princípios de educação sanitária e ações preventivas.

Os débeis resultados alcançados motivaram a própria OMS a reverter sua postura, e em 1978, na Conferência de Alma-Ata, propõe o desafio de “Saúde para todos no ano 2000”. Encabeçado pelo próprio presidente, o discurso da OMS, alertou para a incapacidade dos enfoques, até então difundidos, de alterar positivamente a situação de saúde dos países. Portador de uma postura humanista acentuada, esta proposta sinaliza para a eliminação de qualquer obstáculo para a saúde, como a desnutrição, a ignorância, o problema da contaminação da água potável e ausência de higiene. (CONFERÊNCIA INTERNACIONAL SOBRE CUIDADOS PRIMÁRIOS EM SAÚDE, 1978).

Toma corpo, e é amplamente difundida, a estratégia da Atenção Primária em Saúde (APS), com três princípios filosóficos centrais: concentrar os recursos de saúde dos hospitais para satisfazer as necessidades básicas da população empobrecida; a participação da comunidade nas ações sanitárias, evidenciando uma crítica ao modelo médico; e o terceiro, o nexo explícito entre saúde e desenvolvimento social. Devido ao seu conteúdo político, ameaçadores a uma ordem capitalista estabelecida, surgiram diversas críticas sobre o modelo proposto. Uma das consequências foi o desdobramento da APS em APS seletiva, a qual suaviza o teor político original proposto em Alma-Ata ao centrar-se unicamente em aspectos vinculados estritamente à doença e reduzida ação em ações preventivas de largo alcance.

Embora tenha alcançado resultados em alguns países, outra severa crítica ao enfoque seletivo adotado pela APS foi limitar-se ao campo sanitário, não enfrentando o princípio da justiça social e da equidade. Há que se levar em consideração o momento de crise do capitalismo mundial. Nesta situação, o enfoque seletivo traduz um modelo de atenção muito conveniente para o ajuste das economias nacionais, pois o setor que mais favorece a acumulação capitalista, nos dias atuais, é o setor terciário da economia, sendo a

saúde a área de maior dinamismo nesse processo. (CARVALHEIRO, 2000). Alguns fatores levam a essa situação ímpar. O trânsito de uma atividade, cuja origem e fundamento centrava-se no bem- estar, com um alto sentido humanitário, para uma atividade na qual a racionalidade ordenadora de seu encaminhamento é o lucro.

O documento Investindo em Saúde, do Banco Mundial (1993), é a referência da comunidade reunida sob o rótulo de economia da saúde. Alerta para o descontrole financeiro dos Estados nacionais e o risco de um colapso econômico, se não forem procedidas reformas drásticas nos sistemas de seguridade social, notadamente na saúde e na previdência social. O documento avoca para o BM a prerrogativa de ser o grande mentor e a agência financiadora de um futuro com saúde para todos.

O diagnóstico sobre a crise do setor saúde focalizou essencialmente os Estados nacionais como os responsáveis pela má alocação de recursos, pela ineficiência, pelo alto custo dos serviços sanitários e pela iniquidade, entendida como não acesso aos mais pobres. Em face de tal diagnóstico, foram propostas três medidas estratégicas: criar um ambiente propício para que as famílias melhorassem suas condições de vida; tornar mais criteriosos os gastos públicos com saúde; e promover a diversificação e concorrência.

Curiosamente, como sinalizam Rocha (1999) e Laurell (1995; 2000; 2002), o documento propõe financiar e garantir a implementação de um pacote de serviços clínicos essenciais a ser definido por cada país como uma das medidas. Entretanto, na orientação para os países em desenvolvimento, delimita os serviços clínicos essenciais em assistência à infância, planejamento familiar, atendimento pré-natal, tratamento de tuberculose e das doenças sexualmente transmitidas e Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (DST-AIDS). Além do mais, não menciona a situação social e interdita o debate acerca dos determinantes sociais de saúde, tratando a proteção à saúde como uma questão gerencial e a saúde como um bem comercial. (NOGUEIRA, 2002).

Tais medidas, contudo, provocaram o violento empobrecimento de grande parte da população, não só do mundo capitalista ocidental periférico, como de extensos grupos populacionais que habitam e vivem precariamente nos grandes e modernos centros urbanos dos países desenvolvidos. No plano sanitário, houve o retorno de moléstias infectocontagiosas e se alastraram surtos epidêmicos de enfermidades já erradicadas, além da AIDS e da exacerbação da violência, considerada um problema de saúde pública.

Neste cenário, a OMS retoma o debate sobre os determinantes sociais de forma mais incisiva em meados de 1990, entendendo que a revitalização da Saúde para Todos inclui pensar

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a ação intersetorial como um fator-chave para as estratégias sanitárias públicas. Buscando apoio na área acadêmica, apresenta, na Conferência Internacional de Halifax, em 1997, o debate centrado na intersetorialização, recolocando na agenda, por esta via, os determinantes sociais de saúde. Outra razão para colocar em pauta o tema foi a divulgação do Relatório Lalonde, em 1974, do Canadá, e o Relatório Black, em 1980, do Reino Unido. Este último teve escassa repercussão entre os governantes ingleses do Partido Conservador, qualificado como utópico (IRWIN; SCALI, 2005). Contrariamente, despertou forte interesse entre pesquisadores, favorecendo uma vasta produção comparando sistemas de saúde e levando em conta as questões políticas além de confirmar, de forma inequívoca, a relevância dos determinantes sociais.

3 DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE: bases conceituais em conflito

O conceito de determinantes sociais de

saúde surgiu a partir de uma série de documentos publicados nos anos 1970 e no início dos anos 1980, os quais destacavam as limitações das intervenções orientadas pelo risco de doença.

Objetivamente, tais estudos evidenciavam a relação positiva dos determinantes aos fatores que colaboram para as pessoas ficarem saudáveis, ao invés do auxílio que as pessoas obterão quando ficarem doentes.

De forma quase consensual, os determinantes sociais de saúde, atualmente, são entendidos como as condições nas quais as pessoas nascem, crescem, vivem, trabalham e envelhecem, incluindo o sistema de saúde. Seriam os fatores sociais, econômicos, culturais, étnico-raciais, psicológicos e comportamentais que influenciam a ocorrência de problemas de saúde e seus fatores de risco na população. Esta concepção, segundo Buss e Pelegrini (2007, p. 2), pautando-se em Nancy Krieger,

Introduz um elemento de intervenção, ao defini-los como os fatores e mecanismos através dos quais as condições sociais afetam a saúde e que potencialmente podem ser alterados através de ações baseadas em informação.

Os determinantes sociais explicam a maior parte das iniquidades sanitárias – as diferenças injustas e evitáveis observadas na situação sanitária dos países, expressando formas perversas de organização societária, priorizando a saúde como bem comercial e não como valor universal. Contém uma dimensão objetiva - condições materiais necessárias à subsistência, relacionadas à nutrição, à habitação, ao saneamento básico e às condições do meio ambiente, e uma dimensão subjetiva – que

se refere à interpretação e à forma como as pessoas vivem e enfrentam estes processos a partir de uma intersubjetividade coletiva, um dos fatores que confirmam o componente social dos determinantes. (ARELLANO; ESCUDERO; CARMONA, 2008).

Reconhecer que o processo saúde-doença é determinado socialmente implica uma posição sobre o modelo societário e a escolha de uma referência teórica para explicar sua dinâmica. Adquire centralidade a opção pela perspectiva teórica, pois é a partir da mesma que se reconstrói e se interpreta a totalidade social é quando

Se hacen visibles los procesos sociales esenciales y en el terreno metodológico, se desarrollan aproximaciones que permiten descifrar la realidad y reconstruir los grupos humanos en los que se expresaría con mayor claridad la dimensión social de la saude y la historicidad de la biologia. (ARELLANO; ESCUDERO; CARMONA, 2008, p. 324).

Este é o impasse entre uma visão calcada em uma epidemiologia social das doenças, herdeira da epidemiologia social norte-americana, com os fatores determinantes ocupando uma posição similar, e a posição que os apreende em uma ordem hierárquica, com a centralidade do vetor econômico e da divisão de classes em sua estruturação. Estas duas matrizes comportam particularidades internas, não sendo unívocas, e embora permeadas por distinções, é possível agrupá-las a partir de seus marcos referenciais e modelos teóricos.

A primeira matriz teve um adensamento conceitual ao longo dos anos, aprimorando-se as bases de análise e incorporando os fatores sociais a partir de sua funcionalidade em relação à produção da doença, complexificando-os a partir das construções teóricas e novas modelagens a respeito. Almeida Filho (2004), ao analisar e propor uma abordagem para os determinantes sociais das doenças crônicas não transmissíveis, afirma que se deve ao marco teórico da sociologia funcionalista a estruturação de modelos psicossociais de saúde complementados posteriormente com a abordagem neodurkheimiana das desigualdades sociais e capital social.

Atualmente são bastante conhecidos os modelos derivados desta matriz, a seguir relacionados:

– Dahlgren e Whitehead - a partir do indivíduo, estabelece níveis de influência entre os fatores que determinam as desigualdades desde o nível individual até o de comunidades afetadas por políticas de saúde nacionais. Ou seja, indivíduos têm idade, gênero e fatores genéticos, apresentam comportamento e estilos de vida distintos, têm influência da sociedade e da comunidade e dos fatores associados a condições de vida e de

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trabalho, disponibilidade de alimentos e acesso a ambientes e serviços essenciais e, por fim reportam-se às condições sociais e econômicas. (DAHLGREN; WHITEHEAD, 1992; COMISSÃO DE DETERMINANTES SOCIAIS DE SAÚDE, 2005; BUSS; PELEGRINI, 2007);

– Diderichsen e Hallqvist, adaptado por Diderichsen, Evans e Whitehead - Este modelo enfatiza a criação da estratificação social pelo contexto social, que delega aos indivíduos posições sociais distintas, as quais definem suas oportunidades de saúde. (DIDERICHSEN et al, 2011);

– Brunner, Marmot e Wilkinson - Tal modelo articula as perspectivas da cura da doença às da saúde pública (preventiva), incorporando na análise as múltiplas influências pelas quais passa o indivíduo no decorrer da vida. Ilustra como as desigualdades socioeconômicas, em resultados de saúde, são consequência das diferenças de exposição ao risco ambiental, psicológico e comportamental no decorrer da vida. (MARMOT, 2001a; 2001b; COMISSÃO DE DETERMINANTES SOCIAIS DE SAÚDE, 2005, p. 13).

A segunda matriz interpretativa é herdeira da tradição marxista e se inscreve no âmbito da epidemiologia social latino-americana da década de 1970. A ideia da articulação do pensamento social na saúde não é recente, remontando ao início do século passado. Todavia, a dimensão crítica do social na saúde aparece com a incorporação da teoria marxiana ao pensamento sanitário brasileiro através da análise das condições de saúde da população, relacionando-as com os componentes estruturais das sociedades capitalistas.

O conceito de determinação social da saúde e da doença decorre dos estudos pioneiros que buscaram interpretá-lo a partir da compreensão marxista da sociedade. Assinalam, tais estudos, que os perfis de saúde e morbi-mortalidade dos grupos sociais são determinados pelas formas de produção, consumo e distribuição dos bens e serviços de uma dada sociedade. Partem da premissa que nas formações capitalistas, os processos de reprodução social expressam a contradição entre propriedade privada, produção coletiva e apropriação da riqueza, tornando as relações de poder assimétricas e opressivas, repercutindo diretamente no padrão de saúde.

Las desigualdades sociales sintetizan estas relaciones, antagonismos y contradicciones económico-políticas e ideológicas, que se expresan en ejes de explotación, dominación, subordinación y exclusión múltiple: de clase, género, etnia/origen y generación, entre otros. (ARELLANO; ESCUDERO; CARMONA, 2008, p. 326).

O que caracteriza esta abordagem, e as propostas que dela decorrem, é a exigência de se analisar as condições de saúde da população a partir dos componentes estruturais das sociedades capitalistas: processo de trabalho, relações de produção, classe social, e assim por diante. Contrapõe-se radicalmente à matriz anterior, entendendo que as condições sociais viabilizadoras de saúde ou de doença devem ser interpretadas incorporando-se uma multiplicidade de determinações – a síntese de múltiplas determinações, ou seja,

[...] de atribuições conceituais que, combinadas adequadamente, permitem transformar a ideia abstrata da saúde em algo que expressa, antes de tudo, as condições concretas de trabalho e de reprodução da vida de uma dada classe social. (CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS DE SAÚDE, 2009).

Esta acepção é central, pois afasta qualquer possibilidade de adesão às perspectivas que abordem os determinantes sociais da saúde de forma abstrata, sem uma teoria explicativa acerca da sociedade e sua forma de produção e reprodução social, adensando com formulações sobre relações entre saúde, sociedade, economia, democracia e políticas públicas.

Tanto as concepções da Medicina Social como a da Saúde Coletiva colocam em posição de destaque o aspecto político contido nos determinantes sociais, como bem apontam o relatório da ALAMES (2008) e Arrelano, Escudero e Carmona (2008, p. 327).

La MS-SC reconoce que la noción de determinantes sociales de la salud (DSS), posee una doble connotación en términos de lo político. Por una parte, se incluye dentro de los determinantes de la salud a la dimensión política y por otra se asume que la modificación del conjunto de determinantes de la salud exige la acción política.

4 O DEBATE ATUAL: pontos de tensão

A existência de uma Comissão nomeada pela OMS para ampliar o debate a respeito dos determinantes sociais da saúde representou um avanço no momento em que se identifica uma tendência mundial em tornar o acesso à saúde uma questão de mercado - um bem mercantil, com o escopo de reduzir as despesas estatais com o setor. Desloca-se o foco da discussão dos direitos para aspectos econômicos, tecnocráticos e gerenciais. O relatório da Comissão tem o mérito de colocar em relevo o social na saúde, conforme ressaltam López, Escudero e Moreno (2008)

Aponta o informe a relação entre as desigualdades em saúde e a distribuição desigual de

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poder, de renda, de bens e serviços, tanto em nível mundial como nacional, debitando a esta desigual distribuição as evidentes injustiças, que não são um fenômeno natural, mas resultado de perversas combinações de políticas e programas sociais infrutíferos, decorrentes de ajustes econômicos injustos e de composições políticas nefastas. (COMISSÃO DE DETERMINANTES SOCIAIS DE SAÚDE, 2008, p. 14).

A contribuição da Comissão, face ao quadro de evidências, são recomendações especialmente de ordem política, como se infere a seguir.

A primeira recomendação diz respeito à importância de se melhorar as condições de vida, marcando a equidade desde o início da vida, garantida através de proteção social universal ao longo da vida e atenção universal à saúde como um dever do Estado. Não se restringe ao indivíduo, mas propõe um entorno saudável para uma população sadia e práticas justas em termos de emprego e trabalho digno; a segunda recomendação dispõe sobre o campo econômico, propondo a luta contra a distribuição desigual de poder e dinheiro. Sugere, neste âmbito, que a equidade sanitária seja a medida do bom governo. Propõe a imposição de impostos regressivos, contribuindo para a melhoria econômica das famílias e o aumento da ajuda internacional em até 0,7 do PIB, para países com graves problemas sanitários. Consta ainda, como proposição, avaliar o impacto dos acordos econômicos na equidade sanitária, o reforço do Poder Público na prestação de bens e serviços de saúde e a ampliação de políticas promotora da equidade de gênero; a terceira recomendação vincula-se à continuidade de evidências sobre as desigualdades em saúde, assinalando a importância de serem utilizadas na formulação de políticas e programas resolutivos. (COMISSÃO DE DETERMINANTES SOCIAIS DE SAÚDE, 2008).

Não descartando a relevância estratégica do Relatório da CNSS, a ALAMES (2008) aponta restrições quanto à limitação conceitual e política contida no mesmo, sintetizadas nos seguintes pontos - ausência de elaboração teórica explícita sobre a sociedade; uma definição ambígua sobre determinantes sociais; referência superficial sobre os determinantes estruturais; concepção da desigualdade como problema meramente redistributivo; excessiva importância concedida às evidências que levam a desigualdades repondo paradigmas dominantes de epidemiologia e de saúde pública tradicional e a conversão dos determinantes sociais em fatores, debilitando-os em sua dimensão de processos sócio históricos.

Algumas recomendações contemplam uma visão limitada da configuração e da dinâmica do desenvolvimento das sociedades capitalistas, com políticas abstratas e descontextualizadas para reduzir as desigualdades sociais e que sinalizam

mais para resolver problemas gerenciais, denotando ainda um alinhamento com posições conservadoras derivadas das propostas do BM.

O predatório desenvolvimento capitalista atual, que causa destruição, mortes e sofrimentos nas populações, e os processos de globalização que acentuam as iniquidades em saúde não são abordados. Ao não relacionar as desigualdades da saúde com os limites da formação capitalista, submetendo-a a lógica mercantil, torna a atividade dos atores políticos assunto de vontades, desconhecendo as relações de poder presentes nos distintos níveis de intervenção. A ausência de referência do papel dos atores transnacionais com muito peso sobre a saúde e alimentação pode ser considerada outra inconsistência do relatório. (ALAMES, 2008; ARELLANO; ESCUDERO; CARMONA, 2008).

Concluindo a apreciação crítica, afirma o documento da ALAMES (2008, p. 6) que:

En síntesis, el informe de la CDSS cumple con amplitud su propósito de reunir evidencias sobre las desigualdades socioeconómicas y las desigualdades en salud y en destacar la importancia de los determinantes sociales, pero es insuficiente para avanzar en la comprensión del origen de los problemas, lo que Benach y Muntaner señalan como “las causas, de las causas, de las causas”.

A crítica do CEBES é similar, em inúmeros pontos, à análise da ALAMES, e mais contundente ao pontuar, explicitamente, o alinhamento do Relatório aos interesses das agências internacionais de financiamento e fomento. “Na verdade, o relatório da OMS cumpre a pauta neoliberal. Este relatório despreza o pensamento e a análise crítica e isso é bastante ofensivo, até reducionista”. (CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS DE SAÚDE, 2011, p. 6).

Tece uma crítica ao método de investigação utilizado pautado na biomedicina e na epidemiologia, pois

Traz o pressuposto inaceitável de que o social se encontra nas populações, mas que, em si mesma, a saúde do homem é algo natural. Esta interpretação leva ao determinismo social, já que a saúde e a sociedade são entendidas de forma positivista, ao excluir a história e a práxis humana, isto é, os espaços de liberdade dos indivíduos e da coletividade. (CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS DE SAÚDE, 2011, p. 2).

5 CONCLUSÃO

Em que pesem as críticas acerca das debilidades teóricas e políticas do relatório da

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CDSS, sua contribuição estratégica pode e deve ser explorada pelos assistentes sociais como uma ferramenta útil para dar visibilidade aos aspectos estruturais relativos às condições sanitárias, além de viabilizar o trânsito para aspectos particulares e peculiares incidentes sobre as condições de vida e saúde da população. O informe adensa o discurso a respeito do direito à saúde ao deixar claro que os limites estruturais estão na base das desigualdades em saúde, debilitando o forte discurso biologicista. Invoca explicitamente o papel político dos atores responsáveis pela atenção à saúde, destaca a responsabilidade dos gestores e da academia.

Os documentos estudados, sem pretender impor um modelo interpretativo acabado, indicam desafios e pistas frutíferas para serem debatidas e adotadas no âmbito profissional, neste momento crucial de ameaças concretas da destruição do direito universal à saúde.

A mais urgente é fortalecer a reflexão crítica nos espaços acadêmicos e formar profissionais (mediadores estratégicos) com capacidade teórica, competências técnicas e políticas, capazes de concretizar propostas inovadoras, como transpor o fosso entre discurso e ação. Tal postura implica aprofundar e estabelecer a distinção entre categorias teóricas aparentemente consensuais de gestores e profissionais, desvelando-as a partir da análise das práticas institucionais negadoras do direito e da equidade em saúde. Qual é o real significado de equidade em saúde? Desigualdade em saúde é similar à desigualdade social? Como estas categorias são ou podem ser utilizadas na elaboração da leitura do real que impacta as condições de vida? O que é focalizar em saúde?

Outro desafio é incluir no debate os usuários dos serviços de saúde e suas organizações representativas, quando contarem com este recurso. Para tanto, torna-se necessário traduzir o discurso teórico da determinação do processo saúde-doença em um discurso que possa ser compreendido pelos gestores, usuários e profissionais envolvidos com a questão saúde.

Incrementar a discussão sobre os determinantes sociais nas unidades de ensino de graduação e pós-graduação em Serviço Social de modo a tornar cada vez mais evidente e particularizado o papel e as competências dos assistentes sociais no campo da saúde.

Somente desta forma pode-se colaborar no enfrentamento das ameaças que rondam cotidianamente os direitos universais e integrais no campo das políticas públicas, tanto em nível nacional como internacional. E neste embate, o conhecimento é arma poderosa, razão pela qual se destaca o papel das Unidades de Ensino de Graduação e Pós-graduação neste cenário.

