As Matérias da Imagem: os pigmentos na tratadística portuguesa entre a Idade Média e 1850
The materials of the image: pigments on Portuguese treatises from the Middle Ages to 1850 POCI/EAT/58065/2004 (Outubro 2005 – Março 2009)
Objeto de estudo Em termos genéricos, o objeto de estudo incidiu sobre a componente material da pintura
portuguesa e, em particular, sobre a literatura dedicada à preparação de pigmentos para
aplicação em pintura. Os intervalos cronológico definidos para analisar este tipo de literatura
foram a Idade Média, época em que foi redigido o mais antigo texto deste género em língua
portuguesa, e os meados do século XIX, época em que se introduziram alterações significativas
nos processos de produção dos pigmentos usados na pintura devido aos desenvolvimentos da
indústria química.
Vítor Serrão
Resultados Os resultados alcançados permitiram identificar novas fontes e receitas desconhecidas utilizadas para a preparação de pigmentos
e perceber melhor quais os processos de obtenção de determinados pigmentos e de outros materiais para utilização na pintura de
obras de arte.
A reprodução dos processos de preparação de pigmentos, em contexto laboratorial, permitiu também preencher algumas das
lacunas e omissões patentes em muitas das receitas compiladas.
Além do interesse científico e académico deste projeto, integrado no âmbito da história dos materiais e das técnicas artísticas,
alguns dos resultados alcançados foram igualmente úteis para uma melhor preservação dos objetos artísticos do passado,
designadamente no que se refere ao tratamento das camadas pictóricas da pintura antiga portuguesa, ajudando os conservadores-
restauradores a adequar melhor os materiais modernos aos materiais mais antigos.
Equipa de investigação Projeto financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia em 55.190 € e desenvolvido por
uma equipa multidisciplinar de investigadores pertencentes ao ARTIS - Instituto de História da
Arte da FLUL (historiadores de arte), à época integrados no Centro de História da Universidade
de Lisboa, e ao Departamento de Química e Bioquímica da Faculdade de Ciências da
Universidade de Lisboa (químicos e especialistas da conservação e restauro).
S. Lucas pintando a Virgem. Missal, Lisboa, 1557-1563, por encomenda do rei D. João III. Londres, British Library, MS Stowe 11, f. 151r.
Manuel Batoréo1
Maria H. Mendonça2
Patrícia Monteiro1
Paula Gonçalves2
1 ARTIS-FLUL; 2 DQB-FCUL
A investigação deste projeto foi desenvolvida em duas vertentes. Por um lado, procurou reunir-
se toda a informação escrita, produzida em Portugal, relativa aos aspetos materiais da arte da
pintura, nomeadamente os que se referiam a processos de preparação de pigmentos e corantes
para utilização em pintura. A pesquisa realizada em arquivos e bibliotecas permitiu identificar
um conjunto muito significativo de fontes, embora o seu grau de originalidade seja
relativamente baixo. Por outro lado, procedeu-se à síntese laboratorial dos pigmentos de acordo
com as indicações encontradas nas fontes escritas que ficaram inventariadas, tendo-se
igualmente procedido à posterior caracterização dos pigmentos mediante uma análise química.
Estas duas vertentes corresponderam a duas fases distintas da investigação. Numa primeira fase,
entre finais de 2005 e finais de 2006, foi realizado o levantamento de fontes em bibliotecas e
arquivos nacionais, designadamente na Biblioteca Nacional de Lisboa (Secção de Reservados),
Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra (Secção de Manuscritos), Biblioteca da Ajuda,
Biblioteca Pública de Évora (Cimélios) e Instituto dos Arquivos Nacionais-Torre do Tombo,
pesquisa que permitiu identificar alguns receituários inéditos, sobretudo datados dos séculos
XVII e XVIII. Durante o mesmo período, foi aprofundado o estudo de algumas fontes já
conhecidas, mas que se encontravam ainda mal estudadas, como é o caso do receituário tardo-
medieval O Livro de como se fazem as cores das tintas.
