POLÍTICA PÚBLICA DE INCLUSÃO ÉTNICO-RACIAL: ANALISE DA LEI DE
COTAS PARA NEGROS EM CONCURSOS PÚBLICOS FEDERAIS
Vanessa Cristina Lourenço Casotti Ferreira da Palma1
Luciene Maria S. e Silva2
RESUMO:
O artigo intitulado: “Política pública de inclusão étnico-racial: análise da lei de cotas para negros em concursos públicos federais”, tem por objetivo analisar a efetividade da lei de cotas raciais nos concursos públicos para os cargos da unidade federativa. Na busca por um país mais justo, inclusivo e democrático para população negra no Brasil, diversas leis, chamadas ações afirmativas, vêm possibilitando o ingresso dos negros nas universidades, nos serviços públicos e demais setores da sociedade. A etnia que mais tem sofrido é a negra, uma vez que o próprio pensamento moderno ocidental ainda traz ranços das distinções visíveis e invisíveis vividas historicamente por esse grupo, o que acaba por fundamentar o preconceito e segregação sociorracial que teima em permanecer no bojo da nossa sociedade. As ações afirmativas surgem, após um agigantado esforço do movimento negro nacional, estabelecendo para o Estado o compromisso com a política de reparação com vistas à garantia da promoção da igualdade material. A criação de ações afirmativas visam promover a igualdade e diminuir as diferenças sociais entre grupos étnicos. A pesquisa tem caráter analítico. Prevê, inicialmente, neste artigo uma pesquisa bibliográfica e o levantamento em fontes documentais na lei, levantamentos estatísticos.A lei de cotas é uma ação afirmativa com vigência de dez anos, cuja finalidade principal é incluir as pessoas negras para ocuparem os cargos nos serviços públicos federais. É uma forma de inclusão social que visa resgatar o sofrimento vivido pelos povos negros e minimizar a discriminação e trazer a igualdade de oportunidades para todos.
Palavras-chave: cotas raciais, inclusão, concursos públicos
1Professora mestre em Direito na UFMS, doutoranda da pós –graduação em Educação pela UFGD 2Licenciada e bacharel em geografia pela UFMS, especialista em Geografia pela UFMS,
graduada em Direito pela UFMS,pós-graduanda latu sensu em Direito Civil e Processo
Civil pela UNITOLEDO/Araçatuba
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
2
1 INTRODUÇÃO
Todas as formas de racismo e de exclusão constituem, em última análise, maneiras de negar o corpo do outro. Poderíamos fazer uma releitura de toda a história da ética sob o ângulo dos direitos dos corpos, e das relações de nosso corpo com o mundo.
Umberto Eco
A mistura de vários grupos raciais, observada no percurso histórico, fez do Brasil
um dos países mais miscigenados do mundo. Entretanto, essa grande diversidade cultural,
acrescentada ao desequilíbrio em relação à distribuição de renda e de oportunidades,
desencadeou, no país, processos de desigualdades sociorraciais. Em razão disso, a etnia
que mais tem sofrido é a do negro3, uma vez que o próprio pensamento moderno ocidental
ainda traz ranços das distinções visíveis e invisíveis vividas historicamente por esse grupo,
o que acaba por fundamentar o preconceito e segregação sociorracial que teima em
permanecer no bojo da nossa sociedade.
Somente após o surgimento das primeiras políticas públicas voltadas aos
afrodescendentes, conquistadas pelo árduo trabalho do movimento negro no Brasil é que se
observa essa parcela da população reconhecendo-se em sua identidade.Como corolário
dessa tomada de consciência vemos uma mudança nos dados referentes ao censo de 2010
em se tratandoda população parda e negra autodeclarada, tendo a pesquisa apresentado um
percentual de 53,7% de descendentes de africanos, sendo esse número fundamental quando
da comparação dos índices de escolaridade apresentados no contexto da realidade
brasileira(IBGE,2010).
