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O estudo dos princípios jurídicos é umvelho tema da Filosofia1 e da Teoria do Direi-to, e compreender corretamente como eles sãoaplicados, em especial pelos tribunais, não éimportante apenas do ponto de vista técnicodo operador jurídico, como também para lan-çar luzes sobre o fundamento ético do direitomoderno.

Tal estudo ganhou maior destaque com operíodo das codificações, no século XIX (ArceY Flórez-Valdés, 1990: 34), pois até então suavalidade e função eram universalmente re-conhecidas pela doutrina jurídica corres-pondente ao período do Iluminismo, e sóquando os Códigos passaram a assumi-losou a recusá-los como fonte ou meio de inte-gração é que a questão passou a ser contro-versa no nível da Teoria do Direito. O proble-ma ganha ainda mais relevo quando o Tribu-nal Internacional Permanente de Haia assume-os como fonte de suas decisões, afirmandoque os princípios gerais de direito reconheci-dos pelas “nações civilizadas” constituiriadireito positivo a ser aplicado por aquele tri-bunal (Esser, 1961: 16).

A primeira questão que se colocava acer-ca desses princípios, nos primeiros 60 anosde nosso século, era acerca de seu caráter nor-mativo. Tanto juspositivistas2quanto jusna-turalistas3 foram unânimes em reconhecersua força vinculante. E essa posição ainda éa dominante na Teoria do Direito4. Mas ain-

Os princípios jurídicos no EstadoDemocrático de Direito: ensaio sobre omodo de sua aplicação

Marcelo Campos Galuppo

Marcelo Campos Galuppo é Doutor em Fi-losofia do Direito pela Universidade Federalde Minas Gerais. Professor de Sociologia Jurí-dica e de Teoria Geral do Direito nos cursos deGraduação em Direito e Relações Internacio-nais da PUC/Minas e de Teoria da Argumenta-ção Jurídica no curso de mestrado em Direitoda PUC/Minas. Advogado.

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da hoje subsiste na Teoria do Direito umadisputa, que constitui a segunda questão quese coloca sobre tais princípios, acerca da suanatureza e, conseqüentemente, de seu con-ceito. Podemos identificar contemporanea-mente três teorias que visam explicar o quesão tais princípios.

A primeira teoria é aquela que identificaos princípios com normas gerais ou genera-líssimas de um sistema. Desde o início doséculo, autores como Del Vecchio e Bobbiotentaram compreender os princípios jurídi-cos como fruto de processos de generaliza-ção operada pela ciência do direito. Del Vec-chio afirmou, por exemplo, que os princípiosgerais são descobertos por meio da generali-zação crescente de outras normas do orde-namento jurídico (Del Vecchio, 1948: 51). JáBobbio afirmou que os princípios gerais dodireito são tão-somente “normas fundamen-tais ou generalíssimas do sistema, as normasmais gerais” (Bobbio, 1993: 271). Desde Kel-sen sabemos, no entanto, que essa tese difi-cilmente é sustentável, pois, aprendemos comele, como o sistema jurídico é um sistema di-nâmico5, não é possível deduzir de conteú-dos (mais gerais) outros conteúdos normati-vos (mais particulares) (Kelsen, 1992: 200 e201). Como Esser já observara (Esser, 1961:66), não é a maior ou menor generalidadeque distingue o princípio da regra6. A gene-ralidade não é um critério adequado para adistinção, porque, apesar de muitas vezes osprincípios serem normas com elevado graude abstração, eles não se formam por um pro-cesso de generalização (ou de abstração) cres-cente. Por exemplo: o princípio federativo,adotado pela Constituição brasileira, seriauma generalização de quê? O princípio dalegalidade generaliza quais normas7? Deoutro lado, existem regras excessivamentegenéricas, como o tipo constante do art. 12da Lei Anti-Tóxicos (Lei 6.368/76), sobretu-do se entendermos generalidade como abstra-ção, ou seja, como “conduta-tipo” (Ferraz Jr.,1994: 122), quer dizer, a qualidade de se pres-crever uma conduta cujo conteúdo é genéri-co, não correspondente a uma situação con-

creta e particularizada. Esse não pode serportanto o critério adotado. Não se nega comisso que, na maioria das vezes, os princípiospossuam um maior grau de generalização.O que se quer dizer é que a generalidade nãoé uma causa, mas, quando muito, uma conse-qüência do conceito de princípio, e não dife-rencia essencialmente, mas só geralmente asduas categorias. Como diz Alexy, “os princí-pios costumam ser relativamente gerais, por-que não estão referidos às possibilidades domundo real ou normativo” (Alexy, 1993b: 103.Grifo meu). Há outro problema implicadonessa teoria, que poderia ser chamado de in-compatibilidade da aplicação dos princípios, cau-sada pela tentativa de se aplicar dois princí-pios que levem a soluções contraditórias8.Como esse marco teórico que estamos anali-sando (a teoria dos princípios como normasgeneralíssimas) pressupõe que, por seremnormas generalíssimas, os princípios se apli-cam a todas as situações, a incompatibilidadesurge toda vez que dois princípios levam ointérprete a soluções distintas de um casoconcreto. Por exemplo, na análise de um con-trato, a cláusula pacta sunt servanda pode le-var, obviamente, a soluções distintas do prin-cípio rebus sic stantibus. Portanto, os dois prin-cípios representados nesse exemplo não po-dem ser aplicados, de modo compatível, emalgumas situações. Há toda uma construçãoda doutrina para tentar estabelecer tal com-patibilidade onde ela é realmente impossí-vel. Ao contrário de seus livros, a prática dosoperadores jurídicos lhes ensina que essaaplicação universal dos princípios é irreali-zável. É fácil observar isso em um processojudicial. Quando uma das partes alega umprincípio para defender sua pretensão, aoutra contra-argumenta mostrando que aque-le princípio, por qualquer razão, não podeser aplicado àquele caso9. Portanto, ao con-trário do que pressupõe essa teoria, um prin-cípio não é uma norma que se aplica em qualquercircunstância10.

Por isso a segunda teoria, defendida so-bretudo por Alexy, é aquela que entende queos princípios não se aplicam integral e ple-

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namente em qualquer situação. Antes, essesprincípios são identificados com “mandadosde otimização”11. Alexy entende que, comoas regras, os princípios são normas jurídi-cas12, mas, diferentemente das regras, eles sãonormas jurídicas que dizem que algo deveser realizado na maior medida possível. Comoele mesmo diz,

“Princípios são normas que orde-nam que algo seja realizado na maiormedida possível, dentro das possibili-dades jurídicas e reais existentes. Por-tanto, os princípios são mandados deotimização, que estão caracterizadospelo fato de que podem ser cumpridosem diferentes graus, e que a medidadevida de seu cumprimento não sódepende das possibilidades reais,como também das jurídicas (...). De ou-tro lado, as regras são normas que sópodem ser cumpridas ou não. Se umaregra é válida, então deve-se fazer exa-tamente o que ela exige, nem mais nemmenos. Portanto, as regras contêmdeterminações no âmbito do fático ejuridicamente possível” (Alexy,1993b: 86-7).

Conseqüentemente, os princípios“não contêm mandados definitivos massomente prima facie. Do fato que umprincípio valha para um caso não seinfere que o que o princípio requer des-te caso valha como resultado definiti-vo. Os princípios apresentam razõesque podem ser ultrapassadas por ou-tras razões opostas (...). Totalmente dis-tinto é o caso das regras. Como as re-gras exigem que se faça exatamentecomo nelas se ordena, contêm uma de-terminação do âmbito das possibilida-des jurídicas e fáticas” (Alexy, 1993b:99. Grifos meus.).

Portanto, o que diferenciaria basicamen-te princípios de regras seria o fato de os pri-meiros serem razões prima facie, enquanto assegundas seriam razões definitivas (Alexy,1993b: 101).

Em sua Teoria dos Direitos Fundamentais,Alexy tenta compreender, nos moldes de uma

teoria argumentativa do direito, como se deveresolver o conflito de princípios jurídicos ou,mais precisamente, a colisão ou tensão entreprincípios jurídicos, o que lançará luzes so-bre a diferença quanto ao tipo de validadedos princípios e das regras. Segundo ele, oTribunal Constitucional Alemão fala não emcontradição, mas de tensão entre princípios, nosentido que nenhum dos princípios em con-flito “goza simplesmente de primazia peran-te outro” (Alexy, 1993a: 13). Mas é precisoentender o que significa essa expressão doTribunal Constitucional Alemão. Para Alexy,significa que uma possível colisão entre princí-pios jurídicos existe quando, aplicadas se-paradamente, as normas principiológicasque se encontram nessa situação “conduzema resultados incompatíveis, quer dizer, a doisjuízos de dever-ser jurídico contraditórios13”(Alexy, 1993b: 87). Exatamente por isso a so-lução do conflito entre princípios difere dasolução do conflito de regras: é que este últi-mo tem existência em abstrato, enquanto oconflito entre princípios só tem existência, eportanto solução, no caso concreto. Por con-terem determinações do âmbito fático e jurídi-co, duas regras em conflito não podem sersimultaneamente válidas, a não ser que sejainserta uma cláusula interpretativo-argu-mentativa de exceção em uma delas (Alexy,1993b: 88). Os princípios conflituosos, aocontrário, não deixam de ser ambos válidospor serem conflituosos, o que significa que avalidade dos princípios, ao contrário da va-lidade das regras, não depende da validadede outras normas do mesmo grau.

