UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO
TAYANA DO NASCIMENTO SANTANA CAMPOS FIGUEIREDO
Expressões e desafios do restauro arquitetônico em edificações da arquitetura luso-brasileira
no Centro Antigo da cidade de São Luís (MA/Brasil)
São Paulo 2012
TAYANA DO NASCIMENTO SANTANA CAMPOS FIGUEIREDO
Expressões e desafios do restauro arquitetônico em edificações da arquitetura luso-brasileira
no Centro Antigo da cidade de São Luís (MA/Brasil)
Dissertação apresentada à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Mestre em Arquitetura Área de concentração: Projeto de Arquitetura
Orientador: Prof. Dr. Carlos Augusto Mattei Faggin
São Paulo 2012
Nome: FIGUEIREDO, Tayana do Nascimento Santana Campos Título: Expressões e desafios do restauro arquitetônico em edificações da arquitetura luso-brasileira no Centro Antigo da cidade de São Luís (MA/Brasil)
Dissertação apresentada à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Mestre em Arquitetura
Aprovada em:
Banca Examinadora
Prof. Dr. ___________________________ Instituição: ___________________________
Julgamento: ________________________ Assinatura: ___________________________
Prof. Dr. ___________________________ Instituição: ___________________________
Julgamento: ________________________ Assinatura: ___________________________
Prof. Dr. ___________________________ Instituição: ___________________________
Julgamento: ________________________ Assinatura: ___________________________
À minha mãe, sempre a me apontar barquinhos, estrelas e sobrados.
AGRADECIMENTOS
À Universidade de São Paulo, especialmente ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura;
À Fundação de Amparo a Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA), mediante bolsa concedida durante a realização do Mestrado em Arquitetura;
Ao professor Carlos Augusto Mattei Faggin, inesquecível orientador. Sem sua
competência acadêmica e incentivo pessoal, eu não teria concluído o Mestrado;
Ao professor Paulo César Garcêz Marins e a professora Helena Ayoub Silva pelas importantes considerações tecidas sobre a minha pesquisa no Exame de Qualificação;
À ria Luiza, Alex, Letícia, Fernanda, Carol, Moara e Rodrigo, com a qual enfrentei e partilhei desafios próprios à atividade de restauro e da vida;
Às professoras Marluce Venâncio e Sanadja Medeiros da Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) com as quais iniciei os meus estudos sobre o Centro Antigo da cidade de São Luís;
À Maria Olívia, pela presença constante no meu caminhar; A Daniel Henrique, pelo amor e amizade desde os tempos da faculdade; À minha mãe, avós, primos, primas, tios e tias sempre amorosos e solidários,
portanto, base profunda da minha existência.
"São Luís é a cidade das ladeiras povoadas de sobradões de azulejo com telhados velhos. Não há alma que se feche à serena alegria daquela paisagem de sol, azul, cal, madeira das janelas, paredes luminosas, a
Odylo Costa Filho
RESUMO
FIGUEIREDO, T. do N. S. C. F. Expressões e desafios do restauro arquitetônico em edificações da arquitetura luso-brasileira no Centro Antigo da cidade de São Luís (MA/Brasil). 2012. 251 f. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.
Esta dissertação propõe-se a uma reflexão sobre os modos através dos quais situações de abandono e restauro arquitetônico se manifestam, convivem e se contrapõem, definindo desafios e possibilidades à restauração de edificações da arquitetura luso-brasileira no Centro Antigo de São Luís (MA/Brasil). Demarcam-se expressões e desafios do restauro arquitetônico, apreendendo-os num contexto histórico-urbano e político-institucional marcado, na atualidade, pelo descompasso entre a degradação de edificações da arquitetura luso-brasileira, inspiradas sobremaneira nos edifícios pombalinos e os múltiplos discursos e determinadas ações, principalmente estatais, que, a partir de 1970, passaram a fazer parte do cotidiano da cidade no sentido da proteção, revalorização e preservação do conjunto arquitetônico e paisagístico do seu velho Centro. Delineiam-se aspectos político-econômicos e urbano-territoriais da constituição do Centro Antigo de São Luís, enfatizando-se os determinantes da produção do conjunto arquitetônico luso-brasileiro e as marcas do abandono que, no presente, lhes são peculiares. Configuram-se elementos dos discursos e iniciativas de proteção e preservação de patrimônios urbanos, em particular as ações desenvolvidas no âmbito do Programa de Preservação e Revitalização Urbana do Centro Histórico de São Luís (PPRCHSL). Abordam-se, de modo especial, as contribuições teóricas de John Ruskin, Alois Riegl, Violet-le-Duc, Max Dvorak, Camillo Boito, Gustavo Giovannoni e Cesari Brandi como fundamentos capazes de contribuir para a compreensão de dimensões objetivas, teóricas e metodológicas atinentes ao abandono e ao restauro arquitetônico. Toma-se como referência espacial-arquitetônica da análise a área do Centro Antigo de São Luís, tombada pelo Departamento do Patrimônio Histórico, Artístico e Paisagístico do Maranhão (DPHPA-MA), a qual inclui a área de tombamento federal. Delimita-se, através do estudo de quatro experiências de restauro; agentes envolvidos, especificidades projetuais, desafios enfrentados ao longo das intervenções e o potencial do projeto de restauro como instrumento capaz de contribuir para reverter os limites impostos por uma arquitetura com valor patrimonial, edificada através de técnicas construtivas antigas e em graus diferenciados de abandono. Conclui-se que, no Centro Antigo de São Luís, a despeito das ricas e fecundas expressões de restauro arquitetônico, este ainda encontra-se numa complexa condição, que se manifesta permeada por degradação, abandono e intervenções. Palavras-chave: Patrimônio Arquitetônico. Restauração Arquitetônica. Políticas de Preservação. Centro Antigo de São Luís - MA.
ABSTRACT
FIGUEIREDO, T. do N. S. C. F. Expressions and challenges of architectural restoration in buildings of Luso-Brazilian architecture in the Old Center of São Luis(MA/Brazil). 2012. 251 f. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.
This dissertation proposes a reflection about the ways in which situations of abandonment and architectural restoration manifest, coexist and interpose, defining challenges and possibilities to the restoration of buildings of the Luso-Brazilian architecture in the Old Center of São Luis (MA, Brazil). Expressions and challenges are marked out of architectural restoration seizing them in a historical-urban context and political-institutional marked, today ,by the mismatch between the degradation of buildings of Luso-Brazilian architecture, inspired exceptionally on Pombaline buildings and the multiple discourses and certain actions, especially state actions , which, since 1970, became part of life of the city towards the protection, appreciation and preservation of architectural and paisagistic patrimony of its old center. politic-economic and urban-territorial aspects are outlined of constitution of the Old Center of São Luis, emphasizing the determinants of the production of architectural and Luso-Brazilian patrimony and the abandonment marks that, at present, are peculiar. Elements of discourses and initiatives of protection and preservation of urban heritage are configured, in particular the actions undertaken under the Preservation and Urban Revitalization of the Historic Centre of São Luis (PPRCHSL). The theoretical contributions are approached specially by John Ruskin, Alois Riegl, Violet-le-Duc, Max Dvorak, Camillo Boito, Gustavo Giovannoni and Brandi Cesari, as theoretical framework capable of contributing to the understanding of objective, theoretical and methodological dimensions relating to the abandonment and architectural restoration . Take as spatial-architectural reference of analysis the Old Center area of São Luis, listed by Department of Historic, Artistic and Paisagistic Heritage of Maranhão (DPHPA-MA), which includes the federal listed site. Delimit, by studying of four experiences of restoration; involved agents, projective specificity, challenges faced along the interventions and the potential of the restoration project as an instrument to help reversing the limits imposed by an architecture with heritage value, built by ancient construction techniques and varying degrees of neglect. We conclude that, in the Old Center of São Luis, despite the rich and fertile expressions of architectural restoration, it is still in a complex condition that manifests permeated by deterioration, neglect and interventions. Keywords: Architectural Heritage, Architectural Restoration, Preservation Policies, the Old Center of St. Luis, MA.
Lista de Ilustrações Figura 1 - Mapa de São Luís, em 1640 - Registro holandês 29
Figura 2 - São Luís vista do mar da Praia Grande (1908) 31
Figura 3 - Quadro sobre o crescimento demográfico de São Luís (Finais do século XVII a 1950)
35
Figura 4 - Fotos de edificações do Centro Antigo da cidade de São Luís 37
Figura 5 - Fotos dos edifícios nº 199 e 205, na Praça Pedro II (núcleo fundacional da cidade de São Luís)
39
Figura 6 - Reprodução de fotos de edificações do estilo luso-açoriano 40
Figura 7 - Planta de Lisboa em 1650, levantada por João Nunes Tinoco 40
Figura 8 - Gravura sobre panorâmica de Lisboa, no ano de 1958 41
Figura 9 - Planta da Baixa Pombalina, de autoria de Carlos Mardel e Eugênio dos Santos (em amarelo), sobreposta à planta da Lisboa arruinada (em rosa)
42
Figura 10 - Quadro sobre a evolução de processos construtivos do edificado de Lisboa
43
Figura 11 - Reprodução de fotos de edifício anterior a 1755 (esquerda) e edifício (Lisboa)
44
Figura 12 - Representação gráfica das dimensões antissísmicas recomendadas na reconstrução da Baixa Pombalina
44
Figura 13 - Representação gráfica de modelos de quadra de habitação (à esquerda) e de quarteirões dos tribunais (à direita) - Reconstrução da Baixa Pombalina.
45
Figura 14 - Representações gráficas de modelos tridimensionais de quadras da Baixa Pombalina
45
Figura 15 - Mapa da Baixa Pombalina (Lisboa) 45
Figura 16 - Foto aérea da Baixa Pombalina (Lisboa) 45
Figura 17 - Corte tipo para as ruas da Baixa Pombalina, de Eugênio dos Santos (1756)
46
Figura 18 - Desenhos de modelos de asnas e estruturas tridimensionais de edifícios pombalinos
47
Figura 19 - Fotos de edifícios da Baixa Pombalina com trapeiras 48
Figura 20 - Maquetes de aspectos da estrutura arquitetônica peculiar ao Edifício Pombalino
48
Figura 21 - Desenhos de elementos estruturais da fachada do Edifício Pombalino
49
Figura 22 - Representação gráfica e foto do Frontal Pombalino (Gaiola Pombalina)
50
Figura 23 - Representação gráfica da estrutura do teto -do-Edifício Pombalino
51
Figura 24 - Foto da arcada do térreo de um Edifício Pombalino, em Alfama (Lisboa)
51
Figura 25 - Maquete representativa de ligações feitas por dispositivos metálicos em Edifícios Pombalinos
52
Figura 26 - Representações gráficas de modelos de fundação de Edifícios Pombalinos
52
Figura 27 - Foto de edifícios na Baixa Pombalina (Lisboa - 2011) 53
Figura 28 - Fotos de edifícios da Baixa Pombalina (Lisboa - 2011) 54
Figura 29 - Representação gráfica da implantação de edificações nos lotes/Plantas tipológicas de partidos - Arquitetura Luso Brasileira, em São Luís
55
Figura 30 - Maragnon In ZuidAmérica van west van Brasil 56
Figura 31 - Mapa do Centro Histórico de São Luís (?) 56
Figura 32 - Reprodução de fotos evidenciando contraponto entre detalhes de fachada e o interior avarandado em dois sobrados do Centro Antigo de São Luís
57
Figura 33 - Fotos de tipologias arquitetônicas do Centro Antigo de São Luís (2010)
58
Figura 34 - Fotos de tipologias arquitetônicas do Centro Antigo de São Luís (2010)
58
Figura 35 - Foto do corredor de entrada de um sobrado no Centro Antigo de São Luís (2006)
59
Figura 36 - Foto de vestíbulo lateral de um Sobrado no Centro Antigo de São Luís (2006)
59
Figura 37 - Representação gráfica de um Sobrado da Rua Formosa no Centro Antigo de São Luís
59
Figura 38 - Planta do porão de um Sobrado da Rua Formosa no Centro Antigo de São Luís
60
Figura 39 - Planta do térreo de um Sobrado da Rua Formosa no Centro Antigo de São Luís
60
Figura 40 - Planta do primeiro pavimento de um Sobrado da Rua Formosa no Centro Antigo de São Luís
60
Figura 41 - Planta do segundo pavimento de um Sobrado da Rua Formosa no Centro Antigo de São Luís
60
Figura 42 - Plantas típicas, porta e janela (esquerda) e meia-morada (direita) - Centro Antigo de São Luís
60
Figura 43 - Representação gráfica de esquema em corte das tipologias dos partidos presentes no Centro Antigo de São Luís
61
Figura 44 - Representação gráfica dos tipos de casas e sobrados presentes no Centro Antigo de São Luís
61
Figura 45 - Representação gráfica do esquema geral dos telhados das edificações do Centro Antigo de São Luís
62
Figura 46 - Representação Gráfica de Mirantes - Centro Antigo de São Luís 62
Figura 47 - Fotos de Telhados. Vista da Praia Grande - Centro Antigo de São Luís (2007)
62
Figura 48 - Fotos de vistas e detalhes de gradis e cimalhas em edificações do Centro Antigo de São Luís
63
Figura 49 - Reproduções de fotos de tipos de alvenaria encontrados em edificações do Centro Antigo de São Luís
64
Figura 50 - Foto de assoalho do segundo piso de Sobrado localizado no Centro Antigo de São Luís (2006)
65
Figura 51 - Foto de vigas em madeira de Sobrado localizado no Centro Antigo de São Luís
65
Figura 52 - Reprodução de fotos de azulejos constantes do Catálogo de Azulejos da Fábrica Devezas (Porto Portugal)
66
Figura 53 - Reprodução de fotos de alguns tipos de azulejos encontrados nas fachadas de edificações do Centro Antigo de São Luís
66
Figura 54 - Fotos das cidades de São Luís e Lisboa (2011) 67
Figura 56 - 71
Figura 57 - Mapa do Centro Antigo de São Luís, com destaque para a área tombada pelo IPHAN
73
Figura 58 - Fotos de fachadas com expressões de abandono arquitetônico no Centro Antigo de São Luís (2010)
74
Figura 59 - Fotos de ruínas de prédios abandonados no Centro Antigo de São Luís (2010)
75
Figura 60 - Fotos de expressões do abandono em fachadas de azulejos no Centro Antigo de São Luís (2010)
76
Figura 61 - Fotos de alterações em vãos de porta e fachadas em edificações do Centro Antigo de São Luís (2010)
77
Figura 62 - Fotos da presença de liquens, bolores e destacamentos nas fachadas de edificações do Centro Antigo de São Luís (2010)
78
Figura 63 - Mapa com localização de sobrado na Rua da Estrela no Centro Antigo de São Luís
79
Figura 64 - Foto da fachada de sobrado localizado à Rua da Estrela no Centro Antigo de São Luís (2010)
79
Figura 65 - Plantas do piso térreo e primeiro pavimento de sobrado localizado à Rua da Estrela no Centro Antigo São Luís
80
Figura 66 - Fotos de expressões do abandono arquitetônico em sobrado localizado à Rua da Estrela no Centro Antigo São Luís (2010)
81
Figura 67 - Fotos de expressões do abandono arquitetônico em sobrado localizado à Rua da Estrela no Centro Antigo São Luís (2010)
82
Figura 68 - Fotos de expressões do abandono arquitetônico em sobrado localizado à Rua da Estrela no Centro Antigo São Luís (2010)
83
Figura 69 - Reprodução de fotos de desabamento de edifício no Centro Antigo de São Luís (2010)
87
Figura 70 - Reprodução de fotos de desabamento de edifício no Centro Antigo de São Luís (1996)
87
Figura 71 - Reprodução de foto da Capela das Laranjeiras - Centro Antigo de São Luís
97
Figura 72 - Reprodução de foto da Praça João Lisboa, em 1950 - Centro Antigo de São Luís
97
Figura 73 - Foto da Academia Maranhense de Letras - Centro Antigo de São Luís (2011)
97
Figura 74 - Foto da Academia Maranhense de Letras - Centro Antigo de São Luís (2011)
97
Figura 75 - Reprodução de foto do Centro da cidade de São Luís (1991), de Paulo Socha
98
Figura 76 - Foto da Rua do Giz no Centro Antigo de São Luís (2010) 98
Figura 77 - Reprodução de foto da capa do PRUPG, elaborado pelo arquiteto J. Gisiger
98
Figura 78 - Reprodução de foto de reunião do GT do PRUPG na 1ª Convenção da Praia Grande, com a presença de Aluísio Magalhães (IPHAN)
98
Figura 79 - Fotos do Beco da Prensa e do CCP Domingos Vieira Filho - Centro Antigo de São Luís (2010)
99
Figura 80 - Reprodução de foto do Solar São Luís no Centro Antigo de São Luís (1982)
99
Figura 81 - Reprodução de manchete e foto de jornal sobre o abandono no Centro Antigo de São Luís - 1982
99
Figura 82 - Reprodução de desenhos utilizados na apresentação do PPRCHSL ao Governador Epitácio Cafeteira em 1987
100
Figura 83 - Foto do Convento das Mercês - Centro Antigo de São Luís (2011) 100
Figura 84 - Reprodução de fotos do Sobrado do Largo do Comércio antes e depois do restauro - Centro Antigo de São Luís
100
Figura 85 - Foto do CEPRAMA / Antiga Fábrica Cânhamo - Centro Antigo de São Luís (2011)
100
Figura 86 - Agência do Banco Itaú / Antiga Vila Santo Antônio - Centro Antigo de São Luís (2011)
100
Figura 87 - Foto do Teatro Arthur Azevedo - Centro Antigo de São Luís (2011) 101
Figura 88 - Foto do Projeto Piloto de Habitação - Centro Antigo de São Luís (2011)
101
Figura 89 - Fotos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UEMA (Exterior e Interior) - Centro Antigo de São Luís (2011)
101
Figura 90 - Foto do Solar Lilah Lisboa / Escola de Música - Centro Antigo de São Luís (2011)
101
Figura 91 - Foto do CETEC-MA (em detalhe inscrição do ano de construção de edifício na chave de arco da porta) - Centro Antigo de São Luís (2011)
102
Figura 92 - Foto do Solar dos Vasconcelos - Centro Antigo de São Luís (2010) 102
Figura 93 - Foto do Teatro João do Vale - Centro Antigo de São Luís (2009) 102
Figura 94 - Reprodução de foto da Casa Maranhão - Centro Antigo de São Luís 102
Figura 95 - Foto da Catedral da Sé - Centro Antigo de São Luís (2009) 102
Figura 96 - Foto da Praça da Seresta - Centro Antigo de São Luís (2010) 102
Figura 97 - Reprodução de foto de edifício anterior à reabilitação para função habitacional - Centro Antigo de São Luís
103
Figura 98 - Reprodução de foto de edifício posterior à reabilitação para função habitacional - Centro Antigo de São Luís
103
Figura 99 - Fotos de edifícios estabilizados pelo IPHAN - Centro Antigo de São Luís (2009)
103
Figura 101 - Foto da Rua da Palma / Desterro - Centro Antigo de São Luís (2010) 104
Figura 102 - Fotos do Armazém da Estrela e da Morada dos Dinamarqueses - Centro Antigo de São Luís (2011)
104
Figura 103 - Reprodução de foto de 1950 e foto atual do Cine Roxy - Centro Antigo de São Luís
104
Figura 104 - Fotos do antigo BEM em reforma e de edifício habitacional multifamiliar de interesse social - Centro Antigo de São Luís (2010)
104
Figura 105 Alguns agentes envolvidos nas ações do Projeto Reviver 105
Figura 106 Alguns agentes envolvidos nas ações do Projeto Reviver 105
Figura 107 - Reprodução de fotos da vista externa e nave principal em estiloromânico da Igreja La Madeleine de Vêzelay (Paris)
124
Figura 108 - Reprodução de gravuras da Igreja La Madeleine de Vêzelay (Paris) - Corte transversal da nave antes (esquerda) e depois do restauro (direita)
124
Figura 109 - Mapa esquemático sobre análise axiológica compilada por Riegl 129
Figura 110 - Reprodução de fotos da Porta Ticinese (Milão), antes (esquerda) e depois do restauro (direita)
140
Figura 111 - Reprodução de foto da Porta Ticinese (Milão) 140
Figura 112 - Reprodução de fotos do Coliseu e do Arco de Tito (Itália) 141
Figura 113 Fotos de escultura humana em edifício com completamento do nariz, em Veneza (2011)
143
Figura 114 Planos de reabilitação urbana de Gustavo Giovannoni para o bairro do Renascimento (Roma)
146
Figura 115 Foto do Campanário de Veneza (2011) 154
Figura 116 Andrea della Valle, em Roma
155
Figura 117 Tabela com dados gerais sobre o Solar São Luís, CEPRAMA, Agência Itaú e Morada dos Dinamarqueses
160
Figura 118 Localização das obras estudadas no Centro da cidade, na área de tombamento estadual
160
Figura 119 Localização do Solar no Centro Antigo de São Luís 161
Figura 120 Localização do Solar na quadra, esquina Rua do Egito em Rua de Nazaré (em destaque)
161
Figura 121 Tabela com dados gerais sobre o Solar São Luís, CEPRAMA, Agência Itaú, Piloto de Habitação, Armazém e Morada dos Dinamarqueses
165
Figura 122 Reproduções de fotos do Solar São Luís anterior (acima, com esquadrias) e posterior ao incêndio
165
Figura 123 Imagem do Solar São Luís no estado anterior à intervenção, em 1973
166
Figura 124 Reprodução de foto do Palácio Cristo Rei - Centro Antigo de São Luís
168
Figura 125 Reprodução de foto das ruínas da Igreja de São Matias (Alcântara - MA)
168
Figura 126 Foto de croqui do Solar São Luís (Centro Antigo de São Luís) emoldurado em quadro do local (2009)
171
Figura 127 Fotos da escada engastada em duas paredes estruturais, cujo alinhamento corresponde ao existente na planta mais primitiva do Solar São Luís - Centro Antigo de São Luís (2009 e 2011)
172
Figura 128 Foto do Solar São Luís / Agência CEF, a partir do térreo do edifício (2009)
174
Figura 129 Reprodução de foto com detalhe das janelas da fachada principal do Solar São Luís ainda em uso (anterior ao incêndio)
175
Figura 130 Fotos de Janelas do Solar São Luís / Agência CEF, vistas do exterior e do interior da edificação (2011)
175
Figura 131 Reprodução de foto do Solar São Luís, com demarcação da localização do atual painel de esquadrias (limite do antigo pátio)
175
Figura 132 Fotos de janelas do Solar São Luís / Agência CEF voltadas ao pátio interno vistas do interior e do exterior da edificação
175
Figura 133 Fotos de detalhe da chave de arco em flor de acanto (à esquerda) e azulejos portugueses da fachada lateral direita do Solar São Luís - Centro Antigo de São Luís (2009)
176
Figura 134 Reprodução de imagens relativas à identificação e caracterização da azulejaria presente no Edifício São Luís, registradas por Dora Alcântara no livro Azulejos portugueses em São Luís do Maranhão
176
Figura 135 Fotos do beiral de fainça do Solar São Luís / Agência da CEF no Centro Antigo de São Luís (2012)
177
Figura 136 Reprodução de plantas originais da proposta de reabilitação arquitetônica do Solar São Luís, nas quais se confirma a autoria de Pedro e Dora Alcântara
178
Figura 137 Maquetes esquemáticas do existente, anterior à intervenção - Solar São Luís (Centro Antigo de São Luís)
179
Figura 138 Maquete esquemática do subsolo - Solar São Luís (Centro Antigo de São Luís)
179
Figura 139 Maquete esquemática do primeiro nível (nível térreo) - Solar São Luís (Centro Antigo de São Luís)
179
Figura 140 Maquete esquemática do segundo nível - Solar São Luís (Centro Antigo de São Luís)
180
Figura 141 Maquete esquemática do terceiro nível - Solar São Luís (Centro Antigo de São Luís)
180
Figura 142 Maquete esquemática do Solar São Luís (Centro Antigo de São Luís)
181
Figura 143 Foto da vista do segundo nível sobre o térreo do Solar São Luís / Agência CEF - Centro Antigo de São Luís (2010)
181
Figura 144 Foto da vista do térreo para o segundo nível do Solar São Luís / Agência CEF - Centro Antigo de São (2010)
181
Figura 145 Foto da Vista do segundo nível sobre o térreo do Solar São Luís / Agência CEF - Centro Antigo de São (2010)
182
Figura 146 Foto da vista do segundo nível sobre o térreo do Solar São Luís / Agência CEF - Centro Antigo de São (2010)
182
Figura 147 Foto do terceiro pavimento, atualmente abandonado - Solar São Luís / Agência da CEF - Centro Antigo de São (2010)
186
Figura 148 Mapa (adaptado) do Centro da cidade de São Luís com localização das principais fábricas de tecidos
188
Figura 149 Reproduções de registros fotográficos: Da esquerda para direita: Fábricas Santa Amélia, Cânhamo, São Luís e Fabril
189
Figura 150 Localização do CEPRAMA na quadra com Rua São Pantaleão em destaque
189
Figura 151 Reprodução de foto de expressões do abandono na fachada da Fábrica Cânhamo (São Luís - 1984)
192
Figura 152 Reprodução de fotos de expressões do abandono da Fábrica Cânhamo (São Luís - 1984)
192
Figura 153 Foto de vista aérea da Antiga Fábrica de Fiação e Tecidos Cânhamo
193
Figura 154 Reprodução de Planta Baixa Esquemática - Situação anterior à intervenção (Fábrica Cânhamo - São Luís)
194
Figura 155 Reprodução de fotos da caldeira Fábrica Cânhamo,São Luís 194
Figura 156 Reprodução de fotos de trecho da fachada lateral esquerda e fachada principal da Fábrica Cânhamo (São Luís)
195
Figura 157 Reprodução de fotos do interior, com detalhe da estrutura metálica, e da chaminé da Fábrica Cânhamo (São Luís)
196
Figura 158 Reprodução de fotos com detalhes da fachada lateral direita, demonstrando a desagregação da moldura do óculo, ornamentação na extremidade da fachada principal com coruchéu - Fábrica Cânhamo (São Luís)
196
Figura 159 Reprodução de fotos de partes da edificação da Fábrica Cânhamo (São Luís) a serem demolidas apostas ao conteúdo do corpo que se manterá íntegro e sem remoções, conforme projeto de restauração arquitetônica (1988)
197
Figura 160 Estudo volumétrico da situação existente, anterior ao restauro com edificações apostas ao corpo principal da antiga Fábrica Cânhamo (São Luís)
202
Figura 161 Estudo volumétrico da situação existente, anterior ao restauro com edificações demolidas em vermelho - Fábrica Cânhamo (São Luís)
202
Figura 162 Estudo volumétrico sobre foto aérea de 1986. À direita, numeração relacionada a Figura 154 (Fábrica Cânhamo - São Luís)
203
Figura 163 Figura 163 - Estudo volumétrico - Edifício novo e de linhas contemporâneas no âmbito da restauração do Fábrica Cânhamo (São Luís)
203
Figura 164 Reprodução de planta da Fábrica Cânhamo (São Luís) 204
Figura 165 Reprodução de plantas da Fábrica Cânhamo (São Luís) 204
Figura 166 Reprodução de perspectiva artística da Fábrica Cânhamo (São Luís)
205
Figura 167 Estudo volumétrico esquemático da Fábrica Cânhamo (São Luís)
205
Figura 168 Reprodução de fotos do telhado da Fábrica Cânhamo, em três tempos. Anterior, durante e após intervenção
205
Figura 169 Registro fotográfico da aplicação de reboco da fachada 206
Figura 170 Reprodução de fotos da fachada posterior da Fábrica Cânhamo com aplicação de reboco finalizada (São Luís)
206
Figura 171 Reprodução de fotos da fachada principal da Fábrica Cânhamo, antes e depois do restauro em 1989 (São Luís)
207
Figura 172 Reprodução de fotos das laterais da Fábrica Cânhamo, após restauro, em 1989 (São Luís)
208
Figura 173 Reprodução de fotos do interior da Fábrica Cânhamo, após restauro, em 1989 (São Luís)
208
Figura 174 Reprodução de foto da fachada posterior da Fábrica Cânhamo, após restauro, em 1989 (São Luís)
208
Figura 175 Fotos de sinais da precária conservação do CEPRAMA (São Luís)
209
Figura 176 Fotos do interior do CEPRAMA organizado para a comercialização de artesanatos tipicamente maranhenses (São Luís - 2012)
210
Figura 177 Mapa de Localização do Edifício sede do Banco Itaú, ou antiga Vila Santo Antônio. Destaque para Rua da Paz
212
Figura 178 Mapa de Localização do Edifício sede do Banco Itaú, ou antiga Vila Santo Antônio. Destaque para Rua da Paz (São Luís)
213
Figura 179 Fotos de edifícios ecléticos na Rua da Paz (São Luís - 2012) 213
Figura 180 Reprodução de fotos de jornal indicativas do estado de abandono da antiga Vila Santo Antônio (São Luís)
214
Figura 181 Reprodução de plantas e imagens da Agência Bando Itaú (São Luís)
217
Figura 182 Reprodução de plantas e imagens (à esquerda a piscina e a direita o muro, ambos demolidos) da Agência Bando Itaú (São Luís)
218
Figura 183 Reprodução de imagem da fachada principal da Agência Bando Itaú (São Luís)
218
Figura 184 Reproduções de imagens da Agência Banco Itaú (São Luís). À esquerda edifício garagem mantido com anexo demolido, ao meio pergolado removido. À direita relação do antigo edifício com o anexo que terá vedação de venezianas de madeira
219
Figura 185 Reprodução de foto do interior do Banco Itaú (São Luís). Vista interna da entrada principal, com elementos vazados ao lado (removidos).
219
Figura 186 Planta do Levantamento - Primeiro Pavimento - Escada em destaque. (Agência Banco Itaú - São Luís)
220
Figura 187 Planta do Levantamento - Segundo Pavimento (Agência Banco Itaú - São Luís)
220
Figura 188 Planta de Reforma/Restauro - Primeiro Pavimento - Escada em destaque. (Agência Banco Itaú - São Luís)
220
Figura 189 Planta de Reforma/Restauro - Segundo Pavimento (Agência Banco Itaú - São Luís)
220
Figura 190 Reprodução de planta / Levantamento - Corte pela garagem Anexo removido/alterado - Agência Banco Itaú (São Luís)
221
Figura 191 Reprodução de planta / Reforma - Corte pela garagem Anexo removido/alterado - Agência Banco Itaú (São Luís)
221
Figura 192 Reproduções de plantas / Corte passando pela nova escada, detalhe da escada e esquadrias com desenho contemporâneo. Destaque para a nova laje de concreto - Agência Banco Itaú (São Luís)
221
Figura 193 Reprodução de planta / Detalhes da cobertura - Agência Banco Itaú (São Luís)
222
Figura 194 Reprodução de planta / Fachada principal com destaque para o volume contemporâneo anexado ao edifício principal - Agência Banco Itaú (São Luís)
222
Figura 195 Esquema Volumétrico Situação Existente (Agência Banco Itaú - São Luís)
223
Figura 196 Esquema Volumétrico. Destaque em vermelho para as edificações e objetos demolidos/removidos (Agência Banco Itaú - São Luís)
223
Figura 197 Esquemas Volumétricos do edifício sede do Banco Itaú ou Vila Santo Antônio
224
Figura 198 Croqui do esquema do acesso principal com destaque para painéis e molduras sobrepostas aos vãos do edifício da Agência do Banco Itaú - São Luís (2012)
225
Figura 199 Foto da fachada principal da Agência do Banco Itaú, com destaque para coluna destacada no piso. À direita o encontro da intervenção contemporânea com o corpo do edifício principal (São Luís - 2012)
226
Figura 200 Foto da fachada principal da Agência do Banco Itaú, com destaque para as venezianas modernas (São Luís - 2012)
227
Figura 201 Foto da fachada principal e lateral da Agência do Banco Itaú (São Luís - 2012)
227
Figura 202 Fotos do pátio externo da Agência do Banco Itáu, com pergolado e detalhe de fragmento do muro original, do qual se mantiveram o portão de ferro e montantes laterais (São Luís - 2012)
228
Figura 203 Fotos do pátio da Agência do Banco Itaú, com detalhes de uma memória esquecida (São Luís - 2012)
228
Figura 204 Fotos da Rua do Giz - Centro Antigo de São Luís (2011)
229
Figura 205 Foto da Rua do Giz - Centro Antigo de São Luís (2011) 229
Figura 206 Fotos da fachada e fundos da morada inteira 394 - Centro Antigo de São Luís
230
Figura 207 Fotos de lacunas na caixilharia de madeira da varanda interna (à esquerda) da morada inteira 394 - Centro Antigo de São Luís
231
Figura 208 Fotos de esquadrias desgastadas antes do restauro da morada inteira 394 - Centro Antigo de São Luís
232
Figura 209 Foto da edícula demolida nos fundos do pátio da morada inteira 394 - Centro Antigo de São Luís
232
Figura 210 Fotos do cabeamento para energia elétrica e refazimento da - Centro
Antigo de São Luís
233
Figura 211 Foto de - Centro Antigo de São Luís
234
Figura 212 Foto de refazimento da coluna entre vãos de porta executada - Centro Antigo de São
Luís
234
Figura 213 - Centro Antigo de São Luís
234
Figura 214 Foto da execução de novo piso de madeira com a presença de -
Centro Antigo de São Luís
235
Figura 215 Fotos de azulejos encontrados na cozinha e faixa de ladrilho no piso da janela replicado segundo o original -
- Centro Antigo de São Luís
235
Figura 216 Plantas de arquitetura: levantamento e restauro do pavimento - Centro Antigo de São
Luís
236
Figura 217 Planta - Comparação entre os cortes antes do restauro e após com inserção do banheiro e remoção de prolongamento da varanda da - Centro Antigo de São Luís
237
Figura 218 Esquema Volumétrico - Existente, anterior ao restauro, áreas demolidas em vermelho - Centro Antigo de São Luís
237
Figura 219 Esquemas Volumétricos - Anterior ao restauro e posterior ao restauro - Centro Antigo de São Luís
238
Figura 220 Foto da após o restauro (Centro Antigo de São Luís)
230
Figura 221 Foto do pátio interno logo
239
Figura 222
240
Figura 223 Fotos da fachada, sala principal, forro refeito modelo espinha de peixe com ventilação para o sanitário, vista do corredor
de São Luís (2012)
241
Figura 224 manchas de umidade e sujidade (Centro Antigo de São Luís 2012)
241
Lista de Siglas e Abreviaturas
BEM Banco do Estado do Maranhão
BID Banco Interamericano de Desenvolvimento
CCP Centro de Cultura Popular
CDPR Conselho Deliberativo do Projeto Reviver
CEPRAMA Centro de Comercialização de Produtos Artesanais do Maranhão
CETEC-MA Centro de Capacitação Tecnológica do Maranhão
CFB-88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 CIAM Congresso Internacional de Arquitetura Moderna
CNRC Centro Nacional de Referência Cultural
CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CREA/MA Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura e Agronomia do Maranhão
CVRD Companhia Vale do Rio Doce DPAHN Departamento de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional DPHAP/MA Departamento do Patrimônio Histórico Artístico e Paisagístico do
Estado do Maranhão EMBRATUR Instituto Brasileiro de Turismo
Fabril Fábrica de Tecidos Santa Izabel
FIEMA Federação das Indústrias do Estado do Maranhão
FNpM Fundação Nacional pró-Memória
FUMPH Fundação Municipal do Patrimônio Histórico
GT Grupo de Trabalho
IAB Instituto de Arquitetos do Brasil
IAPI Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Industriários
IBAM Instituto Brasileiro de Administração Municipal
ICOMOS International Council on Monuments and Sites
INEPAC Instituto Cultural do Patrimônio Cultural
IPES Instituto de Pesquisas Sociais
IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
Iphan-MA Superintendência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional no Maranhão
LTBA Livro do Tombo das Belas Artes
LTH Livro do Tombo Histórico
MinC Ministério da Cultura
NEDAB Núcleo de Estudos e Divulgação da Arquitetura do Brasil
PAC Cidades Históricas
Programa de Aceleração do Crescimento das Cidades Históricas
PCG Programa Grande Carajás
PCH Programa Integrado de Reconstrução das Cidades Históricas
PMSL Prefeitura Municipal de São Luís
PPRCHSL Programa de Preservação e Revitalização Urbana do Centro Histórico de São Luís
PRODETUR Programa de Desenvolvimento do Turismo
PRUPG Projeto de Renovação Urbana da Praia Grande
REVIVER Programa de Revitalização do Patrimônio Histórico e Ambiental do Maranhão
SBPC Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
SEBRAE Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
SEPLAN Secretaria de Planejamento do Estado do Maranhão
SETOP Secretaria de Transportes e Obras Públicas
SPHAN Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
SPHAN Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
SEMTHURB Secretaria Municipal de Terras Habitação e Urbanismo
SERFHAU Serviço Federal de Habitação e Urbanismo
SINFRA-MA Secretaria de Infraestrutura do Estado do Maranhão
SUDENE Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste
UEMA Universidade Estadual do Maranhão
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
UNIVIMA Universidade Virtual do Estado do Maranhão
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
UTL Universidade Técnica de Lisboa
ZBM Zona do Baixo Meretrício
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO
2 CENTRO ANTIGO DE SÃO LUÍS: constituição, particularidades arquitetônicas, perda de centralidade e abandono
28
2.1 Cidade de São Luís: bases fundacionais e a produção do Centro Antigo 28
2.2 A arquitetura luso-brasileira e as edificações: a influência do estilo pombalino
38
2.3 Abandono arquitetônico no Centro Antigo: materialidades
68
3 : patrimônio urbano e a singularidade de
São Luís
89
3.1 Preservação do patrimônio: apontamentos sobre políticas e legislação no Brasil
90
3.2 antecedentes e trajetória
96
3.3 Desafios da preservação do Centro Antigo de São Luís: interpretações
106
4 TEORIAS DE RESTAURO: referências para pensar abandono e
restauro em arquitetura
119
4.1 Restauro Estilístico e Pura Conservação: um embate entre John Ruskin e Violet-le-Duc
120
4.2 O contexto vienense: o pensamento de AloisRïegl e Max Dvorak 122
4.3 O restauro filológico e científico: CamilloBoito e Gustavo Giovannoni 139
4.4 A teoria de Cesari Brandi 143
5 ESTUDOS DE CASO: agentes envolvidos, especificidades projetuais e desafios do restauro arquitetônico
157
5.1 Solar São Luís: CEF reabilita uma ruína
161
5.2 CEPRAMA: a volta da antiga fábrica
187
5.3 Agência do Banco Itaú: a desconhecida Vila Santo Antônio
211
5.4 Morada Inteira: a casa dos dinamarqueses
229
6 CONCLUSÃO 243
REFERÊNCIAS 247
1 INTRODUÇÃO
Intitulada Expressões e desafios do restauro arquitetônico em edificações da arquitetura luso-brasileira no Centro Antigo da cidade de São Luís (MA/Brasil), esta dissertação expõe os resultados da pesquisa que efetivei
sobre alguns modos através dos quais situações de abandono e restauro
arquitetônico se manifestam, convivem e se contrapõem, definindo desafios e
possibilidades à restauração de edificações da arquitetura luso-brasileira no Centro
Antigo de São Luís (MA/Brasil). Singular território urbano, cuja formação inicial
remonta ao século XVII e às estratégias de ocupação e defesa de terras nos marcos
do projeto colonizador português na América. Reconhecido pelo Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) como capaz de ajudar a contar a
história do Brasil, por meio da arquitetura, os caminhos e descaminhos do
patrimônio edificado no Centro Antigo de São Luís, podem também contribuir para
estudos e intervenções em cidades que, em iguais condições históricas, surgiram no
quadro da colonização da América portuguesa.
Na investigação que referencia a elaboração desta dissertação, a ênfase
da análise recaiu na demarcação do lugar do restauro arquitetônico num contexto
histórico-urbano e político-institucional marcado, no presente, por um perturbador e
contraditório determinante, que justifica interrogar-se: Qual o estatuto do restauro
arquitetônico no Centro Antigo de São Luís? Tal determinante diz respeito ao
flagrante descompasso entre a degradação de edificações da arquitetura luso-
brasileira, inspiradas, sobremaneira, nos edifícios pombalinos que conformam este
Centro, e a proliferação de múltiplos discursos e ações, principalmente estatais, que,
a partir de 1970, passaram a fazer parte do cotidiano da cidade no sentido da
proteção, revalorização e preservação do conjunto arquitetônico e paisagístico do
seu velho Centro.
Assim, produto de articulações local, nacional e internacional o título
Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade, que a Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), no ano de 1997, atribuiu
à cidade de São Luís, constitui-se momento de inflexão na trajetória de um leque de
estratégias e investimentos, públicos e privados, relacionados às (re) configurações
da infraestrutura, imagem e gestão urbana, próprias à tendência mundial e nacional
de preservação e revitalização de antigos centros citadinos.
23
Nos termos do International Council on Monuments and Sites - Conselho
Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS), a condição de cidade patrimônio
atribuída a São Luís tem como principal suporte material um conjunto de edificações
com feição arquitetônica colonial civil portuguesa, adaptada ao clima equatorial, com
sua tipologia tradicional de sobrados, palacetes, solares e mirantes, que identifica o
maior conjunto arquitetônico e ambiental de tradição colonial portuguesa na
América. De fato, este conjunto arquitetônico foi edificado, principalmente, ao longo
dos anos 1800, pelos chamados senhores do Maranhão, mediante a construção de
pontos comerciais e residenciais, muitos deles, alocados em imponentes sobrados
azulejados, nas palavras de Santana (2007), verdadeiros palacetes coloniais.
Nas bordas do mar. Esta localização geográfica do núcleo fundacional da
cidade de São Luís foi decisiva para que atividades econômico-mercantis e
estratégias políticas de controle do território da colônia brasileira desenhassem o
perfil urbano-portuário da cidade. Durante um significativo período de tempo, através
de concorridas rampas de embarque e desembarque, tal perfil determinou a vida
citadina e a configuração espacial-arquitetônica de parte da cidade. Com a perda da
sua importância portuário-comercial e sua desvalorização como espaço residencial
dos segmentos mais abastados da população, o atual Centro Antigo, a partir da
década de 1930, iniciou o percurso que incluiu a fatal cumplicidade com o abandono
e a degradação da maioria de suas edificações como marca visível e recorrente.
Mas, nos balizamentos da tendência nacional e mundial de preservar
certas formas urbanas e das políticas de preservação e revitalização de antigas
áreas centrais do Estado brasileiro, tal espaço, tornado patrimônio histórico, passou
a referenciar a busca da produção de um novo território: protegido, restaurado,
revitalizado. A conjugação entre o passado, revisitado e re-valorizado, e o presente
se constitui em tal dinâmica estratégia fundamental. As edificações presentes no
Centro Antigo de São Luís devem então deixar de ser considerados estorvos.
Estamos diante, portanto, de expressões particulares da proliferação e
homogeneidade dos chamados programas de revitalização de antigas áreas centrais
disseminados em várias partes do mundo, como aponta Bidou-Zachariasen (2006).
No Brasil, já são muitos os exemplos de políticas e programas de preservação e
revitalização direcionados para os antigos centros, a exemplo das cidades de
Salvador, Recife e São Luís.
24
Em São Luís, a busca de revalorização da arquitetura luso-brasileira,
impulsionada por movimentos ligados à dinâmica da cultura e do mercado, vem
assumindo múltiplas formas e associando-se a diversas expressões culturais. É
nesse panorama, que a restauração arquitetônica manifesta expressões, encontra
possibilidades e depara-se com desafios singulares. Acontece que, ao lado de
medidas de preservação e reabilitação de edificações, impulsionadas e mediadas por
movimentos de interação entre cultura, territórios citadinos e alterações no padrão da
ação estatal em relação ao patrimônio, se destacam, inquestionavelmente, as marcas
do abandono através da degradação de muitas edificações. Então, no Centro Antigo
de São Luís, o restauro do patrimônio construído encontra-se numa complexa
condição, que se manifesta permeada por degradação, abandono e intervenções.
Dessa maneira, e já incorporando as importantes contribuições teóricas e
metodológicas advindas do momento da qualificação1, o estudo sobre o qual aqui
disserto tem como objetivo geral demarcar possibilidades e desafios de natureza
histórico-urbana, político-institucional e projetual do restauro arquitetônico de
edificações reconhecidas como representativas da arquitetura luso brasileira no
Centro Antigo da cidade de São Luís (MA/Brasil). No alcance e no interior deste
objetivo mais geral, a pesquisa privilegiou quatro objetivos específicos, que, ao final,
também guiaram a própria estruturação desta dissertação. São eles:
1) Delinear aspectos político-econômicos e urbano-territoriais da
constituição do Centro Antigo de São Luís, enfatizando a produção do conjunto
arquitetônico luso brasileiro e as marcas do abandono que, no presente, lhes são
peculiares;
2) Configurar agendas, agentes, ações e interpretações atinentes às
, realçando conquistas,
desafios e revezes próprio
;
3) Demarcar fundamentos teóricos capazes de contribuir para a
compreensão do abandono e do restauro arquitetônico, privilegiando temas
relacionados à exigência do rigor metodológico na restauração frente à necessidade
de convivência entre o antigo e o novo na preservação de edificações;
1 Deste exame de Qualificação realizado em agosto de 2011, participaram os professores Carlos Augusto Mattei Faggin, Paulo César Garcez Marins e Helena Ayoub Silva.
25
4) Delimitar expressões de restauro arquitetônico presentes no Centro
Antigo de São Luís, dando primazia as especificidades projetuais e construtivas das
edificações estudadas, ao mapeamento dos desafios enfrentados ao longo das
intervenções e ao potencial do projeto de restauro como instrumento capaz de
contribuir para reverter os limites impostos por uma arquitetura com valor patrimonial,
edificada através de técnicas construtivas antigas e em graus diferenciados de
abandono.
Os objetivos apontados foram alcançados através de movimentos e fontes
de pesquisa bastante diversos.
Os estudos teóricos relativos ao tema restauro do patrimônio construído,
apoiaram-se, principalmente, nas formulações de John Ruskin, Alois Riegl, Violet-le-
Duc, Max Dvorak, Camillo Boito, Gustavo Giovannoni e Cesari Brandi. Na
concretização desses estudos, foram fundamentais as indicações sobre questões
teóricas e metodológicas de restauro apresentadas pelas professoras Beatriz
Mugayar Kühl e Maria Lucia Bressan Pinheiro, no decorrer da disciplina Metodologia e Prática da Reabilitação Urbanística e Arquitetônica, ministrada no Programa de
Pós-Graduação da FAU-USP (Mestrado), no segundo semestre de 2010. O texto de Vitor Cóias, Reabilitação estrutural de edifícios antigos, e o de
José Augusto França, A reconstrução de Lisboa e a arquitetura pombalina, dentre
outros, se mostraram essenciais à demarcação dos determinantes e das formas da
arquitetura civil portuguesa, especialmente do edificado pombalino, que exerceu
profunda influência na configuração arquietônica do Centro Antigo de São Luís.
Na compreensão dos processos sócio-históricos e urbanos-arquitetônicos
pertinentes à formação e desenvovimento da cidade de São Luis considerei duas
fontes principais de pesquisa: a) estudos relacionados aos fundamentos da
formação socio-histórica e urbana da sociedade brasileira, destacando-se, dentre
outras, as obras de Caio Prado Júnior e Florestan Fernandes; b) estudos de
pesquisadores que refletem sobre o estado do Maranhão e a cidade de São Luís e,
mais especificamente, sobre dinâmicas econômico-sociais, político-culturais e
urbanas-arquitetônicas relativas ao Centro Antigo, privilegiando-se, dentre vários, os
trabalhos de Ananias Martins, Frederico Lago Burnett, José Antônio Viana Lopes,
Luiz Phelipe de Carvalho Castro Andrès, Olavo Pereira da Silva F., Marluce Wall de
Carvalho Venâncio e Mario Martins Meireles.
26
O objeto de estudo desta dissertação exigiu uma série de levantamentos
de arquivos compreendendo: (1) Coleção de Leis, Decretos e Regulamentos federais
e estaduais relativos à preservação do patrimônio edificado; (2) Planos Diretores do
Município de São Luís; (3) Documentos relacionados ao PPRCHSL; (4) Documentos
relacionados às experiências de restauração arquitetônicas analisadas, constantes
dos acervos do IPHAN, do DPHAP/MA e de escritórios particulares de arquitetura.
Considerei ainda como fonte de pesquisa, os principais jornais de São Luís
veiculados ao longo da linha do tempo que abarca transformações importantes nos
modos de interpretar questões pertinentes à preservação e restauração arquitetônica
na cidade de São Luís. A finalidade central desse levantamento foi identificar, na
mídia impressa local, o impacto e os termos da presença dos temas materialidade do
abandono e iniciativas de preservação e restauração arquitetônica no Centro Antigo
da cidade, assim como os agentes que se fazem presente e intervêm tanto na
configuração das situações de abandono, quanto nas práticas voltadas para a
preservação e restauração do patrimônio construído.
No decorrer da pesquisa, atribuí especial importância a expressões visuais
relacionadas à produção do patrimônio edificado na Baixa Pombalina (Lisboa) e em
São Luís, bem como às manifestações de abandono e de restauro arquitetônico no
Centro Antigo de São Luís. Daí ter valorizado uma série de figuras urbanas (gravuras,
mapas, croquis, plantas, maquetes e fotografias) como fonte de informação e
ilustração dos processos investigados. Muitas dessas imagens foram obtidas quando
da observação direta do cotidiano e do conjunto edificado da área citadina que
referencia empiricamente esta dissertação. Outras fazem parte de livros, nos quais
seus autores também captaram imagens da cidade de São Luís em diferentes
conjunturas históricas, ou de acervos particulares de técnicos que usaram a fotografia
como forma de registro e memória de suas experiências profissionais e da dinâmica
da cidade, a exemplo de Phelipe Andrès e Ana Eliza Cantanhede.
As entrevistas feitas diretamente ou recuperadas, mediante pesquisa
documental, com sujeitos considerados estratégicos - estudiosos, moradores,
técnicos, gestores e restauradores -, contribuíram, mediante visões de ângulos
diversos, para ampliar a minha compreensão tanto sobre as propostas inovadoras no
sentido da preservação e restauro do patrimônio edificado, quanto sobre a complexa
rede de agentes, relações e questões envolvidas na oscilante trajetória do PPRCHSL
e, no seu âmbito, nos desafios do restauro arquitetônico.
27
Duas definições metodológicas foram fundamentais na abordagem do
objeto de estudo. A primeira diz respeito a considerar a área de tombamento estadual
como referência espacial-arquitetônica da análise, apreendendo-a tanto no seu papel
ativo e cotidiano decorrente das relações entre este território e seus usuários, quanto
como lugar que acolhe as edificações, cujos projetos de restauro eu procuro analisar
mais detidamente: o Solar São Luís, o CEPRAMA (a antiga Fábrica Cânhamo), a
Agência do Banco Itaú (a antiga Vila Santo Antônio) e uma Morada Inteira.
A segunda pautou-se na premissa de abarcar práticas de restauro
promovidas por agentes públicos e agentes privados, envolvidos na restauração de
obras diversas no tocante às suas características arquitetônicas, importância
histórico-urbana e funcional. Seguindo tal premissa, analiso dimensões da
restauração arquitetônica empreendida em quatro edifícios: Solar São Luís,
CEPRAMA, Agência Unibanco-
A aproximação aos bens partiu do entendimento apontado por Mayumi
(2008, p. 20) [...] a restauração como intervenção concreta no monumento é o objeto
Sob esse intento, a abordagem das obras toma por base três
dimensões consideradas a partir da singularidade de cada edificação: a experiência
do abandono, a experiência do restauro e a experiência da conservação. Em cada
uma dessas experiências, procuro delimitar agentes envolvidos, especificidades
projetuais e desafios do restauro, sem perder de vista aspectos relativos à
localização no território e a história da propriedade de cada uma das edificações.
Do ponto de vista da organização, o presente trabalho contém esta
Introdução, quatro capítulos, cujos conteúdos encontram-se estreitamente
vinculados aos objetivos específicos da pesquisa que referenciou a elaboração da
dissertação, Conclusão e Referências. Do ponto de vista dos seus resultados
teórico-acadêmicos, ao possibilitar a investigação e a sistematização das minhas
primeiras aproximações ao objeto de pesquisa que elegi - modos através dos quais
situações de abandono e restauro arquitetônico se manifestam, convivem e se
contrapõem, definindo desafios e possibilidades à restauração de edificações da
arquitetura luso-brasileira no Centro Antigo da cidade de São Luís - acredito que
possa contribuir para outros estudos que tomem questões relacionadas a este objeto
como norte das suas pesquisas e para avançar nos meus próprios estudos sobre a
temática.
28
2. CENTRO ANTIGO DE SÃO LUÍS: constituição, particularidades arquitetônicas,
perda de centralidade e abandono
2.1 Cidade de São Luís: bases fundacionais e a produção do Centro Antigo
A fundação da cidade de São Luís pelos franceses permanece ainda hoje
objeto de estudos, debates, pesquisas e polêmicas2. De todo modo, sem fazer uma
correlação simples e direta entre forte e cidade, na definição do lugar no qual se
construiu o núcleo fundacional da cidade de São Luís, tem importância à fortificação
erguida em nome da Corte francesa na ilha de Upaon-Acú. Assim chamada pelos
seus habitantes, os índios tupinambás, nessa ilha, três anos duraram o malogrado
projeto de ocupação francesa e a fortificação erguida sobre um promontório
localizado ao fundo de uma baia e junto a um porto natural.
Nos termos desta dissertação, interessa demarcar que a cidade de São
Luís teve seu desenho inicial definido no momento histórico das Grandes
Navegações, período em que monarquias absolutistas, dentre estas a Coroa
Portuguesa, apoiadas no desenvolvimento da ciência náutica, disputavam, se
apropriavam de terras além-mar e engendravam relações econômicas e políticas
baseadas no mercantilismo e na relação Metrópole - Colônia. Nesse contexto
histórico, a construção de fortalezas, vilas e cidades no Brasil, como forma de
ocupação e exploração colonial de Portugal, se definiu como urgente e estratégica.
É do seio da nação portuguesa que Francisco Frias de Mesquita, o
engenheiro militar que com traços pragmáticos delineou o núcleo embrionário de
São Luís, é oriundo. Ele bosquejou espaços públicos e ruas definidoras de lotes a
serem ocupados com edificações alinhadas às vias.
2Sobre a fundação da cidade pelos franceses, assim se pronunciaram três historiadores no Jornal O Estado do Maranhão de 8 de setembro de 2001: Para Maria de Lourdes Launde Lacroix, cuja argumentação se encontra no livro de sua autoria A Fundação Francesa de São Luís e seus Mitos, não teria havido tempo hábil para que os franceses estabelecessem em São Luís uma verdadeira colônia. Estes permaneceram no território no qual a cidade foi construída apenas de 1612 a 1615. Argumenta que colonização francesa é um mito construído e explorado pela elite decadente do Maranhão, no final do século XIX. Para Ananias Martins, ao considerar-se a ocupação e posse do território, incluindo rituais e estatutos, a presença durante quase três anos, e ainda os 20 anos de contatos iniciais e práticas de escambo com os índios, não há como não reconhecer os franceses como os primeiros colonizadores do território que viria a ser a cidade de São Luís. Na análise de Mário Martins Meireles, Daniel de La Touche, identificado como pirata pela primeira historiadora, seria um corsário a quem a Corte Francesa autorizara a tomar posse em seu nome, de cinquenta léguas de terras a cada banda do forte a ser construído no Maranhão. No dia 8 de setembro de 1612, foi erguido, pelos franceses, o Forte que deu origem a Vila São Luís. Então, segundo o historiador o mais correto é argumentar que São Luís é uma cidade portuguesa que nasceu francesa. Importantes contribuições à compreensão das bases fundacionais da cidade de São Luís encontram-se também, dentre outros, em Andrès (1998, 2008), Lopes (2008) e Reis (2012).
29
O mapa a seguir, indicativo da presença dos holandeses no Maranhão,
(LOPES, 2008), demonstra esse traçado auroral da cidade.
Figura 1 - Mapa de São Luís, em 1640 - Registro holandês Fonte: SÃO LUÍS (1992)
Frias de Mesquita, condensando estratégias militares defensivas e
estratégias urbanísticas, definiu as bases do desenho de uma semente de cidade.
De um lado, ela contém um fato público e infraestrutural, de outro lado, ela encerra
um fato privado: as casas maranhenses. Progressivamente, entre portas e janelas,
moradas inteiras, sobrados, solares, muradas, ruas, escadarias, vielas, becos e
fontes, desenvolveu-se uma expressão singular da urbanidade colonial.
