Luciana Medeiros de Araújo Universidade Federal de Campina Grande
PPGG/UFPB [email protected]
PERIFERIZAÇÃO DAS CIDADES DO SERTÃO PARAIBANO: NOTAS PARA REFLEXÃO SOBRE AS NOVAS DINÂMICAS DE PRODUÇÃO
DO ESPAÇO URBANO
A Geografia Urbana tem se dedicado à análise e à formulação de conceitos e de
categorias que deem conta da elaboração de um aporte teórico-metodológico necessário
à compreensão das novas dinâmicas inerentes à reprodução do espaço urbano. Sem
dúvida, isso representa um esforço de grande monta, dado o caráter multifacetado,
complexo e diverso deste espaço.
Espaço este, entendido como uma totalidade mutável e dialética, representativo
das relações sociais do presente e do passado. Portanto, um espaço constituído de
historicidade, especificidades, singularidades e de contradições, o qual, sob uma
compreensão lefebvreiana, pode-sedefinir também como espaço social. Como tal,resulta
de um conjunto de operações,efeito de ações passadas, onde umas produzem, outras
consomem, usufruindo os frutos da produção.
Igualmente ao espaço social, o espaço urbanose reproduz associadoàs forças
produtivas e às relações de produção, e, ao buscar-se uma melhor sobreposição destes
espaços, a partir de Lefebvre(2006, §188, 189), tem-se que o primeiro
manifesta sua polivalência, sua “realidade” ao mesmo tempo formal e material.[...] Ele se introduz no seio do conceito de produção e mesmo o invade; ele se torna o conteúdo, talvez essencial. Então, ele engendra um movimento dialético muito específico, que certamente não revoga a relação “produção-consumo” aplicada às coisas (os bens, as mercadorias, os objetos da troca), mas a modifica ampliando-a. Uma unidade se entrevê entre os níveis freqüentemente separados da análise: as forças produtivas e seus componentes (natureza, trabalho, técnica, conhecimento), as estruturas (relações de propriedade), as superestruturas (as instituições e o próprio Estado).
O espaço urbanorevela-se, pois,em sua multiplicidade, comportando distintos
conjuntos de formas-conteúdos, em diferentes níveis de escalas, de lugares e de
interconexões, desenvolvendo-se de modo relacional.Sob tal perspectiva, reafirmo com
base em Lefebvre (2001, 2004, 2006), Harvey (2005), Corrêa (2003), Sposito (2007), a
compreensão de que este espaço é um produto social, intencional, muito bem articulado,
e inscrito numa dada historicidade, cuja reprodução constitui um fenômeno bastante
dinâmico, comportando diferentes abordagens teórico-conceituais.
Em outras palavras, o espaço urbano e a sociedade são dimensões irredutíveis,
essenciais à apreensão da realidade em sua totalidade. Sendo, portanto, meio e condição
de realização da sociedade que o produziu, simultaneamente contingente e
condicionador das relações sociais de produção (GOTTIDIENER, 1997).
À luz dessa concepção de espaço urbano norteio minhas inquietações acercada
interposição das incorporadoras imobiliárias e do Estado nos processos de expansão e
de periferização urbanas e, por conseguinte, nas novas dinâmicasde produção das
periferias das cidades brasileiras de porte médio, e em particular asda Paraíba.
Impulsionadas pelas forças de produção capitalista, estas cidades tornam-se o locus da
reprodução do capital imobiliário, acentuando a fragmentação, as contradições e os
conflitos no/do espaço urbano.
Nesse sentido, é oportunorefletir sobre asestratégias deapropriação, valorização
e uso das terrasperiféricas e periurbanas, evidenciando as articulações e as relações
entre dois importantes produtores da cidade: os promotores imobiliários e o Estado. Isto
porque, as incorporadoras imobiliárias e o Estado têm sido responsáveis pelo conjunto
de importantes transformações empreendidas nos processos de expansão urbana e de
periferização de cidades não metropolitanas brasileiras, latino-americanas e européias.
No Brasil, até pouco tempo, estes processos eram comuns às metrópoles e às
grandes cidades não metropolitanas, e muito isoladamente às cidades médias do Centro-
Sul. Atualmente, o ritmo acelerado do processo de periferizaçãonessas cidadesexpande-
se por todo o país, demandando um olhar mais cuidadoso por parte dos estudiosos da
questão urbana. Indiscutivelmente, há uma novadinâmica de expansão urbana nestas
cidades, os quais conformam novos assentamentos e formas-conteúdos às periferias e às
áreasperiurbanas1.
