UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ - UECE CENTRO DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA - CCT
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM GEOGRAFIA – PROPGEO
NAIANA PAULA LUCAS DOS SANTOS
PAISAGENS DA CIDADE DE FORTALEZA: UM ESTUDO DA
RUA DOUTOR JOÃO MOREIRA A PARTIR DA
FOTOGRAFIA NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX.
FORTALEZA - CEARÁ
2014
NAIANA PAULA LUCAS DOS SANTOS
PAISAGENS DA CIDADE DE FORTALEZA: UM ESTUDO DA RUA
DOUTOR JOÃO MOREIRA A PARTIR DA FOTOGRAFIA NA
PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX.
Dissertação submetida ao Programa de Pós- Graduação em Geografia do Centro Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Geografia. Área de concentração: Análise Geoambiental e Ordenamento de Territórios de Regiões Semiáridas e Litorâneas Orientador: Dr. Otávio José Lemos Costa
FORTALEZA- CE
2014
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente à Deus pela saúde proporcionada a mim e
minha família durante toda a construção da pesquisa. “Obrigada Deus
por me proporcionar força e determinação.”
À minha família, à minha mãe, ao Gutiérrez Reges pelo apoio
emocional.
Agradeço à CAPES pelo apoio financeiro através da bolsa de estudos.
Aos amigos do mestrado, do laboratório e da vida.
Agradeço ao Prof. Dr. Marcelo e ao Prof. Dr. Josier pelas contribuições e
disponibilidade para participar da banca de qualificação e banca de
defesa desta pesquisa.
Agradeço ao meu orientador Prof. Dr. Otávio José Lemos Costa pela
calma e sabedoria durante a realização deste trabalho.
“Veja as mudanças das estações. Tudo muda na natureza,
também você e suas estações da vida. Abrace a mudança!
Eis que Deus está na aridez, nos novos começos, na
fecundidade e nas cores inconstantes da vida. Cada dia é
vivido com novas possibilidades. Cada momento é um
dom extraordinário. Você está justamente onde devia estar
neste instante. Este momento é tudo o que você tem.
Celebre-o!”
CHRISTINE A. ADAMS
RESUMO
O conceito de paisagem não está pautado apenas no sentido visual propriamente, mas sim em todos os sentidos e todas as maneiras pelas quais os sujeitos agem, e modificam o que está ao seu redor, pois isto é a própria reconstrução da paisagem. Nesta dissertação em um primeiro momento foi realizado um estudo do conceito de paisagem no campo da geografia cultural. Nesse sentido, sob o viés da geografia cultural foi compreendido o conceito de paisagem e suas inter-relações com outras áreas de estudos como as artes, a fotografia e a história local da cidade de Fortaleza. O principal objetivo desta dissertação é compreender a composição da paisagem da cidade de Fortaleza através de registros fotográficos monocromáticos da primeira metade do século XX. Os objetivos específicos se definem em: Identificar a relação existente entre paisagem e arte fotográfica no contexto da geografia cultural; Compreender o estudo da imagem fotográfica como um campo importante para pesquisas científicas; Verificar através das fotografias monocromáticas e estudos interdisciplinares junto a história da cidade a composição da paisagem na Rua Doutor João Moreira nas primeiras décadas do século XX;. Desse modo, o tema desta pesquisa possui um caráter relevante para a geografia e justifica-se pelas reflexões teóricas propostas e inseridas na perspectiva da geografia cultural. O recorte espacial desta dissertação é a Rua Doutor João Moreira, localizada no centro da cidade de Fortaleza. A pesquisa está pautada nas fotografias dos seguintes espaços urbanos: a Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, a Praça do Passeio Público, a Santa Casa de Misericórdia, a Antiga Cadeia Pública Municipal e a Estação João Felipe, logradouros estes localizadas na Rua Doutor João Moreira. O recorte temporal ficou determinado como a primeira metade do século XX, devido ao período ser repleto de transformações, modernizações e contradições na cidade de Fortaleza, todavia durante a contextualização histórica é possível fazer um resgate temporal também nas transformações ocasionadas na cidade nas últimas décadas do século XIX. Os significados da arte apresentam-se sob diversas interpretações, atuações e apropriações espaciais. Estas características podem contribuir para a compreensão da transformação da paisagem, através das modificações na composição espacial do urbano. Portanto, compreender as variadas concepções do conceito de paisagem mediadas pela arte através da fotografia monocromática da Rua Doutor João Moreira na primeira metade do século XX é o que propõe esta dissertação. Palavras-chave: Paisagem, Geografia Cultural, Fotografia, Rua Doutor João Moreira.
ABSTRACT
The concept of landscape is not guided properly only in the visual sense , but in every way and all the ways in which individuals act , and change what's around you , because this is the proper reconstruction of the landscape . In this dissertation at first a study of the concept of landscape was conducted in the field of cultural geography . Accordingly, under the bias of cultural geography was understood the concept of landscape and its interrelationship with other areas of study such as art , photography and local history of the city of Fortaleza . The main objective of this dissertation is to understand the composition of the landscape of the city of Fortaleza through monochrome photographic records from the first half of the twentieth century. The specific objectives are defined in : Identify the relationship between landscape and art photography in the context of cultural geography ; Understand the study of the photographic image as an important field for scientific research ; Check through the monochrome photographs and interdisciplinary studies at the city's history to landscape composition at Rua João Moreira in the first decades of the twentieth century, . Thus, this research has a theme relevant to the geography and character is justified by theoretical reflections and proposals placed in the perspective of cultural geography . The spatial focus of this dissertation is Rua João Moreira , located in the center of Fortaleza . The research is guided in the photographs of the following urban areas : the Fortress of Our Lady of the Assumption , the Public Promenade Square , Holy House of Mercy, Old Public Jail and Municipal João Felipe Station , these playgrounds located at Rua João Moreira . The time frame was given as the first half of the twentieth century , due to time be full of changes , upgrades and contradictions in Fortaleza , however during historical contextualization is possible to make a temporal redemption also caused changes in the city in the last decades of nineteenth century. The meanings of art are presented in various interpretations , performances and space allocations . These characteristics can contribute to understanding the transformation of the landscape , through changes in the composition of the urban space . Therefore, understanding the varied conceptions of the concept of landscape mediated through art monochrome photography Rua João Moreira in the first half of the twentieth century is what this thesis proposes . Keywords : Landscape , Cultural Geography , Photography , Rua João Moreira.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1- Mapa de Adolfo Hebster (1875) ............................................................................ 59
Figura 2- Recorte do mapa de Adolfo Hebster (1875) .......................................................... 60
Figura 3- Rua Doutor João Moreira ..................................................................................... 62
Figura 4- Casa do Doutor João Moreira ............................................................................... 64
Figura 5- Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção ........................................................... 67
Figura 6- Chafariz do Passeio Público ................................................................................. 72
Figura 7- Passeio Público .................................................................................................... 75
Figura 8- Passeio Público .................................................................................................... 77
Figura 9- Santa Casa de Misericórdia .................................................................................. 79
Figura 10 - Cadeia Pública Municipal ................................................................................... 84
Figura 11- Prédio da Estação João Felipe ........................................................................... 89
Figura 12- Estação João Felipe ........................................................................................... 90
Figura 13- Estação João Felipe ........................................................................................... 92
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 12
1. PAISAGEM: ORIGEM E TRANSITORIEDADE CONCEITUAL ........................................ 17
1.1 O CONCEITO DE PAISAGEM E A DIMENSÃO DA ABORDAGEM CULTURAL ATÉ A
DÉCADA DE 1970 ........................................................................................................... 17
1.2 O CONCEITO DE PAISAGEM NA GEOGRAFIA CULTURAL RENOVADA ............... 22
1.3 PERSPECTIVAS ATUAIS DO CONCEITO DE PAISAGEM ....................................... 29
2. O FOTOGRÁFICO E SUAS PARTICULARIDADES ....................................................... 36
2.1 A IMAGEM FOTOGRÁFICA ....................................................................................... 36
2.2 O ESTUDO FOTOGRÁFICO NA DIMENSÃO DE KOSSOY ...................................... 41
2.3 O MODELO METODOLÓGICO DE INVESTIGAÇÃO FOTOGRÁFICA ...................... 47
2.4 O PASSADO E O PRESENTE: A MEMÓRIA NA FOTOGRAFIA ............................... 50
3. A GEOGRAFIA VISUAL DA RUA DOUTOR JOÃO MOREIRA ....................................... 55
3.1 O RECORTE ESPACIAL E TEMPORAL .................................................................... 55
3.2 A RUA DOUTOR JOÃO MOREIRA ............................................................................ 58
3.3 A FORTALEZA NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO ................................................ 66
3.4 O PASSEIO PÚBLICO ............................................................................................... 71
3.5 A SANTA CASA DE MISERICÓRDIA ........................................................................ 78
3.7 A CADEIA PÚBLICA MUNICIPAL .............................................................................. 83
3.8 A ESTAÇÃO JOÃO FELIPE ....................................................................................... 87
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 94
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................... 97
ANEXOS ............................................................................................................................ 101
ANEXO A ....................................................................................................................... 102
ANEXO B ....................................................................................................................... 104
APÊNDICES ...................................................................................................................... 109
APÊNDICE A ................................................................................................................. 110
12
INTRODUÇÃO
A presente dissertação pretende tomar a imagem fotográfica como meio
que possibilite entender a paisagem, que é um desafio ainda posto na pesquisa em
geografia. A linguagem fotográfica permite que esta, enquanto procedimento
operacional possibilite a leitura de uma paisagem e assim seja utilizada pelos
estudos nas ciências humanas e principalmente em uma abordagem interdisciplinar
inserida no contexto geográfico.
Nesse sentido, para entender como se configurava o cotidiano da cidade
e as mudanças que ocorreram na paisagem de Fortaleza, serão analisadas
fotografias monocromáticas que retratam as primeiras décadas do século XX. Desse
modo, estudos contextualizados com o período retratado nas imagens possibilitam
diversas interpretações.
Esta dissertação pretende voltar-se para um estudo da Rua Doutor João
Moreira, localizada no centro da cidade de Fortaleza na tentativa de compreender a
paisagem a partir da fotografia das primeiras décadas do século XX, fotografias
estas selecionadas do arquivo pessoal de imagens de Miguel Ângelo de Azevedo –
o Nirez. Ao discutirmos o papel das formas simbólicas espaciais em uma
determinada paisagem, é notório perceber configurações que denotam práticas
relativas à memória.
Assim, iniciamos nosso processo investigativo elegendo algumas formas
simbólicas espaciais representadas a partir dos logradouros existentes na Rua
Doutor João Moreira, conforme estão representadas no Mapa 1. Corrêa (2007)
informa que “As formas simbólicas, materiais ou não, constituem signos construídos
a partir da relação entre formas, os significantes, os conceitos e os significados. As
formas simbólicas, no entanto, são sujeitas a interpretações distintas,
caracterizando-se por uma instabilidade de significados, por uma polivocalidade.” (P.
7, 2007)
O mapa 1- nos mostra a Rua Doutor João Moreira no ano de 2014,
situada no Centro da cidade de Fortaleza e também os logradouros que serão
trabalhados nesta pesquisa: Fortaleza Nossa Senhora da Assunção, Passeio
Público, Santa Casa de Misericórdia, Antiga Cadeia Pública e Estação João Felipe.
14
Desse modo, estes são os seguintes enfrentamentos:
QUESTIONAMENTOS
De que maneira a geografia cultural consegue compreender a arte fotográfica
como um campo de estudos norteado pelo conceito de paisagem?
Como as fotografias podem contribuir para o entendimento da paisagem?
De que maneira é possível entender a paisagem de alguns logradouros
situados na Rua Doutor João Moreira em Fortaleza a partir das fotografias
monocromáticas da primeira metade do século XX?
OBJETIVOS
Geral
Compreender a composição da paisagem da cidade de Fortaleza
através de registros fotográficos monocromáticos da primeira metade do século XX;
Específicos
Identificar a relação existente entre paisagem e arte fotográfica no
contexto da geografia cultural;
Compreender o estudo da imagem fotográfica como um campo
importante para pesquisas científicas;
Verificar através das fotografias monocromáticas e estudos
interdisciplinares junto a história da cidade a composição da paisagem na Rua
Doutor João Moreira nas primeiras décadas do século XX;
15
O tema desta pesquisa possui um caráter relevante para a geografia e
justifica-se pelas reflexões teóricas propostas e inseridas na perspectiva da
geografia cultural. Assim, esta pesquisa pode impulsionar outras análises, bem
como conduzir novas abordagens relacionadas aos conceitos geográficos.
O conceito de paisagem não está pautado apenas no sentido visual
propriamente, mas sim em todos os sentidos e todas as maneiras pelas quais os
sujeitos agem, e modificam o que está ao seu redor, pois isto é a própria
reconstrução da paisagem. Assim, se o indivíduo está inserido no seio de uma
cultura este age e pensa de maneira diferenciada, isso possibilita entender que os
sentidos são diversificados, podendo chegar a compreensão de que a paisagem não
é apreendida de maneira padronizada por todos os sujeitos que a compõem.
Dessa forma, justifica-se o marco temporal escolhido para esta
dissertação como as primeiras décadas do século XX, devido ao período de
transformações e efervescências na cidade de Fortaleza.
No capítulo 1 intitulado Paisagem: origem e transitoriedade conceitual
será abordado o estudo do conceito de paisagem inserido na geografia cultural, bem
como as transformações da geografia cultural tradicional para a geografia cultural
renovada e assim entender as perspectivas atuais do conceito de paisagem na
geografia e sua relação junto a outras áreas de estudo como a arte, a literatura, a
música, o cinema e a fotografia.
Nesse sentido, para estabelecer um referencial teórico ao trabalho,
conduzimos uma relação conceitual entre paisagem e cultura pela qual serão
realizadas análises a partir de autores como Sauer (2007), Berque (1998), Corrêa
(2007), Duncan (2007), Cosgrove (1998) e Meining (1976), para o método busco
esteio teórico em Merleau-Ponty (1999) para compor este primeiro capítulo entre
outros autores estudados durante o capítulo 1.
O capítulo 2 intitulado O estudo fotográfico e suas particularidades
pretende estudar a fotografia enquanto manifestação artística e também uma forma
de intervenção social que possibilita uma memória de momentos passados através
do registro da imagem.
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Nesse contexto, para a compreensão conceitual de fotografia e sua
relação interdisciplinar nesse capítulo busco esteio no pensamento de Dubois
(1993), Aumont (1993) e Barthes (1984). Kossoy (2012, 2004, 2009) possibilita uma
análise mais aprofundada de suas pesquisas neste capítulo, por meio do estudo
fotográfico e do modelo metodológico de investigação fotográfico e por fim no
capítulo é abordada a memória e a paisagem na fotografia.
O capítulo 3 chama-se A geografia visual da Rua Doutor João Moreira.
Nesse capítulo serão compreendidas as visualidades a partir das fotografias
monocromáticas da Rua Doutor João Moreira selecionadas no arquivo pessoal de
imagens de Miguel Ângelo de Azevedo – o Nirez 1, bem como será feita a
contextualização histórica da Rua e dos logradouros trabalhados nesta dissertação,
tendo como apoio teórico os trabalhos de Ponte (1999), Gylmar (2006), Aderaldo
(1998), Nogueira (1954) e outros autores já citados no capítulo 1 que trabalham com
o conceito de paisagem.
Desse modo, este capítulo possibilita a compreensão do contexto social,
histórico e cultural da cidade de Fortaleza no período de transição do século XIX
para as primeiras décadas do século XX. Assim, neste capítulo são feitas as
ligações entre o conceito de paisagem, a história da cidade e as fotografias
selecionadas por meio do recorte espacial e temporal desta dissertação.
1 Miguel Ângelo de Azevedo, conhecido por Nirez, cearense, jornalista, historiador e pesquisador em música
popular brasileira.
17
1. PAISAGEM: ORIGEM E TRANSITORIEDADE CONCEITUAL
A abordagem teórica é um esteio fundamental para aproximação de um
objeto de estudo. No presente capítulo será delineado o estudo de um conceito-
chave para a ciência geográfica, aqui apresentada por meio do conceito de
paisagem, conceito este inserido na geografia cultural junto a novas concepções
mediadas pela cultura e pelas artes.
A paisagem caracteriza-se como um dos conceitos mais antigos da
geografia, foi um dos primeiros temas desenvolvidos pelos geógrafos alemães e
franceses sob a óptica do conceito de cultura. Nessa abordagem, privilegiava-se o
caráter morfológico do conceito de paisagem e a cultura era compreendida por meio
das técnicas, dos utensílios, ou seja, dos aspectos materiais concretos, utilizados
pelo ser humano a fim de modificar o ambiente natural com o objetivo de torná-lo
mais produtivo.
Nesse sentido ao tentarmos fazer uma compreensão acerca do conceito
de paisagem, podemos verificar que tal conceito não está pautado apenas no
sentido visual, mas sim em todos os sentidos e todas as maneiras pelas quais os
sujeitos interferem e modificam o que está ao seu redor, pois isto sim é a própria
reconstrução da paisagem. Se o indivíduo está inserido no seio de uma cultura este
age e pensa de maneira diferenciada, desse modo os sentidos são diversificados,
podendo chegar a compreensão de que a paisagem não é apreendida de maneira
padronizada por todos os sujeitos que a compõem.
1.1 O CONCEITO DE PAISAGEM E A DIMENSÃO DA ABORDAGEM CULTURAL
ATÉ A DÉCADA DE 1970
O termo cultura teve suas primeiras análises de cunho geográfico, pelo
alemão Friedrich Ratzel. O termo cultura serviu de esteio conceitual para
investigação no livro Antropogeografia. Andrade (1992) afirma que a temática
enfatizava o papel do homem diante da natureza e consigo as relações entre a
sociedade e o meio.
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Na França, os estudos culturais tiveram destaque através de Paul Vidal
de La Blache, e assim como na Alemanha, ocorreu simultaneamente ao processo de
sistematização da Geografia como ciência acadêmica. Vidal de La Blache elaborou
o conceito de gênero de vida e estudou as relações que podem se formar entre o
homem e o meio mais especificamente entre a população e os recursos naturais.
Para La Blache, a cultura seria interligada pelas técnicas, instrumentos, e
maneiras de habitar que as sociedades utilizavam para modelar e compor a
paisagem. Assim, o meio físico exerceria uma ascensão sobre gêneros de vida, mas
os grupos humanos também poderiam interferir, dependendo de seu estágio
civilizatório, cultural e seu potencial desenvolvimento tecnológico.
Holzer (1994) explica que tanto os alemães quanto os franceses optaram
por estudar o conceito de paisagem. Para compreender esses estudos, a seguinte
citação explica sobre o conceito de paisagem na perspectiva alemã:
No caso dos alemães esta associação pode ser atribuída ao próprio termo “ Landschaft” , muito mais complexo que seu correlatos em inglês ou nas línguas latinas. Esta palavra alemã circunscreve uma área com elementos e conteúdos muito mais amplos do que podemos encontrar em outros idiomas, englobando toda uma região com suas complexidades morfológicas, e não se limitando, portanto, ao sentido estrito daquilo que se abarca com o olhar, à cena. (HOLZER, 1994, p. 52-53)
Já no ponto de vista da escola francesa de geografia a paisagem seria
entendida na seguinte concepção:
No caso do francês a associação vidalina é da paisagem com os “Pays”. Os dados obtidos a partir do estudo dos modos de vida regionais eram associados com as técnicas de projeção mais avançadas da época. A partir das cartas geográficas procurava-se, para áreas amplas, a identificação de características genéricas, tanto físicas quanto culturais, que se constituiriam nas paisagens típicas de cada região, individualizando-as em relação às outras. (HOLZER, 1994, p. 53)
Diante dessas explicações é necessário salientar que estas duas linhas
de pensamento possibilitaram um legado importante para outros e novos estudos
sobre o conceito de paisagem na geografia. Nesse sentindo, nesta pesquisa será
abordado o conceito de paisagem diante da geografia cultural.
No inicio do século XX a dimensão cultural do conceito de paisagem
estendeu-se até os Estados Unidos e adquiriu expressividade na década de 1920
através de Carl Sauer um dos precursores da Escola de Berkeley, escola esta que
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foi estruturada as bases da geografia cultural americana. Na tentativa de
compreender as relações do homem enquanto produtor da paisagem, Sauer (2007)
associava o homem e a cultura como agentes de transformação do ambiente
natural, conforme a afirmação seguinte: “A geografia cultural se interessa, portanto,
pelas obras humanas que se inscrevem na superfície terrestre e imprimem uma
expressão característica.” (2007, p. 22).
Além disso, Holzer (1992) informa que Carl Sauer estruturou a geografia
cultural, a partir das raízes alemãs e francesas, servindo suas formulações como
fundamento tanto para geografia cultural quanto para geografia humanista. Dessa
maneira entende-se que:
A geografia cultural implica, portanto, um programa que está integrado com o objetivo geral da geografia, isto é, um entendimento da diferenciação da Terra em áreas. Continua sendo, em grande parte, observação direta de campo baseada na técnica de análise morfológica desenvolvida em primeiro lugar na geografia física. Seu método é evolutivo, especificamente histórico até onde a documentação permite e, por conseguinte trata de determinar as sucessões de cultura que ocorreram numa área. Consequentemente a geografia histórica e geografia econômica se fundem numa só disciplina, interessando-se a segunda pelas áreas culturais presentes que procedem das anteriores. (SAUER, 2007, p. 25)
Diante dessas conceituações, nas décadas seguintes surgiram críticas ao
pensamento e legado saueriano acerca do conceito de paisagem e cultura. Alguns
autores afirmavam que a proposta de Sauer não consideraria o caráter subjetivo da
paisagem, pois o mesmo não era verificado e não fazia parte do contexto científico
de suas obras. Um dos principais críticos a concepção e pensamento saueriano foi
James Duncan. Logo, serão analisadas algumas críticas que Duncan fez ao
pensamento de Sauer e a concepção de cultura inserida no surgimento da geografia
cultural.
A inserção do conceito de cultura com caráter supra-orgânico foi adotada
por Sauer no surgimento da geografia cultural, por meio da influência de estudiosos
antropológicos:
A teoria da cultura enquanto entidade supra-orgânica foi esboçada pelos antropólogos Alfred Kroeber e Robert Lowie durante os primeiros 25 anos do século XX, sendo posteriormente, elaborada por Leslie White. A cultura era vista como uma entidade acima do homem, não redutível às ações dos indivíduos e misteriosamente respondendo a leis próprias. Além disso, foi essa visão de cultura que passou a dominar a geografia cultural. Essa perspectiva foi adotada especificamente por Carl Sauer ao se associar a
20
Kroeber e Lowie em Berkeley nas décadas de 1920 e 1930, sendo posteriormente transmitida para seus alunos. (DUNCAN, 2007, p. 24)
Pelo exposto, a cultura era apreendida como uma entidade supra-
orgânica com suas próprias leis pairando sobre os indivíduos e a sociedade. Mas
então o que realmente seria esse caráter supra-orgânico?
O supra- orgânico implica uma visão de homem como relativamente passivo e impotente. Se o individuo é considerado atomístico e isolado, então as forças aglutinadoras entre os homens devem ser externas a eles. Os supra- organicistas não entendem que a “cultura é o trabalho da humanidade; temos a impressão de que ela é autônoma (...)” (DUNCAN, 2007, p. 77)
Assim, a cultura seria absorvida como algo externo aos indivíduos, onde o
processo de canalização e interiorização seria feito de maneira totalmente
condicionante, gerando assim padronizações e até homogeneidades culturais.
Desse modo, sob este viés percebe-se que a cultura determinava as ações da
sociedade.