Na transição de uma cidadela fortificada a uma cidade mercantil
(BURNETT, 2007), puseram-se em movimento determinantes, relações e expressões
relevantes à formação e a compreensão da constituição do atual Centro Antigo da
cidade de São Luís. É importante relembrar que tal movimento se fazia a partir de
uma determinação geral e fundamental: a riqueza e exploração das terras de além-
mar interessavam para enriquecer a Coroa e não para expandir a Colônia3. Como
propõe Prado Junior (1963), a economia colonial era um negócio do Rei. Logo,
estabelecer vilas e fundar cidades dizia também respeito à arrecadação de impostos,
dízimos e foros.
3Fernandes (1976, p. 22-23) argumenta que a maior parte da renda era remetida para o exterior (Coroa e agentes de financiamento da produção, entre outros), um diminuto montante era apropriado pelos agentes econômicos locais; entretanto seus ganhos financeiros (agentes potencialmente econômicos) eram surpreendentes, mas todo o suporte institucional desse processo estava em que "[...] o sistema colonial organizava-se, tanto legal e política, quanto fiscal e financeiramente, para drenar as riquezas de dentro para fora".
30
Produção mercantil, trabalho escravo, atividades portuárias e comerciais
na área da Praia Grande e o poder dos senhores contribuíram para fazer de São Luís
uma das importantes cidades do arquipélago urbano-portuário produzido pela
colonização portuguesa no Brasil. Mas, durante um longo período, precárias
moradias, ruas estreitas, poeirentas e sujas caracterizaram a cidade.
Tal condição contrastava fortemente com as prescrições das Ordenações
Filipinas que regiam as Câmaras Municipais das cidades de Portugal e colônias. De
acordo com Vieira Filho (apud PALHANO, 1988, p.233), em São Luís, os higienistas
eram o vento e as águas das grossas chuvas que lavavam as ruas da cidade. Isto se
refletia nas condições de saúde da população. Estudos e documentos registram: no
ano de 1621, a primeira epidemia de varíola teria dizimado a população da cidade,
que ainda não excedera de 1.000 habitantes4. No ano de 1677, São Luís teve
reconhecida formalmente a sua condição de cidade, fato que ensejou a criação da
Diocese do Maranhão (LOPES, 2008).
Com a riqueza produzida no campo, São Luís começou a prosperar na
segunda metade do século XVIII. Nos marcos da criação de Companhias de
Comércio, idealizadas pelo Primeiro Ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, o
Marquês de Pombal, para garantir matérias primas para a indústria manufatureira que
emergia na Metrópole, a criação da Companhia Geral do Comércio do Grão-Pará e
Maranhão5, no ano de 1755, destaca-se na trajetória da cidade, especialmente, na
sua condição de cidade portuária e na formação do seu atual Centro Antigo.
De fato, como em outras cidades do Brasil colonial e imperial, a economia
de base agromercantil, apoiada de modo substantivo no trabalho escravo,
reforçaram, no território embrionário da cidade de São Luís, o crescimento de
atividades portuárias e comerciais (comércio varejista, atacadista, exportador e
importador). Isto se fez acompanhado do deslocamento da influência econômica e
política, antes cativa dos proprietários rurais, para os comerciantes situados,
principalmente, na área chamada de Praia Grande. 4Consultar a respeito, dentre outros, Meireles (1994). Sobre a questão da salubridade na Capital do Maranhão,
cidade, em épocas antigas, foram provocadas pela escassez de água potável, de esgotos, de remoção de lixo e pela pou 5Perdurando até 1777, a Companhia Geral do Comércio do Grão-Pará e Maranhão, impulsionando a exportação de produtos como o arroz e o algodão, contribuiu para alterar a fisionomia da cidade de São Luís, transformando-a em ponto de chegada e partida de mercadorias vindas de além-mar e do campo maranhense. Sob o apoio dessa Companhia, entre 1757 e 1777, entraram pelo porto de São Luís 12.587 escravos, sendo daí em diante constante o movimento dos navios negreiros no golfo do Maranhão (MEIRELES, 1994).
31
Figura 2 - São Luís vista do mar da Praia Grande Fonte: CUNHA (2008)
Há que se relembrar também, na formação das vilas e cidades coloniais
brasileiras, a importância da chamada propriedade santa - as grandes datas
apropriadas pela Igreja Católica, através das ordens religiosas e das confrarias.
Muitas vezes, nas vilas e cidades do Brasil Colônia, na falta de normas civis
específicas para a conformação urbana, leis eclesiásticas definiram os caminhos da
expansão territorial6. Assim, em São Luís igrejas, conventos, escolas, orfanatos
foram construídos no núcleo fundacional da cidade, afirmando a força da Igreja
Católica e de suas ações missionárias, caritativas e imobiliárias7.
Os chamados homens pobres livres ocupavam os lugares que escapavam
dos interesses dos senhores, da Igreja e dos mecanismos de controle e ordenação
territorial à época. Os fidalgos e os militares (sargentos, capitães, alferes e soldados) tomavam posse do espaço situado perto dos muros, do mar e do porto. 6Consultar sobre o assunto Fridman (1999). 7Também, conforme os estudos de Lopes (2008, p. 16), há que se relevar o papel das ordens religiosas no
1615, chegaram ao Maranhão os missionários franciscanos, os jesuítas da Companhia de Jesus, os carmelitas calçados da Ordem de Nossa Senhora do Monte Carmelo e os mercedários, missionários da Sagrada e Real Ordem Militar de Nossa Senhora das Mercês e da Redenção dos Cativos (1654). Estas ordens religiosas ocuparam lugares distintos na cidade. Os jesuítas ficaram próximos ao forte de São Luís. No lado oposto, próximo à praia do Desterro, os mercedários ergueram seu convento. A igreja e o convento carmelita ficaram ao centro, no Largo do Carmo, hoje Praça João Lisboa. Os franciscanos fixaram-se à esquerda do Carmo, seguindo o platô que avança para o interior da Ilha. As edificações destas ordens religiosas limitavam a primeira freguesia de São Luís, a de Nossa Senhora da Vitória, criada em 1621. Assim, os conventos e suas igrejas também conferiram sentido ao
32
Devassando o interior da ilha, abrindo ruas e caminhos e se afastando das
bordas do mar os habitantes ampliavam os usos da terra e os modos de construção
das edificações, especialmente, moradias. Por volta do ano de 1640, um caminho,
situado entre os rios Bacanga e Anil, definiu os rumos da ampliação da cidade para
além do atual Centro Antigo. Tal caminho - chamado Estrada Real, Rua Larga,
Caminho Grande e finalmente Rua Grande - avançou em direção ao interior da Ilha,
arrastando o crescimento citadino ao longo de um feixe viário.
A partir de 1808, quando os portos brasileiros foram abertos para trocas
comerciais com outras nações, em São Luís ampliou-se à importação de bens de
consumo privado (que iam de azulejos a copos de vidro e de prata), de bens culturais
(como as companhias teatrais) e de projetos e maquinários fabris, base do parque
têxtil da cidade. De fato, atividades agrárias no campo maranhense e atividades
portuário-mercantis, principalmente, na Praia Grande haviam consolidado a
integração da cidade a outras praças de comércio nacional e mundiais. A atividade
comercial não dizia mais respeito somente a pequenos grupos de comerciantes de
bois, aguardentes, vinhos ou panos nobres. Tratava-se de um complexo exportador-
importador e de um dos mais importantes núcleos portuários da colônia brasileira.
No início do século XIX, com população por volta de 30.000 habitantes,
a cidade assim foi caracterizada pelos viajantes Spix e Martius (1981, p. 269-70) que
a visitaram: São Luís do Maranhão merece, à vista de sua população e riqueza, o
quarto lugar entre as cidades brasileiras Retratam que as casas, de dois ou três
pavimentos, eram na [...] maioria construídas de grés de cantaria, e a apropriada
disposição do seu interior corresponde ao exterior sólido, porém burguês
Nessa dinâmica, destaca-se, conforme determinações históricas gerais da
colonização no Brasil e na região, a ação dos senhores do Maranhão. Na verdade,
um estamento de lusitanos que tinham em comum: terras e escravos, o controle e
comando das práticas agrárias e mercantis; influência local e condições políticas para
exercitar o mando e a organização da vida na perspectiva de viver como um nobre.
Do ponto de vista da formação do atual Centro Antigo de São Luís,
conforme a pesquisa teórico-documental e empírica que realizei, o que pode ser
também identificado como um dos traços mais visíveis desse momento de
prosperidade econômica da cidade é a forte presença de atividades arquitetônicas e
urbanísticas que alteraram de modo significativo à fisionomia do núcleo fundacional
da cidade.
33
Trata-se, de modo mais específico, da presença de bens materiais e
simbólicos que se materializaram, principalmente, na construção de prédios e
sobrados8, com funções comercial e residencial, fortemente inspirado na arquitetura
civil portuguesa, de modo especial no edificado pombalino. A construção de
edificações e de estruturas urbanísticas públicas, com seus traçados ortogonais de
arruamento e a largura constante das ruas, e ainda de fontes e fortificações, segundo
sua disposição arquitetural presente ainda hoje, atestam o expressivo enriquecimento
das elites senhoriais do Maranhão e a força do experimento de arquitetura luso-
brasileira efetivado no Centro Antigo da cidade de São Luís9, conforme abordarei no
item subsequente desta dissertação.
Nesse experimento, edificações receberam denominações como morada e meia, meia morada e comércio, morada inteira, porta e janela. A maioria delas foi
erguida como morada e local de comércio (muitos armazéns de estiva e fazenda) de
ricos senhores. Formou-se então um território com imponentes casarios de até quatro
pavimentos. Construídos de pedra e cal, com sacadas de ferro batido, portadas em
pedra de Lioz (variedade de calcário branco e duro) ou pedras de cantaria (pedras
lavradas e cortadas para serem aplicadas em diferentes partes de uma edificação) e
fachadas revestidas de coloridos azulejos portugueses. No interior: camas de dossel,
cristaleiras, consoles, lustres, jarros, pratos de louça do Reino (Lisboa), baixelas de
prata e porcelana, copos de vidro ou de prata de procedências diversas. Objetos que
Do ponto de vista da construção de obras públicas, destaca-se que, em
1855, concluíram-se a construção do cais e, através da criação da Companhia
Confiança Maranhense, a reforma da Casa das Tulhas (antigo aglomerado de
barracas). Segundo Lopes (2008), tal reforma ampliou o interesse dos comerciantes
abastados pela área da Praia Grande.
8Sobre os sobrados urbanos então construídos, Silva F. (1998, p. 37) faz os seguintes registros: A legislação provincial exigia o risco e o desenho exterior da obra e o emprego global da tipologia testemunha o rigor do postulado urbanístico então vigente. César Marques registra a presença de vários engenheiros, arquitetos e construtores que atuaram no Maranhão. Basto Ferrer também cita alguns portugueses que construíram no Estado principalmente edificações militares. Contudo, e em que pese à homogeneidade, o rigor de princípios, o esmero técnico, as preocupações artísticas, os projetos da arquitetura civil ainda são desconhecidos. Já os proprietários e datas de construção são encontrados nas grades de sacadas em forma de monogramas, nas vergas das portas e em lápides abertas a cinzel, como a existente no cunhal de um sobrado na Rua de Nazaré com a Rua da Estrela, que diz: Caetano José Teixeira fez 9Na visão de Corrêa (1993), neste momento, a opulência estampou-se mais no casario mais do que no relicário sacro. Os comerciantes e lavradores ricos preferiram o requinte do casario à suntuosidade dos templos religiosos. Por isto, as igrejas do Maranhão colonial são quase franciscanas se comparadas com as igrejas mineiras, baianas e pernambucanas, diz ele.
34
Todavia, ao lado de importantes ações urbanísticas, privadas e públicas,
os dados fornecidos pela pesquisa teórica e documental indicam que recursos
essenciais à vida urbana, pelas repercussões sanitárias para a população, como
moradia adequada, recolhimento de lixo e abastecimento de água encontravam-se
distribuídos de forma expressivamente desigual entre os moradores da cidade. A água não aplacava a sede, Noites de breu, Limpeza Pública: alguns limpos, todos sujos. Estas são algumas das indicações presentes nos estudos de Palhano (1988)
quanto à precariedade e desigualdade na produção e distribuição dos serviços de
infraestrutura urbana na cidade de São Luís, no decorrer dos períodos colonial,
imperial e início da República.
Expressando determinações e exigências particulares da política do
período imperial brasileiro, a cidade de São Luís continuou a ocupar lugar importante
no cenário econômico-político, a despeito das dificuldades do sistema agroexportador
centrado no algodão e no açúcar.
A experiência industrial, mediante o funcionamento de fábricas têxteis,
contribuiu para a constituição de dinâmicas urbanas que tinham por base os ideais
industrialistas e modernizadores de determinados segmentos das classes senhoriais
do Maranhão. Com as fábricas de tecidos, suas imponentes estruturas e altas
chaminés, seus trabalhadores e os territórios formados ao seu redor, São Luís ficou
impregnada da atmosfera industrial que as fábricas sempre simbolizam.
Assim, no período de 1870 a 1960, encontra-se a implantação, a crise e o
fim de uma singular experiência industrial em algumas cidades do estado do
Maranhão, especialmente, São Luís10, a Manchester do Norte (LOPES, 2008). Mas,
as fábricas de tecidos formadoras do importante parque industrial da cidade,
começaram, a partir de 1950, uma seguida da outra, a encerrar suas atividades,
cerrar suas portas e abandonar suas estruturas arquitetônicas. Embora tenha tido
vida curta, este parque, combinando-se ao desenvolvimento de firmas de importação
e exportação, foi responsável pelo crescimento de parte da economia maranhense e
da expansão de São Luís. Segundo Martins (2005, p. 99): As localizações das
fábricas, que geralmente ficavam em pontos extremos da cidade, no meio urbano ou
suburbano, permitiram a formação ou ocupação de bairros populares [...] .
10Em Maranhão (1987) encontra-se registrada a presença de 17 empresas, nesse período de desenvolvimento da indústria têxtil do Maranhão, com parque fabril contando com: 2.336 teares, 71.608 fusos, uma produção anual de 13.974.411 metros de tecidos crus e uma capacidade de empregar 3.557 operários.
35
Mas, no período que corresponde ao auge da produção fabril têxtil no
estado do Maranhão, a cidade de São Luís, conforme argumentam Santana (2003) e
Lopes (2008), não apresentou vertiginosos índices de crescimento populacional.
Nessa perspectiva, considerem-se os dados reunidos na figura abaixo:
Período histórico População da Cidade de São Luís
Fins do séc. XVII 10.000 hab.
Fins do séc. XVIII 17.000 hab.
1820 20.000 hab.
1835 25.000 hab.
1868 30.000 hab.
1872 31.000 hab.
1890 29.308 hab
1900 36.788 hab.
1920 52.929 hab
1940 58.735 hab.
1950 88.425 hab
Figura 3 - Quadro sobre o crescimento demográfico de São Luís (Finais do século XVII a 1950)
Fonte: SANTANA (2003) - Quadro elaborado a partir de dados do SERFHAU e Séries Censitárias IBGE
Nesse contexto histórico-urbano, também se destacam inovações técnicas
dirigidas para a redução de barreiras espaciais e a organização de alguns serviços
públicos urbanos. Novas possibilidades de transporte (bondes faziam a ligação entre
os espaços do Centro da cidade e se dirigia a Vila do Anil, logo chegando o
automóvel). Trata-se de serviços urbanos que concretizavam e se relacionavam à
ideologia modernizadora que começava a interrogar a cidade herdada dos períodos
colonial e imperial.
Com o advento do período republicano e consoante às críticas dirigidas às
antigas cidades coloniais brasileiras, sustentadas pelo discurso do urbanismo
higienista e o protagonismo de médicos sanitaristas, e as intervenções de Pereira
Passos na cidade do Rio de Janeiro como exemplo paradigmático, preocupações
sanitaristas também repercutem e se manifestam na cidade de São Luís.
36
No ano de 1902, o relatório Saneamento das Cidades e sua aplicação à Capital do Maranhão, apresentado ao governo estadual abordava os problemas da
produção e gestão dos serviços públicos urbanos em São Luís11. Em 1924,
registravam-se investimentos públicos nos sistemas de água e esgoto. Nos marcos
do urbanismo sanitarista então em voga, a ocupação dos baixos dos sobrados, a
presença de cortiços e certas práticas cotidianas dos moradores do atual Centro
Antigo começaram a ser objeto de críticas e controle sanitário.
Art. 48 Não é permitida a habitação em porões e sótãos que não sejam naturalmente bem iluminados e arejados, e não possuam instalações de aparelhos higiênicos de uso domestico. § Único Fica desde já proibida a reocupação dos baixos de sobrados que forem sendo desocupados (MARANHÃO,1916)
Em 1920, na Rua Grande era exigida, por lei municipal, a construção de
platibandas nas edificações; em 1940, através do Plano de Reforma Urbanística, do
interventor Paulo Ramos, o antigo Caminho Grande recebeu magnífica pavimentação
e arborização. Também se verificaram a reforma da Praça João Lisboa e a abertura
da Avenida Magalhães de Almeida, demolindo-se, para tanto, algumas casas do
início da Rua Grande (SÃO LUÍS, 1992). Ao final da década de 1930, ideais de
modernização começaram a justificar a necessidade de novos horizontes para a
cidade. Para muitos, um destes horizontes era urbanizar a velha e feia cidade
colonial. Uma crônica de 1937 expõe, de forma veemente, o apelo de parte da
população de São Luís por transformações urbanísticas. Diz o cronista:
Levante-se em São Luís construcções modernas, tire-se da nossa cidade
procuram viver a epocha actual em toda a sua magnífica plenitude. Mas que esta nova edificação não seja feita da maneira que tem sido adopatada até hoje. Não se mettam, por amor dos deuses, entre velhos pardieiros e mocambos medonhos, lindos prédios, que communicam a impressão de dentes de ouro em dentadura estragada12.
11Segundo Palhano (1988, p.161-162) tal Relatório local para a importância do disciplinamento do urbano e para o efeito deletério da escassez de serviços infraestruturais para a saúde coletiva. Técnico e erudito ao mesmo tempo, além de ser surpreendentemente atualizado em relação às questões urbanas da época (trazia para São Luís a experiência das principais cidades europeias e norte-americanas) o Relatório também assumia aquilo que talvez tenha sido o primeiro plano diretor da cidade, na perspectiva de pressupor a existência de poder público realmente ordenador do desenvolvimento urbano". Ainda segundo este autor, em São Luís, a modernização dos serviços públicos urbanos iniciou-se no governo Godofredo Viana, mais precisamente em 1924, quando as ações governamentais apresentaram elementos novos quanto à maneira tradicional de produzir e gerir os serviços de infraestrutura coletiva. 12 Crônica veiculada pelo Jornal Diário do Norte no dia 16 de abril de 1937.
37
De todo modo, até as primeiras décadas do século XX, as atividades e
funções da São Luís urbana se limitavam, em termos espaciais, ao que hoje se
denomina Centro Antigo e ao Caminho Grande, que seguindo o bonde e alcançava o
bairro do Anil, lugar no qual se instalara a Fábrica do Rio Anil. A partir da década de
1960, , em escala sempre ascendente, se espalha. Dois fatos
concorreram inicialmente para tal: a construção, no final dos anos 1960, de uma
ponte sobre o Rio Anil e o Plano Diretor de São Luís de 1975. Cada um ao seu modo
orientava a expansão da cidade para outras direções: para o outro lado do Rio Anil e
em direção às praias e para a área do Itaqui-Bacanga, na qual se implantava o
complexo portuário-
estes o Programa Grande Carajás (PGC) 13.
Importante demarcar: é nessa particularidade que orienta o movimento de
expansão da cidade, a ser abordado no item 2.3 desse Capítulo, que se encontra
parte significativa das razões do Centro Antigo de São Luís ter conseguido manter-se
livre de dinâmicas mais substantivas de renovação ou modernização urbana, como
aquelas concretizadas, por exemplo, pelo prefeito Pereira Passos no antigo centro da
cidade do Rio de Janeiro. Dessa forma, o atual Centro Antigo de São Luís
permanece a expor coerência possível de ser percebida no conjunto desse suporte
urbano de inegável importância histórica e cultural. Sua rica potencialidade decorre
da composição de um acervo arquitetônico e um traçado urbanístico sustentado na
homogeneidade construtiva cristalizada nas edificações erguidas à época da
colonização portuguesa, preponderantemente ao longo dos séculos XVIII e XIX.
13O PGC, articulado ao longo dos anos 1970 e oficializado em 1980, tinha como objetivo primordial articular as ações do poder público para investimentos em infraestrutura e indução de desenvolvimento, mediante a implantação de um novo polo de desenvolvimento industrial, numa área de 895 mil km2 situada na região Norte do Brasil. Para tanto, foi criado um Conselho Interministerial composto por 11 ministros e os governadores dos estados envolvidos: Maranhão, Pará e Tocantins. No âmbito do PGC, o Projeto Ferro Carajás, sob a responsabilidade da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), voltava-se para exportação do minério de ferro, extraído da Serra de Carajás, no estado do Pará, transportado pela Ferrovia Carajás, até o Porto da Madeira, um terminal do Porto Público de Itaqui, em São Luís, escoados daí para outras regiões do Brasil e do mundo por via marítima.
Figura 4- Fotos de edificações do Centro Antigo da cidade de São Luís Fontes: Registro fotográfico da autora (2010) e foto de Edgar Rocha
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É sobre essa matriz arquitetônica colonial, azulejada, assobradada e com
mirantes, que as políticas de preservação do patrimônio cultural, e no seu âmbito
iniciativas de restauração arquitetônica, vêm se desenvolvendo em grande essência
desde a segunda metade da década de 1970.
2.2 Arquitetura luso-brasileira e as edificações do Centro Antigo: a influência
do estilo pombalino
A metrópole, Lisboa
Muitos estudos teóricos e documentais, assim como referências
empíricas, permitem afirmar que as edificações do núcleo fundacional de São Luís
tem na arquitetura portuguesa sua fonte de inspiração técnica e material. A
efetividade dessa consideração também encontra comprobação em descrições,
como as apresentadas a seguir, pertinentes ao tombamento, no ano de 1961, de
dois sobrados14 localizados no Centro Antigo da cidade:
Os sobrados nº 199 e 205, construídos no século XVIII, formam um conjunto único representativo da arquitetura portuguesa no Maranhão, com seus vestíbulos pavimentados com seixos rolados e lioz, seus arcos interiores, sacadas, varandas e o mirante tão marcante nos sobrados maranhenses.
Também o parecer do ICOMOS15, adotado pelo comitê do Patrimônio
Mundial, em dezembro de 1997, compreende e apresenta o Centro Histórico de São Luís do Maranhão como exemplo excepcional de cidade colonial portuguesa
adaptada às condições climáticas da América do Sul equatorial, conservando dentro
de notáveis proporções o tecido urbano harmoniosamente integrado ao ambiente
que o cerca.
14Inscrição de numero 459 no Livro de Belas Artes em 17/08/1961 intitulada Casas à Avenida Pedro II, 199 e 205 (São Luís, MA). Disponível em: < http://www.iphan.gov.br/ans/inicial.htm >. Acesso em: 10 janeiro 2011. 15O ICOMOS é uma organização civil internacional ligada à UNESCO. Tem como uma de suas atribuições o aconselhamento sobre os bens que receberão a classificação de Patrimônio Cultural da Humanidade. Foi criada em 1964, durante o II Congresso Internacional de Arquitetos, em Veneza, ocasião em que foi escrita a declaração internacional de princípios norteadores de ações de restauro, a "Carta de Veneza", da qual o Brasil é também signatário. De acordo com o ICOMOS foram três os quesitos que fizeram de São Luís, Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade. São eles: (1) Testemunho excepcional de tradição cultural e de preservação do casario colonial no Centro Histórico: um retrato da presença portuguesa na América no século XVIII e início do XIX; (2) Exemplo destacado de conjunto arquitetônico e paisagem urbana que ilustra um momento significativo da história da humanidade; (3) Exemplo importante de um assentamento humano tradicional, representativo de uma cultura e de uma época, pois a ausência de modificações preservou um conjunto arquitetônico de cerca de 3.500 prédios.
39
Figura 5 - Fotos dos edifícios nº 199 e 205, na Praça Pedro II (núcleo fundacional da cidade de São Luís) Fonte: Registros fotográficos da autora (2009)
Sabe-se que, no contexto das relações comerciais, políticas e culturais do
Maranhão com a metrópole lisbonense destacam-se fatos como a vinda, incentivada
pela Coroa Portuguesa16, no ano de 1620, de casais de colonos açorianos, os quais
haveriam de desenvolver culturas de exportação como o algodão e o açúcar. Tal
fato ensejou a produção de edificações, principalmente moradias, mediante a
técnica construtiva tradicional da taipa de pilão17, pelos primeiros açorianos a
habitarem a ilha de São Luís.
Na linha analítica de Martins (2005, p. 27), essas edificações
desapareceram ou foram significativamente alteradas. Assim, diz ele:
Das edificações portuguesas do século XVII, nenhuma chegou aos nossos dias. Igrejas e fortificações ou mesmo prédios públicos construídos em taipa e vara, e de taipa de pilão, tão forte, que equivalia à mesma pedra e cal, mas vulnerável à ação das chuvas, desapareceram ou foram substancialmente alterados em tempos posteriores.
Apesar da inexistência de reminiscências edilícias originais, Martins
(2005) reconhece que a influência do modo de construir edificações dos
trabalhadores açorianos, através do processo de execução da taipa, associada à
experiência construtiva dos povos indígenas que habitavam o Brasil, pode ser
percebida, ainda hoje, na arquitetura de muitas moradias localizadas no meio rural
da ilha de São Luís.
16Nesse contexto, Andrès (1998) registra a campanha lançada para atrair investimentos e imigrantes, através da publicação do livro Relação Sumario das Coisas do Maranhão Dirigida aos Pobres deste Reino (Lisboa, 1624). 17No texto Construções de taipa, de Schimidt (1946), encontra-se detalhada descrição sobre a técnica construtiva da taipa de pilão, implantada em terras brasileiras logo do início da colonização pelos portugueses, sendo bastante utilizada nas edificações, cujas funções eram marcantes e peculiares a esse momento histórico, como as sedes de fazenda, as casas de administração e as senzalas. O autor aborda, ainda, a decadência do uso da taipa a partir do início do século XX, até então impactou a existência dos taipeiros cujas especificidades e saberes começam aí a se perder.
40
Figura 6 - Reprodução de fotos de edificações do estilo luso-açoriano Fonte: MARTINS (2005)
Porém, parte importante da arquitetura prevalecente no Centro Antigo de
São Luís guarda, muito mais, relação com um momento histórico emblemático da
redefinição dos padrões construtivos e urbanísticos da metrópole portuguesa: as
providências arquitetônicas engendradas após o terremoto ocorrido na cidade de
Lisboa em 1 de novembro 1755. O maior terremoto da história, segundo Cóias,
(2007).
A estrutura citadina anterior à catástrofe, como demonstra França (1977,
p. 8), jamais contara com projetos ou reformas de urbanismo, tendo sido gerada
nos seus bairros, em torno de igrejas paroquiais e de palácios da nobreza, em
aglomerados populacionais que iam encadeando .
As duas ilustrações a seguir demonstram tal condição.
Figura 7 - Planta de Lisboa em 1650, levantada por João Nunes Tinoco Fonte: ROSSA (1998)
41
Figura 8 - Gravura sobre panorâmica de Lisboa no ano de 1958 Fonte: Arquivo Museu da Cidade de Lisboa (2011)
A descrição feita por França (1977, p. 11) sobre o cenário de Lisboa
depois do terremoto aponta que a cidade:
Ficara em parte arrasada pelo sismo e em maior parte foi devastada pelo fogo. Dois terços das ruas ficaram inabitáveis, ou só três mil casas das vinte mil existentes, apos o incêndio. Das quarenta igrejas paroquiais, trinta e cinco desmoronaram-se, arderam, ou ficaram em ruínas, só onze conventos dos sessenta e cinco existentes ficaram habitáveis, embora com danos, nenhum dos seis hospitais se salvaram do fogo e trinta e três residências das principais famílias da corte ficaram destruídas. (FRANÇA, 1977, p. 11)
Diante desse cenário, o Marquês de Pombal proferiu a sentença que instigou e São Luís, Maranhão. 2002. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Urbano) - Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2002.
orientou os portugueses para a ação: enterrar os mortos e tratar os vivos.
Um mês após o terremoto, agentes com poderes políticos e capacidade técnica
assumiram a renovação urbana da região de Lisboa, que ficou conhecida como
Baixa Pombalina. Manuel da Maia (1677 - 1768), engenheiro-mor do Reino,
responsabilizou-se por estudar hipóteses para a reconstrução. Escolheu àquela que,
na sua ótica, encerrava o objetivo de criar uma cidade nova, sem o pesadelo de velhas recordações, num local de grande beleza e maior solidez, e com a
possibilidade de construir sem impedimentos e mais rapidamente. O ponto de
partida? Uma planta nova com as ruas livremente desenhadas, prevendo para
cada uma dessas ruas a mesma simetria em portas, janelas e alturas, conforme
desenhos que o arquiteto do Senado da cidade, o capitão Eugênio dos Santos e
Carvalho forneceram . (FRANÇA, 1977, p. 18). Assim, as linhas de força do projeto
urbano da Baixa Pombalina tiveram por base a determinação de construir um novo
desenho de cidade para o espaço desconstruído pelo terremoto.
42
A planta a seguir demonstra, em tom de rosa, as áreas arruinadas pelo
terremoto e, em amarelo, a sobreposição do projeto de reconstrução de autoria do
capitão Eugênio dos Santos (1711 - 1760) e o engenheiro e arquiteto Carlos Mardel
(1696 - 1763). A grelha proposta era constituída por um sistema de vias claramente
hierarquizado e as ruas principais, alinhavadas ao eixo norte e sul, ligavam dois
espaços públicos marcantes: O Terreiro do Paço, atual Praça do Comércio, centro
político e econômico, e a Praça do Rossio.
Figura 9: Planta da Baixa Pombalina, de autoria de Carlos Mardel e Eugênio dos Santos (em amarelo), sobreposta à planta da Lisboa arruinada (em rosa ) Fonte: Arquivo do Museu da Cidade de Lisboa (em museu da cidade. pt, 2011)
Os elementos constituintes do projeto de reconstrução da Baixa
Pombalina são caracterizados pelos autores estudados como capazes de promover
a criação de uma malha dinâmica. Nessa perspectiva, França (1977, p. 26) afirma:
Os dois pólos da Baixa, o Terreiro do Paço e o Rossio, são definidos substantivamente e assumem o seu papel definitivo, ao ser possível alinharem-se aos seus lados poente que em todos os outros projetos se desencontravam, à maneira antiga. [...] Três ruas nobres sobem o Terreiro para o Rossio, sem interrupção, mas só as duas primeiras, do lado poente, desembocam na sua área. Assim, as três ruas do lado sul são apenas duas do lado norte, numa praça e noutra, tendo o Terreiro três acessos e o Rossio, em princípio, apenas dois. Mas, além de mais duas ruas de idêntico comprimento, no sentido S-N. A planta propõe três que chegando a linha sul do Rossio, não partem diretamente do Terreiro do Paço, mas nascem três quarteirões acima. Isso permite ativar o ritmo da malha urbana, evitando a sua monotonia para o que igualmente contribuem suas transversais, sete no total, mais três intervindo de maneira particular, pois definem blocos de casas de diferente configuração. A variação da largura das ruas e a variação de forma e da orientação dos quarteirões determinam um processo urbanístico dinâmico.
43
As construçõ
moderno urbanismo, caracterizavam inovações arquitetônicas e técnicas. Os prédios
reconstruídos deveriam ter como premissa programática básica a segurança anti-
sísmica, materializada num sistema estrutural voltado para reformular as antigas
formas edilícias. Estas se apresentavam através de geometria irregular, paredes de
alvenaria de pedra, em geral de má qualidade, e pisos de madeira. Os edifícios
-se de sistema de pré-fabricação de elementos
construtivos em larga escala: cantarias, revestimentos, carpintarias. Tal modo de
refazer a cidade foi possível graças à racionalidade do plano e dos edifícios.
O quadro, a seguir, registra a evolução das tipologias construtivas em
Lisboa. Nesse quadro, a figura de numero três (3) corresponde ao edifício
pombalino. Estudá-lo de modo mais aprofundado se tornou exigência do movimento
da pesquisa que referencia a elaboração desta dissertação, na medida em que tal
estudo possibilitou ampliar o campo de conhecimento sobre processos urbanos e
técnico-construtivos pertinentes aos edifícios que formam o Centro Antigo da cidade
de São Luís.
Figura 10 - Quadro sobre a evolução dos processos construtivos do edificado de Lisboa Fonte: CÓIAS (2007)
44
Figura 11 -
Fonte: CÓIAS (2007)
Em primeiro lugar, a compreensão do edifício pombalino requer, conforme
argumenta França (1977, p. 43), apreendê-lo como uma abstração no conjunto e
num contexto em que somente este deve contar: o conceito de prédio deve
ceder lugar aqui ao conceito de bloco, ou quarteirão, com a sua unidade programada
e nele reside a parte primordial da necessária encarnação urbanística". A
justificativa para o protagonismo dos blocos utilitários é explicitada pelo engenheiro
Manuel da Maia nos seguintes termos: defender a construção de igrejas e nobres
edifícios no tecido urbano, somente após os grandes blocos ou quarteirões, a
unidade construtiva da Baixa.
No projeto de construção da Baixa Pombalina, cada quarteirão tem, em
média, oito lotes e distinguem-se, de modo geral, em dois modelos: o de habitação,
ao Norte, o dos tribunais, ao Sul, separados por uma via denominada Rua da
Conceição. Os primeiros medem 71,0m x 25,5m com um estreito vazio central com
cerca de 45m x 2m. Já os blocos dos tribunais possuem, embora com algumas
variações, a medida de 59mx33m. Cóias (2007, p. 43) aponta que a definição do
tamanho das quadras deve-se a perspectiva da adoção de uma configuração anti-
sísmica, conforme os exemplos abaixo.
Figura 12 - Representação gráfica das dimensões antissísmicas recomendadas na reconstrução da Baixa Pombalina Fonte: CÓIAS (2007)
45
Figura 15 - Mapa da Baixa Pombalina (Lisboa) Fonte: Mapa de Arquitetura de Lisboa (2003)
Figura 16 - Foto aérea da Baixa Pombalina (Lisboa) Fonte: Google Earth (2011)
Figura 13 - Representação gráfica de modelos de quadra de habitação (à esquerda) e de quarteirões dos tribunais (à direita) -Reconstrução da Baixa Pombalina. Fonte: CÓIAS (2007)
Figura 14 - Representações gráficas de modelos tridimensionais de quadras da Baixa Pombalina Fonte: CÓIAS (2007)
Os quarteirões apresentam paredes principais de alvenaria de pedra ao
longo do contorno exterior do bloco, cuja espessura varia de 0,9 a 1,1m no nível do
térreo, reduzindo-se para cima, piso a piso.
46
Os planos das novas edificações exigiam e impunham esta organização,
na medida em que tinham dentre as suas referências centrais a produção e
utilização de elementos (cantarias, madeiramentos, ferrarias, carpintarias)
caracterizados pela uniformidade de suas dimensões18. Nada era produzido de
modo aleatório.
Em termos funcionais, os edifícios da região da Baixa Pombalina foram
pensados para abrigar usos comerciais no piso térreo e funções habitacionais nos
demais pavimentos. Originalmente, estes edifícios possuíam cinco pavimentos,
incluindo rés-do-chão e sótão, cuja altura da fachada equivale de modo aproximado
à largura das ruas principais. Cóias (2007, p. 70) esclarece:
O rés-do-chão dos edifícios era previsto em geral, para uso comercial. Devido às exigências crescentes dos utentes, estes espaços foram sendo objeto de profundas alterações. Do primeiro andar pra cima, o uso previsto era geralmente, habitacional, sendo a compartimentação ditada pela estrutura. As paredes estruturais de alvenaria de pedra e de frontal eram dispostas segundo um padrão regular, e as paredes divisórias simples, com mais liberdade.
Figura 17- Corte tipo para as ruas da Baixa Pombalina, de autoria de Eugênio dos Santos, 1756 Fonte: ROSSA (1998)
18De acordo com França (1977, p. 58) isso permitia - e sempre a economia e a urgência o obrigavam - a produzi-los em série, em oficinas montadas para o efeito, junto das obras ou distantes delas (porque elas se multiplicavam numa área já considerável), e mesmo na vizinhança de Lisboa - ou mais longe ainda. Assim, as peças de diversas espécies chegavam, a cada obra, já fabricadas ou talhadas nas medidas regulamentadas. As cantarias, os madeiramentos, as ferrarias, as carpintarias, eram transportadas até ao seu destino e havia apenas que os montar com um mínimo tempo de mão-de-obra, e sabendo que também já se poupara na matéria-prima.
47
Demarcados o desenho das quadras e o modo de desenvolvimento das
edificações, cabe agora explicitar a estrutura dos edifícios pombalinos mediante os
itens: coberturas, paredes externas e internas, pisos, dispositivos de ligação
(travamento dos elementos construídos) e fundações. De modo análogo, tais itens
são considerados na análise do patrimônio edificado e de obras representativas da
arquitetura luso-brasileira, de modo a ampliar as referências da análise sobre
restauração arquitetônica no Centro Antigo de São Luís.
As coberturas constituídas por telhados de telha cerâmica e estrutura de
madeira estão presentes na maior parte dos edifícios dos centros antigos de cidades
portuguesas. As pertinentes aos edifícios pombalinos não fogem a essa regra em
termos de materiais. Todavia, diferem em relação ao numero de águas e a presença
de mansardas ou trapeiras, as quais, na visão de Corona e Lemos (1972, p. 455)
significam abertura no telhado, guarnecida de caixilho, condição que permite ar e luz
ao interior da construção19.
Figura 18 - Desenhos de modelos de asnas e estruturas tridimensionais de edifícios pombalinos Fonte: CÓIAS (2007)
19 O autor caracteriza ainda como clarabóia ou janela de água furtada.
48
Figura 19 - Fotos de edifícios da Baixa Pombalina com trapeiras no telhado
Fonte: Registros fotográficos da autora (2011)
Estruturalmente, o edificado da Baixa Pombalina apresenta um sistema
de travamento tridimensional formado externamente pelas paredes principais em alvenaria de pedra e internamente pelas paredes de frontal denominadas também
de frontal pombalino. As paredes externas são compostas de alvenaria de taipal,
com pedras arrumadas com algum cuidado em meio à argamassa de cal aérea20.
Contornando a quadra e o saguão, ou o vazio do seu interior, as paredes
principais interligam-se, no nível do térreo, também por paredes de alvenaria de
pedra, porém menos espessas, medindo de 0,5 a 0,7m. Na medida em que se eleva
em direção ao segundo pavimento, a alvenaria das paredes exteriores passa a se
materializar através de uma estrutura em grade de madeira embebida na alvenaria.
No limite superior, as paredes são arrematadas por cimalhas e beirais.
Figura 20 - Maquetes da estrutura arquitetônica peculiar ao Edifício Pombalino Fonte: CÓIAS (2007)
20De acordo com Cóias (2007, p. 35), a cal aérea é um ligante que resulta da decomposição, pela ação da temperatura, de pedras calcárias com percentagem não inferior a 95 por cento de carbonato de cálcio e Magnésio. Endurece lentamente ao ar por reação ao dióxido de carbono. Em geral, não endurece na água, pois não possui propriedades hidráulicas.
49
As paredes das fachadas denotam autonomia entre seus elementos,
oriundos da pré-fabricação, na medida em que são descontínuos e articulados por
elementos como nembos e lintéis em arco reto ou curvo de tijolo ou ladrilho
cerâmico21. Os desenhos a seguir explicitam tal descrição.
Figura 21 - Desenhos de elementos estruturais da fachada do Edifício Pombalino Fonte: CÓIAS (2007)
A parede de frontal é um sistema estrutural misto de alvenaria e
madeira, que consiste num reticulado de elementos em madeira travados por cruzes
de Santo André, duas peças em X, usadas para reforçar quadros estruturais,
também em madeira (CORONA; LEMOS, 1972, p. 152), apoiada em elementos de
alvenaria, no nível do primeiro pavimento, a exemplo, dos arcos no teto dos
pavimentos térreos. Trata-se da gaiola pombalina propriamente dita. Solução
satisfatória, comprovada pela sua permanência e utilização ao longo dos séculos, ou
ainda um sistema extremamente engenhoso na sua simplicidade de princípios e
na sua realização prática (FRANÇA, 1977, p. 60). Os frontais inserem-se,
geralmente, segundo dois planos longitudinais aos quarteirões de modo a dividir o
Edifício em três espaços desiguais. Cóias (2007, p. 74) aponta: a gaiola de
madeira, ligando diferentes elementos da construção, impede que se separem e, ao
mesmo tempo, tendo certa elasticidade, amortece os efeitos dos choques .
As figuras abaixo, compostas por desenhos e registro fotográfico de um
edifício situado na Baixa Pombalina, explicitam dois tipos de frontais segundo a
disposição dos prumos, travessanhos e diagonais.
21Nembo, de acordo com Corona e Lemos (1972, p. 170 - 337), é o pano de parede ou maciço de alvenaria situado entre dois vãos de portas. Já dintel, segundo os mesmo autores, é a verga superior da porta ou da janela, assentada sobre as ombreiras e executada nos mais variados materiais.
50
Figura 22 - Representação gráfica e foto do Frontal Pombalino (Gaiola Pombalina) Fontes: CÓIAS (2007);; (APPLETON e DOMINGOS, 2009)
Os pisos dos edifícios pombalinos são constituídos por vigamentos de
madeira, comumente de 14x16 cm, afastadas entre 30 a 40 cm. Registra-se,
antecipadamente, que esta definição e condição arquitetônica encontram-se ou
repetem-se de modo muito semelhante na maioria das edificações que conformam o
Centro Antigo de São Luís.
Outra modalidade comum e recorrente no Edifício Pombalino é a
estruturação do piso do primeiro pavimento sobre abobadas de alvenaria de pedra
do térreo.
Cóias (2007, p. 75) acrescenta que certas zonas da sustentação do
soalho quando feitas por pilares, as abóbodas podem ser completadas no
alinhamento destes pilares por arcos. Ou, como acontece frequentemente nos
sobrados do Centro Antigo de São Luís, o teto pode ser constituído por vigamento
de madeira assentado sobre arcos de pedra parelhada ou de tijolaria cerâmica.
51
Figura 24 - Foto da arcada do térreo de um Edifício Pombalino, em Alfama (Lisboa) Fonte: Registro fotográfico da autora (2011)
No tocante aos dispositivos metálicos de ligação, estes possuem papel
fundamental no funcionamento da edificação, pois permitem efetivo travamento dos
elementos entre si. Na linha de argumentação de Cóias (2007, p. 77), isto ilumina
hipóteses mais coerentes acerca do funcionamento da gaiola pombalina.
Nos edifícios pombalinos existe um variado conjunto de elementos metálicos e de madeira destinados a assegurar essa boa ligação. Este fato contraria uma ideia preconcebida, que se encontra, de forma recorrente, na literatura sobre o edificado pombalino, segundo a qual os edifícios estariam preparados para permitir o desmoronamento das paredes principais para o exterior, mantendo-se a gaiola de pé, protegendo, assim, as pessoas e bens existentes no seu interior. Ao contrário, tudo está previsto para que o edifício resista como uma caixa tridimensional solidamente interligada, como, de resto, recomendam as diretivas atuais sobre construção anti-sísmica.
Também é importante evidenciar que, do lado exterior da grade de
madeira atrela-se, por meio de dispositivos metálicos, às molduras de cantaria dos
vãos. São elementos fixados na madeira e chumbados na pedra entre as juntas das
peças de cantaria. Essas ligações se dão ainda entre as paredes frontal e os pisos
de madeira, entre estes e as paredes principais, entre estas e as paredes em frontal,
como demonstram as figuras a seguir:
Figura 23 - Representação gráfica da estrutura do teto de -do-
Fonte: CÓIAS (2007)
52
Figura 25 - Maquetes representativas de ligações feitas por dispositivos metálicos em Edifício Pombalino Fonte: CÓIAS (2007)
Finalmente, as fundações estruturam-se sob a forma de uma trama de
troncos de madeira22 dispostos sobre estacas do mesmo material. Ao mesmo tempo,
existem casos em que o edifício se apoia em antigas ruínas ou restos de
construções anteriores ao terremoto. As estacas alcançam, neste caso, a
profundidade quando o substrato construtivo antigo não apresentava solidez
suficiente. Já nos locais de solo menos resistente, é comum transmitir os esforços do
pavimento térreo por meio de arcos de fundação.
Figura 26 - Representações gráficas de modelos de fundação de Edifícios Pombalinos Fonte: CÓIAS (2007)
22Cóias (2007, p. 70) assim disserta sobre as medidas das fundações: As estacas em geral se dão por meio de quatro fiadas paralelas, com um afastamento entre elas de 0,3 ou 0,40m. A trama ou engradado de madeira é constituído por uma primeira camada de troncos de pinho com cerca de 0,15m de diâmetro, dispostos longitudinalmente, e por uma segunda camada, disposta transversalmente. Os troncos apresentam entalhes nos pontos de cruzamento, sendo o conjunto fixado com pregos de ferro forjado com cerca de 0,3 a 0,4 de comprimento .
53
A observação direta de expressões do edificado pombalino, possibilita, a
meu ver, afirmar, tal como fazem Appleton e Domingos (2009, p. 11), que a
originalidade da intervenção pós-sismo em Lisboa está na conjugação de diversos
níveis na elaboração do plano urbano-arquitetônico: da escala da cidade até o
pormenor da cantaria. Trata-se de um plano total que integra o desenho urbano, o
desenho arquitetônico, o pormenor construtivo, resolvendo até os problemas de
produção dos elementos construtivos.
Figura 27 - Foto de edifícios na Baixa Pombalina (Lisboa - 2011) Fonte: Registro fotográfico da aluna (2011)
54
Figura 28 - Fotos de edifícios da Baixa Pombalina (Lisboa - 2011) Fonte: Registro fotográfico da autora (2011) A Colônia, São Luís
Como já explicitado nesta dissertação, entre as ruas que se entrecruzam
ortogonalmente, oriundas do projeto desenvolvido, em 1615, pelo Engenheiro-Mor
Francisco Frias de Mesquita, surgiram, em meio às igrejas, fortes e fontes,
constituindo uma tipologia típica das moradas de grupos sociais economicamente
privilegiados, edificações que atribuíram significativas particularidades históricas,
urbanas e arquitetônicas ao Centro Antigo de São Luís.
Do ponto de vista do edificado construído, trata-se de arquitetura que
mantém cravada nas paredes de pedra e vãos de cantaria externos a surpresa de um
interior avarandado, venezianado e aberto para a natureza. Interior e exterior: dimensões construtivas que reverberam a histórica relação entre a Metrópole
(exterior) e a Colônia (interior).
Se do lado de fora, os sobrados que conformam as ruas do Centro Antigo
demonstram força, rigidez a disciplina formal típica do estilo pombalino português, o
interior integra luz, dá-se arejado e despojado. Isto se materializa nos pátios em
forma de C, O, U, L margeados pelos interiores avarandados de sobrados, meias-
moradas e moradas inteiras.
55
A ocupação dos lotes encontra-se determinada por dois fatores. O
primeiro deles, de origem mais geral, mantém relação com o urbanismo colonial
típico de cidades brasileiras, como São Luís e Salvador, densamente influenciado
pelos exemplos portugueses de fazer cidade23. O segundo fator, diz respeito a um
processo local. Sobre este, Martins (2005, p. 70) esclarece: apesar da regularidade
das quadras, os lotes ficavam irregulares24 na medida em que os modos de acesso
aos terrenos urbanos precisavam moldar-se às definições da Câmara Municipal.
O interessado em terreno dentro da cidade solicitava-o à Câmara, que enviava um funcionário para vistoriar e emitir parecer. Aprovado o pedido, era feito um ritual de posse, cuja principal função era anunciar aos vizinhos e moradores da cidade que aquele terreno passaria a pertencer àquela pessoa. [...] Candidatos a residentes solicitavam pequenos lotes no meio de lotes maiores, o que permitiu moradias populares, de porta e janela, junto a construções de médio porte, como meia morada, ou de grande porte, morada inteira ou sobrados.
Os mapas a seguir registram duas expressões da configuração urbana do
atual Centro Antigo de São Luís. A primeira, da metade do século XVII, apresenta o
desenho de quadras e lotes como fatos urbanos já presentes. A segunda, uma foto
aérea e um mapa da região tombada do Centro, demonstram a permanência do
traçado original, cristalizado por meio de quadras regulares, geralmente de 80x80m, e
dos estilos das edificações que as compõem, reiterando assim a preponderância
inquestionável do estilo colonial-português.
23Nesse sentido, Silva F. (1998, p.32) apresenta a seguinte ponderação: [...] fundada no regime escravista, quer para a construção, quer para o uso, a habitação urbana tradicional correspondeu a um tipo de lote padronizado e este a um tipo de arquitetura bastante padronizada, tanto nas suas plantas, quanto nas suas técnicas construtivas. Este esquema não é tipicamente brasileiro. Suas origens situam-se no urbanismo medieval-renascentista de Portugal. As condições locais apenas selecionaram entre os modelos importados os de maior convivência, desenvolvendo-os em termos de parcela do mundo luso-brasileiro. 24O padrão inicial dos lotes era de cinco braças de frente por quinze braças de fundo, o equivalente a onze metros de frente por trinta e três metros de fundo. Tais medidas geravam lotes reminiscentes de pequena metragem, os quais acabam sendo solicitados para construções de menor porte como porta e janela. Assim explica-se a grande variedade de tipologias no Centro da cidade permitindo a existência de uma porta e janela ao lado de um sobrado. (MARTINS, 2005)
Figura 29 - Representação gráfica da implantação de edificações nos lotes/Plantas tipológicas de partidos - Arquitetura Luso-Brasileira, em São Luís Fonte: SILVA F. (1998)
56
Figura 30 - Maragnon In ZuidAmérica van west van Brasil Fonte: REIS FILHO, 2000.
Figura 31 Mapa do Centro Histórico de São Luís Fonte - ANDRÈS, 1998.
57
Aproximando-nos das edificações percebemos que suas fachadas encerram expressiva apropriação de referências compositivas da metrópole
portuguesa, através de contornos formais e da supremacia dos cheios sobre os
vazios, muitas vezes emoldurados em cantaria de lioz. Tal aparelhamento funciona
como elemento estrutural do vão. No térreo, quando se trata de sobrados, dá-se a
predominância das portas sobre as demais envasaduras, na medida em que a
função desse espaço arrimava-se no comércio.
Sobre a rigidez compositiva das fachadas, Silva F. (1998, p. 33) assim
comenta:
As frentes, expostas ao público são fechadas, formais, e exibem respeito e austeridade: a Metrópole - nas salas de visitas, alcovas e dormitórios, no equilíbrio e simetria das fachadas, nos barrados e simulacros de capitéis de origem renascentista, na forja das bizarras grades do renascimento espanhol, no lioz estrutural dos vãos, na azulejaria de fabricação lisboeta, na supremacia do cheio sobre os vazios e, até mesmo, nas forrações fechadas, próprias do clima frio.
Figura 32 - Reprodução de fotos evidenciando contraponto entre detalhes de fachada e o interior avarandado em dois sobrados do Centro Antigo de São Luís Fonte: Edgar Rocha, SILVA F. (1998)
As imagens, a seguir apresentadas, demonstram uma peculiaridade que,
a meu ver, constitui uma dimensão singular e definidora da essência arquitetônica dos
casarios do Centro Antigo de São Luís: a oposição entre o exterior formal e o interior
avarandado, mais informal.
58
A diversidade tipológica peculiar ao acervo arquitetônico do Centro
Antigo não apresenta significativas variações em relação ao agenciamento dos
cômodos. Prevalece o uso de um vestíbulo central ou lateral no térreo, que se
apresenta mais amplo nos sobrados, geralmente dividido por uma arcada ou em
tábua recortada e polida. Desempenha a função distribuidora para os outros
espaços da casa. No corpo principal das residências tradicionais situam-se os
aposentos nobres e a sala de visitas voltada para a rua, a alcova central e a varanda
voltada para o pátio interno de serviços.
Quando o prédio não apresenta partido retangular, os cômodos
secundários localizam-se nas alas laterais, onde a última dependência é,
geralmente, destinada à cozinha. Tal articulação desencadeia a separação entre os
usos social, familiar, serviços e apresenta uma setorização regular, nas quais os
aposentos nobres os secundários, os fundos.
Figura 33 - Fotos de tipologias arquitetônicas do Centro Antigo de São Luís (2010) Fonte: Registro fotográfico da autora (2010)
Figura 34 - Fotos de tipologias arquitetônicas do Centro Antigo de São Luís (2010) Fonte: Registro fotográfico da autora (2010)
59
As plantas térreas geralmente se repetem nos pavimentos superiores
como decorrência do próprio sistema estrutural. Vale ressaltar que, nos sobrados
maranhenses, à moda do que aconteceu em outras cidades como Recife , os
pavimentos superiores foram destinados à habitação e o térreo ao comércio,
havendo ainda, em muitos sobrados, a presença de porões25.
Figura 37 - Representação gráfica de um sobrado da Rua Formosa no Centro Antigo de São Luís Fonte: SILVA F. (1998)
25O porão, resultado de uma topografia mais acidentada, era reservado às cocheiras, depósito e instalações dos escravos, verificando-se também a presença de senzalas em algumas casas de São Luís. É pertinente também reconhecer que, para além das especificidades da arquitetura colonial civil em São Luís, como a presença de azulejos portugueses na fachada, trata-se de um partido arquitetônico, cujas características centrais replicavam-se em muitas cidades brasileiras, a exemplo do Rio de Janeiro e Recife. SILVA FILHO (1970b, p. 28), descrevendo um modo de habitar que dependia essencialmente da presença constante da mão de obra escrava, esclarece que no Brasil: Os principais tipos de habitação eram o sobrado e a casa térrea. Suas diferenças fundamentais consistiam no tipo de piso: assoalhado no sobrado e de chão batido na casa térrea. Definiam-se assim as relações entre os tipos de habitação e os estratos sociais: habitar um sobrado significava riqueza e
quando não eram utilizados como lojas, deixavam-se para acomodação dos escravos e animais ou ficavam quase vazios, mas não era utilizados pelas famílias dos proprietários .
Figura 36 - Foto de vestíbulo lateral de um sobrado no Centro Antigo de São Luís (2006) Fonte: Registro fotográfico da autora (2006)
Figura 35 - Foto do corredor de entrada de um sobrado no Centro Antigo de São Luís (2006) Fonte: SILVA F. (1998)
60
Figura 38 - Planta do porão de um Sobrado da Rua Formosa no Centro Antigo de São Luís Fonte: SILVA F. (1998)
Figura 42: Plantas típicas, porta e janela (esquerda) e meia-morada (direita) - Centro Antigo de São Luís Fonte: SILVA F. (1998)
Figura 41 - Planta do segundo pavimento de um Sobrado da Rua Formosa no Centro Antigo de São Luís Fonte: SILVA F. (1998)
Figura 39 - Planta do térreo de um Sobrado da Rua Formosa no Centro Antigo de São Luís Fonte: SILVA F. (1998)
Figura 40 - Planta do primeiro pavimento de um Sobrado da Rua Formosa no Centro Antigo de São Luís Fonte: SILVA F. (1998)
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As duas figuras abaixo permitem entrevê a riqueza da multiplicidade dos
partidos arquitetônicos presentes no Centro Antigo de São Luís:
Legenda: 1. Casa térrea; 2. Térrea e Porão; 3. Térrea e Mirante; 4. Térrea, porão e mirante; 5. Dois Pavimentos; 6. Dois
Pavimentos e porão; 7. Dois Pavimentos e Mirante; 8. Dois Pavimentos, porão e mirante; 9. Três Pavimentos; 10. Três
Pavimentos e porão; 11. Três pavimentos e Mirante; 12. Três Pavimentos Porão e Mirante; 13. Dois Pavimentos; 14. Sobrado
com mezanino; 15. Sobrado com sótão; 16. Quatro Pavimentos
Legenda: 1. Porta e Janela; 2. Meia morada; 3. 3/4 de morada; 4. Morada Inteira; 5. Morada e meia; 6. Meia morada e
comércio; 7. Térrea e comércio; 8. Térrea e mirante; 9. Térrea e porão; 10. Térrea de porão e mirante; 11. Casa de porão alto;
12. Dois Pavimentos; 13. Dois Pavimentos e porão; 14. Dois Pavimentos e Mirante; 15. Dois Pavimentos, porão e mirante; 16.
