Copyright 2014, Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis - IBP
Este Trabalho Técnico foi preparado para apresentação na Rio Oil & Gas Expo and Conference 2014, realizado no período de 15 a
18 de setembro de 2014, no Rio de Janeiro. Este Trabalho Técnico foi selecionado para apresentação pelo Comitê Técnico do evento,
seguindo as informações contidas no trabalho completo submetido pelo(s) autor(es). Os organizadores não irão traduzir ou corrigir
os textos recebidos. O material conforme, apresentado, não necessariamente reflete as opiniões do Instituto Brasileiro de Petróleo,
Gás e Biocombustíveis, Sócios e Representantes. É de conhecimento e aprovação do(s) autor(es) que este Trabalho Técnico seja
publicado nos Anais da Rio Oil & Gas Expo and Conference 2014.
______________________________ 1 MBA em Sustentabilidade (UFRJ), Jornalista – Sócia-diretora da AS Estratégia.
2 Doutoranda em Engenharia Ambiental (UFSC), MBA em Gestão Ambiental (UFPR), Bióloga
3 Mestre em Química Ambiental, Engenheiro Químico Pleno pela Núcleo Eng. Consultiva
IBP2010_14
PERSPECTIVAS PARA O SETOR DE PETRÓLEO E GÁS
NUMA ECONOMIA DE BAIXO CARBONO
Julianna A. de C. A. Paula1, Isabela da C. Bonatto
2,
Luiz C. F. N. de Assumpção3
Resumo
As mudanças climáticas e as emissões de gases do efeito estufa são temas que sempre se relacionaram com questões
socioeconômicas e ambientais. No âmbito industrial, diversas são as atividades que contribuem para o aquecimento
global, principalmente as relacionadas à indústria do petróleo e gás. Assim, considerando as premissas do
desenvolvimento sustentável, estudos e projeções sobre a possível chegada do pico do petróleo, regulamentações
governamentais e de mercado e inovações tecnológicas levarão nas próximas décadas essa indústria a adotar um novo
modelo de negócio. Este artigo busca discutir e relatar as perspectivas para o setor de petróleo e gás numa economia de
baixo carbono. Dentre as alternativas existentes atualmente para políticas de baixo carbono, existem legislações
específicas, além de incentivos e financiamentos no setor de biocombustíveis e mobilidade urbana. Outras fontes de
produção de etanol, otimização de equipamentos, a ampliação do uso de fontes renováveis de energia, conservação ou
uso de forma mais eficiente dos recursos energéticos também são considerados caminhos importantes para redução das
emissões de gases de efeito estufa (GEEs) no setor energético sem sacrificar o desenvolvimento econômico. Todavia,
este é apenas o início de um processo que deverá prosseguir ao longo das próximas décadas, visando estimular o debate
em busca de um consenso global para a construção coletiva de propostas de políticas públicas consistentes juntamente
com pesquisas, para o reposicionamento da economia mundial frente aos desafios das mudanças climáticas. Essa tarefa
deve ser compartilhada entre esforços públicos e privados, com ações responsáveis, participativas e inovadoras.
Abstract
Climate change and emissions of greenhouse gases are issues that currently relate to socioeconomic and environmental
debates. In the industry sector, there are different activities contribute to the global warming, especially the activities
related to the oil & gas industry. Considering the premises of sustainable development, forecasts and studies on the
possible oil peak, governmental and market regulations and technology innovation will lead this industry to a new
business model. This article seeks to discuss and report on the outlook for the oil and gas in a low carbon economy.
Among the currently available alternatives for low-carbon policies, there are already certain laws and policies, and
incentives and financing in the biofuels industry and the urban mobility. Other sources of ethanol production, equipment
optimization, the expanded use of renewable energy sources, conservation or more efficient use of energy resources are
also considered important ways to reduce GHG emissions in the energy sector without sacrificing economic
development. However, this is only the beginning of a process that will continue over the coming decades, aiming to
stimulate debate for a global consensus for the collective construction of proposed public policies consistent with
research for the repositioning of the world economy face the challenges of climate change. This task must be shared
between public and private efforts to responsible, participatory and innovative actions.