Ainda nessa perspectiva Duncan (2007) nos remete ao pensamento de
Kroeber acerca da cultura determinando as ações humanas como pode ser
observado na seguinte afirmação “não precisamos nos preocupar com o individuo
porque ele é um mero agente das forças culturais, um mensageiro levando
informação através das gerações e de lugar para lugar.” (2007, p. 68). Duncan
(2007) também informa que Leslie White foi outro autor que tentou ser mais coerente
em sua conceituação sobre cultura, todavia continuou na perspectiva de que a
cultura determinava as ações dos homens na terra, através do seguinte
questionamento: “Se o comportamento das pessoas é determinado pela cultura, o
que determina a cultura? A resposta é que ela própria se determina. A cultura pode
ser considerada como um processo sui generis.” ( 2007, p. 68)
A geografia cultural tradicional considerava a cultura como uma força
determinante das ações humanas, esse pensamento impossibilitou outros estudos
de cunho mais crítico como pode ser constatado:
Na medida que os geógrafos culturais consideram que a cultura seja uma força determinante, outros tipos de explicação não parecem ser necessários. Por isso, muitas questões importantes são excluídas. (...) Em suma, o mundo descrito pelos geógrafos culturais é um mundo no qual o individuo está em grande parte ausente, onde o consenso prevalece, onde os desvios são ignorados. É um mundo intocado pelos conflitos interculturais. Assim, a não - intencional consequência da teoria supra-
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orgânica tem sido desencorajar a investigação de importantes questões relativas à interação social, atribuindo explicações a uma entidade transcendental. (DUNCAN, 2007, p. 78-79).
O conceito de determinismo ambiental passou a soar análogo ao caráter
de determinismo cultural no qual as diferenças existentes no ambiente físico
poderiam condicionar a diversidade cultural existentes no planeta. Todavia, é
necessário enfatizar que a crítica existente corresponde ao entendimento que é
possível existir uma diversidade cultural localizada em uma área com o mesmo tipo
de ambiente físico, portanto isso mostra que a cultura é como uma colcha de
retalhos repleta de composições, sendo esta independente da constituição biológica
e determinista do meio físico.
Sauer (2007) reafirmou o conceito de paisagem como um importante
conceito chave da geografia assim como divulgou estudos vinculados à abordagem
cultural. Desse modo, é necessário salientar a contribuição do autor ao pensamento
geográfico, principalmente no que tange a perspectiva da geografia cultural, mas
deve-se também compreender que o entendimento de uma entidade supra-orgânica
torna-se um obstáculo a partir do momento que oculta as diversas relações sociais,
econômicas e políticas existentes em uma determinada cultura.
Desse modo, entende-se que a paisagem vinha sendo discutida em
busca da compreensão entre a sociedade e o meio circundante. Contudo, nota-se
que a geografia humana por bastante tempo negligenciou o caráter simbólico do
conceito de paisagem. Esta negligência é atribuída a um determinado momento pelo
qual a geografia alicerçou metodologicamente e epistemologicamente ainda mais
seus fundamentos e bases conceituais ao positivismo. Dessa forma, não era
realizada uma discussão embasada no conceito de paisagem em termos de um
humanismo que apresentava elementos simbólicos na espacialidade em geral.
Estas indagações tornaram possíveis novas discussões sobre o aporte
teórico do conceito de paisagem e possibilitou maneiras de pensar uma nova
geografia cultural. Contudo, é necessário e relevante analisar a importância da
geografia cultural tradicional para assim entender as transformações pelas quais
fizeram parte do desenvolvimento epistemológico do conhecimento geográfico.
Ou seja, esta dissertação irá aprofundar os estudos na perspectiva da
Geografia Cultural Renovada através da reflexão sobre a paisagem junto à fotografia
que é um desafio ainda posto na pesquisa em geografia. Pretende-se compreender
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como a linguagem fotográfica permite que esta, enquanto procedimento operacional
possibilite a leitura de uma paisagem e possa ser utilizada pelos estudos nas
ciências humanas e principalmente em uma abordagem interdisciplinar inserida no
contexto geográfico, para isto no próximo tópico serão aprofundados e embasados
os estudos conceituais sobre a paisagem na perspectiva da geografia cultural
renovada.
1.2 O CONCEITO DE PAISAGEM NA GEOGRAFIA CULTURAL RENOVADA
Os estudos inseridos nas concepções naturalistas e funcionalistas
pensadas entre os séculos XVIII até os anos de 1970 tornaram-se ineficazes para
estudiosos que começaram a pesquisar uma geografia não mais pautada, apenas
na objetividade, mas sim em uma interação construída a partir da subjetividade em
seus estudos.
A partir da década 1970, a geografia cultural passou por um processo de
renovação, o conceito de paisagem passou a ser inserido nas abordagens
geográficas agora com ênfase no caráter subjetivo acrescido ainda na análise do
significado.
Nesse contexto vale ressaltar que a geografia cultural foi incorporada de
maneira tardia entre os geógrafos brasileiros, devido ao pensamento tradicional que
impediu por certo tempo a expansão deste campo da geografia humana. Corrêa
(2007) informa que a partir da década de 1990, começou a ser percebido que a
diversificação cultural existente no território brasileiro se devia ao fato de sua
estruturação e formação no decorrer dos séculos e décadas ter sido promovida por
amplos processos de formação cultural, tornando possível perceber que o Brasil é
um excelente campo para estudos da geografia cultural.
Com a introdução da geografia cultural no Brasil durante a década de
1990, o conceito de paisagem passou a ser analisado de uma maneira mais
aprofundada inserido na geografia também com o viés cultural. Só para constatar
que na geografia tradicional a paisagem era pautada na objetividade do meio físico e
na racionalidade da interpretação do objeto de estudo. Assim:
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A cultura popular, negligenciada pela geografia brasileira, constitui-se em importante temática para a inteligibilidade do país. (...) Os significados das diversas práticas espaciais associadas ao cotidiano, envolvendo as coisas correntes, e as manifestações menos frequentes ou periódicas estão, com raras exceções, a serem evidenciados pelos geógrafos brasileiros. As festas e a música popular estão, entre outras manifestações, entre aquelas práticas merecedoras de atenção. (CORRÊA; ROSENDAHL, 2007, p. 17)
O Brasil é um país gigante e exala diversidade cultural, indicam-se alguns
temas interessantes para pesquisas e estudos sob a óptica investigativa geográfica
através de assuntos como:
(...) O caráter simbólico dos prédios, monumentos, praças, ruas, bairros, cidades e regiões; As trocas comerciais através dos mercados periódicos (feiras) e do comércio itinerante um estudo compreendendo a prática cultural no espaço e seus significados; A cultura popular em suas múltiplas manifestações e variação espacial; Os contatos e conflitos culturais resultantes do processo migratório interregional; A caracterização e delimitação de áreas culturais, inclusive áreas residuais e enclaves, num contexto de difusão de uma cultura com características globais. (CORRÊA, 1995, p. 16)
Na geografia cultural renovada a paisagem é carregada de significados e
percebida como um campo repleto de interpretações. Surge um conceito que
envolve a cultura, o significado e as práticas simbólicas engendrando novas formas
de compreensão da paisagem. Nesse contexto, Silva (2001) afirma que a geografia
cultural renovada possibilitou caminhos para os estudos de uma paisagem cultural
que não é unilinear e uniforme, mas sim múltipla e repleta de variações com
fragmentos temporais das sociedades.
Dessa forma, as manifestações populares, as religiões, os hábitos e até a
culinária são exemplos de manifestações culturais. É importante também ressaltar a
linguagem e a arte como símbolos culturais manifestados através das falas, dialetos,
escritas, desenhos e também sinais corporais. Assim, podemos entender que a
paisagem cultural é transformada e modelada a todo instante. O resultado dessa
modificação é fruto da ação humana nos lugares formando novas composições
espaciais.
Refletindo sobre as modificações na geografia cultural Corrêa e
Rosendahl (2007) discutem a relação entre geografia e fenomenologia. Referindo-
se ao período de transição da geografia cultural tradicional para a geografia cultural
renovada.
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No processo de renovação e revalorização da geografia cultural diversas influências se fizeram presentes. De um lado, a própria tradição saueriana e o legado vidaliano. De outro, a influência das filosofias do significado, especialmente da fenomenologia, e do denominado materialismo cultural de Raymond Williams (2007, p 12).
Nesses estudos, o método fenomenológico torna-se apropriado para a
transcrição do mundo enquanto cotidiano, implicando nas experiências vivenciadas
pelos seres humanos. As essências, as subjetividades a formação perceptiva são
favorecidas pelo método fenomenológico junto a valorização das experiências
humanas para a formação do conhecimento.
Algumas das compreensões e apreensões da fenomenologia podem ser
feitas por meio do pensamento de Merleau Ponty (1999) a partir da concepção
pautada na Fenomenologia da Percepção:
Toda vez que experimento uma sensação, sinto que ela diz respeito não ao meu ser próprio, aquele do qual sou responsável e do qual decido, mas a um outro eu que já tomou partido pelo mundo, que já se abriu a alguns de seus aspectos e sincronizou-se a eles. (1999, p. 291)
Deste modo, é entendido que a fenomenologia está pautada na
compreensão de significado. A percepção corresponde ao caráter a partir do mundo
vivido e de acordo com este entendimento sabe-se que descrever o espaço
propriamente dito com todas e somente suas características físicas é uma
abordagem imprópria para este trabalho, pois não privilegia a experiência humana
calcada nos estudos fenomenológicos.
A paisagem como percepção é trabalhada a partir das sensações e
experiências. O espaço e a paisagem são construídos em coletividade, no entanto
não se deve desconsiderar as experiências individuais dos seres humanos.
O mundo vivido é repleto de significações e repleto de experiências, por
isso existem compreensões diferenciadas da realidade em cada sujeito no planeta.
As experiências vividas diariamente em sociedade aguçam diferentes sentidos que
são dinâmicos e modificam-se com as diferentes maneiras de olhar e sentir o que
está ao redor. Ou seja, a paisagem não é estática, mas sim carregada de
movimentações que emanam dinamicidade de valores e sentidos.
Para o entendimento dos sentidos de apropriação da paisagem Rieper
(2007) explica que as características perceptivas são diferenciadas de um sujeito
para outro, através de alguns fatores, como os valores culturais e as experiências
25
vivenciadas pelos sujeitos. De acordo com o pensamento da autora, sensação e
sentimento são eventos relevantes no estudo da percepção, pois são estes que
individualizam, humanizam, dão cheiro, história pessoal, vida, à construção de um
espaço. Dessa maneira, relacionar essas sensações faz parte do processo de
formação e construção das paisagens.
Nessa perspectiva, a formação de imagens por experiência do vivido e a
paisagem podem ser trabalhados em uma perspectiva cultural. As linhas, cores,
ruas, avenidas, árvores que passam diante de nossos olhos diariamente são
aspectos apreendidos diretamente por fatores externos, mas nossos sentidos são
diferenciados, pois são carregados de modos de perceber diversificados.
Alguns estudiosos expressam manifestações a respeito do conceito de
paisagem. Entre eles destacam-se os estudos de Berque (1998), Cosgrove (1998),
Wagner e Mikesel (2007) e Meining (1976) os quais desenvolveram um
embasamento teórico- metodológico fornecendo instrumentos que possibilitam
reflexões no campo da geografia cultural.
Augustin Berque (1998) é um dos pesquisadores que contribuiu para o
entendimento do conceito de paisagem, este a concebe como “marca” e como
“matriz”. Para o autor a “paisagem marca” se concebe na expressão de uma
civilização, sendo produzida, formada e transformada pela sociedade, então a
“paisagem matriz” é justamente o processo de concepção do ato, ou seja, de
formação dos elementos da paisagem, que podem ser provenientes de papeis
simultâneos da paisagem marca e matriz. Desse modo, podemos entender que o
autor se propôs a investigar análise fenomenológica do conceito de paisagem.
Entende-se que a paisagem é marca porque exprime uma civilização e é matriz
porque participa dos esquemas de ação, concepção e participação.
Deste modo, o autor nos alerta para os sentidos diferenciados que estão
envolvidos no processo interativo de participação sujeito e paisagem:
De fato, o que está em causa não é somente a visão, mas todos os sentidos; não somente a percepção, mas todos os modos de relação do indivíduo com o mundo; enfim, não é somente o indivíduo, mas tudo aquilo pelo qual a sociedade o condiciona e o supera, isto é, ela situa os indivíduos no seio de uma cultura, dando com isso um sentido à sua relação com o mundo (sentido que, naturalmente, nunca é exatamente o mesmo para cada indivíduo). (BERQUE, 1998, p. 87)
26
No intuito de construir uma teoria para a leitura da paisagem, Cosgrove
(1998) busca compreensões que conduzam os geógrafos a metodologias mais
interpretativas do que morfológicas, fazendo emergir, a partir da configuração de
símbolos e signos, o verdadeiro significado da paisagem. O autor explica que o
conceito de paisagem não é apenas uma maneira de visualizar algo existente sobre
a superfície terrestre, mas sim uma composição do mundo em um momento que por
si só não é estático, mas carregado de movimentações e interpretações, conforme a
afirmação abaixo:
A paisagem sempre esteve intimamente ligada, na geografia humana, com a cultura, com a ideia de formas visíveis sobre a superfície da terra e com a composição. A paisagem, de fato, é uma maneira de compor e harmonizar o mundo externo em uma “cena”, em uma unidade visual. (COSGROVE,1998, p. 98)
Todas as paisagens possuem significados simbólicos porque é o produto
da apropriação e transformação do meio ambiente pelo homem. Cosgrove (1998, p.
108) afirma que “O simbolismo é mais facilmente apreendido nas paisagens mais
elaboradas – a cidade, o parque, o jardim – e através da representação da paisagem
na pintura, poesia e outras artes. Mas pode ser lida nas paisagens rurais e mesmo
nas mais aparentemente não-humanizadas paisagens do meio ambiente natural.”
Dessa forma, Cosgrove (1998) admite que a paisagem geográfica possui
significado simbólico , porque é produto da apropriação da natureza, na qual foi
modelada e impressa, ao geógrafo compete decodificar a paisagem aprendendo a
ler seus significados, assim o autor identifica dois tipos de paisagens:
- Paisagem da cultura dominante:
Quando falo em poder não quero me referir apenas ao sentido limitado de um grupo executivo ou de governo em particular, mas precisamente ao grupo ou classe cuja dominação sobre outros está baseada objetivamente no controle dos meios de vida: terra, capital, matérias-primas e força de trabalho. (...) Seu poder é mantido e reproduzido, até um ponto consideravelmente importante, por sua capacidade de se projetar e comunicar, por quaisquer meios disponíveis e através de todos os outros níveis e divisões sociais, uma imagem do mundo consoante com sua própria experiência e ter essa imagem aceita como reflexo verdadeiro da realidade de cada um. Este é o significado da ideologia. (COSGROVE, 1998, p. 111-112)
- Paisagens alternativas - Criadas por grupos não dominantes e dividem-
se em mais três eixos explicativos:
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a) Paisagens residuais – Existem a partir da reconstrução de paisagens
do passado.
b) Paisagens emergentes - As paisagens emergentes são provenientes
de novos grupos podem ter caráter transitório de existência.
c) Paisagens excluídas – Estão associadas às minorias e grupos como os
ciganos e minorias raciais e religiosas.
Os aspectos históricos e temporais também influenciam na construção de
determinada paisagem. Ou seja, a percepção e visualização da paisagem atual se
concretizam a partir dos vestígios acarretados de tempos distantes no passado ou
momentos presentes que influenciam na constituição da paisagem atual e
possivelmente a futura. Neste contexto, Wagner e Mikesell (2007) irão apresentar o
conceito de paisagem compreendido a partir do seu caráter simbólico:
Poucas paisagens culturais atuais são inteiramente produtos do trabalho de comunidades contemporâneas. A evolução de uma paisagem é um processo gradual e cumulativo tem uma história. Os estágios nessa história têm significados para a paisagem atual, assim como para as do passado. Além disso, as paisagens culturais atuais do mundo refletem não apenas nas evoluções locais, mas também grande número de influências devido a migrações, difusão, comércio e trocas. (2007, p. 39)
Desse modo, é entendido que não são apenas as civilizações modernas
que contribuíram e contribuem para o processo cumulativo de construção da
paisagem, mas também são as relações de sucessões temporais entre as
civilizações que possibilitam o surgimento de vestígios e resistências de
comunidades que já existiram e que ainda possuem importância para a
compreensão da paisagem.
Os seres humanos com suas capacidades cognitivas diferenciadas
também possuem compreensões de mundo diversas e consequentemente
apreensões heterogêneas da paisagem que o cerca. Um exercício interessante é
tentar perceber como a geografia pode saltar aos nossos olhos mesmo nos
exemplos mais simples ou interessantes do cotidiano, através das percepções
ligadas a visão, a audição, olfato, tato e paladar. Todavia, nunca possuiremos a
mesma impressão da paisagem, pois pensamos e interpretamos de maneiras
diferenciadas e raciocinar desta maneira significa dizer que a subjetividade permeia
uma relação coerente nos pensamentos, o que torna possível uma junção cabível de
diversas possibilidades no conceito de paisagem.
28
Perpassar o campo do visível, ou seja, algo que está a frente dos nossos
olhos e a partir daí compreender a gama de interpretações é o que propõe Meining
(1976), ao abordar várias interpretações diferentes de perceber a paisagem como:
natureza, habitat, artefato, sistema, problema, riqueza, ideologia, história, lugar e
estética.
A interação com a história é visível no objeto de estudo desta dissertação,
a compreensão da paisagem a partir das fotografias antigas de Fortaleza nos
remetem a um possível pensamento da paisagem enquanto história:
A paisagem é um depósito imensamente rico em dados sobre as pessoas e a sociedade que a criaram, mas esses dados devem ser colocados no contexto histórico apropriado se o desejo é que sejam interpretados corretamente. Portanto, a paisagem é também uma grande exibição das consequências, embora os laços entre as atitudes, decisões, ações e resultados específicos possam dificultar uma interpretação segura. Em qualquer caso, se a visão histórica intenta servir como curiosidade, reflexão ou instrução, a paisagem fornece infinitas possibilidades. (1976, p. 43)
Ao compreender a paisagem como estética, Meining (1976) nos esclarece
que a paisagem é um mistério e que nós seres humanos tentamos capturar e
apreender os significados, todavia é o artista que tenta por meio de suas obras levar
a compreensão destes significados, possibilitando assim a percepção da paisagem
como algo existente para além de ciência e inserida nas condições pessoais e
pensamentos individuais. O autor continua afirmando que:
No gênero da pintura da paisagem, podemos encontrar exemplos que expressam muitas das visões discutidas da paisagem: o poder e a majestade da natureza, a harmonia entre o homem e a natureza, a marca da história sobre a terra, o caráter detalhado dos lugares. Cada uma delas representa uma cuidadosa seleção feita pelo artista. Mas a “pureza” da forma da paisagem como estética é uma abstração, segundo a qual todas as formas específicas são dissolvidas na linguagem básica da arte: através de cor, textura, massa, linha, posição, simetria, equilíbrio, tensão. (MEINING, 1976, p. 44)
A paisagem cultural está pautada na compreensão da transformação da
paisagem em uma vitrine cultural que é modificada e também modelada a todo
instante. O resultado dessa modificação é fruto da ação humana que opera sobre o
meio físico a fim de engendrar uma nova paisagem.
A geografia como ciência não pretende compreender todas as
características internas de determinada cultura por si só, mas sim busca
29
compreender as modificações no (do) espaço por meio da cultura, pois se o homem
age interferindo em seu habitat ele produz e reproduz cultura. Assim, o sujeito é
quem produz as manifestações culturais e o mesmo age modificando o espaço.
Quando um grupo ou sujeito consegue perpassar e difundir cultura em outro
território que não seja o seu de origem, isto possibilita o processo de ampliação
cultural, ou seja, o processo de difusão cultural.
Desse modo, como propõe a nova Geografia Cultural o conceito de
paisagem permeia a transposição do campo de visibilidade para o campo dos
significados, através de interpretações nas quais o caráter subjetivo está entrelaçado
ao poder de compreensão de determinada paisagem.
Todo o aporte conceitual que foi colocado neste tópico, apesar de
representar apenas uma parte dos estudos referentes ao conceito de paisagem, nos
dá a ideia da importância, amplitude e complexidade que envolve o tema. Este
levantamento de base teórica e conceitual servirá para a compreensão dos estudos
atuais da paisagem nesta dissertação. Para isto serão analisados no próximo tópico
as novas perspectivas e estudos atuais do conceito de paisagem.
1.3 PERSPECTIVAS ATUAIS DO CONCEITO DE PAISAGEM
A ciência geográfica tentou nos últimos anos, avançar suas pesquisas
acreditando que seria possível “estudar o espaço sem reduzi-lo apenas à sua
dimensão material, lógica e formal” Marandola (2003, p. 6). Desse modo, o grupo
vinculado à uma linha de pesquisa renovada da tradição saueriana iniciaram estudos
de relações entre a Geografia com a Literatura, a Psicologia, as Artes Plásticas; a
relação entre a fenomenologia e a geografia é incontestável, pois, propôs questões
filosóficas importantes, levando a discussão epistemológica.
Nesse contexto, muitas perspectivas de análise têm sido propostas para
compreender as muitas transformações existentes no espaço geográfico, Destaca-
se, nessa abordagem, o interesse pelos estudos de uma variedade de temas
relacionados à cultura popular, à etnia, ao gênero, à religião, bem como diferentes
manifestações artísticas. Assim a geografia cultural atual torna-se cada vez em
destaque a partir de estudos antes invisíveis pela seara geográfica:
30
A geografia cultural é atualmente uma das mais excitantes áreas de trabalho geográfico. Abrangendo desde as análises de objetos do cotidiano, representação da natureza na arte e em filmes até estudos do significado das paisagens e a construção social de identidades baseadas em lugares, ela cobre numerosas questões. Seu foco inclui a investigação da cultura material, costumes sociais e significados simbólicos, abordados a partir de uma série de perspectivas teóricas. (MCDOWELL ,1996, p.159)
Ao debater sobre a dimensão cultural são relacionados todos os aspectos
existentes no espaço, pois a cultura perpassa todas as dimensões existentes sejam
estas físicas ou humanas e a partir daí compreende-se o conceito de cultura inserido
no espaço geográfico. Neste sentido Corrêa; Rosendahl (2007) nos informam que:
Nesses caminhos podem ser considerados tanto a dimensão material da cultura como a sua dimensão não-material, tanto o presente como o passado, tanto objetos e ações em escala global como regional e local, tanto aspectos concebidos como vivenciados, tanto espontâneos como planejados, tanto aspectos objetivos como intersubjetivos. O que os une em torno da geografia cultural é que esses aspectos são vistos em termos de significados e como parte integrante da espacialidade humana. (2007, p. 13)
Além disso, é necessário enfatizar a inserção na geografia cultural de
temáticas relacionadas à literatura, a música, a pintura, a fotografia e os filmes que
se destacam entre outros campos que foram retomadas ou surgiram diante das
transformações sociais, políticas, econômicas e culturais vivenciadas na geografia.
É nesse contexto que ocorre a reelaboração dos conceitos e ampliação
dos temas da abordagem cultural, assim como as mudanças e sua renovação.
Corrêa; Rosendahl, (2007) informam que isto pode ser verificado e exemplificado em
periódicos como Géographie et Cultures e Ecumene que, ao lado do mais antigo
Journal of Cultural Geography, contribuem, a partir da década de 1990, para
proliferar conhecimento da crescente produção da pesquisa cultural geográfica. O
Brasil, também possui um destaque importante através do Núcleo de Estudos e
Pesquisas sobre Espaço e Cultura, criado em 1993, e o periódico Espaço e Cultura,
criado em 1995, que traduzem o interesse de analisar temáticas variadas sobre
estudos culturais.
