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  • Paternalismo,populismo ehistria social

  • PATERNALISMO, POPULISMO E HISTRIA SOCIALRESUMOSe repararmos no debate sobre paternalismo, possvel constatarque a pesquisa histrica se defrontou com um termo crtico emuitas vezes rebatido ; mas afinal resgatado e reformulado. Esteartigo defende que esse procedimento pode ser estendido apopulismo. No uma questo de preservar ou descartar, mas deexaminar o que desejamos nomear e investigar e o que h comoalternativa. Em relao s alternativas, outros aspectos da discussosobre paternalismo contribuem para os rumos da histria social.PALAVRAS-CHAVEHistria social; Paternalismo; Trabalhismo; Populismo

  • Aprendemos que as pessoas comuns eram, o mais das vezes,bem mais capazes que ns. Elas haviam levado ao esforo deguerra, em seus mais diferentes nveis, aptides que ns,que havamos tido uma criao protegida e havamos ido,talvez, a escolas de alto nvel, jamais tnhamos conhecido.Trabalhar com pessoas de todas as classes em todos os nveisde autoridade reforou nosso socialismo e diminuiu qualquerhesitao que pudssemos ter em adotar os valoresrevolucionrios da liberdade, fraternidade e igualdade. Creioque foi essa experincia de servir na guerra, tanto como civisquanto como recrutas homens e mulheres , quedespertou o grande interesse pela histria das pessoas.

    (Dorothy Thompson.)

    INTRODUONo Encontro Nacional da Associao Nacional de

    Histria (ANPUH) de 2003, nos debates em seguida s palestras,ngela de Castro Gomes, em rplica a um dos presentes (quechamara o sindicalismo peronista de pelego), perguntou: Se osescravos faziam o diabo, por que no os trabalhadores?3 Com essainterrogao, ngela de Castro Gomes se referiu ao avanado

    1 Professor da Universidade Federal da Bahia. [email protected] Este artigo resultado do projeto Diferenas, territrios, identidades: os

    trabalhadores no Brasil (1790-1930), apoiado pelo Programa Nacional deCooperao Acadmica PROCAD da CAPES. Uma verso anterior foiapresentada na II Jornada Nacional de Histria do Trabalho, realizada no XEncontro Estadual de Histria da ANPUH/SC, de 30 de agosto a 2 de setembrode 2004, Florianpolis.

    3 GOMES, A. de C. Propaganda poltica, construo do tempo e mito Vargas:o calendrio de 1940. In: SIMPSIO NACIONAL DE HISTRIA, 22, 2003,Joo Pessoa. Mimeografado. Da mesma autora, ver: GOMES, A. de C. Questosocial e historiografia no Brasil do ps-1980: notas para um debate. In:SEMINRIO BRASIL-ARGENTINA: A VISO DO OUTRO SOBRE AQUESTO SOCIAL, 2003, Buenos Aires. Mimeografado.

    PATERNALISMO, POPULISMO EHISTRIA SOCIAL2

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    Exemplo dessa produo o artigo de Marcus de Carvalho,que retoma o problema da participao poltica das classessubalternas querendo precisar o alcance de suas aes, bem comoseus motivos. O universo: a Revolta Praieira, no Recife de 1848.Ao indagar se as classes subalternas eram uma massa de manobraque atendia aos interesses das camadas superiores ou se iam alm doroteiro estabelecido pelo patronato, respondido que sim asclasses subalternas escapam da dominao e se defendem, exibindointeresses prprios. Investiga-se, para tal, a formao de lideranascapazes de intermediar as relaes entre a haute politique [alta poltica]partidria e os interesses imediatos dos trabalhadores livres pobres urbanos.Um segundo exemplo vem, a calhar, da histria social daescravido: Soares e Gomes sustentam que africanos e seusdescendentes no viviam isolados do mundo das idias. Logo, avaliavama grande poltica e a partir dela mantinham expectativas e empreendiamaes, provocando temor.5

    Sintetizando e citando , Sidney Chalhoub colocou aquesto da seguinte maneira: os senhores exerciam a sua prerrogativade comprar e vender escravos no interior da arena da luta de classes, tinhamde lidar com as expectativas e presses dos cativos; podiam torturar e matar,mas sabiam que tambm corriam riscos. Alm destes riscos certas

    4 GOMES, F. dos S. Histrias de quilombolas: mocambos e comunidades desenzalas no Rio de Janeiro, sculo XIX. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional,1995; LARA, S. H. Blowin in the wind. E. P. Thompson e a experincianegra no Brasil. Projeto Histria, So Paulo, n. 12, 1995; REIS, J. J. Rebelioescrava no Brasil: a histria do levante dos males, 1835. So Paulo: Companhiadas Letras, 2003.

    5 CARVALHO, M. de. Os nomes da revoluo: lideranas populares naInsurreio Praieira, Recife, 1848-1849. Revista Brasileira de Histria, So Paulo,n. 45, p. 209-210, 2003; SOARES, C. E.; GOMES, F. Sedies, haitianismo econexes no Brasil escravista. Novos Estudos, So Paulo, n. 63, p. 132, 2002.

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    vezes traumticos , os senhores tinham de lidar com o dia-a-dia eos costumes em comum dos negros, apesar das diferenas erivalidades vigentes. Com tradies reelaboradas na experinciasob o domnio senhorial, os cativos impunham-lhe limites ao mesmotempo em que, via de regra, ajudavam a reproduzi-lo.6 Tais costumes,vale acrescentar, tinham serventia para vislumbrar direitos incomuns,levando a relao senhor/escravo (ou benfeitor/dependente, oucapital/trabalho) aos limites do imprevisvel e at do insustentvel.Em busca de uma posio vantajosa, o que exige estratgia eorganizao consistentes, as classes subalternas chegavam aalianas inesperadas, superando obstculos de baixa auto-estimae desunio.

    Em vista disso, a pergunta que se faz : Se os escravosendiabravam a poltica de domnio senhorial, por que ostrabalhadores no teriam feito o mesmo com a arquitetura dapoltica trabalhista e isso j nos anos 30 do sculo XX? Por quantotempo, em segundo lugar, vamos nos haver com uma era populista conduzida por um chefe maquiavlico , durante a qual teriaocorrido o triunfo da manipulao (em que os trabalhadorestombam errantes, iludidos ou incapazes)?

    Para comear, a classe trabalhadora sob o cativeiro ouem liberdade estava presente ao seu prprio fazer-se, num processoativo, que se deve tanto ao humana como aos seus condicionamentos.7Dito isso, precisamos conhecer os nomes, os valores e estratgias,as iniciativas e rumos dos trabalhadores ou das classes chamadasde subalternas ou perigosas, o que nos levar de encontro aduas posies muito aceitas e difundidas. A primeira alega oseguinte: os trabalhadores vivem em desarraigo social; soestranhos uns diante dos outros. So, mais ainda, rivais entre si.No falam o mesmo idioma, seja na lngua, seja na cultura. Em seugrande livro Eder Sader escreveu que, ao pintar os trabalhadoresdesse jeito dispersos ou divididos (sendo assim impotentes para

    6 CHALHOUB, S. A enxada e o guarda-chuva: a luta pela libertao dosescravos e a formao da classe trabalhadora no Brasil. In: SIMPSIO DAANPUH, 21, 2001, Niteri. Mimeografado.

