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Os relacionamentos institucionaissob a perspectiva das mediações

Éllida Neiva Guedes∗

ÍndiceIntrodução 11 Pressupostos teóricos sobre medi-

ações: um recorte 22 As mediações e a produção de sentido

nos relacionamentos entre a organiza-ção e seus públicos 5

Considerações finais 7Referências 8

Resumo

Objetiva-se com este artigo circunscreveras pesquisas sobre os relacionamentos entreuma organização e seus públicos no campodas mediações, delineando-se um recursoteórico-metodológico para tais investigaçõesna área de Relações Públicas. Configuram-se os relacionamentos institucionais comoprocessos discursivos de interação, com basena concepção tridimensional do discurso deNorman Fairclough, e as mediações comoprocessos estruturantes daqueles, a partir dainterpretação da Teoria das Mediações deJesús Martín-Barbero e Teoria das MúltiplasMediações de Guillermo Orozco Gómez.

∗Professora do Curso de Comunicação Socialda Universidade Federal do Maranhão (Brasil).Doutoranda em Ciências da Comunicação, na Uni-versidade de Coimbra, sob a orientação da ProfessoraDoutora Isabel Ferin Cunha.

Palavras-chave: Relacionamentos insti-tucionais, Discurso, Mediações, Sentido,Relações Públicas.

Introdução

AS pesquisas orientadas pelas mediaçõesculturais são desenvolvidas, em geral,

na esfera da recepção dos conteúdos das mí-dias, muito fortemente da televisão. A va-lidade de também utilizá-las como recursoteórico-metodológico nas investigações dosrelacionamentos institucionais1 ampara-seno entender das mediações como o conjuntode processos socioculturais que estruturam eorganizam a percepção e a apropriação darealidade pelos interlocutores e do discursocomo modo de ação e representação, con-cepções que sustentam o olhar dos relaciona-mentos institucionais sob a dinâmica discur-siva.

Inicia-se com um recorte teórico das me-diações, do ponto de vista de Jesús Martín-Barbero (2000, 2002, 2009) e GuillermoOrozco Gómez (1994, 1997, s/d), cujas teo-

1Usa-se o termo “relacionamentos institucionais”em referência a toda interação, decorrente dasatividades-fim ou das atividades-meio, entre uma or-ganização, pública ou privada, com ou sem fins lucra-tivos, e um grupo de pessoas que a influenciam ou porela é influenciado.

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rias das mediações foram construídas no âm-bito do estudo da televisão, porém, sendoaqui interpretadas à luz das Relações Públi-cas e adequadas à investigação dos rela-cionamentos institucionais. Em seguida,articulam-se as mediações e esses relaciona-mentos, chegando-se, por fim, a uma outraforma de olhar a relação construída entreuma organização e seus públicos.

Este artigo é um recorte da tese em ela-boração para o doutoramento em Ciências daComunicação na Universidade de Coimbra,Portugal.

1 Pressupostos teóricos sobremediações: um recorte

Martín-Barbero (2009), em sua obra Dosmeios às mediações: comunicação, culturae hegemonia, de 1987, faz duras críticasao modelo hegemônico para a análise dacomunicação na América Latina dos anossessenta e setenta. A partir daí, o teóricodesloca o objeto das pesquisas em comuni-cação para os atores sociais, os quais, noato de recepção/interpretação de uma men-sagem, recorrem aos sentidos elaborados emsuas práticas cotidianas. Dos meios e da pas-sividade por eles “provocada” parte para asquestões do sentido e do conflito, dos valoresconstruídos historicamente.

Ao transferir a problemática da comuni-cação para as mediações, Martín-Barbero(2009) passa a pensar a comunicação a par-tir da cultura e o processo de produção designificados dos lugares de fala de cada indi-víduo, que demarcam uma forma muito par-ticular de apreensão do mundo. Ele entendea mediação cultural como a primeira delas,já que está “entre” os fatos e a interpretação

que se faz deles, condicionando todo o resto– o modo de olhar, descrever e analisar a rea-lidade.