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Notas

1 Um resumo deste texto está publicado nos Anais do XX Seminário Latino-americano de Escolas de Serviço Social, realizado em setembro de 2012, na cidade de Córdoba, Argentina.

2 Ampliando a apreensão sobre este ponto, torna-se importante observar sua relação com a construção realizada no âmbito da categoria profissional, entre os anos 1970 e 1990, liderada pelas entidades representativas do Serviço Social, sentido de marcar uma nova postura ética, política e teórica. Este movimento, denominado Projeto Ético-Político Profissional, vincula-se a um projeto societário maior, que tem na liberdade seu valor central e posiciona-se

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491DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE: o embate teórico e o direito à saúde1

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politicamente em favor da equidade e justiça social na perspectiva da universalização dos direitos e da ampliação e consolidação da cidadania. No que se refere à atuação profissional, o projeto implica o compromisso com a competência, o que demandou uma ação efetiva na área da formação e do exercício profissional, exigindo uma revisão curricular para dar conta da nova postura, por parte da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social e, igualmente, estratégias diversas para atualização dos assistentes sociais pelo Conselho Federal e Regionais de Serviço Social, ou seja, o conjunto CFESS/CRESS.

3 Esta afirmativa tem como referência a avaliação das diretrizes curriculares realizada pela ABEPSS (2008), sendo que unicamente em duas Unidades de Ensino se menciona a disciplina de Seguridade Social, incluindo a saúde; em duas ministram as disciplinas Serviço Social e Saúde e Serviço Social e Política de Saúde, e em quatro Unidades de Ensino, Saúde do Trabalhador. A ausência de pesquisadores assistentes sociais no edital do CNPq sobre determinantes sociais da saúde corrobora a afirmação.

Vera Maria Ribeiro NogueiraAssistente SocialDoutora em Enfermagem pela Universidade Federal de Santa Catarina Professora do Mestrado em Política Social da Universidade Católica de Pelotas e do Programa de Pós-graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)E-mail: [email protected]

Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC Campus Universitário - Centro Sócio-Econômico - Trindade - Florianópolis - SCCEP: 88040-900

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INSTRUMENTOS DE POLÍTICA DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA EM GENÔMICA DO ESTADO DE SÃO PAULO1

Renan Gonçalves Leonel da Silva Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

Maria Conceição da CostaUniversidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

INSTRUMENTOS DE POLÍTICA DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA EM GENÔMICA NO ESTADO DE SÃO PAULOResumo: O trabalho tem como objetivo “rastrear” as bases do regime de produção científica em genômica, mostrando como ela se efetivou em políticas públicas no Estado de São Paulo. Assim, apresenta alguns programas de C&T em genômica, criados no estado, com foco na Rede ONSA e no Projeto Genoma Humano do Câncer Ludwig/FAPESP, que se mostraram centrais para as propostas desse trabalho. Por fim, faz uma análise do aprendizado que essa experiência pode proporcionar para o planejamento de políticas públicas, que chamaram a atenção para o debate sobre o papel contemporâneo da ciência e da tecnologia na orientação de agendas políticas. Ressalta, ainda, que o conhecimento da complexidade de um sistema de produção científica (e suas origens) é fundamental para se estabelecer políticas adequadas e organizar uma agenda eficaz de difusão tecnológica. Palavras-chave: Genômica, política de C&T, Estado de São Paulo.

INSTRUMENTS OF SCIENCE AND TECHNOLOGY POLICY ON GENOMICS IN THE STATE SÃO PAULOAbstract: The objective of this work is to "trace" the foundations of scientific production in genomics, showing how it was accomplished in public policies in the State of São Paulo. We present some Science and Technology programs in genomics created in the State, focusing on the ONSA Network and the Cancer Human Genome Project Ludwig / FAPESP, which were central to the proposals of this work. We conclude the article with an analysis of the learning experience that can provide for the planning of public policies, which drew attention to the debate on the contemporary role of science and technology in the direction of political agendas. The knowledge of the complexity of a system of scientific (and its origins) is essential to establish appropriate policies and organize an effective technological diffusion agenda.Key words: Genomics, S&T policy, São Paulo State.

Recebido em: 16.02.2012. Aprovado em: 11.06.2012.

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1 INTRODUÇÃO

As escolhas feitas pela comunidade científica é um elemento decisivo para se entender o formato institucional e os conceitos predominantes na agenda da política de ciência e tecnologia brasileira. Na área de estudos sobre genoma, pouco tem sido estudado a respeito da organização e do conteúdo das ações em C&T direcionadas a esse campo específico no país nos últimos dez anos. Internacionalmente, o campo ganha destaque a partir dos anos 1980, sobretudo pelos avanços dos projetos de sequenciamento genético de uma diversidade de organismos.

Essa nova forma de fazer pesquisa reconfigurou os rumos da comunidade científica em relação às áreas prioritárias para a formulação de programas e para o destino de recursos financeiros para pesquisa. Esse embate definiu uma agenda heterogênea e diversificada sobre a orientação da pesquisa genética no Brasil. A análise sequencial do genoma humano emergiu como a linha “mainstream” dos pesquisadores do país, convivendo com outras vertentes mais tradicionais em universidades, laboratórios (públicos e privados) e centros de pesquisa nacionais e internacionais, principalmente localizados no Estado de São Paulo.

De maneira geral, o que se viu foi uma orientação da política de C&T no Estado de São Paulo, preocupada com o desenvolvimento de uma infraestrutura científica e tecnológica que estimulasse a pesquisa de fronteira em genômica e biologia molecular, principalmente àquelas aplicadas a áreas da medicina, como as pesquisas sobre Câncer (oncogenômica), por exemplo.

Foi possível observar esse direcionamento pelo aumento do número de projetos de pesquisa no fim dos anos 1990, que propunham investigações baseadas na estrutura genética do Câncer – submetidos em grande parte pelas universidades estaduais como a USP, UNICAMP e UNESP, por exemplo.

Esse movimento foi observado principalmente pela atuação da FAPESP – Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo, cujo programa de política de C&T na área contou com a criação de alguns mecanismos práticos de organização da pesquisa no Estado. Foi o caso da rede ONSA (Organisation for Nucleotide Sequence and Analysis), que financiou projetos científicos de larga escala na área, como o Projeto Genoma Humano do Câncer, de 2001, levado adiante por uma parceria da FAPESP com uma instituição privada de pesquisas (o Instituto Ludwig de Pesquisas sobre o Câncer), que financiaram um projeto de cerca de 12 milhões de dólares.

Este artigo tem um duplo objetivo. Há uma preocupação em “rastrear” as bases do regime de produção científica em genômica, em estreita relação

com a ascensão da análise sequencial no campo da biologia molecular nos anos 1960, mostrando como a pesquisa brasileira incorporou o novo regime de produção do conhecimento na área da “genomics”. Assim, busca-se fazer uma análise dos programas de C&T na área de genômica atuantes no Estado de São Paulo, de forma a interpretar a orientação da política como condicionada pelas escolhas e trajetórias da comunidade científica. O foco do trabalho será demonstrar como a mediação da política científica e tecnológica nesse campo é um fenômeno negociado, situado e dependente de um contexto de política anterior (path dependence). A área de pesquisa sobre o câncer – e a incursão da oncogenômica, é privilegiada como foco de análise.

A localização da pesquisa genética sobre a doença no Estado de São Paulo não pode ser entendida como fenômeno meramente espontâneo. As bases da sua articulação em forma de rede, o histórico da pesquisa e o peso dos instrumentos de C&T já atuantes no estado, configuraram uma plataforma específica para a área no Brasil.

Pensa-se, assim, nos elementos e conceitos que estão presentes no planejamento de uma política de C&T em genômica no Estado de São Paulo, que alavancam os anseios da comunidade científica paulista de assumir a dianteira na área da biotecnologia. O conhecimento da complexidade de um sistema de produção científica é fundamental para se estabelecer políticas adequadas e organizar uma agenda eficaz de difusão tecnológica.

Este artigo está dividido em três partes, além dessa breve introdução. Num primeiro momento, apresento uma breve trajetória do regime de produção cientifica em sequenciamento genético e a condução para o mapeamento do genoma humano. Em seguida, há uma preocupação em observar algumas políticas de C&T do Estado de São Paulo na área de pesquisas sobre genoma, com foco na Rede ONSA e no Projeto Genoma do Câncer Ludwig/FAPESP, que se mostraram centrais para as propostas do trabalho.

Concluo o artigo com uma análise dos instrumentos e conceitos norteadores do planejamento de política, que chamem atenção para o debate sobre o conteúdo dessa nova configuração e para os objetivos implícitos que ela busca atender – como internacionalização da ciência brasileira, o foco no discurso da inovação e a criação de bases high-tech em biotecnologia humana no país.

2 O PARADIGMA DA ANÁLISE SEQUENCIAL E A “ONDA” DE ESTUDOS SOBRE O GENOMA HUMANO

Os estudos sobre genoma, e sua sistematização na forma de grandes bancos de dados, não é uma prática recente na história da biologia molecular. Foi nos anos 1960 que se

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inaugurou essa prática específica na pesquisa em biologia molecular. Esta reorientou, sobremaneira, a principal base de dados e informações sobre a estrutura e a função do DNA.

A geração de modelos computacionais utilizados para o sequenciamento genético apareceu pela primeira vez no trabalho coordenado pela pesquisadora Margaret O. Dayhoff, intitulado Atlas of Protein Sequence and Structure, de 1965. A obra representou um marco no regime de produção do conhecimento em biologia molecular no século XX, sendo encarada como a ascensão da análise sequencial (the rise of sequence analysis): estratégia característica de organização da pesquisa na área de estudos funcionais sobre o genoma. (STRASSER, 2010).

Collecting, comparing, and computing protein or DNA sequences are among the most prevalent practices in contemporary biomedical research. They constitute a specific way of producing knowledge about the nature and the role of genes and proteins […]. In subsequent years under Dayhoff’s leadership, the Atlas grew in size and popularity, becoming a common fixture in biomedical laboratories […] In the historiography of the life sciences, the rise of sequence analysis has been tied to the development of the field of molecular evolution. (STRASSER, 2010, p. 624, grifo nosso).

Um aspecto interessante da pauta de pesquisa em biologia molecular está vinculado à natureza evolutiva do campo disciplinar. Com certa frequência, os resultados da pesquisa avançaram a partir de um processo cumulativo do conhecimento, fundamentalmente ancorado numa relação histórica (path dependence)2. E essa é uma informação importante quando pensamos o processo de formulação (ou emulação) de políticas na pesquisa biomédica contemporânea.

Essa nova organização da informação sobre o DNA teve implicações de grande validade para a literatura da Sociologia da Ciência, como no caso da obra Estrutura das Revoluções Científicas, de Thomas Kuhn (1998). Ou seja, é possível observar que a evolução da biologia molecular (em direção à formação de modelos computacionais) segue uma trajetória histórica de natureza evidentemente transdisciplinar e pautada nos avanços das tecnologias de informação e comunicação.

[…] the key practices of molecular evolution – collecting, comparing and computing sequences – were already well established by 1962, having developed during the previous decade in three unrelated fields: biochemical research on protein function, theoretical

studies of the genetic code, and attempts to apply digital computers to the life sciences. (STRASSER, 2010, p. 624).

O que se viu foi uma intensificação dos esforços da comunidade científica internacional na busca de uma “estandardização” (padronização) dos modelos científico-computacionais na área das ciências da vida. Vimos a emergência de novas estratégias de organização da pesquisa a partir do uso intensivo de banco de dados, já contendo um grau de precisão satisfatório para a continuidade dos estudos sobre a estrutura e funcionamento do gene. (KELLER, 2002).

Um traço marcante da pesquisa sobre genoma é que sua incursão na medicina passou a ser cada vez mais importante, com um ganho de autoridade cada vez mais expressivo no discurso médico. Com isso, ocorreu um “transbordamento” das pesquisas moleculares e a criação de uma massa de equipamentos e tecnologias médicas de alta base científica. Para Clarke entre outros (2003, p. 173), isso significou um aumento do processo de tecnocientização da biomedicina no fim do século XX:

[…] many of the biomedical innovations […] are situated in organizations that are themselves increasingly computer-dependent in heterogeneous ways that in turn are increasingly constitutive of those organizations. The application of computer technologies within multiple biomedical domains and their organizational infrastructures are thereby mutually constructed, creating new social forms for orchestrating and performing the full range of biomedically related work.

Ficou claro que o processo de evolução científica dos estudos sobre genoma já não se desvinculava do uso intensivo de aparatos tecnológicos e informacionais. Na organização desse esquema cognitivo entre ciência e tecnologia, estão aliados atores (humanos e não-humanos) e discursos de legitimação distintos. A prática da análise sequencial passou a direcionar grande parte da produção de conhecimento em genética, e isso teve grande impacto no formato e no planejamento de uma política científica e tecnológica específica para a área.

No final da década de 90, o sequenciamento em larga escala do genoma teve considerável impulso, devido especialmente ao aperfeiçoamento contínuo e à automação do processo de sequenciamento de DNA e, também, pelo rápido avanço da tecnologia computacional de análise de sequências de DNA. (BALTIMORE, 2001).

Essa dinâmica interativa com as Tecnologias de informação e comunicação (TICs) conferiu

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ao campo de estudos sobre genoma espaço e autoridade epistemológica para um expressivo processo de institucionalização nas últimas décadas do século XX. Foi possível uma renovação do seu próprio alicerce de produção científica, através de uma transformação contínua nas bases tecnológicas e da formação de redes verdadeiramente globais de pesquisa – em grande parte, financiada por departamentos de P&D de empresas multinacionais. (KEATING; CAMBROSIO, 2003).

Essa dinâmica interativa no campo dos estudos em genética inaugurou uma “corrida” internacional rumo ao sequenciamento completo de vários organismos, principalmente de bactérias e protozoários. Esse processo representou também uma realocação material e espacial da infraestrutura de pesquisa biomédica de alta tecnologia - “the rupture and relocation of material, social and national boundary demarcations”. (LOCK 2007; LÖWY; GAUDILLIÈRE, 2008).

A emergência das tecnologias de informação (aliadas a um “alargamento” das bases da política científica e tecnológica nos países desenvolvidos) ajudou na articulação de uma reconfiguração das plataformas do conhecimento da vida molecular. Isso mudou o regime de produção científica na área e o que se viu foi o aumento exponencial no número de pesquisas orientadas para o sequenciamento não só de organismos mais simples, mas também do próprio genoma humano.

O que é importante ser analisado aqui é o expressivo papel que desempenhou o discurso científico internacional, assim como a convergência com as plataformas científicas da medicina ocidental a nível transnacional. (CONRAD, 2005). O que exemplifica esse esforço transnacional é o caso do International Human Genome Sequencing Consortium (HGSC). Iniciado em 1997, ele envolveu 20 grupos de pesquisa dos EUA, Inglaterra, Japão, França, Alemanha e China3.

Do ponto de vista da articulação do regime de produção científica do genoma, sua possibilidade emergiu a partir de duas concepções iniciais. A primeira, de que a habilidade de coordenar visões globais sobre genética auxiliaria importantes avanços na pesquisa biomédica. A segunda, já que os problemas eram comuns (e que a coleta de fragmentos de sequências era um processo árduo e demorado), o consórcio estimularia um esforço em acelerar os resultados a partir de uma utilização mútua da infraestrutura instalada em universidades, laboratórios e centros de pesquisa internacionais. (NATURE, 2001).

No caso do HGSC, os investimentos por parte de instituições públicas e privadas também garantiram a viabilidade do projeto e, simultaneamente, criou-se uma intensa demanda por técnicas, equipamentos, softwares e processos que levassem à automação de parte das atividades de pesquisa feita pelos cientistas.

Até mesmo autores com visões distintas sobre o HGSC como Keller (2002), concordam com o fato de que o apoio de distintos grupos da sociedade americana, o suporte financeiro e o mercado criado em torno da biotecnologia foram cruciais.

Durante os primeiros anos, o sequenciamento ocorria por meio de técnicas manuais e a comunidade científica sinalizava para o não cumprimento das metas de sequenciamento. Alguns cientistas, percebendo a demanda por equipamentos mais eficazes, criaram empresas ao longo do desenvolvimento do projeto. Foi o caso dos cientistas Mike Hunkapiller e J. Craig Venter que, em 1998, fundaram a Celera Genomics. (OSADA, 2007; PEREIRA, 2005).

O que se observou nessa etapa da pesquisa em Biologia molecular é seu alto grau de estandardização e automação. Nesse novo regime, o biólogo molecular precisa dominar o conhecimento em Biologia e em Computação para produzir avanços na área.

É possível observar três características norteadoras do HGSC:

(a) o aumento do conhecimento transdisciplinar sobre a vida celular e a inclusão definitiva dos estudos sobre genoma como vetor do desenvolvimento da medicina;

(b) a racionalização/automatização da atividade de investigação molecular no laboratório e a formação de plataformas tecnocientíficas baseadas em banco de dados de livre circulação internacional e;

(c) um esforço de padronização dos regimes locais de produção do conhecimento biológico (principalmente evidentes com a entrada de países em desenvolvimento nos grandes programas de sequenciamento), fundado numa globalização de tecnologias médicas criadas no mundo desenvolvido, e que reproduzem uma agenda de “emulação” de políticas de C&T “vindas de fora”. (LOCK, 2007). Elas estão expressas nos equipamentos, linhagens e culturas de células, metodologias de sequenciamento genético assimiladas por grande parte da comunidade científica mundial.

Fica evidente que a comunidade científica possui o “controle” do progresso técnico como elemento fundamental na sua trajetória histórica de legitimação. Dentre outros aspectos, o domínio tecnocientífico reproduz relações de poder e impõe valores, criando uma expertise que participa cada vez mais dos processos de definição de agendas de políticas públicas a nível global.

Esse discurso orientou uma parcela expressiva da comunidade científica brasileira, principalmente aquela engajada nos grandes temas de fronteira da pesquisa genética internacional. No Brasil, ela se expressou pela organização do Programa Genoma da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), que tomou para si o papel

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497INSTRUMENTOS DE POLÍTICA DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA EM GENÔMICA DO ESTADO DE SÃO PAULO1

R. Pol. Públ., São Luís, v.16, n.2, p. 493-501, jul./dez. 2012

de institucionalizar a política de C&T em genômica brasileira, no estado do país onde se concentra a maior parcela da produção científica nacional.

3 INCORPORANDO O MODELO: a política de C&T em genômica no Brasil e o programa genoma do Estado de São Paulo

A organização de uma política de C&T em genômica no Brasil mostrou ser um fenômeno bastante distinto de outras políticas públicas nacionais. Ela se baseou numa diretriz fomentada pela comunidade científica internacional. De maneira dinâmica, essa agenda buscou equiparar os esforços em C&T do país numa área de crescente prestígio internacional, que passava por um momento de grande impacto para o discurso da inovação e da biotecnologia emergente no fim do século XX.

Onde esse processo se deu de forma mais evidente no Brasil foi no Estado de São Paulo – região com maior parcela da produção científica nacional, ambiente privilegiado para o investimento em áreas de fronteira nas ciências e na biotecnologia. Sua orientação mais geral para o Estado de São Paulo foi a preocupação com duas dimensões práticas da ciência e para a economia: a capacitação em estudos sobre genoma e sequenciamento genético, e a criação de linhas de fomento à pesquisa para setores como da agroindústria de exportação e para a área de tratamentos médicos intensivos em conhecimento.

É possível afirmar que desde os anos 1990 tais objetivos já se firmavam como orientadores da política de C&T paulista. A participação de uma parcela importante da comunidade de cientistas em grandes projetos internacionais e em novas áreas de pesquisa possibilitou uma maior aproximação com temas de fronteira científica. Ficou claro o peso do discurso da “genomics” na orientação dos programas e políticas de C&T em diversos países, inclusive no Brasil.

Não é exagero dizer que os consórcios internacionais de sequenciamento genético (em atividade intensa desde os anos 1980, ao aprofundar o conhecimento da estrutura molecular de bactérias e plantas até o de organismos mais complexos, como o genoma humano), representam essa incursão da biotecnologia como paradigma científico.

A entrada do Brasil na área dos estudos sobre genoma, de maneira geral, e o sequenciamento do genoma humano, de maneira particular, prenunciavam os rumos da medicina no início do século XXI (DIAS-NETO, 2001), tamanho era o impacto desse tema na orientação da política de C&T, principalmente no Estado de São Paulo. É sob essa dimensão – os estudos em biotecnologia humana, que está orientada a proposta de análise de política de C&T desse trabalho.