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1. Introdução
Quando se fala em fazer a transição de uma economia baseada em combustíveis fósseis para uma economia de
baixo carbono, duas questões-chave vêm à tona: segurança energética (pico do petróleo) e mudanças climáticas. São
duas premissas polêmicas e relativamente incertas, mas que impactarão as empresas do setor de petróleo e gás em médio
e longo prazo.
O conceito de economia de baixo carbono surgiu com o desenrolar das conferências de meio ambiente
promovidas pela ONU entre as décadas de 80 e 90 e se fundamenta numa economia onde os setores produtivos
minimizam as emissões de gases do efeito estufa (GEE), principalmente o gás carbônico, através de eficiência e
inovação de processos e na utilização de recursos energéticos de matriz renovável.
A economia de baixo carbono parte do princípio de integrar a manufatura, as atividades primárias, o transporte,
dentre outras atividades, a diferentes tecnologias que permitem a produção de energia e materiais com pouca emissão de
GEE. Somado a isso, a economia de baixo carbono também procura fortalecer ações voltadas para reutilização e
reciclagem de materiais e resíduos.
De acordo com a IEA (International Energy Agency), em 2011, 35% das emissões de CO2 tinham como fonte o
petróleo e 20% o gás natural. Assim, fica claro que a indústria de petróleo e gás possui grande responsabilidade no que
se refere ao aquecimento global. Em paralelo, também há os impactos que o setor sofrerá ao longo das próximas
décadas, na medida em que os países adotarem a economia de baixo carbono como modelo econômico.
Este artigo tem por objetivo apontar tendências que já vêm sendo notadas nas economias dos países a respeito
de atividades de baixo impacto nas emissões de carbono, bem como as perspectivas para o setor de petróleo e gás diante
deste cenário.
2. Panorama das mudanças climáticas e emissões de CO2
As mudanças climáticas sempre foram discutidas em um contexto global em fóruns, congressos e conferências,
mas ganhou força a partir da COP-3, no Japão, em 1997, com a assinatura do Protocolo de Kyoto pela maioria dos
países desenvolvidos. No Protocolo de Kyoto o consenso foi de que os países industrializados se comprometeriam a
reduzir suas emissões de gases do efeito estufa em pelo menos 5% em relação os níveis de emissão de 1990 até o
período de 2012.
Em 2012, na COP-18, no Qatar, o Protocolo de Kyoto foi prorrogado para 2020. Apesar de algum retrocesso,
(os EUA, a Rússia, o Canadá e a Nova Zelândia se recusaram a ratificar o documento), a União Europeia inteira assinou
o protocolo, tendo, inclusive, firmado o compromisso de reduzir as emissões em 20% em relação aos níveis de 1990. Na
mesma COP ficou decidido que após 2020, quando o atual protocolo perder a validade, o novo acordo estabelecerá
metas para todas as nações, incluindo países em desenvolvimento.
Desde 1990 o IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change) vem publicando relatórios gerais e
específicos sobre mudanças climáticas. Segundo o órgão, cientistas climáticos projetaram diversos cenários que
apontam que as temperaturas globais subirão entre 1,1ºC e 6,4ºC até 2100, esperando uma elevação em torno de 4ºC.
Em 2014 a organização divulgou o segundo capítulo do quinto relatório sobre o clima, apontando que é
altamente provável a ocorrência de danos ligados a eventos naturais extremos em diferentes partes do planeta já na
segunda metade deste século. Esses danos devem ocorrer mesmo que haja corte substancial de emissões de gases do
efeito estufa nos próximos anos.
O IPCC aponta que 70% das emissões são oriundas de 10 países, sendo os Estados Unidos e China
responsáveis por 55% desse total. O órgão recomenda que as principais economias fixem um imposto sobre a emissão
do dióxido de carbono, elevando o custo dos combustíveis fósseis de forma que impulsione o mercado de fontes de
energias limpas, como a eólica e a solar, por exemplo.
Ainda de acordo com o IPCC, os aumentos globais de emissão CO2 se devem principalmente pelo uso de
combustíveis fósseis, que continuará respondendo por quase 80% da energia global até 2040. Dados da US EIA (Energy
Information Administration), apontam que as emissões de CO2 passarão de 31.2 bilhões de toneladas para 36.4 bilhões
em 2020 e 45.5 bilhões em 2040. Isso de deve tanto a um forte crescimento econômico dos países em desenvolvimento,
quanto à dependência dos combustíveis fósseis.
