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revista da espm • volume 19 • ano 18 • edição nº5 • setembro/outubro 2012 • r$ 28,00

Rupturas só acontecem com os despreparados!

Cultura e estratégia: um alinhamento necessário

A personalidade dos grandes líderes

A ditadura do líder

Entre o mundo ideal e a vida real

A matemática das decisões

Estratégia global, inovação local

Artigos

PLANEJAMENTO ESTRATÉGICOo ideal e o possível

Negócios sem fronteiras

Empresa familiar: um dilema entre a razão e a emoção

O fim da desindustrialização sustentada: discurso desconectado

Muito além do planejamento!

DNA da comunicação

AIDDU, uma questão de bom senso!

A vitoriosa carreira do atleta do e-commerce

Para aprender é preciso estar com a mente abertaHenry Mintzberg

É melhor ter um mau plano do que não ter nenhumLuiz Alexandre Garcia

A trilogia da gestãoJoão Vinicius Prianti

O lado humano da estratégiaRoberto Lima

Artigos

Entrevistas

PLANEJAMENTO ESTRATÉGICOo ideal e o possível

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Nem faz de conta, nem faz milagres

S e nos perguntassem qual é a maior satisfação que nos dá a direção editorial da Revista da ESPM, diríamos que é a oportunidade que temos de estimular tantas pessoas inteligentes a interromper os seus afazeres e colocar no

papel as suas ideias e experiências sobre assuntos relevantes, em benefício de todos. Mais uma vez, essa é a sensação que temos, ao ver completada esta edição da nossa Revista. Não poderia haver tema mais polêmico do que o planejamento estratégico, principalmente porque muitas empresas não têm obtido bons resul-tados com a sua aplicação.

Há 18 anos, o americano Henry Mintzberg (veja entrevista nesta edição) escreveu o famoso livro Ascensão e queda do planejamento estratégico, que muitos interpretam erroneamente ainda hoje. Mintzberg não é contra o plano estratégico, mas diz, com razão, que nenhum plano pode criar uma estratégia de competição. Esta é um ato de criação que deve utilizar o plano como trampolim para o salto criativo. Mas, nas páginas que se seguem, há muitas outras entrevistas, depoimentos e artigos de valor inestimável para quem deseja aprofundar-se nesse tema. Podemos afirmar, sem receio de exagerar, que nunca antes se publicou em língua portuguesa uma coletânea tão completa de trabalhos sobre planejamento estratégico, e o resultado não poderia ter sido mais categórico.

O plano estratégico é visto, principalmente pelos executivos que o aplicam na prá-tica, como um instrumento indispensável da gestão empresarial moderna. O plano não pode prever o futuro, mas nos prepara para enfrentar melhor as dificuldades imprevistas e as oportunidades inesperadas. Acima de tudo, o plano não deve ser engessante, dificultando a mobilidade da empresa, mas sim, estimular a inovação e o aproveitamento das oportunidades do mercado. Mais do que um instrumento de previsão do crescimento, recheado de cifras, o plano deve ter uma definição clara de nossas vantagens competitivas e de nossas metas e objetivos de longo prazo. Por último, vários de nossos entrevistados falaram também da importância do fator humano como condicionante do sucesso de um plano estratégico. A integração das pessoas, na preparação e na implementação do plano, é tão importante, que exige uma cultura organizacional voltada para o futuro e favorável ao surgimento de normas claras de governança no seio da empresa.

Francisco GraciosoPresidente do Conselho Editorial

PARA ASSINAR, LIGUE: (11) 5085-4508 OU MANDE UM FAX PARA: (11) 5085-4646 - www.espm.br/revistadaespm

EXPEDIENTEConselho Editorial Francisco Gracioso – PresidenteAlexandre Gracioso Hiran Castello Branco Thomaz Souto Corrêa J. Roberto Whitaker Penteado (MTB no 178/01/93)

Coordenação EditorialLúcia Maria de Souza

Editora AssistenteAnna Gabriela Araujo

Edição de ArteMentes Design

RevisãoAnselmo Teixeira de VasconcelosAntonio Carlos MoreiraMauro de Barros

RedaçãoRua Dr. Álvaro Alvim, 123 São Paulo – SP – CEP 04018-010Tel.: (11) 5085-4508 Fax: (11) 5085-4646e-mail: [email protected]

ComercialMidiaOffice Julio Cesar Ferreira(11) 9 92224497 / (11) [email protected]@[email protected]

ImpressãoEditora Referência Gráfica

Distribuidor ExclusivoFernando Chinaglia Distribuidora S/A

Revista da ESPM Publicação bimestral da Escola Su-perior de Propaganda e Marketing. Os con ceitos emitidos em artigos assinados são de exclusiva respon-sabilidade dos respectivos autores.

Professores, pesquisadores, consul-tores e executivos são convidados a apresentar matérias sobre su as es-pecialidades, que venham a contribuir para o aperfeiçoamento da teoria e da prática nos campos da administração em geral, do mar k eting e das comuni-cações. In for ma ções sobre as formas e condições, favor entrar em contato com a coordenadora editorial.

EDItORIAL

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Revista da esPM | maio/junho de 20126

Diretoria executiva Da eSPM

• J. Roberto Whitaker Penteado Presidente

• Alexandre Gracioso Vice-presidente Acadêmico

• Elisabeth Dau CorrêaVice-presidente Administrativo-

Financeira

• Emmanuel Publio DiasVice-presidente Corporativo

• Hiran Castello BrancoVice-presidente de Operações

• Armando Ferrentini – Presidente • Alex Periscinoto • Armando Strozenberg • Dalton Pastore • Décio Clemente • João Vinicius Prianti• José Carlos De Salles Gomes Neto• Luiz Marcelo Dias Sales • Luiz Lara • Roberto Duailibi • Sérgio Reis

• Adriana Cury • Alex Periscinoto • Altino João de Barros • Antonio Fadiga • Antonio Jacinto Matias • Armando Ferrentini • Armando Strozenberg• Claudio de Moura Castro • Dalton Pastore • Décio Clemente • Francisco Gracioso• Jayme Sirotsky • João Carlos Saad• João De Simoni Soderini Ferracciù • João Roberto Marinho • João Vinicius Prianti • José Bonifácio de Oliveira Sobrinho • José Carlos De Salles Gomes Neto

inStituição ManteneDora

• José Heitor A ttilio Gracioso • Luiz Carlos Brandão Cavalcanti Júnior • Luiz Carlos Dutra • Luiz Lara • Luiz Marcelo Dias Sales • Marcello Serpa• Octávio Florisbal • Orlando Marques • Percival Caropreso• Petrônio Corrêa• Ricardo Fischer • Roberto Civita • Roberto Duailibi • Roberto Martensen • Saïd Farhat• Sérgio Reis • Waltely Longo

aSSociaDoSconSelho Deliberativo

Titulares• Luiz Carlos Brandão Cavalcanti Jr. – Presidente • Adriana Cury• Percival CaropresoSuplente• José Heitor Attilio Gracioso

conSelho fiScal

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Rupturas só acontecem com os despreparados!Didier Marlier e Marcelo C. Pontes (Jimmy)

A Open Source Economy está chegando e, com ela, a obrigação de desenharmos organizações mais rápidas, ágeis, nas quais as pessoas vivem e pensam estrategicamente de modo contínuo

Página 18

Cultura e estratégia: um alinhamento necessárioSusana Arbex de Araujo

Cultura e estratégia devem ser alinhadas para que o planejamento saia do papel e aconteça na vida real. Uma ideia não é quase nada se a empresa não tiver a capacidade de executá-la

Página 24

A personalidade dos grandes líderesSimoni Missel

Um novo perfil de liderança se define a partir das novas necessidades das empresas movidas pela globalização, tecnologia e transformações socioculturais

Página 34

A ditadura do líderCélia Marcondes Ferraz

Enquanto no dia a dia das pessoas as mudanças foram profundas e significativas, nas organizações a impressão que temos é de que tudo

permaneceu igual, pelo menos nos últimos 30 ou 40 anos. As estruturas, na sua maioria, ainda são hierarquizadas, e o modelo de gestão predominante é o autoritário

Página 38

Entre o mundo ideal e a vida realRoberto Camanho

O dinamismo dos mercados exige agilidade e assertividade das empresas nas suas escolhas estratégicas, além de um ambiente confiável. Essa gestão deve ser feita com regularidade e disciplina, além de envolver todo o board

Página 48

A matemática das decisõesAnna Gabriela Araujo

Como as melhores e maiores empresas do Brasil utilizam o plano estratégico para buscar a inovação, moldar a cultura empresarial e motivar seus colaboradores

Página 54

Estratégia global, inovação localMarcos Amatucci

A estratégia tradicional das montadoras foi o resultado de um equilíbrio sociotécnico criado dentro das fronteiras nacionais com a exportação. A globalização colocou abaixo os pilares desse equilíbrio

Página 70

Índice

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SeçõesLeitura recomendada 118Ponto de Vista 122

A trilogia da gestãoJoão Vinicius Prianti

O lado humano da estratégiaRoberto Lima

Para aprender é preciso estar com a mente abertaHenry Mintzberg

Entrevistas

É melhor ter um mau plano do que não ter nenhumLuiz Alexandre Garcia

Empresa familiar: um dilema entre a razão e a emoçãoEduardo Najjar

A necessidade de amadurecimento das relações entre os membros das famílias empresárias, como um meio para a perenização da empresa e do patrimônio familiar

Página 76

Negócios sem fronteirasRodrigo Cintra

A maior parte das empresas ainda precisa de práticas que as capacitem para uma internacionalização mais profissional. O planejamento estratégico deve ser capaz de considerar tanto as dimensões internas da corporação, quanto seus objetivos no momento da internacionalização

Página 82

O fim da desindustrialização sustentada: discurso desconectadoEdmir Kuazaqui

Economias como a do Brasil devem se remodelar às transformações decorrentes do cenário internacional e priorizar o desenvolvimento econômico por meio de ações mais planejadas e assertivas

Página 88

Muito além do planejamento!Paulo Roberto Ferreira da Cunha

Uma reflexão sobre as contribuições que algumas metodologias ofereceram e continuam oferecendo ao pensamento estratégico de comunicação

Página 94

DNA da comunicaçãoAndré Felix

Planejar é usar diferentes mídias com inteligência e estratégia. É cruzar ideias, respirar a alma do negócio e traduzir isso em uma campanha cheia de elementos que, juntos, resultam no que todos almejam: o sucesso

Página 100

AIDDU, uma questão de bom senso!Edmour Saiani

Uma marca que queira construir reputação forte e inabalável tem de se voltar para as conexões humanas. Ecologia de marca deve começar com a empresa se conectando com sua equipe

Página 106

Ele passou pela ESPMA vitoriosa carreira do atleta do e-commerce

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entrevista | luiz alexandre garcia

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É melhor ter um mau plano do que não ter nenhum

Entrevistado por Alexandre Teixeira

Dos herdeiros das grandes dinastias empresariais do Brasil con-temporâneo, Luiz Alexandre Garcia é um dos mais discretos. Ele é filho de Luiz Alberto Garcia e neto do imigrante português Alexandrino Garcia, fundador do grupo Algar – cujo nome é um

amálgama de suas iniciais. Um dos últimos moicanos independentes e re-gionais das telecomunicações no Brasil, o conglomerado está presente em três outras indústrias e mantém um pé no setor agrário – é um dos maiores produtores de soja e milho de Minas Gerais. Tudo somado, o grupo mineiro fatura R$ 2,6 bilhões por ano. É o filho pródigo de Uberlândia, de onde até hoje despacha Luiz Alexandre, o CEO da companhia.

Representante da terceira geração da família Garcia, sucessor do pai como presidente executivo do grupo, Luiz Alexandre nasceu em Uberlândia em janeiro de 1965 e viveu na cidade até os 17 anos, quando se mudou para o Rio de Janeiro. Cursou economia na Universidade Gama Filho e, dali, ganhou o mundo. Seguiu para os Estados Unidos para fazer mestrado na Catholic Uni-versity of America, em Washington. Com o MBA no currículo, mudou-se para a França, onde fez especialização em marketing, e em seguida para a Suíça, onde participou do Programa de Desenvolvimento de Executivos do IMD. Sua carreira também é internacional. Trabalhou no IFC, do Banco Mundial, em Washington; no escritório da Ericsson em Dallas; e na francesa Bull, em Paris, antes de voltar para Uberlândia como executivo da CTBC.

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entrevista | luiz alexandre garcia

Nesta entrevista, Luiz Alexandre Garcia, eleito em abril para o conse-lho do Instituto Brasileiro de Gover-nança Corporativa, explica o que o grupo Algar entende hoje por plane-jamento estratégico, fala de seu pa-pel como presidente e detalha como a corporação concilia o desejo de pensar nos próximos 100 anos com o imperativo de administrar em tem-pos de incerteza e volatilidade. “Para toda a inovação que fazemos, lança-mos um projeto-piloto e testamos”, exemplifica. “Se o teste sugerir que o produto pode ter sucesso, vamos em frente. Do contrário, simplesmente encerramos o projeto e partimos para outro.”

Alexandre – Como toda organização complexa, o grupo Algar certamente tem sistemas de planejamento estraté-gico. Como vocês calibram esses siste-mas, levando em conta que o ambiente de negócios hoje é volátil e a agilidade para escapar das armadilhas e perse-guir oportunidades parece mais impor-tante que a capacidade de planejar?

Luiz Alexandre – O planejamento estratégico tem de ser aderente aos princípios e valores da organização. Esse é o primeiro passo de um pro-cesso de pensamento estratégico. A empresa precisa definir bem seus pilares de construção de valor para a sociedade. Com isso, desenvolve uma visão estratégica que aponta a direção que vai seguir. Mas o plane-jamento estratégico é muito mais um processo que uma ação pontual. Nesses tempos de volatilidade e de mudanças rápidas nos cenários in-terno e externo, o que vai garantir o atingimento das metas definidas no direcionamento estratégico são duas

coisas: a capacidade de ler os sinais de mudanças no mercado e a flexibi-lidade para se adaptar a elas.

Alexandre – Como se identificam os sinais de mudanças no horizonte?

Luiz Alexandre – Essa é a parte mais complicada da execução de um planejamento estratégico. O cenário político e macroeconômico é algo a que todas as empresas estão muito atentas. Isso tem um impacto muito forte na demanda e no consumo. Ao mesmo tempo, no mundo globaliza-do de hoje, às vezes um conflito lá na Síria afeta os seus negócios do outro lado do mundo.

Alexandre – Nem todas as mudanças afetam as companhias do mesmo jeito, certo?

Luiz Alexandre – Os cenários mais específicos estão atrelados a cada indústria. O grupo Algar, por exem-plo, atua no agronegócio. Uma seca na Argentina ou uma supersafra nos Estados Unidos podem afetar um negócio específico aqui no Brasil. Se a China consumir mais ou menos,

vai afetar os preços das commodities. No caso da Algar, essa leitura [de ce-nários específicos] precisa ser feita pelos executivos responsáveis por cada negócio.

Alexandre – O senhor pode dar um exemplo prático de estratégia que o grupo formulou e teve de ser revista de-vido a uma mudança de cenário?

Luiz Alexandre – Posso dar um exemplo mais antigo, da época do primeiro leilão de telefonia celular no Brasil, a chamada Banda B. Nós ganhamos a licitação da Banda B no Rio de Janeiro. Tínhamos um milhão de clientes nas mãos, mas o nosso planejamento estratégico contem-plava uma abertura de capital para capitalizar a empresa. Só que nós fomos surpreendidos pela crise da Coreia, que fechou o mercado de IPOs [ofertas iniciais de ações em bolsas de valores]. Não havia con-dições de se fazer IPO para captar recursos nem dentro nem fora do Brasil. Foi um exemplo clássico de um problema macroeconômico que aconteceu do outro lado do mundo e nos obrigou a vender um negócio es-tratégico. Talvez seja o melhor exem-plo que temos até hoje aqui na Algar de uma situação fora de controle que inviabilizou um negócio que, técnica e comercialmente, era um sucesso total. Isso aconteceu em 1998.

Alexandre – Mais do que flexibilizar a estratégia, imagino que tenha sido necessário redesenhá-la.

Luiz Alexandre – Para toda estra-tégia, é preciso ter planos de contin-

“O planejamento estratégico tem de ser aderente aos

princípios e valores da organização. Este

é o primeiro passo de um processo de pensamento

estratégico”

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gência. Se você não conseguir atingir o seu objetivo A, precisa ter um obje-tivo B, um objetivo C e um objetivo D. É mais ou menos como um avião, que está em altitude de cruzeiro com des-tino a uma cidade qualquer. Ele está sempre monitorando as alternativas de pouso, caso aconteça alguma coi-sa naquela cidade.

Alexandre – O que o episódio da Ban-da B ensinou ao grupo Algar?

Luiz Alexandre – Um dos nossos pa râ met ros de d i reciona mento estratégico agora é não assumir uma alavancagem financeira supe-rior àquela que pudermos suportar. Aquele fato nos ensinou a criar um

limitador de alavancagem finan-ceira, para não colocar em risco o negócio como um todo.

Alexandre – Assim como o mercado muda rápido e traz riscos inesperados, devem surgir oportunidades no radar de vocês que não estavam previstas. Como manter o plano estratégico sem abrir mão delas?

Luiz Alexandre – Pelo conceito que usamos hoje, a estratégia nasce de

um processo de planejamento dinâ-mico. Ele não é fixo. Precisa ser cor-rigido a todo momento, dependendo das reações do mercado. As melhores pessoas para monitorar essas mu-danças são as que estão no campo. São os vendedores, porque a única coisa que nenhuma empresa do mun-do consegue planejar é o hábito do consumidor. Às vezes, você tem um produto maravilhoso, mas ao qual o consumidor não se adapta. Aí é que está o risco do negócio.

“Para toda estratégia, é preciso ter planos de contingência. Se você não conseguir atingir

o seu objetivo A, precisa ter um objetivo B, um objetivo C e um objetivo D”

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entrevista | luiz alexandre garcia

Alexandre – O senhor não acredita em pesquisas de mercado?

Luiz Alexandre – Podemos ter pesquisas buscando identificar as pretensões de consumo. Elas, sem dúvida alguma, trazem maior as-sertividade para as previsões. Mas o consumo em si é uma variável incontrolável do planejamento es-tratégico. Por mais fantástico que o produto pareça ser nas pesquisas, se o consumidor não aderir a ele, você precisa desistir e tentar outra coisa.

Alexandre – Como vocês administram essa incerteza?

Luiz Alexandre – Para toda ino-vação que fazemos, lançamos um projeto-piloto e testamos. Se esse teste sugerir que o produto pode ser ajustado para que tenha sucesso, vamos em frente. Do contrário, nós simplesmente encerramos o projeto e partimos para outro. Esta é uma tendência que vai ficar cada vez mais usual no mercado. Se o projeto-piloto funcionar, você aumenta a escala. Caso contrário, você assume o pre-juízo e lança outro. O grande desafio é acertar mais do que errar.

Alexandre – Como funciona o pro-cesso de planejamento estratégico do grupo Algar?

Luiz Alexandre – O início do pla-nejamento estratégico é uma reu-nião que chamamos de Algar 2100. Durante dois dias, a gente projeta a empresa 100 anos à frente, quan-do, provavelmente, nenhum de nós estará mais aqui. É uma forma de

prospectar o futuro sendo totalmen-te independente, sem pensar no im-pacto na sua vida. Esse é o primeiro input do nosso ciclo de planejamento estratégico. É quando se discute, por exemplo, a importância do meio ambiente na relação entre produção e consumo. São vários temas que no início podem parecer abstratos. Mas precisam fazer sentido na estratégia da empresa numa dimensão que ultrapassa a dos produtos e serviços.

Alexandre – E depois?

Luiz Alexandre – Uma vez dis-cutidas essas questões, passamos ao planejamento de cada empresa do grupo, especificamente. Somos segmentados em quatro divisões de negócios: TI-Telecom, Agronegócio, Turismo e Serviços. Cada uma tem negócios distribuídos em quatro quadrantes: cash-cow (mais do mes-mo), abacaxi (os que já passaram da fase de maturidade), adjacente (algo paralelo ao negócio principal) e ino-vação disruptiva (algo totalmente diferente). Alocamos os projetos de cada empresa nesse gráfico e ana-lisamos as necessidades de investi-mentos em cada um deles. E depois monitoramos tudo isso, o tempo todo.

Alexandre – Quanto tempo dura cada ciclo de planejamento?

Luiz Alexandre – Tudo começa nes-sa reunião Algar 2100, que é no início do ano. Depois fechamos o plano de investimentos, priorizando projetos de acordo com dois princípios: o que vai gerar caixa hoje, no presente, e o

que vai gerar caixa no futuro. Basica-mente, o presente precisa financiar o futuro. Depois do plano de investi-mentos, construímos o orçamento, que já é algo mais elaborado, com retorno sobre o investimento etc. E então começa a fase de execução.

“A única coisa que nenhuma empresa do mundo consegue

planejar é o hábito do consumidor. Às vezes, você tem um produto maravilhoso, ao qual o consumidor não se

adapta. Aí é que está o risco do negócio”

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Isso é dinâmico. O projeto é anual, mas isso não quer dizer que a estra-tégia não possa ser revista se ocorrer algum desvio de percurso.

Alexandre – O que faz a diferença entre um bom e um mau planejamento estratégico?

Luiz Alexandre – O grande desafio do planejamento estratégico é a exe-cução. As pessoas se sentem mais confortáveis fazendo aquilo que fazem todos os dias. Mas quando você quer uma mudança disruptiva numa organização, precisa abando-nar alguns hábitos e quebrar alguns paradigmas internos. Na maioria das vezes, os planejamentos estra-tégicos falham pelo fato de as em-presas não criarem métricas nem uma disciplina rígida para executar aquilo que foi proposto.

Alexandre – As pessoas na cúpula se autoenganam?

Luiz Alexandre – Elas fazem plane-jamentos estratégicos maravilhosos, saem da reunião e continuam fazen-do exatamente o que faziam antes. Aí nada muda.

Alexandre – Com o cenário marcado pela imprevisibilidade, por que ainda vale a pena investir tempo e energia para fazer planejamento estratégico?

Luiz Alexandre – Porque é melhor ter um mau planejamento estraté-gico do que não ter nenhum. Todo planejamento estratégico força você a analisar alternativas para o seu negócio. Mesmo que você não iden-

tifique, num primeiro momento, al-ternativas viáveis ou o “pulo do gato”, esse exercício faz parte da cons-trução do futuro da organização. A gente começa a separar a análise do desempenho das empresas em dois momentos: a discussão sobre o orçamento atual e a discussão sobre o orçamento futuro. Esse exercício de analisar alternativas, possíveis riscos e oportunidades é importante para que, no momento em que preci-sar mudar, você já tenha aprendido a conviver com a imprevisibilidade.

Alexandre – Qual é o seu papel, como presidente, no planejamento estratégi-co e na execução do que é decidido?

Luiz Alexandre – Primeiro, o pre-sidente é o grande responsável por esse processo que descrevi. Segun-do, tem de gerenciar as empresas através de fatos e dados, monito-rando se aquilo que foi proposto no planejamento estratégico está, realmente, sendo executado pela organização.

Alexandre – Toda companhia séria tem seus rituais de avaliação de de-sempenho e meios de promover a me-ritocracia. O grupo Algar tem alguma prática especial nesse sentido?

Luiz Alexandre – Hoje, 60% da nos-sa remuneração são variáveis, dividi-dos entre objetivos pessoais e objeti-vos corporativos. Aqui incentivamos a autonomia com responsabilidade. O reconhecimento financeiro não é o mais importante. Ele faz parte de um pacote de celebração.

Alexandre – Peter Drucker costumava dizer que administrar é criar o futuro. Nesse contexto, o plano estratégico seria o instrumento por meio do qual essa intenção se materializa. O senhor acredita que isso é verdade na prática?

Luiz Alexandre – Eu acho que sim. O que fizemos até hoje serve só como aprendizado. O que vamos fazer para a empresa do futuro começa no dia seguinte. Estar antenado com as mu-danças e criar motivação, modelos e processos para tentar construir o futuro é o que prepara a empresa para o amanhã.

“Todo planejamento estratégico força você a analisar alternativas

para o seu negócio. Mesmo que você não

identifique, num primeiro momento,

alternativas viáveis ou o “pulo do gato”, esse exercício faz parte da construção do futuro

da organização”

“Hoje, 60% da nossa remuneração são

variáveis, divididos entre objetivos

pessoais e objetivos corporativos. Aqui

incentivamos a autonomia com

responsabilidade”

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Diante da emergência da Open Source Economy, o planejamento estratégico clássico terá sua utilidade reduzida. A ideia de “estrategizar” a empresa será, provavelmente, a melhor escolha

O professor e consultor belga Nick van Heck costuma falar de modo provocativo que “as rupturas só acontecem com as organizações despreparadas”. Para ele, as empresas preci-

sam desafiar a ortodoxia do modo como o planejamento estratégico é pensado e estruturado. “Estratégia tem de deixar de ser adivinhar o futuro e passar a ser preparar-se para qualquer futuro que seja”. Nós apoiamos fortemente esse modo de pensar.

No início dos anos de 1980, o futurólogo americano Al-vin Toffler dividiu a história do mundo em três momentos, chamando-os de Ondas. A Primeira Onda (de 8000 a.C. até 1750 d.C.) é caracterizada pela era agrícola. A Segunda Onda marca o período dominado pela industrialização e vai até 1955. A partir daí, tem início a Terceira Onda, cla-ramente marcada pelo domínio do conhecimento.

Nesta era, há cerca de 20 anos, vimos surgir uma in-venção tecnológica que está revolucionando a história da humanidade: a internet. O meio é tido como um dos eventos mais importantes da era moderna, assim como foi a prensa de tipos móveis, criada há 550 anos, na época, por Gutemberg.

O fenômeno da globalização acelerou inúmeras mudan-ças culturais e econômicas, até que a crise de 2008 deu um golpe final no antigo modelo capitalista-financeiro. Esta é uma crise que ainda não está resolvida e pode ressurgir com violência a qualquer momento. O movimento global sacudiu a economia mundial e abriu espaço para novos poderes econômicos, entre os quais o Brasil – que ainda precisa resolver os desafios da corrupção, de uma admi-nistração pública ineficiente, da desigualdade social e da infraestrutura. Essa crise também desafiou, de modo

profundo, os valores nas economias tradicionais dos Es-tados Unidos e da Europa. Esses países vivem uma verda-deira “crise de valores” do modelo capitalista-financeiro, fazendo com que muitas pessoas desenvolvam ideias e propostas de um novo modelo, como o visionário Umair Haque e seu conceito de “Capitalismo Autêntico”.

O livro Wikinomics: Como a colaboração em massa pode mudar o seu negócio (Don Tapscott e Anthony D. Tapscott, Editora Nova Fronteira, 2007) explica a consequência de tudo isso no universo empresarial. De acordo com os autores, hoje, estamos vendo emergir uma nova forma de economia, que mistura o capitalismo tradicional, a volta de valores fortes e um modelo inédito: o Open Source. A Open Source Economy é a mistura desses três componentes, e estamos entrando nesta nova era.

Esse novo modelo mostra que as rupturas acontecem cada vez mais rapidamente, sem nenhum aviso. A Kodak, por exemplo, levou décadas para derrubar a antiga câmera de tripé. A Nokia, que nem mesmo estava no mercado de fotografia, acabou com a Kodak em menos de uma década, quando resolveu colocar câmeras fotográficas digitais nos seus aparelhos de telefone celular. Por outro lado, a Apple levou quatro anos para criar um novo sistema ope-racional para celular (iOS), que derrubou o Symbian, da Nokia, forçando-a a uma aliança antes inimaginável com a Microsoft, que ainda tenta impor seu próprio sistema na telefonia móvel.

O planejamento estratégico está morto?Em tempos acelerados, onde a explosão tecnológica se encontra com a globalização, será que o planejamento estratégico tradicional está ultrapassado? Como é que o

Rupturas só acontecem com os despreparados!

Por Didier Marlier e Marcelo C. Pontes (Jimmy)

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Planejamento

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planejamento de longo prazo (como eram os famosos pla-nos soviéticos da era stalinista) pode ajudar num período onde agilidade, velocidade, conhecimento, experimenta-ção, audácia e risco se tornam cada vez mais necessários?

A preparação das organizações para um período onde a ruptura pode ocorrer a qualquer instante tem forte im-pacto em três níveis: liderança, estratégia e organização.

O professor inglês David Snowden, criador do “Cynefin framework”, explica que o contexto dentro do qual os líderes precisam atuar se modificou radicalmente (ver ilustração ao lado)

Segundo Snowden, nós continuaremos a evoluir e a liderar em contextos simples, onde a causa é identificada e tem como consequência um efeito previsível e linear. E, em contextos complicados, onde a causa e o efeito também são previsíveis, a explicação do fenômeno é mais difícil e, por isso, necessita de um especialista para entender e explicar. Este foi o mundo no qual fomos for-mados e treinados, tanto nas universidades quanto nas empresas. E ele continuará a existir.

Todavia, dentro da Open Source Economy, onde quase tudo pode acontecer de modo inesperado, estamos vendo que os antigos modelos de predição estão sendo desafia-dos por contextos de liderança muitas vezes complexos e até mesmo caóticos. Nessas situações, o líder não deve mais pretender saber mais que todo o resto – ao contrário, o líder tem de abrir mão da ilusão de saber mais que seus liderados. Exatamente por isso, nesse novo contexto, o líder não deve mais se arriscar a “adivinhar o futuro” tomando por base seu conhecimento e expertise. Ele tem de observar, deixar as tendências emergirem e, até mesmo, deve aceitar a ideia de tentar e errar.

O planejamento estratégico tradicional e ortodoxo não combina bem com o estilo de liderança necessário para lidar com ambientes caóticos ou complexos. Um líder que adivinha o futuro usa planejamento. Mas o líder que se prepara e prepara sua organização para o futuro usa outras técnicas, como o processo que chamamos de “estrategizar”.

A estratégia é um documento, uma foto, via de regra, feita em um determinado momento por uma elite que muitas vezes está longe e desconectada da realidade, do dia a dia da organização e do mercado, a chamada diretoria. Em contextos simples e complicados, continua tendo sua “raison d’être”. Mas, quando o mundo se torna imprevisível, uma organização ágil e proativa tem muito mais chance de prevalecer.

Daí a importância do processo de “estrategizar”. Em vez de depender apenas de uma diretoria fazendo seu dever de casa a cada um, dois ou três anos, o processo de “es-trategizar” é constante e engaja toda a organização. Esse método é composto por processos de capacitação, criação de inteligência e desenvolvimento da organização.

Processo de capacitação: “Estrategizar” sugere que todos na empresa entendam o suficiente sobre o negócio, sua razão de ser, seus clientes, seus processos, sua estra-tégia e seu ecossistema. Entendendo este contexto, os funcionários se sentem mais envolvidos na estratégia, se comportam mais como “donos do negócio”, agem com mais “senso de propriedade” e ficam atentos e curiosos ao que pode impactar a organização da qual eles fazem parte.

Processo de criação de inteligência: Em vez de ficar preso na antiga ortodoxia de que só a diretoria precisa saber

mudança radicalRepresentação do modelo ”Cynefin framework” mostra como o contexto alterou radicalmente a atuação dos líderes durante as tomadas de decisão

Fonte: adaptado de Snowden & Boone, 2007

Cynefin framework

comPlexo

caótico

Contexto não linear,impreviSível

Contexto não linear,

impreviSívelnão há padrõeS

Contexto linear, previSível e SofiStiCado

Contexto linear,previSível

comPlicado

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disso ou aquilo, “estrategizar” significa criar, incentivar e promover o Q.I. coletivo da empresa. Os funcionários passam a se questionar, pensar no futuro e ter ideias não apenas durante as horas de trabalho, mas também indo e voltando para casa, enquanto fazem compras e no fim de semana. Isso acontece não porque são workaholics sob pressão, mas porque estão engajados. No nosso trabalho sempre constatamos que existe uma relação muito forte entre clareza e energia. Com mais clareza estratégica, a energia dos funcionários é multiplicada.

Processo de desenvolvimento: Todos nos lembramos da história que circulava sobre motivação nos anos 1980. Nos tempos da Idade Média, um nobre francês viu um grupo de homens trabalhando sem muita energia e per-guntou: “O que vocês estão fazendo?”. Os homens respon-deram de maneira educada, mas sem muita garra: “Gentil homem, estamos lapidando pedras”. Mais adiante, o nobre avistou outro grupo que fazia o mesmo trabalho,

mas com paixão, alegria e energia. Aproximou-se e fez a mesma pergunta: “O que estão fazendo?”. E a resposta veio rápida: “Vossa Senhoria, estamos construindo uma catedral!”. Liderados que realmente entendem como o trabalho deles se encaixa no propósito superior da em-presa são muito mais motivados.

É evidente que a diretoria terá de continuar a fazer o seu trabalho, planejando as estratégias da organização, mas isso não será suficiente. As empresas que criarão as rupturas de amanhã só conseguirão fazer isso se todos estiverem focados em “escanear a periferia”, pensar no

Em vez de depender apenas de uma diretoria fazendo seu dever de casa a cada um, dois ou três anos, o processo de ”estrategizar” é constante e engaja toda a organização

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futuro, achar novas ideias, novas maneiras, novos pro-cessos, novas soluções. O processo de “estrategizar” é fundamental para criar essa cultura.

Organismo vivoSerá que o corpo humano precisa de planejamento estra-tégico para nos levar a viver? A melhor analogia para a organização da Open Source Economy é o corpo humano. As empresas do futuro serão muito mais orgânicas do que organizadas.

Segundo os neurocientistas americanos Antonio Damásio e Joseph LeDoux, o cérebro humano recebe até 11 milhões de informações por segundo, mas consegue processar, conscientemente, apenas... 50! Isto pode ser chamado de sobrecarga de informação, mas nosso corpo aguenta e nos mantém vivos. Isso acontece por alguns motivos descritos a seguir.

Primeiro, porque no corpo humano senioridade não significa superioridade! O cérebro não é o único líder do corpo, porque depende do coração. O coração não sobre-vive sem o estômago, que morreria sem os pulmões etc. Num organismo, todos os órgãos são interdependentes e estão alinhados através de um objetivo comum: manter-nos vivos e em boa saúde.

É importante ressaltar que o planejamento estratégico pertence ao antigo modo organizacional, cujo discurso é “plan and engage” (planejar e engajar), em vez de “engage and plan”. Andy Grove, um dos fundadores da Intel, dizia que o erro mais frequente dos líderes era exatamente fazer a primeira opção (plan and engage), que pertence à cultura do planejamento estratégico tradicional, em vez de optar pelo segundo caminho (engage and plan), que tem tudo a ver com a ideia de “estrategizar”.