Entretanto, para se entender as bases dessa

orientação de política específica, é preciso resgatar a discussão sobre um instrumento prático, que teve atuação mais transversal, como os projetos de capacitação na área de sequenciamento do genoma nas ciências da vida como um todo. Esse foi o papel do Programa Genoma da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo. É necessário apresentar brevemente o contexto de formação do Programa Genoma da FAPESP, cujo principal instrumento foi a organização da rede ONSA.

4 O PROGRAMA GENOMA FAPESP, A REDE ONSA E O PROJETO GENOMA DO CÂNCER

O programa genoma, encabeçado pela FAPESP, nasceu em 1997 com a iniciativa de sequenciar por completo o genoma da bactéria Xylella fastidiosa – o primeiro fitopatógeno a ser inteiramente sequenciado no mundo, responsável pela praga do “amarelinho” nos laranjais paulistas.

Para atingir esse objetivo, foi criada a rede Organisation for Nucleotide Sequence and Analysis - Organização para Sequenciamento e Análise de Nucleotídeos (ONSA) um instituto virtual, criado com o objetivo de conectar laboratórios envolvidos nos projetos genomas da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo, FAPESP. A rede mantinha aproximadamente 200 pesquisadores, instalados em 30 laboratórios no Estado de São Paulo, mantidos com recursos iniciais da ordem de US$ 13 milhões.

A oportunidade científica era sequenciar o genoma de organismos. O meio de fazê-lo era através da rede ONSA. Essa rede virtual, cujo modelo de formação de consórcio de pesquisa privilegiou a criação de redes de cooperação entre centros de pesquisa, integrou diversos laboratórios paulistas para sequenciamento de DNA em larga escala, com o suporte centralizado para bioinformática no Instituto de Computação da Universidade Estadual de Campinas UNICAMP. (SIMPSON; PEREZ, 1998).

Esse programa, na época do seu lançamento até a conclusão, em 2003, investiu cerca de US$ 50 milhões e provocou importantes mudanças no cotidiano dos laboratórios de Biologia Molecular no estado de São Paulo. (OSADA, 2007). A “saga” do genoma da Xylella abriu as portas de uma série de outros projetos genomas. Como resultado, o sequenciamento da Xylella ganhou a capa da revista Nature, em 13 de junho de 2000, e repercutiu em forma de análise e de notícias em vários periódicos no mundo. (OLIVEIRA, 2008).

Durante o desenvolvimento do Programa Genoma, vemos a diversidade dos projetos que se estabeleceram com o apoio da FAPESP.

Em janeiro de 2000 o genoma pioneiro da Xylella foi concluído, antes do prazo. Depois veio o da bactéria Xanthomonas axonopodis, causadora do cancro

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cítrico. Logo em seguida vieram o da cana-de-açúcar e o do Schistosoma mansoni, verme responsável pela esquistossomose. [...] os projetos se transformaram no Programa Genoma FAPESP (principalmente com o início do projeto genoma do câncer). Também foram sequenciados os genomas da Leptospira, bactéria causadora da leptospirose, do café, do eucalipto, e o genoma bovino [...] a rede ONSA cresceu muito. O orçamento que foi gasto de 1997 até 2003 foi de US$ 39 milhões. A rede ONSA chegou a ter 60 laboratórios com esse orçamento. (OLIVEIRA, 2008).

Apenas nesses primeiros esforços da rede ONSA já foi possível observar uma agenda de capacitação de pesquisadores em novas técnicas de sequenciamento. O programa aplicou recursos na infraestrutura dos laboratórios, financiando desde a compra de equipamentos de sequenciamento até a reforma e a ampliação de laboratórios; assim como dinamizou o contato entre universidade, governo e empresas para executar grandes projetos na área da biotecnologia.

O projeto genoma da Xylella e o projeto genoma humano do câncer foram os de maior impacto na comunidade científica internacional. Eles estão na base de uma estratégia de política de C&T que tornou possível uma nova forma de organização da pesquisa e da produção da ciência no Estado de São Paulo. Esta se manifestou por uma cooperação em rede entre pesquisadores e se orientou por uma nova metodologia de obtenção de resultados: focalizada no uso de instrumentos da bioinformática e da computação.

Em 1999, a rede ONSA lançou o Projeto Genoma Humano do Câncer (Human Cancer Genome Project - HCGP), área do Genoma Humano de alta competitividade no cenário internacional. (KIMURA; BAÍA, 2002). O Projeto HCGP, uma parceria financeira entre a FAPESP e o Ludwig

Institute for Cancer Research (Instituto Ludwig para Pesquisa sobre o Câncer), envolveu o trabalho conjunto com 29 laboratórios paulistas. Esse é um exemplo de área que foi orientada pela emergência da chamada Oncogenômica4, que reorganizou o formato do “fazer” científico no campo dos estudos sobre o câncer.

A trajetória de pesquisas sobre o Câncer não é nova. Ela remete aos anos 1960, entretanto, recebe atenção especial em 1971, quando o então presidente dos EUA Richard Nixon assinou o National Cancer Act, lançando a campanha de “War on Cancer” (AYUANG, 2011; PETO, 2001) – contexto em que a doença era a segunda responsável por óbitos naquele país.

Isso assegurou um papel de destaque da pesquisa sobre o câncer na agenda da política científica dos Estados Unidos, e o que se viu foi um aumento expressivo da quantidade de recursos destinados a pesquisa básica e ao desenvolvimento de drogas-alvo para o tratamento da doença, principalmente por parte do National Institute of Health (NIH) e o National Cancer Institute (NCI).

De 1971 a 2004 foram gastos mais de US$200 bilhões nas pesquisas na área, enquanto o sequenciamento do genoma humano demandou um gasto de aproximadamente US$3 bilhões. (AYUANG, 2011). A dinâmica de interação entre as duas atividades científicas era evidente, e se tornava cada vez mais promissor o intercambio de pesquisadores e o compartilhamento de uma infraestrutura tecnológica destinada à análise gênica e molecular do câncer.

O projeto genoma do Câncer contribuiu para a criação de um arcabouço de conhecimento científico em oncogenômica no país, vinculado aos moldes da ciência internacionalizada. Com o sucesso do projeto, o Brasil entrou para a seleta equipe de países que detém o conhecimento e a formação especializada nas principais tecnologias de sequenciamento (análise do DNA, RNA, transcriptoma, etc.) no campo da biologia molecular e genética. Há que se refletir,

 

Projeto genoma Cana-de-açúcar

1999-2001

Projeto genoma Xylella fastidiosa

1997 - 2000

Projeto genoma Humano do Câncer

1999 - 2000

Projeto genoma Xanthomonas axonopodis

2000-2002

Projeto Genoma Schistosoma mansoni

2001-2003

 

Figura 1 - Alguns dos principais projetos do Programa Genoma FAPESP – 1999/2003

Fonte: Elaborado pelos autores.

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assim, sobre os resultados dessa orientação de política, ancorada numa incorporação de conceitos e práticas científicas desenvolvidas fora do país, em países de natureza econômica e social distintas.

5 CONCLUSÃO

Vimos que o processo de formação de uma agenda de política não é uma tarefa banal. De maneira geral, ela possui conceitos e orientações que muitas vezes não aparecem nos textos de definição dos objetivos da política. No campo da C&T esses conceitos são mais difíceis de serem evidenciados, uma vez que estão relacionados à heterogeneidade da organização de seu principal ator (a comunidade de pesquisa). Por vezes, essa definição da agenda de política de C&T incorpora elementos que atendem algumas demandas dos cientistas, mas exclui a de outros.

Isso é muito evidente na área da genomics. A busca incessante pela conclusão de grandes projetos de sequenciamento genético e a orientação desse campo para a internacionalização desses resultados foram um traço marcante naquele momento, e condicionou outras linhas de investigação na área. Só é possível entender o desenvolvimento de uma tecnologia (ou uma cadeia delas) a partir de uma análise dos elementos sociopolíticos de onde ela emerge. A definição das relações de poder entre os diversos grupos na área da genomics se expressou de maneiras distintas no mundo, e a utilização da história ajuda a explicar o porquê de certas relações serem específicas a certas áreas do conhecimento.

É importante assegurar que a descrição dos elementos que caracterizam parte do regime de produção científica nesse campo é fundamental para se entender quais as bases históricas de legitimação que sustentaram a orientação da política, mostrando o porquê da rápida divulgação das tecnologias de sequenciamento e os fatores materiais e culturais que compuseram a sua validade dentro da comunidade acadêmica internacional.

Em outras palavras, ao argumentarmos que o desenvolvimento tecnológico envolve conflito e negociação entre grupos sociais com concepções diferentes acerca dos problemas e soluções, colocamos em questão não só a velocidade do progresso técnico, mas o seu próprio conteúdo e significando. (DAGNINO, 2008). Ora, isso nos faz pensar sobre os resultados (não só materiais) do desenvolvimento dos estudos sobre genoma, que possuem um potencial imenso para aplicação em campos importantes no Brasil, como em melhorias no tratamento do câncer e na aplicação da medicina molecular na saúde pública, por exemplo.

O Estado de São Paulo possui a capacitação de muitos profissionais nesse campo, e pode liderar uma aproximação mais interessante entre a comunidade de pesquisa e a saúde pública. Esse

processo já ocorre, mas ainda está permeado por práticas restritivas da comunidade acadêmica em orientar-se para o discurso da inovação tecnológica e para grandes programas de interesse internacional. Há que se analisar a importância da política de C&T brasileira sem perdermos de vista uma aplicação democrática dos recursos públicos destinados à pesquisa, pensando sua contribuição para a resolução de problemas sociais mais básicos do país, sobretudo aqueles referentes a saúde pública e ao desenvolvimento humano em geral.

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Notas

1 Os autores agradecem a FAPESP e o CNPq pelos auxílios destinados para a realização da pesquisa na área, sem os quais não seria possível a efetivação deste trabalho.

2 Path dependence é um conceito geral utilizado pela literatura da ciência política (PIERSON, 2000) e da vertente da (macro) sociologia histórica (MAHONEY, 2000), com algumas interfaces com a economia institucionalista. (NORTH, 1990). A expressão significa que a configuração atual de um sistema depende de sua história, não podendo ser compreendido como um fenômeno estático. (VELHO, 2011).

3 “The idea of sequencing the entire human genome was first proposed in discussions at scientific meetings organized by the US Department of Energy and others from 1984 to 1986 […] In addition, the Human Genome Organization (HUGO) was founded to provide a forum for international coordination of genomic research […] Several books provide a more comprehensive discussion of the genesis of the Human Genome Project”. (NATURE, 2001).

4 Oncogenômica – uma sub-área da genômica, relativamente nova, que faz a aplicação sistemática de tecnologias para caracterizar genes associados ao desenvolvimento do câncer. Seu objetivo é identificar tanto genes relacionados à formação de tumores como genes capazes de interromper a reprodução de células cancerosas. A atividade científica na área busca fornecer novos tratamentos para o diagnostico do câncer, prevendo sua evolução clínica e criando novas terapias-alvo, baseadas na investigação do comportamento celular e na manipulação do material genético do paciente de forma individualizada. (STRAUSBERG et al, 2004).

Renan Gonçalves Leonel da Silva Relações InternacionaisDoutorando do Programa de Pós-graduação em Política Científica e Tecnológica da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)E-mail: [email protected]

Maria Conceição da CostaSociólogaDoutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP)Professora do Programa de Pós-graduação em Política Científica e Tecnológica da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)E-mail: [email protected]

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Universidade Estadual de Campinas - UNICAMPInstituto de Geociências - Rua João Pandiá Calógeras, 51CEP: 13083-870

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REFLEXÕES SOBRE DESENVOLVIMENTO NO BRASIL: um estudo sobre a Política Nacional de Desenvolvimento Regional

Cleidson Nogueira Dias Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embapra)

REFLEXÕES SOBRE DESENVOLVIMENTO NO BRASIL: um estudo sobre a Política Nacional de Desenvolvimento RegionalResumo: Com base em estudos e reflexões sobre desenvolvimento, esta pesquisa analisou a Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR), do Ministério da Integração Nacional (MI), no Brasil. Para tanto, o presente artigo realizou a investigação do entendimento da alta gerência da Secretaria de Desenvolvimento Regional (SDR), responsável pela execução da PNDR. Primeiramente, buscou instigar a reflexão sobre desenvolvimento, subsidiado por renomados autores/pesquisadores do tema. Depois, há uma contextualização da PNDR, cujos resultados avaliam a implementação desta política pública, sob a ótica de seus partícipes, e mostram alguns dos fatores que impulsionam o desenvolvimento local e regional, além de trazer recomendações e ensinamentos que podem ser aplicados, para futuros desdobramentos, em projetos ou programas dessa natureza.Palavras-chave: Desenvolvimento, política pública, desenvolvimento local e regional, Ministério da Integração Nacional, Brasil.

REFLECTIONS ON DEVELOPMENT IN BRAZIL: a study on the National Regional DevelopmentAbstract: Based on studies and reflections on development, this study analyzes the National Policy For Regional Development (PNDR), by the Ministry for National Integration (MI) in Brazil. Thus, in this article, took effect to investigate the understanding of top management of the Secretariat for Regional Development (SDR), responsible for implementing of the PNDR. First, we searched for instigating the reflection on development subsidized by renowned authors/researchers of the subject. Afterwards, there is a context of the PNDR, that the results evaluate the implementation of public policy, from the perspective of its participants, and show some of the factors that drive local and regional development, in addition to providing recommendations and lessons that can be applied, for the future developments, in projects or programs of its kind.Key words: Development, public policy, local and regional development, Ministry for National Integration, Brazil.

Recebido em: 07.06.2012. Aprovado em: 22.10.2012.

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1 INTRODUÇÃO

Um olhar atento ao processo histórico brasileiro revela um intenso e desordenado deslocamento populacional rumo às cidades, sobretudo na segunda metade do século XX, quando ocorre a inversão da estrutura demográfica do país, consequência do processo de industrialização e urbanização. O campo, esvaziado e entregue às grandes culturas mecanizadas, deixa de abrigar uma porção considerável da população que dele subsistia.

Além disso, a falta de equidade na realização de investimentos nas regiões brasileiras, com privilégio de umas em detrimento de outras, fez com que o processo de desenvolvimento no Brasil não se distribuísse homogeneamente por todo o território nacional. Desigualdades regionais foram acentuadas e reproduzidas em ciclos de empobrecimento, acarretando a coexistência, no país, de regiões de economia estagnada, com baixos níveis de bem-estar social, ao lado de regiões de grande dinamismo socioeconômico, caracterizando um quadro de iniquidade social e de falta de oportunidades.

Esse quadro requer uma intervenção do Governo Federal para compensar o desequilíbrio e garantir que o crescimento econômico decorrente da ação pública implique desenvolvimento para todas as regiões do país, evitando a reprodução dos mecanismos tradicionais da concentração de riquezas. Para tanto, há organizações públicas que têm como objetivo estimular e apoiar processos que deem fomento à criação de ocupações laborais e à emancipação cidadã na perspectiva do desenvolvimento local e regional.

Neste contexto, o Ministério da Integração Nacional promove uma intervenção, a partir da formulação, da criação e da implementação de uma política pública específica. No caso, destaca-se a Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR), cujo objeto principal é o combate às profundas desigualdades de níveis de vida e de oportunidades de desenvolvimento entre unidades territoriais ou regionais do país.

Deste modo, esta pesquisa estuda o caso do Ministério da Integração Nacional (MI), especificamente a Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR), e levanta e interpreta as percepções dos colaboradores da Secretaria de Desenvolvimento Regional (SDR), uma vez que estes dirigentes são responsáveis pela gerência dos programas e do projeto que executam a PNDR. Ademais, cabe frisar que os programas e projetos da SDR, do Ministério da Integração Nacional, atuam com vistas às iniciativas voltadas para a reversão do quadro de desigualdade e de exclusão das regiões brasileiras e das populações que nelas residem e trabalham.

Quanto aos aspectos metodológicos, o

método científico utilizado foi a análise de conteúdo. Procedeu-se à análise de conteúdo, apoiando-se em procedimentos estatísticos e interpretativos. Para Vergara (2006), o método compreende três etapas básicas: (a) pré-análise; (b) exploração do material; (c) tratamento dos dados e interpretação. A pré-análise refere-se à seleção do material e à definição de procedimentos a serem seguidos. A exploração do material diz respeito à implementação desses procedimentos. O tratamento e a interpretação, por sua vez, referem-se à geração de inferências e dos resultados da investigação.

A análise de conteúdo admite tanto abordagens quantitativas quanto qualitativas ou, ainda, ambas. Portanto, foi aplicado um questionário semiestruturado, contendo perguntas (fechadas e abertas), cuja leitura exaustiva permitiu identificar as ideias centrais contidas nas respostas da questão aberta (última), para uma classificação em núcleos de sentido que articulam as diferentes categorias de ideias.

Fez parte do universo desta pesquisa o corpo gerencial da atual Secretaria de Desenvolvimento Regional (SDR), antiga Secretaria de Programas Regionais (SPR), do Ministério da Integração Nacional (MI), pois é nesta secretaria que se encontravam os Programas e Projetos responsáveis pela execução da Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR). A secretaria era composta de 1 (um) secretário, 4 (quatro) coordenadores-gerais de programas e projetos, 2 (dois) diretores, e 13 (treze) gerentes ou responsáveis técnicos de cada uma das mesorregiões prioritárias para as ações do Ministério, além dos demais servidores, que estão em um patamar mais baixo na hierarquia. Logo, na população investigada estão contidos os 04 coordenadores dos programas e projetos, 13 gerentes e técnicos do Projeto Produzir, com mais de 02 anos de experiência de trabalho no projeto.

2 ESTUDOS E ABORDAGENS SOBRE DESENVOLVIMENTO

Os estudos sobre desenvolvimento tiveram lugar central na agenda de diversos cientistas latino-americanos, especialmente desde o final da Segunda Guerra Mundial até meados da década de 70. Contudo, antes de qualquer coisa, é de bom alvitre observar que o termo “desenvolvimento”, segundo o dicionário Houaiss (2009, p. 649, grifo nosso), significa:

Desenvolvimento: 1 ação ou efeito de desenvolver(-se); desenvolução. 2 crescimento, progresso, adiantamento <d. da economia, das ciências>. 2.1 crescimento econômico, social e político de um país, região, comunidade, etc. 2.2 aumento dos atributos físicos; crescimento <d. de um organismo, do

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corpo >. 2.3 aumento de qualidades morais, psicológicas, intelectuais etc. <d. da inteligência, de uma habilidade>. 3 MÚS parte da música em que um tema inicial é executado com modificações e com mais detalhes/ d. sustentável ECON desenvolvimento econômico planejado com base na utilização de recursos e na implantação de atividades industriais, de forma a não esgotar ou degradar os recursos naturais; ecodesenvolvimento.

Analisando o sentido semântico da palavra desenvolvimento, é fácil perceber o porquê desse tema ser sempre alvo de pesquisas e de planos estratégicos. Nesse contexto, segundo Paula (2006), a estratégia desenvolvimentista na América Latina, na segunda metade do século XX, foi fortemente influenciada pelo chamado pensamento Cepalino.

Uma importante vertente do debate sobre o desenvolvimento originou-se na Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), cujos preceitos, que tomaram força a partir dos trabalhos de Raúl Prebisch, Celso Furtado e outros, desenvolveram uma proposição política para países subdesenvolvidos, ou seja, a de industrializar como meio de superar a pobreza ou de reduzir a diferença entre eles e os países ricos e de atingir a independência política e econômica de um crescimento econômico autossustentado.

Uma observação mesmo superficial da história moderna põe em evidência que formações sociais assinaladas por grande heterogeneidade tecnológica, marcadas desigualdades na produtividade do trabalho entre áreas rurais e urbanas, uma proporção relativamente estável da população vivendo ao nível da subsistência, crescente subemprego urbano – isto é, as chamadas economias subdesenvolvidas – estão intimamente ligadas à forma como o capitalismo industrial cresceu e se difundiu desde os seus começos. (FURTADO, 1983, p. 77).

Para Celso Furtado (1969, p. 21),

Se observamos o desenvolvimento econômico de uma perspectiva ampla, isto é, como um processo histórico que interessa e inclui a todos os povos, constatamos que o progresso tecnológico nele desempenha o papel fundamental.

Segundo o autor, o fato de existir progresso tecnológico em certas áreas, que são polos de desenvolvimento mundial, resulta na acumulação e nas significativas elevações de produtividade.

O aprofundamento da industrialização, no

entanto, requereria a ação do Estado, em particular, o planejamento estatal e medidas protecionistas, visando aprofundar o processo de substituição.

Na América Latina, a articulação multinacional, para transformar-se em efetivo desenvolvimento, requer prévia recuperação do Estado nacional como centro básico de decisões. Sem essa recuperação, é de prever que continue a agravar-se a desarticulação das economias nacionais e que persista o impasse da estagnação. As tentativas de integração de economias nacionais desarticuladas e controladas do exterior servirão apenas para aumentar os cursos e fazer mais remota a retomada do desenvolvimento. (FURTADO, 1969, p. 117).