Em 2011, a IEA (International Energy Agency) informou que 35% das emissões de CO2 tinham como fonte o
petróleo e 20% o gás natural. De acordo com o Dr. Fatih Birol, economista-chefe da IEA, se as ações coordenadas para
limitar o aumento da temperatura global a 2°C derem certo, a demanda mundial por petróleo em 2030 será de 89
milhões de barris diários. Caso nenhuma medida seja tomada, a demanda será de 105 milhões de barris por dia.
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3. O pico do petróleo e seu impacto na economia global
Ainda que o preço do barril do petróleo tenha saído de 31 dólares em 2001 para pouco mais de 100 dólares em
2014, é consenso de que ele ainda seja uma energia barata. Em alguns casos, como nos EUA, a energia oriunda do
petróleo é, artificialmente, ainda mais barata que em outras regiões do mundo. Isso se deve a enorme quantidade de
subsídios que o setor recebe. Em 2006, por exemplo, os subsídios para o petróleo e gás totalizaram cerca de US$ 39
bilhões, fazendo com que déficits orçamentários do país fossem financiados por empréstimos no exterior (LOVINS,
2013a).
Mesmo com a crise econômica que assola o mundo desde 2008, e com a consequente estagnação das atividades
industriais de muitos países, a demanda por petróleo vem crescendo ano a ano. Segundo a IEA, a projeção de consumo
global para 2014 é de pouco mais de 92 milhões de barris de petróleo por dia. Em janeiro de 2008, meses antes de
estourar a crise mundial, a IEA havia projetado um consumo de 87.8 milhões de barris por dia.
Quando se fala no constante aumento de consumo de petróleo, a expressão “pico do petróleo” imediatamente
vem à tona. O tema é controverso, principalmente por conta de não se saber ao certo quando acontecerá. Na década de
50, o geólogo M. King Hubbert criou a teoria do pico de petróleo (Hubbert peak theory), que através da curva de
Hubbert, postulava que a produção mundial de petróleo chegaria ao pico no início do século XXI, quando então entraria
em queda e a extração nos novos campos não superaria o declínio dos campos mais antigos. Outros especialistas, no
entanto, afirmam que o pico do petróleo global acontecerá entre 2020 e 2030.
Apesar da divergência sobre quando acontecerá o pico do petróleo, é consenso de que, mais do que escassez do
recurso, o principal problema a ser enfrentado é de que, logo, os países/empresas produtores de petróleo perderão a
capacidade de extraí-lo de forma suficientemente barata para atender às demandas exponenciais de crescimento. Em
médio prazo, o impacto no preço pode colocar o sistema econômico mundial e as economias orientadas para o mercado
em colapso.
Os EUA, por exemplo, alcançaram o pico do petróleo na década de 70. De acordo com o relatório da US EIA
(Energy Information Administration) de novembro de 2013, a produção do mês anterior alcançou uma média de 7.8
milhões de barris/dia, enquanto as importações alcançaram a média de 7.5 milhões de barris/dia, fato que não ocorria
desde 1995.
Mais de 70% do petróleo tem como produto final o combustível que serve para alimentar frotas de transporte
formadas, basicamente, por veículos movidos à gasolina, diesel e querosene. Nos EUA, por exemplo, são consumidos
diariamente 13 milhões de barris de petróleo apenas para fins de transporte. Apesar de “apenas” 25% do petróleo ir para
matérias-primas, produtos petroquímicos e materiais especializados, a possibilidade de proximidade do pico do petróleo
acende o alerta vermelho para a indústria, uma vez que, direta ou indiretamente, o petróleo é usado em 95% dos
produtos industriais.
4. Alternativas para o uso intensivo do petróleo
Quando se fala em soluções para redução das emissões de CO2, no setor de petróleo e gás, antes de se pensar
em fontes alternativas, é fundamental pensarmos na questão da eficiência. No caso brasileiro, cerca de 40% das
oportunidades de redução das emissões resulta de iniciativas de melhoria da eficiência no uso de energia, como o
aperfeiçoamento nos processos de manutenção (garantindo o uso otimizado dos equipamentos).