Segundo pesquisa do IBGE, no ano de 2015, apenas 12,8% dos negros entre 18 e
24 anos chegaram ao ensino superior, contra 26,5 dos brancos na mesma faixa etária. Para
a melhor compreensão desses números, fundamental que sua interpretação se dê em
3Negro é entendido como povo afro-brasileiro, conforme categoria atribuída pelo IBGE(2015), como pretos e pardos
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
3
conjunto com os aspectos históricos que marcaram a população afro-brasileira no Brasil.
Segundo Santos( 2005, p. 13):
A profunda desigualdade racial entre negros e brancos em praticamente todas as esferas sociais brasileiras é fruto de mais de quinhentos anos de opressão e/ou discriminação racial contra os negros, algo que não somente os conservadores brasileiros, mas uma parte significativa dos progressistas recusam-se a admitir.
Nesse diapasão, a trajetória histórica dos negros no país tem como traço a busca
constante pela superação das desigualdades, seja através da resistência presente na luta
contra a escravidão, elemento que restou presente na realidade política, econômica e social
do Brasil por três séculos, seja pela luta contra o racismo que perdura até os dias atuais e se
revela através dos números, onde a dificuldade no acesso às condições dignas de vida, à
educação, ao trabalho, à saúde são claramente demonstráveis. Theodoro e Jaccoud (2005,
p. 118)estabelecem um parâmetro entre a complexidade dos fatores que desencadeiam a
exclusão social negra e as necessidades de implantação de medidas para a efetiva mudança
dessa realidade:
Os mecanismos sociais que provocam a exclusão social do negro no Brasil são complexos e poderosos, seja na educação, seja em outras esferas da vida social. Combatê-los exige, de umlado, a mobilização de setores importantes da sociedade. De outro, requer a mobilização do Estado atravésde uma estratégia que pressuponha a organização não apenas de uma, mas de um conjunto de diferentes políticas públicas.
Portanto, embora a lei de cotas raciais designadas aos negros, nas universidades,
represente uma evolução no pensamento jurídico, como um direito essencial por meio de
um discurso legal de “inclusão”, vê-se que não é suficiente para solucionar a questão do
preconceito e da discriminação em relação aos mesmos. Assim, para que ocorra uma
verdadeira inclusão, seria necessário que se criassem meios de inserção do negro em várias
outras esferas sociais, como, por exemplo, no mercado de trabalho.
A Lei nº 12.990/2014 dispõe sobre a reserva para pretos e pardos em 20% (vinte
por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos, para provimento de cargos e
empregos efetivos realizados no âmbito da Administração Pública Direta Federal e da
Administração Indireta, tais como Autarquias, Empresas Públicas, Fundações Públicas e
Sociedades de Economia Mista.
Apesar de criada, escrita, registrada e incluída no discurso jurídico, somente passou
a ter valor oficial quando publicada, em junho de 2014, com vigência de dez anos,
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
4
perseguindo todos os trâmites legais quanto à sua validade e existência; porém, para que
uma medida pública seja eficaz a mesma deve atender em sua plenitude.
A metodologia utilizada neste trabalho é bibliográfica demonstrando algumas ideias
centrais em Flavia Pioviesan, no que se refere o princípio da igualdade material das normas
jurídicas, bem como análise em documento oficial da lei n. 12990/2014 e estatísticas junto
ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Sistema de Gestão de Acesso do
Ministério do Planejamento e Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.
O artigo foi divido em duas partes. Na primeira, foram apontadas as políticas
públicas que visam à inclusão de negros nos setores sociais e especialmente no serviço
público. E na segunda parte a análise da lei n. 12990/2014 sobre as reservas de vagas para
negros nos serviço público federal.
2. POLÍTICAS PÚBLICAS: INCLUSÃO DOS NEGROS NO SERVIÇO PÚBLICO
FEDERAL.