É evidente que princípios que, no casoconcreto, estão em conflito não podem seraplicados simultaneamente (ou pelo menosna mesma intensidade). Como diz Alexy,

“Quando dois princípios entramem colisão (...), um dos dois princípiostem que ceder ante o outro. Mas istonão significa declarar inválido o prin-cípio que não teve curso, nem que hajade se introduzir no princípio que nãoteve curso uma cláusula de exceção.

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Ao contrário, o que acontece é que, sobcertas circunstâncias, um dos princí-pios precede ao outro. Sob outras con-dições, a questão da precedência podeser solucionada de forma inversa”(Alexy, 1993b: 89).

Isso significa que o conflito de regras sedá na dimensão da validade, e o de princípi-os na dimensão do peso (Alexy, 1993b: 89 e91). E essa idéia de peso significa que o con-flito entre princípios será resolvido tendo emvista uma hierarquização dos mesmos. Não setrata de uma hierarquização absoluta, masde uma hierarquização tendo-se em vista ocaso concreto, realizada pelo procedimentode ponderação dos princípios envolvidos nasituação. A ponderação, como concebida porAlexy, refere-se a “qual dos interesses, abs-tratamente do mesmo nível, possui maior pesono caso concreto” (Alexy, 1993b: 90. Grifosmeus). Como já disse, essa precedência não éabsoluta. Ao contrário, trata-se, como enten-de o autor, de uma precedência condiciona-da, cuja determinação “consiste em que, to-mando-se em conta o caso, indiquem-se ascondições sob as quais um princípio precedea um outro. Sob outras condições, a questãoda precedência pode ser solucionada inver-samente” (Alexy, 1993b: 92).

Alexy está preocupado em encontrar me-canismos racionais de ponderação, repelin-do assim as teorias decisionistas do direito ea discricionariedade postulada pelo positi-vismo jurídico. Segundo ele,

“uma ponderação é racional se o enun-ciado de preferência a que conduz podeser fundamentado racionalmente.Desta maneira, o problema da racio-nalidade da ponderação conduz àquestão da possibilidade da funda-mentação racional de enunciados queestabeleçam preferências condiciona-das entre valores ou princípios opos-tos” (Alexy, 1993b: 159).

Uma fundamentação é racional se apre-senta ou puder apresentar suas razões, ouseja, as razões de sua preferibilidade. Para sefundamentar um enunciado de precedência

ou de preferibilidade, as razões apresenta-das podem ser, a título de exemplo, a inten-ção original do legislador, as conseqüênciassociais benéficas ou maléficas de certa deci-são, as opiniões dogmáticas e a jurisprudên-cia (Alexy, 1993b: 159).

No caso alemão, as decisões do TribunalConstitucional Alemão tendem a levar emconta a formulação de uma regra constituti-va de ponderações, que pode ser assim ex-pressa: “Quanto maior é o grau da não satis-fação ou de afetação de um princípio, tantomaior tem que ser a importância da satisfa-ção do outro14” (Alexy, 1993b:161). Essa se-ria a “lei da ponderação”, capaz de transfor-mar a ponderação mesma em um processoracional. Isso também significa que “o pesodos princípios não é determinável em si mes-mo ou absolutamente, mas sempre se podefalar, tão-somente, de pesos relativos” (Ale-xy, 1993b:163) aos outros princípios e aosprejuízos pelo descumprimento destes nocaso concreto. Nas ponderações, por exem-plo entre o princípio de liberdade de impren-sa e de segurança externa, trata-se não exata-mente de “quão grande é a importância quealguém concede à liberdade de imprensa e àsegurança externa, mas de quão grande é aimportância que se deve conceder a elas” (Ale-xy, 1993b:163. Grifo meu.), o que implica que

“um grau muito reduzido de satisfa-ção ou uma afetação muito intensa daliberdade de imprensa em benefício dasegurança externa só é admissível se ograu de importância relativa da segu-rança externa fôr muito alto” (Alexy,1993b:163).

Essa lei da ponderação, a seu turno, impli-ca uma “lei de colisão”. Colisão significa que“um princípio só pode ser satisfeito à custade outro” (Alexy, 1993b:161), e a Lei de Coli-são pode ser assim expressa: “As condiçõessob as quais um princípio precede a outroconstituem o suposto fático de uma regra queexpressa a conseqüência jurídica do princí-pio precedente” (Alexy, 1993b: 194). Ou seja,“a determinação de uma relação de preferên-cia é, de acordo com a lei da colisão, o esta-

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belecimento de uma regra” (Alexy,1993b:103) que vale naquelas (e somente na-quelas) condições fáticas e jurídicas. Isso sig-nifica que, quando um tribunal diz que emum determinado caso (ou seja, sob dadascondições fáticas e jurídicas) um princípioprecede a outro, ele diz, em essência, haveruma regra (que deve ser aplicada de modoincondicional e absoluto) que manda apli-car, naquele caso, aquele princípio, ou me-lhor, que os princípios apóiam a aplicaçãode regras conflitantes (Alexy, 1993b:100). Aponderação dos princípios implica a existên-cia de uma regra segundo a qual em todasituação em que o condicionamento jurídicoe o condicionamento fático forem exatamenteos mesmos prevalecerá sempre um único emesmo princípio. Como ele afirma, “comoresultado de toda ponderação jusfundamen-tal correta, pode se formular uma norma dedireito fundamental adscrita, com caráterde regra, sob a qual pode ser subsumido ocaso” (Alexy, 1993b:98 e 134).

Em sua argumentação, Alexy pretendeainda demonstrar que o conceito de princí-pio não se confunde com o conceito de valor.Em regra, os tribunais utilizam esses dois ter-mos como sinônimos, mas, segundo ele, a dis-tinção entre princípio e valor conduz à dis-tinção entre Deontologia e Axiologia. Ora, to-dos os conceitos deônticos referem-se ao con-ceito deôntico fundamental do “dever-ser”, aopasso que os conceitos axiológicos “são ca-racterizados pelo fato de seu conceito funda-mental não ser o do comandado ou do dever-ser, mas o do bem” (Alexy, 1993b:139). É exa-tamente nesse ponto que os princípios se di-ferenciam dos valores, pois

“Os princípios são mandados deum determinado tipo, quer dizer, man-dados de otimização. Enquanto man-dados, pertencem ao âmbito deontoló-gico. Em contrapartida, os valores têmque ser incluídos no nível axiológico”(Alexy, 1993b:141).

A confusão decorre do fato de que nor-mas jurídicas podem desempenhar uma fun-ção axiológica (aquilo que é tido como o bem

pela comunidade) e uma função deontológi-ca (aquilo que é o dever para a sociedade), ouseja, que as normas jurídicas, sendo umaprescrição de dever (sendo portanto, intrin-secamente, operadores deontológicos), podempossuir ou conter também valores (possuin-do portanto, extrinsecamente, operadoresaxiológicos). Evidentemente, esses valores emsi mesmos são importantes no processo deponderação. Mas a ponderação jurídica pro-priamente dita (por tratar o direito do que édevido, e não do que é bom para a sociedade)é uma ponderação de princípios (Alexy,1993b:147), ou seja, de normas, e não de va-lores. Isso implica que, se de um lado é ver-dade que toda colisão de princípios pode serexpressa como uma colisão de valores (Alexy,1993a:6), não é verdade porém que toda coli-são de valores possa ser expressa como umacolisão de princípios.

Apesar de sua aparente consistência, ateoria dos princípios como mandados de oti-mização, defendida por Alexy, será objeto decríticas pelos autores ligados à Ética do Dis-curso e às análises pragmáticas da comuni-cação humana, o que dará origem à terceirateoria, que identifica os princípios com normascujas condições de aplicação não são pré-determi-nadas15. Para compreendermos essa teoria,devemos antes compreender a crítica que elaelabora à Alexy.

Tendo como referência a obra de RonaldDworkin, Jürgen Habermas criticará a incon-sistência e os problemas internos e externosda teoria alexyana16, no que será seguido, demaneira mais radical, por Klaus Günther.Para esses autores, Alexy esvazia o caráternormativo dos princípios, entrando em con-tradição com a compreensão deontológica dodireito que pretende defender. Por trás dessaquestão, há um pressuposto da teoria desen-volvida por Alexy, que renuncia implicita-mente à questão da justiça envolvida pelosprincípios em favor da segurança do direito,por meio da adoção de um procedimento liga-do estritamente à metodologia do direito. Mes-mo a teoria dos princípios como normas ge-neralíssimas não renunciou, como Alexy in-

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conscientemente o faz, à questão acerca dajustiça, e, portanto, à questão acerca do fun-damento ético do próprio direito (Bobbio,1993: 237 a 273 e Del Vecchio, 1948: 77 e 41 ess.). Por que e como Alexy renuncia a talquestão?