Três Pavimentos; 17. Três Pavimentos e Mirante; 18. Três Pavimentos e Porão; 19. Três Pavimentos, porão e mirante; 20.
Quatro Pavimentos
Figura 43 - Representação gráfica de esquema em corte das tipologias dos partidos presentes no Centro Antigo de São Luís Fonte: SILVA F. (1998)
Figura 44 - Representação gráfica de tipos de casas e sobrados presentes no Centro Antigo de São Luís Fonte: SILVA F. (1998)
62
No tocante as coberturas, em muito pode se dizer que estas derivam dos
modelos portugueses, e mais modernamente pombalinos, conforme já demarcado
neste item da dissertação que ora apresento. Isto transparece, principalmente, no
que diz respeito à composição material (telhas de barro e estrutura de madeira),
bem como no desenho das tesouras. O alinhamento das cumeeiras se dá
paralelamente às ruas, de modo
o interior do lote, nunca para o vizinho.
Figura 45 - Representação gráfica do esquema geral dos telhados das edificações do Centro Antigo de São Luís Fonte: SÃO LUÍS-SEVILLA (2008)
Vendo-se parte do Centro Antigo do alto, é possível perceber a constante
concordância das águas através de rincões e espigões. Os mirantes afirmam-se
como um volume marcante ao longo das coberturas de muitos casarões, em duas
ou quatro águas. Internamente os beirais das casas se alongam estruturados por
Figura 46 - Representação Gráfica de Mirantes - Centro Antigo de São Luís Fonte: SÃO LUÍS (2008)
Figura 47 - Fotos de Telhados. Vista da Praia Grande - Centro Antigo de São Luís (2007) Fonte: Registro fotográfico da autora (2007)
63
Faz-se presente no limite mais externo do beiral o elemento de nome
galbo. Conceituado, segundo Corona e Lemos (1972, p. 236), como o mesmo
que contorno elegante, curva agradável, que concorda duas retas concorrentes . Em
arquitetura, o termo é mais aplicado para designar o perfil resultante da introdução
do contrafeito26
momento que interceptam o plano formado pelos cachorros horizontais. As linhas de
interseção entre o beiral e a fachada da edificação muitas vezes se dá pela
presença de cimalhas, sendo algumas de lioz lavrado.
Nas fachadas do casario maranhense, destacam-se fulgurantes sacadas e grades de ferro compondo diferentes formas de locação sobre os vãos. Muitas
das sacadas encontram-se dotadas de corrimãos de madeira. Segundo Vieira Filho
(1997), eram comumente arrematados por pinhas (estas quase não existem mais).
As fachadas também possuem bacias de pedra portuguesa perfuradas no batente
da porta para escoamento de águas pluviais por meio de canos. Os balcões apresentam composições variadas, vistas e descritas por Rodrigues
(1975, p. 316) da seguinte forma: S. Luís do Maranhão possui variada coleção de
ferros em estilo Luís XV, verdadeiros modelos de arte e gosto. Possui também
notáveis cornijas e belos vestíbulos, sendo abundante na cidade o mármore de lioz.
Figura 48 - Fotos de vistas e detalhes de gradis e cimalhas em edificações do Centro Antigo de São Luís Fonte: Registros fotográficos da autora (2009) e foto com detalhe do ano de 1845 de Edgar Rocha
26Ainda segundo Corona e Lemos (1972), contrafeito corresponde ao nome de qualquer elemento de madeira que suavizam os ângulos formados pelas pernas da tesoura ao cruzarem-se com os cachorros.
64
Figura 49 - Reproduções de fotos de tipos de alvenaria encontrados em edificações do Centro Antigo de São Luís Fonte: Silva F. (1998)
Um fato determinante de certas características do sistema construtivo das
edificações do Centro Antigo de São Luís diz respeito à presença na região, à
época, de abundantes jazidas de arenito ferruginoso, muito usado na estruturação
das paredes mestras das casas, bem como de sambaquis, fornecedores da matéria
prima para a fabricação de cal. As paredes de maior espessura, entre 50 cm e 1,30
m, compunham, essencialmente, as paredes externas das casas. Muitas vezes,
seguindo características dos edifícios pombalinos, portavam divisórias em tijolo de
adobe e taipa27 de mão articuladas por estruturas do tipo Cruz de Santo André28.
A seguir, referenciada nas pesquisas de Silva F. (1998), elenco cinco
exemplos de estruturação de paredes encontradas no Centro Antigo de São Luís.
Da esquerda para direita: Estrutura do tipo Cruz de Santo André, com enchimento de barro; Parede estruturada com trilhos de ferro (pau-de-ferro) e enchimento de adobe à feição do pau a pique; Casa na ladeira do Jacaré em Alvenaria de pedra, adobe e taipa de pilão; Alvenaria de pedra com arco de tijolos no Convento das Mercês; Frontal à galega/Taipa de varas em casa de porão alto.
27De acordo com os estudos de Silva F. (1998, p.100 a taipa de pilão ocorre com raridade e sempre nas construções mais antigas. Os relatos históricos dão conta de uma boa quantidade de prédios públicos, privados e igrejas construídos nesse sistema, apesar de inadequado para regiões de muita chuva Tal sistema aparece também nas paredes de mirantes e nos parapeitos das circulações voltadas para o pátio interno das residências. 28Podemos perceber semelhanças entre a alvenaria principal de pedra dos imóveis portugueses e a presença dos frontais pombalinos no seu interior equivalendo às nossas paredes de taipa, destacando-se, inclusive o fato da estrutura em Cruz de Santo André, no Centro Antigo de São Luís, não ser utilizada em fachadas, mas como
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Figura 50 - Foto de assoalho do segundo piso de sobrado localizado no Centro Antigo de São Luís (2006) Fonte: Registro fotográfico da autora (2006)
Figura 51 - Foto de vigas em madeira de sobrado localizado no Centro Antigo de São Luís Fonte: Registro fotográfico da autora (2010)
Os pisos também se constituem elementos que apresentam
peculiaridades a serem apreendidas e demarcadas. Quando no térreo,
principalmente nos vestíbulos, apresentam-se geralmente em pedra de lioz. Já nos
pavimentos superiores, as marcas da arquitetura portuguesa29, em especial da
arquitetura dos edifícios pombalinos, aparecem no piso através dos tabuados
corridos sustentados por vigas de madeira.
Azulejos nas fachadas, uma das manifestações mais características
da cultura portuguesa, é quesito fundamental da composição arquitetônica de casas,
sobrados e palacetes do Centro Antigo de São Luís. É tão impressionante a força
dessa presença que levou São Luís a ficar conhecida como
Além do efeito estético e riqueza cromática, o azulejo se assenta como uma pele
porcelanada nas fachadas dos edifícios de modo a protegê-los das intempéries. São
azulejos confeccionados segundo as técnicas da estampilha, decalcomania e
majólica.
29Segundo Rodrigues (1975, p. 287), vários povos como o latino, o visigodo e o árabe. Adquiriu uma sólida tradição de construção constante em seus defeitos e qualidades, definitiva como a própria raça. Seja ela simples, no conjunto da cidade ou povoado, como a pedra minúscula de um mosaico; isolada, no campo o casal, a moradia do lavrador; ou mesmo, tendo sinais de apuro, como nos solares, conserva sempre as linhas tradicionais. As cidades pombalinas como as da rua Augusta em Lisboa, ou, em lugares extremos como Bragança e Faro, com seus peculiares atavios, antes de ser regionais, são casas Dentre as particularidades destas casas, destaca o autor: paredes lisas, vãos bem distribuídos e telhados simples; às vezes, uma varanda, quase sempre a chaminé de uma lareira. Para ele, pois feita em boa fé e despida de artifícios a acessórios inúteis, sendo equilibrada pelo bom senso, a casa aparece sempre brotando do chão ou intimamente integrada ao bloco que a envolve . Sobre as casas urbanas, o autor diz acomodadas entre si em ruas e praças, ou aconchegada em vielas, enfeitam-se de grades portadas molduras, águas-furtadas e pouco mais. Algumas evocam o faustoso
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Figura 52 - Reprodução de fotos de azulejos constantes do Catálogo de Azulejos da Fábrica Devezas (Porto-Portugal) Fonte: CALADO (1998)
Figura 53 - Reprodução de fotos de alguns tipos de azulejos encontrados nas fachadas de edificações do Centro Antigo de São Luís Fonte: Catálogo dos Azulejos de São Luís (2004)
A disposição dos azulejos nas fachadas é do tipo tapete, que significa a
repetição de um determinado padrão. Segundo Andrès (2000, p. 45), a maior parte
da azulejaria encontrada nas fachadas dos sobrados do Centro Antigo de São Luís é
de origem portuguesa. Calado (1998, p.13.) reitera a importância artística do azulejo,
abordando-o fenomenologicamente. Diz ele: Efectivamente, entre nós, o azulejo tem sido sobretudo entendido como um elemento com excepcionais condições para garantir a animação das superfícies com
para reflectir a luz que recebe. Para além desse efeito reflector, a superfície vidrada proporciona o espelhamentoque vai sugerindo novas formas em permanente mutação cintilante (subtil, indirecta e misteriosa), enquanto vai mantendo imagens sobrepostas da estrutura ritmada com a própria decoração. Este fenômeno, que depende directamente da incidência de luz solar e do acidental, assegura situações de misterioso imprevisto, em constante mutação, cujo permanente espetáculo, acaba por constituir uma qualidade intrínseca dos exemplares da arquitetura azulejada. Por isso, através do uso interior e exterior do azulejo, foi Possível conseguir que, em Portugal, a luz passasse a ser matéria da própria arquitetura.
67
Figura 54 - Fotos das cidades de São Luís e Lisboa (2011) Fonte: Registros fotográficos da autora (2011)
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5 6
Legenda: 1. Sobrado, São Luís; 2. Detalhe azulejo, São Luís 3. Edifício na Baixa Pombalina, Lisboa; 4. Detalhe azulejo, Lisboa;
5. Edifício azulejado, Lisboa 6. Sobrado azulejado, São Luís
Estas evidências empíricas pertinentes ao edificado urbano ilustrado
nestas fotos poderia justificar a pergunta: São Luís ou Lisboa?
2
3
4
68
2.3 Abandono arquitetônico no Centro Antigo: materialidades
Como indiquei na Introdução desta dissertação, o estudo sobre
expressões e desafios da restauração arquitetônica no Centro Antigo de São Luís
me levou a lidar com o seu - possível - oposto: o abandono. Não que esta aresta
analítica, a degradação arquitetônica, estivesse ausente da investigação. Afinal, é
esta condição da existência física da edificação, que a atividade do restauro
pretende reverter, frear, evitar. Mas, conforme foram se desenvolvendo os meus
estudos teóricos e se amiudando as visitas a campo, verifiquei que aspectos
teóricos, políticos e empíricos próprios ao objeto de estudo, encontram-se
embebidos numa complexa condição, que se manifesta permeada por abandono,
degradação e restauros.
Em relação à teoria, destaco a proposição de que aspectos da
deterioração arquitetônica configuram-se como passíveis de existir no decorrer do
ser no mundo do monumento, a exemplo das análises de John Ruskin e Alois Riegl,
delineadas no Capítulo 3 da presente dissertação. Nessas análises, destaco a
sensibilidade da obra ruskiniana, na qual a beleza de um edifício se materializa
proficuamente apenas na idade de quatro ou cinco séculos. Para Ruskin, é preciso
que o tempo imprima suas marcas na obra, cuja consequente vetustez não deverá
ser encarada como propriedade perniciosa, mas como elemento a ser conservado.
No tocante ao real concreto, relevo as evidências de abandono
arquitetônico encontradas, mediante pesquisa documental e observação direta de
um cenário urbano que contém ruínas e degradação, a despeito das políticas de
preservação e revitalização do Centro Antigo, abordadas no próximo capítulo desta
dissertação, e, no seu âmbito, das iniciativas de restauro arquitetônico, que vêm se
desenvolvendo em grande essência desde a segunda metade da década de 1970.
Assim, ao longo das visitas a campo, primeiro com o objetivo de escolha
dos edifícios suscetíveis de serem estudadas sob o viés da trajetória do projeto de
restauro, depois mediante o estudo das obras escolhidas, constatei, no conjunto
edificado em questão, expressões do abandono e da degradação arquitetônica, para
além das obras representativas de bens restaurados. Então, a pesquisa se cristalizou
como uma pintura: em meio às figuras
estrutura-se um fundo marcado pelo desamparo, abarcando figuras decantadas, em
69
Sem perder de vista que, para além da matéria e degradação edilícia, o
abandono arquitetônico é determinado e mediado por dimensões urbanas, políticas,
sociais e culturais, este item coteja temas e dados empíricos que contribuem na
demarcação do estado desse abandono no Centro Antigo de São Luís.
Então, neste momento, disserto considerando os seguintes pontos:
O primeiro diz respeito às dinâmicas urbanas mais gerais que levaram o
Centro Antigo a perder centralidade, ao mesmo passo em que, contraditoriamente,
conseguiu, em grande medida, escapar dos ideais modernizantes presentes em São
Luís, a partir da década de 1930;
O segundo relaciona-se ao registro de expressões concretas do mal
estado de conservação e de degradação de muitas edificações do Centro Antigo;
O terceiro busca identificar como a mídia impressa local retrata a
materialidade do abandono no Centro Antigo;
Por fim, na medida em que entendo o levantamento do existente como
um elo fundamental da sequência metodológica do restauro arquitetônico, o quarto
ponto reúne indicações que compuseram um dos itens de análise das obras de
restauro estudadas no Capítulo 4 desta dissertação.
Como já indicado, a partir do final da década de 1930, processos
econômico-políticos, socioculturais e urbano-territoriais passaram a incidir sobre o
conjunto edificado do Centro Antigo de São Luís, expressando e produzindo
elementos indicativos do começo de fortes alterações nas relações e modos de vida
dessa parte da cidade, apreendidas por muitos como o início de uma fase de
decadência. De acordo com Burnett (2008), três fases contribuíram para tal
decadência:
a) Crescente diversidade de funções na Praia Grande e criação de
novas zonas residenciais em meados de 192030 - nesta fase ter-se-
ia iniciado o afastamento de famílias integrantes da elite
ludovicense do núcleo embrionário do Centro Antigo em razão das
este espaço passara a abrigar de modo
progressivo: função comercial, residencial, portuária, etc.;
30Na linha analítica de Burnett (2008, p. 94), incentivado e apoiado pela Prefeitura Municipal, esse movimento inicia-se em meados dos anos 1920 com a instalação dos serviços de esgotos em novo setor da cidade, contíguo ao núcleo original (O REGULAMENTO...,1926), e institucionaliza-se em 1930 com a delimitação, pelo Decreto 330 (São Luiz, 1938), de uma nova zona residencial compreendida pelas ruas de Santana, Passeio, Ribeirão, São Pantaleão e Direita, onde medidas legais intentam impedir a presença de construções populares, como cortiços e casas térreas, e incentivam a renovação arquitetônica.
70
b) Utilização do automóvel e advento de novos modos de morar -
nesta fase destaca-se a presença do Estado na ampliação da
malha viária da cidade;
c) Configuração de outros vetores de expansão da cidade, nos anos
de 1960 e 1970.
De fato, a construção da Ponte do São Francisco sobre o Rio Anil, no final
dos anos 1960, orientou a expansão da cidade para o outro lado desse rio, em
direção às praias. Como propõe Venancio (2002, p. 4) pode-
da década de 1970, São Luís
, onde começa a ser construída
O Plano Diretor de São Luís de 1975 reafirmou a área do Itaqui Bacanga
para , o Porto de Itaqui, e acolher famílias de trabalhadores
remanejados de outras áreas da cidade. Orientado por uma perspectiva
desenvolvimentista, mediante o incentivo a construção de polos industriais,
objetivando, também, maior controle da apropriação e usos da terra urbana,
elaborado sob a coordenação do arquiteto russo Vit Olaf Prochnik, se apresentava:
[...] como um esforço no sentido de fornecer à cidade e à sua área os elementos básicos para iniciar um processo de planejamento coerente com as perspectivas que ora se lhe apresentam. O espaço geográfico e a população de São Luís receberão, sem dúvida, forte impacto nos próximos anos com o Projeto Carajás e a Siderúrgica de Itaqui. (SÃO LUÍS, 1977, p. 6)
A Praia Grande, com a perda da sua importância portuário-comercial,
experimentou o declínio do seu vigoroso comércio e a perda do valor imobiliário da
região. É importante enfatizar que, nos anos de 1960, em São Luís, algumas
décadas depois em que o prédio de apartamentos emergiu no Brasil, foi construído o
Edifício Caiçara, em plena Rua Grande.
Figura 55 - Perfil da área central de São Luís, com destaque para o Edifício Caiçara (2006) Fonte: Registro fotográfico da autora, 2006
71
Trata-se de um modo de morar que rompia com a morfologia do tecido
urbano tradicional (FIGUEIREDO, 2006), construído, como já explicitado, tendo
como referência a arquitetura civil portuguesa, especialmente o edificado pombalino.
Também as casas31 edificadas na Avenida Beira-Mar, na Rua das Hortas, nos
bairros do Apicum e Monte Castelo representavam os ideais modernistas presentes
na arquitetura residencial da cidade.
A desvalorização imobiliária, a perda de status como área residencial e
contribuíram, de
maneira relevante, para levar muitos proprietários a vender, alugar ou abandonar
seus imponentes casarios coloniais edificados no Centro Antigo da cidade32.
Assim, o conjunto paisagístico e arquitetônico luso-brasileiro edificado em
São Luís conseguiu escapar da onda de modernização que envolveu a cidade, mas
não das dinâmicas de degradação e abandono. De fato, a perda de centralidade das
chamadas áreas centrais urbanas é um processo mais geral, na medida em que ele
também se manifesta em diversas cidades do mundo e do Brasil. Integrando um
quadro mais amplo de situações econômicas, políticas, culturais e urbanas, áreas
centrais e os sítios históricos aí contidos passaram a experimentar, principalmente,
ao longo da primeira metade do século XX, situações de abandono e degradação,
apoiadas numa peculiar forma de desvalorização da riqueza construída.
31Nesse âmbito, se destacam os projetos do arquiteto Cleon Furtado como uma das importantes contribuições à configuração da arquitetura residencial modernista em São Luís. (MIRANDA MARTINS, 2005). 32Sobre as dinâmicas que contribuíram para a desvalorização dos sobrados e do Centro Antigo de São Luís, principalmente das áreas da Praia Grande e do Desterro, Lopes (2008) enfatiza ainda o aumento da presença de cortiços, ocupados por segmentos da população pobre, e a destinação, pelo Estado Novo, de parte destas duas áreas para a concentração do meretrício, criando-se assim uma zona de prostituição legalizada, que incentivou o afastamento de muitas famílias ali residentes.
Figura 56 Fonte: Prefeitura Municipal de São Luís
72
Na visão de Zancheti (2005, p. 5): A perda de prestígio econômico das áreas centrais históricas vem acompanhada de uma diminuição drástica da inversão pública em infraestrutura, equipamentos urbanos e manutenção dos espaços públicos e tem como uma de suas consequências a desvalorização da riqueza construída pública e privada da comunidade. Grande parte do estoque acumulado durante anos entra em processo de obsolescência, sem possibilidade de voltar a gerar riqueza. Ocorre, de fato, uma enorme transferência de riqueza das áreas velhas para as novas áreas de centralidade, por meio da redução do valor da propriedade na primeira, e o aumento na segunda. O aparente ganho de riqueza nas novas áreas é compensado pela sua diminuição nas áreas velhas. É um jogo de soma zero, que pode comprometer o desempenho econômico e a eficácia das cidades.
Com o desprestígio das áreas históricas no tocante ao uso residencial
pelas classes ricas ou extratos superiores da classe média urbana, seguido e
reforçado pela perda do valor imobiliário e cultural dos (velhos) centros das cidades,
experiências urbanas, valores e usuários (trabalhadores e moradores) novos
passaram a constituir a dinâmica dos antigos centros garantindo, ainda que
mediante formas precárias de usos, sua sobrevivência33.
Do ponto de vista objetivo e arquitetônico, o leque de determinantes até
aqui delineados passou a se manifestar nos conjuntos edificados dos centros
antigos através de demolições, desabamentos, arruinamentos, presença de lacunas
formais de alta significância, perda de elementos compositivos, etc.
Centro Antigo de São Luís: expressões concretas do abandono
A escala do objeto em questão poderia, sob uma visada mais completa,
tomar o total de bairros que dá forma urbano-espacial ao Centro Antigo de São Luís,
como elemento da cidade em vias de degradar-se no seu conjunto, passando pela
percepção mais específica de determinadas ruas, até alcançar uma quadra e depois
um edifício. Ou seja, consideraria uma infinidade de casos, capazes de ilustrar e
desenhar gradações crescentes em termos de abandono. Da ruína ao edifício em
uso. Dos usos de uma rua a uma quadra. Destas ao Centro Antigo como uma
totalidade complexa de bairro citadino.
33Ao abordar o tema das áreas centrais e seus cortiços, Kowarick (2009, p.105), parte da premissa de que o deslocamento da centralidade da cidade para outros espaços não determina esvaziamento, mas sim uma mudança no perfil de seus usuários, fato que gera novos focos de dinamismo e novas vocações para a área. Destaca um trecho sensível à questão divulgado pela Câmara Municipal de São Paulo (p. 158): essa população que nunca abandonou o Centro, que trabalha e o mantém funcionando, quer participar desse processo, necessita possuir o direito e mor
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Todavia, face ao objetivo geral da pesquisa, o qual decanta a análise de
expressões e desafios do restauro arquitetônico, e, ainda, sem descuidar de outras
questões envolvidas na totalidade da problemática do Centro Antigo de São Luís,
nos limites desta dissertação, destaco somente algumas dimensões daquilo que,
presumidamente, configura o abandono arquitetônico, privilegiando situações
manifestadas na área tombada e protegida pelo IPHAN, mais especificamente nas
ruas da Palma, do Giz e da Estrela.
Figura 57 - Mapa do Centro Antigo de São Luís, com destaque para a área tombada pelo IPHAN Fonte: SÃO LUÍS, 2005
Estrela Giz
Palma
74
Dessa maneira, através da observação direta e registros fotográficos, nas
ruas da Palma, do Giz e da Estrela, busquei identificar manifestações da
degradação material e arquitetônica dos edifícios, mediante a observação da
composição formal de algumas fachadas. Adentrei, também, numa edificação que,
se apresenta íntegra em termos construtivos originais, mas, tanto a composição da
sua fachada quanto o seu interior revelam, drasticamente, os resultados da falta de
uso e manutenção.
As Ruas
Alinhadas ao eixo norte-sul, as ruas da Estrela, Palma e Giz constituem
vias urbanas da maior importância na conformação da região da Praia Grande,
especificamente, e do Centro Antigo. Nelas se localizam instituições como a
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual do Maranhão -
UEMA, o Departamento do Patrimônio Histórico Artístico e Paisagístico do Maranhão
- DPHAP/MA e o IPHAN. No entanto, essas vias se encontram enredadas pela
decadência construtiva de muitas de suas edificações.
Figura 58 - Fotos de fachadas com expressões de abandono arquitetônico no Centro Antigo de São Luís (2010) Fonte: Registros fotográficos da autora (2010)
75
Isto tem visibilidade através de vãos em estado de degradação, com
folhas em madeira das esquadrias tomadas, bandeiras com vidros quebrados e
fechamentos grosseiros em tijolo e concreto. Muitos dos gradis em ferro fundido que
compõe os guarda-corpos dos balcões apresentam lacunas e ferrugem. Portas e
janelas emolduradas em cantaria comportam um sistema de vazios arquitetônicos,
que imprimem ritmo não só a edificação como ao próprio espaço urbano. No
entanto, hoje, cada um dos vãos parece funcionar como elemento que pode se
desconstruir, conformando um todo maior, cuja mecânica é autorizada pelos
movimentos da natureza, sobre aquilo que a mão do homem negligencia.
Expressões radicais do abandono são possíveis de ser identificadas nos
edifícios em inexorável processo de arruinamento. Preponderam sobre estes: perda
dos revestimentos de fachada, a consequente deterioração das paredes de
alvenaria de pedra, a visível demolição/desabamento/ausência do espaço interior da
edificação, vãos despossuídos das janelas e portas que outrora o compuseram.
Sobre esta matéria, exibe-se o desenvolvimento, intenso e exuberante, de espécies
vegetais.
Figura 59 - Fotos de ruínas de prédios abandonados no Centro Antigo de São Luís (2010) Fonte: Registros fotográficos da autora (2010)
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Fachadas, um dos itens especiais da arquitetura lusa brasileira, hoje
muitas delas são percebidas como veículos comunicadores da ausência de
conservação cautelosa e do uso. Assim, quando vistas pela perspectiva da busca do
entendimento da degradação da matéria, apresentam perdas de azulejos, formando
lacunas visualmente impactantes, prejudicando a percepção do conjunto, e
preenchimento com rebocos e tintas coloridas. Outro traço do abandono, que,
baseado nos princípios do restauro, merece rigoroso estudo liga-se a inserção na
fachada de réplicas modernas de azulejos antigos.
Figura 60 - Fotos de expressões do abandono em fachadas de azulejos no Centro Antigo de São Luís (2010) Fonte: Registros fotográficos da autora (2010)
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Alteração completa de vãos de porta, mediante a colocação brutal de
portões de garagem, apoios para equipamentos de ar-condicionado e o fechamento
com concreto de janelas são algumas situações identificadas em muitas edificações
do Centro Antigo de São Luís que revelam, ao mesmo tempo: um dos modos mais
agressivos à leitura e percepção formal dos edifícios, uma espécie de afronta às leis
e órgãos públicos de proteção ao patrimônio, uma forma bastante peculiar do
abandono.
Figura 61 - Fotos de alterações em vãos de porta e fachadas em edificações do Centro Antigo de São Luís (2010) Fonte: Registros fotográficos da autora (2010)
Há que se pontuar, também, o aparecimento, na quase totalidade das
edificações, de manchas de umidade e o destacamento de revestimentos, como
pintura e azulejos. Faz-se presente, ainda, de forma geral e intensa, o
desenvolvimento de liquens e bolores34.
34A este propósito, em artigo da revista Reabilitação Ibérica, Silva (2009, p.11) assim disserta acerca de rebocos e pinturas de fachadas(limpeza e repintura) foram, em geral, interrompidos há muito mais tempo do que o período razoável para a
constituir na sua limpeza e consolidação, com reparações localizadas, recorrendo-se, a equipe especializada, se necessário.
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Figura 62 - Fotos da presença de liquens, bolores e destacamentos nas fachadas de edificações do Centro Antigo de São Luís (2010) Fonte: Registros fotográficos da autora (2010)
Sobrado à Rua da Estrela
Além dos elementos de degradação arquitetônica percebidos nas
fachadas de edificações localizadas nas três ruas pesquisadas, conforme situações
e ilustrações anteriormente apresentadas, eu considero agora, para fins de
demarcação de expressões do abandono em muitas das edificações representativas
da arquitetura luso-brasileira que conformam o Centro Antigo de São Luís, o estado
de conservação do interior de um sobrado localizado à Rua da Estrela.
Na ação de adentrar nessa edificação e observar seu grau de abandono,
tomei como guia de orientação e análise as observações oriundas de documentos
de inspeção técnica promovidas no sobrado pelo IPHAN, em duas ocasiões: uma,
no ano de 2005, a outra, no ano de 2009.
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Figura 63 - Mapa com localização de Sobrado na Rua da Estrela no Centro Antigo de São Luís
Fonte: Google Earth (2010)
Figura 64 - Foto da fachada de sobrado localizado à Rua da Estrela no Centro Antigo de São Luís (2010) Fonte: Registro fotográfico da autora (2010)
Caracterizado como um sobrado tradicional, sob proteção federal, representativo da arquitetura luso-brasileira no Maranhão, localiza-se à Rua da
Estrela. Apresenta 372m2 de área do terreno e 226,20m2 de área edificada. Com
estrutura mista de alvenaria e madeira, o sobrado encontra-se preservado em suas
características construtivas no sentido da formulação e entendimento do partido
arquitetônico, mas atesta precária conservação. Segundo o IPHAN, o histórico e a
tipologia arquitetônica do imóvel justifica sua importância no Centro Histórico de
São Luís. As ações de fiscalização sobre a edificação constituíram-se de análise,
avaliação e registro fotográfico, e também das inspeções técnicas com vistas a
monitorar a evolução dos danos e a indicação dos serviços a serem concretizados35.
35Como exemplo, a IT n 191/2005 DT. Vale apontar que as fotos da análise fotográfica do abandono do ponto de vista do interior da edificação foram retiradas pela autora no segundo semestre de 2010.
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Figura 65 - Plantas do piso térreo e primeiro pavimento de sobrado à Rua da Estrela no Centro Antigo São Luís Fonte: Plantas baixas cedidas pelo IPHAN (2010)
A Inspeção Técnica do Iphan-MA, de 2009, indicou a alta possibilidade
da estrutura da edificação ter perdido sua capacidade de sustentação, devido
principalmente: ao deslocamento de telhas provocado pela vegetação sobre o
telhado (1); retenção e penetração das águas pluviais (2); penetração de raízes,
acarretando a desagregação dos componentes da alvenaria (3); proliferação de
microrganismos nas paredes umedecidas (4); incompletude do cunhal e esquadrias
(5); encharcamento do piso (6); desengastamentos de alguns dos barrotes (vigas),
responsáveis pelo travamento das paredes (7); forros deteriorados e alterados (8);
verificação de trincas em algumas paredes (9).
As consequências e expressões materiais do abandono no Sobrado da
Rua da Estrela, em análise, podem ainda ser percebidas nos registros fotográficos
apresentados a seguir e nas correlações entre as imagens atinentes a cada um dos
itens abordados pelo Iphan-MA e os problemas a serem enfrentados e resolvidos no
âmbito de ações de conservação e restauro.
81
Figura 66 - Fotos de expressões do abandono arquitetônico em sobrado localizado à Rua da Estrela no Centro Antigo São Luís (2010) Fonte: Registros fotográficos da autora (2010)
Fachada apresenta parede de
alvenaria de pedra com
descascamento de pinturas e
manchas devido à umidade, chuvas
e ausência de manutenção. O Iphan-
MA aponta também a incompletude
do cunhal e das esquadrias. Dá-se
também a proliferação de micro-
organismos.
A parede frontal, vista do interior,
apresenta anomalias similares às da
fachada destacando-se a retenção e
penetração de águas pluviais, seja
pelas esquadrias mutiladas, seja pelo
telhado.
Fenômeno constante em vários
casarios locais, aqui também se
manifesta: a penetração de raízes
que acarreta a desagregação dos
componentes de alvenaria.
82
Figura 67 - Fotos de expressões do abandono arquitetônico em sobrado localizado à Rua da Estrela no Centro Antigo São Luís (2010) Fonte: Registros fotográficos da autora (2010)
As venezianas de vedação da
varanda interior, ou alpendre
invertido, que cerca o pátio,
encontram-se incompletas. As
lacunas encerram um novo ritmo, tão
forte quanto aquilo que resiste do
original.
Pisos encharcados de água, bem
como a falta de manutenção e a
presença de insetos xilófagos
ocasionam a quebra e o desengaste
dos barrotes ou vigas em madeira
que sustentam os assoalhos.
Elementos de circulação como
escadas e corredores
completamente degradados.
Registram-se também o
descolamento de elementos
protetores originais, a exemplo do
guarda corpo de madeira.
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Figura 68 - Fotos de expressões do abandono arquitetônico em sobrado localizado à Rua da Estrela no Centro Antigo São Luís (2010) Fonte: Registros fotográficos da autora (2010) Fragmentos da visão da mídia impressa diária sobre o abandono do Centro Antigo
A despeito dos limites peculiares à mídia impressa diária como fonte de
pesquisa, privilegiei a consulta a alguns jornais de São Luís36, objetivando captar os
termos das notícias sobre o abandono do Centro Antigo. Nestas notícias, procurei
ainda identificar agentes, agendas, ações públicas e privadas, bem como desafios
envolvidos na vida concreta e cotidiana e nas práticas de preservação arquitetônica e
urbanística dessa área tão singular da cidade. No entanto, o elemento mais visado
nas notícias foi à percepção e o registro de elementos e detalhes mais afeitos à
arquitetura, ou seja, características, traços e marcas concretas do abandono nas
edificações e no acervo arquitetônico.
36O destaque dado à reportagem sobre o abandono do Centro Antigo de São Luís, veiculada pelo Jornal O Estado de São Paulo se deveu à possibilidade da sua repercussão em âmbito nacional.
O abandono do interior de uma
edificação se expressa também pela
ausência de usos, de pessoas. No
entanto, no Sobrado em análise, a
arcada, localizada no primeiro piso,
permanece íntegra e sua leitura,
apesar da falta de manutenção,
parece não querer sucumbir ao
abandono.
O vazio interior, ou pátio, do casario,
encontra-se camuflado pelas plantas
e árvores que avançam sobre o
mesmo.
84
Numa publicação veiculada em âmbito nacional, a imprensa aponta como
a causa do abandono do Centro Antigo de São Luís o fato de muitas edificações não possuírem uma destinação cultural ou de lazer, passível de visitas. Assim, o jornal
O Estado de São Paulo, em notícia intitulada Casarões de São Luís correm riso de desabamento, informa sobre o estado de degradação de 133 imóveis:
Como não fazem parte das listas de imóveis recuperados que viraram ponto de visitação, como o Convento das Mercês, um dos marcos da fundação, muitas dessas construções ficaram relegadas à própria sorte, à espera de uma fatalidade para que, assim, a Justiça obrigue o IPHAN a recuperá-las37.
Chama atenção na reportagem à associação estabelecida entre o
abandono e a ausência de destinação cultural às edificações, não considerando
outros tipos de uso como capazes de também reverter ou frear a degradação, a
exemplo da função habitacional. Na mesma matéria jornalística, o abandono
aparece relacionado ao fato de que faltam estudos a serem feitos sobre a história das edificações, incluindo os primeiros proprietários e origens. Conjectura
que, apesar de tombados, muitos dos casarões podem vir abaixo antes mesmo
que um estudo detalhado aponte quem foram as primeiras famílias que os habitaram
ou se foram pontos de referência do antigo centro . Sobre um casarão específico,
propriedade de uma família considerada pelo jornal
reportagem afirma: O prédio está abandonado há anos e, como outros ainda
precisa passar por um processo de estudo detalhado de sua origem e história . Em alguns noticiários, a mídia impressa local trata o abandono que
consome muitas das edificações do Centro Antigo relacionando-o à condição da
cidade de Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade. Ou seja, apreende tal
situação como uma contradição, abordando-a através de uma leitura mediada por
lamentações quanto ao descaso de agentes públicos e privados e por imagens
ligadas à degradação do ambiente construído.
Esta tendência aparece claramente na afirmação: No momento em que os ludovicenses celebram os 10 anos da concessão a São Luís do título de Patrimônio Cultural da Humanidade, dezenas de casarões do centro histórico da capital maranhense passam por um triste processo de degradação38.
37 Reportagem veiculada pelo Jornal O Estado de São Paulo de 27 de janeiro de 2008. 38Reportagem veiculada pelo Jornal Pequeno no dia 09 de dezembro de 2007.
85
Outro eixo explicativo da degradação privilegia expressões concretas da
mplo do fechamento de vãos com tijolos,
relacionando-a a ameaças à saúde da população. Isto fica explicitado na manchete:
Edifícios abandonados denunciados como foco de doenças. Segue a esta
manchete o conteúdo abaixo:
Ontem a equipe do Jornal Pequeno percorreu algumas ruas e contou pelo menos nove imóveis com suspeita de estarem servindo de abrigo para focos do inseto, principalmente pelo fato de estarem com suas portas fechadas, impedindo que os agentes da Prefeitura entrem neles para fazer o serviço de combate à dengue. [...] Na rua 28 de julho, um casarão de esquina com a rua da Saúde permanece desocupado com todas as portas lacradas por tijolos. Uma comerciante afirmou que o imóvel nunca recebeu uma visita do proprietário39.
A mesma reportagem noticia que outro casarão, o de número 87,
localizado na Rua Humberto de Campos, também apresentando fechamentos de
vãos com tijolos, é considerado pelos comerciantes locais como o maior vilão do Reviver. Segue a notícia:
Também inacessível, o prédio possui cinco entradas vedadas de cimento, e a única porta que ainda permanece de pé, está trancada. [...] Há cerca de um ano, algumas pessoas chegaram a quebrar a parede do imóvel para tentar acabar com os focos do mosquito. [...] O local é visto como vilão, por possuir em suas dependências um poço desativado, cuja única utilidade está em hospedar o inseto transmissor da dengue.
Como explicitei, nas notícias investigadas, ainda procurei identificar
sujeitos e agentes (públicos ou privados; proprietários ou inquilinos) envolvidos na
experiência do morar e trabalhar no Centro Antigo ou na condição de participantes
de ações pertinentes a políticas públicas (federais, estaduais ou municipais) de
enfrentamento do abandono, ou mesmo de movimentos da sociedade civil voltados
para a preservação dessa singular área da cidade de São Luís. Nos jornais
investigados, algumas notícias registram aspectos reveladores desses processos.
A notícia a seguir demonstra, de modo abrangente, a compreensão do
abandono do Centro Antigo como decorrente de limites institucionais na esfera de
atuação de órgãos estatais responsáveis pela preservação ou da negligência por
parte de uma diversidade de sujeitos e atores públicos e privados na reversão dos
processos de deterioração física e de subutilização das edificações:
39 Reportagem veiculada pelo Jornal Pequeno do dia 24 de março de 2009.
86
A degradação dos casarões de São Luís - causada pela insensibilidade dos proprietários e pela atuação tímida dos órgãos federais, estaduais e municipais responsáveis pela preservação do patrimônio histórico [...]. Segundo a Coordenadora de Cultura da UNESCO, Jurema Machado, existem lacunas nas ações realizadas pelos órgãos responsáveis. As equipes são reduzidas e os trabalhos existentes são insuficientes40.
Nos jornais investigados encontra-se também uma série de notícias
dando ênfase à condição de proprietários, ocupantes de cargos nas esferas político-
estatal local e nacional, que, até o presente momento, não tomaram qualquer
iniciativa rumo à restauração de seus casarões em ruínas: Família Murad deixa
casarão se degradar na Rua do Giz e Sarney faz IPHAN gastar dinheiro público em
obras no seu prédio41 . Outro extrato semântico da expressão do abandono pela imprensa se dá
por meio da divulgação de seu ponto mais extremo: desabamentos e demolições.
Notícias abordam a queda de um edifício de ponta de quadra, localizado
no ponto de encontro das Avenidas Magalhães de Almeida e Rua Afonso Pena,
intitulando assim a matéria Desabamento deixa 5 feridos42.
A causa apontada pela Defesa Civil quanto pelo IPHAN para o incidente foi a falta de manutenção e restauração da estrutura do edifício. Contruído em 1924, O Ferro de Engomar possuía o telhado de madeira antiga sem
IPHAN. Todo o interior do edifício estava comprometido. As últimas reformas no local teriam conservado apenas a fachada do edifício, com forma de maquiar os problemas internos. Com a queda de metade do telhado, a parte ainda inteira está sendo forçada, tendendo a ruir a qualquer instante. Todo o quarteirão deverá ser interditado até que se façam intervenções de restauração.
A atual Superintendente Regional do Iphan-MA, Kátia Bogéa, afirma:
Qualquer edifício pode desabar em qualquer lugar da cidade. No Centro Histórico só é pior porque são edificações antigas, e que não recebem a manutenção correta. Quem não cuida corretamente dos edifícios e deixa que caiam, está cometendo dois crimes, contra o patrimônio e contra a vida e quem estiver ali. Ainda mais quando o edifício é utilizado para fins comerciais.
40Reportagem veiculada pelo Jornal Pequeno do dia 14 de setembro de 2008. 41Reportagem veiculada pelo Jornal Pequeno do dia 09 de dezembro de 2007. 42 Reportagem veiculada pelo Jornal O Imparcial do dia 31 de março de 2010.
87
Figura 69 - Reprodução de fotos de desabamento de Edifício no Centro Antigo de São Luís (2010) Fonte: Jornal O Imparcial de 31 de março de 2010
O desabamento de edificações no Centro Antigo de São Luís,
expressando que o abandono alcançou seu estágio mais avançado, já há algum
tempo se faz presente e impacta o chão concreto da cidade e interpela o poder
público, as políticas e as ações voltadas para a preservação do patrimônio edificado
e os proprietários. Assim, ano de 1996 ocorreu à queda de um imponente sobrado
azulejado, cuja notícia foi veiculada, num jornal local, com a seguinte manchete:
Casarão desaba na Rua dos Afogados sem deixar vítimas43.
Figura 70 - Reprodução fotos de desabamento de edifício no Centro Antigo de São Luís (1996) Fonte: Jornal O Estado do Maranhão de 8 de maio de 1996
43 Reportagem veiculada pelo Jornal O Estado do Maranhão do dia 8 de maio de 1996.
88
Abandono arquitetônico e ameaça à vida: outra associação recorrente nas
notícias veiculadas na mídia impressa local. Os conteúdos dessas notícias abordam
os modos precários de uso e de conservação dos edifícios, os quais acabam por
colocar a população residente em risco, principalmente no período de chuvas.
Os casarões do Centro Histórico precisam de cuidados. A falta de recursos e, algumas vezes, de interesse, além de questões judiciais impedem a restauração de boa parte dos imóveis. O abandono desses prédios é público e notório, porém, à medida que o período de chuva se intensifica na cidade, cresce a probabilidade de uma dessas casas virem a baixo, levando consigo, séculos de história e, principalmente, vidas humanas.
Algumas reportagens dos jornais pesquisados demonstram reconhecer
que grande parte das construções do século XVII, XVIII e XIX é forte e
resistente . Mas, na reportagem intitulada Recuperação de Casarões é inviável, a
imprensa destaca como motivos que impedem a reabilitação das edificações: o
fato de os proprietários de imóveis queixarem-se das exigências feitas pelos órgãos
fiscalizadores dos casarões tombados e o elevado valor dos projetos de restauro em
uma área na qual, segundo alguns proprietários, não tem nenhum atrativo 44. No presente, a complexidade dos usos impostos a frágil realidade
construtiva dos sobrados fica patente sob uma palheta variável de casos. Um destes
refere-se à propriedade compartilhada do imóvel, cujo corolário é a complexa
articulação e consenso dos meeiros sobre a restauração arquitetônica. Assim, ante
ao abandono, muitos proprietários chegam à or coisa a se
Exemplo paradigmático e
recorrente nas áreas centrais brasileiras, e também no Centro Antigo de São Luís, é
frequente que o acesso e o uso das edificações se deem por meio de ocupações ou,
muitas vezes, por meio do pagamento e aluguel a falsos proprietários. Trata-se de
um dos maiores entraves para a desocupação dos prédios, segundo a Defesa Civil.
As famílias que moram, nos casarões de risco se mostram favoráveis à recuperação dos prédios, com a condição de que o Estado providencie o remanejamento para outras áreas, até que as reformas sejam feitas. A intenção da União de Moradores é preservar o segmento residencial na área. O secretário da União diz que boa parte dos habitantes do Centro mora lá porque gostam e não pretendem transformá-lo num deserto, principalmente nos fins de semana45.
44Reportagem veiculada pelo Jornal O Estado do Maranhão do dia 16 de janeiro de 2000. 45Reportagem veiculada pelo Jornal O Estado do Maranhão do dia 14 de maio de 1998.
89
3. CENTROS HISTÓRICOS: preservação do patrimônio urbano e a singularidade de São Luís
Este capítulo evidencia alguns determinantes e manifestações do
deslocamento nos modos de apreender o velho centro da cidade de São Luís. Nos
termos desta dissertação: de Antigo, determinado e permeado pelas condições
históricas relativas à sua formação e constituição material, para Histórico, quando se
torna objeto de apreciações, considerações, legislação e intervenções de sujeitos e
agentes político-institucionais, sobre o qual se decantam valores históricos e
artísticos, esteio clássico da consolidação de políticas de preservação do patrimônio.
Também, considerando a particularidade brasileira, assinalo, dentre as
instituições voltadas à preservação patrimonial, a presença do IPHAN, assim como
procuro reconstituir e situar numa linha do tempo alguns agentes, agendas e ações
relativas à preservação do Centro Histórico de São Luís, destacando o PPRCHSL e
sua trajetória, na qual se mesclam inovações, pioneirismo, limites e revezes. De fato,
no contexto da implantação do Programa Grande Carajás (PCG), com seus
impactos demográficos46, sociais e ambientais no estado do Maranhão e,
especialmente, na sua capital São Luís, ao mesmo passo da intensificação da
verticalização da parte moderna e ampliação das áreas periféricas47, ampliaram-se,
a partir do final da década de 1970, as discussões e intervenções no sentido da
preservação e revitalização do chamado Centro Histórico. Por fim, reúno fragmentos de interpretações, experiências e intervenções
de sujeitos estratégicos - estudiosos, moradores, técnicos e gestores - que, na
condição de interlocutores, contribuem para a demarcação de impasses e
perspectivas das políticas de preservação do Centro Antigo de São Luís, mediação
crucial das expressões e desafios do restauro arquitetônico nesse Centro.
46Segundo Fontes Censitárias do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre os anos de 1960 e 1980, cidades do Maranhão, a exemplo de Santa Inês, Imperatriz e São Luís, tiveram sua população quase duplicada. De 158.229 habitantes no ano de 1960, a população da cidade de São Luís passa a ser, no ano de 1970, de 270.651 moradores, no ano de 1980 a população já é formada por 460.329 habitantes. 47De acordo com Santana (2003, p. 252), na cidade de São Luís: A inauguração de modalidades intensivas de crescimento vertical - um dos meios de reversão do caráter inelástico da oferta do solo urbano - sempre pode ilustrar o complexo jogo das estratégias dos agentes produtores do espaço e da gestão estatal no sentido de ampliar a valorização do capital privado e do sistema proprietário. [...] Mas, há que se considerar também que entre os anos de 1995 e 1998, numa espécie de contraponto a pressão imobiliária pela verticalização, uma excessiva horizontalização se expressa no surgimento de novas áreas residenciais periféricas: Bonfim, D. Luís, Vila Conceição, Vila Funil, Vila São João, Vila Forquilha, Brisa do Mar, Sol e Mar, Ayrton Sena, Santa Efigênia, Vila Vitória, Argola e Tambor, Parque Roseana Sarney, Canudos-Terra Livre, Vila dos Frades, Vila Zeni, Mãe Andrezza, Vila Natal, Cidade Olímpica, Vila Cascavel, dentre outras .
90
3.1 Preservação de cidades históricas: apontamentos sobre políticas e legislação
no Brasil
Inicialmente, vale retomar os fundamentos mais gerais da qualificação e
conceituação Segundo estudiosos, como CHOAY
(2006), eles estão inscritos no tratamento consagrado ao patrimônio francês, entre
1820 e 1960, tendo na Revolução Industrial sua determinação mais contundente.
A revolução industrial como ruptura em relação aos modelos tradicionais de produção, abria um fosso instransponível entre dois períodos da criação humana. Quaisquer que tenham sido as datas, que variam de acordo com cada país, o corte da industrialização continuou sendo, durante toda essa fase, uma linha intransponível entre um antes, em que se encontra o monumento histórico isolado, e um depois, o qual começa a modernidade. [...] Como processo irremediável, a industrialização do mundo contribuiu, por um lado, para generalizar e acelerar o estabelecimento de leis visando a proteção do monumento histórico e, por outro, para fazer da restauração uma disciplina integral, que acompanha os progressos da história da arte. (CHOAY, 2006, p. 127)
Nesse contexto e a partir de então, objetos materiais reconhecidos como
portadores de valor histórico tornam-se alvo de políticas executadas pelo Estado,
por meio de Inspetorias, Museus, Secretarias, segundo critérios e intencionalidades
resignificadas ao longo do tempo. Elucidativo exemplo da institucionalização da
atividade de preservação pelo Estado encontra-se no rapport au roi do Ministro do
Interior da França, Guizot, que, em 1830, defende, junto ao Rei, a criação de um
cargo voltado à definição e eleição dos objetos passíveis de proteção em território
francês. Surge então o Inspetor Geral dos Monumentos Históricos, com a tarefa, que
só ele poderá estabelecer, de delimitar, selecionar e informar sobre o conjunto de
bens que o governo deveria zelar segundo critérios artísticos e históricos48.
48Defende o ministro: A pessoa a quem se confiar essa função deverá antes de mais nada procurar meios de dar às intenções do governo um caráter conjunto e de regularidade. Para isso, ela deverá percorrer, um após outro, todos os departamentos da França, certificar-se in loco da importância histórica ou do valor artístico dos monumentos, colher todas as informações referentes à distribuição dos documentos acessórios que podem esclarecer sobre a origem, os progressos ou a destruição de cada edifício; verificar sua existência recorrendo a todos os depósitos, arquivos, museus, bibliotecas ou coleções particulares; entrar em contato direto com as autoridades e as pessoas que se dedicam a pesquisas relativas à história de cada localidade. Deverá informar os proprietários sobre a importância dos edifícios cuja conservação depende de seus cuidados e estimular, enfim, orientando-o o zelo de todos os conselhos de departamento e das municipalidades, de forma que nenhum monumento de valor incontestável pereça em razão da ignorância ou da precipitação e sem que as autoridades competentes tenham feito todo o possível para garantir sua preservação, e de modo também que a boa vontade das autoridades ou dos particulares não se esgote em objetos indignos de seus cuidados. Esse equilíbrio entre cuidado e a indiferença na conservação dos monumentos só pode ser alcançado por meio de múltiplos contatos que só um inspetor poderá estabelecer; ele prevenirá qualquer reclamação e dará aos espíritos mais renitentes a consciência da necessidade que tem o governo de zelar ativamente pelos interesses da arte e da história . (CHOAY, 2006, p. 261)
91
Assim, como bem sintetiza Fonseca (2005, p. 53): As noções modernas de monumento histórico, de patrimônio e de preservação só começam a ser elaboradas a partir do momento em que surge a ideia de estudar e conservar um edifício pela única razão de que é testemunho da história e/ou uma obra de arte.
Ainda de acordo com a argumentação de Fonseca (2005), sendo a
preservação de monumentos atividade necessariamente seletiva, a constante opção
entre o conservar e o destruir, mesmo que, passivamente, no sentido de não impedir
a destruição, será exercida por agentes instituídos formalmente e segundo
determinados critérios, que orientam e também legitimam o processo de atribuição
de valores, e consequentemente, a preservação. Esta, que ao longo de certo
período de tempo foi sinônimo da valorização de objetos excepcionais, passíveis de
entendimento decorrentes de abordagens elitistas, encontra perspectivas de
alargamento, como demonstra a ampliação daquilo que é considerado patrimônio.
No Brasil, o quadro inicial da preservação de monumentos relaciona-se a
ação de agentes concentrados na elaboração de agendas elucidativas do conteúdo
material do Patrimônio brasileiro, missão do SPHAN, nos anos de
1930. Tal missão guardava nexos com a necessidade da valorização do patrimônio
contribuir para a construção de uma identidade nacional49. A orientação da
Instituição quanto à atribuição de valores encontrava-se enraizada na tradição
europeia de constituição de patrimônios nacionais a partir das categorias de história
e arte (FONSECA, 2005).
A preservação como atividade sistemática, conforme considera Fonseca
(2005), se tornou possível porque ao interesse cultural se acrescentaram o interesse
político e a justificativa ideológica50. Sob a direção de Rodrigo Melo Franco de
Andrade, o SPHAN passou a funcionar experimentalmente em 1936. Sujeitos sociais
como Lucio Costa, Mário de Andrade e Carlos Drummond de Andrade compunham
a consagrada fase heroica.
49É pertinente relembrar que, na década de 1920, já existiam diversas iniciativas preservacionistas, a exemplo da criação de Inspetorias Estaduais de Monumentos Históricos nos estados de Minas Gerais, Bahia e Pernambuco. No âmbito federal, no início dos anos 1930, dá-se a criação o Museu Histórico Nacional, em 1934 surge a Inspetoria dos Monumentos Nacionais, desativada em 1937 em função da criação do SPHAN. Vale relembrar também, a elevação da cidade de Ouro Preto à categoria de Monumento Nacional em 1933, bem como uma série de projetos de lei apresentados ao Congresso Nacional com o objetivo de criar mecanismos para a proteção legal do patrimônio. Sobre esse assunto ver, especialmente, o ensaio intitulado Origens da Noção de Preservação do Patrimônio Cultural do Brasil de Maria Lucia Bressan Pinheiro, publicado na revista Risco, de fevereiro de 2006. 50 Na perspectiva de O início da institucionalização da defesa do patrimônio cultural, no caso brasileiro, partiu de pioneiras e esparsas iniciativas do Estado, alcançando o momento em que, motivadas pela conjuntura artística, cultural e política do país, estas ações passaram a ter uma perspectiva única e singular, fator dec
92
No campo da legislação produzida nessa fase destaca-se o Decreto Lei nº
25 de 30 de novembro de 1937. Tal Decreto dava ao SPHAN, transformado em
1946 no Departamento de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (DPAHN),
respaldo e meios legais para a sua atuação e demarcava posições concretas frente
às complexas questões da propriedade e do tombamento51. Essa atuação,
cronologicamente situada entre os anos 1930 e 1960, destaca-se pela chave da
ação culturalista, eletiva, vertical e impositiva. A predominância dessa chave
decorria da prerrogativa que detinha o Estado brasileiro de tradutor e guardião dos
valores culturais da nação.
Como aponta Fonseca (2005), o patrimônio nessa fase constitui-se
marcado: a) pela autoridade dos técnicos, como principal instrumento de legitimação
das escolhas realizadas; b) pela preponderância da apreciação de caráter estético,
segundo os cânones da arquitetura modernista, em detrimento do valor histórico; c)
pela prioridade em assegurar a proteção legal dos bens através da Inscrição nos
Livros do Tombo. No plano nacional brasileiro, ainda sob a direção política dos
governos militares instaurados no Brasil depois de março de 1964, a década de
1970 é emblemática no tocante ao processo de (re)semantização e abertura do
conteúdo ideológico que marcou a atuação do IPHAN no campo dos significados e
funções atribuídos à preservação de bens culturais e arquitetônicos. Nas palavras de
Fonseca (1997, p. 140):
[...] o SPHAN dos anos 60 era uma ilha à parte das grandes questões culturais e políticas. Pode-se dizer que a maior força da instituição nos anos 60 residia no caráter mítico do trabalho que realizara e na figura de seu diretor.
De fato, a partir d década de 1970 inaugura-se um momento de abertura
no modelo conceitual e de ação da Instituição. Tratava-se da necessidade de
criação de discursos e estratégias capazes de agregar valor econômico ao valor
cultural dos bens, entendendo-os como mercadorias, logo vinculados ao uso e
consumo, ou seja, devia-se considerar o bem, também, a partir da perspectiva da
sua inserção social. Nesse horizonte, a autonomia da arquitetura e do urbanismo
precisava então ser explícita e intencionalmente mediada por valores de uso e
função articulados a interesses econômicos e ao potencial turístico dos lugares.
51Na visão de Fonseca (2005, p. 105) o tombamento surgia como uma forma realista de compromisso entre o direito individual à propriedade e a defesa do interesse público pela preservação de valores culturais.
93
Uma tríade paradigmática de ações resultantes das novas exigências e
redefinições político-culturais, conceituais e interventivas na esfera da preservação
de bens culturais no Brasil foi:
A movimentação do DPHAN ao recorrer a consultores da UNESCO, já
em 1965, para reformular e reformar sua atuação num cenário de
desconstrução e reconstrução da cultura institucional relativa aos modos
de compreender e tratar o patrimônio histórico no Brasil, que inclui, no
ano de 1970, a transformação o DPAHN no IPHAN. Esta busca de
articulação e cooperação institucional ecoou na visita à cidade de São
Luís, no início da década de 1970, de uma missão do referido órgão
internacional, chefiada pelo arquiteto Alfredo Evangelista Viana de Lima.
O objetivo dessa missão era o de ampliar o conteúdo tombado, até então
restrito a alguns monumentos e praças;
A proposta do Programa Integrado de Reconstrução das Cidades
Históricas (PCH), no ano de 1973, objetivava criar infraestrutura
adequada ao desenvolvimento e suporte de atividades turísticas e ao uso
de bens culturais como fonte de renda para regiões carentes do Nordeste,
revitalizando monumentos em degradação. A criação do PCH veio suprir,
basicamente, a falta de recursos financeiros e administrativos do IPHAN,
permanecendo a cargo dessa instituição a referência conceitual e técnica
(FONSECA, 2005, p. 143).
