Download - OS SANTUÁRIOS DE ASCLÉPIO:
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OS SANTURIOS DE ASCLPIO:
EXPRESSES ARQUITETNICAS, SOCIAIS E
RELIGIOSAS NOS SCULOS V, IV E III A.C.
Scheila Rotondaro Koch
Orientadora: Profa. Dra. Maria Beatriz Borba Florenzano
Linha de Pesquisa: Espao, Sociedade e Processos de Formao do
Registro Arqueolgico.
2012
Dissertao apresentada ao Programa
de Ps-Graduao em Arqueologia do
Museu de Arqueologia e Etnologia da
Universidade de So Paulo
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RESUMO
Os Santurios de Asclpio:
expresses arquitetnicas, sociais e religiosas nos sculos V, IV e III a.C.
Esta pesquisa de mestrado tem como objetivo uma melhor compreenso do
culto dedicado a Asclpio no contexto da plis grega dos sculos V, IV e III a.C.
Pretendemos captar as transformaes decorridas no culto neste perodo de grandes
mudanas no mundo grego. Para tanto, analisaremos os santurios de Asclpio em Epidauro,
Atenas, Corinto, Prgamo, Messene, Cs, Agrigento, Paros, Delos e Velia no que diz respeito
arquitetura, ao seu posicionamento no espao e em relao planimetria da respectiva plis.
As fontes textuais, sobretudo Pausnias, sero um apoio importante no decorrer do trabalho.
Palavras-Chave
Asclpio Santurios Estruturas Arquitetnicas Polis - Religiosidade.
ABSTRACT
Asclepius Sanctuaries:
architectural, social and religious expressions during the 5th, 4
th and 3
rd centuries B.C.
This master research aims at a better understanding of Asclepius Cult within
the Greek polis context of the fifth, fourth and third centuries B.C.
We intend to apprehend the transformations occurred in this period of great changes
within the Greek World. In order to so do, we will analyze ten Sanctuaries dedicated to
Asclepius, from Epidaurus, Athens, Corinth, Pergamum, Messene, Kos, Agrigento, Paros,
Delos and Velia. We will study their architecture, their geographical location (spatial
ositioning) and their planimetry correlating to their poleis. The ancient textual sources, above
all Pausanias, will be an important aid through this work.
Keywords
Asclepius Sanctuaries Architectural Structures Polis - Religiosity
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AGRADECIMENTOS
Gostaramos de agradecer algumas pessoas sem as quais este trabalho no teria sido
possvel.
Em primeiro lugar, Profa. Dra. Maria Beatriz Borba Florenzano, minha orientadora,
pelo acolhimento, incentivo e sbia orientao, e a Deus, sem Ele isso realmente no teria
sido possvel.
Em segundo lugar, aos colegas e, principalmente, amigos Alex dos Santos Almeida,
Lilian de Angelo Laky, Cludio Walter Gomez Duarte, Irmina Doneux Santos, Paola Zappa
Lopez, Conceio Gomes dos Santos Borges, Leila pelo apoio nos momentos em que mais
precisei.
Agradecemos especialmente a Banca de Qualificao Profa. Dra. Maria Isabel
DAgostino Fleming e Dra. Patrcia Pontin pela anlise atenta do trabalho, pelos conselhos e
sugestes. Esperamos ter seguido as suas sugestes. E tambm Dra. Silvana Trombetta. E
aos professores e colegas do Labeca, especialmente Ana Paula Morelli Tauhyl, pelo trabalho
com as imagens e a elaborao da capa.
Tambm no podemos deixar de agradecer ao pessoal do Museu de Arqueologia e
Etnologia da USP: aos amigos da Biblioteca, Eleuza, Vanuza Gregrio, Cida Santos,
Taia e Sandra. E a todos que nos ajudam no dia-a-dia do MAE.
Por fim, agradecemos CAPES, pela bolsa concedida. E a minha famlia.
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NDICE
Resumo .................................................................................................................................... 2
Agradecimentos ...................................................................................................................... 3
Mapa: Localizao dos Asklepieia estudados ..................................................................... 6
Introduo: Asclpio e Sociedade Grega................................................................................ 7
Captulo I. Descrio da Proposta e objetivos da pesquisa.....................................................14
Captulo II. O Culto de Asclpio............................................................................................ 22
Captulo III. A Documentao: Apresentao dos Santurios de Asclpio
no Mundo Grego ............................................................................................ 28
Tabela 3.1 Quadro comparativo dos Asklepieia ..........................................................29
Descrio dos Asklepieia ............................................................................................30
Asklepieion de Epidauro ............................................................................... 30
Tabela 3.2. .......................................................................................... 35
Asklepieion de Atenas ................................................................................... 37
Tabela 3.3. .......................................................................................... 39
Asklepieion de Corinto .................................................................................. 43
Tabela 3.4. .......................................................................................... 48
Asklepieion de Prgamo ................................................................................ 50
Tabela 3.5. .......................................................................................... 54
Asklepieion de Messene ................................................................................. 56
Tabela 3.6. .......................................................................................... 59
Asklepieion de Cos ......................................................................................... 61
Tabela 3.7. .......................................................................................... 62
Asklepieion de Agrigento .............................................................................. 64
Tabela 3.8. .......................................................................................... 65
Asklepieion de Paros ..................................................................................... 69
Tabela 3.9. .......................................................................................... 72
Asklepieion de Delos ...................................................................................... 74
Tabela 3.10. ........................................................................................ 74
Asklepieion de Velia ...................................................................................... 77
Tabela 3.11. ....................................................................................... 78
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Captulo IV. Asclpio, a cura e o apoio religiosos em uma sociedade em transformao.
.................................................................................................................................80
Votos a Asclpio: os passos do caminhante em direo cura ..................................80
Desenvolvimento do culto e do ritual de Asclpio .................................................. 86
Transio do sculo IV para o sculo III a.C.: oficializao do culto no
contexto da cidade helenstica ........................................................................ 94
O Culto de Asclpio e os Cultos Orientais ...............................................................98
Os Asklepeieia em Perodo Romano ........................................................................ 99
Consideraes finais ............................................................................................... 101
Bibliografia........................................................................................................................... 103
Fontes Literrias ..................................................................................................... 103
Referncias .............................................................................................................. 104
Sites Consultados ..................................................................................................... 111
Pranchas ............................................................................................................................... 112
Prancha I Epidauro ..................................................................................................112
Prancha II Atenas ................................................................................................... 113
Prancha III Corinto ................................................................................................. 114
Prancha IV Prgamo ............................................................................................... 115
Prancha V Messene ................................................................................................ 116
Prancha VI Agrigento ............................................................................................ 117
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Mapa: Localizao dos Asklepieia estudados
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INTRODUO. ASCLPIO E A SOCIEDADE GREGA
Desde o incio deste trabalho mostramos a importncia de Asclpio como deus da
cura, especialmente no perodo estudado e principalmente a partir do sculo V a.C., quando a
sociedade grega vivia um momento de grave crise. Esse processo iniciou-se bem antes, no
sculo VI a.C., com a consolidao da expanso grega pelo Mediterrneo, movimento que
gerou modificaes importantes nas tradicionais relaes econmicas. Isto provocou nas
cidades oligrquicas reaes que iam desde a reivindicao de direitos polticos por parte
daqueles que enriqueceram com o comrcio at os pequenos camponeses e a mo-de-obra
urbana, que desejavam uma revoluo social.
Legisladores como Slon, em Atenas, e tantos outros em plis por todo o
Mediterrneo, foram encarregados de julgar os conflitos e redigirem leis que, a partir de
ento, eram aplicveis a todos (nomoi). Contudo, essas reformas foram insuficientes, fazendo
surgir uma forma poltica nova: em diversas cidades, um tirano passou a ser encarregado de
toda a autoridade para reequilibrar as instituies sociais.
Os regimes tirnicos, mesmo o de Pisstrato fundado em Atenas, no puderam resistir
vontade dos cidados de assumirem suas responsabilidades polticas. Atenas, tomada aqui
como exemplo das transformaes que geraram o sistema poltico-social representado pelas
pleis, fundou no incio da dcada de 470 a.C., em Delos, uma nova aliana ou liga de
cidades, com um tesouro pblico comum, obtido atravs de impostos, e uma poltica militar
tambm comum, cada vez mais determinada por Atenas.
A guerra do Peloponeso teve como estopim a disputa pela hegemonia territorial entre
Atenas e Esparta e a origem do confronto est no descontentamento dos espartanos com a
atuao de Atenas na administrao do esplio da guerra contra os persas.
A cidade de Atenas esteve em ascenso entre 463 e 454 a.C., tendo chegado muito
prximo a total supremacia. Muitos autores denominam esse perodo como a poca
imperialista de Atenas. Nesse momento, os atenienses afirmavam essa supremacia que
nenhuma outra cidade conseguiu atingir e, embora o mar e as rotas comerciais estivesse sob
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seu domnio, bem como as minas e as riquezas da terra, no conseguiram eliminar a
concorrncia espartana no Mediterrneo Oriental.
Ainda que vigorasse o sistema de plis, ficava evidente que a disputa entre Atenas e
Esparta e depois entre Atenas e Siracusa eram meros reflexos da existncia de um mundo
muito maior criado por esse mesmo sistema e que ultrapassava em muito a ideologia que
imperava nas pequenas cidades autnomas e autossuficientes.
As cidades gregas, de maneira geral, foram perturbadas por conflitos sociais,
consequncia das guerras; a uma minoria de ricos comerciantes, de manufatureiros e de
grandes proprietrios opunha-se o povo, frequentemente privado de suas terras e sofrendo
com a concorrncia do trabalho escravo.
A moeda de Atenas tornou-se obrigatria em todas as cidades que compunham a liga
de Delos e a poltica imperial ateniense era determinada por Pricles. Uma brilhante poltica
de obras pblicas foi posta em prtica.
Passo a passo, a prpria Atenas se tornou uma cidade fortificada tanto quanto era
possvel numa rea to extensa e com grande poderio militar; era uma cidade plena em
obras de arte, democrtica, com dinheiro abundante, alm de ter conseguido garantir o
comrcio com cidades norte-africanas.
A invaso da tica pelos peloponsios, na segunda metade do sculo IV a.C., foi
marcada por grandes destruies. Ao mesmo tempo em que a cidade era destruda por terra,
os atenienses com seus navios sitiavam o litoral do Peloponeso; por um tempo, os atenienses
tiveram relativo sucesso, porm, com uma segunda invaso da tica e com a desapropriao
da zona rural, a cidade comeou a enfrentar uma epidemia de peste. Atenas definhava por
dentro e por fora, pois enquanto os atenienses caam por terra devido guerra, a peste
dizimava a populao no interior da cidade.