Habermas entende que a maneira pelaqual Alexy concebe as leis de colisão e deponderação implica uma concepção axiolo-gizante do direito, pois a ponderação, nosmoldes pensados por Alexy, só é possívelporque podemos preferir um princípio a ou-tro, o que só faz sentido se os concebemoscomo valores. Pois é apenas porque são con-cebidos como valores que os seres podem serobjetos de mensuração por meio de preferibi-lidade, constitutiva do próprio conceito devalor, uma vez que o valor, conforme apontaLalande, pode ser entendido como o “caráterdas coisas consistindo em que elas são maisou menos estimadas ou desejadas por um su-jeito ou, mais ordinariamente, por um grupode sujeitos determinados” (Lalande, 1960:1183. Grifos meus). Ao assumir tal posição,Alexy confunde as normas jurídicas (e emespecial os princípios) com valores, o que tor-na sua teoria inconsistente. Pois, de um lado,Alexy afirma:

“A diferença entre princípios e va-lores se reduz a um ponto. O que nomodelo dos valores é prima facie o me-lhor é, no modelo dos princípios, pri-ma facie devido; e o que no modelo dosvalores é definitivamente melhor é, nomodelo dos princípios, definitivamen-te devido. Assim, os princípios e osvalores se diferenciam em virtude deseu caráter deontológico e axiológicorespectivamente. No direito, do que setrata é do que é devido. Isto fala em fa-vor do modelo dos princípios” (Alexy,1993b: 147)17.

Mas, de outro lado, ao tentar resolver oproblema dos conflitos entre os princípios,Alexy adota um procedimento típico da axi-ologia. Ainda que alegando que a precedên-cia de um princípio seja condicionada pelocaso concreto, Alexy afirma ser possível, ain-

da que apenas no caso, estabelecer uma hie-rarquia entre princípios18, mesmo que tal hie-rarquia não assuma um caráter sistemático esó possa ser apresentada, em sua opinião,posteriormente à ocorrência do caso concre-to. Se é possível uma aplicação gradual dosprincípios, eles não podem ser caracteriza-dos como normas jurídicas. Uma vez que asnormas jurídicas se referem ao conceito dedever, como pressupõe o próprio Alexy, en-tão elas somente podem ser cumpridas oudescumpridas. O dever, e conseqüentementeas normas, possuem um código binário, e nãoum código gradual. Portanto, dizendo enten-der que as normas jurídicas são conceitosdeontológicos, Alexy se contradiz ao adotarum modelo axiológico para explicar o funci-onamento desse tipo específico de norma (osprincípios). Alexy esvazia os princípios jurí-dicos de sua função prescritiva quando falaem uma precedência (mesmo que condicio-nada) de um princípio normativo sobre ou-tro em razão de seu peso, pois, seguindo adefinição de Lalande, os valores indicammuito mais o registro de uma preferibilidadeem um grupo social do que um dever paraesse mesmo grupo19, o que implica a possibi-lidade de concebê-los de forma hierarqui-zada.

Não cabe confundir as normas com osvalores:

“Normas e valores distinguem-serespectivamente, em primeiro lugar,por suas referências ao agir obrigató-rio ou teleológico; em segundo lugar,pela codificação respectivamente biná-ria ou gradual de suas pretensões devalidade; em terceiro lugar, por suaobrigatoriedade respectivamente abso-luta ou relativa; e, em quarto lugar, pe-los critérios aos quais o conjunto desistema de normas ou valores deve sa-tisfazer” (Habermas, 1994: 311).

O argumento de Habermas é o seguinte:ao considerarmos os valores como funda-mento para nossas ações, estamos assumin-do uma perspectiva ligada à racionalidadeinstrumental (aquela que, teleologicamente,

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procura adequar os meios aos fins). Isso por-que, quando argumentamos com base nos va-lores, estamos levando em conta não propri-amente o que é correto, mas aquilo que é bompara que uma determinada comunidade reali-ze seus próprios fins. Evidentemente, nemsempre aquilo que é bom é aquilo que é devi-do, sobretudo na perspectiva da própria axi-ologia. E uma fundamentação axiológicaimplica sempre uma hierarquização relativaa uma comunidade, pois aquilo que é o me-lhor para uma comunidade não é necessari-amente o melhor para outra, sendo portandouma fundamentação iminentemente históri-ca, e não racional.

Ao contrário, uma fundamentação deon-tológica (com base em normas, e, em nossocaso, em princípios) da ação pressupõe, demodo direto, não uma fundamentação histó-rica (que tenha em vista aquilo que é bompara aquela comunidade), mas uma funda-mentação que leve em conta a correção nor-mativa, que pressupõe exatamente a possibi-lidade de se fundamentar em termos racio-nais definitivos, que para Habermas querdizer tão-somente universais, uma determina-da ação20. Isso quer dizer, em outras pala-vras, que quem procura fundamentar umaação com base em valores procura aquilo “queé bom para nós” (Habermas, 1994: 312), en-quanto aquele que procura fundamentar umaação com base em normas (e em especial emprincípios) procura aquilo que é “universal-mente correto”. Aqui emerge a diferença en-tre aquilo que Habermas chama de funda-mentação ética e fundamentação moral doagir, entre a deliberação ética e a deliberaçãomoral: “Ao contrário das deliberações éticas,que são orientadas pelo telos da minha/nos-sa boa vida, deliberações morais requeremuma perspectiva livre de todo egocentrismoou etnocentrismo” (Habermas, 1994: 127).Segundo Habermas,

“Nós devemos (sollen) obedecer apreceitos morais porque nós sabemosque eles são corretos, e não porque es-peramos realizar certos fins agindoassim (...) Questões de justiça dizem

respeito às pretensões controversas emconflitos interpessoais. Nós [só] pode-mos julgá-las imparcialmente à luz denormas válidas. (...) Por esta razão, jus-tiça não é um valor no meio de outros.Valores sempre disputam com outrosvalores. Eles dizem que bens específi-cos, pessoas ou coletividades buscamou preferem sob circunstâncias espe-cíficas. Apenas da perspectiva delaspodem os valores ser temporariamen-te apresentados em uma ordem hierár-quica. Pois os valores pretendem umavalidade relativa, enquanto a justiçapretende uma validade absoluta: pre-ceitos morais pretendem ser válidospara toda e cada pessoa” (Habermas,1994: 190).

Se aquilo que uma comunidade conside-ra bom para si é realmente o melhor para ela,e se o que é melhor para uma comunidade é oque deve ser levado em conta para se funda-mentar ações, então direitos contra aquilo quefosse o “melhor para uma comunidade” nãopoderiam valer de modo algum21. Os direi-tos, entendidos apenas como valores, nãopermitem qualquer tipo de proteção para oindivíduo contra a sociedade e o Estado. Etoda a história da formação do constituci-onalismo, sobretudo da formação do con-ceito de direitos fundamentais, mostra-noso contrário.

Na verdade, Alexy parece esquecer-se queo tipo de argumentação que valores e princípios(normas) implicam é essencialmente diferen-te. Como aponta Habermas, “à luz de nor-mas, decide-se o que é mandado fazer; nohorizonte dos valores, qual comportamentoé recomendado” (Habermas, 1994: 312). Se anorma é um comando, o valor é antes umconselho. E, como já mostrou Bobbio, coman-do e conselho são dois conceitos diferentes22.

Enquanto uma norma (como o princípio)deve ser avaliada como “válida” ou “inváli-da”, os valores são objetos de um escalona-mento que considera sua preferibilidade, ouseja, de uma avaliação que considera o seu“peso” e a sua gradualidade. Portanto, não

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faz sentido afirmar que os valores sejam obri-gatórios na mesma medida e em qualquercontexto. Ao contrário das normas, os valo-res só podem valer diante de determinadascircunstâncias, sendo portanto de obrigato-riedade relativa. Um valor que tem precedên-cia em uma determinada cultura pode nãoter tal precedência em outra cultura. Comodiz Habermas, ao contrário das normas,

“Valores diferentes concorrem paraobter precedência; uma vez que encon-tram reconhecimento intersubjetivo nointerior de uma cultura ou forma devida, eles formam configurações flexí-veis e tensas” (Habermas, 1994: 311).

A dificuldade de Alexy em reconhecerisso decorre do fato que, mesmo reconhecen-do uma distinção entre a deontologia e a axio-logia, ele subavalia as diferenças entre essasduas. Evidentemente isso faz muita diferen-ça. Como diz Oliveira,

“Um direito não pode ser compre-endido como um bem, mas como algoque é devido e não como algo que sejaatrativo. Bens e interesses, assim comoos valores, podem ter negociada a sua‘aplicação’, são algo por que se podeou não optar, já que se estará tratandode preferências otimizáveis. Já direitos,não. Tão logo os direitos sejam com-preendidos como bens ou valores, elesterão que competir no mesmo nível queesses pela prioridade no caso indivi-dual” (Oliveira, 1997: 112)23.

Como lembra Habermas, “cada valor étão particular como qualquer outro, enquantonormas devem sua validade a um teste deuniversalização”, pelo menos em princípio(Habermas, 1994: 315. Grifos meus.). A con-seqüência disso é que

“Normas e princípios (Grundsätze)possuem uma força de justificaçãomaior do que a de valores, porque po-dem pretender, com base em seu senti-do deontológico de validade, não ape-nas uma especial dignidade de prefe-rência, mas uma obrigatoriedade ge-ral; valores têm que ser, caso a caso,

inseridos numa ordem transitiva devaloração” (Habermas, 1994: 315).

Evidentemente, os princípios não preci-sam ser concebidos como contraditórios noplano da justificação, mas devem ser vistoscomo concorrentes no plano da sua aplica-ção24. Para mostrar como isso é possível, pre-ciso explicar o conceito de integridade deDworkin, que está por trás dos conceitos apre-sentados por Habermas.