A criação do Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC), em 1975,
dirigido por Aluísio Magalhães, cujo objetivo era traçar um sistema
referencial básico para a descrição e análise da dinâmica cultural
brasileira, dilatando a visão da mesma para além dos símbolos da nação
de pedra e cal, mapeando saberes como o artesanato, intentando
buscar um modelo de desenvolvimento apropriado às condições locais e
compatível com os diferentes contextos culturais brasileiros FONSECA,
2005, p. 148).
No ano de 1979, Aluísio Magalhães é nomeado diretor do IPHAN, então
estruturado sob dois órgãos: um normativo, a Secretaria do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (SPHAN) e um executivo, a Fundação Nacional pró-Memória
(FNpM). A partir dos anos 1980, como pondera Fonseca (2005, p.156):
94
Ao propor a introdução de bens do patrimônio cultural não-consagrado no patrimônio histórico e artístico nacional (basicamente bens das etnias afro-brasileiras e vinculados à cultura popular), e a participação da sociedade na construção e gestão desse patrimônio, a política da FNpM visava a se inserir na luta mais ampla que mobilizava então a sociedade brasileira pela reconquista da cidadania.
Considerando os objetivos desta dissertação, é importante assinalar que,
a partir do final dos anos de 1970, também sobre as ações do IPHAN passou a
incidir, como resultado do desenvolvimento, no plano mundial, de várias áreas de
saber, a exemplo da arquitetura e do urbanismo, a proposição de modalidades de
intervenção, nas quais a recuperação de áreas centrais urbanas e o destino dos
centros antigos de certas cidades passaram a ter importância cultural e estratégica.
Do ponto de vista legal-institucional, a Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988 (CFB-88), reafirma em seu art. 216, que cabe ao
IPHAN a tarefa de preservar o patrimônio cultural brasileiro, ou seja, os bens de
natureza material e imaterial, inscritos ou não na lista do Patrimônio Mundial da
UNESCO. No cumprimento dessa missão, este Instituto deve: identificar, proteger,
restaurar, documentar, preservar, divulgar e fiscalizar os bens culturais brasileiros,
assegurando a permanência e usufruto desses bens para a atual e futuras gerações.
O parágrafo 1º do referido artigo constitucional dispõe que:
O poder público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.
No presente, as definições do atual texto constitucional e a política geral
de atuação do IPHAN se articulam a um conjunto de definições formais e
institucionais nas esferas estaduais e municipais, destacando-se dentre estas os
Planos Diretores das cidades. Importante, ainda registrar que o Decreto Federal nº
3.551, de 4 de agosto de 2000, instituiu o Registro de Bens Culturais de Natureza
Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro (BRASIL, 2000). Por fim, é
relevante enfatizar que o Estado brasileiro, através do IPHAN e do IBAMA, é
responsável pela preservação dos bens culturais e naturais do país integrantes da
Lista do Patrimônio Mundial da UNESCO, entre eles o Centro Histórico de São Luís.
95
Também, convém demarcar a importância que, no presente, os
municípios e, consequentemente, a legislação municipal e os governos da cidade
têm em relação à preservação do patrimônio edificado do
. Assim é que, na cidade de São Luís, no Plano Diretor vigente até 2006
(Lei n. 3.252, de 29 de dezembro de 1992) - no Título VI, Do patrimônio cultural (Artigos 44, 45, 46 e 47) explicitava-se que:
A política de valorização do Patrimônio Cultural do Município visa assegurar a proteção e disciplinar à preservação do acervo de bens existentes, cuja expressão tenha significado para o Patrimônio Cultural do Município de São Luís. A proteção do patrimônio fica incorporada ao processo permanente de planejamento e ordenação do território. (SÃO LUÍS, 1992)
O atual Plano Diretor de São Luís (Lei nº 4.669, de 11 de outubro de
2006) tem como um dos seus títulos Conservação do Patrimônio, estabelecendo, em
seu art. 69, que:
A Política de Preservação do Patrimônio Cultural do Município visa assegurar a proteção, disciplinar a preservação e, resgatar o sentido social do acervo de bens culturais existentes ao possibilitar sua apropriação e vivência por todas as camadas sociais que a eles atribuem significados e os compartilham, criando um vínculo efetivo entre os habitantes e sua herança cultural e garantindo sua permanência e usufruto para as próximas gerações. (SÃO LUÍS, 2006)
Por fim, cabe observar que, no amplo campo das políticas e legislação do
Estado brasileiro dirigidas à preservação do patrimônio urbano edificado, trata-se o
Centro Histórico de um território especial no âmbito da totalidade do município de
São Luís. No presente, este é alvo de um conjunto de leis e instituições estatais que
controlam os modos de apropriação, usos, intervenções e/ou conservação do seu
patrimônio edificado, quer tratar-se de edificações públicas, quer tratar-se de
edificações privadas. Dentre estas instituições destacam-se o IPHAN, o MinC e o
Ministério Público (denunciante legítimo de crimes contra o ordenamento urbano e o
patrimônio cultural) na esfera federal; o DPHAP/MA, na esfera estadual, e a FUMPH,
a Secretaria Municipal de Terras Habitação e Urbanismo (SEMTHURB) e o Núcleo
Gestor do Centro Histórico de São Luís, na esfera municipal. Nesse âmbito, cabe ao
Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura e Agronomia do Maranhão
(CREA/MA) à responsabilidade pela supervisão de obras ou reformas nas
edificações que conformam o Centro Histórico de São Luís.
96
3.2 O Programa de Preservação e Revitalização do Centro Histórico de São Luís / MA antecedentes e trajetória
Na demarcação da complexa lida com os bens patrimoniais materiais
traduzidos no Centro Histórico de São Luís, principalmente, no conjunto de
edificações representativas da arquitetura luso-brasileira, considerei, em termos da
exposição dos resultados da pesquisa sobre a incontornável relação entre espaço,
agendas, agentes e ações52, dois aspectos centrais:
1 - Situar numa espécie de linha do tempo e sucessão de imagens urbanas,
dados que podem ajudar a traçar uma linha evolutiva sobre agentes e
agendas e as relações estabelecidas com o abandono e ações de valorização
e preservação do patrimônio edificado do Centro Antigo de São Luís. Se na
pesquisa que realizei parti do presente em relação ao passado, na linha do
tempo que apresento parto do passado, mas precisamente da década de
1940, quando se deram os primeiros tombamentos de conjuntos
arquitetônicos de São Luís (LTBA);
2 - Considerar o PPRPHSL, quaisquer que sejam seus limites políticos e
institucionais, como a ação do Estado, no âmbito do governo estadual do
Maranhão, mais substantiva quanto ao debate, pesquisas, intervenções e
articulações com outros agentes em relação à preservação patrimonial,
campo no qual a restauração arquitetônica encontra seu sentido, suas
demandas e desafios.
52Frugoli Jr. H.; Andrade, L. T. de.; Peixoto, F. A.(2006, p. 10) chamam atenção para a indissociabilidade entre espaço, práticas e agentes. Para eles, ainda que esta postulação pareça óbvia, seu manejo nem sempre é simples. Questionam-se e apontam o fato do Estado ser o agente clássico no tocante às intervenções em áreas
projetos urbanísticos, remodelação de fachadas, intervenções públicas e privadas com o exame de usos, experiências e percepções singulares desses espaços pelos diversos agentes? Tentativas de articular essas dimensões evidenciam-se, por exemplo, quando das análises de intervenções urbanísticas pontuais
que tem lugar, sobretudo a partir dos anos 1990 nas áreas centrais de viversas metrópoles. Nota-se aí a presença do Estado, principalmente em suas dimensões local e estadual, embora tal papel se oculte parcialmemodo geral, o privilégio (preocupante) de uma série de interesses empresariais, estabelecendo novas formas de segregação e tentativas de limitar a diversidade
97
1940 1956
Ações Tombamentos (LTBA): - Portão e Capela de São José da Quinta das Laranjeiras (1940) - Fonte do Ribeirão (1950), Retábulo da Sé (1954) - Conjunto Arquitetônico e Paisagístico das Praças: João Lisboa, Gonçalves Dias e Benedito Leite - Conjunto Arquitetônico e Urbanístico do Desterro (1955)
Agentes e Agenda Governo Paulo Ramos (1936-1945) Governo Sebastião Archer (1947-1951) Governo Eugênio de Barros (1951-1956) Tombamentos federais (LTBA) isolados, englobando monumentos religiosos, conjuntos arquitetônicos, paisagísticos e urbanísticos.
Figura 71 - Reprodução de foto da Capela das Laranjeiras - Centro Antigo de São Luís Fonte: GONÇALVES (2006)
Figura 72 - Reprodução de foto da Praça João Lisboa, em 1950 - Centro Antigo de São Luís Fonte: Álbum do Maranhão de 1950
1957 1966
Tombamentos: - Casas à Av. Pedro II (1961) - LTBA - Academia Maranhense de Letras Edifício Neoclássico (1962) - LTH - Fonte das Pedras (1963) - LTBA
Governo Matos Carvalho (1957-1961) Governo Newton Bello (1961-1966) - Tombamentos federais (LTBA e LTH) isolados englobando fonte, praça e dois sobrados.
Figura 73 - Foto da Academia Maranhense de Letras - Centro Antigo de São Luís (2011) Fonte: Registro fotográfico da autora (2011)
Figura 74 - Reprodução de foto da Praça João Lisboa - Centro Antigo de São Luís (1950) Fonte: Álbum do Maranhão de 1950
98
1966 1975
Ações - Tombamento do Conjunto Arquitetônico e Paisagístico de São Luís, aproximadamente 1000 imóveis (1974) - Luís (1975) - Plano Diretor de 1975, no qual se
- Anel Viário
Agentes e Agendas Governo José Sarney (1966-1970) Governo Pedro Neiva de Santana (1971-1975) - Vinda de consultores da UNESCO, ênfase ao turismo cultural: Michel Parent (1966-1967) Viana de Lima (1973) -Incêndio Solar São Luís (1969)
Figura 75 - Reprodução de foto do Centro da cidade de São Luís (1991), de Paulo Socha Fonte: MARQUES (1996)
Figura 76 - Foto da Rua do Giz no Centro Antigo de São Luís (2010) Fonte: Registro fotográfico da autora (2010)
1976 1980
- Promulgação da Lei 3.999 de 05/12/1978, base legal no Estado do Maranhão para Preservação do Patrimônio Histórico, Artístico e Paisagístico - Elaboração do Plano de Renovação Urbana da Praia Grande, arquiteto americano John Gisiger (1978) - Primeira Convenção Nacional da Praia Grande (1979)
Governo Nunes Freire (1975-1979) Governo João Castelo (1979-1982) - Institucionalização do projeto Praia Grande com criação de Grupo de Trabalho e Comissão de Coordenação - Definição de 11 políticas de preservação - Instalação da Superintendência do IPHAN no Maranhão (1980)
Figura 77 - Reprodução de foto da capa do PRUPG, elaborado pelo arquiteto J. Gisiger Fonte: ANDRÈS (2006)
Figura 78 - Reprodução de foto de reunião do GT do PRUPG na 1ª Convenção da Praia Grande, com a presença de Aluísio Magalhães (IPHAN) Fonte: ANDRÈS (2006)
99
1980 1982
Ações - Publicação do Livro de Dora Alcântara Azulejos Portugueses em São Luís do Maranhão Obras: - Feira e Praça da Praia Grande - Albergue do Voluntariado de Obras Sociais e Beco da Prensa - CCP Domingos Vieira Filho (1982) - Inauguração da CEF no Solar São Luís (1982)
Agentes e Agendas Governo João Castelo (1979-1982) - Finalização da elaboração do PPRCHSL (1982) - Primeira Etapa do PPRCHSL (1979-1983) - SEPLAN - Subprograma de Obras da Praça do Comércio (2,5 milhões de reais)
Figura 79 - Fotos do Beco da Prensa e do CCP Domingos Vieira Filho - Centro Antigo de São Luís (2010) Fonte: Registros fotográficos da autora (2010)
1982 1987
- Pesquisa socioeconômica da Praia Grande - Formação da primeira Associação de Moradores do Centro Histórico - Projeto de microfilmagem e transcrição paleográfica dos Livros da Câmara dos séc. XVII, XVIII e XIX - Projeto Embarcações do Maranhão - Seminário Aglomerados Urbanos - Tombamento Estadual
Governo Ivar Saldanha (1982-1983) Governo Luíz Rocha (1983-1987) - Segunda Etapa do PPRCHSL - Diminuição de investimentos na área do Centro Histórico - Avanço no campo das pesquisas e debates
Figura 81 - Reprodução de manchete e foto de jornal sobre o abandono no Centro Antigo de São Luís - 1982 Fonte: Jornal de Hoje de 07 de novembro de 1982
Figura 80 - Reprodução de foto do Solar São Luís no Centro Antigo de São Luís (1982) Fonte: Jornal O Estado do Maranhão de 04 de abril de 1982
100
1987 1991
Ações - Obras de Infra-estrutura urbana na área de Tombamento federal:15 quadras, 107.000m², 200 edificações: redes de água, esgoto e drenagem - Recuperação do complexo de túneis construídos no século XVIII - Construção de praças e jardins e alargamento de calçadas de cantaria - Restauração de becos e escadarias - Criação de vias exclusivas de pedestres
Agentes e Agendas Governo Epitácio Cafeteira (1987-1990) - Terceira Etapa PPRCHSL: O Projeto Reviver - Consolidação de 12 subprogramas - Primeiro Colóquio do Patrimônio Construído Luso no Mundo (UTL + Fundação Calouste Gulbenkian) - Criação da Comissão de Patrimônio Histórico de São Luís
Figura 82 - Reprodução de desenhos utilizados na apresentação do PPRCHSL ao Governador Epitácio Cafeteira em 1987 Fonte: ANDRÈS, 2006
1987 1991
Obras de restauro c/ mudança de uso: - Edifício anexo ao Palácio dos Leões - Convento das Mercês (1987) - Fábrica Cânhamo/CEPRAMA (1987) - Centro de Criatividade Odylo Costa Filho - Museu de Artes Visuais - Restaurante Escola SENAC - Sobrado do Largo do Comércio - Vila Santo Antônio/Agência do Banco Itaú (1988)
- Terceira Etapa PPRCHSL: O Projeto Reviver - Palestras, Debates e Avaliações com agentes públicos e privados, a exemplo do IPES, CNPq, SBPC, EMBRATUR e Sindicato dos Comerciários - Investimento de cerca de R$ 60 milhões com recursos do Tesouro Estadual
Figura 84 - Reprodução de fotos do Sobrado do Largo do Comércio antes e depois do restauro - Centro Antigo de São Luís Fonte: Edição Especial Projeto Reviver no jornal O Estado do Maranhão de 07 de janeiro de 1990
Figura 83 - Foto do Convento das Mercês - Centro Antigo de São Luís (2011) Fonte: Registro fotográfico da autora (2011)
Figura 86 - Agência do Banco Itaú / Antiga Vila Santo Antônio - Centro Antigo de São Luís (2011) Fonte: Registro fotográfico da autora (2011)
Figura 85 - Foto do CEPRAMA / Antiga Fábrica Cânhamo - Centro Antigo de São Luís (2011) Fonte: Registro fotográfico da autora (2011)
101
1991 1995
Ações Restauro: - Teatro Arthur Azevedo - Fábrica do Rio Anil (fora do Centro Antigo) - Projeto Piloto de Habitação - Conservação dos imóveis sedes de repartições públicas - Restauração de pintura mural do Sobrado do Largo do Comércio (Fundação Calouste Gulbenkian) - Estabilização do Solar Lilah Lisboa
Agentes e Agendas Governo João Alberto de Sousa (1990-1991) Governo Edison Lobão (1991-1994) - Criação do CDPR (1991) - Transferência do PPRCHSL do âmbito da Secretaria de Estado de Coordenação e Planejamento para a Secretaria de Estado da Cultura - Quarta etapa do PPRCHSL - Investimento da ordem de R$ 30 milhões
1995 2002
- Recuperação da infra-estrutura urbana dos bairros do Desterro e Portinho -Terminal hidroviário da Praia Grande - Rede elétrica e telefonia subterrânea - Abastecimento de água, coletas de esgoto, drenagem, calçamento de ruas e passeios do Centro Histórico - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo UEMA (restauro) - Escola de Música do Estado: Solar Lilah Lisboa (restauro)
- Quinta Etapa do PPRCHSL - Governo José de R. Fiquene (1994-1995) - Governo Roseana Sarney (1995-2002): dois mandatos - Continuidade do Programa - Obtenção de financiamentos: BID e PRODETUR (R$ 90 milhões) - Título Patrimônio Mundial-UNESCO (1997)
Figura 87 - Foto do Teatro Arthur Azevedo - Centro Antigo de São Luís (2011) Fonte: Registro fotográfico da autora (2009)
Figura 89 - Fotos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UEMA (Exterior e Interior) - Centro Antigo de São Luís (2011) Fonte: Registro fotográfico da autora (2011)
Figura 90 - Foto do Solar Lilah Lisboa / Escola de Música - Centro Antigo de São Luís (2011) Fonte: Registro fotográfico da autora (2011)
Figura 88 - Foto do Projeto Piloto de Habitação - Centro Antigo de São Luís (2011) Fonte: Registro fotográfico da autora (2011)
102
1995 2002
Ações Restauro: - Centro de Capacitação Tecnológica: CETEC-MA Projetos para instalações de centros culturais: - Solar dos Vasconcelos; - Centro de Pesquisa de História Natural e Arqueologia do Maranhão - Teatro João do Vale
Agentes e Agendas - Quinta Etapa do PPRCHSL - Governo Roseana Sarney (1995-2002): dois mandatos - Continuidade do Programa - Obtenção de financiamentos: BID e PRODETUR (R$ 90 milhões) - Título Patrimônio Mundial-UNESCO (1997)
1995 2002
Projetos de valorização da cultura popular: - Projeto Casa do Maranhão (2002) - Projeto Casa de Nhôzinho (1999) - Mercado das Artes e Banco do Empreendedor -Restauração Igrejas da Sé e Desterro Recuperação de Espaços de Vivência comunitária: Praças dos poetas Nauro Machado e Valdelino Cécio, Praça da Seresta, Praça dos Catraieiros
- Quinta Etapa do PPRCHSL - Governo Roseana Sarney (1999-2002): dois mandatos - Continuidade do Programa - Obtenção de financiamentos: BID e PRODETUR (R$ 90 milhões) -Título Patrimônio Mundial-UNESCO (1997)
Figura 91 - Foto do CETEC-MA (em detalhe inscrição do ano de construção de edifício na chave de arco da porta) - Centro Antigo de São Luís (2011) Fonte: Registro fotográfico da autora (2011)
Figura 93 - Foto do Teatro João do Vale - Centro Antigo de São Luís (2009) Fonte: Registro fotográfico da autora (2009)
Figura 92 - Foto do Solar dos Vasconcelos - Centro Antigo de São Luís (2010) Fonte: Registro fotográfico da autora (2010)
Figura 94 - Reprodução de foto da Casa Maranhão - Centro Antigo de São Luís Fonte: SÃO LUIS - SEVILLA, (2008)
Figura 95 - Foto da Catedral da Sé - Centro Antigo de São Luís (2009) Fonte: Registro fotográfico da autora (2009)
Figura 96 - Foto da Praça da Seresta - Centro Antigo de São Luís (2010) Fonte: Registro fotográfico da autora (2010)
103
1995 2002
Ações - Projeto Documenta Maranhão Restauro: - Projeto Viva Cidadão (utilização de antigos galpões) - Projetos de Habitação (seis) - Casa da Cidade
Agentes e Agendas - Quinta Etapa do PPRCHSL - Governo Roseana Sarney (1995-2002): dois mandatos - Continuidade do Programa - Obtenção de financiamentos: BID e PRODETUR (R$ 90 milhões) - Título Patrimônio Mundial-UNESCO (1997)
2002 2006
-Restauro para edifícios habitacionais (funcionários do Estado) - Obras emergenciais de estabilização Feitas pelo Iphan-MA, com recursos do MinC em dez sobrados - Restauro e instalação de equipamentos educacionais: SEMTEC/MEC, UNIVIMA, Escola de Enfermagem do SUS, Sede da Aliança Francesa do Maranhão, Projeto do Estaleiro Escola (fora do Centro Antigo)
- Sexta Etapa do PPRCHSL -Governo José Reinaldo Tavares (2002-2007) - Finalização de obras do Projeto de Habitação
Figura 97 - Reprodução de foto de edifício anterior à reabilitação para função habitacional - Centro Antigo de São Luís Fonte: Projeto Piloto de Habitação do PPRCHSL
Figura 98 - Reprodução de foto de edifício posterior à reabilitação para função habitacional - Centro Antigo de São Luís Fonte: Projeto Piloto de Habitação do PPRCHSL
Figura 99 - Fotos de edifícios estabilizados pelo Iphan-MA - Centro
Antigo de São Luís (2009) Fonte: Registro fotográfico da autora (2009)
Figura 100 - Fotos do edifício restaurado para abrigar a sede da Aliança Francesa - Centro Antigo de São Luís (2011) Fonte: Registro fotográfico da autora (2011)
104
2002 2006
Ações - Plano Diretor 2006 - Restauração de Praças - Armazém da Estrela (restauro iniciativa privada) - Morada dos Dinamarqueses (restauro iniciativa privada) - Criação do Núcleo Gestor -Lançamento da Proposta de Reabilitação do Bairro do Desterro (SEBRAE, CEF e sociedade civil) -FUMPH e Fundo de Preservação
Agentes e Agendas - Governo José Reinaldo Tavares (2002-2007) - Palestras, debates e avaliações com agentes públicos e privados - Queda dos investimentos pelo Governo Estadual - Gestão compartilhada - Maior atuação do poder municipal (Legislação e obras) - Desarticulação do PPRCHSL
2007 2011
- Projeto de Habitação (PMSL e Ministério das Cidades) - Restauração do antigo BEM para órgãos da administração municipal (em andamento) - Obras previstas: -Restauração do antigo Cine Roxy para Cine Teatro Municipal; - Reforma de sobrado localizado na Rua do Giz para habitação social; - PDMA para o Centro Histórico
- Governo Jackson Lago (2007-2009) -Governo Roseana Sarney (2009 -...) - Inclusão da cidade de São Luís no PAC das Cidades Históricas - Projeto de Modernização do Sistema de Gestão Urbana do Centro Histórico da capital.
Figura 101 - Foto da Rua da Palma / Desterro - Centro Antigo de São Luís (2010) Fonte: Registro fotográfico da autora (2010)
Figura 102 - Fotos do Armazém da Estrela e da Morada dos Dinamarqueses - Centro Antigo de São Luís (2011) Fonte: Registro fotográfico da autora (2011)
Figura 103 - Reprodução de foto de 1950 e foto atual do Cine Roxy - Centro Antigo de São Luís Fontes: Álbum do Maranhão de 1950 e registro fotográfico da autora de 2010.
Figura 104 - Fotos do antigo BEM em reforma e de edifício habitacional multifamiliar de interesse social - Centro Antigo de São Luís (2010) Fonte: Registros fotográficos da autora (2010)
105
É importante reconhecer que na linha de tempo que esbocei um conjunto
de agentes não estão visualizados: moradores, profissionais de diversas áreas,
engenheiros das empresas que concretizaram obras de infraestrutura urbana e
restauro arquitetônico, artistas (grupo de agentes fundamentais na concretização de
restaurações de edificações para fins culturais), dentre outros. Assim, seguem
nominados alguns desses agentes.
Figura 105 Alguns agentes envolvidos nas ações do Projeto Reviver Fonte: Edição Especial do Jornal O Estado do Maranhão (7/1/1990)
Figura 106 Alguns agentes envolvidos nas ações do Projeto Reviver Fonte: Edição Especial do Jornal O Estado do Maranhão (7/1/1990)
106
3.3 Desafios da preservação no Centro Antigo de São Luís: interpretações
Os resultados da investigação sobre os antecedentes e a trajetória do
PPRCHSL contribuem para a afirmação de que o Centro Antigo de São Luís,
expressa, através das especificidades que lhes são pertinentes, as polêmicas e os
os
chamados centros históricos brasileiros.
À desestruturação do PPRCHSL, demonstrando o recuo das intervenções
do Governo Estadual nesse campo, somam-se iniciativas pontuais de restauração
arquitetônica de parte de proprietários privados, a intervenção do Iphan-Ma no
sentido de frear desabamentos e buscar condições para projetos de restauro e
reabilitação, o distanciamento de investimentos imobiliários da área, assim como a
ausência de movimentos sociais que incluam, de forma mais substantiva, na sua
agenda política e militante
Por outro lado, diversos sujeitos refletem sobre os caminhos e
descaminhos do velho centro. Muitos desses sujeitos, além de pesquisadores, são
técnicos e gestores de instituições estatais habilitados e autorizados para intervirem
em certas dimensões da vida material, social e cultural do Centro Antigo. Outros
sujeitos, mediante uma sociabilidade ativa e cotidiana, são usuários - moram,
trabalham, passeiam, estudam - desse singular espaço da cidade e, nessa condição,
continuam a afirmá-lo como fato histórico e, não somente, como fato estético.
Trata-se, portanto, de interpretações e práticas de sujeitos estratégicos
que, na condição de interlocutores, contribuem para a demarcação de impasses e
perspectivas das políticas de preservação, mediação crucial das expressões e
desafios do restauro arquitetônico no Centro Antigo de São Luís.
Nessa perspectiva, mediante o estudo de formulações teóricas, da
recuperação de depoimentos em jornais e entrevistas diretas com representantes
desses sujeitos, registro agora interpretações e vozes que também ajudam a
compreender os modos através dos quais situações de abandono e restauro
arquitetônico se manifestam, convivem e se contrapõem, definindo desafios e
possibilidades à restauração de edificações da arquitetura luso-brasileira no Centro
Antigo de São Luís. Então, referenciada na dinâmica atual desse Centro, dois foram
os temas centrais escolhidos para orientar tais interlocuções. São eles:
determinantes das expressões do abandono e desafios da preservação.
107
Interpretações de pesquisadores
O Centro Antigo de São Luís vem, progressivamente, sendo estudado e
debatido em um conjunto de teses, dissertações, livros, artigos, monografias. A
despeito dos objetos de pesquisa e fundamentos teóricos diversos, preponderam
nos trabalhos acadêmicos que tomei como fonte de pesquisa e análise,
reconhecimentos consensuais quanto ao fato de que, na atualidade, o acervo
arquitetônico da cidade, hoje Patrimônio Cultural da Humanidade, é vitimado pelo
abandono e pela descaracterização, expondo o conflito entre o discurso e a prática
do poder público (BURNETT, 2008, p. 93).
Assim, Burnett53 aborda o estado de abandono da área central de São
Luís e indica a baixa densidade ocupacional, o comprometimento de núcleos
residenciais, os serviços urbanos obsoletos e a presença de atividades comerciais
dinâmicas e caóticas como algumas das expressões e mediações do abandono. A
degradação física se dá, em grande medida, pela saída dos habitantes de alta e
média renda da área central, seguindo novos paradigmas locacionais de moradia.
Nessa fuga, é levado o comércio de luxo e deixado, como corolário, o processo de
abandono. Assim, para o autor:
Apesar dos vultosos investimentos com recursos públicos e do Título de Patrimônio da Humanidade concedido pela UNESCO - que repete a mistificação do tombamento dos anos 70, agora sob interesses internacionais -, a crise se agrava. O abandono se consolida com a decisão das autoridades públicas de seguirem as elites econômicas levando os aparelhos do poder executivo, legislativo e judiciário para a região litorânea. O novo espaço das elites, agora consolidado como nova centralidade urbana graças aos símbolos do Estado, é o cenário do século XXI. (BURNETT, 2008, p.97)
Para Burnett, o abandono do Centro Antigo estabelece forte relação com
o desinteresse de diversos agentes - públicos e privados - possíveis de desencadear
mudanças na produção desse espaço citadino e, consequentemente, na reversão do
seu abandono em pleno curso. Como afirma Ermínia Maricato (op. cit. BURNETT,
2008, p. 98): Em São Luís, o discurso é o da reabilitação do centro, porém
governos e capitais privados investem fora dele, condenando-o à ruína .
53Trata-se do artigo políticas de elitização e popularização nas áreas centrais de São Luís do Maranhão publicado na Revista de Políticas Públicas do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), em 2008.
108
Marluce Wall de Carvalho Venâncio na sua dissertação de mestrado54
argumenta que a grave situação de abandono do Centro Antigo gerou o PPRCHSL,
iniciado em 1979. A autora analisa aspectos pertinentes a este Plano destacando as
relações estabelecidas com as definições do Plano Diretor da cidade de São Luís de
1992, no que diz respeito às zonas tombadas pelos governos federal, estadual e
municipal. Enfatiza aspectos do PPRCHSL, assinalando à prioridade conferida a
recuperação do Centro Histórico, reconhecido como espaço degradado de grande
valor ambiental, o que justifica as preocupações do Programa em respeitar as
especificidades da área e seu tempo histórico, valorizando seus atributos culturais e
ambientais. Segundo Venâncio (2002, p. 6): A intervenção resgatou e tem resgatado para a população aquela área da cidade. Enquanto a cidade nova sonha em ser aceita num mundo globalizado, é a cidade antiga quem reata a velha ligação com o mundo, do tempo do Brasil colônia, ao ser incluída, pela força de sua História, na Lista de Patrimônio Mundial da UNESCO.
Dissertando no ano de 2002, Venâncio argumenta que, depois de São
Luís ter seu nome inscrito na Lista do Patrimônio Mundial (1997), as perspectivas de
ampliação e consolidação do PPRCHSL eram muito grandes. Atenta a algumas das
linhas de trabalho, destaca o turismo cultural, a adaptação de antigos casarões para
uso habitacional, a ampliação de obras na área do Desterro e das Mercês, além da
dinamização da área já recuperada, com projetos como o da Escola de Música e o
da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UEMA. Todavia, uma das importantes
argumentações de Venâncio (2002) é o entendimento de que, no Centro Antigo,
sobrevivem modos de morar, praticas familiares e cotidianas, trajetórias individuais
de moradores, que a levam a afirmar:
[...] é que a vontade de ser moderno e o apego ao passado, o amor aos casarões, aos mirantes, às tradições culturais, fazem parte da cidade, de seus habitantes. Talvez tenha sido o fator fundamental para a manutenção das estruturas antigas porque, mesmo enfrentando a degradação e o abandono de imóveis, o centro de São Luís, quer pelo uso residencial, quer pelo comércio ativo, quer pelas atividades institucionais, é uma área vibrante55. (VENÂNCIO, 2002, p. 6-7)
54Dissertação intitulada As razões, as paixões, as contradições de morar no lugar antigo: uma investigação sobre o habitar contemporâneo no patrimônio cu , defendida junto ao Mestrado em Desenvolvimento Urbano da Universidade Federal de Pernambuco, em 2002. 55 Na análise de Venâncio (2000), um trecho, em especial, mantém a predominância de habitações, unifamiliares em sua maioria: entre a Rua do Egito e o Largo de Santo Antônio, da Rua dos Afogados à Beira-Mar. Área de tombamento estadual contém a Fonte do Ribeirão e a Igreja de Santo Antônio que estão incluídas na lista do Patrimônio Mundial da UNESCO.
109
Na sua tese de doutorado56, Geórgia Patrícia da Silva enfatiza que nas
experiências de revitalização do bairro da Praia Grande, situado no Centro Antigo de
São Luís, os bens culturais foram reapropriados pelo poder público para forjar uma
nova identidade para o patrimônio edificado. Isto contribuiu para mascarar os
problemas e o abandono da região. Ressalta a autora que, a partir de estratégias de
marketing, a cidade é vendida no mercado global referência é uma idade de ouro identificada com o período colonial e imperial, que
não alcança os dias de hoje.
Na análise que faz sobre o que apreende como
sobre os contextos político-governamentais e formatos técnico-
institucionais das propostas de revitalização para o Centro Antigo, Silva (2010)
destaca o chamado Projeto REVIVER, formulado à época do governo de Epitácio
Cafeteira. Toma este projeto como ponto de partida das considerações que tece em
relação à natureza mutável do patrimônio em decorrência do uso, desuso e
reutilização do espaço urbano, condicionados pelos conflitos em que o espaço é
disputado. Então, demarca: os problemas que a Praia Grande tem enfrentado
guardam relação direta com a atuação do poder público. Isto aparece nas
estratégias de promoção da cidade espetáculo, que tende a ofuscar o esvaziamento
urbano e a racionalidade do capital nos usos e desusos do Centro Antigo.
A autora também conjectura sobre o fato da degradação se encontrar
incorporada ao próprio discurso do poder público, na medida em que as justificativas
da atuação governamental na preservação e revitalização do acervo patrimonial se
fundamentaram, em larga medida, na ideologia da decadência. Assim, a
constatação do grau de degradação do Centro Antigo, especificamente do bairro da
Praia Grande, foi determinante para que os agentes, sob a forma institucional de
entidades governamentais, empresas e sociedade civil, dessem a largada rumo aos
programas de revitalização na década de 1980. Na visão da autora: O centro antigo já era apresentado à população como um caso problemático. A região era relacionada com decadência por diversos motivos, principalmente pelas décadas de ritmo econômico lento, posto que as áreas se assentavam sobre as atividades portuárias e, com o tempo, perdeu fôlego, especificamente pelo abandono dos sobrados pela elite. (SILVA, 2010, p. 63)
56Tese intit De volta à Praia Grande2010, junto ao Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
110
Cláudio Nogueira, Marise Ferreira Alves e Ricardo Gaspar Kosinski em
trabalho monográfico57 sobre o Centro Antigo de São Luís tratam da gestão do
Iphan-MA sobre ações de estabilização e conservação em imóveis considerados em
situação de risco. A configuração dessas ações pressupõe o não envolvimento de
proprietários e moradores, bem como a ausência da manutenção e ocupação efetiva
dos imóveis. Ou seja, trata-se de situações que possibilitam reconhecer que a
legislação sobre a preservação do patrimônio construído e as políticas públicas
efetivadas no sentido da reversão do quadro de abandono não tem sido suficientes
para assegurar a preservação das edificações. Nessa linha de argumentação, os
autores acentuam a realidade do abandono, afirmando que:
A realidade sócio-econômica destes novos moradores, incompatível com os custos de manutenção de imóveis com características construtivas peculiares levou várias destas edificações a sofrer com a degradação, gerando um alto risco de desaparecimento de exemplares importantes da arquitetura dos séculos XVIII e XIX, mesmo que protegidos legalmente. (NOGUEIRA; FERREIRA; KOSINSKI; 2008, p.1).
Vozes de moradores
Os pontos de vista aqui registrados sobre o abandono e os desafios da
preservação do Centro Antigo resultam de entrevistas diretas com três moradores,
na verdade, uma espécie de conversa, que desconsiderou preocupações mais
rigorosas com a questão da representatividade desses depoimentos em relação à
totalidade dos moradores dessa parte da cidade, hoje estimada em 10.517
residentes (dados de 2010).
Tratam-se, portanto, de informações verbais obtidas por intermédio de
comunicação pessoal num clima de muita espontaneidade, condição que não limitou
a abordagem, através da memória e de relatos do cotidiano, de elementos bastante
elucidativos em relação aos temas em debate. Também o fato de dois desses
moradores encontrarem-se envolvidos com atividades relacionadas à Associação
Comunitária do Centro Histórico de São Luís e a União de Moradores do Centro
contribuiu para ampliar a demarcação de questões pertinentes aos desafios da
preservação do Centro Antigo de São Luís.
57Tomo como referência a monografia Intitulada e São Luís: ações de preservação e engajamento Universidade de Brasília (UNB), em junho de 2008.
111
Seu Francisco do Centro Antigo de São Luís é
algo real, vivido cotidianamente por aqueles que ali habitam 58.
Ao falar desse tema, traz à tona uma série de fatos e detalhes: a saída de
moradores, o descaso com as ruas, as escadarias das ruas quebradas, os prédios
em vias de desabamento, a falta de policiamento, pronto a acontecer somente
o Centro está extremamente perigoso é
recorrente.
Dentre a multiplicidade de aspectos abordados por esse morador quanto
aos desafios da preservação do Centro Antigo, destaca-se a interrogação que faz
sobre o papel e as ações de agentes, públicos e privados, envolvidos nas
intervenções arquitetônicas na Praia Grande. Deduzo então, que ele vislumbra ou
conhece o complexo enredamento político-burocrático peculiar à efetividade das
políticas de preservação e revitalização. Assim, Seu Francisco fala sobre um
hipotético projeto de restauro para um prédio em precário estado de conservação:
Se for um prédio em ruínas, esse prédio, dizem que é preciso autorização de A, de B, de C de mundos e fundos, que aí quando terminam de conseguir a última autorização o proprietário já não tem mais dinheiro. E pra fazer tem que ir ao IPHAN, nisso aquilo outro. Ou seja, o governo cria tanta burocracia que os proprietários se sentem pressionados a passar os prédios pro governo, para aí então eles fazerem isso que eles estão fazendo. É secretaria disso, secretaria daquilo e a população tá se afastando do Centro. Nós não temos morador, nós temos a área comercial do Centro. Os moradores vão saindo daqui, os turistas vão se sentindo desprotegidos, porque onde não tem gente eles não se sentem seguros. (informação verbal)59
Características atuais do mercado de imóveis no Centro Antigo e
privilégios concedidos aos estrangeiros, no caso, franceses, são vivamente
criticados pelo morador entrevistado60. Observa ainda, em relação à compra de
imóveis por franceses, que este tipo de proprietários não estabelece laços de
vizinhança e de pertença definitivos com o local, deixando fechados os imóveis. Se eu sair da minha casa a noite não tem ninguém aqui. A maioria desses prédios aqui é de franceses agora. Eles vêm de outros países, tomam conta do que é nosso e fica por isso mesmo. Eles têm o maior privilégio. Não pode entrar carro nenhum aqui, agora chegam os franceses os carros deles podem entrar aqui a qualquer hora. 60% são dos franceses, comprando e ficando fechado [...]. Esperando a melhor hora pra utilizar.
58 Informação verbal fornecida por Silva, mediante entrevista direta, em São Luís, em agosto de 2010. 59 Informação verbal fornecida por Silva, mediante entrevista direta, em São Luís, em agosto de 2010. 60 A observação do entrevistado sobre os compradores de imóveis no Centro Antigo é indicativa da realidade também apontada por Arthur Silva, gerente de vendas de uma imobiliária da cidade de São Luís, no Jornal O Imparcial, querem empreender, e outros, apenas para especulação imobiliá
112
No depoimento de Seu Francisco, sobressai-se ainda à importância
atribuída ao direito da permanência dos moradores no Centro Antigo, quando da
realização de obras de requalificação de edifícios e áreas do bairro. Recupera a
expulsão de moradores da Rua de Nazaré, e, na sua narrativa, vai desenhando a
teia de relações constitutivas desse acontecimento, cujo corolário e materialidade
hoje se apresentam sob a forma de edifícios escorados, falta de uso e ausência de
vida nos casarios velhos, degradados e abandonados. Todos que começam não terminam porque quando eles estão começando a obra chega engenheiro de A, de B e de C, chega bombeiro e embargam a obra. Aí coloca um bando de pau escorando o prédio. Rua de Nazaré cheio de prédio tudo escorado. Antes era cheio de moradores, hoje não tem nenhum, só órgão de governos, corregedoria. Onde não tem morador fica a mercê dos marginais. Aqui na Praia Grande era só morador, arrodeando tudo aqui era só morador. Prédios de aluguel que alugavam os quartinhos. Os edifícios foram fechados por conta da burocracia. O IPHAN chega aí e embarga tudo. Pra fazer funcionar repartições públicas não tem nenhuma burocracia. (informação verbal)61.
Na entrevista com o Presidente da Associação Comunitária do Centro
Histórico de São Luís, este enfatiza que o Projeto Reviver se constitui um marco em
termos de melhorias para o Centro Antigo. Mas, registra os pequenos investimentos
feitos no campo da promoção da moradia social. Fala somente da reabilitação de
uma edificação para fins de habitação social, denominada de Projeto Piloto.
Esses prédios não estão caindo mais aos pedaços porque tem pessoas morando. O poder constituído tem que ter sensibilidade pelas pessoas que moram aqui. Se isso aqui existe, se isso aqui está de pé foi porque alguém conservou. (informação verbal) 62
Ainda segundo o Presidente da Associação Comunitária do Centro
Histórico de São Luís, o turismo melhorou, mas as políticas de revitalização do
patrimônio não têm como prioridade a permanência das pessoas que vivem no
Centro. Então, o abandono, além da sua expressão material, evidente nas fachadas
degradadas, arruinadas, recai também sobre parte da população residente. Um
sentimento de perda, de vazio, transparece diante do fato de que, na sua visão, são
os moradores, com seus modos de morar, convivência e lutas cotidianas que dão
vida ao Centro Antigo, mas estes estão sendo pressionados a também abandoná-lo.
61Informação verbal fornecida por Francisco, mediante entrevista direta, em São Luís, em agosto de 2010. 62Informação verbal fornecida pelo Presidente da Associação Comunitária do Centro Histórico de São Luís, mediante entrevista direta, em São Luís, em agosto de 2010.
113
Estamos abandonando por não termos condições de moradia, quem tá comprando esses prédios são os franceses. O empresário maranhense não tem uma visão, infelizmente, de que isso aqui daqui um tempo vai virar um negócio lindo. Fico triste em ver que a mentalidade dos gestores e empresários é muito pequena. Isso aqui os estrangeiros vão tomar de conta. Falta estrutura, tudo quebrado, muito ladrão, muito bandido. Há que se melhorar em todos os níveis. Pra quem mora, quem vem de fora. [...] Tem pessoas que nunca viveram aqui e moram aqui agora nuns prédios bonitos. E a gente que é morador de baixa renda, pessoas que trabalham, morador, de camelôs, zona maravilhosa são essas pessoas que moram aqui. Tem que conservar essa vivência. Aqui moram pessoas decentes, esquecidas. Necessitamos de habitações baratas que possamos pagar. [...]
cearense que comprou. Tá sempre lotado. Aqui tem feira, tem festinha da cultura. Eu como morador quero ter um apartamento meu. Vivemos temerosos pela chegada do momento que vão expulsar a gente. Daqui a pouco isso aqui vai ser uma colônia aí qualquer de um país desses. Vai ser uma colônia da França, da Itália... Tem que acabar com essa venda de prédio pra gringo63.
O Presidente da União de Moradores do Centro Histórico, o terceiro
morador entrevistado, identifica as ruínas de antigas edificações e a falta de áreas
de lazer como expressões do abandono do Centro Antigo. Pontua o início da década
de 1980 como primeiro momento do progressivo processo de abandono. Destaca a
extinção da Zona do Baixo Meretrício (ZBM) como crucial para o desaparecimento
da vitalidade desse pedaço da cidade.
Para o entrevistado, naquele período, os prédios tinham uso, as ruas
tinham vida. Os edifícios, abrigando os cortiços, segmentavam-se interiormente sob
a forma de cujo destino era o aluguel. Lamenta o fato de que às oito
horas da noite, todas as casas estejam de portas fechadas e sente saudades do
passado, pois hoje só lhes restam saudade e memórias de cabaré que hoje já não
tem mais 64.
O mesmo entrevistado, ainda que sem invocar o cenário de sujeira,
fedores e escombros presentes em muitos pontos do Centro Antigo, aborda as
novas práticas e sociabilidades que começam a se desenvolver entre becos e
casarios abandonados, mediante a sua ocupação por moradores de rua ou
vendedores e usuários de drogas ilícitas, como o crack. Desenha-se então um
cenário bem distante dos traços ufanistas, fotografias e imagens publicitárias
vendidas aos turistas em relação ao velho centro da cidade de São Luís.
63Informação verbal fornecida, mediante entrevista direta, pelo Presidente da Associação Comunitária do Centro Histórico de São Luís, em São Luís, em agosto de 2010. 64Informação verbal fornecida, mediante entrevista direta, pelo Presidente da União de Moradores do Centro Histórico de São Luís, em São Luís, em agosto de 2010.
114
Visão de técnicos e gestores
Desde os momentos anteriores à formulação de propostas mais
sistemáticas de intervenção estatal no Centro Antigo de São Luís, a exemplo do
PPRCHSL, um importante grupo de técnicos e gestores encontra-se envolvido na
tarefa de contribuir para a preservação do Centro Antigo de São Luís.
Assim, de Dora e Pedro Alcântara65, passando por Luiz Phelipe de
Carvalho Castro Andrès66, Ana Eliza Cantanhede Pereira67 e Kátia Fonseca Bógea68
e alcançando outros tantos profissionais de diversas áreas de saber e vinculados a
diferentes instituições tem-se uma fonte importante de pesquisa, da qual não se
pode prescindir para investigar, debater e interpretar expressões e questões
pertinentes ao edificado construído no Centro Antigo de São Luís. Destaco, nos
limites desta dissertação e numa perspectiva de análise qualitativa, a visão de três
sujeitos sobre determinantes do abandono e desafios da preservação desse Centro.
Na análise de Phelipe Andrès há uma compreensão que funciona como
uma espécie de pressuposto, que bem pode ser sintetizado neste escrito de sua
autoria sobre o Centro Antigo de São Luís:
Quase paralisada no tempo durante a primeira metade do Século XX, São Luís teve, [...] a sorte de ter conservado intactos esses valores acumulados ao longo de três séculos de história. Seu atual Centro Histórico conserva, como em nenhum outro lugar do mundo a maior extensão de arquitetura civil de direta origem europeia, adaptada a um meio ecológico único, ao clima e às necessidades específicas da zona equatorial. (ANDRÉS, 1998, p.27).
Tal pressuposto aparece traduzido e atualizado no seu depoimento,
marcado pelo entusiasmo e otimismo, mas também por expectativas, sobre os
caminhos do Centro Histórico [...] Quanto mais eu saio, mais eu fico
impressionado com isso aqui. É um patrimônio muito denso, muito rico. Nossa
geração nem foi capaz de destruir isso 69.
65Dora e Pedro Alcântara são arquitetos e participaram dos momentos iniciais nos quais se deram transformações pioneiras no campo da restauração arquitetônica da cidade de São Luís. É deles a autoria do projeto de restauração do Solar São Luís, um dos estudos de casos desta dissertação. 66Phelipe Andrés coordenou durante 27 anos o PPRCHSL, sendo reconhecido como um dos técnicos que mais conhece os caminhos e descaminhos da preservação do patrimônio edificado do Centro Histórico de São Luís. 67 Ana Eliza Cantanhede, na condição de arquiteta, é autora de importantes obras de restauração arquitetônica no Centro Antigo de São Luís. É da lavra do seu escritório de arquitetura dois dos casos de restauro analisados mais detidamente nesta dissertação. 68Kátia Fonseca Bógea, atual Superintendente do Iphan-Ma, exerce esta função num momento singular da trajetória do Centro Antigo: aquele no qual a Instituição que dirige, diante da omissão de outros órgãos estatais e proprietários privados, vem, cada vez mais, trabalhando diretamente em ações de preservação e restauro. 69Informação verbal fornecida por Phelipe Àndres, mediante entrevista direta, em São Luís, fevereiro de 2012.
115
Consoante a este modo de pensar, critica a visão de Centro abandonado,
pessimista, pois esta realça a ideia de que perdemos nosso patrimônio. Ao falar das
ruínas, pondera que duas administrações estaduais, se forem seguras, sensíveis,
dedicadas, até esta expressão mais radical do abandono poderá ser resolvida.
Assevera que arqueologia, documentação, técnicas de restauro permitem recuperar
muita coisa, transformando tudo numa joia de novo. Nessa perspectiva, Phelipe
Andrès considera o quanto foi decisiva a contribuição do PPRCHSL nos rumos da
preservação do Centro Histórico de São Luís, e comenta:
[...] O Centro Antigo está aí. Obra de um Programa de Preservação que durou 27 anos. Um trabalho muito bem feito. [...] Obras que estão funcionando bem e provam que é possível uma área histórica sobreviver às incongruências da vida contemporânea [...].
A partir tenha
sido interrompido pelo governo José Reinaldo Tavares, mas argumenta que, no
presente, o Governo Municipal, ausente de fases importantes do desenvolvimento
do Programa, dever assumir, dadas a sua proximidade ao território da cidade e suas
prerrogativas em legislar e intervir sobre ela, a iniciativa e a liderança das ações de
preservação do Centro Histórico.
De modo a reiterar a relevância da missão, reforça a ideia de que a
preservação desse território é tarefa do Estado e, também, da sociedade civil. No
contexto das novas agendas para a retomada de ações substantivas nesse campo,
destaca duas iniciativas que carregam possibilidades de estreitar o vínculo entre o
Governo Municipal e o Centro Histórico: o Fundo de Participação e o Núcleo Gestor.
No entanto, como essas estratégias político-institucionais ainda não se encontram
consolidadas, Phelipe Andrès registra a ausência de grandes ações e investimentos
do Governo Municipal e destaca a presença do IPHAN nas ações relacionadas à
preservação do Centro Histórico.
[...] De lá pra cá quem vem fazendo intervenções na área do Centro Histórico é o IPHAN. Por uma razão paradoxal. O Ministério Público processa o IPHAN, o órgão que tomba, quando o proprietário não faz é obrigado por Lei a fazer isso, e depois cobrar do proprietário. Os promotores viram isso na Lei e foram em cima do IPHAN. [...] Apesar da equipe do IPHAN não ter fôlego para projetar, hoje, quem está fazendo as melhores intervenções é o IPHAN70.
70Informação verbal fornecida por Phelipe Àndres, mediante entrevista direta, em São Luís, em fevereiro de 2012.
116
Sobre os desafios atuais do Centro Histórico, Phelipe Andrès expõe de
forma pormenorizada seu aprofundado conhecimento sobre este tema e questão.
Acredita que os desafios de ordem técnica já estão todos respondidos, superados.
Restam desafios amplos e complexos ligados à definição de um modelo de cidade,
então, argumenta:
Nós, em São Luís, não sabemos o que é transporte coletivo. [...]. Quem tem carro não quer morar no Centro. O cliente não tem facilidade de acessibilidade. Morador não tem garagem. Investimentos são dirigidos para outras áreas da cidade. Tais situações resultam de um conjunto de causas, como o problema do fascínio pelo automóvel, que determinam um modelo de cidade. Maior obra considerada como grande presente pra São Luís é a Via Expressa, ligando os maiores shoppings da cidade. Estrada para abrir mais caminhos para o automóvel. Ninguém disse: vamos salvar o nosso tesouro que deu a São Luís visibilidade internacional. Isso está na contra mão do mundo. Fora daqui investem maciçamente em transporte coletivo e transporte individual de massa. Esse tipo de solução não existe uma [...]71.
A longa experiência de Phelippe Andrès à frente do PPRCHSL lhe
permite tecer comentários avaliativos em relação à estratégia de (re)valorizar o
Centro Histórico mediante funções públicas, coletivas, concedendo importância à
função moradia, especialmente a moradia social. Nesse sentido, diz ele:
[...] Piloto de Habitação uma experiência que decidimos não repetir. Ideia romântica, manter moradores de baixa renda, é uma ideia bonita, mas não funcionou na prática. [...] Então, encontramos outro nicho. Professores da escola de música, polícia militar, funcionários públicos. Renda mínima, desconto na fonte para não ter inadimplência. Nível educacional melhor, conflitos entre vizinhos administráveis. Casos de sublocação, mas uso habitacional mantido. Faltou trabalho educativo, capacitação pras pessoas poderem morar em coletivo. Tem que ter essa preparação pra educar essas pessoas pra morar. [...].
Kátia Bogéa, em entrevista concedida ao Jornal O Imparcial de 23 de
outubro de 2011, enfatiza a necessidade de iniciativas por parte do poder público
para preservar e ocupar de forma harmônica a área do Centro Histórico. Diz ela:
O Centro possui onze bairros. No Desterro, por exemplo, é mais habitacional. Na Praia Grande, cerca de 80% é comercial e institucional. Na área do Mercado Central tinha mais habitações. Então, é preciso mais equilíbrio, mais harmonia, caso contrário, por exemplo, o comércio pode espantar as pessoas que moram no local. Em outras cidades históricas, há uma harmonização maior. Há imóveis de moradia, serviços e comerciais, de forma equilibrada. O Centro Histórico deve ser multifuncional. E isto deve ser controlado pela municipalidade, através de Planejamento Urbano ou Plano Diretor.
71Informação verbal fornecida por Phelipe Àndres, mediante entrevista direta, em São Luís, em fevereiro de 2012.
117
Para além de suas funções definidas formalmente, a crescente
intervenção do Iphan-MA no patrimônio edificado do Centro Antigo de São Luís -
estabilizações, monitoramento de casarões, articulações e convênios para obras de
restauração arquitetônica - concretiza a decisão desse órgão em procurar reverter o
abandono e a degradação de muitas edificações. Nessa esfera, destaca-se o projeto
de restauração e reabilitação de um sobrado em ruínas, localizado à Rua da Estrela,
que deverá abrigar o Centro de Referência do Tambor de Crioula do Maranhão.
Sobre o projeto Kátia Bógea afirma que:
Para a elaboração desse projeto foi criado um Comitê Gestor da Salvaguarda do Tambor de Crioula em 2008, composto por representantes do poder público e da sociedade civil. Essa composição está pautada na política para o patrimônio cultural imaterial do Iphan que defende a gestão participativa com representação, nesses comitês, do poder público e de representantes do bem registrado72.
Um ponto de vista constituído de elementos bastante importantes em
relação à demarcação dos desafios do Centro Antigo de São Luís me foi
apresentado por Marise Ferreira Alves arquiteta do Iphan-MA, desde 1995.
O Centro Histórico de São Luís, mais especificamente o núcleo mais antigo, continua naquele processo de esvaziamento da população residente, com perdas físicas e de uso. Apesar de mal tratado pela falta de manutenção e de ações preventivas, esquecida dos atuais governantes locais, ainda assim está com a aparência urbana infinitamente melhor que antes dos projetos de revitalização iniciadas na década de 80, mas perdeu muito de seu patrimônio material autêntico, justamente pela falta de ações preventivas. O governo federal só pode investir verba pública em bens privados em caso de risco iminente e, nesses casos, as perdas são inevitáveis e o custo da obra fica altíssimo. Os desafios continuam sendo o pouco reconhecimento do valor de nosso patrimônio, o alto custo da restauração, a falta de mão-de-obra com o mínimo de qualidade e a insuficiência do corpo técnico nos órgão de preservação, cujas atribuições só aumentam a cada dia passando pelo campo da educação patrimonial, fiscalização, orientação técnica, atendimento ao publico, análise de projetos, instrução de processo interno e para o MP, emissão de laudos e serviços burocráticos de toda a espécie que fazem parte do nosso dia a dia. Reconhecemos que grande parte dos trabalhos realizados, a maioria na verdade, não pode ser considerada como verdadeira restauração, pelo menos no conceito mais moderno de Brandi. Tentamos fazer o melhor, mais esbarramos nas leis de contratação pelo menor preço, na má qualidade da mão-de-obra, na pressa das empresas contratadas para terminar (pois tempo é dinheiro) enfim, as leis do mercado não condizem com os pormenores da restauração. Os melhores exemplos ficam com as intervenções em igrejas. Quanto ao reconhecimento pela sociedade da importância da restauração ou mesmo pelos arquitetos, o pensamento comum é renovar. A aparência do novo e do moderno é ainda o que mais seduz. [...]73
72 han no Maranhão inicia obra para instalar a Casa do Tambor de Crioula de 25 de janeiro de 2012. Disponível em: < http://portal.iphan.gov.br >. Acesso em: 6 fev. 2012. 73Informações concedidas através de entrevista, realizada via e-mail, em fevereiro de 2012.
118
Das interpretações e vozes de estudiosos, moradores, técnicos e gestores
aqui reunidas parece ser possível depreender sobre a existência de um Centro
Antigo cindido: de um lado, uma sociabilidade e edificações à deriva, do outro lado,
uma longa trajetória de ações, ainda que pontuais, no campo da preservação e da
restauração arquitetônica. Tal situação reafirma dois argumentos pertinentes aos
interesses de estudo que referenciam esta dissertação: a) o reconhecimento de que
os processos que levam o centro de uma cidade a transformar-se de lugar de
realização de atividades econômicas e de forte identidade em função da
particularidade de seu patrimônio edificado são amplos e
complexos; b) as políticas de preservação , apoiadas,
sobremaneira, em valores e consumo culturais e na crescente legislação de controle
dos modos de apropriação e uso do território e das edificações, ainda não se
constituíram como respostas efetivas para superar o abandono.