Os filsofos manifestavam-se com relao necessidade de reformas. O indivduo
reivindicava seus direitos e sua liberdade contra a lei cvica; o processo de Scrates em 399
a.C. traduzia esta questo.
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O mundo grego, ento, sentiu sua falncia poltica: oradores, Iscrates, sobretudo,
pregavam a necessidade da unio e o fracasso das antigas alianas fez com que se pensasse
que apenas um rei poderia agrupar o que denominavam como as foras vivas do helenismo.
Uma contradio se estabeleceu entre o que os gregos almejavam e o que pregavam
como ideal de vida da plis, a realidade se mostrava muito mais complexa e deficiente frente
aos novos problemas que eles passaram a enfrentar; isso acabou levando expanso de
prticas de religiosidade entre as quais podemos situar a difuso do culto de Asclpio.
Com relao ao panteo grego, o sistema dos deuses era aparentemente inaltervel,
embora todos seus elementos fossem variveis: os nomes dos deuses individuais cobriam
mais de uma funo e seus papis variavam. Uma atribuio de Zeus em lis, por exemplo,
poderia ser tambm uma atribuio de Atena em Atenas. O que era esperado e exigido dos
deuses, de maneira geral, era o mesmo: chuva, po, vinho, sade fsica, curas, sabedoria
oracular e paz.
As contradies na natureza dos deuses individuais perturbavam apenas os filsofos,
j que os indivduos adquiriam a sua sabedoria religiosa a partir da tradio e faziam a sua
seleo automaticamente.
De forma geral possvel notar que, com relao a Atenas e aos atenienses, estes
estavam mais abertos a concepes ousadas para esse perodo, como as de Aristfanes e
Plato. Para eles, nenhum deus era o mais importante e no seguiam um credo determinado.
O elemento dominante neste momento de transio era a desorientao, que foi aos
poucos geradora de uma perda de identidade. E, a partir da, podemos registrar esse apego
renovao da religiosidade. As antigas formas da religio grega, os rituais pblicos e coletivos
que abrangiam toda a sociedade e correspondiam a um modo de vida particular vinham
perdendo sua fora desde o fim do sculo IV a.C., assim como muitas de suas funes vieram
sendo assumidas pelo estado.
Os atenienses talvez j no entendessem mais que rituais estavam praticando. Um
claro exemplo deste quadro foi o dramaturgo Eurpedes, para quem os mitos eram colees de
histria que perpetuavam crenas sobre concepes primitivas; o alvo de suas peas o
negado, o vencido e sua histria.
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Este quadro de fadiga nervosa, de ansiedade generalizada que foi sendo desenhado, foi
a causa do posterior incremento de uma maneira diferente dos gregos vivenciarem sua
religiosidade. Havia diversos deuses e heris que tambm atendiam s necessidades de cura
da populao, como era o caso de Anfiarau e do prprio Apolo; curar era uma das principais
prerrogativas de um deus, assim como a clera de um deus ou de um heri poderia
desencadear alguma doena.
O que particularmente surpreendente no caso de Asclpio que ele era um deus
especializado em curar, sem outras tarefas especficas: curar sua principal e nica funo. E,
para tanto, Asclpio estava acompanhado de suas quatro filhas, fruto de sua unio com
Epone: ceso (a que cuida de), Iaso (a cura), Panacia (a que socorre a todos) e
Hygieia (a sade).
A expanso do culto a Asclpio e a fundao de novos santurios eram, levando-se em
considerao alguns dos templos estudados como o caso do Asklepieion de Prgamo,
prerrogativas de pessoas que tinham sido curadas e se propunham a propagar, em sinal de
reconhecimento, o culto do deus, exaltando sua importncia (BURKERT, 2009:19).
Ao levar isto em conta, importante considerar o potencial do apelo individual
exercido pelo deus que, de alguma forma, atendia s necessidades das pessoas que viveram
nos sculos V, IV e III a.C., aqui analisados, onde se deu a enorme difuso do culto.
Um indcio interessante dessa constatao so as variaes que o nome de Asclpio
atingiu, indo desde Asklepios forma usada em Atenas, assim como por Homero, com
variantes como Aschlapios, Askalapios, Aisklapios, Aischlabios, Aischlapios, Aiglapios a
Aesclapius em etrusco e Aesculapius em latim (BURKERT, 2009: 18). Isto mostra que o
nome do deus, diferente de Heitor ou dipo, no se fundamentava em uma obra literria, mas
tem sua funo na prtica da invocao cultual: o deus da cura necessrio na realidade
quotidiana e seu nome difcil vem envolvido no sofrimento das doenas, sendo invocado com
um fervor especial (BURKERT, 2009: 18).
Asclpio atende a necessidade humana de apoio e reconforto num perodo em que o
modelo da plis grega entra em declnio e a sociedade vem sendo sacudida por inmeras
mudanas, tendo como principal ponto de abalo a cidade de Atenas, assolada pela peste.
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Para compreender o desenvolvimento que atingiu o culto de Asclpio necessrio ir
alm da preocupao com a manipulao da crena dos fiis, com o questionamento acerca do
conceito de milagres, bem como do suporte poltico do qual ao longo do tempo muitos dos
Asklepieia foram alvo durante a sua estruturao e desenvolvimento, o que poderia ser, em
muitos casos, uma consequncia do aumento da demanda populacional nas pocas estudadas.
Se partirmos do princpio da manipulao da crena, analisando a questo de maneira
ctica, possvel ento tratar o surgimento das curas como uma coincidncia: um sucesso
casual isolado pode promover um sucesso que vai sendo difundido, amplificado e
multiplicado, como visto hoje em dia em certos lugares de cura.
No caso dos santurios de Asclpio, esses pequenos sucessos se deram em diferentes
regies do mundo antigo, com suas populaes com costumes e culturas diferentes num
perodo total de mil anos, dos quais analisamos aqui apenas trs sculos: V, IV e III a.C. Isso
pressupe elementos de estabilizao, a formao de uma imagem do deus, a constncia de
interpretaes, a formao de uma estabilidade de mtodos e uma continuidade na
organizao e na transmisso da prtica (BURKERT 2009:18).
Se for levado em conta esse ponto de vista, possvel atribuir grande parte do crdito
aos sacerdotes profissionais, por um lado, que viviam no santurio a custa de seus
proventos, j que celebravam os cultos quotidianos, fenmeno estranho em relao aos
santurios tradicionais de outras divindades. Mas, por outro lado, a propaganda exercida por
essa casta sacerdotal surgiu e se desenvolveu graas demanda populacional grega e ao
tratamento de cura oferecido no santurio, da a situao mercadolgica de oferta e procura
vista posteriormente em muitos Asklepieia.
A maneira como o culto se desenvolveu demonstra que quem o procurou estava
atendendo, tambm, a uma necessidade humana individual: a de socorro, de ajuda num
momento de crise, e esta necessidade pairava por toda vrias regies gregas nos sculos V, IV
e III a.C.
No sculo IV a.C., os orculos gregos respondiam j a questes individuais, mesmo
em pequena escala. Neste mesmo perodo houve um considervel aumento no nmero de
pequenos mercadores e de estabelecimentos comerciais pouco slidos na Grcia: era possvel,
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em uma cidade, ascender ou decair na escala social com facilidade, e as polis, de maneira
geral, prosperavam ou arruinavam-se com maior facilidade.
Esses acontecimentos sociais provocaram novas concepes mitolgicas, novas
formas de entend-las e explic-las. Assim, para uma anlise sria e crtica da vida, os gregos
voltaram-se para os filsofos. Os pensadores gregos que desejassem ter suas teorias aceitas
pelos outros precisavam emoldur-las de modo a torn-las acessveis discusso racional e
pblica (CARTLEDGE, 2002: 383).
Aos poucos, principalmente depois de Plato, uma relao literria foi desenvolvendo-
se com tudo o que se referia mitologia antiga. Foi Scrates quem apresentou a filosofia a
Plato; nativo de Atenas, Scrates tinha grande preocupao com a virtude moral ele no
alegava conhecer a virtude, mas argumentava que o conhecimento da virtude faria a pessoa
comporte-se virtuosamente. Agir errado, segundo Scrates, feria a alma do indivduo a
verdadeira pessoa dentro do corpo e ningum gostaria de se ferir, ningum faria o mal a si
prprio ou aos demais voluntariamente. O nico motivo para algum agir errado era o
desconhecimento da verdadeira virtude. O objetivo de Scrates em suas discusses era
dissuadir os ouvintes de que soubessem o que era a virtude, incitando-os a buscar por si
mesmos a natureza da virtude verdadeira (CARTLEDGE, 2002: 402-405).
A cincia e a filosofia ocidentais desenvolveram-se a partir de uma base
fundamentalmente emprica. Os primitivos filsofos gregos tomaram como dado da realidade
a existncia deste mundo e preocuparam-se em explicar por que era assim. Mas tambm
partiram da suposio de que o conhecimento fazia parte do real e do eterno. Como as coisas
deste mundo esto em constante mudana, a sua aparncia em determinado momento no
correspondia ao que elas verdadeiramente eram. Ento, o conhecimento do mundo
precisava identificar uma substncia fundamental que permanecesse constante, por trs de
todas as mudanas (CARTLEDGE, 2002: 383).
Asclpio se propunha a curar todas as doenas e os doentes se deslocavam por longas
distncias para encontrar-se com o deus em sua busca pela cura. O mundo grego antigo foi
aos poucos se movimentando na direo da cura; contemporaneamente a este movimento, os
filsofos baseavam suas arguies na convico de que a razo humana pode compreender a
ordem existente por trs das mudanas do mundo.
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A aplicao da palavra filosofia como a conhecemos hoje nasceu no final do perodo
clssico, principalmente sobre a influncia de Plato e Scrates, sendo aplicada investigao
e a teorizao a respeito do conhecimento, do ser, da natureza do divino e da moral.
Scrates, j sofrendo os efeitos provocados do envenenamento pela cicuta, pediu aos
seus discpulos e amigos para que no se esquecessem de oferecer um galo em sacrifcio a
Asclpio em seu nome (PLATO, Apologia). Temos aqui uma comprovao de que um
cidado ateniense, contemporneo ao importante momento de transio mencionado, no
gostaria de deixar sem pagamento uma dvida com o deus da cura.
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CAPTULO I. DESCRIO DA PROPOSTA E OBJETIVOS DA PESQUISA
A pesquisa aqui desenvolvida prope uma investigao do culto dedicado a Asclpio
no contexto da plis grega dos sculos V, IV e III a.C. Atravs desse estudo buscamos uma
melhor compreenso desse culto, sua estrutura, seu desenvolvimento bem como de suas
variaes, tendo em vista o nvel de difuso atingido, que chegou a ultrapassar as fronteiras do
mundo grego antigo.