Essa corrente histórico-estruturalista, nos trabalhos de Prebisch e Furtado, questionava a lógica do liberalismo, colocando o Estado como um dos importantes atores para a promoção do desenvolvimento e formulando categorias teórico-empíricas como a dicotomia centro-periferia na estruturação do sistema econômico mundial e as características intrínsecas e particulares do subdesenvolvimento.

Milton Santos é outro grande cientista que faz uma relevante contribuição ao estudo sobre desenvolvimento, incluindo o fator “espacial” à análise econômica e propondo que o problema da desigualdade é inseparável de uma organização espacial adequada, baseada numa estrutura de produção adequada.

Para formação de polos de desenvolvimento, há que se levar em conta que

O problema básico é encontrar uma estrutura de produção que seja capaz tanto de transmitir o crescimento dos setores modernos aos não modernos como de distribuir os recursos disponíveis de uma maneira mais equitativa. (SANTOS, 1979, p. 146-147).

Maiores investimentos sociais e agrícolas nas periferias, por parte do Estado, resultariam num fortalecimento das cidades intermediárias e locais, enquanto seus habitantes seriam menos pobres, já que estariam capacitados a usar um maior número de serviços públicos e teriam maior acesso a bens e serviços oferecidos por empresas privadas. (SANTOS, 1979).

Furtado (1983, p. 75-76) afirma, no seu livro “O Mito do Desenvolvimento Econômico”, em uma curta passagem:

Cabe, portanto, afirmar que a idéia de desenvolvimento econômico é um simples mito. Graças a ela tem sido

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possível desviar as atenções da tarefa básica de identificação das necessidades fundamentais da coletividade e das possibilidades que abre no homem o avanço da ciência, para concentrá-las em objetivos abstratos como são os investimentos, as exportações e o crescimento.

Para Veiga (2006, p. 62), a questão que se coloca, portanto, é a “de saber por que esse grande pensador continuou perseverando na formulação teórica do desenvolvimento, em vez de mergulhar nessas águas turvas de imediato combate ao crescimento econômico ou de uma recusa quase pueril do capitalismo, da globalização e do progresso em geral”. Ainda segundo Veiga (2006), uma resposta bem concisa foi dada por Celso Furtado na apresentação à “Pequena Introdução ao Desenvolvimento” (1980), escrita para reedição de 2000, que leva o título de “Introdução ao Desenvolvimento: enfoque histórico-estrutural”:

Como o desenvolvimento traduz a realização das potencialidades humanas, é natural que se empreste à idéia um sentido positivo. As sociedades são consideradas desenvolvidas à medida que nelas o homem logra satisfazer suas necessidades e renovar suas aspirações. O estudo do desenvolvimento tem, portanto, como tema central, a criatividade cultural e a morfogênese social, temática que permanece praticamente intocada. (FURTADO, 2005, p. 7 apud VEIGA, 2006, p. 92).

A crise do desenvolvimentismo latino-americano na segunda metade da década de 1960 incitava novas abordagens teóricas para a questão do desenvolvimento da região. Em 1968, numa conferência na Itália (World Order Models Conference), os argentinos Jorge Sábato e Natalio Botana complementaram o estudo sobre o desenvolvimento. Para eles, a inserção de uma infraestrutura científica e tecnológica na trama de desenvolvimento dos países da América Latina significa saber onde e como inovar. Contudo, esse processo constitui o resultado de uma ação múltipla e coordenada de três elementos fundamentais no desenvolvimento das sociedades contemporâneas; o governo, a estrutura produtiva e a infraestrutura científico-tecnológica. (SÁBATO; BOTANA, 1968).

Logo, a forma como deveriam ocorrer os processos de cooperação entre governo, setor produtivo e ciência e tecnologia, para o desenvolvimento da América Latina, passou a ser conhecido como "Triângulo de Sábato", conforme demonstra a Figura 1.

O vértice que diz respeito à estrutura produtiva, em um sentido geral, pode ser definido como o

conjunto de setores produtivos de que provêm os bens e serviços que demanda uma determinada sociedade. O governo, por sua vez, compreende o conjunto de entes institucionais que têm como objetivos formular políticas e mobilizar recursos em direção aos demais vértices através dos processos legislativo e administrativo. (SÁBATO; BOTANO, 1968). E, ainda para os autores, o vértice em que se encontra a infraestrutura científico-tecnológica é definido como um complexo de elementos articulados e inter-relacionados entre si, que inclui:

a) O sistema educativo que produz em qualidade e quantidade o capital humano que protagoniza a pesquisa: cientistas, tecnólogos, ajudantes, assistentes, operários, administradores;

b) Os laboratórios, institutos, centros, projetos-pilotos (formados por homens, equipes e edifícios) onde se fazem pesquisas;

c) O sistema institucional de planejamento, de promoção, de coordenação e de estímulo à pesquisa (Academias de Ciências, Conselhos de Pesquisas, etc.).

d) Os mecanismos jurídico-administrativos que regulam o funcionamento das instituições e atividades descritas nos itens anteriores;

e) Os recursos econômicos e financeiros aplicados para seu funcionamento. Esse triângulo foi concebido para mostrar

graficamente as intra, inter e extrarrelações entre esses três setores. No vértice superior, o governo teria a responsabilidade de ligar funcionalmente os vértices da base do triângulo. Na base do triângulo: em um dos vértices, estariam as instituições de ensino e pesquisa infraestrutura científico-tecnológica), que constituem os sistemas de aprendizagem e conhecimento; no outro vértice, estariam as empresas (estrutura produtiva), integrantes do sistema econômico e social. Além disso, observa-se que, em países em desenvolvimento, os vértices da base tendem a ser pontos isolados, sem conexão.

Uma generalização do "Triângulo de Sábato" – conhecida como modelo da Hélice Tripla ou Tríplice Hélice – foi proposta, em 1996, por Loet Leydesdorff e Henry Etzkowitz, que defendiam a colaboração crescente entre as esferas pública, privada e acadêmica. Em um artigo posterior (2000), os autores apresentam o modelo incluindo as redes trilaterais que geram organizações híbridas, de

Figura 1 – Triângulo de Sábato

Fonte: Sábato e Botana (1968).

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acordo com a Figura 2.

A tripla hélice é um modelo de inovação em espiral que capta múltiplos relacionamentos recíprocos em diferentes pontos do processo de captação do conhecimento. A primeira dimensão do modelo da tripla hélice é a transformação interna em cada uma das hélices, como o desenvolvimento de relações laterais entre as empresas por meio de alianças estratégicas ou uma suposição de uma missão de desenvolvimento econômico por parte das universidades. A segunda é a influência de uma hélice em cima da outra, por exemplo, o papel do Governo Federal em instituir uma política industrial. Por fim, a terceira dimensão é a criação de uma nova camada de redes trilaterais e organizações com base na interação entre as três hélices, formada com o propósito de vir com novas ideias e formatos para o desenvolvimento da alta tecnologia. (ETZKOWITZ, 2002).

Esse novo modelo parte de uma interação que se movimenta como uma hélice tríplice, vinculando as instituições governamentais, as empresas e as universidades à ação de processos inovativos, cujos recursos necessários à operacionalização da rede, que passa a ser constituída, são fornecidos a partir das condições locais. Por sua vez, essa abordagem interativa passa a interferir na organização institucional de cada uma delas.

Para Etzkowitz (2002), o modelo da Hélice Tríplice promove o desenvolvimento regional, pois, dentro de contextos específicos, universidades regionais, governos e empresas estão aprendendo a lograr um novo patamar econômico por meio do desenvolvimento de livres relações de reciprocidade entre atores locais. Para que isso aconteça, uma região local deve ter algumas instituições científicas e tecnológicas que tenham produzido ou obtido acesso para outros tipos de instrumentos necessários ao apoio à inovação, como mecanismos de investimento e instituições para promover uma ação concertada.

Entre os economistas, além de Celso Furtado

(1983), para quem a ideia de um desenvolvimento puramente econômico é um mito, destaca-se, também, o trabalho do economista indiano Amartya Sen, que recebeu o prêmio Nobel de Economia por revolucionar a teoria e a prática do desenvolvimento.

Sen (2000) dá ao desenvolvimento um enfoque nas liberdades humanas, fato que contrasta com visões mais restritas de desenvolvimento, como as que identificam desenvolvimento com crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) ou Produto Nacional Bruto (PNB), aumento de rendas pessoais, industrialização, avanço tecnológico ou modernização social. Em outras palavras, o crescimento do PNB ou das rendas individuais pode ser muito importante, mas as liberdades dependem também de outros fatores determinantes, como as disposições sociais e econômicas e os direitos civis. De igual maneira, a industrialização, o progresso tecnológico ou a modernização social podem contribuir substancialmente para expandir as liberdades humanas, mas elas dependem também de outras influências.

Desse modo, segundo Sen (2000, p.18)

O desenvolvimento requer que se removam as principais fontes de privações de liberdade: pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência excessiva de Estados repressivos.

Para esse autor, a liberdade é central para o processo de desenvolvimento por duas razões: a primeira é que a avaliação do progresso tem de ser feita verificando-se essencialmente se houve aumento das liberdades das pessoas; a segunda é que a realização do desenvolvimento depende inteiramente da livre condição de agente das pessoas.

No sentido desenvolvido por Sen (2000), as políticas de desenvolvimento e geração de renda também podem ser entendidas pelo viés democrático, se vistas como estratégias de redução da pobreza e de extensão de direitos a segmentos da população excluídos do acesso a oportunidades e desprovidos de “capacidades”.

A liberdade, como bojo do desenvolvimento, inclui capacidades elementares como:

Ter condições de evitar privações como a fome, a subnutrição, a morbidez evitável e a morte prematura, bem como as liberdades associadas a saber ler e fazer cálculos aritméticos, ter participação política e liberdade de expressão etc. Nessa perspectiva constitutiva, o desenvolvimento envolve a expansão dessas e de outras liberdades básicas: é o processo de

Figura 2 – Modelo da Tríplice Hélice das relaçõesuniversidade-governo-indústria

Fonte: Etzkowitz e Leydesdorff (2000, p. 111).

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expansão das liberdades humanas, e sua avaliação tem de basear-se nessa consideração. (SEN, 2000, p. 54).

Ignacy Sachs (2004) compartilha da visão do desenvolvimento como expansão das liberdades de Amartya Sen (2000), abordando em seus ensaios, enfoques centrados nas questões do trabalho, da inclusão social, das políticas públicas e da distribuição de rendas, todas tendo como eixo a ética.

A idéia de desenvolvimento implica a expiação e a reparação de desigualdades passadas, criando uma conexão capaz de preencher o abismo civilizatório entre as antigas nações metropolitanas e a sua antiga periferia colonial, entre as minorias ricas modernizadas e a maioria ainda atrasada e exausta dos trabalhadores pobres. O desenvolvimento traz consigo a promessa de tudo – a modernidade inclusiva propiciada pela mudança estrutural. (SACHS, 2004, p. 13).

Além disso, Sachs traz ao debate sobre desenvolvimento, a proposta de um desenvolvimento sustentável como alternativa para promoção de um desenvolvimento includente, de bem-estar econômico e de preservação dos recursos naturais. Cabe frisar que o adjetivo sustentável se refere à condicionalidade ambiental, enquanto sustentado se refere à permanência do processo de desenvolvimento. Deste modo, para Sachs (2004, p. 15),

O desenvolvimento sustentável acrescenta uma outra dimensão – a sustentabilidade ambiental – à dimensão da sustentabilidade social. Ela é baseada no duplo imperativo ético de solidariedade sincrônica com a geração atual e de solidariedade diacrônica com as gerações futuras. Ela nos compele a trabalhar com escalas múltiplas de tempo e espaço, o que desarruma a caixa de ferramentas do economista convencional. Ela nos impele ainda a buscar soluções triplamente vencedoras, eliminando o crescimento selvagem obtido ao custo de elevadas externalidades negativas, tanto sociais quanto ambientais. Outras estratégias, de curto prazo, levam ao crescimento destrutivo, mas socialmente benéfico, ou ao crescimento ambientalmente benéfico, mas socialmente destrutivo.

Para concluir nossa primeira abordagem dos estudos e reflexões sobre desenvolvimento, cabe mencionar o notável e profícuo trabalho de Robert D. Putnam (2006), cujo “capital social” foi cerne de

seu estudo na experiência da Itália moderna, com a afirmação de que o exercício dos direitos e dos deveres de cidadania por parte da população é a melhor forma de se verificar o desenvolvimento socioeconômico das regiões, melhor que o próprio desenvolvimento em si. Em outras palavras, poder-se-ia exprimir que as possibilidades de desenvolvimento de uma região dependeriam mais da sua estrutura cívica e, por conseguinte, da existência de canais horizontais de participação do que do esforço pontual de desenvolvimento. Conforme percebemos, ainda, quando o estudo de Putnam (2006, p. 164) estava em evolução:

Já no tocante à participação, política e à solidariedade social, a Emilia-Romagna tinha na virada do século a cultura mais cívica de toda a Itália (como tem ainda hoje e como aparentemente teve quase um milênio antes). Por sua vez a Calábria tinha (e ainda tem) possivelmente a menos cívica das culturas regionais italianas – feudal, fragmentada, alienada e isolada. Nas oito décadas subseqüentes, criou-se entre as duas regiões um hiato social e econômico de notáveis proporções. [...] Tais correlações sugerem um hipótese curiosa: talvez as tradições regionais de participação cívica no último século ajudem a explicar as atuais diferenças no nível de desenvolvimento. Em outras palavras, talvez o civismo ajude a explicar a economia, e não o inverso.

Assim, o Estado, quando visa gerar condicionantes para estimular um desenvolvimento socioeconômico regional, que proporcione sustentabilidade às suas políticas, deve possibilitar condições de participação pública nos seus assuntos, aumentando sua eficiência e, também, a rede de atores que influenciam no seu processo.

3 A POLÍTICA NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL (PNDR)

No atual ambiente nacional e mundial, o debate sobre novas bases de uma Política Nacional de Desenvolvimento Regional torna-se muito importante. De saída, a política regional no Brasil precisa lidar com dois lados de uma mesma moeda:

Lidar com a grande desigualdade regional, o que é problema, e com a magnífica diversidade regional, o que é um enorme potencial [...]. A sociedade brasileira precisa lidar, ao mesmo tempo, com uma enorme desigualdade de oportunidades, desigualdade de infra-estrutura, desigualdade de poder, entre tantas outras e, ao mesmo tempo, está desafiada a lidar com a maravilhosa diversidade do país. Daí a riqueza do

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debate de política regional no caso brasileiro. (ARAÚJO, 2007, p. 230).

Bandeira (2006) lembra que, em dezembro de 2003, o Ministério da Integração Nacional divulgou um documento, produzido pela Secretaria de Desenvolvimento Regional (naquele ano eram as Secretarias de Políticas de Desenvolvimento Regional e a de Programas Regionais), intitulado Política Nacional de Desenvolvimento Regional – proposta para discussão. Nele é esboçada uma nova abordagem para as ações da Administração Federal relacionadas com o desenvolvimento regional e com o enfrentamento das desigualdades regionais.

Gomes (2004) relata que, num país como o Brasil, a existência de uma Política Nacional de Desenvolvimento Regional torna-se fundamental para que, na retomada do crescimento que se anuncia, as forças tradicionais da concentração sejam minimizadas e o dinamismo possa atingir as mais diversas regiões do país. Na ausência de tal política, nas décadas recentes, prevaleceu a “guerra fiscal”. Mas floresceram, também, experiências de cooperação sub-regional muito positivas e que devem ser valorizadas agora pelas políticas federais. Em nível estadual, alguns estados começam a implementar uma verdadeira revolução institucional, valorizando a dimensão regional na estruturação de suas ações.

Em nível municipal, após a onda fragmentadora que prevaleceu nos anos pós Constituição de 1988, quando mais de 1300 novos municípios foram criados, numerosas experiências de pactos, fóruns, consórcios e outras formas de ação coordenada ou de cooperação indicam um momento novo que também deve ser valorizado na formulação de uma nova Política Nacional de Desenvolvimento Regional. (GOMES, 2004).

Galvão (2007, p. 338) recorda que os diferentes potenciais de desenvolvimento das diversas sub-regiões, que refletem a diversidade social, econômica, ambiental e cultural presente no país, são a matéria-prima das políticas regionais. É para atuar nessas direções, de forma clara e direta, que se justifica a existência da PNDR. Atuar nos territórios que interessam menos aos agentes do mercado, valorizando suas diversidades, configura-se como uma estratégia para a redução das desigualdades. Ou seja, a desigualdade de renda, na sua expressão territorial, decorrente da ausência e/ou estagnação da atividade econômica é o que interessa a essa política.

A abordagem da Política Nacional de Desenvolvimento Regional (BRASIL, 2003) mostra que, no caso de um país continental como o Brasil, além da redefinição de sua inserção mundial, parece cada vez mais evidente o imperativo de combater desigualdades internas e trabalhar a diversidade como um ativo essencial do modelo de desenvolvimento. E isso remete às políticas

que tenham por eixo a estruturação de iniciativas inovadoras desde a base territorial do país, que contem com o engajamento das diversas forças sociais e políticas das regiões.

Alguns problemas, naturalmente, possuem maior afinidade com o desenvolvimento regional. De modo inverso ao que muitos pensam, o objeto da PNDR não é o combate à pobreza, que constitui um problema afeto a outros campos de ação pública, em especial ao das políticas sociais. Se assim fosse, no caso brasileiro atual, o mapa de intervenção da PNDR levaria o Governo a priorizar as áreas metropolitanas, mais ricas e dinâmicas, mas hoje concentradoras de enorme contingente de pobres.

Pobreza e desigualdades regionais, no entanto, mostram-se convergentes em muitos lugares e seus respectivos mapas de referência assemelham-se em várias regiões, nas quais, em muitas situações, as posições relativas se superpõem.

Dessa forma, os espaços não incorporados a contento pela dinâmica capitalista justificam a intervenção do Estado, que objetiva a redução das desigualdades socioeconômicas por meio da criação das condições necessárias ao desenvolvimento das atividades econômicas; a inserção digna da população no mercado de trabalho; a implantação de infraestrutura e dos serviços básicos de saúde, educação, entre outros. O fundamento da Política reside na oportunidade de que se articulem iniciativas de cunho territorial, tendo em vista ampliar os níveis de coesão e integração das estruturas socioeconômicas espacialmente distribuídas.

Para Ferreira e Moreira (2007), a PNDR inovou ao conceber como uma de suas premissas básicas a abordagem em múltiplas escalas, estabelecendo a necessidade de diálogo entre territórios que compõem as diferentes regiões brasileiras e valorizando a diversidade que caracteriza o território nacional.

As iniciativas nos territórios prioritários da PNDR foram agrupadas em quatro blocos de ações e atividades distintos (GALVÃO, 2007, p. 344):

1. dinamização econômica, com destaque para reestruturação de arranjos produtivos locais;2. infra-estrutura econômica, com ênfase na realização de pequenas obras de transporte de inegável impacto local;3. infra-estrutura social, onde se sobressaem obras de infra-estrutura hídrica (abastecimento de água, construção de açudes, cisternas etc.); e4. organização social e institucional, destacando ações de fortalecimento das estruturas de coordenação e organização social dos territórios selecionados.

Nesse sentido, no desempenho de suas atribuições, a Secretaria de Desenvolvimento

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Regional (SDR) do Ministério da Integração Nacional (MI) atua por meio de programas e ações que exercem iniciativas voltadas para a reversão do quadro de desigualdade e de exclusão das regiões brasileiras e das populações que nelas residem e trabalham: Programa de Promoção da Sustentabilidade de Espaços Sub-Regionais (Promeso), Programa de Desenvolvimento Integrado e Sustentável do Semiárido (Conviver), Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira (PDFF) e o Projeto Organização Produtiva de Comunidades (Projeto Produzir).

3.1 Resultados e discussões

Dos 13 gerentes de mesorregiões, houve o retorno de 08 questionários e entre os 04 coordenadores de programas e projetos, 02 responderam. Entre os técnicos do Projeto Produzir, buscou-se entrevistar os servidores com mais de dois anos de casa, de forma que os entrevistados realmente tivessem tido um mínimo de contato com as ações já realizadas – destes, somente havia 2 servidores que se encaixavam neste critério e todos responderam ao questionário. Assim, obteve-se um total de 12 respondentes, entre os 19 possíveis.

Na primeira questão respondida pela alta gerência da Secretaria de Desenvolvimento Regional (SDR), constata-se que a grande maioria concorda que a Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR), do Ministério da Integração Nacional (MI), é uma política pública que promove o desenvolvimento local e regional no Brasil, tendo que apenas um dos doze respondentes discorda da efetividade desta política.

