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PODERES DO RELATOR NO JULGAMENTO DO CONFLITO

DE COMPETENCIA

1. Introdução; 2. Atividade saneadora do relator; 3. Oitiva dos juizes envolvidos no conflito; 4.

Suspensão do processo; 5. Determinação do juízo competente durante o trâmite do conflito de

competência para decidir questões urgentes; 6. Decisão monocrática do relator; 6.1.

Jurisprudência dominante do tribunal; 6.2. Recurso de agravo contra a decisão monocrática do

relator; a) Nome adequado ao recurso contra a decisão monocrática do relator; b) Procedimento

do agravo interno legal do art. 120, parágrafo único CPC; I) juízo de retratação do relator; II)

apresentação do processo em mesa; III) agravo interno e embargos de declaração; 7. Teoria da

causa madura (art. 515, § 3º, CPC).

1. Introdução

Segundo o art. 115, CPC, haverá conflito de competência em três hipóteses: (I) quando

dois ou mais juízes se declararem competentes; (II) quando dois ou mais juízes se

declararem incompetentes; (III) quando entre dois ou mais juízes surgir controvérsia

acerca da reunião ou separação de processos. Uma análise mais cuidadosa do

dispositivo legal, entretanto, demonstrará que o art. 115, CPC, III, é tão somente uma

especificação dos outros dois incisos antecedentes, existindo apenas duas espécies de

conflito de competência: (a) positivo (quando dois ou mais juízes se declaram

competentes para o julgamento) e (b) negativo (quando todos ou mais juízes se

declaram incompetentes). A questão de reunião ou separação de processos sempre

levará a um conflito de uma dessas espécies: (a) pretendendo a reunião, um juiz avoca

processo que tramita perante outro juiz e este nega a remessa (positivo); (b)

pretendendo a reunião dos processos perante outro juiz, determina a remessa do

processo e o outro juiz o recusa (negativo); (c) ambos juízes pretendem conduzir todos

os processos (positivos); (d) ambos os juízes pretendem que a reunião dos processos

se dê perante o outro (negativo).

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O conflito somente passará a existir a partir do momento em que dois ou mais juízes

hajam proferido nos autos determinações divergentes, criando um verdadeiro conflito

entre eles. Na teratológica hipótese de um juiz da Justiça do Trabalho se declarar

incompetente de ofício, remetendo os autos à Justiça Federal, e esse juiz também se

declarar incompetente, mas encaminhar os autos à Justiça Estadual, não haverá até

então conflito, que só passará a existir se o juiz da Justiça Estadual que receber o

processo também se declarar incompetente, apontando um dos outros dois anteriores

como competentes para o processo.1

Sobre o surgimento do conflito, as lições de Patrícia Miranda Pizzol: “Para ocorrer o

conflito, é preciso que: a) o juiz se entenda competente, quando outro já tinha se dado

por competente; b) o juiz se entenda incompetente e entenda que o juízo competente é

um que já se declarou incompetente”.2

Lembra a doutrina que na hipótese de conflito positivo de competência não é

necessária a existência de decisão expressa de ambos os juízos afirmando sua

competência sobre o outro, bastando para que se configure o conflito a prática de atos

de ambos sobre a mesma causa, como se fossem os únicos competentes para

conhece-la, com o reconhecimento implícito da própria competência. O exemplo

rotineiramente lembrado pela doutrina é do inventário proposto por pessoas diferentes

em juízo diversos, hipótese que em muitas vezes nem o próprio juiz sabe da existência

de outro inventário tramitando em comarca diversa.3

1 Segundo Humberto Theodoro Jr., Curso de direito processual civil, op. cit., p. 179, “se uma sucessão de recusas acontece, sem que nenhum dos magistrados restitua o processo à origem, a parte não pode ser forçada a assistir, sem reação, a peregrinação que lhe barra indefinitivamente o acesso à Justiça. (...) Depois da segunda declinação, já estará autorizada a medida preconizada pelo art. 115, sejam elas recíprocas ou não.” 2 A competência no processo civil, p. 348. Ainda Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado, op. cit., p. 516. 3 Assim Celso Agrícola Barbi, Comentários ao Código de Processo Civil, op. cit., p. 368; Humberto Theodoro Jr., Curso de direito processual civil, op. cit., p. 178. José Carlos Barbosa Moreira, “Conflito positivo e litispendência”, in Temas de direito processual, 2ª série, São Paulo, Saraiva, 1980, p. 45, entende que a lição só pode ser aplicada no caso de um mesmo e único processo.

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É evidente que não se pode falar em conflito de competência em hipóteses nas quais a

divergência se verifica entre dois órgãos que mantenha uma relação entre eles de

superioridade/inferioridade hierárquica. Assim, não é possível conflito entre o Tribunal

de Justiça e o Superior Tribunal de Justiça, como também não haverá conflito de

competência entre um juízo de primeiro grau da Justiça Federal e o Tribunal Regional

Federal. Nesses casos, o órgão que seja superior hierarquicamente julgará o processo,

prevalecendo sua superior hierarquia.4

Quanto à sua natureza jurídica, trata-se de incidente processual, não se podendo

atribuir ao conflito de competência natureza recursal e tampouco de ação declaratória

incidental. Seria de fato complicado explicar a legitimidade do juiz para propor o conflito

de competência se o mesmo tivesse natureza de ação, o que não ocorre tratando-se de

natureza de mero incidente processual, existente para solucionar a questão da

competência e permitir que a demanda - ou demandas- siga seu tramite regular.5

Instaurado o incidente de conflito de competência, os autos serão imediatamente

encaminhados ao Tribunal competente para seu julgamento6, sendo que,

independentemente de tratar-se de tribunal de segundo grau ou de superposição, o

conflito de competência será dirigido ao presidente do Tribunal (art. 118, caput, CPC).

O presidente do Tribunal, entretanto, não tem competência para decidir nem para

processar o recurso, sendo meramente o responsável pela sua distribuição a um

relator. O presente artigo tem como objetivo exclusivo analisar os poderes desse relator

no julgamento do conflito de competência.

4 Nesse sentido, na doutrina portuguesa, as lições de Jorge Augusto Pais de Amaral, Direito processual civil, op. cit., p. 105. 5 Nesse sentido Alexandre Freitas Câmara, Lições de direito processual civil, op. cit., p. 110; Celso Agrícola Barbi, Comentários ao Código de Processo Civil, op. cit., p. 370; José Frederico Marques, Instituições de direito processual civil, vol. I, op. cit., p. 461. Patrícia Miranda Pizzol, Código de Processo Civil anotado, coord. Antonio Carlos Marcato, op. cit., p. 331. Em sentido contrário, atribuindo natureza de ação declaratória ao conflito de competência, Vicente Greco Filho, Manual de direito processual civil, op. cit., p. 214. 6 Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, 211-213.

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2. Atividade saneadora do relator

Segundo o art. 118, parágrafo único, CPC, o ofício ou a petição requerendo a

instauração do incidente de conflito de competência serão instruídos com os

documentos necessários à prova do conflito. Tais documentos não podem ser

determinados a priori, e quanto a isso o legislador andou bem em indicar uma instrução

genérica no dispositivo legal ora comentado. O suscitante deve ter em mente que os

autos do processo não subirão ao Tribunal, devendo instruir o conflito de forma a

permitir aos seus julgadores uma ampla visão do acontecido em instância inferior,

precisamente com duas preocupações básicas: (a) comprovar a efetiva existência de

um conflito de competência e (b) demonstrar qual o juízo competente para julgar a

demanda.

Não parece que a instrução insuficiente do conflito de competência seja razão por si só

para seu não conhecimento, devendo dar o relator oportunidade para o suscitante

sanar tal vício, que nem de longe pode ser considerado insanável. Além de prestigiar o

princípio da instrumentalidade das formas e afastar do processo um rigorismo formal

totalmente fora de moda, a solução coaduna-se com o próprio propósito do conflito de

competência, interessando à qualidade da prestação jurisdicional que o juízo

efetivamente competente julgue a demanda. Se o conflito estabelecer-se em razão de

competência absoluta, ainda pior, já que o não conhecimento do conflito pelo Tribunal

poderá fixar a competência em juízo absolutamente incompetente, o que ensejará

inclusive ação rescisória após o transito em julgado.7

3. Oitiva dos juizes envolvidos no conflito

7 Defendendo a possibilidade de abrir-se oportunidade para o suscitante sanar o vício, Antônio Dall’Agnol, Comentários ao Código de Processo Civil, op. cit., p. 82. Contra, entendendo ser caso de não conhecimento, Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Andrade Nery., op. cit., p. 520.

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São legitimados para suscitar o conflito de competência qualquer dos juízes envolvidos,

as partes e o Ministério Público. Qualquer que seja o sujeito processual responsável

pela suscitação do conflito de competência, o art. 119, CPC, prevê que o relator

mandará ouvir os juízes em conflito, ou apenas o suscitado, se um deles for suscitante,

determinando o prazo para que os juízes ou o juiz preste as devidas informações. A

interpretação literal do dispositivo legal leva o operador à conclusão de que há nesse

caso uma obrigatoriedade na oitiva, não sendo tal determinação uma mera faculdade

do relator do incidente.