Em relatório publicado pela consultoria McKinsey sobre economia de baixo carbono no Brasil, devido às
economias geradas, o custo típico dessas oportunidades é negativo: -54/ tCO2e. A outra parte das oportunidades é
baseada em investimentos em captura e armazenamento de carbono, que têm um alto custo (45/ tCO2e). As
oportunidades de abatimento das emissões somam 20 MtCO2e, representando 35% das emissões estimadas no caso base
em 2030, e 1% do total de abatimento possível no país (figura).
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Figura 1: Curva de custos de redução de gases do efeito estufa no setor de petróleo e gás para 2030
Ainda no campo da eficiência, há uma grande discussão em relação ao automóvel e o consumo de combustível.
É inegável a importância da indústria automobilística para a economia mundial, porém, ao longo das últimas décadas, o
processo de design fez com que os veículos ficassem mais pesados, mais complexos e mais caros. E em consequência,
eles passaram a consumir ainda mais combustível.
No entanto, em contraponto às inovações que tornaram os automóveis menos eficientes, centros de pesquisa e
desenvolvimento trabalham há mais de 15 anos com protótipos de carros mais leves feitos, principalmente, de fibra de
carbono. Esses carros possuem performance de combustível bastante superior aos carros de aço e utilizam, muitas vezes,
combustíveis ambientalmente favoráveis, como energia elétrica e células de hidrogênio.
4.1. O potencial do mercado de biocombustíveis
Somado à questão da eficiência na performance dos automóveis, especialistas afirmam ser fundamental o
fortalecimento do mercado de biocombustíveis. Em 2009 a produção de biocombustível de primeira geração ultrapassou
100 bilhões de litros. Isso significou a substituição diária de 1,15 milhão de barris de petróleo, além da eliminação de
215 milhões de toneladas de emissões de gases do efeito estufa. Em termos percentuais, essa substituição é equivalente a
quase 2% do petróleo destinado aos combustíveis. Para 2022, de acordo com a FAO, estima-se que a produção alcance
168 bilhões de litros de etanol e 41 bilhões de litros de biodiesel.
Do ponto de vista tecnológico, os recentes avanços permitem que o etanol, o biodiesel e outros biocombustíveis
possam fazer o mesmo que o petróleo. Do ponto de vista econômico, o mercado de biocombustível é altamente
promissor. No caso dos biocombustíveis de primeira e geração, Estados Unidos (milho) e Brasil (cana-de-açúcar) são,
respectivamente, os principais produtores de etanol. Em 2010, segundo a Renewable Fuels Assossiation, os produtores
americanos fabricaram 49 bilhões de litros de etanol de milho, o equivalente energético a 0,6 milhão de barris de
petróleo por dia.
Apesar dos cenários econômicos positivos para os biocombustíveis de primeira geração, os impactos
ambientais e sociais são bastante altos. Críticos alertam que a produção baseada em monocultura compromete o uso do
solo em longo prazo e que o uso de práticas agrícolas não sustentáveis torna a produção do etanol uma ameaça à
biodiversidade e à integridade de ecossistemas essenciais à proteção do clima. Críticos também ressaltam que a
produção do etanol de milho e de cana-de-açúcar requer vastas extensões de terra que poderiam ser utilizadas para a
produção de alimentos.
Somado aos problemas ambientais, os biocombustíveis de primeira geração deixam um rastro de problemas
sociais, principalmente no Brasil. Para que a cana-de-açúcar seja considerada uma alternativa sustentável, é preciso,
fundamentalmente, que as condições de trabalho nos campos mudem. Em muitos casos o trabalho é degradante e, não
raro, as fazendas são acusadas de trabalho análogo ao escravo.
No entanto, com os avanços tecnológicos, estão entrando no mercado os biocombustíveis de segunda geração.
Estes combustíveis são caracterizados por etanol produzido de fontes diversas de biomassa não usadas na alimentação
humana. No caso brasileiro, há pesquisa voltada para a produção do etanol a partir do bagaço de cana-de-açúcar. O fato
de ser utilizado um resíduo na produção de combustível faz com que não seja necessário aumento de área plantada,
aumentando a produtividade por hectare.
Além do bagaço de cana-de-açúcar, há pesquisas para transformar diversas outras fontes de biomassa em
combustível, como algas (a mais promissora devido a sua produtividade), resíduos de colheitas, troncos, cascas e
sabugos, dentre outros.