Nessa perspectiva Corrêa (1995, p. 4) afirma que “Paisagem cultural é o
conjunto de formas materiais dispostas e articuladas entre si no espaço como os
campos, as cercas vivas, os caminhos, a casa, a igreja entre outras, com seus
estilos e cores, resultante da ação transformadora do homem sobre a natureza.”.
31
Para exemplificar esses novos estudos, Corrêa (1995) nos remete a um
estudo sobre a paisagem dos cemitérios das grandes cidades brasileiras. O autor
informa que na entrada principal dos cemitérios, junto à rua ou à praça, estão os
túmulos das pessoas ricas e prestigiadas da cidade, com acabamentos em mármore
ou granito e ornamentados com símbolos imponentes. Um pouco mais atrás, estão
os túmulos dos indivíduos de classe media, com acabamentos mais simples e
baratos. Na periferia do cemitério, um pouco mais distante da entrada principal, de
acessibilidade mais difícil estão enterrados, as vezes sem nenhum jazigo, os
indivíduos das classes mais populares e menos abastardas. Desse modo, Corrêa
(1995) explica que a paisagem dos cemitérios também reproduz o status social que
os sujeitos tiveram em vida e continuam sendo reproduzidos após a morte, isto foi
compreendido através de um estudo de perspectiva funcional e simbólica nos
cemitérios, desse modo, torna-se mais evidente que estudos como este possam ser
feitos sob a perspectiva geográfica cultural.
Cosgrove (1998) explica que por bastante tempo a geografia deixou
escapar muito do significado existente na paisagem humana, tendendo a reduzi-la a
uma impressão impessoal de forças demográficas e econômicas. É nessa
perspectiva que devemos pensar sobre a ideia de aplicar aos estudos da paisagem
humana algumas das habilidades interpretativas que possuímos ao estudar um livro,
um poema, um filme ou um quadro, e a partir daí trata-la como uma expressão
humana intencional com muitas camadas de significados. Deixar essa estranheza de
lado e partir para novos campos de estudos é o que propõe o autor ao difundir suas
pesquisas geográficas pelo mundo.
Armando Corrêa da Silva (1991), realça o valor da subjetividade a partir
do método fenomenológico: “A Fenomenologia pode ser considerada como aspecto
da teoria do sujeito. Como tal, deve apreender a forma aparente e real, o conteúdo
aparente e real ao nível das ideias, dos sentimentos, das representações, do
comportamento, e principalmente, da vivência.” (SILVA, 1991 p. 54)
Hissa (2002) enfatiza o processo de construção pessoal e histórico de
formação de ações que impulsionam a composição do olhar do sujeito, para
exemplificar melhor pode ser observado na seguinte passagem: “(...) Não há um
olhar que se desvencilhe do passado, por mais imediato que esse se faça em
relação ao presente. Do mesmo modo, não há um olhar supostamente objetivo que
desconsidere o pensamento organizado anteriormente.” (2002, p.181)
32
Entendendo que o olhar torna-se uma razão fundamental para pensar o
cotidiano e que apesar das imagens tornarem-se cada vez mais parte desse
universo, a presente dissertação busca visualizar paisagens em uma determinada
área de Fortaleza, cujo registro e reprodução de imagens são objetos de análise
nesta pesquisa. As imagens fotográficas da rua Dr. João Moreira nos levam a
pensar que o espaço urbano manifesta-se diversificado, repleto de apropriações
físicas e comportamentais diferenciadas o que torna possível o processo criativo de
manifestações culturais.
Estas manifestações estão inseridas na gama de polivocalidades e
diversificações manifestadas no espaço. A polivocalidade se constitui na trama de
várias vozes no qual existe um paradoxo sensível na maneira como os sujeitos
entremeiam sociabilidades e ao mesmo tempo, vinculam através de registros
históricos o seu cotidiano.
Para compreender a concepção de paisagem na perspectiva do urbano
são discutidas as afirmações colocadas por Carlos (2007), ao relacionar as
percepções existentes na paisagem e o papel desta enquanto produção espacial.
Conforme observaremos na seguinte citação:
(...) Fechemos os olhos e deixemos nossa imaginação andar pela cidade. O que vemos? Inicialmente o perceptível é o concretamente visível: prédios, casas, ruas. Bairros que se sucedem de forma diferenciada, pois são desiguais entre si. Na grande metrópole podemos falar da favela, dos bairros de classe média, dos bairros arborizados de onde se vislumbram grandes muros rodeando mansões. Mas também podemos recordar que existe o boteco da esquina, a padaria, o supermercado, a vendinha, o clube, alguns prédios industriais de vários tamanhos e estilos, bancos, etc.(CARLOS, 2007, p. 35).
Portanto, podemos perceber que as construções existentes no urbano
são diferentes e possuem composições temporais diversificadas. No presente
trabalho, é interessante o exercício de apreensão e percepção da paisagem a partir
das fotografias, através da visualização de imagens que remetem a um momento
vivo e existente na cidade.
Dessa maneira, Carlos (2007) afirma que a paisagem é uma composição
cercada de momentos e que para compreender as transformações existentes é
necessário perceber para além da aparência instantânea da paisagem.
33
Enquanto forma de manifestação do urbano, a paisagem urbana tende a revelar uma dimensão necessária da produção espacial, o que implica ir além da aparência; essa perspectiva da análise já introduziria os elementos da discussão do urbano entendido enquanto processo e não apenas forma. A paisagem de hoje guarda momentos diversos do processo de produção espacial, os quais fornecem elementos para uma discussão de sua evolução da produção espacial e do modo pelo qual foi produzida. (CARLOS, 2007, p. 36)
Assim, a cidade passa a ser um cenário que sustenta um conjunto de
sentimentos e reflexões. Dessa maneira, possibilita estímulos que dão origem a
construções de poéticas urbanas que podem ser estudadas também pelo viés
geográfico.
Para afirmar sobre as utilizações diversas e possíveis das paisagens na
cidade, Ferrara (2000) ressalta a gama de interpretações cabíveis das imagens no
espaço urbano:
Essas imagens geradoras e geradas pelo imaginário constituem os elementos de identificação dos lugares, porém são signos, representações, mediações de formas de relações do homem com o espaço; entendê-las é indispensável para reconhecer os lugares e suas histórias e, sobretudo, identificar as percepções acionadas pela cidade e os significados que, no plano mais abstrato e geral do urbano, ela é capaz de sugerir à mente que procura interpretá-la como matriz de um fluxo contínuo de vivências. Apreender essas mediações, identificá-las e interpretá-las é a tarefa da leitura urbana. (FERRARA, 2000, p. 124)
Assim, entende-se que a paisagem existe para além do próprio sentido
visual, sendo construída pelo observar diário repleto de surpresas conforme afirma
Ferrara: “Além do ver físico, simples sensação, há um ver inteligente a que se opõe
ao cotidiano como continuidade perceptiva. Observar é produzir descontinuidade
que desfaz o anonimato da vida diária.” (FERRARA, 2000 p. 125).
Pensar a cidade além de suas composições estruturais como os prédios,
as praças, as ruas, as avenidas, os carros e os muros de concreto, mas sim como
uma forma social, é encara-la como uma ligação e uma recodificação do cotidiano a
partir dos sentidos e significados permeados pelos sujeitos que compõem o espaço.
Todavia, a arte contemporânea tem promovido uma ampliação e
expansão de várias possibilidades criativas. Hoje a arte não é percebida somente
por uma linguagem como pintura, escultura, desenhos, mas sim existem várias
formas e diversas aplicações artísticas. Desse modo, decodificar as paisagens
visualizadas a partir das fotografias é o que se pretende neste trabalho. Estudos
34
como este estão sendo concebidos de maneira mais difundida, devido a proliferação
de temas na geografia cultural que possibilitam o caminhar da geografia em meio as
artes, aqui especificada através da fotografia.
Assim, pode-se entender que o ato de fotografar é uma prática cultural
entendida a partir de registros de momentos que nos remetem a memórias de um
passado como uma marca da existência de fatos que ocorreram, fatos estes que
podem saltar aos olhos a partir do momento em que as fotografias são visualizadas.
Dessa forma para compreender a relação entre o olhar, a paisagem e o
sujeito é possível exemplificar através do trabalho do fotógrafo contemporâneo o
esloveno Evgen Bavcar que é cego e seus trabalhos promovem debates sobre o
olhar que perpassa o campo do visível, o concreto e se expande para as sensações
mais subjetivas, dessa forma Evgen Bavcar informa que compõe o processo de
formação das imagens através de registro de sonhos e tenta experimentar os outros
sentidos como a audição para compor novas fotografias.
Outro exemplo inserido na mesma perspectiva é a fotógrafa americana
Amy Hildebrand que nasceu cega por causa do albinismo. Na infância e na
adolescência, ela passou por tratamentos médicos e passou a enxergar alguns
vultos e poucas cores. Apesar das limitações de sua visão, Amy necessita e possui
uma sensibilidade aguçada que promove a composição de suas imagens.
Estes exemplos foram trazidos para refletir e pensar em como relacionar a
geografia, os sujeitos, a fotografia e artes plásticas enquanto estudo sem se prender
apenas na analise objetiva dos mesmos, mas sim também enquanto objetos que
podem ser investigados sob a óptica geográfica envolvendo o caráter sensitivo.
Dessa forma, entende-se que não possuímos a mesma impressão da paisagem,
pois interpretamos de formas diferentes e assimilamos de maneiras diversificadas.
Todavia, participam desse processo de construção da paisagem, as ações
temporais que possibilitam a conservação de resistências e vestígios de civilizações
ou arquitetura e manifestações culturais que compõem e transformam a paisagem. É
necessário saber também que a paisagem não está pautada apenas no sentido
visual, mas sim em uma gama de apreensões existentes através de vários outros
sentidos perceptivos e principalmente na interpretação subjetiva do sujeito.
Os significados da arte apresentam-se sob diversas interpretações,
atuações e apropriações espaciais. Estas características podem contribuir para a
compreensão da transformação da paisagem, através das modificações na
35
composição espacial. Desse modo, assimilar a fotografia se apresenta como
manifestação artística e forma de intervenção social proporciona uma memória e
análise de momentos históricos que promovem análises perceptivas dos sujeitos
com seu entorno.
Portanto, no início deste capítulo foi abordado o processo de
transformação da geografia cultural tradicional em geografia cultural renovada.
Dessa maneira, foi compreendido que alguns trabalhos são elaborados a partir da
compreensão do conceito de paisagem no contexto geográfico humanista e da
geografia cultural renovada. Essas duas correntes de pensamentos tiveram o
arcabouço teórico calcado tanto na geografia americana, que influenciou os países
anglo-saxões, como na geografia francófona. Todavia, o desenvolvimento de ambos
os pensamentos geográficos se deu de maneira independente, a partir de
concepções diferentes, havendo relações mais próximas só a partir da década de
1970. Os estudos da geografia cultural no Brasil foram introduzidos apenas na
década de 1990 e consigo os estudos de paisagem, bem como os temas: religião,
etnias, festas e as artes, temas antes não visualizados por pesquisadores
geográficos, mas agora campos de estudos que são interessantes e repletos de
significados para a pesquisa geográfica.
Assim, após este breve resgate histórico de compreensão dos estudos da
paisagem na geografia cultural pretende-se aprofundar no próximo capítulo os
estudos da paisagem e fotografia, a história da fotografia. Por fim, atentando-se as
variadas concepções e interpretações da paisagem da Rua Doutor João Moreira em
Fortaleza, mediadas pelas fotografias monocromáticas do inicio do século XX.
36
2. O FOTOGRÁFICO E SUAS PARTICULARIDADES
As questões teóricas que envolvem a arte fotográfica e o estudo de
autores que discutem as transformações expressas nas dimensões espaciais e
temporais, bem como a natureza conceitual da fotografia são os assuntos principais
que norteiam este capítulo. Busca-se assimilar a fotografia enquanto manifestação
artística e forma de intervenção social que proporciona uma memória e análise de
momentos históricos dos sujeitos com seu entorno. Portanto, o embasamento
conceitual dos estudos fotográficos permitirá estudar as variadas concepções e
interpretações da paisagem da cidade de Fortaleza mediadas pela fotografia
monocromática do início do século XX.
2.1 A IMAGEM FOTOGRÁFICA.
Sobre a imagem e o estudo fotográfico Phillipe Dubois (1993) entende
que a fotografia pode ser compreendida através de três categorias: a primeira seria
a fotografia como espelho do real, a segunda seria a fotografia como transformação
do real, e a terceira a fotografia como um traço do real. “A foto é uma verdadeira
fatia de espaço - tempo.” (DUBOIS, 1993 p. 103).
Na primeira categoria se reconhece a fotografia como o espelho do real.
Este pensamento está inserido na capacidade e no discurso, no qual a fotografia é
considerada uma imitação perfeita da realidade. A técnica do fotógrafo e a mecânica
da máquina fotográfica permitiria o efeito da aparente realidade encontrada na
fotografia, compreendendo esta como um retrato fiel do mundo real através da
imagem.
Desse modo, a função de representar a realidade existente antes
designada apenas a manifestação artística da pintura torna-se também designada a
fotografia. Nesse sentindo o pensamento que se repassava era que a técnica
fotográfica permitiria uma reprodução da realidade e do mundo muito mais adaptada
do que a pintura. Nessa perspectiva, a fotografia é incumbida de ser a comprovação
dos fatos, a prova verídica das circunstâncias inquestionáveis, resultado objetivo e
imparcial da representação do mundo enquanto a pintura desprender-se-ia de suas
37
funções a priori e tornar-se-ia o produto subjetivo carregado de sensibilidade e
habilidades artísticas.
Desse modo, a fotografia como um grande trunfo traz consigo uma série
de discussões acerca da objetividade existente nas artes e a reprodução da
realidade a partir das técnicas que começavam a surgir cada vez mais modernas.
Assim, a segunda categoria de Phillipe Dubois (1993) reflete a
transformação do real pela fotografia. No entendimento transformação do real pela
fotografia, esta deixa de ser em sua totalidade inocente como quando era difundido
o pensamento da fotografia enquanto espelho do real. Assim, a apreensão da
naturalidade existente na imagem fotográfica passa a ser decodificada, pois a
fotografia antes entendida como uma reprodução neutra da realidade passa a ser
concebida como um agente codificado. Desse modo, essa concepção faz referência
a composição interna da imagem e traz a reflexão de que a sociedade seria
condicionada a uma maneira de olhar e que a imagem é composta por símbolos que
necessitam de decodificação. Esta categoria está pautada na compreensão de que a
fotografia é codificada sob os pontos de vista técnicos, estéticos, entre outras
análises.
A semelhança existente entre os objetos representados pelas fotografias
se deve ao fato de que essas fotos são produzidas em tais circunstâncias forçadas a
corresponder veementemente ao objeto proposto. Assim, a fotografia comprovaria a
existência de um fato, mas não o seu verdadeiro sentido. Sob o ponto de vista da
categoria da fotografia enquanto transformação do real entende-se que o fotógrafo
agora escolhe o tema, pensa o local e toma a imagem a partir das composições a
que se destina captura-la.
Dubois (1993) explica sobre a terceira categoria de estudo para
considerar a fotografia, esta seria um traço do real, sendo este o discurso do índice
e da referência. Mesmo havendo a noção da existência dos códigos presentes na
fotografia nesta concepção é inegável a transmissão do sentimento do real. Esta
categoria de certa forma faz um retorno ao referente, mas sem o caráter mimético
existente na primeira fase. “A fotografia é em primeiro lugar o índice, em um
segundo momento ela pode se tornar parecida ao seu referente, o que seria ícone e
assim adquirir sentido, ou seja, tornar-se símbolo.” Dubois ( 1993 p. 53). Nessa
perspectiva para a imagem ser capturada enquanto representação do objeto, a
máquina e objeto devem estar no mesmo momento, tornar objeto representado.
38
Estas três categorias aqui apresentadas, contribuem para a construção do
entendimento fotográfico. Algumas mais incisivas do ponto de vista teórico do que
outras, contudo todas possibilitam uma maior amplitude de conhecimento nas
concepções e estudos da fotografia.
A partir do constructo teórico no que diz respeito a conceituação
fotográfica, a dissertação aqui proposta pretende compreender a partir das
composições fotográficas como eram apresentadas as paisagens existentes na Rua
Dr. João Moreira localizada no centro da cidade de Fortaleza e assim apreender a
composição das paisagens da cidade.
O processo de capturação de um fragmento espaço - temporal na
fotografia manifesta-se e torna-se visto como um amplo e rico recorte, carregado de
significados, discursos, lembranças, nostalgias, alegrias e tristezas todos inseridos
em um contexto social e cultural que remetem ao período em que as imagens foram
capturadas.
Assim para Barthes (1984) a fotografia tem um papel importante, através
do registro do que já passou aquilo que não volta mais, um instante capturado pela
lente do fotógrafo e registrado para posteridade. Dessa maneira, a fotografia
materializa uma necessidade de fixar e registrar momentos.
Então, pensar apenas o corte no tempo e no espaço inserido na fotografia
leva a reflexão da passagem do tempo e do espaço na fotografia como algo que
está ali congelado no processo evolutivo da vida, nesse sentido a imagem tornaria o
momento petrificado. Todavia, refletir sobre o corte temporal produzido a partir do
ato fotográfico é entender a redução da fatia do tempo a um simples instante
produzido através da fotografia.
Na tentativa de explicar essa reflexão Phillippe Dubois (1993) faz um
comparativo entre o fotógrafo e o pintor. A película que é trabalhada pelo fotógrafo é
fotossensível e esta recebe, absorve e revela a imagem de uma vez só, o contrário
do pintor que trabalha progressivamente na imagem confeccionada na tela e aos
poucos esta vai se construindo, fazendo entender que onde o fotógrafo corta o pintor
compõe a imagem. O pintor pode intervir e modificar a todo o momento sua
construção de imagem, enquanto o fotógrafo trabalha com outro tipo de composição
temporal, pois após a capturação e revelação da imagem tudo estaria em seu ponto
final que não possibilitaria mais uma mudança. É claro que estas concepções feitas
pelo autor não levaram em conta os programas mais modernos que surgiram para
39
transformação e novas composições fotográficas, todavia deve-se salientar a
importância dessas reflexões pertinentes.
Na tentativa de decodificar o mistério que é a fotografia junto a aparente
imagem estática e a carga de subjetividade por trás da imagem Roland Barthes
(1984) entende que nem sempre as fotos se concretizam na mensagem que
pretendem passar, pois existem fotos que simplesmente não transmitem nenhum
sentimento para o autor. Todavia, existem aquelas que transmitem sentimentos ao
sujeito que a observa. Assim, o leitor da fotografia estará sempre ligado a duas
categorias explicadas por Barthes (1984) que seria o studium e o puctum. Aguçar o
olhar sem, no entanto exercitar a imaginação dada pelos sentidos sensoriais que a
imagem desperta é o studium. Atravessar aquele que olha e assim perpassar o
campo do visível através dos sentidos e sentimentos seria o puctum. Quando
Barthes trabalha com essas categorias, principalmente com o puctum ele remete a
questão da subjetividade no entendimento conceitual.
Assim, Barthes (1984) exemplifica o papel da fotografia enquanto registro
de um período através de uma cena de uma época, mostrando como as pessoas se
comportavam e se vestiam como eram caracterizadas a paisagem no período da
foto. Para Barthes (1984) a fotografia explicaria melhor do que a pintura o cenário
existente e visualizado na fotografia.
Sobre a percepção visual Jacques Aumont (1993) compara o ato de ver
do olho humano com o principio da câmara escura, na qual nesta última a luz é
refletida por um orifício e através do princípio de captura esta forma uma imagem na
parede do fundo da câmara. Para Aumont (1993) isso é muito parecido com o
mecanismo do olho humano no qual a luz é percebida na retina e a maneira como o
olho vê torna-se muito parecida com o processo realizado pela máquina fotográfica.
Aumont tenta entender a relação da percepção visual e a comparação entre o ver
através do olho humano e ver através da câmera.
Sobre a percepção das imagens Aumont (1993) destaca o entendimento
da dupla realidade destas, pois numa imagem visual como uma pintura e uma
fotografia percebe-se em muitos momentos um arranjo espacial semelhante ao
existente em um cenário real. Entende-se assim como um processo simultâneo da
percepção como um fragmento da superfície plana e como fragmento do espaço
real. Assim o autor afirma que não há imagem sem percepção da imagem, ou seja,
ela necessita de um espectador que a decodifique e de algum sentido a imagem.
40
Deste modo, para o autor também é importante entender que na
percepção visual é importante ter clara a percepção espacial. A visão de um objeto
pede informações importantes da paisagem e dos objetos que compõem a cena,
bem como noções como textura e perspectiva seriam informações relevantes para a
composição das imagens. Pensar do ponto de vista técnico a captura da imagem
relaciona-se ao entendimento do dispositivo da máquina fotográfica bem como os
modos e técnicas de enquadramento, tamanho da imagem, luz e velocidade.
Aumont (1993) explica a imagem através de três conceituações: a
imagem abstrata, a imagem expressiva e a imagem aurática.
A primeira conceituação seria a imagem abstrata, o autor explica que esta
categoria relaciona-se com a arte abstrata e que muitas vezes, essa arte se
configurou pela contramão das ideologias dominantes, possibilitando pensamentos
mais livres aos artistas.
A segunda conceituação abordada é a imagem expressiva. Esse tipo de
imagem induz o espectador ao emocional. Os elementos expressivos na obra de
arte remetem os sentidos históricos, contextuais e a individualidade e pensamentos
do espectador.
A terceira conceituação seria a imagem aurática, na qual essa aura pode
ser entendida como uma atmosfera que a obra de arte transmite ao seu espectador.
Assim o autor entende que a arte primeiramente foi religiosa, tentando e desejando
uma aproximação com o sagrado. Todavia, essa aura foi transformando seu valor e
passando por vários contextos históricos na qual a moldaram.
Neste sentido, Aumont (1993) entende que a imagem produz sensações
diversas no espectador, mas o gostar ou desgostar da arte estaria atrelado as
questões ideológicas e dependeria do que o espectador consideraria artístico.
É necessário salientar a importância das concepções, conceituações e
pensamento de Aumont e dos outros autores abordados neste subtópico para o
entendimento das obras de arte e imagem.
Assim a fotografia tem a capacidade de marcar um tempo e um espaço
em um instante e ainda consegue ultrapassar esse espaço – temporal, através de
sentimentos íntimos e profundos como chorar, sorrir e rememorar histórias.
41
2.2 O ESTUDO FOTOGRÁFICO NA DIMENSÃO DE KOSSOY
A imagem fotográfica seria um produto técnico e cultural no qual a
obtenção do registro fotográfico se encontra relacionada diretamente ao processo de
criação que da origem da fotografia é o que pensa Kossoy (2012), dessa maneira
esse processo possibilita refletir sobre a imagem fotográfica enquanto meio de
conhecimento através de suas utilizações e aplicações. Neste tópico serão
abordados os estudos acerca do entendimento metodológico e conceitual da
fotografia a partir do pensamento de Kossoy (2004, 2009, 2012).
A fotografia que gera a imagem é resultado de um processo criativo
inserido na elaboração fotográfica. A construção da imagem fotográfica se dá pela
conjuntura existente do mundo real que se materializa na imagem através de seus
muitos códigos culturais e ideológicos. Dessa maneira, para entender as fotografias
é necessário buscar o contexto no qual elas estão inseridas. Ao estudar esses
documentos visuais percebe-se o grau de complexidade epistemológica na tentativa
de compreender os processos que fazem parte da composição fotográfica como os
elementos que constituem e possibilitam o entendimento da imagem fotográfica.