Reconhecidas e demarcadas parte dessas inquietantes questões
presentes no Centro Antigo de São Luís, cabe procurar pensar as expressões e
desafios da restauração arquitetônica a partir das formulações teóricas de
estudiosos que colocaram o cuidado, a preservação das edificações e dos sítios
históricos no centro das suas preocupações, estudos e experiências profissionais
concretas.
119
4. TEORIAS DE RESTAURO: referências para pensar abandono e restauro em arquitetura
Neste capítulo, sistematizo o resultado dos estudos teóricos que efetivei
sobre o campo disciplinar da Restauração, mediante a análise de aspectos
conceituais da obra de sete autores: Viollet Le Duc (1814-1879), John Ruskin (1819-
1900), Camilo Boito (1836-1914) e Gustavo Giovannoni (1873-1947), AloïsRiegl
(1857-1905), Max Dvorák (1874-1921) e Cesari Brandi (1906-1988). A escolha
destes autores deveu-se, como indicado na Introdução, ao reconhecimento de que
suas teses centrais e ações práticas amalgamaram modos de reconhecer, entender
e lidar com bens culturais. Assim, a despeito das contradições e conflitos existentes,
muitas decorrentes dos contextos históricos específicos que as referenciaram, essas
teses são incontornáveis no entendimento da restauração como fundamentada hoje.
Aqui, as apresento segundo quatro itens: Restauro Estilístico e Pura
Conservação: um embate entre John Ruskin e Violet-le-Duc (1); O contexto
vienense: o pensamento de Alois Rïegl e Max Dvorak (2); O restauro filológico: as
proposições de Camillo Boito e Gustavo Giovannoni (3); A Teoria de Cesari Brandi
(4). Cada um dos itens acima, representando correntes conceituais específicas,
aborda aspectos biográficos, teses centrais de cada teoria e intervenções passíveis
de demonstrar alguns critérios práticos empregados, em acordo ou não, com os
preceitos teóricos dos quais seus autores são tributários.
Escolher esses autores, não significa desprezar o fato de que, no século
XVIII, a preservação já havia adquirido contornos de ação cultural num quadro de
reconhecimento da distância entre passado e presente e de ampliação sobre aquilo a
ser considerado monumento histórico. Para Kühl (2009), as formas de intervir em
bens legados por outras épocas passaram, no decorrer dos séculos, por mudanças
ligadas a alterações nas relações de uma dada cultura com seu passado74.
74Na análise de Kühl (2009, p. 59), essas alterações podem ser consideradas como: Um momento critico, apontado por variados autores, que dá as bases para a preservação hoje, ocorreu na segunda metade do século XVIII. Até então, as atuações em obras preexistentes eram voltadas, de maneira geral, para sua adaptação às necessidades da época e ditadas por exigências práticas, em especial as de uso. No entanto, houve um processo gradual de alteração do modo de lidar com bens legados por outros períodos, que tem suas raízes no Renascimento italiano e se acentua em finais do século XVIII devido a vários fatores, entre os quais o Iluminismo, as profundas e aceleradas alterações ocasionadas pela chamada Revolução Industrial e as reações às destruições maciças posteriores à Revolução Francesa. Acentuou-se paulatinamente a noção de ruptura entre passado e presente, fazendo com que a forma de lidar com o legado de outras gerações reconhecido como de interesse pra cultura se afastasse, cada vez mais, das ações ditadas por razões pragmáticas, assumindo conotação fundamentalmente cultural, voltada aos aspectos estéticos, históricos, memoriais e simbólicos dos bens, também com fins educativos .
120
No entanto, é no século XIX, que, citando as palavras de Boito (2008),
.
Concorreu para tal: o surgimento de formulações teóricas mais sistemáticas e
consistentes, a criação de instituições e cargos voltados a proteção dos
monumentos, a exemplo da Comissão dos Monumentos Históricos, na França em
1837, e a promulgação de medidas legais. Como verifica Choay (2006), no período
entre 1820 e1960 dá-se uma unidade incontestável no modo pelo qual o monumento
histórico passa a obter status, um período de consagração, como corolário definitivo
do advento da era industrial. Para esta autora, a virada do século XIX é marcada,
sobretudo, na Itália e na Áustria, por um questionamento complexo, de uma lucidez raramente igualada daí por diante, dos valores e das práticas do monumento.
Nessa perspectiva, a Carta de Veneza, documento normativo
internacional, elaborada em 1964, que trata sobre conservação e restauração de
monumentos e sítios, reitera o quadro teórico e prático no interior do qual se inscreve
o monumento histórico, conforme debatido e criado ao longo do século XIX.
4.1 Restauro Estilístico e Pura Conservação: um embate entre Violet-le-Duc e
John Ruskin
Violet-le-Duc e John Ruskin são figuras emblemáticas quanto a visões
teóricas e modelos interventivos totalmente opostos no tocante aos bens culturais.
De um lado, o entendimento do restauro como a pior forma de destruição que pode
sofrer um edifício. Do outro lado, a defesa do intervencionismo distante da
manutenção e reparação, capaz de restabelecer uma obra em uma completude
hipotética. No entanto, o entendimento das teses dos dois autores é fundamental, na
medida em que ambos apresentam importantes contribuições para a compreensão e
construção de concepções ricas e estruturantes sobre o tema da restauração e as
vicissitudes do restauro no passado e no presente.
O arquiteto francês Eugène Emmanuel Viollet-le-Duc (1814-1879) teve
sua formação concretizada ao longo de intensas e variadas atividades. Elas
abarcaram o trabalho prático para escritórios de arquitetura de seu país, a França,
bem como a docência, cargos institucionais importantes75 e viagens de estudo.
75Viollet-le-Duc foi nomeado inspetor geral dos edifícios diocesanos em 1853, cargo no qual detinha a autoridade sobre a avaliação dos projetos de restauração.
121
Esse amplo e variado conjunto de atividades contribuiu para o
fortalecimento do interesse de Viollet-le-Duc pela arquitetura medieval e o levaram a
sedimentar a certeza de que [...] existem princípios verdadeiros de adequação da
forma à função, da estrutura à forma e da ornamentação ao conjunto, seja na
arquitetura clássica seja na arquitetura medieval .
No verbete Restauro76, Viollet-le-Duc delineia suas principais formulações
conceituais sobre a lida com os edifícios. Destaco aqui, algumas das que considero
mais importantes e um exemplo do seu modo de intervir: A Igreja La Madeleine
Vezelay na França.
Em relação à teoria da restauração, Viollet-le-Duc assume uma postura
pragmática e reconhece que, em meados do século XIX, tal atividade era um
assunto moderno77. Define de modo incisivo que: Restaurar um edifício não é
mantê-lo, repará-lo ou refazê-lo, é restabelecê-lo em um estado completo que pode
não ter existido nunca em um dado momento (VIOLLET-LE-DUC, 2007, p. 29). Na tentativa de conceituação desse tipo de trabalho faz um alerta: as
formas históricas anteriores de lida com edifícios e monumentos do passado, em
hipótese alguma, poderiam ser classificadas como restauração, mas sim, e somente,
como restituição, restabelecimento, reparação e reconstrução. Alcançou disposições
críticas sobre esse assunto, ao expor os atos vândalos e mutiladores do Império
Romano78.
Então, o autor francês demarca que as intervenções em edifícios
anteriores ao século XIX não guardavam nenhuma relação com a profundidade
teórica e metodológica que este começava a forjar sobre a restauração. Ele enfatiza
as dificuldades relativas ao apurado conhecimento que deve ter o arquiteto para
identificar a presença de uma disposição excepcional no edifício, evitando cair em
polaridades interventivas como a reprodução fiel do passado ou a substituição
leviana dessas formas por outras posteriores.
76Verbete do livro Dictionnarie Raisonné de L`Architecture Française Du XIe au XVIe siècle, 10 vols., Paris, Librairies- Imprimeries Réunies, s.d. (1854-1868), Paris, Grund, 1985, v.8, PP. 14-34. 77Afinal, como já foi dito, trata-se de uma época na qual a sociedade fazia um movimento de valorização do passado. Nesse período, França e Inglaterra passaram a apreciar seus passados medievais. Em arquitetura, os monumentos góticos (re)emergiram como modelos ideais. Nas palavras de Fill Hearn no livro Ideas que han configurado edifícios (2006, p.25): la catedral gótica desplazó al tempo clássico como ideal en la teoria de la arquitetura. 78Erguer um arco do triunfo como o de Constantino, em Roma, com os fragmentos arrancados do arco de Trajano, não é restauração, tampouco reconstrução; é um ato de vandalismo, uma pilhagem de Bárbaros. Cobrir de estuques a arquitetura do templo da Fortuna viril, em Roma, tampouco é aquilo que se pode considerar com uma restauração; é uma mutilação. (VIOLLET-LE-DUC, 2007, p. 31)
122
Na ótica de Viollet-le-Duc, o arquiteto deve expressar o restaurar, não
como um capricho, mas como produto de árduo trabalho e pesquisa, cujos agentes,
destacadamente, arqueólogos e arquitetos, não deveriam melindra-se. Deveriam
sim, [...] vencer os preconceitos mantidos com cuidado pela numerosa classe das
pessoas para as quais toda descoberta ou todo horizonte novo é perda de tradição,
isto é, um estado bastante cômodo de quietude do espírito . (VIOLLET-LE-DUC,
2007, p. 34).
Com esse horizonte, o pensamento leduciano intenta formular e alcançar
profundidade teórica e metodológica e, porque não, ética no sentido de alargar o
conteúdo edificado passível de ser restaurado. Para além das obras da Antiguidade,
a Idade Média carecia de ser revelada, segundo o espírito perscrutador daquele
tempo e anunciador de um novo método de estudar as coisas do passado. Viollet-le-
Duc admitia que só por isso o século XIX mereceria a posteridade.
Comportava-se assim, como um profissional otimista que, ao munir-se de
espírito de crítica e de análise, poderia restabelecer a luz ante o véu da escuridão
decaído sobre os monumentos antigos. A inquietude violettiana lança mão do
romantismo, incitado pelo gótico degradado e passível de restauração. Quando
nomeado Inspetor Geral dos Monumentos Históricos, Viollet-le-Duc tece elogios às
ações do Sr. Vitet por seu posicionamento crítico, no relatório de 1831, frente ao
estatuário gótico francês bem como às arquiteturas deterioradas, a exemplo do
castelo de Councy, afirmando:
Reconstruir, ou antes, restituir em seu conjunto e em seus mínimos detalhes uma fortaleza da Idade Média, reproduzir sua decoração interior e até seu mobiliário; em uma palavra, devolver sua forma, sua cor e, se ouso dizer, sua vida primitiva, tal é o projeto que me veio primeiro à mente ao entrar na muralha do Castelo de Councy. [...] Em suas partes degradadas, quantos vestígios de pintura, de escultura, de distribuições interiores! Quantos documentos para a imaginação! Quantas indicações para guiá-la com certeza à descoberta do passado [...]. (VIOLLET-LE-DUC, 2007, p. 40)
A meu ver, um dos grandes ensinamentos de Viollet-le-Duc diz respeito
ao seu posicionamento sobre o relativismo e a importância da ponderação de dados
e fatos na atividade de restauração. Nesse sentido, enfatiza o cuidado com a adoção
de princípios absolutos, dando privilégio à ação que se efetiva em razão das
circunstâncias particulares, pois são estas permeiam o conhecimento absoluto dos
aspectos construtivos da edificação ao longo de toda sua vida.
123
Derivam daí as seguintes premissas fundamentais: o reconhecimento da
efetividade de acréscimos técnicos avançados em relação aos sistemas usados
primitivamente, a implementação da retirada de elementos ulteriores aos primitivos
de menor qualidade e o (re)estabelecimento de completamentos de acordo com o
estilo que é próprio ao edifício. O pragmatismo de Viollet-le-Duc cristaliza-se na
presença da questão do uso (função) no seu discurso sobre a restauração: O
melhor meio para conservar um edifício é encontrar para ele uma destinação, é
satisfazer tão bem todas as necessidades que exige essa destinação, que não haja
modo de fazer modificações . (VIOLLET-LE-DUC, 2007, p. 65).
Porém, esse uso, assevera o autor, deve ser pensado mediante um
processo de volta ao passado pelo profissional responsável por orquestrar a obra. O
profissional do presente deve se colocar no lugar do arquiteto primitivo e imaginar
flexibilidade permitida pela arte da Idade Média, afirmando ser fundamental o
domínio desta sintaxe como ferramenta indispensável para o pensamento na
atividade restauradora e criadora para a sua época.
Na sua ampla reflexão sobre o restauro, um dos temas mais caros para
Viollet-le-Duc Le Duc é o reconhecimento efetivo da constituição de um profissional
comprometido com conhecimentos específicos, relativos às artes e estilos das
escolas, capaz de constatar, exatamente, a idade e o caráter de cada parte de uma
edificação, a fim de saber relacioná-los entre si, e de compilar documentação
detalhada em forma de relatórios.
A Igreja La Madeleine de Vezelay, localizado a sudeste de Paris, é
reconhecida como Patrimônio Mundial pela UNESCO, desde 1979, e considerada
uma obra significativa na história da arquitetura francesa79. A nave principal em estilo
romanesco em contraponto ao coro, feito por meio de abóbodas nervuradas e arcos
ogivais, marca a transição dessa edificação rumo ao gótico do século XII. Em 1840,
este importante edifício religioso integrava a lista dos monumentos franceses que
necessitavam de restauração significativa, sendo também aventada a possibilidade
de demolição a fim de se evitar acidentes.
79Esta Igreja foi uma importante base religiosa durante as Cruzadas. Segundo JOKILEHTO (1999, p. 142), Bernard of Clairvaux, em 1146, rezou nesta Igreja para a Segunda Cruzada, e Philipe-August da França a usou como ponto de partida para Jerusalém, em 1190.
124
Figura 107 - Reprodução de fotos da vista externa e nave principal em estilo românico da Igreja La Madeleine de Vêzelay (Paris) Fonte: CARBONARA (1997)
No restauro arquitetônico da Igreja La Madeleine de Vezelay, a ação
preponderantemente marcante, orquestrada pelo arquiteto Viollet-Le-Duc, diz
respeito à substituição de arcobotantes defeituosos por novos, a fim de proporcionar
ao edifício efetiva estabilidade estrutural. Segundo Jokilehto (1999, p.143) the exiting seventeenth-century flying buttresses did not fulfilltheir required function, and were rebuilt in a structurally more correct form and in good ashlar. Verifica-se aí a crença
de que uma forma mais correta de construção deveria ser alcançada.
Figura 108 - Reprodução de gravuras da Igreja La Madeleine de Vêzelay (Paris) - Corte transversal da nave antes (esquerda) e depois do restauro (direita)
Fonte: CARBONARA (1997)
No mesmo projeto, o forro da nave principal foi restaurado, segundo a
forma que tivera originalmente e, ainda, as três abóbadas e os correspondentes
arcos transversos reconstruídos. Ou seja, efetivaram-se reconstruções inteiras ao
invés de consolidações e/ou reparos. Remover, reconstruir, restituir, modelo ideal,
busca de formas mais simétricas são palavras que demonstram intenções e práticas
veementes ante um bem, demonstrando, na busca de um estado completo que pode
nunca ter existido, aquilo que pode se denominar restauro estilístico.
125
Numa perspectiva totalmente oposta ao intervencionismo militante de
Violet-le-Duc, John Ruskin, arquiteto inglês, ganha lugar na história da arquitetura
como protagonista de uma atitude avessa a qualquer intenção restauradora de um
bem, concedendo-lhe, sim, e essencialmente, manutenção e conservação. Expõe a
defesa do seu posicionamento, especialmente, no capítulo A Lâmpada da Memória, do Livro As Sete Lâmpadas da Arquitetura. Esta obra estrutura-se segundo os dois
deveres que, na ótica do autor, se deve ter para com a arquitetura: fazê-la histórica,
em primeiro lugar e, em segundo, preservá-la como a mais preciosa de todas as
heranças. Ou seja, antes de tratar sobre conservar, disserta sobre como construir.
O ponto de partida das formulações teóricas de Ruskin é a inquestionável
importância dada à herança arquitetônica como forma de conhecimento do passado.
Podemos viver sem ela, mas não podemos sem ela recordar. Vislumbra a
apreensão da história através da leitura, não tanto de obras literárias, mas do
construído, das pedras talhadas pelas sociedades ao longo da história. Então reflete:
Como é fria toda a história, como é sem vida toda fantasia, comparada àquilo
que a nação viva escreve e o mármore incorruptível ostenta . (RUSKIN, 2008, p.54).
O foco deve recair, portanto, sobre aquilo que suas mãos construíram e que seus olhos viram todos os dias de suas vidas. Este é o produto que Ruskin conceitua
como a mais preciosa herança da história: a dos séculos passados80.
Ruskin defende a existência de algo que não pode ser renovado, ao se
construir sobre ruínas antigas. As construções domésticas (casa, habitação do
homem) devem transcender a curta duração de sua existência. Estabelece uma
relação profunda entre o homem e sua casa, a qual, para aqueles que viveram
verdadeiramente, alcançaria a dimensão significativa e elevada de um templo.
Expõe no texto sua insatisfação ante a paisagem urbana da época, caracterizada
pela repetição de casas construídas precipitadamente, multiplicadas em detrimento
do atrativo da variedade, incapazes de enaltecer a história e os anos transcorridos,
ou seja, a memória coletiva. 80Vale apontar que a abordagem sensível das formas dos edifícios antigos, para além da literária e textual, já ocorria pelo menos quatrocentos anos antes dos textos ruskinianos. Choay (2006, p. 64) demarca a figura inaugural dos antiquários ao esclarecer: Para os humanistas do século XV e da primeira metade do seguinte, os monumentos antigos e seus vestígios confirmavam ou ilustravam o testemunho dos autores gregos e romanos. Mas, dentro da hierarquia da confiabilidade, eles estavam abaixo dos textos, que conservavam a autoridade incondicional da palavra. Os antiquários, ao contrário, desconfiam dos livros, principalmente quando escritos por
a eles, o passado se revela de modo muito mais seguro pelos seus testemunhos involuntários, por suas inscrições públicas e, sobretudo, pelo conjunto da produção da civilização material. Não apenas esses objetos não têm como mentir sobre sua época, como também dão informações originais sobre tudo o que os escritores da Antiguidade deixaram de nos relatar, particularmente sobre usos e costumes. Desde que seja interpretado de modo conveniente, o testemunho das antiguidades é superior ao do discurso, tanto por sua confiabilidade quanto pela natureza de sua mensagem.
126
A escala dos edifícios é dilucidada por Ruskin como um fato importante
no entendimento daquilo que será determinante na constituição do tecido
arquitetônico de um lugar. Em relação à cidade, declara que sua verdadeira beleza,
não depende da riqueza ou envergadura arquitetônica de seus grandes
monumentos, como os palácios, mas sim da primorosa decoração das habitações,
ainda que das menores, de suas orgulhosas épocas. Sobre essas pequenas joias
domésticas, aconselha o repouso de um escrito, uma pequena placa ensinando às
próximas gerações um pouco da história de seu primeiro construtor. Exprime ainda:
[...] a ideia de que uma casa deve ser grande para ser bem construída é
completamente moderna . (RUSKIN, 2008, p. 60).
Segundo a lâmpada da memória, a preocupação com a posterioridade é
quesito indispensável. Para o observador a glória está na idade:
O edifício como um
testemunho de durabilidade ao longo dos anos. [...] É naquela mancha dourada do
tempo que devemos buscar a verdadeira luz, cor e o mérito da arquitet
(RUSKIN, 2008 p. 68) A linguagem em questão não é apenas formal, uma leitura
imediata da obra, mas sim da história, que nasce quando [...] suas paredes tiverem
presenciado o sofrimento, e seus pilares ascenderem das sombras da morte [...]
(RUSKIN, 2008 p. 68). Estamos diante de toda uma escrita metafórica formulada
para afirmar que o edifício não apenas se faz de pedra sobre pedra, mas de um
espírito maior que embebe essa matéria e a reveste de vida.
Após produzir formulações teóricas acerca da arte envolvida nos
conceitos de sublime e pitoresco, Ruskin transfere esse entendimento para outro
campo artístico: a arquitetura. Nesta, o pitoresco tem valor fundamental por ser
passível de comportar uma importante função: a interpretação da idade de um
edifício. No campo da pintura, por ser o pitoresco o sublime exacerbado em
detalhes, em fragmentos não tão essenciais da pintura, ou, nas palavras de Ruskin,
elementos secundários; na arquitetura essas características se materializariam nas
ruínas. Ruínas debilitadas, cujo foco e força do sublime apontam para os estragos e
rupturas, pátinas e vegetação dessa arquitetura. A presença desses elementos
atestaria a verdadeira beleza arquitetônica, advinda da idade, de preferência,
contemplada após cinco séculos. No estilo pitoresco de arquitetura, [...] o decorado
está mais subordinado a disposição de pontos de sombra do que a pureza de seus
contornos
127
Ruskin defende uma posição amplamente contrária à prática da
restauração em arquitetura. Para ele, este termo não significa proteção em relação a
determinados monumentos, mas [...] a destruição mais completa que pode sofrer
um edifício . (FONTE, p.79) O seu veemente posicionamento sobre quão estéril e
nociva pode ser a restauração o faz traçar fortes analogias. Assim, de forma
vigorosa, caracteriza-a como um processo tão inverossímil como ressuscitar os
mortos, atribuindo à conservação contínua e cuidadosa, pela sua capacidade de
limitar a necessidade restauradora, papel fundamental,
Fica claro que Ruskin entende os monumentos como locais sagrados.
Dessa forma, não temos o direito de tocá-los, pertencem, enfim, ao passado. Uma
,
pois, para ele, mais vale uma muleta que a perda de um membro. Isto deve ser feito
com ternura, respeito, com vigilância incessante, e mais de uma geração nascerá e
desaparecerá a sombra de seus muros.
A compreensão sobre a constituição da sensibilidade em relação às
arquiteturas do passado fica enriquecida através do estudo do texto lúcido, poético,
apaixonado e metafórico de Ruskin. Apesar de sua posição radical quando ao papel
da restauração, seus argumentos e ensinamentos sobre a importância da
conservação materializam-se como uma base fundamental sobre a qual podem se
elevar outras teorias da atividade arquitetônica voltada para o restauro.
4.2 O contexto vienense: o pensamento de Alois Rïegl e Max Dvorak
Estudioso de posição emblemática em meio as vicissitudes do campo
da conservação, peculiares a segunda metade do século XIX, AloisRiegl (1857-
1905) concretiza uma vida profissional guiada pela atividade prática nas instituições
nas quais trabalhou e pela produção teórica sobre o tema das responsabilidades e
significados dos serviços voltados a conservação de monumentos. Dirigiu, por uma
década, o Departamento de Tecidos do Museu Austríaco de Artes Decorativas,
dedicou-se ao ensino universitário nesse período, e, em 1903, assumiu a
presidência da Comissão de Monumentos Históricos da Áustria. Seus intentos mais
enérgicos recaem sobre a reforma dessa Instituição, a promulgação do inventário
dos monumentos austríacos, além do esboço de nova legislação para a
conservação do patrimônio.
128
Na visão de Jokilehto (1999, p. 215), Rïegl destaca-se como o elaborador
da primeira base coerente da conservação moderna, além de ter sido autor da
primeira análise sistemática sobre valores de preservação e da teoria da
restauração. Imerso nos desafios institucionais no tocante a organização dos
serviços de conservação austríacos, iegl, o historiador da arte vienense, escreveu
uma obra dissertativa sobre aspectos teóricos da questão, preponderantemente
acerca da conceituação dos valores que perpassam um monumento81.
Em seu opúsculo intitulado O culto moderno dos monumentos: sua essência e sua gênese (1903), Riegl faz interagir uma classe mais ampla de valores
sobre o monumento: para além de aproximações dicotômicas entre o valor histórico
e artístico, entra em cena o valor de antiguidade. Um valor democrático, nascido de
uma percepção imediata e independente das mediações encenadas por cânones
artísticos, históricos ou científicos. Sua definição repousa sobre a efetiva capacidade
de sensibilizar as pessoas num sentido amplo. Tal elo, entre o público e a obra,
materializa-se sob a forma das marcas da passagem do tempo nos edifícios, as
quais comunicam sua inexorável passagem. Para Choay (2006a, p. 14), Riegl
delineia de modo preciso:
[...] pela primeira vez na história da noção de monumento histórico e de suas aplicações, Riegl toma distância. Sua posição de observador não é nem aquela dos arquitetos depois de Alberti, que integraram a questão do monumento histórico na teoria da disciplina, nem aquela dos homens de letras, que fizeram do patrimônio monumental o objeto de uma cruzada apaixonada e passional. A favor dessa distancia, ele pode, como o primeiro, empreender o inventário dos valores não ditos e das significações não explícitas, subjacentes ao conceito de monumento histórico. De uma só vez, este perde sua pseudotransparência de dado objetivo. Torna-se o suporte opaco de valores históricos transitivos e contraditórios, de metas complexas e conflituais. Riegl mostra que, no plano da teoria assim como no da prática, o dilema destruição conservação não pode ser opção absoluta, o quê e o como da conservação não comportando jamais uma solução justa e verdadeira -, mas soluções alternativas, de pertinência relativa.
Por tudo isso, Riegl apresenta uma perspectiva distinta à maneira
como os sujeitos defrontavam-se com os objetos antigos, ao inserir um cunho
analítico mais pacificado ante as diferentes tipologias valorativas que interferem no
monumento. O quadro a seguir reúne elementos que sustentam tal perspectiva:
81 Nas palavras de Choay (2006, p. 130), Riegl estabelece uma análise axiológica do monumento, clarificando a confusão entre o conhecimento da arte e a experiência da arte.
129
Figura 109 - Mapa esquemático sobre análise axiológica compilada por Riegl Fonte: RIEGL (2006)
Riegl reconhece e defende a ideia da não distinção dos monumentos entre
artísticos e históricos, pois estes se confundem. Todavia, interroga-se:
O valor de arte é dado objetivamente no passado da mesma forma que o valor histórico e constituirá, assim, um elemento essencial do conceito de monumento, independendo da sua dimensão histórica? Ou será uma invenção subjetiva do espectador moderno? (RIEGL, 2006, p.46)
Então, o autor pondera que, no início do século XX, a criação artística do
passado foi apreendida como desprovida de autoridade canônica. Na sua ótica, não
haveria valor de arte absoluto, mas unicamente valor de arte relativo, atual. Esse
mesmo valor de arte, ao sofrer variações, de acordo com o ponto de vista definido,
precisa ser esclarecido em sua concepção. Para Riegl, esta atitude é um dado
indispensável para definição de princípios diretores de uma política de conservação.
Significa começar a pensar sobre o modo de sintonia entre o tipo de valor atribuído
ao bem e o consequente modo de intervir, algo que definirá os possíveis partidos de
restauro adotados. Cabe pensar aqui: Para além dos monumentos históricos, e de
acordo com as dissertativas rieglianas, na busca de compreensão da complexa
ligação entre monumento e seu legítimo entendimento, parece instrutivo e proveitoso
preguntar: que extensão do monumento se oferece a que valor?
130
Responder a tal questionamento exige atenção para o significado desses
valores no tocante ao monumento antigo: rememoração e contemporaneidade. O
valor de rememoração se relaciona com o monumento antigo mediante a distinção
de três outros valores: de antiguidade, histórico e de rememoração intencional.
Segundo a leitura de Riegl, em oposição ao valor histórico do século
anterior, o valor de Antiguidade surge como um acontecimento próprio do século XX.
Um valor que atinge a sensibilidade de modo a provocar sentimento de piedade ao
remeter à passagem irreprimível do tempo. Tal valor possui autonomia para existir
ao não demandar uma base ou fundamento científico-documental. E como se dá a
leitura do objeto edilício mediante o crivo de tal valia? A obra de Riegl responde: o
objeto torna-se um substrato sensível e necessário para produzir no espectador uma
impressão difusa, suscitada no homem moderno pela representação do ciclo do
devir e da morte, ou seja, todas as criações do homem, independente de sua
significação ou destino original, testemunham a passagem do tempo.
Correlações com a teoria de Ruskin parecem ter sentido na medida do
reconhecimento, pelos dois autores, de certa beleza ou sensibilização provocada
pelas marcas do tempo. No entanto, o historiador austríaco amplia a reflexão e se
posiciona de modo a erigir barreiras conceituais distintas se comparadas à
argumentação de Ruskin. Nessa perspectiva, ele afirma: não é a destinação original
que confere as obras o sentido de monumentos, mas nós, os sujeitos modernos.
A relação segundo o valor de antigo com uma determinada obra permite
que se abstraia o espaço e o fator peculiar de sua localização, entregando-se
inteiramente ao efeito afetivo e subjetivo provocado pelo monumento. As formas,
relações cromáticas e de conteúdo estético cedem lugar à dança de movimentos
dissipadores, cadenciados pela tendência a dissolução inerente à matéria.
Em termos materiais, o valor de antigo não se expressa por meio de
ruínas, nas quais suas partes faltantes representam ausências materiais de grande
monta, mas através da alteração de superfícies dos objetos edilícios, o desgaste dos
cantos e ângulos, [...] um trabalho verdadeiramente irresistível porque tem uma lei
Tal lei reporta-se a atividade da natureza, sendo ela, o agente criador ou
impulsionador de (re)significações da forma implantada pela mão do homem. O culto
ao valor de antiguidade determinará, por conseguinte, que a eficácia estética do
monumento reside em sua decomposição pelas forças mecânicas e químicas da
natureza, contrária a conservação desse monumento em seu estado original.
131
Na linha interpretativa de Riegl, a intervenção humana e sua interferência
sobre o bem devem ser radicalmente evitadas. Mas, o valor de antiguidade
demanda que o suporte decante integridade em alguma medida. A sua dissolução
em pedras não gera uma forma passível de admiração pela chave do culto ao
antigo. Então, Riegl tece abordagens sobre o valor histórico82, em meio aos valores
de rememoração. Argumenta que a potência maior de significação alcança um
imaculado momento: o estado inicial da obra, do modo como foi originalmente
construída. Um culto que demanda a integridade do monumento histórico como
documento. O restauro deverá efetivar-se, assim, como ação que garanta a
durabilidade do bem nos moldes de uma fonte de pesquisa. Tal premissa pressupõe
que o valor se estruture sobre um fundamento científico-documental.
A amplitude temática desse modo de conceber a relação com o bem pode
ser compreendida e enriquecida ao lançarmos mão das peculiaridades e objetivos
do saber do historiador, o qual demanda reconhecer, por todos os meios, o objeto tal
como era. Sob a visada do valor histórico, a intencionalidade da intervenção é
suprimir qualquer sintoma de degradação. Riehl aborda e vislumbra aqui, uma das
mais importantes e desafiadoras questões do restauro hoje. A extirpação, na maioria
das vezes legítima, dos sintomas de degradação do monumento tem levado alguns
profissionais a cometerem ações equivocadas e enganosas para com o bem, em
nome de uma suposta unidade estilística. Por esta razão, há que se estabelecer
como premissa, essencial e necessária, o profundo respeito ao documento original.
Nesse âmbito, sobressai-se a possibilidade do uso de uma ferramenta
importante de pesquisa, a cópia: auxílio didático, meio de entendimento e
formulações e suposições. Ou seja, a cópia cristalizada como substrato passível de
intervenções baseadas em hipóteses, mas nunca como equivalente ao original.
Na obra O Culto, um aspecto instigante apontado por Riegl, é o fato de o
valor histórico poder se dar sob a forma de prazer. Se, no valor de antigo, as feridas
podem provocar satisfação, o valor histórico incita ao prazer, mediante a satisfação
experimentada em classificar o monumento através de um conceito estilístico
conhecido. O conhecimento histórico se traduz, assim, como fonte de satisfação
estética. Convém então pensar, nesse sentido, se cada culto, relacionado ao seu
respectivo valor, engendrará um tipo de prazer específico? Talvez sim.
82É interessante observar que o culto do valor histórico está profundamente determinado pelo século XIX, que não se contentou em aumentar o peso atribuído a tal modo de valia, mas dotou-o de uma proteção jurídica.
132
No conjunto das fecundas análises de Riegl o valor de rememoração
intencional - terceiro constituinte do valor de rememoração - pretende guardar o
monumento sempre no presente e vivo na consciência das gerações futuras.
Reivindica a perenidade do estado original, em seu esplendor. A diferença em
relação ao valor histórico diz respeito à pretensão deste em estancar a degradação
a partir da restauração, [...] que perde sua razão de ser sem as degradações
anteriores (RIEGL, 2006, p. 35). Já o valor de rememoração intencional grita pela
imortalidade e sobrevivência ad eternum do estado original, não aceitando qualquer
marca de passagem do tempo. Esse tipo de valor tem na restauração o seu
postulado básico: [...] Assim, uma coluna comemorativa em que as inscrições se
apagassem cessaria de ser um monumento intencional . (RIEGL, 2006, p. 860).
Se por um lado, dimensões consideráveis do culto ao monumento
decantam-se sobre os valores de rememoração, seja por sua potência histórica ou
por sua inegável vetustez, os monumentos antigos também impulsionam Riegl a
pensar sobre sua significação no presente, conceituando assim, valores de
contemporaneidade. Importante observar, que a valia contemporânea - à época do
autor - estrutura-se, de um lado, na satisfação dos sentidos, e, de outo lado, na
satisfação do espírito. Então, o autor desfibra o valor de contemporaneidade
segundo essa bifurcação classificativa: o valor de uso, análogo a satisfação dos
sentidos de um lado, e o valor de arte, análoga a satisfação do espírito, em outro.
Sobre o valor de uso, Riegl disserta a partir de uma perspectiva
pragmática, lógica e irrefutável: A vida física é condição preliminar da vida psíquica,
e, portanto, mais importante, à medida que ela pode se desenvolver na ausência de
vida psíquica superior, enquanto o inverso é impossível . (Riegl, 2006, p.92). O valor
de uso faz concessão à existência de todos os outros na medida em que estes não
limitem sua existência.
Assim, a consideração do valor de uso como única premissa e justificativa
para a intervenção em um monumento, a despeito do seu caráter vital, pode
associar-se ao cometimento de atrocidades para com o bem. A proeminência do
valor de uso no restauro, pode desconsiderar aquilo que um edifício tem de
importante: sua arte, história e memória. Riegl nos faz perceber que nenhum dos
valores pode ter existência ontologicamente atrelada à unicidade do existir, do
intervir, na medida em que os valores relacionam-se e (re)semantizam-se ao se
defrontarem.
133
Em Riegl, o valor de arte, como chave possível de relação com o culto
dos monumentos e parte integrante dos valores contemporâneos, desmembra-se
em valor de novidade e valor relativo. O primeiro tem sua constituição definida por
conceitos opostos ao valor de antiguidade, pois, como o próprio nome permite
perceber, o valor de novidade preza pela qualidade do que é novo. O autor localiza o
seu acontecimento galvanizando-o às opiniões, impressões e conceitos peculiares a
um público pouco culto. Trata-se, na verdade, de um valor artístico para esse
segmento social, ao qual o autor se reporta.
O caráter concluído do novo, que se exprime da mais simples maneira por uma forma conservada em sua integridade e uma policromia intacta, pode ser apreciado por todo indivíduo, mesmo por aquele desprovido de cultura. É por essa razão que o valor de novidade tem sempre sido o valor artístico do público pouco culto. Em contrapartida, o valor artístico relativo só pode, ao menos depois do início da época moderna, ser apreciado por aqueles que possuem cultura estética. A multidão sempre foi seduzida pelas obras cujo aspecto novo estava claramente afirmado; por consequência, só quis ver nas obras humanas o produto de uma criação vitoriosa, oposta a ação destrutiva das forças da natureza, hostis a criação do homem. Ao olhar da multidão só o que é novo e intacto é belo. O velho, o desbotado, os fragmentos de objetos são feios. Essa atitude milenar, que atribui ao novo incontestável superioridade sobre o velho é tão solidamente ancorada que não poderá ser extirpada no espaço de algumas décadas. A necessidade de consertar um canto arruinado de um móvel ou substituir um reboco enegrecido por um novo permanece uma evidência para a maioria de nossos contemporâneos; é necessário ver nisso a mais plausível explicação a considerável resistência oposta aos pioneiros do valor de antiguidade. (RIEGL, 2006, p. 98)
Na interpretação de Riegl, a reconstituição do documento em seu estado
original era, no século XIX, a finalidade abertamente reconhecida de toda
conservação racional, sendo, então, difundida com fervor. O tratamento dos
monumentos fundava-se essencialmente sobre os postulados da originalidade (valor
histórico) e da unidade (valor de novidade), como meios para incentivar a
apresentação de uma totalidade concluída. Ou seja, essas eram peças
fundamentais da restauração no referido século.
Com o reconhecimento e a apreciação do valor de antiguidade nascem
conflitos nos domínios dos monumentos a serem preservados. A valia de antigo
simboliza um vetor traçado rumo à evolução dos conteúdos passíveis de apreensão
e preservação. Na prática, significa escolhas projetuais definidoras de partido como
a não supressão de estratificações filiadas a estilos mais contemporâneos, a
exemplo do barroco frente ao gótico.
134
Trata-se, pois, de um momento marcante da história do restauro: o
postulado da unidade de estilo começava a ser abandonado. O valor de arte relativo
passa a dizer respeito às obras artísticas antigas acessíveis à sensibilidade
moderna83. Riegl argumenta que tais obras só podem responder a vontade artística
moderna por certos aspectos. Há uma abertura para a valorização do diferente, pois
[...] a presença na concepção, na forma e nas cores de um monumento, de traços
não correspondentes à vontade artística moderna contribui poderosamente para
reforçar os aspectos atraentes daquele (RIEGL, 2006, p. 109).
Ao admirarmos obras artísticas do passado, como as esculturas da
Antiguidade, percebemos que estas não devem apresentar valor de novidade, na
medida da impossibilidade de sua integridade total, mas sim, o valor de arte relativo.
Se positivo, ou seja, se o monumento satisfaz nossa vontade artística moderna, para
garantir a significação do monumento sua forma não deve ser modificada. Isto posto
revela-se a força da contribuição de Riegl na inauguração de um modo de ponderar
a estratificação mais contemporânea do monumento a partir da maneira pela qual a
sociedade lê esses monumentos.
O historiador da arte, Max Dvorak (1894-1921) foi o responsável pelo
inventário que subsidiou a elaboração de medidas de proteção legal do patrimônio
artístico e arquitetônico da Áustria. Como um dos líderes conservacionistas no país,
defendeu a promoção da conservação da natureza e do meio ambiente.
Nesta dissertação, no delineamento da argumentação de Dvorak, tomo
como referencia, mais especificamente, o livro Catecismo da Preservação de Monumentos, publicado em 1916 e destinado ao público leigo84.
Ao questionar-se sobre o significado contido no ato de preservar
monumentos, Dvorak descreve as alterações danosas sofridas por uma pequena
cidade da Austria, que perdeu parte considerável da sua ambiência urbana,
harmonia e estética anterior em meio a demolições e substituições de seu tecido
diversificado e com significações pitorescas. Como uma espécie de dever, assumido
por alguém que reconhece a cidade a clamar por cuidados, toma a preservação de
monumentos como meio para impedir essas mudanças avassaladoras.
83Sobre este assunto, ver também Choay (2006, p. 169). 84Ao dissertar sobre o tema da preservação, Dvorak o faz apresentado temas objetivos divididos, de maneira geral, como princípios, obrigações e conselhos sobre os quais identifica: Perigos que ameaçam os antigos monumentos (1); O valor dos Antigos Patrimônios Artísticos (2); A importante dimensão da Proteção de Monumentos (3); Falsas Restaurações (4); Obrigações Gerais (5) e finalmente Alguns Conselhos (5).
135
Vale relembrar que, na passagem do século XIX para o século XX, o pano
de fundo conceitual que subsidia o trabalho com os monumentos históricos estende-
se: um alargamento de conteúdo tanto no plano das concepções de monumento,
quanto no plano dos modos de nele intervir. De um lado, considerações efetivas
sobre obras modestas e ambiências urbanas, para além do monumento isolado, e
de outro, renovado modo de intervenção nos bens, não mais pautado no paradigma
da busca de uma unidade estilística, identificado já nas formulações e intervenções
de Riegl.
Consciente e expectador de um tipo de progresso devastador de tecidos
antigos, Dvorak afirma (2008, p. 78):
Pouco a pouco tem ficado evidente que entre reais exigências e necessidades das grandes cidades e a manutenção de antigas áreas não há uma oposição tão forte como se pensava, sendo ambas as instâncias conciliáveis. E sugere: [...] Os administradores da cidade tem obrigação de se esforçar para que nenhum sacrifício ou esforço seja poupado quando se trata do destino de antigas construções e áreas da cidade.
Atualmente, muito se fala e se faz em termos de intervenções que
recebem denominações diversas: reabilitação, restauro, renovação, etc. Nas
formulações de Dvorak, antes de dissertar sobre estas práticas, encontra-se o
estabelecimento apaixonado de reflexões sobre o significado dos monumentos do
passado para uma dada sociedade. Ele os apreende como um legado genealógico,
que mantém acesa a lembrança do passado histórico e sentido de pertencimento.
São, portanto, obras de arte e suas expressões visuais unem presente e passado no
plano do sentimento e da fantasia. Sobre isso, ele afirma:
Da mesma forma, junto com antigas prefeituras, portas de cidades e praças, são destruídas ricas fontes do civismo e do amor à pátria; quem destrói tais monumentos é um inimigo de sua cidade e de seu país e prejudica a comunidade, pois as obras de arte públicas não foram criadas para esse ou aquele indivíduo, e aquilo que elas encarnam enquanto obras de arte, fascínio pictórico, recordações ou qualquer outro sentimento, é um patrimônio comparável às criações dos grandes poetas ou as realizações da ciência. Ter consciência disso é obrigação de toda pessoa culta. (DVORAK, 2008, p. 70)
Dentre as ênfases orquestradas por Dvorak na construção do seu
entendimento sobre a prática da preservação de monumentos, destaca-se um item
oportuno e provocativo, não somente à compreensão de sua teoria em face de
contextos históricos passados, mas como material reflexivo que atesta a
contemporaneidade da argumentação do autor.
136
Trata-se esse item das ideias equivocadas de progresso e de falsas demandas do presente.
Sobre as primeiras, destaca e critica o fato de vê-se a destruição de obras
de arte antigas e certo desprezo ao que era antigo como sinônimo de progresso.
[...] antigos muros, torres e jardins são demolidos porque, assim agindo, acredita-se estar provando que se anda a par com o progresso. Na verdade, com tais vandalismos, o homem prova apenas sua ignorância e seu preconceito cultural. (DVORAK, 2008, p. 77)
Na abordagem das falsas demandas do presente, mais uma vez, a
reflexão de Dvorak, elaborada no início do século XX, se reveste de atualidade na
primeira década do século XXI. Ao abordar o tema das ilusórias exigências da
atualidade, o autor reúne observações plenamente aplicáveis ao presente e, de
modo especial, a problemas de ordem prática passíveis de se apresentarem no
campo do restauro de habitações.
É certamente verdade que as casas antigas são muitas vezes não apenas desconfortáveis, mas também anti-higiênicas. Obviamente, não é inevitável e tampouco inteligente, derrubá-las uma após a outra por esse motivo, uma vez que, sem muito sacrifício, é possível adequá-las aos critérios de conforto e higiene necessários. Além disso, muitas vezes elas apresentam vantagens que as novas construções jamais poderiam possuir. Cômodos espaçosos e solidamente construídos são substituídos por outros, estreitos e apertados não quartos, mas celas -, com paredes finas que não oferecem nenhuma proteção contra frio ou calor; os antigos pátios arborizados e gramados, enormes e simpáticos, dão lugar a estreitas e escuras claraboias, que são foco de doenças. Não se pode questionar que seja possível equipar uma nova construção obedecendo às mesmas prioridades das casas antigas; sem dúvida, não é necessário reconstruir essas casas, mas elas podem ser mantidas, realizando-se as adaptações pertinentes. (DVORAK, 2008, p. 77)
Não é casual, portanto, que no desenvolvimento da história da
preservação e do restauro, Dvorak tenha formulado um discurso iluminador da
questão, não por ser tributário de elevadas considerações no campo muito erudito
da arte e história, mas por ter produzido um texto vigoroso sobre os desafios da
preservação dos monumentos e caminhos a serem seguidos na restauração e
preservação. Trata-se de um escrito destinado a um público amplo, convidando-o a
compreender que: [...] a restauração não deve jamais ser um fim em si mesma, mas
deve significar um meio de assegurar aos monumentos sua integridade e seu efeito,
conservando-os piedosamente para as futuras gerações . (DVORAK, 2008, p. 99)
137
Dvorak, assim como Riegl, demarca o amplo alcance do valor de antigo
do monumento, ressaltando, de modo enfático, que o homem não se constitui
somente de esforços e demandas materialistas. Uma vez que o mesmo não é uma
máquina, seu bem estar deriva de alegrias e sentimentos que o mantenham acima
da luta material pela vida. Então, quando o patrimônio artístico de uma região é
empobrecido, perde o homem ao cortar os laços mais estreitos que o haviam ligado
a sua pátria. Mais uma vez, o autor reconhece os monumentos como fontes de
prazer.
O efeito dos antigos monumentos sobre a fantasia e o sentimento não depende de uma lei estilística, mas é acionado através da visão concreta que nasce quando as formas artísticas universais se unem com as características locais e individuais, com todo o ambiente e com tudo que, ao longo do devir histórico, transformou o monumento em símbolo desse ambiente. (DVORAK, 2008, p. 93).
De modo coerente, e talvez em decorrência do reconhecimento de
condições antitéticas entre a preservação e a destruição, movidas por uma
mecânica ora complementar e ora contraditória, Dvorak identifica a ineficácia da
tentativa de restabelecer as construções às suas formas originais. Constata que se
trata de obras cuja solução artística foi condicionada por fatores específicos e
irreproduzíveis, ou seja, em contexto ontologicamente distinto do fazer passivo, que,
geralmente, ocorre nas obras modernas. Analogicamente, e de forma irônica, dá-se,
segundo o autor, como a impossível tentativa de [...] ressuscitar um homem
medieval de sua sepultura (Fonte? .
Sobre os agentes envolvidos com o ofício da restauração, Dvorak ressalta
que a prática mais efetivada ultrapassava, e muito, as medidas de conservação
necessárias. A essência deste argumento é a sua percepção de que os [...]
responsáveis não se limitam a restaurar o que resta de um monumento, mas
substituem tudo o que falta e renovam o que está danificado". (Dvorak, 2008, p. 97).
Assim, o autor, em plena transição do século XIX para o XX, como já
indicado, aponta questões cruciais pertinentes às esferas da restauração
arquitetônica e ao ofício do restaurador ainda hoje. As obras de arte do passado não
devem se tornar obras da arte dos restauradores, pois o que quer se admirar,
segundo ele, é o velho e não o novo. Tal concepção, por exemplo, toca num ponto
delicado e desafiador do campo da concepção projetual do restauro: quais os termos
e a medida do cuidado e respeito para com o existente?
138
Dvorak parte do princípio de que as criações da arte são produtos
preciosos e constituem patrimônio do desenvolvimento espiritual da humanidade,
cuja preservação é de interesse de todos. Esta compreensão tem como
desdobramento a distribuição da responsabilidade da preservação entre o conjunto
da sociedade, logo para o Estado e a sociedade civil. Mais uma vez, o autor, dá
mostra do seu pensamento inovador, ao chamar a atenção para o dever premente
do cuidado para com a memória de uma sociedade, ao afirmar: [...] com exceção de
uma brutal modificação linguística, nada poderia prejudicar mais a herança espiritual
de um povo do que a destruição violenta de seu patrimônio monumental (DVORAK,
2008, p. 103).
A seguir, de modo esquemático, apresento os conselhos atinentes à
conservação de monumentos reunidos pelo mestre austríaco no livro Catecismo da Preservação de Monumentos:
MONUMENTOS CONSELHOS
Ruínas
- Manutenção do aspecto pitoresco na paisagem, não interferindo no seu aspecto geral; - Preencher rachaduras, apoiar paredes em trabalho de desmoronamento, fixar revestimentos; - Retirada apenas de vegetação que contribua para queda de muros; - Acréscimos quando necessários, de estruturas simples, nunca em forma historicizante.
Preservação de Antigos Edifícios ainda em Utilização
- Proteção contra umidade ao garantir circulação de ar, manutenção constante de telhados e calhas; - Melhoramentos feitos com cautela e constância na medida dos pequenos reparos respeitosos a forma original.
Restauros de Grande Porte
- Elementos fundamentais a serem considerados: cobertura, reboco e piso. - Na cobertura o restauro deve respeitar a forma, a cor e o material original, visando o aproveitamento de tudo que for possível; - No reboco deve-se evitar a aplicação de cores berrantes e desarmônicas sendo aconselhável o emprego de um simples reboco acinzentado no interior euma mão de cal branca ou cinza no exterior.
Transformações e Restaurações de Grande Porte em Antigos Edifícios
- Imprescindível buscar a orientação de um especialista; - Evitar danos na antiga estrutura e levar em consideração o efeito geral da antiga construção no seu entorno.
Nova Decoração de Antigos Edifícios
- O maior ornamento das antigas construções, interna e externamente, é sua forma histórica e seu antigo caráter; - Simples caiação e aplicação de vidros brancos nas janelas são mais apropriadas do que uma pintura requintada, no caso de Igrejas.
139
4.3. O restauro filológico e científico: Camillo Boito e Gustavo Giovannoni
No campo das teorias e dos trabalhos pertinentes à restauração italiana,
adentrar o terreno da segunda metade do século XIX até as primeiras décadas do
século XX, implica, inevitavelmente, no encontro como os estudos e escritos de
Camillo Boito (1836-1914) e Gustavo Giovannoni (1837-1947). Nesse contexto
histórico, também não há como desconsiderar o estudo das linhas formadoras do
primeiro documento portador de critérios gerais para preservação de monumentos: a
Carta de Atenas, de 1931.
Dando continuidade à linha cronológica e as formulações conceituais
tecidas por Ruskin e Viollet-le-Duc sobre o restauro, Boito, referenciado nas suas
experiências e funções de professor, restaurador e arquiteto, insere novos padrões e
critérios teóricos e metodológicos no campo da restauração. Altera a trama até então
cadenciada, destacadamente, pela bifurcação rítmica entre
(monumento), orientação atrelada a uma visão negativa da restauração, e a defesa
desse processo mediante aquilo que se convencionou chamar de Restauro
Estilítico85.
No início de sua trajetória como restaurador, ao beber na fonte violletiana,
Boito formula e assume consistente crítica em relação à posição que,
veementemente, almejava a unidade de estilo. Tal posição, segundo Boito, tinha
como consequência a não consideração de passagens ou estratos importantes da
obra. Diante da teoria de Viollet-le-Duc, afirma: [...] não existe engenho que sejam
capazes de nos salvar dos arbítrios (BOITO, 2008, p. 58). Radicaliza, ainda mais,
seu posicionamento e denuncia [...] quanto mais bem for conduzida a restauração,
mais a mentira vence insidiosa e o engano, triunfante . (BOITO, 2008, p. 58)
No entanto, para fins desta dissertação, destaco uma intervenção feita por
Boito, em 186186, como exemplo de prática coadunada a idealização de estilos
passados. Trata-se da Porta Ticinese, em Milão.
85No âmbito desta dissertação, a ênfase dada ao século XIX, não implica no desconhecimento da fase anterior a este século, em que a via de desenvolvimento das atividades voltadas à proteção de um bem ou monumento era fundamentalmente pragmática. 86Sobre o período inicial da carreira de Boitto, Jokilehto (1999, p. 201) esclarece: [...] and in reference to the 1873 Vienna Exhibition, he openly expressed admiration for Viollet-le-still maintained this approach in 1879. His own restoration dated from the 1860s and 1870s, and were well in the historicist tradition.
140
A intervenção sobre a Porta Ticinese calcou-se no historicismo, sendo
dado privilegio à retomada de elementos compositivos da construção primitiva, ainda
que sem possuir indícios relevantes daquilo que teria sido a fachada original. Assim,
Boito liberou a construção de edifícios adossados e negligenciou a estratificação
interventiva impregnada na obra ao longo dos anos para buscar a unidade formal de
um suposto estado inicial.
Figura 110 - Reprodução de fotos da Porta Ticinese (Milão), antes (esquerda) e depois do restauro (direita) Fonte: CARBONARA (1997)
Figura 111 - Reprodução de foto da Porta Ticinese (Milão) Fonte: Google Earth, 2010
Então, no ano de 1879, conforme demonstram os registros fotográficos
acima, Boito procurou estabelecer uma via que preconizava respeito pela matéria
original, pelas marcas da passagem do tempo nas várias fases da obra, além de
recomendar a distinguibilidade da intervenção.
141
Estabelece assim o restauro conhecido como filológico, caracterizado por
opor-se aos acréscimos cujo objetivo era integrar-se a obra segundo uma unidade
de estilo. A ênfase, aqui, é dada ao valor documental da obra sendo, tendo como
princípio basilar a mínima intervenção. Ao analisar a obra nos moldes de um
documento, como um texto literário, reconhece-se que ela objetiva carregar uma
mensagem, a ser analisada e interpretada, mas nunca adulterada87.
Importante registrar que, na Itália, transcendendo o conteúdo formal
daquilo que se convencionou chamar restauro estilístico ou, em outro extremo, a pura conservação, havia uma tendência mais afeita à arqueologia, cujos exemplos
paradigmáticos e de grande repercussão são as intervenções sobre O Coliseu e o
Arco de Tito, efetivadas pelos arquitetos Raffaele Stern (1774-1820) e Giuseppe
Valadier (1762-1839). Tais processos construtivos voltados ao restauro foram
analisados por Boito, como expressões da reiteração da compreensão filológica da
intervenção88.
Figura 112 - Reprodução de fotos do Coliseu e do Arco de Tito (Itália) Fonte: CARBONARA (1997)
87Sobre esta perspectiva, Jokilehto (1999, p.202) observa: A historic building could be compared with a fragment of a manuscript, and it would be a mistake for a philologist to fill in the lacune in a manner that it would not be possible to distinguish the additions from the original. Suchanalogy is coherentwiththemethodsoflinguistics. 88No ano de 1806, iniciaram-se as obras frente ao estado precário no qual se encontrava o Coliseu. Stern optou pela construção de elementos simplificados na forma de esporões oblíquos em uma das extremidades de modo a consolidar não só a edificação da maneira em que se encontrava, como os próprios processos de degradação, inclusive os mecanismos de desabamento do mesmo. Entre 1817 e 1824, na intervenção sobre o Arco de Tito, Stern e Valadier optaram por desmontar e depois remontar as partes originais do arco, que se encontrava adossado a muros, mediante a criação de um novo substrato de tijolos. Foi empregado material distinto do mármore grego original de modo a diferençar-se. Tal solução materializou-se na escolha do travertino aplicado mediante a execução de formas simplificadas, proporcionando uma leitura clara entre o originalmente existente e os novos acréscimos.
Esporão
142
No ano de 1883, durante o Congresso dos Engenheiros e Arquitetos
Italianos, na cidade de Roma, Boito propõe critérios de intervenção em monumentos
históricos organizados através de sete princípios fundamentais: (1) ênfase no valor
documental do monumento sobre o qual deve prevalecer a consolidação à
reparação e a reparação à restauração; (2) evitar acréscimos, mas caso necessário,
diversificá-los do caráter original do monumento não podendo destoar do conjunto;
(3) os complementos necessários devem ser de material diferente do original ou ter,
em alguma parte, a data de sua restauração incrustada; (4) limitar as obras de
consolidação ao estritamente necessário, evitando perdas de elementos
característicos ou, mesmo, pitorescos; (5) respeitar as várias fases do monumento
sendo a retirada de elementos somente admitida quando da verificação de uma
qualidade artística claramente inferior a da edificação; (6) importância do registro da
obra através da fotografia de suas fases além de registros escritos explicativos
passíveis de encaminhamento institucional e, finalmente, (7) a implantação de uma
lápide explicativa de datas e aspectos da obra realizada89.
No conjunto dos escritos de Boito, sobressai-se a compilação dos
princípios gerais para a restauração na obra Os Restauradores, que tem por base a
conferencia proferida pelo autor durante a exposição de Turim, em junho de 1884.
Para Külh (2008, p.15)
[...] esta obra reveste-se de grande importância, pois é um dos textos em que Boito sintetizou experiências e conceitos associados à restauração, que se acumularam no decorrer do tempo, reformulando-os e estabelecendo alicerces importantes para a teoria contemporânea.