Nos últimosanos,é significativoo avançodestes processosno estado da Paraíba,
principalmente, nas cidadesde João Pessoa, Campina Grande, Patos Sousa e Cajazeiras.
As três últimas localizadas do Sertão Paraibano, classificadas como centros sub-
regionais pela REGIC2.Desde 2008, observo3quea expansão urbana vem imprimindo
um processo de periferizaçãocom especificidades peculiaresnas cidades sertanejas, as
quais estão sendo investigadas em minha pesquisa doutoral, intitulada “Processo de
periferização das cidades do Sertão Paraibano: novas dinâmicas de produção e
reestruturação do espaço urbano”4.
A partir de então, reflito e discutoalguns pontos basilares que demandam uma
análise mais diligente, as quais poderão contribuir para desvelar os meandros da
periferização das cidades sertanejas, como também para ampliar os estudos sobre as
dinâmicas urbanas das cidades sertanejas do Nordeste. Isto porque, em geral, as cidades
do semiárido nordestino de pequeno e médio portecontinuam “invisíveis aos olhos dos
técnicos e demais possíveis interessados, a exemplo de planejadores governamentais”
(LOPES, 2007, p. 77)5.
Dentre estes pontos, evidencio, por exemplo:as novas formas-conteúdo das áreas
periféricas; a conformação dos novos assentamentos urbanos na periferia;a
articulaçãoentreos promotoresimobiliários e o Estado no processo de periferização; as
estratégias destes promotores; outros mais. No entanto, um dos pontos mais importantes
a considerar é a celeridade nos processos de parcelamento e desmembramento de
propriedades ruraisperiurbanas, e a transformação destas propriedades em loteamentos
urbanos.
1 Entendidas como as áreas situadas na interface entre o urbano e o rural. 2Região de Influência das Cidades, IBGE, 2008. 3Ano em que iniciei trabalhos de campopara estas cidades sertanejas,junto à disciplina de Geografia Urbana. 4Pesquisa iniciada em 2013, vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia, da Universidade Federal da Paraíba, sob a orientação da Profª. Doralice Sátyro Maia. 5Essa realidade começa a ser redesenhada pelos estudiosos da Geografia Urbana (LOPES, 2007; MELO e SOARES, 2009; SILVA, 2007), para os quais estas cidades passaram a ser objeto de investigação, tendo como foco ora suas formas, seus processos e dinâmicas espaciais, ora a vida cotidiana urbana, ora as atividades produtivas.
A pesquisa em tela tem como objetivo analisar os processos de expansão urbana
e de periferização, mediados por interposições e convergências dasincorporadoras
imobiliárias e do Estado, como condicionantes e, simultaneamente, condicionados
de/por novas dinâmicas de produção e de reestruturação do espaço urbano das cidades
do Sertão Paraibano. A mesma estána fase inicial do levantamento documental, para a
qual estão sendo aplicadas fichas metodológicas para a obtenção de informações
notariais sobre o registro de imóveis dos empreendimentos imobiliários na cidade de
Cajazeiras6.
Simultaneamente, estou realizando observaçõesin loco dos empreendimentos
arrolados, como a finalidade de melhor dimensionar a expansão urbana e o
parcelamento da propriedade rural periurbana, bem como a origem ea ação das
incorporadoras imobiliárias, e do Estado no processo de periferização desta cidade.
Ainda em campo,estouelaborando umcorpus fotográfico, de natureza etique (GURAN,
2000), dos loteamentos e demais empreendimentos nas áreas periféricas e periurbanas
da supracitada cidade.
Nesta fase da pesquisa, assinalo que duas hipótesesestão sendo fortalecidas:
primeira, diz respeito à existência de um provável consentimento dissimulado dos
gestores locais quanto à ingerência dasincorporadoras imobiliárias nas cidades
sertanejas, as quais têm se apropriado das áreas periféricas e/ou periurbanas de modo
seletivo, supervalorizando-as. Segunda: realmente,ao que parece, a ação destas
incorporadoraséuma das grandes propulsoras de novas dinâmicas urbanas e do
delineamento do processo de periferização em curso nas cidades interioranas da Paraíba,
dado ao expressivo volume de empreendimentos lançados nos últimos cinco anos.