Ter um senso de propósito claro e compartilhado é fundamental para que as empresas possam engajar em primeiro lugar, confiantes de que as pessoas farão o ne-cessário para adaptar suas próprias estratégias àquilo que for importante e benéfico para a organização.

Outro motivo é que, no corpo humano, cada órgão recebe um feedback permanente sobre o contexto onde o corpo se encontra e como esse órgão está se compor-tando em relação ao propósito superior. As organizações clássicas, que ainda vivem sob uma hierarquia pesada e burocrática, não têm essa transparência. Um time que entende o propósito superior da organização, e recebe o feedback constante sobre como está posicionado em rela-

ção a esse propósito, tentará mais fortemente se superar.Essa interdependência dos órgãos do corpo humano

faz com que todos reajam rapidamente. O cérebro clara-mente coordena, atribuindo recursos diferentes a uma ação ou reação, mas a conectividade dos órgãos assegura uma grande agilidade e velocidade de ação. Na empresa de amanhã, se os silos, os guetos e a falta de conexão entre departamentos e pessoas retardarem a troca de informações inibindo uma resposta rápida, a empresa, rapidamente, estará ultrapassada. Politicagem, brigas de poder e falta de confiança têm uma causa em comum: a falta de conexão direta entre as pessoas.

Então, o planejamento estratégico é uma ferramenta de dinossauro? Provavelmente não. Como falamos, o cérebro humano continuará coordenando a ação dos vários órgãos. Mas com uma capacidade de tratar 50 informações por segundo, enquanto o meio ambiente o inunda com 11 milhões, o pobre cérebro precisa de ajuda. O planejamento estratégico provavelmente corresponde a esses 50 bits tratados a cada segundo. Mas, se o restante do corpo não ajudar, será rapidamente mais um caso de “paralisia da análise”. Por isso, da mesma maneira que o corpo humano desenvolveu uma estratégia para lidar com isso (baseada na interdependência, no propósito superior, no feedback permanente e na conectividade), as organizações terão de recolocar o planejamento estra-tégico ao seu lugar (40 x 11 milhões). É mais importante desenvolver um novo estilo de liderança conectada e simples, que convida os funcionários para um amplo e contínuo processo de “estrategização”, numa empresa mais orgânica do que organizada.

Didier Marlier Sócio-fundador da rede de consultores Enablers Network, foi professor

na Fundação Dom Cabral, Insead (França) e Nyenrode (Holanda)

Marcelo C. Pontes (Jimmy) Doutor em administração e marketing pela FEA/USP, líder da área

de marketing, pesquisa e economia da ESPM-SP, diretor da Brand Leader Comunicação e Marketing e consultor da Enablers Network

Politicagem, brigas de poder e falta de confiança têm uma causa em comum: a falta de conexão direta entre as pessoas

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cultura organizacional

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O alinhamento da cultura da empresa com a sua estratégia é fator crítico para o sucesso do planejamento. Gerenciar a cultura com metodologia e não deixá-la correr ao acaso é uma opção estratégica da liderança

A tualmente, é indiscutível a importância de um processo de planejamento estratégico para as grandes empresas. O cenário de alta volatilidade que vivemos aumenta o

seu desafio, mas pouco se discute se é devido ou não a dedicar tempo e recursos a essa agenda. Está claro que a velocidade de mudança dificulta a elaboração milimétrica de cenários futuros, o que não diminui o valor desse exercício.

A questão crítica que se coloca atualmente é outra. A pergunta é: por que planos tão bem elaborados, resultado de processos intensos e profundos, conduzidos por pro-fissionais de primeira linha, muitas vezes não saem do papel para virar realidade nas organizações?

De alguns anos para cá, a aderência da cultura orga-nizacional aos imperativos estratégicos das empresas começa a ser apontada como um dos fatores-chave para o sucesso ou fracasso dos planos.

A Apple, com sua cultura de inovação, a excelência da Toyota e a simplicidade do Google são exemplos de em-presas nas quais esse alinhamento acontece. Esse tipo de posicionamento provoca uma série de discussões sobre até onde a gestão cultural é capaz de provocar impactos nos resultados.

A questão-chave que se apresenta aos gestores de plane-jamento estratégico, atualmente, é como tornar realidade todas aquelas metas, oportunidades e desafios tão bem detalhados nos planos de ação. Mudanças conjunturais à parte, diversas pesquisas apontam que o fracasso da maioria dos objetivos definidos nos planejamentos vem da dificuldade das organizações em implementá-los. Segundo

o professor Todd Jick, a articulação da visão representa 10% do trabalho e sua implementação, 90%. Ou seja, uma ideia não é quase nada sem uma execução exemplar.

Bem, não existe execução sem pessoas. E onde houver mais de uma pessoa trabalhando em conjunto, já há uma cultura organizacional, que pode favorecer ou dificultar a implementação dos objetivos. Logo, a correlação entre cultura e sucesso do planejamento estratégico é quase de um para um. Simples assim.

Certa vez, estávamos no meio de um longo processo de planejamento estratégico e de marca no Banco Real, quan-do um membro da equipe lançou um questionamento: “Por que mesmo perdemos tanto tempo nestes processos de planejamento, se sabemos que, na prática, será feito tudo de forma diferente?”. Uma das gerentes prontamente respondeu: “Porque a gente planeja, planeja e planeja, para na hora da verdade saber improvisar melhor”.

A grande sabedoria dessa frase não está, de maneira alguma, em aceitar uma regra do improviso, como se a aleatoriedade fosse fator inexorável, mas na afirmação de que é possível “improvisar melhor”.

Afinal, ouve-se muito nas empresas que “o papel aceita tudo”. E é verdade. O planejamento estratégico

Cultura e estratégia: um alinhamento necessário

Por Susana Arbex de Araujo

“Um plano tem pouco valor se a organização a que se destina

não é capaz de executá-lo”Russell Lincoln Ackoff

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cultura organizacional

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dá a diretriz, mas não consegue antever todas as possí-veis situações de desdobramento da estratégia, em um ambiente cada vez mais complexo, interconectado e mutante. Significa dizer, em outras palavras, que, quando falamos do ambiente em geral, está cada vez mais difícil “combinar com os russos”.

Por isso, o planejamento não deve ser visto como um fim em si mesmo, mas como o passo inicial de uma longa jornada. E para que essa jornada seja bem-sucedida, é fundamental que a empresa tenha uma cultura alinhada à sua estratégia, que seja capaz de fazer o plano acontecer, sair do papel e ganhar vida.

Mas, se as pessoas não se identificarem com as ideias do plano e “cruzarem os braços”, adeus estratégia... Não é raro observarmos situações nas quais, ao terminar um ciclo de planejamento, as pessoas voltam às suas rotinas e conti-nuam se comportando exatamente como antes. As forças do hábito e da cultura são poderosas. E não dá para esperar um resultado diferente fazendo tudo igual. Se queremos resultados diferentes, precisamos fazer algo diferente. Parece óbvio, mas nem sempre é assim que acontece. Como disse Mark Fields, presidente da Ford Motors Company nos

Estados Unidos, “a cultura devora a estratégia no café da manhã” (“Culture eats strategy for breakfast”).

Então, na prática, o que significa esse alinhamento? Significa agir intencionalmente na cultura, identifi-cando e intervindo nas dimensões que jogam contra a implementação da estratégia e estimulando aquelas que jogam a favor. Essa gestão, feita por meio de metodologias específicas, vem sendo experimentada com sucesso por diversas empresas. A liderança, portanto, pode e deve ge-renciar ativamente a cultura de suas empresas. Afinal, a cultura existirá de qualquer modo. Gerenciá-la ou deixá-la ao acaso é uma opção estratégica.

Apesar de cada vez mais frequente, a referência à cultura ainda é feita muitas vezes de modo subjetivo, sem um con-

a cultura de uma empresa pode ser definida como o padrão de comportamentos que são encorajados ou desencorajados pelas pessoas e sistemas ao longo do tempo

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torno claro, às vezes tomando-se a parte pelo todo. Por exem-plo, ações como team buildings, projetos de comunicação interna e elaboração de valores, que são importantes para fortalecer e manter a cultura, mas não esgotam a questão na sua profundidade, por vezes são chamados de projetos de cultura. Cultura é tudo isso também, mas é ainda mais.

A cultura de uma empresa pode ser definida como “o padrão de comportamentos que são encorajados ou desen-corajados pelas pessoas e sistemas ao longo do tempo” (Ned Morse), ou, de modo prático, “o jeito como fazemos as coisas por aqui”. Isso equivale a dizer que são as mensagens implí-citas que formam a cultura, fazendo as pessoas entenderem qual o comportamento esperado e valorizado naquela organização e repetindo esse padrão. Essas mensagens são enviadas por meio de ações da liderança, de símbolos (como alocação de tempo e dinheiro) e de sistemas.

Quando uma empresa dá clareza aos funcionários de qual o norte desejado (planejamento estratégico) e com base em que valores eles podem tomar decisões (cultura), algo muito interessante acontece: forma-se um escudo que protege a essência da empresa das turbulências do cenário e garante a coerência na execução dos planos. Apostar no fortalecimento da cultura significa ter co-erência com os valores que guiam a empresa. Mas não são aqueles valores que só existem nas belas palavras dos quadros na parede, que muitas vezes somente se sustentam por um prego. São os valores que de fato ser-vem de balizadores para a tomada de decisão no dia a dia daquela organização. O que ela vai priorizar na hora de fazer escolhas. Significa alinhar o que a empresa diz, o que ela faz e aonde ela quer chegar com quem ela é. Em outras palavras, ter a marca, a cultura e a visão em sintonia com a identidade empresarial.

Agir de acordo com o que se fala consolida o entendi-mento dos objetivos e da essência da empresa. E esse é o ativo, é a caixa de ferramentas da qual as pessoas, quando empoderadas, vão lançar mão, nas diversas situações em que se encontrarem representando a empresa. Situações que tantas vezes fogem dos manuais e dos planos de ação, mas que podem ter alto impacto nos resultados.

Um ótimo exemplo desse alinhamento acontece na Zappos, uma loja on-line de calçados. O alinhamento entre cultura e marca começa na seleção, na qual se avalia a aderência dos valores da pessoa aos da empresa, passan-do por um intenso período de adaptação e compartilha-mento expresso do seu conjunto de valores. O resultado

está na atitude dos funcionários, que é a franca expressão da essência da empresa, claramente reconhecida pelos consumidores e pelo mercado. O mesmo se dá com a Southwest, companhia aérea americana de baixo custo, na qual os funcionários têm autonomia para resolver os problemas dos clientes na hora em que eles ocorrem, ge-rando uma fidelidade de marca ímpar nesse segmento. Ou ainda na Apple, onde um pensamento comum costumava ser “o que Steve Jobs faria nessa situação?”

Por isso, concordamos profundamente com Mary Jo Hatch e Majken Schultz, autoras de diversos livros sobre o assunto, quando afirmam que a cultura é um parceiro silencioso na construção de uma marca. Nessa linha, podemos pensar em diversas situações: um engenheiro deslocado para uma obra no interior; um garçom diante de um cliente em uma situação constrangedora; um aten-dente interagindo em um atendimento on-line com um cliente... Cada vez mais, as marcas se constroem na ponta, na interação entre pessoas.

Não gerenciar cultura significa deixar essas interações ocorrerem ao sabor do vento, e correr o risco das pessoas agirem de modo desalinhado dos valores centrais da empre-sa. Que o digam a Enron, Arthur Andersen, Goldman Sachs, entre tantos outros casos que hoje, devido à tecnologia e às mídias sociais, ganharam uma visibilidade exponencial.

Vivemos um tempo, portanto, no qual o controle passa a dar lugar ao aprendizado coletivo e à aceitação de uma maior diversidade de caminhos para um mesmo fim. Planejar nesse cenário não é, portanto, engessar. Não é ter a ingênua expectativa de controlar o incontrolável.

Planejar significa conduzir um processo maduro de compartilhamento de direção, de empoderamento dos indivíduos e de gestão da cultura organizacional. É assim que são construídas marcas fortes, com resultados susten-táveis, minimizando atritos e custos invisíveis. Ou, como diria aquela sábia gestora, é assim que se improvisa melhor.

Susana Arbex de Araujo Sócia-executiva da consultoria ATMA – Cultura e Marca

a cultura existirá de qualquer modo. gerenciá-la ou deixá-la ao acaso é uma opção estratégica

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Para aprender é preciso estar com a mente aberta

Entrevistado por Alexandre Teixeira

A scensão e queda do planejamento estratégico. Este é o título de um livro do acadêmico canadense Henry Mintzberg que fez sucesso nos meios empresariais de todo o mundo nos anos 1990. Nesse texto, Mintzberg, um dos principais pensadores contemporâ-

neos da administração, aponta uma contradição na própria expressão que dá nome à obra, que foi publicada no Brasil em 2004, pela Bookman Editora. A estratégia, observa ele, não pode ser planejada, porque planejamento é análise e estratégia é síntese. Daí os fracassos dos planejadores estratégicos.

Esse trabalho de Mintzberg foi originalmente publicado na edição de janeiro e fevereiro de 1994 da revista acadêmica Harvard Business Review. O ponto a destacar é que tal texto já tem mais de 18 anos. Sua maioridade sugere que as definições simples oferecidas por Mintzberg sobre liderança e modelos estabelecidos de pensamento estratégico merecem uma revisão. É natural que seja assim, sobretudo porque esse é um livro de história – a his-tória do planejamento estratégico desde suas origens, nos idos de 1965.

Fotos Owen Egan

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entrevista | henry mintzberg

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Há muita teoria ali. E também uma visão prática de como as organi-zações funcionavam na primeira metade dos anos 1990 ou “como os gestores estão ou não à altura desse funcionamento; também como nós, seres humanos, pensamos e às vezes paramos de pensar”, conforme escre-veu Mintzberg.

É um texto clássico sobre um pro-cesso que fascina organizações. Em especial as americanas e, por tabela, as empresas de boa parte do Ociden-te. Não obstante, entre as ferramen-tas utilizadas nos processos de ges-tão, típicos dos anos 1990, algumas parecem datadas, como a gestão da qualidade total. Outras, definitiva-mente, envelheceram mal, como o conceito de reengenharia. Que dizer do planejamento estratégico?

Lembre, porém, que, em seu livro, Mintzberg criticou, agressivamente, muitas das práticas associadas ao planejamento estratégico. Em espe-cial, aquilo que chamou de fórmulas prontas do planejamento.

Com a refundação do capitalismo em pauta desde a crise de 2008, é interessante discutir a dicotomia en-tre as premissas e diretrizes do pla-nejamento estratégico e a extrema mutabilidade social e econômica dos nossos dias. Para que serve um plano estratégico em 2012? O que justifica a sua preparação?

Há ainda o fator humano, inevita-velmente presente na implantação de um plano. Em tempos de gritaria global contra bônus milionários e gatos gordos do mundo corporativo, é interessante analisar a figura do CEO, tratando de sua liderança, sua capacidade de gestão e de estimular,

motivar e orientar as pessoas que o cercam. Há quem diga que a gestão dos detalhes é tão ou mais importan-te que as diretrizes de longo prazo – e também aqueles que juram que o “microgerenciamento” destrói até o melhor dos planos.

Henry Mintzberg esteve no Rio de Janeiro no início de outubro deste ano e, mais crítico do que nunca, conversou sobre planejamento es-tratégico com a Revista da ESPM. Confira os melhores momentos da entrevista.

Alexandre – Seu livro sobre planeja-mento estratégico está perto de com-pletar 20 anos. Será esta uma boa hora para revisitá-lo?

Mintzberg – É sempre uma boa hora para revisitá-lo, porque não há muita gente que o leve a sério.

Alexandre – O senhor acha que não?

Mintzberg – Algumas pessoas le-vam a sério, mas muita gente não entende a questão [planejamento estratégico], embora não possa falar sobre o Brasil, obviamente. A única coisa que sei sobre o mercado brasi-leiro é que as pessoas nas empresas

tendem a ser bem mais adaptáveis do que nos Estados Unidos.

Alexandre – Por que o senhor tem essa sensação?

Mintzberg – A história do país faz com que o povo se comporte dessa forma. As pessoas têm de ser mais adaptáveis, porque os desafios são maiores. Precisam ter a capacidade de “quebrar um galho”. Trata-se de achar um meio de lidar com uma circunstância difícil, seja a ditadura militar, a questão da pobreza, o pro-blema do racismo ou o que quer que seja. Sempre houve desafios. O Brasil lidou e vem lidando muito eficaz-mente com esses desafios.

Alexandre – Já em 1994, quando publicou seu livro, o senhor fez uma crítica profunda em relação ao pla-nejamento estratégico. O que está envelhecendo melhor: o planejamento estratégico em si ou sua crítica a ele?

Mintzberg – Depende do que você quer dizer com planejamento estra-tégico. Você pode fazer o que quiser e chamar de planejamento estratégico. Pode passar um fim de semana no campo discutindo estratégia e chamar isso de planejamento estratégico. Qua-se sempre há processamento de núme-ros, mas todos esses dados raramente levam a uma estratégia. Muito do que chamam de planejamento estratégico é programação de estratégia. É pegar a estratégia que você já tem – em geral porque não é hábil o bastante para criar uma nova – e apenas convertê-la em orçamentos. Isso não tem nada a ver com a criação de uma estratégia.

“Temos uma imagem preconcebida do

que é planejamento estratégico: um monte

de gente se tranca numa sala e sai dela com uma estratégia”

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Alexandre – Então, como se daria o verdadeiro processo de criação de uma estratégia?

Mintzberg – Meu a rg u mento é, basicamente, que a estratégia não surge de um processo formal de pla neja mento. Vem de u m pro -cesso de aprendizado. As pessoas aprendem seus caminhos para a estratégia. Elas não acham seus caminhos para a estratégia. Então, se você chamar o aprendizado de pla neja mento est ratégico, t udo bem. Mas nós temos uma imagem preconcebida do que é planejamen-to estratégico: um monte de gente se tranca numa sala e sai dela com uma estratégia. O que eu estou di-zendo é que a estratégia não nasce assim. Nasce do aprendizado.

Alexandre – O senhor pode dar um exemplo de como esse aprendizado se dá?

Mintzberg – Não posso me aprofun-dar agora, porém a Ikea, uma grande rede varejista de móveis, é um caso interessante. Ela vende móveis des-montados, que você põe no carro e leva para casa. A ideia veio quando um trabalhador tentou colocar uma mesa em seu carro e não pôde tirar as pernas dela para fazê-la caber no porta-malas. Alguém disse “se ele fez isso [tentou tirar as pernas da mesa para transportá-la por conta própria], talvez os clientes também o façam”. Foi daí que veio a estraté-

gia. O processo não surgiu de um bando de gente importante dentro de um escritório.

Alexandre – Esta ideia de que estraté-gia é algo que se aprende na prática era verdadeira em 1994 e ainda parece ser hoje. Porém há algumas questões novas a enfrentar, como a tecnologia, que faz tudo acontecer mais rápido.

Mintzberg – Sei, e se você tinha uma empresa no Brasi l durante o período de controle militar, as coisas eram estáveis? Que tal a Se-gunda Guerra Mundial? E a Grande Depressão? Fala sério. A ideia de que vivemos uma era de mudanças como nunca houve é uma bobagem que a imprensa perpetra. Sabe quão para trás essas alegações vão? Ao menos 50 anos. Na verdade, muito mais. Posso lhe mostrar uma cita-ção da [revista] Scientific American, em 1867, que diz que nunca antes experimentamos tanta mudança.

Alexandre – Ok. Mas não lhe parece que o próprio ritmo das mudanças está acelerando?

Mintzberg – Há coisas mudando agora, sem dúvida. A economia está mudando muito. A tecnologia tam-bém. Mas nem tudo. Os automóveis basicamente ainda são movidos por motores de quatro ciclos de combus-tão interna. Eles estavam no Modelo T [o famoso “Ford Bigode”, primeiro carro do mundo a ser produzido em série]. Roupas? Como você ainda está usando algodão se o mundo está mu-dando tão rápido? Você abotoou sua camisa esta manhã logo depois de

Para atender a demanda de mercado, a rede de lojas Ikea mudou seu posicionamento

“A estratégia não vem de um processo formal

de planejamento. Vem de um processo

de aprendizado. As pessoas aprendem

seus caminhos para a estratégia”

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acordar? Como você ainda usa essa tecnologia? Fala sério. É do interesse da imprensa alegar que há mudanças como nunca antes. Mas algumas coi-sas estão mudando, e outras não.

Alexandre – As mudanças tecnológi-cas me parecem mais relevantes para as empresas...

Mintzberg – Vamos ser específicos. Você quer falar da tecnologia do iPhone? Ok. A tecnologia de telefo-nes está mudando. Mas os laptops não têm mudado tanto. Estão um pouco mais rápidos, mas ainda fa-zem o mesmo tipo de coisa. Eu não engulo essa premissa. Não acho que no período de 1994 para cá mudou alguma coisa fundamentalmente.

Alexandre – Então, suas críticas ao pla-nejamento estratégico estão mantidas?

Mintzberg – Se vivemos tempos de maiores mudanças, como você pa-rece acreditar, há ainda mais razões para que não se possam planejar estratégias. Primeiro, porque não podemos prever o futuro. Segundo,

porque, se você não pode sossegar em uma estratégia, você precisa ser adaptável. Então, há uma nova razão para não fazer o planejamento estratégico.

Alexandre – Se tivesse que reescrever seu livro sobre planejamento estraté-gico, o senhor mudaria alguma coisa?

M i nt zberg – P rec i so d a r u m a olhada no livro, não faço isso há tempos. Mas, em princípio, a úni-ca mudança que eu faria seria tra-zer novos exemplos de por que o planejamento estratégico não fun-ciona. Ou, mais especificamente, de por que gra ndes est ratégias surgem do processo de aprendiza-do. Como o exemplo da Ikea.

Até hoje, a indústria automobilística ainda produz veículos movidos pelo mesmo sistema utilizado no Ford T, de 1908

“A ideia de que vivemos uma era de mudanças como nunca houve é uma bobagem que a imprensa perpetra. Sabe quão para trás essas alegações vão? Ao menos 50 anos”

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Alexandre – Hoje, o papel dos CEOs no planejamento estratégico é o mesmo de décadas atrás?

Mintzberg – Está mais claro hoje do que nunca. O Bear Stearns [banco de investimento de Nova York, que quebrou no início da crise financeira de 2008] fazia planejamento estratégico. O Lehman Brothers [outro banco de inves-timento de Nova York, cuja falência levou a crise ao ápice] fazia planejamento estratégico. Esses bancos eram con-trolados por tecnocratas financeiros e acabaram devastados.

Alexandre – O senhor acha que isso vai mudar depois da crise?

Mintzberg – Você mesmo pode res-ponder à pergunta. O que mudou? E já se passaram quatro anos inteiros. O problema está enraizado muito mais profundamente do que parece. É um problema político. O mundo corpora-tivo – empresas de energia, indústria farmacêutica, o setor militar e o seg-mento financeiro – está totalmente no controle dos governos americano e britânico. Eles gostariam de controlar todos os governos. Esse é o problema.

Alexandre – Que processos de apren-

dizado os gestores de hoje deveriam es-tar usando para formular estratégias?

Mintzberg – Não acho que exista uma fórmula para aprender. É ape-nas uma questão de abertura e habi-lidade para ouvir.

Alexandre – O que é preciso para de-senvolver essa habilidade de ouvir?

Mintzberg – Uma cultura aberta, que respeite ideias e assuma que elas podem vir de qualquer lugar. Uma cultura que encoraje as pessoas a ter ideias e depois encoraje o sistema a levar essas ideias adiante. Aprender não é nenhum processo mágico; basta estar com a mente aberta.

Alexandre – Até que ponto se pode ir quando se trata de mudar um plano estratégico sem comprometer aquilo que

você passou semanas ou mesmo meses formulando?

Mintzberg – Não há fórmula para fa-zer coisa alguma em administração. As fórmulas são o problema, e não a solução. Não há fórmulas. Apenas ideias e treinos que você pode fazer para pensar sobre as coisas. Quanto ao desafio de adaptar um plano sem comprometer sua essência, bom, às vezes é preciso comprometê-la. Se a sua estratégia é ruim, você terá de comprometê-la.

Em 2008, o Lehman Brothers pediu concordata, o que agravou a crise nos EUA

O mundo corporativo – empresas de energia, indústria farmacêutica,

o setor militar e o segmento financeiro – está totalmente no

controle dos governos americano e britânico”

“Não há fórmula para fazer coisa alguma

em administração. As fórmulas são

o problema, e não a solução”

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Odesenvolvimento da tecnologia e a glo-balização favoreceram diversas fusões e aquisições de empresas, que desencadearam transformações mundiais na estrutura,

nos processos e no perfil dos profissionais que nelas trabalham. Uma consequência dessa evolução é que ela requer, desde a soma de novas habilidades até um novo perfil de líderes organizacionais, sendo esses, hoje, peças fundamentais na gestão dos negócios.

No Brasil e no mundo, nunca se falou tanto em lide-rança como nas últimas décadas. Impulsionadas pela globalização, empresas transnacionais instaladas no Bra-sil estão colaborando para a formação de um novo perfil profissional para gestores brasileiros. As mudanças que derivam desse cenário passam a exigir dos profissionais conhecimentos e aptidões diferenciados para atuarem no ambiente contemporâneo de negócios. Na busca de gesto-res que apresentem o novo perfil, as empresas veem-se sob uma nova pressão: recrutar, treinar e desenvolver líderes capazes de atender às demandas desse mercado e gerentes que deleguem mais.

Dentre tantas habilidades a serem desenvolvidas, é difícil saber quais são as mais importantes para obter sucesso. Observar os perfis que distinguem os grandes líderes e entender quais as características comuns na personalidade deles é fundamental na busca do aprimo-ramento e desenvolvimento profissional.

Com o objetivo de descobrir tais particularidades, realizei uma pesquisa com 427 líderes de 249 grandes empresas, com idade entre 25 e 56 anos. Como critério de inclusão foi utilizado o quesito trabalhar em empresas com, no mínimo, um ano de experiência em cargos de

gestão. Esse estudo foi premiado em congressos interna-cionais, dado o grau de relevância que adquiriu.

Dos 427 líderes pesquisados, 73% possuem curso supe-rior, 20% são pós-graduados e apenas 7% têm somente o ensino médio. A grande maioria dos líderes organizacio-nais é do sexo masculino (77%), ante 23% de mulheres. Os entrevistados têm entre 25 e 56 anos de idade. O tempo mé-dio de permanência desse público nas empresas é de 12,95 anos, sendo que eles ficam em média 8,36 anos no cargo.

Adotei nesse levantamento o modelo dos Cinco Gran-des Fatores, ou Big Five, como é mais conhecido, um instrumento psicológico construído para a avaliação da personalidade. Mas o que é personalidade? A persona-lidade é uma construção pessoal formada ao longo da

A personalidade dos grandes líderesPor Simoni Missel

Um novo perfil de liderança para o mundo corporativo do século 21

Raio X da lideRançaLevantamento feito com 427 Líderes organizacionais de 249 empresas aponta o perfiL dos grandes Líderes do mundo corporativo

• 73% possuem curso superior • 20% são pós-graduados • 7% têm somente o ensino médio • 12,95 anos – tempo médio de permanência nas empresas• 8,36 anos – tempo de experiência no cargo• 77% homens e 23% mulheres• Idade entre 25 e 56 anos

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vida e tem seus alicerces no meio social em que estamos inseridos, sendo também resultado de nossa história de vida, isto é, da forma como sentimos e interagimos com as nossas experiências. Um indivíduo pode agir e pensar diferentemente de outro em situações diversas, indican-do que o comportamento pode ser variável de pessoa para pessoa. As características de personalidade indicam uma dimensão das diferenças individuais e padrões de pensamento, sentimentos e ações do indivíduo.

Dessa forma, cinco características de personalidade foram analisadas: socialização; extroversão; abertura às novas experiências; realização; e instabilidade emocional.

Entre os perfis mais desenvolvidos nos líderes organi-zacionais, está a Socialização (m = 5,65 e DP = 0,48), que avalia a qualidade e o tipo das relações interpessoais

dos líderes. O resultado apresentado indica uma boa capacidade de convivência social. Esse perfil é formado pelas características de personalidade: amabilidade, pró-sociabilidade e confiança nas pessoas.

Em segundo lugar está a Realização (m = 5,46; DP = 0,61), que mede o grau de organização, pontualidade, persistência, controle e motivação, bem como motivação para o sucesso, perseverança, capacidade de planeja-mento de ações em função de uma meta. Esse perfil é formado pelas seguintes características de personali-dade: competência, ponderação e empenho.

A terceira característica da personalidade com maio-res escores é a Extroversão (m = 4,77; DP = 0,70). Está relacionada ao modo como as pessoas interagem com os demais e indica o quanto elas são comunicativas, ativas, assertivas, responsivas e gregárias. No contex-to do trabalho e das organizações, essa característica tem se mostrado uma variável bastante valorizada. A extroversão está relacionada com uma tendência à lide-rança. É formada pelas características de personalidade: comunicação, altivez, dinamismo e interações sociais.

A instabilidade emocional (m = 2,55; DP = 0,56) aparece como um dos perfis menos desenvolvidos nos líderes organizacionais. É um atributo relacionado às caracterís-ticas emocionais das pessoas. Também se refere à habili-dade de resiliência, habilidade de lidar com as diferenças

entre os perfis mais desenvolvidos nos líderes organizacionais, está a socialização, que avalia a qualidade e o tipo das relações interpessoais dos líderes

PeRfil do lídeRestudo aponta as características de Liderança mais marcantes no mercado brasiLeiro

• seguir regras• ser persistente• sentir-se útil e cooperativo• ser comunicativo• ser ativo• ser assertivo• ser gregário• ser compreensivo e empático• ter atitude ativa na busca de objetivos • saber que é preciso fazer alguns sacrifícios pessoais para obter os resultados esperados• acreditar na sua capacidade para realizar atividades difíceis e importantes

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individuais e como se comportam nessas situações. Esse dado aponta que os líderes estudados apresentam-se menos instáveis emocionalmente e costumam ter um controle emocional em momentos de tensão. As carac-terísticas de personalidade que compõem este perfil são: vulnerabilidade, passividade e depressão.

Outra característica pouco desenvolvida entre o público pesquisado é a abertura às novas experiências (m = 4,60; DP = 0,58), que está relacionado à curiosidade e à importân-cia dada às novas experiências, tendo como características de personalidade: o interesse por novas ideias, o libera-lismo e a busca por novidades. Em uma época de culto à

inovação, é importante observar tal resultado. Na área organizacional, isso significa que, quanto maior a abertura às novas experiências, menor o comprometimento com a organização. Esse resultado sugere que os líderes estuda-dos, apesar de serem cobrados por inovações, tendem a ser mais conservadores.

As características de lideranças mais marcantes apontadas neste estudo foram: seguir regras; ser persis-tente; sentir-se útil e cooperativo; comunicativo; ativo; assertivo; gregário; compreensivo e empático; ter atitude ativa na busca de objetivos e consciência de que é preciso fazer alguns sacrifícios pessoais para obter os resultados esperados; e acreditar na sua capacidade para realizar atividades difíceis e importantes.

Simoni MisselDiretora da Missel Capacitação Empresarial, executive coach,

psicóloga, consultora de carreira e professora da ESPM

as características de personalidade indicam uma dimensão das diferenças individuais e padrões de pensamento, sentimentos e ações do indivíduo

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gestão de pessoas

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Dizer que os funcionários são resistentes à mudança é talvez uma forma de defender o autoritarismo e a ausência de diálogo como inevitáveis. Talvez isso só interesse aos detentores do poder nas organizações. Mas é possível fazer diferente

S e tomarmos como ponto de partida a chegada do milênio, podemos dizer que, em todo o globo, as transformações foram profundas. Quem poderia imaginar que, em doze anos, a vida das pessoas

seria transformada pela internet da forma como foi? Quem diria que o ensino a distância, incipiente na época, se tornaria algo comum e usado não somente por quem está longe, mas por quem não tem tempo a perder? E as redes sociais? Quem poderia prever que pessoas quisessem ser rastreadas num sábado à noite por meio do seu celular? E quem diria que alguém desejaria compartilhar cada passo da sua existência com um grupo de pessoas, a turma da sua rede social? Enfim, a tecnologia foi permeando nossa existência e alterando comportamentos. A comunicação pessoal se intensificou e se expandiu. A participação das pessoas ganhou status de verdade: o rádio-jornal da manhã deve ter talvez 40% do seu tempo dedicado às notícias do trânsito trazidas pelos ouvintes.

Porém, se no plano pessoal tudo mudou, a sensação é que, nas empresas, o que tínhamos visto até a virada do milênio não se transformou com a mesma intensidade. A estrutura de poder continuou sendo predominantemente piramidal. A prática do “manda quem pode e obedece quem tem juízo” é o modelo de gestão predominante, e a organização matricial foi “entortada” para comportar den-tro dela as formas do relacionamento piramidal. Embora estimuladas, as comunicações laterais são incipientes e, no plano das decisões, a chefia vertical conversa com a horizontal e decide o que as pessoas deverão fazer. As relações ficam dessa forma mais complexas. Quem está na linha de frente se sente agora com dois chefes, com uma autonomia ainda menor, olhando com descrença as sugestões das chamadas áreas-suporte que, por sua vez, não se sentem com autonomia suficiente para promover

alterações nos processos da organização, tal como imagi-navam que deveriam fazer.

Enquanto o diretor da linha de negócios debate cada decisão com o diretor da estrutura matricial de apoio, am-plos contingentes de pessoas, aquelas que estão em contato com clientes e que definem a real qualidade dos produtos e serviços, ouvem as reclamações, mas, para evitar que erros sejam cometidos e que terminem por perder seus empregos, preferem não mudar e não sugerir nada de novo, embora as informações sejam muitas e proveitosas. Ou melhor, seguem o protocolo sem avisar que há defasagem entre aquilo que o cliente deseja e o que a empresa oferece.

As modernas organizações em rede, cuja estrutura se modificaria na medida da necessidade dos projetos, onde não existiria uma hierarquia formal, mas somente níveis de alçada para aprovar despesas e fazer investimentos, totalmente desconectados de uma estrutura organizacional fixa, permanecem talvez como uma utopia sempre prestes a se realizar, mas sem nunca se concretizar realmente. Ou seja, independentemente do tamanho, setor, origem do capital, tipo de negócio, as empresas mudaram muito pouco na primeira década do século 21.

