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Page 1: PESQUISA As faces da violência na América Latina · As faces da violência na América Latina ... além da globalização e a dominação por blocos econômicos poderosos. A escassez

Universidade Estadual de CampinasFevereiro de 2002

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PESQUISAPESQUISA

As faces da violênciana América LatinaLivro aponta tipos e índices de violência ecoloca o Brasil atrás apenas de Bolívia e Guatemala

Este conceito evoluiu seguindo a dinâmica dosconflitos e, para caracterizar a paz, é necessáriodefinir a violência e suas diversas dimensões,entre as quais se destacam as violências militar,cultural, estrutural, política, étnica, de gênero, ado Estado e a da sociedade do tipo anômico (semnormas).

A conceituação básica de violência está nadiferença entre realização e potencialidade, ouseja, segundo definição de Galtung: “A violênciaestá presente quando os seres humanos sãopersuadidos de tal modo que suas realizaçõesefetivas, somáticas e mentais, ficam abaixo desuas realizações potenciais”.

A paz seria a identificação e a resoluçãofavorável de fenômenos caracterizados por algumtipo de violência. No entanto, Galtung distingueduas grandes categorias: a paz negativa e a pazpositiva. A primeira é relacionada à violênciadireta e pessoal, visível como a guerra; a segundarefere-se à violência indireta, estrutural, nemsempre visível. Se a paz negativa reside naausência de guerra, a paz positiva existe quandohá justiça social, harmonia, satisfação dasnecessidades básicas, autonomia, diálogo,solidariedade, integração e igualdade.

É justamente na violência estrutural que residea maior dificuldade para sua identificação, poismuitas vezes ela está camuflada por mecanismosde acobertamento e dominação. É o grau devisibilidade que permite distinguir os tipos deviolência e, neste aspecto, a manifestação dedescontentamento de grupos sociaiscontemporâneos, como minorias discriminadas,contribui para que o conceito de visibilidade

ganhe destaque.Dessa forma, o conceito de paz pode ser

entendido como “a capacidade de uma sociedadede tornar visível e resolver favoravelmente os tiposde violência nela existentes”. “Políticas econômicase sociais que colocam em risco a saúde, educação eemprego de amplos setores da população sãotambém formas de violência, à medida queimpedem a plena realização intelectual e física daspessoas”, esclarece Brovetto.

Classificação – As pesquisas do CIIIPclassificam cinco tipos de violência: coletiva,estatal, estrutural, cultural e individual, comdestaque para a independência teórica entre ostipos. Um caso clássico é a pobreza, tratada comogeradora de violência direta ou indireta, sem queos estudos contemporâneos revelem evidêncianessa direção. Medellin, por exemplo, é a cidademais violenta da Colômbia e tem 100% dosserviços básicos supridos, enquanto Quibdó, omunicípio menos violento daquele mesmo país,é a mais carente desses serviços.

O fim da Guerra Fria e de grandes guerrasentre países provocou uma mudança qualitativanos conflitos, que não devem ser subestimados.Em lugar da bipolarização entre Oriente eOcidente, são consideradas causas dos conflitosmodernos a etnia, religião, identidade e outrasformas de identificação social, além daglobalização e a dominação por blocoseconômicos poderosos. A escassez de produtosnaturais ampliará os conflitos. E a degradação domeio ambiente é a forma de violência global maisem evidência atualmente.

CARLOS [email protected]

Paradoxal – assim como a própriadefinição filosófica de paz, que setraduz pela ausência de seu antônimo,a violência –, a solução para reduzir acriminalidade e o sofrimento da

população da América Latina passanecessariamente pelo desenvolvimento social eeconômico, embora o modelo vigente aumente aconcentração de riqueza e agrave as diferençascausadoras de problemas da região.

Segundo Jorge Brovetto, secretário executivoda Associação de Universidades GrupoMontevidéu (AUGM), que assina o prólogo dolivro “O Estado da Paz e a Evolução da Violência– A situação da América Latina”, traduzido pelaEditora da Unicamp, a região carrega o tristeprivilégio de apresentar as maiores desigualdadessociais e econômicas do mundo. A publicaçãooriginal é do Centro Internacional deInvestigação e Informação para a Paz (CIIIP/UPAZ).

O livro tem a pretensão de servir como uminstrumento para ajudar a promover a paz, pormeio de pesquisas e outras informações úteis querevelam os diversos tipos de violência: onde,quando e em que grau de incidência ela ocorreem diversos países da América Latina. Ospesquisadores partem de análises setoriais eclassificam os países em um índice final deviolência global. Brasil, Bolívia e Guatemalafiguram no topo desta classificação.

“Desarrojo” (desenvolvimento), repeteexaustivamente Brovetto, apontando a soluçãopara a maioria dos casos de violência. “Este é oprimeiro passo de um grande projeto quepretende ampliar os estudos sobre a violência, efuturamente apontar soluções para a busca da pazno mundo. Identificamos e apontamos onde estáa violência, as ações de combate podem seguiresse caminho”, diz. O livro é destinado aprofissionais especialistas, que podem utilizar asinformações para desenvolver ações depromoção da paz, e também para o público emgeral, à medida que a violência é a maiorpreocupação de nosso tempo.

“A continuação desta obra precisa serconsiderada indispensável. Pensamos emtrabalhar sobre mais indicadores, dentro doobjetivo de fornecer uma resposta crítica a essaprimeira apresentação, com propostas concretasde desenvolvimento humano”, antecipa. “Vamosdemonstrar a existência e onde se dá a violência.As soluções devem ser encontradas pelosgovernantes”, esclarece.

Conceitos – Os conceitos de paz e violênciasofrem contínuo processo de mudança, assimcomo mudam o tipo e a natureza dos conflitos eo grau de visibilidade. A paz já foi entendidacomo ausência de guerra, ou a conjunção devários “Ds”: desenvolvimento, direitos humanos,democracia e desarmamento. A ausência de umdeles resulta em fator de violência.

Ilustração de capa dolivro “O Estado da Paze a Evolução daViolência - A situaçãoda América Latina”:mapeando a violênciapara que osgovernantes busquemsoluções

Foto: Reprodução

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