As ações públicas inclusivas são uma conquista de vários segmentos do movimento
negro no Brasil que destacam as desigualdades sociais e raciais. Ao se analisar a história
do Brasil desde a sua colonização, a população negra, em razão da escravidão, não teve as
mesmas oportunidades sociais que os declarados brancos, sendo tratado como “objeto” e,
mesmo após a abolição da escravatura, essa situação perdurou, contribuindo, com o passar
do tempo, para uma estigmatização do negro, que ficou marcado como pertencente à uma
classe pobre, marginalizada e discriminada socialmente.
O século XXI vem sendo marcado por um resgate de valores e costumes da
população negra no Brasil. Existem vários grupos do movimento negro que vêm lutando
por mais direitos e igualdade. Para que ocorra a inclusão social dos afro-brasileiros faz-se
necessário resgatar a sua imagem e cultura, uma vez que o que perdura até os dias de hoje
é a ideia de se tratar de um grupo submisso e sem direitos. Parece haver, ainda, no Brasil,
uma resistência acerca das políticas públicas étnico-raciais, conforme ratificado por
Marcelo Paixão (p.80, 2009), que destaca:
Destarte, as resistências que vêm brotando atualmente em nosso meio no que se refere às políticas de ações afirmativas, mormente quando direcionadas aos negros e negras, já eram esperadas, por serem coerentes num país que ao longo
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
5
do tempo se acostumou a considerar justo e normal encontrar afrodescendentes em situações sociais subalternas.
Essa hierarquização do poder dos grupos sociais elitizados, como os brancos, em
detrimento ao grupo negro concentrado na mais baixa escala social traz sérias
consequências de desigualdades sociais, reforçando, desse modo, a existência do racismo.
No entanto, questiona-se: o que será preciso fazer para que ocorra essa inclusão
sociorracial?
Apesar da resistência de alguns grupos que derivam de uma herança escravocrata
de inferiorização do processo de formação da identidade étnica brasileira, é fundamental
que se apliquem ações afirmativas que visem promover a igualdade racial, criando
oportunidades para inserção do negro nos diversos setores da sociedade.
Nesse sentido, considera-se fundamental, no presente estudo, analisar a
efetividade da lei que reserva de 20% da vagas para pretos e pardos, visando apontar se a
mesma vem oportunizando a inclusão social do povo negro no serviço público.
Dentro de uma concepção histórico-cultural nota-se que a população negra sofreu
uma segregação no que diz respeito a sua identidade, participação social, discriminação e
preconceito, gerando um desequilíbrio e uma desigualdade étnico-social.
Ao analisarmos os fatos sociais ocorridos em relação a esta desigualdade
observamos que os mesmos desencadearam a instituição de normas de proteção, de
liberdade e de igualdade para resguardar valores fundamentais da pessoa humana,
consagrados na norma maior da República Federativa do Brasil, ou seja, a Constituição
Federal de 1988 a qual expressa a real importância dada ao objetivo fundamental em
reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos sem preconceito de
origem, raça, sexo, cor, ou quaisquer outras formas de descriminação. Assim, tendo como
princípio basilar a igualdade de oportunidades e de participação social do negro
observamos que a sociedade brasileira ainda não se conscientizou, bem como não expressa
à vontade de aplicar tal princípio nas relações existentes entre brancos e negros.
Diante deste contexto é indispensável, para um Estado Democrático de Direito, a
criação de políticas públicas que visem minimizar as desigualdades e criar oportunidades
na busca da igualdade material, ou seja, a realização concreta e efetiva de normas para
atender ao fato social no que concerne da desigualdade existentes entres os povos brancos
e negros. De acordo com Bobbio (2013, p. 37-38):
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
6
É inegável que historicamente “democracia” teve dois significados
prevalecentes, ao menos na origem, conforme se coloca em maior evidência o conjunto das regras cuja observância é necessária para o poder político seja efetivamente distribuído entre a maior parte dos cidadãos, as assim chamadas regras do jogo, ou o ideal em que um governo democrático deveria se inspirar, que é da igualdade.