Numa segunda fase do trabalho, desenvolvida durante 2007 e finais de 2008, efetuou-se a
síntese e caracterização de dois pigmentos de chumbo, designadamente o branco de chumbo
(alvaiade) e o vermelho de chumbo (mínio), designado em português arcaico como zarcão ou
azarcão. Os procedimentos experimentais foram baseados na pesquisa realizada na primeira fase
deste projeto onde se recolheu a informação sobre receitas descritas em tratados antigos,
nomeadamente na Arte da Pintura, Symmetria e Perspectiva (1615) de Filipe Nunes. O pigmento
branco de chumbo foi selecionado por ter sido o pigmento mais usado em pinturas de cavalete
até ao séc. XIX, sendo praticamente omnipresente nas pinturas de cavalete até àquela época.
Quanto ao mínio, um pigmento vermelho que corresponde a Pb3O4, tinha a vantagem de ser
barato, fácil de produzir e possuir uma cor viva, e o aliciante da sua caracterização estar pouco
estudada.
Metodologia
António João Cruz2
Ana Paula Carvalho2
Fernanda Costa2
João Pires da Silva2
Luís Urbano Afonso1
Publicações TESES
• GONÇALVES, P. Preparação e caracterização de pigmentos inorgânicos, Fac. Ciências da Univ. Lisboa, Tese de Mestrado em Química, 2008.
LIVROS
• AFONSO, L. U. (ed.). As Matérias da Imagem. The materials of the Image, Lisboa, 2011. ISBN: 978-989-8465-00-9.
ARTIGOS INTERNACIONAIS
• MATOS, D., AFONSO, L. U. Afonso. “The ‘Book on How to Make Colours’ (‘O livro de como se fazem as cores’) and the ‘Schedula diversarum
artium’”, A. Speer (ed.), Zwischen Kunsthandwerk und Kunst: Die Schedula diversarum artium, Berlin–Boston, 2014, 305-317.
• AFONSO, L. U., CRUZ, A. J., MATOS, D. “O Livro de como se fazem as cores or a medieval Portuguese text on the colors for illumination: a review”, R.
Córdoba (ed.), Craft Treatises and Handbooks: the dissemination of technical knowledge in the Middle Ages, Turnhout, 2013, 93-105.
• SANTOS, S., CRUZ, A. J. “Traditional and modern blue pigments in Portuguese 19th century technical literature”, in A. Macchia, E. Borrelli, L.
Campanella (eds.), Yococu 2008. Youth in Conservation of Cultural Heritage. Proceedings, Rome, 2009, 44-50.
• SANTOS, S., CRUZ, A. J. “O desenvolvimento da ciência e da técnica no séc. XIX e os pigmentos amarelos usados em pintura em Portugal segundo a
literatura técnica”, Livro de Anais. Scientiarum Historia II. Encontro Luso-Brasileiro de História das Ciências, Rio de Janeiro, 2009, 385-391.
• CRUZ, A. J., AFONSO, L. U. “On the date and contents of a Portuguese medieval technical book on illumination: O livro de como se fazem as cores”, The
Medieval History Journal, 11/1, 2008, 1-28.
ARTIGOS NACIONAIS
• AFONSO, L. U. “New developments in the study of O livro de como se fazem as cores das tintas”, in L. U. Afonso (ed.), The Materials of the Image. As Matérias da Imagem,
Lisboa, 2011, 3-27.
• CRUZ, A. J. “Em busca da origem das cores de “O Livro de Como se Fazem as Cores”: sobre as fontes de um receituário português medieval de materiais e
técnicas de pintura”, in L. U. Afonso (ed.), The Materials of the Image. As Matérias da Imagem, Lisboa, 2011, 75-85.
• SERRÃO, V.. “Acordar as cores…”: os pigmentos nos contratos de pintura portuguesa dos séculos XVI e XVII”, in L. U. Afonso (ed.), The Materials of the Image. As
Matérias da Imagem, Lisboa, 2011, 97-132.
• CRUZ, A. J., MONTEIRO, P. “Sobre um tratado inédito de pintura da primeira metade do século XVII: o Breve Tratado de Iluminação, composto por um religioso
da Ordem de Cristo”, in L. U. Afonso (ed.), The Materials of the Image. As Matérias da Imagem, Lisboa, 2011, 147-169.