Assim como as demais fontes de informação históricas, as fotografias não podem ser aceitas imediatamente como espelhos fiéis dos fatos. Assim como os demais documentos elas são plenas de ambiguidade, portadoras de significados não explícitos e de omissões pensada, calculadas, que aguardam pela competente decifração. Seu potencial informativo poderá ser alcançado na medida em que esses fragmentos forem contextualizados na trama histórica em seus múltiplos desdobramentos (sociais, políticos, econômicos, religiosos, artísticos, culturais enfim) que circunscreveu no tempo e no espaço o ato da toma do registro. ( KOSSOY, 2009, p. 22)
Assim a história da fotografia está inserida no âmbito do passado
histórico, do avanço das técnicas, da concretização desta enquanto veículo de
comunicação até a expansão comercial através das indústrias voltadas para a área
específica das fotografias.
As apreensões e transformações no uso da fotografia foram acontecendo
no decorrer do tempo, a sensação transmitida era que as pessoas no mundo
pareciam mais familiares e próximas após a disseminação do conhecimento
fotográfico. Essa proximidade era acarretada devido a proliferação de conhecimento
de realidades existentes em outros lugares, estas realidades agora visualizadas
42
através das fotos, antes eram transmitidas apenas através da escrita ou via oral por
meio do repasse das histórias de fatos e momentos que aconteceram, assim como o
registro das imagens era feito apenas através de desenhos e pinturas. Kossoy
(2012) afirma que por meio da reprodução das técnicas fotográficas em grande
escala e das revelações das fotos feitas em papel proliferou-se outro tipo de
conhecimento e aprendizagem do real.
Para Kossoy (2012) a fotografia é uma arma susceptível a manipulação,
entretanto os espectadores que visualizavam as fotos viam nesta a exibição da
realidade tal qual uma espécie de verdade absoluta resultado apenas da
imparcialidade fotográfica. Assim, o autor questiona o que seria a imagem
fotográfica? “A imagem fotográfica é o que resta do acontecido, fragmento
congelado de uma realidade passada, informação maior de vida e morte, além de
ser o produto final que caracteriza a intromissão de um ser fotográfico num instante
dos tempos.” (2012 p. 39).
Desse modo, a imagem fotográfica pode se prestar a intencionalidades
através de utilizações interesseiras:
É necessário admitirmos que a imagem fotográfica pode se prestar a utilizações interesseiras- o que não é nenhuma novidade-, justamente em função de sua pretensa credibilidade enquanto registro visual “neutro” dos fatos. Sempre houve um condicionamento quanto à certeza de a fotografia ser uma prova irrefutável de verdade. (KOSSOY, 2009, p. 133)
O autor continua seus questionamentos através de uma reflexão crítica
sobre a credibilidade que se atribui a um registro fotográfico:
Apesar de toda a credibilidade que se atribui à fotografia enquanto “documento fiel” dos fatos, rastro direto do real etc., devemos admitir que a obra fotográfica resulta de um somatório de construções, de montagens. A fotografia se conecta fisicamente ao seu referente, - e esta é uma condição inerente ao sistema de representação fotográfica – porém, através de um filtro cultural, estético e técnico, articulado no imaginário de seu criador. (...) (KOSSOY, 2009, p. 42- 43)
A fotografia seria resultado da ação do fotógrafo que em um determinado
espaço-tempo preciso definiu um assunto específico e utilizou uma máquina
fotográfica suficientemente capaz de captar a imagem fotográfica. Kossoy (2012)
informa que três elementos são relevantes para a efetivação fotográfica. Os
elementos seriam estes: o assunto, o fotógrafo e a tecnologia.
43
É necessário inserir a fotografia em um contexto junto a outras fontes
bibliográficas para entender e interpretar o que está para além da imagem e assim
tentar chegar ao entendimento do acontecido que se propaga na aparente fotografia.
Kossoy (2012) comenta um estudo pautado na interdisciplinaridade para
compreender as imagens.
(...) a proposição de um modelo metodológico de análise e interpretação das imagens fotográficas, entendidas como fontes históricas, modelo que tem sido adotado pelos pesquisadores e estudiosos, o que se confirma pela sua aplicabilidade em diferentes áreas das ciências humanas. (2012, p. 17)
Para o autor este documento deve ser fonte de estudo aliada a outras
referências, possibilitando assim o entendimento necessário para o pesquisador.
Desse modo, Kossoy (2012) confirma que existiu por bastante tempo certa aversão
em relação à utilização da fotografia enquanto fonte histórica ou instrumento de
pesquisas científicas. O autor explica duas razões para essa resistência:
A primeira é de ordem cultural: apesar de sermos personagens de uma “civilização da imagem” – e neste sentido alvos voluntários e involuntários do bombardeio contínuo de informações visuais de diferentes categorias emitidas pelos meios de comunicação – existe um aprisionamento multissecular à tradição escrita como forma de transmissão do saber, como bem esclarecia Pierre Francastel décadas atrás nossa herança livresca predomina como meio de conhecimento científico. A fotografia é, em função dessa tradição institucionalizada, geralmente vista com restrições. (2012, p. 32)
Desse modo, a primeira razão estaria relacionada ao caráter cultural
atrelado a proliferação de conhecimento da escrita da palavra. Para o autor isto
gerou de certa forma um condicionamento intelectual que perpassa séculos
vinculados única e exclusivamente ao principal meio de comunicação existente e
como fonte principal de transmissão do saber os livros. Para Kossoy (2012) esse
seria um dos motivos para relutância da fotografia enquanto embasamento e fonte
de pesquisas científicas.
A segunda razão decorre da anterior e diz respeito à expressão. A informação registrada visualmente configura-se num sério obstáculo tanto para o pesquisador que trabalha no museu ou arquivo como ao pesquisador usuário que frequenta essas instituições. O problema reside justamente na sua resistência em aceitar, analisar e interpretar a informação quando esta não é transmitida segundo um sistema codificado de signos em conformidade com os cânones tradicionais da comunicação escrita. (2012, p. 32)
44
A segunda análise está relacionada também a uma prática cultural,
devido à atitude frequente de compreender a fotografia através de padrões ou
explicações pré-estabelecidas. As informações registradas a priori como
esclarecimentos já codificados sobre a fotografia ou o objeto de arte que está em
foco acarretaria problemas posteriores, pois quando esta informação não é
transmitida a priori de acordo com o sistema tradicional da escrita isso desencadeia
outro problema. Ou seja, a existência de uma análise prévia já decodificando o que a
fotografia deseja transmitir seria a segunda razão para a dificuldade de apreender a
fotografia enquanto fonte de pesquisa científica.
Pautado no embasamento teórico- metodológico de Boris Kossoy (2012)
na análise técnico - iconográfica são considerados relevantes para a pesquisa as
fontes históricas, os conhecimentos escritos, as histórias transmitidas via oral, bem
como objetos que representam o período retratado nas imagens fotográficas e
possibilitam os estudos de identificação dos documentos.
Situa-se este estudo no nível técnico e descritivo, o qual fornecerá elementos seguros e objetivos para a interpretação. Aqui foi englobado, de uma certa forma aquilo que a metodologia clássica da história denominou crítica externa, exame que não tenho conhecimento de ter sido desenvolvido anteriormente em relação as fontes fotográficas. De qualquer forma consideramos ser este um exame especifico para o entendimento das fontes fotográficas. É a natureza do documento que interessa nesse estudo o ser do documento – compreender o documento. (2012, p. 77)
Assim, a fotografia não explica todo o passado, mas sim uma cena diante
de todo o contexto sociocultural que a imagem está inserida.
A imagem é antes de tudo uma representação elaborada a partir do real
que parte a priori do olhar do fotógrafo para uma posterior análise subjetiva do
sujeito que a observa.
O contexto particular que resultou na materialização da fotografia, a história do momento daquelas personagens que vemos representadas, o pensamento embutido em cada um dos fragmentos fotográficos, a vida enfim do modelo referente – sua realidade interior – é todavia, invisível ao sistema óptico da câmara. Não deixa marcas no dispositivo fotossensível, não pode ser revelada pela química fotográfica, nem tampouco mostrada pelos recursos eletrônicos. Apenas imaginada. (KOSSOY, 2009, p. 133)
As fotografias possibilitam refletir sobre os lugares e sujeitos que
caracterizam e formam a paisagem. Participam da composição da paisagem as
45
ações do tempo, o acúmulo histórico, a arquitetura e as manifestações culturais. É
necessário informar também que a paisagem não está pautada apenas na
visualização de um lugar, mas sim em uma gama de apreensões existentes através
de outros sentidos perceptivos e principalmente na interpretação subjetiva do sujeito
diante da paisagem.
A paisagem que nos cerca exemplificada através dos monumentos
arquitetônicos existentes e os objetos históricos podem ser compreendidos como
fatia ou parte de uma realidade do presente ou do passado. Os indícios existentes
na imagem fotográfica são as pistas inerentes ao próprio documento. Kossoy (2004)
informa que as representações fotográficas possuem em si mesmos conhecimentos
e dados do real, desse modo, são instrumentos de grande valor em uma pesquisa
pautada na interpretação e entendimento fotográfico.
Nesse sentido, as imagens fotográficas devem ser analisadas a partir de
metodologias compatíveis e assim se constituíram como fontes de pesquisa para a
investigação de cenários e memórias de vida.
Os indícios são as pistas, os vestígios existentes nas imagens
fotográficas que se tornam importantes junto a referências bibliográficas que
permeiam o campo de estudos em diversas áreas como a geografia, a antropologia,
a histórica entre outras, possibilitando a ampliação dos estudos do sentido na
imagem fotográfica. São informações que são repassadas através da forma escrita e
visual que tornam possíveis entender as paisagens geográficas e a história por trás
do registro fotográfico.
Ainda nesse sentido uma evidência fotográfica pode fornecer vestígios de
algo que na verdade não aconteceu ou ocultar através da adulteração do real
sentindo na imagem. Nessa perspectiva Kossoy (2004) explana sobre o modelo de
análise interpretativa para compreender as fotografias.
O modelo que proponho tem por base um conjunto de conceitos que estabelecem os fundamentos teóricos e é erigido segundo pressupostos metodológicos de análise e interpretação pensados especificamente para a fotografia como documento e representação; um modelo que visa à desmontagem do signo fotográfico seja no plano técnico e iconográfico seja na sua dimensão cultural e ideológica. (2004, p. 229)
Desse modo, entende-se que a fotografia vai além do que se mostra
realmente. O assunto fixado na imagem tem sua própria explicação, uma história
46
existente não necessariamente e nem sempre explicita na imagem fotográfica.
Como um mistério determinado no espaço e no tempo que corresponde a própria
imagem. Kossoy (2004) nos alerta que isso característico da fotografia, mostrar algo
existente, todavia seu significado consegue ultrapassar o que está posta na imagem
fixa.
Existe um conhecimento implícito nas fontes não verbais como a fotografia; descobrir os enigmas que guardam em seu silêncio é desvendar fatos que lhe são inerentes e que não se mostram, fatos de um passado desaparecido que imaginamos, em eterna tensão com a imagem presente que vemos no documento: realidades superpostas. Existe, sim, um pensamento plástico como afirmava Francastel. Não raro, memória, informação, propaganda, testemunho e ficção se confundem numa única imagem. Seguir decifrando essa forma de conhecimento é o desafio que nos move. (2004, p. 232)
Nesse sentido, nesta dissertação será trabalhado um conjunto de
imagens intitulado Álbum Vistas do Ceará do ano de 1908, bem como fotografias
avulsas que retratam os principais logradouros situados na Rua Doutor João
Moreira. Nesse contexto, nas primeiras décadas do século XX, a cidade de
Fortaleza vivenciava o período intitulado Belle Époque período este repleto de
mudanças comportamentais e arquitetônicas na cidade de Fortaleza.
Desse modo, as fotografias retratadas do período selecionado nesta
pesquisa demonstram o poder aquisitivo das classes mais abastardas da cidade de
Fortaleza, estas fotografias poderão ser visualizadas no capítulo 3 desta pesquisa.
Nesse sentido, Kossoy (2009) explica que fotografias dirigidas com
temáticas específicas contribuíam para uma leitura dirigida de determinadas cidades
espalhadas pelo mundo. Nesse sentido, o Álbum Vistas do Ceará foi publicado na
França com exaltação das paisagens dos belos lugares existentes na cidade de
Fortaleza.
No Brasil essas imagens encomendadas também foram produzidas. Tratam-se de imagens encomendadas que, se por um lado, se prestavam para a fixação da memória, por outro, tinham em geral, um finalidade promocional, propagandística, financiadas por instituições oficiais ou empresas privadas interessadas em divulgar um certo tipo de progresso. Imagens que exaltam o material, mas que em geral minimizam, ou mesmo omitem, o social. ( KOSSOY, 2009, p. 82)
Desse modo, o autor comenta que essas imagens são construídas para
se propagar uma ideia ou um ideal de progresso em um determinado lugar, pois
47
dependendo de como a fotografia tenha sido elaborada e multiplacada em milhares
de cópias seria aquela a imagem repassada para outros que poderiam não conhecer
aquele lugar e assim teriam a impressão de progresso e poder, escondendo as
mazelas existentes, mas que ali não foram retratadas, assim a fotografia se
prestando a ideologias bem como se apropriado de seus diferentes usos.
2.3 O MODELO METODOLÓGICO DE INVESTIGAÇÃO FOTOGRÁFICA
Para a fundamentação metodológica que direcione caminhos que
delineiam etapas a se cumprir, busca-se esteio nos trabalhos desenvolvidos por
Kossoy (2012) com o intuito de compreender as fotografias que serão trabalhadas e
o contexto no qual elas estão inseridas em uma pesquisa científica.
O autor informa que para entender as fotografias é necessário o
entendimento do contexto na qual a imagem está inserida e a busca desse
entendimento se faz através de estudos situados também junto a outras fontes
bibliográficas que proporcionem o embasamento científico para a construção da
pesquisa.
Existem diferentes modelos e tipos de fontes que contribuem para a
construção investigativa da fotografia, diante desse raciocínio Kossoy (2012) traz
informações sobre quatro grandes categorias possíveis para um estudo investigativo
e seriam estas: as escritas, as iconográficas, as orais e os objetos. Diante desta
subdivisão feita pelo autor é importante discorrer um pouco mais sobre as fontes
iconográficas que estão subdivididas em fontes iconográficas originais e fontes
iconográficas impressas. A seguinte explanação aborda o entendimento sobre fontes
iconográficas originais:
As fontes iconográficas originais – em especial as fotográficas que nos interessam diretamente – referem-se às fotografias de época, as quais se encontram em coleções públicas e privadas, muitas vezes em antiquários e sebos de descendentes dos fotógrafos. (2012, p. 73)
Dessa maneira, as fotografias originais possibilitam informações
importantes e promovem o contato direto do pesquisador junto às imagens. Para as
fontes iconográficas impressas existem mais três sub-categorias que seriam: as
48
publicações que contenham imagens fotográficas, os desenhos representando
objetos e fatos relacionados à práxis fotográfica e as caricaturas acerca da atividade
fotográfica estampadas em periódicos.
Ainda nessa linha de raciocínio Kossoy (2012) explica sobre a trajetória e
a procedência do documento fotográfico. Assim, para a construção da pesquisa
seria interessante buscar e envolver a trajetória do documento fotográfico na
pesquisa, na tentativa de compreender a origem, ou seja, de onde veio o documento
fotográfico, todavia isso nem sempre é possível, pois nos deparamos diante da
imprecisão das informações que são repassadas de arquivos públicos, pois muitas
fotografias podem não possuir um catálogo oficial e até mesmo pesquisas anteriores
podem não ter sido realizadas no sentido de auxiliar no embasamento da pesquisa
científica. Entretanto, isso não significa que a pesquisa não possa ser realizada, é aí
que entra o papel do pesquisador aguçando o sentido investigativo para entender as
informações através de uma interdisciplinaridade.
Nesse sentido, o autor continua a explicar que ao selecionar as imagens
abordadas em uma pesquisa torna-se necessário entender sobre a análise técnica e
a análise iconográfica. Assim, para o autor a análise técnica seria o estudo a
investigação do artefato a explicação de cunho técnico; a análise iconográfica seria
o estudo das informações a análise do conteúdo da imagem. Nesse sentido,
A separação entre análise técnica e análise iconográfica dá-se apenas para efeito didático. Na prática, esta dupla análise (que corresponde ao exame técnico-iconográfico) se realiza conjuntamente, e seu resultado será tanto mais rápido e eficaz, quanto maior for a experiência do pesquisador, quanto mais intensa for sua convivência com as fontes fotográficas. É justamente pelo contínuo cruzamento das informações implícitas e explícitas do documento como um todo que se poderá reconstituir o processo que culminou com a materialização iconográfica de um artefato fotográfico num particular lugar e época. (2012, p. 81).
Para o autor a fotografia não é uma imagem indiscutível da realidade,
mas sim uma criação de um autor - o fotógrafo que pode excluir ou incluir conteúdos
na cena. Assim, o ato realizado pelo fotógrafo envolve variados interesses como os
sentimentos, vontades e criatividade advindas primeiramente do criador da imagem.
Deve-se por outro lado entender que a imagem fotográfica é um meio de conhecimento pelo qual visualizamos microcenários do passado; contudo, ela não reúne em si o conhecimento do passado. O exame das fontes fotográficas jamais atingirá sua finalidade se não for continuamente alimentado de informações iconográficas (necessárias aos estudos
49
comparativos) e das informações escritas de diferentes naturezas contidas nos arquivos oficiais e particulares, periódicos da época, na literatura, nas crônicas, na história e nas ciências vizinhas. (2012, p. 82)
Assim, o autor atenta para possíveis pistas que possam surgir e auxiliar o
campo investigativo da pesquisa científica estas pistas nas imagens seriam os
nomes de ruas, os cartazes, os prédios e as mudanças na arquitetura entre outras
fontes que não podem passar despercebidas pelo pesquisador diante das
fotografias. Desse modo, chega-se ao pensamento e junção de informações:
Somente pelo contínuo cruzamento das informações existentes (implícitas e explicitas) nos caracteres externos e internos do objeto - imagem poder-se-á determinar com precisão os componentes do processo que geraram essa fonte histórica. Qualquer que seja a fotografia a ser submetida ao exame técnico- iconográfico, a inter-relação entre os caracteres externos e internos deve ser constantemente realizada. (2012, p. 91)
Para auxiliar a construção da pesquisa foi inserida uma sistematização de
informações e sugestão de roteiros pautados na concepção metodológica de Kossoy
(2012).2 Nesta pesquisa foram utilizadas as seguintes etapas do roteiro: I.
Identidade do documento e características individuais e II. Informações referentes ao
assunto.
Desse modo, é necessário informar que no roteiro metodológico original
existem mais duas etapas que não foram utilizadas nesta pesquisa, as etapas
seriam estas: III. Informações referentes ao fotógrafo e IV. Informações referentes à
tecnologia. Estas duas etapas não foram utilizadas, pois esta dissertação não
realizou um estudo pautado nos fotógrafos e na tecnologia que foi aplicada nas
imagens, mas sim na identidade do documento e nas informações contidas nas
imagens, ou seja, nas informações referentes ao assunto e na sua contextualização.
Nesse sentido, esse roteiro auxilia enquanto modelo de sistematização das
informações para identificar o documento fotográfico, possibilitando informações
importantes para o estudo técnico-iconográfico.
Nesta proposição investigativa, a fotografia junto ao estudo da paisagem
poderá contextualizar uma trajetória de imagens ao longo de um período histórico da
cidade de Fortaleza. Busca-se a compreensão através da fotografia revelando a
paisagem, levando o observador a entender possibilidades, contextos sociais,
históricos e econômicos presentes na imagem.
2 Segue no Anexo A desta pesquisa a sugestão de roteiro metodológico de Boris Kossoy (2012).
50
2.4 O PASSADO E O PRESENTE: A MEMÓRIA NA FOTOGRAFIA
Quando nos deparamos diante de uma fotografia o que realmente
vemos? A nossa compreensão da imagem fotográfica é influenciada por várias
compreensões de mundo em nossa mente, derivadas estas de nossas experiências
e imaginações. A fotografia nunca é totalmente imparcial, pois a primeira
visualização existente foi a do fotógrafo que registrou o ato fotográfico, seja de
maneira espontânea, seja incumbido desta tarefa.
Nesta dissertação, serão trabalhadas fotografias do início do século XX
na busca de compreender a paisagem da Rua Doutor João Moreira. Nesse
entendimento quando se visualiza uma fotografia, principalmente as mais antigas é
necessário refletir sobre a trajetória da fotografia e lembrar que atrás de toda
fotografia existe uma história. Kossoy (2012) explica que a trajetória fotográfica é
percorrida através de três estágios bem definidos. A primeira seria a finalidade para
que ela exista de fato, esta finalidade pode ter sido do fotógrafo que se viu instigado
a fotografar o acontecido de maneira espontânea ou então foi incumbido e pago
para fotografar tal fato. A segunda intenção seria a materialização da fotografia. A
terceira intenção seriam os caminhos pelos quais essa fotografia ainda vai percorrer.
Nessa terceira intenção vale lembrar sobre os caminhos percorridos e:
(...) As mãos que a dedicaram, os olhos que a viram, as emoções que despertaram os porta-retratos que a emolduram, os álbuns que a guardaram, os porões e sótãos que a enterraram e as mãos que a salvaram. Neste caso seu conteúdo se manteve, nele o tempo parou. As expressões ainda são as mesmas. Apenas o artefato, no seu todo envelheceu. (2012, p. 47)
Assim a imagem fotográfica é uma forma de conhecimento na qual
podemos visualizar alguns cenários do passado, todavia as imagens não reúnem
por si só o total conhecimento do passado. Kossoy (2012) questiona se existe
melhor exercício para reviver o passado que a apreciação solitária de nossas
próprias fotografias?
A fotografia e o passado associados levam a refletir e relembrar dos
momentos que já foram vivenciados através de uma experiência visual dos seres
diante da imagem de si próprio, por meio de fotografia de diversas ocasiões seja dos
51
momentos mais comuns do cotidiano assim como momentos importantes que já
foram vividos no passado.
Quando o homem vê a si mesmo através dos velhos retratos nos álbuns, ele se emociona, pois percebe que o tempo passou e a noção de passado se lhe torna de fato concreta. Pelas fotos dos álbuns de família, constata-se a ação inexorável do tempo e as marcas por ele deixadas (...) (2012, p. 112).
Esse pensamento nos faz refletir acerca da maneira como nos
envolvemos afetivamente com os conteúdos existentes nas fotografias, pois de uma
maneira ou de outra nos dizem respeito e através delas afloramos nossos sentidos,
voltamos ao passado, visualizamos como eram nossos amigos e como nós mesmos
éramos , assim os sentimentos afloram. Kossoy (2012) exemplifica como uma
espécie de viagem de volta ao passado sob a mediação da imaginação que
possibilita reconstruir os acontecimentos em nossa mente. Nos álbuns de famílias a
cada página que percorremos personagens nos saltam aos olhos e novos assuntos
rememoram em nossa imaginação, um meio que possibilita reconstruir uma trajetória
de vida através das fotografias.
A fotografia pode trazer de volta informações do passado, mas não
consegue compreender os significados em sua plenitude, ou seja, o entendimento
da realidade em sua totalidade como era no passado. Por trás da aparência ingênua
da fotografia existe uma carga de pensamentos ideológicos que podem manipular o
sentido espontâneo existente em uma fotografia.
Assim Kossoy (2012, p. 126) entende que “Embora a imagem fotográfica
se refira unicamente ao fragmento retratado, elas tendem a levar o receptor a
compreendê-las como expressão de toda uma realidade. Uma espécie de percepção
do fragmento como um todo”.