Reafirmando o entendimento, também é nítido o pensamento de Piovesan(2012,
p. 25) que:
Se a democracia se confunde com a igualdade, a implementação do direito a igualdade, por sua vez, impõe tanto 1 o desafio de eliminar toda e qualquer forma de discriminação, como 2 o desafio de promover o nivelamento dos direitos entre semelhantes.
Diante do exposto nota-se, pela experiência social e jurídica vivida historicamente
pela população brasileira e ainda como não há igualdade de tratamento entre os brancos e
negros a necessidade do poder público, as instituições, bem como os indivíduos e a
sociedade de forma conjunta criar meios para reduzir as desigualdades raciais.
Logo, observa-se que a ação afirmativa é uma norma imbuída de clamor
axiológico na busca pelo valor de igualdade de oportunidades para que haja uma maior
participação social do povo afro-brasileiro.
Cumpre destacar que as referidas medidas têm por escopo atender a pessoas em
condições de desvantagem historicamente reconhecidas, no sentido de estabelecer a
igualdade material contemplada na Constituição Federal de 1988.
Nesse diapasão, a busca pela igualdade que assuma uma nuance substancial
requer que esta tenha um caráter dinâmico, que leve em conta as desigualdades presentes
no bojo da sociedade, demandando um olhar diferenciado para a diversidade que compõe a
população, com vistas a evitar que conceitos generalistas imponham a presença da
igualdade formal sob a égide da estrita observância da letra fria da lei. Para Piovesan
(2005, p. 36):
Torna-se, contudo, insuficiente tratar o indivíduo de forma genérica, geral e abstrata. Faz-se necessária a especificação do sujeito de direito, que passa a ser visto em sua peculiaridade e particularidade. Nesta ótica determinados sujeitos de direitos, ou determinadas violações de direitos, exigem uma resposta específica e diferenciada.
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
7
Dentro dessa concepção, a autora estabelece que, mais que o direito à igualdade,
há que se propiciar a justiça social com base no direito à diferença:
Nesse cenário, por exemplo, a população afrodescendente, as mulheres, as crianças e demais grupos devem ser vistos nas especificidades e peculiaridades de sua condição social. Ao lado do direito à igualdade, surge, também, como direito fundamental, o direito à diferença. Importa o respeito à diferença e à diversidade, o que lhes assegura um tratamento especial (PIOVESAN, 2005, p. 36).
Sob essa perspectiva, o conceito de igualdade material se sobrepõe à igualdade
formal estabelecida pela norma, haja vista a necessidade de se garantir a equidade, tendo
como premissa a presença de grupos desfavorecidos e fragilizados no contexto da
sociedade, cujo tratamento diferenciado consubstancia elemento propiciador da paz e
justiça social almejadas por todos, sem distinção. Para Gomes (2005, p. 47):
A concepção de uma igualdade puramente formal, assente no princípio geral da igualdade perante a lei, começou a ser questionada, quando se constatou que a igualdade de direitos não era, por si só, suficiente para tornar acessíveis a quem era socialmente desfavorecido as oportunidades de que gozavam os indivíduos socialmente privilegiados. Importaria, pois, colocar os primeiros ao mesmo nível de partida. Em vez de oportunidades, importava falar em igualdade de condições.
Segundo o IBGE/2015, a população negra no Brasil atingiu 53% (cinquenta e três
por cento). De acordo com o Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos
(Siape), 32,3% dos servidores são pretos e pardos. Comparando a população geral do país,
há uma grande diferença entre o percentual de pretos e pardos nos serviços públicos
federais. Observando os dados, é notório que as chances no mercado de trabalho para as
pessoas negras são bem menores comparadas à população branca. Assim, as diferenças de
oportunidades entre brancos e negros são flagrantes.