    7 THOMPSON, E. P. A formao da classe operria inglesa. Rio de Janeiro: Paz eTerra, 1987. p. 9. v. 1.

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    formularem idias, prticas e estratgias) , se abre um vazio aser preenchido pelo lder que eletriza a massa.8 A segunda posiocom a qual vamos no chocar situa no operariado o manancial derecrutas annimos para o qual, voltando-se um destacamento deelite, se arregimentar o invencvel exrcito do proletariado. Dessejeito, ambas as posies tiram os trabalhadores de cena e se escalamem seu posto, agigantando-se no papel que atribuem a si mesmas:de cabeas letradas e esclarecidas, capazes de guiar osacontecimentos.

    PATERNALISMONo captulo Patrcios e plebeus, Thompson afunda e acode

    o conceito de paternalismo.9 Ele afirma que se trata de um conceitoimpreciso, que recai sobre fenmenos dspares, no tempo e noespao. Imprestvel para comparaes, paralelos ou contrastes,apenas rotula. Seu uso, por causa disso, registra desastradaamplitude. Depois, sua prpria perspectiva estabelecida a partirde cima no comporta uma relao, mas implica o oposto: umavia de mo nica, sugerindo manipulao. A histria decididano nvel superior, aonde moram a clarividncia, a habilidade, oplano e a iniciativa, mal importando o que vem debaixo se que debaixo vem alguma coisa.

    Uma outra ressalva acrescentada por causa da insinua-o de solidariedade e coeso entre grupos sociais contrapostos:paternalismo sugere calor humano, numa relao mutuamenteconsentida; o pai tem conscincia dos deveres e responsabilidades paracom o filho, o filho submisso ou complacente na sua posio filial.

    Na seqncia mais objeo. Em forma de mito ou ideolo-gia, paternalismo promove uma viso retrospectiva, que idealizao passado, confundindo atributos reais e ideolgicos. De tudoisso resulta, o no-reconhecimento do conflito de classes e, por-tanto, o desconhecimento da histria das classes subalternas.

    8 SADER, E. Quando novos personagens entraram em cena: experincias, falas elutas dos trabalhadores da Grande So Paulo. Rio de Janeiro: Paz e Terra,1988. p. 31.

    9 THOMPSON, E. P. Patrcios e plebeus. In: _____. Costumes em comum. SoPaulo: Companhia das Letras, 1998. p. 29 et seq.

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    O conceito populismo tem sofrido vrias censuras, algumasparecidas com as acima. Contudo, se os historiadores dopaternalismo senhorial no jogaram fora a criana junto com a guado banho, a lavagem de populismo, em certos casos, chega concluso de que o termo no presta.10 Populismo (argumenta-se) pecha que se joga no adversrio, para denunciar sua farsantedemagogia. Antes de ser usado, necessita explicar-se em demasia.11A partir de cima ou de forma exterior, um conceito no sexcessivamente elstico como tambm caracterstico de abordagensetnocntricas ou distanciadas. No operacional paravislumbrarmos as diferenas e os atritos entre as classes, ou dentrodelas. Populismo nos induz, quase sempre, tese do triunfo damanipulao, pois est baseado no preconceito de que os outros sindicalistas, trabalhadores e os pobres so uma massa dbile malevel, ou cmplices de um jogo cnico e excludente.12

    10 Um dos primeiros a descartar o conceito de populismo foi REIS FILHO, D.A. A maldio do populismo. Linha Direta, So Paulo, 6-12 set. 1997. Umrico debate travado na coletnea organizada por FERREIRA, J. (Org.). Opopulismo e sua histria: debate e crtica. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira,2001. O debate prosseguiu em GOMES, A. de C. Reflexes em torno depopulismo e trabalhismo. Varia Historia, Belo Horizonte, n. 28, 2002. Vertambm: MATTOS, M. B. Greves e represso policial ao sindicalismo carioca,1945-1964. Rio de Janeiro: APERJ, 2003. p. 23 et seq.

    11 No s populismo que se explica longamente. Peter Burke faz vriasreservas ao uso de popular, cultura e cultura popular e, ao final, retm todos.Ver: BURKE, P. Cultura popular na Idade Moderna: Europa, 1500-1800. SoPaulo: Companhia das Letras, 1989. p. 20 et seq. Sobre populismo, FernandoTeixeira da Silva arrolou vrias objees na comunicao: Trabalhadores,sindicalismo e poltica. Ver: SILVA, F. T. da. Trabalhadores, sindicalismo epoltica. In: SEMINRIO REVISITANDO A ERA VARGAS, Rio de Janeiro:Museu da Repblica, Fundao Perseu Abramo, CPDOC/FGV, 2004.Mimeografado.

    12 Depois da queda de Pern em 1955, Daniel James observa que uma imagemgeral propagada pela mdia (de violncia e fraude da burocracia sindical sobreos trabalhadores) fundamentava a crena na subservincia do operariadodefronte a autoridades polticas, empresariais e sindicais, ver: JAMES, D.Resistance and integration. Peronism and the Argentine working class, 1946-1976.Cambridge: Cambridge University Press, 1988. p. 250.

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    TRABALHISMOAo argumentarem que preciso reconhecer a diferena, a

    especificidade e o conflito, sobretudo a partir da inveno dotrabalhismo (datada em 1942),13 os defensores do abandonomostram que no houve uma era populista inconteste, no perodo1930-1964.14 Havia polarizaes, e o uso dado a populismo tempermitido enxergar quase nada, condenando todo um perodo malhao. No entanto, sua substituio por trabalhismo podelimitar-se apenas ao universo abrangido pelo Partido TrabalhistaBrasileiro (PTB) e pelos sindicatos. Mesmo que seja alargado com a necessria incluso do Partido Comunista Brasileiro (PCB),entre outras personagens ,15 o ancoramento na especificidadehistrica h de levar em conta interfaces comparativas.

    Na busca de respostas ao Craque de 29, que esmigalhou asexportaes latino-americanas e abalou a poltica oligrquica, oprimeiro governo Vargas no exceo. Na Amrica Latina,contabilizou Hobsbawm, 12 pases mudaram de governo ou regime nobinio 1930-1931, dez deles por golpe militar. Essa dzia de mudanasdecerto no pariu a poltica populista, mas se esboaram astendncias gerais da poltica de massa, isto , lderes autoritrios buscandoo apoio dos trabalhadores urbanos. Encontramos, a partir desse marco,a oportunidade de deslocar blocos hegemnicos do aparatopoltico-institucional, de promover a industrializao esalvaguardar esta ltima de um movimento operrioanticapitalista. Cortejar os trabalhadores, em vista disso, poderia

    13 GOMES, A. de C. A inveno do trabalhismo. So Paulo: Vrtice, 1988.14 FERREIRA, J. O nome e a coisa. O populismo na poltica brasileira. In: _____.

    (Org.).O populismo e sua histria: debate e crtica. Rio de Janeiro: CivilizaoBrasileira, 2001.