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4.2. Novos mercados: a alternativa para mobilidade urbana
A necessidade de uma transição para a economia de baixo carbono não se restringe apenas a uma revolução nos
combustíveis. Hoje um dos principais problemas das grandes cidades e grande emissor de CO2 diz respeito à (falta de)
mobilidade urbana. Segundo estudo da Victoria Transport Policy Institute, o custo estimado do congestionamento nas
cidades dos Estados Unidos, por exemplo, chega a U$121 bilhões por ano, superando, até, os custos gerados pelas as
externalidades dos combustíveis.
Oferecer novas formas de locomoção não economiza apenas petróleo, mas também cria novas oportunidades de
negócios. O mercado global de compartilhamento de carros movimentou em 2013 US$ 937 milhões. Apesar de ainda
estar em fase de consolidação, as tendências para este mercado apontam forte crescimento nos próximos anos, com
projeção de faturamento de US$ 6,2 bilhões em 2020, de acordo com estudo Carsharing Programs, da empresa Navigant
Research.
Os impactos positivos do compartilhamento de automóveis vão desde uma melhor mobilidade urbana, passando
pela redução na emissão de CO2, resvalando na indústria automobilística. No caso do Brasil, por exemplo, mesmo com
uma pequena base de clientes, a operação do compartilhamento de carros já aponta uma tendência, onde, depois da
oferta do serviço, 25% dos usuários optaram por vender seus automóveis. Nos Estados Unidos, que em janeiro de 2013
alcançou uma base de quase 900 mil clientes (crescimento de 24,1% em relação aos 12 meses anteriores), pesquisas
apontam que o compartilhamento de carros pode evitar a compra de 1,2 milhões de carros até 2020.
5. Tendências e exemplos atuais de economias de baixo carbono
Por conta tanto dos impactos ambientais, quanto da insegurança econômica gerada pela escassez do petróleo, o
mundo passou a olhar com mais interesse para a economia de baixo carbono. Mesmo que se tenha alguns anos até a
chegada do pico do petróleo, e algumas décadas de uso, a possibilidade cada vez mais realista da sua escassez está
fazendo com que mercados e economias que dependam do petróleo busquem outras alternativas viáveis.
Em relação às mudanças climáticas, além da pressão de diversos países e de regulamentações governamentais
cada vez mais restritivas, ONGs como WWF e Greenpeace e uma forte cobertura da mídia têm levado o tema para
pessoas comuns que, aos poucos, vão se engajando e cobrando governos por políticas mais sustentáveis e empresas por
produtos menos impactante do ponto de vista social e ambiental.
Assim, somando fatores ambientais a fatores econômicos e sociais, o mundo aponta para a tendência de uma
economia baseada na baixa emissão de carbono para as próximas décadas. Em 2010, um relatório divulgado pela Força-
Tarefa da Indústria Britânica Sobre o Pico do Petróleo e Segurança da Energia recomendava a aceleração imediata da
“revolução do transporte verde”, a introdução da tecnologia de baixo carbono e testes com biocombustíveis sustentáveis
para veículos particulares e também para a rede pública de transporte.
Quando se fala em regiões referência em economia de baixo carbono, a Europa, principalmente a Comunidade
Europeia, larga na frente. Além de regulamentações governamentais mais restritivas, a própria população é mais
consciente em relação às questões de sustentabilidade. Em 2007 a União Europeia estabeleceu um acordo onde os países
envolvidos se comprometem a ter uma matriz com, no mínimo, 20% de energia de fontes renováveis até 2020 e que
10% dos combustíveis consumidos pelos automóveis sejam de origem biológica.
A Holanda, com 16 milhões de habitantes, possui 18 milhões de bicicletas. No país, a bicicleta é um veículo
sujeito às leis de trânsito e movimenta um mercado de 1,4 bilhões de dólares por ano. Já o governo alemão estabeleceu a
meta de encerrar a geração de energia nuclear e reduzir a geração de energia termoelétrica. O plano oficial é que em
2050, 80% da matriz seja oriunda de matriz renovável, principalmente eólica, solar e biomassa.
Masdar City, nos Emirados Árabes, é a primeira cidade construída com base no conceito de sustentabilidade.