Fazendo um parâmetro inter-relacional entre a teoria tridimensional do direito de
Miguel Reale, o fato social em que a população negra representa o maior contingente
social no Brasil não tendo, portanto, as mesmas igualdades de oportunidades nos serviços
públicos federais conforme dados estatísticos, a inserção de normas que visem oportunizar
aos negros uma maior inclusão social, se torna um verdadeiro imperativo de justiça. Reale
destaca: “Direito deve ser analisado pela elasticidade normativa e pela semântica jurídica,
sempre deve ser interpretada com os fatos e valores que condicionam o seu advento, ou
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
8
seja, de maneira tridimensional e dialética dentro da experiência histórica social”(REALE,
2000, p.118).
Desta forma, nota-se um grande problema de desigualdade de oportunidades entre
as questões étnicas raciais ferindo completamente o princípio da dignidade da pessoa
humana e da isonomia, tendo em vista que a falta de oportunidade nas relações
étnico/sociais viola a prática social.
A lei nº 12.990 de 2014 que reserva 20% das vagas para pretos e pardos em
concursos públicos federais é um fenômeno jurídico que decorre historicamente de um fato
social de exclusão, discriminação, preconceito da população negra que recebeu uma carga
valorativa em busca de uma maior igualdade de oportunidades e inclusão social para todos
os povos, sem distinção de raça/etnia.
Assim, a criação de ações afirmativas reafirmam valores consagrados na
Constituição Federal Brasileira como fundamento do Estado Democrático em que prevê a
igualdade como princípio, que expressam a substância última do querer popular, ou seja, os
princípios preservam os valores fundamentais da ordem jurídica. Portanto, é
completamente justificável a criação de política pública inclusiva como sendo um meio de
reparação e preservação ao princípio da igualdade.
3.ANÁLISE DA LEI DE COTAS RACIAIS EM CONCURSOS PÚBLICOS FEDERAIS
Não obstante as políticas públicas implantadas no intuito de se garantir o acesso e
permanência de afrodescendentes em escolarização no ensino superior, denota-se a ínfima
participação dessa parcela da sociedade brasileira no contexto do serviço público, seja na
Administração Direta, seja na Administração Indireta.
A lei n. 12.990 fui introduzida no governo de Dilma Roussef em 9 de Junho de
2014, possui seis artigos. A mesma foi regulamentada após dois anos da sua publicação, no
dia 01 de agosto de 2016 cuja matéria dispõe sobre regras na veracidade da autodeclaração,
que será verificado pelas comissões constituídas pelas instituições.
A Suprema Corte (STF) na Ação Declaratória de Constitucionalidade n.41 julgou
por unanimidade a Constitucionalidade da Lei.
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
9
De acordo com nota técnica da Secretária de Promoção de Igualdade Racial
SEPPIR 80% (oitenta por cento)dos servidores atuantes na esfera federal, mais
precisamente no Poder Executivo declararam sua raça/cor e, somente 32% (trinta e dois
porcento) são negros, evidente a necessidade de promoção de ações afirmativas nesse
sentido, pois em nosso país, mais da metade da população é composta por afro-
brasileiros:53,74%(SEPPIR, 2013).
A garantia de inserção da população negra no serviço público via cotas em
certames tem substrato no Estatuto da Igualdade Racial, considerando que, em seu artigo
38, estabelece a reponsabilidade do Estado em garantir esse acesso.
Art. 38. A implementação de políticas voltadas para a inclusão da população negra no mercado de trabalho será de responsabilidade do poder público, observando-se:
I - o instituído neste Estatuto;
II - os compromissos assumidos pelo Brasil ao ratificar a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, de 1965;
III - os compromissos assumidos pelo Brasil ao ratificar a Convenção n o 111, de 1958, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata da discriminação no emprego e na profissão;
IV - os demais compromissos formalmente assumidos pelo Brasil perante a comunidade internacional.
O governo deverá assegurar a igualdade de oportunidades para a população negra,
conforme descrito no artigo 39 do Estatuto da Igualdade Racial.
Art. 39. O poder público promoverá ações que assegurem a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho para a população negra, inclusive mediante a implementação de medidas visando à promoção da igualdade nas contratações do setor público e o incentivo à adoção de medidas similares nas empresas e organizações privadas.