Haveria necessidade de ser diferente? Não sei. Porém é ampla a literatura que atribui a dificuldade em mudar à resistência das pessoas que estão espalhadas pela empresa, participando da comercialização e entrega dos produtos e serviços. Há inclusive afirmações de que os funcionários resistem, subvertem e entravam a mudança.

Como pode essa afirmação ser verdadeira se foram justa-mente as pessoas mais desprovidas de poder, em especial as mais jovens, que melhor aceitaram as mudanças profundas trazidas pela tecnologia nas suas vidas?

Para contribuir com a polêmica, gostaria de considerar que, ao contrário de ser alguém que evita a mudança de

A ditadura do líder

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Por Célia Marcondes Ferraz

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gestão de pessoas

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forma generalizada, as pessoas mudam todos os dias e incorporam, na sua forma de pensar e de entender o mun-do, as novidades advindas das experiências vividas, dos conhecimentos adquiridos, do convívio com o outro e, seja em casa ou na empresa, no plano profissional ou pessoal, aceitam as mudanças e reconhecem as diferenças.

Pesquisas demostram que conhecimentos adquiridos nos cursos voltados ao desenvolvimento profissional nas empresas influenciam as ações no plano pessoal. Todos aqueles que conheceram os preceitos da qualidade total tentaram aplicar nas suas vidas o “faça certo da primeira vez”, ainda que isso contrarie a lei das probabilidades. Cursos que falam que as pessoas são diferentes porque têm personalidades distintas e, por essa razão, agem de forma diversa, contribuíram para trazer a paz entre pais e filhos, marido e mulher. Por que então imaginar que as pessoas resistem a fazer seu trabalho de outro modo?

Ideologia é o conjunto de crenças e valores de um grupo, mas é, também, uma forma de agir que visa perpetuar verda-des que interessam apenas a determinadas pessoas. A ideo-logia é transmitida por meio da linguagem, dos rituais e dos mitos e faz parecer natural o que é regido por um interesse particular. Não seria a crença generalizada de que as pes-soas da linha resistem à mudança uma forma de preservar hierarquias e formas institucionalizadas de comando que são do interesse maior das chefias? Se os chefes acreditam

que devem prosseguir nos modelos de gestão do passado, nada melhor do que dizer que as pessoas são resistentes e, portanto, se é preciso mudar, apesar delas, é necessário um rígido controle e quem não concorda é ameaçado com a perda do emprego. É dessa forma que o poder com base na intimidação se perpetua.

As recomendações sobre novas formas de gerir pessoas trocam o controle por participação, inserem no dia a dia das organizações o envolvimento, trocam o comando puro e simples, o “faça isso faça aquilo” por sensibilização e compartilhamento. Instituem o autocontrole, ou seja, com regras claras e com transparência, é possível imaginar que as pessoas são perfeitamente capazes de se autogerirem de forma madura. O ponto de partida é acreditar que nem todas as pessoas são más, preguiçosas e não se importam com os problemas da empresa. Certamente há pessoas boas e más, há quem tenha sido educado segundo valores que defendem

Não seria a crença generalizada de que as pessoas da linha resistem à mudança uma forma de preservar hierarquias e formas institucionalizadas de comando que são do interesse maior das chefias?

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o cumprimento das promessas, reconhecem o valor de um emprego e a responsabilidade de uma função. E certamente haverá outras que agem diferentemente. Não se trata de negar um tipo ou outro, mas de não aceitar um modelo de gestão fechado apenas porque há pessoas desonestas e não comprometidas.

O ganho quando se compartilham visões, conhecimen-tos, informações é tal, que não podemos defender a gestão hierarquizada e não participativa como necessária porque nem todas as pessoas merecem ter liberdade. Os estudos realizados pelo Great Place to Work Institute mostram, claramente, que as melhores empresas para se trabalhar apresentam retornos superiores para os acionistas. Ser um ótimo lugar para se trabalhar inclui respeito, confian-ça, regras claras e sempre cumpridas, além de orgulho de pertencer e da camaradagem. Ou seja, o clima e o estilo de gestão influenciam no retorno dos negócios.

Voltando às chefias, hoje ninguém aprende na escola que, ao assumir uma função de supervisão, é preciso controlar pessoas com mão de ferro. Pelo contrário, em todos os progra-mas de gestão de pessoas se ensina que liderar é influenciar pelo exemplo, é compartilhar visões e decisões. Portanto, os princípios da moderna gestão estão ao alcance de todos. Porém, há uma crença atávica do que é ser líder. A imagem

do pai todo-poderoso da “horda primitiva” imaginada por Freud que controlava os filhos e os privava do prazer, seria parte da explicação? Mas há também a lembrança do senhor de escravos, dono da vida e da morte daqueles que eram sua propriedade e que talvez nem tivessem alma. Há também a figura do patriarca, detentor do patrimônio da família que a todos sustentava e por isso deveria ser obedecido. E há certamente a inspiração taylorista do chefe que controlava os tempos e movimentos dos trabalhadores que carregavam os fardos de algodão nos primórdios da industrialização. Talvez seja influência da hierarquia militar e, entre nós, no Brasil, há lembranças de um passado de restrição de liberdades dos tempos da ditadura. Tudo isso deve estar presente no

Se não é costume compartilhar decisões com as equipes, é preciso ajudar coordenadores e supervisores, até mesmo gerentes, a agir dessa forma, muitas vezes fornecendo instrumentos que facilitem a comunicação e a discussão

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gestão de pessoas

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imaginário das pessoas do que é ser um bom líder e faz com que, ao assumir, até mesmo a coordenação de um pequeno grupo, se acredite ter poder sobre as pessoas.

Portanto, quando é preciso mudar, é de fundamental importância o trabalho com todos os níveis de liderança da empresa. Eles precisam entender por que a mudança é necessária e ter a oportunidade de refletir sobre a melhor forma de conduzir as alterações na forma e conteúdo do trabalho. Se não é costume compartilhar decisões com as equipes, é preciso ajudar coordenadores e supervisores, até mesmo gerentes, a agir dessa forma, muitas vezes fornecendo instrumentos que facilitem a comunicação e a discussão. Recomendar a utilização de um conjunto de práticas cujo objetivo é facilitar o diálogo é muitas vezes um apoio indispensável.

As práticas são simples e a área de recursos humanos pode ajudar. Uma primeira possibilidade seria reunir os líderes e oferecer a eles a oportunidade de exercitar algo que posteriormente poderiam fazer com suas equipes. Basta entregar aos líderes, divididos em grupo, um conjunto de revistas e pedir que elaborem cartazes traduzindo em imagens a sua opinião em relação a um determinado tema. Pode ser colocada em discussão a qualidade dos produtos, dos serviços, da comunicação interna, da forma de pro-cessar pedidos dos clientes, ou qualquer outro assunto, projeto ou ação relacionados com a mudança desejada. É mais fácil projetar opiniões com imagens do que verba-lizar. Por outro lado, pensar em grupo e elaborar o cartaz exige uma análise sob ângulos diferentes e considerando as opiniões dos outros. Depois de pronto o cartaz, cada um dos grupos explica sua forma de pensar e, para tanto, examina a coerência daquilo que está sendo apresentado. Após as apresentações, os grupos são convidados a refletir

sobre como colocar na prática novas formas de trabalho. Ao final, se for necessário, alguém pode apresentar, se for o caso, os impedimentos ligados às questões institucionais, ou a limitações operacionais, e decidir com a equipe o que muda, quando, como e os responsáveis por fazer acontecer.

O mesmo exercício seria agora feito entre o líder e a sua equipe. Tal como no exemplo, há muitas outras formas de apoiar chefias para envolver as pessoas no processo de mudança e quebrar a sua própria resistência, uma vez que o novo traz a ameaça de piores resultados, força a sair da zona de conforto e coloca em risco o próprio controle do chefe em relação aos atos das pessoas. São eles, mais que todos os funcionários da empresa, que merecem atenção especial no momento de implementar o novo. Portanto, devem ter a opor-tunidade de compartilhar seus temores, entender os motivos que exigem mudar, expressar claramente suas vivências e participar intensamente do processo. Quando for a vez deles de falar com suas equipes, estarão preparados para agir de forma positiva e assumir o papel de agentes de mudança. Ou seja, a resistência à mudança pode ser minimizada quando há oportunidade de diálogo, debate e consenso.

Célia Marcondes Ferraz Diretora de educação executiva da ESPM

CALDAS, M. P.; HERNADEZ, J. M. Resistência à mudança: uma revisão crítica. In RAE Revista de Administração de Empresas. v. 41 . n. 2 Abr./Jun. 2001.

CHARAN, R: O pipeline da liderança. Rio de Janeiro: Campus.

FREUD, S. O mal-estar da civilização. São Paulo: Penguin – Companhia das Letras, 2012.

LANE, S. T. M. A linguagem e a constituição do sujeito. In: PARLATO, E. M.; SILVEIRA, L. F. B. (orgs.) O sujeito entre a língua e a linguagem. São Paulo: Lovise.

______; Consciência alienação: a ideologia no nível individual. In:________; CODO, W. (orgs.)

Psicologia social: o homem em movimento. São Paulo: Brasiliense, p. 40-47.

_______; Usos e abusos do conceito de representações sociais. In: SPINK, M. J. (org.) O conhecimento do quotidiano: as representações sociais na perspectiva da psicologia social. São Paulo: Brasiliense.

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LEVERING, R. A. Great place to work: what makes some employers so good – and most so bad? Edition published by Great Place to Work®, Institute, Inc, 2000.

BiBliografia

Com regras claras e transparência, é possível imaginar que as pessoas são perfeitamente capazes de se autogerirem de forma madura. O ponto de partida é acreditar que nem todas as pessoas são más, preguiçosas e não se importam com os problemas da empresa

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entrevista | joão vinicius prianti

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A trilogia da gestão

Entrevistado por Francisco Gracioso e Marcelo Chiavone Pontes

Economista formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, João Vinicius Prianti fez carreira na Unilever em marketing durante quase 20 anos e depois gerência-geral num total de 37 anos. Entrou como trainee, em 1971, liderou grandes projetos da compa-

nhia no Brasil, na Inglaterra, no México e na Colômbia, até chegar à presidên-cia da filial brasileira, cargo que ocupou de 2001 a 2008.

Prianti, em nova fase de sua trajetória profissional, vem se dedicando a funções de consultoria e membro do conselho de administração em gran-des empresas e instituições. Atualmente, desenvolve trabalho junto a em-presas, tais como O Boticário, CVC, Kirin Holdings Internacional e local, Mercapital Private Equity Madrid e ESPM.

A discussão de objetivos e estratégias no longo prazo é talvez a parte mais importante de seu trabalho, enriquecendo ainda mais a experiência trazida de sua vida de executivo.

Em conversa com os professores Francisco Gracioso e Marcelo Chiavo-ne Pontes, Prianti ensina como fazer um bom planejamento estratégico e apresenta a trilogia da gestão, além de transmitir conselhos valiosos aos leitores da Revista da ESPM.

Para assegurar maior clareza dos temas abordados, em vez do tradicio-nal sistema de “perguntas e respostas”, o conteúdo exposto pelo entrevista-do foi resumido, organizado e dividido em tópicos. O resultado você confe-re nas páginas a seguir.

Fotos Roberto Braga Barbieri

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entrevista | joão vinicius prianti

A rAzão de ser do plAno estrAtégicoQualquer sociedade organizada, das nações até as empresas priva-das, precisa de um plano no longo prazo que defina os seus principais objetivos e estratégias de compe-tição. Até o lojista da esquina deve ter uma ideia clara do que é mais impor ta nte pa ra o seu negócio. Acima de tudo, o plano deve prever as entradas e saídas de recursos, no período coberto pelo plano e as prioridades para investimentos. Isso não mudou, apesar da extrema volatilidade dos tempos de hoje.

plAnejAmento estrAtégico é simplesO planejamento estratégico é, e continuará sendo, uma questão f undamenta l para as empresas. Seu conceito é simples. O que o faz ser difícil não é o plano estratégico em si, mas a complexidade da or-ganização e dos mercados. Isso sig-nifica que em uma multinacional, com atividades em vários países, a análise dos ambientes deve ter uma dimensão maior, além de con-siderar aspectos regionais. Em uma pequena organização, o conceito se aplica da mesma maneira e o resul-tado é semelhante: a definição clara do que deve ser feito, a forma como a empresa pretende atingir esses

objetivos e os investimentos neces-sários para reforçar as vantagens competitivas da organização.

AdAptAção do plAno Aos diAs de hojeHoje, os fenômenos macroeconô-micos, políticos e sociais são mais imprevisíveis e traumáticos do que no passado. Mas isso não é motivo para que se deixe de ter um plano mais extenso, que parta necessa-riamente de cenários e julgamentos subjetivos no longo prazo. Atual-mente, os planos estão mais flexí-veis, justamente para poderem se adaptar às novas conjunturas. Em contrapartida, o acompanhamento dos planos é feito mais de perto, muitas vezes com revisão trimes-tral de metas e revisão total dos objetivos em intervalos menores, de três anos, no máximo. Os planos também preveem opções, justamen-te para refletir com mais segurança a incerteza futura.

Quem pArticipA dA elAborAção do plAno?Conforme o tamanho das empresas, o CEO pode delegar a preparação e acompanhamento do plano a um di-retor de planejamento estratégico, que reportará a execução e os resul-tados diretamente à presidência. Nos processos de elaboração, ava-liação e revisão do plano, esse setor específico deverá assegurar a par-ticipação de todos os níveis de de-cisão que também respondem pela implementação do plano. Embora parta de diretrizes propostas pela presidência, o plano deve refletir as opiniões de todos, facilitando a in-tegração e a motivação do pessoal.

o processo é estrAtégico e de longo prAzoHá uma nuance de linguagem que deve ser registrada: a diferença en-tre os termos “estratégico” e “longo prazo”. Estratégico é tudo que é vital para o bom desempenho da empresa, mesmo no curto prazo. É por isso que o acompanhamento do plano pode e deve ser trimestral, uma vez que ocor-rem fatos de relevância estratégica praticamente todos os meses. Já o lon-go prazo é tudo aquilo que vai ocorrer nos anos cobertos pelo plano.

culturA, governAnçA e estrAtégiAEssa trilogia é de extrema importân-cia para explicar por que algumas empresas conseguem executar os seus planos com sucesso, enquanto outras fazem deles meros instru-mentos burocráticos. A cultura da empresa deve favorecer a simbiose entre a estratégia no longo prazo e as oportunidades ou desafios que surgem a todo momento. Para isso, a cultura organizacional deve possuir

“Até o lojista da esquina deve ter uma ideia clara do que é mais importante para o seu negócio”

“Estratégico é tudo que é vital para o

bom desempenho da empresa, mesmo no

curto prazo. É por isso que o acompanhamento

do plano pode e deve ser trimestral, uma vez que ocorrem fatos de relevância estratégica

praticamente todos os meses”

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valores e convenções que facilitem a governança da empresa, isto é, a interação entre os vários níveis de decisão; o estímulo à inovação e às mudanças; a motivação pessoal e os mecanismos de premiação ou punição. Enfim, governança é uma gestão eficiente e coerente com a missão e os objetivos do negócio. Nas companhias de maior porte, esse quesito pressupõe a existência de um conselho de administração ao qual se reporta a presidência executiva.

divisão de responsAbilidAdesÉ crescente a tendência para a cria-ção de conselhos de administração (e até com conselheiros externos) nas empresas de grande porte, prin-cipalmente aquelas de capital aber-to ou que exija m tra nsparência pública. Cabe a esses conselhos a aprovação e o acompanhamento da execução do plano estratégico no longo prazo, fazendo dele a base para avaliar o desempenho da dire-toria executiva. Muitas vezes, o con-selho de administração pode dar

início ao processo de planejamento, discutindo e transmitindo à direto-ria executiva os grandes objetivos e diretrizes do plano, como margens de lucro, estrutura do capital etc. Feito isso, cabe à diretoria executiva desenvolver o plano e apresentá-lo à aprovação final do conselho de administração, respondendo, em seguida, por sua implementação.

estrAtégiA versus oportunidAdeErram aqueles que encaram o plano estratégico como um instrumento que engessa e condiciona as deci-sões da empresa, aconteça o que acontecer. Na verdade, o que ocorre é exatamente o contrário. O plano deve estimular duas coisas básicas: o surgimento constante de inovações e mudanças no seio da empresa, visando obter ou reforçar as suas vantagens competitivas; e o aprovei-tamento das oportunidades inespe-radas que podem surgir a qualquer momento. Explica-se, assim, o caso citado durante a entrevista, pelo pro-fessor Francisco Gracioso, segundo o

qual os novos clientes conquistados por uma grande agência de propa-ganda quase nunca coincidiam com os nomes dos “prospects” que cons-tavam do plano estratégico anual. Enfim, o plano não pode e não deve prejudicar o espírito de iniciativa, o senso de oportunidade e o empreen-dedorismo dentro da empresa.

éticA, cidAdAniA e sustentAbilidAdeNinguém ignora que a visão ética, a participação na comunidade e a preocupação com a sustentabilida-de se transformaram em obrigações de todas as empresas, gra ndes, médias ou pequenas. Na verdade, hoje, as empresas são avaliadas no seu todo, até mesmo como instru-mentos de ação social e não apenas por meio de suas marcas e produtos. A exploração do trabalho infantil na Indonésia, por exemplo, pode prejudicar a imagem global de uma grande multinacional. Portanto, embora não implique investimentos de grande vulto, a preocupação ética e social é parte fundamental do pla-no estratégico no longo prazo.

“Erram aqueles que encaram o plano estratégico como

um instrumento que engessa e condiciona as decisões da empresa,

aconteça o que acontecer. Na verdade,

o que ocorre é exatamente o

contrário”

“O planejamento estratégico é, e

continuará sendo, uma questão fundamental para as empresas. Seu

conceito é simples. O que o faz ser difícil não é o

plano estratégico em si, mas a complexidade

da organização e dos mercados”

“Cultura, governança e estratégia. Essa

trilogia é de extrema importância para explicar por que

algumas empresas conseguem executar os seus planos com sucesso, enquanto outras fazem deles

meros instrumentos burocráticos”

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Gestão de processos

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A insegurança gera baixas velocidades e incrementa os custos da empresa. Um ambiente confiável é fundamental para gerar respostas assertivas e rápidas. Esse mecanismo possibilita a construção de processos decisórios estruturados, que facilitam a transparência nas decisões estratégicas

V ivemos em um ambiente de sobrecarga de informações. Assim, para otimizar o tempo e a efetividade das ações, não vou me apro-fundar na já conhecida história da evolução

das escolas da estratégia. Sabemos que elas se consolidam em meados do sé-

culo passado e passam por marcos como: a orientação econômica de Michael Porter e seu famoso artigo What is strategy (O que é estratégia), publicado na revista Harvard Business Review, em 1996; a orientação sociológica de Henry Mintzberg presente no livro The strategy process (O processo da estratégia, Editora Pearson Education), que es-creveu em 1996, junto com James Brian Quinn; ou ainda A orientação da estratégia como prática (Strategy as practice), que Richard Whittington produziu em 2003.

O processo evolutivo não se limita a essas teorias. Há um desenvolvimento contínuo das escolas da estratégia, com críticas mútuas devido às suas diferentes abordagens. Assim sendo, na academia, não há uma definição única e consolidada do processo de estratégia empresarial.

E nas organizações? Como essas teorias são aplicadas na prática? As teorias definem condições de contorno simpli-

ficadoras demais face das inconsistências, dos paradoxos, paradigmas múltiplos e modelos conflitantes, presentes na realidade dos executivos, conforme afirma Flávio Vascon-celos, no artigo Safári de estratégia, questões bizantinas e a síndrome do ornitorrinco, que recomendo a leitura.

No artigo, o autor apresenta um estudo que avalia os pressupostos adotados pelos executivos no processo de formação da estratégia e a sua aderência às diferentes escolas da estratégia.

Para não limitar os possíveis resultados de sua pesqui-sa empírica, ele partiu da tipologia proposta por Mint-zberg, Bruce Ahlstrand e Joseph Lampel no best-seller Safári de estratégia (Editora Bookman, 2000). No livro, um animal é associado a cada uma das dez principais escolas da estratégia citadas pelos autores. Por exemplo: o búfalo representa a escola do posicionamento, o esquilo está as-sociado à escola do planejamento e o macaco foi escolhido como símbolo da escola da aprendizagem.

Ao comparar o modelo teórico com a prática, a pesqui-sa de Vasconcelos sugere que, na gestão da estratégia, os executivos costumam privilegiar a utilidade prática sobre a coerência teórica, combinando partes de diver-

Entre o mundo ideal e a vida real

Por Roberto Camanho

Na gestão da estratégia, os executivos privilegiam a utilidade prática sobre a coerência teórica e combinam partes de diversas escolas

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Gestão de processos

Revista da esPM | setembro/outubro de 201250

sas escolas. Na obra, os executivos compõem seu próprio animal, como o ornitorrinco, que para o autor seria a metáfora mais adequada para mostrar o pensamento estratégico presente em sua pesquisa. Segundo ele, para os executivos, as disputas teóricas parecem não passar de questões bizantinas.

Como vimos, os executivos não têm nenhum compro-misso ou vínculo com uma escola específica da estratégia. Assim, se você não se sentia bem por não ser ativista de

uma determinada escola da estratégia, deixe disso!A prática da execução do planejamento estratégico

está consolidada nas grandes empresas. Para entender as dificuldades na gestão da estratégia, costumo fazer a seguinte pergunta aos executivos: “Nestes tempos de incertezas, quais são as suas principais angústias na gestão da estratégia?” As angústias são tantas, que daria para escrever um livro sobre elas. Entretanto, vou listar as mais significativas: inércia do planejamento estraté-gico; conclusão das decisões estratégicas; dificuldade em estabelecer prioridades operacionais alinhadas com a estratégia; manter um objetivo estratégico que não dá re-sultado; e dificuldade em alinhar as visões dos diretores.

Apesar da maturidade da prática formal do planeja-mento estratégico, os erros fundamentais se repetem. Não é à toa que as revistas especializadas nessa temática apresentam artigos que tratam diretamente das falhas na gestão da estratégia. Um deles é Hidden flaws in strategy (Falhas ocultas na estratégia), escrito por Charles Roxburgh e publicado na McKinsey Quarterly, em 2003. Outro artigo é Four fatal flaws of strategic planning (Quatro falhas fatais de planejamento estratégico), que Ed Barrows escreveu em 2009 para o blog da Harvard Business Review.

Com base nas angústias apresentadas e na literatura especializada, surge a questão: até que ponto é possível mudar um plano estratégico sem comprometer o que ele tem de melhor?

A resposta parece óbvia. Em tempos incertos, deve-se praticar o monitoramento da execução da estratégia em ciclos mais curtos. Mas é importante observar que esse monitoramento deverá ser realizado de forma integrada e cooperada, mantendo um diálogo estratégico regular com todo o board, o que ajudará as empresas a se adaptarem ao inesperado, conforme recomenda Kathleen M. Eisenhar-dt, no artigo Strategy as strategic decision making (A estraté-gia como tomada de decisão estratégica), publicado na Sloan Management Review, em 1999. Renomada pesquisadora especializada em estratégia para mercados dinâmicos, Kathleen destaca que Less succesfull top-management teams rarely meet with their colleagues in a group (Líderes malsucedidos raramente se reúnem com suas equipes).

A mesma recomendação para as reuniões periódicas do board está no artigo Managing the strategy journey (Geren-ciando a jornada estratégica), produzido para a McKinsey Quarterly, em julho deste ano. O texto de Chris Bradley, Lowell Bryan e Sven Smit sugere a criação da jornada da

Metas incertas levam a um diagnóstico mais longo e com ciclos repetitivos, o que dificulta a separação da fase de seleção das alternativas do processo de análise do problema

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estratégia, que consiste em realizar o planejamento e monitorá-lo semanalmente ou quinzenalmente, com o objetivo de adequá-lo às estratégias exigidas por mudan-ças nas forças globais.

A proposta na jornada da estratégia é que, ao passar mais tempo reunido, o board poderá revisitar, periodica-mente, as aspirações corporativas e fazer mudanças nas estratégias; criar um processo rigoroso de gestão contínua para a formulação das iniciativas estratégicas – fechar as lacunas entre a trajetória atual da empresa e as suas aspirações; converter essas iniciativas em uma realidade operacional, integrando-as formalmente ao processo de gestão estratégica. Aplicadas essas recomendações, as angústias listadas podem ser reduzidas ou eliminadas.

Para que a proposta da adoção de uma jornada da estra-tégia seja mais efetiva, é bom citar as quatro abordagens recomendadas por Kathleen: desenvolva uma intuição coletiva que aumente a capacidade dos executivos para enxergar ameaças e oportunidades com antecedência e mais precisão; estimule conflitos rápidos para melhorar a qualidade do pensamento estratégico, sem sacrificar um tempo significativo; mantenha um ritmo disciplinado que conduza o processo decisório a uma conclusão oportuna; e desarme o comportamento político que cria conflitos improdutivos e perda de tempo.

Ainda assim, o plano estratégico, por mais bem feito que pareça, não é garantia de sucesso. Grandes corpo-rações que nunca deixaram de ter planos estratégicos quase perfeitos enfrentaram dificuldades, como é o caso do maior banco dos Estados Unidos, o J.P. Morgan Chase. Recentemente, a instituição financeira anunciou um prejuízo-surpresa de US$ 2 bilhões, mesmo sendo o seu presidente (James Dimon), considerado o mais prudente líder de Wall Street. Outro exemplo é a BP – Beyond Pe-troleum (antiga British Petroleum), que foi pioneira em construir a imagem de empresa petrolífera preocupada com sustentabilidade ao investir US$ 200 milhões em relações públicas, a partir de julho de 2000. Mas, em 2010, a companhia gerou um vazamento de petróleo de grande impacto ambiental. Afinal, o que está em xeque nesse caso é a própria filosofia do planejamento estratégico?

O que está mais em xeque parece ser a qualidade das decisões estratégicas, já que os resultados das orga-nizações dependem delas. A prática do planejamento estratégico está mais madura nas organizações do que o exercício da melhoria das decisões estratégicas. Vale des-tacar que, apesar dos erros e das perdas significativas, os executivos não buscam a melhoria da qualidade das suas decisões estratégicas.

E não é por falta de uma base teórica sobre o tema. Há cientistas renomados nas teorias das decisões que, devi-do a sua relevância, até foram agraciados com o prêmio Nobel de Economia, como Herbert Simon, pela Teoria da Racionalidade Limitada (em 1978), e Daniel Kahneman, autor da Teoria da Perspectiva (em 2002).

Os pesquisadores sugerem que os processos decisórios

Em tempos incertos, deve-se praticar o monitoramento da execução da estratégia em ciclos mais curtos

As principAis AngústiAs dos executivos nA gestão estrAtégicA

causa Pensamento

inércia do planejamento estratégico Queremos sair da caixa!

concluir as decisões estratégicas elas sempre aparecem, novamente, no fim do ano

dificuldade em estabelecer prioridades operacionais alinhadas com a estratégia

temos dificuldade no desdobramento das metas estratégias até a operação

Manter um objetivo estratégico que não dá resultado posicionamento sem visão no que quer ser...

dificuldade em alinhar as visões dos diretores nem todos os líderes entendem as estratégias

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Gestão de processos

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influenciam no sucesso das decisões e, consequentemen-te, nos resultados das organizações. Para quem quiser se aprofundar no tema, recomendo a leitura dos artigos Investigating the success of decision making (Investigando o sucesso da tomada de decisão), de Paul Nutt (2008), e Does decision process matter? A study of strategic decision-making effectiveness (Será que o processo de decisão é importante? Um estudo sobre a efetividade da tomada de decisão estraté-gica), de James W. Dean Junior e Mark P. Sharfman (1996).

Habitualmente, não se adota um processo estruturado para decisões estratégicas. Quem nunca se sentiu perdido em uma reunião de comitê? Com certeza, ao longo das reuniões você já se questionou: “Estamos discutindo o problema ou as alternativas?”. E, no final da reunião, a única decisão tomada é a data da próxima reunião.

Para entender o que deve ser melhorado, é preciso avaliar a realidade de algumas organizações. Nelas, os

problemas não são bem definidos e os processos decisó-rios são fluidos, desestruturados e com metas ambíguas. É complicado definir metas consensuais quando elas e seus significados não estão claramente definidos. Metas incertas levam a um diagnóstico mais longo e com ciclos repetitivos, o que dificulta a separação da fase de seleção das alternativas do processo de diagnóstico do problema.

Além disso, por vezes, adotam-se soluções prontas ba-seadas em conhecimentos e habilidades disponíveis que atendem aos interesses de um grupo. Por isso, podem ser

As metodologias de apoio à decisão levam à conversação estruturada, transparência nas argumentações e busca dos questionamentos corretos

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criadas situações para justificar essas decisões.Dessa forma, nas organizações coexistem as soluções

prontas com novos problemas e as soluções de todos os tipos que surgem ao longo do tempo. Uma das caracte-rísticas dessa dinâmica é o fato de os problemas e as so-luções estarem parcialmente conectados. Essa conexão só acontece por meio de coalizões, que ocorrem de forma aleatória ou acidental, o que transforma as organizações em anarquias organizadas.

Você deve estar pensando: “Conheço uma empresa as-sim!”. Mas essa dinâmica funcional foi descrita em 1972, no artigo A garbage can model of organizational choice (O modelo lata de lixo da escolha organizacional), por Michael D. Cohen, James G. March e Johan P. Olsen. Com certeza, isso não seria novidade se houvesse a busca pela melho-ria da qualidade das decisões. Considero pesado o termo “garbage can”, mas a análise por ele apresentada espelha o que tenho vivenciado em empresas brasileiras ou mul-tinacionais de vários setores econômicos.

Para definir um rumo na melhoria da qualidade dos processos decisórios para as escolhas estratégicas mais racionais, é importante observar que eles podem ser estruturados com metodologias robustas de apoio à de-cisão. A prática oferece resultados rápidos tanto para os gestores quanto para os seus colaboradores.

De acordo com os estudiosos Dean e Sharfman, o procedimento racional influencia positivamente a de-cisão estratégica eficaz: “Os executivos que aplicaram técnicas analíticas tomaram melhores decisões frente àqueles que não utilizaram o método”. O procedimento racional também é recomendado pela pesquisadora Kathleen em ambientes onde novas tecnologias são introduzidas com rapidez.

Já o comportamento político influencia negativamente a decisão estratégica eficaz, sendo que os atores atrelados ao poder e agendas ocultas foram menos eficazes do que os não atrelados. Na abordagem de Paul Nutt – autor de Why decisions fail (Por que as decisões fracassam, Editora Berrett-Koehler Publishers, 2002), o comportamento po-lítico é reconhecido como um aspecto a ser observado no processo decisório das organizações, pois os executivos têm interesses pessoais, profissionais, hierárquicos e funcionais e, como consequência, procuram influenciar os resultados das decisões pela prática de políticas.

As metodologias de apoio à decisão levam à conver-sação estruturada, transparência nas argumentações e

busca dos questionamentos corretos.Diante de decisões estratégicas, é saudável definir

quais são as questões que precisam de respostas. Fazer as perguntas certas já é um bom começo para estruturar uma decisão estratégica. Resolver errado o problema certo é bem melhor que resolver certo o problema errado. A complexidade não está na decisão em si, mas nas con-sequências das possíveis decisões.

Para que as metodologias de apoio à decisão tenham su-cesso, é necessário definir o fluxo do processo funcional que irá suportá-la, além de manter a disciplina. Embora essas metodologias tragam bons resultados, é importante destacar que um ambiente de confiança permite maior velocidade nas decisões.

A desconfiança gera insegurança, que gera a queda da velocidade e o aumento dos custos. Esse é o conceito do “dividendo da confiança”, apresentado por Stephen R. Co-vey, em 2009, no livro The speed of trust: the one thing that changes everything (A velocidade da confiança: elemento que faz toda a diferença, Editora Campus, 2009). Um conceito semelhante é apresentado pela antropologista Karen Stephenson, que criou a Quantum theory of trust (Teoria quântica da confiança. Site: www.netform.com). Ela propõe tornar visível em uma organização a conexão entre o nível de confiança das pessoas e a habilidade de conjuntamente gerarem conhecimento tácito.

A confiança é um fator econômico, não apenas uma virtude intangível e social. Tem de ser cultivada; ela é competência-chave para os líderes nestes tempos de in-certezas. As inovações requeridas na implementação das novas escolhas estratégicas fluem em ambientes onde há confiança. As escolhas estratégicas corretas, no tempo certo, dependem de respostas assertivas e ágeis, que acontecem, facilmente, em um ambiente de confiança.

Roberto Camanho Professor da ESPM/SP nos cursos de pós-graduação

em Jornalismo e Administração de Empresas.Atua na estruturação e condução de decisões estratégicas

para governos e empresas no Brasil e no exterior

Resolver errado o problema certo é bem melhor que resolver certo o problema errado

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gestão empresarial

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Saiba como o plano estratégico, a inovação, a cultura empresarial e os profissionais são tratados nas melhores e maiores empresas do Brasil

Um dos mais respeitados pensadores da gestão, na atualida-de, Jim Collins costuma afirmar em suas palestras que a queda de grandes empresas, muitas vezes, está relacionada à continuidade de um único modelo de gestão. Isso ocorre

porque muitas companhias, quando atingem o sucesso, costumam manter o mesmo formato que trouxe bons resultados no passado. Com isso, acabam se acomodando e deixam de inovar. “É preciso manter a empolgação, a autoestima, a criatividade e a intensidade, mesmo quan-do tiver sucesso. Se as pessoas perdem isso, existe a possibilidade de declínio”, afirma o autor dos livros Empresas feitas para vencer (Editora Campus, 2001) e Como as gigantes caem – e por que algumas empresas jamais desistem (Editora Campus, 2010).

Considerado por muitos como o sucessor de Peter Drucker, Collins afirma que “o sucesso de uma organização nada mais é do que sua capacidade de fracassar e se levantar mais uma vez, infinitamente”.

Em um mundo cada vez mais competitivo e repleto de oportunidades reais e armadilhas virtuais, que transformam a realidade do mercado do dia para a noite, como assumir riscos e manter um posicionamento inovador constante no mercado?

Para Peter Drucker, o caminho está no planejamento estratégico e no gerenciamento dos processos, que permitem “substituir músculos por pen-samentos, folclore e superstição por conhecimento e força por cooperação.”