A doutrina, entretanto, não é pacífica no sentido da obrigatoriedade da oitiva e

tampouco quanto às condições necessárias para que tal requisição do relator

efetivamente ocorra.

Há uma corrente doutrinária que limita a oitiva dos juizes envolvidos no conflito somente

nos casos de suscitação derivada de iniciativa das partes ou do Ministério Público

quando funciona no processo como fiscal da lei, o que não parece ser a solução mais

correta. Aparentemente esse entendimento contém um equívoco em sua premissa,

considerando que no caso de suscitação por parte de um dos juízes envolvidos, os

demais já teriam se manifestado a respeito do tema, o que tornaria desnecessária sua

nova oitiva. Ocorre que nem sempre essa premissa mostra-se correta, porque é

possível que no caso concreto um dos juízes não tenha se manifestado a respeito da

controvérsia, como ocorre no conflito positivo em que um dos juízes não se declara

expressamente competente, apenas atuando no caso concreto como se o fosse.

Na realidade, a questão de saber se o dispositivo prevê um dever do relator ou uma

mera faculdade passa necessariamente pelo fundamento de sua previsão.

Descobrindo-se a finalidade do dispositivo será decorrência natural a natureza jurídica

processual do ato, e, por conseguinte, as conseqüências para sua não realização no

caso concreto. Ora, é bastante claro que o pedido de informações nesse caso se presta

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à obtenção, primeiramente por parte do relator, e posteriormente por parte do órgão

colegiado, se esse se fizer necessário, de dados que sejam aptos a melhorar as

condições de julgamento do conflito de competência. O raciocínio é bastante simples:

quanto mais informação tiver o tribunal no julgamento – monocrático ou colegiado - do

conflito de competência, mais preparado estará para proferir uma melhor decisão.

Dessa forma, a única justificativa que levaria o relator ao pedido de informação, seja

para um dos juízes envolvidos, seja para ambos, e isso independentemente de quem

suscitou o conflito, seria a necessidade de obter mais informações a respeito da

questão a ser dirimida no conflito, sendo absolutamente desnecessário e inútil perder-

se tempo e energia em requisição de informações que nada terão a somar em termos

de condição para o julgamento do conflito de interesse8.

Nunca é demais lembrar que a mera existência do conflito de competência é um

estorvo para as partes e um obstáculo ao bom desenvolvimento procedimental. O

simples fato de o procedimento ficar suspenso enquanto as partes aguardam tão

somente a decisão a respeito de qual o juízo competente já torna o conflito um grave

inconveniente, ainda mais se tomando por base a promessa constitucional de entrega

de prestação jurisdicional célere, novidade advinda da Emenda Constitucional nº 45.

Dessa forma, qualquer ato que somente postergue a decisão final do conflito de

competência sem que haja no caso concreto qualquer resultado positivo em sua prática

deve simplesmente ser ignorado, porque se o ato não tem condições concretas de

gerar os resultados programados para ele, não será necessária sua prática e tampouco

será nulo o processo diante de sua ausência9.

8 Sálvio de Figueiredo Teixeira, Código de Processo Civil anotado, 7ª ed., São Paulo, Saraiva, 2003, p. 101; Ernane Fidélis dos Santos, Manual de direito processual civil, vol. 1, 10ª ed., São Paulo, Saraiva, 2003, p. 170; Misael Montenegro Filho, Curso de direito processual civil, vol. 1, São Paulo, Atlas, 2006, p. 127. 9 José Roberto dos Santos Bedaque, Efetividade do processo e técnica processual, São Paulo, Malheiros, 2006, pp. 432-437.

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É natural, entretanto, que o princípio da celeridade não seja alçado a patamar

inalcançável, sendo priorizado em detrimento de qualquer outro princípio constitucional,

especialmente a segurança jurídica e a própria qualidade da prestação jurisdicional.

Significa dizer que, embora atos processuais que não atinjam os resultados

programados no caso concreto devam ser ignorados, sempre que o juiz entender

necessária a prática de tal ato, ainda que em detrimento da celeridade processual,

deverá determinar sua realização. No caso presente não resta dúvida que a requisição

de informações é uma mera faculdade do relator, mas caso haja a necessidade de sua

realização, naturalmente tal ato será realizado, podendo o relator, inclusive, requisitar

informações até mesmo do juiz que já se manifestou no processo a respeito da questão

da competência, desde que com isso obtenha mais elementos para fundamentar uma

decisão correta10.

Aferida a efetiva necessidade de requisição de informações para um ou para ambos os

juízes envolvidos no conflito de competência, ficará a cargo do relator a indicação de

um prazo no caso concreto para que a diligência seja cumprida. Evidente que qualquer

que seja o prazo fixado não será peremptório, devido a sua natureza de prazo

impróprio, de forma que seu descumprimento não gera conseqüências processuais,

não se podendo falar em preclusão temporal na ausência de apresentação das

informações dentro do prazo fixado pelo relator. Em situação limite, das informações

simplesmente não serem prestadas, ou tardarem em demasia, o relator deverá tomar

as medidas administrativas cabíveis contra o juiz relapso.

4. Suspensão do processo

Conforme já afirmado anteriormente, o conflito de competência poderá ser positivo ou

negativo, ainda que os conflitos positivos sejam raros na praxe forense. Com essa

10 Nesse sentido Antônio Dall’Agnol, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 2, op. cit., p. 84.

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diversidade em mente, o legislador previu no art. 120, caput, CPC, que o relator poderá,

mesmo de ofício, determinar a suspensão do processo quando o conflito de

competência for positivo. A idéia de sobrestamento do feito por determinação do relator

tem sentido somente no conflito de competência positivo, considerando-se que somente

nesse caso um dos juizes envolvidos - acreditando ser o seu juízo o competente -

poderá continuar o andamento procedimental, em decorrência da ausência de efeito

suspensivo do incidente processual. A expressa previsão para a concessão dessa

suspensão no caso concreto, inclusive, é a prova maior de que o incidente não é

dotado de tal efeito11.

Não há no dispositivo legal ora comentado qualquer indicação da necessidade de

sobrestamento do feito quando o conflito de competência for negativo, provavelmente

porque o legislador considerou que nesse caso nenhum dos juízes envolvidos entende

que seu juízo é o competente, de forma que nenhuma deles praticará qualquer ato

enquanto houver a dúvida a respeito da efetiva competência no caso concreto12. A

lógica do raciocínio é elogiável, mas é preciso também pensar na hipótese excepcional

do juiz praticar algum ato processual referente a questões de urgência, ainda que

acredite que a competência não é sua, apenas para evitar alegado perecimento do

direito da parte. Nesse caso, com a continuação procedimental, ainda que somente

para tratar das medidas de urgência, também poderá uma das partes se interessar em

pleitear junto ao tribunal no próprio conflito de competência que haja a suspensão do

andamento procedimental, mormente se provar que não há qualquer urgência que

justifique a prática do ato desejado pela parte contrária.

11 No sentido do texto, Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, tomo II, Rio de Janeiro, Forense, 1973, p. 325. Em sentido contrário ao do texto, Luiz Fux, Curso de direito processual civil, 2ª edição, Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 113. 12 Antonio Dall’Agnol, Comentários ao Código de Processo Civil, op. cit., p. 86: “O mesmo não se dá quando o conflito é negativo, pela singela circunstância de que, aí, possibilidade de atividade não há, na medida em que os juízes todos se entendem incompetentes”; Vicente Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, 1º vol., 15ª ed., São Paulo, Saraiva, 2000, p. 215; Fredie Didier Jr., Curso de direito processual civil, vol. 1, 6ª ed., Salvador, Jus Podivm, 2006, p. 144.

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Por outro lado, não sendo discutível a questão da urgência, não será cabível eventual

sobrestamento total do feito, já que segundo própria previsão do artigo ora comentado,

os atos urgentes devem ser normalmente praticados, por juízo escolhido pelo relator. E

nesse ponto há uma interessante questão, porque requerida perante o juiz envolvido no

conflito qualquer medida, esse deverá se declarar impossibilitado em decidi-lo até que o

relator do conflito de competência determine ser sua competência para solução de

questões urgentes. Sempre que atuar ainda que não tenha existido uma decisão

expressa do relator que permita tal atuação, a parte que se sentir lesada terá uma

opção: agravar de instrumento contra a decisão alegando a incompetência do juízo,

com pedido de anulação da decisão, ou fazer esse mesmo pedido de forma incidental

para o relator do conflito de competência, requerendo ainda que seja determinado que

o outro juízo envolvido no conflito seja o competente para a solução de questões

urgentes.