Entretanto, o resultado da questão 02 revela-se intrigante, pois não há essa unanimidade quando foi perguntado se os programas e projetos da Secretaria de Programas Regionais, do Ministério da Integração Nacional, estão realmente conseguindo “a redução das desigualdades de nível de vida entre as regiões brasileiras e a promoção da equidade no acesso a oportunidades de desenvolvimento

no Território Nacional”, ou seja, se eles estão alcançando o objetivo da PNDR, conforme decreto nº 6.047, de 22 de fevereiro de 2007.

Ao contrário, a maioria (ainda que a diferença seja pequena) dos dirigentes acredita que os instrumentos de implementação da política nacional de desenvolvimento regional não estão sendo eficazes, conforme Gráfico 2.

Para esclarecer esta curiosa discrepância entre os resultados da questão 01, em que somente uma pessoa discordava que a PNDR promove o desenvolvimento, e da questão 02 do questionário, a questão 03 pergunta por que o gestor crê que a Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR), implementada pelos programas e projetos da SDR, é uma política pública que promove o desenvolvimento local e regional. Em caso negativo, por que ela não promove o desenvolvimento. Dessa forma, obteve-se, como resposta dos que não creem que os programas e projetos da SDR alcancem o objetivo da PNDR, que a interferência política nos locais a serem beneficiados, a falta de maiores recursos orçamentário/financeiros e descontinuidade das ações com ausência de articulação interministerial estão entre os principais motivos. Esses aspectos podem ser constatados nas falas a seguir:

[...] em regra, se contaminam pelo ambiente político que a envolve, tornando os mecanismos de execução passíveis de serem orientados para o atendimento de demandas que não necessariamente dialogam entre si em uma perspectiva de desenvolvimento integrado. (Informação verbal)1.

[...] Todavia, não há o necessário espelhamento orçamentário, isto é, pela magnitude que é o projeto de promoção de desenvolvimento regional esta deveria ter recursos no OGU para produzir resultados efetivos. Esse "desprestígio" desse setor no âmbito governamental gera insuficiência de resultados. (Informação verbal)2.

Por conta da falta de recursos financeiros para financiamento da infra-estrutura física. (Informação verbal)3.

[...] As ações são muito pontuais e descontínuas para que se possa chegar a um resultado nessa proporção. Há pouca articulação com outros Ministérios que seriam importantes no desenvolvimento de determinada potencialidade identificada nos municípios. (Informação verbal)4.

Cabe frisar que sete dos servidores que responderam “não” à questão número dois, quando na justificativa da questão 03, um absteve-se de

Gráfico 2 – Alcance do objetivo

Fonte: Elaborado pelo autor.

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responder e outros dois mudaram de opinião, justificando que os programas e projetos conseguiam alcançar o objetivo da PNDR.

Já no que concerne à justificativa sobre por que a PNDR promove o desenvolvimento local e regional, tem-se que, por meio dos programas/projetos, há a criação das condições mínimas para que ocorra a inclusão de segmentos nas economias locais/regionais, por meio da implantação de infraestrutura de bens e serviços, bem como de capacitações/qualificações; adequação das ações às necessidades do território; as atividades produtivas são fomentadas e a prestação de serviço é feita de forma que a sociedade interaja e compreenda que a atividade continua, mesmo com o término da intervenção do Ministério na localidade; há apoio à organização social; e, também, porque as regiões priorizadas são aquelas caracterizadas como de baixo dinamismo econômico.

Quando perguntado sobre quais os principais fatores impulsionadores do desenvolvimento local e regional, obtiveram-se respostas conforme o Gráfico 3.

Por fim, na última questão, abordam-se quais ensinamentos podem ser extraídos do processo de implementação dos programas e projetos da SDR/MI – tendo em vista o desenvolvimento local e regional – e quais as recomendações que podem ser feitas para futuros desdobramentos em projetos ou programas dessa natureza.

Analisando as ideias centrais contidas nas respostas dos gestores, chega-se à conclusão que entre os principais ensinamentos e recomendações que podemos assimilar estão:

• Promover a capacitação dos agentes locais no processo de desenvolvimento regional, qualificando pessoas no processo de articulação e execução da PNDR;

• Elaboração de planos regionais baseados em diagnósticos de abrangência social, política e econômica, discutidos com a participação dos atores com influência local/regional;

• Efetiva articulação entre políticas públicas no território;

• Investimento em desenvolvimento institucional sustentável das prefeituras municipais;

• Maior aproximação entre os implementadores da política nos diferentes níveis;

• Ensinamentos positivos: participação da base na definição de políticas públicas e programas governamentais. Recomendações: aumento de recursos orçamentários, da infraestrutura física e humana para a implementação dos programas de desenvolvimento;

• Aperfeiçoar os instrumentos de diagnóstico da atividade a ser apoiada e a continuidade na intervenção, seja por meio do Ministério, seja por articulações com parceiros;

• Deve-se ampliar o prestígio do desenvolvimento regional dentro das políticas de governo. Isto implicará em mais recursos no OGU, mais pessoal para atuar e maior capacidade em incorporar setores produtivos e atores territoriais;

• Atenção às demandas e ofertas da sociedade local e fomento ao desenvolvimento de institucionalidade local, para que possa, após a saída da intervenção ministerial, gerir o projeto e agir como multiplicadores;

• Ensinamentos: a organização social/organização de redes é fator fundamental para que o processo de desenvolvimento seja endógeno e com sustentabilidade; para o fortalecimento das redes sociais (Fóruns Mesorregionais) foi extremamente importante a construção coletiva de processos de discussão e implementação de projetos em apoio à base produtiva local ou regional, porque os integrantes dessas redes visam o resultado do seu trabalho na materialização dos projetos e nos benefícios sociais e econômicos que eles aportam;

• Recomendações: Necessidade de facilitar o apoio logístico para a constituição das redes de organizações (apoio à realização de reuniões, acesso a meios de comunicação, capacitação), especialmente em territórios onde o público-alvo das políticas de desenvolvimento regional não tem condições materiais para viabilizar sua participação efetiva.

• Acredita-se que devam ser concentrados esforços na melhoria da capacidade de gestão de empreendimentos no próprio território, pois, sem ela, torna-se praticamente impossível a difusão dos benefícios a serem alcançados;

• O principal ensinamento é a obrigatoriedade

25%

22%22%

25%

6%

Conhecimento do território

Redes Cooperação

Capacitação Profissional

Fomento a Arranjos Produ�vos Locais- APLs

Outros

Gráfico 3 – Fatores impulsionadores do desenvolvimento

Fonte: Elaborado pelo autor.

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de estruturação de alianças/parcerias/redes para a implementação de projetos e ações, principalmente entre os órgãos públicos, promovendo a transversalidade das ações, o que otimiza a utilização de recursos públicos no processo;

• Gestão do desenvolvimento amparado no estímulo ao potencial e características econômicas, sociais e culturais próprias de cada região, buscando constantemente a organização social e orientação às populações locais sobre as possibilidades concretas de desenvolvimento. Instalar os fóruns de desenvolvimento das mesorregiões e construir os planos de ação são fundamentais na implementação dos programas e projetos da SDR/MI; e

• Entre as recomendações, é notória a necessidade de ampliar as ações para qualificação dos atores locais dos territórios. Eles precisam estar em condições de elaborar seus projetos, captar recursos junto às diversas fontes disponíveis – não ficar na dependência apenas de recursos oriundos da SDR/MI.

4 CONCLUSÃO

Há muito tempo, o país sonha com o momento de poder pensar novamente, com determinação, seu desenvolvimento. Será o dia de rever velhos modelos e suas mazelas, de repensar heranças arraigadas na memória da população, de redesenhar projetos e reconstruir consensos em torno de novas idéias-força, capazes de nos conduzir a uma etapa de progresso, bonança e prosperidade. (GOMES, 2004, p. 323).

Cabe ao Estado um papel importante na coordenação de decisões econômicas, na regulação de mercados e serviços públicos, no provimento de serviços sociais básicos e no desenvolvimento de regiões menos favorecidas. Esse papel será mais bem exercido, à medida que for planejado com o concurso da sociedade civil. Ademais, o processo de planejamento tende a ser mais efetivo a nível local, considerando a proximidade dos problemas e a representatividade dos atores nele envolvidos.

Na escala mesorregional, a preferencial na atuação da política pública estudada – a Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR) – ocorre uma ampla discussão teórica sobre o desenvolvimento, tão em voga na estratégia das políticas de desenvolvimento endógeno e amplamente referida neste trabalho.

Evidencia-se, diante disso, que os resultados

desta pesquisa e a exploração de elementos teórico-empíricos formulados pelos renomados autores citados oferecem alternativa para o entendimento e para novas perspectivas de atuação no desenvolvimento local e regional, posicionados num contexto brasileiro atual.

Finalmente, a pesquisa vem mostrar a avaliação feita pelos gestores da PNDR, sobre a efetividade da execução dos Programas e Projetos da Secretaria de Desenvolvimento Regional (SDR/MI); expõe diversos fatores impulsionadores, na implementação de políticas públicas, para obtenção de bons resultados no desenvolvimento local e regional; e, também, aborda sobre quais ensinamentos e recomendações podem ser extraídos do processo de implementação dos programas e projetos da PNDR no Brasil. Portanto, a redução das desigualdades sociais engendradas, pela ação de políticas desenvolvimentistas, desvela seu alcance e seu potencial transformador, no âmbito do espaço territorial, vivenciado pelos atores envolvidos e pelas pessoas beneficiadas por essas políticas públicas, sendo estas últimas, ao final, sua razão de ser.

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Notas

1 Dados retirados da pesquisa de campo realizada.

2 Dados retirados da pesquisa de campo realizada.

3 Dados retirados da pesquisa de campo realizada.

4 Dados retirados da pesquisa de campo realizada.

Cleidson Nogueira Dias Administrador. Doutorando em Administração pelo Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade de Brasília (UnB/PPGA). Professor e coordenador do curso superior de administração na Faculdade Projeção – Unidade Ceilândia/DF e analista da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa)E-mail: [email protected] ou [email protected]

Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - EMBRAPAParque Estação Biológica – PqEB, sn, Brasília, DFCEP: 70770-901

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UM CAMINHO A PERCORRER: os desafios da efetivação da política de assistência social no município de Recife

Salyanna de Souza SilvaUniversidade Estadual da Paraíba (UEPB)

UM CAMINHO A PERCORRER: os desafios da efetivação da política de assistência social no município de RecifeResumo: O objetivo deste artigo é analisar a efetivação da Política da Assistência Social no município de Recife, que nos últimos anos vem nacionalmente sendo regulamentada enquanto direito social, entretanto, evidencia, nos municípios brasileiros, diversas limitações no que se refere a sua implementação. Destaca os improvisos e a falta de prioridade política e financeira para estruturar a assistência social. Mostra, por outro lado, a organização política das/dos trabalhadoras (es) da assistência social, que lutam, dentro dos limites institucionais, tanto por seus direitos trabalhistas quanto pela assistência social. Palavras-chave: Assistência social, política social, direito social.

ONE WAY TO GO THROUGH: Challenges of the effectiveness of the social assistance policy in the municipality of RecifeAbstract: The original aim of this study is to analyze the effectiveness of the Social Policy in the municipality of Recife, which, in recent years, throughout the Brazil, has been gradually considered regulated as a Social Right, however is it evident in many other Brazilian cities the existence of several limitations regarding its implementation. In Recife, we can highlight improvisations and lack of political priority and financial structure for Social Assistance itself. On the other hand, we have the political organization of the social workers, who struggle for – within the institutional limits – both their labor rights and social assistance. Key words: Social assistance, social policy, social rights.

Recebido em: 12.09.2011. Aprovado em: 22.10.2012.

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1 INTRODUÇÃO

Este artigo tem como objetivo analisar a efetivação da Política de Assistência Social no município de Recife. Elementos que servirão de alicerce a tal análise encontram-se presentes na primeira parte da Dissertação de Mestrado desenvolvida para o Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), intitulada "Projeto Ético-Político e Consciência de Classe: uma relação dialética. Reflexões sobre o exercício profissional/político das/dos assistentes sociais dos Centros de Referência da Assistência Social de Recife" (2011).

A política de assistência social vem gradativamente ganhando destaque, principalmente no que se refere a sua regulamentação. Assim, temos a Política Nacional de Assistência Social/PNAS – 2004, a Norma Operacional Sistema Único de Assistência Social – NOB/SUAS – 2005, a Norma Operacional Básica de Recursos Humanos – NOB-RH/SUAS - 2007, resoluções do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), e a aprovação da Lei 12.435/11 que altera o texto inicial da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS/ Lei 8.742/93).

Contudo, sabemos que entre a regulamentação da política da assistência social e sua implementação no cotidiano de cada município brasileiro existem, ainda, lacunas a serem preenchidas.

Dessa forma, no presente artigo procuramos trazer alguns elementos sobre a operacionalização da assistência social enquanto política social a ser efetivada no município de Recife, uma das capitais brasileiras com maior índice de vulnerabilidade e desigualdade social. (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2000). Para tanto, fizemos uma leitura de documentos oficiais, tanto nacionais quanto municipais, tais como PNAS, NOB/SUAS, NOB-RH/SUAS, Plano Decenal SUAS – Plano 10, Plano Municipal de Assistência Social de Recife, Plano Plurianual 2010-2013, Anais da VII Conferência Municipal da Assistência Social (CEARÁ, 2009) e Relatório de Atividades das equipes CRAS/GRAS-2009. Analisamos também alguns dados quantitativos/qualitativos referentes aos programas e serviços sociais e assistenciais executados pelo município.

Finalizamos nosso artigo apresentando uma experiência exitosa, que acreditamos ter impulsionado a implementação da assistência social no referido município; tal experiência tratou-se da aprovação de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) específico para os CRAS, que partiu da articulação entre as/os profissionais da assistência municipal e o Ministério Público Estadual de Pernambuco.

Encontramos no processo de consolidação das políticas sociais no Brasil um longo caminho por ser construído; é necessário, portanto, a

luta diária que vise compreender e superar suas contradições. Assim, ao basear-se no método materialista histórico-dialético, nossa análise busca trazer elementos teóricos, reais e concretos que nos possibilitem uma aproximação teórica dos desafios encontrados na atual execução da assistência social em Recife, e identificação de suas particularidades e possibilidades.

2 A POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: regulamentação e conceitos

Situada na trama das políticas sociais, a assistência social, enquanto política pública, é marcada por lutas e contradições. Posto isto, identificamos na cultura política brasileira posturas conservadoras que a colocam como “ajuda” ou “caridade”; observamos também uma marcante mobilização para sua regulamentação, tal como estabelece a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 203 que traz em seu caput que “a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social [...]”. (BRASIL, 1990). Tendo por norte dentre outros, este princípio, profissionais da área como também movimentos organizados da sociedade se mobilizam por sua plena efetivação.

A aprovação da Lei Orgânica da Assistência Social - Lei 8.742/93 (LOAS), expressou a luta e organização desses diversos setores, trazendo para a assistência social uma nova concepção, colocando-a no patamar de política pública de direito, o que questiona a tradição clientelista, assistencialista e tuteladora.

A primeira Política Nacional de Assistência Social só foi aprovada em 1998, no Governo do então Presidente Fernando Henrique Cardoso, cinco anos após a regulamentação da LOAS e ainda apresentou-se insuficiente e confrontada pelo paralelismo do Programa Comunidade Solidária1.

Assim, após diversas lutas da sociedade civil e de categorias profissionais, no primeiro Governo do Presidente Luis Inácio Lula de Silva, do Partido dos Trabalhadores – PT, o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) – criado nessa gestão, e a Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS) em conjunto com o Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) aprovaram e tornaram pública a segunda Política Nacional de Assistência Social (PNAS), em 2004.

Como expressão da materialidade das diretrizes da LOAS, a PNAS-2004 se apoia em um modelo de gestão compartilhada pautada no pacto federativo, no qual são detalhadas as atribuições e competência dos três níveis de governo na provisão de ações socioassistencias, em consonância com o preconizado na LOAS como também os princípios que nortearão as Normas Operacionais editadas nos anos seguintes. O Sistema Único de Assistência

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Social (SUAS) está voltado à articulação em todo território nacional das responsabilidades, vínculos e hierarquia do sistema de serviços, benefícios, programas e ações de assistência social em caráter permanente ou eventual, executados e providos por pessoas jurídicas de direito público, a critério de universalidade e de ação em rede hierarquizada e em articulação com iniciativas da sociedade civil.

Nesse sentido, ressaltamos, também, a recente aprovada Lei 12.435/11 que altera o texto original da LOAS, tornando o SUAS uma política de Estado. Além de ratificar o atual modelo de assistência, dividido em proteção básica e especial, a referida lei busca assegurar os recursos do cofinanciamento para execução de ações continuadas da assistência social.

A PNAS estabelece que a Proteção Social dar-se-á através da Proteção Social Básica (PSB) e da Proteção Social Especial (PSE). A primeira possui o caráter preventivo, com objetivo de prevenir situações de risco por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições, e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários. (BRASIL, 2004). Para executar os programas, serviços e projetos da PSB são estabelecidos os Centros de Referência da Assistência Social – CRAS; atualmente são 7.657. (BRASIL, 2011).

O CRAS é uma unidade pública estatal de base territorial e descentralizada, visa atender a um total de até 1.000 famílias/ano e referenciar 5.000. (BRASIL, 2004). Caracterizado como porta de entrada da política para a assistência, o CRAS tem o papel de articular com a rede de proteção local, prestar informações e orientação para a população, realizar o mapeamento e a organização da rede socioassistencial de proteção básica e promover a inserção das famílias nas demais políticas públicas.

No tocante às orientações técnicas para os CRASs (BRASIL, 2009a), o MDS estabelece que esses equipamentos devem desempenhar como principais funções a Gestão da proteção básica no seu território, e a Oferta de serviços socioassistenciais, com destaque para o Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF). A Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais (BRASIL, 2009b) organiza e define como demais serviços da PSB: o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos e o Serviço de Proteção Social Básica no domicílio para pessoas com deficiência e idosas.

Cada município deve construir um Plano Municipal de Assistência Social, a fim de definir metas, planos e prazos para a gestão municipal da política de assistência. No que se refere à Proteção Básica, o Plano deve necessariamente ter como objetivo a universalização, estabelecendo metas para a cobertura gradual em todos os territórios vulneráveis, priorizando comunidades indígenas, quilombolas, assentamentos, de fronteiras, ribeirinhas, nas zonas rural e urbana, por meio

da oferta de CRAS. O Plano Decenal SUAS – Plano 10 aponta para a necessidade de uma gradual universalização de cobertura de serviços socioassistenciais da Proteção Básica até 2015.

A Proteção Social Especial é dividida em Média complexidade, destinada às famílias e indivíduos com seus direitos violados, cujos vínculos familiares e comunitários ainda não foram rompidos. A Alta complexidade visa garantir a proteção integral para famílias e indivíduos que se encontram em situação de ameaça, necessitando serem retirados do seu núcleo familiar e/ou comunitário. A unidade que executa os serviços nessa área de proteção social é o Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS. Existem 2.155 unidades em todo o país. (BRASIL, 2011).

A PNAS estabelece como usuária/o da assistência social cidadãos e grupos que se encontram em situação de vulnerabilidade e riscos. Trata-se dos indivíduos, famílias e coletividades que se encontram fora do alcance da “rede de segurança” propiciada pela proteção social pública, o que acarreta uma situação de vulnerabilidade e risco social gerados por uma cadeia complexa de fatores sociais.

Para Couto, Yaszbek e Raichelis (2010) a PNAS e o SUAS da mesma forma que ampliam as/os usuárias (os) da política, no sentido de superar a fragmentação contida na abordagem por segmentos (idosos, população em situação de rua, dentre outros), não evidenciam sua condição de classe.

Tal dimensão precisa ser melhor problematizada, no sentido de compreender que as/os usuárias(os) da Política de Assistência Social pertencem à classe trabalhadora, em suas diferentes manifestações, como aqueles que trabalham de forma precarizada e informal ou que fazem parte da superpopulação relativa2. Logo, as autoras afirmam que encontra-se em curso um processo de redefinição do perfil das/dos usuárias(os) da assistência social.

Diante do desemprego estrutural e da redução das proteções sociais decorrentes do trabalho, a tendência é a ampliação dos que demandam o acesso a serviços e benefícios de assistência social. São trabalhadores e suas famílias que, mesmo exercendo atividades laborativas, têm suas relações de trabalho marcadas pela informalidade e pela baixa renda. Em uma conjuntura social adversa, é relevante analisar o significado que os serviços e benefícios sociais passam a ter para os trabalhadores precarizados. (COUTO, YASZBEK; RAICHELIS, 2010, p. 46).