A opo por tal recorte temtico para o desenvolvimento de uma pesquisa de mestrado
est relacionada, por um lado, ao interesse suscitado pela trajetria mitolgica da divindade e
tambm ao interesse pelo culto atravs de suas particularidades contrastantes em muitos
aspectos com a tradicional religio grega.
O culto de Asclpio foi muito estudado, sobretudo, com relao histria da medicina
e neste estudo muitas fontes escritas foram manuseadas.
A proposta neste caso de tomar como objeto de estudo outro aspecto do culto que o
estudo dos santurios, na tentativa de melhor descrever as fases dos ritos e suas
transformaes no tempo. Isto visa o estudo da sociedade dentro do espao cronolgico dos
sculos V, IV e III a.C., atravs da observao dos templos de Asclpio.
O critrio para a escolha destas cidades estudadas teve por base, a disponibilidade de
informaes suficiente que permitisse o estabelecimento de uma correlao entre elas, bem
como de uma anlise conclusiva. A localizao geogrfica foi um fator importante, pois
permitiu uma apreciao geral do panorama do culto no mundo grego antigo.
Pretendemos descrever sistematicamente os santurios dedicados a Asclpio em
Epidauro, Atenas, Corinto, Cs, Prgamo, Messene, Velia, Agrigento, Paros e Delos no
tocante aos itens dos objetivos da redao proposta. Assim nessa descrio sistemtica a ser
desenvolvida, procuramos estabelecer a cronologia destes santurios a partir das fontes
materiais e textuais disponveis, comparando os vestgios arqueolgicos com as informaes
oferecidas nas fontes textuais relacionadas a este contexto. As informaes sobre os
santurios situados nas cidades de Epidauro, Atenas, Corinto, Messene, Paros e Delos, foram
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obtidas basicamente na obra da autora Milena Melfi (I Santuari di Asclepio in Grecia.I), em
que foi feita a descrio da documentao arqueolgica encontrada neles, relacionada a fontes
literrias e epigrficas. Este contedo foi tambm relacionado a obras de autores como Roland
Martin e Henri Metzer (La Religion Grecque), onde no captulo II e III intitulado
Levolution Du culte dAsclepios em Grce des origines lpoque romaine, e La
personalit dAsclepios os autores fazem uma anlise do mito do deus-heri Asclpio e
relacionam sua trajetria mtica ao desenvolvimento do seu culto em algumas das cidades
acima citadas, como Epidauro, Corinto, Atenas e Pergamo. As informaes relacionadas ao
santurio de Cs ficaram restritas basicamente a relatrios de escavao, com o qual tivemos
contato apenas parcial em funo da dificuldade de acesso e conhecimento prvio do
contedo integral; no caso do Asklepieia de Vlia, as informaes obtidas foram extradas em
guias arqueolgicos da regio, e finalmente no caso de Agrigento pudemos contar com o texto
da autora Valentina Cal Santuari e Culto di Asclepio in Sicilia, inserido na publicao Il
Culto di Asclepio nellArea Mediterranea. Atti del Convegno Internazionale. Agrigento 20-22
novembre 2005.
Grande parte do material mencionado na bibliografia trouxe, com relao as
informaes sobre os santurios, no mbito de suas estruturas arquitetnicas, informaes
fragmentadas, apenas pequenas menes a este respeito, mas servindo como base de
confrontao para suposies levantadas em outras obras sobre o mesmo assunto. Esse foi o
caso, por exemplo, da obra de Cerchiai, L. The Greek Cities of Magna Graecia and Sicily,
onde, o que constava sobre o Asklepieion de Velia no passava de dois pargrafos,
confirmando a suposio de guias arqueolgicos da regio de que, o que se considerava a
gora da cidade antiga era, na verdade o Asklepieion.
Acreditamos que esse culto exerce um papel de referncia para a compreenso das
grandes alteraes na sociedade grega que se deram paulatinamente ao longo dos trs sculos
aqui propostos para estudo. Acreditamos que o estudo das transformaes desse culto e a
histria de sua aceitao nos permitiro uma aproximao s mudanas ocorridas na prpria
sociedade grega.
As bases do culto a Asclpio no recorte cronolgico aqui proposto trazem tona
importantes manifestaes de sua forma particular e so indicaes de concepes sociais
coletivas que se apresentavam de vrias maneiras, surgindo como referncias importantes
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para conhecermos melhor o mundo grego do perodo em estudo, em sua ampla variao
religiosa e cultural.
A importncia do perodo escolhido liga-se divindade e seu contexto, em termos
gerais, pelo processo de transformao que a medicina grega trilhou desde a sabedoria e a
magia tradicionais das sociedades primitivas no perodo arcaico at o incio da chamada
medicina cientfica, em que os templos de Asclpio apresentam-se como referncia e
nascedouro de uma medicina disciplinada com conhecimentos e mtodos a serem
transmitidos.
A popularidade de Asclpio e a difuso de seu culto devem-se principalmente sua
funo, j que a cura das doenas particularmente importante para os homens (BURKERT,
1993: 416).
Ao longo de sua expanso, o culto a Asclpio, em muitos santurios, tomou o lugar do
culto de um deus ou de um heri j existente sem, contudo controlar totalmente os locais de
peregrinao (SISTEGRAF & VILEDEC, 1984: 128). Em outros santurios, compartilhou
espao com outras divindades como o caso de Apolo. Em Corinto, por exemplo, uma das
cidades aqui propostas para o estudo, o culto a Asclpio foi articulado com um culto de Apolo
mais antigo (BURKERT, 1993: 418).
O culto a Asclpio, como citado anteriormente, divergia em muitos aspectos da
chamada religio grega tradicional: pois esta no mantinha uma classe de sacerdotes como um
grupo fechado, com processos de iniciao e com hierarquia rgidos, ao contrrio do que
ocorria nos templos dedicados a Asclpio.
O sculo V a.C. traz consigo um perodo de certa desorientao devido Guerra do
Peloponeso que mobilizou boa parte dos gregos.
Muitos camponeses abandonaram suas terras para fazer parte do exrcito; outros se
dirigiam aos centros urbanos para fugir do ataque inimigo, como foi o caso de Atenas. Ali
amontoados e sem condies mnimas de higiene, a peste pode proliferar. Tradicionalmente
se explica a difuso do culto de Asclpio por essas contingncias. Por outro lado, este o
contexto geral de incio do declnio da plis grega, modelo organizacional que vinha tendo
sucesso j desde o sculo VIII a.C. Nesse contexto social, a tradicional religio grega com
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seus rituais pblicos e com sua importncia no modo de vida j comeava a perder seu vigor.
A instabilidade social se mostrava um fator resistente e generalizado. Nesse quadro o recurso
ao panteo das tradicionais divindades gregas diminua constantemente.
O interesse, por outro lado, crescia particularmente pelas filosofias e religies de retiro
que propunham uma espcie de salvao individual e paz de esprito. As cosmogonias rficas
em especial que, como outros modelos mticos que se mantiveram fixados na escrita,
chegando aos dias de hoje, podem ser citadas como um exemplo que ilustra essa necessidade.
Especula-se que este movimento religioso, florescido por volta do sculo VI a.C.
sendo, portanto, ulterior aos poemas homricos e hesidicos tenha como seu fundador o
poeta mtico Orfeu (BATISTA, 2003:74).
Orfeu era filho de Calope a mais importante das nove musas e do rei Eagro,
estando sempre vinculado ao mundo da msica e da poesia. Tinha como caractersticas a
pureza sexual, os dotes musicais e o dom da profecia. As doutrinas rficas influenciaram
vrios pensadores pr-socrticos como Pitgoras e Empdocles, por exemplo, no que se refere
formao do Cosmos em quatro pontos:
1. No ser humano habita um princpio divino damon, o qual se encontra cado
no corpo por conta de uma culpa originria;
2. Esse damon imortal e, portanto no perece com a morte do corpo, devendo
reencarnar, sucessivamente, para que sua culpa seja expiada;
3. O modo de vida rfico, purificador por excelncia, a nica forma de se
interromper o ciclo de reencarnaes; e
4. Deste modo, os iniciados recebem o merecido prmio aps a morte: a
libertao definitiva de ciclo de reencarnaes.
Outro exemplo claro desta crescente necessidade mostra-se no destaque dos princpios
difundidos por Epicuro, que nasceu em Samos no ano de 341 a.C., e morreu em Atenas, em
270 a.C. Uma forte tendncia austeridade e necessidade de reflexes mais apuradas
pairavam em vrias partes do mundo grego neste perodo. Muitas outras concepes bastante
semelhantes de Epicuro ganhavam vulto paralelamente (SISTEGRAF & VILEDEC, 1984:
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128). neste contexto de desenvolvimento filosfico que podemos inserir a expanso do
culto de Asclpio.
A importncia do espao dos santurios de Asclpio no se restringe unicamente
questo religiosa, mas levanta possibilidades de anlise em mbito scio-cultural relevantes.
Atravs do perodo proposto para este estudo, e considerando as alteraes sofridas no culto
em si, percebe-se que este espao de culto abriu-se para as mais variadas expresses humanas,
tpicas da sociedade grega na antiguidade.
Vinculadas ao culto de Asclpio, tinham lugar manifestaes scio-culturais que iam
dos desportos ao canto, dana, ao teatro, e assim por diante. Eram grandes festivais que
passaram a integrar nas pocas que propomos estudar de forma relevante a sociedade
grega. Neste sentido, este era um culto que promovia uma grande mobilizao populacional.
Cada templo dedicado a Asclpio os Asclepieia mobilizava nesses festivais um
grande nmero de pessoas que vinham no apenas das proximidades, mas tambm de locais
distantes. Assim, essa divindade promovia uma conexo, um intercmbio entre cidades. Esse
fenmeno se repetia em vrias cidades, onde haviam se fixado templos dedicados divindade
que se propunha a curar todas as doenas.
Lembramos tambm que o papel de cura no se restringia apenas a Asclpio, pois
muitos deuses atendiam aos fiis na cura de determinadas doenas. Seus templos, inclusive,
funcionavam em muitos casos nos mesmos moldes que o santurio de Asclpio, como o
caso do heri Anfiarau, tendo se consagrado com notveis dons profticos (RIBEIRO Jr., a).