Integridade é um conceito central da teo-ria de Dworkin, responsável pela atribuiçãode legitimidade a um sistema jurídico. Inte-gridade não é um conceito sinônimo de con-sistência. Se por consistência entendermos arepetição de soluções passadas para casosaparentemente iguais, então uma decisão in-consistente pode ainda assim cumprir a exi-gência de Integridade do direito; da mesmaforma, uma decisão consistente pode ferir aexigência de Integridade25. Integridade (Integri-ty) é um conceito ligado às razões que consti-tuem o substrato das normas jurídicas(Dworkin, 1986: 222) e se conecta diretamen-te com os conceitos de justiça, de impar-cialidade (Fairness) e de igualdade, comoassinala Chueiri (1997: 183). Uma deci-são é justa (ou seja, respeita a Integridade dodireito) se fornece a resposta correta (mesmoque esta não se baseie na estrita legalida-de) para o caso.

Dworkin parte do pressuposto que todocaso possui uma resposta correta (rightanswer)26, o que garante Integridade ao siste-ma jurídico. Essa resposta correta funcionacomo um modelo ou como um norte para aatividade do juiz, pois seria necessário umtrabalho sobre-humano para se chegar a ela.Por isso ele imagina que essa resposta corretapoderia ser alcançada por um juiz Hércules(Dworkin, 1978:105), mesmo nos casos difí-ceis (hard cases), ou seja, aqueles em que“nenhuma regra estabelecida dita uma de-cisão, seja em um sentido, seja em outro”(Dworkin, 1978: 83).

Dois tipos de argumentos poderiam serinvocados, em tese, para se solucionar os ca-sos difíceis: argumentos de orientação política

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e argumentos de princípio. Segundo Dworkin,um princípio é “um modelo (standard) que deveser observado, não porque ele avançará ouassegurará uma situação econômica, políti-ca ou social julgada desejável, mas porque éuma exigência de justiça ou de imparcialida-de (fairness) ou de qualquer outra dimensãoda moralidade” (Dworkin, 1978: 22). Já osargumentos de orientação política (policy) sãoaqueles modelos (standards) que “revelam umameta a ser alcançada, geralmente uma me-lhoria em algum aspecto econômico, políticoou social da comunidade” (Dworkin, 1978:22). Na prática, por causa da exigência deIntegridade, apenas os argumentos de prin-cípio podem desempenhar a tarefa de resol-ver os casos difíceis sem se comprometer ademocracia27. Uma vez que os argumentosde princípio estabelecem direitos individu-ais e os argumentos de orientação políticaestabelecem metas coletivas (Dworkin, 1978:90), são os primeiros que devem servir desubstrato para tais decisões (Dworkin, 1978:84). Não que os argumentos de orientaçãopolítica não justifiquem direitos: apenas nãopodem fazê-lo nos casos difíceis, quando nãoexiste uma regra clara à disposição da apli-cação judicial, pois, nas democracias contem-porâneas, o estabelecimento de políticas nãoé competência primária do poder judiciário,cuja função é a decisão sobre a controvérsiaacerca de direitos28.

Ao contrário das regras, que se aplicamde uma maneira “ou tudo ou nada (in an all-or-nothing fashion)” (Dworkin, 1978: 24), e queportanto comportam exceções enumeráveispreviamente à sua aplicação (Dworkin, 1978:25), os princípios comportam exceções à suaaplicação que não podem ser enumeradaspreviamente à hipótese concreta de sua inci-dência (Dworkin, 1978: 25), porque qualqueroutro princípio pode, abstratamente, repre-sentar uma exceção à aplicação de um prin-cípio. Ao contrário de Alexy, o que Dworkinestá dizendo é que não se trata de imaginaruma ponderação, ou seja, imaginar-se umconflito resolvido pela aplicação de um e não

aplicação de outro princípio, orientada pelahierarquização dos mesmos, mas de se ima-ginar que os princípios são normas que seexcepcionam reciprocamente nos casos con-cretos29, vez que não podem, muitas vezes,ser contemporaneamente aplicados. É claroque um princípio só pode excepcionar a apli-cação de outro quando isso for suficientemen-te fundamentado de um ponto de vista dis-cursivo. Mas efetivamente os discursos de apli-cação podem apresentar tal fundamentação.

Pelo fato de os princípios não poderemser contemporaneamente aplicados, não de-vemos pressupor que a decisão chegue a fe-rir a Integridade do direito. Não é a aplicaçãocontemporânea de todos os princípios quese exige do juiz Hércules, mas a decisão justa.

Trata-se, ao contrário, de admitir comoponto de partida que as possíveis contradi-ções existentes no direito “não são tão uni-versais e intratáveis (...) a ponto de sua tarefaser impossível” (Dworkin, 1986: 268). A apa-rente inconsistência do direito pode ser re-solvida encontrando-se “princípios racional-mente plausíveis” (Dworkin, 1986: 268) quepermitam suficientemente considerá-la umaquestão de perspectiva30. Com isso, a ques-tão passa a ser não de contradição ou de ten-são entre direitos, mas de concorrência entreos mesmos (Dworkin, 1986: 268), pois os prin-cípios podem ser concebidos como indepen-dentes entre si31,

“e seria um grave mal-entendido so-bre a lógica dos princípios conside-rá-los contraditórios. Não há nenhu-ma incoerência em reconhecer ambos(princípios concorrentes) como prin-cípios; ao contrário, todo ponto devista moral seria incompleto se elenão admitisse completamente umaou outra motivação (impulse). Mas emalguns casos eles irão conflitar, e acoerência então requer um esquemanão arbitrário de prioridade (...) ouacomodação entre os dois, um esque-ma que reflita as suas respectivasfontes num nível mais profundo da

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moralidade política” (Dworkin,1986: 269).

Ao contrário de Alexy, esse procedimen-to não pressupõe uma gradação, mas umacessão no caso concreto de um princípio pe-rante outro, por meio de exceções de aplica-ção32: “Um dos dois princípios deve cedernestas circunstâncias” (Dworkin, 1986: 270), enão necessariamente em outras circunstân-cias. Ao contrário de Alexy, Dworkin pres-supõe que o que move essa decisão é a exi-gência contingente de prosseguimento dajurisdição e do processo, ligada à Integridadedo direito:

“é exigido de mim que encontre umlugar em toda interpretação geral denossa prática legal para todos os prin-cípios (...). Nenhuma interpretação ge-ral que negasse qualquer uma delasseria plausível; a Integridade não po-deria ser satisfeita se qualquer um de-les fosse completamente rejeitado. Masa Integridade exige que alguma solu-ção para seu impacto competitivo (...)seja emanada. (...) A integridade exigeisto porque exige que eu termine a ques-tão” (Dworkin, 1986: 270).

Para compreendermos a solução do con-flito de princípios, como a concebe Dworkin,devemos ter em mente o conceito de direitoque ele apresenta, e que é um conceito de di-reito inerente às sociedades que se caracteri-zam pelo pluralismo:

“O direito não se exaure em nenhumcatálogo de regras ou princípios, cadaum com seu próprio domínio sobre al-guma arena separada do comporta-mento.(...) O império do direito é deter-minado pela atitude, não pelo territó-rio, ou pelo poder, ou processo. (...) Eleé uma atitude interpretativa e auto-re-flexiva endereçada à política no senti-do mais amplo. É uma atitude de pro-testo que torna cada cidadão respon-sável por pensar o que os compromis-sos públicos de sua sociedade são emprincípio, e o que estes compromissosexigem em novas circunstâncias. O

caráter de protesto do direito (...) alme-ja, no espírito interpretativo, assentarprincípio sobre a prática para mostraro melhor caminho para um futuro me-lhor, mantendo a fé correta no passa-do. É, finalmente, uma atitude frater-nal, uma expressão de como nós esta-mos unidos em comunidade, apesar dedivididos em projetos, interesses e con-vicções. Isto é, de qualquer maneira, oque o direito é para nós, para o povoque nós queremos ser e para a comu-nidade que nós pretendemos ter.”(Dworkin, 1986: 413)

Portanto, se tivermos em mente a exigên-cia de Integridade do direito (que se cumpre,antes de mais nada, de forma interpretativa),os princípios devem ser concebidos como di-reitos decorrentes do pluralismo constituti-vo das sociedades contemporâneas, que nãopodem ser nem enumerados previamente aocaso concreto, nem hierarquizados (Günther,1993: xvii), e que podem excepcionar a apli-cação de outros direitos, vez que, não poden-do permanecer concorrendo uns com os ou-tros no caso concreto, caso se deseje respeitara Integridade do direito, às vezes não podemser contemporaneamente aplicados. Portan-to, antes que uma questão de avaliação (va-lores), a questão é uma questão hermenêuti-ca33 acerca do que é relevante para se atingiruma decisão justa (vale dizer, que respeite aIntegridade) no caso concreto.