    15 Sobre o comunismo como alter ego da esquerda trabalhista, ver: SILVA, F. T.da. Breve histria de erros e bodes expiatrios: PCB e trabalhadores (1945-1964). In: SIMPSIO INTERNACIONAL HISTRIA E PERSPECTIVAS DAESQUERDA, So Paulo, 13-15 de agosto de 2003. Mimeografado. Publicadona obra Histria e perspectivas da esquerda, Cf. SILVA, F. T. da. Breve histriade erros e bodes expiatrios: PCB e trabalhadores (1945-1964). In: FORTES,A. (Org.). Histria e perspectivas da esquerda. So Paulo: Fundao PerseuAbramo, 2005. p. 189.

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    abrir uma nova fonte de poder e, ao mesmo tempo, debelar aameaa da revoluo.16

    Quando apresenta no s a meta do rearranjo do sistemapoltico-econmico, mas tambm seu endosso do direito dostrabalhadores aos direitos sociais, Getlio parte de um fenmenoem expanso: a incorporao das massas s instituiesrepublicanas (um passo, em si mesmo, notvel) um passo cujosprimeiros movimentos antecedem a Crise de 29, mas que sedesenvolvem a partir de 1930, aqui e ali, seguindo processosdiversos (no necessariamente eleitorais). Ao acenar com juras dejustia social para um operariado em crescimento numrico, Vargasdespertou empatia, em sua campanha presidencial de 1930. Emsegundo lugar, ele no era o nico a ver no liberalismo uma polticafracassada e a defender um projeto de inspirao autoritria devariadas simpatias (positivista, nazi-fascista ou salazarista).

    Robert Levine, vale citar, faz referncia a outro pasamericano que tambm se altera em funo da Grande Depresso,seguindo caminho distinto, mas no absolutamente distinto. Eleobserva que Roosevelt, no Rio de Janeiro (em 1936), atribuiu aVargas um papel de referncia para a formulao do New Deal,por causa da poltica estatal de interveno, tanto regulando aeconomia quanto buscando a vizinhana dos sindicatos.17 Aindustrializao a que a Amrica Latina almejava ou a sociedadeindustrial que Roosevelt reformou careciam de reconhecer eintegrar o operariado. Excluso, indiferena ou hostilidade, nessaconjuntura, empurravam os trabalhadores para as hostes dasesquerdas.

    Ao recolher fichas para o seu cacife apresentando-se comoanteparo a uma escalada comunista (nem sempre em curso), oprimeiro governo Vargas exploraria algo alm do anticomunismode dois fortes aliados, a Igreja e as Foras Armadas (FFAA). Em seuintento de dispor de um par alternativo, aos trabalhadoresbrasileiros os mais humildes e longnquos foi estendida uma ofertaque, afinal, minimizou as loas ao embranquecimento imigrantista.ngela de Castro Gomes foi mais uma vez pioneira quando

    16 HOBSBAWN, E. Era dos extremos: o breve sculo XX 1914-1991. So Paulo:Companhia das Letras, 1995. p. 108, 212.

    17 LEVINE, R. M. Pai dos pobres?: o Brasil e a era Vargas. So Paulo: Companhiadas Letras, 2001. p. 29, 41.

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    argumentou que Vargas, ao enquadrar o trabalhador brasileiro, oretratava com valor, enaltecendo-o. Ainda que no tivesse direito livre organizao, o operariado de carteira assinada passou a terdireitos e sua dignidade finalmente acolhidos no ordenamento daRepblica. (Isso, no entanto, no impediu Adriano Duarte deconcluir que cidadania e excluso se encontravam, perigosamente,entrelaadas.)18

    Enquanto buscava cativar o operariado, o primeiro governofoi negligenciando as promessas de uma nova ordem constitucionale evidenciando que no se tratava de derrotar as esquerdas para,em seguida, devolver o poder ao rodzio oligrquico faccioso. Em1935, rasgando a Constituio de 1934, a escalada ditatorial queculmina com o Estado Novo em 1937 no era hostil aos direitosdos trabalhadores. Afora as alianas e seu gosto pelo poder, o quedeu sustentao a Vargas foi a formulao estratgica de um Brasilindustrial sem negligenciar a lavoura do caf (e outras). Tambmprovidenciou, pensando em Segurana Nacional, investimentosem propaganda, polcia e nas FFAA.

    Indicando para a improcedncia de certas explicaescomparativas, John French aponta para uma abordagem queenxerga na Consolidao das Leis do Trabalho (CLT) o sopro deum paternalismo latino-americano eco da herana colonial.19 Esseeco teria sido reelaborado na forma de paternalismo estatal, com ogoverno agindo como benfeitor, favorecendo uns de maneiraarbitrria ou clientelista, ou respondendo a outros em funo depresses corporativas (em prejuzo do bem-estar da maioria). Naabordagem indicada, o paternalismo arraigado na mentalidadedos donos do poder inspira o trabalhismo, e a se renova e seprolonga, arrebatando as massas. Assim, modernidade, cidadaniae democracia permaneceriam estranhas aos brasileiros, sempreaferrados, de alguma forma, ao apadrinhamento e ao mandonismodas elites. O que essas comparaes improcedentes fazem aferrar

    18 GOMES, A. de C. A construo do homem novo: o trabalhador brasileiro.In: OLIVEIRA, L. L.; VELLOSO, M. P.; GOMES, A. M. C. (Org.). Estado Novo:ideologia e poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1982; DUARTE, A. L. Cidadania eexcluso: Brasil 1937-1945. Florianpolis: EDUFSC, 1999.

    19 FRENCH, J. D. Afogados em leis: a CLT e a cultura poltica dos trabalhadoresbrasileiros. So Paulo: Fundao Perseu Abramo, 2001. p. 28. (Histria doPovo Brasileiro).

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    a histria servido dum ente chamado herana colonial: ibricos,logo, imperfeitos ontem, hoje e amanh.20

    A lavagem de populismo deve enxaguar armadilhas edistores. Em segundo lugar, paternalismo e populismo decertonada tm a ver com o lugar que antes ocupavam numa superadaTeoria Geral. Quando o modelo no tem lugar para a histria, ahistria derruba o modelo, advogou E. P. Thompson.21 Ao falardas revolues polticas modernas, ele escreveu que aconteceu deum jeito na Frana e de outro na Inglaterra. Ser que podemosdizer que aconteceu de um jeito no Brasil e de outro na Argentina(e que portanto no h um modelo de populismo mas, antes,experincias histricas)?

    POPULISMOHavia outros personagens em cena, em posse de sua

    histria. No caso do varguismo, havia trabalhadores que se viamcomo uma classe social, e boa parte deles percorria uma trajetriade migrao. O trabalhismo e isso deve ser sublinhado nocavou um fosso entre excludos e includos. Ao contrrio, vai aoencontro de expectativas e iniciativas por justia social e renova-se,ao figurar no caminho de movimentos e iniciativas que requisitam

    20 Para uma crtica abordagem mencionada, ver: SILVA, F. T. da; COSTA, H.da. Trabalhadores urbanos e populismo. In: FERREIRA, J. (Org.). O populismoe sua histria: debate e crtica. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2001. p.229. Modernizao, racionalizao e progresso so repetidamenteinvocados como contraponto de um pressuposto atraso. Na regularidadecom que so apelados, refletem o contragosto patronal ante a penetrao deseu mundo privado o recinto do trabalho pela esfera pblica, o quereformula os conflitos de classe. Como indica Giovanni Levi, certasdicotomias (cidade/campo, centro/periferia, civilizado/primitivo,ilustrado/rude, trabalho livre/trabalho escravo, industrial/pr-industrial)prendem a pesquisa e a anlise a esquemas hierarquizados e teleolgicos.Ver: NEGRO, A. L. O fragmento como via de acesso histria social. Dilogos,Maring, v. 1, n. 1, p. 124, 1997.