Asclpio est profundamente ligado ao domnio ctnico, apesar de transcend-lo,
sendo considerado como ser duplo ctnico-olmpico (BURKERT, 1993: 405-415). Ele nasceu
de uma mortal como filho de Apolo, teve filhos e morreu, ficou assim pertencendo ao
domnio dos heris (BURKERT, 1993: 415-416). Assim na condio de heri deificado, que
lhe foi conferida aps sua morte, constituiu-se a sua natureza ambivalente que gerou duas
manifestaes cultuais diferentes no espao do santurio, atendendo a ambas vertentes do
deus: no Templo, as oferendas eram trazidas a divindade; no tholos tinham lugar os sacrifcios
ou enaugusmata que eram ofertados a Asclpio como heri atravs de um culto secreto
(BRANDO, 1993, II: 91).
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No tholos (rotunda) havia tambm um labirinto que provavelmente guardava a
serpente, rptil que entre suas principais caractersticas, tinha para os antigos o dom da
adivinhao ligado a seu aspecto ctnico simbolizando o renascimento ininterrupto da vida
(BRANDO, 1993, II: 91).
Na entrada do Hiron (recinto sagrado) em Epidauro estava gravada no alto de um
arco com duas fileiras de colunas de mrmore a seguinte mensagem: Puro deve ser aquele
que entra no Templo perfumado. E pureza significa ter pensamentos sadios. Baseavam-se
nesse princpio as curas que aconteciam nos templos dedicados a Asclpio: a cura da mente
(nooterapia); s haveria cura quando houvesse a metania (transformao dos sentimentos)
(BRANDO: 1993, II: 91-2).
As curas no eram efetuadas com medicamentos, mas to somente com o juzo, a
interveno divina e a transformao dos sentimentos (metnoia); essas tcnicas eram bem
conhecidas dos asclepades, ou sacerdotes de Asclpio, muito mais pensadores profundos que
mdicos, haviam feito um grande progresso no que tange psicossomtica e a nooterapia.
Os asclepades partiam do princpio de que a Harmonia e a Ordem divina exercem
influncia sobre a sade psquica e corporal, assim recomendavam sempre aos doentes que
pensassem santamente, acreditando que, quando nossa conscincia se mantm em estado de
pureza e harmonia, o fsico torna-se, necessariamente, so e equilibrado (BRANDO, 1993,
II: 92).
Um bom exemplo para a validao desses conceitos encontrado em Plato em O
Banquete (186 d) pelas palavras do mdico-filosofo Erixmaco. Era, portanto, o equilbrio
psquico o medicamento de uma cura irreversvel (BRANDO, 1993, II: 92).
Os sonhos, por sua vez, tinham tambm sua importncia ligada a esse contexto. Esse
processo conhecido como Enkomesis (ao prtica de deitar e dormir) aconteciam no baton
(santurio) sendo atravs deles que, muitas vezes acreditava-se acontecer o contato entre a
divindade e o enfermo.
Os santurios dedicados a Asclpio como Epidauro, contavam com um Odon,
pequeno teatro fechado, onde se ouvia msica e se ouviam poetas; um estdio para as
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competies esportivas que se realizavam de quatro em quatro anos; um ginsio para
exerccios fsicos e um teatro (BRANDO, 1993, II: 92).
Havia assim uma comunho entre cerimnias cultuais e culturais; as doxologias (hinos
laudatrios) eram entoados pelos sacerdotes que dessa forma reforavam o sentimento
religioso dos peregrinos e, o ritmo da msica, da dana e da poesia eram utilizados por seu
alto valor tranqilizante e seu efeito teraputico imediato sobre a alma e o corpo
(BRANDO, 1993, II: 93).
O culto dos heris, tal como o culto dos mortos classificado como o plo oposto
ctnico da venerao dos deuses. Contudo, mesmo que seu tmulo no tivesse qualquer
papel como no caso dos tmulos de heris, Pndaro tambm o denomina hers. O culto aos
mortos e o culto de mistrio eram parte do componente ctnico de origem Neoltica (anterior
a 3000 a.C.), portanto ligado fertilidade da terra (BURKERT, 1993: 388-400).
A venerao a Asclpio em toda a Grcia esta diretamente ligada a Apolo
(BURKERT, 1993: 416). Em Epidauro, Apolo Maleatas que tem seu santurio ligado
tradio micnica. Portador da sade e da salvao pessoais nesse mundo (BURKERT, 1993:
418), Asclpio mencionado na Ilada relacionado a seus filhos mdicos, Podalrio e
Macaon, como sendo o mdico sem mcula, sendo da Ilada provenientes as mais antigas
informaes sobre os chamados heris-mdicos (RIBEIRO Jr., b).
A Asclpio, Homero dedica um hino:
O mdico das doenas, Asclpio, comeo a entoar,
filho de Apolo, que diva Corina, filha de Flgias,
o rei, deu luz, no plano de Drio,
para grande alegria dos homens; alvio das ms dores.
Tambm tu assim te alegra, Senhor, suplico-te como canto.
(apud MASSI, 2006)
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Na medida em que nosso objetivo de estudo est situado simultaneamente no mbito
da historiografia e da arqueologia, sob o olhar da cultura material respectiva estruturao
arquitetnica e distribuio no contexto da cidade grega, de grande valia ter-se como
referncia o papel dos templos dedicados a Asclpio, inseridos nos domnios da histria da
cidade grega.
Atravs desse foco possvel traar uma trajetria que possibilita a compreenso do
perodo histrico que encerra os sculos V, IV e III a.C., permitindo-nos observar o
desenvolvimento do culto, dentro de um quadro histrico entre os acontecimentos que
movimentaram a sociedade grega naquela poca.
A importncia de um contato mais prximo com a maneira como se estruturava a
cidade grega, em suas mais diversas nuances apresenta ao estudioso do mundo grego uma
possibilidade de compreenso espacial de grande importncia para o nvel de aprofundamento
que atinge o interesse pela sociedade grega e suas repercusses no mundo ocidental de forma
geral.
No caso da proposta aqui sugerida possvel ainda contarmos com referncias
materiais, como sinetes e lacre de nfora que foram encontrados no santurio de Agrigento,
oferecendo tambm uma generosa possibilidade de aprofundamento no tema graas aos
trabalhos de pesquisa nos stios arqueolgicos, o que permitiu uma melhor compreenso do
contexto estudado.
Procuramos atravs desta pesquisa estabelecer a planimetria dos santurios na plis, e
atravs do material obtido promover a comparao entre os vrios vestgios arqueolgicos e a
definio de um padro para cada perodo dentro do espao de tempo sugerido.
O corpus documental a ser estudado consiste basicamente em duas sries: de natureza
arqueolgica, os relatrios/ plantas de espaos ocupados pelos templos de Asclpio nas
correspondentes cidades propostas para o estudo; de natureza bibliogrfica, as fontes escritas
so de fundamental importncia para este trabalho. Pretendemos usar todos os autores que
mencionam informaes a respeito dos templos e das cidades propostas para estudos dos
respectivos templos em cada uma delas, citados posteriormente na bibliografia.
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As obras de autores relacionadas a Asclpio como divindade e s variaes na
trajetria do mito, toda a espcie de referncia espacial e arquitetnica a respeito do templo
em sua respectiva cidade, estilo da construo, alteraes na arquitetura, foram de
fundamental importncia.
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CAPTULO II. O CULTO DE ASCLPIO
No que se refere a Asclpio, ou a Esculpio dos latinos, existe uma grande disparidade
com relao s lendas de seu nascimento. O deus-heri da medicina na verso mais
frequente de Pndaro era filho do deus Apolo e de Cornis, filha do rei Flgias da Tesslia.
Grvida de Apolo, Cornis ento cedeu ao amor de um mortal, squis, filho de lato
(GRIMAL, 2000: 49-50).
Tendo sido avisado por uma gralha, um corvo (ou ainda por sua intuio), Apolo
matou-a e, no momento em que seu corpo seria queimado, arrancou-lhe do ventre a criana
ainda viva.
Outra verso do nascimento de Asclpio existia para explicar por que razo Asclpio
era o grande deus de Epidauro, no Peloponeso: nela, Flgias descrito como ladro que
chegara a esta regio para se inteirar de suas riquezas e dos meios delas se apoderar. Flgias
vinha acompanhado de sua filha que fora, no decurso da viagem, seduzida por Apolo, dando
luz em segredo a um filho, na regio de Epidauro, junto a uma montanha chamada Mrtio,
onde em seguida o abandonara (GRIMAL, 2000: 49-50). Mas uma cabra veio amamentar a
criana e um co guard-la. Um pastor de nome Arestanas, a quem pertencia a cabra e o co,
encontrou o menino e espantou-se com o brilho que o envolvia. Compreendeu que estava
diante de um mistrio, no ousando recolher o beb, prosseguiu sozinho.
Havia ainda outra verso em que Arsone, filha de Leucipo, era apresentada como me
de Asclpio. Esta vinha de tradio micnica que procurava harmonizar-se com as outras,
assegurando que a criana era filha de Arsone, mas tinha sido alimentada por Cornis
(GRIMAL, 2000: 49-50).
Conta a tradio que Asclpio foi confiado ao Centauro Quron, que lhe ensinou a
medicina. Asclpio teria adquirido grande destreza nesta arte, descobrindo inclusive como
ressuscitar os mortos (GRIMAL, 2000: 49-50).
Na verdade, ele recebera de Atena o sangue que escorrera das veias da Grgona;
enquanto as veias do lado esquerdo espalharam um veneno violento, o sangue do lado direito
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era benfico e Asclpio sabia utiliz-lo para dar vida aos mortos. O nmero de pessoas que ele
ressuscitou, deste modo, teria sido considervel.
Zeus, o pai dos deuses temendo que fosse alterada a ordem do mundo com essas
ressurreies fulminou Asclpio com um raio. Por vingana, Apolo matou os Ciclopes, os
ferreiros que fizeram o relmpago, e Zeus estava beira de destruir Apolo quando Leto se
interpe entre eles e conseguiu a reconciliao: Apolo teve de evitar os deuses durante um ano
e trabalhar como servo a servio de Admeto, o mortal marido de Alceste. Assim o mito
regressa a Tesslia. Existe assim uma correspondncia curiosa entre o incio e o fim do mito:
Apolo salva uma vida da pira de fogo, mas a vida que aspira imortalidade interditada pelo
fogo celeste que lhe impe um limite irrevogvel (BURKERT, 1993: 417).
Alguns testemunhos tardios mostram Asclpio participando na caada de Clidon na
expedio dos Argonautas. Mas, de maneira geral Asclpio permanece afastado dos ciclos
lendrios.