É possível antever a inação, intencional ou não, da gestão municipal no que se
refere à fiscalização da implantação de alguns empreendimentos imobiliários. Por
exemplo,tomando-secomo referência à legislação urbanamunicipal de Cajazeiras,é
comum encontrar irregularidades, tais como: loteamentos com parcelamento de lotes
abaixo do estabelecidonocódigo de obras; construções de edificações geminadas;
6 O levantamento seguinte será feito junto à prefeitura municipal e às imobiliárias desta cidade. Posteriormente, o mesmo procedimento será realizado nas cidades de Sousa e Patos.
implantação de empreendimentos em área sujeita a impactos ambientais; loteamentos
sem a infraestrutura mínima exigida na legislação; dentre outras.
No âmbito das questões pertinentes aos processos de expansão urbana e de
periferização, tenho analisado a legislação e os instrumentos de planejamento que
norteiam a gestão pública das três cidades em tela, problematizando o seu real uso na
elaboração de políticas urbanas, bem como no licenciamento dos loteamentos. Como
Reis (2007, p.175) afirma, ao discutir os novos empreendimentos imobiliários nas áreas
periféricas, de fato há quase sempre “a ausência de um enquadramento formal dessas
iniciativas em termos legais”.
Em relação à interposição do capital imobiliário nestes processos, é necessário
um exercício de reflexão teórica a partir de referenciais voltados às leituras econômicas
do espaço urbano. Dentre estes, aponto Singer (1979),Farret (1985),Smolka (1987),
Campos (1989),Melazzo (2001), Costa e Mendonça (2011), com os quaistenho
dialogado para a análise crítica referente à apropriação fundiária, à renda da terra
urbana, à mercantilização da terra e à habitação, e por fim às novas dinâmicas do capital
imobiliário.
Os economistas, igualmente a outros cientistas sociais, têm abordado os
processos de expansão urbana e de periferização das cidades brasileiras, a partir do
“espraiamento” do tecido urbano sobre as terras do periurbano. O marco inicial dessas
discussões é a segunda metade do século XX, um período prenhe de grandes
transformações socioeconômicas e espaciais, as quais consolidam e ampliam a produção
capitalista do espaço urbano.
Para Costa e Mendonça (2011), a partir deste período delimitam-se momentos
importantes para se compreender as dinâmicas imobiliárias estabelecidas nas cidades
capitalistas, conformando vários processos de produção do espaço contemporâneo.
Segundo essas autoras, nos anos de 1970 inicia-se um amplo debate sobre os agentes
produtores do espaço urbano, que passa a ser “visto como resultado, palco e indutor de
um processo complexo de relações entre o Estado, diferentes frações do capital, com
ênfase para os capitais investidos em terra e na incorporação imobiliária, e a sociedade
civil, em especial aquela organizada em movimentos sociais” (COSTA E
MENDONÇA, 2011, p.7). No final do século XX, sobretudo quando se anuncia um
momento de crise do capitalismo, a articulação entre Estado e capital, particularmente o
imobiliário, redefine a produção do espaço urbano, dando-lhe uma nova conformação,
ancorada pelaparceria público-privado.
Nas cidades do Sertão Paraibano, notadamente em Patos, Sousa e Cajazeiras, o
incorporador imobiliário aporta seus investimentos nas terras rurais periurbanas, cujas
glebas agrícolas tendem a ser rapidamente apropriadas e monopolizadas por este capital,
objetivando uma futura maximização dos lucros ao serem transformadas em lotes
urbanos.
Isto porque, em uma economia capitalista, a propriedade privada da terra
assegura ao seu proprietário a possibilidade de obter uma maior renda, sobretudo
quando o mesmo possui glebas nas áreas referidas. No momento favorável ao mercado
imobiliário, elas serão fragmentadas e transformadas em loteamentos urbanos, fechados
e/ou abertos, localizados em áreas periféricas, as quais assumem novas conformações,
conferindo outra feição a concepções consagradas de periferia como “lugar de pobre”,
desconstruindo-a.
A valorização dessas áreas, conforme Singer (1979), “é antecipada em função
de mudanças na estrutura urbana que ainda estão por acontecer”. Portanto,
ospromotores imobiliários, articulados ao poder público, especulam o momento
propício para a comercialização de seus empreendimentos. Os promotores utilizam
diferentes estratégias para obterem maior renda da terra urbana, apropriando-se das
amenidades do espaço: ar puro, disponibilidade de verde, maior tranquilidade, melhor
qualidade de vida, bem como das vantagens futuras relativas à localização, à
implantação de serviços públicos de infra-estrutura ou à acessibilidade, garantidas pelo
poder público.