    21 Ver, a respeito disso, a resenha de SECRETO, V. As peculiaridades dosingleses e outros artigos. Revista Brasileira de Histria, So Paulo, n. 46, p.300-301, [199?].

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    sua contemplao pelas leis do trabalho, ou que usam precedentespara melhorar sua posio de barganha inclusive da parte dostrabalhadores rurais.22 Na hora marcada em que podiam conversare reivindicar, os trabalhadores, frustrando o corporativismo,adicionaram agitaes por empresa, por categoria ou intersindicais.Mas tambm o fizeram fora da hora prescrita pela lei. Esteacrscimo, que emerge maciamente no fim da Segunda Guerra,j estava em desenvolvimento no governo provisrio (1930-1934)e nas vsperas da decretao do estado de stio em 1935, quando,pela represso, os sindicatos foram submetidos.

    Sabemos, com toda a certeza, que no houve um triunfoda manipulao. Mesmo assim, um aspecto a ser conferido oalcance da poltica varguista, que no cogitava renunciar aocontrole e tutela. Getlio aspirava a ser chefe; seu perfil era deum poltico paternal e redentor. Ele recrutou a platia que desejavareceber o anncio de suas medidas. Logo, o trabalhismo foiinventado para afinar e reger as palmas que Getlio ansiava porouvir. Tal aspirao predisps a poltica trabalhista a enquadraros trabalhadores como perigosos, ou ainda como despropositados,submissos e imaturos. No fossem zelados, seriam presa fcil dasmazelas da pobreza, das ideologias exgenas, de seus mauspatres ou de seus hbitos primitivos (por causa de seus batuquese terreiros). Portanto, clientelismo e mandonismo, espionagem epolcia, propaganda e truculncia eram cartas do baralho.

    O trabalhismo foi precedido por uma escaladaautoritria de cerca de sete anos (1935-1942) no decorrerda qual Vargas reservou o lugar do trabalhador no Estado Novo(1937-1945) medida em que apagava toda dissidncia, esquerda e direita. Mais ainda: Vargas apartou a democraciados direitos sociais, cancelando a primeira enquanto outorgavaleis de amparo ao trabalhador. Ao rasgar a Constituio de 34foi duplamente antiliberal: enterrou a democracia e acatou osdireitos sindicais e sociais dos trabalhadores. Porm, isso no

    22 STOLCKE, V. Cafeicultura: homens, mulheres e capital (1850-1980). So Paulo:Brasiliense, 1986; FERREIRA, J. Trabalhadores do Brasil: o imaginrio popular,1930-1945. Rio de Janeiro: Ed. da FGV, 1997; WELCH, C. The seed was planted:the So Paulo roots of Brazils rural labor movement. Pennsylvania:Pennsylvania University Press, 1999; NEVES, B. Do mar ao museu: a saga dajangada So Pedro. Fortaleza: Museu do Cear, 2001.

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    sufocou a posterior manifestao de lutas, em resistncia Leido Esforo de Guerra, que apontavam para uma democraciacom direitos bem antes de 1945.

    As consideraes de Bourdieu sobre o dom nos apontamelementos importantes.23 Ressaltando a ambigidade de suaexperincia, primeiro observado que sem descartar a conscinciada lgica da troca o doador atua representando a rejeio dointeresse e do clculo egosta e exaltando sua generosidade. A trocapermite a comunicao que converte as relaes de fora bruta [...] em relaesdurveis de poder simblico; ela transfigura o capital econmico em capitalsimblico, a dominao econmica em dependncia pessoal. Por isso,Bourdieu assegura que as tentativas de transformar a troca simblicapela conscincia e pela vontade colidem com resistncias ocultas dos afetose com as injunes tenazes da culpabilidade. Note-se ainda o fato deBourdieu sublinhar que a troca no possvel sem conhecimento ereconhecimento. Isto , no possvel sem que os dominados compartilhemcom os dominantes esquemas comuns de percepo e apreciao atravsdos quais os dominados percebem o modo como so percebidos pelosdominantes.

    Tudo isso nos afasta da tese do populismo como poltica dedemagogia ou obscurecimento da conscincia dos trabalhadores. Enos aproxima da hegemonia, um campo de relaes em que classessociais distintas constrem, compartilham e disputam ideologias,valores, crenas, prticas e espaos, comuns ou contguos. Secriticamos populismo porque no subscrevemos o triunfo damanipulao, com isso transparecendo o trabalhismo como ummovimento social, o mesmo populismo ainda tem alguma validez.

    Seguindo a definio de Hobsbawm, populismo serve paralembrar que o varguismo no era um fenmeno fora de srie, queera espcimen do gnero populista,24 evitando, como conseqncia,o ensimesmamento nacional. Em segundo lugar, nos recorda quevrias de suas lideranas no eram democrticas. No quecultivassem, na encolha, o desprezo pelas instituies republicanas

    23 BOURDIEU, P. Marginalia: algumas notas adicionais sobre o dom. Mana,[Rio de Janeiro], v. 2, n. 2, p. 7-9, 14-15. 1996.

    24 Sustenta o contrrio CAPELATO, M. H. R. Populismo latino-americano emdiscusso. In: FERREIRA, J. O populismo e sua histria: debate e crtica. Riode Janeiro: Civilizao Brasileira, 2001.

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    (embora a democracia muitas vezes pudesse ter um mero valorinstrumental), mas quer dizer que, em relao aos trabalhadores,tais lideranas no lhes estendiam uma mo sem que a outra noestivesse em posse de mquinas polticas ou agncias depropaganda, espionagem e represso, muitas vezes em alianascom empresrios. Isto nos previne contra a seduo de umirresistvel PTB, composto e liderado por sindicalistasindependentes e representativos.

    Indo bem mais fundo que Hobsbawm, dois historiadoresque no abandonam o conceito de populismo so John French eDaniel James. O primeiro por causa da anlise que faz da apostapopulista de Getlio Vargas, bancada plenamente nas eleies dops-guerra. O segundo pelas suas concluses, defendidas no finaldos anos 70 do sculo XX. James argumentou que a influncia doperonismo na conscincia de classe dos trabalhadores argentinoslevou a um resultado paradoxal. Os trabalhadores respondiam comforte cultura oposicionista aos chamados colaborao das classesmas nem por isto endossavam uma ideologia revolucionria doconflito entre as classes, apresentando elementos que promoviamintegrao e cooptao.25

    TRABALHISMO: OBRA INACABADAEmbora tenham apadrinhado toda uma gerao de

    sindicalistas devota idolatria do chefe estadonovista e, porconseguinte, subserviente ao Ministrio do Trabalho gerao estaque se reproduziu sem a concorrncia de foras de esquerda , omesmo Vargas e sua equipe laboral, em 1942, constataram que oregime do Estado Novo no recebia apoio sindical consistente.26De fato, desde 1935, Getlio pouco fizera alm de ditar aos

    25 FRENCH, J. D. O ABC dos operrios: conflitos e alianas de classes em SoPaulo, 1900-1950. So Paulo: Hucitec, 1995. p. 267. JAMES, op. cit., p. 262.Em entrevista, perguntamos a Daniel James e John French o que pensavamdo debate populismo versus trabalhismo. Ver as respostas em: FORTES, A.;NEGRO, A. L.; FONTES, P. Pensar a Amrica Latina. In: FORTES, A. et al. Naluta por direitos: estudos recentes em histria social do trabalho. Campinas:Ed. da UNICAMP, 1999. p. 189 et seq.