Isso implica um modo diferente da solu-ção de conflito de princípios:

“No caso de colisão com outrasprescrições jurídicas, não há necessi-dade de nenhuma decisão para saberem que medida valores concorrentessão a cada vez satisfeitos. Como mos-trado, a tarefa consiste, pelo contrário,em encontrar aquela, dentre as normasaplicáveis prima facie, que melhor seadapte, de todos os pontos de vista re-levantes, à situação de aplicação des-crita do modo mais completo (possí-vel). Com isto, deve-se estabelecer umnexo, cheio de sentido, entre a norma

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correspondente e aquelas que, sem pre-juízo de sua validade34, ficam em segun-do plano, de tal maneira que, desta for-ma, a coerência do sistema de regraspermaneça a salvo em seu todo” (Ha-bermas, 1994: 317. Grifo meu).

A solução para a concorrência de princí-pios apresentada por Habermas e Günthernão é definitivamente a mesma solução apre-sentada por Alexy, e segue ao contrário a ori-entação da teoria de Dworkin. O argumentode Habermas e de Günther é que a diferençaentre princípio e regra não se dá pela dimen-são de peso, e portanto não é uma diferençamorfológica. Ora, se não é pelo caráter de pesoque regras e princípios se diferenciam, comopodemos diferenciar ambos tipos de normas?Günther responde a essa questão dizendoque regras e princípios representam dois ti-pos diferentes de razões para se fundamen-tar a ação: razões prima facie e razões compa-rativas [on balance]:

“O primeiro tipo simplesmente jus-tifica que uma ação deve ou não serexecutada (...). Baier designa como ra-zões comparativas aquelas que pro-põem que, consideradas todas as coisas,nós devemos ou não fazer algo. Nestecaso, o proponente expressa a convic-ção que ‘nenhuma outra razão contrá-ria pode ser oferecida de forma capazde sobrepujar a razão ou razões nasquais ele baseia seu julgamento” (Gün-ther, 1993: 208).

Ao contrário daquelas envolvidas pelasregras, as razões envolvidas pelos princípi-os são razões comparativas. Essa distinçãoafetará também, tendo em vista os tipos derazões que lhes são afetas, o tipo de validadeligada a cada um dos tipos de normas, ouseja, a validade das regras e dos princípios.Isso porque “uma norma que é uma razãoprima facie tem conseqüentemente apenas ocaráter de ‘dever prima facie’, enquanto umpredicado de balanço caracteriza um ‘dever’comparativo” (Günther, 1993: 208), já que nãopré-seleciona de forma definitiva as condi-ções e os limites de sua aplicação. Esse dever

comparativo exige que uma quantidade mui-to maior de informações seja apresentadapara justificá-lo como razão para a ação, doque no caso de um dever prima facie (Gün-ther, 1993: 209). Isso também significa queuma norma prima facie (ou seja, uma regra) éem princípio válida em qualquer situação quereproduza as mesmas circunstâncias previs-tas no próprio tipo (Günther, 1993: 209), oque não pode acontecer no caso envolvendoprincípios. Princípios, ao contrário de regras,são fluidos e abstratos e precisam ser densi-ficados ante o caso concreto por um esforçodiscursivo-interpretativo, não se aplicandoem quaisquer situações que reproduzam suascircunstâncias de aplicação. Isso nos traz devolta à crítica da teoria de Alexy. Apesar depermanecerem abstratamente válidos, osprincípios não valem incondicionalmente nocaso concreto, uma vez que nem sempre severificam todas as condições necessárias àsua aplicação. Exatamente por isso, Güntherentende que a diferença entre princípio e re-gra não diz respeito propriamente à sua es-trutura, mas à forma de sua aplicação, oumelhor, “às pressuposições da ação com aqual as normas são aplicadas” (Günther,1993: 217). A diferença, portanto, não é demorfologia, como pretendia Alexy, mas deaplicação. As regras

“requerem uma aplicação inequívocaque está ligada à presença do compo-nente condicional ‘se’ em uma situa-ção concreta35 (...). Nem todas as carac-terísticas da situação são relevantes,mas somente aquelas que pertencem àextensão semântica do componentecondicional ‘se’. (... Ao contrário,) fala-mos em aplicar uma norma como prin-cípio quando entramos em um proce-dimento argumentativo que nos obri-ga a considerar todas as característi-cas da situação e a pesar os pontos devista normativos relevantes”. (Gün-ther, 1993: 271 e 272).

Günther vai dizer que na aplicação dosprincípios é preciso levar em conta um juízode adequabilidade, pois um princípio, em um

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caso concreto, pode excepcionar a aplicaçãode outro princípio. Essa exceção, no entanto,não é uma exceção abstrata como aquela ine-rente às regras, que valha para todo e qual-quer caso, porque ela não é determinada pe-los princípios, mas pelo caso no qual o juizdeve realizar a exigência de Integridade, ouseja, de justiça. Nesse ponto é evidente aconexão da Teoria Discursiva do Direi-to, que Günther integra juntamente comHabermas, com o conceito de princípioadotado por Kohlberg, autor que prova-velmente mais contribuiu para a compre-ensão de uma “teoria do funcionamentodo raciocínio principiológico”.

A principal preocupação teórica desseautor é construir uma teoria do desenvolvi-mento moral (Kohlberg, 1981: 6), que já seapresentava de forma embrionária em Piaget(Piaget, 1994) e nos três níveis de moralidadeem que este pôde classificar o desenvolvimen-to moral da criança (heteronomia, semi-au-tonomia e autonomia moral), a fim de com-preender como formulamos decisões acercade normas de ação.

Kohlberg constata, de maneira empirica-mente comprovada, a existência, no interiordesses três níveis, de seis estágios de desen-volvimento moral, que vão da heteronomia àforma mais desenvolvida de autonomia mo-ral, a saber, a argumentação baseada em prin-cípios. Esses estágios possuem característi-cas específicas: os dois primeiros estágiosencontram-se no nível pré-convencional, osdois estágios intermediários no nível conven-cional e os dois últimos estágios no nível pós-convencional. O termo “convencional” sig-nifica para Kohlberg “conformidade e ma-nutenção de normas e de expectativas e acor-dos da sociedade ou da autoridade pelo merofato de serem regras, expectativas ou acor-dos da sociedade” (Kohlberg, 1992a: 187). Nonível pré-convencional, o indivíduo não che-ga a compreender que as regras e valores sebaseiam em tal acordo, e as reificam. No ní-vel pós-convencional, os indivíduos perce-bem que esses acordos, por seu turno, basei-am-se em princípios que, inclusive, podem

fundamentar a alteração desses acordos. Onível pós-convencional, que aqui nos inte-ressa de modo mais direto, é dividido em doisestágios: o estágio 5 (nível do contrato socialou da utilidade e dos direitos individuais) eo estágio 6 (nível dos princípios éticos uni-versais). O que difere ambos estágios é que oestágio 5 tende a ver tais princípios como in-trínsecos à sociedade e a conceber um escalo-namento rígido e prévio entre esses princípi-os. Já o estágio 6 reconhece que esses princí-pios podem ser postulados (ou reivindica-dos) universalmente, mas que não existe umescalonamento rígido e prévio entre os mes-mos porque não estão em uma relação desubordinação, mas de coordenação entre si.Isso significa que, apesar da pretensão uni-versalizadora dos princípios no estágio 6, osindivíduos desses estágios reconhecem que,em algumas situações, é necessário não darcurso a um princípio para que outro princí-pio possa se atualizar de modo mais perfeitoe eficaz, princípio este considerado mais ade-quado para a solução de um impasse de açãodeterminado. Neste último estágio, a recipro-cidade é a nota diferenciadora do modo desolução de dilemas morais36 que lhe é pró-prio. Para a solução de um dilema (e conse-qüente aplicação de princípios, pois é apli-cando-os que solucionamos, nesse estágio,os dilemas), é preciso que cada pessoa possacolocar-se no papel dos outros envolvidos epensar a solução da perspectiva de cada en-volvido. Isso permite, por exemplo, que, combase em um ou mais princípios, um indiví-duo decida-se por cumprir ou descumpriruma regra (convencional) do grupo. Por issoafirma Kohlberg:

“Uma solução justa para um dile-ma moral é uma solução aceitável paratodas as partes, cada qual considera-da livre e igual e na suposição de quenenhuma saiba que papel viria assu-mir na situação (problemática)” (Ko-hlberg, apud Habermas, 1989: 53).

A partir daí é possível compreendermosa nova dimensão que Kohlberg vê nos prin-cípios: apesar de universais (ou melhor, uni-

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versalizáveis), os princípios (práticos) nãosão absolutos em todo e qualquer caso concreto.Eles não são portanto uma solução precon-cebida (a priori), mas uma “forma geral dever as situações concretas” em que se envol-vem os seres humanos (Kohlberg, Levine eHewer, 1992: 295), que deve ser desenvolvi-da e mesmo modificada nos casos concretos(dilemas morais). Apesar de intrinsecamen-te universais, eles são relativizáveis pelo (eno) caso concreto. Ou, melhor dizendo, “osprincípios morais adequados consideramo contexto” (Kohlberg, Levine e Hewer,1992: 296. Grifo meu). Como afirmamesses autores,

“Nossa idéia de princípio, como ade Dewey, não é a de um princípiocomo regra estabelecida; antes, enten-demos também que um princípio éuma forma de construir uma situaçãomoral concreta. É certo que a argumen-tação com base em princípios leva auma compreensão do valor de respei-tar a personalidade humana, expres-sada por Kant como ‘Trata a cada pes-soa como um fim em si mesma e nãosomente como um meio’. Sem embar-go, é argumentação de princípios a quenão utiliza este valor como uma regraestabelecida, porque entende que estevalor necessita de uma interpretaçãoem situações concretas. Assim, pois, aargumentação de princípios é a que en-tende o valor da pessoa humana comouma forma de construir uma soluçãode um dilema moral, mas não entendeeste valor como uma regra substancialque dita a priori o que esta solução de-veria ser”. (Kohlberg, Levine e Hewer,1992: 292 e 293).