Dentre diversos critérios considerados na construção da cidade, chama atenção o sistema de transporte integrado, que
utiliza uma rede inteligente e prioriza o uso da bicicleta e do transporte público movido à eletricidade. Já a Costa Rica,
que utiliza ¼ dos recursos dos Estados Unidos per capita, oferece à sua população maior expectativa de vida, além de
possuir a maior taxa de alfabetização do mundo. O país funciona com 99% de seus recursos de origem renovável e tem
planejamento para ser carbono zero até 2021.
De acordo com o relatório Climatescope de 2013, pelo segundo ano consecutivo, o Brasil foi considerado
como o mercado mais atrativo em toda a América Latina para investimentos em baixo carbono. Realizado pela
consultoria Bloomberg New Energy Finance (BNEF) e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o estudo
aponta que de todos os países latino-americanos, o Brasil foi o melhor avaliado devido à sua boa pontuação nos quesitos
de “negócios de baixo carbono e cadeia de valores de energia limpa” e “atividades de manejo de gases do efeito estufa”.
O país tem mais de 108 empresas de vários setores que reportam suas práticas de eficiência energética e energia
limpa, assim como tem instituições para capacitação, e centros de pesquisas que atendem a setores de baixo carbono.
Além disso, possui 269 projetos sob o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL).
Seja por fatores ambientais, por oportunidades de negócios, seja para minimizar a dependência do petróleo, ou
mesmo para retardar o seu pico, a economia de baixo carbono vem, ainda que lentamente, entrando na pauta da política
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econômica global. A grande pergunta é o papel que as empresas de petróleo e gás terão a partir dessa nova
configuração.
Segundo o especialista Robert L Hirsch, por conta do pico do petróleo, uma empresa do setor precisará de 10
anos ou mais para fazer uma transição de modelo de negócios. No entanto, a questão ganha contorno mais importante
quando se adiciona o fator climático, a eficiência da indústria automobilística, o fortalecimento dos biocombustíveis,
principalmente os de segunda geração, a agricultura orgânica e o próprio amadurecimento das sociedades.
6. O papel das empresas de petróleo e gás numa economia de baixo carbono
É fato que desde a década passada as empresas de petróleo e gás se posicionam como empresas de energia. No
entanto, mais de 90% dos investimentos ainda vão para, basicamente, petróleo e gás, sendo a maior parte das pesquisas
voltada para a extração de petróleo em condições cada vez mais complexas, a custos cada vez mais altos. Somado a isso
temos os Estados Unidos que credita sua recuperação econômica à controversa, e ambientalmente impactante, produção
de gás de xisto, que pode levar o país à independência energética. Sem contar, ainda, que China e Argentina, duas das
maiores reservas do gás, sequer iniciaram sua produção em escala comercial.
Não se espera que devido à economia de baixo carbono o petróleo deixe de ser consumido ou que uma empresa
do setor deixe de existir. Mas é fato que elas deverão iniciar o processo de remodelagem de seus negócios de maneira
que outras fontes energéticas façam parte de seu portfolio e a transição para um modelo de energia renovável, limpa e
sustentável seja viável. A pergunta é quando essa transição irá acontecer, já que o tempo, neste caso, é um fator crítico.
O caminho aparentemente mais óbvio para as empresas de petróleo e gás é o investimento na pesquisa e
produção de biocombustíveis. O mercado é promissor e as opções são diversas, desde o etanol de milho e cana-de-
açúcar, passando pela biomassa e até mesmo o biodiesel oriundo de vísceras do peru e fraldas descartáveis usadas!
Se pensarmos no boom dos carros elétricos, outro mercado também provável para as empresas de petróleo e
gás é o da energia renovável, principalmente eólica e solar. Apesar de o investimento destinado a esse tipo de energia
ser pequeno (em comparação ao volume destinado ao petróleo e gás), empresas do setor já investem forte na geração de
energia renovável.
Além dos investimentos prováveis em fontes alternativas ao petróleo, a mudança no modelo de negócios de
uma empresa do setor deve ir além uma simples troca de matriz energética ou substituição na matéria prima dos mesmos
produtos. É preciso observar a mudança no comportamento dos consumidores e das sociedades e perceber como essa
mudança impacta a empresa.