Em termos de economia processual não resta dúvida que, sendo a questão

controvertida referente apenas à competência para a prolação da decisão, o mais

benéfico será o pedido para o próprio relator do incidente processual, podendo inclusive

ser aplicado por analogia o disposto no art. 122, caput, CPC, que determina a

possibilidade do tribunal em, julgando o incidente, se manifestar a respeito dos atos

praticados pelo juízo incompetente. É bem verdade que esse dispositivo refere-se ao

momento anterior à suscitação do conflito de interesse, mas o momento posterior à

suscitação e anterior a determinação pelo relator de qual é o juízo competente para

resolver as questões urgentes se equivalem, porque representam momentos em que

não existe uma decisão do tribunal, ainda que provisória, determinando qual seja o

juízo competente. Ademais, a partir do momento em que o relator determinar ser outro

o juízo competente para conhecer das matérias de urgência, os autos serão

imediatamente encaminhados para esse juízo, naturalmente havendo a possibilidade

de revisão da decisão. Dessa forma, mesmo que não haja uma decisão expressa

determinando a anulação do ato, o simples fato do novo juízo poder se posicionar

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contra a primeira decisão, revogando-a, já demonstra que o caminho mais acertado à

parte que se sentir prejudicada por decisão de juízo incompetente é a alegação no

próprio incidente processual.

A não interposição do agravo de instrumento nesse caso somente se justifica na

hipótese da impugnação se limitar a questão da competência para a prolação do ato.

Caso seja o próprio juízo que realizou o ato aquele indicado pelo tribunal como

competente, qualquer outra matéria de impugnação contra a decisão, quer seja de sua

forma como de seu conteúdo, deverá ser veiculada por meio de agravo de instrumento.

Interessante notar a questão referente ao prazo, porque não é juridicamente

sustentável que o prazo de 10 dias tenha seu início antes das partes saberem se o

juízo é ou não o competente para a solução da questão urgente. Decidido pelo relator

que o juízo que proferiu a decisão não é competente, a decisão será nula; decido pelo

relator que é competente, da intimação dessa decisão as partes terão 10 dias para o

ingresso do recurso de agravo de instrumento.

5. Determinação do juízo competente durante o trâmite do conflito de

competência para decidir questões urgentes

No tocante à necessidade da prática de algum ato judicial envolvendo medida urgente

durante o sobrestamento do feito – natural no conflito negativo e judicial no conflito

positivo – o art. 120, caput, CPC, determina ser tarefa do relator a indicação desse

juízo, ainda que impropriamente se refira expressamente a “juiz, para resolver, em

caráter provisório, as medidas urgentes”. Na realidade, esse é o menor vício do

dispositivo legal ora comentado, sendo ainda mais sério o problema causado pela

menção ao “caráter provisório” do juízo escolhido, o que poderá ensejar a equivocada

conclusão de que as decisões proferidas por esse juízo serão também provisórias.

Nesse tocante, um esclarecimento se faz necessário.

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A decisão que fixa o juízo competente nessas circunstâncias necessariamente será

provisória, considerando-se a cognição sumária realizada pelo juiz relator. Segundo a

melhor doutrina, a resolução das medidas de urgência pelo juízo indicado, entretanto,

nada tem de provisória, sendo consideradas decisões definitivas, para todos os efeitos

jurídicos. Nesse sentido, absolutamente correta a lição de Celso Agrícola Barbi, para

quem “o texto legal não tem redação muito correta, parecendo, à primeira vista, que a

resolução das medidas urgentes é feita em caráter provisório. O melhor entendimento,

no entanto, é o de que a designação do juiz é que tem caráter provisório, e não as

decisões que ele tomar quanto às medidas urgentes”13.

Essa afirmação praticamente uníssona na doutrina, entretanto, merece ser vista com

reservas em virtude do previsto no art. 122, caput, CPC, que prevê a possibilidade do

tribunal, ao decidir o conflito, pronunciar-se também a respeito da validade dos atos

praticados pelo juízo dito como incompetente. A menção expressa a tribunal considera

a premissa de que seja o órgão colegiado o responsável pela decisão a respeito do

conflito de competência, desprezando a possibilidade aberta pelo art. 120, parágrafo

único, CPC, de decisão monocrática do relator. É natural, assim, que por “tribunal” se

entenda o órgão competente para o julgamento do conflito de competência, seja ele o

órgão colegiado, seja o órgão monocrático, representado pelo relator14. Dessa forma,

também ao relator, nos casos de julgamento monocrático do conflito, caberá a análise

dos atos praticados pelo juízo dito como incompetente.

Embora a previsão do art. 122, caput, CPC, seja objeto de análise futura, é importante

desde já esclarecer que a possibilidade aberta ao órgão julgador – relator incluído 13 Cfr. Comentários ao Código de Processo Civil, 11ª ed.,Forense, Rio de Janeiro, 2002, p. 378. No mesmo sentido Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 358, nota 62. 14 Humberto Theodoro Jr., Curso de direito processual civil, vol. I, 41ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 180: “No entanto, é também permitido, desde logo, ao relator proferir decisão singular sobre o mérito da exceção, caso em que julgará em nome do Tribunal, como um de seus órgãos”. Em discordância com o pensamento do doutrinador mineiro apenas a utilização do termo “exceção” para se referir ao conflito de competência, que na realidade tem natureza jurídica de incidente processual, e não de exceção.

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quando julga o conflito monocraticamente – de se manifestar sobre a validade dos atos

praticados pelo juízo incompetente, inclui também aqueles atos praticados durante a

determinação provisória de qual o juízo deveria decidir as questões urgentes enquanto

tramitava o conflito de competência. É natural que a provisória competência que lhe foi

atribuída não impede a revisão de tais decisões pelo tribunal no caso de entender, no

julgamento definitivo do conflito, que o juízo competente era outro15. Substancialmente

não há qualquer diferença, à luz da competência, entre ato praticado antes do conflito e

durante o conflito pelo juízo considerado afinal como incompetente.

É interessante notar que na doutrina, mesmo aqueles que criticam a redação do art.

120, caput, CPC, conforme já mencionado, ao comentar o art. 122, CPC, defendem,

ainda que não de forma expressa, a anulação dos atos praticados durante o trâmite do

conflito de competência pelo juízo dito afinal como incompetente. Contraditoriamente

afirmam que os atos praticados nesse momento processual são definitivos, não

podendo ser declarados nulos pelo juiz relator ou pelo próprio órgão colegiado do

tribunal ao decidir o conflito de competência, mas ao permitirem que o juiz apontado

como competente para a causa possa rever tais atos, já demonstram a provisoriedade

a seu respeito, não ocorrendo preclusão judicial a respeito de tais atos16.

É evidente que o juiz relator, necessitando apontar algum juízo entre os envolvidos no

conflito de competência para decidir a respeito de questões urgentes, fará um pré-

julgamento a respeito do próprio objeto do incidente processual. Tudo leva a crer que o

relator indicará o juízo que lhe parece, diante da cognição sumária que até o momento

consegue fazer, o competente para o caso concreto. É evidente que, tratando-se de

juízo de mera aparência, haverá apenas uma probabilidade maior de aquele juízo ser o

15 16 Parece ser esse o entendimento de Antonio Dall’Agnol, Comentários ao Código de Processo Civil, op. cit., p. 97 e Ernane Fidélis dos Santos, Manual de direito processual civil, op. cit., p. 171. Na jurisprudência, Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, Theotonio Negrão e José Roberto Gouvêa, 37ª ed., São Paulo, Saraiva, 2006, p. 241.

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competente, o que, de qualquer forma, poderá se mostrar equivocado com o necessário

aprofundamento da cognição até o julgamento definitivo do incidente processual. De

qualquer forma, é sempre um indicativo, ainda que precário, de que há maiores

chances daquele juízo que foi escolhido para resolver as questões urgentes ser

efetivamente o competente para o julgamento do processo.

6. Decisão monocrática do relator

Em consonância com tendência legislativa registrada nos últimos anos, de reforçar os

poderes decisórios monocráticos do relator, o art. 120, parágrafo único, CPC, permite

que o conflito de competência seja decidido monocraticamente sempre que houver

jurisprudência dominante do tribunal a respeito da questão suscitada. O objetivo do

legislador, a exemplo de outras passagens do Código de Processo Civil, é atribuir ao

julgamento do conflito de competência celeridade processual em virtude da pacificação

da matéria tratada, dispensando-se a formação do órgão colegiado e o julgamento do

conflito em sessão de julgamento, o que certamente contribui para mais demora em sua

solução17.

Apesar de se tratar de postura já adotada em outras passagens do ordenamento

processual, é interessante notar que a regra de julgamento monocrático é própria da

disciplina recursal – arts. 532, 545, 557, CPC – , sendo, excepcionalmente, aplicada ao

incidente processual de conflito de competência.

Fazendo parte de um mesmo grupo de dispositivos legais, o art. 120, caput, CPC,

naturalmente deverá ser interpretado à luz das considerações já realizadas pela

doutrina a respeito dos aspectos referentes ao poder decisório monocrático do relator.

Um primeiro ponto que merece abordagem refere-se a expressa menção do dispositivo

17 Donaldo Armelin “Apontamentos sobre as alterações ao Código de Processo Civil e à Lei 8.038/90, impostas pela Lei 9.756/98”, op. cit., p. 1999.

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à existência de jurisprudência dominante do tribunal, sendo que tal previsão merece ao

menos dois comentários, feitos nos itens que seguem.