Um fragmento inserido na fração do espaço-tempo como uma interrupção
no processo evolutivo que se torna fixado na imagem como algo do passado. Assim
o fragmento constituindo uma cena este fica interrompido, mas em uma análise mais
profunda não diria que a imagem fica isolada em sua bidimensão, pois a partir do
momento que uma pessoa visualiza a fotografia esta sai do isolamento aparente e
transmite uma carga de significados que perpassam para além da imagem estática.
Da ingenuidade existente no olhar do espectador aos críticos e sensíveis
olhares existentes nos dias de hoje diante das imagens veiculadas a comerciais e
52
publicidades, percebe-se a fotografia inserida no contexto da transformação do ver a
imagem junto ao avanço das técnicas. Nesse processo se avança também os
mecanismos mais modernos que permitem a persuasão da imagem, induzindo o
espectador a pensar algo que nem sempre é a verdade intencional. Nesse
procedimento ocorrem distorções nas imagens com a finalidade maior de conduzir
as pessoas ao consumismo exacerbado, através da insatisfação diante dos objetos
que possuem, das roupas e até do corpo, estabelecendo e fixando padrões estéticos
divulgados e estabelecidos através das imagens publicitárias. Os estudos da
fotografia também devem se deter a entender essas linhas de pensamento que se
configuram na atualidade, mas não devem excluir o entendimento da fotografia
enquanto manifestação artística por muitas vezes desprendida da lógica capitalista.
Ao se tratar da memória deve-se informar que os dados que se
aglomeram na fotografia representam o acúmulo de sedimentos depositados pelo
tempo. Uma leitura sobreposta dos sujeitos que visualizam para além do processo
químico existente na revelação fotográfica é o que propõe Dantas (2000) em seu
entendimento sobre a fotografia e a memória.
As imagens cercam nosso cotidiano e nos devoram, seja em nossa casa
através da televisão, seja nas ruas através das placas e muros que se destacam
diante de nossos olhos, imagens estas que modificam e compõem a paisagem nos
espaços urbanos. Cenários que se tornam efêmeros pela rapidez com que mudam
em uma velocidade surpreendente. Paisagens que se formam com a finalidade
maior de sobressair as imagens diante das pessoas.
A imagem hoje está inserida no cotidiano das pessoas. Jornais, revistas,
manchetes na internet, muitas pessoas não imaginariam ler ou interessar-se pelo
conteúdo nesses tipos de comunicação se não existisse algum tipo de ilustração que
lhe remetam a situação descrita no contexto.
Cada fotografia guarda consigo uma história que representa um
acontecimento. Nas fotografias de família podem ser exemplificados os momentos
em que os laços ressurgem ou acabam sendo deixados de lado ao relembrar
momentos que fizeram parte da história sejam estes momentos tristes ou alegres. As
fotografias eternizam-se a partir do momento que elas repassam sentimentos ao
expectador.
Nesse sentido, refletindo sobre esse tema nos deparamos com ações
como a conservação e manutenção de imagens que nos remetem a histórias e
53
momentos do passado. Quando visitamos amigos e familiares muito íntimos em
alguns momentos nos deparamos com a visualização de fotos estampadas na sala
em porta-retratos ou até mesmo álbuns de famílias que nos são mostrados como
uma forma de contar a história de vidas através das fotografias. Fotos de quando
éramos crianças, de viagens, de aniversários em família são exemplos de momentos
que ficam registrados. As fotografias são guardadas para relembrar os momentos
que foram vividos, mas também em outros momentos essas fotografias podem
remeter sentimentos que não nos fazem bem e somos instigados a destruir imagens
que não mais nos agradam que relembram momentos tristeza ou raiva como uma
tentativa de apagar o passado e na certeza de que essas fotografias não irão mais
ressurgir diante do sujeito que a observa e não gosta mais do que vê diante de si.
Nesse sentido,
A relação entre paisagem e memória está assentada na geografia da percepção, na existência de um conjunto de signos que estruturam a paisagem segundo o próprio sujeito e refletem uma composição mental resultante de uma seleção plena de subjetividade, a partir da informação emitida por seu entorno.” (COSTA, 2003, p. 34)
A imagem aparentemente congelada consegue ser apreciada por outros
sujeitos e estimula também os sentidos afetivos e emocionais. Desse modo, esta
imagem dita como congelada só volta a ter um sentido se esta for descongelada por
algum espectador como uma peça na qual os atores voltam a cena misturam-se com
a plateia e saltam do momento em que foram cristalizados. A subjetividade é o que
promove este fato tão interessante para ser estudado junto a análise fotográfica nas
pesquisas científicas. Nesse sentido Kossoy (2012) afirma que:
O arrolamento de inúmeros fatos pouco contribuirá para a história se não se buscar suas conexões causais, se não houver um esforço de interpretação, que é obviamente subjetiva e nem poderia escapar de tal condição, posto que elaborada pelo homem. (2012, p. 150)
Dantas (2000) afirma que o ponto inicial para entender a realidade gerada
pela composição do documento fotográfico resultado do esforço empreendido pelo
investigador o sujeito em cena tentando descongelar, um documento marcado pelo
tempo e coberto por camadas densas de memórias. Nessa seara o investigador
deve ter como procedimento metodológico a aproximação ao objeto estudado, bem
54
como a imaginação e a criação como campos que tecem o percurso e embasam a
argumentação científica na pesquisa.
O fragmento da realidade gravado na fotografia representa o congelamento do gesto e da paisagem, e, portanto a perpetuação de um momento, em outras palavras, da memória: memória do individuo, da comunidade, dos costumes, do fato social, da paisagem urbana, da natureza. (2012, p. 167)
Portanto neste capítulo pretendeu-se entender como a fotografia pode ser
estudada sob o viés científico e no capítulo seguinte será embasado o recorte
temporal da pesquisa a partir dos estudos da paisagem da cidade de Fortaleza no
início do século XX.
55
3. A GEOGRAFIA VISUAL DA RUA DOUTOR JOÃO MOREIRA
A compreensão do contexto social, histórico e cultural da cidade de
Fortaleza no período de transição do século XIX para as primeiras décadas do
século XX é necessária para nortear periodizações e articulações espaços-
temporais. Nesse sentido, são pertinentes leituras referentes ao modelo
metodológico de investigação fotográfica, a paisagem e à história da cidade para o
entendimento das fotografias da Rua Doutor João Moreira no centro da cidade de
Fortaleza.
Desse modo, é necessário articular o conceito de paisagem, pois vimos
que através dele podemos abordar as dimensões de uma paisagem cultural que se
manifesta nas proposições de um recurso imagético. Assim, Cosgrove (1998, p. 96)
nos diz que “(...) a mágica real da geografia está no sentido de se maravilhar com o
mundo e tentar refletir sobre o mosaico variado da vida humana e refletir suas
expressões na paisagem humana”.
Assim, para o entendimento da composição fotográfica será
contextualizado o local, a data e os significados existentes na fotografia
monocromática da primeira metade do século XX. Nesse sentido, no decorrer deste
capítulo será feita uma investigação sobre a composição das imagens junto ao
conceito de paisagem na perspectiva da geografia cultural, bem como serão
discutidas a dinâmica social e as motivações conjunturais da existência de alguns
logradouros na Rua Dr. João Moreira.
3.1 O RECORTE ESPACIAL E TEMPORAL
A Rua Doutor João Moreira será trabalhada enquanto recorte espacial
desta pesquisa. Nesse sentido, busca-se entender como uma rua tão pequena na
sua dimensão espacial possui monumentos arquitetônicos com caráter tão distintos
que moldam e compõem a paisagem do centro da cidade de Fortaleza. Os
monumentos descritos nesta pesquisa ainda existem na Rua Doutor João Moreira
alguns mudaram sua “forma, função e estrutura através dos processos 3”, mas ainda
3 “Forma é o aspecto visível de uma coisa. Refere-se, ademais ao arranjo ordenado de objetos, a um padrão.
Tomada isoladamente, temos uma mera descrição de fenômenos ou de um de seus aspectos num dado instante
56
existem como uma maneira de contar a história do passado e na composição da
paisagem atual do centro da cidade de Fortaleza.
Para expressá-lo em termos mais concretos, sempre que a sociedade (a totalidade espacial) sofre uma mudança, as formas ou objetos geográficos (tanto os novos como os velhos) assumem novas funções; a totalidade da mutação cria uma nova organização espacial. Em qualquer ponto do tempo, o modo de funcionamento da estrutura social atribui determinados valores às formas. Todavia, se examinarmos apenas uma fatia de tempo homogêneo, careceremos de um contexto em que possamos basear nossas observações, uma vez que a estrutura varia conforme os diferentes períodos históricos. (...) Por conseguinte, a paisagem é formada pelos fatos do passado e do presente. (SANTOS, 1998, p. 67- 68)
Desse modo, a Rua Dr. João Moreira era uma das portas de entrada à
cidade de Fortaleza, através da Estrada de Ferro de Baturité, junto a Estação João
Felipe. O recorte temporal escolhido como as primeiras décadas do século XX
justifica-se pela efervescência e transformação urbanística que a cidade de
Fortaleza vivenciava desde o período de transição do século XIX para o início do
século XX.
Diante dos estudos que embasam a relação interdisciplinar desta
pesquisa é necessário um mergulho investigativo na imagem fotográfica para
entender as transformações acarretadas na paisagem. Nesse contexto é necessário
informar que este capítulo se reporta ao modelo metodológico de investigação
iconográfica abordado por Kossoy (2012) no qual o autor explica através de modelos
a sistematização das informações contidas nas fotografias e sugere alguns roteiros
para o campo que ajudam na coleta e na construção da pesquisa.
As fotografias selecionadas nesta dissertação foram coletadas no acervo
particular de imagens de Miguel Ângelo de Azevedo – o Nirez, a intencionalidade a
priori era que todas as fotografias selecionadas correspondessem a um álbum
específico, todavia isso não pôde ser concretizado, pois alguns espaços inseridos na
Rua Doutor João Moreira como a Cadeia Pública Municipal e a Santa Casa de
Misericórdia não estavam inseridos em um álbum específico de imagens. Dessa
forma, algumas fotografias selecionadas nesta dissertação são avulsas e compõem
do tempo. Função, de acordo com o Dicionário Webster, sugere uma tarefa ou atividade esperada de uma forma,
pessoa, instituição ou coisa. Estrutura implica a inter-relação de todas as partes de um todo; o modo de
organização ou construção. Processo pode ser definido como uma ação contínua desenvolvendo-se em direção a
um resultado qualquer, implicando conceitos de tempo (continuidade) e mudança.” (SANTOS, p. 69,1998)
57
o acervo de imagens do Nirez e outras correspondem ao “Álbum Vistas do Ceará do
ano de 1908” também localizado no acervo de imagens do Nirez.
O “Álbum Vistas do Ceará de 1908” foi publicado em Nice na França no
ano de 1908, este álbum contem fotografias de praças, ruas, prédios e retratam os
costumes dos habitantes da época. Esta informação foi colhida junto ao Nirez no
qual ele informa que não se tem ideia de quem tenha sido o fotógrafo que registrou
as imagens contidas no “Álbum Vistas do Ceará de 1908”. Desse modo, sobre o
“Álbum Vistas do Ceará de 1908” deve-se informar que é composto por dois álbuns
um vertical e um horizontal algumas fotografias se repetem nos dois álbuns e o
mesmo foi selecionado para esta pesquisa por conter imagens relevantes do Ceará
e principalmente fotografias que registram a Rua Dr. João Moreira no início do
século XX. Desse modo, Ponte (1999) explica que:
Em 1908 um álbum com fotografias de Fortaleza circulava pela Cidade. Para gáudio dos agentes locais da modernização urbana, o livro, confeccionado em papel nobre, trazia 160 estampas de tudo o que representava o aformoseamento e o progresso da Capital no começo do século: praças recém-modeladas, jardins públicos ruas alinhadas com bondes, transeuntes, sobrados e estabelecimentos comerciais, Passeio Público e Parque da Liberdade e seus elegantes frequentadores, estação Central Ferroviária, mansões e fachadas art-noveau, cafés, templos, escolas, porto, praias, lagos, etc. (o asilo e o cemitério não aparecem). Este “Álbum Vistas do Ceará, 1908”, editado pela Casa Boris Frères & Cia., a mais poderosa das firmas estrangeiras no Ceará, e impresso na França, significava, formalmente, uma homenagem à Capital, em reconhecimento a sua beleza e ao seu desenvolvimento. Confeccionado na Europa por uma consagrada companhia francesa e distribuído em vários lugares, o álbum não deixava de ter um desejo de divulgação de uma cidade que era, na leitura capitalista, um próspero mercado urbano. (PONTE, 1999, p. 131)
Assim, é necessário informar que na presente dissertação não constam
os créditos para o fotógrafo que registrou as imagens selecionadas, pois não foram
encontrados escritos nem relatos no álbum e nas fotografias avulsas de quem teria
sido o autor ou os autores das imagens, todavia foram coletadas outras fontes
bibliográficas como textos e artigos que proporcionem o entendimento das
fotografias e da paisagem, e também a contextualização e entendimento junto ao
recorte temporal proposto nesta dissertação que se trata das primeiras décadas do
século XX. Nesse sentido, Ponte (1999) continua sua explanação informando que a
fotografia tinha grande importância na cidade de Fortaleza.
58
Considerando que a fotografia, por sua extraordinária capacidade imagética de informação, vale por mil palavras, nada como divulgar Fortaleza através do elogio das imagens fotográficas ( o “Àlbum” é econômico em textos). A ideia foi ainda mais feliz porque veio à luz do momento em que a fotografia configurava-se como uma verdadeira coqueluche na região, assim como em todo o Brasil. (...) (1999, p. 131).
Desse modo, serão estudados neste capítulo alguns logradouros
específicos da Rua Doutor João Moreira, junto às fotografias selecionadas, a história
local, o modelo metodológico de investigação e o estudo da paisagem pautado na
geografia cultural.
Portanto, após fazer uma apresentação do recorte espacial e temporal,
nos próximos tópicos serão feitos estudos dos logradouros existentes na Rua Doutor
João Moreira, que marcaram historicamente o processo de formação da cidade de
Fortaleza. Os tópicos seguem dessa maneira: Rua Doutor João Moreira, Fortaleza
de Nossa Senhora da Assunção, Passeio Público, Santa Casa de Misericórdia,
Cadeia Pública Municipal e Estação João Felipe.
3.2 A RUA DOUTOR JOÃO MOREIRA
A Rua Doutor João Moreira, localizada no centro da cidade de Fortaleza
já possuiu outros nomes antes deste que a intitula. Conforme, Aderaldo (1998)
outros nomes já intitularam este logradouro, por exemplo, em 1828 era conhecida
por Rua Nova da Fortaleza, em 1855 chamava-se Travessa do Quartel, em 1888 era
Travessa da Misericórdia e o nome atual existe desde 1933 chamando-se Rua
Doutor João Moreira.
Na planta arquitetônica do ano de 1875, criada por Adolfo Hebster pode-
se observar ao aproximar o mapa, a Rua Doutor João Moreira com a configuração
urbana da época. Dessa forma,
Em 1875, Adolfo Hebster, engenheiro da Província do Ceará e da Câmara Municipal de Fortaleza, desde 1855 contratado de Pernambuco para substituir o então “arruador” ( arquiteto leigo), concluía a “ Planta Topográfica da Cidade de Fortaleza e Subúrbios ”. Apesar de não ser um projeto inteiramente original, uma vez que mantinha o sistema de traçado urbano em forma de xadrez projetado para a cidade pelo engenheiro Silva Paulet em 1818, tratava-se de um estudo decisivo para a capital dali para a frente, pois ampliava-lhe o traçado para além dos seus limites de então (...) ( PONTE, 1999, p. 23)
59
Nesse sentido na planta arquitetônica de 1875 se previam os primeiros
subúrbios na cidade de Fortaleza, muitos destes formados devido o adensamento
populacional nas últimas décadas do século XIX, uma das principais causas desse
aumento populacional foram as migrações causadas após as secas intensas que
ocorreram no final do século XIX e início do século XX.
Figura 1- Mapa de Adolfo Hebster(1875) Fonte: Gylmar, C.; Veloso, P.; Capelo, P. (org.). Ah, Fortaleza!. Fortaleza: Terra da Luz Editorial, 2006 .
60
A figura 1 mostra o mapa de Adolfo Hebster de 1875, representando a
cidade de Fortaleza com sua configuração urbana no final do século XIX. Nesse
sentido, na figura 2 foi realizada uma aproximação da figura 1, através de um recorte
na imagem, adaptando o mapa para que fosse visualizado cada quarteirão
pertencente à Rua Doutor João Moreira.
Figura 2- Recorte do mapa de Adolfo Hebster (1875) Fonte: Gylmar, C.; Veloso, P.; Capelo, P. (org.). Ah, Fortaleza!. Fortaleza: Terra da Luz Editorial, 2006
Desse modo, a linha vermelha grifada na figura 2 representa a Rua
Doutor João Moreira. A rua está enumerada de acordo com cada quarteirão que
será abordado nesta dissertação:
(1) Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção;
(2) Passeio Público;
(3) Santa Casa de Misericórdia;
(4) Cadeia Pública Municipal
(5) Estação João Felipe.
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Nota-se também em frente à Estação João Felipe número (5) podia ser
visualizada a Praça, o Campo da Amélia e o Cemitério Velho, estes dois últimos não
existem mais, o Campo da Amélia e o Cemitério Velho foram anexados ao terreno
da Estrada de Ferro de Baturité e englobados às dependências da Estação João
Felipe.
Desse modo, sobre o processo de configuração do espaço urbano da
cidade de Fortaleza, Ponte (1999) informa que dois períodos foram importantes nas
últimas décadas do século XIX:
Além da nova planta urbanística de Hebster, dois outros acontecimentos relevantes assinalaram Fortaleza nos anos 70 do século passado. O primeiro foi a instalação da ferrovia ligando a Capital com a cidade de Baturité, decisiva para dinamizar a circulação de mercadorias exportadas e importadas. O segundo foi uma epidemia de varíola que durante três anos dizimou grande parte de cerca dos 100 mil retirantes abarracados nos arredores da Cidade, expulsos do sertão pela seca de 1877-1879.(...) (PONTE, 1999, p. 28)
Assim, após compreender um pouco da configuração e localização
geográfica da Rua Doutor João Moreira do final no século XIX através do mapa de
Adolfo Hebster, agora serão expostas as fotografias monocromáticas do início do
século XX e discutidas de acordo com os acontecimentos históricos dos principais
logradouros inseridos na Rua Doutor João Moreira.
Desse modo, durante a análise do material fotográfico torna-se
necessária a busca de outras fontes bibliográficas que abasteçam as informações da
pesquisa, informações estas contidas em livros e arquivos públicos. Assim, as
fotografias que se mantiverem preservadas enquanto fontes iconográficas como
registros de tempos e histórias do passado, possibilitam estudos ricos e
diversificados em uma pesquisa.
As fotografias, em geral, sobrevivem após o desparecimento físico do referente que as originou: são os elos documentais e afetivos que perpetuam a memória. A cena gravada na imagem não se repetirá jamais. O momento vivido, congelado pelo registro fotográfico, é irreversível. As personagens retratadas envelhecem e morrem, os cenários se modificam, se transfiguram e também desaparecem. O mesmo ocorre com os autores- fotógrafos e seus equipamentos. De todo o processo, somente a fotografia sobrevive. Os assuntos nela registrados atravessam os tempos e são hoje vistos por olhos estranhos em lugares desconhecidos: natureza, objetos, sombras, raios de luz, expressões humanas, por vezes crianças, hoje mais que centenárias, que se mantiveram crianças. (KOSSOY, 2009, p. 139)
62
Na figura 3 pode ser visualizada a Rua Dr. João Moreira anterior a 1908,
esta fotografia faz parte do Álbum Vistas do Ceará publicado em 1908. Esta imagem
foi registrada em frente ao Passeio Público à direita da fotografia está a Rua Major
Facundo e na esquina ainda no canto direito da imagem o Hotel de France.
Figura 3- Rua Doutor João Moreira
4
Fonte: Arquivo Nirez – Álbum Vistas do Ceará (1908)
Nesta imagem pode ser observada a rua constituída ainda por pedras
toscas. Percebe-se também que a fotografia é monocromática, pois se trata do início
4 No Anexo B está a tabela com a Identidade do documento e características individuais baseadas no modelo
metodológico de Kossoy (2012). Todas as fotografias analisadas nesta dissertação estão com as tabelas inseridas
no anexo desta dissertação.
63
do século XX. No canto direito da imagem observamos alguns animais soltos na rua
e pessoas que passam vestidas ao estilo da época, isto possibilita uma interessante
reflexão sobre o contraste existente na cidade do início do século XX.
Duas perspectivas podem ser observadas de um lado o ar de
modernidade e a influência francesa pairando sobre a cidade e do outro lado a
cidade de Fortaleza com sua inerente essência provinciana e rural que detinha no
início do século XX. Desse modo, é interessante refletir sobre a influência ideológica
da cultura francesa na cidade de Fortaleza no final do século XIX:
Como outras cidades que se desejavam civilizadas. Fortaleza também tinha Paris como referência de modernidade. Assim, a capital foi arrebatada por uma febre de afrancesamento. Ser modesto era acompanhar as modas vindas de Paris, usar expressões em francês, abrir lojas com nomes franceses (...) (GYLMAR et al., 2006, p. 76)
O perfil do centro da cidade no início do século XX era como um espaço
único que representava as transformações e a efervescência pelas quais a cidade
passava, seja pelo ar de modernidade e elegância que assolava Fortaleza, seja
pelas contradições que também se erguiam diante dos cearenses, através das
casas construídas sem nenhum planejamento, pessoas desempregadas e mendigos
que começavam a vagar pelas ruas da cidade, obviamente nesta imagem não é
retratado este perfil, pois trata-se de um registro da cidade de Fortaleza com seu
cotidiano singelo e distante das inquietações e contradições que estavam por se
intensificar no decorrer dos anos seguintes.
Na verdade o processo de transformação que culminou na inserção da
cidade de Fortaleza no período intitulado belle époque no início do século XX
começou ainda no século XIX através da exportação do algodão advindo do interior
por meio da via férrea que chegava à estação João Felipe, nesse sentido a Rua
Doutor João Moreira participou ativamente como uma das principais vias de
circulação da cidade. Assim diante desse processo, é necessário informar que
mudanças de grande impacto começaram mais intensamente após a segunda
metade do século XIX, pois a cidade passou a concentrar mais capital, advindo
principalmente do algodão, mais pessoas, mais espaços urbanizados e ainda no
final do século XIX tornou-se um importante centro urbano do estado do Ceará.
O algodão foi um dos elementos que mais contribuiu para as mudanças
na estrutura da cidade, surgiram novos lugares que tinham a funcionalidade ligada
64
diretamente ao algodão. O ritmo acelerado de crescimento econômico na cidade
começava a ter mais efervescência:
(...) O apogeu do cultivo e exportação do algodão teve forte impacto na geografia da cidade. Ao propor os grandes bulevares constituídos pelas avenidas Dom Manoel, Duque de Caxias, e Imperador; esse engenheiro visionário emprestava à cidade áreas de grande centro, ao mesmo tempo que propiciava a expansão de atividades que se firmavam num período em que sua economia crescia em ritmo acelerado. (GYLMAR et al., 2006, p. 34)
Assim, começaram a ocorrer muitas mudanças no cenário cearense na
segunda metade do século XIX e se estenderia também para as primeiras décadas
do século XX. Nesse mesmo contexto para melhor situar a pesquisa observa-se na
fotografia abaixo a residência onde morou e faleceu o Doutor João Moreira. Este
prédio está localizado entre as ruas Dr. João Moreira e Barão do Rio Branco de
acordo com Aderaldo (1998).