Para as autoras, existe uma pluralidade de abordagens das diversas categorias presentes

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nas políticas sociais; algumas dessas abordagens reforçam a perspectiva da responsabilização individual para enfrentar riscos que são societários. Nesse sentido, a “questão social”3 é entendida como sinônimo de pobreza, possuindo um forte viés psicologizante; assim, são suficientes políticas sociais mínimas que atuem somente nas manifestações fenomênicas da pobreza, discurso presente no paradigma liberal.

Percebemos, também, que a forma como está organizada a PNAS, tendo a violação de direitos e a formação de vínculos como critério para diferenciar a atenção dispensada à proteção básica, da proteção especial, demonstra uma análise idealizada sobre a realidade da própria população atendida, pois, a pauperização vivida pelas referidas famílias encontra-se em constante processo de recriação e renovação; possui, por sua vez, diversos níveis de complexidades e particularidades. Assim, é um equivoco tentar classificar e enquadrar tal dimensão em “caixas” e modelos estanques e preestabelecidos.

Destarte, debater conceitualmente a política social é compreender a repercussão de sua efetivação na vida concreta da população. Todas essas mudanças referentes às políticas sociais na atualidade, em nível nacional e internacional, fazem parte das respostas à crise econômica que evidencia o esgotamento dos padrões de acumulação capitalista, desde os anos 40. Abrangem então um conjunto de propostas implementadas nos diferentes países e monitoradas pelo Banco Mundial e demais agências multilaterais através do Consenso de Washington4.

A regulamentação da assistência social enquanto política pública aponta para a tentativa de ruptura com o caráter assistencial e emergencial. (SPOSATI, 2008, p. 23) que tanto marca a história das políticas governamentais brasileiras. Contudo, sua real efetivação passa a ser tensionada pelo contexto econômico e político de neoliberalismo.

Tal direcionamento está expresso na execução orçamentária da política da assistência social. A fim de sinalizar esse movimento trazemos de forma sucinta um debate sobre o financiamento.

O Fundo Nacional da Assistência Social (FNAS), instituído somente em 2006, tem a grande maioria de seus recursos destinados a benefícios de transferência de renda, são eles: o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e a Renda Mensal Vitalícia (RMV). Logo, os recursos se concentram no pagamento desses benefícios constitucionais, cujo repasse é obrigatório; assim, recursos para as demais ações são sacrificados. Salvador (2010) também identifica a pulverização de recursos do FNAS em programas que não são relacionados à assistência social.

O FNAS nem consegue ampliar o montante de recursos para ações

relacionadas aos serviços, nem tampouco aumentar as transferências de recursos para que os municípios estruturem a rede de serviços assistenciais por nível de proteção social, básica ou especial, conforme o previsto na NOB/SUAS. (SALVADOR, 2010, p. 348).

O Plano Decenal SUAS – Plano 10, estabelece, para o ano de 2010, uma meta de 10% do orçamento geral da seguridade social da União e 5% do orçamento das demais esferas do Governo, para o cofinanciamento da Política de Assistência Social. Entretanto, tal meta não foi alcançada e a política da assistência social continua sem orçamento preestabelecido.

O SUAS corre sério risco, se não tiver aporte de orçamento suficiente para serviços, de se tornar apenas uma ‘carta de intenção’, indicando que, de fato, a opção da política de assistência social não é estruturação de serviços, ou de uma rede de proteção socioassistencial que requer aportes consideráveis de investimento para garantir uma cobertura universal. O caminho escolhido pelo governo é o da focalização com o Bolsa-Família, carro-chefe das ações de política de assistência social. (SALVADOR, 2010, p. 350).

Assim, a regulamentação da assistência social como política pública, frente ao atual neoliberalismo, significa também uma conquista das reivindicações da classe trabalhadora, porém, a legislação por si só não garante sua real efetivação, conforme poderemos observar, tomando como exemplo a operacionalização da assistência social no município de Recife.

3 A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL EM RECIFE

Após a aprovação da PNAS, cada município

“remodelou” suas ações e órgãos para se inserir no SUAS. Sendo uma das capitais brasileiras com maior índice de vulnerabilidade social e desigualdade do país (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2000), Recife assume para a Política de Assistência Social o porte de metrópole, o que implica na gestão total dos serviços, programas, benefícios e projetos assistenciais.

O município possui a Secretaria de Assistência Social (SAS), ligada à Prefeitura da Cidade de Recife (PCR); tem em seu desenho organizacional (03) três diretorias, a saber: a Diretoria de Proteção Social Básica (DPSB), a Diretoria de Proteção Social Especial (DPSE) e a Diretoria de Administração Setorial (DAS), além do Conselho Municipal da

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Assistência Social (CMAS)5 e a Assessoria Técnica e Executiva.

A DPSB é constituída por outras (03) três gerências: a Gerência de Vigilância Social (GVS); ligada a esta gerência encontra-se a Gerência Operacional de Monitoramento; a Gerência de Políticas de Promoção (GPP), que possui (02) duas outras gerências operacionais: a Gerência Operacional de Convívio Sociofamiliar e a Gerência Operacional de Protagonismo Juvenil (GPJ); e as Gerências Regionais de Assistência Social (GRASs).

Junto à DPSE estão ligadas a Gerência de Políticas de Proteção, com suas 04 (quatro) Gerências Operacionais (GO): a GO de Medidas Sócio Educativas, GO de Medidas Protetivas, GO de Erradicação do Trabalho Infantil e GO de Inclusão da Pessoa com Deficiência; pertence também à DPSE a Gerência de Benefícios de Transferência de Renda (GBTR), que possui outras 02 (duas) gerências operacionais: a GO de Acesso aos Benefícios e a GO de Atendimento ao Beneficiário.

As Gerências Regionais da Assistência Social (GRAS) têm a finalidade de coordenar e articular ações da PSB nos territórios, voltadas à população destinatária da assistência social. Possuindo uma equipe psicossocial, as GRAS além de acompanhar os serviços ofertados nos CRASs, também possuem a finalidade de atender, “de forma pontual”, a população que reside nos bairros que não possuem CRASs, o que no atual modelo adotado pela SAS, significa a grande maioria dos bairros, como veremos posteriormente.

Existem apenas 12 (doze) Centros de Referência de Assistência Social (CRASs)6 7, funcionando em sua grande maioria fora do território de abrangência, em prédios alugados e com suas equipes bastante reduzidas. Muitos equipamentos encontram-se funcionando em precárias condições, com problemas relacionados ao transporte, o que tende a prejudicar a realização das visitas domiciliares e busca ativa, falta de privacidade para atendimento individual; quadro de pessoal insuficiente e alta rotatividade das/dos profissionais.

A Secretaria de Assistência Social (SAS) realizou, no ano de 2007, concurso público para o preenchimento de 229 vagas, sendo 126 (cento e vinte e seis) vagas de Nível Superior; e 103 (cento e três) vagas de Nível Médio com carga horária de 30 horas semanais (Edital publicado no Diário Oficial do Município Nº 50 de 05 de maio de 2007)8. Essa ação é uma orientação preconizada pela atual legislação da Política de Assistência Social.

Além das diversas fragilidades em sua execução, o atual modelo adotado pela gestão municipal (equipe psicossocial da GRAS para atender as famílias nos bairros que não possuem CRAS) deixa de lado um dos eixos centrais do SUAS: a descentralização.

Para exemplificar essa limitação, no ano

de 2008, ocorreu a implementação do Projovem Adolescente no município. Integrando o Programa Nacional de Inclusão de Jovens – PROJOVEM, essa modalidade possui como critério, além da faixa etária, jovens entre os 15 e 17 anos, sendo ofertada somente para as/os jovens nos territórios dos CRASs e entidades conveniadas da rede socioassistencial. Assim, a grande maioria das/dos jovens em Recife não participaram do programa.

Outra dificuldade referente à execução da proteção social básica no município alude à gestão do Programa Bolsa-Família (PBF)9. Atualmente esta gestão não é executada diretamente pelas equipes dos CRAS/GRAS, a exemplo de outros municípios, pois as equipes encontram-se com número bastante reduzido, não tendo, portanto, estrutura física nem material.

Dessa forma, Recife possui um posto de inscrição no Cadastro Único por RPA (Região Politica-Administrativa, forma como está zoneada a cidade). As famílias que ainda não possuem cadastro e desejam se inscrever para participarem do PBF, podem tanto obter o encaminhamento junto às equipes CRAS/GRAS ou mesmo do Conselho Tutelar e, mediante ligação para call center 0800. 281.0313 (segunda a sexta, das 07:00 às 19:00h), conseguir número de protocolo e agendar no posto mais próximo ao bairro onde mora e o dia para ser atendida.

No que tange ao serviço de call center, um complicador bastante apontado é o tempo de espera para o cadastramento, muitas vezes demasiadamente demorado, a ponto de ser discutido na VII Conferência da Assistência Social de Recife, em 2009, onde foi colocado como deliberação ampliar o atendimento do 0800, visando reduzir o tempo de espera.

No tocante às atualizações cadastrais do Cadastro Único, o município possui somente um posto de acesso para toda a população, que está instalado no espaço físico da URB (Empresa de Urbanização do Recife), RPA 01, bairro Boa Vista, Rua Oliveira Lima, s/n. Assim, todas as famílias que estão no Cadastro Único devem, impreterivelmente, se deslocar até ao centro da cidade para ter o benefício garantido, o que acarreta em grandes filas, falta de conforto e uma demora no atendimento.

Como podemos constatar, tais debilidades estão relacionadas com o número reduzido de CRAS e a não prioridade no município em estruturar esses equipamentos. Destarte, a SAS/PCR tem ainda um grande caminho a percorrer no que se refere ao princípio da descentralização das ações, serviços, benefícios e programas do SUAS, embora o Plano Decenal SUAS – Plano 10 coloque para o poder municipal a necessidade da gradual universalização da Proteção Social Básica, por meio da ampliação e implantação de CRAS nas áreas de maior índice de vulnerabilidade, até 2015, como afirmamos

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anteriormente. A fim de identificar a real demanda de CRAS em

Recife, buscamos nos documentos oficiais do MDS os possíveis indicadores de vulnerabilidade social, com intuito de, a partir destes, chegar ao número ideal de equipamentos da proteção social básica. Assim, tomando O Guia de Orientações Técnicas dos CRAS (BRASIL, 2009a), observamos que este estabelece o número total de famílias beneficiadas do Programa Bolsa-Família, no município, como um dos indicadores de vulnerabilidade.

A partir desse indicador temos que, no município de Recife, existe um total de 127.897 famílias beneficiadas no PBF (Dados SAS, de agosto de 2010). Dessa forma, fizemos uma projeção, a partir do número de famílias beneficiadas com o PBF por bairro, buscando, assim, identificar a real demanda de CRAS no município. Logo se revelou uma demanda de 45 CRAS, a serem distribuídos em 41 bairros10; levando em consideração o número de CRAS existentes (12), a demanda requer um aumento percentual de quase 300% de novos centros de referência a serem instalados no município de Recife. (Tabela 1).

As maiores concentrações de famílias beneficiadas pelo PBF estão principalmente nos seguintes bairros: Água Fria – RPA 02 (5.555), Nova Descoberta – RPA 03 (6.689) e Ibura – RPA 06 (13.127). Este último representa mais de 10% do total de famílias beneficiadas em Recife.

No tocante a execução dos serviços da Proteção Social Especial, o município possui três CREAS. Muitas das ações dessa proteção (alta e média complexidade) são realizadas pelo Instituto de Assistência Social e Cidadania – IASC11, uma autarquia vinculada à SAS, com personalidade jurídica de direito público, responsável pelo desenvolvimento de ações e serviços direcionados ao resgate de direitos da população em maior grau de exclusão e vulnerabilidade social, com vínculos familiares fragilizados ou rompidos. Vale ressaltar que tal autarquia nasce a partir da redefinição e extinção, em 2003, da Legião Assistencial do Recife – LAR.12

Tais improvisos e adaptações, demonstrados na operacionalização da assistência social de Recife, nos incitam a questionarmos sobre o lugar que ocupa essa política na gestão municipal e estadual, sendo evidente um processo de invisibilidade.

Embora a realização de concurso público, tanto para a SAS quanto para o IASC, seja considerado um grande avanço de Recife, em relação a outros municípios, encontramos diversos outros desafios que ameaçam tanto a permanência desses profissionais na SAS, como o própria efetivação da política da assistência social. Dados da secretaria (dezembro de 2010) apontam para um déficit de equipes de nível superior nos CRAS de aproximadamente 37,5% e de 68,8% de nível médio,

Bairro Número de famílias beneficiadas pelo PBF

Número correspondente de CRAS

RPA 01SANTO AMARO 2.096 1

SÃO JOSÉ 1.227 1ILHA JOANA BEZERRA 2.452 1

Total de CRAS necessários na RPA 01 3RPA 02

CAMPINA DO BARRETO 1.636 1CAMPO GRANDE 3.033 1

ÁGUA FRIA 5.555 2BOMBA DO HEMETÉRIO 1.159 1

BEBERIBE 1.673 1DOIS UNIDOS 3.825 1

LINHA DO TIRO 1.863 1Total de CRAS necessários na RPA 02 8

RPA 03ALTO JOSE BONIFÁCIO 1.383 1BREJO DA GUABIRADA 1.243 1

CASA AMARELA 3.163 1GUABIRADA 1.884 1

MANGADEIRA 1.070 1MACAXEIRA 2.219 1

NOVA DESCOBERTA 6.689 2PASSARINHO 1.094 1

VASCO DA GAMA 3.655 1Total de CRAS necessários na RPA 03 10

RPA 04TORROES 3.499 1

TORRE 1.137 1VARZEA 4.378 1

CORDEIRO 2.276 1IPUTINGA 3.739 1Total de CRAS necessários na RPA 04 5

RPA 5AFOGADOS 3.162 1

AREIAS 3.171 1BARRO 1.231 1

ESTÂNCIA 1.254 1JARDIM SÃO PAULO 2.648 1

MANGUEIRA 1.462 1MUSTADINHA 1.778 1SAN MARTIN 2.159 1

TEJIPIÓ 1.011 1TOTÓ 1.276 1

Total de CRAS necessários na RPA 05 10RPA 06

BOA VIAGEM 2.140 1BRASÍLIA TEIMOSA 1.573 1

IMBIRIBEIRA 3.567 1PINA 2.792 1

IBURA 13.127 3JORDÃO 1.666 1COHAB 3.157 1

Total de CRAS necessários na RPA 06 9Total de CRAS 45

Tabela 1 – Bairros que possuem a partir de 1.000 famílias beneficiadas versus necessidade do número de CRAS correspondentes

Fonte: Síntese elaborada pela autora a partir da folha de pagamento do PBF de agosto de 2010, dados cedidos pela SAS.

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perfazendo uma média de 53,2% de profissionais.Todos esses determinantes que apresentamos

anteriormente repercutem diretamente nas atividades desenvolvidas pelas equipes de referência. Estas concentram suas ações basicamente no repasse de informações/orientações no tocante aos benefícios, serviços e programas da assistência social, como também encaminhamentos para demais entidades/instituições referentes aos direitos sociais. Assim, as equipes desenvolvem suas atividades mediante diferentes ações e técnicas.

O Relatório de Atividades das CRAS/GRAS (janeiro e outubro) em 2009 mostra que parte das equipes não realizam ou realizam em quantidade bastante reduzida as reuniões socioeducativas. Dentro do exposto, podemos afirmar, de forma preliminar, que as ações desenvolvidas na Proteção Social Básica (GRAS/CRAS) funcionam como “plantões de emergência”, perdendo dessa forma seu caráter preventivo. O mesmo documento apresenta que a grande dificuldade se refere à falta de estrutura e escassez de recursos humanos.

Destarte, as atividades realizadas nos CRAS e CREAS tendem a não se diferenciarem das formas tradicionais historicamente desenvolvidas, pois "atendem aos que chegam através do processo de demanda espontânea, privilegiam as abordagens individuais, quando muito realizam reuniões grupais onde abordam temas variados em forma de palestras". (COUTO, YASZBEK; RAICHELIS, 2010, p. 46).

Contudo não se pode esquecer o caráter contraditório do movimento do real, visto que neste espaço de análise (SAS), identificamos um grande reconhecimento das/dos trabalhadoras (es) dessa política na construção do SUAS, por meio da garantia de concursos públicos e de uma política de recursos humanos (Planos de Cargos e Carreiras, etc.). A garantia de uma legislação contendo parâmetros, princípios e diretrizes, visando à universalização, descentralização, qualidade dos serviços ofertados, como também apontando para uma perspectiva de valorização do quadro funcional (BRASIL, 2005), atribuem à assistência social um patamar de política pública, podendo ser reivindicada por movimentos da sociedade brasileira.

Para ilustrar esse processo temos o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado entre o Ministério Público do Estado de Pernambuco - Promotoria de Justiça de Defesa da Cidadania da Capital, Promoção e Defesa dos Direitos Humanos e a Secretaria de Assistência Social (SAS), publicado em 31 de maio de 2012 no Diário Oficial Estado de Pernambuco. A TAC firmada tem como objeto a adoção de compromissos que tendam a reparar inadequações quanto ao funcionamento dos CRASs em Recife, melhorando-se, nos respectivos territórios, a oferta de serviços continuados de proteção social básica de assistência social às famílias e aos

indivíduos em situação de vulnerabilidade social. O referido termo estabelece diversas metas

condicionadas a prazos; a partir do momento em que tais obrigações e prazos não são cumpridos, o órgão público que firmou o TAC deve pagar uma multa diária. O TAC em questão traz dentre outras metas a implantação de 30 CRAS até 2015, realização de novos concursos público até 2014, descentralização do atendimento do Cadastro Único e destinação de um veículo de passeio para cada CRAS.

Tal instrumento jurídico partiu originalmente do Inquérito Civil nº 10008-0/7, instaurado com o objetivo de apurar fatos e circunstâncias reveladores de possível insuficiência/inadequação da Política Municipal da Assistência Social, referente ao funcionamento dos CRAS em Recife.

Vale ressaltar que o levantamento referente a demanda de CRAS em Recife, apresentado anteriormente, foi utilizado como parâmetro para o número de CRAS a serem implementados pela SAS presente na TAC. Assim, a pesquisa sobre a realidade social desenvolvida pela academia, em especial nos Programa de Pós-Graduação, deve voltar-se para não somente compreender o real, mas principalmente contribuir para sua transformação.

4 CONCLUSÃO

A regulamentação da Política de Assistência Social representa uma vitória em termos de direitos sociais, contudo identificamos, de forma geral, que tal legislação não rompe a priori com o atual direcionamento político e econômico do Estado brasileiro.

Dito isto, ao confrontarmos a efetivação da assistência social nos municípios brasileiros, com destaque para Recife, visualizamos várias improvisações que vão de encontro aos princípios da PNAS-2004, como também aos direitos da população. Assim, com repasse financeiro escasso, decorrente da redução de gastos com as políticas sociais, de uma forma geral, e de certa invisibilidade que historicamente acompanha a assistência social, a SAS atualmente se depara com uma gama de desafios a serem enfrentados, tais como: déficit de profissionais, falta de equipamentos, material de trabalho e uma defasagem de 300% de CRAS.

Por outro lado, tal regulamentação possibilita o surgimento de novos espaços de reivindicação; dentre esses, destacamos a organização das/dos profissionais da área e demais setores da sociedade brasileira, como por exemplo, Ministério Público.

Esperamos com esse estudo trazer e divulgar alguns elementos da particularidade do município de Recife, a fim de contribuir com a melhor implementação e efetivação da assistência social no Brasil.

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REFERÊNCIAS

BEHRING, Elaine Rossetti. Brasil em contra-reforma: desestruturação do Estado e perda de direitos. São Paulo: Editora Cortez, 2003.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil: Promulgada em 5 de outubro de 1988. 4 ed. São Paulo: Saraiva. 1990.

______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. MDS em números. Disponível em:<http://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/ascom/index.php>. Acesso em: 4 ago. 2011.

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______. ______. ______. Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais. Texto da Resolução nº 109, de 11 de novembro de 2009. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25 nov. 2009b.

______. ______. ______. Política Nacional de Assistência Social (PNAS): Norma Operacional Básica (NOB/Suas). Brasília, 2005.

______. ______. ______. Política Nacional de Assistência Social (PNAS). Brasília, 2004.

CEARÁ. Prefeitura do Recife. Secretaria de Assistência Social. Conselho Municipal de Assistência Social. Anais da VII Conferência Municipal de Assistência Social. Recife, 2009. Mimeo.

______. ______. Secretaria de Assistência Social. Guia de orientação técnica para execução dos serviços de proteção social básica no município do Recife. Recife, fev. 2008. Mimeo.

______. ______. Secretaria de Assistência Social. Plano Municipal de Assistência Social 2007-2015. Recife, 20 jul. 2007. Mimeo.

______. ______. Lei Orgânica do município do Recife. Recife, 4 abr. 1990.

COUTO, Berenice Rojas. O direito social e a assistência social na sociedade brasileira: uma equação possível? 4. ed. São Paulo: Cortez, 2004.