O autor insere nesse processo as expe-riências de vida do receptor, não mais comosujeito dominado e reprodutor de sentidos,mas como produtor de novos significados,condição que o capacita a assimilar, a ne-gociar ou a resistir ao que lhe é imposto.Abandona a dimensão exclusivamente téc-nica, demonstrando que as mediações es-tão diretamente relacionadas com a comuni-cação. Martín-Barbero ressalta, assim, queas mediações são

[...] os modos de relação das pes-soas com o meio [...]. Tem a vercom a classe social, com grupofamiliar, [. . . ] com a região daqual procede ou onde vive, ele-mentos raciais, elementos étnicos,idade [...]. [. . . ] há uma maneiraindividual (de interpretar as men-sagens), mas essa maneira indivi-dual está impregnada, moldada,por uma série de dimensões cul-turais, que são coletivas (Martín-Barbero, 2000:154).

Para entender a comunicação e a cultura,Martín-Barbero (2002, 2009) aponta qua-tro mediações comunicativas da cultura, ochamado “mapa noturno das mediações”:sociabilidade, ritualidade, tecnicidade e ins-titucionalidade.

A sociabilidade é gerada nas relações enegociações dos espaços nas interações coti-dianas dos sujeitos, nos modos como os su-jeitos constituem-se a si e as suas relaçõescom o poder. Relaciona-se à ordem social.

A ritualidade remete ao universo sim-bólico da comunicação, aos cenários de

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repetição de práticas e reprodução das ins-tituições e suas regras. É marcada pelarotina das pessoas e grupos e pelos dife-rentes usos sociais que os receptores fazemdos meios e das suas múltiplas trajetóriasde leitura na constituição como indivíduos.Esta é condicionada pela educação, saberes,gênero, hábitos familiares, escola, igreja.A ritualidade vincula-se diretamente à pro-dução de sentido e permite a análise do con-texto de atuação dos sujeitos.

A tecnicidade ancora-se nas singulari-dades das tecnologias da informação e co-municação, na convergência dos meios (tele-visão, rádio, telefone, computador), no pro-cesso de modelagem da cultura. Refere-seao modo como cada um organiza sua per-cepção dos meios de comunicação, reme-tendo à construção de novas práticas, viadiferentes linguagens dos meios, estes umacombinação de tecnologia e discurso.

A institucionalidade diz respeito aos inte-resses e poderes contrapostos que afetam aconstrução de discursos por parte do Estado,em busca da estabilidade à ordem constituídae, por parte dos cidadãos, que buscam de-fender seus direitos.

Com o “mapa das mediações”, Martín-Barbero (2009) busca alertar contra o pen-samento em torno da tecnologia como o“grande mediador” entre as pessoas e omundo e enfatiza os novos sentidos do so-cial e os novos usos sociais dos meios in-troduzidos tanto pelos mediadores sociocul-turais tradicionais – escola, família, igreja,bairro –, como pelos novos atores e movi-mentos sociais. O autor propõe, ainda, trêslugares de mediação como pistas para a iden-tificação de fontes de mediação que inter-ferem e alteram a maneira como os recep-tores recebem os conteúdos midiáticos: a co-

tidianidade familiar, a temporalidade social ea competência cultural.

A cotidianidade familiar Martín-Barberoa referencia como o lugar social de inter-pelação, onde as pessoas se confrontam e sereconhecem, através das relações sociais eda interação com as instituições. É o espaçodas relações estreitas e da proximidade, noqual ocorrem conflitos e tensões, que, repro-duzindo as relações de poder da sociedade,faz com que os indivíduos manifestem seusanseios e inquietações.

A temporalidade social é constituinte dacotidianidade e compreende os diferentestempos de produção e de recepção das men-sagens.

A competência cultural diz respeito àbagagem cultural que cada um carrega e queconcorre para um modo próprio de interpre-tar e usar o conteúdo da comunicação. É avivência cultural adquirida, ao longo da vida,pela educação formal e experiências do co-tidiano.

Influenciado pela mediação cultural deJesús Martín-Barbero e pela teoria da estru-turação de Anthony Giddens, somadas ao en-tendimento próprio de recepção e mediaçãocomo processo, Orozco Gómez desenvolveuo Modelo das Múltiplas Mediações, com aintenção de orientar os estudos da recepçãotelevisiva, levando para o nível empírico aconcepção de mediações de Martín-Barberoe operacionalizando-a metodologicamente.

Orozco Gómez (1997) enfatiza que a in-fluência da televisão ocorre por ausência deoutros mediadores e pela falta de condiçõessociais, econômicas e culturais. Ao mesmotempo, evidencia que a audiência é compostapor sujeitos sociais, históricos e culturais,com destrezas cognitivas, mas também comdeficiências analíticas, carências informati-

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vas, necessidade de comunicação e de reco-nhecimento.