Figura 4- Casa do Doutor João Moreira Fonte: Arquivo Nirez – Àlbum Vistas do Ceará (1908)
65
Na figura 4, a imagem foi registrada na parte interna do Passeio Público.
A localização da casa era na esquina da antiga Rua Formosa, atual Rua Barão do
Rio Branco com Rua Dr. João Moreira. Nota-se na imagem o gradil construído
limitando as áreas de entrada à praça. Observa-se o estilo arquitetônico padrão de
casas da época. Essa grade visualizada na imagem justifica-se, porque a Santa
Casa de Misericórdia promovia quermesses no Passeio Público e uma das
funcionalidades do gradil que cercou e delimitou a entrada ao Passeio Público era a
organização, pois limitava a entrada de pessoas e a cobrança dos ingressos: “O
gradil era utilíssimo à Misericórdia porque, só permitindo as entradas pelos portões,
facilitava a cobrança das mesmas durante as quermesses que se fazia de beneficio
desse instituto pio.” (NOGUEIRA, 1954, p. 24)
Dessa maneira, após situar a localização e uma breve contextualização
da Rua Doutor João Moreira, no próximo tópico será feito um estudo de algumas
formas simbólicas aqui nomeadas de logradouros localizados na Rua Doutor João
Moreira.
Nesse sentido, sobre as formas simbólicas espaciais, Corrêa (2007)
explica que estas formas sendo materiais ou não são sujeitas a diversas
interpretações com muitos significados.
As formas simbólicas espaciais estão dispersas pela superfície terrestre, sugerindo à força das representações que os homens constroem a respeito de diversas facetas da vida, envolvendo o passado, o presente e o futuro, as diferenças, a igualdade e o poder, a celebração, a contestação e a memorialização. (CORRÊA, 2007, p. 15)
Dessa maneira, as formas simbólicas envolvem o passado, o presente e o
futuro através de suas várias camadas de interpretações, nesse sentido para
entendermos melhor, um dos exemplos que o autor traz é o das formas simbólicas
atreladas à identidade religiosa. Corrêa (2007) lembra que a identidade católica do
povo brasileiro se manifesta através de diversas formas simbólicas e uma delas é a
enorme estátua do Cristo Redentor, localizada no Rio de Janeiro, entre outras
formas que se espalham por todo o território brasileiro.
As formas simbólicas tornam-se formas simbólicas espaciais quando constituídas por fixos e fluxos, isto é, por localizações e itinerários, apresentando, portanto, os atributos primeiros da espacialidade. Palácios, templos, cemitérios, memoriais, obeliscos, estátuas, monumentos em geral, shopping centers, nomes de logradouros públicos, cidades e elementos da
66
natureza, procissões, desfiles e paradas, entre outros, são exemplos correntes de formas simbólicas espaciais. (CORRÊA, 2007, p. 8 e 9)
Desse modo, o autor informa que este é um rico campo de estudos
investigativos para os geógrafos. Sendo assim, o Brasil enquanto um país marcado
por enormes diferenças culturais e econômicas que precisam ser estudadas por
meios diversos entre eles o das formas simbólicas. Nesse sentido no próximo tópico
será abordado um logradouro da Rua Doutor João Moreira, a Fortaleza de Nossa
Senhora da Assunção.
3.3 FORTALEZA NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO
A cada quarteirão da Rua Doutor João Moreira encontra-se um
logradouro interessante que aguça o campo investigativo desta pesquisa.
Desse modo, foram colhidas fotografias e contextualizadas junto ao
recorte temporal para o estudo e entendimento da paisagem correspondente da
imagem.
Sobre a paisagem Cosgrove (1998, p. 100) afirma que “(...) ao mesmo
tempo, paisagem lembra-nos que a geografia está em toda a parte, que é uma fonte
constante de beleza e feiura, de acertos e erros, de alegria e sofrimento, tanto
quanto é de ganho e perda.”
Nesse sentido, é necessário um breve levantamento sobre o processo de
construção e formação do Forte de Nossa Senhora da Assunção, pois o processo de
formação do forte caminha com o processo da evolução urbana do centro da cidade
de Fortaleza.
A Figura 5 faz parte do “Álbum Vistas do Ceará de 1908”. Corresponde a
uma das entradas para a Rua Dr. João Moreira. Um dos locais por onde a cidade de
Fortaleza começou seu crescimento urbano a princípio com poucos habitantes e aos
poucos foram ocorrendo mudanças na cidade e na paisagem. A proximidade a
Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, possibilitava a segurança para a
instalação da Vila de Fortaleza que posteriormente se transformaria na cidade de
Fortaleza.
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Na figura 5 pode ser visualizado o forte e uma rua ainda revestida com
pedras toscas e alguns postes de iluminação pública.
Figura 5- Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção Fonte: Arquivo Nirez – Àlbum Vistas do Ceará (1908)
Os motivos que influenciaram a construção onde hoje está a 10º Região
Militar, a Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, localizada próximo ao Passeio
Público e Santa Casa de Misericórdia, estão diretamente relacionados com as águas
do Riacho Pajeú, pois para a construção de uma base de segurança era necessário
um local onde fosse possível ter água potável para beber, cozinhar e banhar-se. Ou
seja, próximo de onde o forte ficou estabelecido, foi descoberto um riacho com
68
águas limpas e claras um ponto bem escolhido por Matias Beck para construção do
forte a princípio intitulado de Forte Schoonerborch.
Desse modo, Aderaldo (1998) informa em síntese como foi o processo de
mudança da instalação do forte para as proximidades do Riacho Pajeú conforme
citação abaixo:
Trazendo do reduto da Barra do Ceará a madeira que pôde aproveitar as telhas e as peças de canhão, servindo-se de carros puxados por bovinos oriundos daqueles trazidos por Martim Soares Moreno, Matias Beck no novo lugar instalou o seu forte, que batizou de Schoonenborch, em homenagem a uma das autoridades holandesas de Pernambuco. (1998, p. 20)
Em meados de 1654, ocorreu a mudança do nome e da gestão do forte
anteriormente intitulado Forte Schoonenborch pelo holandês Matias Beck para
Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção sob o domínio do português Álvaro de
Azevedo. Na citação abaixo são descritos os motivos que acarretaram a mudança
da gestão e nome do forte antes fundando por um holandês e posteriormente
apropriado por um português.
Em 1654 Matias Beck rende-se ao português Álvaro de Azevedo Barreto, como é sabido. Este veio libertar aquele do assédio indígena, como está escrito no diário do próprio Beck. Praticamente sitiados, sem possibilidade de sair de seu reduto, estavam os holandeses quase a passar fome, pois já devoravam os muares de seus serviços. E a indiada, em redor, aguardava o momento favorável para a repetição do massacre da Barra do Ceará. A chegada de Álvaro de Azevedo Barreto foi por isso um alívio. E do holandês nada ficou, nem mesmo o nome Forte, que foi logo crismado de Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, no bom estilo português. Somente a partir de então teve início o arruamento da incipiente população. (ADERALDO, 1998, p. 20)
Compreendendo que a cidade de Fortaleza começou a surgir no entorno
dessa fortificação é necessário informar que no decorrer dos séculos seguintes a
cidade havia se desenvolvido pouco e no início do século XIX haviam poucas ruas e
o maior número de casas ficavam situadas próxima a Fortaleza de Nossa Senhora
da Assunção.
Aderaldo (1998) informa como eram as ruas no inicio do século XIX na
cidade de Fortaleza:
No início do século XIX, a cidade pouco se tinha desenvolvido. Nessa ocasião, precisamente em 1810, por aqui transitou o inglês Henry Koster, que conheceu Fortaleza com 2000 habitantes, a ela assim se referindo: - “Não é muito para compreender a razão da preferência a este local.” (...) É que naquela época, nossa cidade apresentava ruas não calçadas, casas
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desarrumadas etc. Somente depois teve início um arruamento mais ordenado, que se balizou no Quartel, daí surgindo a Rua do Quartel, que hoje tem o nome de General Bizerril; (...) O arruamento de Fortaleza se daria assim: - saindo do Quartel para o Sul, Rua do Quartel; passando pela frente do Quartel e marginando o Pajeú, Rua de Baixo, ou dos Mercadores, ou Rua Direita, hoje tripartida em Avenida Alberto Nepomuceno, Rua Sena Madureira e Rua Conde d’Eu, como ficou dito. (1998, p. 24)
Posteriormente a mudança de gestão entre holandeses e portugueses
vieram às primeiras transformações urbanísticas mais notórias no entorno do forte.
Nesse sentido de evolução urbanística na cidade de Fortaleza, na Figura
5, retratada no início deste tópico pode se visualizar postes de iluminação pública na
cidade de Fortaleza. E por tratar da iluminação é interessante informar que a
chegada da iluminação pública na cidade de Fortaleza teve início em 1848 conforme
Aderaldo (1998) antes todas as casas eram iluminadas por velas.
A ideia de se iluminar a Fortaleza data de 25 de janeiro de 1834. O Conselho da Província, nesta data, propôs ao então Presidente Inácio Corrêa de Vasconcelos este melhoramento, que abrangeria todas as principais ruas e travessas da cidade, para o que seriam necessários cem lampiões. (...) Data, pois, de 1848 o célebre “contrato” da nossa iluminação com a lua; contrato que perdurou até 25 de outubro de 1935, data em que a Companhia do Gás suspendeu o fornecimento de luz à cidade. (...) Cada lampião continha uma caixinha cheia de azeite de peixe com torcida de algodão; qualquer coisa parecida com esses pequenos tachos de que os ourives se servem para soldar ao maçarico. (ADERALDO, 1998, p. 27 e 28)
Nogueira (1954) explica sobre a iluminação da cidade através de uma
divisão em três épocas: 1º óleo de peixe; 2º gás carbônico; 3º eletricidade.
À era do azeite de peixe sucedeu a do gás carbônico, que começou aos 17 de outubro de 1866, com a iluminação de algumas ruas, do Clube Cearense e de outros edifícios. (...) Com a guerra de 1914 o fornecimento de carvão de pedra tornou-se deficiente, pelo que a Companhia apagou metade dos combustores da cidade. E a fim de atender a melhor iluminação da Praça do Ferreira e de outras, para estas transportou parte dos que não funcionavam. Claras as praças, escuras as ruas, especialmente nas nossas antigas e indecentes noites de escuro. A companhia de gás fez ponto aos 25 de outubro de 1935, encerrando-se, assim, a era do gás carbônico, que durou 68 anos, 1 mês e 8 dias. (...) A era do gás carbônico sucedeu a da eletricidade com fios. Antes da extinção da iluminação elétrica das nossas praças e ruas. Aos 10 de outubro de 1933 foram instaladas, a título de experiência, quatro lâmpadas de cem velas na Rua Formosa, entre a Municipal e a das Hortas; e, por fim, aos 8 de dezembro de 1934, inaugurou-se a iluminação geral, começando-se pela colocação de algumas lâmpadas na Praça do Ferreira. (ADERALDO, 1998, p. 30, 31)
Desse modo, de vila, pequena em extensão e número populacional
mudanças surgiram na paisagem e crescia uma nova cidade. Todavia, junto a essas
70
transformações vieram também as contradições de uma cidade que entrava em
expansão assolada pela modernidade e crescimento em contraponto as
disparidades sociais que começavam também a surgir como o aumento populacional
e a concentração em áreas do centro que não estavam preparadas para esse
aumento de contingente e com isso ocorreu uma expansão da malha urbana na
cidade de Fortaleza.
Assim, ao estudar neste tópico a Fortaleza de Nossa Senhora da
Assunção o autor que vem em mente, pois aborda em seus estudos o conceito de
paisagem na geografia cultural através do pensamento da paisagem enquanto
marca e matriz, é Berque (1998).
Na concepção de Berque (1998) foi introduzido no Capítulo 1 desta
dissertação e pretendo aprofundar os pensamentos desse autor neste tópico,
através da concepção da paisagem enquanto marca e matriz.
Para o autor este concebe a paisagem enquanto marca e matriz, a
paisagem é uma marca que expressa uma civilização a partir da sua materialidade
que pode ser descrita, mas é também matriz vista e apreendida pelos sujeitos que
participam dos esquemas de percepção.
Desse modo, o autor explica a relação existente entre paisagem marca e
matriz.
É preciso compreender a paisagem de dois modos: por um lado ela é vista por um olhar, apreendida por uma consciência, valorizada por uma experiência, julgada (e eventualmente reproduzida) por uma estética e uma moral, gerada por uma política, etc. e, por outro lado, ela é matriz, ou seja, determina em contrapartida, esse olhar, essa consciência, essa experiência, essa estética e essa moral, essa política etc. (BERQUE, 1998, p.86)
Portanto, a paisagem se transforma porque há sempre interferências
externas assim:
A paisagem e o sujeito são co-integrados em um conjunto unitário, que se autoproduz e se auto-reproduz ( e, portanto, se transforma, porque há sempre interferências com o exterior) pelo jogo, jamais de soma zero, desses diversos modos. O jogo seria de zero se a paisagem não tivesse nenhum sentido (isto é, nem significado, nem tendência evolutiva), o que nunca é o caso. (...) (BERQUE, 1998, p. 86)
Nesse sentido, existe uma relação que não está pautada apenas no
objeto na materialidade e nem apenas no sujeito, mas sim na interação complexa
entre ambos enquanto marca e matriz.
71
É o que podemos perceber no logradouro Fortaleza de Nossa Senhora da
Assunção que participa do esquema enquanto marca de uma civilização a partir da
materialidade existente e ao mesmo tempo matriz valorizada por uma experiência,
aprendida e transformada pelos sujeitos ao redor. Atualmente no local do forte está
situada a 10º Região Militar do Exército Brasileiro.
3.4 O PASSEIO PÚBLICO
A Praça do Passeio Público passou por diversas transformações no
decorrer dos séculos, antes de ser conhecido como Passeio Público foi Campo da
Pólvora em 1825 as dimensões eram maiores depois foram reduzidas,
posteriormente passou a se chamar Praça dos Mártires e por fim Passeio Público
como informa Nogueira (1954).
Nogueira (1954) faz uma análise descritiva das primeiras mudanças
acarretadas no Passeio Público a princípio quando o Campo de Pólvora deixou de
existir como pode ser observado na citação abaixo:
O patíbulo levantado pela Comissão Militar no antigo campo da pólvora esteve de pé até 1831, ano em que, entusiasmados com o 7 de abril, na noite de 25 de maio os patriotas, armados de machados , puseram aquilo abaixo. (...) Depois da Fortaleza (1817) e da Misericórdia (1861), o Quartel de 1ª linha (1862) veio fechar a praça. (...) Já a esse tempo (1876) as grades, agora removidas, circundavam um terreno retangular, no qual se construiu, mais tarde , o jardim. Eram montadas sob um pequeno muro, de cerca de um metro de altura; entre cada dois lances de grade, uma coluna. Toda a alvenaria era revestida desse excelente guarnecido de cal, em que os nossos pedreiros são exímios. Acompanhado o gradil, havia pelo lado interno, uma calçada de tijolo, de uns dois metros de largura; tudo mais areia e algumas mongubeiras e castanheiras das quais ainda resta uma ou outra. (NOGUEIRA, 1954, p. 17)
Desse modo, surgiram propostas para mudar a funcionalidade da praça e
assim atrair a população local para aquele espaço.
Se não me engano, foi pelos anos de 1879 que o negociante Tito Antônio da Rocha, português de nascimento, mas cearense pelo coração, tomou a si o encargo de transformar aquela praça cheia de areia em um logradouro público excelente. (...) Para atrair o povo, e antes de começar os trabalhos, fez com que aos domingos, pela tarde, a música do 15º tocasse dentro do recinto e junto ao portão, que dava para a Misericórdia. (NOGUEIRA, 1954, p. 18)
72
Nesse sentido, as modificações feitas pelo Tito Antônio da Rocha de
acordo com Nogueira (1954):
Esse bom cearense adotivo construiu uma avenida cimentada ligando o portão que ficava em frente ao Quartel; o tanque circular, em cujos bordos estavam lindos repuxos, e tendo ao centro a coluna que ainda ali se vê; e sobre quatro pedestais, fazendo corpo com as paredes do tanque, outros tantos jarrões, verdadeiras preciosidades por serem de legítima louça chinesa. O coreto da música e o botequim são obras sua, sendo que o primeiro tinha uma elegante coberta em forma de pirâmide. Retirou o gradil que havia do lado do mar e, com a área do antigo corredor, aumentou a do primeiro plano do Passeio. Foi aí que em 1888 construíram a Avenida Caio Prado. (1954, p. 18 -19).
Na figura 6 pode ser observado o chafariz ao centro do Passeio Público e
alguns homens que posam para a fotografia.
Figura 6- Chafariz do Passeio Público Fonte: Arquivo Nirez – Àlbum Vistas do Ceará (1908)
73
Pode se perceber o ar de modernidade e sofisticação que estava
presente na Praça do Passeio Público. Assim a Figura 6 retrata o primeiro plano ou
primeiro andar do Passeio Público junto à classe elitizada que frequentava aquele
espaço para passear com a família e contemplar a paisagem da praça com seus
belos jardins, seus chafarizes e o ar bucólico que era contemplado naquele local.
Logo que ficaram prontas as obras do primeiro plano, começou a afluência de povo, quer pela tarde, quer nas noites de quintas e domingos. Ali se reunia a melhor sociedade de Fortaleza para ouvir as bandas do 15 º e da Polícia. (...) Ar puro, brisa do mar, boa música tudo contribuía para torná-lo imensamente agradável. (NOGUEIRA, 1954, p. 20)
Desse modo, segue uma descrição das transformações e urbanização
feitas a partir do surgimento do Passeio Público, a existência de três andares ou
alamedas e a utilização daquele espaço de acordo com Ponte (1999):
Naquela década, surgiu o Passeio Público no local, até então, da Praça dos Mártires, que foi remodelada com implante de bancos, canteiros, café-bar, réplicas de esculturas clássicas e 3 planos ou “ avenidas” – uma para o desfrute das elites, a segunda para as classes médias e a terceira para os populares. Localizado no perímetro central e com ampla vista para o mar, o Passeio tornou-se de pronto a principal área de lazer e sociabilidade, até que despontassem outras tentadoras opções a partir do século XX (...) (1999, p. 31)
A vida social da cidade teve grande efervescência principalmente em
1880 quando ocorreu a inauguração do 1º plano do Passeio Público. E assim é
necessário explicar que o Passeio Público possuiu três andares ou três alamedas
que foram divididas da seguinte maneira:
(...) Havia três alamedas, conhecidas como avenidas: - Caio Prado, olhando para o mar; a do centro, denominada Carapinima, fronteiriça à porta principal da Santa Casa e a Mororó, mais próxima do calçamento da Rua João Moreira. Nelas se observava uma separação voluntária das classes sociais: numa alameda a grã-finagem; na outra, a classe média; e na terceira as domésticas. (ADERALDO, 1954, p. 34)
Na citação acima o autor chega a comentar sobre uma separação
voluntária que existiria entre as três alamedas, mas na verdade poderíamos refletir
sobre uma segregação determinada pela arquitetura, pelas vestes dos frequentares
que inibiam e separavam os frequentadores do mesmo espaço no final do século
XIX como são observadas nas fotografias abordadas nesta dissertação.
74
É possível verificar a existência de uma separação de classes imposta até
pela configuração espacial da praça. Isso nos remete à Cosgrove (1998) sobre o
conceito de paisagem enquanto elemento de uma cultura dominante, “Por definição,
cultura dominante é a de um grupo com poder sobre outros.” (p. 111, 1998).
Cosgrove(1998) discute sobre a configuração dos espaços urbanos e a
geometrização com que se compunham as cidades como uma espécie de
representação do poder.
Dessa forma, a Praça do Passeio Público, sua arquitetura e composição
geométrica influenciava e configurava uma separação de classes em um espaço de
lazer da cidade. Cosgrove (1998), afirma que:
Em termos de paisagens existentes, naturalmente somos inclinados a ver a expressão mais clara da cultura dominante no centro geográfico do poder. Em sociedades de classe, exatamente como o excedente é concentrado socialmente, assim o é concentrado espacialmente, em casas de campo e seus parques, mas acima de tudo na cidade. É instrutivo observar quão historicamente consistente tem sido o uso de formas racionais, geométricas, no plano das cidades: sistemas de vias em círculos, quadrado ou em tabuleiro de xadrez são recorrentes. (...) Representa a razão humana, o poder do intelecto. (...) Paisagens de cidades modernas são igualmente exercícios em geometria aplicada, quer estejamos considerando a Cidade Radiante de Le Corbusier ou os cubos de Manhattan ou a silhueta de edifícios contra o céu de Dallas. (1998, p. 113)
Desse modo, repassava-se que no Passeio Público a separação de
planos ou andares que existia era feita de maneira voluntária, todavia sabe-se que
na realidade não era um ato voluntário, mas sim uma segregação de áreas impostas
enfatizando o que Cosgrove (1998) aborda em seus estudos através da paisagem
de uma cultura dominante como podem ser observados nas fotografias discorridas
neste tópico.
Assim, para exemplificar o que está sendo discutido em questão, a figura
7 mostra uma família adentrando o Passeio Público pelos portões da Rua Major
Facundo com Rua Dr. João Moreira. Na Figura 7 pode se observar pessoas com
trajes mais sofisticados que nos remete a cultura francesa bem como a arquitetura
ao redor da praça como é notável através da visualização do Hotel localizado no
canto direito da imagem intitulado Hotel de France. O primeiro andar do Passeio
Público era reservado a pessoas que detinham mais poder aquisitivo e nesta
imagem percebe-se a imponência e sofisticação das pessoas que frequentavam
aquele espaço.
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Figura 7- Passeio Público Fonte: Arquivo Nirez – Àlbum Vistas do Ceará (1908)
As transformações que estavam ocorrendo e a influência da cultura
francesa na cidade nos remete ao período que foi iniciado a Belle Époque na cidade
de Fortaleza trata-se da transição últimas décadas do século XIX e primeiras
décadas do século XX.
Paris, “capital do século XIX”, segundo a expressão feliz de Walter Benjamin, não só estava em moda como ditava modas para o mundo ocidental, estabelecendo modelos e figurinos a serem seguidos para se poder estar em dia com os novos tempos. Assim o foi na Europa, em São Paulo, Rio de Janeiro ou mesmo em Florianópolis. Em Fortaleza não foi diferente, seduzindo os novos grupos afluentes, sequisos por novidades que lhes deleitassem e demarcassem a superioridade social e estética. Ao afrancesamento, sinal de prestígio e refinamento, tornou-se uma febre na Capital, tomando-a de assalto das mais variadas formas e sentidos. (PONTE, 1999, p. 144)
Ocorreram mudanças estruturais e funcionais de muitos prédios e praças
localizadas no centro da cidade de Fortaleza. Como podemos observar:
76
Fortaleza inicia sua Belle Époque na década de 1880 mesmo, absorvendo com imediatez algumas inovações que acabaram de despontar nos centros de referência, o que demonstra o estreito contato que a capital tinha com a Europa. Dessa forma, ainda nos anos 80 foram instalados equipamentos nunca vistos na cidade e que causaram a maior sensação: bondes e Passeio Público (1880), fotografia, telégrafo, submarino ligando Fortaleza ao sul e à Europa (1882), telefone (1883) e cafés afrancesados na Praça do Ferreira. (GYLMAR et al., 2006 ,p. 71)
Essas novidades que surgiram na cidade com equipamentos e modas
inspirados nos moldes franceses por assim dizer até um afrancesamento da cidade
perduraram durante as primeiras décadas do século XX. Nesse período a elite local
também estava em evidência e quem sempre acompanhava as mudanças e modas
que vinham de Paris eram sempre os que detinham mais poder aquisitivo. Como
podem ser visualizadas nas fotografias do Passeio Público famílias passeiam no
primeiro andar que já era destinado apenas a elite local.