So atribudos a Asclpio dois filhos, como j dissemos acima, os dois mdicos
Podalrio e Macaon, j referidos na Ilada. Fases posteriores da lenda atribuem-lhe uma
esposa, pione, e as filhas Aceso, Iaso, Panacia, Egle e Higiia (GRIMAL, 2000: 49-50).
Por volta de 500 a.C. foi construdo o santurio de Epidauro, plis que, alm de
remeter todos os outros santurios a segundo plano visto ser pan-helnico (HANSEN &
NIELSEN, 2004: 607) e assumir-se como centro e ponto de partida de toda a venerao de
Asclpio, tambm se apoderou do mito de nascimento desta divindade.
O culto de Asclpio, que se verifica na Tesslia, em Trica, onde uma das tradies
aponta a sua origem, fixou-se a partir daqui principalmente em Epidauro, no Peloponeso,
onde se desenvolveu uma verdadeira escola de medicina, cujas prticas eram, sobretudo,
mgicas, mas que preparou o advento de uma medicina mais cientfica. Esta era praticada
pelos Asclepades, ou descendentes de Asclpio (GRIMAL, 2000: 49-50).
Assim, no sculo IV a.C., Epidauro construiu, atravs da propaganda e confirmao
dirigidas aos visitantes e dos registros dos feitos do deus, um dos santurios mais suntuosos
da Grcia, com o mais belo dos teatros gregos. O culto de Asclpio, no sculo IV a.C., j
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havia chegado a Atenas vindo de Epidauro, tendo sido nesse perodo que ocorreu a grande
peste.
As insgnias usuais de Asclpio eram a serpente ao redor de um basto, as pinhas, a
coroa de loureiro, uma cabra, um co e um galo.
Ao contrrio de outros deuses com suas personalidades complexas, Asclpio deve seu
estatuto e sua popularidade a uma nica funo particularmente importante para os homens, a
cura de doenas (BURKERT, 1993: 417).
A par da tradio da Tesslia, existiam pretenses especiais da Messnia em relao a
Asclpio. No sculo V a.C., os mdicos de Cs alcanaram grande fama, entre os quais se
destacou o nome de Hipcrates. Esses mdicos denominavam-se Asclepades, sucessores de
Asclpio. Nessa localidade, organizavam-se em tribos, onde cada novo discpulo que
ingressava na tribo era adotado (BURKERT, 1993: 417).
Aps a construo da capital de Cs, em 366/5 a.C., foi fundado tambm um novo
santurio em honra a Asclpio, o qual gradualmente tornou-se cada vez mais suntuoso. Por
volta de 500 a.C., foi construdo o Santurio de Epidauro, plis que, alm de remeter todos os
outros santurios a segundo plano, tornou-se o centro e o ponto de partida de toda a venerao
a Asclpio, apoderando-se, tambm, do mito de nascimento da divindade.
Mais tarde foi fundado um Asclepieion em Prgamo que, no perodo Imperial
Romano, superou todos em importncia (BURKERT, 1993: 417). Os templos dedicados a
Asclpio se multiplicaram muito na Grcia e Pausnias menciona sessenta e trs em sua obra
(SAGLIO, 1892: 470-472).
No princpio os Asclepades ou sacerdotes mdicos do santurio de Asclpio
ensinavam apenas a seus filhos os conhecimentos medicinais que haviam recebido de seus
pais, de modo que a arte da medicina passava de pai para filho e se conservava nas famlias
sacerdotais. Era uma educao domstica e de iniciao que no saa dos templos dos quais os
sacerdotes tinham o monoplio (SAGLIO, 1892: 470-472). Os testemunhos de Hipcrates e
de Galieno no deixam ponto de dvida sobre este fato. Mas igualmente certo que muito
tempo antes do tempo de Hipcrates, os profanos conheciam a arte de curar como o caso do
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heri Anfiarau. J Licurgo queria que os mdicos fossem ligados s armadas da Lacedemnia;
diversos autores acreditam que estes mdicos seriam os Asclepades.
Acreditamos que estes sacerdotes exerciam a medicina fora dos templos como prova o
exemplo de Hipcrates (SAGLIO, 1892: 470-472). Com efeito, Hipcrates pertencia ao
sacerdcio medical e viajava pela Grcia praticando a medicina como ele prprio nos informa
em seus textos.
Os Asclepades saam dos templos para ver os doentes e tambm para ensinar alunos
estranhos casta sacerdotal, como mostrou Plato com relao a Protgoras (SAGLIO, 1892:
470-472).
Os Asclepieia em geral se estabeleciam em lugares salubres e agradavelmente
situados. Em frente ao templo estavam as dependncias onde ficavam os doentes suplicantes
do deus; mais adiante poderia ser construda uma edificao circular em mrmore branco,
chamada tholos, dentro da qual se achava um grande nmero de colunas sobre as quais se
inscrevia os nomes dos doentes curados pelo deus, as doenas pelas quais eles haviam vindo
ao templo e a maneira como eles haviam sido tratados (SAGLIO, 1892: 470-472). Assim a
descrio do Asclepieion em Epidauro dada por Pausnias.
Antes de serem aprovados no templo ou nas consultas, os doentes que procuravam o
Santurio eram submetidos s prticas higinicas revestidas de um ritual religioso. Durante o
processo de preparao, passavam por jejuns mais ou menos rigorosos e prolongados que
chegavam a durar vrios dias, pela lavagem do corpo com finalidade de purificao religiosa,
alm de banhos, unes e purificaes variadas aps os sacrifcios (SAGLIO, 1892: 470-472).
Essa preparao j consistia no incio do tratamento, devendo ser pontualmente
executada pelos doentes. Uma vez completados estes atos preliminares permitiam ao doente
ou suplicante ser admitido no templo para pernoitar que era chamado a incubao.
Frequentemente seu local de descanso no templo era a pele do animal levado pelo prprio
doente para o sacrifcio. Havia casos em que existiam leitos no espao ao lado da esttua de
Asclpio.
Durante a noite, o deus aparecia-lhes prescrevendo os remdios necessrios. No dia
seguinte os doentes contavam aos sacerdotes a viso que haviam tido e o tratamento ordenado
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pelo deus. Os sacerdotes faziam a interpretao e submetiam os pacientes a prescries
determinadas. Os tratamentos prescritos por Asclpio eram frequentemente inofensivos certas
circunstncias eram prescritas fortes sangrias, cicuta, vomitrios e purgativos.
Os doentes curados faziam quase sempre oferendas e deixavam os ex-votos ou ainda
jogavam peas de ouro ou prata na fonte.
Para compreendermos como se davam estes acontecimentos, no captulo seguinte
detalharemos atravs dos dados levantados as informaes relativas ao desenvolvimento dos
dez templos aqui estudados, analisando-as atravs da documentao coletada em sua relao
com o espao da cidade em que est localizado.
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CAPTULO III.
A DOCUMENTAO: APRESENTAO DE DEZ SANTURIOS DE
ASCLPIO NO MUNDO GREGO
Neste captulo pretendemos analisar a documentao que reunimos em nosso
levantamento. Com base nessa anlise e nas questes propostas, procuramos entender o
processo de surgimento e desenvolvimento dos dez santurios de Asclpio aqui propostos
para estudo dentro do perodo escolhido para anlise.
Para tanto, baseamo-nos no material encontrado que estruturamos, de acordo com os
dados cronolgicos, as concluses descritas em relatrios de escavao por estudiosos que
foram a campo, alm das fontes literrias. Procuramos estabelecer conexes que possam nos
levar a compreender o processo de criao, desenvolvimento e abandono dos santurios em
questo.
Os santurios propostos para esse estudo so os das cidades de Epidauro, Atenas,
Corinto, Messene, Prgamo, Cs, Agrigento, Paros, Delos e Vlia. Apresentaremos um
quadro comparativo inicial desses dez santurios (Tabela 3.1) para, a seguir, descrevermos
cada um deles individualmente.
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Tabela 3.1. Quadro Comparativo dos Asklepieia
Santurios Localizao
Cronologia Estruturas Templos
de Divindades Componentes
Fontes (autores) Vestgios que apontam
para perodos anteriores na cidade no relevo
Epidauro Fora da cidade Plancie IV a.C. a IV d.C.
Katagogeo, banheiros, ginsio, templos de rtemis,
de Tmis, de Apolo, de Asclpio, epitodeo, tholos,
encoimeterion, estdio, BAnhos, biblioteca, templo de Afrodite, cisterna, poo e
propileu
rtemis, Tmis, Apolo, Afrodite e deuses
desconhecidos; Musas
Plutarco: Quaest. Conv. IX 14, 3-4; Sylla 12; Pomp. 24; Diod. 38,7; Liv. XLV, 28; Pausnias II 27,1-7; II 27, 25; II 26,4; II 10,2; II 30,4; II 30, 7 e 32,10; III 17,9; IX
7,5; VIII 37,1; X 24,4
Vestgios cultuais do perodo micnico e
geomtrico
Atenas Dentro da cidade Plancie, ao
lado da acrpole
V a.C. a 267 d.C.
Templo de Asclpio e Higieia
Asclpio-Higieia, Tmis Xenof. Mem. III, 13,3; Pausnias I 21; I
22,1; Dio Cass. XLII 14, 1 Inexistente/no encontrados
Corinto Dentro da muralha
da cidade Planalto
V a.C. a III d.C.
Templo de Asclpio, altar, thesauros,fonte, baton ou encoimeterion, sala lustral,
Lerna e hestiatoria
Asclpio e Apolo (depsito votivo)
Pausnias II 4,5 Inexistente/no encontrados
Prgamo
Fora da cidade Cercado por uma barreira rochosa
(perodo helenstico)
Plancie IV a.C. a
II d.C.
Templo, fonte, uma barreira rochosa e os
cmodos ou cmaras de incubao
Asclpio Soter, Apolo Kalliteknos, Cornis, Panacia, Eurostia
(sade forte), Telesforo, rtemis, Leto, Hcate,
entre outros
Inexistente Vestgios de assentamento
da Idade do Bronze
Messene Inserido na malha urbana da cidade
Plancie III a II a.C. Templo de Asclpio, altar
(bomos), sto, oikoi, propileu, eclesiastrio
Asclpio e esttuas de Apolo, Hracles, rtemis
e Epaminondas (?)
Pausnias II 11,8; IV 31,6-7; IV 31,10; IV 31, 11
Vestgios de perodo arcaico (sculo VII a.C.)
Cs Fora da cidade Plancie IV a II a.C. Varanda menor (terrao II)
e os edifcios E, C e D Asclpio Inexistente Inexistente/no encontrados
Agrigento Fora dos muros da
cidade Plancie V a.C.