No livro Como as gigantes caem, o discípulo de Drucker detalha esse caminho, que tem como base o fato de o declínio das organizações ser gerado pelas próprias empresas. “Algumas companhias caem ou sobem e isso não é questão das circunstâncias; é questão de escolha consciente e disciplina”, afirma o autor, citando os cinco estágios do declínio de um negócio. “O primeiro estágio tem origem no excesso de confiança proveniente do sucesso, que leva ao segundo degrau” – sh

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Por Anna Gabriela Araujo

A matemática das decisões

“A melhor maneira de predizer o futuro é criá-lo.”Peter Drucker

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gestão empresarial

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à busca indisciplinada por mais (escala, crescimento, “aplausos”...). “No terceiro estágio ocorre a negação dos riscos e perigos, que leva à luta desesperada pela salva-ção” e, no quinto e último estágio, ocorre a entrega do negócio à irrelevância ou à morte.

Na tentativa de evitar que as empresas desçam ladeira abaixo rumo ao quinto estágio de Collins, a Revista da ESPM entrevistou executivos e dirigentes de grandes companhias no país, para mostrar o que Hering, Petro-bras, O Boticário e tantos outros negócios bem-sucedidos têm em comum no quesito gestão.

A seguir, você confere qual é a importância do plano estratégico e como a inovação, a cultura empresarial e os profissionais são tratados nas melhores e maiores empre-sas do Brasil. Esta reportagem contou com a consultoria do professor Roberto Camanho, especialista em estru-turar e conduzir decisões estratégicas para governos e empresas, que selecionou alguns de seus maiores cases para retratarmos nas páginas a seguir.

Vestida para crescerMesmo sendo uma empresa familiar, a Hering chega aos 132 anos como exemplo de gestão bem-sucedida. Por meio de um planejamento estratégico estruturado, a compa-nhia centenária conseguiu se reinventar, superando a ameaça da invasão chinesa na área têxtil. “A gestão foi nosso diferencial, pois nos deu uma capacidade grande de mudança e rápida adaptação ao mercado”, comenta Fabio Hering, presidente da Hering, que em 2010 foi considerada a Empresa do Ano, no ranking Melhores e Maiores da revista Exame.

A complexidade do modelo de sua gestão está atrelada à área de atuação da companhia, que marca presença nas três etapas da indústria, desde a produção própria e terceirizada da roupa até a comercialização de marcas próprias no varejo, passando pela segunda etapa que é o investimento em branding. “Desenvolvemos um modelo de gestão em rede que nos permite ter agilidade, flexibilidade e capacidade de mudança, conceitos que estão impregna-dos na organização. Hoje, todos os nossos profissionais estão comprometidos com esse lema.” Assim, a marca da famosa camiseta branca ganhou cor, valor, estilo e design.

De acordo com Fábio, essa reinvenção do básico começou em 1998, quando a primeira Hering Store foi inaugurada. Em 2002, a Hering deixou de apostar em cinco de suas nove marcas, abandonando etiquetas como Omino e Mafisa.

Quatro anos depois, a companhia começou a investir em uma campanha publicitária para associar a marca com as celebridades da moda, como a atriz Grazi Mas-safera, e o slogan Eu uso Hering.

Em 2007 a empresa ingressou no Novo Mercado da Bovespa e levantou R$ 230 milhões. “Plantamos semen-tes em terra fértil e começamos a tocar nosso plano de expansão, com a abertura de lojas e novos negócios, que nos permitiu crescer na faixa de 33% ao ano até 2011”, assegura o presidente.

A experiência adquirida nesse período levou a equipe de Fabio a concluir que a empresa tinha um grande ativo nas mãos: a presença da marca nos canais de distribui-ção. “Tomamos a decisão de não abandonar a indústria, nem transformar o negócio em varejo puro. Criamos um modelo híbrido, baseado em uma grande rede e aca-bamos encontrando um ponto de equilíbrio”, comenta o executivo, ressaltando que quando você tem velocidade para fazer mudanças, a decisão errada pode ser revertida, rapidamente, evitando assim maiores danos.

Em seus estudos, Paul Nutt, autor de Why decisions fail (Editora Berrett-Koehler, 2002), observou que 63,4% das decisões de executivos são tomadas a partir da fuga do problema. Logo, metade dessas escolhas empresariais acaba fracassando. Para evitar esse problema, Fabio sempre revisa as decisões tomadas. “Boa gestão é aquela que enxerga a de-cisão equivocada e consegue gerar uma mudança rápida no posicionamento”, ensina o presidente de uma das maiores indústrias têxteis do Brasil, com 9 mil colaboradores diretos e outros 10 mil profissionais indiretos.

Em uma dessas revisões, ele descobriu que estava seguindo por um caminho errado. “Nosso projeto de va-rejo nasceu completamente focado na abertura de lojas próprias. Com o tempo ficou claro que seria mais lucrativo investir em um modelo de franquia, capaz de gerar menos custo e mais valor para a marca. A decisão inicial foi revista e a estratégia de implantação foi toda alterada.”

Hoje, dos 429 pontos de venda da Hering, apenas

“Boa gestão é aquela que enxerga a decisão equivocada e consegue rapidamente gerar uma mudança no posicionamento”Fabio Hering, presidente da Hering

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10% são próprios. De acordo com Fábio, outras 75 lojas franqueadas serão abertas ainda este ano. “O Brasil apresenta um potencial para mais de 600 lojas Hering Store, principalmente nas cidades localizadas no inte-rior dos Estados.”

O aroma da inovaçãoLançada em março de 2011, a Eudora – nova marca do grupo O Boticário – nasceu para disputar mercado com duas consagradas companhias no segmento de venda direta, a Natura e a Avon. Enquanto uma pesquisa realizada entre quatro mil mulheres definia o perfil da marca, o consultor Roberto Camanho apontava os caminhos que o planejamento estratégico da nova operação deveria seguir. “Esse trabalho selecionou os projetos estratégicos para a operação da empresa envol-vendo a decisão dos principais gestores”, detalha o es-

pecialista em gestão, que também é professor da ESPM.Ivon Neves, diretor de canais e trade da Eudora conta

que, como em qualquer startup, a nova empresa precisa constantemente rever suas prioridades e estratégias para realçar os acertos e corrigir os erros. “Nosso principal desafio é estabelecer uma fórmula rápida e confiável de direcionar os esforços da empresa de forma coerente com as estratégias, que estão em constante movimento.” Assim, em 2011, a equipe de Neves sentiu a necessidade de integrar as novas ideias aos pilares estratégicos defi-nidos no planejamento inicial. “Para isso, utilizamos o AHP (Analytic Hierarchy Process, método que auxilia na tomada de decisões complexas), para priorizar todo o plano tático de canais e trade da Eudora.” Após a priori-zação do portfólio de projetos, no início de 2012, surgiu a necessidade de um modelo de governança simples e eficiente, capaz de gerir e executar a carteira de projetos.

Nova campanha publicitária da Hering traz a atriz Grazi Massafera usando as roupas da marca

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gestão empresarial

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A montagem desse processo de arquitetura propor-cionou, inicialmente, um alinhamento das estratégias com todos os níveis de liderança presentes, além de um entendimento dos pilares e necessidades da empresa. “Isto foi feito de forma prática e com a ‘mão na massa’, por meio de reuniões que instigam todos a opinar e confrontar suas ideias. Com o modelo de governança, conseguimos rapidez e coerência na execução dos pro-jetos, a modernização dos serviços e a diferenciação no mercado pela inovação”, revela Neves.

Hoje, uma segunda fase do projeto está em andamento, com o objetivo de mudar a cultura da empresa. “Normal-mente, os colaboradores de trade marketing e marketing são contrários a metodologias e padrões, pois seus pro-jetos são executados de forma rápida e leve”, explica o executivo. “Assim, em vez de impor o método, fazemos com que as pessoas enxerguem o benefício dessa inicia-tiva ao incluir seus projetos dentro do processo.”

Como resultado, a Eudora conseguiu montar um time dedicado a atuar no processo de arquitetura, que responde pela inovação na área de serviços da empresa. “Funciona como um moedor de carne de novas ideias, sendo que o filtro são os objetivos estratégicos e a priori-zação se dá pela otimização do portfólio em comparação com os pilares estratégicos”, compara Neves.

Sobre a mudança de comportamento, ele diz que a estratégia usada foi a de aprender fazendo. “Pensamos na teoria e procuramos colocá-la em prática e, de acordo com a adaptação da cultura da empresa, vamos ajustan-do, cortando e adicionando detalhes, que fazem toda a diferença”, salienta o diretor de canais e trade da nova empresa do grupo O Boticário, que administra a maior rede de franquia de cosméticos do mundo, com três mil franqueados. “O principal diferencial da Eudora são os colaboradores que em menos de um ano de projeto, desenvolveram uma empresa multicanal, com mais de 200 produtos em seu portfólio, devido a sua capacidade de inovação, criatividade e motivação empreendedora.” Tudo isso com o objetivo de ser a terceira maior empresa de venda direta de cosméticos até 2016.

O fluxo do ouro negroNa década de 1980 a Petrobras criou o Programa de Inovação Tecnológica e Desenvolvimento Avançado em Águas Profundas e Ultraprofundas (Procap), área na qual a produção de tecnologia é algo vital para o

andamento do negócio. Para organizar o processo de seleção e priorização de novos projetos, em 2007, Marcus Vinicius Schornbaum Coelho, que na época trabalhava na coordenação do Procap, implantou uma nova metodologia para gestão e fluxo de processos da companhia, em parceria com o consultor Roberto Camanho. “Nove carteiras distintas de projetos de pesquisas estratégicas da área do abastecimento da Petrobras (Pesquisas & Desenvolvimento – P&D) foram analisadas, o que envolveu 600 projetos e mais de 100 avaliadores”, afirma o professor da ESPM.

O modelo organizacional criou áreas de gestão tecnológica nos segmentos de negócios, que atuam como contato (single-point contact) do setor com a área de P&D, em ambos os sentidos da comunicação: apre-sentação de demandas e disseminação de soluções. Em outra frente, a área de P&D espelha a estrutura de gestão tecnológica à qual está ligada. Isso facilita e agiliza a comunicação e integra clientes e fornece-

Estratégia de lançamento da Eudora, marca do grupo O Boticário criada para disputar o mercado de venda direta com Natura e Avon

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dores de tecnologia em torno de objetivos comuns e alinhados com a estratégia da empresa. “Por facilitar e prover um maior embasamento metodológico à for-mação das carteiras de P&D, o projeto contribuiu para o fortalecimento da imagem da Petrobras como uma empresa de base tecnológica no Brasil e no exterior. Além disso, ficou mais fácil demonstrar os motivos de uma determinada decisão.”

Hoje, Coelho é administrador sênior da Transpetro e não trabalha mais no Centro de Pesquisas da Petrobras. Porém, as lições de planejamento estratégico aprendidas na época do Procap ele ainda utiliza no seu dia a dia. “Esse projeto contribuiu consideravelmente para o meu desen-volvimento profissional e pessoal.”

Ele ressalta que o processo de tomada de decisão acon-tece a cada minuto na vida de todos e, muitas vezes, essas escolhas são feitas de maneira intuitiva. Por isso, Coelho procura aplicar essa metodologia, que está baseada em um modelo matemático simples, em quase tudo o que faz, vi-

sando obter resultados mais efetivos. Recentemente, usou o conceito que aprendeu com o professor Camanho para avaliar as opções e escolher o modelo de seu novo carro. “Troquei um Honda Civic por um Elantra, da Hyundai, que veio com um pacote de eletrônica embarcada muito mais vantajoso do que o veículo da concorrência.”

Eis a questão...Que o planejamento é essencial, todos concordam. Mas até que ponto é possível mudar um plano estratégico sem comprometer o que ele tem de melhor? Para Tarcísio Al-

“Como em qualquer outra startup, a nova empresa precisa rever suas prioridades e estratégias para realçar acertos e corrigir os erros” Ivon Neves, diretor da Eudora

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buquerque Queiroz, superintendente de planejamento e gestão estratégica da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), independentemente de quão perfeito é o plano, a realidade é sempre mais importante. “Se o plano não se enquadra mais ao momento atual da empresa, muda-se o plano, mesmo que ele seja novo. A gestão da estratégia, que vai além do planejamento, é um processo contínuo, retroalimentado e de aprendizado.”

Como exemplo, Queiroz cita a mudança regulatória recente, que afeta todo o setor elétrico do país. “As novas regras regulatórias trazem, potencialmente, enormes desafios e riscos, não só para a Cemig, mas para todo o segmento. Eficiência operacional, disciplina de in-vestimentos e melhoria de atendimento aos clientes são nossas prioridades”, detalha o executivo da Cemig, companhia que também figura na carteira de clientes do professor da ESPM. “O processo implementado por Ca-manho no final de 2007 promoveu uma grande melhoria

na velocidade e na qualidade das decisões da Cemig, o que foi reconhecido por todos os executivos, na época. O que antes poderia tomar dias e dias de reuniões pouco produtivas passou a ser decidido com muita qualidade, discussões profundas e objetivas em poucas horas”, assegura Queiroz.

O papa da administração moderna costumava dizer que “as únicas coisas que evoluem por vontade própria em uma organização são a desordem, o atrito e o mau desempenho.” Logo, toda empresa precisa planejar para inovar, visando atingir a liderança, dentro de um deter-minado ambiente. “Caso contrário, esse tipo de estratégia empresarial simplesmente irá criar uma oportunidade para a concorrência”, ensina Drucker. “Mas não tente inovar pensando no futuro. Inove pensando no presente, por que se não houver aplicação imediata da sua ideia agora, ela nada mais será do que os desenhos no caderno de anotações de Leonardo da Vinci – uma ideia brilhante.”

Petrobras comemora 59 anos investindo em modelos de gestão inovadores e uma nova campanha publicitária para divulgar os investimentos da companhia em toda a cadeia de petróleo e gás no Brasil

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entrevista | roberto lima

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O lado humano da estratégia

Entrevistado por Francisco Gracioso e Célia Marcondes Ferraz

Fotos Wilian Tadeu Ambrozio

A paixonado por conectar pessoas. De forma geral, um cara que gosta de gente.” Usando menos de 140 caracteres, Ro-berto Lima encontrou as palavras certas para definir seu estilo de gestão.

Considerado um dos maiores líderes empresariais dos últimos tempos, o executivo chega aos 37 anos de carreira com a sensação de missão cum-prida. Depois de passar cinco anos no comando da maior operadora de telefonia móvel do Brasil, Lima deixou a presidência da Vivo em 2010 para investir no seu próprio negócio, a Grau Gestão de Ativos. “Sei que tive uma carreira bem-sucedida porque fui muito feliz e também fiz pessoas felizes por onde passei. Esse é o meu maior ativo”, avalia o executivo, que atual-mente também participa de sete conselhos de administração em grandes empresas, como Telefônica, Natura, Rodobens e Pão de Açúcar.

Roberto Lima também foi presidente da Credicard, entre 1999 e 2005. Antes disso, o executivo atuou por 17 anos no grupo Accor, no cargo de vice-presiden-te executivo da organização.

Nesta entrevista, ele mostra como um planejamento estratégico voltado para a valorização das pessoas, inovação e qualidade é capaz de reverter resultados negativos, melhorar a imagem e contribuir para o crescimento das empresas.

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entrevista | roberto lima

Gracioso – O tema desta edição da Revista da ESPM é a dicotomia entre o ideal e o possível dentro de um plano estratégico. A ideia é abordar a necessi-dade de formular e implantar este plano considerando interesses do acionista, cultura organizacional, análise do mer-cado e do momento presente e o próprio estilo de gestão do principal executivo. Tudo isso, de certa forma, precisa fun-cionar em sincronia, no momento em que esse plano é posto em ação. E aí começam as dificuldades. Uma delas é o fator humano, a necessidade de lidar com as pessoas. Outro desafio é a economia de um mundo cada vez mais imprevisível, com mudanças radicais e inesperadas. Tudo isso gera alterações mensais no plano anual. Esse é o primei-ro tema a ser abordado.

Roberto – A questão do processo de planejamento estratégico deve sem-pre começar com duas perguntas: por que fazer um plano estratégico e qual a necessidade de termos isso? Antes de discutir sobre o lado estra-tégico, a empresa precisa avaliar a sua própria existência para saber o que ela quer ser e fazer. Analisando a origem das empresas, muitas vezes concluímos que elas são resultado da decisão de um empreendedor, que, com conhecimento, predileção e von-tade resolve estabelecer um negócio. Ele contrata um advogado, faz um contrato social e procura definir os motivos pelos quais a empresa existe. Com isso, ele escreve o objeto social da organização, o seu DNA. Esse é o momento mágico em que a empresa diz: “Eu vou existir para fazer isso”. Esse posicionamento é claro para o empreendedor e para as pessoas que o acompanham na organização. Mas se perde com o passar do tempo. Por

isso é difícil fazer uma empresa pas-sar da segunda ou terceira geração. Todo plano é feito para que a empresa se perenize fazendo aquilo que foi proposto. Mas para continuar aten-dendo às necessidades da sociedade, as empresas evoluem e até se trans-formam, como a Nokia, que começou fabricando botas de borracha e hoje fabrica celular. Nos vários momentos da sua trajetória, ela foi ajustando sua vontade de continuar prestando serviços naquilo que era necessário. Esse posicionamento é definido no planejamento estratégico, que deve resgatar o que a empresa se propõe na sua essência. Muitas empresas chegam a uma época da vida na qual chamam um consultor para definir visão, missão e valores, numa tenta-tiva de reconquistar o que foi definido pelo empreendedor, lá atrás.

Gracioso – O que é preciso ser feito para o plano estratégico dar certo?

Roberto – Esse posicionamento pre-cisa estar claro para todos os stakehol-ders. Se isso está claro e a empresa é capaz de ter ao seu lado todos os seus stakeholders, fica mais fácil re-alizar o que é proposto. As pessoas – clientes, colaboradores, acionistas, investidores institucionais ou não, fornecedores, governo, imprensa, co-munidade e competidores – são muito importantes nesse processo. Mas resultados não devem ser medidos

somente do ponto de vista financeiro. O planejamento estratégico muitas vezes é confundido com o orçamento de três ou cinco anos. Não é viável ficar projetando resultado para os próximos cinco anos. O plano estra-tégico deve ser feito para dizer o que vou fazer nos próximos cinco anos levando em consideração a expecta-tiva dos acionistas e da comunidade, mas não quanto vou faturar no futuro. A primeira reflexão a ser feita é como vai ser minha relação com a comuni-dade. Aí, a comunidade se materializa na forma de cliente. A partir dessa relação com os clientes é que você deverá escolher que tipo de colabora-dor terá. Se a ideia é criar um produto industrial que é comprado por outra empresa, na qual a qualidade do pro-duto é muito relevante, você precisará de um certo tipo de profissional. Se a qualidade dos serviços prestados for mais importante, vai precisar de pessoas que tenham o DNA de servir. A questão da nobreza do objetivo da empresa muitas vezes é a grande fonte de motivação para os colabora-dores, que acabam se dedicando mais e aderindo ao plano, já que sabem por quê estão fazendo aquilo.

Célia – Mas existem aí interesses confli-tantes. Você tem, por exemplo, o cliente que pede um serviço excepcional, mas quer pagar pouco, o colaborador que está disposto a fazer um serviço benfei-to, mas não aceita eventualmente sua

“A questão da nobreza do objetivo da empresa muitas vezes é a grande fonte de motivação

para os colaboradores, que acabam se dedicando mais e aderindo ao plano,

já que sabem por quê estão fazendo aquilo”

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chefia imediata. Com base na sua ex-periência de CEO de grandes empresas, como conciliar todos esses pontos?

Roberto – Tudo que relatei aqui re-sulta dos meus 37 anos de carreira como executivo. Sempre fui muito feliz, principalmente nos últimos seis anos, quando consegui fazer as

coisas acontecerem. Isso parece algo teórico, mas responde à sua pergunta. Tanto na Vivo quanto na Credicard, contei com as pessoas para transfor-mar a realidade desses dois grandes grupos empresarias. Quando cheguei a essas empresas, encontrei pessoas angustiadas e forçadas a melhorar os resultados financeiros. Como se

resolve isso? Você precisa criar uma causa e entregar aos clientes aquilo que nos comprometemos a fazer. No caso da operadora de telefonia móvel, a qualidade na prestação de serviços passou a ser a causa principal do nos-so trabalho. Para isso, tínhamos que ser os melhores em cobertura de rede, faturamento e recarga e call center, que são os três principais pontos de contato do cliente com a prestação de serviços. Internamente, todos os ge-rentes e colaboradores gostariam de trabalhar numa empresa que entrega aquilo que promete, uma empresa que não é a campeã de reclamações no Procon. Pode parecer teórico, mas, ao focar nossa atuação em três pila-res-rede, faturamento e recarga e call center –, conseguimos dar orientação a 40 mil colaboradores para aumentar a qualidade dos serviços prestados.

Célia – Você definiu três prioridades.

Roberto – Sim. Mas você pode estabe-lecer a estratégia que quiser, desde que consiga a adesão dos seus colaborado-res, principalmente o pessoal do ba-ckstage, como a área de call center. Com uma comunicação clara, é possível fazer com que todos se comprometam com a causa e ainda eliminar discus-sões e disputas internas, porque as

“Você pode estabelecer a estratégia que

quiser, desde que consiga a adesão dos seus colaboradores,

principalmente o pessoal do backstage, como

a área de call center”

Campanha ”Brasil conectado”, lançada pela Vivo em maio de 2010 com o objetivo de conectar os brasileiros por meio dos serviços da companhia

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entrevista | roberto lima

pessoas trabalham na organização para atingir um objetivo maior: fazer a empresa crescer, para que todos cresçam com ela. A fórmula é man-ter a satisfação dos colaboradores e clientes para cima e as despesas para baixo. Quando você faz as coisas com qualidade, os custos começam a cair.

Gracioso – As empresas que você já dirigiu eram abertas à inovação? Era possível estimular novas ideias entre as equipes?

Roberto – No caso da Credicard, o primeiro grupo que presidi, tínha-mos um bom nível de inovação de produtos e serviços, mas uma limita-ção na capacidade de inovar em fun-ção da regulamentação do setor fi-nanceiro, que é grande. Também era preciso trabalhar dentro das regras dos próprios acionistas – Unibanco, Itaú e Citibank. Então, não investía-mos em nada que pudesse ultrapas-sar a operação de cartão de crédito. Mas, dentro da operação, passamos a oferecer crédito através do cartão para aquelas pessoas que só con-seguiam crédito na Casas Bahia. Passamos a atender ao público com renda mensal de R$ 300 a R$ 500 e nunca tivemos uma carteira com índice de inadimplência tão baixa quanto essa. Chegamos a vender 800 mil cartões para esse segmento. Essa foi uma inovação trazida pelos fun-cionários. Isso porque as portas da empresa estavam abertas para que as pessoas pudessem trazer as suas ideias. Vou contar o fim da história sobre o que significa envolver pesso-as num processo de inovação, juntar um pouco as histórias da Credicard e da Vivo, para mostrar como esse estilo de gestão tem coerência. No

“A fórmula é manter a satisfação dos colaboradores e clientes para cima e as despesas

para baixo. Quando você faz as coisas com qualidade, os custos começam a cair”

Em 2003, quando Roberto Lima estava na presidência da Credicard, a empresa lançou a campanha ”O melhor da vida”, com o objetivo de rejuvenecer a marca

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final de 2008, a crença era de que as pessoas passariam a ser mais restri-tivas por conta da crise mundial. Era preciso levar a questão da qualidade ao extremo e ser extremamente ino-vadores para manter os clientes da Vivo satisfeitos. Já tínhamos feito a cobertura em todo o Brasil, lançado a operação no Nordeste, comprado a Telemig e precisávamos de projetos novos para manter a empresa em movimento. Tínhamos 340 lojas no Brasil com 5.300 atendentes terceiri-zados. Resolvi contratar todos esses profissionais, que estabelecem o primeiro contato com o nosso clien-te, e acabar com a terceirização. O processo começou em fevereiro de 2009 e se estendeu de São Paulo até o Rio Grande do Sul. Em setembro do mesmo ano, começamos a subir para o Nordeste. Em oito meses, o custo de loja caiu 12%, a satisfação do cliente subiu de 6% para 8,5% e a satisfação dos colaboradores passou de 7% para 9%. Tivemos casos como o de uma funcionária de São Luís, Maranhão, que 15 minutos antes de a loja fechar atendeu a um senhor asiático que não falava o português. Para conseguir se comunicar, ela chamou o cliente para o fundo da loja, abriu seu laptop e entrou no tra-dutor do Google. Ele escrevia o que queria em japonês e ela traduzia para o português. Ele saiu da loja com um modem 3G e no dia seguinte voltou para comprar um celular para ele e outro para a esposa. Isso é inovação?

Gracioso – Isso é mais do que inova-ção. Certa vez, entrevistei o comandan-te Rolim Amaro. Ele contou que, num fim de semana em que estava fora do país, um cliente paranaense ligou para a Central de Atendimento da TAM,

em São Paulo, pedindo uma hélice que deveria ser entregue no Paraná ainda naquela manhã de sábado. Era um cliente importante. A telefonista de plantão não hesitou em contratar um táxi aéreo para levar a hélice ao cliente. Quando Rolim soube do caso, chamou a moça, que estava esperando ser demi-tida, e perguntou: “Por que você gerou essa despesa tão alta para a empresa, apenas para atender ao cliente? ”. Ela respondeu: “Comandante, porque achei que era isso que o senhor faria”. Algo semelhante aconteceu em São Luís, Maranhão. A moça deve ter pen-sado no que os seus superiores fariam.

Roberto – O importante nessa sua afirmação é que, provavelmente, os superiores dela não teriam essa ideia. Ninguém num laboratório de pesquisa e desenvolvimento de ino-vação teria essa ideia, porque estão preocupados com coisas muito mais elaboradas do que simplesmente entrar no Google Tradutor para en-tender o que a pessoa quer. Agora, quando você tem 5.300 pessoas em contato com o cliente, as ideias se multiplicam numa velocidade bru-tal e a empresa passa a ser sinôni-mo de inovação. Temos dezenas de exemplos assim. Um funcionário foi passar férias no Norte e aproveitou para conhecer o canteiro de obras da Usina Hidrelétrica de Jirau, em Ron-

dônia. Lá, verificou que seu celular não pegava porque não tinha sinal. Quando retornou para a empresa, co-municou que precisava colocar uma antena no local. Ouviu dos técnicos que, enquanto o projeto não estives-se andando, isso não seria possível devido à falta de fornecimento de energia elétrica na região, além da necessária autorização do Minis-tério do Meio Ambiente para a ins-talação da antena. Ele transformou aquilo num objetivo pessoal, buscou alternativas para os problemas le-vantados e conseguiu colocar a ante-na de transmissão no local. Quando começaram a contratar os funcio-nários para o Projeto Jirau, a primei-ra pergunta que os trabalhadores faziam era se havia telefonia na região, porque eles iriam ficar três, quatro meses longe de casa. Essa foi uma das antenas mais rentáveis que a Vivo já teve. Quando tivemos as catástrofes de Teresópolis e Nova Friburgo, no Rio de Janeiro, o que as pessoas mais queriam usar era o celular para tentar encontrar os pa-rentes desaparecidos. Acontece que a usina de Nova Friburgo tinha sido destruída e nossas antenas estavam perdendo carga. O gerente da loja da Vivo começou uma campanha para manter essas antenas funcionando. A população chegou a fazer mutirões de motocicleta para comprar gasoli-na no posto e levar para abastecer os geradores adaptados no local. Como muita gente ia buscar informações sobre a tragédia na loja, o gerente contratou psicólogas e assistentes sociais para prestar um serviço de amparo psicológico às pessoas que perderam seus parentes. Ele fez o que a comunidade esperava de nós naquele momento. Agora, pergunte

“Os profissionais podem realizar mais

do que se espera deles se sentirem que têm a confiança da

organização para tal”

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entrevista | roberto lima

a ele se alguma vez ligou para o seu superior, no Rio de Janeiro, para pe-dir autorização. Não, ele foi fazendo.

Célia – Como se contratam pessoas assim?

Roberto – Elas são assim. As empre-sas é que as tolhem.

Gracioso – É uma cultura que não é escrita, mas de alguma forma chega até as pessoas...

Roberto – É a cultura da confiança das pessoas. Os profissionais podem realizar mais do que se espera deles se sentirem que têm a confiança da organização para tal. Tem sempre al-guém que vai exagerar e tirar proveito da situação. E nós temos de ter um sistema para evitar que isso aconteça e, se acontecer, aplicar uma punição exemplar para evitar a repetição da falta. Caso contrário, você começa a criar controles e inibir que as boas ações sejam feitas.

Gracioso – Henry Mintzberg, um dos gurus do planejamento estratégico de hoje, ficou famoso com o livro Ascensão e queda do planejamento estratégico, em que deixa claro a sua filosofia de que o plano é importante. Mas você prefere trabalhar com a ajuda de um plano no longo prazo com objetivos estratégicos definidos de antemão ou aproveitar as oportunidades que o momento oferece?

Roberto – As duas coisas são extre-mamente importantes. Mas é preci-so ter cuidado na hora de formular e expressar esse plano. Se fizermos um plano para ampliar 10% ou 15% da receita todo ano e 30% de cres-cimento na margem, posso fazer

todo o possível para que a empresa se encaixe nesses parâmetros. Isso será a minha regra, mas não gosto de fazer planos numéricos codificados. Prefiro colocar no plano que o obje-tivo, segundo os critérios de cresci-mento, rentabilidade e satisfação, será transformar a empresa em uma das três melhores do mundo. Passei por quatro mudanças tecnológicas na Vivo e todas elas conviveram com nosso plano estratégico. As coisas mudam com uma velocidade muito grande. Veja o tablet, por exemplo. Era algo que há dois anos não existia. Nesse ano serão vendidos dois mi-lhões de tablets no Brasil. Quem não estiver criando aplicativos para esse equipamento estará fora do mercado em pouco tempo. Por isso é impor-tante definir uma visão de negócios.Gracioso – Os brasileiros são mais pro-pensos a aceitar diretrizes de longo prazo do que os europeus ou os americanos?

Roberto – O brasileiro tem uma ca-racterística de adaptabilidade que é muito forte, porque viveu em cenários totalmente inseguros no período da hiperinflação, quando ninguém sabia dizer qual o valor real do seu salário ou se daria para pagar as contas. O brasileiro é extremamente criativo, inovador e consegue entender a pro-fundidade das coisas sem precisar que o plano seja muito detalhado. É preciso

ter um plano, mas ele não deve ser uma amarra para a organização, seja ela qual for, pode ser uma empresa ou uma organização social. Na Vivo, a visão do ambiente é a de que todos fa-zem parte de uma sociedade em rede e o indivíduo pode mais e vive melhor se estiver conectado. Nossa missão pas-sou a ser conectar pessoas. Então, eu não instalava uma antena para gerar receita, mas para fazer com que as pes-soas pudessem se comunicar de forma mais segura. Utilizamos o celular para transformar a vida das pessoas, dei-xando ela mais divertida, inteligente e segura. Com a implantação desse con-ceito, começamos a vender serviços de maior valor agregado, como cursos de inglês e espanhol, e nossas receitas de não voz, que eram de 8% sobre o total do faturamento, passaram para 27%.

Célia – Qual foi a importância da sua formação para a sua vida de CEO?

Roberto – Foi relevante, principal-mente porque fiz duas escolhas na vida que foram contra a corrente. Quando estava no terceiro ano do ensino médio (antigo colegial), to-dos os meus amigos foram aprender inglês. Como eu conhecia um pouco esse idioma, resolvi estudar francês. Depois, todos foram estudar nos Esta-dos Unidos e eu fui fazer mestrado na França. Convivi com pessoas do mun-do inteiro, o que aumentou minha cul-tura geral e me abriu possibilidades enormes. Antes disso, quando entrei para a Fundação Getulio Vargas, optei por fazer faculdade de administração pública, por conta de matérias como sociologia e ciência política. Essa formação me deu uma grande sensi-bilidade para entender melhor o papel das organizações na sociedade. Uma

“Na Vivo, a visão do ambiente é a de que

todos fazem parte de uma sociedade em rede e o indivíduo pode mais e vive melhor se estiver

conectado”

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empresa não existe somente para fazer parafuso porque esse parafuso deve servir para alguma coisa.

Gracioso – Nesse contexto, você consi-dera corretas as preocupações das em-presas que pensam em sustentabilidade, integração com a comunidade e ética?

Roberto – Acredito nisso profunda-mente. Mas algo que me chama a aten-ção é que, às vezes, os representantes das empresas colocam isso como algo à parte do seu plano estratégico, quan-do, na verdade, deveria fazer parte do próprio negócio. Certa vez, estávamos pesquisando como promover a educa-ção através de celular e conhecemos o trabalho de um médico no meio da Amazônia, na beira do rio Tapajós, que criou uma ONG, chamada Saúde e Alegria, para ensinar noções de saneamento básico por meio de um circo, o Circo Mocorongo. A informa-ção era passada por meio de folhetos feitos num mimeógrafo. Ele ficou 25 anos trabalhando na divulgação desse projeto em 30 comunidades da região, que reduziu a mortalidade infantil a zero, na região. Fomos até lá para ver como esse médico ensinava as pesso-as numa região onde a comunicação era muito difícil. Resolvemos colocar uma antena de celular na cidade de Belterra para ajudá-lo. Um ano depois, 40% dos alunos matriculados na es-cola da região faziam suas pesquisas escolares pela internet; 20% deles tinham se matriculado em cursos de universidades; o Instituto Butan-tan escolheu a cidade para abrir sua primeira filial fora do Estado de São Paulo; uma segunda empresa de ôni-bus se estabeleceu no local; a estrada entre Belterra e Santarém foi asfalta-da; e Alter do Chão, que fica perto de

Belterra, virou ponto turístico, sendo considerada a praia de rio mais bonita do mundo pelo jornal londrino The Guardian. Ali aprendemos que tínha-mos de orientar nossos investimentos não para as regiões onde havia mais potencial econômico, mas para aque-las onde existia maior necessidade de comunicação. Com isso, passamos a ter taxas de crescimento de 40% ao ano. A perenidade da empresa só vai existir se eu continuar produzindo serviços e produtos que respondam às expectativas da comunidade. E se eu fizer com qualidade, de maneira correta e sustentável, melhor ainda. Aí entra a questão da visão. Se você assume um compromisso social e entrega serviços com qualidade, já está promovendo um ganho para a região, não precisa de uma fundação ou instituto para cuidar das crianças. Um dia ainda vou escrever um livro sobre isso.