Com já assinalado, na Paraíbaos processos de expansão e de periferização
urbanas têm ocorridode modo célere, especialmente na capital, João Pessoa, e em
Campina Grande, a segunda maior cidade.Para Maia (2010), estas duas cidades
apresentam grande capacidade de oferta de bens e serviços e, igualmente, se
caracterizam pela intensidade e complexidade de seus fluxos comerciais, financeiros e
populacionais.
Ambas classificadas como capitais regionais (REGIC/IBGE, 2008), é razoável o
entendimento de um ritmo diferenciado e célerede tais processos, assim como do
esgarçamento significativode seus tecidos urbanos,tendênciarecorrente nas demais
cidades médias brasileiras, como apontam os estudos de Arroyo (2006), Sposito (2007)
e Maia (2010). Porém, a intensificação do processo de periferização, em níveis
diferenciados e, não menos preocupantes, é observada em outras cidades paraibanas,
como em de Patos, Sousa e Cajazeiras, as quais apresentam dinâmicas socioeconômicas
bastantes inferiores em relação àquelas duas principais.
Estas cidades estão inseridasna mesorregião do Sertão Paraibano, a qual
ocupa40,23% da área territorial doestado, constituída por 84 municípios de um total de
223 existentes (37,66%).De acordo com o Censo Demográfico de 20107, esta
mesorregião apresenta 863.178 habitantes, correspondendo a 22,91% da população
estadual, com densidade de 37,98 hab/km², inferior à taxa estadual, que é 66,70
hab/km².
Desse total, as cidades de Patos, Sousa e Cajazeiras somam mais de 224 mil
habitantes, ou seja, 26% da população da mesorregião do Sertão Paraibano. O
contingente populacional das microrregiões que estas cidades polarizam, incluindo-as,
soma 476.504 habitantes, distribuídos em 41 cidades, ou seja, perfazem 55,20% do total
da população e 48,80% das cidades da mesorregião em discussão.
Quanto à população urbana, as três cidades totalizam pouco mais 196 mil
habitantes, ou seja, são municípios com altas taxas de urbanização, especialmente Patos,
com 97% de sua população residindo na cidade. Em Cajazeiras e em Sousa estas taxas
são respectivamente de 78,8% e 81,27%. No Sertão Paraibano essa taxa é de 66,34%.
Neste momento, não arrolo maiores indicadores econômicos, porém, destaco
que, em 2010, o número de empresas instaladas nestas três cidades é bastante incipiente,
correspondendo a pouco mais de cinco mil empresas, o que significa apenas 8% das
empresas do estado da Paraíba. No entanto, as cidades em tela dispõem de considerável
7 SIDRA (Sistema IBGE de Recuperação Automática), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas.
oferta de serviços e de comércio, polarizando as cidades de seu entorno e dos
estadoscircunvizinhos do Rio Grande do Norte e do Ceará, atraindo grandes
contingentes de consumidores e de mão-de-obra.
Dentre os serviços, é notável a expansão do setor educacional, com grande
oferta de cursos superiores e ou técnicos, em instituições públicas de ensino (institutos e
universidades federais e estaduais) e ou privadas. Nas instituições privadas destacam-se
os cursos superiores e as escolas de educação básica, voltadas ao ensino médio. Nas três
cidades é verificável o crescimento do comércio de varejo e de atacado e de outros
serviços, que atraem investimentos de diferentes atividades produtivas. Em especial, na
cidade de Sousa há um significativo incremento do comércio e da agroindústria, ligados
à agricultura irrigada da área PIVAS (Perímetro Irrigado das Várzeas de Sousa).
Sobre a expansão dos empreendimentos imobiliários, até o presente constatei
que na cidade de Cajazeiras, entre os anos de 2008 e 2014, foram implantados 21
loteamentos horizontais abertos, totalizando a oferta de quase de sete mil lotes urbanos,
e apenas a construção de um conjunto habitacional de interesse social, com 150
unidades residenciais. Atento para o fato de que grande parte dos empreendimentos está
localizada em áreas periurbanas, tendo havido desmembramento de propriedades rurais,
segundo os documentos notariais de registro de imóveis consultados.
