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Participação política e o empoderamento das comunidades remanescentes dequilombo no Maranhão: a experiência da comissão de articulação das

comunidades quilombolas do município de Icatu

Janete Schubert1

Diego Eduardo Dill2

Resumo

O presente trabalho discute a importância da mobilização e da participação política na reivindicação e garantia dedireitos relativos aos territórios quilombolas no Brasil. A investigação foi realizada na cidade de Icatu, no estado doMaranhão junto a Comissão de Articulação das Comunidades Quilombolas. A pesquisa de cunho qualitativo baseou-seem entrevistas com as lideranças, em observação participante da referida associação. No caso das comunidadesremanescentes de Icatu, a maioria delas não tem seus direitos básicos assegurados. Neste sentido, é importantemencionar que a referida comissão tem se constituído como um importante instrumento de luta política, reivindicandoseus direitos, a partir da conscientização da população, advocacy e articulação com a esfera nacional. Destaca-se aimportância de organizações políticas de base que propiciem a afirmação destes territórios e novas formas deresistência.

Palavras-chave: participação política; empoderamento; territórios quilombolas; movimentos sociais;resistência.

Introdução

O presente trabalho resulta da nossa convivência junto à Comissão de Articulação das Comunidades

Quilombolas do município de Icatu (CACQMI) no estado do Maranhão, igualmente da

possibilidade de conhecer alguns destes territórios quilombolas, no mês de janeiro de 2015. Nosso

contato nos incitou a refletir sobre a situação destes territórios e, por consequência, a importância da

participação política da CACQMI no município e na região.

O Brasil, como a maioria dos países latinoamericanos, é marcado pela concentração da riqueza e,

por consequência, pela desigualdade econômica e social. Estes processos se arrastam secularmente

e tem consequências muito graves para a nação, como a falta de acesso à educação, saúde, moradia,

lazer que atingem grande contingente de nossa população, muito embora, estas situações sejam

ainda mais graves em alguns estados e cidades.

1 Mestre e Cientista Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Professora do Centro de Ciências Humanas e Sociais da Universidade de Cruz Alta. E-mail: [email protected] Mestre, Jornalista, Professor do Centro de Ciências Humanas e Sociais da Universidade de Cruz Alta. E-mail:[email protected]

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Historicamente as regiões norte e nordeste, apesar de suas riquezas naturais e culturais, possuem

características menos favoráveis em outros âmbitos. Mesmo com a significativa mudança no perfil

da maioria dos municípios brasileiros nos últimos dez anos em relação à pobreza, muitas cidades,

lamentavelmente, ainda não conseguem oferecer as condições mínimas aos moradores, persistindo

situações graves de falta de acesso à água potável, transporte, moradia, comunicação, acessos

pavimentados, energia elétrica e alimentação adequada.

Se pensarmos em termos históricos a democracia no país é recente, temos o que tem sido

denominado de uma democracia frágil, por possuir baixos níveis de confiança institucional

(Moraes; Santos; Torrecillas, 2014). Além disto, o longo período de escravidão vivenciado e o

período ditatorial (1964-1985) deixaram marcas no imaginário social, vivemos muito anos sob a

égide da falta de cidadania e de direitos. Os “lugares” sociais eram bem marcados e as fronteiras

bem delimitadas, a elite que gozava de muitos privilégios não tinha interesse na diluição dessas

fronteiras, muito pelo contrário reafirmava e ostentava símbolos de distinção social (Bourdieu,

1984).

Conforme Fernandes (1964, p. 2) “a desagregação do regime escravocrata e senhorial se operou no

Brasil, sem que se cercasse a destituição dos antigos agentes de trabalho escravo de assistência e

garantias que os protegessem na transição para o trabalho livre”.

O que fica bem claro é que a abolição da escravatura libertou os negros “oficialmente”, mas que na

prática a discriminação e a submissão da população negra aos brancos continuaram na vida

cotidiana. Ignorados pela República, que se preocupou mais em trazer milhares de imigrantes

europeus com o indisfarçável objetivo de promover o branqueamento da população brasileira, os

negros e os mulatos acabaram por ser preteridos pelos imigrantes no mercado de trabalho. Nunca

houve por parte do governo ou da igreja qualquer preocupação com os negros e esses ficaram

esquecidos depois da escravidão, já que supostamente não serviam nem mais para trabalhar.

A discussão sobre a forma em que se daria a inclusão do povo negro na sociedade brasileira chegou

a ser pauta do movimento abolicionista, mas logo foi esquecida e este povo ficou relegado à

“própria sorte”. Logo após a abolição, muito morreram em condições de mendicância. No entanto,

este fato quase sempre é esquecido pela maioria, sobretudo, quando se aborda políticas reparatórias

ou afirmativas, este debate não é fácil e gera calorosas discussões, inclusive no meio acadêmico.