______ ; YAZBEK, Maria Carmelita; RAICHELIS, Raquel. A Política Nacional de Assistência Social e o SUAS: apresentando e problematizando fundamentos e conceitos. In: COUTO et al (Orgs). O Sistema Único de Assistência Social no Brasil:

uma realidade em movimento. São Paulo: Editora Cortez, 2010.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo demográfico: características da população e dos domicílios: resultados do universo. Brasília, 2000. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2000/primeiros_resultados_amostra/grandes_regioes/pdf/tabela_2_7_12.pdf>. Acesso em: 03 mar. 2011.

MARX, Karl. O Capital. crítica da economia política. 2. ed. São Paulo: Nova Cultura, 1985.

NETTO, José Paulo. Cinco notas a propósito da questão social. Temporalis, Brasília, ano 2, n. 3, 2001.

SALVADOR, Evilasio. Fundo público e seguridade social no Brasil. São Paulo: Ed. Cortez, 2010.

SPOSATI, Aldaíza de Oliveira. Assistência na trajetória das políticas sociais: uma questão em análise. 10. ed. São Paulo: Ed. Cortez, 2008.

YASBEK, Maria Carmelita. As ambigüidades da assistência social brasileira após dez anos de LOAS. Serviço Social e Sociedade, São Paulo, ano 25, n. 77, mar. 2004.

Notas

1 Criada em 1995, o Programa Comunidade Solidária, vinculado ao Gabinete Civil da Presidência da Republica, estabelecia a forma de atuação do então governo na área social, representou uma “afronta” aos preceitos da recém aprovada LOAS, pois sob a direção da primeira dama Ruthi Cardoso representou a continuação do “primeiro damismo” e do clientelismo. (COUTO, 2004).

2 Marx (1985) afirma que o surgimento da superpopulação relativa, ou exercito industrial de reserva, é fruto do processo de acumulação capitalista. Esta população supérflua é essencial pois garante uma “liberdade de ação” para a produção capitalista, a existência de uma fila de trabalhadores desempregados que pressiona aqueles de trabalham a um sobretrabalho, rebaixando também os salários, logo, a superpopulação relativa funciona como uma alavanca a acumulação capitalista.

3 A expressão “questão social”, segundo Netto (2001), começou a ser utilizada na terceira metade do séc. XIX, para designar as manifestações políticas da classe trabalhadora. Para o autor a “questão social” é colada ao modo de produção capitalista, pois é somente nesse modo de produção que ocorre a proliferação do pauperismo em um pólo e a enorme concentração de riquezas, no outro pólo, através do processo de produção. Assim, podemos afirmar que a questão social expressa as manifestações concretas

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523UM CAMINHO A PERCORRER: os desafios da efetivação da política de assistência social no município de Recife

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o processo de acumulação do capital, que por meio de sua (re)produção orgânica e subsunção do trabalho pelo capital, produz a desigualdade social, o crescimento da pauperização absoluta e relativa e a luta de classes.

4 Em 1989 reuniram-se em Washington diversos representantes de países da América Latina, funcionários do FMI, Banco Mundial e BIB - Bando Interamericano de Desenvolvimento e do Governo Norte Americano, tal encontro foi conhecido como "Consenso de Washington", visava estabelecer medidas de ajuste, através da implementação de programas de estabilização: um superávit fiscal primário; reestruturação dos sistemas de previdência pública, e reformas estruturais- liberação financeira e comercial, desregulação dos mercados e privatização das empresas estatais. (BEHRING, 2003).

5 Criado em 22 de outubro de 1992, pela Portaria nº 15.706, instituído nos termos do artigo 142, da Lei Orgânica do Município do Recife, promulgado em 04 de abril de 1990.

6 Atualmente temos os CRAS Boa Vista, CRAS Santo Amaro, CRAS Campina do Barreto, CRAS Alto Santa Terezinha, CRAS Dois Irmãos, CRAS Nova Descoberta, CRAS Iputinga, CRAS Roda de Fogo, CRAS Afogados/Mustardinha, CRAS Totó, CRAS Boa Vista e CRAS Ibura.

7 É importante observar que o Plano Municipal de Assistência Social (2007-2015) da Prefeitura da Cidade do Recife não prevê o aumento do numero de CRAS na capital, apenas estabelece como meta adequação da estrutura física e padronização da identidade visual dos equipamentos. Contudo, o Plano Plurianual (2010-2013) prevê recursos para um total de 18 (dezoito) CRAS. (CEARÁ, 2007).

8 Dos cargos ofertados e número de vagas no concurso temos: Nível Superior:Técnico em Assistência Social 1 (Assistente Social) – 55 vagas; Técnico em Assistência Social 2 (Psicólogo) – 37 vagas; Técnico em Assistência Social 3 (Pedagogo) – 20 vagas; Técnico em Assistência Social 4 (Sociólogo) – 14 vagas; Nível Médio: Agente Administrativo da Assistência Social – 103 vagas. O referido concurso teve seu prazo de validade prorrogado pela gestão municipal, contudo observamos uma morosidade na convocação das/dos candidatas (os) que tiveram seus nomes homologados.

9 A gestão do PBF se refere ao acesso direto ao sistema do Cadastro Único juntamente ao MDS, a partir deste é possível à família, tanto ser incluída no cadastro, quanto atualizar seus dados (mudança de endereço, composição familiar, etc). Cada família deve também, pelo menos a cada dois anos, atualizar seu cadastro, a fim de ter o benefício garantido.

10 Os cálculos que realizamos pautaram-se primeiramente em identificar o número de famílias beneficiadas no PBF em cada bairro de Recife. Após chegarmos ao referido número, tomamos a PNAS-

2004, e vimos que esta estabelece que cada CRAS deve atender a um total de 1.000 famílias/ano e referenciar 5.000. Assim, selecionamos os bairros de Recife que possuíam a partir de 1.000 famílias, chegamos ao total de 41 bairros, a esses atribuímos um CRAS. Já os bairros que apresentaram um número acima de 5.000 famílias, convencionamos atribuir mais CRAS. Ou seja, um CRAS a cada bairro com 1.000 a 5.000 famílias beneficiárias do PBF. Ressaltamos que os dados aqui apresentados são apenas uma tentativa de aproximação da real demanda de CRAS no município, haja vista que nem todas as famílias em situação de vulnerabilidade são, necessariamente, beneficiárias do PBF.

11 Em 2006 ocorre concurso público para preenchimento de 238 vagas para Cargos de Nível Superior e Médio. Dos cargos ofertados temos: Nível Superior: Administrador, Advogado, Assistente Social, Contador, Enfermeiro, Nutricionista, Pedagogia, Psicólogo, Terapeuta Ocupacional. Nível Médio: Auxiliar de Enfermagem, Técnico em Contabilidade e Auxiliar Administrativo. Em 2010 o IASC realiza um novo concurso de 220 vagas para Educador Social.

12 Instituição sem fins lucrativos, fundada em 1972, ficava sob coordenação das primeiras-damas, com caráter meramente caritativo. Segundo o Guia de Orientações Técnicas da Proteção Social Básica do Município de Recife (2008), a LAR realizava “projetos e ações nas áreas de defesa de direitos, cultura, educação, saúde, família e comunidade, visando a melhoria da qualidade de vida de seus usuários em especial das crianças e adolescentes em situação de risco e a execução de políticas públicas direcionadas à infância brasileira”.

Salyanna de Souza SilvaAssistente SocialMestre em Serviço Social pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)Professora da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB)E-mail: [email protected]

Universidade Estadual da Paraíba - UEPBRua Baraúnas, 351 - Bairro Universitário - Campina Grande-PBCEP: 58429-500

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COMUNICAÇÕES

UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM

POLÍTICAS PÚBLICAS

REVISTA DE POLÍTICAS PÚBLICAS - RPP POLÍTICA EDITORIAL

Revista de Políticas Públicas é uma publicação acadêmica, de periodicidade semestral, destinada a publicar trabalhos científicos produzidos por pesquisadores brasileiros e de outros países, quando consideradas relevantes para o avanço teórico- prático das Políticas Públicas. Tem o objetivo de promover e disseminar a produção do conhecimento, o debate e a socialização de experiências acadêmicas, mediante a publicação de artigos, ensaios, resenhas e entrevistas, assim como criar mecanismos de articulação do Programa de Pós- Graduação em Políticas Públicas com outros programas de pós-graduação e com o ensino de graduação em nível nacional e internacional.

Cada edição da RPP versará sobre uma unidade temática indicada nos Planos Anuais da Revista, elaborados pela Comissão Editorial, incorporando trabalhos desse dossiê temático e outros de interesse do campo das Políticas Públicas. Além dos dois números anuais ordinários, a Revista poderá publicar números especiais destinados a divulgar produções relevantes das Jornadas Internacionais de Políticas Públicas e dos grupos e núcleos de pesquisa vinculados ao Programa, quando de interesse para divulgação na comunidade acadêmica nacional e internacional e para grupos ou populações interessadas na temática abordada.

Os interessados em publicar trabalho na RPP deverão apresentar trabalhos científicos, contendo informações novas e relevantes, com contribuição considerável para o desenvolvimento científico no campo das Políticas Públicas, não sendo permitida sua apresentação simultânea, no todo ou em parte, em outro periódico.

Os trabalhos a serem aceitos pela RPP abrangem as seguintes categorias:

• Artigos: resultados de pesquisa teórica (bibliográfica ou documental), de pesquisa de natureza empírica e relatos de experiência. Devem debater ou fazer indicações para o aprofundamento e reflexão de questões relacionadas ao dossiê temático de cada número da RPP ou de outros temas atinentes ao campo das Políticas Públicas.

• Ensaios: textos de caráter opinativo ou que apresentem reflexão para aprofundamento de questões afetas ao dossiê temático do volume correspondente da RPP.

• Resenhas: texto comentado e crítico de livro relacionado ao dossiê temático do volume correspondente da RPP com orientações quanto ao conteúdo e contribuições potenciais da obra.

• Entrevista: com pesquisadores (as) que apresentam expressivo conhecimento e participação qualificada no debate acadêmico, particularmente, em relação ao dossiê temático do volume correspondente da RPP.

De cada número da RPP constará também um Editorial apresentado pelos editores sobre o conteúdo do periódico e uma seção de Comunicações destinada à publicação de opiniões, lançamentos de trabalhos e eventos relacionados ao campo das políticas públicas.

A RPP poderá, ainda, publicar Conferências proferidas em eventos relevantes realizados pelo Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas.

A RPP tem os seus direitos editoriais reservados, não podendo nenhuma parte de suas publicações ser reproduzida, estocada ou transmitida por qualquer meio ou sistema, existente ou que venha a ser criado, sem prévia autorização, por escrito, da Comissão Editorial, ou sem que conste o crédito de referência, em conformidade com as leis de direitos autorais vigentes no Brasil. As resenhas e as entrevistas devem estar vinculadas à temática específica de cada volume da Revista, podendo ser recebidas propostas de autores, ficando, todavia, sob a responsabilidade da Comissão Editorial os encaminhamentos necessários

Só serão aceitos para publicação trabalhos originais, implicando na transferência de direitos do autor (es) para a RPP. Para isso, o (s) autor (es) deverá (ão) assinar Termo de Responsabilidade quando do encaminhamento do trabalho para publicação e de Transferência de Direitos Autorais, quando comunicado do aceite do trabalho para publicação, conforme modelos fornecidos.

Os trabalhos deverão ser apreciados por dois consultores “ad hoc” e só serão publicados os que receberem pareceres favoráveis consubstanciados dos dois pareceristas. No caso de pareceres discrepantes (um não indicando a publicação e outro totalmente favorável), o trabalho será apreciado por um terceiro parecerista.

Cabe aos pareceristas opinarem pela conveniência ou não da publicação dos trabalhos

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avaliados, bem como condicionarem a aprovação dos trabalhos apresentados para publicação a modificações de forma, de estrutura ou de conteúdo, em pareceres emitidos por estes. Todavia, a decisão final sobre a publicação dos trabalhos recebidos cabe à Comissão Editorial.

Após a avaliação final, não serão permitidas alterações ou acréscimos ao texto.

As opiniões e conceitos emitidos nos trabalhos e a exatidão das informações neles contidas são de inteira responsabilidade do (s) autor (es), eximindo a Comissão Editorial de qualquer responsabilidade.Todos os trabalhos que resultem de pesquisa, ou relato de experiência, quando do envolvimento de sujeitos humanos, para que sejam aceitos para publicação devem mencionar, no último parágrafo da seção sobre o conteúdo metodológico, os encaminhamentos éticos adotados. No caso de autores brasileiros, deverão indicar respeito às Resoluções do Conselho Nacional de Saúde n. 196 de 10/10/1996 e 251 de 07/08/1997.

A RPP publicará trabalhos nos idiomas Português, Inglês, Espanhol e Francês. Excepcionalmente, poderão ser aceitos trabalhos já publicados, em versão impressa ou virtual, quando acompanhados da autorização escrita e assinada pelo autor (es) e pelo Conselho responsável pelo veículo onde o trabalho foi originalmente publicado.

A Comissão Editorial deve garantir o anonimato do (s) autor (es) no processo de avaliação dos trabalhos, bem como deve assegurar aos avaliadores o sigilo de sua participação, propiciando liberdade para julgamentos e avaliações.

Os trabalhos submetidos para a publicação, quando não aceitos, ficarão à disposição dos autores. Não será oferecida qualquer remuneração para os autores dos trabalhos, tendo, estes, direito a 02 (dois) exemplares da RPP.

O encaminhamento de trabalho para publicação na RPP implica no conhecimento e na concordância, por parte do (s) autor (es), da Política Editorial e das normas para apresentação e aceitação do trabalho, que são disponibilizados no site www.revistapoliticaspublicas.ufma.br.

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NORMAS PARA ELABORAÇÃO E APRESENTAÇÃO DE TRABALHOS

REVISTA DE POLÍTICAS PÚBLICAS - RPP

Os trabalhos a serem aceitos pela RPP abrangem as seguintes categorias:

• Artigos: com até 20 (vinte) laudas, devem resultar de pesquisa teórica (bibliográfica ou documental), de pesquisa de natureza empírica e relatos de experiência. Devem debater ou fazer indicações para o aprofundamento e reflexão de questões relacionadas ao dossiê temático de cada número da RPP ou de outros temas atinentes ao campo das Políticas Públicas.

• Ensaios: textos, com até 20 (vinte) laudas, de caráter opinativo ou que apresentem reflexão para aprofundamento de questões afetas ao dossiê temático do volume correspondente da RPP.

• Resenhas: texto comentado e crítico, de até 5 (cinco) laudas, de livro relacionado ao dossiê temático do volume correspondente da RPP com orientações quanto ao conteúdo e contribuições potenciais da obra.

Todos os trabalhos devem ser encaminhados para a RPP por correio eletrônico (e-mail [email protected] ou rev is tapo l i t i caspubl icasufma@gmai l .com), devendo ser acompanhados de Declaração de Responsabilidade (modelo fornecido).

Os trabalhos devem ser apresentados em papel formato A-4 e digitados com utilização de editores Word for Windows Versão 6.0 ou 7.0, com uso de:

a) Fonte arial, corpo 12, para o texto e corpo 10 para o resumo, abstract, citações de mais de três linhas e notas;

b) Espaçamento entre linhas 1,5 (um e meio) para o texto, excetuando-se as citações de mais de três linhas, notas de rodapé, referências, resumo e abstract que devem ser digitados em espaço simples;

c) Utilizar margens esquerda e superior de 3 cm; direita e inferior de 2 cm,

d) Utilizar recuo de 2 cm da margem esquerda para parágrafos e 4 cm para citações de mais de três linhas.

Os artigos e ensaios não deverão ultrapassar 20 laudas, trazendo, na primeira página, as seguintes informações:

a) Como garantia de anonimato no processo de avaliação, os artigos devem ser apresentados da seguinte maneira: ter uma folha de rosto, separada das demais, onde deverá constar o título, nome do autor, profissão, vínculo institucional e título acadêmico, endereço, telefone e e-mail;

b) Na primeira página do texto, deve conter o título do trabalho em versal (maiúscula), negrito e alinhado à esquerda e RESUMO de, até, 150 palavras em português, acompanhado das PALAVRAS- CHAVE que identifiquem o conteúdo do trabalho. Em seguida, deve vir o título em inglês, em versal (maiúscula), negrito e justificado, o ABSTRACT e as KEYWORDS. Os textos do Resumo e do Abstract devem ser ajustados a margem , sem parágrafos. O subtítulo, se houver, deve vir em redondo (minúscula), sem negrito;

c) O corpo do trabalho deve começar com a INTRODUÇÃO, seguida das demais seções que constituem o desenvolvimento, enunciadas por títulos digitados em versal (maiúsculas), em negrito e com numeração, ajustados à margem esquerda. A CONCLUSÃO também deve ser antecedida por um indicativo (algarismo) ajustado à margem esquerda. Por fim, devem vir as REFERÊNCIAS (em versal sem negrito) seguidas das NOTAS com comentários e informações referentes ao texto

d) Os títulos das seções secundárias, também ajustados à margem esquerda, deverão ser digitados com letras minúsculas, em negrito, com o mesmo corpo do texto, exceto a inicial e os nomes próprios que devem ser maiúsculas;

e) Os títulos das demais seções (terciárias, quaternárias etc.) deverão ser digitados utilizando outros recursos, tais como: redondo (minúsculas) ou itálico, em corpo

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menor que o do texto. Deve-se deixar um espaço duplo entre os parágrafos que se seguem aos títulos das seções.

No caso de os trabalhos conterem tabelas, gráficos e ilustrações, as mesmas devem ser numeradas consecutivamente, em algarismos arábicos, conforme o tipo específico das mesmas (quadros, fotos, plantas, etc.). As tabelas devem ser encimadas pelo título antecedido da palavra “Tabela” seguida do número correspondente. As ilustrações (quadros, fotos, plantas, organogramas, etc.) devem ter o título antecedido da palavra indicativa do tipo de ilustração e o número da mesma, colocados, entretanto, abaixo da ilustração. Cabe à RPP garantir a padronização de tabelas, gráficos e ilustrações.

Quando a tabela e/ou ilustração for transcrita de alguma obra, dever-se-á, abaixo da mesma, indicar a fonte.

O sistema de chamada deverá ser o autor-data, devendo-se no texto indicar junto a cada citação, direta ou indireta, o sobrenome de cada autor pessoal ou nome de entidade responsável, seguido do ano da publicação do documento e da (s) página (s) da citação, separados entre si, por vírgula, podendo estar tudo entre parênteses ou, caso o sobrenome do autor faça parte da sentença, deve ficar fora deles. Neste último caso, o sobrenome do autor deverá estar só com a inicial em letras maiúsculas, e quando estiver dentro dos parênteses deverá estar em caixa alta. Tratando-se de dois autores, quando fora dos parênteses, deverão ser ligados pela conjunção “e”, mas estando dentro dos parênteses serão separados entre si, por ponto e vírgula, como na referência. Quando houver três autores, é semelhante. No caso de mais de três, fora dos parênteses, deverá colocar-se o sobrenome do 1º, seguido da expressão “e outros”. Estando dentro dos parênteses, dever-se-á, após o sobrenome do 1º, utilizar-se a expressão latina “et al”.

As citações indicadas nos trabalhos devem ser pelo sobrenome do autor, seguido da data da publicação e da página consultada, de modo que, quando o nome do autor fizer parte da sentença, somente a data e a página aparecem entre parênteses. Ex.: Silva (1997, p. 32). Quando o nome do autor não estiver incluído na sentença, este é indicado no final da frase entre parênteses. Ex: (SILVA, 1997, p. 78). Quando o trabalho citado pertencer a dois autores, o sobrenome dos dois é indicado separadamente, utilizando o ponto e vírgula. Ex.: (SILVA; COSTA, 1997, p. 34). Quando se tratar de trabalho de mais de três autores, o sobrenome do primeiro é indicado seguido da expressão et al. (Ex.: FERNANDES et al., 1998, p. 3). Quando se tratar de trabalho sem autoria, a chamada é feita pela primeira palavra do título, em maiúsculas, seguida de reticências, data e página. Ex.: (COMUNIDADE..., 1997, p. 89).

As citações e referências devem ser elaboradas de conformidade com o disposto na NBR 10520, da ABNT, de agosto de 2002, devendo todo autor citado no texto, constar das REFERÊNCIAS, dispostos em ordem alfabética, pelo sobrenome do primeiro autor.

Figuras, tabelas e fotos devem ser bem nítidas, apresentadas em alta definição, somente em preto e branco, devendo constar do original.

Se as ilustrações enviadas já tiverem sido publicadas, deve ser mencionada a fonte e apresentada a permissão para reprodução.