De modo mais amplo, a reflexão propostaestá relacionada ao contexto da
urbanização pelo qual o país passou, sendo esta uma consequência e, ao mesmo tempo,
um fator de consolidação da política de desenvolvimento econômico-industrial. Para
Sposito(2007), o impacto da industrialização sobre a urbanização gerou mudanças
estruturais no papel e na estruturação do espaço interno das cidades, reafirmando a sua
importância como locus da reprodução do capital.
Na Paraíba, no contexto do processo de colonização, a cana-de-açúcar e o gado
foram as principais atividades responsáveis pela ocupação territorial do estado. No final
do século XIX, verifica-se a consolidação das atividades agropecuárias no interior,
notadamente no Agreste e no Sertão. Nesta mesorregião, o binômio gado-algodão, em
especial a produção monocultora do algodão, passou a ser responsável pela
consolidação do processo de ocupação de seu território e pela modernização das
atividades agrárias (MOREIRA e TARGINO, 2003).
A partir da expansão bovina-algodoeira, algumas fazendas sertanejas,
estabelecidas em grandes latifúndios, deram origem a núcleos de povoamento,
transformando-se posteriormente em pequenas vilas, nas quais ampliavam-se as feiras
de gado e o pequeno comércio de troca de mercadorias. Igualmente, as atividades
agropecuárias foram responsáveis pela modernização da economia nordestina e das
relações de trabalho no campo, em especial com a expansão algodoeira, na transição do
século XIX para o XX. Esta expansão impulsionou a implantação de unidades
beneficiadoras de algodão em cidades estratégicas, cujo entorno destacava-se pela
produção desta matéria-prima para a indústria têxtil, abastecendo o mercado interno,
países da Europa e os Estados Unidos.
A partir de meados do século XX, o modelo brasileiro de desenvolvimento
econômico, focado na ampliação e na modernização industrial, chega ao campo,
alterando os sistemas agrários de produção e as relações de trabalho, intensificando a
concentração fundiária, a mecanização e o deslocamento de trabalhadores do campo
para a cidade. Segundo Gomes (2002), “em 1950, cerca de 70% da população brasileira
vivia no meio rural, em 1990, este percentual caiu pelo menos 20%, o resultado deste
processo é que a agricultura brasileira nos anos 90 caracterizou-se por uma estrutura
complexa, heterogênea e multideterminada”.
Na Paraíba, a inversão populacional campo-cidade ocorreu na década de 1980,
em um momento de modificação nas estruturas produtivas do estado, decorrente de
fatores como a implantação do Proálcool; a crise na produção de algodão, com a praga
do bicudo; e a maior concentração fundiária, conforme destacamMoreira e Targino
(1996). Como consequência imediata, aponto orápido crescimento urbano e a
periferização de nossas cidades, especialmente daquelas onde as atividades econômicas
industriais, terciárias e do agronegócio são mais modernas e complexas, dependentes do
capital e de mercados (trans)nacionais, a exemplo de João Pessoa e Campina Grande.
Por fim, por acredito que há uma nova dinâmica em curso, e em ritmo bastante
acelerado, entendo a emergência de uma análise mais sistematizada, até porque o
modelo de periferização observado nestas cidades do Sertão Paraibano ainda não tem
uma definição muito clara. Igualmente, é importante analisar a dimensão e seus
possíveis impactos sócio-espaciais e econômicos sobre a organização do espaço urbano
sertanejo.
Reafirmo, pois, ser uma dinâmica nova para a realidade do Sertão Paraibano, a
qual poderá ou não, resultar em uma nova reestruturação urbana das cidades de Patos,
Sousa e Cajazeiras. De todo modo, reafirma-se e mantem-se a reprodução de um
modelo de urbanização capitalista, acelerado, desigual e excludente, formando cidades
fragmentadas e segregadas. Porém, com uma mudança em curso: as áreas mais
periféricas e deterioradas, historicamentereservadas à população de menor poder
aquisitivo, hoje, transformam-se em periferias de amenidades, voltada à população de
status, com grande capacidade solvável (CORRÊA, 2003).
Todavia, essa mudança não significa o fim da reprodução de uma“urbanização
patológica” (MARTINS, 2001), cujas cidades estão marcadas pela injustiça social e
impactos ambientais. Cidades que se revelam cada vez mais contraditórias e complexas,
locusde conflitos e de interesses diversos, mediados por forças produtivas que tramama
produção-reprodução do espaço urbano (LEFEBVRE, 2004; SPOSITO, 2005, 2007;
CARLOS, 2011).Sob tal modelo de urbanização, Patos, Sousa e Cajazeiras não
constituem exceções dos processos aqui referidos.
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