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O longo período de escravidão propiciou um imaginário do lugar social do povo negro, imaginário

que ainda não foi superado, ainda que o sociólogo Florestan Fernandes tenha prestado grande

contribuição com suas discussões acerca do denominado Mito da Democracia Racial.

Historicamente no Brasil durante a República Velha tivemos algumas revoltas, no campo o poder

hegemônico dos coronéis impulsionaram as populações a se aproximarem das alternativas

oferecidas pelos líderes messiânicos como José Maria (Contestado/SC), Antônio Conselheiro (Vaza-

Barris/BA) e Padre Cícero (Juazeiro/CE). Nos centros urbanos, o problema da exclusão era

visivelmente provocado por um governo ainda preso às tradições autoritárias e o perfil conservador

dos grandes proprietários. No entanto, a formação da classe operária – influenciada pelo ideário

socialista e anarquista – foi responsável pela formação dos primeiros movimentos grevistas e

levantes populares, como a Revolta da Vacina no Rio de Janeiro de 1904.

No Brasil os movimentos sociais organizados surgem com mais força partir do século XX,

influenciados pelas organizações operárias e pela mudança no perfil econômico do país, o

crescimento urbano e industrial inseriu novos grupos sociais dotados de interesses e demandas

políticas próprias.

Estes processos foram refreados durante a ditadura militar com o ato institucional número 5

conhecido como AI-5 que abolia a liberdade de imprensa, muitos jornalistas foram perseguidos e

mortos como o emblemático caso do jornalista Wladimir Herzog, os estudantes e os sindicalistas

foram vanguarda e exerceram uma importante forma de pressão neste período e, por isto, muitos

foram presos, torturados, exilados e mortos. Igualmente importante o movimento Diretas Já (1983-

1984) que congregava diferentes grupos sociais que lutavam pela eleição direta do presidente.

No período de abertura política ganham força os movimentos sociais no Brasil, um dos movimentos

de grande expressividade é o Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que surge

em 1984, ano em que realiza seu primeiro encontro em Cascavel (PR), neste ato centenas de

trabalhadores rurais decidiram fundar um movimento social camponês, autônomo, que lutasse pela

terra, pela Reforma Agrária e pelas transformações sociais necessárias para o nosso país.

A partir dos anos 90 vários coletivos tem se organizado na defesa de direitos como a terra, a

moradia, a saúde, ambientais organizando suas pautas e reivindicando seus direitos, ainda que

muitos destes tenham sido perseguidos e marginalizados, as populações historicamente excluídas

passam a organizar-se na defesa de seus direitos. As organizações não governamentais (ONG´s), os

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sindicatos, os partidos de esquerda e os setores mais progressistas da igreja católica desempenharam

um papel importante nestes processos de formação política.

Neste sentido, refere-se à importância da organização de movimentos sociais que geram maior

conscientazação e garantem avanços sociais em todos os campos, associa-se a isto a ideia de

participação política.

Neste sentido, destacamos a importância do trabalho desenvolvido pela Comissão de Articulação

dos Territórios Quilombolas do Município de Icatu (CACQMI), na organização da luta política e na

reivindicação de direitos. A CACQMI resulta de um longo processo de mobilização entre as

comunidades remanescentes de quilombo de Icatu, sua fundação surge da necessidade que as

lideranças identificam de organização política das comunidades, conscientização da população,

advocacy e articulação com a esfera nacional. Uma das pautas principais deste movimento é

justamente a luta pelo reconhecimento dos territórios quilombolas existentes no município de Icatu.

Conforme documentos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) de 2015,

“As comunidades quilombolas são grupos étnicos – predominantemente constituídos pelapopulação negra rural ou urbana –, que se autodefinem a partir das relações com a terra, oparentesco, o território, a ancestralidade, as tradições e práticas culturais próprias. Estima-se que em todo o País existam mais de três mil comunidades quilombolas”.

Muito embora, tenha sido prevista constitucionalmente em 1988, foi somente através do Decreto nº

4.887, de 20 de novembro de 2003, foi regulamentado o procedimento para identificação,

reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das

comunidades dos quilombos de que trata o artigo 68, do Ato das Disposições Constitucionais

Transitórias. A partir do Decreto 4883/03 ficou transferida do Ministério da Cultura para o INCRA a

competência para a delimitação das terras dos remanescentes das comunidades dos quilombos, bem

como a determinação de suas demarcações e titulações.