• GONÇALVES, P., PIRES, J., CARVALHO, A. P., MENDONÇA, M. H., CRUZ, A. J. “Theory vs practice: synthesis of white lead following ancient recipes”, in
L. U. Afonso (ed.), The Materials of the Image. As Matérias da Imagem, Lisboa, 2011, 185-200.
• GONÇALVES, P., PIRES, J., CARVALHO, A. P., MENDONÇA, M. H., CRUZ, A. J. “Theory vs practice: synthesis of red lead following ancient recipes”, in L.
U. Afonso (ed.), The Materials of the Image. As Matérias da Imagem, Lisboa, Campo da Comunicação, 2011, 201-210.
• MONTEIRO, P., CRUZ, A. J. “Breve Tratado de Iluminação composto por um religioso da Ordem de Cristo”, in L. U. Afonso (ed.), The Materials of the Image. As
Matérias da Imagem, Lisboa, 2011, 237-286.
• CRUZ, A. J. “Os materiais usados em pintura em Portugal no início do século XVIII, segundo Rafael Bluteau”, Artis, 7-8, 2009, 385-405.
• MONTEIRO, P. “Estudos sobre Pigmentos na Tratadística Portuguesa”, Pedra e Cal, 39, 2008, 12-13
• CRUZ, A. J. “Pigmentos e corantes das obras de arte em Portugal, no início do século XVII, segundo o tratado de pintura de Filipe Nunes”, Conservar Património,
6, 2007, 39-51.
• CRUZ, A. J. “A cor e a substância: sobre alguns pigmentos mencionados em antigos tratados portugueses de pintura - pigmentos amarelos”, Artis, 6, 2007, 139-160.
• MONTEIRO, P., AFONSO, L. U. “Fontes para o estudo dos pigmentos na tratadística portuguesa: da Idade Média a 1850”, Artis, 6, 2007, 161-186.
• AFONSO, L. U., MONTEIRO, P. “Uma nota sobre Mestre Jácome, pintor régio de D. João I”, Artis, 5, 2006, 471-480.
• CRUZ, A. J. “Para que serve à história da arte a identificação dos pigmentos utilizados numa pintura”, Artis, 5, 2006, 445-462.
• CRUZ, A. J. “Sobre o uso e o desuso de alguns termos relacionados com os materiais constituintes das obras de arte”, Conservar Património, 3-4, 2006, 73-78.
• SERRÃO, V. “Renovar, repintar e retocar: estratégias do pintor-restaurador em Portugal desde o século XVI”, Conservar Património, 3-4, 2006, 53-71.
Acetato de chumbo Acetato de chumbo hidratado Carbonato básico de chumbo Carbonato de chumbo
1. Representação esquemática da via mais eficiente de obtenção do pigmento e difractogramas dos produtos correspondentes às várias etapas do esquema em comparação com o difractograma
do Branco de chumbo da Kremer Pigments.
2. e 3. Imagem de microscopia electrónica de varrimento de: Produto 4 (ampliação 10000x) (ESQ.); e Branco de chumbo da Kremer Pigments (ampliação 10000x) (DIR.).
23 dias 10 dias 35ºC
13 dias 60ºC
7 dias CO2
50ºC H2O
13 dias
90ºC CO2
Pb + vinagre
Pb(CH3COO)2
Pb(CH3COO)2
PbCO3
+
2PbCO3.Pb(OH)2
Pb(CH3COO)2 +
PbCO3 +
2PbCO3.Pb(OH)2
7 dias CO2
50ºC H2O
Produto 1
Produto 2
Produto 3
Produto 4
Branco de chumbo
Kremer Pigments
→
→
→
→
Compilação. Abraão ben Judas ibn Ḥayyim (copista). Loulé, Portugal. 1462.. Parma, Biblioteca Palatina, MS 1959, fols. 4v-5r, 142v. Composto por vinte unidades textuais este manuscrito hebraico
inclui a única cópia conhecida de uma coleção de receitas medievais escrita em língua portuguesa relativas à preparação de pigmentos e tintas para iluminação de livros. Conhecido por «Livro das
Cores», este texto aljamiado está inteiramente escrito em português, embora transliterado em caracteres hebraicos.