Na obra Os restauradores, Boito discute o tema tendo como ponto de
partida uma introdução, na qual instiga ouvintes e, depois leitores, a concluírem que
os restauradores são o distintivo do século XIX no campo das artes; e a abordagem
de mais três temas, nos quais procura demarcar princípios e considerações básicas
acerca do restauro: a escultura, a pintura e a arquitetura. O tom da Conferência, e
consequentemente do livro, enquadra-se num viés discursivo crítico e irônico acerca
da atividade do restaurador, para quem quer se dirigir com veemência. Nessa linha
argumentativa, ele afirma:
89Os sete princípios fundamentais da intervenção em monumentos históricos propostos por Boitto foram adotados pelo Ministério da Educação e formaram a primeira carta italiana moderna, constituindo-se a principal referencia da então denominada restauração filológica. Sobre o assunto, ver Jokilehto (1999, p. 201).
143
[...] Mas, uma coisa é conservar, outra é restaurar, ou melhor, com muita frequência, uma é o contrario da outra; e o meu discurso é dirigido não aos conservadores, homens necessários e beneméritos, mas, sim, aos restauradores, homens quase sempre supérfluos e perigosos. (BOITO, 2008, p. 37)
Ao dissertar sobre a lida com a estatuária, Boito convida o ouvinte e leitor
a questionar-se sobre o que deveria ser feito no caso de uma escultura humana
grega, de grande importância que se encontrasse sem a presença de um elemento
tão essencial como o nariz. Deverá refazê-lo o restaurador, baseado em referencias
de outras estátuas ou documentos existentes? Ele mesmo responde: [...] O
restaurador no fim das contas, oferece-me a fisionomia que lhe agrada; o que eu
quero mesmo é a antiga, a genuína, aquela que saiu do cinzel do artista grego ou
romano, sem acréscimos nem embelezamentos . (BOITO, 2008, p. 44).
Figura 113 - Fotos de escultura humana em edifício com completamento do nariz, em Veneza (2011). Fonte: Registros fotográficos da autora (2011)
Boito também formula argumentações gerais sobre escultura e pintura.
Segundo estas argumentações, no campo da escultura as restaurações não podem
estar presentes de modo algum, devendo todas ser jogadas fora, sejam elas
recentes ou antigas. No campo da pintura, a regra é simples: parar o tempo e
concentrar-se com o menos possível. Sobre a restauração no âmbito da arquitetura,
na sua ótica o campo mais difícil, parte do reconhecimento de que, à época, os
critérios de restauro estavam em fase de transformação fato que não livraria, nem
ele mesmo, de contradições. Porém, havia certezas as quais não poderia infringir.
Uma delas diz respeito à idealização em executar uma intervenção pautada na
busca do esplendor da obra como feita originalmente. Neste sentido, pondera: [...]
faz-se o que se pode nesse mundo; mas nem mesmo para os monumentos se
encontrou até agora, a Fonte da Juventude . (BOITO, 2008, p.56).
144
Então, na sua construção intelectual, Boito (2008, p. 60-61) estabelece
para a arquitetura duas regras gerais, a saber:
É necessário fazer o impossível, é necessário fazer milagres para conservar no monumento o seu velho aspecto artístico e pitoresco (1); É necessário que os completamentos, se indispensáveis, e as adições, se não podem ser evitadas, demonstrem não ser obras antigas, mas obras de hoje (2).
Três tipos de restauração, a arqueológica, a pictórica e a arquitetônica
são definidos por Boito como classificações que identificam o conteúdo principal a
ser preservado: a) nos edifícios da antiguidade, registra-se a importância da
restauração arqueológica, sendo bastante utilizada a anastilose, b) nos edifícios
medievais, a restauração pictórica se reveste de importância ao buscar também a
expressão da vetustez da edificação; c) nos edifícios do Renascimento, a
restauração arquitetônica afirma sua importância na busca da beleza arquitetônica.
Desse modo, a obra de Boito é uma das mais férteis referências para a
pesquisa, a teoria e as intervenções no campo do restauro, na medida em que ela
alarga as balizas dos atos de restauro para além dos preceitos ruskinianos, assim
como limita e critica a liberdade e o engano, induzidos pela lógica do restauro nos
termos analisados e propostos por Viollet-le-Duc.
Demonstra amor e sensibilidade pelo tema da restauração aplicado a
pintura, escultura e arquitetura. Estende este amor e sensibilidade à sociedade do
bem-aventurado século XIX, com seu braço tão grande, que tudo acolhe para si (BOITO, 2008, p.34). Assim, foi vislumbrando o passado, mediante distanciamento
cultural e cronológico em relação ao muito que havia sido produzido desde as mais
antigas civilizações, que ele alertou para o perigo de polaridades geradas por uma
piedosa sabedoria infecunda do presente ou de uma invejável ignorância prolífica90.
Esse é um equilíbrio a ser sempre buscado e os limites de seus campos merecem
ser cuidadosamente analisados.
No conjunto das teorias que oferecem ricas indicações para se pensar
expressões e desafios contemporâneos do restauro, também se destacam as
contribuições de Gustavo Giovannoni91.
90Trata-se do Renascimento que, na ótica de Boito (2008, p.61), via através da lente de seu próprio gênio artístico singular e, jurando imitar, recompunha, recriava. 91Sobre a formação de Giovannoni, Choay (2006, p.199) assim se pronuncia: [...] discípulo e continuador de Boito, não é apenas um historiador da arte que fez de Roma seu objeto de estudo predileto, mas como Boito, é também engenheiro e, diferentemente deste último, urbanista.
145
Tomando por base alguns preceitos de Boito, Giovannoni alargou as
possibilidades de atuação do restauro para além do objeto-monumento visando
transcender seus limites e alcançar seu entorno urbano próximo. Nesse sentido, de
acordo com Choay (2006), foi o primeiro a nomear a palavra patrimônio urbano, que
passa a adquirir valor não tanto como objeto autônomo de uma disciplina própria,
mas como elemento e parte de uma doutrina geral da urbanização. Ainda na
interpretação da referida autora, Giovannoni consolida uma obra teórica e prática
acabada e precursora, que atribui simultaneamente valor de uso e valor museal aos
conjuntos urbanos antigos, integrando-os a uma concepção geral da organização do
território. Giovannoni (apud Choay, 2006, p. 143) considera o conjunto urbano antigo
como monumento, ao tecer a seguinte argumentação:
Uma cidade histórica constitui em si um monumento, tanto por sua estrutura topográfica como por seu aspecto paisagístico, pelo caráter de suas vias, assim como pelo conjunto de seus edifícios maiores e menores; por isso, assim como no caso de um monumento particular, é preciso aplicar-lhes as mesmas leis de proteção e os mesmos critérios de restauração, desobstrução, recuperação e inovação.
Além disso, Giovannoni é partidário do entendimento de que as cidades e
a vida humana encontravam-se mediadas, de um lado, por demandas da própria
modernidade e, de outro lado, pelos valores artísticos e históricos das
cidades/tecidos antigos. Um exemplo de sua atuação no campo do urbanismo
guarda relação com a pesquisa desenvolvida no Quartiere Del Rinascimento, em
Roma. Ao tratar da história e da tipologia definiu o conceito de diradamentoedilizio, cuja tradução se aproxima do significado da palavra desbastamento.
Para Jokilehto (1999, p.220), o conceito formulado por Giovannoni tem
como premissa a manutenção do tráfego principal fora dos tecidos antigos, evitando
novas ruas nos seus interiores, melhorando as condições higiênicas e sociais e
conservando os edifícios históricos. Para alcançar tal objetivo, ele sugeria a
demolição de estruturas menos importantes92, a fim de criar espaços para os
serviços necessários. Na leitura de Choay (2006, p. 201), a bela metáfora do
diradamento evoca o desbastamento de uma floresta ou de uma sementeira por
demais densas para designar operações que visam eliminar construções parasitas,
adventícias, supérfluas.
92A meu ver, chama a atenção o que poderia considerado menos importante para Giovannoni. Trata-se, portanto, de um conceito que merece ser analisado e compreendido, através de estudos mais específicos e aprofundados das formulações do autor sobre os conteúdos urbanos passíveis de serem removidos.
146
A abordagem da reabilitação dos bairros antigos na perspectiva de
Giovannoni pode ser demarcada no trecho recortado por Choay (2006, p.201-202)
do livro Vecchie città ed edilizia nuova, publicado pelo autor em 1913:
A reabilitação dos bairros antigos é obtida mais a partir do interior que do exterior dos quarteirões, especialmente restituindo casas e quarteirões a condições tanto quanto possível próximas das originais, porque a habitação tem sua ordem, sua lógica, sua higiene e sua dignidade próprias.
As figuras abaixo demonstram o trabalho do arquiteto e urbanista italiano,
segundo os princípios do desbastamento e sua sistematização para aplicação no
bairro do Renascimento, em Roma. À esquerda, os espaços pintados em amarelo
indicam demolição, em laranja reconstrução total ou parcial e em negrito (neretto) os
novos alinhamentos das ruas. Na figura a direita, observa-se a sistematização do
plano global de uma via específica do bairro - a via dei Coronari - com a indicação
do ambiente e seu valor. Consegue-se, por exemplo, perceber que as poligonais
preenchidas na cor preta mais escura, indicam os edifícios de especial importância
artística e histórica.
Figura 114 Planos de reabilitação urbana de Gustavo Giovannoni para o bairro do Renascimento (Roma) Fonte: CARBONARA (1997)
Segundo Choay (2006), historiadora de teorias e formas urbanas,
Giovannoni, ao assegurar o entendimento de que a cidade histórica constitui-se
como monumento e ao mesmo tempo constitui-se como tecido vivo, funda uma
doutrina de restauração e conservação do patrimônio urbano que pode ser resumida
em três princípios.
147
Todo fragmento urbano antigo deve ser integrado num plano diretor
(piano regolatore) local, regional e territorial, que simboliza sua relação com a vida
presente (1); o monumento histórico não pode designar um edifício isolado,
separado do contexto das construções no qual se insere (2); os conjuntos urbanos
antigos requerem procedimentos de preservação análogos aos que foram
defendidos por Boito para o monumento (3).
Ao tomarmos as formulações teóricas de Giovannoni como referência
para pensar expressões e desafios do restauro na contemporaneidade, é importante
levar em consideração a ênfase dada às ações de manutenção, reparação e
consolidação, antes de qualquer acréscimo em estilo/tecnologia moderna, sendo
esta acatada caso, comprovadamente, necessária. Para ele, segundo Jokilehto
(1999, p. 222): [ ] the aim was essentially to preserve the autencity of the structure,
ment, not only the first fase .
A particularidade desse modo de pensar se desenvolveu, concretamente,
em três momentos significativos da produção de documentos normativos sobre
restauração arquitetônica: a Carta de Atenas, de 193193; a Carta Italiana de
Restauro, publicada em 1932 e a publicação, em 1936, na Enciclopedia Italiana di Scienze, Lettere e Arti94 intitulada Restauro do Monumento. Nesta publicação,
Giovannoni caracteriza a lida com os monumentos apontando a existência da Lei
Italiana no domínio da antiguidade e da Bela Arte. Discorre que, no estabelecimento
de regras claras para a proteção de obras de arte, pública ou privada, a Lei
estabeleceu como objeto não somente os principais monumentos, mas também
prédios modestos de importante interesse histórico e artístico e, ainda, elementos
constitutivos do ambiente.
No verbete Restauro do Monumento, Giovannoni demonstra, tal como fez
Boito, encontrar-se num posicionamento intermediário entre a visão negativa de
John Ruskin e a busca do valor unitário da massa e do estilo cristalizada na
Viollet Le Duc.
Nas suas formulações teóricas, Giovannoni atribui a máxima importância
às obras de manutenção e consolidamento, classificando a restauração em três
modalidades: consolidação, recomposição e libertação.
93Giovannoni participou do Congresso Internacional de Arquitetura Moderna (CIAM), de 1931, onde defendeu princípios que contribuíram para a posterior formulação da Carta. 94G. Giovannoni, Restauro dei monumenti, alla voce Restauro, in Enciclopedia Italiana di Scienze, Lettere e Arti, Roma, Istituto della Enciclopedia Italiana, 1936, vol. XXIX, pp. 127-130.
148
A primeira modalidade, a de consolidação, investe na possibilidade de
inserir outras técnicas construtivas, como o ferro e o concreto, de modo a contribuir e
dar força aos defeitos e estragos do edifício. A segunda, a de recomposição, tem
seu exemplo expressivo na anastilose, onde elementos geralmente em pedra
regressam aos seus lugares como 95, no
sentido do mínimo necessário para integrar o monumento e garantir as condições de
conservação. Na terceira, a de libertação, dá-se a remoção de massas amorfas
visando à retomada da essência artística do monumento96.
As formulações teóricas de Giovannoni, destacando-se as
recomendações quanto à utilização de técnicas modernas, como o betão armado,
contribuíram significativamente para a composição da Carta de Atenas, de 1931.
Esta Carta recomenda a reflexão crítica sobre novas construções nas proximidades
do monumento, de modo a não degradar a paisagem e o ambiente. Trata-se de uma
semente daquilo que, futuramente, validou e legitimou a pertinência do tombamento
de um sítio histórico. Transcendiam-se, então e efetivamente, as questões
autorreferentes do monumento em si, movimento com amplas e profundas
implicações para a preservação de tecidos citadinos e sítios históricos.
Dessa maneira, ao longo da carreira acadêmica, como diretor da Escola
de Srquitetura de Roma, entre 1927 e 1935, bem como no ensino da disciplina de
restauração de monumentos históricos, entre 1935 e 1947, Giovannoni, conforme as
pesquisas de Jokilehto, (1999, p. 221) consolidou [ ] os princípios italianos
modernos da conservação, enfatizando uma abordagem critica e científica de modo
a fornecer as bases para o restauro científico .
A sistematização até aqui empreendida, permite perceber que o restauro
conhecido como científico teve grande importância no processo de teorização e na
esfera de experiências concretas de restauração arquitetônica, por estabelecer uma
linha coerente, formalmente conceituada e estruturada ao longo de princípios claros
e bem definidos. Também possibilita reconhecer que o período expressivo e
vigoroso do restauro na Itália, no qual se destacam as contribuições de Boito e
Giovannoni, sinaliza uma inflexão na trajetória da consolidação do caráter científico
desse campo disciplinar.
95Registre-se o cuidado a ser tomado com o uso desta nomenclatura, pois, em restauração nenhum acréscimo pode ser considerado neutro. O próprio Giovannoni propõe que essas adições se deem por meio de materiais distintos do original. 96 No verbete Restauração, constam onze princípios do restauro estabelecidos por Giovannoni, cuja consulta enriquece o repertório de ações de restauração, apesar de ainda bastante alinhados a teoria de Boito.
149
Todavia, [ ] para bem restaurar é necessário amar e entender o
monumento . Essa frase de Boito e muitos outros tantos fragmentos de seu texto
apaixonado revelam, paradoxalmente, que a restauração arquitetônica é também um
campo de estudo e intervenção cercado de subjetividades, passível de enganos e
desencontros. Por isso mesmo, e para evitar as tentações que a condição do belo
ao sobrepor-se a condição histórica pode provocar, o privilégio da conservação e do
contentamento com a intervenção mínima possível.
4.4 A Teoria de Cesari Brandi
No âmbito da produção teórica sobre restauração arquitetônica, as
formulações e a experiência de Cesare Brandi (1906-1988) compõem um marco
essencial no estudo da condição contemporânea do restauro. No contexto desta
dissertação, na demarcação de formulações brandianas, considerei como fonte de
pesquisa a obra intitulada Teoria da Restauração, publicada em 1963.
Com formação em direito e letras, Brandi tomou a história da arte, a
estética e a restauração como campos privilegiados de reflexão e fazer profissional.
Profundamente respaldado no campo disciplinar da estética, Brandi propôs à
arquitetura, especialmente à tarefa da restauração, uma metodologia sólida, a qual
superou muitos dos limites e fragilidades das teorias até então desenvolvidas.
Nesse horizonte, ao teorizar sobre o restauro arqueológico e/ou filológico recoloca a
questão e o tema sob um ângulo mais complexo: o reconhecimento e compreensão
do objeto em questão (pintura, escultura, arquitetura) como uma obra de arte,
mediada por uma teia de relações cuja contemporização pode resultar na ação
fundamentada de restauro.
Tal concepção exige e pressupõe o reconhecimento da obra de arte
como arte, portadora de unidade potencial, cujo desvendamento é premissa para
construção da essência da ação de restauro, mediada pela matéria física e
dimensões espaciais, temporais, estéticas e históricas. Como produto desse jogo
intenso, baseado em estudos e pesquisas, delineiam-se corolários fundamentais não
só à teoria, mas também a prática de tão complexa atividade. Um deles diz respeito
ao reconhecimento da singularidade inconfundível abarcada pela obra de arte, como
um produto especial da humanidade. Tal argumento joga para longe a possibilidade
de feitos pautados exclusiva ou preponderantemente por razões pragmáticas.
150
A ênfase dada ao reconhecimento da obra de arte na teoria brandiana,
como base fundante do restauro, desdobra-se em dois questionamentos acerca do
objeto: Que matéria o constitui? Como está condicionada a sua dimensão bipolar,
estética e histórica? Então, Brandi conceitua: [...] a restauração constitui o momento metodológico do reconhecimento da obra de arte, na sua consistência física e na sua dúplice polaridade estética e histórica, com vistas à transmissão para o futuro. (BRANDI, 2000, p. 30)
Três dimensões analíticas podem ser identificadas na construção dessa
formação conceitual: consistência física, estética e história. Trata-se de dimensões
que, a partir de intensa contemporização, indicarão as bases de abordagem do bem,
em cada caso particular. Dessa maneira, elas orquestram não somente a articulação
do conceito de restauro, mas ainda, e fundamentalmente, o desenvolvimento de sua
teoria, mediante a dissertação dos temas: a matéria da obra de arte; a unidade
potencial da obra de arte; o tempo em relação a obra de arte e a restauração; a
restauração segundo a instancia da historicidade; a restauração segundo a instancia
estética; o espaço da obra de arte e a restauração preventiva.
A força do entendimento sobre a matéria da obra de arte deve partir da
sua admissão como o lócus físico da manifestação ou revelação da imagem da obra
de arte. Trata-se, na linha de teorização de Brandi, do único objeto de restauração
mais susceptível a uma abordagem fenomenológica. Afirma que a matéria deve
definir-se pelo fato de representar, contemporaneamente, o tempo e o lugar da
intervenção de restauro, como aquilo que serve, enfim, a epifania da imagem. Um
dos momentos mais fecundos das formulações teóricas de Brandi se encontra nas
reflexões sobre o desdobramento da matéria segundo duas constituições que lhes
são próprias: estrutura e aspecto. Estas devem ser indagadas e postas em conflito
aspirando um movimento dialético, capaz de evitar a elaboração das mesmas
segundo concepções errôneas97.
Dessa perspectiva, a matéria permite a manifestação da imagem, mas
a imagem não limita sua espacialidade ao invólucro da matéria, ficando claro que a
matéria não dá conta de representar tudo aquilo que a obra é.
97Dentre as abordagens equivocadas da matéria, Brandi destaca o fato de que o material se historiciza no tempo, não podendo ser substituído num refazimento, por uma matéria de mesma composição química, apenas. Também sublinha o equívoco decantado no sofisma de que o estilo da obra derivaria em grande medida da matéria.
151
Como argumenta Külh (2009, p. 72), [...] a ideia do artista é uma
realidade pura, incorruptível, mas a matéria se degrada . Além disso, a presença da
complexidade de elementos intermediários, como a luz, clima, atmosfera, entre o
observador e a obra contribui para a manifestação da imagem para além da
estrutura. O conceito de unidade potencial da obra de arte é estruturante na teoria
de Brandi. O autor assevera, categoricamente, que a unidade singular constitutiva
da obra de arte não pode ser entendida sob uma visada pragmática, segundo uma
perspectiva orgânica e funcional, e sim, de modo qualitativo. Exemplifica:
Sem nos delongarmos agora sobre o problema, que para nós é aqui colateral, do valor de ritmo que pode ser buscado e explorado pelo artista na fragmentação da matéria de que serve para formular a imagem, permanece o fato de que tanto as tesselas do mosaico quanto os blocos, uma vez retirados da concatenação formal que o artista lhe impôs tornam-se inertes e não conservam nenhum traço eficiente da unidade a que foram conduzidos pelo artista. Será como ler palavras em um dicionário, as mesmas palavras que o poeta havia reagrupado em um verso e que, se dele retiradas, voltam a ser grupos de sons semânticos e nada mais. (BRANDI, 2000, p. 43)
Isto explicitado, Brandi argumenta que, o modo como se costuma
conectar os objetos do mundo existencial não estabelece nexos com o modo de ler a
unidade figurativa de uma obra de arte, a qual se dá concomitantemente com a
intuição da imagem - como obra de arte. Então a equiparação da unidade intuitiva da
obra de arte com a unidade lógica com a qual se pensa a realidade existencial não
pode se efetivar, incluindo-se aí a impossibilidade de intervenção em uma obra de
arte mutilada por analogia. Eis um corolário que deve ser rebatido na prática:
[...] se a forma de toda obra de arte singular é indivisível, e em casos em que na sua matéria a obra de arte estiver dividida, será necessário buscar desenvolver a unidade potencial originária que cada um dos fragmentos contém, proporcionalmente à permanência formal ainda remanescente deles. (BRANDI, 2000, p. 47)
Ao longo da produção de sua teoria da restauração, Brandi desenvolve
princípios práticos do restauro, articulando os conceitos de distinguibilidade, mínima
intervenção e reversibilidade. Eis estes princípios: 1. A integração deverá ser sempre e facilmente reconhecível, sem infringir a unidade que visa reconstruir. 2. A não substituição da matéria será fato exigido apenas quando ela colabora diretamente para a figuratividade da imagem como aspecto e não como estrutura. 3. Qualquer intervenção deve facilitar intervenções futuras.
152
O tratamento da lacuna - apreendida como forte interrupção de um
determinado tecido figurativo - se apresenta na reflexão de Brandi como questão
cara à compreensão da unidade potencial da arte. De maneira perspicaz, o
estudioso italiano aponta que [...] contraditoriamente àquilo que se acredita, o mais
grave, em relação à obra de arte, não é tanto àquilo que falta, quanto o que se
insere de modo indevido . Para além - e em oposição - da complementação neutra,
cristalizada mediante a inserção de timbre, tom ou forma próxima a este conceito
honesto, mas insuficiente, a proposta interventiva deve prever uma conexão entre as
partes de modo
A concepção de tempo, nesse modelo conceitual e prático de restauro,
desdobra-se segundo três acepções que contribuem para a significação dinâmica da
inserção do tempo na obra de arte. Tais acepções são: duração, intervalo e átimo.
Essencialmente, Brandi apreende a obra de arte como ente autônomo em relação
ao período em que viveu o artista e a própria obra. Ao defender esta ideia, Brandi
pede a obra para [...] descer do pedestal, suportar a gravitação do tempo em que
vivemos, na própria conjunção existencial de que a contemplação da obra nos
deveria extrair . (BRANDI, 2000, p. 49).
Assim, na longa e rica argumentação de Brandi (2000, p. 57), a história da
arte é [...] definida como a história que se volta, ainda que na sucessão temporal
das expressões artísticas, ao momento extratemporal do tempo que se encerra no
ritmo . É no presente que a obra de arte se realiza, assim como é no presente que o
projeto de restauro deve acontecer, como mais um evento histórico a compor a
marcha evolutiva da obra no porvir, portadora de uma revelação artística, história e
material. Então, sobre a ação de restauro, assim pondera Brandi (2000, p. 61):
A restauração, para representar uma operação legítima, não deverá presumir nem o tempo como reversível, nem a abolição da história. A ação de restauro, ademais, e pela mesma exigência que impõe o respeito da complexa historicidade que compete a obra de arte, não se deverá colocar como secreta e quase fora do tempo, mas deverá ser pontuada como um evento histórico tal como é, pelo fato de ser ato humano e de se inserir no processo de transmissão da obra de arte para o futuro.
No embate dialético entre as instâncias histórica e estética, definidoras do
reconhecimento da obra de arte, a força e a prioridade da primeira se materializam
sob a forma da ruína.
153
Nessa linha de análise, a força da ruína encontra-se no fato de
testemunhar algo da história de modo totalmente diverso do antes existente. Há um
intervalo intransponível no qual a unidade potencial da arte não ousou sobreviver,
dado que a impede de ser nova e repetidamente revelada. Assim, o olhar sob a
retina histórica e conservativa assume total protagonismo, pois se trata de um objeto
que, apesar de amputado nos seus traços estéticos essenciais, manifesta-se como
obra de um evento humano, elo importante de um juízo histórico.
No estudo da obra de arte, outro quesito pertinente ao prisma histórico
liga-se a questão da remoção ou conservação das adições e refazimentos. Para
Brandi, à adição é atribuída uma legitimidade incondicional, na medida do seu
conceito como novo testemunho do fazer humano. A remoção, no entanto, viabiliza
a retirada ou destruição de parte do conteúdo documental de que determinada obra
é portadora. Assim, quando a segunda opção for escolhida, esta deve ser justificada
e pontuada como uma ação, um evento histórico engendrado pela obra.
A pátina, uma forma particular de adição desenvolvida pelo tempo, pode
também ser analisada segundo a perspectiva da historicidade, devendo-se
apreendê-la como [...] aquele particular ofuscamento que a novidade da matéria
recebe através do tempo . (BRANDI, 2000, p. 73). Trata-se, portanto, de um
testemunho do tempo transcorrido, que deve ser admitido e, inclusive, exigido.
Para além da avaliação da obra mediante a instância histórica, a instância
estética se ocupa da mesma série de considerações e dos conflitos que lhes são
peculiares. De um lado, a sede de tendência conservativa, de outro lado, a sede na
qual a arte reclama pela remoção de todo acréscimo. É a atividade crítica e o juízo
de valor que devem determinar os aspectos que encerram mais ou menos valor.
O papel da ruína, por exemplo, carente de significado estético, dado a
perda da unidade potencial de sua matéria, pode ser completamente resignificado
mediante uma leitura maior, urbana, na qual a ruína constitui elo importante de uma
sintaxe paisagística, na medida também do seu relacionamento com outras obras de
arte. A pátina, por sua vez, ganha legitimidade estética na medida em que, a matéria
e seu inevitável desgaste, não possuem a precedência sobre a imagem.
Se então a matéria se impuser com tal frescor e irrupção a ponto de primar, por assim dizer, sobre a imagem, a realidade pura ficará perturbada. Por isso a pátina do ponto de vista estético, é aquela imperceptível surdina colocada na matéria que é constrangida a manter uma posição modesta no cerne da imagem. (BRANDI, 2000, p. 86)
154
Para Brandi, o refazimento somente deverá ser feito quando indicar o
alcançar de uma nova unidade artística. Nesse sentido, elabora e apresenta uma
crítica à intervenção feita no Campanário de São Marcos, em Veneza. Este, apesar
de funcionar como refazimento para o ambiente urbano constitui uma cópia do
original, fato que só se admite para fins didáticos por tratar-se de um falso histórico e
um falso estético. Afirma que a reprodução não era requerida, a não ser pelo
-se do entendimento de que o tempo não é
reversível e a arte não é reproduzível.
Figura 115 - Foto do Campanário de Veneza (2011)
Fonte: Registro fotográfico da autora (2011)
No campo dos desafios teóricos e práticos da restauração arquitetônica,
Brandi propõe e assume, de modo definitivo, que qualquer intervenção ou
comportamento em relação à obra parte do reconhecimento de modo intuitivo na
consciência individual da obra de arte como obra de arte. Por conseguinte, é
necessário interrogá-la segundo dois aspectos: a eficiência da imagem que nela se
concretiza e o estado de conservação da matéria. Este processo é denominado por
Brandi de metodologia filológica e científica, base inquestionável, sem a qual a
autenticidade da obra poderá está prejudicada, bem como sua transmissão para o
futuro.
155
O estabelecimento de direções de indagações comuns aos mais diversos
tipos de obra de arte são nucleados e explicados por Brandi. Enfatiza o fato da obra
de arte se definir na sua dúplice polaridade, estética e histórica. Há, portanto, de se
determinar as condições necessárias para a fruição da obra de arte como imagem e
como fato histórico. Toma e apresenta como exemplo
della Valle, em Roma, a qual sofreu profundas alterações figurativas quando da
abertura do Corso Del Rinascimento. Ainda que materialmente sua constituição
tenha permanecido de modo consistente, as relações urbanas circunvizinhas, ao
serem alteradas, modificaram o efeito previsto da leitura dos volumes de coluna na
fachada. Como proposição resolutiva, Brandi sugere que se faça valer uma
disposição legislativa que promulgue a intangibilidade de zonas adjacentes aos
monumentos em questão.
Figura 116 - Gravura de 1756, de Giuseppe Vasi e foto atual da a Fonte: http://www.romeartlover.it/Vasi134.htm
Segundo os parâmetros teóricos e práticos explicitados, de modo
categórico, Brandi (2000, p.108) argumenta que à arquitetura, de nenhum modo, em
se tratando dela, [...] pode-se conceder a alteração de um ambiente arquitetônico
antigo com a substituição das partes que constituem seu tecido conectivo que,
mesmo se amorfo, é sempre coevo e historicamente válido .
Preocupações com as questões da ética atravessam de modo transversal
à obra Teoria da Restauração, de Brandi. Isto se mostra seja na importância
atribuída ao pensar antes de agir, do apreender primeiro em consciência o
significado e a importância de um determinado bem, antes de qualquer ação prática,
seja no seu entendimento sobre a falsificação.
156
Ao abordar a questão da falsificação, Brandi acentua que esta não se
funda no objeto, dado que determinada cópia pode se fazer de modo e materiais
idênticos. Para ele, a premissa da adulteração se funda no juízo, na origem das
intenções, expressa pela incongruência entre o sujeito e seu conceito.
De modo mais específico, a obra Teoria da Restauração propõe princípios
para a compreensão e intervenção nos monumentos arquitetônicos. Afirma a
singular condição da espacialidade do monumento ser coexistente ao espaço em
que foi construído de modo indissolúvel. Daí deriva duas proposições: a
inalienabilidade do monumento como exterior ao sitio histórico em que foi edificado e
o cuidado relativo às operações de alterações desse sítio, visando sempre a sua
salvaguarda.
A consistência metodológica da teoria de Brandi traduziu-se em princípios
operacionais válidos, fundamentados na premissa da busca de exclusão do
empirismo dos processos de restauro. Na sua teorização, o restauro é vinculado à
obra de arte, devendo ser entendido como produto especial da produção intelectual
humana. Tal aspecto manifesta a sensibilidade do autor em relação à arte, sendo
esta uma das dimensões que fundamenta a profunda convicção do presente na sua
abordagem do restauro como produto especial da atividade humana.
Ao atrelar intimamente arte e restauro, Brandi toca em um ponto
nelvrágico do ofício arquitetônico: a função do bem. Para ele, indispensável na
justificativa e explicação de um projeto, na restauração, a função deve perder o seu
protagonismo, não podendo jamais ter o papel fundamental ou constituir-se como
razão de ser da obra. O uso é sempre um dos meios para a efetivação de uma obra
de restauro, entendida como ato cultural, mas nunca o seu fim.
A ênfase dada ao aspecto estético gerou a reverberação de críticas sobre
o papel a que ficaria relegada à matéria. A essas críticas, Brandi (2000, p. 40)
responde que a instância estética será a primeira em qualquer caso, [...] porque a
singularidade da obra de arte em relação aos outros produtos humanos não
depende da sua consistência material e tampouco da sua dúplice historicidade, mas
da sua artisticidade, donde se ela perder-se, não restará nada além de um resíduo .
Por fim, parece ser possível considerar que a teorização de Brandi, em
particular, sobre o restauro se efetiva como ato de respeito pelo passado, feito no
presente, mas mantendo sempre o futuro no horizonte de suas intervenções.
157
5. ESTUDOS DE CASO: agentes envolvidos, especificidades projetuais e
desafios do restauro arquitetônico
Neste último capítulo da dissertação, tendo por base as demarcações
histórico-urbanas, político-institucionais, teóricas e arquitetônicas sistematizadas nos
capítulos anteriores, eu exponho os resultados do estudo de quatro obras de
restauro empreendidas no Centro Antigo da cidade de São Luís.
De partida, registro que o caminho da delimitação espacial e tipológica
das obras foi longo e perpassou parte do desenvolvimento da pesquisa: dever-se-ia
buscar um conjunto de edificações expressivas de variedade formal e programática
ou edificações unificadas pelo mesmo tema funcional/uso (habitação, cultural,
comercial, educacional)? Considerando o tripé de categorias analíticas (agentes,
agendas e projetos) mencionado desde o projeto de pesquisa submetido à seleção
do Mestrado, a primeira dimensão, ou seja, os sujeitos envolvidos na materialização
das obras, não poderiam determinar a escolha dos projetos a serem estudados?
Diante desses questionamentos98, o movimento de reflexão e crítica
quanto à definição das referências empíricas pautou-se na premissa de abarcar
práticas de restauro promovidas por agentes públicos e agentes privados,
envolvidos na restauração de obras diversas no tocante às suas características
arquitetônicas, importância histórico-urbana e funcional. Seguindo tal premissa,
analiso dimensões da restauração arquitetônica empreendida em quatro edifícios,
consolidados no período que vai do início década de 1980 a 2000.
A aproximação aos bens partiu do entendimento apontado por Mayumi
(2008, p. 20) [...] a restauração como intervenção concreta no monumento é o objeto
Sob esse intento, a abordagem das obras toma por base três
dimensões consideradas a partir da singularidade de cada edificação: a experiência
do abandono, a experiência do restauro e a experiência da conservação. Em cada
uma dessas experiências, procuro delimitar agentes envolvidos, especificidades
projetuais e desafios do restauro, sem perder de vista aspectos relativos à
localização no território e a história da propriedade de cada uma das edificações. 98Vale apontar que durante certo tempo cogitou-se selecionar edificações abandonadas e analisar a materialidade da dimensão do abandono mediante quatro estudos de casos: ruína, edifício abandonado (fechado e sem uso), ocupação ilegal (cortiço), uso sem manutenção. No entanto, dado que a linha de pesquisa na qual me encontro é definida como Projeto de Arquitetura, bem como as pertinentes considerações dos examinadores da Banca de Qualificação realizada em agosto de 2011 no sentido da composição de um objeto de pesquisa voltado para análise de projetos de restauro e não de casos testemunhos de abandono, a ênfase da análise recaiu, como indicado na Introdução sobre as expressões e desafios do restauro arquitetônico no Centro Antigo da cidade de São Luís.
158
No quesito a experiência do abandono, eu procuro reconhecer o estado
de conservação da obra e sua configuração espacial e tipológica, anterior ao
restauro empreendido, mediante pesquisa documental e depoimentos. É importante
pontuar que todas as edificações estudadas, no período antecedente ao restauro, se
encontravam abandonadas e sem uso. Fazem parte da documentação analisada
nesta fase: fotos antigas (parte integrante da pesquisa iconográfica), levantamentos
do estado da situação do edifício anterior ao restauro por meio de plantas e
mapeamento de danos, nos casos em que foram encontrados.
A experiência do restauro é reconstituída através da análise do projeto e
das justificativas que sustentam e compõem a proposta de restauração
arquitetônica, considerando a documentação encontrada nos arquivos públicos do
Iphan-MA e do DPHAP/MA e em acervos particulares de escritórios de arquitetura e
arquitetos. Do ponto de vista analítico, busco ainda identificar desafios e limites
impostos à ação de restauro, a aplicação de seus princípios basilares
(distinguibilidade, reversibilidade, mínima intervenção), a presença da abordagem
arqueológica do monumento que, segundo Mayumi (2000), se configura como o ato
de identificação e registro das estratificações e das características arquitetônicas e o
quesito relacionado às exigências do uso sobre a edificação e ao reconhecimento de
(im)compatibilidades. Esses itens se encontram reunidos na elucidativa síntese
sobre a preservação de edifícios elaborada por Kühl (2009, p. 217):
Preservar um edifício significa revelar e valorizar o todo e suas partes, que são intimamente conexos, respeitando os elementos que o compõem. São documentos que interessam às humanidades e às ciências naturais. No que concerne à arquitetura, o exame dos materiais empregados, da forma de compor, localizar, ornamentar e distribuir os ambientes, sua relação com o conjunto, possibilita a fruição da obra, o entendimento das técnicas construtivas, de suas várias fases até chegar à configuração atual, entendendo-se os usos que se sucederam nos espaços. Se não se preserva o edifício como um todo, interior e exterior, que não são coisas desconexas, perde-se tudo isso. Destroem-se dados históricos relevantes e deixa-se a obra esvaziada de sua capacidade de funcionar como efetivo suporte material do conhecimento e da memória.
A experiência da conservação recai sobre o estado em que a obra chega
à atualidade e o modo como o conteúdo recuperado ou removido se mantém, ou
não, ao longo do tempo, bem como se volta à identificação de novos acréscimos.
Busca-se principalmente examinar a manutenção de traços da passagem do tempo
nessas obras ou se a remoção da decadência do material é total. Sobre esse tema,
Kühl (2009, p. 231) esclarece que:
159
Os sinais de transcurso são cada vez menos apreciados na atualidade. Com essa tendência à renovação e à pasteurização de superfícies, muito se perde da riqueza e da vibração resultantes dos próprios métodos de
vida de uma obra. [...] O objetivo de uma restauração não é oferecer uma imagem do passado facilmente consumível, simplificada de forma grosseira, para se tornar mais palatável ao gosto massificado. É, ao contrário, respeitar e valorizar toda a riqueza das diversas estratificações da história também com o objetivo de educar.
Ainda para a mesma autora e estudiosa do tema, [...] o interesse em
preservar as marcas do tempo não é mero ruinismo ou necrolatria, mas é, sim, uma
apreciação estática, crítica, histórica, que não considera o tempo como reversível
KÜHL (2009, p. 231). Por isso, para ela, deve-se reconhecer aquilo que pode ser
considerado como incidência positiva do tempo sobre a obra, como a pátina e o
próprio envelhecimento natural, e aquilo que, ao contrário, deve ser visto como
incidência negativa a exemplo de sujeiras e patologias.
Também, como aponta Como aponta Regina Tirello (2002, p. 152):
Na área da conservação e restauro, mesmo quando se busca a compreensão dos processos degenerativos somente com o objetivo de estancá-los o qual no restauro é finalidade que pode aparentemente ser reduzida a questões de causa e efeito está se questionando a história do manufato e das relações com o ambiente que se insere, está-se indagando a cultura da qual deriva e a cultura à qual se repropõe.
Com estas indicações teórico-metodológicas gerais, busco fazer um
mapeamento preliminar e exploratório de modelos e práticas através das quais vêm
se expressando e se sedimentando a prática da restauração arquitetônica em
edifícios tombados no Centro Antigo da cidade de São Luís.
A tabela a seguir apresenta os quatro edifícios analisados, cuja
numeração corresponde à localização de cada um no Centro da cidade de São Luís
160
Numeração Imóvel Data de Construção
Restauração Endereço (Ruas)
1 Solar São Luís Séc. XIX Déc. 1970 Nazaré, 337 2 CEPRAMA Séc. XX Déc. 1980 São Pantaleão,332 3 Agência Unibanco/Itaú Séc. XX Déc. 1980 Rua da Paz, 605 6 Morada dos Dinamarqueses Séc XVIII Déc. 2000 Giz, 394
Figura 117 - Tabela com dados gerais sobre o Solar São Luís, CEPRAMA, Agência Itaú,e Morada dos Dinamarqueses. Fonte: Dados pesquisados pela autora
Figura 118 Localização das obras estudadas no Centro da cidade, na área de tombamento estadual
Fonte: Adaptação foto Google Earth (2011)
161
5.1 Solar São Luís: CEF reabilita uma ruína
Localização e dados históricos
O solar São Luís encontra-se localizado em uma importante esquina do
Centro Antigo de São Luís, entre as Ruas do Egito e de Nazaré, próximo a Praça
João Lisboa, local de significativa importância histórico-urbana para a cidade. Em
fins do século XIX99, período no qual foi construído o Solar, a tradicional área do
Largo do Carmo100, era vista como um dos pontos culminantes da cidade a cerca de
vinte e dois metros acima do nível médio das marés.
Figura 119 - Localização do Solar no Centro Antigo de São Luís Fonte: Adaptação do Google Earth, 2011
A riqueza e a vivacidade da vida urbana que esta zona da cidade possuía
reverbera nas palavras de Vieira Filho (1970, p.111), ao relembrar fatos do cotidiano
citadino como a crítica à estética da estátua da praça em homenagem a João
Lisboa, a retiradas das árvores de copas frondosas presentes na Praça João
Lisboa101.
99Segundo Amaral (2003, p. 67), nesse período histórico a cidade contava com um total de 5.298 casas habitadas, distribuídas por 74 ruas, 16 praças, 21 travessas e 2 becos. 100Tradicionalmente conhecido como Largo do Carmo, espaço que sediou as primeiras feiras e o primeiro abrigo público da cidade, tem sua origem no convento de Nossa Senhora do Monte Carmelo construído pelos frades carmelitas, em 1627. 101No jornal A Pacotilha de 7 de outubro de 1919 encontra-se publiFarmácia do Norte, o pedestal da estátua de João Lisboa. Quando foi da inauguração do monumento, ninguém, mas absolutamente ninguém, enguliu, essa obra de arte indígene, que despertou um geral desagrado, pela sua falta absoluta de estética. Aquilo podia servir de prateleira para leilões nas festas de Santa Filomena, mas de
obre as árvores, Vieira Filho, no guia Breve História das ruas e praças de São Luís, aponta um curioso fato descritivo da vitalidade urbana determinada pelos encontros que ocorriam na cidade na primeira metade do século XX: em 1935, sob a ordem do prefeito Antônio Bayma, foram cortadas as árvores acolhedoras
-se todas as tardes grupos de pessoas para comentar a vida da cidade em gossips inocentes. O medo de surgir dessas pacíficas reuniões algum carbonário teria levado
Figura 120 - Localização do Solar na quadra, esquina Rua do Egito em Rua de Nazaré (em destaque) Fonte: Adaptação do Google Earth, 2011
162
Em sete de abril de 1903, a Praça João Lisboa era caracterizada como
e árvores simetricamente dispostas, que dentro em breve e por toda ela espalharão
uma m 1912, uma novidade mereceu destaque: o
quiosque para venda de gelo construído pela Companhia Fabril Maranhense.
Constitui ainda um dos primeiros conjuntos urbanos tombados no Conjunto
Arquitetônico e Urbanístico de São Luís, com inscrição de número 431 no LTBA, em
dezembro de 1955, como já indicado na linha do tempo tecida no terceiro capítulo
desta dissertação. No registro do seu tombamento, ela assim é descrita: A Praça João Francisco Lisboa está ligada a fatos históricos importantes como a batalha entre holandeses e portugueses, foi o local da primeira feira ou mercado da cidade e do primeiro abrigo público. Existia um pelourinho que foi destruído após a Proclamação da República102. No largo ou praça realizava-se a Festa de Santa Filomena, acontecimento de grande importância na vida da cidade. Em 1901, recebeu a denominação de Praça João Lisboa em homenagem ao escritor e jornalista maranhense que ali residiu. Em 1911, foi instalada no centro da praça a estátua do escritor, de autoria de Jean Magrou, sendo inaugurada em 1918. O largo sofreu inúmeras reformas e, na administração do Prefeito Haroldo Tavares, foi redenominada de Largo do Carmo. Esse nome explica-se por aí se encontrar o Convento e Igreja Nossa Sra. de Monte Carmelo. Nessa área, tombados pelo IPHAN, situam-se o prédio dos Diários Associados, o solar dos Belford, o Sobrado nº 328, com características do primeiro quartel do século XIX, o de nº 37 e a Igreja e Convento do Carmo.
Ainda no contexto da localização do Solar São Luís, tem-se a Rua de
Nazaré, revestida com mosaico português, que, conforma-se, hoje, como um eixo
público para pedestres e espaço para o comércio ambulante. A região apresenta
diversidade tipológica (edifícios ecléticos, modernos, tradicionais) e casarões da
arquitetura luso-brasileira resistentes ao tempo. Também manifesta o abandono
através de sobrados fechados ou em vias desabamento. Justamente, na esquina da
Rua de Nazaré com a Rua do Egito, localiza-se o Solar São Luís, construído no ano
de 1866, articulado a uma quadra composta de edifícios alinhados ao limite do
passeio, como um bloco / unidade construtiva, típico da cidade e guardando
semelhanças como o modelo pombalino de quarteirão.
a administração a arrazar o arvoredo do largo do Carmo. O autor ressalta também que ali existiram importantes
102Segundo Vieira Filho, (1970, p. 108) a praça possuía um pelourinho, assim descrito: Era obra delicada, com a sua coluna manuelina esvazada na pedra e facilmente arrebentaram no Largo do Carmo de São Luís, na tarde de 1º de novembro de 1889. Acrescenta ainda que na administração do conselheiro Lafayette Rodrigues Pereira, em 1886, o largo do Carmo foi terraplenado fazendo-se-lhe ruas longitudinais e transversais, com passeios laterais. Em 1877 a Intendência se preocupava com a arborização da atual Praça João Lisboa, e em abril desse ano, conforme notícia de jornal, no mesmo ano a municipalidade manda plantar novas mangueiras no local.
163
A experiência do abandono
A experiência do abandono encerrada pelo Solar São Luís tem início no
final da década de 1960, em decorrência de um incêndio, e alcança o ano de 1973,
quando a CEF efetiva a compra do edifício arruinado. Tal fato atesta a presença de
uma empresa pública-estatal na condição de agente da requalificação de um
clássico sobrado em área tombada da cidade.
O incêndio de 1969 inscreve, evidentemente, um hiato no tocante ao uso
da edificação, mas principalmente à memória do agenciamento espacial interno
original ou anterior ao incêndio, dos quais quase não existem registros. Traços da
memória do uso edilício anterior ao incidente foram encontrados por meio de
notícias de jornal, as quais evidenciaram o uso empresarial e comercial sob a forma
de funções de hotelaria, livraria, restaurante e escritórios.
Quando em novembro de 1969, as labaredas na sua fúria destruidora, consumiram vigas enormes de madeira de lei, retorceram grades de ferro, lamberam azulejos e deixaram fuligem nos arcos de cantaria, a cidade inteira entristeceu, na tristeza de Moreira Lima vendo os paredões que restaram e sentindo que um pouco de seu passado glorioso se transformara em fumo e pó. Até ser tragado pelo fogo nos três pavimentos do edifício São Luís funcionavam lojas, escritórios, pequenas oficinas, bancas de advocacia e, desde 1916, a Livraria Moderna ponto de encontro de intelectuais e homens de negócio. No último andar daquele sobradão instalava-se o Hotel Serra Negra e acredita-se ter sido um incêndio causado por curto-circuito em um dos quartos. Os escombros permaneceram expostos aos céus e a família Moreira Lima, proprietária do imóvel, procurou conservar o pouco que restava, impedindo-lhe a demolição103.
O tempo correspondente aos quatro anos do abandono do Solar São Luís
insere-se, cronologicamente, no contexto da reformulação não só político-
administrativa, mas de ordem conceitual do IPHAN, no sentido da definição do que
era passível de proteção e tombamento em âmbito nacional. Em 1973, data em que a
ruína foi adquirida pela CEF, tem início, como já delineado no Capítulo 2 desta
dissertação, o PCH104. Também coincide com o ano da chegada do arquiteto
consultor da UNESCO, Alfredo Evangelista Viana de Lima, com o objetivo de ampliar
o conteúdo tombado, até então restrito a alguns monumentos e praças. 103Reportagem veiculada pelo Jornal O Estado do Maranhão de 23 de abril de 1992. 104Recorde-se que este Programa apresentava, como uma de suas diretrizes gerais, o entendimento de que a preservação do patrimônio tombado guardava profunda relação com o uso. Propunha-se, então, a utilização prioritária desses monumentos em programas vinculados a organizações que pelo seu uso e conservação, estimulassem atividades turísticas, tais como repartições públicas, empresas estatais, autarquias ou bancos oficiais. No entanto, as obras de restauração do Solar São Luís não foram realizadas com recursos do PCH.
164
Em notícia publicada, exatamente, no dia da inauguração do Edifício
como Sede da CEF, em 1982, a imprensa local aborda os limites do governo
estadual no sentido da proteção do patrimônio edificado de São Luís, destacando a
não destinação de recursos econômicos à recuperação do Solar São Luís:
Domingos Vieira Filho, então representante do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e um dos grandes amantes desta cidade, que ocupava a presidência da Fundação Cultural do Maranhão, não se fez indiferente. Procurou, por muitos caminhos, chegar ao caminho certo. Mas o Estado não dispunha de facilidades. E os musgos cresciam nos escombros, ao mesmo tempo em que as chuvas faziam soltarem-se azulejos da fachada105.
Do mesmo modo que a imprensa local destacou em um dos seus
noticiários às dificuldades do governo estadual se posicionar como agente promotor
da restauração do Solar São Luís, posicionamentos e iniciativas de representantes
da voz administrativa da CEF são veiculados, neste caso, em tom festivo e
reconhecidos como uma nobre e corajosa ação.
Foi quando, em 1975, Karlos Rischbieter, então na Presidência da Caixa, visitou a filial do Maranhão. Seus olhos foram tocados pelos beirais de faiança106, ainda resistentes e sua sensibilidade ditou ao então Gerente local, Fernando Santa Cruz Marques, instruções no sentido de adquirir aquelas ruínas e promover sua recuperação. Com ajuda de Vieira Filho e do então Governador Nunes Freire foram feitas as aproximações e, em pouco tempo, era adquirido o imóvel. Quando Karlos Rischbieter, então presidente da Caixa Econômica Federal, determinou à gerência da filial do Maranhão
ssa decisão, em termos empresariais, não mereceria aplausos, dado os altos custos dos trabalhos de recuperação de bens tombados. Mas o negócio foi feito, porque o pensamento do então presidente da Caixa era o de prestar homenagem à São Luís, recuperando um dos mais belos exemplares de sua arquitetura colonial107.
O beiral de faiança, objeto de admiração do então presidente da CEF,
coroava o perímetro de alvenaria revestida de azulejos e abandono, fato percebido
pela arquiteta Dora Alcântara108, que descreveu a situação de degradação e
arruinamento do edifício nos seguintes termos:
105Reportagem veiculada pelo Jornal O Imparcial de 23 de abril de1982. 106Segundo Lemos (1972) o termo faiança designa uma louça de barro envernizado ou coberto de esmalte. Louça de pó de pedra. 107Reportagem veiculada pelo Jornal O Imparcial de 28 de março de 1982. 108Dora Alcântara e seu marido Pedro Alcântara, arquitetos cariocas, foram responsáveis por um conjunto importante de trabalhos nas cidades de Alcântara e São Luís, dentre eles o Solar São Luís. Trabalharam, entre os fins da década de 1950 até os anos 1980, em obras como o Edifício João Goulart, restauro do Palácio Cristo Rei, Restauro da Igreja de São Matias e projeto de plano turístico para Alcântara. Dora é autora do livro intitulado Azulejos Portugueses em São Luís do Maranhão, publicado em 1980.
165
Como nós voltamos muitas vezes a São Luís cada vez que a gente voltava o prédio estava mais arruinado. Cada vez eu contava menos azulejos na fachada, os azulejos estavam sendo roubados. Inclusive me contavam casos assim que motoristas de taxis ofereciam azulejos para pessoas de fora para comprar, tiravam de lá. O negócio estava ficando grave mesmo e difícil de alguém assumir porque era uma coisa que ficava muito restrita, era uma obra muito cara. (informação verbal)109.
Importante registro do estado da edificação anterior ao restauro, encontra-
se em SILVA F. (1988, p. 54) através de uma planta baixa e corte do edifício
arruinado. No interior do edifício, delineiam-se dois alinhamentos de alvenarias de
pedra de noventa centímetros de espessura, paralelas ao sentido longitudinal da
edificação de quase quarenta metros (40m). Desenham o eixo de circulação da
como vertical ao encerrarem a escada, posterior ao vestíbulo (em vermelho). No eixo
transversal fixam-se às fachadas longitudinais, seis alinhamentos de alvenaria de
pedra conformadas (em cinza na planta), muito provavelmente, por arcadas
sequenciais (ver linhas em projeção).
109Entrevista realizada em 10/07/2006, na casa de Dora, na cidade do Rio de Janeiro, pelo arquiteto e professor Dr. Frederico Lago Burnett e transcrita pela autora desta dissertação em julho de 2009.
Figura 122 - Reproduções de fotos do Solar São Luís anterior (acima, com esquadrias) e posterior ao incêndio. Fontes: Jornal o Estado do Maranhão de 06/05/1980 e livro Monumentos Históricos do MA
Figura 121 - Estudo dos eixos da alvenaria do Solar São Luís sobre imagem de planta e corte reproduzida por Silva F. (1998) Fonte: SILVA F. (1998)
166
No quadro do arruinamento, as fachadas constituem a dimensão
construtiva com mais integridade, no sentido da leitura das linhas de força de seu
desenho. Os vãos mantiveram-se plenamente estruturados pelo sistema de cantaria
de lioz, regulares tipologicamente ao cadenciarem-se por meio de prumos retos
conectados através de vergas em arco pleno, em todos os vãos. No entanto, os
mesmos não mais possuíam esquadrias de madeira com bandeiras típicas de
fechamento das vergas. Os azulejos mantiveram-se na quase totalidade das
fachadas bem como os balcões de cantaria com gradis de ferro. A cobertura, como
fica claro nas imagens, foi o elemento eximido na sua quase totalidade pelo
incêndio. Mas, a permanência do esmeroso beiral de faiança atesta e assegura ao
Edifício a continuidade de um traço de requinte representativo do repertório
arquitetônico da arquitetura luso-brasileira no Centro Antigo de São Luís.
Figura 123 - Imagem do Solar São Luís no estado anterior à intervenção, em 1973 Fonte: SILVA F. (1998)
167
A experiência do restauro
A reabilitação do Edifício São Luís para abrigar a Superintendência de
uma instituição bancária estatal, a CEF, seguia uma determinação oficial ao mesmo
passo em que se constituía um momento singular da trajetória do imponente solar
erguido, originariamente, para abrigar ricos senhores do Maranhão.
Os autores do projeto de reabilitação, Pedro e Dora Alcântara, constituem-
se sujeitos importantes não só pelo projeto de restauro empreendido no Solar da Caixa, mas pela inserção desses dois profissionais na vida da cidade, mediante
participação em diversas obras de restauração, arquitetura e planejamento urbano.
Não por acaso, a imprensa local reconheceu-os elogiosamente como [...] dois são-
luisenses por escolha, por serviço, por respeito às nossas caras tradições 110.
O primeiro contato dos profissionais com a cidade se deu no ano 1959,
quando Pedro Alcântara, então funcionário do Instituto de Aposentadoria e Pensão
dos Industriários (IAPI), foi convidado a assessorar a construção de um dos poucos
exemplares modernistas verticais que pontuam o Centro Antigo de São Luís, o
edifício João Goulart111. Dora, então graduanda em arquitetura e urbanismo pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), inicia um diálogo com o seu
professor da disciplina de arquitetura brasileira, Paulo Santos112, sobre a
possibilidade de mudança para São Luís. Aconselhada por seu mestre, Dora entrou
em contato com o Sr. Rodrigo Melo Franco de Andrade e seguiu para a ilha
maranhense depois de graduar-se. Na cidade de São Luís, interessou-se
profundamente pela pesquisa dos azulejos locais, impressionada com sua riqueza e
variedade de formas e cores, como afirma em depoimento113:
Quando eu fui para o Maranhão na primeira vez fiquei encantada com os azulejos. Quando eu voltei comecei [a registrar os azulejos] e nesse momento fiz muita amizade com o cônego Osmar Palhano de Jesus. Ele tinha uma boa máquina fotográfica e disse que sempre tinha pensado em fazer isso, e a essa altura eu já tinha notado todos os azulejos fazendo um croquizinho. Eu tinha um caderno com tudo isso anotado, rua por rua, e aí ele se dispôs a refazer esse roteiro comigo pra eu fotografar os azulejos.
110Notícia veiculada no Jornal O Imparcial de 28 de março de 1982. 111Sobre o Edifício João Goulart ver, especialmente, Figueiredo (2006). 112Ao que tudo indica, trata-se do Paulo Santos, referenciado no capítulo 5, do livro de Maria Londres Fonseca, O Patrimônio em Processo. 113 Entrevista realizada em 10/07/2006, na casa de Dora, na cidade do Rio de Janeiro, pelo arquiteto e professor Dr. Frederico Lago Burnett e transcrita pela autora desta dissertação em julho de 2009.