    26 GOMES, 1988, p. 269 et seq.

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    sindicatos o que fazer. Ao inventar o trabalhismo, seu criadorrelaxou as rdeas do controle repressivo e exortou participao.Esta, no entanto, trazia um corpo estranho, o PCB.

    Na presena de Vargas, recorda Armando Mazzo em suaautobiografia, era difcil ficar vontade.27 Figurante numa caravanasindical ao Palcio do Catete, ele anotou que um lder pegou apalavra para saudar o chefe do Estado Novo: Excelncia, estamosaqui para prestar nossas homenagens ao trabalhador nmero 1 do Brasil.Afirmamos V. Excia.: os trabalhadores querem muito bem V. Excia.,porque esto contentes com o vosso governo.

    Escalado pelo PCB para atuar no recinto com um papeldiferente, Mazzo fez uso da palavra querendo discordar do tomdeitado nos elogios, mas necessitou observar desconfortveislimites. Assim, sugeriu que o atrelamento dos sindicatos ao Estadono produzia apoio, mas bajuladores e uma viciada redeclientelstica. Mazzo tambm aludiu insatisfao com o custo devida. Porm, sublinhou que a maior queixa era a morosidade daJustia do Trabalho, sempre aproveitada pelos patres para protelarem aomximo o desfecho das causas trabalhistas, burlando assim as leis do EstadoNovo. Indagado se era comunista, Mazzo negou, afirmando sergetulista. Ele abraou o nico papel disponvel (naquele cenrio): sergetulista mesmo, diante do ditador, levando-lhe os reclames e anseiosoperrios, informando que a situao era instvel, e que o propsitoda paz social estava para esvair-se em protestos, desiluso eressentimentos. Getlio, que no desejava ser hostil ao operariado,pode ter pressentido algo no ar alm de subverso.

    Prometendo justia social com o amparo do trabalho pelalei, Vargas tinha uma proposta de incluso dos trabalhadores como uma classe na Repblica. Todavia, o Estado Novo nocomportava nem sindicalistas autnticos nem partidos, sendofundado o PTB apenas em 1945 e com a clara atribuio de tornaro PCB desnecessrio aos trabalhadores.28 Antes de criar o seupartido, a poltica laboral varguista arriscava-se a ser ineficaz no

    27 MAZZO, A. Memrias de um militante poltico e sindical no ABC. So Bernardo:Secretaria de Educao, Cultura e Esportes, 1991. p. 90-91.

    28 LOYOLA, M. A. Os sindicatos e o PTB: estudo de um caso em Minas Gerais.Petrpolis: Vozes, 1980; BENEVIDES, M. V. O PTB e o trabalhismo. So Paulo:Brasiliense, 1989; DELGADO, L. de A. N. PTB: do getulismo ao trabalhismo,1945-1964. So Paulo: Marco Zero, 1989; DARAUJO, M. C. Sindicatos, carisma

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    fosse o concurso da inveno do trabalhismo, em 1942, e, emacrscimo, o ressurgimento das lutas sociais e do PCB, exigindoum trabalhismo coerente, amplo e efetivo. Nesse sentido, otrabalhismo oscilava em servir tanto a seu inventor quanto aopblico a que se destinava, sendo muito difcil ancor-lo, de modopermanente, numa posio reciprocamente vantajosa. Porque, parao operariado, foi um convite ao, manifestao, ao voto, sindicalizao, defesa da legislao social mais avanada do mundo,a CLT. No entanto, muitos sindicatos se restringiam a preencherpapelada, aqueles que haviam sado do papel.

    Tambm a CLT natimorta, mas no s por causa doantagonismo patronal. Enquanto no saa do papel, verdade, apolcia, a Lei do Esforo de Guerra e os patres j eram contrriosou desdenhosos aos direitos nela consagrados. Baixada peloprprio governo Vargas, a Lei do Esforo de Guerra impedia suaaplicao, cancelando vrios direitos.29 Por isso, no instante de seulanamento, o trabalhismo era uma agenda inacabada, que aindaprecisava passar por testes e ajustes, influenciveis pela ao dostrabalhadores. Estes, como sempre, foram capazes de surpreenderpela firmeza de propsitos especficos e pela sua independnciade ao.

    Da parte dos patres foi hbito o antagonismo, odesrespeito ou o desconhecimento da lei. Igualmente comum foi adiscriminao, como ilegal, de tudo aquilo que a lei no previa,retrica acionada naquelas negociaes em que os trabalhadorespleiteavam o reconhecimento de direitos incomuns as comissesde fbrica por exemplo. De sua parte, a polcia poltica conviveu,sem maiores problemas, com o desrespeito das leis de proteo aotrabalho nas empresas aonde investigava os protestos operrios.Com freqncia indicou esse fato como causa dos atritos, mas noperdia tempo com a inobservncia da lei.30 Outro mais, na ditadura

    e poder. Rio de Janeiro: Ed. da FGV, 1996; FORTES, A. Ns do QuartoDistrito...: a classe trabalhadora porto-alegrense e a era Vargas. Caxias doSul: EDUCS, 2004.

    29 COSTA, H. da. Em busca da memria: organizao no local de trabalho, partidoe sindicato em So Paulo. So Paulo: Scritta, 1995. p. 15 et seq.

    30 JORDAN, T. Contesting the terms of incorporation: labor and the sate in Rio deJaneiro, 1930-1964. 2000. Tese (Doutorado em Histria)University of Illinoisat Urban, Champaign, 2000. p. 60 et seq.

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    ou na democracia, a polcia se enxergava e assim era vista pelosdonos do poder como fiador ou mantenedor da colaboraoentre as classes.

    Mais e mais esboadas a partir de 1943, foram as lutassociais que propiciaram o suplemento rpido sem o qual otrabalhismo no ganharia o vio de um movimento de massas,vigor reaproveitado no queremismo. A o trabalhismo sara dopapel. Conjugando afirmao da dignidade do trabalhador braalcom a luta por direitos, autonomia sindical e liberdade poltica,greves e comisses de fbrica, essas lutas trouxeram tona anecessidade de encaminhar o contratualismo, sem abrir mo doconflito, em trs nveis: o local de trabalho, a categoria (insinuandoo amlgama intersindical) e o sistema poltico, o que poderiaimplodir o sistema corporativo da CLT e influir, de ponta a ponta,na reorganizao institucional e partidria do ps-guerra. Issoapareceu, de modo ameaador, no reerguimento do PCB e nainsinuao de um radical ativismo operrio.