Existe uma fase anterior à abertura de processo junto INCRA, primeiramente é necessário a

certificação das comunidades junto a Fundação Cultural Palmares para depois iniciar a

regularização de um território quilombola, a qual compreende uma série de etapas que listamos a

seguir: a abertura do processo de processo junto ao INCRA; o início do estudo da área visando à

confecção do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID); a abertura do processo para

contraditório após a publização do RTID, a publização da Portaria de Reconhecimento que declara

os limites do território; o Decreto Presidencial que autoriza desapropriações privadas e os

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encaminhamentos a órgãos públicos que tenham posse; a desintrusão com notificação e retirada dos

ocupantes, e, finalmente, a titulação com a emissão do título de propriedade coletiva para a

comunidade.

A porta de entrada para acessar diversas políticas públicas é possuir a titularidade da terra, o que é

um processo lento, exige mobilização e conscientização das comunidades. Muitos territórios

quilombolas do município de Icatu poderiam estar sendo beneficiados pelas políticas públicas

voltadas para estes territórios, mas estes processos são morosos e como referiu uma das lideranças

“falta informação para as comunidades acessarem seus direitos”. Os territórios que possuem

titularidade acessam programas de fomento nacionais e internacionais como é o caso do território de

Jacareí dos Pretos/MA que conta com um projeto de horta comunitária parcialmente financiada pela

União Europeia.

Icatu, história e território

O estado do Maranhão é conhecido por sua riqueza cultural, as cidades apresentam uma diversidade

de festas juninas, religiosas e bumba meu boi. Além disso, também são comuns festas indígenas em

alguns municípios, como por exemplo, as festas do Mel, do Moqueado e Corrida da Tora em

Amarante do Maranhão.

Uma das manifestações culturais importantes é justamente de matriz afro-brasileira, reconhecida

como Patrimônio Imaterial do Brasil pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência

e Cultura (UNESCO) e pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico (IPHAN), é o tambor de

crioula, que mistura dança, canto e percussão de tambores.

Lamentavelmente o estado do Maranhão apresenta características bem menos agradáveis que sua

diversidade cultural e seu patrimônio histórico, o Estado possui as cidades com piores Índices de

Desenvolvimento Humano (IDH) do país.

A cidade de Icatu conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) possui

uma população estimada no ano de 2014 de 26.240 habitantes, o IDHM do município em 2010 era

de 0,546 que é considerado baixo, Icatu ocupa a 5253ª posição entre os 5.565 municípios brasileiros

segundo o IDHM. Está localizada na zona litoral norte da mesorregião do leste Maranhense e

microrregião da baixada oriental Maranhense. A cidade de Icatu é uma das vilas mais antigas do

Maranhão. A Vila de Icatu, inicialmente, chamou-se Arrayal de Santa Maria de Guaxenduba,

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denominação dada pelo seu fundador Jerônimo d' Albuquerque Maranhão. Adquiriu categoria de

Cidade em 1924.

Figura 1: Mapa do Brasil

Fonte: http://www.cidade-brasil.com.br/municipio-icatu.html

O município de Icatu possui características históricas e geográficas que nos permitem uma viagem

ao Brasil colonial, quem chega ao município tem esta impressão devido as suas construções

arquitetônicas, a tranquilidade de uma vila, aos moradores receptivos e atenciosos, o tempo parece

transcorrer de forma mais lenta. De outra parte, existem aspectos tristes do mesmo período, como a

desigualdade econômica, social e cultural que marca fortemente este espaço e as relações sociais

existentes.

Parece-nos, em certa medida, difícil retratar a cidade que com certeza não se encerra em uma

“identidade” única, talvez uma imagem metáfora nos levasse a pensar que existem muitas cidades

em um mesmo espaço-tempo. De acordo com fontes oficiais, Icatu possui um Índice de

Desenvolvimento Humano (IDHM) baixo, mas se nos detivéssemos apenas nesse aspecto, não

retrataríamos a cidade completamente. Paralelamente a isso, existe uma riqueza e patrimônio

imensuráveis, a história parece estar viva no olhar dos habitantes que são testemunhas da resistência

de um povo. Algumas construções, como a igreja da sede, datam do século XVIII. Enquanto tais

construções arquitetônicas nos contam histórias com suas paredes, janelas e tetos já corroídos pelo

tempo, os moradores nos contam a história com o jeito de olhar e retribuir um sorriso.

A cidade tem uma composição diferenciada de outras cidades brasileiras porque a maioria da

população reside na área rural, os acessos à sede não são pavimentados, em alguns territórios só é

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possível chegar com veículo tracionado, a distância das comunidades e a falta de pavimentação são

fatores que dificultam a mobilidade dos moradores.