Os problemas se tornaram mais complexos. Questões ambientais são, hoje, apenas, um dos fatores a ser
considerados quando o tema é sustentabilidade ou economia de baixo carbono. Questões de ordem econômica e social
também viram fatores críticos. Não adianta simplesmente levar para o mercado um combustível limpo, por exemplo,
quando o problema macro diz respeito à mobilidade.
Assim como a idade da pedra não acabou com o fim das pedras, os cenários apontam para a possibilidade de
que a era do petróleo não acabe com o fim do petróleo. Perdas bilionárias (com projeção futura para perdas trilionárias
caso nada seja feito) ocasionadas pelas mudanças climáticas, eficiência de processos e uso intensivo da tecnologia
associados a novas demandas sociais podem fazer com que nas próximas décadas, o uso do petróleo caia não por um
fator ambiental, no caso a queda na oferta, mas por um fator econômico, no caso a queda de demanda.
É claro que, caso a queda na demanda por petróleo e gás se concretize, o processo será bem lento. Mas para
que essa possibilidade seja viável, assim como o sucesso na transição para a economia de baixo carbono, dois fatores
são críticos. O primeiro diz respeito à própria criação do mercado de produtos/serviços que suportem uma cadeia
produtiva e tecnológica de baixo carbono.
Neste caso é fundamental que centros de pesquisa e desenvolvimento aliem inovação e eficiência de processos
para que os produtos tenham a mesma qualidade dos similares oriundos de combustíveis fósseis a preços competitivos.
Somado a isso, é fundamental o investimento em infraestrutura. No caso dos fornecedores de combustíveis, por
exemplo, é preciso investir em infraestrutura para que o biocombustível seja comercializado em qualquer posto de
abastecimento, assim como seja possível o abastecimento de carros elétricos.
O segundo ponto crítico para o sucesso da economia de baixo carbono diz respeito à maturidade das
sociedades, as opções individuais de cada cidadão e o papel do governo nas regulamentações e em assegurar o
desenvolvimento sustentável dos países.
Mais do que subsídios à energia e combustíveis limpos, é fundamental que os governos criem políticas públicas
que contenham a expansão urbana desenfreada, que tirem das ruas veículos velhos e ineficientes e fortaleça o uso de
transporte público através de planejamento que inclua taxa sobre o uso de transporte individual em grandes centros de
circulação. Além disso, em escala global, é vital, que os governos e órgãos ambientais cheguem a um acordo a respeito
do mercado de carbono, de forma que reduza as incertezas e os riscos dos investimentos.
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7. Conclusão
Todos os dados, estudo e pesquisas apontados neste artigo procuraram andar pareados com as tendências
sociais, econômicas e ambientais da atualidade. Eles constituem apenas o início de um processo de análise que deverá
prosseguir ao longo dos próximos anos, visando estimular o debate para a construção coletiva de propostas de políticas
públicas e regulamentações de mercado consistentes para o reposicionamento da economia global frente aos desafios
das mudanças climáticas.
Essa tarefa deve ser compartilhada entre esforços públicos e privados, em uma agenda positiva que requer, do
setor empresarial, principalmente da indústria de petróleo e gás, uma liderança responsável, participativa e inovadora e
dos governos mundiais, o consenso em torno da questão. Será fundamental a integração de órgãos independentes como
o IPCC, governos mundiais, o terceiro setor e sociedade de forma a criar consonância e uma abordagem sistêmica para
os esforços de mitigação de emissões de GEE, adaptação.
E apesar da necessidade de se caminhar para uma economia de baixo carbono e termos a liderança da
comunidade da Zona do Euro, é inegável que ainda há um longo caminho a ser percorrido, principalmente em países que
entraram na rota do consumo há pouco tempo. Com isso, o ponto mais crítico da empreitada diz respeito à maturidade
das sociedades e às escolhas individuais.
Em um mundo que caminha para os nove bilhões de habitantes em 2030, não há mais espaço para que as
economias cresçam fundamentadas em consumo e obsolescência programada. Por mais que haja demanda reprimida em
países em desenvolvimento, é preciso repensar essa relação de consumo e os impactos gerados por ele. Este acaba
sendo, afinal, o grande esforço para que a transição para uma economia de baixo carbono seja bem sucedida. Já que,
mais do que responsabilidade de políticas e governos, esta é uma responsabilidade individual.
8. Referências
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