6.1. Jurisprudência dominante do tribunal

Em primeiro lugar o referido “tribunal” significa tanto o próprio tribunal competente para

o julgamento do conflito de competência como também os tribunais superiores, não

havendo qualquer sentido em exigir-se do relator a formação do órgão colegiado se a

questão é pacífica em grau superior, justamente o órgão jurisdicional competente para

julgar o eventual recurso contra a decisão do conflito de competência.

Em segundo lugar, apesar da dificuldade em determinar-se objetivamente o que seja

“jurisprudência dominante”, deve-se entender o fenômeno processual como a

necessidade de existência no tribunal – atual ou superior – de posição já consolidada a

respeito da questão jurídica, o que será resultado de variados julgados de diferentes

órgãos fracionados do tribunal no mesmo sentido. Interessante notar que, diferente de

outros dispositivos análogos em termos de conferir ao relator o poder monocrático de

decisão, o art. 120, caput, CPC, não se refere à “súmula” como causa da possibilidade

de tal espécie de julgamento18. Na realidade, a súmula é a cristalização objetiva da

jurisprudência dominante, de forma que ao mencionar simplesmente a jurisprudência

dominante, certamente o dispositivo legal também inclui a súmula. Mais abrangente, é

natural que a opção do legislador gere uma menor segurança jurídica, considerando-se

a dificuldade prática de se aferir o que seja a jurisprudência dominante em contraste

com a objetividade da súmula19.

18 Cândido Rangel Dinamarco, “O relator, a jurisprudência e os recursos”, op. cit., pp. 132-133. 19 Arruda Alvim, Manual de direito processual civil, vol. 1, 9ª ed., São Paulo, RT, p. 417: “Ao referir-se a lei a súmula utiliza-se de conceito determinado, ou, ao menos, mais determinado, com margem muito maior de segurança, ou seja, tanto basta saber se existe a súmula e qual é o sentido que aí se empresta à lei; ao passo que, nos casos em que há alusão à jurisprudência dominante, utiliza-se de um conceito indeterminado, o que demanda maior delicadeza em sua aplicação, tendo em vista a dificuldade em aferir-se ser a jurisprudência efetivamente dominante, num país como o nosso, que se ressente em

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6.2. Recurso de agravo contra a decisão monocrática do relator

Um segundo aspecto que merece destaque é a previsão expressa de recurso cabível

contra a decisão monocrática do relator. Segundo o dispositivo legal ora comentado, no

prazo de cinco dias, caberá o recurso de agravo, havendo certa divergência doutrinária

a respeito do nome desse recurso, podendo-se citar alguns mais lembrados em sede

doutrinária: “agravo de mesa”, “agravo simples”, “agravo inominado”; “agravinho”,

“agravo regimental”, e até mesmo simplesmente “agravo”. A nomenclatura que parece

ser a mais adequada ao recurso ora analisado é “agravo interno”. Por razões diferentes

os outros nomes sugeridos não devem ser acolhidos, conforme se demonstrará a

seguir.

a) Nome adequado ao recurso contra a decisão monocrática do relator

A primeira crítica se dirige ao próprio Código de Processo Civil, que nomeia tal recurso

simplesmente de agravo, sem qualquer preocupação em distingui-lo de outras espécies

de recurso de agravo, tal como o fez com acerto no agravo retido e agravo de

instrumento. Parcela da doutrina, justamente em razão de não ter o legislador optado

por dar expressamente nome ao recurso de agravo cabível nesse caso, entende que o

melhor a ser feito em termos terminológicos seria alcunhar tal recurso simplesmente de

agravo.

Discorda-se de tal posição, apesar de se reconhecer que o legislador poderia ter

sanado a dúvida se tivesse atribuído expressamente um nome a esse recurso. A

ausência de nomeação de forma expressa, entretanto, não é argumento capaz de, por

si só, obrigar o operador ao acolhimento do nome “agravo”. Tal técnica esbarraria em

grave defeito técnico, considerando-se que agravo é gênero recursal, da qual fazem

muitos campos, inclusive neste, da falta de dados estatísticos confiáveis (conduzentes à certeza de ser a jurisprudência efetivamente a dominante).

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parte diferentes espécies: agravo de instrumento, agravo retido, agravo contra decisão

denegatória de seguimento de Recurso Especial/Recurso Extraordinário, agravo

regimental e agravo interno. Chamá-lo simplesmente de agravo seria atribuir à espécie

de recurso o mesmo nome do gênero recursal, o que certamente criaria indesejáveis

confusões20.

Provavelmente percebendo que nomear o recurso simplesmente de agravo poderia

trazer indesejável confusão entre espécie e gênero, parte da doutrina preferiu nomeá-lo

de “agravo inominado” Tendo sido opção legislativa omitir-se quanto a um nome

específico, e devendo-se criar uma forma de diferenciá-lo das outras espécies de

agravo, a locução “inominado”, acompanhando a palavra agravo, resolveria o problema.

Após análise comparativa do recurso ora tratado com o agravo de instrumento e retido,

Cássio Scarpinella Bueno conclui que “se não é agravo ‘retido’, ou de ‘instrumento’ mas

é agravo, porque cabe de decisão interlocutória, ainda que proferida no âmbito dos

Tribunais, é ele agravo “inominado” porque a lei não lhe deu um nome.”21

Apesar da inegável lógica presente em tal entendimento, a omissão do legislador não

só pode como deve ser sanada pela doutrina. Cabe ao estudioso e operador do direito

“batizar” esse novo agravo, até mesmo para que não se considere mais tarde esse

recurso como um agravo anômalo, justamente por não ter nome próprio. Ademais,

enquanto um nome não for dado de maneira definitiva ao recurso, sempre surgirá

20 Com esse entendimento Bernardo Pimentel Souza, Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória, São Paulo, Saraiva, 2004, p. 421: “Apesar da preferência do legislador pelo termo “agravo”, sob o ângulo científico tal designação tem o grave defeito de gerar confusão entre a espécie e o gênero e, o que é pior, entre diferentes espécies”. No mesmo sentido Luiz Orione Neto, Recurso cível, São Paulo, Saraiva, 2002, p. 394. 21 Cfr. “O agravo interno e o indeferimento da suspensão de segurança – o cancelamento da Súmula 506 do STF: notas para uma primeira reflexão”, Revista Dialética de Direito Processual, vol. 3, São Paulo, Dialética, 2003, p. 11. No mesmo sentido: José Horácio Cintra Gonçalves, Agravo no direito brasileiro, São Paulo, Juarez de Oliveira, 1999, p. 65; Donaldo Armelin, “Apontamentos sobre as alterações ao Código de Processo Civil e a Lei 8.038/90, impostas pela Lei 9.756/98”, in Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis de acordo com a Lei 9.756/98, coord. Teresa Arruda Alvim Wambier e Nelson Nery Jr., São Paulo, RT, 1999, p. 199.

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doutrinador a propor o preenchimento do vácuo legislativo com nome que melhor lhe

apetece, o que nem sempre representará a necessária precisão terminológica dos

institutos e fenômenos jurídicos.

“Agravo simples” é nome ainda mais impróprio, derivando-se da presunção de certa

simplicidade - não se sabe ao certo se meramente procedimental ou mesmo quanto a

seu objeto - incapaz de diferenciá-lo de outras espécies de recurso22. Quanto ao

procedimento é necessário notar que tal recurso deverá ser sempre interposto de forma

escrita, por meio de petição, não se admitindo o agravo oral. Ora, comparando-se tal

necessidade com a expressa permissão do agravo retido ser interposto oralmente em

audiência, é difícil sustentar que em termos procedimentais seja o agravo ora tratado

mais simples que o agravo retido. Quem sabe seja mais simples que o agravo de

instrumento e daquele previsto no art. 544, CPC, que exigem para sua instrução a

juntada de peças obrigatórias, mas considerá-lo mais simples que o agravo retido é

uma afronta ao bom senso.

Por outro lado, não há como se afirmar que uma espécie de recurso seja efetivamente

mais simples que outra em razão de seu objeto. O meio instrumental a disposição da

parte para tornar uma decisão monocrática do relator em decisão colegiada, terá seu

objeto essencialmente dependente do objeto da própria decisão impugnada, sendo

impossível prever-se a priori se será mais simples ou mais complexo que o objeto de

outras espécies recursais. A simplicidade do objeto deverá ser analisada caso a caso,

considerando-se ainda uma forte dose de subjetivismo nessa análise. Não é possível,

portanto, se tomar o objeto do recurso como meio apto a imputar a ele o nome de

“agravo simples”.

22 Nelson Luiz Pinto, Manual dos recursos cíveis, 3ª ed., São Paulo, Malheiros, 2002, p. 143, fala em “agravo “simples”, sem necessidade de adjetivação (...)”.

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Conforme apontado por Bernardo Pimentel Souza, a expressão “agravo de mesa” não

é nem mesmo consagrada pela doutrina e jurisprudência como as outras expressões já

analisadas23. É boa notícia, já que seria totalmente insustentável a designação do

recurso por tal nome. Ora, também o agravo de instrumento quando não é julgado

monocraticamente pelo relator – o que ainda é a exceção à regra – deve ser

normalmente levado à mesa para julgamento. Nem por isso é chamado de “agravo de

instrumento de mesa”...

