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Os posi(a)tivistas: gênese e devir histórico do Apostolado Positivista do Rio de Janeiro

(1881-1930)

FABIANO BARCELLOS TEIXEIRA

Fundado em 1881, o Apostolado Positivista do Rio de Janeiro congregou e expandiu

intensos debates políticos nacionais até os anos 1930. Liderada por Miguel Lemos e

Raimundo Teixeira Mendes, a instituição tornou-se um centro irradiador de ideias para o

Brasil. O país precisava modernizar-se, afirmavam. Como ativistas, os mencionados

intelectuais e os seus pares procuravam influenciar a opinião pública e a tomada de decisões

do governo na então capital federal. Eles buscavam regenerar a sociedade brasileira marcada

pelas chagas da escravidão, em um cenário social excludente para grande parte da população.

O Apostolado ambicionava um novo ordenamento social para uma possível evolução do país

sempre sob o prisma da doutrina positivista.

Abalizados em uma visão de mundo pró-burguesa e anti-operária, as manifestações dos

positivistas ortodoxos, reunidos no Apostolado Positivista do Rio de Janeiro (AP-RJ),

expressavam o desejo por “sanear o país”, “educar o cidadão”, “moralizar a sociedade”,

“organizar a família” (SILVA, 2008: 6). Os ortodoxos enfrentavam resistências sobretudo das

forças oligárquico/latifundiárias que buscavam manter a hegemonia política e social nos anos

finais do Império e na incipiente república, época de intensa atuação do AP-RJ. No Brasil, os

seguidores ortodoxos da doutrina de Augusto Comte, capitaneados por Miguel e Raimundo,

deixaram um legado de ação política.

Fundada nos anos 1830 pelo francês Augusto Comte (1798-1857), o positivismo foi

ideologia que expressava a sociedade industrial e a burguesa triunfante na França e na Europa

Central. Propagandeava as leis gerais que dizia necessárias ao progresso humano para que

alcançasse a sociedade industrial, apogeu da história da humanidade. A república ditatorial

dirigida pelos sábios seria forma de governo mais evoluída que a teológica monarquia; os

pequenos Estados de até 3 milhões de habitantes, seriam mais progressivos que as grandes

nações; o militarismo bélico, seria incompatível com a cientificidade e as tendências altruístas

da humanidade; a escravidão moderna, instituição abominável; a Humanidade deveria evoluir

para uma sociedade internacional altruísta, com base na hierarquia e ordenamento social

ministrado pela burguesia industrial, a suposta grande líder do evolucionismo social histórico.

Doutorando em História pelo PPGH da Universidade de Passo Fundo-Rio Grande do Sul; bolsista Capes.

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A doutrina comteana tem raízes no movimento intelectual bastante ativo na França

setecentista, a Ilustração. O Iluminismo assinalava o pensamento racional como base para o

progresso da humanidade, criticando fortemente a crença no acaso divino. O progresso

científico europeu do início do século 19, decorrente da revolução industrial, fez com que se

disseminasse a ideia de que o homem pudesse obter completo domínio sobre a natureza. As

ideias positivistas se consolidaram nesse contexto como uma corrente de pensamento típica

dos setores burgueses ascendentes. Assim, o positivismo evolui durante o período de transição

de fins do século 18 a princípios do 19 como uma utopia crítico e revolucionária da burguesia

antiabsolutista e antifeudalista, para tornar-se no decorrer dos oitocentos aos nossos dias uma

ideologia conservadora identificada com a ordem industrial burguesa estabelecida, já em um

sentido conservador e contra-revolucionário, ao se opor às propostas então nascentes de

reorganização da sociedades pelas classes trabalhadoras (MESQUITA, 2012: 26-64).