O telespectador, para ele, é um sujeito, umser em situação e, portanto, condicionado in-dividual e coletivamente, que se constitui pe-los múltiplos processos interativos e se dife-rencia como resultado da sua particular inter-ação com a TV e, sobretudo, das diferentesmediações que entram em jogo no processode recepção. O telespectador é, assim, umser ativo, que não está isento de outras me-diações (Orozco Gómez, s/d).

Orozco Gómez (1994:74) distingue asmediações como “[...]processos de estrutu-ração resultantes de ações concretas ou inter-venções no processo de recepção televisiva[...]” e as fontes de mediação como “[...] lu-gares em que se originam estes processos es-truturantes [...]” (tradução nossa). Para ele, amediação se manifesta por meio de ações ediscursos.

A mediação, diz Orozco Gómez (1994),tem origem em diversas fontes: cultura,política, economia, classe social, gênero,idade, etnicidade, meios, condições situa-cionais e contextuais, instituições e movi-mentos sociais. Ele sugere quatro grupos demediação: individual (uma fusão da media-ção cogniscitiva com a de referência, apon-tada por ele em um primeiro artigo), situa-cional, institucional e videotecnológica. Amediação cultural, também citada em tra-balho anterior, não foi mais usada pelo au-tor com essa denominação, por estar presentenas demais mediações.

As mediações individuais dizem respeitoàquelas que provêm da própria individua-lidade dos sujeitos enquanto seres que pro-duzem significados comunicativos – capaci-dades, história, condicionamentos genéti-cos e culturais específicos –, que se articu-

lam com particularidades como sexo, etnia,origem social ou geográfica.

As mediações situacionais relacionam-seao modo e às circunstâncias em que as pes-soas interagem com os meios de comuni-cação, ou seja, a situação de recepção. Trata-se das condições físicas do local, pessoaspresentes, valores dominantes nesse grupo,estados particulares de ânimo. Remetem,ainda, aos vários cenários em que se verifi-cam reapropriações, portanto, aos contextos.

As mediações institucionais formam-senos cenários que extrapolam o momento darecepção e que atuam sobre o processo dereapropriação dos sentidos. As instituições –família, escola, igreja, clubes de esportes, as-sociações de bairro, de militância – medeiama agência do sujeito, através das suas esferasde significação, que são determinadas his-toricamente pela natureza institucional, ob-jetivos, origem, desenvolvimento e pressõespolíticas e econômicas a que estão submeti-das. Vinculam-se aos vários papéis sociaisdo indivíduo no seu contexto, que levam àconcorrência pela hegemonia dos sentidossociais.

Orozco Gómez (1994,1997) sublinha quea audiência não é somente audiência, já queos sujeitos participam regularmente de insti-tuições diversas, ainda que ocasionalmente,o que significa que eles obedecem a regras eprocedimentos institucionais e que são obje-tos de diferentes mediações. Uma vez quepertencem a várias instituições ao mesmotempo, onde adquirem sua identidade e pro-duzem sentido às suas práticas, a audiência écapaz de ser crítica e produtiva e de significarsua produção material e simbólica.

Com base no exposto, compreendem-se asmediações, no contexto deste artigo, comoum complexo conjunto de processos socio-

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culturais que ocupam um lugar simbólico en-tre a produção e a recepção, no qual as men-sagens são elaboradas e interpretadas pe-los sujeitos da comunicação. Tais processoscompõem os múltiplos contextos dos inter-locutores, nos quais são construídos, com-partilhados e renovados os sentidos, estru-turando todo e qualquer fenômeno comuni-cacional. As mediações, contudo, não serestringem a “ocupar” o espaço entre a pro-dução e a interpretação, já que nele atuam,modificando os processos receptivos e inter-pretativos.

A seguir, articulam-se as mediações, naconcepção que orienta este artigo, a pro-dução de sentidos e os relacionamentos ins-titucionais, entendidos como processos dis-cursivos.

2 As mediações e a produção desentido nos relacionamentosentre a organização e seuspúblicos

O homem tende a ver o mundo que o cercacomo um contexto de relações (Flusser,1983). O estar no mundo, aponta o autor,é organizado por relações repletas de inú-meros e inesgotáveis aspectos emocionais,culturais, econômicos, políticos, biológicos.As relações, assim, prendem o homem à so-ciedade e o definem.