§ 1o A igualdade de oportunidades será lograda mediante a adoção de políticas e programas de formação profissional, de emprego e de geração de renda voltados para a população negra.
A medida tem sua necessidade evidenciada pelos dados referentes à condição
social: dados do Ipea de 2009, por exemplo, constatam que, entre os 1% mais ricos do país,
82,5% são brancos enquanto 16% são pretos e pardos. Entre os 10% mais pobres, 25,4%
são brancos enquanto 74,2% são pretos e pardos.
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
10
Nesse diapasão, a lei busca efetivar o princípio da igualdade, com a redução das
disparidades sociais e regionais, bem como promover o bem de todos, sem quaisquer
distinções, ao teor do que preconiza o artigo 3º da Constituição Federal de 1988.
Os dados acima citados levam à conclusão de que, não obstante tenha o poder
público promovido o acesso de afro-brasileiros ao ensino superior via cotas em provas de
ingresso, tal medida ainda não apresentou eficácia no que concerne às possibilidades de
acesso da população negra aos cargos públicos, bem como à sua participação na aquisição
de meios de vida condignos com sua nova realidade, pois, não basta o porte de diploma de
nível superior, há que se possibilitar a igualdade de condições de ingresso no mercado de
trabalho na esfera pública.
Tais medidas corroboram a ideia de que a igualdade se faz mediante a superação
de entraves passíveis de colocar em risco sua eficácia, entraves estes referentes não
somente às condições pessoais, como no caso de pessoas com deficiência, como também
histórico-sociais, considerando a herança de preconceito e alijamento das condições
mínimas de sobrevivência impostas aos negros e seus descendentes em nosso país.
O artigo 2º da norma (12990/2014) prevê que as cotas serão destinadas àqueles
que se autodeclararem pretos e pardos, utilizando-se a metodologia empregada pelo IBGE.
Segundo OSORIO (2003), existem três métodos de classificação de raça e cor:
auto-atribuição e heteroatribuição de pertença e o biológico. Quanto a este último, muito
embora pareça ser o mais eficiente no que concerne à busca da “objetividade científica,
carecem de respaldo por não existir correlação direta entre os grupos raciais reconhecidos
por este método e os grupos raciais reconhecidos e utilizados pelas sociedades no intuito de
hierarquizar seus componentes.
Para a realização de suas pesquisas, o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística – IBGE adota dois critérios de classificação: auto-atribuição e heteroatribuição
de pertença. Esse último ocorre em razão da ausência de membros do domicílio no
momento da entrevista, ou pela incapacidade do mesmo de promover a auto-atribuição,
sendo realizado por alguém do mesmo núcleo familiar ou pelo entrevistador.
Não obstante alguns percalços nesse processo, o autor apresenta a metodologia
como sendo eficaz para estabelecimento dos grupos no que tange à raça e cor.
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
11
Em seu artigo 3º , a lei (12.990/14) estabelece a concomitância na concorrência
das vagas, seja através das cotas, seja pela ampla concorrência busca aumentar as
possibilidades de inserção de negros no âmbito da Administração Pública, tendo em vista
que os candidatos que obtiverem classificação no contexto da ampla concorrência fiquem
fora do ingresso através da cota.
Insta salientar que a medida não fere a aludida “meritocracia”, principalmente por
essa concepção não existir em nossa sociedade no plano concreto, em face das flagrantes
disparidades existentes entre as classes sociais, onde a população negra ocupa os patamares
inferiores, desprovidos das condições mínimas de acesso a uma qualidade de vida em todos
os seus aspectos.
Demais disso, a inserção da pessoa negra no serviço público, mesmo através de
cotas se dará mediante sua aprovação no certame, devendo esta ter o aproveitamento
mínimo estabelecido pelo edital, o que evidencia ter a lei satisfeito os três aspectos da
promoção da igualdade: a material, a formal e a pelo reconhecimento, em face da
necessidade de reparação histórica a esse grupo, cuja marginalização é marcante em seu
cotidiano.