Célia – De que maneira toda essa vivên-cia ajudou você a investir na carreira de consultor no mercado financeiro?

Roberto – Na verdade, não sou con-sultor. Participo de sete conselhos de administração – cinco no Brasil e dois no exterior –, o que me cria

uma carga de trabalho relativamente grande. No Brasil, estou na Telefôni-ca, na Natura, na Rodobens Imobi-liária e Serviços, e no grupo Pão de Açúcar. No exterior, estou na Indian Red e na Naspers, empresa sul-afri-cana que detém 30% da Editora Abril. Também tenho dois sócios no escri-tório Grau Gestão de Ativos e uma equipe de 15 pessoas. Depois de viver 37 anos como executivo, sei que tive uma carreira bem-sucedida porque fui muito feliz e também fiz pessoas felizes por onde passei. Esse é o meu maior ativo. Não esperava terminar como presidente da maior empresa em vendas do Brasil. Não planejei isso, as coisas foram acontecendo.

Gracioso – O planejamento estratégico não funcionou no seu caso.

Roberto – O planejamento era um só. Meu pai sempre foi pesquisador e pas-sou a vida fazendo pesquisas sobre a aplicação da química nuclear na área da medicina. Ele tinha uma vontade de servir à comunidade por meio daquilo que fazia. Eu, como adminis-trador, também sempre tive essa von-tade de servir. Esse era o meu plano e ele foi executado. Comecei como ana-lista de sistemas, passei pela área de finanças até chegar à administração geral. Eu não sabia que seria assim, mas estava pronto para as oportuni-dades que surgiram. O plano tem de ser adaptado a cada momento, só não devemos perder o fio da meada. Todos nós temos de ter um propósito. Se o plano seguir esse propósito, ele não se perde e faz com que uma empresa se torne perene e ultrapasse gerações.

Gracioso – Roberto, obrigado, foi uma belíssima entrevista.

“Se você assume um compromisso social e entrega serviços com qualidade, já

está promovendo um ganho para a região, não precisa de uma

fundação ou instituto para cuidar

das crianças”

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No último dia 22 de outubro, o 27º Salão Internacional do Automóvel de São Paulo abriu suas portas ao público. Este ano, o maior evento do setor automotivo na América Latina apresenta 500 veículos, de 49 marcas em exposição

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Aprendendo estratégia global com as montadoras: introduzindo a descentralização parcial do desenvolvimento de produtos

Estratégia global, inovação localPor Marcos Amatucci

A estratégia tradicional das montadoras de veículos era resultado de um equilíbrio sociotécnico criado dentro das fronteiras nacionais, com a exportação. A globalização

colocou abaixo os pilares desse equilíbrio, forçando a busca de uma nova estratégia global.

Foi o presidente da General Motors, Alfred Sloan, que enfrentou o trade-off fundamental da produção em massa, variedade ou escala, com a estratégia hoje conhecida como “volume e diversidade”. Para atingir diferentes segmentos de clientes, é necessário oferecer variedade de produtos. Mas a indústria automobilística, a exemplo de tantas ou-tras, é passível de ganhos de escala. Isso significa que não apenas a lucratividade da empresa, mas também a compe-titividade de seus preços perante a concorrência, depende de volume de produção para sua viabilidade.

Na década de 1960, o principal executivo da GM na época teve a ideia de produzir diversos modelos em cima do mesmo chassi ou da mesma plataforma. Hoje a indús-tria praticamente varreu o chassi dos projetos de carros de passeio, que utilizam uma carroçaria monobloco. Não obstante, o conceito de plataforma continua na forma de

um projeto de sustentação e comunalidade de peças entre os diferentes modelos.

A estratégia de volume e diversidade logrou fornecer aos consumidores maior variedade com melhores preços. E hoje é seguida em sua forma “pura” pela General Motors, Ford, Volkswagen, Fiat, PSA (Peugeot e Citroën) e, no Ja-pão, pela Nissan. Outras montadoras, como a Toyota – que segue a estratégia de redução permanente de custo –, ou a Honda e a Renault, que adotam o conceito de inovação de modelos, utilizam a ideia de maneira mais comedida, em seus cross-overs, que são utilitários esportivos baratos sobre plataformas de carros médios.

Equilíbrio das políticas empresariaisMais do que uma matriz de produtos e mercados, a es-tratégia na indústria automobilística deve relacionar o tipo de crescimento econômico do mercado e sua forma de distribuição da renda com um modelo de governança.

Esse modelo de governança está baseado no equilí-brio entre a política de produtos, um tipo de relaciona-mento diferenciado com os funcionários e uma organi-zação produtiva.

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A política de produtos deve adequar-se à estrutura do mercado onde os veículos serão comercializados. Em particular, a distribuição de renda da população da região. Se a distribuição de renda for suave, então a estratégia de plataformas é bastante adequada, pois os modelos mantêm entre si relativamente poucas di-ferenças. Logo, executivos e técnicos podem ter carros parecidos, por exemplo.

Se a distribuição de renda de um mercado for mais re-cortada, sendo muito grande a diferença entre o salário do chefe e do subordinado, então os carros terão de ser muito diferentes e a mesma plataforma não vai atender às diferentes demandas.

A estratégia de uma indústria tão complexa quanto a automotiva não deve, contudo, resumir-se à política de produtos. Além da adequação com o mercado, esse posicionamento deve também alinhar-se com a política de relacionamento com os funcionários e com a organi-zação produtiva.

Para garantir sua estratégia de redução permanente de custo, a Toyota do Japão teve de desenvolver um rela-cionamento com os funcionários baseado em confiança, emprego vitalício para compensar salários não tão atra-entes, e recompensas proporcionais ao tempo de casa. Não cabem nesse sistema recompensas ao brilhantismo, independentemente da idade. Já no modelo de inovação constante da Honda, o que conta são as ideias inovadoras, sendo que os salários são mais atraentes e não há compro-misso de manter o emprego do funcionário.

Durante décadas, essas estratégias garantiram a so-brevivência das empresas e o delicado equilíbrio entre trabalho, distribuição de renda e modelo produtivo foi mantido. Até a globalização dos mercados.

Automóveis globalizados? Quando as exportações das montadoras demonstram uma competitividade tal que ameaçam os fabricantes locais, o governo pode reagir levantando barreiras para defender a indústria nacional ou adotar uma posição mais liberal e deixar para a indústria local a tarefa de retaliação.

No primeiro caso, resta à indústria estrangeira aprovei-tar-se das medidas defensivas e estabelecer instalações fabris no país hospedeiro. Além de agradar ao governo local, esse movimento deixa a empresa com vantagens sobre as outras exportadoras naquele mercado e é possí-

vel que se siga um movimento de crowd-in, uma verdadeira invasão de fabricantes estrangeiros no país hospedeiro.

Em 1959, a Honda e a Toyota começaram a exportar veículos para os Estados Unidos. Na década de 1970, a Honda saiu na frente e foi a primeira empresa japonesa a fabricar automóveis no mercado americano, o que a colocou em vantagem em relação às vendas da Toyota. Em consonância com as estratégias e culturas das duas companhias do Japão (a primeira inovadora e a segunda conservadora), a Toyota esperou a experiência se conso-lidar para, somente mais tarde, em 1988, passar a fabri-car seus veículos nos Estados Unidos. Os dois modelos são retratados por Robert Boyer e Michel Freyssenet, no livro The productive models (Os modelos produtivos, Editora Palgrave-MacMillan, 2002).

A política de produtos deve adequar-se à estrutura do mercado onde os veículos serão comercializados. Em particular, a distribuição de renda da população da região

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No segundo caso, a empresa local deve enfrentar a concorrência dos importados com aumento de produti-vidade, ou, se isto não for possível, devido ao custo local dos fatores de produção, que não controla, pode decidir contra-atacar e abrir instalações produtivas no país que a ameaça. A incursão das montadoras europeias, america-nas e japonesas à China nas décadas de 1980 e 1990 pode ser explicada por essa teoria. (Ver quadro ao lado)

É claro que a retaliação, como na ficção Minority Report, pode antecipar-se ao ataque. Isso é estratégia. Mas o fato é que ambos os movimentos aumentam o grau de interna-cionalização da indústria, e os problemas da estratégia.

A posição de internacionalização das montadoras mais tradicionais no final da década de 1990 está retra-tada no quadro “Faturamento comercial de montadoras por região”. Essa internacionalização põe em xeque as bases da estratégia tradicional das montadoras.

Em primeiro lugar, o crowd-in, movimento provocado pela vantagem competitiva do fabricante investidor sobre o exportador, ameaça a escala. É comum fabricantes ins-talarem em um determinado país uma capacidade total maior do que a necessária para atender ao mercado local. Logo, são forçados a transformar a unidade em plataforma de exportação e a situação se alastra para outros países.

O segundo ponto é a adequação do modelo produtivo à curva de distribuição de renda, que fica arruinada. Se a empresa encontra uma oportunidade de exportação para um modelo de determinada plataforma – mas não necessariamente para a linha toda –, aumenta sua escala nesta plataforma. Porém, para fabricar no país estrangei-ro, ela não pode se basear apenas em um modelo. Com isso, sua planta no estrangeiro terá problemas na relação custo-fixo e amortização da plataforma.

A terceira lição que as empresas cedo descobrem é o fato de ser difícil, senão impossível, reproduzir no es-

trangeiro o acordo de governança com os trabalhadores de seus países de origem. Em vez disso, principalmente no Ocidente, encontram acordos sindicais padronizados que nivelam o relacionamento trabalho-capital em em-presas com políticas bastante diferentes.

Ademais, os números mostram que as vendas de automóveis são sensíveis às preferências locais. Carros adaptados ou desenvolvidos para mercados específicos vendem mais do que veículos globais. Isto é ainda mais verdade para mercados emergentes, que são os que hoje se encontram em expansão. Esse fato afasta ainda mais o já longínquo ganho de escala.

Como sair dessa sinuca?

Rumo à descentralizaçãoNa nova organização da indústria automobilística mun-dial, General Motors, Volkswagen, Ford e Fiat, herdeiras da estratégia volume e diversidade, encontraram soluções similares para readequar sua estratégia no mundo atual. Todas investiram em um modelo que consiste na descen-tralização parcial das responsabilidades de engenharia.

ENtrAdA dE moNtAdorAS EStrANgEIrAS NA ChINA (1980-1999)

Ano de entrAdA PAís de origem montAdorAs

1985 EUA Beijing Jeep

1985 Alemanha Shangai VW

1987-98 França guangzhou Peugeot

1988 Japão tianjin daihatsu

1991 Japão Cangan Suzuki

1991 Japão guishou Subaru

1992 França dongfeng Citroën

1999 EUA Shanghai gm

1999 Japão guangzhou honda

Fonte: adaptado de Global Strategic Management. Teaching support materials, de Philippe Lasserre (Palgrave Macmillan, 2003)

Quando as exportações das montadoras demonstram uma competitividade tal que ameaçam os fabricantes locais, o governo pode reagir levantando barreiras para defender a indústria nacional ou adotar uma posição mais liberal

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“Descentralização parcial” na teoria das organizações refe-re-se à descentralização com divisão de responsabilidades.

O termo originou-se na organização do departamento de compras para rede de lojas e contrapõe-se à centrali-zação de uma atividade – na qual todos os aspectos são realizados uma única vez, em um só local – e à descentra-lização total, onde todos os pontos de uma atividade são desenvolvidos múltiplas vezes, em múltiplos locais. Na descentralização parcial há uma inteligente divisão das diversas atividades que compõem uma tarefa, o que oti-miza a relação entre customização e custo da operação.

Os custos de desenvolvimento de um novo modelo sobre uma plataforma já existente giram em torno de US$ 400 mi-lhões a US$ 500 milhões. Já o desenvolvimento de uma nova plataforma pode chegar a US$ 1 bilhão. Os ganhos de escala da indústria, além de enfrentar a concorrência, devem pa-gar esse desenvolvimento. A conta de padeiro da indústria é de que são necessários quatro milhões de veículos vendidos para pagar o desenvolvimento de uma plataforma. Isso equi-vale a toda venda de veículos de passeio de todas as marcas juntas previstas para o Brasil em 2012. Logo, a indústria hoje tem de ser global. Esse requisito não é mais uma opção.

Para coadunar as necessidades locais com a necessi-dade de escala, as montadoras estabeleceram centros de engenharia em países-chave, com mercados locais robustos o suficiente para sustentar subsidiárias com departamentos de engenharia e design cujo head count pode variar de 300 a 1.500 engenheiros e técnicos, mais instalações de desenho e laboratórios de testes.

Cada centro de engenharia (os nomes variam de monta-dora para montadora) tem uma dupla função, sendo respon-sável pelo desenvolvimento de produtos para um conjunto de mercados de características similares, e sendo o centro mundial para a pesquisa e o desenvolvimento de determi-nadas especialidades de utilidade global.

De acordo com o engenheiro brasileiro Pedro Manu-chakian, nome conhecido e respeitado na indústria auto-mobilística mundial, o mapa da engenharia mundial da General Motors tem, basicamente: o centro da América do Norte para atender América do Norte; o centro do Bra-sil criado para prestar serviço aos mercados da América do Sul; o centro da Coreia do Sul, que atende Ásia, África, Oriente Médio e Austrália; e o centro da Alemanha, que trabalha para atender a Europa. Lembrando que a GM tem subsidiárias em cerca de 60 países. Em termos de especialidade, o centro brasileiro é responsável pelo desenvolvimento de utilitários pequenos e médios.

Já a Ford tem oito centros, segundo Márcio Alfonso, que trabalha na área de engenharia da montadora. Os Centros de Desenvolvimento podem atuar ora como líde-res de projeto ou como grupo de apoio, ou mesmo exercer os dois papéis. A Ford América do Sul (que fica no Brasil) lidera o projeto do novo EcoSport e tem o suporte das ou-tras engenharias globais. No caso da nova Ranger, a Ford Austrália teve a liderança do projeto e a Ford América do Sul ofereceu o suporte para o desenvolvimento. Além de Brasil e Austrália, a Ford tem hoje centros na China, na Europa, México, Turquia e Índia (além do centro da matriz, em Michigan).

O diretor de planejamento e estratégia de produto da Fiat-Chrysler, Carlos Eugenio Dutra, afirma que a com-panhia possui centros na Itália, Brasil, Estados Unidos e China. Nos Estados Unidos, o centro de engenharia é referência em veículos elétricos, enquanto o centro italiano atua na pesquisa de motopropulsores, novos materiais, multimídia e telemática. E o centro brasileiro é responsável pelo desenvolvimento para a América Latina, além de fornecer suporte ao centro italiano e responder

Os custos de desenvolvimento de um novo modelo sobre uma plataforma já existente giram em torno de US$ 400 milhões a US$ 500 milhões. Já o desenvolvimento de uma nova plataforma pode chegar a US$ 1 bilhão. Os ganhos de escala, além de enfrentar a concorrência, devem pagar esse desenvolvimento

A indústria automobilística é passível de ganhos de escala. Isso significa que não apenas a lucratividade da empresa, mas também a competitividade de seus preços perante a concorrência, depende de volume de produção para sua viabilidade

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pelo desenvolvimento de suspensões, tecnologias para combustíveis alternativos e novos materiais.

Thomas Schmall, presidente da Volkswagen do Brasil, explica que a montadora é responsável mundial pelo de-senvolvimento dos veículos “de entrada” (veículos de baixo custo para o primeiro carro da família) da marca.

O desenvolvimento com base em um desses centros parte de um business case elaborado por um diretor (ou uma diretora, pois já temos excelentes executivas nessa posição numa indústria tradicionalmente masculina) de estratégia de produto. Esse business case é levado a um co-mitê de produto internacional, e as oportunidades de co-mercialização nos diversos países de mercados similares são avaliadas. O carro, então, é desenhado e “engenheira-do”, com a participação de fornecedores, e as peças já são

projetadas com alguma flexibilidade e “preparadas” para receber dispositivos obrigatórios em cada um dos países.

A estratégia de descentralização parcial de desen-volvimento de produtos é tipicamente global e não foi desenvolvida atrás de uma escrivaninha, mas é fruto da evolução de um setor que luta pela sobrevivência perante a competição feroz e a alta regulamentação go-vernamental. Diversos outros setores podem tirar lições importantes dessa experiência.

Marcos Amatucci Pró-reitor de pesquisa e pós-graduação da ESPM.

Professor do programa de mestrado em gestão internacional da ESPM

FAtUrAmENto ComErCIAL dE moNtAdorAS Por rEgIão

montAdorA(v) nAftA euroPA ÁsiA/PAcífico resto do mundo

firmAs AmericAnAs

Ford (1990-9) 69,8% 23,7% 3,5% 3%

gm (1990-9) 75,4% 19,2% 3% 3%

firmAs euroPeiAs

Fiat group (1995-9) 6,8% 79,5%(i) n.a. 11,8%(ii)

renault (1995-9) 10,0% 85,0% 3,5% n.a.

VW (1995-9) 10,4% 74,2% 4,1% 9,8%(ii)

firmAs jAPonesAs

honda (1997-9) 50,1% 12,0% 28,4% (iii)

toyota (1997-9) 36,6% 9,0% 42,5% (iii)

mercado mundial (2000) (iv) 28,0% 39,1% 18,3% 14,6%

(i) 1999. (ii) América do Sul. (iii) Ásia/Pacífico mais resto do mundo. (iv) Automóveis e caminhões leves. (v) Montadoras em ordem alfabética dentro das regiões.

Fonte: autor, a partir de dados de The internationalization of European automobile firms: a statistical comparison with american and asian companies, escrito por Bruno Jetin no livro Globalization or Regionalization of the American and Asian Car Industry? (Freyssenet M., Shimizu K. e Volpato G., Palgrave-Macmillan, 2003) e Global Strategic Management. Teaching support materials, de Philippe Lasserre (Palgrave Macmillan, 2003). Disponível em: http://www.philippelasserre.net/slides.htm

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empreendedorismo

Revista da esPM | setembro/outubro de 201276

Devido à falta de planejamento da governança familiar e corporativa, a maioria das famílias empresárias tende a fazer da empresa familiar um palco para a resolução dos conflitos pessoais dos seus membros

A empresa familiar é um importante elo do mercado empresa-rial em todo o mundo. Sua estrutura organizacional, padrão de operação e atuação no mercado não fogem aos padrões das empresas em geral. Mas um de seus principais desafios

situa-se na necessidade de planejamento, ou, na falta dele, no âmbito da governança do negócio e, principalmente, da governança da família.

Especialistas em estratégia empresarial afirmam que as empresas familiares apresentam melhor performance global, quando comparadas a negócios não familiares. Por quê?

Uma explicação é que, ao se defrontar com os mesmos desafios do mer-cado, acrescidos aos desafios criados pela família controladora do capital (desafios já bem conhecidos por todos), esse tipo de negócio cria um campo balanceado que propicia o aumento da disposição para vencer a competição em todos os seus aspectos: familiar, que se posiciona no campo da emoção; e de mercado, cujas questões são regidas pela razão.

Outra característica que contribui para esse aspecto é que o horizonte de tempo considerado por elas é aferido em décadas e não em trimestres (“quarters”). Uma visão em longo prazo, apoiada pela compreensão das famílias que controlam seu capital. Isso significa que empresas familiares estão focadas, ao mesmo tempo, no passado e no futuro.

Para seus dirigentes, meio ambiente, funcionários, comunidades, forne-cedores, agências reguladoras e outros aspectos de sua atuação no mercado, estão incluídos entre seus “stakeholders”.

No entanto, existe um estigma no mercado a seu respeito. Acredita-se que a participação da família na empresa tende a reduzir a eficácia dos resultados.

Apesar de as estatísticas demonstrarem um grande percentual de extin-ção das empresas familiares ao longo do tempo, a história de companhias bem-sucedidas confirma que o estigma deve ser revisto. Não é a família em si que gera dificuldades ao negócio, ou vice-versa, mas sim o posicionamento dos familiares diante dos problemas dessa relação especialmente sensível.

Por Eduardo Najjar

Empresa familiar: um dilema entre a razão e a emoção

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empreendedorismo

Revista da esPM | setembro/outubro de 201278

Muitos membros de famílias empresárias ainda não perceberam um fator importante no contexto dos negócios familiares. O aumento da complexidade na estrutura da sociedade no mundo (e, por ordem de consequência, nas famílias) atinge de frente as bases das empresas familiares.

Nesse novo cenário, faz-se necessário que essas famílias passem a contar com novos instrumentos que apoiem a preservação e a perenização da relação empresa-família. Por exemplo: um código de relações familiares; uma estru-tura de governança familiar; ou ainda um novo modelo de governança corporativa.

Ganhos e perdasA empresa familiar apresenta inúmeros pontos positivos. Um deles é a maior taxa de lealdade dos funcionários após algum tempo de trabalho. Esses profissionais identificam-se com as pessoas que estão em seu dia a dia, sendo que muitas são membros da família. Essa empatia estimula a motivação dos profissionais e, com o tempo, o processo de comprome-timento deles com os princípios do empreendimento.

Outro ponto forte é o nome da família. Na maioria dos casos, a boa reputação e a tradição do nome da família ga-rantem benefícios para a empresa, para a própria família e para os funcionários.

Já a continuidade da gestão, por meio da sucessão de membros competentes da família, contribui para o crescimento dos negócios. Por outro lado, a união entre quotistas/acionistas é muito importante em tempos de “bons ventos”, bem como quando há algum indício de “tempestade” à vista.

Geralmente, um negócio familiar apresenta rapidez na tomada de decisão. Em alguns ramos de negócios, essa velocidade é vital para um bom desempenho da empresa diante da concorrência.

Especialistas também avaliam as gerações em suces-são como um ponto positivo, uma vez que essa “conti-nuidade geracional” permite um traço de união entre o passado e o futuro, guardando os valores da família ante a operação da empresa.

Mas empresas familiares também estão cheias de dilemas que, se não forem enfrentados, podem vir a prejudicar os resultados e, até mesmo, ameaçar sua so-brevivência no mercado.

Muitos desses dilemas foram preconizados por um dos mais reconhecidos especialistas brasileiros na área de Family Business, o saudoso professor João Bosco Lodi. No livro A empresa familiar (Editora Pioneira, 1993), Lodi des-creve alguns dos pontos mais críticos. Entre eles estão: a falta de disciplina de membros da família, no âmbito profissional e da convivência societária; a longevidade da permanência dos dirigentes à frente do negócio – citado também como positivo, esse ponto pode, em muitos

A empresa familiar apresenta inúmeros pontos positivos. Um deles é a maior taxa de lealdade dos funcionários após algum tempo de trabalho

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casos, fazer com que não haja renovação dos princípios de gestão e inibir o surgimento de novas lideranças. A metáfora do líder Branca de Neve, descrita por Júlio Ri-beiro em seu livro Fazer acontecer.com.br (Editora Saraiva, 2009), aplica-se perfeitamente também nesse contexto.

Conflitos de interesse entre família e empresa também podem levar à descapitalização e utilização ineficiente dos profissionais que trabalham no negócio, como mostra Manfred Kets De Vries no livro Family Business: human dilemmas in family firm (Thomsom Business, 1996).

A lista de problemas que costumam aparecer em um empreendimento familiar é grande: utilização indevida de recursos da empresa por membros da família em-

presária; falta de planejamento na empresa e no âmbito societário; inexistência de controles financeiros estraté-gicos e análises financeiras avançadas; resistência à mo-dernização de processos, comunicação com o mercado, políticas e práticas comerciais modernizantes, inovação de serviços e produtos; e emprego de parentes e amigos sem visão de competência profissional e desenvolvimen-to profissional com princípios baseados na meritocracia. Aqui cabe citar uma regra de ouro que vale para empresas de qualquer origem, mas principalmente para empresas familiares: não contrate quem você não poderá demitir!

Conflitos estruturaisEm seu livro Wise growth strategies in leading family bu-sinesses (Sábias estratégias de crescimento das empresas familiares líderes, Editora Palgrave MacMillan, 2005), o professor Joachim Schwass, do IMD, analisa o papel das gerações à frente dos negócios familiares.

Segundo o autor, a primeira geração é a do empreende-dor, que desenvolve sua relação com o negócio recém-criado com vetorização para o trabalho. Para essa família, o status, o valor das retiradas mensais ou o sacrifício da carga de trabalho que o novo projeto irá impor aos sócios não importam. Os empreendedores pertencem a uma linhagem única e se realizam ao terem a oportunidade de cravar uma marca no mundo. O viés empreendedor, o sonho do projeto e, muitas vezes, a necessidade de sobrevivência dão o tom ao negócio.

Muitos empreendedores creem que tempos difíceis podem trazer grandes lições para a consolidação de seus negócios. Paixão e alta taxa de aversão ao risco são fatores preponderantes para o seu sucesso.

A partir da segunda geração, a vetorização alinha-se à existência do capital, do patrimônio formado pela geração anterior. De acordo com o professor Schwass, filhos, so-brinhos, netos, familiares e agregados em geral têm em sua frente a imagem do negócio bem-sucedido, que lhes permite uma qualidade de vida e um status social elevado.

Conflitos de interesse entre família e empresa também podem levar à descapitalização e utilização ineficiente dos profissionais que trabalham no negócio

No mundo empresarial, a vida imita a arte, como a história dos irmãos Caim e Abel, uma das passagens bíblicas mais retratadas por artistas de todo o mundo

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empreendedorismo

Revista da esPM | setembro/outubro de 201280

Dessa forma, esse público irá se relacionar com o fundador e com seus pares sempre tendo em vista que “um dia, um pedaço do patrimônio será meu”. Suas ex-pectativas quanto à qualidade de vida e aproveitamento das oportunidades de trabalho, saúde e lazer são muito maiores do que as da primeira geração e darão o tom de seu comportamento diante do negócio da família.

Há também diferentes desafios, em relação à formatação da família empresária, que controla o capital do negócio.

No modelo de herdeiro único, a propriedade fica concentrada, sendo que ele é desenhado para permitir a continuidade e limitar o acesso de outros membros da família que possam ameaçar o negócio.

A lógica é clara: se houver a divisão do patrimônio por um número maior de herdeiros, inevitavelmente, com o tempo, o patrimônio total será reduzido e se perderá poder de negociação no mercado.

Como nesse modelo a sucessão não é definida por com-petência, caso o herdeiro único não quiser ou não tiver talento para suceder ao fundador, poderá ser entronado um parente mais distante para controlar o negócio da família. Aí, a questão da manutenção da cultura da família para o su-cesso do negócio poderá estar comprometida. Já no modelo de múltiplos herdeiros, a propriedade é fragmentada, com as participações acionárias divididas igualitariamente, o que significa que haverá mais de um candidato a sucessor.

Os irmãos irão herdar igualmente, mas nem todos terão a mesma motivação, foco, interesse e competência para suceder ao fundador. A complexidade das relações entre irmãos, primos, sobrinhos e agregados aumenta o risco de disputas de poder, a formação de blocos antagô-nicos e ameaça a saúde do patrimônio comum.

Tema proibidoA governança dos negócios familiares segue, quase sem-pre, as mesmas regras e processos implementados pelo fundador ou fundadores, durante os primeiros anos de vida da empresa. São controles rígidos adequados aos primór-dios da fundação, que nem sempre estão preparados para adaptação às mudanças necessárias aos novos momentos do ambiente empresarial. Outro problema é a baixa taxa de adesão aos apelos tecnológicos, as dificuldades de adapta-ção às crescentes exigências dos órgãos governamentais e as dificuldades na adaptação do diálogo com o mercado, nas mudanças que impõem aos negócios em geral.

A governança das relações familiares na maioria das

famílias empresárias é, ainda hoje, baseada na confian-ça, num nível de comunicação deficiente, na falta de informações atualizadas a respeito de instrumentos que protegem o patrimônio e possibilitam a perenização do negócio, geração após geração.

Em termos de governança familiar, trabalhar pela prevenção de futuras dificuldades nas relações familiares é, quase sempre, palavra morta, embora um dos maiores clássicos da área de gestão, o livro The practice of management (A prática da gestão, Editora Harper & Row), escrito por Peter Drucker, em 1954, ensine que, para ser bem-sucedido, o administrador precisa entender e anali-sar as condições atuais que irão moldar o futuro para poder decidir sobre as mudanças que levarão a empresa para o amanhã. Nesse contexto, a sucessão é sempre o capítulo mais difícil na agenda do fundador, do empreendedor, dos sócios, da família e da própria empresa familiar.

Na falta de um processo estruturado de sucessão, o que ocorre em mais de 85% dos casos é que o modelo do negócio pode sofrer impactos e necessitar de modi-ficações abruptas, conforme pesquisa que realizei em parceria com o professor Pedro Adachi, em 2010, com cem empresas familiares que atuam no Brasil.

Grupo Pão de Açúcar é um dos exemplos de negócio familiar bem-sucedido que acabou nas mãos de um grupo investidor por desentendimentos entre pais, filhos e demais parentes

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Especialistas em estratégia empresarial afirmam que as empresas familiares apresentam melhor performance global, quando comparadas a negócios não familiares

Muitos fatores devem ser considerados: no âmbito do negócio em si, bem como na formatação das relações fami-liares. Mudanças e transições estruturais são eventos raros nas empresas familiares. Se a mudança se referir, então, à passagem do controle da primeira para a segunda geração, a família não tem nenhuma experiência no assunto.

Falar em sucessão é especialmente difícil para a famí-lia, pois envolve reconhecer a possibilidade da morte. Des-sa forma, quando a empresa familiar se vê na iminência de planejar a sucessão, na prática, os conceitos desaparecem.

Considera-se que a nova geração que irá assumir au-mentará a sede por controles, precisará ser bem recebida pelas equipes da empresa, além de entender o interesse e os dilemas do líder que está deixando o cargo.

Mas quais membros da nova geração terão perfil para encarar esses e outros desafios?

Sentindo-se inseguro e vulnerável ante o risco da escolha, muitas vezes o fundador simplesmente posterga sua perma-nência à frente dos negócios e o planejamento da sucessão.

Para não cair nessa armadilha, a empresa familiar e a família empresária devem adotar práticas atualizadas de governança, visando à perenidade – com saúde – de seu patrimônio, como afirma John Ward no livro Unconven-tional wisdom: counterintuitive insights for family business success (Sabedoria convencional: perspectivas contra intui-tivas para o sucesso do negócio da família, Editora Jossey Bass, 1991).

Hoje, devido ao aumento da complexidade das relações sociais em todo o mundo, recursos técnicos para gestão das relações familiares, que não eram requeridos há algumas décadas, passaram a ser adotados.

Ainda assim, de tempos em tempos, especialistas e famí-lias empresárias referem-se ao mito da profissionalização, como um elixir que irá curar todas as dores do crescimento da família e da gestão da empresa. Mas o termo não se apli-ca a essa realidade. Os negócios familiares não estariam mantidos no mercado por longo tempo, caso não fossem operados profissionalmente.

Os esforços para uma suposta profissionalização da em-presa familiar não devem servir de bandeira para os dilemas da família empresária, que deve ter como objetivo modificar a forma de pensar (o “mindset”) e agir da maioria de seus mem-bros, buscando deles, em diferentes graus: integração fami-liar; comprometimento; disciplina; formação dos herdeiros para o papel de sócios (este é um capítulo importantíssimo na agenda das famílias empresárias, que daria forma a um novo artigo que tratasse, especificamente, do tema); compe-tência em assuntos ligados à direção do negócio e à gestão da empresa; postura ética; manutenção dos valores familiares (cultura familiar); interesse genuíno pelo negócio da família (no sentido de participar de algumas ações relacionadas com a empresa, na posição de sócios ou futuros sócios do negócio); e, o item mais importante da lista, a manutenção da harmonia “possível” entre todos os familiares.

Sei que, ao ler esta última frase, o leitor pode ter pensado que eu seja uma pessoa alienada no que tange às idiossincra-sias humanas. A reação da maioria foi algo como: “falar em harmonia para administrar o negócio da família é... poesia!”.

Tenho essa mesma convicção quanto à manutenção da harmonia total, o tempo todo, entre todos os familiares. Por essa razão, defendo a manutenção de um nível de “harmonia possível” entre os familiares, que faça com que consigam sentar em torno de uma mesa, de tempos em tempos, para discutir assuntos pertinentes ao con-trole do negócio, mesmo que não tenham aspirações de conviver socialmente, familiarmente, em datas em que se realizam as reuniões familiares para comemorações de aniversários, bodas, nascimentos e outras efemérides.

Minhas convicções e palavras finais são pela defesa da manutenção de boas relações entre familiares (harmonia possível); pela implementação das melhores práticas de gestão na estrutura da empresa familiar; pelo trabalho de desenvolvimento do grupo de herdeiros visando ao seu futuro papel de sócios; e pelo planejamento cuidadoso do processo de sucessão. Tudo isso visando manter a seguran-ça do futuro da empresa familiar e a saúde do patrimônio da família, com vistas às próximas décadas!

Eduardo Najjar Consultor, pesquisador, coach e professor na área

de governança corporativa, sucessão empresarial e desenvolvimento de herdeiros em empresas familiares.

Seu livro mais recente é Empresa Familiar: construindo equipes vencedoras na família empresária (Editora Integrare, 2011)

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Revista da esPM | setembro/outubro de 201282

InternacIonalIzação

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O planejamento estratégico para internacionalização deve ser concebido levando-se em consideração tanto as questões internas à própria corporação quanto as possíveis formas de ação internacional que podem ser seguidas

As fronteiras nacionais estão mais fluidas e as distâncias são cobertas numa velocidade cada vez maior. Essas ca-racterísticas do mundo atual marcam fortemente várias dimensões da vida internacional, com especial destaque

para o modus operandi das corporações transnacionais. Não bastando os desafios apresentados para as corporações brasileiras, os desafios são ainda maiores quando o foco é o exterior.

Não é novidade a existência de corporações transnacionais de capital nacional no país. No entanto, sempre se apresentaram em quantidade tão pequena, que não permitiam o desenvolvimento de uma cultura internacionalizada. Nas últimas décadas, a maioria das corporações brasileiras que se internacionalizaram é de empresas de grande porte, geralmente baseadas em commodities (minérios, grãos, petróleo, entre outras). Salvo honrosas exceções, como a sem-pre citada Embraer, essas companhias são de baixo valor agregado.