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CRITÉRIOS PARA ACEITAÇÃO DE TRABALHOS PARA PUBLICAÇÃO

REVISTA DE POLÍTICAS PÚBLICAS - RPP

Todos os trabalhos submetidos para publicação na RPP serão avaliados, no seu mérito científico, por membros do Conselho Editorial e Científico por consultores “ad hoc”, sendo considerados os seguintes critérios:

a) Pertinência do trabalho tendo em vista o campo temático das Políticas Públicas;

b) Qualidade linguística: clareza e correção na comunicação;

c) Conteúdo: fundamentação teórica e contribuição para a produção do conhecimento no campo das Políticas Públicas;

d) No caso de artigo ou ensaio, a estrutura do texto deve contemplar: introdução, desenvolvimento (desdobrado em itens subsequentes à Introdução e anteriores à Conclusão, devendo cada item receber um título que expresse o conteúdo abordado), conclusão, resumo, palavras-chave; abstract e key words;

e) Apresentação: obediência às normas para apresentação de trabalho, acima especificadas.

Uma vez aceito o Trabalho para publicação na RPP, o (os) autor (es) serão comunicados e solicitados a encaminhar Declaração de Transferência de Direitos Autorais (modelo fornecido), com assinatura eletrônica pelo e-mail [email protected]

CHAMADA DE TRABALHOS PARA PUBLICAÇÃO NA REVISTA DE POLÍTICAS

PÚBLICAS: fluxo contínuo

A Revista de Políticas Públicas do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão mantém fluxo contínuo para recebimento de trabalhos (artigos e ensaios) para publicação: artigos e ensaios, desde que se situem no campo temático das Políticas Públicas e atendam às normas para apresentação de trabalhos que se encontram no site (www.revistapoliticaspublicas.ufma.br ).

Os trabalhos devem ser inéditos, devendo, posteriormente, ser submetidos à avaliação de pareceristas, tendo por referência os critérios para aceitação de trabalhos para publicação, que também se encontram no site, juntamente com outras documentações pertinentes.

Os trabalhos devem ser enviados, em conformidade com as normas para apresentação de trabalhos pelo e-mail [email protected] ou [email protected]

CHAMADA DE TRABALHOS PARA PUBLICAÇÃO NA REVISTA DE POLÍTICAS

PÚBLICAS (RPP):v. 17, N. 1, janeiro/junho 2013

TEMA: AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: teorias e práticas

Comunicamos que se encontra aberta a chamada de trabalhos para publicação no v. 17, n. 1, 2013 (Janeiro/junho) da RPP, periódico científico do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão. Serão publicados, nesse número, trabalhos inéditos: artigos, ensaios, resenhas e entrevistas no âmbito do tema: “AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: teorias e práticas”, selecionados dentre aqueles recebidos de pesquisadores de instituições nacionais e estrangeiras, posteriormente, aprovados por pareceristas indicados pela Comissão Editorial da RPP.

Os trabalhos devem ser encaminhados pelo e-mail [email protected] até o dia 28 de fevereiro de 2013, devendo as resenhas versarem, necessariamente, sobre livros que abordem a temática do número da RPP objeto dessa chamada. As entrevistas devem ser encomendadas pela Comissão Editorial que considerará pesquisadores de renome nacional e internacional da temática, podendo acatar sugestões.

EMENTÁRIO DO TEMA

O tema Avaliação de Políticas Públicas é considerado nos seus aspectos conceituais e metodológicos e situado no âmbito da Pesquisa Avaliativa. É concebido como um dos movimentos do processo das políticas públicas, articulado à formulação e à implementação e como modalidade de Pesquisa Social aplicada. O pressuposto fundamental da concepção indicada é que a avaliação de políticas públicas é percebida na relação dialética de duas dimensões a ela inerentes: a dimensão técnica e a dimensão política. Nesse sentido, é orientada por intencionalidades, sua dimensão política, e por um conjunto de procedimentos científicos que a qualifica como geradora de conhecimento. Partindo dessa concepção, consideramos que a Pesquisa Avaliativa desempenha essencialmente três funções:

Função Técnica, fornecendo subsídios para correção de desvios no decorrer do processo de implementação de um programa; indicando em que medida objetivos e mudanças ocorreram e subsidiando a elaboração ou redimensionamento de políticas e programas.Função Política, oferecendo informações para sujeitos sociais fundamentarem lutas sociais para

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o controle social das políticas públicas.Função Acadêmica, desvelando determinações e contradições presentes no processo e no conteúdo das políticas públicas, evidenciando os significados mais profundos dessas políticas (sua essência), para a construção do conhecimento. (SILVA, 2008).

Além de trabalhos sobre a temática específica do v. 17, n.1, poderão ser publicados artigos e ensaios sobre outras temáticas que se situem no campo das Políticas Públicas, recebidos mediante fluxo contínuo.

As normas de elaboração, apresentação e critérios de aceitação de trabalhos devem ser consultadas no site http://www.revistapoliticaspublicas.ufma.br.

REFERÊNCIA

SILVA, Maria Ozanira da Silva. Avaliação de Políticas e Programas Sociais: uma reflexão sobre o conteúdo teórico-metodológico da pesquisa avaliativa. In: ______. Pesquisa Avaliativa: aspectos teórico-metodológicos. São Paulo: Veras, 2008. p. 89-178.

VERSÃO ON LINE DA REVISTA DE POLÍTICAS PÚBLICAS (RPP)

Já se encontra disponível para acesso a

página eletrônica da Revista de Políticas Públicas (RPP), publicação acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

No ambiente eletrônico, é possível acompanhar notícias, fazer download dos artigos publicados nas últimas edições e consultar os sumários de todas as publicações anteriores da RPP que está em circulação desde 1995.

O site da RPP dispõe também de informações e orientações a quem deseja socializar experiências acadêmicas por meio de artigos, ensaios, resenhas e entrevistas, tais como chamadas temáticas semestrais, chamada geral, critérios e normas de aceitação e apresentação de trabalhos para a publicação.

A página pode ser acessada pelo endereço: www.revistapoliticaspublicas.ufma.br

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R. Pol. Públ., São Luís, v.16, n.2, p. 531-531, jul./dez. 2012

VI JORNADA INTERNACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS (VI JOINPP)

IDENTIFICAÇÃO DO EVENTO

Tema Central: O Desenvolvimento da Crise Capitalista e a Atualização das Lutas Contra a Exploração, a Dominação e a Humilhação.

Promoção: Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas/UFMA.

Período: 20 a 23 de agosto de 2013.Local: Cidade Universitária da Universidade

Federal do Maranhão (UFMA)- Avenida dos Portugueses, 1966. São Luís, Maranhão, Brasil.

Público: Programas de Pós-Graduação, Grupos de Pesquisa, professores, estudantes de graduação e pós-graduação, pesquisadores, profissionais vinculados ao campo das políticas públicas, além de representantes de lutas e movimentos sociais com interesse na temática da VI JOINPP.

Número de participantes previstos: 1000Coordenação Geral: Profas. Dras. Salviana

de Maria Pastor Santos Sousa e Raimunda Nonata do Nascimento Santana

Comissão Organizadora: Aurora Amélia Brito de Miranda, Benjamim Alvino de Mesquita, Cleonice Correia Araújo, Cristiana Costa Lima, Flávio Bezerra de Farias, Ilse Gomes Silva, Joana Aparecida Coutinho, José de Ribamar Sá Silva, Josefa Batista Lopes, Katiane Ribeiro da Cruz, Lourdes de Maria Leitão Nunes Rocha, Maria do Socorro Sousa de Araújo, Maria Eunice Ferreira Damasceno Pereira, Maria Ozanira da Silva e Silva, Marly de Jesus Sá Dias, Raimunda Nonata do Nascimento Santana, Salviana de Maria Pastor Santos Sousa, Sérgio Figueiredo Ferretti, Silse Teixeira de Freitas Lemos, Valéria Ferreira Santos de Almada Lima.

JUSTIFICATIVA

A Jornada Internacional de Políticas Públicas (JOINPP), iniciada em 2003, é um evento acadêmico-científico que se realiza de dois em dois anos na cidade de São Luís – Maranhão/ Brasil. Integra o cronograma de eventos do Programa de

Pós-Graduação em Políticas Públicas (PPGPP) da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e tem o propósito estratégico de estimular a produção de conhecimento, a formação de recursos humanos e favorecer a troca de experiências entre instituições e pesquisadores, em âmbito nacional e internacional

Em 2013 realizar-se-á a VI JOINPP que se sustenta em dois pressupostos fundamentais. O primeiro, que baliza todas as edições e se constitui em um dos imperativos dos Programas de Pós-Graduação, é a importância atribuída ao debate crítico sobre temas relevantes para o campo das políticas públicas e ao intercâmbio de experiências e produções entre pesquisadores em nível nacional e internacional.

O segundo pressuposto se expressa no tema da VI JOINPP - “O desenvolvimento da crise capitalista e a atualização das lutas contra a exploração, a dominação e a humilhação”. Esse tema implica o reconhecimento de que, após cinco anos de crise capitalista, urge aprofundar tanto a crítica da economia política da globalização neoliberal, quanto das bases sociais e políticas do próprio capitalismo em escala mundial, na perspectiva das lutas contra a exploração, a dominação e a humilhação.

O desenvolvimento da crise capitalista, em profundidade e extensão, impõe diversas estratégias que se voltam para a resolução dos antagonismos, nos âmbitos macroeconômico, geopolítico, social, cultural, espacial e ambiental e para a renovação das práticas estatais e políticas, especialmente dos compromissos espaços-temporais historicamente determinados.

Em meio a esse quadro, são retomadas questões que vêm orientando a JOINPP desde sua primeira versão e, ainda, são pertinentes e adequadas: como a crise do capital vem afetando a geopolítica mundial, a sobrevivência e a convivência entre os povos? Qual a qualidade do desenvolvimento em curso no Ocidente, sobretudo, suas expressões no contexto da periferia do sistema? E quais são as perspectivas para as políticas públicas, para os movimentos sociais e para as lutas sociais contra a exploração, a dominação e a humilhação?

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SUMÁRIO DE NÚMEROS ANTERIORES DA REVISTADE POLÍTICAS PÚBLICAS

v.16, n. 1 jul./dez. 2011

SUMÁRIO

EDITORIAL

POLÍTICAS PÚBLICAS: desafios e dimensões contemporâneas do desenvolvimento regional

ARTIGOS

AÇÃO, ESPAÇO E TERRITÓRIO: elementos para pensar uma política de ordenamento territorial

Jodival Mauricio da Costa

AGRICULTURA FAMILIAR E CONVÍVIO SUSTENTÁVEL NUMA PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR

Christiane Fernandes dos SantosElisabete Stradiotto Siqueira

Izabel Jaguaiara Costa de OliveiraMárcia Egina Câmara Dantas

Zildenice Matias Guedes Maia

A POLÍTICA NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL: da “letra da lei” ao sentido do texto

Rosângela Nair de Carvalho Barbosa

CAPACIDADES ESTATALES REGIONALES: consideraciones teóricas y metodológicas para su análisis en América Latina

Víctor Ramiro FernándezJosé Ignacio Vigil

CIÊNCIA E TECNOLOGIA PARA O DESENVOLVIMENTO REGIONALJackeline Amantino de AndradeCaroliny Wanderley de Macêdo

DA DÉCADA DE 1920 À DE 1930: transição rumo à crise e à industrialização no BrasilWilson Cano

DESENVOLVIMENTO DO ESPAÇO SOCIAL RURAL: O Projeto de Assentamento do Engenho Corubas e as perspectivas da produção familiar na Mata Sul de Pernambuco.

Rosiglay Cavalcante de VasconcelosMaria Magaly Colares de Moura Alencar

Vitoria Regia Fernandes Gehlen

DESENVOLVIMENTO E DINÂMICA REGIONAL EM CELSO FURTADOHermes Magalhães Tavares

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GESTIÓN LOCAL, INTERACCIÓN ESTADO-SOCIEDAD Y POLÍTICAS ESTRATÉGICAS EN MUNICIPIOS DE LA REGIÓN METROPOLITANA DE BUENOS

AIRESRodrigo Carmona.

O CONCEITO DE TERRITÓRIO E AS RECENTES POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO RURAL E SUAS CONTRADIÇÕES NO ESTADO DO

MARANHÃO Aurora Amélia Brito de Miranda

PERFIL AMBIENTAL DOS MUNICÍPIOS PRODUTORES DE PÓ CERÍFERO DE CARNAÚBA EM 2002, 2008 E 2009

Emiliana Barros CerqueiraJaíra Maria Alcobaça Gomes

PLANEJAMENTO NACIONAL, REGIÃO E TERRITÓRIO NO NORDESTE BRASILEIRO: novas configurações

Liduina Farias Almeida da Costa

PRODUÇÃO MINERAL NO ESTADO DO PARÁ E REFLEXOS NA (RE)PRODUÇÃO DA MISÉRIA: Barcarena, Marabá e Parauapebas

Aluízio Lins LealMaria Elvira Rocha de Sá

Nádia Socorro Fialho NascimentoWelson de Sousa Cardoso

REGIÕES METROPOLITANAS: uma modalidade de gestão desconcentrada e cooperativa

Raquel Garcia GonçalvesNatália Cardoso Marra

SOCIEDADE CIVIL E A CONSTRUÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS NA REGIÃO SEMIÁRIDA BRASILEIRA: o caso do Programa Um Milhão de Cisternas rurais (P1MC)

Thiago Rodrigo de Paula Assis

TRAJETÓRIA SOCIAL E CONSTRUÇÕES IDENTITÁRIAS DE MORADOR A ASSENTADO: a perspectiva dos sujeitosConceição de Maria Sousa Batista Costa

ENTREVISTA ESPECIAL COM LEONARDO GUIMARÃES NETO: DESAFIOS PARA UMA POLÍTICA NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL NO BRASIL

Jorge Luiz Alves NatalHipólita Siqueira

RESENHABRANDÃO, Carlos. TERRITÓRIO & DESENVOLVIMENTO. As múltiplas escalas entre o

local e o global. Campinas: Editora da Unicamp, 2007.Hipólita Siqueira

ARTIGOS SOBRE POLÍTICAS PÚBLICAS

CONTROLES DEMOCRÁTICOS, PARTICIPAÇÃO E CLIENTELISMO: as dificuldades da representação da sociedade civil no conselho de assistência social

Ângela Vieira Neves

O DESCOMPASSO ENTRE OS SABERES CANELAS E AS PRÁTICAS BIOMÉDICASDiego Rodrigo Pereira

Elizabeth Maria Beserra Coelho

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O PERFIL E A INCIDÊNCIA DO TERCEIRO SETOR NAS POLÍTICAS PÚBLICAS: a realidade gaúcha em análise

Rosa Maria Castilhos Fernandes Ana Lúcia Suárez Maciel

Michelle Bertóglio Clos

POLICIAIS MILITARES EM GREVE: os significados da ação coletivaNayra Véras de Araújo

Antônia Jesuíta de Lima

UNIDUNITÊ, O ESCOLHIDO FOI VOCÊ! A REPRESENTAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL NOS CMAS DO ESPÍRITO SANTO

Desirée Cipriano RabeloMaria Beatriz Lima Herkenhoff,Ana Targina Rodrigues Ferraz

Natália Nicácio Lieize Alves Alcanta

COMUNICAÇÕES

POLÍTICA EDITORIAL

NORMAS PARA ELABORAÇÃO E APRESENTAÇÃO DE TRABALHOS

CRITÉRIOS PARA ACEITAÇÃO DE TRABALHOS PARA PUBLICAÇÃO

CHAMADA DE TRABALHOS PARA PUBLICAÇÃO NA REVISTA DE POLÍTICAS PÚBLICAS: fluxo contínuo

CHAMADA DE TRABALHOS PARA PUBLICAÇÃO NA REVISTA DE POLÍTICAS PÚBLICAS: v.16, n. 2, julho/dezembro 2012 e v.17 n.1 janeiro/junho 2013

VERSÃO ON LINE DA REVISTA DE POLITICAS PUBLICAS

SUMÁRIOS DE NÚMEROS ANTERIORES DA REVISTA DE POLÍTICAS PÚBLICAS: v. 15, n. 1, 2011 e v.15, n.2,2011

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SUMÁRIO

EDITORIAL

DOSSIÊ POLÍTICAS PÚBLICAS: Questão Agrária e Meio Ambiente

ARTIGOS

CONCEPÇÕES E MODELOS AGRÁRIOS EM CONCORRÊNCIA NA GESTÃO FUNDIÁRIA DA FRANÇA: questões oportunas para refletir sobre o caso brasileiro

Clémentine AntierPaulo Eduardo Moruzzi Marques

ENFRENTAMENTOS E CONTRADIÇÕES NAS COMUNIDADES DE EXTRACÇÃO DE RECURSOS NATURAIS EM CABINDA – ANGOLA

Juliana Lando CangaAlfredo Gabriel Buza

A ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO NA IMPLEMENTAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS AMBIENTAIS.

Zenildo BodnarPaulo Márcio Cruz

ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS E REPARAÇAO DE DANOS AO MEIO AMBIENTE: breves considerações sobre a legislação aplicável

Ana Paula MyszczukClarissa Bueno Wandscheer

Roseli Rocha dos Santos

DEMOCRACIA E CONTROLE DA PARTICIPAÇÃO POPULAR:concepções e influências para a educação do campo e para a ação dos movimentos sociais camponeses

Michelle Freitas TeixeiraAdelaide Ferreira Coutinho

A INDÚSTRIA DE AGROTÓXICOS NO BRASIL: o debate em torno da Lei sobre informações não divulgadas

Camila HermidaVictor Pelaez

SOL, TERRA E TECNOLOGIA: a promessa da “Revolução Dourada” dos biocombustíveis no governo Lula

Diego Santos Vieira de Jesus

POLÍTICAS PÚBLICAS E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: a realidade dos assentamentos de reforma agrária no Ceará

Patrícia Verônica Pinheiro Sales Lima Ahmad Saeed Khan

Francisco Casimiro FilhoJuliana Jales Viana

9

9

13

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33

43

53

63

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SUMÁRIO DE NÚMEROS ANTERIORES DA REVISTADE POLÍTICAS PÚBLICAS

v.15, n. 2 jul./dez. 2011

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R. Pol. Públ., São Luís, v.16, n.2, p. 533-537, jul./dez. 2012

GASTOS PÚBLICOS EM MEIO AMBIENTE NO ESTADO DO PARANÁ: uma análise exploratória para o período 2002 a 2009

Benilson BorinelliCristiane de Castro

Juarez Paulo TridapalliMaria de Fátima Sales de Souza Campos

TRABALHADORAS RURAIS, POLÍTICAS PÚBLICAS E SERVIÇO SOCIAL EM TEMPOS NEOLIBERAIS: demandas e desafios a pratica profissional

Silvane Magali Vale Nascimento

QUESTÃO AMBIENTAL E POLÍTICA DE MEIO AMBIENTE: desafios ao Serviço Social brasileiro

Nailsa Maria Souza AraújoAna Régia Santos Oliveira

Elaine Souza da SilvaJailson Ramos Messias

ENTREVISTA ESPECIAL COM HENRIQUE SANTOS PEREIRA

RESENHASANT’ANA JÚNIOR, H. A. et al (Orgs.). Ecos dos conflitos socioambientais: a RESEX

de Tauá-Mirim. São Luís: EDUFMA, 2009. 322 p.Maria José da Silva Aquino

José Arnaldo dos Santos Ribeiro Júnior

ARTIGOS SOBRE POLÍTICAS PÚBLICAS

A GESTÃO SOCIAL NA ADMINISTRAÇÃO PUBLICA MUNICIPAL: aproximações e resistências no discurso dos vereadores do município de Minas Gerais

Juliana Cristina TeixeiraMariana Pereira Chaves Pimentel

Priscila Gomes AraujoThiago Duarte Pimentel

DEMOCRATIZAÇÃO DA COMUNICAÇÃO NA SOCIEDADE BRASILEIRAIvonete da Silva Lopes

INDAGAR PARA CONSTRUIR POLÍTICAS DE GESTÃO PÚBLICASilvia Gattai

Luiz Roberto Alves

NOVAS CONFIGURAÇÕES DO MERCADO DE TRABALHO NO BRASILMarisa Camargo

COMUNICAÇÕES

POLÍTICA EDITORIAL

NORMAS PARA ELABORAÇÃO E APRESENTAÇÃO DE TRABALHOS

CRITÉRIOS PARA ACEITAÇÃO DE TRABALHOS PARA PUBLICAÇÃO

CHAMADA DE TRABALHOS PARA PUBLICAÇÃO NA REVISTA DE POLÍTICAS PÚBLICAS: fluxo contínuo

CHAMADA DE TRABALHOS PARA PUBLICAÇÃO NA REVISTA DE POLÍTICAS PÚBLICAS: v.15, n. 2, julho/dezembro 2011

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