Ao se relacionarem “no” e “com” omundo, os atores sociais agem uns sobre osoutros. Os atos de se comunicar e inter-agir nas atividades cotidianas decorrem docaráter simbólico humano e do processo dedar sentido ao mundo. O sentido é

[...] uma construção social, um

empreendimento coletivo, maisprecisamente interativo, por meiodo qual as pessoas – na dinâmicadas relações sociais historicamentedatadas e culturalmente locali-zadas – constroem os termos a par-tir dos quais compreendem e lidamcom as situações e fenômenos asua volta [...] (Spink; Medrado,2004:41).

Ao construir sentidos na sociabilidade co-tidiana, o homem significa tudo que o rodeiae a ele próprio (Esteves, 2007), apoiado emsentimentos, lembranças, contradições, con-flitos, conhecimentos, histórias de vida, per-cepções individuais e interações dos inter-locutores do processo comunicativo. Nesseprocesso, ficam evidentes os múltiplos as-pectos referidos por Flusser (1983), a refe-rência aos contextos de atuação dos su-jeitos e o caráter remissivo destes – em cadasituação comunicativa e dado o contexto,acionam acervos construídos e que lhe dãosegurança, reproduzindo-os ou renovando-os.

As relações sociais diárias, através dasquais processa-se tal dinâmica, são atraves-sadas por discursos elaborados por uma mul-tiplicidade de vozes que expressam ideias econceitos originados em domínios diversos(religião, arte, filosofia, ciência), em gru-pos próximos (família, escola, comunidade,meio profissional) e nos media em geral(Spink; Menegon, 2005).

O discurso, para Fairclough (2008), con-siste em um modo de ação das pessoas sobreo mundo e, especialmente, sobre os outros, e,ainda, um modo de representação. Implicauma relação dialética entre a prática social(o discurso) e a estrutura social, sendo esta

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tanto uma condição como um efeito daquelaprática. Daí o autor propor considerar, naadoção do termo discurso, “[. . . ] o uso dalinguagem como forma de prática social enão como atividade puramente individual oureflexo de variáveis situacionais [...]” (Fair-clough, 2008:91).

Em sua concepção tridimensional do dis-curso, Fairclough (2008) diz que, além da di-mensão social, o que torna a prática discur-siva efetivamente discursiva é a linguagem,manifestada na forma de textos, no sentidoamplo do linguista britânico Michael Hali-day - como linguagem falada e escrita.

As dimensões social e do texto são media-das pela prática discursiva, que não se opõeà prática social, mas é uma forma particulardessa. Um discurso como prática discursivafocaliza a produção, a distribuição e o con-sumo textual, processos sociais que exigemreferência aos ambientes econômicos, políti-cos e institucionais particulares nos quaisaquele é gerado. A produção e o consumotextuais, que podem se dar individual oucoletivamente, baseiam-se e são restringi-dos pelos recursos dos membros (das comu-nidades sociais), como o autor se refere àsestruturas, convenções sociais interiorizadas,ordens de discurso e recursos sociais consti-tuídos na prática e luta sociais. Ao mesmotempo, as práticas discursivas dos membrosdas comunidades sociais produzem efeitose resultados sobre as estruturas constituídas,sendo inconsciente essa relação dialética.

Tendo-se em vista a relação de causa eefeito entre a estrutura social e a prática dis-cursiva, observa-se essa dinâmica dialéticano processo discursivo que atravessa as re-lações, internas e externas, que permeiamas organizações. Ou seja, os discursos ela-borados e que circulam no âmbito organiza-

cional, além da relação com a estrutura so-cial, também sofrem efeitos da estrutura or-ganizacional, ao mesmo tempo em que nelaos produzem.

As relações organizacionais, na disciplinadas Ciências da Comunicação, são objeto deestudo das Relações Públicas, e na perspec-tiva deste artigo, são chamadas de relaciona-mentos institucionais.

A partir do pensamento aqui elaborado,no processo relacional institucional, discur-sivo que é, também são exigidas referên-cias aos diferentes contextos de atuação dosagentes envolvidos e ao que Fairclough de-nomina de recursos dos membros. Em talprocesso identificam-se os públicos e as or-ganizações como membros das comunidadessociais, referidos pelo autor, que ocupam asposições de produtores e consumidores dodiscurso. Aqueles membros recorrem aos re-cursos constituídos nos ambientes de atuaçãoda prática social para significar e representaro mundo e se relacionar dentro e fora das or-ganizações.