Tendo em vista que o artigo 4º da (12.990/2014) estabelece um critério de
proporcionalidade, através da alternância na nomeação dos candidatos de ampla
concorrência e os cotistas, nesse aspecto resta evidente a preocupação do legislador em
garantir a obediência aos princípios de razoabilidade e proporcionalidade, considerando
que os candidatos cotistas não serão nomeados com preferência, em detrimentos dos
demais, mas sim entre estes, evidenciando a busca pelo equilíbrio e harmonia, pois também
não desprivilegia os candidatos referente ás cotas, promovendo a nomeação dos inerentes à
ampla concorrência em primeiro plano, o que tornaria inócua a medida contemplada pela
lei.
O artigo 5º da lei 12.990/2014 busca uma constante verificação da aplicabilidade
da lei, no sentido de aferir sua eficácia no plano concreto. Nesse sentido, a promoção de
acompanhamento da medida se faz necessária, considerando a busca pela equidade no que
diz respeito ao ingresso de negros no mercado de trabalho via concurso público, pois o
objetivo almejado é a redução da imensa desigualdade nas condições de acesso aos cargos
públicos da administração direta e indireta, evidenciado nas pesquisas realizadas nessa
esfera.
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
12
No entanto, não basta apenas a criação de normas para que haja uma maior inserção
do negro no meio social é necessário que esta norma seja efetiva, e eficaz. Para que ocorra
a efetividade de uma política pública, a mesma deve atingir seus objetivos sociais.
Confirmando pelo entendimento de Bucci (2006, p.43), “O ideal de uma política pública é
resultar no atingimento dos objetivos sociais (mensuráveis) a que se propôs: obter
resultados determinados, em certo espaço de tempo”
Diante da realidade vivenciada pela população negra, torna-se fundamental
oportunizar a sua inserção nos diversos setores sociais. Em face disso, é essencial que a Lei
nº 12.990/2014 seja aplicada em sua plenitude, para uma verdadeira promoção da
igualdade social.
4 CONSIDERAÇÕES
Observamos que apesar do progresso histórico cultural da civilização e do
desenvolvimento de leis e normas, a desigualdade social cresce cada vez mais.
A sociedade atual encontra-se em uma verdadeira incerteza, cresce a corrupção em
todos os setores, observa-se o abuso de poder o desvio de recursos, os conflitos, a
ignorância, a intolerância, discriminação, em suma, os problemas sociais, onde se inserem
os de natureza étnico-racial, parecem não ter fim. Quando seremos capazes de resolver os
problemas da desigualdade em todos os sentidos? E como fazer isso? Tais indagações
levam a um repensar constante e abrangente, sendo que um dos meios possíveis a criação
de políticas públicas de inclusão do povo negro.
Assim, a inserção das ações afirmativas no universo social vem a contribuir para a
inclusão do negro no serviço público federal. No entanto, deve-se refletir até que ponto
essa lei inclusiva está realmente atingindo seus objetivos sociais, em se tratando da sua
efetividade?
Sabe-se que as ações afirmativas são temporariamente inseridas para que haja a
inserção de alguns grupos localizados à margem da sociedade; portanto, estão excluídos
por vários motivos, tais como: discriminação, desigualdade sociais, preconceitos.
E como todo estudo revela múltiplas facetas e possibilidades que vêm demonstrar
que muitos desafios ainda não foram superados, é fundamental no Estado Democrático de
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
13
Direito proporcionar por meio de ações afirmativas, oportunidades de acesso aos grupos
marginalizados como vítimas de racismo, intolerância e desigualdade sociais. Neste estudo
visou analisar a lei de cotas para que ocorra a oportunidade para todos.