Exatamente por não serem absolutos, umavez que não representam soluções pré-con-cebidas, eles não podem também ser hierar-quizados.

Portanto, para Kohlberg, os princípios sãoum ponto de partida constituinte (seja objeti-vamente, seja subjetivamente) da própria rea-lidade, a ser posteriormente desenvolvido

pela argumentação no processo de conheci-mento e de ação, tendo em vista a própriarealidade, que exige sempre sua considera-ção contextual, não sendo portanto passíveisde hierarquização. Com a modernidade, atendência é pensar os princípios cada vezmais como constituintes lógicos que orien-tam os processos de comunicação e de argu-mentação. Conseqüentemente, cada vez maisos princípios são empregados como princí-pios racionais, e não causais, da realidade.Por isso mesmo, a tendência está em se con-ceber que, no caso dos princípios práticos,eles decorrem de padrões de escolhas con-textualizadas, geralmente determinadas peloestágio moral da própria sociedade que secoloca a questão acerca dos princípios.

Pelo menos em uma sociedade moralmen-te desenvolvida, ou seja, que corresponda aoúltimo estágio moral pós-convencional, aaplicação de princípios exige que se conside-rem todos os determinantes e todas as cir-cunstâncias do caso, ao contrário das regras,que pré-selecionam que tipo de circunstân-cia deve ou não ser considerada (ou seja, quetipo de circunstância é ou não relevante), exa-tamente porque não há um rol hierarquiza-do de princípios a aplicar, e inclusive dascondições para sua aplicação. O termo ade-quabilidade, utilizado por Günther, signifi-ca que o juiz, quando excepciona concreta-mente a aplicação de princípios concorren-tes em um determinado caso, apenas reco-nhece que os mesmos são ou não adequadospara realizar a exigência de Integridade e dejustiça naquela situação37. Isso leva à conclu-são de que os princípios se diferenciam dasregras pela indeterminação maior quanto às con-dições de sua aplicação, indeterminação ligadaao fato de não se poder estabelecer um esca-lonamento entre os mesmos. E essa indeter-minação não é propriamente “um problemada estrutura da norma; é simplesmente umcontorno do procedimento de aplicação im-parcial” (Günther, 1993: 274).

Com isso Günther abre uma nova pers-pectiva: não é propriamente no contexto dajustificação que podemos falar em conflitos

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de normas ligadas às razões comparativas,mas no contexto de sua aplicação38 (Günther,1993: 212). E, então, a questão da justiça (ouIntegridade) não se esgota no contexto de jus-tificação.

Como diz Carvalho Netto,“Os princípios, ao contrário das re-

gras, como demonstra Dworkin, podemser contrários sem ser contraditórios,sem se eliminarem reciprocamente. E,assim, subsistem no ordenamento prin-cípios contrários que estão sempre emconcorrência entre si para reger umadeterminada situação. A sensibilida-de do juiz para as especificidades docaso concreto que tem diante de si éfundamental, portanto, para que pos-sa encontrar a norma adequada a pro-duzir justiça naquela situação especí-fica. É precisamente a diferença entreos discursos legislativos de justifica-ção, regidos pelas exigências de uni-versalidade e abstração, e os discursosjudiciais e executivos de aplicação, re-gidos pela exigência de respeito às es-pecificidades e à concretude de cadacaso, ao densificarem as normas geraise abstratas na produção das normasindividuais e concretas, que fornece osubstrato do que Klaus Günther deno-mina senso de adequabilidade, que, noEstado Democrático de Direito, é de seexigir do concretizador do ordenamen-to ao tomar suas decisões” (CarvalhoNetto, 1996: 146).

Os princípios jurídicos devem ser aplica-dos nos limites e nos contornos das circuns-tâncias fáticas (adequabilidade), o que nãoquer dizer que eles sejam propriamente de-terminados por essas circunstâncias. Antes,eles funcionam como pressupostos que ori-entam os processos de aplicação das regras edos próprios princípios jurídicos, que trans-ferem correção a esses processos. O conflito,na verdade, é fruto da concorrência de prin-cípios distintos em um caso concreto. Como afir-mava o próprio Alexy,

“quando tem que se passar do amplomundo do dever-ser ideal ao estreito

mundo do dever-ser definitivo ou real,produzem-se colisões ou, para usaroutras expressões freqüentes, tensões,conflitos e antinomias” (Alexy, 1993b:133).

Com isso tocamos o ponto em que a teoriade Habermas (e Günther) volta a Peirce, paraquem o logical leading principle (princípio ló-gico condutor) é responsável pela transferên-cia da racionalidade das premissas à con-clusão39, e que, agora, permite compreendera diferença entre princípios e regras tambémnos discursos de justificação.

Os princípios (jurídicos) são, no plano dajustificação, o fundamento (formal) normati-vo dos demais direitos, o seu ponto de parti-da, como na célebre definição de Aristóteles40.É a isso que Canotilho se refere ao dizer queos princípios, entre outras características,possuem o caráter de fundamentabilidade dosistema, e portanto uma natureza normoge-nética, uma vez que “são fundamento de re-gras, isto é, são normas que estão na base ouconstituem a ratio de regras jurídicas” (Ca-notilho, 1993: 167).

Como não podemos pensar propriamen-te em uma hierarquia entre esses princípios,talvez devêssemos abandonar, no plano dajustificação, o modelo piramidal de represen-tação do sistema jurídico, como apresentadopor Kelsen. Ao invés de recorrermos a ummodelo escalonado que remete, em últimainstância, a validade de todas as normas aapenas uma norma, talvez devamos pensá-lo como um sistema composto por váriasnormas-origem, já que não podemos reduziros princípios uns aos outros, uma vez queeles são expressão do pluralismo das socie-dades complexas contemporâneas41. Nassociedades pluralistas, em que muitas vezescompetem em pé de igualdade argumentos eprojetos de vida, a democracia só pode serlevada a sério se considerarmos que os prin-cípios jurídicos são expressão dessa diversi-dade, e que por isso mesmo concorrem entresi em pé de igualdade, não se podendo esta-belecer, a priori, uma hierarquia entre si.

É interessante que, na teoria do direitocontemporânea, esse modelo não seja abso-

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Notas 1 Kant, por exemplo, dizia na Crítica da Razão

Pura: “é um antigo desejo (...) poder encontrar, emvez da variedade sem fim das leis civis, seus princí-pios; pois só aí está o segredo de simplificar a legis-lação”, Cf. KANT, Immanuel. Kritik der reinen ver-nunft – 2ª Aufl. In:_____. Kant’s Werke. vol. III. Ber-lin, Georg Reimer, 1911. p. 239.

2 Cf. BOBBIO, Norberto. Teoria generale del dirit-to. Torino, G. Giappichelli, 1993. p. 271; da mesmaforma em BOBBIO, Norberto. Contributi ad un dizio-nario giuridico. Torino, Giappichelli, 1994. p. 264.

3 Cf., FRANÇA, R. Limongi. Dos princípios geraisdo direito como complemento da lei omissa. São Paulo,[s.n.], 1963. p. 234.

4 Alexy, por exemplo, define a norma como osignificado de um enunciado que diz que algo deve-ser. ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamen-tales. Madrid, Centro de Estudios Constitucionales,1993b: 83. Como tanto as regras quanto os princípi-os expressam que algo deve-ser (juridicamente), am-bos devem ser entendidos como normas jurídicas

lutamente refutado. Ferraz Jr., por exemplo,já aponta para um modelo composto não deuma única norma origem, mas de várias:

“os sistemas normativos contêm nãouma única, mas várias normas-origeme correspondentes séries normativas,constituindo um todo coeso, integra-do, não necessariamente hierárquico,regido não pelo princípio regressivo aum ponto inicial e irradiador único, maspelo princípio da eqüifinalidade, isto é,que um mesmo ponto final pode ser atin-gido a partir de diversas origens e pordiversos meios” (Ferraz Jr., 1994: 237).

É de se notar que, no momento atual, aconcepção dos princípios jurídicos

“não pode desvincular-se de uma refe-rência à Constituição. Porque a Cons-tituição, por ser a Norma jurídica su-prema da organização jurídica de umaNação, não só encerra os princípiosgerais do ordenamento e reflete a filo-sofia da vida jurídica – no dizer de Per-lingieri –, senão que, ademais, enquan-to ‘síntese das aspirações de um povo’–na expressão de Battle –, é lógico quede alguma maneira consagre os prin-cípios básicos de sua organização”(Arce Y Flórez-Valdés, 1990: 13).

No plano da justificação, a Constituiçãodesempenha um papel especial quanto aosprincípios no Estado Democrático de Direi-to. Apesar de não poder ser concebida comoo único repositório dos mesmos, é tarefa sua,por excelência, indicar (e preservar) aquelesprincípios reputados mais importantes pe-los cidadãos por meio do representante cons-tituinte sensível à sociedade. A concorrênciaentre os princípios constitucionais revelauma característica fundamental da socieda-de em que existe um Estado Democrático deDireito: não é possível hierarquizar os prin-cípios constitucionais porque são, todos eles,igualmente valiosos para a auto-identifica-ção de uma sociedade pluralista. É o conjun-to deles, e não um ou outro, que revela quemsomos e quem queremos ser. A concorrênciados princípios deriva do fato que nossa iden-tidade é uma identidade pluralista.