Templo, altar, thesauros, cisternas, poos, prtico com oikoi, katagogeos e
baton com dois hestiatoria, propileu e fonte
Asclpio, Juno da Concrdia e Hracles
Inexistente
Vestgios encontrados na rea nordeste do complexo
que apontam para a presena de uma camada de material do perodo arcaico
Paros Fora da cidade Colina a 100
metros do mar
IV (terrao inferior) e III a.C. (terrao
superior)
Edifcio, ptio, altar, 2 reser-vatrios dgua e 2 xedras
Asclpio e Apolo Ptio Inexistente
Vestgios de texto em escrita local, esculpidos em
base de pedra redonda, datados do perodo arcaico
Delos Fora da cidade Costa
ocidental da ilha
IV a II a.C. Templo, propileu,
hestiatorion, oikos, oikema, peristilos norte e sul
Asclpio, tambm cultu-ado em santurios de
divindades estrangeiras Inexistente Inexistente/no encontrados
Vlia Dentro da cidade rea central
da antiga cidade
III a.C. Asklepieion, fonte
helenstica Asclpio Inexistente Inexistente/no encontrados
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DESCRIO DOS ASKLEPIEIA
Os Asklepieia aqui estudados em suas particularidades cronolgicas e
arquitetnicas se apresentam entrelaados atravs de conexes nestes dois aspectos. A
anlise que se segue baseada em relatrios de escavao, estudos aprofundados sobre
cada um deles, fontes epigrficas e referncias encontradas em outros Asklepieia.
ASKLEPIEION DE EPIDAURO
O santurio de Asclpio foi construdo na plancie abaixo do topo do monte
Kynortion (Planta 1; sem informao sobre a relao com o assentamento urbano, mas
apenas da relao do Asklepieion com o Santurio de Apolo Maleatas). Vestgios
encontrados nas escavaes apontam para conexes cultuais com o santurio de Apolo
Maleatas, onde foram encontradas estruturas que apontam para o perodo Micnico; este
santurio estava localizado no topo do monte Kynortion. A Planta 2 indica os principais
edifcios do Santurio, porm no perodo romano. Do perodo estudado, so as plantas 3
a 5. Pausnias menciona que o Asklepieion ficava fora da cidade (PAUS. II 26,10), mas
contava com uma via de acesso a ela que partia do propileu. Por volta do sculo V a.C.,
o santurio j contava com os principais edifcios para que as atividades cultuais
funcionassem plenamente.
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Planta 1. Epidauro: Asklepieion e Santurio de Apolo Maleata (MELFI, 2007: 18)
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Planta 2. Santurio no perodo romano, com indicao dos principais edifcios.
(Banco de imagens do Labeca)
Planta 3. Asklepieion de Epidauro no final do sc. V a.C. (MELFI, 2007: 26)
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Planta 4. Asklepieion de Epidauro no final do sc. IV a.C. (MELFI, 2007: 32)
Planta 5. Asklepieion de Epidauro no sc. III a.C. (MELFI, 2007: 46)
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No Asklepieion de Epidauro, os restos arqueolgicos encontrados esto
conservados, em grande parte, no nvel da fundao, tendo sido submetidos a um grande
nmero de transformaes e reutilizaes. Os mais antigos vestgios relativos a prticas
semelhantes s desenvolvidas no Asklepieion de Epidauro foram encontrados no topo do
Monte Kynortion, por volta da metade do sculo VIII a.C. Segundo as referncias
(LAMBRINOUDAKIS, 1974; PAPADIMITRIOU, 1948; apud MELFI 2007: 29), as
caractersticas do culto vieram se mantendo as mesmas desde o perodo micnico pela
prtica de sacrifcios e banquetes; tambm foram encontrados instrumentos mdicos, e
os mais antigos dados epigrficos so datados entorno de 460 a.C. Da segunda metade
do sculo VI a.C. so datadas as primeiras atestaes epigrficas de um culto na base do
Monte Kynortion, onde foram encontrados um pequeno altar de cinzas em frente a uma
pequena capela, um poo e vestgios de uma pequena sto feita com material perecvel.
O santurio localizado no topo do Monte Kynortion, no sculo V a.C., apresenta
registros de culto a Apolo definido como Ptio e as primeiras comprovaes de culto
s musas (Mnemosina). Alm da conexo de Apolo com as musas, j conhecida desde o
sculo V a.C., existem confirmaes da ligao com um culto dlfico por excelncia: a
presena de Dioniso, que est intimamente ligado a Apolo no mito dlfico em uma das
dedicatrias atribudas a Zeus nas inscries do Monte Kynortion. Assim, ao contrrio
do que foi afirmado na literatura arqueolgica, existem dados epigrficos que nos
permitem acreditar numa prioridade cronolgica de Apolo Kynortion a Asclpio na
regio em que se localizam os dois santurios. O surgimento do culto de Asclpio em
Epidauro , de fato, quase contemporneo ao de Apolo Ptio que, por sua vez, no
parece ter uma ligao contnua desde os tempos pr-histricos para o topo do
Kynortion (MELFI, 2007: 30).
Na segunda metade do sculo IV a.C., foram encontradas quatro estelas
contendo descries de curas miraculosas que teriam acontecido no Asklepieion de
Epidauro, coincidindo com o perodo de sua monumentalizao. Em Epidauro, nota-se,
atravs das dataes, que a maior parte das estruturas do santurio foi construda a partir
do sculo IV a.C.: os banheiros, o Templo de rtemis, o Templo de Tmis, o Templo de
Apolo Ptio, o Templo de Asclpio, o altar de Asclpio, o Epitodeo, o tholos, a
Biblioteca, o Templo de Afrodite e a Cisterna, momento em que se deu um grande
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processo de ampliao do santurio, constituindo-se no auge de sua monumentalizao
(Tabela 3.2).
Tabela 3.2. Asklepieion de Epidauro
Estruturas Cronologia
Sc. V a.C. Sc. IV a.C. Sc. III a.C.
Katagogeo X
Banheiros X
Ginsio X
Templo de rtemis X
Templo de Tmis X
Templo de Apolo (Ptio) X
Templo de Asclpio X
Altar de Asclpio X
Epitodeo X
Tholos X
Encoimeterion (sto de incubao) X
Estdio X
Banhos X
Biblioteca X
Templo de Afrodite X
Cisterna X
Poo X
Propileu X
Muros no h no h no h
Do sculo V a.C. constam apenas o encoimeterion (ou sto de incubao), os
banhos e o poo; estas estruturas, que se mantiveram em uso para alm do sculo III
a.C., j eram suficientes para a execuo do trabalho de cura no santurio.
Houve, em Epidauro, no sculo IV a.C., a ampliao do santurio, com a
renovao e reforma dos edifcios e a construo de edifcios novos. Infelizmente no
foram encontradas descries detalhadas sobre quais construes sofreram que tipo de
modificaes. possvel inferir, nesse caso, tendo em vista a reforma monumental que
aconteceu nesse perodo, que houve o aumento de popularidade do culto. Em meados do
sculo III a.C. foram construdos o katagogeo (estrutura de acolhimento dos fiis) e o
ginsio. A construo do ginsio e do katagogeo sugere uma sofisticao do ritual
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seguido no santurio, com pousada estruturada para a recepo de peregrinos,
hestiatrion para banquetes sacrificiais, poos, fontes e banheiros construdos perto do
edifcio de recepo ao santurio. Estas estruturas, entretanto, bem como o sistema de
abastecimento de gua foram destrudas no sculo I a.C. quando houve uma destruio
quase completa do Asklepieion, o que sugere que uma verdadeira ruptura ocorreu nas
atividades tradicionais de culto. Essas mudanas profundas provavelmente
pavimentaram o caminho para as formas no tradicionais de culto certificadas em
perodos sucessivos (MELFI, 2007: 82).
O katagogeo e o ginsio caram no abandono e sofreram renovaes e alteraes
no perodo imperial como parte do programa de reconstruo iniciado pelo imperador
Antonino.
O sculo I a.C. foi um perodo em que a popularidade do culto e do Santurio de
Asclpio parece ter chegado ao seu nvel mais baixo. H referncias epigrficas de
apenas sete dedicatrias, sendo duas do mesmo funcionrio do santurio, duas outras de
celebrao a um scio honorrio e as demais de homenageados entre as famlias mais
proeminentes de Epidauro. Nesse importante perodo, perceptvel a transio da
iniciativa pblica para a liberalidade privada, sendo caractersticas deste movimento o
aumento das inscries relativas aos trabalhos de alguns personagens e a prtica de
reutilizao de antigos monumentos. Estes fenmenos so confirmados pelas fontes
literrias relativas ao Asklepieion (Diodoro, Plutarco e Pausnias), fontes estas que
tambm descrevem um quadro de saques e destruies, confirmado arqueologicamente.
No incio do sculo I d.C., os monumentos e as oferendas votivas foram
saqueados pois estavam em completo abandono. A causa de tal destruio tem sido
atribuda, com base em fontes literrias, tanto ao saque de Silas como s incurses
piratas na regio. No ano 74 d.C., M. Antonio Creticus instalou um presdio militar
romano na cidade de Epidauro.
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ASKLEPIEION DE ATENAS
O Asklepieion est localizado na encosta sul da acrpole de Atenas, portanto
dentro da sty, entre o teatro de Dioniso e o Odeon de Herodes tico (Planta 6,
destacado).
Planta 6. Cidade de Atenas (Banco de imagens Labeca)
As estruturas que compem o santurio ficavam cercadas por um muro de
perbolo e as paredes da sto augusta, tendo como nico acesso o propileu (Planta 7). A
primeira entrada direita do propileu d acesso ao interior da sto augusta, o templo
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dedicado a Asclpio e Hygieia, o altar, a sto drica e o bothros (fosso para libaes e
sacrifcios). A esquerda do propileu, a entrada pela sto jnica d acesso rea cercada
pelo muro de perbolo e fonte. O acesso ao propileu se dava atravs do peripatos ou
entrada principal (TRAVLOS, 1971). Pausnias menciona que o santurio era digno de
ser visto por todas as esttuas do deus e de suas filhas e pelas pinturas, fala tambm de
uma fonte e da existncia entre o santurio e a acrpole de um templo dedicado a Tmis
(PAUS. I, 21.; I, 22,1).
Planta 7. Asklepieion de Atenas (MELFI, 2007: 317)
Com relao ao Asklepieion de Atenas, existe uma vasta literatura cientfica com
numerosos estudos sobre questes arquitetnicas, epigrficas e histrico-religiosas
(MELFI, 2007: 313-314).