Negócios sem fronteiras

Por Rodrigo Cintra

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internacionalização

Revista da esPM | setembro/outubro de 201284

Desde a década de 1990, com a abertura comercial du-rante o governo Collor, o cenário começou a mudar. O país se viu exposto ao comércio internacional, enfrentando um positivo – e perigoso – choque de modernização e com-petitividade. Na época, muitas empresas não aguentaram a competição dos produtos vindos do exterior, produtos esses que apresentavam qualidade e preço melhores. Por outro lado, as empresas que sobreviveram encontraram novas formas de competir, valendo-se das mais variadas estratégias, como barateamento, melhora da qualidade, desenvolvimento de especificidades e formação de ni-chos de mercado.

A sobrevivência no mercado nacional, então mais competitivo, permitiu às empresas nacionais um ganho em competitividade que as qualificou para alçarem novos voos, agora no mercado mundial. Esse movimento ainda é muito recente e devemos tomar cuidado, pois não são todas as empresas que estão qualificadas para isso. Se, por um lado, a internacionalização começa a aparecer como uma possível estratégia, por outro a cultura da internacionalização ainda é muito frágil.

É importante cuidar para que a “moda” de se interna-cionalizar não mascare a necessidade de se preparar. O aumento na velocidade da internacionalização da eco-nomia brasileira nos últimos anos é atribuído, principal-mente, às corporações que já estão envolvidas há décadas nesse movimento. Não se deve confundir o aumento do volume de exportações com o aumento da capacidade de internacionalização das corporações brasileiras.

Para se internacionalizar, uma corporação não deve depender apenas de uma vontade. Há duas condições primordiais para que ela possa começar a pensar de forma séria e profissional em sua internacionalização: a primeira é ter uma organização interna capacitada e voltada à internacionalização; e a segunda, realizar um planejamento estratégico capaz de promover a or-

ganização com a aplicação dos recursos da empresa na consecução de seus objetivos.

Isso é fundamental na medida em que o mundo cor-porativo brasileiro, em uma parcela importante de sua totalidade, é formado por corporações transnacionais de capital estrangeiro. Nós nos acostumamos a ser uma terra de filiais e, agora, temos de nos transformar em uma terra de matrizes. Tal mudança de percepção e posicionamen-to é particularmente importante em termos de cultura empresarial. É nesse sentido que a corporação deve ser capaz de se organizar internamente, capacitando pesso-as, criando departamentos especializados e disponibili-zando recursos para que o mercado internacional possa ser percebido, testado e conquistado.

Tipo exportaçãoNo que se refere à dimensão interna da corporação, é impor-tante considerar algumas dimensões, como o comprome-timento dos dirigentes. É importante que os dirigentes de uma corporação estejam alinhados à necessidade e urgência da internacionalização. A concentração dos esforços de internacionalização em apenas uma diretoria pode gerar o desperdício de recursos, senão a neutralização deles, em face das competições internas. Produção, novos negócios e marketing devem estar integrados, ainda que não necessa-riamente todos devam se concentrar na internacionalização.

Produção e adaptabilidade também devem ser avalia-das, pois para se vender no mercado internacional é im-portante que a empresa considere, antes de mais nada, as suas limitações produtivas. Isso não significa que todas as corporações devem ser capazes de fabricar produtos de ponta. Existem mercados com variados níveis de deman-da. Mas é importante que a vontade de buscar o mercado internacional não seja apenas pela queda das vendas nacionais. O mercado internacional não é acessado de forma rápida, exigindo esforços humanos e materiais, de forma que deve ser uma escolha consciente e não a falta de alternativas dentro do mercado doméstico.

a sobrevivência no mercado nacional, então mais competitivo, permitiu às empresas nacionais um ganho em competitividade que as qualificou para alçarem novos voos, agora no mercado mundial

É importante cuidar para que a ”moda” de se internacionalizar não mascare a necessidade de se preparar

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Uma vez superada a questão da produção, é importante discutir a adaptabilidade que o produto possa vir a ter em sua inserção internacional. Pensar sobre possíveis mu-danças no produto pode ser a diferença entre o sucesso e o fracasso da operação.

Por outro lado, e não menos importante, o sucesso dessa empreitada depende em grande medida de um planejamento estratégico especialmente voltado à in-ternacionalização. Ainda que esta leve a maior parte das pessoas a pensar em vendas no exterior, é importante considerar que ela pode se relacionar com as mais diver-sas dimensões de uma corporação.

Vendas internacionais é a forma mais comum de se conceber a internacionalização, sendo marcada pela ex-

portação direta (venda direta do produtor nacional a um comprador internacional), ou indireta (venda do produtor nacional a um intermediário nacional, que, por sua vez, faz a venda no mercado internacional).

Geralmente, os riscos nesse tipo de estratégia são me-nores na medida em que a corporação nacional investe relativamente pouco na abertura e na manutenção do mercado internacional. Por outro lado, o resultado é um baixo conhecimento das dinâmicas de consumo no mercado em que se atua, aumentando o risco de perda de espaço diante de novos competidores ou mesmo de esgotamento da demanda do produto.

É importante que a corporação, uma vez iniciada a ação de vendas internacionais, se preocupe em aprofundar,

Anúncio criado pela AlmapBBDO para divulgar Havaianas no exterior, processo que teve início em 2005, quando a Alpargatas passou a investir na internacionalização da marca. Hoje, as exportações representam 30% dos negócios da grife de sandálias

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internacionalização

Revista da esPM | setembro/outubro de 201286

cada vez mais, a sua presença no mercado internacional escolhido. Não se trata, necessariamente, de abrir lojas e promover ações de comunicação nesses mercados. Ainda que sejam ações importantes, não são adequadas a todas as corporações. Para muitas, o mais importante é manter-se próxima do mercado, com constantes levantamentos de informações para que se determine a dinâmica de consumo e inovação que marca determinado segmento.

Acordos e parcerias estratégicas representam outra im-portante estratégia que as corporações podem seguir em suas ações internacionais e está ligada ao estabelecimento de acordos e parcerias. Geralmente, essa opção não é con-siderada pelas corporações que começam a desenvolver suas primeiras experiências em mercados internacionais.

Dentro dessa linha estratégica, é possível desenvolver diferentes formas de ação. O importante aqui é pensar o negócio como parte de um todo maior. Por exemplo, uma corporação pode deter uma patente e licenciá-la para a produção internacional, ou ainda deter uma marca que, carregada de algum atributo brasileiro ou regional, pode ser licenciada para alguma corporação internacional interessada em explorar tal característica.

Nesse mesmo contexto, mas agora considerando-se a produção como partícipe, é possível imaginar corpora-ções que produzem partes diferentes e complementares de algo a ser vendido no mercado internacional. Aqui podemos pensar desde joint ventures até acordos estraté-gicos. O importante é garantir que o todo seja entregue, mesmo que isso signifique que cada corporação envolvida seja responsável por etapas absolutamente independen-tes da produção (como a produção e a logística).

No caso de corporações que possuem uma maior dis-ponibilidade de recursos, há de se considerar, também, a possibilidade de realizar investimentos no exterior, objetivando a produção local ou, pelo menos, um domí-

Rumo ao exteRioRQuando o assunto É InternacIonalIzação da empresa, algumas dImensões precIsam ser consIderadas

• Comprometimento dos dirigentes• Produção e adaptabilidade• Vendas internacionais• Acordos e parcerias estratégicas• Investimentos no exterior• Substituição de fornecedores

Com 17.970 empregados e US$ 12,4 bilhões de pedidos firmes em carteira até o terceiro trimestre de 2012, a Embraer é hoje uma das maiores empresas aeroespaciais do mundo. Com 42 anos de experiência no segmento, a empresa já produziu cerca de 5 mil aviões, que hoje operam em 88 países. Entre eles estão Rússia e Japão, como mostram esses dois anúncios da companhia

o mercado internacional não é acessado de forma rápida, exigindo esforços humanos e materiais, de forma que deve ser uma escolha consciente e não, simplesmente, pela falta de alternativas do mercado doméstico

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setembro/outubro de 2012 | Revista da esPM 87

nio maior sobre todo o processo de venda (incluindo-se não apenas a venda, mas também o pós-venda e o financiamento).

Nesses casos, o risco é sempre maior, na medida em que envolve maior imobilização de recursos. É importan-te um bom conhecimento das condições locais, bem como das garantias oferecidas ao investimento. A depender do perfil do investidor, bem como do risco do negócio, é ainda aconselhável que o empreendimento seja feito juntamente com outros parceiros, pulverizando os riscos.

Ainda dentro dessa estratégia, é fundamental que o projeto seja desenvolvido levando-se em conta o papel desempenhado pelos Estados, que são capazes de atrair grandes investimentos internacionais, oferecendo apoios e incentivos.

A substituição de fornecedores é, provavelmente, um dos fatores menos conhecidos sobre as estratégias de internacionalização. Trata-se da busca de fornecedores internacionais capazes de oferecer insumos melhores ou

mais baratos. Os resultados dessa estratégia podem ser alcançados tanto em termos de redução dos custos de pro-dução quanto da possibilidade de aumento da qualidade do produto final a ser entregue. Seja qual for o caso, o retorno que se percebe é o aumento da competitividade no merca-do doméstico e, possivelmente, no mercado internacional.

Não se trata de uma estratégia fácil de ser implemen-tada, sobretudo porque demanda conhecimentos sobre comércio exterior e a antecipação de pagamento de fornecedores. No entanto, diante das potencialidades de ganhos, deve ser considerada.

Para essa linha estratégica, o importante é levar em conta o sistema produtivo mundial como um todo, buscando sempre estabelecer um ajuste com vistas aos grandes produtores mundiais. Além da própria estratégia voltada à estruturação produtiva, é importante também que se considere o constante investimento em pesquisas e levantamentos de mercado.

Essas são algumas estratégias possíveis para a interna-cionalização de empresas, tanto em sua dimensão inter-na quanto externa. Mas é importante ressaltar que, ainda que haja um aumento paulatino na internacionalização de corporações brasileiras, há de se tomar cuidado para que a mobilização e o empenho de recursos não sejam desperdiçados.

Uma profunda e séria discussão dos porquês da busca pela internacionalização, seguida de um bom plano es-tratégico voltado especificamente para a internaciona-lização, é algo que faz toda a diferença em um mercado cada vez mais competitivo.

Rodrigo Cintra Coordenador do curso de Relações Internacionais da ESPM e sócio

da BR Target – Assessoria & Consultoria em Relações Internacionais

a corporação deve ser capaz de se organizar internamente, capacitar pessoas, criar departamentos especializados e disponibilizar recursos para que o mercado internacional possa ser percebido, testado e conquistado

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relações internacionais

Revista da esPM | setembro/outubro de 201288

O Brasil deve se remodelar ao cenário internacional, priorizando o desenvolvimento econômico por meio de ações mais planejadas e assertivas em detrimento de iniciativas de curto prazo, por vezes ideológicas e demagógicas

Após o término da Segunda Guerra Mundial, em 1944, foi realizada a Conferência de Bretton Woods. O encontro gerou um acordo no qual

os representantes dos 45 países mais ricos na época reuniram-se com o objetivo de estabe-lecer uma nova ordem mundial econômica e financeira, em decorrência da previsibilidade do desequilíbrio econômico em efeito cascata, o que oneraria as nações. A principal contri-buição para a comunidade internacional foi a criação de parâmetros que possibilitaram certo nível de democratização no comércio internacional. Isso ocasionou a redução das restrições governamentais ao comércio e eliminou, de certa forma, as diferenças estru-turais dos países, de acordo com sua condição econômica. Também promoveu o controle das restrições impostas pelos monopólios privados, descentralizando o poder econômi-co e democratizando os recursos numa base mais competitiva. E gerou a diminuição dos impactos nas áreas de produção e emprego, estabilizando as relações internacionais entre os países, equilibrando economicamente e

modernizando sua base produtiva. Ressalta-se o “certo nível” em detrimento das diferentes estruturas econômicas, existentes até hoje, que interferem no relacionamento e desem-penho comercial.

A partir de diferentes rodadas de negociação do Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio (GATT, na sigla em inglês), foram for-mulados os grupos de princípios elementares que norteiam os relacionamentos diplomáticos e comerciais entre países.

Os princípios elementares são diplomáticos e comerciais e não, simplesmente, ideológicos ou sociais.

O comportamento contemporâneo dos rela-cionamentos diplomáticos e internacionais é resultante dos princípios elementares discuti-dos no cenário pós-Guerra Mundial, refletindo mais um temor das nações sobre os impactos econômicos que poderiam surgir do que pro-priamente os efeitos sociais negativos decorren-tes. Tais princípios podem ser categorizados em dois grupos: o da nação mais favorecida, cujas partes envolvidas devem outorgar-se, recipro-camente, isonomia ao melhor tratamento dado

O fim da desindustrialização sustentada: discurso desconectado

Por Edmir Kuazaqui

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setembro/outubro de 2012 | Revista da esPM 89

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relações internacionais

Revista da esPM | setembro/outubro de 201290

2011 2010 variaçãoExportação 256.040 201.915 26,8%

Importação 226.243 181.768 24,5%

Saldo 29.797 20.147 47,9%

Corrente de Comércio 482.283 383.684 25,7%

Balança ComerCial Brasileira 2011 x 2010 (US$ MIlhõES)

Fonte: SECEX/MDIC

ValorΔ%

2011/10 Part %1. Minérios 44.217 43,4 17,3

2. Petróleo e combustíveis 31.008 35,5 12,1

3. Material de transporte 25.120 15,5 9,8

4. Complexo soja 24.154 41,1 9,4

5. Produtos metalúrgicos 17.387 34,3 6,8

6. Açúcar e etanol 16.432 19,3 6,4

7. Químicos 16.234 20,5 6,3

8. Carnes 15.357 15,5 6,0

9. Máquinas e equipamentos 10.457 27,7 4,1

10. Café 8.700 51,6 3,4

11. Papel e celulose 7.189 6,2 2,8

12. Equipamentos elétricos 4.811 -0,1 1,9

13. Calçados e couro 3.659 4,1 1,4

14. Têxteis 3.012 33,0 1,2

15. Metais e pedras preciosas 2.961 30,4 1,2

ValorΔ%

2011/10 Part %1. Combustíveis e lubrificantes 41.968 40,1 18,5

2. Equip. mecânicos 33.703 18,1 14,9

3. Equip. elétricos e eletrônicos 26.395 18,6 11,7

4. Automóveis e partes 22.621 30,9 10,0

5. Químicos orgân. e inorgânicos 11.765 14,9 5,2

6. Fertilizantes 9.138 84,9 4,0

7. Plásticos e obras 8.104 24,3 3,6

8. Ferro, aço e obras 7.583 -3,8 3,4

9. Farmacêuticos 6.499 6,7 2,9

10. Instr. ótica e precisão 6.302 3,4 2,8

11. Borracha e obras 5.103 27,9 2,3

12. Cereais e produtos de moagem 3.245 16,5 1,4

13. Cobre e suas obras 2.775 12,4 1,2

14. Aeronaves e peças 2.516 9,7 1,1

15. Filamentos e fibras sintét. e artif. 2.342 20,1 1,0

PrinCiPais Produtos exPortados em 2011 (US$ MIlhõES)

PrinCiPais Produtos imPortados em 2011 (US$ MIlhõES)

Fonte: SECEX/MDIC Fonte: SECEX/MDIC

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a um parceiro comercial; e o de mercados abertos, onde existe a proibição de todas as formas de protecionismo, com exceção das barreiras tarifárias. Dentro desse princí-pio, destacam-se o tratamento nacional, em que não deve haver espécie alguma de discriminação entre o produto nacional e o estrangeiro, depois de seu processo de nacio-nalização; a transparência, em que a Organização Mundial do Comércio (OMC) – antigo GATT – deve ser notificada sobre as normas que possam afetar o fluxo do comércio; os procedimentos de importação, impedindo que a burocra-cia se torne uma barreira comercial, ou seja, uma barreira não tarifária; proibição das restrições quantitativas, que limitam o volume de operações; proibição das práticas consideradas desleais, em senso comum, de comércio; o comércio equitativo, conhecido também como fair trade, com proibição de subsídios aos produtores nacionais.

Tais princípios foram evoluindo de acordo com o crescimento das transações mundiais de comércio. De um cenário de reconstrução, diversas economias foram se destacando de forma singular, em países como a Ale-manha, os Estados Unidos e, na última década, a China. A crise internacional de 2009 acentuou as diferenças econômicas e sociais entre os países e expôs, talvez, uma nova configuração de comportamento de negócios, na qual, além das diferenças e vantagens competitivas inerentes a cada país, tornaram-se necessários a criação e o desenvolvimento de competências de cada um deles.

Tomemos como exemplo o México, que exporta grande parte de sua produção para os Estados Unidos e o Canadá, devido ao Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (Nafta, na sigla em inglês). Outro caso mais contemporâneo é o da Índia, que possui um baixo nível de desenvolvimento tecnológico, mas exporta tecnologia de informação para outros países mediante investimen-to europeu. Os dois países não possuem diferenciais e vantagens competitivas, nem tampouco competências essenciais. Para eles, a única alternativa é a parceria com outras economias mais favorecidas e, dessa forma, restringir seu relacionamento comercial com outros paí-

ses. A dependência onera, sobremaneira, a área social. Existe uma necessidade estratégica de tentar conciliar o econômico e o social, mas vale ressaltar que o bem-estar social não vem somente do bem-estar das pessoas, mas da capacidade de uma sociedade gerar riquezas econômicas que resultem no financeiro e, consequentemente, no aten-dimento social sustentado. Neste cenário, a participação das empresas é preponderante para a geração de riquezas econômicas, competindo ao governo a responsabilidade de exercer determinado nível de gestão e influências positivas em todo o sistema. Essa discussão não deve ser encarada como reducionista, em relação ao capitalismo, mas é uma forma lógica de os países se tornarem nações, na acepção da palavra, em se tratando de mercados internacionais. Assim, propostas ideológicas que se so-brepõem ao econômico devem prevalecer como formas de desenvolvimento de uma sociedade mais saudável, mais ética e mais humana. Entretanto, deve-se avaliar, estrategicamente, o que resultaria em melhores contri-buições a médio e longo prazos, em detrimento dos frutos descontinuados do curto prazo. Nem sempre o resultado econômico favorável reflete-se no social, porém é difícil visualizar o bem-estar social sem o econômico.

Realidade brasileira Dentro dessa linha de raciocínio e recortando parte dos acontecimentos no país, de forma estrutural e até situacio-nal, vamos então discutir pontos convergentes que podem retratar cenários futuros, no sentido de nortear as empre-sas no Brasil. Com o fortalecimento institucional e político da Organização Mundial do Comércio (OMC), houve o incremento do relacionamento do comércio multilateral, de que, teoricamente, as barreiras ao livre comércio foram, gradativamente, eliminadas, dando a ideia de uma aldeia global, onde os mercados se tornariam menos complexos em relação à movimentação de produtos e serviços.

Dessa forma, a abertura dos mercados globais se nor-teia em três conceitos básicos: a confiabilidade política, a partir da evolução histórica, atitudes e análises das instituições domésticas dos países; a credibilidade pe-rante o sistema e organismos internacionais, por meio do perfeito cumprimento de acordos firmados; e a previsibi-lidade, obtida por diferentes ferramentas e indicadores. Por meio desses indicadores de gestão, é possível prever determinados cenários futuros, que refletem políticas e ações atuais. Dessa forma, o atual fraco desempenho da

Melhoramos no ranking de competitividade, mas estamos perdendo vendas internacionais

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relações internacionais

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indústria nacional brasileira é resultante de uma série de ações passadas, a partir de políticas ideológicas que estão conduzindo o país para uma situação pouco confortável, se considerarmos comparativamente o crescimento de outros países com a mesma classificação econômica, como os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China, incluindo-se a África do Sul), por exemplo. Não temos vantagens com-parativas e é equivocada a afirmação de que o nosso fraco desempenho internacional deriva simplesmente dos efeitos da crise europeia, pois outros países têm previsão de crescimento maior que o nosso. O baixo desempenho deriva da falta de estrutura e tecnologia ocasionada pelos altos custos internos de produção, comercialização e logística, comumente chamados de custo país. Segundo o ranking de competitividade global do World Economic Forum (WEF), até 2011, o Brasil estava no 53º lugar entre os países mais competitivos do mundo. Neste ano o país alcançou a 48ª posição.

Segundo o relatório, um dos grandes entraves conti-nuam sendo o governo e as respectivas políticas de curto prazo, que oneram o país e não contribuem para o desen-volvimento sustentado. Nesse caso, a responsabilidade da competitividade brasileira não pode ser atribuída às práticas do governo, mas à eficácia dos empresários. A partir desse relatório, pode se tornar incompreensível a ideia de que melhoramos no ranking de competitividade, mas estamos perdendo vendas internacionais.

Analisando a balança comercial do país, percebemos que estamos diminuindo, gradativamente, nosso resul-tado comercial referente às exportações e importações. O Brasil em 2011 fechou com um superávit de US$ 29,8

bilhões, ante US$ 20,1 bilhões em 2010, o que pode parecer um crescimento considerável. Entretanto, o que ocorreu na verdade é que 47,8% de US$ 256 bilhões foram consti-tuídos por commodities, lideradas pelo minério de ferro. Não aumentamos em volume de venda, mas as commo-dities tiveram grande valorização no período. Em suma, vendemos um volume similar, mas o preço aumentou em 31,3% na média. Em contrapartida, as importações estão crescendo a cada ano, resultando em US$ 226,2 bilhões em 2011, valor 24,5% maior que o do ano anterior, tendo como composição: 45,1% de bens intermediários; 21,2% de bens de capital; 17,7% de bens de consumo; e 16% de petróleo e combustíveis. Como complemento, fechamos 2011 com 19.194 empresas autorizadas a exportar, número que se mantém estável há mais de dez anos. Em contrapartida, em 2011, existiam 43.327 empresas importadoras em de-trimento das 25.550 companhias de 2002. Em 2006, teve início o período de crescimento desse tipo de empresa, o que se configura como uma realidade, consolidada a importação estratégica em detrimento ao abandono das exportações. Comparativamente, temos um grande volu-me de manufaturados em detrimento do grande número de exportação de básicos, que pouco contribuem, finan-ceiramente, ao país.

Segundo Jakki Mohr, Sanjit Sengupta, Stanley Slater e Richard Lucht, autores de Marketing para mercados de alta tecnologia e de inovações (Pearson, 2011), indústrias de alta tecnologia podem ser definidas como aquelas envolvidas no desenvolvimento de processos inovado-res a partir da aplicação sistemática do conhecimento técnico e científico. Por outro lado, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) complementa a necessidade da agregação de valor, e a National Science Foundation, a intensidade da pesquisa e desenvolvimento nesse processo.

Voltando ao ranking, pode-se notar uma queda na qua-lidade das nossas exportações em relação à diminuição gradual e histórica de bens com alta tecnologia, e sensível

Temos um grande volume de manufaturados em detrimento do grande número de exportação de básicos, que pouco contribuem, financeiramente, ao país

Exportação dos sEtorEs industriais brasilEiros, por intEnsidadE tEcnológica

setores 2009 2010 2011

alta tecnologia 8,6% 7,3% 6,2%

Média-alta tecnologia 26,0% 28,3% 27,9%

Média-baixa tecnologia 23,6% 22,9% 25,5%

baixa tecnologia 41,7% 41,5% 40,3%

Fonte: adaptado a partir de dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (2012)

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incremento dos bens de média-baixa tecnologia. Não é possível realizar o mesmo estudo com as importações, em decorrência da heterogeneidade de sua origem, mas considerando a grande participação de bens industria-lizados e procedência – Ásia (31,0%) e União Europeia (20,5%), liderada pela Alemanha (6,7%). Em suma, ficam incoerentes os resultados do ranking de competitividade se comparados aos de comércio exterior. Além disso, o que vendemos reflete o nível de pesquisa, desenvolvimento e tecnologia de nossos produtos e, consequentemente, do parque industrial do Brasil.

Crescimento pseudossustentável O termo sustentabilidade remete à ideia de continuidade, mas não, necessariamente, para os melhores resultados. O custo país inibe a possibilidade de novos empreende-dores se tornarem empresários de fato, dificultando a renovação e inovação tecnológica. De outro lado, temos as médias e grandes empresas tentando, sistematicamente, descobrir outras formas de como fazer com que o custo país não interfira na sua competitividade. Voltando ao caso do governo, foi justificado que o Japão, a Coreia do Sul e a Austrália tomem a iniciativa de questionar a medi-da anunciada pelo governo brasileiro em 2011 que aumen-ta a alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) em 30 pontos percentuais, onerando de 37% a 55% os veículos com menos de 65% de constituição nacional. Tal medida fere, diretamente, o preceito do tratamento nacional, no qual não deve haver discriminação sobre os importados a partir de sua nacionalização. Para sustentar tal tese, os países têm como alicerce a análise de comitês técnicos que pode associar-se às práticas protecionistas.

O grande problema que poderá surgir a partir dessa situação é a pressão política e comercial sobre o país. Pos-teriormente, outros países podem, em conjunto, solicitar à OMC seu parecer e, em caso desfavorável, o Brasil será passível de retaliações comerciais por parte dos países reclamantes. A China, no limiar de introduzir no mercado global sua linha de veículos, é conhecida por sua postura e prática comercial, que provavelmente irá engrossar o conjunto de países prejudicados. Do ponto de vista da soberania nacional, são louváveis medidas protecionistas que visam salvaguardar a indústria e empregos no país. O grande problema é que tal medida já deveria ter sido imposta há vários anos e de forma coerente e contextua-lizada. E não quando existe a iminência da entrada de veí-

culos chineses no mercado brasileiro. É de conhecimento público que o Brasil não tem indústria automobilística na-cional, sendo, pela medida, beneficiados os países como os Estados Unidos e os países europeus, como a França e a Itália, que têm montadoras e, estrategicamente, ainda não se pronunciaram sobre tal medida. Além disso, não pode-mos culpar nossa incapacidade de atender ao mercado interno em virtude de uma desindustrialização sustentada e repassar o mérito para o que importamos.

Mostrou-se, então, um rápido panorama histórico-con-ceitual das relações comerciais e sua inserção no âmbito das mudanças e transformações do sistema internacio-nal. Tais mudanças e transformações afetam tanto as relações multilaterais quanto bilaterais dos componentes do sistema nacional e internacional, em que as empresas devem procurar sua perfeita adaptação.

Todo o país deve identificar as competências existentes ou tentar desenvolvê-las no sentido de melhor atender às demandas internas e externas. Para isso, é necessário um planejamento adequado aos resultados necessários diante dos recursos disponíveis.

Tudo isso depende de uma proposta de governo que te-nha por objetivo um crescimento econômico sustentado dentro de uma dinâmica de mercado. E este é o proble-ma. Vivemos dentro de um conjunto de ações que advém de ideologias que até podem ser importantes, mas, por outro lado, pouco contribuem de forma pragmática.

Esse discurso nada acrescenta ao crescimento eco-nômico, que sustenta o social e deixa de lado a ideia beggar-thy-neighbour, ou seja, menos intervenção do Esta-do. Portanto, trabalhamos fora da dinâmica do mercado internacional, onde, por diferentes razões, nos torna-mos menos piores no ranking de competitividade, mas não incrementamos as nossas vendas internacionais. Dessa forma, necessitamos rever os nossos conceitos no sentido de tentar um crescimento sustentado. Citando o Japão, em recente desastre nuclear, alguns até cogitaram que o país poderia desaparecer devido à catástrofe, po-rém esse povo tem um alicerce econômico internacional e uma cultura que continuariam a existir mesmo sem a estrutura física.

Edmir Kuazaqui Doutor e mestre em administração, pós-graduado

em marketing, professor da ESPM, autor de livros, consultor e presidente da Academia de Talentos

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Mercado publicitário

Revista da esPM | seteMbro/outubro de 201294

Algumas agências de comunicação adotam metodologias de planejamento estratégico como ferramenta de trabalho. O pensamento estratégico se beneficia dessa prática utilizada como elemento de diferenciação no mercado

Muito além do planejamento!

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Como transformar números em estímulo? Como reunir responsabilidades racionais de faturamento e de volume a aspectos sensoriais e emocionais de pessoas que podem ser os agentes de compra de um determinado produto? A

lógica impossibilita o intangível? Como uma agência pode capitalizar esse cenário e se diferenciar? Essas são questões que passaram a ser mais frequentes no universo da propaganda após a década de 1950. A partir dessa época, a extrema segmentação de mercado passou a exigir parâmetros, métricas e pensamentos mais sofisticados que os já sofisticados relatórios de pesquisas, capazes de fundamentar as de-mandas de uma também crescente penetração da propaganda na vida dos consumidores. Tem início, então, o esforço de desenvolver sistemas específicos de análise, diagnóstico e recomendação de construção de estratégias para a comunicação – com a liderança das agências e a anuência de empresas anunciantes. O processo culminou na adoção de metodologias de planejamento que, por sua vez, carregam em si a responsabilidade de diferenciar e qualificar a visão e a capacidade estratégica das próprias agências.

Por Paulo Roberto Ferreira da Cunha

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Mercado publicitário

Revista da esPM | seteMbro/outubro de 201296

Nesse sentido, é possível observar que, ao longo dos últimos 50 anos, o uso de metodologias de planejamento estratégico acompanhou as práticas mercadológicas mais prementes a cada tempo. Num primeiro momento, a necessidade poderia ser a organização objetiva e tática das informações coletadas pela pesquisa e a tradução desses dados em orientações estratégicas claras, com contornos específicos para a comunicação. Nos anos de 1980, ante o excesso da oferta de produtos que possuíam funcionalidades com menor poder de discriminação, as orientações tiveram um foco mais emocional, como suporte ao posicionamento das marcas. A integração das ações de comunicação – não mais apenas a propaganda – e o brand experience deram o tom do pensamento estra-tégico na década de 1990. E desde a virada do século 21

– quando tomam corpo a amplitude midiática, os estudos etnográficos, o papel da produção de conteúdo, a incor-poração dos stakeholders e o foco maior na subjetividade do consumidor – espera-se que o planejamento possa oferecer uma indicação sobre como tangibilizar concei-tos por meio de uma cirúrgica escolha de estímulos, de mídias e de outras formas de comunicação, posto que a razão de ser de um conceito está na forma como ele será devidamente transmitido.

Um olhar sobre as práticas das agências de propaganda indica que a adoção de metodologias de planejamento não constitui uma visão unânime, expressa através de três possíveis atitudes diante do tema. A primeira delas é o fato de os publicitários não adotarem nenhuma meto-dologia formal para não engessar o exercício estratégico

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setembro/outubro de 2012 | Revista da esPM 97

e evitar a execução de todas as nuances exigidas por um determinado projeto. O segundo ponto é o uso de alguma metodologia quando o estudo em si demanda tal esforço, mas estão livres para optar pelo modelo mais adequado ou, simplesmente, não usar. Por último, eles investem em metodologias proprietárias e, no caso de algumas agên-cias internacionais, implementam o uso em todos os seus escritórios. Outra análise pode verificar que, sob o ponto de vista das estruturas das metodologias, elas são enten-didas como processuais – em que o formato mais rígido recomenda etapas a serem seguidas –, ou conceituais – que recomendam um ponto, um aspecto, uma fundamental questão que não deve ser esquecida durante o processo. Sem entrar no mérito de validade, cabe, agora, uma re-flexão sobre as contribuições que algumas metodologias ofereceram ao pensamento estratégico de comunicação.

A era do planejamento A ideia de que uma campanha termina em si e que de-pende, em primeiro lugar, de uma criativa sucessão de campanhas foi questionada no final da década de 1970, por Stephen King, da JWT Londres – criador do Account Planning e de outras práticas estratégicas em agências. A ousada proposta, para a época, de que a comunicação é uma realidade perene, cuja orientação é dada pela estraté-gia da marca – e não por campanhas –, causou comoção no mundo publicitário de então e foi traduzida em uma me-todologia denominada Ciclo do Planejamento, largamente adotada e copiada por agências em diversos países. Suas etapas para elaboração indicam um modelo processual (Onde estamos? Por que estamos aqui? Aonde queremos chegar? Como chegaremos lá? Estamos chegando lá?). Mas seu grande valor reside na definição de que, ao terminar o processo, as precondições que determinaram o início do estudo foram alteradas pela implementação do plano em si, pelas reações de concorrentes e pela percepção de consumidores diante desse conjunto de fatores. Logo, o

término de um projeto estratégico resultaria também em um novo, ou seja, um processo que não teria fim, sob o risco de perder a competitividade.

Uma das agências que mais investem no aprimoramen-to de suas técnicas de planejamento em todo o mundo, a Ogilvy comprova, com as diversas metodologias que já desenvolveu, a importância da sintonia com as demandas da comunicação de cada época. Por exemplo, quando o grupo, seguindo a tendência dos anos 1990, implantou uma prática de gestão estratégica, denominada como Orchestration, visando oferecer soluções de comunicação para seus clientes, por meio de agências diferentes da holding. Essa prática refletia a inquietação do mercado diante da imperiosa necessidade de não mais concentrar sua comunicação somente na propaganda.

Atualmente, a metodologia 360º Brand Stewardship, de caráter processual, dividida em três etapas, apresenta em seu detalhamento algumas questões importantes para a comunicação, como o pressuposto de que não apenas o consumidor, mas também outros públicos de interesse, é importante no processo de comunicação, pela prática do Brand Probe; e o alinhamento do posicionamento da marca com aspectos relevantes do comportamento do consumidor – pela determinação do Brand Print – que possibilita apontar, com segurança, pistas para a criação do conceito de uma campanha.

Por sua vez, a Ogilvy Public Relations Worldwide adota uma metodologia que inclui as práticas de relações públicas no contexto comunicacional mais amplo de uma marca, incluindo atividades midiáticas: The Ogilvy Butterfly. É interessante observar que ela propõe uma mudança no estabelecimento de alvos. Antes, na The Age of Deference, o foco da comunicação era o poder estabelecido e formal que identificava principais formadores de opinião. Agora, na The Age of Reference, é no poder de gerar identificações e de produzir algum tipo de conteúdo relevante que se encontram os focos mais objetivados de um planejamento institucional.

Em seu livro Beyond disruption – changing the rules in the marketplace (Indo além da ruptura – a mudança das regras no mercado, Editora Wiley, 2002), Jean-Marie Dru aponta que a maior competitividade das marcas é oriunda da ca-pacidade de se repensarem. E que, para isso, há de se iden-tificarem os paradigmas que podem estar impedindo sua evolução ou o atingimento de seus objetivos. Essa é a base da metodologia Disruption, adotada pela TBWA em todo o mundo. A reflexão sobre os entraves deve se debruçar

Na The Age of Reference, é no poder de gerar identificações e de produzir algum tipo de conteúdo relevante que se encontram os focos mais objetivados de um planejamento institucional

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Mercado publicitário

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sobre os níveis de negócio, produto ou serviço, marketing e comunicação, no sentido de que as mudanças dentro de uma empresa não devam ser mais lentas do que aquelas que acontecem fora dela. Embora a agência mantenha seu foco na comunicação, é válido pensar sobre a responsabili-dade do gestor de processos de comunicação, que entende que esta variável não está isolada ou incólume, e que a perspectiva é mais ampla. Para que exista, é necessário que a cadeia que a antecede esteja nos trilhos certos, sob risco da própria comunicação e da marca.