A questão que se coloca é: como solucio-nar a tensão entre princípios expressos naConstituição? No contexto do Estado Demo-crático de Direito, devemos procurar solucio-nar os impasses gerados nos discursos deaplicação sem abrirmos mão, na medidapossível, do maior número possível deprincípios. Só assim uma sociedade plura-lista terá sua auto-identidade (também plu-ralista) preservada. Mas também não deve-mos excluir a possibilidade de ocorrência desituações em que isso seja impossível. Emambos os casos, o procedimento capaz de darum curso para a tensão entre os princípios(sobretudo os princípios constitucionais) éaquele que envolve a racionalidade discursi-va (ou seja, que avalia por meio de razões acorreção normativa envolvida por esses prin-cípios para o caso concreto), que não é neu-tra a argumentações práticas (Habermas,1994:549). Sendo possível ou não a aplica-ção do maior número de princípios constitu-cionais, o que se deve sempre buscar em taisprocedimentos é a imparcialidade na funda-mentação e aplicação de normas jurídicas(Habermas, 1994: 563), ou, para retomarmoso conceito de Dworkin, Integridade.

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ALEXY, Robert. Sistema jurídico, princípios jurídi-cos y razón practica. Derecho y razón practica. Méxi-co, Fontamara, 1993a. p. 11.

5 Dizer que o sistema jurídico é dinâmico decorredo fato que a vinculação que existe entre as normasjurídicas não se dá em razão de seu conteúdo, comona moral, mas em razão da autorização (uma nor-ma, por exemplo a Constituição, autoriza um po-der, por exemplo o legislativo, a produzir outrasnormas válidas, por exemplo a lei, que, se não viola-rem os limites estabelecidos pela norma superior,são tidas como pertencentes ao ordenamento jurídi-co, isto é, são tidas como válidas).

6 O próprio Bobbio já havia percebido que nemtodos os princípios se formam a partir de generali-zação de outras normas particulares. BOBBIO, Nor-berto. Contributi ad un dizionario giuridico. Torino, G.Giappichelli, 1994. p. 277.

7 Tais princípios não generalizam outras normas.Antes, as outras normas é que se subsumem a taisprincípios.

8 Uma contradição, ensina-nos a lógica, consisteem uma situação em que dois enunciados não po-dem ser nem ao mesmo tempo verdadeiros, nemsimultaneamente falsos. Em termos jurídicos, umasituação em que duas normas não podem ser am-bas válidas ou ambas inválidas, só podendo ocorrera situação em que uma seja necessariamente válidae a outra necessariamente inválida. Cf. infra nota 13.

9 Por exemplo, em um período com um índiceinflacionário altamente elevado, um credor argumen-ta em favor de sua pretensão levantando o princípiosegundo o qual os pactos devem ser obedecidos. Jáo devedor argumentará, defendendo-se, o princípiocontido na cláusula rebus sic stantibus.

10 É evidente que, como adverte Alexy, existe tam-bém uma variação quanto ao número de situações aque um determinado princípio se aplica ou não. Al-guns se aplicam a um maior número de casos e,assintoticamente, a quase todos os casos. É o exem-plo alemão do princípio fundamental da dignidadeda pessoa humana. Isso porque, para o TribunalConstitucional Alemão, “existe um amplo grupo decondições de precedência nas quais existe um altograu de segurança acerca de que, sob elas, o princí-pio [da dignidade da pessoa humana] (...) precedaaos princípios opostos”. ALEXY, Robert. Teoria delos derechos fundamentales. Madrid, Centro de Estu-dios Constitucionales, 1993b. p. 106. É a isso que oTribunal Constitucional Alemão dá o nome de “âm-bito essencial absolutamente protegido”. Não signi-fica, portanto, que haja uma precedência absoluta,mas uma probabilidade muito elevada de prece-dência, pois “quase não existem razões jurídico-cons-titucionais indemovíveis para uma relação de prefe-rência em favor da dignidade da pessoa sob deter-minadas condições”. ALEXY, Robert. Teoria de losderechos fundamentales. Madrid, Centro de EstudiosConstitucionales, 1993b. p. 109. Da mesma formano caso brasileiro. Por exemplo: o princípio da prote-

ção à vida não tem, no Brasil, precedência absoluta eincondicionada sobre qualquer outro, como uma lei-tura apressada do art. 5º da Constituição Federalpoderia sugerir. Há casos em que o dever de prote-ção do Estado deve ser colocado acima daquele prin-cípio. O que ocorre é que as condições fáticas paraque este princípio tenha precedência sobre aquele(ou seja, a existência de guerra externa) são tão re-motas que, na prática, aquele outro princípio temsempre gozado de precedência.

11 Cf. GALUPPO, Marcelo Campos. A releiturados Princípios Gerais do Direito como Princípios Ju-rídicos na década de 80: Alexy e a caracterizaçãoaxiológica dos princípios jurídicos. Direito, discurso edemocracia. O princípio jurídico da igualdade e aautocompreensão do Estado Democrático de Direi-to. Belo Horizonte, UFMG, 1998. Tese de Doutora-do. p. 65-80.

12 Veja nota 4.13 O termo contraditório aqui é empregado como

o faz a lógica clássica e significa: são incompatíveispor não ser possível a existência simultânea das si-tuações descritas (ou prescritas) em ambas as pro-posições, ou seja, a validade de uma proposiçãoimplica a invalidade da outra, e a invalidade deuma proposição também implica a validade daoutra. Cf. COPI, Irving M. Introdução à lógica. 2.ed. São Paulo, Mestre Jou, 1978. p. 146 e ss. Vejanota 8.

14 Essa importância, é preciso lembrar, é sempreuma importância avaliada para uma comunidade, enão necessariamente para todas comunidades.

15 O primeiro autor a defender esse ponto devista foi, provavelmente, Josef Esser. Cf. GALUPPO,Marcelo Campos. A contribuição de Esser para aproblemática dos princípios jurídicos. Direito, dis-curso e democracia. O princípio jurídico da igualdadee a autocompreensão do Estado Democrático deDireito. Belo Horizonte, UFMG, 1998. Tese de Dou-torado. p. 49-64.

16 Para uma resposta de Alexy a Habermas, con-ferir ALEXY, Robert. Jürgen Habermas’s Theory ofLegal Discourse. ROSENFELD, Michel, ARATO,Andrew (orgs.). Habermas on Law and Democracy: cri-tical exchanges. Berkeley and Los Angeles, Universi-ty of California Press, 1998. p. 228-231.

17 Enquanto a axiologia é uma teoria dos valores,a deontologia é uma teoria dos deveres. LALANDE,André. Vocabulaire technique et critique de la philoso-phie. 8. ed. rev. e aum. Paris, Presses Universitairesde France, 1960. p. 104-216.

18 Já Esser criticava a tendência do modo de ar-gumentar axiomático em se hierarquizar os princípi-os. Como ele diz, apoiando-se em Simonius, “nãoexiste um ‘princípio supremo’, já que todas as fun-ções do direito podem-se expressar em princípiosque cada vez atuam antinomicamente”. ESSER, Jo-sef. Princípio e norma en la elaboración jurisprudencialdel derecho privado. Barcelona, Bosch, 1961. p. 64 epassim, existindo portanto uma “tensão polar entre

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vários princípios”, ESSER, Josef. Princípio e norma enla elaboración jurisprudencial del derecho privado. Bar-celona, Bosch, 1961. p. 103., tensão esta inerente àssociedades pluralistas e multiculturais.

19 Ao criticar a concepção axiológica do direito,não quero dizer com isso que as normas não possamconter valores, mas que o seu caráter vinculante de-corre não do valor que contêm, mas do fato mesmode elas serem normas, ou seja, deveres, que revelamnão apenas quem somos, mas também, ao contráriodos valores, quem desejamos ser, estabelecendo umprojeto para nossa própria sociedade.

20 Habermas está-se referindo à hipótese da pos-sibilidade de uma fundamentação universal, que fun-ciona normativamente para avaliação de argumen-tações morais ou jurídicas. Habermas demonstraque esse é um pressuposto normativo (contrafático)que pode não corresponder à realidade sem comisso deixar de ser, em si, válido. O princípio demo-crático, envolvido nos discursos jurídicos, pressu-põe que toda argumentação real se dá no contextode uma comunidade real, sendo portanto uma ar-gumentação circunstancial e contingente, apesar detambém orientada por critérios de imparcialidade ede universalidade. A distinção que aqui está sendoinvocada é a distinção entre a comunidade real decomunicação e a comunidade ideal de comunica-ção, que já explorei em outro lugar. GALUPPO,Marcelo Campos. O princípio jurídico da igualdadee a autocompreensão do Estado Democrático deDireito. Direito, discurso e democracia. Belo Horizonte,UFMG, 1998. Tese de Doutorado.