Assim sendo, não basta garantir através da norma, há que se acompanhar sua
aplicação no plano fático, para que a lei não se torne letra morta, pois a finalidade da
mesma é tão somente regulamentar uma ação, sendo esta última necessária para que se
alcance a igualdade em todos os seus aspectos, para garantia não somente da paz social,
mas também de uma sociedade mais justa e plural.
5 REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Atlas, 1988.
BRASIL Lei nº 12.711/2012, Dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas
instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras providências.Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L9784.htm>. Acessado em 10 de jun de 2017.
BRASIL Lei nº 12.288 /2010, Dispõe sobre o Estatuto da igualdade Racial e dá outras providências.Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L9784.htm>. Acessado em 10 de jun de 2017.
BRASIL Lei nº 12.990 /2014, Dispõe sobre reserva de vagas para negros em concursos públicos federais e dá outras providências.Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L9784.htm>. Acessado em 10 de jun de 2017
BOBBIO, Noberto. Liberalismo e democracia. São Paulo: Brasiliense, 2013.
BUCCI, Maria Paula Dallari (Org.). Políticas Públicas reflexões sobre o conceito jurídico, São Paulo: Saraiva, 2006.
GOMES, Joaquim Barbosa. A recepção do instituto da ação afirmativa pelo direito
constitucional brasileiro. Ações afirmativas e combate ao racismo nas Américas/
Organizador, SANTOS, Sales Augusto dos – Brasília: Ministério da Educação, Secretaria
de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005.
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
14
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA-IBGE. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/> . Acesso em: 10 julho. 2017.
INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA.Nota técnica: Reserva de vagas para negros em concursos públicos: uma análise a partir do Projeto de Lei 6.738/2013, Brasília, fev. 2014, n. 17).Acesso em: 10 de julh. 2017.
INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA.Retratos das desigualdades de
gênero e raça. Rio de Janeiro, 2009, 4. Ed. P 35.)Acesso em: 10 de julh. 2017.
MINISTÉRIO, do Planejamento, Painel Estatístico PEPDisponível em:
http://www.planejamento.gov.br/noticias/planejamento- lanca-o-painel-estatistico-de-
pessoal acesso em: 03 de julho de 2017.
OSORIO, Rafael Guerreiro. O sistema classificatório de “cor ou raça” do IBGE. IPEA:
Textos para discussão. Brasília, 2003.Disponível em:
http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_0996.pdf Acesso em: 10 de
julh.2017.
PIOVESAN, Flávia. Ações Afirmativas sob a perspectiva dos direitos humanos. In: Evandro C. Piza,(coord); BERTÚLIO,Dora L de Lima;SILVA, Paulo Vinícius Baptist(Coords), Cotas raciais no ensino superior,Curitiba:Juruá, 2012.
PAIXÃO, Marcelo. As relações raciais, desigualdade social e desenvolvimento econômico
no Brasil. In LAHNI, Cláudia Regina. ( org). Culturas e Diásporas Africanas, Juiz de
Fora:UFJF,2009.
PIOVESAN, Flavia. Ações afirmativas sob a perspectiva dos direitos humanos. Ações
afirmativas e combate ao racismo nas Américas/ Organizador, SANTOS, Sales Augusto
dos – Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização
e Diversidade, 2005.
REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito, São Paulo:Saraiva,2000.
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
15
SANTOS, Sales Augusto dos. Ações afirmativas e combate ao racismo nas Américas.
Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e
Diversidade, 2005.
SECRETÁRIA, de Promoção de Políticas da Igualdade Racial disponível:<http://www.seppir.gov.br/>. Acesso em: 12 de jan 2017
SIAPE – Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos. Disponível em:
http://www.siapnet.gov.br. Acesso em: 12 maio. 2017.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 41, Disponível :http://www.stf.jus.br/portal/principal/principal.asp.Acesso 12 de julh.2017.
THEODORO, Mario e JACCOUD, Luciana. Raça e educação: os limites das políticas
universalistas. Ações afirmativas e combate ao racismo nas Américas. Brasília: Ministério
da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005. p.
118.
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/