Dos equipamentos cabe destacar o Passeio Público por ter sido projetado para ser o lugar, por excelência, da fruição daqueles belos tempos na cidade. Nenhum outro logradouro de Fortaleza era tão belo, confortável, iluminado – tinha vista para o mar, bancos, coreto, jardins repleto de flores, lagos artificais, estátuas de divindades mitológicas, árvores frondosas etc. (GYLMAR et al., 2006, p. 73)
A Figura 8 retrata famílias contemplando a paisagem e ar agradável do
Passeio Público. Nota-se apenas pessoas bem trajadas à moda típica da época para
pessoas mais abastardas, mulheres, crianças e homens o típico passeio em família
que compunha a elite fortalezense no início do século XX.
O momento era, pois propício à disseminação do consumo de novos figurinos, tecidos, chapéus e demais adereços vindos sobretudo de Paris e Londres. Dependendo de um público endinheirado para consumi-la, a moda caiu como uma luva para a jeunesse dorée emergente de Fortaleza, ávida por evidenciar, pelo requinte da aparência, a sua consagração sócio-econômica. E não faltavam, agora, oportunidades sociais e urbanas para esta visibilidade: havia sempre modelos para vestir fosse nos bailes dos clubes, no carnaval, nas tardes de turfe, nos “footings” do Passeio Público, nas solenidades ou no interlúdio de uma conversação entre pares no Café Riche.(PONTE, 1999, p. 149)
E para não serem incomodados existia a separação entre os andares da
Praça como é percebido na fotografia registrando apenas pessoas de classe mais
abastarda em um tranquilo passeio pelas tardes da cidade de Fortaleza.
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Figura 8- Passeio Público Fonte: Arquivo Nirez – Àlbum Vistas do Ceará (1908)
Desse modo, foi feita uma crítica a esse período e as contradições que ali
se formavam:
Remodelar cidade e sociedade compreendia introduzir equipamentos e serviços urbanos modernos, introjetar noções de higiene, trabalho, beleza e progresso, eliminar os focos naturais de insalubridade e disciplinar o crescente contigente de miseráveis, “vadios”, prostitutas, loucos – estigmatizados como a horda de “bárbaros” que punha em perigo a constituição de uma nova ordem social modernizante e excludente. A época, portanto só foi bela para as elites e parcelas das camadas sociais médias; para os pobres ela foi sinônimo de vigilância policial, controle de hábitos e confinamento de corpos. (GYLMAR et al., 2006, p. 69)
E assim no decorrer das décadas seguintes o entusiasmo antes visto
durante a Belle Époque começou a diminuir e por fim cessar após a I Guerra
Mundial (1914- 1918). Diante disso a cidade já tinha passado por muitas mudanças
acarretadas em consequência da Fortaleza Belle Époque.
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No período pós Belle Époque ficaram vestígios de um centro aglomerado
de pessoas e barulhos. Surgiram novos rumos para a elite cearense que passa a se
transferir para áreas consideradas mais tranquilas junto ao litoral leste, pois desde a
década de 1920 o banho de mar foi incorporado ao lazer dos fortalezenses.
A ordem a partir de então não era mais civilizar a capital a todo custo e sim organizar racionalmente os espaços para disciplinar a intensificação dos fluxos urbanos. O embelezamento urbano, dessa forma, deixa de ser uma questão central embora continue – não mais sob a égide do florido e rebuscado estilo noveau e sim do contido e geometrizado art déco. (GYLMAR et al., 2006, p. 78)
Assim ocorreram muitas transformações na paisagem do Passeio Público
como pôde ser observado nas fotografias junto às apropriações deste logradouro no
início do século XX.
As transformações comportamentais e estruturais vivenciadas na cidade
de Fortaleza deixou que por alguns momentos o Passeio Público ficasse
desvalorizado e sem manutenção, todavia nos dias de hoje está ocorrendo uma
preservação e ocupação desse espaço, através de apresentações artísticas de
música e teatro, cursos ao ar livre e quiosques de alimentação.
3.5 A SANTA CASA DE MISERICÓRDIA
Nesse tópico será explanada a contextualização histórica do processo de
construção da Santa Casa de Misericórdia no Ceará junto às transformações na
paisagem da cidade a partir do surgimento da mesma.
Na Figura 9, pode ser observado o prédio da Santa Casa de Misericórdia,
local que serviu de ajuda a muitos flagelados das secas do final do século XIX e
início do século XX. Esta figura mostra o prédio já construído com dois andares a
fotografia retratada é da década de 1930.
Nesse sentido, será feita uma contextualização do processo de
implantação da Santa Casa de Misericórdia e as transformações acarretadas na
paisagem pela implantação da mesma.
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Figura 9- Santa Casa de Misericórdia Fonte: Arquivo Nirez – Fotografia avulsa (1930)
A Irmandade da Santa Casa de Misericórdia surgiu em Portugal e veio
para o Brasil desde o período de povoamento do território brasileiro com o intuito de
cuidar de pessoas doentes e mais necessitadas.
Com a extensão do domínio dos lusitanos a novas terras descobertas, a Irmandade da Misericórdia os ia acompanhando, havendo surgido em Goa, India, em 1520 e logo depois no Brasil em 1540 com a Santa Casa de Santos, fundado por Brás Cubas, seguindo-se a Vitória, no Espiríto Santo pelo padre José Anchieta em 1545; a de Porto Seguro e de Olinda, em 1560, e a do Rio de Janeiro em 1582 ainda pelo padre Anchieta. Atualmente estão espalhadas por mais de 200 cidades no Brasil, ocupando sempre lugar preponderante na assistência dos enfermos desvalidos. (SUCUPIRA, 1985, p. 212 )
As instituições da Santa Casa espalharam-se pelo Brasil desde a
instalação da primeira no ano de 1540, todavia no Estado do Ceará a mesma veio
instalar-se apenas trezentos anos depois.
E isso somente se deu por iniciativa do Presidente da Província, Coronel Inácio Correia de Vasconcelos, que tomara posse do cargo no dia 4 de
80
dezembro de 1845. Vivamente impressionado com as dolorosas consequências da seca de 1845, que deixara um lastro enorme de pessoas doentes e sem um lugar para tratar-se, tomou a seu cargo construir o que ele chamou de Hospital de Caridade (...). (SUCUPIRA, 1985, p. 213)
Muitos presidentes sucederam, mas nenhum teve o verdadeiro interesse
em dar continuidade às obras da Santa Casa então: “Coube ao presidente Padre Dr.
Vicente Pires da Mota, empossada em 20 de fevereiro de 1854, voltar suas vistas
para o futuro hospital. Na época, o Ceará em peso havia sido atingido pela epidemia
da cólera, que causava horrível devastação na população.” (SUCUPIRA, p. 214,
1985). Sucupira (1985) informa que o padre Dr. Vicente colocou a cargo do boticário
Ferreira a continuação e averiguação das obras na casa de Irmandade.
O prédio da Santa Casa de Misericórdia ficou pronto em 1857, mas não
começou de imediato o atendimento, pois não havia médicos contratados e
disponíveis no período em questão. Apenas em 07 de outubro de 1859 o presidente
Antonio Marcelino Nunes Gonçalves decidiu organizar a Irmandade da Misericórdia
que passou a chamar-se posteriormente de Santa Casa da Misericórdia e as
atividades começaram apenas em 1861 na Santa Casa de Misericórdia.
O ano de 1877 assignalou-se por uma seca tremenda. Depois de 32 annos de invernos, o Ceará era visitado por uma grande calamidade, que muita gente desconhecia. Durante o período de 1846 a 1876, a então província tinha progredido extraordinariamente; a indústria pastoril era sua maior riqueza e os que haviam assistido a fatalidade 1845 não se lembravam mais de seus horrores despreoccupada vivia a população cearense, com relação as seccas, na abastança que os bons tempos lhe proporcionaram. A secca manifestou-se ameaçadora e terrível e com ella sua companheira de sempre - a peste. (ROCHA, 1914, p. 287)
O cenário na cidade de Fortaleza iria se transformar devido, às migrações
do campo para a cidade, o aumento populacional, bem como as muitas vidas que se
findaram pelos caminhos tentando chegar a capital do Ceará e as doenças que se
espalhavam de maneira assustadora nas últimas décadas do século XIX.
Durante o período da seca os retirantes sempre migravam com destino a
cidade de Fortaleza, todavia durante a seca de 1877 o cenário foi bem mais cruel.
As doenças se espalhavam junto a leva de pessoas que chegavam a cidade
tentando sobreviver diante da fome e doenças que assolavam grande parte destes
retirantes. Todos os dias inúmeras pessoas morriam, vitimadas pela varíola, pela
fome, o problema era de cunho social não mais apenas físico e climático. A seca era
81
umas das principais causas desse movimento migratório no qual retirantes saiam de
suas terras em busca da sobrevivência em um lugar que possibilitasse isto, mas
nem sempre foi possível, pois aqueles que conseguiam chegar a cidade estavam
fracos ou continuaram sem saber o que fazer para sobreviver.
Os retirantes, os flagelados da seca eram vistos como um problema para
a elite da cidade de Fortaleza. Os questionamentos que surgiam eram estes: O que
fazer com os miseráveis que rondavam a cidade? Onde iriam morar? Assim pensava
a elite local diante de um cenário que se formava e assustava os mais abastardos.
Fortaleza vivia uma época no qual o ar de modernidade assolava a cidade através
da arquitetura e dos hábitos de influência europeia que se proliferavam entre os
mais ricos, em contraponto a uma massa necessitada que se fixava na cidade
Fortaleza. Os flagelados da seca chegavam famintos a cidade e promoviam uma
desconfiguração no espaço urbano que até então estava tentando se desenvolver
nos moldes europeus junto a projetos de embelezamento da cidade.
A concentração de grupos e indivíduos nos principais centros do país, lado a lado com o volume de edificações que surgiam, produzia na visão médica, movimento urbano desordenado e conferia um quadro hostil à cidade. A ocorrência frequente de epidemias e endemias gerava medo nas elites e nos negociantes estrangeiros, além, de que recruscedia a mendicância e minava a força de trabalho. (...) Na tentativa de normalizar aquilo que concebiam como irracionalidade urbana, os médicos percorreram a cidade refletindo sobre a insalubridade e a morbidade, levantando um conjunto diversificado de fatores físicos e sociais que tornavam a cidade um território potencialmente inseguro e perigoso. (PONTE, 1999, p. 74)
Assim, a solução para a elite local seria afastar grande parte dos
retirantes para continuar os projetos de modernização da cidade, e como algo
contraditório muitos dos projetos de modernização de Fortaleza foram concretizados
mesmo nos anos de seca e muitas dessas obras foram realizadas pelas mãos dos
retirantes que trabalharam em construções ostentativas.
Dessa forma, entrava-se em contradição a cidade que crescia junto ao
embelezamento da cidade situado dentro dos moldes parisienses da arquitetura e da
moda e até dos costumes em contraponto, a fome, a miséria e a mendicância de
muitos que passavam a circular pela cidade. A mão de obra dos retirantes era
empregada em várias construções da cidade.
Costa (2004) informa que a cidade não estava preparada para receber
uma enorme quantidade pessoas. E os questionamentos que surgiam: Como
82
atender a higiene de toda essa população, como iriam se alimentar? Por um
momento ficou proibida a mendicância pelas ruas da cidade os retirantes deveriam
tentar se manter limpos nos alojamentos que foram disponibilizados. Mesmo
tentando cuidar da higiene da população, estas tentativas não foram eficazes e
todos os dias morriam centenas de pessoas em decorrência da peste que assolava
a cidade.
O discurso que justificava a exclusão dos menos favorecidos estava
relacionado diretamente a um pensamento higienista e de limpeza dos espaços da
cidade.
Assim, Adolfo Hebster na planta de 1875 retratada no inicio deste
capítulo, já mostrava a área que estava a surgir para além do perímetro central da
cidade que eram os subúrbios, estes foram formados principalmente após a seca de
1877, afinal os retirantes precisavam ficar em algum lugar e o mesmo escolhido para
estes era a área que marginava o perímetro da área central. Até mesmo a
construção dos “campos de concentração” os aldeamentos construídos com a
finalidade de abrigar os retirantes das secas estavam localizados nas áreas que
marginalizavam a área central da cidade.
Desse modo, todo o discurso da seca e dos flagelados que rondavam a
capital do estado que estava se desenvolvendo e modernizando no final do século
XIX, formando uma nova composição espacial e assim uma nova configuração na
paisagem da cidade, nos remete as ideias de Cosgrove (1998) ao abordar as
paisagens da cultura alternativa e sua divisão:
Por sua natureza, as culturas alternativas são menos visíveis na paisagem do que as dominantes, apesar de que, com uma mudança na escala de observação, pode parecer dominante uma cultura subordinada ou alternativa. (...) Mas por mais dominante localmente que possa parecer uma cultura alternativa, ela continua subdominante à cultura nacional oficial. Nesta última escala divido as culturas alternativas em residuais, emergentes e excluídas. (1998, p. 116, 117)
Dessa forma, no primeiro capítulo desta dissertação foi feito um breve
levantamento sobre essas três divisões da paisagem da cultura alternativa de
Cosgrove (1998). Este tópico desta dissertação relaciona-se diretamente com a
paisagem da cultura alternativa dos excluídos, pois para alguns pesquisadores estes
estudos são direcionados apenas a interesses marginais que podem não oferecer
muito retorno científico, todavia o que aconteceu na cidade de Fortaleza como está
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retratado neste tópico, a partir de uma nova configuração que se formou na cidade
diante do aumento populacional desencadeado por uma seca, pode ser sim um
campo de estudos repleto de significados e inserido nos estudos da paisagem a
partir da geografia cultural.
O mesmo é verdade que para outras culturas excluídas, a não ser um estudo ocasional, geralmente tratado como de interesse marginal ou levemente suspeito. Mas a paisagem humana está repleta de símbolos de grupos excluídos e de seu significado simbólico. (COSGROVE, 1998, p. 120, 121)
Nesse sentido, Costa (p. 33, 2003) afirma que “As paisagens excluídas,
que muitas vezes são marginalizadas por não conterem um aspecto estético que as
justifiquem como tal, também trazem com elas um forte poder simbólico.”
Dessa forma, a Santa Casa de Misericórdia participou e ainda participa do
processo de composição da paisagem da cidade de Fortaleza, ainda hoje tenta
manter sua forma e função cumpre o papel de Hospital de Caridade através de suas
inúmeras histórias no decorrer de tanto anos de existência.
3.7 A CADEIA PÚBLICA MUNICIPAL
Na Rua Doutor João Moreira com Rua Senador Pompeu está localizada a
antiga Cadeia Pública Municipal. Hoje está situado neste logradouro o Centro de
Turismo atual Encetur. Muitos turistas que passam por ali e até a população local
não imaginam a verdadeira funcionalidade daquele espaço que serviu de prisão
municipal no final do século XIX e muitas décadas do século XX.
Portanto, os saberes e os fazeres humanos atribuem significados e
organizam as paisagens, e os símbolos presentes fazem a mediação entre o mundo
interior e o mundo exterior.” Costa (p. 34, 2003)
Nesse sentido, Costa (2003) explica que “ A paisagem revela ainda, a
realidade do espaço em um determinado momento do processo. O espaço
construído ao longo do tempo de vida das pessoas, considerando a forma como
vivem, o tipo de relação que existe entre elas e que estabelecem com a natureza.”
(p. 34, 2003).
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Desse modo, iremos analisar nesse tópico a composição da paisagem da
Rua Doutor João Moreira a partir da construção de um espaço repleto de conflitos
que foi a cadeia pública municipal.
Figura 10 - Cadeia Pública Municipal Fonte: Arquivo Nirez – Fotografia avulsa (1908)
A Figura 10 retrata a imagem da cadeia pública no início do século XX
algumas décadas após sua construção. Nesta imagem pode ser observada uma das
fachadas da antiga cadeia pública que tinha entrada principal para a Rua Doutor
João Moreira.
A cadeia pública iniciou sua construção em 1850, buscando o
ordenamento e segurança da sociedade fortalezense da época. Antes desse período
os presos ficavam isolados em celas situadas no quartel, todavia em alguns
momentos o número de presos aumentava e as celas ficavam apertadas e
pequenas demais para o contingente de presos. A construção da cadeia pública foi
85
bastante lenta podendo ver o descaso da província com a necessidade de se
construir uma cadeia pública municipal.
Falcão (2003) informa que a conclusão das obras da cadeia encerrou em
dezembro de 1866 com muitas pendências ainda por terminar. A nova cadeia foi
elaborada com base na legislação Imperial e levou um período de praticamente 16
anos para ficar pronta.
O projeto da cadeia pública municipal de Fortaleza foi elaborado com
base em um modelo penitenciário vindo dos Estados Unidos:
Auburn era uma prisão, na cidade de Nova Iorque, que em 1821 aplicava um novo modelo, o qual exigia silêncio absoluto, mas em regime de comunidade durante o dia e isolamento noturno. A grande novidade deste regime foi a introdução de oficinas onde os internos se submetiam a uma rigorosa jornada de trabalho. O chicote garantia o silêncio absoluto entre os presos. (FALCÃO, 2003, p. 81)
Esse seria o modelo de inspiração para a construção da cadeia pública
municipal de Fortaleza a intenção era substituir outras penas que já existiam como o
enforcamento e a guilhotina e tentar um novo modelo penitenciário.
Todavia, a construção da cadeia demorou 16 anos, tempo demais para
uma construção, o que possibilitou transformações nos modelos prisionais. Quando
finalmente a cadeia foi inaugurada, a mesma já apresentava defeitos em sua
funcionalidade, lembrando nem de maneira distante o modelo prisional que havia
servido de inspiração para o projeto de construção da cadeia pública municipal.
É necessário lembrarmos que uma das razões para sua construção foi a situação decadente das cadeias existentes, em que autoridades e sociedade clamavam por um espaço mais adequado, saudável e humano. Então veio a construção da Cadeia de Fortaleza que antes do término de suas obras já não correspondia mais ao sonho inovador. E aí entra o problema da falta de higiene. Segundo o artigo 517 do Código Criminal o carcereiro era o responsável pelo asseio das prisões, e que empregaria para tal os próprios presos. Que os presos foram usados, foram, porém o asseio acabava não ocorrendo como deveria. No mesmo espaço que comiam, faziam suas necessidades fisiológicas, quando não, era o mesmo lugar do banho. Sem deixar de observar que “o serviço da limpeza é feito muito impropriamente, sendo os materiais fecais em cada prisão lançados numa latrina de madeira”. (FALCÃO, 2003, p.95)
Desse modo, não foi compatível o que estava acontecendo na realidade
com o que se previa no projeto da prisão. Os presos, na verdade, viviam em
86
condições desumanas e esta situação gerava condições ideais para a proliferação
de doenças.
Entre 1876 e 1877 foram 16 presos mortos. Era inadmissível que tal quadro ocorresse num espaço que deveria ser exemplar, e que estava às custas do Estado provincial. É uma boa demonstração da falência do sistema penitenciário da Província naquela época, mas também da incompetência do Estado Imperial de cuidar das questões do país, mesmo em período de relativa prosperidade devido às exportações do café, e de alguns produtos provinciais, como no caso do Ceará a atividade algodoeira. (FALCÃO, 2003, p.95)
No relatório da Secretaria de Polícia de 1876 são descritas várias queixas
sobre a maneira como os presos ali eram mantidos faltava trabalho, espaço, higiene
e ensino de acordo com Falcão (2003) neste relatório era enfatizado que tudo faltava
dentro da cadeia. “Como podia se esperar dos presos algo mais positivo em termos
de recuperação, se nem uma oportunidade sólida de ter uma profissão era dada?
Ora se nem aos que estavam fora das grades havia tantas chances, muito menos os
que eram encarcerados.” (FALCÃO, p. 97, 2003)
Assim, como nos dias de hoje a cadeia havia virado uma escola no qual
os presos saiam de lá pior do que entravam e segundo Falcão (2003) após 10 anos
de sua inauguração a penitenciária já necessitava de reformas, lembrando que para
ficar pronta a prisão levou cerca de 16 anos e já estava defasada.
Nesse sentido, uma das principais críticas que se fazia a cadeia pública e
ao sistema prisional era que: “(...) Em lugar de modificar os criminosos, serviam para
distanciá-los ainda mais dos ideais de civilidade que deveriam ser neles incutidos.”
(FALCÃO, p. 103, 2003).
As atividades da cadeia pública municipal de Fortaleza foram encerradas
no final da década de 1960 e os presos foram transferidos para um novo presídio
intitulado Instituto Penal Paulo Sarasate.
O prédio da cadeia manteve muito de sua característica arquitetônica e
preservação do espaço, todavia sua função foi modificada hoje o prédio é utilizado
para fins turísticos com o nome de Centro de Turismo – Encetur junto a lojas de
artesanato e quiosques de alimentação.
87
3.8 A ESTAÇÃO JOÃO FELIPE
A Estação João Felipe foi projetada e construída com vistoria do
engenheiro Henrique Foglare no mesmo local do antigo cemitério da cidade o São
Casemiro. A mão- de- obra da construção da estação em sua maior parte foi
composta pelos flagelados da seca de 1877 que vieram para a cidade de Fortaleza,
tentando sobreviver a seca que castigava o sertão do Ceará. A Estação começou a
ser construída em 1879, mas só foi inaugurada em 9 de Junho de 1880.
Sobre o terreno que deu origem a construção da Estação João Felipe é
necessário fazer um breve levantamento histórico para informar a utilização do
mesmo antes da instalação da estação. Ainda nas primeiras décadas do século XIX
as pessoas que faleciam na cidade de Fortaleza eram enterradas nos terrenos ao
redor das igrejas da cidade, todavia no decorrer das décadas seguintes foi
necessário a construção de um local específico para enterrar os corpos, assim surge
o interesse em instalar o Cemitério São Casemiro na cidade, local onde
posteriormente foi construída a Estação Ferroviária João Felipe e os corpos ali
enterrados foram transferidos para o novo cemitério o São João Batista. Aderaldo
(1998) exemplifica através de contos uma das causas que culminou a construção de
um cemitério na cidade de Fortaleza nas primeiras décadas do século XIX:
Em 1849 a esposa do Presidente da Província, residindo no prédio que futuramente se chamaria Palácio da Luz, foi assistir a missa na igreja do Rosário e tropeçou em laje do piso, deslocando-a, o que possibilitou a emanação de odores desagradáveis, provenientes de cadáver em decomposição recentemente ali enterrado. Isso fez com que o presidente determinasse a fundação de um cemitério, o que ocorreu próximo à futura estação da Rede Viação Cearense, o qual se denominou São Casemiro, exatamente por ser esse o nome do Presidente de então. Somente muitos anos depois seria fundado o cemitério de São João Batista, para onde foram traslados os restos de quantos haviam sido enterrados no cemitério de São Casemiro construindo-se no local deste último as dependências da estação. (ADERALDO, 1998, p. 30)
Nos anos que se passaram junto a falta de informação tornou possível o
esquecimento de alguns fortalezenses sobre o processo de construção da Estação
João Felipe.