21 Lembremo-nos, por exemplo, da importânciaque Aristóteles conferia ao ethos, à pólis e à phrónesisem sua ética.

22 Procedendo da diferenciação entre comando econselho elaborada por Hobbes no Leviatã, Bobbioconclui que a diferença mais importante entre co-mando e conselho diz respeito ao comportamentoda pessoa do destinatário, pois enquanto estes “sãoobrigados a seguir um comando, têm a faculdade deseguir um conselho”. BOBBIO, Norberto. Teoria ge-nerale del diritto. Torino, G. Giappichelli, 1993. p. 72.

23 É interessante notar que essa axiologização dodireito goza de muitos adeptos, nem sempre consci-entes, na Alemanha. Veja-se, por exemplo, o seguin-te texto de Hesse: “Os bens constitucionalmente pro-tegidos devem ser ordenados uns perante os outrosde tal forma que cada um deles ganhe realização.Onde há colisão, não se pode, em precipitadas com-pensações de interesse ou de valores, sacrificar umao custo do outro.” HESSE, Konrad. Grundzüge desVerfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland. 20.ed. Heidelberg, C. F. Müller, 1995. p. 28.

24 No plano da aplicação, efetivamente ocorremquestões de concorrência (e não de contradição entreprincípios), e discursivamente, agora com base nãomais nas normas, mas nos fatos envolvidos no caso

concreto, é possível fazer um princípio concorrentepassar para um segundo plano, a fim de dar umasolução para um caso que não permita a compatibi-lização de dois princípios. Para a diferenciação dosdois planos, ver GÜNTHER, Klaus. Application Dis-courses in Morality and Law. The Sense of Appropri-ateness. Albany, State University of New York, 1993.

25 Um estudo interessante sobre esse conceitoencontra-se em CHUEIRI, Vera Karam de. A dimen-são jurídico-ética da razão: o liberalismo jurídico deDworkin. In: ROCHA, Leonel Severo (org.) et alii.Percursos da teoria jurídica contemporânea. Parado-xos da auto-observação. Curitiba, JM Editora, 1997. p.182 e ss.

26 Sobre a questão da tese da “resposta correta”,ver DWORKIN, Ronald. Taking Rights Seriously.Cambridge: Harvard University Press, 1978, em es-pecial p. 331-338 e DWORKIN, Ronald. A Matter ofPrinciple. Cambridge: Harvard University Press, 1985,p. 119-145. Evidentemente, como aponta CHUEIRI,Vera Karam de. A dimensão jurídico-ética da razão:o liberalismo jurídico de Dworkin. In: ROCHA, Leo-nel Severo (org.) et alii. Percursos da teoria jurídicacontemporânea. Paradoxos da auto-observação. Curiti-ba, JM Editora, [s.d.], p. 171 e ss., a “resposta corre-ta” significa para Dworkin apenas a melhor respos-ta possível.

27 Isto é aquilo que Dworkin chama de tese dosdireitos, que concerne à disputa entre argumentos depolítica e princípios jurídicos na fundamentação dedecisões em casos difíceis. Ver DWORKIN, Ronald.Taking Rights Seriously. Cambridge, Harvard Uni-versity Press, 1978. p. 82 e ss.

28 Habermas adverte que, nos Estados Democrá-ticos de Direito, apenas o legislador tem acesso tan-to às questões morais quanto às ético-políticas epragmáticas. HABERMAS, Jürgen. Beiträge zurDiskurstheorie des Rechts und des demokratischenRechtsstaats. Faktizität und Geltung, 2 ed. Frankfurt.Suhrkamp, 1994. p. 235.

29 Assim, cobra novo sentido a frase do TribunalConstitucional Alemão segundo a qual nenhum prin-cípio “goza simplesmente de primazia em frente deoutro” ALEXY, Robert. Sistema jurídico, princípiosjurídicos y razón practica. Derecho y razón practica.México, Fontamara, 1993a. p. 13. todos os princípiospossuem a possibilidade de excepcionar a aplicaçãode outros princípios.

30 E isso porque, em alguns casos, as condi-ções (jurídicas e fáticas) que compõem o proble-ma tornam um princípio adequado e outro ina-dequado à solução do caso, para usar a termino-logia de Günther.

31 Como mostrei em outro lugar, GALUPPO,Marcelo Campos. O princípio jurídico da igualdade ea autocompreensão do Estado Democrático de Direi-to. Direito, discurso e democracia. Belo Horizonte, UFMG,1998. Tese de Doutorado, a sua independência de-corre do fato que são expressão do pluralismo dassociedades contemporâneas .

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32 Vale dizer: os princípios podem-se ex-cepcionar em sua aplicação, apesar de não serevogarem mutuamente.

33 Preciso advertir que entendo que a interpreta-ção é um ato de atribuição discursiva de sentido.Portanto, não é o caso de se descobrir um sentido,mas de atribui-lo. É preciso lembrar que mesmo anorma não é algo que tenha existência per se. Já Kel-sen entendia, na Teoria Pura do Direito, que a normaé o sentido que podemos encontrar em um costumeou em um texto normativo, que por isso mesmofunciona como esquema de interpretação. Mas essesentido não é encontrado pelo intérprete como algojá existente no texto. Ao contrário, ele é atribuído pormeio da argumentação jurídica, argumentação quepossui diferenças, caso se trate de um discurso deaplicação ou um discurso de justificação. Evidente-mente, essa atribuição do sentido é algo que vai lon-ge da discricionariedade do juiz no julgamento do casoconcreto. As condições dessa atribuição de sentidopressupõem antes a existência de uma comunidade(no caso, jurídica) lingüisticamente estruturada, o quesignifica que esse sentido é atribuído por intermédiodo discurso e da universalização. Sobre a questãoda hermenêutica, seria interessante a leitura de HA-BERMAS, Jürgen. In: Para a crítica da hermenêuticade Gadamer. Dialética e hermenêutica. Porto Alegre,L&PM, 1987. 136 p.

34 Dizer que não perdem sua validade significaque continuam válidas e apenas não são aplicadas.

35 Isso significa que a estrutura das normasjurídicas genéricas preconizada por Kelsen é, naverdade, a estrutura de um tipo de normas jurídi-cas: as regras.

36 Para a caracterização dos dilemas morais, versua formulação em KOHLBERG, Lawrence. Psico-logia del desarrollo moral. Los nueve dilemas hipotéti-cos. Bilbao, Desclée De Brouwer, 1992b. p. 589-599.

37 O que significa que os princípios são normas quevalem em um contexto (mas não, necessariamente, eao contrário do que pensavam Del Vecchio e Bobbio,em qualquer situação).

38 Sobre as diferenças entre os discursos de apli-cação e discursos de justificação, ver GÜNTHER,Klaus. Application Discourses in Morality and Law.The Sense of Appropriateness. Albany, State Universi-ty of New York, 1993. p. 23-58; e HABERMAS, Jür-gen. Remarks on Discourse Ethics. Justification andApplication. Cambridge, MIT, 1993. p. 35-39.

39 Ver, a propósito, GALUPPO, Marcelo Cam-pos. Peirce. O princípio jurídico da igualdade e aautocompreensão do Estado Democrático de Direi-to. Direito, discurso e democracia. Belo Horizonte,UFMG, 1998. Tese de Doutorado. p. 102 e 103.

40 No livro V da Metafísica, a partir da reuniãodos vários sentidos da palavra “princípio”, Aristó-teles vai apontar seu sentido básico: “Chama-se prin-cípio, em primeiro lugar, (a) ao ponto de uma coisadesde onde alguém pode começar a mover-se; porexemplo, o princípio da longitude e do caminho será,

por esta parte, leste, e pela contrária, oeste. Em se-gundo lugar, se chama também princípio (b) ao pontodesde onde cada coisa pode fazer-se do melhor modo;por exemplo, a instrução não deve às vezes principi-ar-se desde o primeiro e desde o princípio da coisa,mas desde onde com mais facilidade pode aprendero discípulo. Em terceiro lugar, se chama princípio (c)aquele desde o qual, sendo intrínseco à coisa, estacomeça a se fazer; por exemplo, de uma nave, aquilha, e de uma casa, a argamassa [...]. Em quartolugar, (d) aquilo desde o que, sem ser intrínseco àcoisa, esta começa a fazer-se e desde onde principi-am naturalmente o movimento e a mudança; porexemplo, o filho, desde o pai e a mãe, e a luta, desdea injúria. Em quinto lugar, (e) aquilo cujo desígniofaz que se movam as coisas que se movem e mudemas que mudam, como nos Estados os magistrados,as potestades, os reinos e as tiranias se chamamprincípios [...]. Ademais, (f) o ponto desde onde umacoisa chega a ser cognoscível também se chama prin-cípio da coisa; por exemplo, as demonstrações, aspremissas. [...] A todos os princípios é comum ser oprimeiro desde o qual algo é ou se faz ou se conhece. Edestes (princípios) uns são intrínsecos e outros ex-trínsecos”. ARISTÓTELES. Metafísica de Aristóteles.Trad. por Valentín García Yebra. 2. ed. Madrid, Gre-dos, 1990. p. 216-218. Grifo meu.

41 Adverte Baracho que existe um princípio, cons-titucionalmente adotado no Brasil, que é o princípiodo pluralismo BARACHO, José Alfredo de Oliveira.In A plenitude da cidadania e as garantias constitu-cionais e processuais. Teoria Geral da Cidadania. SãoPaulo, Saraiva, 1995. p. 33.

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