Paula RIBEIRO1,2*, Bárbara SILVA2, Vítor MATOS3
1Departamento de Ciências da Vida, Universidade de Coimbra, Portugal; 2 Instituto Superior de Ciências da Saúde - Norte, Portugal 3Centro de Investigação em Antropologia e Saúde (CIAS), Universidade de Coimbra, Portugal; *[email protected]
MATERIAL E MÉTODOS
Contexto: Necrópole rupestre situada na vertente Este do adro da Sé catedral de Castelo
Branco (Igreja de São Miguel), escavada durante obras de reabilitação (Nunes, 2007).
Trabalhos antropológicos: Escavação de 9 sepulturas antropomórficas talhadas no
afloramento granítico (Fig. 2), em 2004. Exumação de 10 indivíduos (7 adultos e 3 juvenis).
Cronologia: Necrópole utilizada entre os séculos XIII/XIV e XIX, segundo fontes documentais,
dados estratigráficos e espólio arqueológico (Nunes, 2007).
Estudo de caso: Diáfise de fémur direito, provavelmente de indivíduo adulto, encontrada
junto ao antebraço esquerdo do esqueleto 5 – um indivíduo adulto, masculino, que constitui
o enterramento primário da sepultura 6. As alterações pós-deposicionais ocorridas não
permitiram esclarecer se a diáfise de fémur pertenceu a este enterramento (Fig. 1).
Metodologia: Estudo macroscópico, a olho nú e radiográfico.
NOTA INTRODUTÓRIA
O carácter agudo da maioria dos eventos infecciosos raramente permite
o desenvolvimentos de lesões ósseas, o que dificulta a compreensão da
paleoepidemiologia das doenças infecciosas (Ortner, 2008) - sobretudo quando
esta se baseia exclusivamente em evidências paleopatológicas primárias.
A descoberta de um possível caso de Mal de Pott , ou tuberculose vertebral, num indivíduo
não-adulto exumado da necrópole rupestre do adro da Igreja de São Miguel, em Castelo
Branco, trouxe à luz novos dados sobre a história destas doenças nesta cidade e em Portugal
(Matos et al., 2011). O presente trabalho tem como objectivo apresentar novos dados
relativos aos fenómenos infecciosos, particularmente a osteomielite, que afectaram os
Albicastrenses ao longo do tempo.
RESULTADOS
O fragmento de diáfise femoral (Fig. 3A,B,C), com 181 mm de comprimento, apresenta um
espessamento anómalo, fusiforme, cujo perímetro máximo é de 118 mm. Em norma ântero-
lateral (Fig. 3A) é evidente um orifício, com 11 mm de comprimento e 7 mm de largura, cujos
rebordos se apresentam remodelados e relativamente regulares. No interior desta cloaca são
visíveis fragmentos ósseos com morfologia irregular, compatíveis com sequestros – osso
necrosado.
No exame radiográfico é evidente um espessamento cortical, permeado por zonas de baixa
densidade – correspondentes provavelmente ao trajecto da(s) cloaca(s) –, existindo ainda uma
aparente diminuição do diâmetro do canal medular em toda a região (Fig. 3C).
DISCUSSÃO E CONCLUSÃO
A presença de uma cloaca – cuja origem poderá dever-se à drenagem de exsudado
purulento resultante de um processo infeccioso focal –, involucrum e sequestros denunciam
a existência de um processo osteomielítico em curso aquando da morte deste indivíduo.
Esta combinação de lesões é patognomónica da osteomielite (Ortner, 2008; Waldron, 2009).
A causa mais frequente da osteomielite é a infecção por estafilococos, sobretudo
Staphylococcus aureus (Lazzarini et al., 2004; Ortner, 2008). No entanto, esta pode
desenvolver-se associada a outros eventos infecciosos (ex. tuberculose, sífilis) ou de outra
natureza (ex. fracturas).
No presente caso, apesar da viabilidade do diagnóstico, não é possível determinar qual a
etiologia precisa da osteomielite.
Este caso junta-se às anteriores evidências relativas à importância das doenças infecciosas
enquanto factores efectivos de morbilidade, e provavelmente mortalidade, no passado da
cidade de Castelo Branco.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Lazzarini, L.; Mader, J.T.; Calhoun, J.H. (2004) Osteomyelitis in long bones. Journal of Bone and Joint Surgery (Am), 86: 2305-2318. Matos, V.; Marques, C.; Lopes, C. (2011) Severe vertebral collapse in a juvenile from the graveyard (13th/14th–19th centuries) of the São Miguel church (Castelo Branco, Portugal): differential palaeopathological diagnosis. International Journal of Osteoarchaeology, 21: 208-217. Nunes, S. (2007) Obra de conservação e valorização da Sé Catedral de Castelo Branco e respectivo logradouro. Sondagens Arqueológicas – 2004, 2ª e 3ª fases. Relatório final (não publicado). Ortner, D.J. (2008) Differential diagnosis of skeletal lesions in infectious diseases. In: Pinhasi, R.; Mays, S. (eds.): Advances in human palaeopathology. Chichester: John Wiley & Sons., pp. 57-76. Waldron, T. (2009) Palaeopathology. Cambridge: Cambridge University Press.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem a Pilar Reis, Susana Nunes, Danilo Pavone, Carina Marques, Célia Lopes, Ana Luísa Santos, Eugénia Cunha,
FCT - Fundação para a Ciência e a Tecnologia (grant numbers: SFRH/BPD/70466/2010), CIAS - Centro de Investigação em
Antropologia e Saúde, Departamento de Ciências da Vida da Universidade de Coimbra, Clínica Universitária de Imagiologia dos
Hospitais da Universidade de Coimbra.
Figura 2
Plano das sepulturas antropomórficas da necrópole rupestre da Igreja de São Miguel de Catelo Branco
(desenho: Susana Nunes e Danilo Pavone). Sepultura 6 assinalada com a seta.
cm
cm
A B C
Figura 2
Diáfise de fémur direito com sinais de osteomielite. A) Presença de espessamento, cloaca, sequestros e involucrum, em norma ântero-lateral; B) Parte posterior
do fémur com formação de osso novo e superfície irregular; C) Radiografia em norma postero-lateral, mostrando o involucrum, cloaca(s) e a diminuição do
diâmetro do canal medular.
Figura 1
Diáfise do fémur em estudo in
situ (elipse laranja), junto ao
enterramento 5, sepultura 6.
Osteomielite femoral num indivíduo exumado da necrópole rupestre
do adro da Sé Catedral (Igreja de São Miguel) de Castelo Branco, Portugal