    Orquestrando a transferncia do poder polticoinstitucional das mos das oligarquias, Vargas desejava formatara presena do operariado. Exortando ao trabalhismo, no conseguiuimpedir que seu invento fosse permevel ao dos trabalhadores,o que introduziu o risco da dissidncia e da ultrapassagem. Esterisco, vale frisar, no repousava apenas em mos de vanguardasativistas, pois era evidncia da auto-organizao da maioria semdiscurso poltico-partidrio articulado. No fim da Segunda Guerra,a proliferao de movimentos sociais no era reflexo nico dosmilitantes dispostos organizao partidria. A distncia entre aestrutura do PCB e os mundos do trabalho, muitas vezes, se refletiuna independncia dos trabalhadores.31 Valendo-se de seus prpriosrecursos e experincia, ao entrarem em disputas e confrontos, ostrabalhadores mostraram que podiam se apossar dos sindicatos erevert-los em seu favor, esboando uma luta por direitosabrangente e diversificada e isto no s nas conurbaes fabris

    31 Hlio da Costa chama a ateno para as relaes de legitimidade e liderana,oriundas da vivncia cotidiana, como eixo da difuso de comisses defbrica, nas indstrias paulistas. Ver: COSTA, 1995, p. 12. Ver tambm:NEGRO, A. L. Um PCB pouco, dois bom, trs demais. A participaooperria na poltica do ps-guerra. Histria, Assis, n. 21, 2002.

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    e urbanas.32 Por causa disso, o governo Dutra, que foi eleito comapoio de Vargas, deflagrou ampla e longa ofensiva antioperria apartir de 1947.

    Vamos encontrar o segundo sentido da incompletude dotrabalhismo uma obra imprevisvel e acidentada na trama doGolpe de 64. Os golpistas deixaram transparecer que temiam os rumosda politizao do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), dasReformas de Base e do despertar social. Outra vez, no estamos diantede uma peculiaridade nacional. As Foras Armadas tomaram o poderante os herdeiros do grande lder populista brasileiro Getlio Vargas,precipitando uma onda de regimes militares.33 Aquela aliana to bemurdida, com suas mquinas de consenso ou castigo, havia deixadode ser uma invejvel engenharia de poder: agora estava, segundo adireita, fora de controle. Aconteceu de um jeito no Brasil, aconteceudoutro jeito na Argentina.

    Se voltarmos aos anos 30 do sculo XX, perceberemos queas contramarchas brasileiras de 1947 e 1964 dispem de umprecedente no primeiro governo Vargas. Investigando aimplantao da estrutura sindical corporativa entre 1933 e 1935,Alexandre Fortes identificou, na relao entre sindicato e Estado,uma tenso fundamental: os direitos tinham de valer, contrariandoos patres.34 Sem esquecer o poder de Vargas de desmantelar eimobilizar, um movimento operrio subsistiu. Foi, por isto mesmo,abatido pelo contra-ataque aos levantes comunistas de 1935.35Diversas pesquisas, de fato, j demonstravam que o sindicalismono capitulara nas mos de Vargas, tendo conseguido preservarprojetos e ao independentes, at 1935. Vrios sindicatos, ao invsde serem destrudos ou criados, foram reorganizados pelostrabalhadores, a partir de posies amadurecidas e consolidadas(e no necessariamente indispostas com o varguismo).36

    32 LEITE LOPES, J. S. A formao de uma cultura operria. Tempo & Presena,Rio de Janeiro, n. 220, 1987.

    33 HOBSBAWN, op. cit., p. 429.34 FORTES, A. Como era gostoso meu po francs. A greve dos padeiros de

    Porto Alegre (1933-34). Anos 90, Porto Alegre, n. 7, 1997.35 FORTES, A.; NEGRO, A. L. Historiografia, trabalho e cidadania no Brasil.

    In: FERREIRA, J.; NEVES, L. de A. O Brasil republicano. Rio de Janeiro:Civilizao Brasileira, 2003, p. 199-200. v. 2.

    36 BATALHA, C. H. de M. Le syndicalisme Amarelo Rio de Janeiro (1906-1930).1986. Tese (Doutorado em Histria)Universidade de Paris I, Paris, 1986;

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    29Cad. AEL, v.11, n.20/21, 2004

    REDES TRAMADAS ENTRE RUAS E PALCIOSSe ento sabemos que os trabalhadores eram capazes de

    endiabrar as estratgias de dominao que lhes eram destinadas,de onde retiravam esse poder?

    No vinha, em primeiro lugar, s de suas lideranas.Tampouco chegamos a uma resposta satisfatria adicionandofbricas ou locais de trabalho. O processo de formao da classe envolvendo identidades (verticais e horizontais), um diversificadoassociativismo, conflitos e relacionamentos vrios abrange outroslugares e instncias das vidas dos trabalhadores (sem quedesdenhem a institucionalidade sindical e poltico-partidria). Emuma das resenhas publicada nesse nmero dos Cadernos AEL, AmyChazkel aponta para os confins estreitos dos locais de trabalho e sugereque a histria social procure os trabalhadores em casa, na rua comoconsumidores de bens pblicos (como habitaes), e nas horas de lazer.Chazkel pondera que a ao operria por melhores salrios parteda histria, mais ampla, em defesa do controle de suas prpriasvidas. Haja vista as muitas diferenas e a conflituosidadeprevalecentes numa sociedade desigual, a histria do trabalho temmuitos universos para pesquisar.

    Se considerarmos o mandonismo e o clientelismo dapoltica, claro que as classes subalternas podiam se relacionarcom as classes dominantes como um grupo subordinado. Suasrelaes internas no so um veculo de unificao apenas, poistambm davam vazo ao facciosismo estendido das elites. Almde desafetos nutridos em pblico, suas diferenas so explicitadasem lealdades que se trocam ou servios que se prestam, mediantecapangas, cabos eleitorais e dedos-duros, entregando ouneutralizando segredos, ameaas ou pessoas; servindo a outrascausas e finalidades. Mas sem perder as suas prprias.

    Aliados a faces das elites, no eram passivos nem haviamsido imobilizados. Pobres e trabalhadores, ao contrrio, cultivavam

    STOTZ, E. N. A unio dos trabalhadores metalrgicos do Rio de Janeiro naconstruo do sindicato corporativista: 1932-1945. 1986. Dissertao (Mestrado)Universidade Federal Fluminense, Niteri, 1986; GOMES, 1988; FRENCH,J. D. The origin of corporatist intervention in brazilian industrial relations,1930-34: a critique of the literature. Luso-Brazilian Review, University ofWisconsin Press, v. 28, n. 2, 1991; ARAJO, A. A construo do consentimento:corporativismo e trabalhadores nos anos 30. So Paulo: Scritta, 1998.

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    sua moral e costumes. Mantinham suas prticas em geral vistascomo dissolutas ou brbaras , nos seus bem defendidos locaisde sociabilidade e moradia, nas ruas e praas, entregando-se aosseus amores e valores. Podiam ser geis e mveis, e ter vriospontos para comer, trabalhar e dormir, no tendo servio ouparadeiro fixos. Podiam ser livres, no havendo feitor ou patropara arrancar-lhes servio. No se amasiavam seguindo o modelodas pessoas de bem. O que caracterizava estes grupos era a suamobilidade, sua liberdade e sua independncia,37 o que muitas vezesera visto como um perigo: atrevidos, ousados e sem lugares fixos.Defendendo seus espaos da infiltrao ou assdio dos outros,pobres e trabalhadores disputavam seu dia-a-dia, muitas vezes sedividindo entre marmiteiros (que os bichos soltos chamavamde otrios porque trabalhavam), e bichos soltos (que osmarmiteiros chamavam de vagabundos porque notrabalhavam). Mas tambm podiam se valer de tais espaos parasua unio, ou para protestos e motins.