Nos territórios quilombolas por nós visitados encontramos um povo que sofre e luta e não desiste,

apesar de não ter água potável, energia elétrica e, não raro, a comida ser escassa, sabe receber os

visitantes com sorriso estampado nos olhos, com vontade de conversar e saber de onde vêm os

“forasteiros”.

No caso das comunidades remanescentes de Icatu, a maioria delas não tem seus direitos básicos

assegurados, sendo que a maioria não tem acesso à água, transporte, comunicação, educação e

saúde. Além disto, existe um conflito relativo à identidade quilombola, alguns habitantes destes

territórios em Icatu não querem assumir a condição de ser um remanescente de quilombo porque

segundo nos disse uma das entrevistadas “eles não querem ser associados com escravos”. Este

conflito presente em alguns territórios faz com que não seja pacífico o encaminhamento do processo

de titularidade, a comunidade não consegue perceber esta questão como um direito.

Uma situação identificada nas entrevistas diz respeito à questão religiosa, mais especificamente a

atuação das igrejas pentecostais nos territórios. De acordo com os depoimentos, algumas destas

igrejas incitam os fiéis a menosprezar os cultos africanos, o que motiva muitos conflitos nas

comunidades. Os desentendimentos dificultam uma participação coesa nas reuniões e acabam

interferindo, inclusive, na solicitação de reconhecimento dos territórios. Tal situação foi referida por

uma liderança que diz ter sido acusada de forma pejorativa de “macumbeira” por outra moradora

praticante da religião pentecostal.

A Comissão de Articulação das Comunidades Quilombolas do Município de Icatu (CACQMI)

A pesquisa junto a CACQMI nos permitiu refletir sobre muitas situações deste município e, porque

não dizer do Brasil, mas, obviamente, nos concentraremos em tratar da importância do papel

político desempenhado pela CACQMI.

Conforme levantamento realizado pela CACQMI, o município de Icatu possui atualmente 32

comunidades autodeclaradas remanescentes de quilombo, atualmente 11 comunidades já possuem

certificação da Fundação Cultual Palmares (que é a fase anterior a abertura de processo no INCRA),

destas, 3 comunidades já ingressaram com o processo de titularidade da terra. Algumas

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comunidades não tem o certificado da Fundação Cultural Palmares, documento necessário para

ingressar com a solicitação de titularidade junto ao INCRA.

A comissão tem levado os interesses das comunidades às diversas esferas governamentais, visando

auxiliar no processo de titularidade e certificação destes territórios, além de propiciar espaços de

discussão sobre a situação econômica, política, social e cultural destes territórios.

Os integrantes da CACQMI definem-se como “desbravadores”. Em entrevista realizada, eles

relataram que caminhavam até sete horas seguidas para chegar a um território e fazer reunião com

as lideranças para a constituição da referida comissão.

Conforme documentos, a comissão de articulação das comunidades quilombolas do município de

Icatu (CACQMI) foi criada no dia 19 de junho de 2014, no salão São Francisco da Paróquia Nossa

Senhora da Conceição, neste ato foi realizada e eleição e posse da diretoria que foi conduzida pela

coordenadora da Associação das Comunidades Negra e Rural Quilombolas do Maranhão

(ACONERUQ-MA), senhora Maria José Palhano.

Como nos relatou a atual diretoria, a comissão é resultado de um longo processo de mobilização e

sua concretização deu-se através de reuniões e encontros organizados por todas as diretorias das

associações quilombolas do município. Nestes encontros, refletiu-se sobre as dificuldades e os

agravos dessas comunidades em vários contextos, surgindo assim a necessidade da formação da

comissão para organizar o trabalho e apoiar as diretorias.

Consta na ata fundacional da CACQMI os seguintes objetivos: a) trabalhar contra a exclusão das

comunidades negras; b) fazer resgate da história e documentar as raízes culturais das comunidades

que estão sendo esquecidas; c) fazer levantamento nas comunidades sobre a vida social a população

em questão; d) cursos de capacitação para os jovens e adultos, buscar escolas quilombolas, saúde,

água tratada, estradas, CRAS quilombola, transporte de qualidade para os alunos, creches, quadra

de esportes, calçamento das comunidades, projetos de moradias para as famílias carentes do

município. Trabalhar para o reconhecimento das comunidades quilombolas, explicar o que ser um

remanescente de quilombo; e) projeto de rádio difusão para melhorar a comunicação no meio rural

das comunidades quilombolas; f) levantamento junto a diretoria desta entidade sobre a organização

e documentação com parceria da ACONERUQ-MA e fundação Palmares nos ajudando a orientar

cada comissão como deve se organizar para conseguir projetos que tragam benefícios a estas

comunidades; g) buscar parcerias cm a Vale do Rio Doce, Alumar, outras empresas privadas,

entidades, poder público municipal, câmara de vereadores, governo federal e estadual como:

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ACONERUQ-MA, Fundação Palmares, Centro de Cultura Negra do Maranhão (CCN), Secretaria

de Igualdade Racial e outros Secretarias; h) buscar parcerias com as secretarias e empresas privadas

para conseguir um transporte traçado para comissão realizar o trabalho de desenvolvimento das

comunidades quilombolas de Icatu, devido a dificuldade de acesso a comunidades da zona rural.

A CACQMI mantém uma casa de apoio que serve como referência para valorização, acolhimento e

orientação para a comunidade quilombola e ajuda na organização dos movimentos feitos por cada

associação. A referida serve, ainda, para acomodar pessoas de toda comunidade negra que vem do

interior até a sede do município de Icatu.

Foto 1: Reunião da CACQMI na Casa de Apoio

Fonte: arquivo pessoal da autora

Em entrevista concedida por um dos representantes da comissão, ele relatou que, antes de

organização da comissão, muitas informações sobre as questões quilombolas não chegavam até o

município, impossibilitando que eles tivessem pleno conhecimento de seus direitos. A comissão

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promove uma reunião mensal para abordar os assuntos mais urgentes e realizar os

encaminhamentos. Cabe salientar que os membros da diretoria exercem a representação de forma

não remunerada. A base operacional da CACQMI é na casa de apoio, em que se realizam as

reuniões mensais, a elaboração e o arquivamento de documentos.

A CACQMI organizou nos dias 20 e 21 de março de 2015, na comunidade Quilombola de Batalha

em Icatu, Maranhão, o III Encontro das Comunidades Negras de Icatu, com o objetivo de propiciar

espaços de discussão e conscientização. O encontro, no qual estiveram presentes autoridades da

governança regional e nacional, serviu para reafirmar os compromissos da CACQMI perante a

comunidade e as diversas esferas de governança.

Apesar de sua breve existência, a CACQMI desempenha um papel muito importante com a

divulgação de informação que propiciam a melhoria dos territórios, através da defesa de direitos e

do trabalho de articulação entre a esfera municipal, estadual e nacional.

Foto 2: Encontro das Comunidades Quilombolas de Icatu- março de 2015.

Arquivo pessoal de Elida Carina Santo Torres

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Considerações finais

Certamente carece de muitas discussões a situação do povo negro na sociedade brasileira e ainda

tornam-se necessárias políticas reparatórias para que este povo alcance a dignidade e o respeito, os

quais lhe foram sequestrados desde sempre. Pesa sobre nossos ombros a responsabilidade da

extrema desigualdade étnica existente no país, em que a pobreza tem cor e o cárcere também. Fica-

se com a certeza de que pouco foi feito até agora para alteração deste quadro.

Quando se conhece a realidade da maioria dos territórios remanescentes de quilombos estamos

revisitando uma história que muitos de nós fizemos questão de esquecer, a história das mãos que

construíram esta nação e que rapidamente foram abandonadas a própria sorte, sendo responsáveis

por seu próprio destino. É inaceitável, sob qualquer ótica, que persistam condições como a falta de

acesso à água, educação, saúde, transporte, etc. nestes territórios, em uma perversa e desumana

lógica de exclusão.

Neste sentido, organizações como a Comissão de Articulação das Comunidades Quilombolas de

Icatu são de extrema importância, pois conseguem através dos processos de participação política,

dar visibilidade aos moradores destes territórios. Muito provavelmente sem estas organizações, os

territórios são alvos ainda mais fáceis de grandes empresas capitalistas transnacionais, pode-se

referir, no Estado do Maranhão e do Pará, o projeto Carajás que vem desarticulando e exterminando

muitas comunidades remanescentes de quilombo.

Apesar de sua recente criação a CACQMI desempenha um papel político muito importante, uma

vez que a participação política destas lideranças é uma ferramenta de empoderamento destas

comunidades; ao integrar processos como: conferências, seminários, fóruns, audiências,

assembleias comunitárias, etc. estas lideranças comunitárias compreendem os mecanismos de

acesso a determinadas políticas e assim conseguem atuar como multiplicadores destas informações

e agentes de mobilização e conscientização. Participar destes espaços de discussão em esfera

nacional permite as lideranças saber quais direitos garantidos constitucionalmente lhes são

negligenciados.

Referências bibliográficas

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