Durante a grande peste de 429 a.C., a Paz de Ncias restaurou o relacionamento
amigvel entre as cidades de Atenas e Epidauro, possibilitando que, no ano 420 a.C., o
culto de Asclpio fosse trazido para Atenas, pelo porto de Zea, no Pireu, onde o
primeiro Asklepieion da tica foi fundado.
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A cidade de Atenas recebe Asclpio e sua pliade de divindades salutares
vindas de Epidauro em um momento de emergncia sanitria e desiluses profundas
pelo curso dos eventos. Com base na documentao epigrfica, o surgimento da prtica
do culto a Asclpio no sop da Acrpole pode ser colocado entre o sculo IV a.C. e
meados do sculo III d.C. (Melfi 2007: 408). Dentro desse perodo, o momento de
maior sucesso do culto se deu entre a metade do sculo IV a.C. e o sculo I-II d.C.
(Tabela 3.3).
Em 300 a.C. e na primeira metade do sculo I d.C., em funo da necessidade de
expanso, reestruturao e recepo de visitantes, foram realizadas intervenes
arquitetnicas importantes no santurio. Essas reformas foram feitas por funcionrios e
cidados atenienses, ao contrrio do que ocorria no Asklepieion de Epidauro, onde as
reformas foram resultado de intervenes programticas externas.
O culto ateniense a Asclpio, ao longo de toda a sua histria, foi um fenmeno
local, ligado ao desenvolvimento da histria e da topografia da cidade, bem longe da
dimenso pan-helnica de um santurio como o de Epidauro.
Tabela 3.3. Asklepieion de Atenas
Estruturas Cronologia
Sc. V a.C. Sc. IV a.C. Sc.III a.C.
Templo de Asclpio e Higieia X
Altar X
Muro de perbolo X
Fonte X
Bothros (fosso para libaes e sacrifcios) X
Sto drica (baton) X
Pelargikon X
Peripatos (entrada principal) X
Katagogeo X
Propileu X
Sto Jnica X X
Muro de perbolo X
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O santurio fica a lesta do antigo perbolo do Pelargikon, ocupando o espao
livre frontal pertencente ao Eleusnion ateniense. Foi ofertado ao novo deus pela famlia
sacerdotal dos Kerykes, que estava frente do Eleusnion. Como indica a inscrio
existente no Monumento a Telmaco, o Santurio possuia um propileu de madeira.
Assim, parece provvel que o Santurio funcionasse inicialmente com construes
provisria de madeira, que foram substituidas por edifcios de mrmore no curso do
sculo IV a.C. Contudo, o aspecto do Asclepieion ateniense, delineado em fins do
sculo V a.C., deve ter se mantido inalterado durante o sculo seguinte, at a construo
da sto drica, por volta de 300 a.C., que alterou profundamente a topografia geral do
stio (MELFI, 2007: 332).
O Asklepieion de Atenas era cercado por um muro de perbolo do qual curtos
trechos de sua estrutura conservam-se prximos ao analemma do Teatro de Dioniso e ao
longo da margem sul da regio ocidental da rea sagrada. A tcnica de construo
parece ser de fins do sculo V a.C.
Enfim, analisando a relao Epidauro-Atenas, a construo da sto drica
sugere um alinhamento ao modelo de Epidauro do sculo IV a.C., atravs da
assimilao, pelo Asklepieion ateniense, desta estrutura assim como fizeram uma srie
de outros santurios que, no mesmo perodo, adotaram o mesmo estilo construtivo de
sto com fonte interna e estrados para o desenvolvimento da incubao. No caso de
Atenas, o santurio adquiriu, da por diante, todas as prerrogativas que o
caracterizariam, nos prximos sculos, como um verdadeiro Asklepieion: espaos bem
definidos para incubao, banquete, sacrifcio e oferendas.
Nos anos finais do sculo IV a.C., em suma, h uma expanso geral de
Asklepieia conhecidos, onde os ncleos bsicos consistem no templo, altar, trapezai e
pelo menos um edifcio multifuncional. Alm disto, surgem estruturas mais complexas,
principalmente para a recepo de visitantes e o tratamento dos recursos hdricos. Isso
se aplica ao Asklepieion de Atenas e sua sto drica, equipada com caladas e ligada
diretamente fonte.
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Assim, o quadro geral do culto no sculo III a.C., obtido com base na
documentao epigrfica, faz crer em uma regulamentao das manifestaes
devocionais, depois do grande sucesso do sculo IV a.C.
Para o sculo II a.C., a documentao muito mais escassa do que para os
sculos anteriores. A aparente ausncia de informao sobre construes feitas no
santurio juntamente com o pequeno nmero de inscries encontradas levam a crer na
reduo da popularidade do culto.
O sculo I a.C., para o Asklepieion de Atenas, caracteriza-se por uma srie de
projetos de construo seguidos pela destruio causada pelo saque de Silas, em 86 a.C.
Muitos monumentos do santurio sofreram restauro, testemunhado pela documentao
epigrfica e arqueolgica, mesmo que o culto tenha perdido seu vigor ao longo do
sculo II a.C. Esta renovao parece ter sido conduzida atravs do custeio de poucos
indivduos, aparentemente das famlias mais importantes de Atenas (MELFI, 2007:
358).
O desenvolvimento monumental do santurio parece terminar com as realizaes
do perodo de Augusto e Tibrio; apesar de poucas obras de manuteno, a
documentao epigrfica no conserva traos de posteriores intervenes construtivas
nos edifcios sacros.
A sto drica que foi construda por volta de 300 a.C. e tem um papel
importante para a identificao dos anos finais do santurio passou por uma
restaurao, respeitando suas estruturas originais, no perodo seguinte ao saque de Silas.
Na regio que inclui a cidade de Atenas , de fato, comprovado o impacto
violento causado pelas diferenas da religio crist. A apropriao do lugar de culto
pago por parte dos cristos foi seguida por aes violentas, como a raspagem da
superfcie das estruturas preexistentes, para transform-las em edifcios cristos, e o
corte dos relevos e das esttuas votivas.
Atravs das fontes neoplatnicas do sculo V d.C., possvel notar a difcil
passagem do paganismo para a religio crist. Proclo, por exemplo, era um filsofo que
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pregava no antigo Asklepieion, em funo da importncia desse espao como referncia
para a vizinha escola neoplatnica (GREGORY, 1986: 237-238).
O culto de Asclpio tal como era realizado na antiguidade terminou com a
invaso de Atenas pelos Erulis. O lugar de culto deve ter sido deixado num estado de
abandono ou semi-abandono, a ponto de ser usado como uma pedreira para coleta de
material de construo (MELFI, 2007: 407).
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ASKLEPIEION DE CORINTO
Desde os ltimos anos do sculo IV a.C., o Asklepieion surge como um local de
culto de pequenas dimenses construdo no limite da rea urbana (Planta 8),
provavelmente para manter a fonte do lado interno dos muros da cidade (MELFI, 2007:
292). A fonte, por sua vez, faz parte do lado norte da antiga Corinto e engloba o
Ginsio, a Lerna e todos os edifcios do complexo que usam a mesma fonte de
abastecimento de guas, ligada ao recolhimento de guas de fontes subterrneas como
guas recolhidas da superfcie (MELFI, 2007: 292). provvel que o Asklepieion tenha
sido destrudo por um terremoto em fins do sculo IV a.C., assim como muitos outros
edifcios da cidade. Neste contexto, o Asklepieion foi reconstrudo de acordo com o
cnone dos Asklepieion mais freqentados do mundo grego, assim se torna possvel
delinear superficialmente a reconstituio, mesmo na ausncia de vestgios
arqueolgicos e epigrficos (MELFI, 2007: 292) (Planta 9 a 11).
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Planta 8. Localizao do Asklepieion em relao cidade (ROBINSON, 1965: 10)
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45
Planta 9. Asklepieion de Corinto na primeira fase de construo (MELFI, 2007: 291)
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46
Planta 10. Asklepieion de Corinto no perodo helenstico (MELFI, 2007: 294)
Planta 11. Edifcios helensticos no nvel do ptio Lerna (MELFI, 2007: 295)
No caso de Corinto, apesar da falta de dados epigrficos e arqueolgicos,
h segurana suficiente para datar os monumentos permanentes do complexo em c. 300
a.C., no s devido a sua coincidncia com a ocultao dos depsitos votivos, datados
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entre o final do sculo IV e incio do V a.C., mas tambm pela comparao com a
destruio e reconstruo simultnea de uma srie de outros monumentos de Corinto.
Assim, a partir de 300 a.C. podemos dizer que o Asklepieion de Corinto entrou em uma
segunda fase da existncia.
A rea sagrada delimitada de forma precisa pelo nivelamento da colina,
tradicionalmente ocupada pelos edifcios de culto, e foi entendida at uma depresso no
terreno adjacente a ela, em direo oeste, caracterizada pela presena da fonte. O
Asklepieion de Corinto, que fica bem prximo ao muro, teve sua localizao escolhida
provavelmente em funo de uma nascente de gua, necessria para os trabalhos no
santurio.
Ao norte, a poucos metros de distncia de uma fonte, esto as muralhas da
cidade, reconstruda em funo da reestruturao do complexo sacro. A zona oriental do
complexo, a qual se chega pelo leste, foi delimitada, a sul e a leste, por paredes e, a
norte e oeste, por uma colunata e uma srie de ambientes distribudos em dois andares.
O templo, prstilo tetrastilo drico, localizado em posio central, constitua-se
numa ampliao da capela original que obstruiu o oikos anterior.
A falta de dados epigrficos relativos segunda fase de construo do
Asklepieion atribuda escassez geral de tais referncias a Corinto. De fato, a
impresso geral que, quando a cidade foi destruda pelos romanos, em 146 a.C., a
maior parte da documentao epigrfica tambm o foi.
Apesar da falta de dados arqueolgicos precisos, a estruturao definitiva da
cronologia se d entorno de 300 a.C., parecendo segura no s devido ocultao de
depsitos votivos no final do V e no IV sculo a.C., mas tambm sobre a base de
comparao com a destruio e reconstruo simultnea de uma srie de outros
monumentos na mesma Corinto.
Por outro lado, a datao do complexo em torno do ano 300 a.C., alm de
atender s exigncias da histria local, refora o desenvolvimento geral dos santurios
na Grcia se for levado em conta que, no mesmo perodo, foi construda a sto drica do
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Asklepieion ateniense e se deu a concluso do programa construtivo de Epidauro,
atravs da realizao de uma srie de edifcios como o Ginsio, o katagogeo e a sto de
Cotis, alm do Propileu e a fonte (Tabela 3.4).
Tabela 3.4. Asklepieion de Corinto
Estruturas Cronologia
Sc. V a.C. Sc. IV a.C. Sc. III a.C.