    Nesse sentido, preciso atentar para sua tenazautopreservao, tanto dispensando interesse aos seus traos maisrobustos e desordeiros quanto descentralizando a importncia dada aossbrios antecedentes constitucionais do movimento operrio (recorrentesentre os artesos). Pois os que no possuem linguagem articuladaconservaram certos valores espontaneidade, capacidade para a diverso elealdade mtua , apesar das presses inibidoras.38 Bem mais do quebilontras ou bestializados, concluiu Carlos E. Soares em seu livro sobrea negregada instituio, os capoeiras do crepsculo do regime monrquicomostravam ter percepo aguda da ao poltica da elite branca e dos aliadospossveis no jogo fechado da poltica parlamentar. Mais ainda, ironizouele, sua aliana com os conservadores decerto deixaria intelectuais do finaldo sculo 20 escandalizados.39

    Partindo de condies objetivas comuns, que formatam aexperincia, mas vivendo essas condies objetivas segundovalores culturais diversos e de acordo com envolvimento nesta

    37 LINEBAUGH, P. Todas as montanhas atlnticas estremeceram. RevistaBrasileira de Histria, So Paulo, n. 6, 1983. p. 17.

    38 THOMPSON, 1987, p. 61-62.39 SOARES, C. E. L. A negregada instituio: os capoeiras no Rio de Janeiro. Rio

    de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, Departamento Geral deDocumentao e Informao Cultural, Diviso de Editorao, 1994. p. 313.

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    ou naquela rede interpessoal, os integrantes das classes subalternasso personagens de relaes que se espraiam num campo aberto,sujeito a disputas e a mudanas. Exortando ao desmonte doaprisionamento pr-conceitual em que muitas vezes o conceitode classe se enquadrou, Edoardo Grendi definiu a histria socialcomo histria das relaes entre pessoas e grupos, da a escolha de umasociedade em escala reduzida como a aldeia camponesa, uma opo semdvida guiada pelo exemplo paralelo da antropologia.40

    Quem compunha a turma que inspirou Carlos Prado apintar a tela Os Garis. Apresentando-nos trabalhadores de rua eno-brancos e enrodilhados em torno de seus assuntos , a

    40 Embora Grendi no seja totalmente receptivo Formao da classe operriainglesa, ele cita esta obra para fundamentar seu argumento, Cf. GRENDI, E.Microanalisi e storia sociale. Quaderni Storici, Bolonha, n. 35, p. 507, 518-519,1977.

    Figura 1: Varredores de Rua (Os Garis), Carlos [da Silva] Prado (1908-1962),leo sobre tela, 101 x 120,5 cm, 1935.

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    diferena de seus meandros defronte a uma clula partidria bvia. Contudo, uma no cala a outra. No devemos eleger a clulacomo poltica e fazer da rodinha a arena de um grupo incapaz deracionalidade e ao. A clula desponta como politicamentepontiaguda, j que era para ser o posto avanado de um grmiorevolucionrio no mago da produo capitalista. J as rodinhas,com a galhardia de seus tipos, se amontoavam em torno de outrossecretrios. (Podendo ser, inclusive, um ramo capilar de umaclula.) Em si mesmas, de qualquer jeito, no so menos polticasnem menos importantes, pois so espaos onde os de baixoformularam iniciativas e conscincias horizontais, na defesa de suasvidas. Podiam ser seguras, isto , podiam ser bem defendidascontra devassas da polcia, um freqente adversrio deajuntamentos. Podiam ser, inclusive, mais seguras que as clulasmilitantes. De fato, bastava os trabalhadores se reunirem paradespertar a curiosidade da polcia e dos patres, regularmenteinquietos com seus falatrios. Que tipo de sedio estariamtramando? A quem estavam dando ouvidos? Devemos hoje, emcontraste, nos indagar: seria interessante dar ouvidos a algum?Eram politicamente pontiagudas as rodinhas.

    A MULTIDOO mundo que milhares de trabalhadores estavam criando,

    com suas tradies e idias e, ainda mais, a partir da fbrica e dasruas, se entreabriu mais uma vez, em 1960, no ltimo ano dogoverno JK. So Paulo foi varrida por uma onda de greves duranteoutubro e novembro, registrou William Cochran, Cnsul Geral dosEstados Unidos da Amrica na capital paulistana. De um lado,uma base firme, feita de queixas econmicas legtimas. Doutro lado, oativismo. Eis os ingredientes das paralisaes de metalrgicos,grficos, motoristas, martimos, ferrovirios, doqueiros eporturios.41

    Apesar disso, muitos trabalhadores compareceram aoservio. Em resposta, o Sindicato dos Metalrgicos de So Paulo

    41 Labor Unrest Declines, 1960-1963. National Archives and RecordsAdministration (Nara II), GRDS, RG 59, Central Decimal File, box 2417,832.06/12-2260. Fonte usada no pargrafo seguinte.

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    (SMSP) organizou esquadres voadores de piqueteiros que cruzaram acidade de ponta a ponta. Enquanto isso, passeatas no centro de SoPaulo fizeram demonstraes em frente da Assemblia e da Prefeitura. Ospiqueteiros no despejavam bombas do cu da cidade. Seobservarmos o contingente policial mobilizado, a veremos umaorganizao para o conflito. A Polcia Militar (PM) ficou ativa 24 horas:seis pelotes de choque equipados com carros blindados e gs lacrimogneoestavam a postos. Em acrscimo, se designaram destacamentos policiaispesados at as metalrgicas. Ao concluir, o Cnsul admitiu que agreve foi pacfica na sua maior parte. O nico incidente de violncia, eleregistra, deu-se quando o filho do proprietrio de uma metalrgica entrouem pnico ou mesmo deliberadamente arremeteu seu carro contra um grupode piqueteiros, matando um operrio e ferindo dois outros. Quando asparedes se esgotaram em novembro, elas haviam reforado oargumento comunista segundo o qual apenas os sindicalistas pecebistas podemdar resultados. Apesar disso, o Consulado dos Estados Unidos daAmrica conseguiu identificar efeitos salutares. Um deles era ademisso do ministro do Trabalho Batista Ramos um claro sinalda desistncia, de JK, de ser mole com o PCB.

    Nessas ocasies os jornais descrevem os jovensmanifestantes da multido como delinqentes ou desocupadosrecolhidos nas ruas uns arruaceiros. Na pobreza grassavam oselementos perigosos, imprimiam os dirios. Nada tinham a perder;eram os mais briguentos. Qualquer msera oferta lhes cativava paraa baderna das greves do CGT. Noutro ngulo, em compensao,encontramos personagens diversas. Madrugando como sempre,um adolescente arrumou-se para ir ao servio. A rua estava todapichada. Eles [a turma do sindicato] escreviam no asfalto. Ante osrumores da circulao dos piqueteiros, seu Jos da Portaria deufolga para todos.42 Mas o jovem no voltou para casa. Trepou numacaminhonete e foram ver como que estava a situao. Ns nsos grevistas fazamos o que os mais velhos mandavam: passvamosem frente a uma fbrica que estava trabalhando e tacvamos pedras nosvidros. Nas ruas, o choque dos desejos, a carga da cavalaria, asbolinhas de gude rolando e derrubando os soldados , o gostoda farra, quando tudo era novidade, tudo era coisa que eu s conheciade ouvir os mais velhos contarem.