Há ainda a expressão “agravinho”, muito utilizada na praxe forense, provavelmente pelo

menor prazo de sua interposição se comparado com as outras espécies de agravo. O

diminutivo utilizado passa a idéia de um apelido ao recurso, jamais de nome definitivo.

É difícil imaginar um advogado sustentar em suas razões que está ingressando com um

“agravinho” contra determinada decisão que lhe causou prejuízo. Melhor limitar tal

nomenclatura para os diálogos informais entre os operadores, e não para a utilização

em peças e escritos acadêmicos. Até mesmo porque seria um indevido preconceito no

tratamento a tal recurso, que teria pelo nome sua própria importância minorada, o que

não parece adequado nem conveniente.

Antes propriamente de ingressar na análise da nomenclatura “agravo regimental”, é

importante que se faça um breve esclarecimento. Durante muitos anos não havia no

Código de Processo Civil qualquer previsão expressa de meio de impugnação contra a

decisão monocrática do relator, vácuo esse que era preenchido pelos Regimentos

Internos dos Tribunais, que em sua quase totalidade previam para essa situação um

instrumento de impugnação, chamado “agravo regimental”. A nomenclatura era – como

em alguns casos ainda é - correta, já que tais formas procedimentais de impugnação

não se encontravam previstas especificamente em lei federal, mas sim, e tão somente,

em regimentos internos.

23 Cfr. Introdução aos recursos cíveis, op. cit., p. 420.

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Nos dias atuais, entretanto, é necessário que se distingam com nitidez as situações

onde os agravos contra decisões monocráticas do relator encontram-se previstos de

forma expressa no Código de Processo Civil – e até mesmo em leis extravagantes24,

embora a preocupação desse artigo esteja centrada no Código de Processo Civil - e

aquelas outras em que, diante da omissão do legislador, parte da doutrina ainda aplica

as previsões contidas em regimentos internos. Há quatro espécies de decisões

monocráticas onde expressamente o Código indica o meio adequado de impugnação:

art. 120 (decisão monocrática no conflito de competência); art. 532 (decisão que nega

conhecimento aos embargos infringentes); art. 545 (julgamento monocrático do agravo

contra decisão denegatória de seguimento de Recurso especial/Recurso

Extraordinário); e art.557 (decisão que nega seguimento ou provimento ou dá

provimento a recurso).

Nomear tais recursos de “agravo regimental” é atentar contra a própria lógica do

sistema. Tais recursos, embora guardem evidentes diferenças de objeto e

procedimento com relação aos agravos típicos previstos pelo art. 522 (agravo de

instrumento e agravo retido), são tão legais quanto esses, encontrando-se todos eles

previstos expressamente no Código de Processo Civil25. Poder-se-ia alegar que o

silêncio do legislador quanto ao procedimento de tais recursos, obrigando os

Regimentos Internos a prevê-los, acarretaria sua natureza regimental. Discorda-se

veementemente de tal entendimento, porque nenhum recurso esgota seu procedimento

em lei, sempre havendo normas internas nos tribunais a preencher essas omissões,

que muitas vezes, inclusive, são voluntárias. Cada tribunal tem uma sistemática própria

de funcionamento, e não seria adequado um engessamento de tais procedimentos 24 Lei 4.348, art. 4º; Lei 7.347, art. 12, § 1º; Lei 8.038, arts. 25, § 2º e 39; Lei 8.437, art. 4º, § 3º; Lei 9.868, arts. 4º, par. único e 15, par. único; Lei 9.882, art. 4º, § 2º. 25 Nesse sentido Sálvio Figueiredo Teixeira, Código de Processo Civil Anotado, op. cit., p. 426 , J. E. Carreira Alvim, Código de Processo Civil reformado, 5ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2003, p. 321, Athos Gusmão Carneiro, Recurso Especial, Agravos e Agravo interno, Rio de Janeiro, Forense, 2001, pp. 212 e João Batista Lopes, “Agravo regimental: recurso ou pedido de reconsideração?”, in Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outras formas de impugnação às decisões judiciais, vol. 4, coord. Tereza Arruda Alvim Wambier e Nelson Nery Jr., São Paulo, RT, 2001, p. 587.

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internos pela lei federal. A mera previsão do trâmite procedimental do recurso perante o

tribunal jamais será apta a caracterizá-lo como “recurso regimental”.

E há ainda um outro aspecto de suma importância que não pode ser desconsiderado,

sendo aparentemente razão suficiente e definitiva para que o recurso ora comentado

não possa ser chamado de agravo regimental. Como se nota, tanto no caso do art. 120,

parágrafo único, CPC, como nos outros três dispositivos legais com regra semelhante e

já mencionados anteriormente, a decisão monocrática proferida pelo relator é final, ou

seja, caso não haja a interposição do agravo interno o conflito de competência estará

resolvido e o incidente definitivamente julgado. Diferente são os casos de cabimento do

chamado agravo regimental, decisão também monocráticas do relator, mas de natureza

interlocutória. A diferença de natureza das decisões impugnáveis por uma espécie e

outra de recurso, mostra à saciedade a indevida confusão entre os chamados agravos

regimentais e agravos internos.

O argumento apresentado pode sofrer criticas, supostamente por só ter aplicação no

âmbito recursal e do conflito de competência, excluídas as causas de competência

originária de tribunal. Nesse caso se poderia alegar que a decisão monocrática do

relator poderá ser final, colocando fim a tal ação, sem, entretanto, haver nesse caso, ao

menos de forma expressa, previsão específica de cabimento de recurso contra tal

espécie de decisão. Não concordo com tal entendimento porque parece ser

aconselhável a aplicação por analogia do art. 557, § 1º, CPC, também para a decisão

final monocrática do relator em ações de competência originária do tribunal26. Assim,

indeferida a petição inicial de uma ação rescisória pelo relator, cabível o recurso de

26 Nesse sentido as lições de José Carlos Barbosa Moreira, Comentários ao Código de Processo Civil, op. cit., p. 661 e Alexandre Freitas Câmara, Lições de direito processual civil, vol. II, 7ª ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2003, p. 141. Quanto ao reexame necessário, há controvérsia: favorável a aplicação subsidiária do art. 557, CPC, Athos Gusmão Carneiro, “Poderes do relator e agravo interno – Arts. 557, 544 e 545 do CPC”, op. cit., p. 15 e José Carlos Barbosa Moreira, Comentários ao Código de Processo Civil, op. cit, p. 661; em sentido contrário José Miguel Garcia Medina, “Juízo de admissibilidade

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agravo interno legal, previsto no art. 557, § 1º, CPC, seguindo-se a regra de que, contra

decisão monocrática final do relator, caberá sempre tal espécie de recurso.

Afinal, dentre todos os nomes suscitados em doutrina e jurisprudência, reputa-se como

o mais próximo da adequação para nomear o agravo expressamente previsto pelo

Código de Processo Civil contra decisão monocrática do relator: agravo interno. Clara a

lição de J. E. Carreira Alvim, ao afirmar preferir nomear o recurso de “agravo interno”,

por ser um agravo que agride decisão interna do tribunal, ao contrário dos agravos

retido e de instrumento, que agridem decisão externa ao tribunal.27

Tem razão o processualista, bem como todos os autores que compartilham de tal

opinião, considerando-se que nas outras espécies de agravo é sempre o órgão

hierárquico superior ao da prolação da decisão impugnada o competente para o

julgamento do recurso. Nos casos de agravo retido e de instrumento, é sempre o

tribunal de segundo grau, a par da possibilidade de retratação, que certamente não

retira do tribunal a competência para o julgamento do recurso. O mesmo ocorre no

agravo contra decisão denegatória de seguimento de Recurso Especial e

Extraordinário, quando o órgão competente é, respectivamente, o Superior Tribunal de

Justiça e o Supremo Tribunal Federal. O ponto principal é que a decisão é sempre

proferida em grau hierárquico inferior quando comparada com o órgão competente para

o julgamento do recurso.

Tal circunstância não se verifica no agravo interno, no qual o próprio órgão prolator da

decisão irá ser o competente para julgar o recurso contra ela interposto. Dentro do

mesmo tribunal onde foi proferida a decisão monocrática é interposto, processado e

e juízo de mérito na nova sistemática recursal e sua compreensão jurisprudencial, de acordo com as leis 9.756/98 e 9.800/99”, in Aspectos polêmicos e atuais dos recursos, op. cit., pp. 368/369. 27 Cfr. Código de Processo Civil Reformado, op. cit., p. 321. Ainda Athos Gusmão Carneiro, Recurso Especial, Agravos e Agravo Interno, op. cit., p. 212, quando ressalta a permanência dentre nós do agravo regimental e William Santos Ferreira, Aspectos polêmicos e práticos da nova reforma processual civil, Forense, Rio de Janeiro, 2002, p.127.

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finalmente julgado o recurso de agravo, integrando-se pelo colegiado a decisão do juiz

relator. Essa é mais uma razão para que a nomenclatura “agravo interno” seja a mais

adequada para o recurso ora tratado.