168
Ao voltarem para o Rio de Janeiro, em 1959, o arquiteto Pedro
Alcântara é chamado a retornar ao Maranhão a pedido do Sr. Rodrigo Melo Franco
para efetivar obras de caráter imediato em alguns edifícios em estado bastante
precário, a exemplo do Palácio Cristo Rei, cujo mirante encontrava-se em ruínas. Dora e Pedro Alcântara também realizaram trabalhos na cidade de
Alcântara como a restauração da portada das ruínas da Igreja de São Matias114,
bem como a elaboração de um plano turístico em 1964, que ficou somente no papel.
Dora e seu marido, à época, estavam imbuídos de singular sensibilidade para os
problemas sociais locais e não apenas para a questão estética e formal das
atividades de restauro então empreendidas.
É dela a impressão, diante da finalização do retábulo da Igreja de São
Matias na década de 1960, ao questionar-se sobre o significado da restauração de
uma portada arruinada, dado que a população também compartilhava desta
e não pensarmos nisso como um todo não
adianta nada, pois isso daqui a pouco vai estar completamente depredado
114Nas palavras de Odylo Costa Filho, a Matriz de São Matias tem a dor das coisas que nasceram para ficar inacabadas. A edificação teve vida até fins do período monárquico. Segundo descreve Duarte (2011, p. 38) fachada colonial inteira acompanha-se do campanário quadrangular no lado esquerdo, com grossas paredes de cal e pedra, e aberturas laterais. O frontão, curvilíneo, também em pedra, compõe-se numa só peça, com medalhão, cornija e almofadas, e óculo central encimado por cruz de ferro. A porta principal e única, em lioz, foi objeto de restauração de Dora e Pedro .
Figura 124 - Reprodução de foto do Palácio Cristo Rei - Centro Antigo de São Luís Fonte: Google Earth, 2009
Figura 125 - Reprodução de foto das ruínas da Igreja de São Matias (Alcântara - MA) Fonte: DUARTE (2011)
169
A sensibilidade e interesse dos arquitetos em relação ao patrimônio
edificado de São Luís se construíram na medida dos contatos profissionais
recorrentes que o casal passou a ter com a cidade115. Tal fato respaldou Dora a ser
consultada pelo então presidente do IPHAN, em 1960, Rodrigo Melo Franco de
Andrade, para indicar aquilo que, segundo ela, deveria ser tombado na perspectiva
de um registro mais amplo desse patrimônio. Nesse momento, com insegurança,
mas também com perspicácia, a arquiteta defende aquilo que, na sua visão,
constituía a riqueza maior de São Luís: o seu conjunto civil de edifícios. Interessante
observar a sua abertura frente à importância histórica e cultural presente em outros
estilos arquitetônicos. Afirma Dora: [...] encontrei com o professor Paulo Santos e ele pediu notícias sobre coisas do Maranhão. E o Dr. Rodrigo pediu para que eu fizesse a indicação para novos tombamentos. Eu fiquei muito em dúvida, não me sentia assim tão segura, recém-saída da escola de fazer uma coisa dessas. Então eu conversei muito com o Paulo Santos a esse respeito. Eu olha professor, o que acontece é que eu acho que normalmente vão sempre tombar as igrejas, as construções excepcionais. Não é que não haja, há, mas o que é excepcional, a meu ver, é o conjunto da arquitetura civil de lá, eu acho ela de uma qualidade enorme . Quando eu conversei com o Dr. Rodrigo ele disse a mesma coisa. Deve ter andando alguém por lá bom como arquiteto, como engenheiro porque as construções de lá, do século XIX, tem uma qualidade que não são usuais, uma qualidade pouco usual em outros lugares. Então desse conjunto arquitetônico eu tinha notado justamente os conjuntos que me pareciam mais íntegros. Como ainda não se estava tombando conjuntos inteiros. Uma cidade, um centro, uma coisa assim, e o patrimônio ainda estava com muito zelo e se tinha uma construção de uma fase diferente eles já não gostavam de introduzir. Tinham uns purismos assim que depois acho que foi feito uma revisão, felizmente, porque isso não deixava de ser um erro. Afinal de contas, o centro histórico é um somatório de épocas e essa vivacidade inclusive é uma característica positiva. Mas eu ainda estava com aquela orientação, com aquela mentalidade. Então eu levei os conjuntos que eu achei mais íntegros (informação verbal)116.
O trabalho do casal Alcântara relativos à preservação do patrimônio
arquitetônico não limitava o ofício dos dois a este campo. Pedro Alcântara se
mantinha vinculado à atividade de pesquisa em arquitetura, principalmente sobre a
obra de arquitetos como Lucio Costa e Le Corbusier. Criou no Instituto de Arquitetos
do Brasil (IAB) um núcleo de estudos formados por jovens arquitetos, o Núcleo de
Estudos e Divulgação da Arquitetura do Brasil (NEDAB). 115Na primeira edição do livro Azulejos portugueses em São Luís do Maranhão, Josué Montello assim apresenta o livro: ali encontrei um casal de arquitetos a serviço da Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Ambos estavam predestinados pelo sobrenome a se identificarem com a velha cidade: Pedro e Dora de Alcântara. Ela acabaria por ser, com seu espírito meticuloso, o seu bom gosto e a sua inclinação artística, a nossa maior autoridade em azulejaria maranhense, tema de sua tese de concurso para Livre-Docente da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro 116Entrevista realizada em 10/07/2006, na casa de Dora, na cidade do Rio de Janeiro, pelo arquiteto e professor Dr. Frederico Lago Burnett e transcrita pela autora desta dissertação em julho de 2009.
170
Dora aponta, numa escala maior, para o fato de que os fundamentos das
políticas públicas de preservação do patrimônio no Brasil foram gerados por
profissionais intelectualmente ligados ao modernismo em suas áreas de trabalho e dá
importância a esse fato:
É curioso, talvez o Brasil seja um caso único, mas foram os arquitetos de vanguarda que defenderam o patrimônio histórico. Isso é muito importante e sempre que eu falava com meus alunos dizia que era muito importante entender que não era pelo lado da velharia, do saudosismo. Não é isso não, ao contrário. A gente vê na obra antiga aquilo que é permanente: o que ela tem de juventude permanente. Porque é isso que a gente deve introduzir numa obra. Você pode fazer uma obra hoje que jamais fica com um ar envelhecido, fora de tempo, ultrapassada, alguma coisa que não vai perdurar. (informação verbal)117.
Ou seja, Dora percebe nos edifícios antigos seu valor enquanto matéria
que pode e deve ser aproveitada no presente, daí o seu valor moderno. Defende no
seu depoimento-argumento o potencial que as obras de restauração podem conter
ao estarem amparadas não sob a retórica do restauro estilístico, minucioso, de volta
ao passado, mas como instrumento portador de valores atuais, como o uso e sua
apropriação social. É exatamente essa interpretação que parece embasar o partido
da intervenção no Solar São Luís, marcado pelo respeito às linhas externas da
edificação, mas buscando uma adaptação completamente moderna do interior,
coadunada as exigências de funcionamento peculiares a uma agência bancária.
A primeira fase de trabalho do casal Alcântara contemplou o
levantamento da matéria existente da edificação, a segunda tratou da
compatibilização do programa administrativo da Superintendência da CEF ao miolo
do caixão colonial. Em nenhum momento do depoimento, a arquiteta Dora faz
alusão ao IPHAN, que já possuía sede na cidade, e a possíveis limitações
normativas no campo do projeto. No entanto, conduz a justificativa da escolha do
partido arquitetônico de modo sensível à memória da configuração do estilo colonial
em São Luís. Dora afirma que ela e seu marido se inspiraram em uma das
características mais marcantes, senão a maior, das moradas coloniais em São Luís:
a configuração dos quintais internos avarandados.
A valorização dessa referência, destacadamente dos seus pátios
internos - as gostosas varandas de trás - na formulação do projeto de reabilitação do
Solar São Luís, aparece no depoimento de Dora. Ela diz: 117Entrevista realizada em 10/07/2006, na casa de Dora, na cidade do Rio de Janeiro, pelo arquiteto e professor Dr. Frederico Lago Burnett e transcrita pela autora desta dissertação em julho de 2009.
171
Do prédio tinha ficado um resto de arcos embaixo, pequeno e, no mais. o invólucro, o caixão e mais nada. Não havia nenhuma planta de como era antes. E o Pedro, é um princípio que isso a gente tem, num caso como esse você não vai inventar um falso antigo lá dentro. Se você tivesse tudo lá dentro, cem por cento, está bom [...]. Ainda que com materiais novos você poderia tentar recriar o espaço antigo, mas não tendo você cria um espaço novo. Agora esse espaço novo, na medida do possível uma reinterpretação, deve ter algum parentesco com o espaço antigo. E o que nos pareceu sempre muito característico do espaço das casas maranhenses é que pelo fato de que havia varanda no fundo, quando a gente olhava daquele pátio que fica vazio, aquele terreno quase sempre é um L, ou então um U. Daquele terreno vazio ali a gente tem uma visão geral da casa. Dá uma impressão quase que a gente tirou uma parte e fez um levantamento assim em perspectiva e é muito agradável isso. É uma das coisas extremamente agradáveis nas casas maranhenses. Dá uma ideia de aeração, de coisas assim. Então tivemos uma visão de pelo menos conservar. Lá não era muito grande o espaço que ficava vazio. Isso dava para perceber na ruína. Era um
te. Mas pelo menos isso. E a ideia dele (do Pedro) era a de se colocar um mamoeiro, uma coisa assim bem de quintal pra lembrar uma coisa dessas. [...] É, quer dizer, precisava colocar uma coisa pra lembrar um pouco o que era o interior de uma casa dessas. E deixar essa transparência para o interior. (informação verbal)118
A explicação da arquiteta fica comprovada por meio de um croqui
existente num quadro informativo do edifício. Em amarelo tracejado, procurei
evidenciar o desenho do mezanino, referência ao avarandado típico das casas,
interligando ambientes no sentido longitudinal da edificação bem como gerando um
vazio central.
Figura 126 - Foto de croqui do Solar São Luís (Centro Antigo de São Luís) emoldurado em quadro do local (2009) Foto: Registro da autora (2009)
118 Entrevista realizada em 10/07/2006, na casa de Dora, na cidade do Rio de Janeiro, pelo arquiteto e professor Dr. Frederico Lago Burnett e transcrita pela autora desta dissertação em julho de 2009.
172
O Edifício restaurado apresenta subsolo, pavimento térreo e dois
superiores, além de sótão no desvão do telhado. O desenvolvimento vertical da
edificação se materializa não mais como pavimentos assoalhados e
correspondentes a forma retangular, replicada em altura, mas sim por meio de
- s de modo a desenhar um grande vazio. Trata-se de
um partido de restauro calcado em conceito advindo da abstração de uma tipicidade
arquitetônica local - o avarandado -, que como numa colagem vai-se dispondo de
modo irregular, recortando o vazio com presença quase sólida, no sentido de que
ele tem a força de um elemento construído. Tal conceito implanta-se em detrimento
das reminiscências das arcadas originais, e que resistiram ao incêndio, conforme
verificado na planta e no depoimento da autora.
Os pisos, determinados pelas lajes de concreto armado, são revestidos
de granilite e receberam parapeitos de concreto aparente. Estes delimitam os
, dado que não existem paredes de
piso a teto, a não ser pontualmente no setor dos sanitários e nas empenas
estruturais que ladeiam e estruturam a escada. É presença marcante no espaço,
pois se localiza sobre os eixos originais de segmentação interior no sentido N-S do
edifício: Seria uma referência ao agenciamento formal colonial original do sobrado?
Pergunto eu. Trata-se de uma questão, que mesmo sem clara e pronta resposta,
implanta-se como uma referência ao passado, dada a sua localização.
Figura 127 - Fotos da escada engastada em duas paredes estruturais, cujo alinhamento corresponde ao existente na planta mais primitiva do Solar São Luís - Centro Antigo de São Luís (2009 e 2011) Foto: Registros fotográficos da autora (2009 e 2011)
173
Dora demonstra cuidado com as soluções, defendendo permanentemente
uma ocupação menos densa, mais livre a aberta, passível de ser captada quase que
numa só visada. Ela, inclusive, retrata um ep 119 queria
que fosse aumentado o número de lajes, fazendo-as contínuas, mas a arquiteta
negou de modo veemente e sem hesitações.
Assinala também a qualidade do desenvolvimento do projeto e finaliza a
afirmando que, apesar da CEF não ter tido recursos para permitir a visita frequente
dos arquitetos ao longo da obra, que precisavam vir do Rio de Janeiro para São Luís,
esta foi executada com muito esmero e fidelidade ao projeto original, tornando-se,
assim, exemplo de uma bela engenharia.
Eu lembro deixar com um maior número de andares, era cortar pelo meio da janela. Eu disse: Não vamos fazer isso. [...] De repente dá uma pane no ar refrigerado e você não pode abrir porque tem uma janela que passa com uma coisa no meio, com um calor daquele. Isso não se faz. Pode se fazer em outro lugar. Então a ideia de respeitar os compartimentos e usar meios compartimentos só na parte dos fundos para parte de serviço. Houve todo um cuidado de tentar preservar alguma coisa que lembrasse o espaço tradicional. (informação verbal)120
Dora então justifica a necessidade de criação de um subsolo, devido à
to mostra a opção de
projeto por demandas sensíveis e, ao mesmo passo, contundentes no campo da
engenharia:
Como isso cortava, tirava um bocado do espaço interno, então a ideia foi aproveitar o fato de ser uma rua em aclive e fazer um subsolo. E aí fazer o subsolo com aquela estrutura antiga seria possível? Aí o Pedro foi consultar algumas firmas. E disseram que havia uma firma que era especialista nisso. [...] O próprio engenheiro foi lá. Pedro e ele ficaram juntos o tempo inteiro e se refez toda a estrutura por debaixo, uma nova estrutura por debaixo da outra estrutura. Porque quando é uma coisa pequena, e isso nós fizemos em Alcântara, mais de uma vez, vai se cortando um pedaço por debaixo da estrutura põe um reforço, recorta outro pedacinho, bota o reforço, agora numa coisa enorme daquela aí a coisa é bem séria. Tem que segurar firme. Mas foi um trabalho extremamente bonito de engenharia ali e que foi feito. E depois então veio aquela solução final toda ali121.
119No depoimento de Dora, esse sujeito/agente aparece de forma genérica e indeterminada, como patrimônio mesmo. A arquiteta atualmente é representante do IAB no Conselho Estadual de Tombamento e consultora do IPHAN, onde se destacou como coordenadora geral de Preservação de Bens Culturais e Naturais. Segundo site do Instituto Cultural do Patrimônio Cultural (INEPAC) Dora é Professora Titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ e Professora da Faculdade de Arquitetura de Barra do Piraí. 120 Entrevista realizada em 10/07/2006, na casa de Dora, na cidade do Rio de Janeiro, pelo arquiteto e professor Dr. Frederico Lago Burnett e transcrita pela autora desta dissertação em julho de 2009. 121 Entrevista realizada em 10/07/2006, na casa de Dora, na cidade do Rio de Janeiro, pelo arquiteto e professor Dr. Frederico Lago Burnett e transcrita pela autora desta dissertação em julho de 2009.
174
A seguir, imagem do vazio central do Solar São Luís, desde o subsolo.
Figura 128 - Foto do Solar São Luís / Agência CEF, a partir do térreo do edifício (2009) Fonte: Registro fotográfico da autora (2009)
As esquadrias das fachadas foram recompostas de modo similar ao
original, em madeira com venezianas e bandeira de vidro, conforme comparação
com foto anterior ao incêndio e posterior à intervenção. No interior, o limite dos
ambientes voltado ao pequeno pátio de 13x3,30m, é feito por um painel de
esquadrias basculantes de vidro e alumínio contemporâneos e datados da época da
intervenção.
175
As fachadas implantam-se segundo o rigor formal dos vazios
emoldurados em cantaria de lioz e decantam, no seu modo de ser, a essência
compositiva do modelo de pré-fabricação pombalina122. No Solar São Luís, elas
revestem-se de azulejos de tapete em estampilha, os quais tiveram retoques
manuais na maior parte. 122Importante acentuar que Dora, no seu livro Azulejos portugueses em São Luís do Maranhão, destaca a produção desse elemento cuja produção exigia racionalização, estandardização e produção em série. Retoma o momento da reconstrução de Lisboa pós-sismo: O azulejo também teve de se adaptar à arquitetura da nova capital tratava-se então de retomar o tipo de tapete, ou melhor, de laçaria e rosas muito corrente no século XVII. Esse tipo de azulejo cujo poder decorativo desapareceu diante do luxo dos painéis historiados, favorecidos no reinado de D. João V, conheceu então um novo desenvolvimento, pois correspondia às novas necessidades. Tendo cada azulejo um motivo que se encadeava, podiam-se obter composições das dimensões desejadas, reunindo-os nas superfícies a decorar. A sua decoração, novamente policromada, foi simplificada e empobrecida como era preciso. O problema da decoração encontrava uma solução prática, segundo os princípios da standardização. A produção destas peças tornava-se tão econômica como a dos elementos de construção, pois a repetição permitia ao ferreiro e ao pintor de azulejos ir depressa, e a mão de obra podia, sem perigo, ser de segunda qualidade, logo mais fácil de encontrar. (França, apud ALCÂNTARA, 1980, p. 51).
Figura 129 - Reprodução de foto com detalhe das janelas da fachada principal do Solar São Luís ainda em uso (anterior ao incêndio) Fonte: Jornal O Estado do Maranhão de de 06/05/1980
Figura 130 - Fotos de Janelas do Solar São Luís / Agência CEF, vistas do exterior e do interior da edificação (2011) Fonte: Registro fotográfico da autora (2011)
Figura 131 - Reprodução de foto do Solar São Luís, com demarcação da localização do atual painel de esquadrias (limite do antigo pátio) Fonte: SILVA F. (1998)
Figura 132 - Fotos de janelas do Solar São Luís / Agência CEF voltadas ao pátio interno vistas do interior e do exterior da edificação Fonte: Registros fotográficos da autora.
176
A própria arquiteta registra, no seu livro Azulejos portugueses em São Luís do Maranhão, o padrão aplicado no Solar São Luís e ainda o seu estado como
resultado de desgaste natural, descolamento e
presença de rachaduras muitas peças foram substituídas por réplicas grosseiras.
Figura 134 - Reprodução de imagens relativas à identificação e caracterização da azulejaria presente no Edifício São Luís, registradas por Dora Alcântara, no livro Azulejos portugueses em São Luís do Maranhão Fonte: ALCÂNTARA (1980)
A cobertura do Solar São Luís / Agência CEF foi totalmente refeita,
mediante o uso de telhamento similar ao original de capa e canal que estão limitadas
pelo perímetro com beiral, composto das telhas em faiança originais. Estas se
articulam ao plano vertical da fachada mediante cimalha. Atualmente, percebe-se a
provável inserção de réplicas ou de telhas com pintura retocada, mediante a
distinção da espessura e coloração do desenho.
Figura 133 - Fotos de detalhe da chave de arco em flor de acanto (à esquerda) e azulejos portugueses da fachada lateral direita do Solar São Luís - Centro Antigo de São Luís (2009) Fonte: Registros fotográficos da autora (2009)
177
Figura 135 - Fotos do beiral de fainça do Solar São Luís / Agência da CEF no Centro Antigo de São Luís (2012) Fonte: Registros fotográficos da autora (2012)
A partir das plantas recolhidas junto ao arquivo da biblioteca do DPHAP123
localizado no Solar dos Vasconcelos, à Rua da Estrela, no Centro Antigo de São
Luís, elaborei o estudo volumétrico dos elementos principais do projeto de
intervenção, de modo a identificar as principais características arquitetônicas no
sentido da concepção espacial, bem como do conteúdo material novo frente ao
existente.
Uma circunstância limitativa dessa análise deveu-se à ausência dos
processos ou outros documentos relativos à aprovação da intervenção arquitetônica
nos arquivos do Iphan-MA. Tais documentos permitiriam identificar o posicionamento
oficial dessa Instituição sobre a restauração empreendida, principalmente no tocante
a busca de harmonização entre o antigo e o novo, sabidamente, uma das suas
preocupações centrais em relação às edificações representativas da arquitetura luso-
brasileira no Centro Antigo de São Luís.
123Órgão responsável pelo patrimônio estadual encontra-se subordinado institucionalmente a Superintendência do Patrimônio Cultural da Secretaria de Cultura do Estado do Maranhão.
178
Figura 136 - Reprodução de plantas originais da proposta de reabilitação arquitetônica do Solar São Luís, nas quais se confirma a autoria de Pedro e Dora Alcântara Foto: Registros fotográficos da autora (2009)
Na perspectiva de melhor demarcar especificidades projetuais, além da
análise de registros documentais como fotos e plantas e da observação direta de
aspectos arquitetônicos e construtivos, procurei ampliar a minha compreensão sobre
a experiência do restauro empreendida no Solar São Luís, através da elaboração de
maquetes evolutivas do processo de intervenção.
Tal definição e mapeamento gráfico, de fato, possibilitaram melhor
visualização e entendimento da resignificação construtiva, na medida em que
oportunizou destacar conteúdos arquitetônicos acrescidos à estrutura original. Dessa
maneira, a tradução em termos gráficos de aspectos originais do Solar São Luís e
da intervenção arquitetônica, oriunda do projeto original de Dora e Pedro Alcântara
para tirá-lo da sua condição de abandono e arruinamento, permite que se perceba a
extensão das demolições e inserções de novos elementos segundo a legenda: Cor
branca = existente; Vermelho = lajes/pisos novos; Cinza: novos elementos,
principalmente paredes; Amarelo = circulação vertical.
179
Figura 137 - Maquetes esquemáticas do existente, anterior à intervenção - Solar São Luís (Centro Antigo de São Luís) Fonte: Elaboração da autora
Figura 138 - Maquete esquemática do subsolo - Solar São Luís (Centro Antigo de São Luís) Fonte: Elaboração da autora
Figura 139 - Maquete esquemática do primeiro nível (nível térreo) - Solar São Luís (Centro Antigo de São Luís) Fonte: Elaboração da autora
Arco existente
Painel de esquadrias contemporâneas em alumínio e vidro (limite do pátio interno)
como denomina Dora.
Novos pilares de concreto
Vazio
180
Figura 140 - Maquete esquemática do segundo nível - Solar São Luís (Centro Antigo de São Luís) Fonte: Elaboração da autora
Figura 141 - Maquete esquemática do terceiro nível - Solar São Luís (Centro Antigo de São Luís) Fonte: Elaboração da autora
Figura 142 - Maquete esquemática do Solar São Luís (Centro Antigo de São Luís) Fonte: Elaboração da autora
Segundo nível, o qual recorta um vazio vizinho ao limite do pátio interno
Terceiro nível: pavimento convencional. Atualmente sem uso.
Sanitários
Circulação (escada)
Escada (empena estrutural)
181
Figura 143 - Foto da vista do segundo nível sobre o térreo do Solar São Luís / Agência CEF - Centro Antigo de São Luís (2010) Fonte: Registro fotográfico da autora (2010)
Figura 144 - Foto da vista do térreo para o segundo nível do Solar São Luís / Agência CEF - Centro Antigo de São (2010) Fonte: Registro fotográfico da autora (2010)
182
Figura 145 - Foto da Vista do segundo nível sobre o térreo do Solar São Luís / Agência CEF - Centro Antigo de São ( 2010 ) Fonte: Registro fotográfico da autora (2010)
Figura 146 - Foto da vista do segundo nível sobre o térreo do Solar São Luís / Agência CEF - Centro Antigo de São ( 2010 ) Fonte: Registro fotográfico da autora (2010)
183
A pesquisa na imprensa diária à época da restauração do Edifício São
Luís, mais precisamente entre meados da década de 1970 e 1980, foi profícua na
medida em que permitiu a demarcação de pontos de vista e atitudes relativos ao
patrimônio histórico representado na forma de bens imóveis urbanos, como é o caso
do Solar em questão. Nesse âmbito, as especificidades e desafios pertinentes à
reabilitação de patrimônios envolvem uma série de representações, interesses,
agentes e agendas. A questão diz respeito assim e também aos beneficiários da
restauração, incluindo-se a própria cidade e seus moradores.
Dessa maneira, referenciada no modo como alguns jornais trataram à
restauração do Solar São Luís, procurei identificar traços da atmosfera citadina124
quanto ao reconhecimento de que edificações de valor patrimonial devem dizer
respeito aos habitantes da cidade. Nessa consulta, privilegiei notícias que
retratassem atitudes e posicionamentos de agentes públicos ou privados, mediados
por seus interesses e possíveis conflitos vinculados à realização da obra, que
assegurou a (re)funcionalização de uma ruína com características extremamente
expressivas da arquitetura luso-brasileira no Centro Antigo de São Luís.
Sinais da boa acolhida à restauração e a destinação do Edifício para o
funcionamento de uma instituição bancária podem ser demarcados nos muitos e
recorrentes elogios às soluções projetuais empreendidas pelos arquitetos Dora e
Pedro Alcântara nas notícias veiculadas na imprensa local sobre a reabilitação do
Solar São Luís. Várias reportagens também procuram caracterizar o IPHAN, como
um órgão portador de exigências e normas que deveriam ser, e neste caso teriam
sido, respeitadas.
124Relembro que a conjuntura histórico-urbana que abriga a inauguração do Edifício São Luís como sede da Superintendência da CEF no Maranhão tem como uma dos seus traços mais expressivos a intervenção de modo mais sistemático de interesses capitalista-empresariais e do Estado no planejamento territorial da cidade de São Luís. Assim, como já indicado no Capitulo desta dissertação, seguindo uma lógica industrial, mediante o incentivo à construção de pólos industriais e operários, e seguindo uma lógica mercantil objetivando favorecer ganhos fundiários, o Governo Municipal considerava o Plano Diretor -1977 como: [...] um esforço no sentido de fornecer à cidade e à sua área os elementos básicos para iniciar um processo de planejamento coerente com as perspectivas que ora se lhe apresentam. O espaço geográfico e a população de São Luís receberão, sem dúvida, forte impacto nos próximos anos com o Projeto Carajás e a Siderúrgica de Itaqui. Nessa perspectiva tal Plano definia para si os seguintes objetivos: (1) Proporcionar à São Luís condições para receber os impactos dos grandes investimentos programados; estabelecer uma política adequada de uso da terra: definir as condições de equilíbrio entre a ocupação e o meio ambiente; (2) indicar hipóteses de desenvolvimento urbano, de modo a obter uma utilização racional das diferentes áreas, mesmo fora dos limites municipais; promover a adequação dos mecanismos da administração municipal ao sistema de planejamento proposto; estimular a coordenação intergovernamental para o desenvolvimento das funções urbanas e regionais de São Luís; (3) Fornecer as diretrizes para o uso da terra e o zoneamento; definir os parâmetros de proteção do meio-ambiente, em seus aspectos ecológicos e estéticos; estabelecer as bases de um plano de transportes; valorizar o patrimônio histórico. (SÃO LUIS, 1977, p.3). (grifo nosso)
184
Pedro e Dora Alcântara, dois arquitetos já muito conhecidos de nossa gente, ambos apaixonados pelo casario maranhense, elaboraram o projeto, com respeito às linhas intransigentemente defendidas pelo
compor a paisagem da cidade, na exuberância de sua azulejaria, mostrando por fora um passado que não se apagou e, por dentro, um labor que é futuro feito presente125. Quando Karlos Rischbieter, então presidente da Caixa Econômica Federal, determinou à gerência da filial do Maranhão os primeiros
muitos acharam que essa decisão, em termos empresariais, não mereceria aplausos, dado os altos custos dos trabalhos de recuperação de bens tombados. Mas o negócio foi feito, porque o pensamento do então presidente da Caixa era o de prestar homenagem à São Luís, recuperando um dos mais belos exemplares de sua arquitetura colonial. [...] No cumprimento desse elevado propósito a administração local foi acionada e, em pouco tempo, todos os elementos necessários à licitação da obra estavam levantados. [...] Tudo devia ser feito com segurança e com fidelidade às linhas aceitas pelo então Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional126.
Aspectos referentes às ações construtivas são abordados na
reportagem, que recebeu a manchete Ministros virão ao Maranhão para inauguração do São Luís. Nesta reportagem, enfatizam-se a modernidade e
abertura do projeto, bem como o contraste do antigo frente ao novo127.
O Solar São Luís servirá de sede central da Caixa, nesta capital. Apresentando adaptações diversas em contrastes constantes entre o velho e o novo, o prédio tem agora três andares ou níveis com uma concepção espacial capaz de proporcionar sensação de desafogo e um atualizado conforto ambiental. [...] O aspecto interno do prédio após a restauração, está inteiramente modificado. A criação de vazios, por exemplo, de dois grandes vazios internos e a utilização de algumas paredes de vedação transparentes permitem que de determinados pontos a visão flua livremente através do pavimento e entre os pavimentos, de maneira que um observador, de uma só visada, possa apreender o espaço interno global dos três andares. Ocupando uma área útil de 950 metros quadrados, o Edifício conta após a sua restauração com azulejos idênticos aos originais, produzidos por uma empresa da Bahia, conservando assim toda sua beleza arquitetônica dos anos oitocentos, uma época em que o Maranhão estava no apogeu de sua produção algodoeira, chegando São Luís a ser classificada como a quarta cidade brasileira em população e riqueza128.
125Reportagem veiculada no Jornal O Imparcial de 23 de abril de 1982 (dia da inauguração da Superintendência da CEF). 126Reportagem veiculada no Jornal O Imparcial de 28 de março de 1982. (A reportagem não cita o termo
). 127Recorde-se que, na cidade de Salvador, na década de 1980, Lina Bo Bardi iniciava o restauro da Casa do Benin, também incendiada, no ano de 1978. A arquiteta reconstituiu rigorosamente as fachadas que restaram e, dentro de uma visão moderna de restauração com soluções e materiais contemporâneos. Sobre isso ver reportagem em AU, n-18, jun-jul/88. 128 Reportagem veiculada no Jornal O Imparcial de 27 de março de 1982
185
É importante assinalar que desde o ano de 1976, a recuperação do Solar
São Luís já se constituía tema e matéria jornalística. Noticiava-se sobre a compra das
ruínas do antigo sobrado pela CEF. Falava-se da reabilitação arquitetônica dando-se
destaque à atitude protecionista inerente à definição da conduta projetual dos
arquitetos contratados pela CEF:
Apesar de projetar reformas estruturais para o lado interno, afim de que ali, a Caixa Econômica possa instalar, em moldes modernos, os seus diversos departamentos contábeis, os dois arquitetos não modificarão absolutamente, o lado externo do edifício, diante da importância histórica e urbanística que o mesmo tem para a cidade de São Luís129.
Outra reportagem retoma uma dimensão peculiar à reabilitação do Solar São Luís que, a meu ver, ainda carece de estudos mais aprofundados: a relação do
IPHAN com esta obra de restauração arquitetônica.
Pedro e Dora Alcântara, dois arquitetos já muito conhecidos de nossa gente, ambos apaixonados pelo casario maranhense, elaboraram o projeto com respeito às linhas intransigentemente defendidas pelo IPHAN130.
Pode-se perceber, no discurso da imprensa, certo apego a história
pretérita da cidade na medida em que muitas reportagens procuravam traduzir a
arquitetura e seus detalhes relacionando-os aos
tempos áureos do desenvolvimento econômico de São Luís ao longo do no século
XIX. São notícias que se debruçam sobre o passado da edificação, suas minúcias
formais e também seu futuro moderno anunciado pelo projeto. Sabe-se que sua construção dera-se em 1866 a pedido de portugueses recém-imigrados. Talvez uma réplica dos sobradões da antiga Corte. Requintes e detalhes não lhe faltaram, o que demandara importação de matéria prima, tecnologia e mão de obra especializada. Únicos na cidade os talhões cerâmicos que arrematam o beiral, bem como o liós que emoldura as portas e janelas e os azulejos de padrão lisboeta, evocam as tonalidades da velha capital lusitana. [...] Aquele antigo monumento, que no coração da cidade participara de sua vida, testemunhara fatos históricos, vira surgir o progresso e acompanhou-o, estaria fadado à inércia e ao esquecimento? [...] Concluída a obra, o contraste entre o velho passaria a conviver com a transparência de texturas e cores: uma conquista do espírito humano incorporada de forma definitiva à cultura universal. Os portais do velho Palácio de Porcelana dão espaço ao novo, mesclando o atual com o tradicional, resgatando valor e alma e presenteando o equilíbrio da modernização e uma cidade histórica131.
129Reportagem veiculada no Jornal O Imparcial do dia 21 de março de 1976. 130Reportagem veiculada no Jornal O Imparcial do dia 23 de abril de 1982. 131Reportagem veiculada no Jornal O Estado do Maranhão do dia 23 de abril de 1992.
186
A experiência da conservação
Hoje, ao adentrar o Edifício São Luís percebe-se como a proposta foi
executada de modo que a arquitetura moderna, feita em concreto, composta de vãos
e lajes em balanço, contivesse sob a casca contemporânea, uma referência ao local
e aos interiores avarandados dos sobrados de São Luís. Vinte nove anos após a
inauguração, a efetividade do projeto original mantém-se na medida da perpetuação
do uso previsto.
No entanto, sinais da falta de conservação e manutenção impõem-se à
estrutura do edifício: descascamento da interna com presença de manchas de
umidade e sujidade. As fachadas constituem-se como o elemento arquitetônico que
mais sofre com a falta de cuidados. Para além do suporte de azulejos históricos, a
pele do sobrado parece adquirir e refletir a maneira do uso urbano marcado pela
precariedade de serviços básicos como limpeza. Também, as inserçõe
constituem um completamento que incongruentemente abarca o conceito
preconizado pelo restauro crítico da distinguibilidade: não passam por iguais aos
originais.
O pátio interno funciona hoje como local no qual se armazenam
equipamentos e condensadoras de ar, não estabelecendo laços de troca funcional
com o interior no sentido da presença de usuários.
Figura 147 - Foto do terceiro pavimento, atualmente abandonado - Solar São Luís / Agência da CEF - Centro Antigo de São (2010) Fonte: Registro fotográfico da autora
187
5.2 CEPRAMA: a volta da antiga fábrica
Localização e dados históricos
O atual Centro de Comercialização de Artesanato do Maranhão -
CEPRAMA configurava-se, originalmente, sob a forma de fábrica especializada na
produção de tecidos, a Companhia de Fiação e Tecidos Cânhamo, que produzia
tecidos em alta escala e trabalhava, especialmente, com a juta, na fabricação de
esteiras e sacos de estopa. Sua construção, no ano de 1891, e inauguração, em
1893, integram o importante experimento industrial das fábricas têxteis na cidade de
São Luís, já assinalado no Capítulo 2 desta dissertação. De todo modo, é importante
reafirmar que o período de implantação do conjunto fabril têxtil na cidade de São
Luís, corresponde a um movimento de expansão da constituição urbana tradicional,
na qual a cidade assumia um novo papel na divisão territorial (nacional) e
internacional do trabalho ao abrigar esta singular e, entretanto, passageira
experiência industrial132.
A Fábrica Cânhamo, de propriedade do grupo Neves Sousa, abastecia de
tecido o Norte e Nordeste brasileiro. Em 1940, sua função fabril original,
acompanhando a crise do parque industrial da cidade, entrou em declínio,
culminando com seu fechamento, abandono e perda de maquinário na década de
1960133. Na década de 1980, no âmbito das ações do PPRCHSL, especialmente do
Projeto REVIVER, a antiga fábrica tornou-se objeto de processos de reabilitação e
restauro arquitetônico tendo em vista abrigar um centro de comercialização do
artesanato maranhense.
132Santana (2003, p. 118) nos aproxima desse cenário urbano: A implantação de fábricas têxteis (1870-1960) pôs em movimento metamorfoses urbanas ligadas, em maior ou menor grau, às realidades e/ou expectativas do imperativo industrial e de modernização urbana desejados por determinados segmentos das classes senhoriais, no Maranhão, na passagem do século XIX para o XX. Com as fábricas de tecidos (morins, tecidos de algodão cru e sacaria, tecidos tintos e brins, riscados e madapolões), suas altas chaminés e seus trabalhadores, a importação de bens de capital (ferro, aço e maquinário inglês), a cidade de São Luís, a exemplo de outras capitais litorâneas do nordeste brasileiro, se metamorfoseava impregnada da atmosfera industrial que as unidades fabris materializam e simbolizam. Nesse momento, parecia que o futuro da cidade dependia do prosseguimento da industrialização e da forma que ela assumiria nos próximos anos. 133 e Tecidos de Cânhamo, formada com 300.000$000 de capital, depois aumentado para 700.000$000 em ações do valor nominal de 3000$000, deu início à construção da sua fábrica a 2. set. 1890, no local onde funcionava a Feliz Empresa, do com. João Gualberto da Costa, ao fim da rua Madre de Deus, hoje Cândido Ribeiro, fazendo-a funcionar a partir de 6.abr. do ano seguinte. [...] A Cânhamo, quando começou a trabalhar, tinha capacidade para mover 244 teares. Não possuía fiação, tendo unicamente tecelagem. O fio com que tecia estopa fina e grossa e sacos, vinha da índia. [...] A fábrica adaptou-se posteriormente a tecer fios similares ao da juta. Em 1921 tinha 120 teares e máquina de
188
Localiza-se a edificação num popular e tradicional bairro do Centro de
São Luís, denominado Madre de
, cujo
desenvolvimento deu-se, em grande medida, em torno das duas fábricas de tecidos
ali instaladas. A implantação de equipamento edilício fabril atrelado à expansão de
bairros, não se restringiu a esse ponto da cidade134. O mapa a seguir demonstra a
localização das fábricas e bairros adjacentes no centro da cidade.
Figura 148 - Mapa (adaptado) do Centro da cidade de São Luís com localização das principais fábricas de tecidos
Fonte: SÃO LUÍS (1992)
134Como afirma Lopes (2008, p. 27): O Anil se estrutura em torno da Companhia de Fiação e Tecidos Rio Anil; a Camboa, próximo à Companhia da Fiação e Tecidos Maranhenses; o Fabril, em torno da Companhia Fabril Maranhense; o Madre Deus, em torno da Companhia de Fiação e Tecidos Cânhamo e Cândido Ribeiro e o bairro de São Pantaleão se localizava nas imediações da Fábrica Santa Amélia .
189
Figura 149 - Reproduções de registros fotográficos: Da esquerda para direita: Fábricas Santa Amélia, Cânhamo, São Luís e Fabril
Fonte: Album do Maranhão de Guadencio Cunha
Figura 150 Localização do CEPRAMA na quadra. Rua São Pantaleão em destaque Fonte: intervanção sobre Google Earth
Como registrado em São Luís - Sevilla (2008, p. 207), até as primeiras
décadas do século XX, no contexto das Vilas Operárias construídas nas
proximidades das fábricas São Luís e Cânhamo, havia, no começo da Avenida Rui
Barbosa, um portão que dava acesso a Madre Deus. Este bairro conhecido pelas
suas fortes relações de vizinhança tem a rua como extensão da casa e lugar de
lazer e convívio, suprimido nas moradias implantadas em pequenos lotes. Dessa
forma, possui ruas e espaços que ficaram famosas, como o Largo do Caroçudo,
local referenciado pelas manifestações culturais que ali ocorrem, tendo sido
beneficiado em 1997 com pavimentação de canteiros centrais, instalação de redes
elétricas e telefônicas e reestruturação do sistema de esgoto.
Esse contexto urbano, ao longo dos últimos sessenta anos, espreitou a
chaminé da Fábrica Cânhamo, e também da vizinha e até hoje abandonada Fábrica
São Luís, anunciar pela ausência de fumaça na sua chaminé seu longo período de
abandono. De qualquer forma, uma singular e arrojada experiência de restauração
arquitetônica tirou do abandono a outrora famosa Fábrica Cânhamo, ainda que,
pelos caminhos da valorização do trabalho artesanal, não industrial.
190
A experiência do abandono
O fechamento da Fábrica Cânhamo e o posterior abandono da sua
edificação não podem ser compreendidos fora das determinações de ordem político-
econômica mais geral que levaram à desestruturação do parque fabril têxtil do
estado do Maranhão. As complexas e múltiplas causas do declínio dessa atividade
econômica vêm sendo estudadas e debatidas por um conjunto de sujeitos sociais:
antigos donos e empregados das fábricas de tecidos, moradores dos bairros
formados ao redor das fábricas, estudiosos e pesquisadores. Também a crise e
é tema recorrente na mídia local. São
muitas e diversas as determinações apontadas.
Na ótica dos donos das fábricas: retração do crédito, sucessivos
aumentos salariais, (destacando-se, o salário mínimo de 1959), o permanente
aumento de impostos, falta de apoio de instituições federais, a política econômica da
época, dentre outros. Nesse sentido, o depoimento do antigo dono da Fábrica de
Tecidos Santa Izabel é muito eloquente:
A Santa Izabel fez projeto na SUCAM e SUDENE, mas aos fornecedores, para obter esse incentivo tinham que dar 30 por cento e de onde tirar isso? Emprestado de banco? Resultado: as fábricas ficaram sem condições de se aparelharem modernamente o que ocasionou, de repente, o fechamento de todas as famosas fábricas da época: primeiro a do Rio Anil, depois a Camboa, Santa Amélia, São Luís, Cânhamo, Martins Irmãos e, por último, em 1972, a Santa Izabel. Não só na capital, as fábricas faliram, mas também em todo o interior do Estado. Em Codó, fechou a fábrica dos Archer.
Na visão de muitos estudiosos, a exemplo de Arcangeli (1987), o fato do
modelo de organização agrária tradicional impedir a constituição de um mercado
consumidor local foi um dos determinantes do fim da experiência fabril têxtil no
Maranhão. Para Melo (1990), a ausência de renovação técnica, condição central do
funcionamento da moderna indústria capitalista, aqui se fez presente de modo
limitado e intermitente, contribuindo para a obsolescência das estruturas fabris135.
Alguns noticiários da imprensa local já abordaram as razões de declínio
do experimento fabril têxtil, correlacionando-as ao surgimento dos tecidos sintéticos
que invadiram, à época, o mercado nacional ficando impossível concorrer com esse
novo produto. (ver uma notícia)
135"A renovação técnica na indústria maranhense foi muito esparsa, aqui e ali uma máquina foi substituída por outra de concepção e fabricação mais recente [...] Ao findarem os anos 50, observamos que 100% dos teares em atividade datavam de 1900, assim como, aproximadamente, 75 dos fusos instalados". (MELO, 1990, p. 43).
191
Mas, o arruinamento e o destino dos restos materiais e arquitetônicos das
edificações fabris também passaram a mobilizar sujeitos e agentes preocupados
com este patrimônio histórico abandonado. Tal fato repercute na imprensa local.
Numa longa reportagem intitulada As chaminés não funcionam mais como antigamente.136 o tema é assim tratado: [...] São Luís era uma cidade operária. Sua
pequena população convivia praticamente com os teares das diversas fábricas de
fiação de tecidos da ilha momento da reportagem (ano de 1984) só
restavam [...] assombrações e casarões abandonados que nada contribui com o
patrimônio histórico . A mesma reportagem divulga o depoimento de Luiz Alfredo
Neto Guterres Soares, industrial aposentado, que havia sido presidente da
Federação das Indústrias do Estado do Maranhão (FIEMA), o qual relembra a
sofisticação da indústria Santa Izabel, que fabricava fios e tecidos de alta qualidade,
e contava com mais de 1.200 funcionários. O requinte desta empresa chegou ao
ponto da casa do gerente ser fabricada na Inglaterra e montada em São Luís.
Sobre o declínio da Fábrica Cânhamo, a reportagem comenta o fato de
que a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) teria exigido
que a Fábrica mudasse sua linha de produção e relata que: Luiz Alfredo contou os mínimos detalhes deste incidente que levou a falência da Companhia de Fiação e Tecidos Cânhamo, lembrando que o sócio gerente daquela empresa, dr. José Maria Romão dos Santos, na década passada, quando realizava a negociação da compra das referidas máquinas (teares), foi ameaçado de prisão e teve de fugir às pressas da Espanha, porque a firma fornecedora dos equipamentos estava envolvida na revolução e caiu desgraçadamente nas mãos das autoridades espanholas. Voltando a São Luís, José Maria Romão, vendeu a maquinaria quebrada como ferro velho e o imóvel, em leilão da Justiça do Trabalho, para saldar a dívida com seus fornecedores a pegar os funcionários.
No quadro das determinações e consequências econômico-sociais deste
intricado processo de constituição do parque fabril têxtil de São Luís, em especial
àquelas localizadas no Centro da cidade, dado os interesses de estudo desta
dissertação privilegio, inicialmente, a materialidade do abandono da Fábrica
Cânhamo, que fechou as portas no ano de 1968, suas repercussões e impactos
sobre a estrutura original do final do século XIX, que podem ser identificadas nas
ilustrações a seguir, relativas ao período em que:
adotou novas tecnologi 137.
136Reportagem veiculada no Jornal de Hoje do dia 6 setembro de 1984. 137 Reportagem veiculada no Jornal O Imparcial de 21 de outubro de 1989.
192
Figura 151 - Reprodução de foto de expressões do abandono na fachada da Fábrica Cânhamo (São Luís - 1984) Fonte: Jornal de Hoje, 06/09/1984
Figura 152 - Reprodução de fotos de expressões do abandono da Fábrica Cânhamo (São Luís - 1984) Fonte: Jornal de Hoje, 06/09/1984
Todavia, para fins de análise de aspectos estritamente arquitetônicos, o
segundo e mais importante eixo de pesquisa documental, devido o cuidado e a
riqueza dos registros do desenvolvimento da intervenção, incluindo a fase de
levantamento do estado de abando até a restauração, apoiou-se nos arquivos do
escritório de arquitetura responsável pelo projeto arquitetônico de restauração da
antiga Fábrica Cânhamo.
193
Trata-se do HABITAT arquitetura e urbanismo138, escritório que reúne
documentos que possibilitam desenhar e redesenhar uma espécie de perspectiva
artística e arquitetônica da totalidade da obra. Neste acervo se encontram fotos da
evolução da intervenção, plantas arquitetônicas139, noticiários sobre a Fábrica
Cânhamo e sobre a restauração arquitetônica empreendida.
A seguir apresenta-se uma imagem de grande significado na medida em
que a foto, do ano de 1988, registra não apenas o abandono do edifício de passado
industrial, mas relaciona-o com o entorno e demonstra sua localização privilegiada
sobre promontório com vistas para o Anel Viário e a baía que o abraça.
Figura 153 - Foto de vista aérea da Antiga Fábrica de Fiação e Tecidos Cânhamo Fonte: Escritório HABITAT arquitetura e urbanismo (inserções da autora)
A Fábrica Cânhamo, à época de sua submissão à condição de edifício
abandonado, possuía o seguinte conjunto edilício e estrutural: contraforte de apoio
ao objeto arquitetônico (1); edifício (2); caldeira (3); chaminé (4); edificação aposta à
fachada lateral direita, onde funcionou uma cooperativa (5); edificação aposta à
fachada posterior, com vistas para a baía e anel viário (6).
138Inicialmente composto por três arquitetos: Ana Eliza Cantanhede Pereira; Ítalo Itamar C. Stephan e Maria da Glória C. de Lacerda, atualmente somente a primeira arquiteta permanece no escritório e continua a executar trabalhos, principalmente, na área de restauração arquitetônica. 139Vale registrar que, salvo uma pesquisa mais rigorosa, não encontramos nos órgãos patrimoniais estatais nenhuma documentação relativa ao CEPRAMA.
Anel Viário
Antiga Fábrica São Luís (abandonada)
Hospital Geral
Rua de São Pantaleão
Bairro da Madre Deus
N
1
2 3 4
5
6
194
Figura 154 - Reprodução de Planta Baixa Esquemática - Situação anterior à intervenção (Fábrica Cânhamo São Luís) Fonte: Escritório HABITAT arquitetura e urbanismo (inserções da autora)
No memorial descritivo do projeto encontram-se menções a aspectos de
abandono ou caracterização do mesmo, principalmente, sobre constituição da
-se em ruínas e descoberto, apenas
conservando tesouras metálicas originais e apresentando três compartimentos com
Figura 155 - Reprodução de fotos da caldeira Fábrica Cânhamo (São Luís) (3 no mapa) Fonte: Escritório HABITAT arquitetura e urbanismo
Sobre fotos mais antigas em preto e branco, datadas de janeiro 1983, os
-se a inexistência de telhas
-se as tesouras
metálicas, com todas as peças que as com
fotográfico, referenciado em fotos ilustrativas do estado de degradação do conjunto
de edificado, dois momentos ou situações parecem reduzir a escala de apreensão
do edifício rumos aos elementos de menor dimensão: a demarcação de dois vãos.
1 2
3 4 5
N
6
Rua de São Pantaleão
195
O primeiro na fachada principal, que veio a ser transformado em janela
quando da intervenção arquitetônica, de acordo com a fachada original.
O segundo como vão descaracterizador do ritmo de vãos originais da
fachada lateral esquerda.
Figura 156 - Reprodução de fotos de trecho da fachada lateral esquerda e fachada principal da Fábrica Cânhamo (São Luís) Fonte: Escritório HABITAT arquitetura e urbanismo
De acordo com os dados analisados, sob a perspectiva da aproximação
técnica e interpretativa de traços constitutivos nas superfícies do abandono, não foi
realizado o mapeamento de danos ou prescrições de sondagens estratigráficas140.
No entanto, faz-se necessário registrar que o levantamento fotográfico
traduziu a arquitetura e seus detalhes em grande medida. Através da leitura e
análise das fotos da antiga Fábrica Cânhamo foi possível depreender o avançado
estado de desgaste geral do conjunto edificado, mas também dos volumes de menor
escala: lacunas dos elementos decorativos/emolduramentos ao redor dos vãos
como óculos e janelas; rachaduras na platibanda, destacamento da pintura,
descoloração, umidade generalizadas e enegrecimento nas fachadas, presença de
vegetação.
Pré-fabricada internamente, composta de pilares, longarinas e tesouras
importadas da Inglaterra, a estrutura metálica da Fábrica Cânhamo encontrava-se,
com efeito necessário do seu estado de abandono, com pintura delaminada e
oxidada e a cobertura apresentava lacunas que permitiam a entrada de águas das
chuvas na antiga fábrica.
140Em entrevista direta com a arquiteta Ana Eliza Cantanhede Pereira, realizada em janeiro de 2012, em São Luís, foi comentada a prospecção de cor na fachada principal, fato que levou ao encontro as cores originais da Fábrica, retomadas no projeto de restauração.
196
Figura 157 - Reprodução de fotos do interior, com detalhe da estrutura metálica, e da chaminé da Fábrica Cânhamo (São Luís) Fonte: Escritório HABITAT arquitetura e urbanismo
Figura 158 - Reprodução de fotos com detalhes da fachada lateral direita, demonstrando a desagregação da moldura do óculo, ornamentação na extremidade da fachada principal com coruchéu, vo - Fábrica Cânhamo (São Luís) Fonte: Escritório HABITAT arquitetura e urbanismo
Ainda que os registros fotográficos tenham s
de possibilitar a captação de detalhes em maior escala, como a voluta, a cimalha, o
arco molduras em desagregação, foi na compreensão do conjunto do edifício e de
seus acréscimos espúrios - edificações apostas à estrutura original - que o projeto
de restauração arquitetônica assentou algumas de suas premissas básicas e mesmo
encontrou maior sentido e direção.
Tal perspectiva se fazia necessária na medida em que justificava e
mostrava o conteúdo a ser removido na restauração a ser feita para salvar a antiga
fábrica da destruição que a ameaçava cada vez mais. O extenso e importante
registro fotográfico do cenário desamparado e sem uso do edifício, documenta,
enfim, o conjunto de acréscimos à estrutura original passíveis de demolição.
197
Figura 159 - Reprodução de fotos de partes da edificação da Fábrica Cânhamo (São Luís) a serem demolidas apostas ao conteúdo do corpo que se manterá íntegro e sem remoções, conforme projeto de restauração arquitetônica (1988) Fonte: Escritório HABITAT arquitetura e urbanismo (inserções da autora)
A experiência do restauro
Tendo em vista a intenção de demarcar os agentes (públicos ou privados)
que discutem, propõem, reivindicam, legislam e/ou efetivam ações relacionadas à
preservação do patrimônio edificado no Centro Antigo de São Luís, também em
relação à Fábrica Cânhamo, além da pesquisa teórica e documental, a consulta na
imprensa diária se manteve como um dos procedimentos de pesquisa. No caso da
Fábrica Cânhamo, a intenção e efetivação do projeto de restauração encontram-se
fortemente relacionadas à figura do governador Epitácio Cafeteira e da fase do
PPRCHSL denominada Projeto Reviver.
198
Assim é que, Phelipe Andrés, coordenador do PPRCHSL à época, teceu
num jornal local141 o seguinte comentário sobre a recuperação da Fábrica Cânhamo:
[...] em um ano de governo, Cafeteira investiu mais na preservação do patrimônio
histórico que os governadores ante 142.
Vinte anos depois do fechamento, no ano de 1968, da Fábrica Cânhamo,
a imprensa noticia a ação do Governador Epitácio Cafeteira propondo à Assembleia
Legislativa do Estado do Maranhão, a permuta d
Calhau, área litorânea de São Luís e afastada do Centro Antigo da Cidade. Tendo
sido aprovada a solicitação do Governador, a antiga Fábrica passou a integrar o
ciou a recuperação do
prédio, que apesar de quase em ruínas continuava imponente e belo 143, diz um dos
jornais locais. Em janeiro de 1990, a imprensa, em Caderno Especial sobre o Projeto
Reviver, apresenta Cafeteira como o governador que conseguiu realizar, com a
Esta publicação, intitulada As Ruínas da Velha Fábrica, não apenas
pontua a ação de restauro como expõe um conceito sobre a mesma:
A restauração da Cânhamo, dentro das propostas de revitalização do Projeto Praia Grande144, representou um importante momento para a cidade, no tocante ao trabalho de preservação de seu acervo cultural. Essa importância se deveu não somente à sua proposta de utilização, mas também aos critérios adotados para a restauração, buscando inteira fidelidade à sua arquitetura fabril, mantendo sua estrutura importada da Inglaterra, suas telhas francesas, alguns de seus equipamentos industriais145.
O programa arquitetônico de restauração da Fábrica Cânhamo, relativo
ao agenciamento dos espaços e seus usos, fez-se a partir da transição da função
industrial para comercial. Vale apontar que, expressando a força do campo da
cultura popular nesta conjuntura, a intenção, nesse momento foi a de valorizar o
trabalho artesanal do estado do Maranhão.
141Reportagem veiculada no jornal O Estado do Maranhão do dia 18 de abril de 1988. 142Trata-se este período do intervalo de 1982, entre o fim governo de João Castelo, a 1987, quando tem inicio o governo de Epitácio Cafeteira. 143Reportagem veiculada no Jornal O Estado do Maranhão do dia 14 de junho de 1998. 144Este é um dado interessante, pois Praia Grande foi o nome de força política do Programa de revitalização do Centro da cidade. Cafeteira inaugura, dentro do mesmo programa e em continuidade, o Projeto Reviver. 145Reportagem publicada em Caderno Especial sobre o Projeto Reviver, no Jornal O Estado do Maranhão do dia 07 de janeiro de 1990. Tal reportagem demonstra ainda o grau de centralização e personificação que uma figura política pode assumir: ica e criou um Centro onde os artesãos poderão comercializar seus produtos proporcionando-lhes, entre outras vantagens a
199
Tal decisão de natureza político-institucional de transformar a Fábrica
Cânhamo no CEPRAMA foi recebida e festejada por alguns jornais da época:
Hoje a Cânhamo reabre de forma definitiva suas portas. Onde havia uma indústria, há agora comércio. Comércio exclusivo do artesão maranhense, que finalmente dispõe de espaço próprio para exposição e venda de seus produtos. Todo esse empreendimento tem um objetivo: promover a valorização do artista anônimo, que sem alarde pinta, borda, esculpe, molda e tece nossa arte146.
Na mesma linha Andrès (1997, p. 88) defende que a intervenção na
antiga indústria é um exemplo ideal da ação do PPRGHSL no campo da
restauração147:
[...] com 6.000 m² de área construída, antes arruinada, foi inteiramente restaurada e adaptada para o funcionamento de um moderno Centro de Comercialização de Artesanato e Cultura Popular - CEPRAMA. Essa obra traduz de forma ideal a filosofia do Programa, ou seja, um valioso exemplar da arquitetura industrial do século XIX, que se encontrava deteriorado e inacessível, foi adquirido pelo Governo Estadual (sem recursos financeiros em espécie, mediante permuta por terreno do IPEM) e, após a sua completa recuperação foi entregue à coletividade como um mecanismo gerador de emprego e renda e local de valorização da cultura popular, através da comercialização do artesanato e do incentivo às atividades de turismo.