    42 PARAN, D. O filho do Brasil: de Luiz Inacio a Lula. So Paulo: Xam, 1996.p. 74-76, 79-82.

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    Entre as hostilizaes dos piqueteiros contra seus pares, aslembranas de um moleque cuja irm trabalhava numa fbricade juta so esclarecedoras:

    O pessoal saa em passeata e ia parando as fbricas. Comoos donos no queriam a paralisao, o pessoal ento derrubouo muro da fbrica. Era um muro alto. Todo mundo ps amo no muro e comeou a empurrar, empurrar, empurrarFoi empurrando e caiu uma parte grande do muro. Diantedisso, liberaram os funcionrios. A, o pessoal fez umcorredor polons, e neguinho que tava furando a greve dentroda fbrica ia tomando tapa na cabea, na bunda elesficaram ali, azucrinando. [...] Minha irm passou pelocorredor, mas no se machucou [...]. Eu tinha ido busc-la,no queria que ela furasse a greve, tinha medo de confuso.43

    O que antes era indcio de fragilidade organizativa agorainvestigado como superpoltico. No mais podemos ficar retidosno discurso articulado de organizaes sindicais e partidrias nemtampouco suficiente buscar os trabalhadores apenas nos locaisde trabalho. H uma subvegetao notvel abaixo da copagemespessa e vistosa, e isso fica desconhecido sobretudo quandoolhamos de cima, partilhando a viso dos dirigentes, ou daintelectualidade. Hbil em circular ardis assim como estratgias,smbolos e valores , mas tambm recados e alertas entre as praasdos marmiteiros e as oficinas, a astuta comunicao das classessubalternas lhes d escudos e armas, apesar das divises internase da vigilncia a que est submetida. Assim, retm consigo umacerta margem de manobra, que o suficiente para dot-la de coesoe vontade prpria.

    CONCLUSOSe reconhecermos que havia algo de notvel no perodo

    do pr-64 e se reconhecermos que o Golpe de 64 no conseguiuelimin-lo de todo ,44 talvez o Novo Sindicalismo e a agremiao

    44 RAMALHO, J. R. Estado-Patro e luta operria: o caso FNM. Rio de Janeiro:Paz e Terra, 1989; ABREU, A.; PESSANHA, E. G. da F. (Org.). O trabalhador

    43 Ibid., P. 79.

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    dele derivada o Partido dos Trabalhadores (PT) nocorrespondam sua auto-imagem de absolutamenteextraordinrios, de um lado, e de politicamente imaculados, doutrolado. Por isto mesmo, se no era o nico espcimen de rupturacom o sindicalismo prescrito pela CLT havendo os exemplaresdo pr-64 , a liderana do Novo Sindicalismo tambm noconsistia em criatura derivada do sindicalismo corporativista.45Porm, endossando a vontade, a autonomia e a organizao dasbases, o varguismo foi abandonado. Duramente atacado em 1968,o par PTB-PCB, dez anos depois, no galvanizava os trabalhadores.Algo de novo de fato se impusera.46

    No entanto, uma sobranceira CLT sobreviveu ao ditadorque a outorgou e ao ditador que a repudiou. Vargas saiu-se com otrabalhismo para banhar-se na sua auto-imagem de patriota ebenfeitor dos humildes; Castelo liderou uma sublevao civil-militar para encerrar o trabalhismo. Para o varguismo era alegislao social mais avanada do mundo. Nas mos do governosmilitares e tambm nas mos de Dutra serviu para prender earrebentar, e pautar a agenda dos sindicatos. Sua longevidade podeser, em parte, explicada porque tambm beneficiou correntes queafirmavam sua autonomia diante do Estado e dos patres, casodos comunistas, da aliana PTB-PCB ou dos novos sindicalistasdos anos 70 e 80 do sculo XX. Por fim, a CLT o mais estvelhorizonte de direitos do trabalho da histria do Brasil republicano,estando profundamente arraigada na cultura poltica.

    Com energia providenciada pela luta e esforos dostrabalhadores, a coligao PTB-PCB se valia dos fundos do impostosindical e da unicidade sindical para, sua maneira, povoar a

    carioca: estudos sobre trabalhadores urbanos do Estado do Rio de Janeiro.Rio de Janeiro: JC Editora, 1994; RAMALHO, J. R.; SANTANA, M. A. (Org.)Trabalho e tradio sindical no Rio de Janeiro. A trajetria dos metalrgicos doRio de Janeiro. Rio de Janeiro: DP&A/FAPERJ, 2001.

    45 REIS FILHO, 1997, p. 7; REIS FILHO, D. A. O fantasma do Estado. NossaHistria, Rio de Janeiro, n. 7, p. 38-39, 2004.

    46 Sustento que os autnticos eram uma corrente sindical disposta a aplicaro programa trabalhista, intento que implicou conflitos e mutaes. Ver:NEGRO, A. L. Ps e mos do Brasil grande e potente. Histria Unisinos, SoLeopoldo, v. 6, n. 6, p. 178, 2002; NEGRO, A. L. Ignorantes, sujos e grosseiros.Trajetos, Fortaleza, n. 4, p. 28, 2003.

  • estrutura sindical e o prprio Ministrio do Trabalho, umainstituio responsvel por programas de bem-estar(aposentadoria, habitao, emprego, etc.). O trabalhismo serviu,vale ento dizer, para a constituio de uma mquina poltica embenefcio de petebistas e pecebistas, sozinhos ou coligados. Mas,mesmo assim, a CLT no eliminou o conflito entre as classes nemera a famosa correia de transmisso de apoio poltica partidria.E foi esta institucionalidade que os novos sindicalistas dos anos70, 80 e 90 do sculo XX, usaram e transformaram em seu favor.Vencendo obstculos e renhida represso, esses novos sindicalistasno tiveram seu caminho derrotado por prises e violncias. Emsegundo lugar, conseguiram amealhar uma expressiva fatia dainstitucionalidade. Alis, neste momento, esto indo longe. Nos fizeram um presidente da Repblica, como esto testa deinstituies antes na posse das classes dominantes. Isto agoraduplica, sem dvida, a necessidade de conhec-los na conduode mquinas polticas. Se puderam endiabrar a institucionalidadearquitetada para domin-los, isso no significa que sejam santos.A hagiografia no nos serve.

  • PATERNALISM, POPULISM AND SOCIAL HISTORYABSTRACTSince Paternalism is a notion as troubled as Populism this articleaims at its critics but states that Populism does not need to bedischarged or preserved, in absolute terms. Some aspects of thedebate on Paternalism may help us to clarify our points and specifynewly developed research paths of Social History.KEYWORDSSocial History; Paternalism; Labourism; Populism

  • JL, [Jos Loureno Gonzaga], xilogravura. Exposio Mundosdo Trabalho. Acervo do Museu de Arte da Universidade Federaldo Cear (MAUC), Fortaleza, CE, 2002.


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