Um último aspecto respeitante a terminologia deve ser enfrentado, para justificar mais

solidamente o entendimento exposto. A doutrina, de forma majoritária, não aceita que

tal agravo seja chamado de agravo regimental, sob o argumento de que o recurso é tão

legal quanto aqueles previstos nos arts. 522 e 544, uma vez que todos estão

expressamente previstos no Código de Processo Civil. Essa é uma interessante – e

conforme será visto parcialmente correta – visão, justificando-se para que não mais se

chame o agravo previsto em lei contra decisões monocráticas em tribunal de agravo

regimental. Já se afirmou que, de fato, se está previsto em lei, é legal, e não

meramente regimental.

Ocorre, entretanto, que o recurso de agravo regimental, ou seja, aquele com

procedimento criado pelos Regimentos Internos na omissão de expressa previsão pelo

legislador, é tão interno quanto o agravo previsto nos arts. 120, parágrafo único, 532,

545, 557, § 1º, do CPC. Também esses são interpostos no tribunal, contra decisão

proferida por relator, e tem seu processamento e julgamento nesse mesmo órgão

jurisdicional. Daí se afirmar que o caráter “interno” do agravo, não é exclusivo dos

agravos contra decisões monocráticas previstas no Código de Processo Civil,

verificando-se também nos agravos chamados “regimentais”.

Sob esse ponto de vista é inegável ser ambos os agravos internos, mas alguns têm

previsão de cabimento e processamento legal e outros têm tal previsão apenas nos

Regimentos Internos. Dessa forma, é possível classificá-los de agravo interno legal e

agravo interno regimental, levando-se em conta sua característica igual (procedimento

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todo desenvolvido no próprio Tribunal onde foi proferida a decisão impugnada) e sua

principal diferença (previsão expressa em lei ou em regimento interno).28

b) Procedimento do agravo interno legal do art. 120, parágrafo único CPC

Da mera leitura do dispositivo legal ora comentado percebe-se a absoluta omissão do

legislador quanto a qualquer previsão procedimental a respeito desse recurso, sendo

necessário ao intérprete a aplicação subsidiária do procedimento previsto no art. 557,

CPC. Tratando substancialmente da mesma situação daquela descrita com a

interposição de agravo contra a decisão monocrática do relator no conflito de

competência, a aplicação subsidiária se justifica plenamente.

Aparentemente o procedimento do recurso de agravo interno legal é bastante simples.

Num prazo de cinco dias da intimação da decisão monocrática a parte derrotada

interpõe o recurso dirigindo-o ao próprio relator, prolator da decisão impugnada. O

órgão competente para esse recurso é o órgão colegiado, devendo o juiz formá-lo, se

não houver retratação, apresentando o processo em mesa e proferindo voto (art. 557, §

1º, CPC). Para se evitar eventual abuso na interposição desse recurso, o art. 557, § 2º,

CPC, prevê uma multa ao agravado entre 1 e 10% do valor corrigido da causa na

hipótese de recurso manifestamente inadmissível ou infundado, ficando a interposição

de qualquer outro recurso condicionada ao depósito do respectivo valor.

O procedimento é sumário, não há dúvida quanto a isso, mas tal sumariedade formal

não é suficiente para tornar o procedimento simples ou imune a polêmicas, seguindo-se

a análise das principais delas.

28 Parece ter esse entendimento ATHOS GUSMÃO CARNEIRO, Recurso Especial, Agravos e Agravo Interno, op. cit., pp. 211/212, após afirmar que o agravo interno também é agravo legal, lembra “que subsistem os agravos internos “regimentais”, com base em norma de regimento interno, como os admissíveis de decisão do relator em processos de competência originária dos Tribunais”.

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I) juízo de retratação do relator

Existe expressa previsão da possibilidade de retratação do relator diante do agravo

interno legal. Ao que parece, pode ser aplicado a tal previsão o dito popular “o que

abunda não prejudica”, tendo em conta que mesmo sem expressa previsão é

indubitável a possibilidade de retratação qualquer que seja a espécie do agravo,

inclusive o agravo interno. Com previsão legal expressa, não há mais nem como de

discutir o assunto. Mas no que consistiria efetivamente a retratação do juiz relator e em

que condições isso poderia ocorrer?

Antes de tudo cumpre ressaltar o que até pode soar óbvio: o juízo de retratação,

característica típica do recurso de agravo, somente se abre ao juiz prolator da decisão

quando a parte interessada ingressar com o devido recurso de agravo. Não havendo a

interposição de tal recurso ocorrerá preclusão judicial (mais conhecida pela doutrina

como preclusão pro iudicato). No caso presente a retratação exige, portanto, a

interposição regular do agravo interno pelo interessado. Mas uma intrigante questão,

entretanto, pode ser feita: existe limite para essa retratação?

Por retratação entende-se a modificação da decisão proferida e o retorno do

procedimento ao mesmo estado em que se encontrava anteriormente. Retira-se a

decisão do mundo jurídico mantendo-se a mesma situação existente anteriormente à

prolação da decisão. Dessa forma, é indubitável que o relator possa se retratar de sua

decisão monocrática e remeter o conflito de competência donde surgiu a decisão

monocrática impugnada ao conhecimento do órgão colegiado, sem a necessidade de

julgamento do agravo interno interposto. Poderia o relator ir além, retratando-se não

para somente desfazer o julgamento monocrático, mas para reformar sua decisão,

apontando, ainda monocraticamente, outro juízo competente para o julgamento da

causa?

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Apesar da absoluta teratológica de tal situação, porque nesse caso o erro do relator no

primeiro julgamento monocrático teria que ter sido crasso, rumando contrariamente à

jurisprudência dominante do tribunal, o que, naturalmente, jamais poderia ter permitido

o julgamento monocrático, será possível uma nova decisão monocrática, em sentido

contrário. Verifique-se que embora o objeto do agravo interno nesse caso seja – como,

aliás, em todos os outros – o ataque à fundamentação do relator, é possível que para

corroborar a alegação de que relator está equivocado, o agravante alegue inclusive que

exista posição firme dos tribunais superiores a favor da sua tese. Nesse caso, ainda

que de raridade compreensível, nos afigura juridicamente possível a nova decisão

monocrática, que será novamente impugnável pelo recurso de agravo interno.29

II) apresentação do processo em mesa

Aspecto bastante polêmico da redação do art. 577, CPC é a indicação de que o relator

deve “apresentar o processo em mesa” desde que não haja retratação. Duas questões

de alta relevância surgem de tal previsão: a primeira de que não haveria a necessidade

de intimação do agravado para contra-razoar o agravo retido e a segunda de que essa

inclusão em pauta afastaria a necessidade de tornar pública a data do julgamento por

meio de intimação das partes.

Quanto à desnecessidade de inclusão do processo na pauta de julgamentos, se esta

diante de uma opção do legislador em acelerar o trâmite procedimental de tal recurso,

não se exigindo do relator a inclusão do recurso em pauta, sendo esse simplesmente

levado pelo relator a uma sessão de julgamento que esse mesmo escolher, sem a

intimação das partes, quando então seria realizado o julgamento colegiado. As

justificativas residem numa suposta agilização do procedimento, mas não estaria tal

29 Em sentido contrário, Athos Gusmão Carneiro, Poderes do relator e agravo interno – Arts. 557, 544 e 545 do CPC”, op. cit., p. 21., fundamentando suas posição que tal possibilidade acarretaria complicação indesejada ao procedimento, exatamente o que a modificação legislativa buscou evitar.

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opção afrontando de maneira bastante clara o princípio da ampla defesa, garantido por

nossa Constituição Federal?

Para grande parte da doutrina, que parece ter o melhor entendimento, levar o processo

à apreciação do órgão colegiado sem a ciência das partes envolvidas é manifestamente

uma ofensa ao princípio da ampla defesa. A par da possibilidade ou não da

sustentação oral, não parece ser correto que o recurso seja julgado sem a necessária

publicidade, que norteia como regra geral todos os atos processuais. Estar-se-á diante

de manifesta afronta ao art. 5º, LV, da Constituição Federal, indicativo que “aos

litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são

assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela

inerentes”.30

Infelizmente, entretanto, não é esse o entendimento que vem sendo aplicado por

nossos tribunais de superposição, sendo que a jurisprudência tanto do Supremo

Tribunal Federal como do Superior Tribunal de Justiça aponta para a desnecessidade

da inclusão do agravo interno (que alguns votos insistem em nomear de regimental) na

pauta de julgamento. Ao menos a ligação entre sustentação oral e inclusão em pauta

não mais é utilizada, corretamente percebido que ainda quando não caiba a

sustentação oral é possível à parte interessada, tendo ciência da data do julgamento,

juntar memoriais, ou levantar questões de ordem no momento do julgamento. Nem só

de sustentação oral é formada a atividade do patrono durante o julgamento recursal.