Por sua vez, o governador Hepitácio Cafeteira defendia que os objetivos
principais eram dois: amparar o artesão e recuperar um importante patrimônio
histórico. Em 18 de abril de 1988, o jornal O Estado do Maranhão noticia considera
que ainda que as obras já estivessem iniciadas, faltava o detalhamento do auditório
com capacidade para 180 pessoas e do anfiteatro para 660 lugares.
Nesse momento, acontecia a recuperação das telhas originais, das
grades das janelas, dos degraus de pedra de cantaria e das muralhas da Fábrica
Cânhamo. Uma importante característica do projeto apreendida por um jornal local
foi à consideração do princípio da mobilidade dos artesãos no espaço, pois o projeto
foi pensado de modo que os boxes fossem removíveis: ninguém terá direito a um . Essa medida tinha a intenção de possibilitar a rotatividade entre os
artesãos numa forma de garantir que todos tivesse a oportunidade de acessar o
centro do salão onde se daria a exposição e a comercialização dos produtos.
146Reportagem veiculada no Jornal O Imparcial do dia 21 de outubro de 1989. 147A obra de engenharia relativa à execução do projeto arquitetônico ficou sob a responsabilidade da Secretaria de Transportes e Obras Públicas (SETOP), com orçamento, à época, em mais de 500 milhões de cruzados.
200
Além do programa de reabilitação do edifício, amplamente divulgado nos
jornais locais148, inclusive as ideias relacionadas
à restauração ou às características e procedência de materiais construtivos exalam
pistas sobre a compreensão dessas práticas a partir de conceitos mais pragmáticos,
pontuais e simplificados.
Como no caso do Solar São Luís, as notícias de jornais que analisei
parecer manifestar fragmentos daquilo que era entendido à época como ação de
restauro. Assim, a originalidade da tipologia construtiva metálica, oriunda da
Inglaterra, e a procedência francesa das telhas ganharam destaque e foram
amplamente noticiadas. O Jornal O Imparcial, de 14 de março de 1992, constata
que o edifício é uma atração já que f na sua
Aponta ainda que -se
O mesmo jornal, no dia 21 de outubro de 1989, notícia:
Outra
notícia, com a manchete, Fábrica Cânhamo recebe telhas vinda da França,
decanta-se e parece encantada com a procedência dos materiais:
Com um ritmo de trabalho bastante acelerado, o cronograma das obras de restauração do prédio onde funcionou a antiga fábrica Cânhamo está sendo seguido à risca e no próximo mês de dezembro este estará concluído e pronto a ser entregue à comunidade pelo Governador Epitácio Cafeteira. Toda a estrutura metálica importada da Inglaterra já foi recuperada, e as telhas, trazidas de Marselha, na
149.
148Jornais como O Imparcial, do dia 14 de novembro de 1989 descreve a concepção programática do projeto de restauração: Contanto com 106 boxes; dois restaurantes (um de categoria 5 estrelas e outro popular, do tipo bandejão), uma choperia com capacidade para 170 pessoas, auditório, agência bancária, show room, completo sistema de comunicação, com som ambiente e cabines de telefone, além de toda uma estrutura semelhante a de um shopping, o Ceprama estará funcionando de segunda a sexta-Janeiro de 1992, o Jornal O Imparcial reitera e divulga: possui um amplo show-room destinado a exposição de produtos artesanais para venda sob encomenda e 106 boxes onde artesãos comercializam suas produções. Dispõe ainda de uma lanchonete onde são vendidos sorvetes, doces e sucos de frutas regionais, e um restaurante com belíssima vista para o mar, onde o turista encontra o melhor da culinária maranhense. Durante uma visita ao Ceprama, é possível se conhecer praticamente tudo que o Maranhão produz em artesanato. Cestas, porta-revistas e móveis feitos de vime; porta-canetas, copos e anéis feitos em chifre; bolsas e redes confeccionadas com linhas e produzidas em antigos teares manuais por populações de regiões ligadas ao cultivo do algodão; porta-pratos, cestos e tapetes feitos da fibra do tucum; delicadas peças de coco babaçu; colunas, jarros e gamelas de madeiras e azulejaria e porcelana inspirados nos azulejos dos casarões coloniais de São Luís são exemplos do que pode ser encontrado no Ceprama. 149Notícia veiculada no Jornal O Imparcial do dia 15 de novembro de 1988. Não foi confirmado pela pesquisa se as telhas vieram realmente de Marselha, ou se trata apenas do modelo em telha francesa. O fato é que esta notícia mereceu destaque e foi título de várias manchetes.
201
Outra observação da imprensa local relaciona a edificação da antiga
Fábrica Cânhamo com o seu entorno urbano maior: [...] não só o artista, mas toda a
comunidade se beneficiará do novo Centro, pois assim, depois do prédio todo
pronto, a paisagem do Anel Viário, ficará enriquecida, pela beleza arquitetônica da
antiga fábrica150. Nos termos desta dissertação, no reconhecimento da experiência da
restauração da Fábrica Cânhamo, finalizada em novembro de 1989, através da
análise do rico acervo documental do escritório HABITAT, de entrevistas com a
arquiteta Ana Eliza Cantanhede, das notícias veiculadas na imprensa local, analisei
também um memorial descritivo, que define o objetivo do projeto e sua concepção
geral. O primeiro responde a uma demanda programática e de uso: adequação do
prédio para instalação do Centro de Comercialização do Artesanato Maranhense,
incluindo restaurante de comidas típicas regionais, a administração, um auditório e
sala de exposições. A concepção geral é descrita e definida por meio das ações de
Foram demolidas todas as paredes internas que compartimentavam parte do salão da Fábrica, descaracterizando-o, bem como o acréscimo onde funcionava até bem recentemente o Bradesco, cuja estrutura de concreto armado se encontrava comprometida. Também foram eliminadas as paredes de um apêndice de construção recente, sobre o contraforte, transformando essa área num agradável terraço panorâmico ao ar livre ao mesmo tempo que liberou essa fachada da Fábrica junto ao Anel Viário. Parte do salão será destinada à comercialização do artesanato do Estado e parte às exposições de artistas locais, utilizando boxes e stands de venda removíveis.
Tal como procedi em relação ao Solar São Luís, na busca de melhor
apreender as especificidades projetuais da restauração verificada na antiga Fábrica
Cânhamo, a partir de registros fotográficos e da planta esquemática avancei na fase
de compreensão das demolições indicadas no memorial, por meio da elaboração de
perspectivas volumétricas traduzidas em imagens gráficas das demolições. De um
lado, encontra-se o existente na cor branca e, de outro, assinalei em vermelho os
conteúdos removidos no projeto de restauração. Isto permite melhor compreensão
das alterações físicas pelo destaque e depois subtração do conteúdo material
removido do projeto. Sobrepôs-se a maquete esquemática sobre foto de meados da
década de 1980, de modo a não perder de vista a totalidade do conjunto urbano.
150Reportagem veiculada no Jornal O Imparcial do dia 20 de abril de 1988.
202
Figura 160 - Estudo volumétrico da situação existente, anterior ao restauro com edificações apostas ao corpo principal da antiga Fábrica Cânhamo (São Luís) Fonte: Elaboração da autora
Figura 161 - Estudo volumétrico da situação existente, anterior ao restauro com edificações demolidas em vermelho - Fábrica Cânhamo (São Luís) Fonte: Elaboração da autora
203
Figura 162 - Estudo volumétrico sobre foto aérea de 1986. À direita, numeração relacionada a Figura 154 (Fábrica Cânhamo São Luís) Fonte: Elaboração da autora
Ainda sobre as alterações de maior porte, além das subtrações
arquitetônicas foi acrescentado um novo volume ao conjunto, consistentemente
delineado no memorial justificativo, o qual atrela a contemporaneidade do edifício ao
obedecer à norma da portaria nº 001/80 do SPHAN 2ª DR. Interessa relacionar a
adequação da norma ao artigo 9º da Carta de Veneza que diz: [...] todo trabalho
complementar reconhecido como indispensável por razões estéticas ou técnicas
destacar-se-á da composição arquitetônica e deverá ostentar a marca do nosso
-se de um dos princípios basilares do restauro: a distinguibilidade.
Figura 163 - Estudo volumétrico Edifício novo e de linhas contemporâneas no âmbito da restauração do Fábrica Cânhamo (São Luís) Fonte: Estudo volumétrico e registros fotográficos da autora (2012)
5
6
Edifício administrativo (novo volume)
Novo Acesso
Prédio Novo
204
A distribuição geral do programa, segundo pôde-se depreender do
memorial justificativo elaborado pelos arquitetos responsáveis, resultou no seguinte
modelo: Salão principal de comercialização dos produtos (1) dividido nos setores de
showroom, consórcio e boxes; restaurante e lanchonete (2), com cozinha
subterrânea, localizada no contraforte; área aberta do restaurante (3); foyer
circulação com exposição de polia original em amarelo no corte abaixo (4),
auditório (5), prédio novo (6); depósitos (7) anfiteatro (8), dentre outros.
Figura 164: Reprodução de planta da Fábrica Cânhamo (São Luís) Fonte: Escritório HABITAT arquitetura e urbanismo
Figura 165: Reprodução de plantas da Fábrica Cânhamo (São Luís) Fonte: Escritório HABITAT arquitetura e urbanismo
205
Em entrevista concedida pela arquiteta Ana Eliza, ela relembra o curioso
fato de que o então governador, Hepitácio Cafeteira, ao ver a alvenaria de pedra, e
seu modo tão bem assentado, pediu pessoalmente para que um trecho da parede
fosse mantido aparente. Ou seja, para além das escolhas arquitetônicas e técnicas,
alguns agentes envolvidos avocam para si o poder de influência no partido ou
resultado final do projeto arquitetônico e de restauração.
Cobertura. Outra dimensão importante do projeto de restauração, para
fins de aproximações e demarcações mais consistentes quanto às expressões do
restauro no Centro de São Luís, diz respeito à concepção e implantação, ao longo
do sentido longitudinal, de lanternins e telhas de vidro.
Trata-se de elementos que fazem parte do repertório arquitetônico fabril,
mas que não existiam no momento anterior à intervenção na Fábrica Cânhamo. No
memorial descritivo apresentam-
melhorar a iluminação e ventilação do salão .
Figura 168 - Reprodução de fotos do telhado da Fábrica Cânhamo, em três tempos. Anterior, durante e após intervenção Fonte: Escritório HABITAT arquitetura e urbanismo
Salão Principal Restaurante/
Lanchonete
Área aberta/ Restaurante
Figura 166 - Reprodução de perspectiva artística da Fábrica Cânhamo (São Luís) Fonte: Escritório HABITAT arquitetura e urbanismo
Figura 167 - Estudo volumétrico esquemático da Fábrica Cânhamo (São Luís) Fonte: Elaboração da autora
206
O registro do trabalho sobre as fachadas, elemento estético importante
na medida de seu protagonismo pela continuidade junto à platibanda e presença de
elementos classicizantes como molduras, cimalhas e volutas. A ação de restauro
promovida objetivou a volta ao aspecto original, seja na fachada principal por meio
das prospecções cromáticas e nas laterais e fachada posterior pela unidade de uma
nova cor. Em nenhum momento é tratada a questão da presença de vestígios do
tempo ou marcas da idade da obra. Sobre as fachadas anteriores, guardiães da
ação do tempo, foi feita uma camada de reboco regularizadora das diferenças e
patologias da superfície. Na foto a seguir, percebe-se a utilização do mesmo
material para a feitura do completamento de lacunas.
Figura 169 - Registro fotográfico da aplicação de reboco da fachada Fonte: Escritório HABITAT arquitetura e urbanismo
Figura 170 Reprodução de fotos da fachada posterior da Fábrica Cânhamo com aplicação de reboco finalizda (São Luís) Fonte: Escritório HABITAT arquitetura e urbanismo
207
Sob a visada dos registros fotográficos do período de finalização da obra
uniformemente, ao da edificação, de modo a excluir a totalidade dos traços de
decadência material e vestígios co
de historicidade no sentido de uma estratigrafia de sucessivas ou decantadas
temporalidades e marcas ulteriores, alcançando, enfim, a recuperação de uma
imagem plástica pura e representativa da busca da unidade estilística original.
Figura 171 - Reprodução de fotos da fachada principal da Fábrica Cânhamo, antes e depois do restauro em 1989 (São Luís) Fonte: Escritório HABITAT arquitetura e urbanismo
208
Figura 172 - Reprodução de fotos das laterais da Fábrica Cânhamo, após restauro, em 1989 (São Luís) Fonte: Escritório HABITAT arquitetura e urbanismo
Figura 173 - Reprodução de fotos do interior da Fábrica Cânhamo, após restauro, em 1989 (São Luís) Fonte: Escritório HABITAT arquitetura e urbanismo
Figura 174 - Reprodução de foto da fachada posterior da Fábrica Cânhamo, após restauro, em 1989 (São Luís) Fonte: Escritório HABITAT arquitetura e urbanismo
209
A experiência da conservação
O CEPRAMA (antiga Fábrica Cânhamo) mantém atualmente a sua
função original prevista no projeto de restauração concluído no último ano da década
de 1980. O salão principal do edifício encontra-se ocupado por artesãos que vendem
suas mercadorias, inclusive valendo-se dos mesmos expositores de madeira
presentes no momento da inauguração do Centro. Uma das funções mais vivas do
espaço, o restaurante com varanda, cuja vista se debruça sobre o rio Bacanga, está
desativado e o vazio empoeirado ocupa todo o desnível em relação ao salão
principal. Também são claros e visíveis os sinais da falta de manutenção, a exemplo
de extensas infiltrações causadoras de empolamento e sujidade no sentido
ascendente no perímetro das paredes.
Figura 175 - Fotos de sinais da precária conservação do CEPRAMA (São Luís) Fonte: Registros fotográficos da autora
O depoimento obtido na entrevista direta com a diretora do espaço
cultural, Maria de Fátima Medeiros Mouchereck151, só reitera o que os olhos
reconhecem. Ela atribui tal descaso a restrita verba advinda da Secretaria de
Infraestrutura do Estado do Maranhão (SINFRA-MA), e do corpo de somente cinco
funcionários para cuidar de um edifício de mais de dois mil metros quadrados.
Também aborda a falta de autonomia, decorrente da transição de Superintendência
para Supervisão Cultural, que diminui e compromete a possibilidade de
administração de recursos direcionados para necessidades imediatas de
manutenção da edificação, como pintura de qualidade. 151 Entrevista direta realizada em São Luís em fevereiro de 2012.
210
A seguir, dois registros fotográficos, feitos em janeiro de 2012, do interior
(da antiga Fábrica Cânhamo) do prédio do CEPRAMA abrigando o trabalho de
artesãos do Maranhão.
Figura 176 - Fotos do interior do CEPRAMA organizado para a comercialização de artesanatos tipicamente maranhenses (São Luís - 2012) Fonte: Registros fotográficos da autora
211
5.3 BANCO ITAÚ: a antiga Vila Santo Antônio
Localização e dados históricos
A restauração da antiga Vila Santo Antônio tendo em vista transformá-la
numa agência do UNIBANCO, hoje Banco Itaú, data de meados da década de 1980.
O projeto arquitetônico foi elaborado pelo arquiteto Benedito Lima de Toledo152 em
fevereiro de 1986, sete anos após a Criação do Grupo de Trabalho e Comissão de Coordenação para desenvolvimento e implantação do PPRCHSL, e um ano antes
do início do Projeto Reviver nos marcos do Governo Epitácio Cafeteira. Após sete
anos da criação do referido Programa, o governo estadual, gestão Luiz Rocha, por
recomendação, como afirma Andrès (1997, p. 65) do Conselho Estadual de Cultura,
hoje Secretaria de Estado da Cultura, cria, através do Decreto nº 10.089, a Zona Tombada Estadual, região na qual se inscreve o presente caso de estudo.
Importante apontar que a aprovação e análise do projeto de restauro
elaborado pelo arquiteto paulistano Lima de Toledo se inserem num quadro de
ampliação de bens tombados da cidade de São Luís, segundo uma nova hierarquia:
a estadual com 2.500 imóveis dispostos ao longo de 160 ha, em zona lindeira à
Zona Tombada Federal. A zona tombada estadual ecoa, numa escala urbanística, a
ampliação do significado dos objetos passíveis de preservação.
Se a delimitação do perímetro da Zona Tombada Federal, como aponta
Pestana [...] em classificações estilísticas e temporais,
através da eleição de um determinado modelo, ou de um determinado período
congelado no tempo [... a Zona de Tombamento Estadual incorpora um espaço
citadino composto de diversidade tipológica mais abrangente que a homogeneidade
das construções determinadas pelo perímetro original, tombada em nível federal,
então concentrada em edificações de estilo luso-brasileiro construídas no século
XIX. Não é a toa, que a atual Agência do Banco Itaú seja caracterizada por seus
traços ecléticos153 de fachada a exemplo de ornamentos e aspectos de implantação.
152Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo USP (1961). Atualmente é professor titular da Universidade de São Paulo. Tem experiência na área de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em Fundamentos de Arquitetura e Urbanismo. Benedito Lima de Toledo, professor do curso Patrimônio Ambiental Urbano, organizado por Carlos Lemos entre 20 de março e 24 de agosto, com o fito de identificar, analisar e salvaguardar os respectivos bens culturais que venham a compor nosso Patrimônio Ambiental Urbano. Problematizou a evolução da idéia de bem cultural. 153 No entanto, ainda sim, se tratam de edificações com plantas similares as tipologias tradicionais.
212
Então, o período que envolve a elaboração do projeto de restauração da
nova sede do Unibanco, em São Luís, inaugurada em 1989, insere-se numa década
altamente produtiva em termos de ações projetuais e de restauração no Centro
Histórico. Estamos na primeira fase de implementação do PPRCHSL, mais
precisamente na Praia Grande, na já comentada Zona de Tombamento Federal.
Trata-se enfim de uma proposta de restauração arquitetônica de um agente privado,
que acontece paralelamente ao PPRCHSL.
Salvo aprofundada pesquisa histórica e documental, e como registrado
em São Luís - Sevilla (2008, p.235), pouco se pôde levantar sobre a história desse
casarão de grandes dimensões, sabendo-se apenas que nele [...] a alta sociedade
da cidade de São Luís se encontrava em grandiosas festas, realizadas em torno da
antiga piscina que ficava ao centro do grande pátio existente à frente da edificação .
(SÃO LUÍS SEVILLA, 2008, p.235). A descrição arquitetônica presente na
publicação encontrada assim define a edificação:
A fachada expressa uma predominância de vazios sobre cheios. Ao centro, como eixo de simetria, a porta principal em madeira e ao lado esquerdo, uma porta de grandes dimensões selando provavelmente um compartimento antes usado como guarda de veículo ou cocheira. Todos os vãos apresentam vergas em arco pleno. Os vãos superiores são janelas rasgadas com guarda corpo em alvenaria e formada por um janelão ladeado por duas menores e de vergas retas. As fachadas são terminadas em belíssima platibanda balaustrada interrompida ao centro da fachada principal por um frontão retangular decorado com volutas, pingadeiras e pináculos em suas extremidades ao centro. O interior do imóvel foi consideravelmente alterado buscando uma melhor adequação ao uso atual.
Figura 177 - Mapa de Localização do Edifício sede do Banco Itaú, ou antiga Vila Santo Antônio. Destaque para Rua da Paz Fonte: Intervenção da autora sobre foto do Google Earth
Figura 177 - Foto do Edifício sede do Banco Itaú, ou antiga Vila Santo Antônio Fonte: Registro fotográfico da autora (2011)
213
O mapa apresentado na página anterior (Figura 177) identifica a
localização da edificação na esquina entre as ruas da Paz e de Santa Rita. A Rua da
Paz se consolida como uma via de tráfego intenso e com vocação comercial. A
Academia Maranhense de Letras também se situa nesta rua, e por um longo período
de tempo também nela funcionou a Faculdade de Odontologia da Universidade
Federal do Maranhão (UFMA). Muitos de seus edifícios apresentam tratamentos
com elementos mais complexos e intricados, de cunho eclético, mais distantes das
linhas simples dos vãos de cantaria, presentes na área da Praia Grande. A própria
história temporal, pode ser lida na inscrição de muitos gradis dessa rua datados das
duas primeiras décadas do século XX.
Figura 179 - Fotos de edifícios ecléticos na Rua da Paz (São Luís - 2012) Fonte: Registros fotográficos da autora (2012)
A experiência do abandono
Nesta singular edificação, o abandono, estágio avançado de ausência de
uso, no presente estudo de caso, foi apreendido por meio de raras notícias de jornal,
as quais retratam o seu estado anterior ao restauro por meio de registros
fotográficos. Fatos sobre a então reforma do casarão154 e sua caracterização
alcançaram espaço na mídia com descrições como a que segue:
O casarão Vila Sto Antônio [...] entrará brevemente em reformas. A última ocorreu no ano de 1930, e essa, que se verificará em breve, visa adequar o prédio às condições necessárias para a instalação de uma agência bancária. O casarão possui cerca de 20 cômodos, sendo dividido em dois pavimentos, e foi construído em uma área de 1250 metros quadrados. A instituição financeira já havia solicitado anteriormente, em 20 de fevereiro de 1986, à Secretaria do Patrimônio Histórico, Arquitetônico e Paisagístico permissão para reformar o prédio, só agora concedida pelo órgão.
154 Reportagem veiculada no Jornal O Estado do Maranhão do dia 31 de agosto de 1988.
214
A mesma reportagem apresenta indicações pertinentes a um período, no
qual se configurava uma conjunção de sujeitos no âmbito técnico da área do
Patrimônio. Derivou daí a formação da Comissão Técnica Interinstitucional, formada
pelo SPHAN, pela Secretaria Municipal de Urbanismo (SEMUR) e pela Secretaria de
Cultura do Estado (SECMA). É esse corpo de agentes que aprova o projeto para
transformação da antiga residência em banco. segundo o mesmo jornal.155 As
ilustrações a seguir registram sinais do abandono da edificação precedente ao
restauro, como sujidade e desgaste da pintura.
Figura 180 - Reprodução de fotos de jornal indicativas do estado de abandono da antiga Vila Santo Antônio (São Luís) Fonte: O Estado do Maranhão do dia 31 de agosto de 1988. 155 Denomina o antigo proprietário Jaime Rabelo de Sousa, nos anos de 1930, o qual deixou a casa para a filha Ana Maria Jorge de Sousa, que vendeu para o Unibanco pelo valor de 1 bilhão e cem mil cruzeiros.
215
A experiência da restauração
A experiência da restauração da atual sede do Banco Itaú é bastante rica.
Guarda hipóteses de relação com o primeiro caso de estudo, o Solar São Luís, em
dois aspectos: ambos são Bancos e apresentam organizações espaciais dos seus
interiores aproximadas, tratando- 156. Entretanto, como já foi visto no
tocante a localização, este estudo de caso, apresenta implantação no lote
completamente distinta do Solar, cuja fachada principal se alinha ao passeio público.
A importância deste estudo de caso para os interesses da pesquisa que
referencia a presente dissertação mantém relação com fato da sua análise se
desenvolver, em grande medida, a partir das informações colhidas junto ao Iphan-
MA, mais especificamente dos documentos constantes no Processo
23099.020065/85-70. O rico conteúdo das negociações contidas no mesmo inspirou
e orientou o modo de conhecer e apresentar este projeto de restauro, ao ter seus
itens tomados como critérios analíticos deste caso dissertado.
Assim, desenham-se quatro balizas que amarram fases do
desenvolvimento do trabalho. São elas: A tomada de iniciativa do agente
institucional privado Unibanco em face das possibilidades, desafios e limites da
restauração do edifício eclético da Rua da Paz no diálogo formal e técnico com
IPHAN e a resposta deste (1); O projeto apresentado pelo arquiteto Benedito Lima
de Toledo, segundo duas formas expressivas: memorial descritivo detalhado e o
conjunto de plantas técnicas referentes ao levantamento arquitetônico e ao projeto
de restauração e revitalização, que, por sua vez, ramifica-se ao longo dos itens
Implantação, O Edifício e a Proposta (2); A aprovação da Instituição (3) até adentrar
rumo ao estado de conservação da edificação no presente, incluindo aspectos das
mudanças espaciais mais recentes (4).
No primeiro momento, o Unibanco157 solicita ao Departamento
Regional da Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, respostas para
as seguintes perguntas: 1- Sem alteração na fachada, é possível reformar internamente o imóvel
para adaptá-lo a uma agência bancária?
156Aqui uma série de aproximações se faz possível. A similaridade do agenciamento espacial pode se dar por alguns vieses: entre aquilo que o Solar São Luís originalmente foi e o modo como este estudo de caso se constituiu no começo da década de 1990, bem como e a potência reformuladora desse mesma divisão espacial interna quando das reformas para atender um programa bancário. 157Solicitação do Unibanco (União de Bancos Brasileiros) ao IPHAN - Fundação Nacional pró Memória no já referido processo intitulado: UNIBANCO solicita informações para reforma do imóvel situado à Rua da paz, 605, esquina com Santa Rita em São Luís-MA, do dia 10 de outubro de 1985.
216
2- Em caso positivo será permitida a demolição de paredes internas? 3- Quais valores artísticos deverão ser preservados? 4- Em permitida a ampliação da área construída, em caso positivo qual a
limitação?158
A resposta técnica do Iphan-MA parte de uma Introdução para
caracterizar a edificação e já menciona as alterações introduzidas no interior do
edifício, riação de alguns
compartimentos; substituição da escada em caracol original por outra de madeira de
lance contínuo; substituição das janelas da varanda do tipo veneziana por elemento
vazado; inserção de elementos decorativos provenientes de outros prédios de São
Luís e Alcântara, não deixando claro quais são; inserção de elementos não
condizentes, como azulejo industrial; revestimentos de parede em gesso trabalhado;
pedra decorativa lambri.
Assim, dentre as alterações citadas, percebe-se o modo como a
Instituição reconhece inserções contemporâneas como um ruído frente à
azulejo industrial como inadequado. A
arquiteta da instituição159 reitera a necessidade e relevância de serem respeitadas
as características originais da edificação, tais como volumetria, inclinação do telhado
e desenho das fachadas. Com relação ao pedido de expansão sob a forma de um
Contudo, a técnica pondera que a área poderá ser utilizada com estacionamento
-
definida na forma de estudo preliminar .
Benedito Lima de Toledo, por meio do Memorial Descritivo para Restauração e Revitalização de Edifício à Rua da Paz apresenta o objetivo do
projeto relacionando ao uso: Pretende-se restaurar o edifício com vistas à sua
revitalização para utilização como sede de agência bancária. Defende que a
restauração deverá observar as características essenciais do estilo da edificação e
amplifica o seu sentido ao propor a proteção e recuperação da área envoltória,
fundamentalmente de reformas nos passeios e caixa da rua.
158 A essas questões são acrescentados os dados de área do terreno, 1.183m², construção, 600m² e ocupação 300m². 159 Arquiteta Vandi Rodrigues Falcão, atualmente e Cordenadora-Geral de bens móveis do Iphan-Ma.
217
O reconhecimento e apresentação da edificação são feitos primeiramente
pela implantação da mesma no lote, a qual determina generoso recuo que se
diferencia das casas vizinhas, completamente alinhadas aos passeios públicos. Esta
condição de implantação, aliada às características ecléticas ou historicizantes do
edifício, faz
O recuo ou pátio frontal é detalhadamente representado nas plantas de
Levantamento Arquitetônico, inseridas no processo do Iphan-MA. Ao longo das
reflexões sobre o projeto algumas delas serão apresentadas.
O arquiteto não valoriza os elementos que compunham o pátio. Eram
eles: uma guarita ou coreto na esquina do lote, dois canhões160, duas mangueiras e
uma piscina. Sobre a guarita existente na esquina do lote, o arquiteto a denomina
ess tão desastrosa quanto à guarita e a
160Os canhões existentes foram desenterrados do antigo quintal do Juizado de Menores. Estão registrados no 24ºBC.
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2
3
Figura 181 - Reprodução de plantas e imagens da Agência Bando Itaú (São Luís) Fonte: Processo 23099.020065/85-70 Iphan-MA
218
Figura 182 - Reprodução de plantas e imagens (à esquerda a piscina e a direita o muro, ambos demolidos) da Agência Bando Itaú (São Luís) Fonte: Processo 23099.020065/85-70 Iphan-MA
O autor do projeto reconhece a importância arquitetônica das fachadas
enquadrando a ornamentação característica do edifício segundo o período do
ecletismo. Justifica que: [...] dos edifícios do período de transição do século XIX
para o XX guardou a modenatura, o gosto pelos frontões que arrematam a cimalha
real, a preocupação em esconder o telhado com platibandas em parte fechada e em
parte vazada com colunelos decorativos .
Interessa perceber que no memorial descritivo, o acréscimo na elevação
lateral voltada a Rua Santa Rita, na visão do autor, é compreensível e administrado
pela concepção eclética do edifício, exatamente por ser facilmente identificável.
Nesse ponto, a concepção arquitetônica de restauro empregada valoriza, em certa
medida, o princípio da distinguibilidade. Já a fachada principal, voltada à rua da Paz,
é demarcada
Figura 183 - Reprodução de imagem da fachada principal da Agência Bando Itaú (São Luís) Fonte: Processo 23099.020065/85-70 Iphan-MA
219
O autor do projeto elenca então, como no estudo de caso anterior, no
conjunto edilício os volumes passíveis de demolição no perímetro do pátio interno,
devido a sua integral descaracterização, principalmente por meio dos elementos
vazados de concreto. Exime a piscina, o pergolado metálico em frente à garagem, a
-os à disposição da pró- 161
Figura 184 - Reproduções de imagens da Agência Banco Itaú (São Luís). À esquerda edifício garagem mantido com anexo demolido, ao meio pergolado removido. À direita relação do antigo edifício com o anexo que terá vedaçãode venezianas de madeira. Fonte: Processo 23099.020065/85-70 Iphan-MA
Figura 185 - Reprodução de foto do interior do Banco Itaú (São Luís). Vista interna da entrada principal, com elementos vazados ao lado (removidos).
Fonte: Processo 23099.020065/85-70 - Iphan-MA
161O autor do projeto insere ainda no elenco das remoções, os membros compositivos de menor tamanho como ladrilhos hidráulico e cerâmico, azulejo industrial, réplica de azulejo revelado em gesso, arenito decorativo em placas, lambri, elementos vazados de concreto.
220
De posse do conhecimento e caracterização do edifício, o autor do projeto
de restauração arquitetônica propõe as seguintes intervenções: restauração
cuidadosa da caixilharia original, revestimento e cobertura; remoção das paredes
conforme planta anexa, reforço estrutural, manutenção dos forros originais tipo saia
e camisa, os quais, na presença de lacunas e partes faltantes, serão utilizados de
modelo para reconstituição. Com relação aos pisos propõe no térreo o
assentamento de placas de piracuruca alternadas com seixos rolados e no
pavimento superior, piso de ipê em tábuas largas. Estabelece premissas de
manutenção com relação ao pátio, aos alinhamentos externos das paredes e a volta
da utilização das venezianas na varanda. Impõe a escada como elemento
contemporâneo, ao, prudentemente, reconhecer a falta total de vestígios da escada
primitiva que possibilitassem uma reconstrução.
Figura 188 - Planta de Reforma/Restauro Primeiro Pavimento Escada em destaque. (Agência Banco Itaú São Luís) Fonte: Processo 23099.020065/85-70 Iphan-MA
A comparação entre as plantas de levantamento e as de reforma
demonstra que a transformação da antiga casa para uma agência bancária
demandou significativas alterações. Os encaminhamentos com relação ao interior
não são descritos no memorial do projeto,
Figura 186 - Planta do Levantamento - Primeiro Pavimento Escada em destaque. (Agência Banco Itaú São Luís) Fonte: Processo 23099.020065/85-70 Iphan-MA
Figura 187 - Planta do Levantamento - Segundo Pavimento (Agência Banco Itaú São Luís) Fonte: Processo 23099.020065/85-70 Iphan-MA
Figura 189 - Planta de Reforma/Restauro Segundo Pavimento (Agência Banco Itaú São Luís) Fonte: Processo 23099.020065/85-70 Iphan-MA
221
Vale ressaltar que, na primeira correspondência técnica do Iphan-MA
dirigida ao autor do projeto, a arquiteta demarca que os espaços internos da casa
são compatíveis com o programa do banco, ao afirmar: Sobre as possíveis modificações pretendidas para sua reutilização, consideramos possível, posto que os espaços internos disponíveis são perfeitamente adequados, oferecendo certa flexibilidade ao novo programa de ocupação sem comprometer sua estrutura espacial intena.
Entretanto, o que ocorre é o oposto.
Figura 190 - Reprodução de planta / Levantamento - Corte pela garagem Anexo removido/alterado Agência Banco Itaú (São Luís) Fonte: Processo 23099.020065/85-70 Iphan-MA
Figura 192 - Reproduções de plantas / Corte passando pela nova escada, detalhe da escada e esquadrias com desenho contemporâneo. Destaque para a nova laje de concreto - Agência Banco Itaú (São Luís) Fonte: Processo 23099.020065/85-70 Iphan-MA
Figura 191 - Reprodução de planta / Reforma - Corte pela garagem Anexo removido/alterado - Agência Banco Itaú (São Luís) Fonte: Processo 23099.020065/85-70 Iphan-MA
222
Figura 193 - Reprodução de planta / Detalhes da cobertura - Agência Banco Itaú (São Luís) Fonte: Processo 23099.020065/85-70 Iphan-MA
Figura 194 - Reprodução de planta / Fachada principal com destaque para o volume contemporâneo anexado ao edifício principal - Agência Banco Itaú (São Luís) Fonte: Processo 23099.020065/85-70 Iphan-MA
Ao final de 1989 o projeto recebe o parecer favorável ao projeto de restauro
que é aprovado. Depois desse período não foram encontrados novos registros ou
documentações.
223
Na esteira da apreensão volumétrica do edifício, conforme efetivado no
estudo do projeto de restauração arquitetônica do Solar São Luís e da Fábrica
Cânhamo, aqui este recurso se revestiu de maior importância para a compreensão
do espaço anterior e posterior à intervenção, dada a alteração profunda do seu
agenciamento interno, principalmente no que diz respeito às paredes removidas, das
quais nada restaram e modificaram completamente a compartimentação do piso
inferior.
Figura 195 - Esquema Volumétrico Situação Existente (Agência Banco Itaú - São Luís) Fonte: Elaboração da autora
Figura 196 - Esquema Volumétrico. Destaque em vermelho para as edificações e objetos demolidos/removidos (Agência Banco Itaú - São Luís) Fonte: Elaboração da autora
224
TÉRREO ANTERIOR AO RESTAURO
PRIMEIRO PAVIMENTO ANTERIOR AO RESTAURO
TÉRREO APÓS O RESTAURO (PAREDES DEMOLIDAS)
PRIMEIRO PAVTO. APÓS O RESTAURO (PAREDES DEMOLIDAS) Figura 197 - Esquemas Volumétricos do edifício sede do Banco Itaú ou Vila Santo Antônio Fonte: Elaboração da autora
225
A experiência da conservação
A
transformada numa Agência do Unibanco, hoje Banco Itaú, encontra-se baseada na
sua continuidade como agência bancária, cujo funcionamento exige constante
manutenção e vigilância. Do que foi possível observar, a manutenção se traduz,
principalmente, no (re)pintar das fachadas e inserções de algumas paredes
divisórias. O interior não pôde ser fotografado, dado que a administração do Banco
Itaú não autorizou registros fotográficos, devido à presença de espaços
considerados de segurança como cofres e áreas de acesso restrito a funcionários.
Todavia, mediante observação direta pude perceber que o esquema da
distribuição programática das funções bancários mantém-se, em linhas gerais, de
acordo com aquele definido no projeto de restauração arquitetônica da década de
1980.
No entanto, painéis divisórios, demarcativos e publicitários do Banco
foram acrescidos, cristalizando-se como pano de fundo de seus funcionários e com
vistas para os usuários que ali chegam. Estes se sobrepõem às portas e janelas no
interior e calam o brilho das bandeiras, que, ainda assim, não desistem de anunciar
o seu valor como traço de memória histórica e arquitetônica. Inclusive por isso, o
forro rebaixado para além das bandeiras precisou ser recortado para que elas façam
parte e iluminem o interior.
Figura 198 - Croqui do esquema do acesso principal com destaque para painéis e molduras sobrepostas aos vãos do edifício da Agência do Banco Itaú - São Luís (2012) Fonte: Elaboração da autora (2012)
Laje recortada no encontro com as bandeiras das portas
226
Atualmente, o exterior é caracterizado pelo intenso movimento de carros e
pessoas nos dias de semana e o inverso nos finais de semana. A materialidade do
edifício novo frente ao antigo demarca, nesse aspecto, compromisso com o tempo
presente e a tentativa de não propor a imitação de uma linguagem similar a
existente.
Figura 199 - Foto da fachada principal da Agência do Banco Itaú, com destaque para coluna destacada no piso. À direita o encontro da intervenção contemporânea com o corpo do edifício principal (São Luís - 2012) Fonte: Registro fotográfico da autora (2012)
227
Figura 200 - Foto da fachada principal da Agência do Banco Itaú, com destaque para as venezianas modernas. (São Luís - 2012) Fonte: Registro fotográfico da autora (2012)
Figura 201 - Foto da fachada principal e lateral da Agência do Banco Itaú (São Luís - 2012) Fonte: Registro fotográfico da autora (2012)
228
Figura 202 - Fotos do pátio externo da Agência do Banco Itáu, com pergolado e detalhe de fragmento do muro original, do qual se mantiveram o portão de ferro e montantes laterais (São Luís - 2012) Fonte: Registros fotográficos da autora (2012)
O pátio da Agência do Banco Itaú também reúne elementos que, apesar
de completamente desarticulados, parecem querer dizer sobre uma memória antiga,
não lembrada, não mais reconhecida. Canhões, inscrição na fachada de que ali foi
uma vila, um poço e um quadro em relevo na parede onde se lê
(a)mpestre. Ao lado, o aviso do banco sobre regras de estacionamento, nos trazem
de volta à certeza
Figura 203 - Fotos do pátio da Agência do Banco Itaú, com detalhes de uma memória esquecida (São Luís - 2012) Fonte: Registros fotográficos da autora (2012)
229
5.4 Morada Inteira: Localização e Dados Históricos
Localiza-se na rua do Giz, um dos eixos estruturais do traçado urbano
original de São Luís. Nesta rua se encontra grande diversidade de tipologias típicas
do Centro Antigo de São Luís. Nela, hoje estão situadas instituições importantes, a
exemplo do Iphan-MA. Num extremo, abre-se para o Convento das Mercês, no
sentido oposto, rumo ao trecho mais alto, alcança a Praça Benedito Leite. A
edificação estudada porta a inscrição do ano de 1860 no seu gradil.
Figura 204 - Fotos da Rua do Giz - Centro Antigo de São Luís (2011) Fonte: Registros fotográficos da autora (2011)
Figura 205 - Foto da Rua do Giz - Centro Antigo de São Luís (2011) Fonte: Registro fotográfico da autora (2011)
230
A experiência do abandono
Experimentada pela edificação no período de tempo na qual esteve em
ruínas, após o encerramento do funcionamento de um prostíbulo. Sua fachada,
antes da restauração arquitetônica, tinha um aspecto de vetustez cristalizado nas
manchas da pintura advindas da água da chuva, bem como da própria degradação
de superfície possuidora de vazios e incompletudes, caracterizada no projeto de
intervenção como reboco deteriorado
O estado construtivo interno da casa achava-se bastante precário,
decaído. A presença de elementos arquitetônicos marcantes como as venezianas
que compõem a varanda interior cristalizavam-se como matéria degradada.
Figura 206 - Fotos da fachada e fundos da morada inteira 394 - Centro Antigo de São Luís Fonte: Escritório HABITAT arquitetura e urbanismo
231
Figura 207 - Fotos de lacunas na caixilharia de madeira da varanda interna (à esquerda) da morada inteira 394 - Centro Antigo de São Luís Fonte: Escritório HABITAT arquitetura e urbanismo
Figura 208 - Fotos de esquadrias desgastadas antes do restauro da morada inteira 394 - Centro Antigo de São Luís Fonte: Escritório HABITAT arquitetura e urbanismo
232
Figura 209 Foto da edícula demolida nos fundos do pátio da morada inteira 394 - Centro Antigo de São Luís Fonte: Escritório HABITAT arquitetura e urbanismo
A partir da análise do material fotográfico sob a guarda do Escritório
HABITAT arquitetura e urbanismo foi possível depreender que o quadro de abandono
e arruinamento da morada inteira se corporificava mediante ausências e lacunas de
elementos de grande porte: janelas venezianadas de madeira da varanda voltada ao
pátio interno, intensa sujidade e umidade das paredes com proliferação de liquens,
eflorescências na superfície das pinturas relativas a umidade, avanço da vegetação
sobre a edificação, envelhecimento e degradação da caixilharia de madeira.
A experiência do restauro A restauração
trata-se da adaptação para a função habitacional original, demandada por um casal
de dinamarqueses, moradores da residência durante seis meses do ano.
233
O trabalho empreendido, segundo a arquiteta Ana Eliza Cantanhede
Pereira162, limitou-se ao mínimo de intervenção no sentido da remoção e inserção de
novos elementos arquitetônicos. Tratou-se preponderantemente da reconstituição da
cobertura, segundo o modelo original, demolição de um anexo ao fundo rente ao
muro e recuperação intensa do piso de madeira. Deste, pouquíssimas peças
puderam ser reaproveitadas, tanto das tábuas de revestimento quando dos
barrotes/vigas de madeira.
Além dessas ações, efetivaram-se a recuperação das portas, janelas e
forros originais de tabuado corrido por meio de raspagem, lixamento, calafetagem e
enceramento ao natural. Entretanto, as venezianas de madeira, que compõem a
vedação da varanda voltada para o pátio interno, tiveram que ser refeitas, e a opção
foi utilizar a linguagem original segundo o desenho das poucas peças que sobraram.
Um dos desafios do trabalho foi fazer todo o sistema de rede elétrica do local,
embutido nas paredes. Outro aspecto diz respeito à reestruturação de elementos da
alvenaria de com tijolos atuais.
. Figura 210 - Fotos do cabeamento para energia elétrica e refazimento da estrutura - Centro Antigo de São Luís Fonte: Escritório HABITAT arquitetura e urbanismo
162Trata-se de projeto de autoria individual da arquiteta que integrou a equipe de arquitetos proponentes do projeto de restauração arquitetônica da Fábrica Cânhamo reabilitando a edificação para o funcionamento do CEPRAMA, um dos estudos de caso desta dissertação.
234
Figura 211 Foto de detalhe da ornament - Centro Antigo de São Luís Fonte: Escritório HABITAT arquitetura e urbanismo Um desafio durante a obra foi à reconstrução do espaço entre os vãos de
acesso à varanda com tijolos, como demonstra a foto abaixo.
Figura 212 - Foto de refazimento da coluna entre vãos de porta executada em tijolo na - Centro Antigo de São Luís Fonte: Escritório HABITAT arquitetura e urbanismo
Figura 213 - Fotos de vistas do pátio interno - Centro Antigo de São Luís Fonte: Escritório HABITAT arquitetura e urbanismo
235
Figura 214 - Foto da execução de novo piso de madeira com a presença de alguns barrotes/vigas originais - Centro Antigo de São Luís Fonte: Escritório HABITAT arquitetura e urbanismo
Na reconstrução da cozinha, mantida no mesmo local, foi encontrada a
presença de azulejos portugueses raros, provavelmente do século XVIII, sob uma
pintura feita à revelia de sua simbólica e histórica presença. Empreendeu-se a
retirada de tais demãos de tinta bem como a reconstituição das peças danificadas.
Foram feitas também novas instalações elétrica/telefone e hidro sanitárias, na medida
das necessidades de transformação e (re)semantização dos limites do programa
colonial residencial. Nas ilustrações apresentadas seguir se mostram alguns detalhes
construtivos da edificação como a presença de azulejos em forma de barramento na
cozinha, o piso em ladrilho hidráulico, bem com os montantes restantes da esquadria
venezianada da parte interna da morada.
Figura 215 Fotos de azulejos encontrados na cozinha e faixa de ladrilho no piso da janela replicado segundo o original - casa dos
- Centro Antigo de São Luís Fonte: Escritório HABITAT arquitetura e urbanismo
236
Conforme definido no projeto de restauração arquitetônica foram
acrescidos dois componentes programáticos pontuais, todavia profundamente
reveladores das possibilidades relacionadas a novas funções que uma casa de estilo
tradicional português pode assumir para agregar valor de usufruto contemporâneo:
dois banheiros sobre o piso térreo e uma piscina de forma no pátio interno.
Figura 216 Plantas de arquitetura: levantamento e restauro do pavimento térreo - Centro Antigo de São Luís Fonte: Escritório HABITAT arquitetura e urbanismo
237
Figura 217 Planta - Comparação entre os cortes antes do restauro e após com inserção do banheiro e remoção de prolongamento da varanda - Centro Antigo de São Luís Fonte: Escritório HABITAT arquitetura e urbanismo
A seguir, apresento imagens resultantes do estudo volumétrico
esquemático das demolições e acréscimos que realizei a partir da análise do projeto
Figura 218 - Esquema Volumétrico - Existente, anterior ao restauro, áreas demolidas em vermelho - c Centro Antigo de São Luís Fonte: Elaboração da autora
238
SUBOLO - ANTERIOR AO RESTAURO
SUBOLO - TÉRREO ANTERIOR AO RESTAURO
SUBOLO - POSTERIOR AO RESTAURO
TÉRREO - POSTERIOR AO RESTAURO Figura 219 - Esquemas Volumétricos - Anterior ao restauro e posterior ao restauro - c Centro Antigo de São Luís Fonte: Elaboração da autora
239
Figura 220 - Foto da fachada principal logo após o restauro (Centro Antigo de São Luís) Fonte: Escritório HABITAT arquitetura e urbanismo
Figura 221 - Foto do pátio interno logo após o restauro (Centro Antigo de São Luís) Fonte: Arquivo particular Habitat Arquitetura
240
A experiência da conservação
Desde a restauração ocorrida em 2003, o imóvel mantém o seu uso
atual. O proprietário, nos seis meses que reside na Dinamarca, garante e controla os
serviços de manutenção frequentemente acertados com a arquiteta responsável
pelo projeto de restauro. Em entrevista com o proprietário163, o mesmo se diz muito
satisfeito com a casa e com o Centro Antigo de São Luís. Comenta que gostaria de
poder morar nessa cidade o ano todo.
No seu depoimento, também sobressai-se a defesa da compatibilidade do
morar contemporâneo, na medida das funções e instalações modernas que uma
residência demanda, a despeito desta se constituir em essência uma morada inteira
do século XIX, com muitos traços característicos da arquitetura luso-brasileira.
Relata que sempre precisa refazer a pintura do forro em espinha de peixe e portas
de madeira, pois a tinta de aparência fosca exigida pelo Iphan-MA, absove mais
poeira que a acrílica. Acabou por resignificar o uso do ambiente ao alugar alguns
quartos para amigos europeus que desejam se acomodar na capital do Maranhão.
Sua casa, inclusive, saiu em reportagem numa revista dinamarquesa.
Figura 222 - Cópia de reportagem em revista dinamarquesa Fonte: Fonte: Arquivo particular Habitat Arquitetura
163 Entrevista realizada no dia 03 de fevereiro de 2010
241
permite afirmar que a experiência da conservação da edificação após a restauração
arquitetônica se mantém de modo bastante qualificada, a despeito de pequenos
sinais de umidade e sujidade na fachada. As duas figuras a seguir comprovam esta
impressão:
Figura 223 - Fotos da fachada, sala principal, forro refeito modelo espinha de peixe com ventilação para o sanitário, vista do corredor lateral do pátio d Fonte: Registro fotográfico da autora
242
Figura 224 manchas de umidade e sujidade (Centro Antigo de São Luís 2012) Fonte: Registro fotográfico da autora
243
6. CONCLUSÃO
Esta dissertação objetivou demarcar possibilidades e desafios de natureza
histórico-urbana, político-institucional e projetual do restauro arquitetônico de
edificações representativas da arquitetura luso-brasileira no Centro Antigo da cidade
de São Luís, capital do estado do Maranhão. A formulação deste objetivo partiu do
reconhecimento de que se manifesta nessa cidade flagrante descompasso entre a
degradação de parte significativa das edificações que conformam o Centro Antigo e
a, já longa, trajetória de múltiplos discursos e ações, principalmente estatais, que, a
partir de 1970, passaram a fazer parte do cotidiano da cidade no sentido da
proteção, revalorização e preservação do conjunto arquitetônico do seu velho
Centro.
Na busca de concretização do referido objetivo os procedimentos de
pesquisa foram amplos e diversos. O primeiro deles referiu-se ao estudo dos
escritos teóricos relativos ao restauro arquitetônico de autores como Ruskin, Boito,
Violet-le-Duc, Giovannonni e Brandi. Trata-se de teorias e ensinamentos que, frente
aos desafios concretos com os quais a atividade de restauro se depara em diversas
cidades do mundo e, especialmente do Brasil, atestam à contemporaneidade da
reflexão desses estudiosos.
Também, os escritos de autores portugueses que trataram do tema da
reestruturação de Lisboa pós-sismo de 1775 se mostraram fundamentais à
compreensão da minha questão de estudo, pois, para além do reconhecimento de
dimensões e questões de ordem material e construtiva, sobressaem-se nessa
experiência a força e o poder de decisão política dos agentes envolvidos. Dentre
estes, se destaca o ministro Pombal na liderança da execução de um amplo projeto
de reconstrução urbana. O ministro Pombal ainda assume especial importância no
contexto desta dissertação pe
patrimônio edificado no Centro Antigo de São Luís.
A pesquisa que realizei também me possibilitou conhecer e aprofundar
estudos sobre um conjunto de trabalhos de pesquisadores que vêm tomando o
Maranhão e a cidade de São Luís - seus desafios teóricos, políticos e urbanos -
como campo de suas pesquisas e produções teóricas. Nesse horizonte, a meu ver,
as perspectivas são bastante animadoras.
244
Na apreensão das referências empíricas de pesquisa delimitadas e
situadas no Centro Antigo da cidade de São Luís, mais especificamente na zona de
tombamento estadual, a relação de convivência e oposição entre a materialidade do
abandono e as iniciativas de preservação e restauro se confirmaram de modo
incontestável. No estudo das práticas de restauro, a opção por edificações capazes
de manifestar diversidade quantos aos agentes envolvidos e características
tipológicas distintas, ainda que fortemente representativas ou com influências da
arquitetura luso-brasileira, indicou e confirmou a complexidade dos desafios postos à
preservação e à restauração arquitetônica nessa singular cidade histórica brasileira.
Nessa perspectiva, o próprio movimento da pesquisa me levou ao
encontro das antigas fábricas têxteis abandonadas, cujos conteúdos materiais e
arquitetônicos restam pelo território da cidade de São Luís. Exemplo disso é a antiga
Fábrica Cânhamo que, localizada num ponto extremo da zona de tombamento
estadual, estratifica neste ponto da cidade, um elo memorial da cadência de
experiências fabris urbanas, e que, no âmbito das ações do PPRCHSL se tornou
uma das obras emblemáticas do período de um governo, que tomou a questão da
preservação do centro como uma das agendas principais da sua administração. Nos
outros três casos estudados - o Solar São Luís, a Agência UNIBANCO-
dos dinamarqueses - ainda que possuidores de diferenças no campo de suas
características formais tratam-se de edifícios que refletem modelos tipológicos
recorrentes da cidade: dois sobrados e uma morada inteira.
As características do patrimônio edificado na área de tombamento
estadual no Centro da cidade, a análise dos casos escolhidos e os estudos teóricos
que realizei, no momento e nos limites desta dissertação, me levam a argumentar
que seria equivocado afirmar que as atuais expressões de restauro no Centro de
São Luís se marmorizam como tendências, tipos. Ainda que a arquitetura luso-
brasileira se formalize mediante constantes compositivas, cada um dos projetos de
restauro revela operações divergentes e convergentes em alguns aspectos.
Se eu levar em consideração certas dimensões da teoria do restauro, seu
desenvolvimento mais geral e os ensinamentos de Brandi, um dos seus teóricos
mais contundentes, para o qual o conceito do restauro pressupõe o momento
metodológico do reconhecimento da obra de arte na sua dúplice polaridade estética
e histórica tendo em vista a sua manutenção para o futuro, eu posso ponderar que
as obras estudadas em muitos aspectos se distanciam entre si.
245
Em duas delas opera-se a busca pela unidade formal e estilística em sua
Nas outras
duas ações de restauração arquitetônica analisadas há um corte profundo entre
exterior e interior. Na Agência da CEF, o antigo Solar São Luís, prevalece à
concepção de projeto apoiada na premissa da ruína como substrato histórico sobre
o qual é implantado um projeto completamente moderno. Na atividade de
restauração arquitetônica que transformou a bela e desconhecida Vila Santo Antônio
numa Agência Bancária, as exigência programáticas assumem papel de
protagonista e transformam, em grande medida, o desenvolvimento espacial interior.
No entanto, os quatro projetos de restauração arquitetônica, inclusive os
restauros essencialmente voltados à reconstituição segundo o original, possuem o
símbolo do tempo presente, que se cristalizará como mais um estrato temporal na
história das obras: o volume arquitetônico contemporâneo no CEPRAMA, a nova
configuração do espaço interior do Solar da Caixa, a retirada de paredes para
criação de um salão livre para atividades bancárias e uma piscina na casa colonial.
Os estudos e a produção de esquemas volumétricos dessas edificações
foram importantes para a visualização, com mais clareza, da articulação entre as
subtrações e adições, e nesse sentido fizeram-me questionar: amputaram-se
legendas históricas importantes? Outras pesquisas poderão disto dizer. Em
contrapartida, é importante, verificar que as obras restauradas permanecem com
uso e vida até hoje.
Dentre as expressões de restauro presentes no Centro Antigo de São
Piloto de Habitaçãoprojeto no qual um sobrado colonial foi reabilitado para moradia social de dez
famílias advindas de cortiços, no início da década de 1990. Num outro extremo, o
imponente casarão onde funcionou, há até pouco tempo, o Armazém da Estrela,
espaço de múltiplos usos: cafeteria, restaurante, agência de turismo e galeria de
arte. A empresária desse empreendimento comenta que a ausência de
investimentos em setores básicos, como iluminação e limpeza, contribui para repelir
setores médios da população da área do Centro Antigo. Ao mesmo tempo,
pousadas administradas por estrangeiros, escolas como a Aliança Francesa se
implantam no Centro Antigo alimentando a dualidade contraditória da convivência
entre o abandono e a preservação, usos, ausência de usos e contra usos. O certo é
que, das expressões de restauração arquitetônica, o abandono faz-se vizinho.
246
Há que se reconhecer, portanto, que são muitas as determinações,
mediações e questões que atravessam a degradação arquitetônica e as políticas de
preservação de bens tombados: a efetividade das políticas públicas, o cumprimento
da minuciosa legislação de proteção patrimonial, os riscos do consumo da cultura e
da estetização do patrimônio, da valorização imobiliária e, por conseguinte, a
constituição de processos de gentrificação do espaço.
O restauro, o modo como se recuperam estruturas arquitetônicas
abandonadas é só uma dessas mediações, mas também e complementarmente, o
restauro também é mediado pelas políticas de preservação, pela vontade política,
pelo interesse dos agentes, públicos ou privados, pela concepção dos técnicos
sobre métodos e sobre as razões pelas quais se preserva e se restaura: utilitárias ou
culturais? Ainda é um desafio responder. O fato é que, o Centro Antigo da cidade de
São Luís, a despeito das ricas e fecundas expressões de restauro arquitetônico,
permanece numa complexa condição que se manifesta, ao mesmo tempo e passo,
através de degradação, abandono e intervenções.
Apesar de reconhecer as fortes relações entre produção e consumo
cultural e ações de preservação, parece ser possível argumentar que, as
comemorações em torno do 400 anos da cidade de São Luís, no corrente ano, não
se constituirá como evento catalisador da retomada de ações mais efetivas de
intervenção estatal, a exemplo do PPRCHSL. No entanto, iniciativas como parcerias
entre o Iphan-MA, outros órgãos estaduais e empresas, o interesse crescente de
estrangeiros em se tornarem proprietários de edificações e a diminuição da
população residente parecem indicar novas tendências quanto aos modos de
das práticas de restauro nesses processos? Volto a perguntar.
Somente estudos mais aprofundados poderão responder de modo mais
qualificado e competente a tal questão. O meu caminho de pesquisadora que só se
inicia e o objeto de pesquisa que formulei exigiram, primeiramente, uma visão da
totalidade das questões e relações envolvidas nas práticas de restauração
arquitetônica no Centro Antigo de São Luís. A partir dos resultados das minhas
primeiras aproximações a essa totalidade elaborei a presente dissertação.
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