Marcas são forças, na medida em que estabelecem, sa-tisfatoriamente, relações com os seus consumidores. Uma das alternativas para a comunicação é explorar vínculos emocionais e a sua capacidade de gerar experiências de encantamento ou de relevância. Kevin Roberts, CEO mun-dial da Saatchi & Saatchi, é o autor do livro Lovemarks – O futuro das marcas (Editora M. Books, 2004), nome que batiza a metodologia conceitual de planejamento desse grupo. Segundo ele, a recomendação é clara: independentemente do processo a ser conduzido, seja na coleta de informações, seja na estruturação das lógicas, a premissa é o respeito ao espaço afetivo que faz sentido para um indivíduo, no escopo das expectativas pragmáticas e da motivação que possui diante daquilo que consome. Esse é o desafio e a busca.

Nessa mesma linha, a Human Kind, metodologia da agência Leo Burnett, indica o importante foco em pessoas e nos seus sonhos, medos, hábitos e vontades para propor soluções que valorizem o humano no processo de construir e vender produtos e a comunicação. Há três questões que essa metodologia conceitual enfatiza: buscar o Human beha-vior, a base das expectativas e motivações de pessoas ante a proposta de uma categoria, marca ou comunicação, fugindo, assim, de classificações mais ortodoxas de comportamento; identificar o Human brand purpose, capaz de diferenciar pela inserção da proposta da marca e da comunicação na

vida das pessoas, assim como evidenciar aquilo que pode agregar a essas vidas; e pensar em Acts, e não apenas em propaganda, ou seja, não apenas é válido ampliar o escopo do pensamento para outras arenas da comunicação, como também capitalizar algum fato gerado intencionalmente no início do processo para influenciar o comportamento das pessoas e gerar aderência à proposta de comunicação – como, por exemplo, os consumidores serem convidados a propor soluções para o (ainda) projeto do Fiat 500.

A relação entre marcas e pessoas é o foco do BAV – Brand Asset Valuator, estudo mundial da Young & Rubican que, embora não se constitua em uma meto-dologia de planejamento, oferece um profundo suporte ao pensamento estratégico da agência. Englobando 44 países, cerca de 500 mil pessoas e mais de 20 mil marcas avaliadas, o levantamento tem como foco a capacidade de diferenciação e envolve muitos atributos de imagem relacionados a variáveis como preferência, diferenciação, relevância, estima, familiaridade, uso e lealdade. Várias análises – como Brand Assets – são produzidas, incluindo os 4 Cs – Cross Cultural Consu-mer Characterization –, que “clusterizam” os grupos de consumidores nos seguintes perfis: transformadores, vencedores, integrados, inconformados, inquietos, emuladores e batalhadores. Tudo a serviço do foco que empresas, produtos e serviços podem adotar no atual cenário competitivo.

Valores implícitosO estudo de metodologias pode permitir, também, a identificação de valiosas recomendações inseri-das em processos de pensamento estratégico. Por exemplo, os Oito passos, adotados pela Unilever – sim, empresas anunciantes também podem ter suas próprias práticas –, auxiliam no desenvolvimento do posicionamento de marca. Já a Demand creation suge-re a inclusão da pop culture nas análises, remetendo, em parte, às questões macroambientais. O Diálogo por resultados, da Fábrica Comunicação Dirigida, não esquece as importantes métricas para aquilo que foi objetivado e obtido com uma campanha, enquanto o Propagation planning, associado à BBH e à Campfire NY, resgata o conceito de transmídia para focar na repercussão de uma mensagem por meio de mídias, arenas da comunicação e tecnologia.

Uma das alternativas para a comunicação é explorar vínculos emocionais e sua capacidade de gerar experiências de encantamento ou de relevância

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A inquestionável e infindável necessidade de oferecer soluções estratégicas aos clientes gerou a oportunidade para que algumas agências criassem e adotassem me-todologias proprietárias de planejamento. Em paralelo a seu uso pragmático em projetos, a existência dessas metodologias passou a ser um diferencial importante entre as agências, por representar uma prova de cria-tividade e inovação, fiel da balança em prospecções e apresentações de projetos. De qualquer forma, o uso de metodologias deve coadunar com a proposta de ser-viços que uma agência oferece ao mercado, sem que a sua inexistência sugira menor capacidade, posto que o pensamento estratégico torna-se maior e mais comple-xo do que os processos. Não é a metodologia que deve ser o eixo, mas, sim, o planejador, que saiba manejar o processo e engajar pessoas na sua execução.

O fato é que não há modelo mais eficaz, embora ainda resistam críticas a seu uso ou sobre qual perfil seria mais contemporâneo, com mais espaço para a criatividade. Muitas visões e possibilidades comprovam a urgência de um pensamento cada vez mais sofisticado para orientar as práticas da comunicação. E não termina na criação de um conceito estratégico ou na identificação de uma relação entre consumidores e marcas. Esse pensamento estratégico é capaz de interferir na gestão das ações de comunicação, articulando-as e definindo o seu papel no contexto da arquitetura de um plano estratégico. Como descrito no livro A master class in brand planning (Uma aula de planejamento de marca, Judie Lannon e Merry Baskin, Editora Wiley, 2007), “Stephen King teve uma grande ideia, que mudou o modo como as agências de propaganda se estruturaram, pensaram e produziram suas ideias”. Ideias que até hoje movimentam o mercado publicitário e a forma como os planejadores perseguem, religiosamente, um novo caminho, uma nova hipótese transformadora que fará, em algum lugar, alguém esco-lher, usar e amar uma marca. Se possível, para sempre.

Paulo Roberto Ferreira da Cunha Publicitário, psicanalista, coach, consultor, supervisor da área de comu-nicação integrada e professor de planejamento estratégico da ESPM-SP

Espera-se que o planejamento possa oferecer uma indicação sobre como tangibilizar conceitos por meio de uma cirúrgica escolha de estímulos, de mídias e outras formas de comunicação

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Marketing digital

Revista da esPM | seteMbro/outubro de 2012100

Rapidez, agilidade, dinamismo e senso de oportunidades são pilares fundamentais para uma boa comunicação digital. Além, é claro, de pessoas preparadas, criativas e com ousadia no lugar certo e na hora certa. Fácil, não?

Aessência do ser humano é a comu-nicação. Desde os primórdios, as pessoas se comunicam por meio de gestos, sons e pinturas rupestres.

Muitos enfeitavam com cores diferentes e inven-tavam imagens, tudo com o objetivo de comunicar para deixar a sua marca. Aliás, fica a pergunta: será que esses desenhos feitos nas cavernas já eram uma forma de publicidade utilizada pelos homens na época?

O tempo passou e a comunicação se adequou aos novos formatos de inteligência humana, além, é claro, ao avanço da tecnologia. Hoje, muito mais pessoas estão aptas a se comunicarem por meio da internet do que há 20 anos. Apenas para efeito de comparação, em 1966 havia apenas cinco canais de comunicação. Em 1986 esse número aumentou para 12, sendo que dois destes eram digitais. E, des-de 2006, são 30 canais, dos quais 23 são digitais.

Segundo dados do projeto Inter-Meios, o relató-rio de investimento em mídia no Brasil produzido pelo grupo Meio & Mensagem, no primeiro semes-tre de 2012 algumas mídias perderam força, como é o caso, por exemplo, das Guias e Listas. Essa é uma tendência natural do mercado, considerando que internet e TV por assinatura continuam liderando o crescimento do setor, com alta de 18,4% e 17,99%, respectivamente, nas receitas com publicidade. (Ver tabela na página 104)

O interessante é analisar para onde vai essa fa-tia, em quais canais estão anunciando aqueles que acreditavam piamente nesse formato. E a resposta é: muitos continuam lá. Quem se readequou aos

novos tempos foi a própria mídia. Ponto para eles.Agora, tendo em vista que os canais se ade-

quaram, vamos partir para outros dois públicos, complementares e fundamentais no processo de comunicação: as pessoas e as marcas. Atualmen-te, muito mais pessoas estão aptas a se comuni-carem por meio da internet do que há dez anos. Grandes marcas já entenderam esse fenômeno e estão aproveitando a tendência. Outras ainda caminham nesse sentido e, mesmo pisando em ovos, trilham caminhos assertivos. O que muitas ainda não perceberam é que não basta apenas estar na rede. É preciso estar na rede certa, onde aquele determinado consumidor está. É quase uma brincadeira de pega-pega.

Tendo isto em mente, é necessário pensar em três perguntas básicas: Como fazer? Por onde co-meçar? Qual caminho devo seguir? Nem sempre o planejamento antecipado é o mais certeiro. É claro que não dá para sair inserindo a marca nas redes sem uma estratégia, sem conhecer o objetivo de negócios que está por trás de tudo. Mas, assim como na publicidade tradicional – digo, off-line –, ações de oportunidade são muito bem-vindas. Aquela coisa de “rolou e preciso agir agora para não perder o timing”. Rápido e ágil. Lembrei agora de uma ação interessante do McDonald’s, que exem-plifica bem essa questão do planejamento. A assi-natura global “Amo muito tudo isso” foi a primeira frase dita pelo Fael (Rafael Cordeiro), vencedor do “Big Brother Brasil 12”. O tema ganhou espaço no Twitter do McDonald s e fez com que, apenas uma hora após o término do programa, o nome da

DNA da comunicação

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Por André Felix

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Marketing digital

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marca e a assinatura atingissem o Trend Topics, que registra os dez assuntos mais comentados. O post “Parabéns Fael, vem gastar sua fortuna com a gente. #amomuitotudoisso #bbb”, foi retuitado mais de duas mil vezes e o simples post trouxe mais de 500 seguidores para o perfil da marca. A repercussão foi maior do que a campanha do “McDia Feliz de 2011”, que certamente teve um planejamento muito mais “parrudo”. Conhecendo profundamente a empresa, o objetivo e o perfil do consumidor, o planejamento digital não precisa, necessariamente, ser extenso. Ele precisa, sim, ter como meta final ações rápidas e tangíveis.

Posso citar aqui muitos outros cases de sucesso que resultam de extenso planejamento, oportunidade ou, simplesmente, da mente de um jovem gênio que acordou inspirado e resolveu dar de presente para uma empresa toda a estratégia digital que nunca havia sido pensada. De graça. Foi o caso do “Gina Indelicada”. Uma empresa de palitos de dente, sem glamour, sem carisma. Imagino que já devam ter rolado infinitas ações de brainstorm nas agências que atendem a conta, pensando como atingir um consumidor de... palitos. Aí vem um menino, estudante de publicidade, e resolve criar uma página no Facebook, onde são postadas perguntas de supostos usuários anônimos com respostas da Gina, a mãe dos palitos. Em menos de um mês, a página

já contava com mais de dois milhões de seguidores, número digno de grandes empresas. O sucesso foi tanto, que acabou fazendo com que o fabricante de palitos fosse para as redes sociais, e a marca, que estava até meio esquecida pelos bra-sileiros, precisou estudar a possibilidade de parceria para administrar o sucesso e a visibilidade.

Outra iniciativa muito bacana, da qual participei ati-vamente, foi a #Guessthecar, para a Peugeot. Tínhamos um desafio em mãos: associar a montadora francesa aos automóveis esportivos de luxo, segmento novo para a marca no Brasil. A missão era instigar os possíveis consumidores a conhecer o lançamento, no caso, o cupê esportivo RCZ. Muitos diriam: “É apenas mais um lançamento, como tantos outros. O negócio é divulgar”. Mas fomos além e impactamos quase nove milhões de pessoas, com 35.284 links (inclusive dos principais concorrentes) e 4.318 co-mentários conquistados em apenas uma semana. Além disso, o RCZ entrou em três comparativos da categoria na imprensa especializada e apareceu ao lado das marcas mais desejadas do país (Audi, Porshe e BMW). O segredo? Utilizar pessoas comuns para serem a principal platafor-ma de mídia. Sim, os próprios internautas enveloparam a campanha, participando de um Quiz para descobrir de qual marca era o lançamento. Mais uma vez, provamos que sem o envolvimento de “gente como a gente” não há ação espetacular que sobreviva. Pensar fora da caixa, este deve ser o objetivo principal de todo e qualquer planejamento. E

Minutos depois de Fael falar o slogan do McDonald’s na final do BBB12, a rede de fast food disparou uma mensagem no Twitter que acabou entre os assuntos mais comentados do dia

Para posicionar a marca no segmento de luxo, a Peugeot investiu em uma ação de marketing digital que movimentou as redes sociais. Em 10 dias, 35,2 mil links foram gerados e outros 4,3 mil comentários publicados na web

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Comunicação é um cruzamento de ideias. É saber usar todas as mídias em uma única campanha ou, em outra,

trabalhar uma única ação, simples e centralizada

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Marketing digital

Revista da esPM | seteMbro/outubro de 2012104

o “fora da caixa” não quer dizer que não possa ser simples. Basta apenas ser inovador! Em contrapartida, uma marca que esteve em evidência nos últimos tempos, por ações que, certamente, tiveram profundos planejamentos, mas que o resultado não foi o que a companhia esperava, foi a Nokia. A empresa precisava mostrar a funcionalidade de uma ferramenta de determinado produto. Quis ousar, fazer dife-rente, pensar fora da caixa. Lançou um viral que chamaram de “Perdi Meu Amor na Balada”, no qual um rapaz contava de forma emocional que havia conhecido uma garota, mas sabia apenas o nome dela e tinha perdido o telefone. Pedia ajuda aos internautas para enviarem pistas que fizessem com que ele chegasse ao alvo. Durante uma semana, o vídeo foi replicado e comentado em todas as redes sociais até que a companhia revelou a verdade: foi uma ação de marketing digital. Alguns consideraram genial, na linha do “falem bem ou falem mal, mas falem de mim”. Outros, nem tanto. A empresa acabou no Conar, se defendendo de uma possível violação de direito dos consumidores, já que a ação não estava identificada desde o início como publicidade. A Nokia venceu a ação movida, mas fica a pergunta: venceu também o objetivo de gerar o interesse do consumidor para o produto? Atingiu, realmente, quem precisava atingir? Se

sim, ótimo. Caso contrário, como é possível reverter isso? Cases não faltam, empresas se multiplicam, assim como

ações que merecem destaque. Recebemos todos os dias informações por todos os lados, somos o consumidor-alvo de tantas e tantas marcas. Absorvemos o que nos interessa e jogamos o resto fora. O que funciona para mim pode não funcionar para você, leitor. E o que funciona para você pode não significar nada para a pessoa que senta ao seu lado e que, apesar da mesma idade, mesma profissão e mesmo estilo de vida, enxerga aquilo de forma completamente diferente. Isso porque comunicação é a ciência mais particular que existe. E planejar isso é uma tarefa para poucos. Entender exatamente o gosto de cada consumidor, conhecer profundamente o fã da sua marca, saber como é a vida, como ele vai enxergar o seu lançamento, a que horas ele vai entrar no Facebook na-quela terça-feira que você precisa, necessariamente, colocar determinado conteúdo.

Planejar é conhecer, respirar, ir a fundo em quem sempre esteve com você enquanto marca. Mais do que vir a comprar determinado serviço por ter sido atingido por tal ação, o con-sumidor precisa se sentir satisfeito por receber a informação que deseja, da forma mais assertiva possível. Pessoa é um bi-cho complicado mesmo. E a comunicação, principalmente a

RElaTóRio DE invEsTiMEnTo EM MíDia no BRasil DuRanTE o PRiMEiRo sEMEsTRE DE 2012, EM RElação ao MEsMo PERíoDo Do ano anTERioR

Meio 1º seMestre de 2011 1º seMestre de 2012

Televisão R$ 8.151.781.001,11 R$ 9.255.954.715,43

Jornal R$ 1.599.731.430,63 R$ 1.666.952.578,79

Revista R$ 885.741.909,52 R$ 864.886.477,73

internet R$ 625.450.711,53 R$ 738.881.284,29

Tv por assinatura R$ 491.769.944,16 R$ 578.570.169,65

Rádio R$ 512.618.347,90 R$ 564.092.214,64

Mídia exterior R$ 413.651.512,51 R$ 437.558.939,28

Guias e listas R$ 146.399.781,06 R$ 131.324.002,77

Cinema R$ 37.347.345,72 R$ 42.209.762,04

Total R$ 12.864.491.984,14 R$ 14.280.430.144,62

Fonte: Projeto Inter-Meios – produzido pelo grupo Meio & Mensagem

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digital, precisa abraçar e sussurrar no ouvido do consumidor: “Estamos com você e vamos para onde você for”.

Opções para esse relacionamento é o que não falta, prin-cipalmente com o avanço dos meios de comunicação e as infinitas redes que surgem todos os dias. O imprescindível é saber usá-las com inteligência e estratégia. Algumas, iso-ladamente, podem não surtir o efeito esperado, mas aí está a alma do negócio. Comunicação é um cruzamento de ideias. É saber usar todas as mídias em uma única campanha ou, em outra, trabalhar uma única ação, simples e centraliza-da. Campanhas que vão do mundo off-line para o on-line tendem a dar muito certo pelo simples motivo de atingir diferentes públicos. A rede social tem o poder de gerar engajamento, de trazer o consumidor para perto. A off-line, por sua vez, tem todas as funcionalidades já conhecidas há séculos. Ou alguém aqui duvida que um bom filme de TV no intervalo da novela das 8 dá um excelente resultado? O segredo é saber dosar, entender o momento onde cada uma deve entrar e, principalmente, saber integrar. Todas as mídias têm seu espaço. Afinal, um adolescente de 13 anos – que já tem poder de decisão nas compras dos pais, mas que não costuma ver TV e muito menos ler revista ou jornal para ser impactado com um anúncio de material escolar – precisa ser atingido de alguma forma. E, possivelmente, não será impactado com um banner em algum portal de notícia. De repente, ele precisa apenas de algumas dicas bem engraça-das de como fugir de uma professora chata para ter certeza de que a caneta que ele usará no próximo ano letivo é aquela da marca tal. Na imagem do post, o garoto escreve com a tal caneta e atrai os olhares das menininhas. No mesmo dia, a mãe do menino que está lendo o post vê um anúncio na Folha de S.Paulo, que mostra como a bendita caneta escreve mais

e é mais barata. Pronto, bingo! A comunicação cumpriu bem o seu papel e a papelaria do bairro, certamente, vendeu ao menos um produto a mais nesse dia.

Não temos como negar que a tecnologia aproxima e gera conexões cada vez mais rápidas. Meios que antes eram vis-tos como astros deram lugar ao conteúdo. Sites e banners deixaram de ser a única forma de comunicar no digital. Aliás, em muitos casos, já caíram em desuso. Afinal, seja-mos coerentes. É realmente necessário ter um site, quando é possível manter uma página que lhe permite interação 24 horas por dia, que faz você conversar com quem está ali, entender as angústias e lamúrias, de forma rápida?

Assim como o ser humano evoluiu para sobreviver no mundo moderno, a publicidade se reinventou para continuar conquistando o consumidor, com criatividade e inovação. Hoje, os meios são engolidos pela rapidez do mundo. Você propõe agora, amanhã já mudou. São redes sociais, vídeo, mobile, gamification, geolocalização, crowd-sourcing, internet of things, enfim, frentes que mostram a real necessidade de adaptação para sair da centralização e partir para a multiplicidade. As formas são muitas, basta saber usar da maneira certa.

Mas se está assim hoje, como será o futuro? Como será o mundo das crianças que ainda estão por vir? Qual será o “grau” de digital com que eles serão recebidos? Serão engoli-dos por uma tecnologia quase que impensável, ou a engolirão formatando, em segundos, aplicativos para que, com apenas uma foto e uma ferramenta de realidade aumentada, todas as peças do quebra-cabeça sejam magicamente montadas, tirando, diga-se de passagem, certa magia que vivemos ao brincar de amarelinha nas ruas? Repensando o começo da frase, talvez isso não seja o futuro. Ou, se for, é um futuro qua-se que imediato, assim como as mídias digitais. Pode chegar amanhã, no próximo mês ou, o mais tardar, em dois anos. Então, é bom começar a procurar talentos na maternidade.

O resumo de tudo é: escute o consumidor, participe das interações, gere mais conexões, seja rápido (e, adivinha... ágil). E seja flexível. O mundo anda cheio de cabeça dura. Tenha cabeça mole, cara! Acredite na maleabilidade da vida. E das redes.

André Felix Publicitário, com MBA em marketing de serviço,

marketing esportivo e mestrado em administração pela Universidade de Coimbra, além de ter sido diretor digital da

Loducca (grupo ABC) e do Media Contacts (grupo Havas)

Rapaz procura amor da sua vida em polêmica ação viral da nokia, criada para divulgar o celular Pure view 808, que teve 1 milhão de visualizações no YouTube antes de ser tirado do ar

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Branding

O Homem Vitruviano, de Leonardo da Vinci, o mestre do Renascimento que é considerado por muitos como o maior gênio da história da humanidade

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Saiba como as conexões humanas podem ajudar sua empresa a construir uma atitude e um atendimento incrivelmente diferentes do usual. Esse é o diferencial sustentável das marcas que vão construir o novo capitalismo

O mundo mudou completamente nas últimas 24 horas. Duvida? Então experimente comparar a paz entre o Ocidente e o Oriente depois de um filme que ainda nem foi divulgado

falando sobre um assunto de que o outro lado preferiria que não se falasse. A luta entre esses dois mundos tinha, nos últimos tempos, se focado no campo do terrorismo. Claro, a economia sempre motiva conflitos, mas ela é velada. Em uma semana, a confrontação mudou para o campo religioso. Com uma violência que só as notícias sem apuração geram. Aliás, não foi necessário que alguma notícia oficial fosse dada, apenas os rumores que os novos e velhos meios deixaram vazar. Eles são massacrantes ao comunicar que a mudança é a única regra. Os meios permitem que se fale a tempo e a hora com qualquer lugar do mundo em qualquer língua. Tudo é comunicado em tempo real e em 140 caracteres. Eles são o símbolo da transformação. Quem ainda tem alguma dúvida sobre a velocidade de mudança que impacta o mundo já não deve ter emprego, empresa, cônjuge e seus filhos devem ter uma impressão estranha a respeito do que essa pessoa pensa: agora ou daqui a pouco. Na verdade, quem não tem essa consciência é de outro mundo.

Mais realista é chamar esse pessoal de fundamentalista. Os mais complicados não são os que atacam ou reagem quando o tema é religioso. São os que não entendem que a competitividade nas suas vidas vai depender do fato de fazerem coisas diferentes todos os dias. Não basta mais ser competente. O futuro é dos competentes diferentes. Ao contrário dos fundamentalistas, os lançadores de tendên-cias são pesquisadores profissionais. O consultor Michael Gelb escreveu How to think like Leonardo da Vinci (Como pensar como Leonardo da Vinci, Editora Dell, 1999), um livro

interessante, que aborda as habilidades que o mestre do Renascimento usou na sua vida para criar e inovar tanto. A prática inicial é a curiosidade. Sem curiosidade não há criação ou inovação. E a prática mais elevada é a conexão. Tudo aquilo que o curioso descobriu que existe, se conectado inteligentemente com outra coisa existente, resulta em algo novo. O lançador de tendência usa o que há no mundo para criar novas formas de viver. Boas, ruins, questionáveis, elogiáveis, mas ele não para de ousar. Assim o mundo se recicla. Assim as pessoas devem ser. Assim as marcas devem se posicionar. É preciso inovar sempre e ter pronta uma alternativa para a imitação.

A forma mais profunda de se conectar é a relação humana. Pessoas das mais variadas origens vêm se co-nectando há milênios e, ainda assim, a conexão humana é complexa demais para se compreender totalmente. O domínio da conexão humana faz dos grandes líderes pessoas inesquecíveis. Seus seguidores – claro, já há seguidores muito antes do Facebook – são leais e, juntos, unidos pela causa do líder, constroem obras grandiosas.

As marcas são a versão pós-moderna dos líderes que sabem conectar humanos. Isso é fazer marketing compe-tentemente. Para quem não quer confundir, marketing é atrair e manter clientes. Mas os clientes, que antes tinham poucas marcas para se conectar, aprenderam a exercer o direito de apenas se conectar a marcas que trabalhem, de fato, para eles, que assumam verdadeiramente o foco de seu consumidor. E esse exercício de poder fez do cliente o líder do mercado. Quem começou essa história foi Shakespeare. “To be or not to be”? 2b or not 2b? Aí veio o B2C (Business to Consumer), o B2B (Business to Business) e, afinal, o C2B (Custo-mer to Business). Na verdade, um “customer” se relacionando com uma pessoa do “business”. Essa é a direção do sucesso.

AIDDU, uma questão de bom senso!

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Por Edmour Saiani

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Branding

Revista da esPM | setemBro/outuBro de 2012108

O cliente emana a energia que orienta a criação. Só marcas que têm pessoas conectadas diretamente com o consumi-dor conseguem compreendê-lo e, antes dos concorrentes, entregar o que ele quer, deseja ou nem sabe que deseja, mas paga para ter quando percebe que existe.

Muito além da propagandaDurante muito tempo, a comunicação de uma marca fi-cou num plano de importância maior do que a entrega da promessa que a marca faz na comunicação. Esse embate fez com que muitas marcas construíssem uma imagem consolidada na cabeça do consumidor potencial e do cliente. Com a competição desenfreada, a comunicação virou arma comum e o grande diferencial apareceu: a marca entrega mais ou menos do que promete?

Essa operação de subtração – o que a marca entrega me-nos do que o cliente espera – passou a ser o grande quesito de avaliação para o cliente. Ele passou a ser implacável com marcas nas quais aposta. Passou a valorizar marcas que prometem, que têm uma garantia intrínseca ou explícita, corajosamente declarada. Claro, se a marca entrega menos do que o esperado, ele reclama. A United, por exemplo, teve uma reclamação de uma banda postada no YouTube, porque a guitarra do grupo foi “sacrificada” numa viagem. Quantas pessoas viram esse filme de protesto? 12.457.014, até o fe-chamento desta edição. Se sua marca entrega apenas o que promete, prepare-se para a traição: 80% dos clientes que aban-donam uma marca estavam apenas satisfeitos. Só o cliente que encontra mais do que espera no momento da verdade, aquele em que a marca se conecta pessoal ou virtualmente com ele, volta a comprar, recomenda e elogia a marca.

A diferença entre marcas que entregam ou não o que seu público espera é o que constrói a qualidade da reputação.

Essa mudança de força levou a comunicação a ceder lugar para qualidade de produtos, logística e inovação. Até chegar à entrega da promessa da marca, esse posiciona-mento fez a indústria, definitivamente, perder o lugar de conector do cliente para o varejo.

E a experiência do cliente no momento da verdade passou a ter muito mais impacto do que qualquer outro fator na escolha do que comprar, onde comprar e por que comprar.

Mas o que constrói essa experiência? É preciso ter o foco do cliente para construir uma espécie de passo a passo. O cliente quer sempre mais. Cabe à empresa oferecer um produto diferente, um preço melhor e condições de pagamento. Ele quer ter tempo para fazer mais. Então, nós

temos de dar conveniência. Ele quer ser mais. Logo, temos de dar um atendimento personalizado. Ele quer aparecer mais, por isso precisamos investir em design. Ele quer se divertir mais. Nós temos de dar entretenimento. Ele quer aprender mais. Nós precisamos educá-lo. E, pasme, apesar da vocação “paparazzo” do cliente, ele adora poder elogiar mais. Então, temos de dar carinho.

Para isso, uma marca tem de entregar cada item que satisfaz suas demandas, desde as mais fisiológicas até as mais filosóficas – estruturadamente. A seguir, vamos ana-lisar passo a passo a pirâmide da experiência do cliente. (Ver ilustração na página ao lado)

O ponto de partida é o produto, que representa o alicerce da experiência do cliente. As pessoas precisam, querem e desejam produtos. Aqueles que precisam querem pre-ço. Já os clientes que querem precisam de condições de pagamento, enquanto os que desejam querem produtos diferentes e pagam mais por isso. As marcas têm de se preocupar em entregar produtos que os clientes precisam, querem e desejam. Certa vez, o guru americano Joe Siegel, que hoje passa dos 90 anos, me disse que a proporção de uma marca é ter 90% dos produtos de que o cliente precisa, 15% que ele queira e apenas 5% que ele deseja quando toma conhecimento da existência desse produto.

O segundo passo é a conveniência. Todos temos muitos problemas na vida, e as marcas ainda fazem pacotes que não abrem, sites que não respondem, escadas e filas. É mui-to importante que o profissional de marketing da empresa se coloque no lugar do cliente, entenda o que o incomoda e elimine esse ponto negativo de sua marca. Quando per-guntaram a Michelangelo como ele fez uma escultura tão linda e precisa quanto a Pietá, ele disse: “Pensei na Pietá, escolhi o mármore e fui tirando do mármore tudo o que não era Pietá”. Pensando assim, sua marca se torna muito conveniente. Depois que a adrenalina está controlada, iniciamos a conversa com o coração do cliente.

O domínio da conexão humana faz dos grandes líderes pessoas inesquecíveis. Seus seguidores – claro, já há seguidores muito antes do Facebook – são leais e, juntos, unidos pela causa do líder, constroem obras grandiosas

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Aí entra o design, que é vital para o processo de satis-fação, já que é capaz de falar com os sentidos racionais dos consumidores. A cor do produto, o apelo da vitrine, a arrumação do produto, a sinalização e apresentação dos itens, o uniforme e a aparência dos funcionários, o cheiro do pão sendo assado, que chega ao nosso nariz antes mesmo que tenhamos avistado a padaria... O design apela para todos os sentidos! Tudo para atrair o cliente à marca, muitas vezes, através de uma marca que não é a sua. Cuidar de design ajuda o cliente a identificar e escolher determinada marca, mesmo quando ainda não a conhece, além de reforçar a lembrança do que a empresa faz quando já consumiu seus produtos.

O próximo passo é o atendimento, a maneira mais consis-tente de mantermos o cliente, por meio de um contato reali-zado pelo profissional que representa a marca, com ou sem crachá da empresa. Carinho organizado, que é a essência do atendimento, ajuda muito na manutenção do cliente. Esse é o composto mais difícil de executar, pois depende de mui-tos fatores para acontecer com consistência. Atendimento competente é filho legítimo de cultura de atender e servir e da liderança inspiradora. Só empresas com liderança al-tamente motivadora conseguem ter pessoas que praticam

o atendimento com prazer e de coração. Pesquisas indicam que, de 30% dos clientes que abandonam uma marca, 15% o fazem por preço e 15% pela qualidade dos produtos. Outros

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Inaugurada em 2005, a Galeria Melissa é um espaço que une conteúdo, cultura, entretenimento e compras. Canal de comunicação da marca, essa loja conceito abriga mostras de grandes nomes do mundo da moda, design, arquitetura, música e artes plásticas

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Revista da esPM | setemBro/outuBro de 2012110

70% dos que abandonam uma marca têm relação direta com o atendimento: 21% porque ninguém lhes deu atenção; e, 49%, porque quem lhes deu atenção não era bem preparado.

O entretenimento também aparece entre os grandes diferenciais das marcas bem-sucedidas. Afinal, por que a Disney é um sucesso? Puro entretenimento. Por que as lojas de animais de estimação são tão visitadas? Puro entreteni-mento. E, no seu negócio, há espaço para entretenimento? Sempre há. As lojas de eletrodomésticos que o digam. Ou será que nenhum dono de loja de eletrodoméstico foi à UD (feira de utilidades domésticas) ver como se demonstram os produtos vendidos? Se preparar produtos vira programa de televisão, por que não poderia virar atração na sua loja? Contrate uma cozinheira que saiba demonstrar mixers, ba-tedeiras, micro-ondas e experimente o prazer de aumentar as vendas substancialmente. Não porque algum vendedor mal orientado ficou fungando no cangote do cliente, mas porque o cliente, ao ser exposto a uma mera demonstração de produto, fica com um sentimento obsessivo de compra.

Por fim, temos a educação. Em alguns negócios, como no segmento de animais de estimação, educação é a única maneira de manter o produto vivo na cabeça e no coração do cliente. Não é exagero. Se o cliente não souber cuidar do animal de estimação, ele morre. Em outros negócios, a educação não é tão fundamental, mas tem um efeito mágico na mente do cliente. Se você consegue educar o consumidor, ele não esquece a sua marca e ainda conta o que aprendeu para todos os amigos. Há muitas oportunidades de educar. Marcas de calçados infantis, por exemplo, podem ajudar a mãe a monitorar a saúde dos pés dos filhos. Fabricantes de brinquedos têm a opção de ajudar os pais a escolher melhor os produtos para reforçar a inteligência predominante dos filhos. Isso sem mencionar a importância que a educação tem no mercado de informática. Uma das tendências do cliente é contratar educadores em alimentação. Se o seu negócio fizer isso, vai ficar na cabeça do cliente.

Venda com emoção!Tudo isso somado a um toque de carinho torna a sua marca imbatível. Carinho é fruto de boa educação. Marcas cari-nhosas com seus funcionários e canais de vendas recebem esse carinho de volta. O maior carinho que o canal – próprio ou terceirizado – pode dar para a sua marca é retribuir esse carinho dando carinho para o cliente. O segredo é a alma do negócio? A alma é o segredo de qualquer negócio.

Design, produtos, entretenimento e conveniência po-dem ser produzidos com dinheiro. Um arquiteto melhora a aparência da marca. Um caixa a mais ajuda a diminuir a fila. Mas educar o cliente, atender de um jeito diferente e dar carinho dependem de atitude. Atitude não se compra com dinheiro. Atitude se inspira por meio de exemplo. Por depender de gente e levar muito tempo para se construir, o AIDDU (Atendimento Incrivelmente Diferente do Usual, uma adaptação do termo original Atitude Incrivelmente Diferente do Usual) é o diferencial mais difícil de se imitar

Marcas que realmente queiram praticar AIDDU têm um caminho a percorrer. Os líderes têm de virar a pirâ-mide da empresa e elevar os clientes e, quem está perto deles, acima de tudo. (Ver ilustração “Fórmula para o sucesso” na página ao lado)

Com base nessa filosofia, a matriz da marca entende que precisa emanar exemplo de tratar bem quem está do lado. Assim, o profissional do financeiro tem de tratar bem a equipe de marketing, assim como a pessoa do de-partamento de RH deve cuidar do financeiro. E vice-versa.