A justificativa utilizada nos julgamentos que admitem a não inclusão em pauta dos

agravos internos é o natural dinamismo empregado pela Lei 9.756/98, que não admitiria

30 Nesse sentido Athos Gusmão Carneiro, “Poderes do relator e agravo interno – Arts. 557, 544 e 545 do CPC”, op. cit., p. 22, José Carlos Barbosa Moreira, “Lei 9.756: uma inconstitucionalidade flagrante e uma decisão infeliz”, in Temas de direito processual, 7ª série, São Paulo, Saraiva, 2001, p. 84; Nelson Luiz Pinto, Manual dos recursos cíveis, op. cit., p. 232. Contra, elogiando a opção legal, J.E. Carreira Alvim, Novo agravo, 4ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 129.

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o atraso e a complicação procedimental gerada pela inclusão do recurso em pauta.31

Ora, ainda que se admita que o propósito da lei foi desafogar os tribunais por meio de

agilização no julgamento dos recursos, chegar a conclusão que tal agilização pode se

sobrepor ao princípio da ampla defesa é atropelar o próprio devido processo legal. A

ciência prévia do julgamento é algo que não pode ser simplesmente afastado em razão

de “dinamismo” pretendido pela lei.

Ao analisar o tema o renomado jurista José Carlos Barbosa Moreira chegou a

conclusão irrepreensível, que merece transcrição, quando suscita algumas dúvidas

geradas pela fundamentação do Supremo Tribunal Federal para defender o

entendimento da dispensabilidade da inclusão do gravo interno em pauta: “Diz respeito

a primeira à atribuição de “natureza dinâmica” à Lei nº 9.756. Confessamos

desconhecer a classificação das leis que as divide em “leis de natureza dinâmica” e

“leis de natureza não dinâmica (estática?)”. Ademias, tampouco logramos vislumbrar,

no texto constitucional, a sugerida distinção entre a disciplina aplicável a uma e a

aplicável à outra dessas duas classes, do ponto de vista da garantia do contraditório e

da ampla defesa. A Constituição refere-se genérica e simplesmente, sem diferenciação

alguma, a “processo judicial ou administrativo”; de jeito nenhum insinua, de leve sequer,

que a garantia não prevaleça caso se trate de processo regido por lei “de natureza

dinâmica”. Não vemos exceção desse tipo, nem de qualquer outro, na Carta da

República. Não há nela ressalva de espécie alguma.”.32

III) agravo interno e embargos de declaração 31 No STF, Rext. 227.030/RJ, rel. Ministro Carlos Velloso, publicado no D.O 21/05/99 e AI 196649 AgR / BA ,AG.REG.NO AI, Relator(a): Min. Sydney Sanches, Primeira Turma, Julgamento: 10/08/1999, que contém a seguinte justificativa em sua fundamentação: No que concerne à alegada inconstitucionalidade da alínea "i" do art. 79 do Regimento Interno do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, que dispensa publicação de pauta para julgamento de Agravo Regimental, na verdade não ocorreu violação a qualquer princípio constitucional, pois não se deve confundir a publicidade de atos processuais, com a necessidade, ou não, de publicação de pauta para certos julgamentos. O julgamento não deixou de ser público. Seu resultado também foi publicado, assim como o acórdão que o reproduziu. No STJ, decisão da Corte Especial, AGA 425875 / MG AG. REG. NO AI, Julgamento: 16/12/2002. 32 C fr. “Lei 9.756: uma inconstitucionalidade flagrante e uma decisão infeliz”, op. cit., p. 86.

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Uma interpretação literal do disposto no artigo 535, CPC levará o leitor a crer que

contra essa decisão não teria cabimento os embargos de declaração, somente admitido

contra sentenças e acórdãos. Tal forma de interpretação, entretanto, não é a melhor.

Após algum período de vacilação a doutrina e a jurisprudência passaram a admitir que

os pronunciamentos do juiz que poderiam ser atacados por embargos de declaração

iam além da previsão do art. 535, CPC. A própria função de tal recurso, ligado

essencialmente à melhor qualidade da prestação jurisdicional, levou o operador e

estudioso a essa conclusão. Prestando-se a integrar ou esclarecer uma decisão, não

há qualquer razão para entender que, além da sentença e do acórdão, não possa

também a decisão interlocutória ser impugnada por meio de embargos de declaração.33

Toda decisão judicial - conforme previsão constitucional - deve ser devidamente

motivada, não se podendo admitir que a decisão, qualquer que seja sua natureza, não

possa ser esclarecida ou integrada. Decisão com fundamentação falha - e decisão

omissa, obscura e contraditória é justamente isso – é decisão não fundamentada, com

evidente infração ao Texto Maior. Dessa forma, sempre que presentes os vícios

descritos pelo artigo 535, CPC, será cabível os embargos de declaração. Essa

conclusão já é suficiente para a conclusão parcial de que toda decisão interlocutória,

inclusive as de segundo grau, podem ser atacadas por meio de embargos de

declaração. Daí a possibilidade incontestável da decisão monocrática do relator que

converte o agravo de instrumento em agravo retido poder ser impugnada, antes do

agravo interno, por embargos de declaração. Ainda assim, restam as outras situações,

em que a decisão monocrática não tem natureza interlocutória, e sim definitiva.

33 Nesse sentido Sônia Márcia Hase de Almeida Baptista, Dos embargos de declaração, São Paulo, RT, 1991, José Carlos Barbosa Moreira, Comentários ao Código de Processo Civil, op. cit., p. 544 e Sálvio de Figueiredo Teixeira, Código de Processo Civil Anotado, op. cit., p. 396.

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Nessas hipóteses, como já visto anteriormente, é ainda mais claro o cabimento dos

embargos de declaração, já que tais decisões funcionam como um acórdão, que

dependendo da vontade da parte (mais precisamente de sua inércia recursal) jamais

existirá no caso concreto. Tomando o lugar do acórdão, a ele deve ser assemelhado no

que toca ao cabimento dos embargos de declaração, aplicando-se tranqüilamente até

mesmo a interpretação literal do artigo 535, CPC.

Nos Tribunais Superiores há tendência, segundo informa Athos Gusmão Carneiro, por

“razões mais de ordem pragmática, voltadas à simplificação e celeridade do rito, têm

conduzido à subsunção dos aclaratórios no agravo interno, ou o recebimento dos

embargos de declaração com conversão em agravo regimental.”34

Embora o órgão supremo não cause prejuízo maior à parte deixando de conhecer os

embargos de declaração e determinando o trânsito em julgado da decisão, a aplicação

do princípio da fungibilidade nesses casos pode ocasionar algum dano à parte

recorrente, sempre que o objeto dos embargos de declaração interpostos seja mais

restrito se comparado com o objeto do potencial agravo interno. Com a aplicação da

fungibilidade, não poderia mais a parte trazer ao conhecimento do juízo elementos

deixados de fora dos embargos de declaração, em razão da preclusão consumativa.

7. Teoria da causa madura (art. 515, § 3º, CPC)

O art. 515, § 3º, CPC, permite que o tribunal, no julgamento de uma apelação contra

sentença terminativa, passe ao julgamento definitivo do mérito da ação, desde que

preenchidos determinados requisitos. A possibilidade desse julgamento imediato do

mérito vem sendo chamada por parcela da doutrina de “teoria da causa madura”,

considerando-se que somente nos casos em que o processo esteja pronto para

34 Cfr. Recurso especial, agravos e agravo interno, op. cit, p. 223.

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imediato julgamento do mérito o tribunal poderá aplicar o dispositivo legal ora

comentado.

Conforme se percebe da expressa previsão legal do art. 515, § 3º, CPC, a norma diz

respeito à apelação, sabidamente uma das espécies recursais. Ocorre, entretanto, que

parcela considerável da doutrina entende que, estando a regra prevista no art. 515,

CPC, que embora esteja dentro do capítulo da apelação é indubitavelmente uma norma

de teoria geral dos recursos, a teoria da causa madura também seria norma de teoria

geral dos recursos, de forma a ser aplicável em todo e qualquer recurso, em especial

no agravo de instrumento, sem, entretanto, desprezar-se a priori outras espécies

recursais, tais como o Recurso Especial e o Recurso Extraordinário, por mais particular

que seja o caso concreto35.

A questão que se coloca é a seguinte: entendendo-se que a norma é de teoria geral

dos recursos, podendo ser aplicada em qualquer hipótese recursal na qual o tribunal

perceba estar a causa madura para julgamento, seria também possível estender ainda

mais sua aplicação, atingindo o incidente processual de conflito de competência?

Explica-se; percebendo o órgão julgador ou o próprio relator que, independente da

discussão a respeito da competência envolvendo os juízos participantes no conflito de

competência, o processo encontra-se maduro para julgamento, de forma que se

determinando o juízo competente o único ato a ser praticado será o julgamento de

mérito da demanda, poderá o próprio tribunal julgar o mérito da ação, servindo-se para

tanto do conflito de competência?