Templo de Asclpio X
Altar X
Thesauros X
Fonte X
Abaton X
Sala Lustral X
Lerna X
Hestiatria X
Muro X
Entre as construes pertencentes ao sculo IV a.C. est a Lerna, um complexo
multifuncional usado pelos doentes no qual poderiam tomar banho, passear ao longo
dos prticos e usar os hestiatria.
Em perodo romano, a Lerna veio a fazer parte do complexo do Ginsio. O
prtico norte do Ginsio foi instalado em uma rampa, bloqueando definitivamente a
passagem externa; foi necessrio construir um acesso entre o prtico norte e a fonte
subjacente ao ptio. Essa ligao foi mencionada por Pausnias (II 4,5): (...) prximo
ao teatro est o antigo Ginsio e uma fonte chamada Lerna; ao redor dela esto colunas
onde os visitantes podem se refrescar no vero.
Em 146 a.C. se d a destruio definitiva de Corinto pelas tropas de Mmio. De
forma geral, acredita-se que a cidade tenha sido atingida de tal forma que se manteve
desabitada por mais de um sculo (WALBANK, 1997: 95-97).
Assim, no contexto dos acontecimentos de 146 a.C. est a destruio do
santurio corntio, atestada pela acumulao e planificao de vestgios sobre a rampa
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do recinto sagrado, antes da construo de muros e cmaras que serviram de apoio ao
prtico norte do Ginsio.
Poucos anos depois da nova fundao da cidade, em 44 a.C., os dados
arqueolgicos e epigrficos parecem documentar as primeiras restauraes no
Asklepieion. A prova mais evidente o vestgio de um epistilo drico pertencente ao
templo de Asclpio que estava revestido por uma espessa camada de gesso sobre a qual
foi encontrada uma inscrio em Latim. A inscrio demonstra que o santurio de
Asclpio foi o primeiro lugar de culto grego na colnia romana de Corinto a ser
novamente fundado em nome da divindade original, recebendo as restauraes
adequadas.
O Asklepieion foi monumentalizado no I sculo d.C., o que ficou perceptvel
atravs do alargamento do Ginsio, que passou a se estender da ala norte at o limite sul
do Asklepieion. Nesse contexto se completou a separao da Lerna e do santurio. Do
ponto de vista do culto, o Asklepieion continuou a prosperar mesmo depois do terremoto
ocorrido em 77 d.C. e, do ponto de vista da histria construtiva, o templo de Asclpio
teve seu teto restaurado no sculo II d.C., dado comprovado a partir de fragmentos de
sima e terracota encontrados.
O espao sacro ficou organizado, ento, em duas reas com nveis diferentes: a
rea oriental, onde se localizavam os edifcios de culto, e a ocidental, com a fonte
monumental.
A ltima restaurao do santurio de Corinto foi no sculo II d.C., em
coincidncia com o que acontecia em muitos outros Asklepieia na Grcia. Tais
circunstncias podem ser confirmadas com base em documentos monetrios. As nicas
moedas cunhadas em Corinto que representavam Asclpio e Hygieia so aquelas
pertencentes ao perodo Antonino; em particular, bronzes (ver imagens no Quadro de
Moedas dos Aklepieia, na PRANCHA que se encontra no final da dissertao, pgina
107).
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ASKLEPIEION DE PRGAMO
Um templo dedicado provavelmente a Asclpio (ou a Apolo, cf. pginas 44 e 45)
atestado por meio de uma modesta construo rural que, cerca de vinte anos aps a
construo do Prtenon em Atenas (i.e., no final do sculo V a.C.), foi construdo como
reproduo deste em escala reduzida (Plantas 12 e 13). Sua subestrutura foi
cuidadosamente construda com blocos sobrepostos sem argamassa. Ele localizava-se
abaixo do recinto de festas. A fonte ou poo helnico localizava-se logo ao lado da sada
do criptoprtico, uma passagem subterrnea que se estendia desde a ala de tratamento
at a metade do que foi posteriormente o chamado recinto de festas; l, havia uma
escada que dava acesso a um poo de ncleo helenstico. A barreira rochosa foi includa
em funo da existncia do templo em perodo helenstico. Os cmodos ou cmaras de
incubao, por sua vez, em formato de U que se localizavam na parte ocidental do
recinto de festas, indicam, nas mais profundas camadas, a existncia de paredes em
diagonais o que acusa o uso de uma tcnica de construo do princpio do sculo IV a.C.
Planta 12. Asklepieion, parte sul do recinto de festas. Vestgios dos sculos V, IV e III a.C.
(BOEHRINGER, 1959: 159)
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51
Planta 13. Asklepieion, plano geral; em destaque vestgios do Asklepieion mais antigo.
(BOEHRINGER, 1959, planta 5)
LEGENDA 1. Rua sagrada com porto de entrada
2. trio 3. Propileu 4. Recinto de festas
5. Nicho do culto 6. Templo de Asclpio 7. Cisterna 8. Peristilo
9. Ala de tratamento 10. Nicho do culto 11. Salo do imperador 12. Hall norte
13. Teatro
14. Hall ocidental 15. Sada ocidental 16. Cmodo ocidental
17. Salo sudoeste 18. Pequena latrina 19. Grande latrina 20. Hall sul (poro)
21. Passagem subterrnea
22. Poo helnico 23. Fonte romana para
banho
24. Barreira rochosa
escada e fenda da barreira
25. Barreira rochosa templo helnico
26. Barreira rochosa
templo helnico
27. Complexo
incubatrio dormitrios helnicos
28. Complexo
incubatrio extenso helnica
29. Fonte rochosa 30. Hall sul helenstico 31. Hall leste
helenstico
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importante ressaltar, com relao ao nascimento do Asklepieion de Prgamo, a
descrio de Pausnias (PAUS. II, 26, 8-9) que, ao visitar Epidauro, menciona que
rquias, filho de Aristaichmon, sendo ferido durante uma caada em Pindasos, foi
curado em Epidauro; da o culto foi levado por ele a Prgamo. Este mito de fundao
merece ateno porque, atravs dos sculos, os Asclepades de Prgamo recorreram ao
nome de rquias para legitimar seus direitos e privilgios sacerdotais alegando
hereditariedade, como atesta uma inscrio de c. 133 a.C. (FRANKEL, 1895: 177-181,
n. 25). A esse testemunho conecta-se uma inscrio de Epidauro (IG IV 1: 284, n. 928)
que confere ao sacerdote rquias, chefe de uma embaixada no perodo de Eumenes II, a
proxenia, apontando os mritos de seus antepassados, que trouxeram e configuraram o
culto em Prgamo.
No se tem certeza sobre o perodo da instituio de um culto mais
sistematizado, mas acredita-se que no seja anterior metade do sculo IV a.C.
Com relao ao estabelecimento e compreenso da ordem cronolgica das
construes, segundo De Luca (2009: 98, citando Ziegenaus & De Luca, 1968 e 1975),
os estudiosos se guiaram pelos vestgios arquitetnicos que ofereceram uma sucesso e
uma possvel datao. Foi proposta, ento, uma periodizao em dezesseis fases
arquitetnicas, das quais doze envolvem o perodo grego; as datas dessas fases tm um
valor indicativo e no absoluto. Muito poucos so os remanescentes de estruturas
murarias da fase 1, encontradas apenas no chamado Recinto de Festas. Alguns so
datados do sculo IV a.C., da fase 2, encontrados em torno de um baixo relevo de rocha
que o centro visvel do edifcio de culto.
Na fase 3, correspondente ao incio do sculo III a.C., os restos dos edifcios se
expandem para a encosta norte, onde mais tarde ser erguido o teatro, e a sul, para a
sto de perodo helenstico. possvel notar que os restos das trs primeiras fases esto
dispostos em diagonal, acompanhando as curvas naturais do relevo, diferentemente da
orientao ortogonal dos edifcios a partir das fases 4 e 5, pertencentes ao perodo entre
os anos 270 e 230 a.C. Essas linhas ortogonais, que esto na base do santurio do
segundo sculo do Imprio, seguem as diretrizes do templo, dos altares, alm da sala de
incubao e da fonte sagrada.
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53
Com a construo do chamado edifcio norte/leste, de propores monumentais,
mas de finalidade obscura, se inicia uma expanso constante na regio oriental da rea
de festas, com salas e ptios provavelmente usados como abrigos para peregrinos, locais
para refeies e lojas. Assim, o espao se tornou insuficiente e, em meados do terceiro
sculo antes de Cristo, foi feita uma srie de preenchimentos e terraos com grande
expanso das salas de incubao. Na fase 9, datada do sculo II a.C., foi realizado um
ambicioso projeto com a definio do espao do temeno que permanecer assim at o
perodo de Adriano, com a construo do grande muro Sul. Esta fase conecta-se
incurso de Filipe V em Prgamo, em 201 a.C., quando o santurio sofreu danos. H
detalhes que apontam para a necessidade de proteo contra um perigo iminente, que
podem ser vistos, por exemplo, em um tesouro de vinte e duas tetradracmas escondido
dentro de uma parede em uma sala da ala leste. As moedas estudadas apontam para o
fim do sculo III a.C.
No contedo pertencente fase 11, foram encontrados fragmentos de estruturas
do sculo III a.C., como a escultura da face de Hygieia e partes de esttuas de centauros,
provavelmente vindos do templo, talvez de um monumento de Asclpio com centauros,
estabelecendo uma conexo com moedas encontradas do sculo II d.C. A oeste, foi
expandida a longa sto drica, onde se supe reconhecer o ginsio. Tambm foi
encontrada uma parede, com traos de cermica, a uma profundidade razovel, com
vestgios de assentamentos da Idade do Bronze (com cermica tipo Tria II-III, com
formas j conhecidas de uma srie de vestgios no Vale do Kaikos) (DE LUCA 2009:
99).
A fase estrutural 12, da metade do sculo II a.C., apresenta-se, do ponto de vista
arquitetnico, como uma fase em destaque, levando-se em conta o grande muro sul e os
ptios de S/E. Nota-se que, nesta fase, foram feitas restauraes, consequentes dos
danos gerados por Prusias II ao Asklepieion bem como a outros santurios extra-urbanos
em 155 a.C. Foram recuperados em escavaes restos arquitetnicos que se referem a
trs estruturas de templo: duas em estilo jnico e uma em estilo drico, onde foram
reconhecidos traos de lugares de culto. Esses elementos arquitetnicos entablamento,
sima e guirlandas referem-se provavelmente ao templo jnico 2 ou templo de
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Asclpio, prostilo tetrastilo de propores modestas. Os vestgios de arquitetura drica
so fr