Tais recursos são aqui associados às me-diações, sustentadas pela fundamentaçãoteórica anterior. As mediações originam-see atuam nos contextos de interação daque-les agentes, inclusive no organizacional, emum processo constante de significação e re-significação do mundo que os rodeia.

Contextos são “[. . . ] espaços de relações,ora de alianças, ora de confrontos e anta-gonismos, mas sempre relações estratégicasna constituição do mundo desejável [. . . ]”(Araújo, 2002:50). Concorrem para a cons-trução de modos próprios de apropriação darealidade, que medeiam os sujeitos em so-ciedade. A partir dos contextos, ao trazeremà cena uma gama de materiais simbólicosadquiridos e reelaborados ao longo da sua

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existência, os interlocutores produzem asconcepções que revelam a si mesmos e a rea-lidade por eles vivenciada e que os orientamno mundo, organizando-o.

Cada pólo (organização e públicos), demodo único, é alterado pelas mediações emseu processo de produção e consumo da co-municação, modificam ou consolidam per-cepções, (re)construindo o sentido. Os con-textos e as mediações, desse modo, diferen-ciam os discursos e interferem nos relaciona-mentos, moldando-os.

Os membros dos públicos em interaçãocom uma organização estão sob influên-cia dos significados elaborados individual-mente, a partir das experiências de cada um(mediações individuais); dos cenários de a-tuação social nos múltiplos papéis que e-xercem (mediações situacionais); da esferade significação das instituições das quais par-ticipam, inclusive da organização específicacom quem está em interação naquele dadomomento, através de “apelos” diversos, den-tre os quais inserem-se os meios eletrônicose digitais (mediações tecnológicas). A mul-tidimensionalidade e a multidirecionalidadedas mediações, provenientes de diferentesposições sociais e lugares de fala, são a baseda compreensão da produção dos sentidossociais, aponta Orozco Gómez (sd).

Os relacionamentos institucionais são,portanto, interações mediadas culturalmente.Cabe observarem-se, no processo relacional,os lugares e as condições em que foram edi-ficados – e que os condicionam, à luz das ex-periências e dos papéis diversos dos agentesenvolvidos.

Considerações finaisOs processos de produção, distribuição econsumo de textos que acontecem nos rela-cionamentos entre uma organização e seuspúblicos guardam singularidades dos inter-locutores, tendo-se em vista a multiplicidadede vozes que atravessam seus discursos e delugares de onde falam, nos quais adquirem emodificam as mediações.

As mediações implicam a produção desentidos, de forma particularizada, já que ossujeitos apelam a materiais simbólicos, rece-bidos ao longo de sua vida, próprios de seuscontextos, mas também de modo coletivo, jáque os sentidos nascem na interação social.Nesta, as mediações estruturam a apropria-ção, a negociação e a resistência a sentidos.

Desse ponto de vista, tem-se que a vivên-cia social cotidiana, a experiência acumuladados indivíduos e a diversidade de posiçõessociais de cada sujeito respondem pelas de-sigualdades entre os interlocutores, infor-mando os relacionamentos institucionais e aconstrução de sentido que neles se efetiva.

Investigar as fontes de mediação e veri-ficar as mediações manifestadas pelos gru-pos com os quais uma organização se rela-ciona torna-se um recurso útil no desenhodo perfil desses interlocutores, etapa básicapara a compreensão do processo relacionale para a definição de políticas de relaciona-mento entre a organização e seus públicos,que conduzam aos objetivos pretendidos.

O esforço teórico aqui realizado inten-cionou trazer fundamentos que contribuampara a análise da aplicabilidade da teoriadas mediações na investigação dos relaciona-mentos institucionais e para a construção deum novo olhar que contemple a singulari-dade de toda interação, como construção so-

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ciocultural. Sob a perspectiva das mediaçõese da concepção tridimensional do discurso, orelacionamento institucional pode ser obser-vado como um processo discursivo de inter-ação entre uma organização e seus públicos,interpelado e significado pelas mediações.Nele, os sentidos influenciam as muitas va-riáveis que o compõem – o intercâmbio sim-bólico, a influência recíproca, a duração, aqualidade, o nível de satisfação, os resulta-dos da interação.

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