35 Nesse sentido Cândido Rangel Dinamarco, A reforma da reforma, 2ª ed., São Paulo, Malheiros, 2002, pp. 162-163; Arruda Alvim, “Notas sobre algumas das mutações verificadas com a Lei 10.352/2001”, in Aspectos polêmicos e atuais dos recursos e outros meios de impugnação às decisões judiciais, vol. 6, coord. Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier, São Paulo, RT, 2002, p. 78; Oreste Nestor Laspro, Nova reforma processual civil comentada, 2ª ed., São Paulo, Método, 2003, pp. 260-261. Na jurisprudência, apesar da polêmica, entende-se pela aplicação da regra ao recurso ordinário constitucional, conforme Theotonio Negrão e José Roberto F. Gouvêa, Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, op. cit., p. 594.

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É evidente que essa pergunta será respondida de forma negativa por aquela parcela

doutrinária que exige do apelante um pedido expresso de julgamento do mérito para

que o tribunal possa aplicar a teoria da causa madura36, porque nesse caso o pedido

estaria obviamente prejudicado nos conflitos instaurados pelos juízes envolvidos ou

pelo Ministério Público. Poderia ser em tese ainda admissível no conflito de

competência suscitado por uma das partes, mas ainda assim de extrema raridade. Esse

entendimento, entretanto, não parece ser o melhor, de forma que não deve ser levado

em consideração para que seja negativa a resposta a indagação feita anteriormente37.

Ainda que a teoria da causa madura esteja prevista no art. 515, CPC, que trata do

efeito devolutivo dos recursos, parece que sua mera colocação em tal local não seja

suficiente para que se defina tratar-se de uma extensão da devolução de matérias ao

conhecimento do tribunal. Tal entendimento levaria a forçosa conclusão de que a

vontade do recorrente seria determinante para a devolução ou não do mérito da

demanda para o órgão de segundo grau, o que geraria a exigibilidade do pedido

expresso do recorrente para que o Tribunal aplique a teoria da causa madura.

Consagrada a regra do tantum devoltum quantum appellatum, somente sendo

devolvida essa matéria por vontade do recorrente, poderia o tribunal reconhecê-la.

Esse entendimento parte da equivocada premissa de que a norma trata de matéria

afeita ao efeito devolutivo, de forma a depender da vontade do recorrente para ser

aplicada. Na realidade, o objetivo da norma não é a proteção do interesse particular do

recorrente, e sim a otimização do julgamento de processos, em nítido ganho de

celeridade e economia processual. Ainda que se critique a forma legal para a obtenção

desse objetivo, é inegável que o propósito da norma é o oferecimento de uma tutela

36 Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha, Curso de direito processual civil, vol. 3, Salvador, Jus Podivm, 2006, pp. 88-89; Flávio Cheim Jorge, A nova reforma processual, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2003, pp. 146-148; Humberto Theodoro Jr., Curso de direito processual civil, vol. 1, op. cit., p. 535. 37 Nesse sentido, Arruda Alvim, “Notas sobre algumas das mutações verificadas com a Lei 10.352/2001”, p. 81; Cândido Rangel Dinamarco, A reforma da reforma, op. cit., p. 160.

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jurisdicional em menor tempo, com o que se presume prestar-se tutela jurisdicional de

melhor qualidade. O propósito da norma, portanto, é de ordem pública, porque seu

objetivo não é a proteção do interesse das partes, mas sim o interesse na prestação de

um serviço jurisdicional de melhor qualidade.

Esse entendimento, inclusive, afasta a alegação de parcela da doutrina que a ausência

de pedido expresso do recorrente, aliada ao julgamento de improcedência do pedido,

geraria uma reformatio in pejus indevida ao recorrente, o que não se pode admitir.

Parece não haver qualquer dúvida de que, partindo-se de uma sentença terminativa e

chegando-se num acórdão de improcedência do pedido, com capacidade de fazer coisa

julgada material em desfavor do autor, é natural que o recorrente terá piorado sua

situação em razão do julgamento de seu próprio recurso38. É natural que tenha ocorrido

a reformatio in pejus, mas nenhuma ilegalidade ocorrerá nessa hipótese, considerando-

se que a natureza de ordem pública da norma permite ao tribunal, não só sua aplicação

de ofício, como também a piora da situação do recorrente39. Conforme ensina a melhor

doutrina, o conhecimento de matérias de ordem pública de ofício pelo tribunal pode

gerar a reformatio in pejus. Por essa razão, apesar da alocação da teoria da causa

madura no art. 515, 3º, CPC, mas parece que sua aplicação deriva do efeito translativo

do recurso, e não do efeito devolutivo40.

38 Reconhecendo a reformatio in pejus, Arruda Alvim, “Notas sobre algumas das mutações verificadas com a Lei 10.352/2001”, op. cit., pp. 77-78. 39 Antonio de Pádua Notariano Junior, “O duplo grau e o § 3º do art. 515 do CPC, introduzido pela Lei 10.352/2001”, in Antonio de Pádua Notariano Junior, “O duplo grau e o § 3º do art. 515 do CPC, introduzido pela Lei 10.352/2001”, in Revista de Processo, vol. 114, São Paulo, RT, mar/abr 2004, p. 200, afirma não haver agressão ao princípio da proibição da refomatio in pejus porque o art. 515, § 3º, CPC, criou uma regra de competência absoluta, de caráter funcional, para o julgamento imediato do mérito pelo tribunal. 40 Já havia defendido esse entendimento, William Santos Ferreira, Aspectos polêmicos e práticos da nova reforma processual civil, Rio de Janeiro, Forense, 2002, pp. 97-99. A doutrina majoritária entende trata-se de ampliação do âmbito do efeito devolutivo: José Carlos Barbosa Moreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, 11ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2003, p. 430. Para Flávio Cheim Jorge, Teoria geral dos recursos cíveis, Rio de Janeiro, Forense, 2003, pp. 253-254, a expressão “efeito translativo” é incorreta, devendo ser o fenômeno entendido como profundidade do efeito devolutivo referente a matérias de ordem pública que o tribunal pode conhecer de ofício em razão do princípio inquisitivo. Seja

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Essa conclusão de que é o efeito translativo e não o efeito devolutivo que permite ao

tribunal a aplicação do art. 515, § 3º, CPC, facilita a conclusão de que também no

incidente de conflito de competência é possível o julgamento imediato do mérito da

demanda, desde que presentes os requisitos legais. Ninguém duvidaria da economia

processual gerada no caso do próprio tribunal reconhecer um vício insanável referente

a uma matéria de ordem pública, e extinguir o processo sem resolução do mérito, por

meio do conflito de competência. Essa atuação do tribunal, apesar de atípica, seria

totalmente permitida, senão pela interpretação extensiva do efeito translativo, pela regra

basilar que as matérias de ordem pública poderão ser conhecidas de ofício pelo órgão

jurisdicional a qualquer momento do processo.

Essa interpretação significativamente ampla da teoria da causa madura, leva em

consideração a celeridade processual que se obterá com o julgamento do mérito da

demanda direta e imediatamente no Tribunal41. Imaginar-se somente a solução do

conflito de competência, com a determinação do juízo competente, para a prolação da

decisão final, que certamente será recorrida, sendo devolvida a matéria em sede

recursal para o mesmo tribunal, afronta o princípio da economia processual. É natural

que o preenchimento dos requisitos legais afasta por completo a possibilidade de

alegação de eventual cerceamento do direito de defesa de umas das partes,

considerando-se que o processo já deverá estar pronto para imediato julgamento.

Um último registro se faz importante com relação a esse tema. O relator do conflito de

competência, conforme já visto anteriormente, tem o poder de resolver o conflito como for, o considerado efeito translativo, a exemplo da profundidade do efeito devolutivo, diz respeito à opção legislativa de permitir a atuação do Tribunal mesmo sem a manifestação expressa do recorrente. 41 Gleydson Kleber Lopes de Oliveira, “Efeito devolutivo do recurso de apelação em face do novo § 3º do art. 515 do CPC”, in Aspectos polêmicos e atuais dos recursos e outros meios de impugnação às decisões judiciais, vol. 6, coord. Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier, São Paulo, RT, 2002, p. 259, que defende a aplicação às apelações contra sentenças infra ou extra petita, faz comentário bastante condizente com a conclusão exposta no texto: “A generalidade, a abstração e a capacidade de expansão da ratio, que permeia o art. 515, § 3º, do CPC, permitem ao aplicador do direito superar o legalismo estrito e buscar no próprio sistema a solução mais justa, fazendo com que sejam emprestados novos sentidos ao preceito da norma jurídica de acordo com os escopos do processo”.

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monocraticamente, inclusive determinando a respeito da validade dos atos praticados

pelo juízo incompetente. Não poderá, entretanto, aplicar monocraticamente o art. 515, §

3º, CPC, deixando de julgar o conflito de competência e partindo diretamente para o

julgamento do mérito da ação, porque nesse caso haveria a decisão monocrática do

mérito da demanda em segundo grau, o que não se admite. Dessa forma, ainda que o

relator entenda aplicável a teoria da causa madura, deverá formar o órgão colegiado e

proferir voto nesse sentido, sendo sempre possível que seu entendimento seja

minoritário, caso rechaçado pelos outros julgadores. Nesse caso, entendendo-se por

maioria de votos pela inaplicabilidade do art. 515, § 3º, CPC, volta-se ao julgamento

colegiado do conflito de competência.


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