Para essa fórmula funcionar, todos na marca têm de olhar para quem está perto do cliente. A ecologia da marca é uma prática baseada no conceito de que alguém precisa ajudar alguém a ajudar alguém, que ajuda alguém que, lá no fim do processo, ajuda o cliente. (Ver ilustração ao lado)

A prática da ecologia da marca é papel da comunidade de servir, que é sempre muito mais forte e conectada que a cadeia produtiva. E essa comunidade de servir é adepta do TRM, Team Relationship Management, ou Gestão do Rela-cionamento do Time. Esta, por sua vez, pratica o segundo TRM, Trade Relationship Management, ou Gestão da Rela-ção com os Canais. Não é apenas o tradicional Trade Marke-ting, que só fala de gerência de categoria. É mais que isso. A ideia é ajudar o canal a ser melhor em todos os sentidos.

Os dois TRMs inspiram quem está perto do cliente a praticar o verdadeiro CRM (Customer Relationship Management). Gente que está perto do cliente, inspirada pela marca a atender muito bem ao cliente. Não aqueles

design, produtos, entretenimento e conveniência podem ser produzidos com dinheiro. um arquiteto melhora a aparência da marca. um caixa a mais ajuda a diminuir a fila. mas educar o cliente, atender de um jeito diferente e dar carinho dependem de atitude

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de softwares. Aquele que coloca alguém olhando no olho do cliente e o ajudando em todos os sentidos.

Cuidar das relações é a maior tendência que está acontecendo em um país mais pragmático em relação ao capitalismo. Volta ao futuro total. Esse cuidado com as coisas, além do resultado pelo resultado, fez com que as marcas que caminharam para a ecologia empresarial criassem, nos Estados Unidos, o movimento Capitalismo Consciente. Essas marcas dão prioridade a todos os que

dependem dela em pé de igualdade. Acionistas, clientes e funcionários têm a mesma prioridade.

O resultado? Bom, esse talvez seja o tema da maioria dos artigos dos próximos anos. As empresas que opta-ram por esse modelo de gestão têm, agora, suas ações se valorizando até dez vezes mais do que aquelas que opta-ram por seguir o caminho do capitalismo convencional, sendo submetidas apenas ao critério da avaliação do resultado trimestral.

Esta é uma boa hora para mudar o diferencial do seu negócio. É uma boa hora para as marcas começarem a pensar em sustentabilidade genuína. Dessa forma, cuide do atendimento a quem cuida do atendimento a quem, lá na ponta, cuida do seu cliente. Quando aten-didos por quem é bem atendido, os clientes agradecem, compram mais da sua marca, recomendam e elogiam. O acionista da sua marca vai amar o resultado que essa nova atitude gera. Equipe feliz e cliente satisfeito geram muito mais lucro!

Edmour Saiani Presidente da Ponto de Referência, empresa especializada

em construção de cultura e gestão de atendimento e serviços. Autor dos livros Loja viva: revolução no pequeno varejo brasileiro (Editora Senac, Rio de Janeiro, 2009) e Ponto de Referência: Como se tornar número 1 no que você faz (Editora Pearson Brasil, 2005)

Veja pOr que aiddu (atitude e atendimentO inCriVelmente diFerenteS dO uSual) é O diFerenCial maiS diFíCil de Se imitar

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Revista da esPM | setembro/outubro de 2012112

ELE PASSOU PELA ESPM

Por Carlos Roberto F. Chueiri

Conheça a trajetória de Ronaldo Cunha Bueno Neto, o Roni, ex-aluno da ESPM que ajudou a transformar a Netshoes em uma das maiores empresas de e-commerce do Brasil

A vitoriosa carreira do atleta do e-commerce

Roni Cunha Bueno

Oexecutivo certo, no lugar certo.” Aforismo barato? Dane-se. Se existe o casamento perfeito entre a atividade profissional de um indivíduo e a sua personalidade, a citação

do aforismo torna-se pertinente. No caso do ex-aluno da ESPM Ronaldo Cunha Bueno Neto, o Roni, como está no seu cartão de visita, a ligação é perfeita. Seduzido pela internet e casado com o e-commerce, este paulista, pau-listano e são-paulino, de 34 anos, dirige o marketing da Netshoes com a precisão das cestas do atleta Varejão, a decisão das cortadas do Giba, o preciosismo dos passes do Lucas e a disposição inesgotável do Cielo.

Roni está no e-commerce há seis anos e seu crescimento profissional acompanhou o desenvolvimento da Netshoes, empresa à qual está intimamente ligado há mais de cinco anos. Com um faturamento estimado em R$ 1 bilhão (para 2012) – incluindo as operações da marca na Argentina e no México –, a Netshoes é oriunda de uma cadeia paulistana de lojas de calçados. Uma dúzia de anos depois de sua funda-ção, em 2000, o empreendimento tornou-se o “maior con-glomerado de lojas virtuais de esporte da América Latina”.

Para ajudar a transformar a Netshoes em um ativo canal de venda através do e-commerce, os diretores da empresa escolheram Roni Cunha Bueno, um jovem experiente, estudioso, dinâmico e extremamente dedicado, que de-sembarcava de resultados marcantes em duas empresas especializadas, ligadas ao marketing direto e ao uso intenso dos recursos do marketing virtual: DMKT e CRMachine.

Em 2007, o desafio da Netshoes significava “uma rup-tura de valores nas tradições do mercado calçadista, no Brasil”, segundo Roni, que foi ex-aluno do Colégio Santa Cruz e da ESPM, onde se graduou em 2001. O marketing

desenvolvido pela equipe que ele dirige tornou possível a nova realidade em cinco anos.

Eterno apaixonadoRoni passou no vestibular da ESPM junto com outros dois cursos: arquitetura, no Mackenzie, e artes plásticas, na Unesp. Mas acabou encantado pela ESPM e pelo marketing. Ao desfrutar dessa opção, alguns fatos foram marcantes durante o curso. “Aprendi muito nas salas de aula, com os professores da ESPM. Entretanto, alguns acontecimentos influenciaram fortemente essa fase da minha vida”, avalia o profissional, que foi presidente do Centro Acadêmico 4 de Dezembro, zagueiro do time de futebol da Escola e, durante quatro anos, chefiou a torcida da ESPM. “Nesse período ganhamos todos os títulos de ‘melhor torcida’ nas competições que disputamos.” Naturalmente, as amizades nascidas naquela época ficaram registradas, para sempre, na memória do ex-aluno. “Infelizmente, não mantenho tanto contato com antigos colegas como gostaria, mas não os esqueço. Considero o ‘não dispersar’ algo muito importante para a nossa carreira.”

Logo surgiu o primeiro convite de trabalho. Começou a atuar na área de criação. Depois passou a se interessar pela internet e, na sequência, pelo marketing direto. Sua carreira foi crescendo gradativamente até chegar ao e-commerce, seu encantamento atual. “Eu deixo a minha carreira me levar”, diz Roni, parodiando o cantor Zeca Pagodinho. “Faço uma dicotomia entre (os conceitos) ‘fazer o que gosta’ e ‘aprender a gostar do que faz’. Faço o que gosto e aprendi a gostar (mais ainda) do que faço. O varejo é muito dinâmico. E o e-commerce é ainda mais!”

Segundo ele, fazer parte do mundo digital é o sonho de

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“Aprendi muito nas salas de aula, com os professores da ESPM.Entretanto, alguns acontecimentos influenciaram fortemente essa fase da minha vida”

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qualquer executivo (ligado) ao marketing direto, porque as premissas do marketing direto estão sublimadas na prática do e-commerce. “Tudo o que um profissional da área gostaria de fazer eu posso fazer com mais desen-voltura, maior rapidez e da maneira mais econômica na internet”, observa o diretor de marketing da Netshoes, ressaltando que o grande problema do marketing direto sempre foi o custo da formação do mailing, da criação e da produção das peças, da postagem.

Hoje, na Netshoes, ele consegue trocar, em “real time”, todo o processo de comunicação com o mercado. “Em mi-lésimos de segundo, posso modificar uma comunicação publicitária e dirigi-la apenas para você!” Sem guardar segredo, ele revela que o sucesso de uma ação está em atin-gir o consumidor em momentos especiais e memoráveis, como a data do seu aniversário ou ainda a lembrança de uma transação bem-sucedida, digamos, feita há um ano.

Apesar de ser a principal característica da Netshoes, a operação dos processos de comunicação, inerentes ao e-commerce, a equipe de Roni procura manter um ativo processo de branding, com ações ligadas ao futebol, por exemplo. “Estamos presentes nas placas dos jogos da Seleção Brasileira e junto com diversos times profissio-nais, em diferentes mercados.” Ele também anuncia nos programas esportivos da TV Globo. “Além disso, pres-tigiamos outras atividades esportivas, participando e criando eventos, dentro das mais variadas modalidades. Quando entramos numa categoria esportiva, participa-mos dela de A a Z.” No segmento de lutas marciais, por exemplo, a marca é provedora de tudo, incluindo o pro-tetor bucal usado obrigatoriamente pelo atleta durante a luta. “Temos de oferecer diversos tamanhos, densidades, formatos, cores... Tudo adaptado para qualquer tipo de luta. E-commerce é prestação de serviço. E a Netshoes leva tudo isso, absolutamente, a sério.”

A grande viradaEm 2007, Roni encarou um grande desafio do ponto de vista do marketing: virar o jogo e construir uma marca forte na internet por meio do e-commerce. Ele foi uma das peças que caracterizaram esse movimento. “Essa mudança de posicionamento significou uma ruptura de valores nas tradições do mercado calçadista, no Brasil. No início, tudo era difícil, pois a empresa era pequena e precisava seguir as regras do mercado. Hoje, já podemos até instituir novas regras no segmento.”

Como exemplo, ele cita a questão do financiamento e dos prazos das compras. Na época, a Netshoes seguiu o que era praticado pelo mercado. Houve um momento em que o mercado estava aberto a novas experiências. Foi quando a empresa decidiu incursionar no caminho do e-commerce e começou a ganhar “share”. “Nenhum de nossos concorrentes teve a ‘visão mercadológica’ do conjunto de oportunidades que a empresa vislumbrou na ocasião”, lembra Roni. “Hoje, lideramos o e-commerce no segmento de calçados e nossas regras podem ser compartilhadas, alteradas, modificadas.”

Entretanto, a operação ficou mais cara, assim como os investimentos em mídia. “Estamos vivendo um novo mo-mento, mas é preciso ter cuidado. Quando um varejista pensa em crescer, é natural que ele inaugure uma nova loja. A Netshoes, ao pensar da mesma maneira, investe em tecnologia”, compara o executivo.

Ele explica que a forma de raciocínio sempre foi a seguinte: em 2007, passar de sete para 14 lojas, dentro de um programa de expansão, custaria tanto ou mais do que apostar suas fichas no e-commerce. “Então, procura-mos buscar a tecnologia necessária nos mercados mais adiantados para atender melhor, prestar um atendimento diferenciado e oferecer os melhores serviços.” Dessa for-ma, a Netshoes acabou construindo suas próprias regras de atuação. Hoje, em mercados como o da Argentina e do México, a Netshoes chega a exportar o seu know-how para esse tipo de especialização comercial.

Diante dos resultados que colheu ao investir no e-com-merce, Roni faz um alerta aos estudantes de marketing e comunicação social: “Entrem no mundo digital de cabe-ça! Nos próximos anos, tudo que hoje é feito na internet poderá ser realizado em qualquer outro equipamento eletrônico: rádio, TV, tablet, telefone inteligente etc. Existe uma frase crucial neste universo: ‘digital is dead’”.

Segundo as previsões de Roni, em breve, o adjetivo digital vai desaparecer do mundo do marketing, porque passará a ser obsoleto. Não haverá mais especialistas na

Ponto de parada

“Em milésimos de segundo, posso modificar uma comunicação publicitária e dirigi-la apenas para você!”

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área digital – um criador digital, um planejador de mídia digital, um vendedor digital – porque tudo, em termos de mercadologia e seus desdobramentos, vai girar em torno do digital. “Sugiro que os estudantes da área ‘mergulhem’ neste mundo. Caso contrário, não irão sobreviver ao salto que está para ocorrer.”

Isso porque, hoje, as compras já podem ser realizadas de dentro de um carro parado no trânsito, com a utilização de um tablet. Além disso, no meio de uma aula pouco inte-ressante, o potencial comprador poderá analisar ofertas através de um telefone inteligente e, a partir daquele local, realizar uma compra que será entregue na sua casa, com toda segurança. É o chamado “mobile commerce” ou, simplesmente, m-commerce. O mundo digital vem à tona com propostas muito atuais e modernas. O potencial com-prador está conectado com tudo, simultaneamente, em busca de respostas imediatas, em frações de segundos”, ensina o ex-aluno da ESPM.

Nunca menospreze uma informação!Neste cenário interativo, quando a interação se apresenta concluída, entre o consumidor e a empresa, dados são levantados. Depois de analisados, esses dados devem ge-rar informação, que por sua vez gera uma ação. “Aqui, na Netshoes, essas premissas acabaram se transformando em uma espécie de mantra. Agora é o consumidor quem manda”, assegura Roni, que desenvolve todas as suas ações com base

nas informações fornecidas pelos clientes. “E toda resposta deve ser imediata, 24 horas por dia, os sete dias da semana.”

Comparando o mundo real com o universo virtual, ele diz que, antigamente, o planejador de mídia localizava seu target, codificava suas características – idade/con-dição social/estado civil/ocupação etc. –, lançava a cam-panha publicitária do produto ou serviço em veículos de comunicação criteriosamente selecionados, e pronto. No mundo digital é diferente, porque seu potencial com-prador aparece totalmente decodificado diante de você e esperando o que sua empresa tem para lhe oferecer. Como dizem os americanos: no mundo digital você não tem diante de si “places”, você tem “faces”.

Uma segunda dica de Roni para os estudantes é que pesquisem e procurem entender o mundo da TI (tecnolo-gia da informação). “A pior coisa do mundo é ser refém de TI. Para conviver com o mundo digital, é preciso saber se conectar com o especialista no assunto. Ele vai ser o seu guia. E você vai precisar entender o que ele está dizendo. Esse entendimento vai resultar o seu sucesso.”

“Entrem no mundo digital de cabeça! Nos próximos anos, tudo que hoje é feito na internet poderá ser realizado em qualquer outro eletrônico”

2007Netshoes decide operar pelo sistema de e-commerce. Implanta a diretoria de marketing e contrata Ronaldo Cunha Bueno Neto, ex-aluno da ESPM (turma 2001), para dirigi-la. Na época, Roni tinha menos de 30 anos de idade.

2009 É realizado o primeiro grande investimento na área de futebol profissional, com o patrocínio do time Santo André. Naquele ano, a empresa já registrava um faturamento anual de R$ 160 milhões.

2010/2012 Cresce o número de projetos de patrocínios de times profissionais, como Atlético Paranaense, Bahia, Cruzeiro e Santos. A Netshoes investe também no patrocínio de entidades sociais, como a Associação pela Cidadania de Pessoas Deficientes (Acide), e o Instituto Passe de Mágica. Também registra participações no patrocínio do Campeonato do NBB (Novo Basquete Brasil), da Academia

de MMA do Corinthians/SP, do Circuito Corpore, do Circuito Athenas e do Circuito Netshoes Juventude (Skate/ São Bernardo do Campo). Começam as campanhas publicitárias nas mídias convencionais e virtuais. Já o faturamento anual da empresa passa de R$ 367 milhões, em 2010, para R$ 700 milhões, no ano passado, sendo que a previsão é faturar R$ 1 bilhão em 2012. Enquanto isso, o portfólio de produtos saltou de 18 mil itens para mais de 30 mil itens neste ano.

Raio x virtual

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Na linha do conhecimento, ele também considera fundamental ter um apoio na área de estatísticas e saber entender os inúmeros relatórios e gráficos de uma em-presa. “De nada adianta conhecer a informação se você não souber transformá-la em ação. O direcionamento mal orientado – a má interpretação de uma informação – pode resultar em um desastre mercadológico.”

Para ele, a grande diferença da Netshoes é o pós-venda. “Somos uma empresa de e-commerce, na qual a pres-tação de serviços é fundamental. É um tipo de filosofia empresarial.” Como exemplo, Roni cita a representação exclusiva que a marca tem com a NBA na América Latina. “Mais do que uma grande jogada de marketing, essa iniciativa representa, dentro da nossa filosofia de trabalho, mais uma ferramenta para prestação de serviço, que se reflete em toda a cadeia do processo de trabalho: desde o primeiro contato com o consumidor até o pós-venda.”

O executivo ressalta ainda que o e-commerce democra-tiza o acesso, principalmente no Brasil, onde nos grandes centros o consumidor tem tudo ao seu alcance, mas são núcleos urbanos caóticos, inseguros e confusos. Nas

principais metrópoles brasileiras, é comum o indivíduo gastar até duas horas para chegar ao trabalho. “Com um celular no bolso, esse indivíduo pode fazer compras sem perder o pouco tempo que dispõe para outras atividades. Outro aspecto importante é a questão do acesso a pro-dutos que, em centros menores, não são mostrados nas vitrines das lojas.”

Essa democratização da oferta permite ao consumidor escolher uma entre três mil tipos de chuteira presentes no site da Netshoes. Assim, mesmo morando a 500 qui-lômetros de distância da capital, esse internauta poderá calçar a mesma chuteira que o jogador Luís Fabiano usa para marcar seus gols no Morumbi. “Resultado: esse con-sumidor se sente incluído economicamente, partícipe, atendido. Todo indivíduo faz parte do quadro social em que está inserido”, assegura Roni, apresentando outro exemplo. “No Brasil, a Netshoes tem exclusividade na venda de camisas de clubes estrangeiros, como as do Paris-Saint Germain. Essas camisas originais estão ao alcance do toque dos dedos do consumidor. E o mais importante: é uma transação de compra garantida, legal, por se tratar de uma mercadoria genuína.”

“A pior coisa do mundo é ser refém de TI. Para conviver com o mundo digital, é preciso saber se conectar com o especialista”

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Sem fronteiras De acordo com Roni, a operação de internacionalização da Netshoes está a todo vapor e está sendo comandada a partir do Brasil. “Entramos em mercados que estão se formando agora, passando por vicissitudes que nós já superamos. Assim, a experiência brasileira vai servindo de base para as adaptações locais. O argentino, por exem-plo, navega mais que o brasileiro na internet, mas com-pra menos. Possivelmente, por dispor de menos opções”, conclui Roni, que recentemente viu a Netshoes ser eleita a melhor loja virtual em operação no território argentino. “Pode parecer recorrente, mas não me vejo praticando o marketing a não ser através do e-commerce. Tenho um vínculo muito forte com a Netshoes e ela comigo.”

Ele revela que em qualquer outra empresa – “uma hi-pótese absolutamente inviável” – tentaria desenvolver o e-commerce, algumas ações de marketing direto e a venda do tipo one-to-one. “Este é o estilo de que eu gosto, que me sinto perfeitamente à vontade. Para aqueles que estão ingressando no mercado, recomendo muita persistência, a busca incessante da cultura em assuntos de marketing e, naturalmente, da ampliação do seu universo cultural. E, dentro do possível, focalizar naquilo que mais gosta.” Roni fala com propriedade no assunto, já que chegou a fazer oito cursos complementares sobre internet e suas especialidades, quando ainda era aluno regular da ESPM. “E continuo atento, focado, querendo saber mais e mais. É uma questão de disciplina pessoal ou de aperfeiçoamento profissional. Algum preciosismo, talvez.”

Reconhecido pela crítica especializada, por duas vezes, como o “melhor diretor de marketing direto do Brasil”, Roni foi considerado pelo grupo M&M como um dos “dez profissionais mais inovadores do mundo digital do país”, bem como eleito pela Oracle o “melhor CMO do ano de 2012”.

Praticante da corrida, ele diz que adora um bate-bola de fim de semana e é fixado em fotografia. Ao descansar da sua pesada agenda profissional, ele não abandona um mi-nuto sequer a companhia da esposa e de suas duas filhas. Finalizando a entrevista, perguntamos como enfrentaria os desafios de alguma outra experiência revolucionária como a da Netshoes em um ambiente mercadológico diferente daquele no qual está inserido atualmente. A resposta de Roni voltou incisiva: “Ainda nem pensei nesse assunto...”. Ele é o executivo certo, no lugar certo. Alguma dúvida? Por favor, cartas à redação.

Passo a passoConfira quais foram os acontecimentos marcantes na trajetória empresarial da Netshoes

2000 – Netshoes inicia sua operação comercial com uma loja na rua Maria Antônia, no bairro da Consolação, na capital paulista.

2007 – Marca entra no e-commerce, com o encerramento das atividades comerciais das sete lojas da rede. A nova Netshoes começa a operar no seu Centro de Distribuição em Barueri (SP).

2009 – Inauguração da nova sede, no bairro da Liberdade, em São Paulo. • Tiger Global, importante fundo internacional de participações entra no esquema operacional da empresa.• Primeira empresa brasileira no seu segmento a atuar com atendimento via rede social.

2010 – Implantação da nova plataforma ATG, da Oracle.

2011 – Netshoes adota novo posicionamento mercadológico: ”Sem limite entre você e o esporte”.• Recebe o Prêmio Oracle na categoria ”Inovação do Ano”.• No dia 1º de outubro implanta suas operações na Argentina. Menos de vinte dias depois entra também no mercado mexicano.• Torna-se a primeira empresa e-commerce de material esportivo brasileiro a operar com uma loja mobile.• Passa a ser a representante oficial da americana NBA (National Basketball Association) para a América Latina.• Inaugura seu segundo Centro de Distribuição em Itapevi (SP)

2012 – Inauguração de mais um prédio administrativo na Liberdade, em São Paulo.• Recebe o aporte de R$ 135 milhões da Temas. • No Parque Villa Lobos, em São Paulo, implementa o ”NBAX Basquete e Entretenimento”, em parceria com a NBA.• Inicia um processo operacional inédito de entrega de bicicletas, enviando, ao usuário, o produto devidamente montado.

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leitura recomendada

Felicidade S.A. Alexandre Teixeira

Arquipélago Editorial, Porto Alegre – 2012288 p. – R$ 45,00

O mundo do trabalho vive uma revo-lução silenciosa. Depois de décadas tendo o dinheiro como estímulo quase único aos seus funcionários, organizações inovadoras começam a perceber que esse modelo está ruin-do. A remuneração ainda é decisiva, claro. Mas, num mundo traumatizado pela crise que veio de Wall Street, salários e bônus já não exercem o mesmo fascínio. A busca por um propósito, a chegada de uma nova geração ao mercado e a reinvenção dos escritórios convergem para um ideal há muito negligenciado: a feli-cidade no trabalho. Este é o tema do primeiro livro do autor.

Alexandre Teixeira é jornalista formado pela Faculdade Cásper Líbero. Trabalhou em algumas das principais redações do país, sempre na área econômica e de negócios. Foi repórter do Jornal da Tarde e do Valor Econômico, além de editor das revistas Istoé Dinheiro e Época Negócios

Estratégia Empresarial: promovendo o crescimento sustentado e sustentávelLuis Augusto L. Mendes

Editora Saraiva, São Paulo – 2012 360 p. – R$ 55,00

Obra ideal para executivos de empre-sas cujo crescimento é uma questão relevante, pois mostra o que as orga-nizações devem fazer para aumenta-rem suas receitas no difícil ambiente econômico em que a maioria delas está inserida. Além dos aspectos de porte e posse de ativos, a geração de vantagens competitivas empresariais está associada à capacidade criativa. O autor apresenta respostas para ques-tões complexas, como: onde buscar a próxima onda de oportunidades de crescimento e para onde ela levará os negócios?; e o que define as fronteiras empresariais?

Luis Augusto Lobão Mendes é mestre em engenharia de produção e especialista em gestão da qualidade pela Universidade Federal de Santa Catarina. É professor de planejamento estratégico e desenvolvimento organizacional pela Fundação Dom Cabral

Frases perfeitas para atender bem o cliente – Situações delicadas pedem respostas precisasRobert Bacal

Editora Saraiva, São Paulo – 2012 240 p. – R$ 24,90

Você já deve ter ouvido a frase “O cliente tem sempre razão”, certo? Esta máxima é válida mesmo quando esse cliente é desinformado, confuso ou até mesmo difícil. Nesta obra, o leitor encontra um guia com técnicas sim-ples e efetivas para ajudar a atender às necessidades dos consumidores mais exigentes. Como neutralizar situações ruins antes que se tornem piores ou, ainda, como construir re-lacionamentos de longo prazo com clientes importantes estão entre os ensinamentos do livro.

Robert Bacal é CEO e fundador da Bacal & Associates, consultoria de gestão e empresarial. É autor de livros sobre gestão de desempenho, metas, avaliações de desempenho e gestão de pequenas empresas

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Jovens para sempre: como entender os conflitos de gerações Sidnei Oliveira

Integrare Business, São Paulo – 2012128 p. – R$ 35,00

O crescimento da economia, a crise europeia e a busca por talentos fazem do Brasil um novo polo de atração para estrangeiros. Segundo o Minis-tério do Trabalho e Emprego (MTE) e pelo Conselho Nacional de Imigração (CNig), em 2011 foram concedidas 70 mil autorizações de trabalho, um salto de quase 25% em relação a 2010. Mas não são apenas os estrangeiros que desembarcam no Brasil em busca de melhores cargos e salários. Brasileiros da geração X – que agora atingem seus 50 anos e fizeram carreira no exterior – estão retornando ao País, atraídos por propostas tentadoras, fato que infla o mercado de trabalho local e reduz as oportunidades para os jovens da geração Y.

Sidnei Oliveira consultor, autor e palestrante, expert em gerações, desenvolvimento de novos talentos e redes sociais

O mercado de luxo no Brasil: tendências e oportunidades Cláudio Diniz

Editora Seoman, São Paulo – 2012248 p. – R$ 40,00

Diniz viaja através do tempo para ca-racterizar as configurações do luxo no mundo, desde suas primeiras formas de manifestação até a atualidade. A obra destaca as potencialidades do mercado brasileiro e as características psicológi-cas desse consumidor. Segundo o autor, o segmento nacional é jovem e ainda apresenta um crescimento significativo. Os bons resultados do mercado de luxo estão relacionados aos investimentos em infraestrutura, promovidos pelo pré-sal e por eventos esportivos que marcarão o país na próxima década, como a Copa do Mundo de 2014 e os Jo-gos Olímpicos de 2016 –, que têm atra-ído muitos investidores internacionais.

Cláudio Diniz possui MBA em gestão do luxo pela Faap, tendo concluído estudos na área no London College of Fashion e na Essec Business School. É embaixador no Brasil da rede social ELEQT e idealizador da Maison du Luxe (http://www.maisonduluxeeventos.com)

O lado humano do sucessoCarlos Morassutti

Editora Alaúde , São Paulo – 2012 196 p. – R$ 24,90

Neste livro, o autor remonta a histó-ria de sucesso da Volvo do Brasil, ao mesmo tempo em que narra a própria trajetória profissional. Também apon-ta os erros e acertos em ambas as situações, mostrando como a atitude correta em cada ação acabou trans-formando fracassos em sucessos. Um livro que certamente agradará a empresários de todos os segmentos e também a pessoas que se interes-sam por assuntos relacionados à área de recursos humanos. Por meio dele, tem-se a chance de conhecer mais de perto a trajetória de uma empresa que está presente em mais de 180 países, nos segmentos de caminhões, ônibus, equipamentos de construção e motores marítimos, além da área de serviços financeiros.

Carlos Morassutti atua na área de recursos humanos há mais de 40 anos. É vice-presidente de RH e assuntos corporativos da Volvo do Brasil, onde trabalha desde a fundação da empresa

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leitura recomendada

Lean Office: operação, gerenciamento e tecnologias Ana Carolina Greef, Maria do Carmo Duarte Freitas e Fabiano Barreto Romanel

Editora Atlas, São Paulo – 2012 240 p. – R$ 52,00

Esta obra oferece um referencial amplo para a estruturação e admi-nistração de ambientes de escritório, a partir de definições, práticas e fatos históricos relativos ao Lean Office. Na primeira parte da obra, os autores apresentam a origem do concei-to enxuto, por meio do histórico de acontecimentos sociais, industriais e comerciais da racionalização e da melhoria do trabalho, precursores do lean. Na segunda parte, enfatizam aspectos gerenciais e operacionais da gestão da informação, dos fluxos de informação e da mentalidade enxuta.

Ana Carolina Greef é pesquisadora especializada em fluxos de informação, gestão da informação e Lean ThinkingMaria do Carmo Duarte Freitas é engenheira civil, mestre e doutora em engenharia de produção Fabiano Barreto Romanel é engenheiro civil pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP)

Mapeamento de competências: métodos, técnicas e aplicações em gestão de pessoas Hugo Pena Brandão

Editora Atlas, São Paulo – 2012160 p. – R$ 39,00

Tanto no meio acadêmico quanto no ambiente organizacional, muito se discute a respeito do conceito de com-petência no trabalho, do processo de mapeamento dessas competências e de suas aplicações no campo da ges-tão de pessoas. Dividido em quatro capítulos, o livro reúne mais de 15 anos de experiência do autor – que é doutor em psicologia do trabalho e das organi-zações e mestre em administração de empresas – na condução e orientação de processos de mapeamento de com-petências em diferentes organizações. A publicação conta ainda com uma série de exercícios práticos e seus respectivos gabaritos, que ensinam o leitor a aplicar as técnicas de mapea-mento de competências.

Hugo Pena Brandão é especialista na elaboração e análise de projetos pela FGV/Ebap, em marketing pela UFRJ/Coppead

A notícia como fábula: realidade e ficção se confundem na mídia Renato Modernell

Summus Editorial, coedição com a Editora Mackenzie, São Paulo – 2012 168 p. – R$ 34,90

Onde se situa a fronteira entre o real e o imaginário? Um texto tem condições de traduzir a realidade? Este livro nos lembra de algo que às vezes esque-cemos: a notícia que consumimos no dia a dia não passa de uma das pos-síveis versões de um acontecimento. A obra é resultado de um estudo de mestrado concluído em 2004, na USP, e aprofundado posteriormente pelo autor. Um trabalho que dialoga com a fantasia e não se limita ao repertório conceitual das áreas mais familiares de Modernell, como o jornalismo e a literatura. Suas reflexões passeiam, sem muita cerimônia, pelos domínios da filosofia, da mitologia e da arte.

Renato Modernell é jornalista e trabalhou nas revistas Quatro Rodas, Globo Ciência, Época e Caminhos da Terra. Atualmente, dá aulas na Universidade Presbiteriana Mackenzie e na Academia Brasileira de Jornalismo Literário (ABJL)

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Ponto de vista

Jayme SirotskyAtravés da névoa

S empre que converso sobre mudanças tecnológicas e comportamentais com os colaboradores da nossa empresa, todos mais jovens do que eu, costumo fazer

uma brincadeira: digo-lhes que não temo o futuro porque já o conheço. Antes que eles me julguem pretensioso ou desconectado da realidade, porém, trato de esclarecer:

– Conheço o futuro porque já o vi chegar muitas vezes. Só para ficarmos na nossa atividade, a comunicação,

vi chegar a televisão, o computador, o telefone móvel e todas essas inovações que encolheram o planeta e mudaram paradigmas culturais, sociais e econômicos. Vi, também, que as empresas que melhor enfrentaram essas mudanças foram aquelas que tiveram condições de fazer um bom planejamento estratégico e souberam projetar cenários prováveis e improváveis para seus negócios.

Certamente, não se pode prever o futu-ro com precisão. Mas pode-se, sim, redu-zir consideravelmente as incertezas e os riscos de surpresas impactantes. O nome desse oráculo continua sendo Planeja-mento Estratégico – ferramenta que se tornou ainda mais imprescindível neste mundo globalizado em que as mudanças são vertiginosas; os clientes, instáveis; e os concorrentes, cada vez mais ágeis.

Porém essa ferramenta também teve de se modernizar para se manter eficiente. Já não basta para uma organi-zação fazer planos no longo prazo e jogar suas fichas na implementação, sem considerar variáveis que possam alterá-los completamente ou até mesmo inviabilizá-los. Como ensina o professor Ram Charan, consultor de grandes corporações e guru dos administradores, o planejamento estratégico precisa ter sentido prático e servir apenas de roteiro para a execução. “A essência da estratégia é dizer em que direção o negócio está indo, como o negócio se posiciona em relação aos concorrentes, se esse posicionamento faz sentido e como a empresa vai crescer”, diz ele.

Observamos essas recomendações na governança do nos-so grupo. Temos desenvolvido uma cultura de planejamento centrada na realidade e nas projeções dos campos em que atuamos ou pretendemos atuar. Recentemente, realizamos uma profunda discussão dos valores da empresa, procuran-do ressignificá-los e atualizá-los. Esse processo foi ampla-mente compartilhado com os colaboradores. O grupo optou por fazer um dos seus maiores investimentos nas pessoas, com o propósito de incentivar a agilidade, a criatividade e o empreendedorismo. A ideia não é apenas permitir, mas também criar e estimular a cultura da iniciativa. Tomamos, ainda, a decisão de manter tanto a governança quanto os vários escalões da empresa informados e participativos a

respeito do nosso planejamento estratégi-co. Entendemos que uma organização tem de ser suficientemente ágil para permitir discussões e atualizações do planejamen-to, sempre que parecerem necessárias.

Esse compartilhamento, acreditamos, é um dos elementos que nos mantêm foca-dos nas premissas de um planejamento bem-sucedido: procuramos saber cada vez mais qual é o nosso negócio, estabelecer prioridades sensatas e ter as pessoas certas nos lugares certos. E – não menos impor-tante – fazemos questão de manter o olhar

permanentemente no horizonte. Procuramos enxergar através da névoa, pois é lá que está o futuro.

Planejar é revisar. Planejar é mudar mesmo quando tudo parece estar dando certo. Planejar é confiar nas pessoas. Planejar é entender que conflitos podem gerar soluções melhores. Planejar é unir pessoas, estratégias e operações no sentido da perpetuação do negócio. Planejar é antecipar o futuro para que ele não nos surpreenda.

Jayme Sirotsky Presidente emérito e integrante do conselho

de administração do grupo RBS

Certamente, não se pode prever o futuro com precisão. Mas

pode-se, sim, reduzir consideravelmente as incertezas e os

riscos de surpresas impactantes

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