Esta informação nos remete ao pensamento de Cosgrove (1998) ao
estudar as paisagens das culturas alternativas na categoria de paisagens residuais:
88
Os geógrafos há muito tem interesse por paisagens relíquias, usando-as geralmente como pistas para a reconstrução de antigas geografias. Mas, como ocorre com todos os documentos históricos, é difícil recuperar o significado de tais formas para os que as produziram e, na verdade, a interpretação que fazemos deles nos diz tanto sobre nós mesmos e nossas suposições culturais quanto sobre seu significado original. (1998, p. 117)
Desse modo, Nogueira (1954) informa o quanto é surpreendente pensar
que as pessoas que passam em frente a Estação João Felipe muitas décadas após
sua construção não lembrem-se ou não saibam que ali embaixo daqueles muros já
existiu um cemitério, local de repouso e moradia eterna de muitos que por Fortaleza
passaram, fizeram história e aqui morreram.
Parte das oficinas, o Chalet, a Carpintaria, os Depósitos e desvios estão assentes sobre o local do antigo cemitério de S. Casemiro, assim chamado pelo nome do presidente Casemiro José de Morais Sarmento. O Cemitério Velho, também chamado do Croatá, por causa do morro que lhe ficava ao lado, foi edificado em virtude da lei provincial nº 319, de 1º de agosto de 1844, ficando completas as obras em 1849. Aí se fizeram enterramentos até abril de 1865, época em que foi fechado sob pretexto de se achar quase dentro da cidade, estar sendo invadido pelas areias do morro, estarem sepultados inúmeros coléricos. Daí por diante jazeu em completo abandono, até que em 1877 se resolveu a sua demolição. A autoridade competente mandou exumar alguns restos e os recolher, aos 12 de abril de 1880, ao Cemitério Novo, de S. João Batista (...). (NOGUEIRA, 1954, p. 74 - 75)
Os motivos alegados para a retirada do cemitério São Casemiro estavam
atrelados a inconveniência do espaço onde foi construído o antigo cemitério, pois o
mesmo colocava a população em perigo. Durante o século XIX muitas pessoas
morreram de doenças infecciosas como a cólera e a tuberculose e o que se
proliferava era que os ventos vindos do cemitério poderiam trazer doenças para
população da cidade que morava ali nas proximidades. Afinal a cidade foi crescendo
e se expandindo próxima a Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção.
Todavia, é necessário informar também que outras motivações foram
necessárias para a transferência do cemitério, uma delas foi o aumento no
contingente populacional da cidade que cresceu bastante e a outra causa esteve
ligada a localização estratégica que justificou a implantação da estação naquele
local, pois a proximidade junto ao mar e ao porto da cidade facilitaria a escoação dos
produtos advindos do interior.
Nogueira (1954) expõe a opinião diante da transferência do cemitério
velho da cidade para o novo chamado São João Batista:
89
Compreende-se perfeitamente as razões por que se fechou o Cemitério Velho; o que porém nunca pudemos compreender foi o abandono, de que fomos tantas vezes testemunhas, daquele humilde Campo Santo. Em 1878 já estava quase tudo em ruínas: túmulos desmoronados, catacumbas abertas, deixando ver o seu horripilante conteúdo, ossos dispersos pelo chão, onde os animais pastavam tranquilamente. (1954, p. 75)
Assim a construção da estação foi possível e o prédio da Estação João
Felipe era de um só andar e amplo, pois nas dependências estavam localizadas as
oficinas que faziam parte da estação. A fachada era composta por colunas e uma
escadaria que ligava a parte exterior junto a parte interna da Estação.
Figura 11- Prédio da Estação João Felipe Fonte: Arquivo Nirez – Álbum Vistas do Ceará (1908)
Na Figura 11 pode ser visualizado o prédio da Estação João Felipe no
início do século XX. Antes de chamar Estação João Felipe, o prédio era intitulado de
Estação Central até meados de 1956 e os trens partiam principalmente para estação
da Parangaba e Baturité. Nota-se a iluminação pública e o campo da Amélia
localizado em frente ao prédio da estação.
90
Nogueira (1954) faz uma crítica ao local de escolha para a construção da
Estação João Felipe:
Nas grandes cidades, a necessidade de espaço explica a demolição de muita coisa velha. Na Fortaleza daquele tempo nem esta razão se podia apresentar; não se podia dizer que o Cemitério devia desaparecer para ceder lugar às construções da Estrada. Esta dispunha de locais muito melhores que o atual, onde pudesse se estabelecer. Que a tradição que tenha colocado a Estação onde ela está para que fosse vista do mar, como já o eram a Fortaleza, a Misericórdia e a Cadeia. Completava-se com a Estação um certo quadro que obrigaria o navegante, bem de longe, a aproximar-se com respeito, pois aqui também havia Força e Humanidade, Rigor e Autoridade. Idéias do tempo... (1954, p. 76)
A Figura 12 destaca a Estação João Felipe no ano de 1912, localizada na
Rua Doutor João Moreira.
Figura 12- Estação João Felipe Fonte: Arquivo Nirez – Fotografia Avulsa (1912)
91
Em frente ao prédio da estação encontrava-se o campo da Amélia e
posteriormente uma parte do terreno foi transformada na “Praça da Estação”. Nota-
se também nessa fotografia os cabos e fios de implantação dos bondes elétricos no
centro da cidade um sinal de modernidade e avanço na mobilidade da cidade de
Fortaleza do início do século XX.
Sobre as transformações no campo da mobilidade urbana na cidade de
Fortaleza, sabe-se que se instalaram na cidade os primeiros bondes puxados por
animais ainda no final do século XIX. E no início do século XX chegaram os bondes
elétricos e ainda em meados da década de 1920 chegam os primeiros ônibus.
Fortaleza inaugurou sua primeira linha de bonde com tração animal em 1880. (...) Os bondes elétricos chegam em 1913, expandem-se rapidamente atendendo as demandas de vários bairros das imediações do Centro, mas tiveram vida curta- foram desativados em 1947. A primeira linha de ônibus foi instalada em 1928, com seis ônibus da Empresa Pedreira que cobriam a cidade. (GYLMAR et al., 2006, p. 34)
Sobre os bondes deve-se dizer que existia uma separação de classes
para os bondes elétricos com vagões que eram ocupados por pessoas de primeira
classe e bilhetes mais caros e na segunda classe bilhetes mais baratos. E uma parte
do valor adquirido das passagens era doada para casas beneficentes como a Santa
Casa de Misericórdia é o que informa Aderaldo (1998):
Em 1914 teve início a era dos bondes elétricos. Havia bondes de “tostão” e de “dois tostões”, isto é, de cem e de duzentos réis, que eram identificados pela cor de suas testadas: - o de segunda classe era prateado e o de primeira classe era pintado de verde. Os cupões de passagens, destacados pelos cobradores (condutores, como eram impropriamente chamados) à vista dos passageiros, eram a estes entregues porque valiam a centésima parte de seu preço, desde que resgatados em favor de associações de caridade, como a Santa Casa , o Asilo de Alienados , Leprosário etc. Dessa forma, a empresa concorria para aquelas filantrópicas entidades e, ao mesmo tempo, controlava o movimento de passageiros, para efeito de tomadas de contas. (1998, p. 41)
Na Figura 13 pode ser observada a fachada da Estação João Felipe, já
com os bondes circulando pela cidade, bem como um carro estacionado em frente
ao prédio da Estação. Árvores no canto direito onde antes era um campo aberto.
Esta fotografia registra a urbanização visualizada na paisagem da cidade de
Fortaleza no início do século XX.
92
Figura 13- Estação João Felipe Fonte: Arquivo Nirez – Fotos Avulsas (1914)
Nesse sentido, as informações descritas neste tópico nos remete ao
pensamento de Meining (1976) ao explicar sobre várias versões existentes para uma
mesma cena o autor em uma delas aborda sobre a paisagem como história. “Para
tal observador, tudo que se estende à frente de seus olhos é um complexo registro
cumulativo do trabalho da natureza e do homem em um dado lugar.” (p. 42, 1976)
Podemos observar isto nas fotografias e nos relatos descritos nesta pesquisa. “A
paisagem visível não é um completo registro da história, mas ela poderá fornecer
com diligência e por interferência muito mais dados do que um olhar casual.” ( p. 42,
1976)
Assim foram feitas observações das imagens junto as decrições
existentes sobre a história da época da construção e retratação das imagens.
Atualmente a Estação João Felipe está desativada, devido a inauguração do metrô
da cidade de Fortaleza, a Estação não funciona mais como ponto de idas e vindas
93
dos trens, mas existem alguns projetos para a revitalização do local mantendo seus
estilo arquitetônico e mudando a sua função para com a população.
94
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O conceito de paisagem é um dos mais antigos conceitos geográficos.
Desse modo, entende-se que a geografia humana por bastante tempo negligenciou
o caráter simbólico e subjetivo inserido no conceito de paisagem.
Nesta dissertação o embasamento teórico esteve pautado no estudo da
paisagem a partir da geografia cultural. Foi realizado um resgate histórico conceitual
da paisagem e cultura a principio com Sauer (2007), todavia surgiram críticas ao
pensamento e legado saueriano, no qual Sauer (2007) enfatizava a cultura com seu
caráter supra-orgânico e suas leis que pairavam a sociedade, Duncan (2007) foi um
autor crítico aos estudos de Sauer (2007), no entanto ficou evidente que foi a partir
do pensamento de Sauer (2007) que novos estudos surgiram e embasaram a
geografia cultural.
A partir da década de 1970 a geografia cultural passou por um processo
de mudança, diante dessas transformações surgiu a geografia cultura renovada, o
caráter subjetivo junto aos significados e simbolismo passou a ser inserido nos
estudos geográficos, bem como novos estudos surgiram inserindo o conceito de
paisagem, região , lugar, território e espaço.
A paisagem passou a ser um conceito envolvido nas práticas culturais e
nas práticas simbólicas que levam novas concepções geográficas e possibilitam
novos estudos enviesados em áreas interdisciplinares e alguns podem até comentar
como áreas marginalizadas para a geografia como a arte, o cinema, a literatura, a
fotografia entre outras áreas, todavia sabe-se que são áreas que possibilitam
estudos ricos e interessantes para a geografia cultural.
No Brasil a geografia cultural foi introduzida de certa forma tardiamente,
começou apenas na década de 1990 e proliferou-se principalmente nos estudos de
religião, etnias e festas populares, campos estes não visualizados anteriormente
com tanta força, quanto a partir da inserção da geografia cultural no Brasil.
Assim o conceito de paisagem permeou toda essa dissertação com mais
intensidade no primeiro capítulo a partir da apresentação conceitual e ao final
através da relação das imagens com os autores que trabalham com conceito de
paisagem na geografia cultural.
Nesse sentido, a fotografia enquanto arte e intervenção social pode
proporcionar uma memória e registro de momentos históricos dos sujeitos com o seu
95
entorno. Assim, a fotografia possui uma capacidade de demarcar um tempo e um
espaço em um só instante.
Desse modo, entende-se que a imagem fotográfica pode não explicar
todo o passado, mas ela é um registro de algo do passado, ou seja algo que já
aconteceu não volta mais, uma cena que se insere em todo um contexto sócio
cultural de período retratado. Kossoy(2012) explica que é necessário uma busca
junto a outras fontes bibliográficas para a realização de um estudo de imagens
fotográficas, pois a realidade não necessariamente está ali posta para todos
entenderem, é necessário um estudo aprofundando junto a outras fontes para tentar
entender o que a imagem quer passar, principalmente se envolve uma pesquisa
científica.
Assim, a paisagem vista na fotografia, a arquitetura e as roupas são
pistas inerentes ao documento fotográfico que servem para uma compressão do que
a imagem quer retratar. Dessa forma, estas pistas se tornam importantes, pois são
vestígios existentes nas imagens e junto a outras fontes bibliográficas e informações
repassadas via escrita ou oral torna possível entender as paisagens geográficas
existentes por trás e para além da fotografia. Portanto, nesta dissertação a fotografia
pôde ser estudada sob o viés científico associada junto ao estudo geográfico através
do conceito de paisagem.
Portanto, relacionando o conceito de paisagem junto às imagens
fotográficas monocromáticas da primeira metade do século XX, foram realizados os
estudos dos logradouros existentes na Rua Doutor João Moreira, que possibilitaram
a contextualização e entendimento do processo de formação da cidade de Fortaleza,
a partir do recorte espacial selecionado para esta pesquisa como: Fortaleza de
Nossa Senhora da Assunção, Passeio Público, Santa Casa de Misericórdia, Cadeia
Pública Municipal e Estação João Felipe.
Desse modo, cada logradouro se deteve a uma breve explicação histórica
relacionada ao conceito de paisagem permeado a partir da geografia cultural na
seguinte maneira: a Fortaleza de Nossa da Assunção se deteve a estudar a
paisagem enquanto marca e matriz de Berque (1998); o Passeio Público abordou a
paisagem da cultura dominante de Cosgrove (1998); a Santa Casa de Misericórdia a
paisagem dos excluídos de Cosgrove (1998); a Antiga Cadeia Pública Municipal a
paisagem e o processo de construção de um determinado espaço por Costa (2003);
a Estação João Felipe relacionou as paisagens residuais de Cosgrove (1998).
96
Dessa forma, para o entendimento da composição fotográfica foi
contextualizado o local, a data e os significados existentes nas fotografias através de
uma investigação das imagens junto ao modelo metodológico de Kossoy(2012). As
imagens foram associadas junto ao contexto histórico e social do período
selecionado enquanto recorte espacial, bem como a história da cidade de Fortaleza
nas últimas décadas do século XIX e primeiras décadas do século XX foram
pertinentes para o constructo e compreensão das fotografias monocromáticas.
Ao longo desta pesquisa foi possível constatar que as fotografias podem
ser estudadas pelo viés geográfico e foi possível entender a composição da
paisagem da Rua Doutor João Moreira, localizada na cidade de Fortaleza a partir da
fotografia monocromática da primeira metade do século XX.
97
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102
ANEXO A
I. IDENTIDADE DO DOCUMENTO + CARACTERÍSTICAS INDIVIDUAIS
( Registro, localização física, procedência, conservação)
1. Identificação
1.1 Nº de tombo ou registro, nomes, títulos e demais elementos relativos à
identificação do documento;
2. Localização física do documento
2.1 Localização do documento na instituição;
3. Procedência
3.1 Origem da aquisição ( de quem foi adquirido?)
3.2 Tipo de aquisição ( compra, permuta, doação, empréstimo, outras) data e
demais detalhes; em se tratando de instituição pública, especificar o número do
processo e demais detalhes, se forem importantes para a elucidação da história do
documento;
3.3 Foi adquirido juntamente com outros documentos?
3.4 É peça avulsa ou faz parte de um conjunto de fotos?
3.5 Se o documento fotográfico for parte integrante de um álbum ou de uma
publicação – em que foram utilizadas cópias fotográficas originais ou reproduções
sob diferentes meios, a título de ilustração – é necessário recuperar os dados
bibliográficos;
3.6 Demais informações sobre a procedência;
4. Conservação
4.1 Estado atual de conservação
4.2 Condições físicas em que se acha armazenado ( pasta, envelope, arquivo de
madeira, metal, etc.);
4.3 Condições ambientais em que se acha armazenado ( local climatizado
segundo as normas ou sem nenhuma climatização);
II. INFORMAÇÕES REFERENTES AO ASSUNTO
(Tema representado na imagem fotográfica)
1. Referência visual do documento
103
Útil enquanto instrumento de trabalho ao longo de toda a pesquisa, daí a
necessidade de reprodução do documento- matriz – frente e verso se for o caso (
reprodução em diferentes processos e suportes, conforme a necessidade; fotografia,
meios eletrônicos, etc.)
2. Descritores de conteúdo ( palavras- chave – inventário temático)
Atribuição de palavras-chave direta e/ou indiretamente relacionadas ao conteúdo;
3. Anotações no documento matriz
Observar eventuais anotações como, por exemplo: notas marginais, comentários,
dedicatória, data e local, e outras informações anotadas; podem se tratar de
importantes indícios para a identificação do documento como um todo ou da imagem
em particular;
4. Descrição concisa do tema
Descrição precisa e concisa do conteúdo da imagem;
104
ANEXO B
ADAPTAÇÃO DO MODELO METODOLÓGICO DE KOSSOY( 2012)
ID IDENTIDADE DO DOCUMENTO + CARACTERÍSTICAS
INDIVIDUAIS
Título: Figura 1- Rua Dr. João Moreira
Localização
física do
documento:
Arquivo Nirez
Faz parte de um conjunto de um conjunto de fotos.
Álbum Vistas do Ceará – 1908
Conservação: Fotografia em bom estado com poucas manchas
Condições de
armazenamento:
Armazenada em arquivo pessoal em boas condições
climáticas.
Descrição
Concisa do
Tema:
Rua Dr. João Moreira. Lateral esquerda Passeio Público.
Lateral direita Rua Major Facundo esquina com Hotel de
France. Rua calçada de pedra. Algumas pessoas e no canto
direito da fotografia animais.
ID IDENTIDADE DO DOCUMENTO + CARACTERÍSTICAS
INDIVIDUAIS
Título: Figura 2 - Casa do Dr. João Moreira
Localização
física do
documento:
Arquivo Nirez
Faz parte de um conjunto de um conjunto de fotos.
Álbum Vistas do Ceará – 1908
Conservação: Fotografia em bom estado com poucas manchas
Condições de
armazenamento:
Armazenada em arquivo pessoal em boas condições
climáticas.
Descrição
Concisa do
Tema:
Rua Dr. João Moreira. Vista de dentro do Passeio Público.
Casa onde morou Dr. João Moreira. Esquina da Rua Formosa
(atual Barão do Rio Branco). Rua calçada de pedra.
105
ID IDENTIDADE DO DOCUMENTO + CARACTERÍSTICAS
INDIVIDUAIS
Título: Figura 3 - Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção
Localização
física do
documento:
Arquivo Nirez
Faz parte de um conjunto de um conjunto de fotos.
Álbum Vistas do Ceará - 1908
Conservação: Fotografia com algumas manchas
Condições de
armazenamento:
Armazenada em arquivo pessoal em boas condições
climáticas.
Descrição
Concisa do
Tema:
Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção entre as Ruas Dr.
João Moreira e Av. Alberto Nepomuceno.
ID IDENTIDADE DO DOCUMENTO + CARACTERÍSTICAS
INDIVIDUAIS
Título: Figura 4 - Chafariz do Passeio Público
Localização
física do
documento:
Arquivo Nirez
Faz parte de um conjunto de um conjunto de fotos.
Álbum Vistas do Ceará - 1908
Conservação: Fotografia em bom estado com pequenas manchas.
Condições de
armazenamento:
Armazenada em arquivo pessoal em boas condições
climáticas.
Descrição
Concisa do
Tema:
Chafariz da Praça. Plantas e Pessoas com trajes da época.
ID IDENTIDADE DO DOCUMENTO + CARACTERÍSTICAS
INDIVIDUAIS
Título: Figura 5- Passeio Público
Localização Arquivo Nirez
106
física do
documento:
Faz parte de um conjunto de um conjunto de fotos.
Álbum Vistas do Ceará – 1908
Conservação: Fotografia em bom estado com poucas manchas
Condições de
armazenamento:
Armazenada em arquivo pessoal em boas condições
climáticas.
Descrição
Concisa do
Tema:
Praça do Passeio Público. Entrada da Rua Dr. João Moreira
com Rua Major Facundo. Homens, mulheres e crianças com
trajes típicos da época. Um família visita o Passeio Público.
ID IDENTIDADE DO DOCUMENTO + CARACTERÍSTICAS
INDIVIDUAIS
Título: Figura 6 - Passeio Público
Localização
física do
documento:
Arquivo Nirez
Faz parte de um conjunto de um conjunto de fotos.
Álbum Vistas do Ceará - 1908
Conservação: Fotografia em bom estado com pequenas manchas.
Condições de
armazenamento:
Armazenada em arquivo pessoal em boas condições
climáticas.
Descrição
Concisa do
Tema:
Primeiro Andar do Passeio Público. Pessoas com trajes da
época desfrutam do Passeio Público.
ID IDENTIDADE DO DOCUMENTO + CARACTERÍSTICAS
INDIVIDUAIS
Título: Figura 7 - Santa Casa de Misericódia
Localização
física do
documento:
Arquivo Nirez
Foto Avulsa
Aproximadamente 1930
Conservação: Fotografia em bom estado com pequenas manchas.
107
Condições de
armazenamento:
Armazenada em arquivo pessoal em boas condições
climáticas.
Descrição
Concisa do
Tema:
Prédio da Santa Casa de Misericórdia com dois andares.
Esquina da Rua Dr. João Moreira com Rua Barão do Rio
Branco ( antiga rua Formosa).
ID IDENTIDADE DO DOCUMENTO + CARACTERÍSTICAS
INDIVIDUAIS
Título: Figura 8 - Cadeia Pública Municipal
Localização
física do
documento:
Arquivo Nirez
Foto Avulsa
Aproximadamente 1908
Conservação: Fotografia em bom estado com pequenas manchas.
Condições de
armazenamento:
Armazenada em arquivo pessoal em boas condições
climáticas.
Descrição
Concisa do
Tema:
Prédio da Antiga Cadeia Pública Municipal. Atual Centro de
Turismo.
ID IDENTIDADE DO DOCUMENTO + CARACTERÍSTICAS
INDIVIDUAIS
Título: Figura 9 - Prédio da Estação João Felipe
Localização
física do
documento:
Arquivo Nirez
Álbum Vistas do Ceará - 1908
Conservação: Fotografia em bom estado com pequenas manchas.
Condições de
armazenamento:
Armazenada em arquivo pessoal em boas condições
climáticas.
Descrição
Concisa do
Tema:
Prédio da Estação João Felipe. Praça ainda não urbanizada.
108
ID IDENTIDADE DO DOCUMENTO + CARACTERÍSTICAS
INDIVIDUAIS
Título: Figura 10 -Estação João Felipe
Localização
física do
documento:
Arquivo Nirez
Foto Avulsa (1914)
Conservação: Fotografia em bom estado com pequenas manchas.
Condições de
armazenamento:
Armazenada em arquivo pessoal em boas condições
climáticas.
Descrição
Concisa do
Tema:
Prédio da Estação João Felipe. Praça ainda não urbanizada.
Fios e postes para a instalação dos bondes elétricos no centro
da cidade de Fortaleza.
ID IDENTIDADE DO DOCUMENTO + CARACTERÍSTICAS
INDIVIDUAIS
Título: Figura 11 - Estação João Felipe
Localização
física do
documento:
Arquivo Nirez
Foto Avulsa
Aproximadamente 1914
Conservação: Fotografia em bom estado com pequenas manchas.
Condições de
armazenamento:
Armazenada em arquivo pessoal em boas condições
climáticas.
Descrição
Concisa do
Tema:
Prédio da Estação João Felipe. Praça urbanizada. Bondes
elétricos circulando. Um carro parado em frente a Estação
João Felipe.
110
APÊNDICE A
As fotografias abaixo são registros de minha autoria feitos no ano de
2014, através da visualização destas imagens pode ser feito uma comparação e
percepção das mudanças acarretadas na paisagem no decorrer de muitos anos que
se passaram nos logradouros existentes na Rua Doutor João Moreira.
Rua Doutor João Moreira Foto: SANTOS, N. P. L. dos. (2014)
111
Casa do Doutor João Moreira Foto: SANTOS, N. P. L. dos. (2014)
Fortaleza Nossa Senhora da Assunção Foto: SANTOS, N. P. L. dos. (2014)
113
Passeio Público Foto: SANTOS, N. P. L. dos. (2014)
Fortaleza Nossa Senhora da Assunção Foto: SANTOS, N. P. L. dos. (2014)
114
Santa Casa de Misericórdia Foto: SANTOS, N. P. L. dos. (2014)
Antiga Cadeia Pública Municipal Foto: SANTOS, N. P. L. dos. (2014)
115
Estação João Felipe Foto: SANTOS, N. P. L. dos. (2014)
Estação João Felipe Foto: SANTOS, N. P. L. dos. (2014)