São premissas básicas da doutrina positivista: o cientificismo, o naturalismo e a rigidez

social; procurava-se definir um objetivo e claro método-modelo de estudo sobre a sociedade,

para se obter uma harmonia social, onde a hierarquia social privilegiaria a burguesia industrial

como setor dirigente da evolução da história humana. Seriam as bases para uma sociedade

ideal. Ela seria regida por leis naturais, invariáveis e independentes da vontade e da ação

humanas; na vida social, reinaria uma harmonia natural. A sociedade poderia, portanto, ser

epistemologicamente assimilada pela natureza (naturalismo positivista) e ser estudada pelos

mesmos métodos, evolução, trajetória (démarches) e processos empregados pelas ciências da

natureza (LÖWY: 1994, 17).

As ciências da sociedade, assim como as da natureza, deveriam limitar-se à observação

e a explicação causal dos fenômenos, de forma objetiva, neutra, livre de julgamentos de valor

ou ideologias, descartando previamente todas as prenoções e preconceitos. O positivismo

procurava ser uma ciência neutra como as ciências exatas da física, da química e da

matemática, que despontaram fortemente no século 19, procurava ainda ser imune aos

interesses e paixões, em última instância, pretendia a neutralidade científica. Inicialmente o

positivismo era contra o tradicionalismo clerical do Antigo Regime, era contra a ordem

feudal, para a seguir se transformar em uma tese fortemente conservadora, com a vitória da

ordem burguesa e crítica à última do mundo do trabalho (LÖWY, 1994: 18-22).

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Augusto Comte

Isidore Auguste Marie François Xavier Comte, ou Augusto Comte (1798-1857), é

considerado o criador do positivismo, como doutrina científica constituída. Por sua

contribuição, é tido como um dos pais da sociologia. A teoria estruturada por Comte defendia

que todo saber do mundo físico advinha de fenômenos “positivos” (reais) da experiência e

eles seriam os únicos objetivos da epistemologia. Ele sustentava também a existência de um

campo de ação, no qual as ideias se relacionavam de forma exata, lógica e matemática e que

toda investigação transcendental ou metafísica que não pudesse ser comprovada na

experiência deveria ser desconsiderada. Para ele, as ciências empíricas deviam prevalecer

perante as especulações filosóficas idealistas, também na análise da sociedade. Comte buscou

a síntese do conhecimento positivo da primeira metade do século 19, especialmente da física,

da química e da biologia. Seu objetivo era a formulação de uma “física” social (a

“sociologia”) que reformulasse o quadro social instável decorrente das novas relações de

trabalho do capitalismo industrial e do sindicalismo organizado e combativo que germinava

na Europa oitocentista (SÊGAS, 2004: 02).

Podemos dividir a produção de Augusto Comte em duas etapas: a primeira, marcada

pelo cientificismo e a segunda, marcada pela religiosidade. Na primeira fase, a obra Curso de

filosofia positiva (1830-1842) expõe a base da doutrina comteana, cujos alicerces teóricos

estão assentados na proposta de três estados do desenvolvimento humano e do conhecimento:

o teológico, o metafísico e o positivo. O positivismo era, portanto, visão social evolucionista e

mesmo dialética, ainda que em sentido mecanicista. Na fase teológica, o ser humano

compreende o mundo a partir dos fenômenos da natureza conferindo a eles caráter divino,

encerrando-se essa fase no monoteísmo. Na fase metafísica, a interpretação do mundo é

alicerçada em conceitos abstratos, ideias e princípios. E na fase positiva o ser humano limita-

se a expor os fenômenos e a fixar as relações constantes de semelhança e sucessão entre eles.

Nessa fase, as causas e as essências dos fenômenos são deixadas de lado para se evidenciarem

as leis imutáveis que nos regeriam, pois o conhecimento destina-se a organizar e não a

descobrir (SÊGAS, 2004: 2-3).

Para Comte, o objetivo da filosofia seria a organização das ciências em seis fases. Na

base da pirâmide estaria a matemática, seguida da astronomia, da física, da química, da

biologia e, por fim, da sociologia (MESQUITA, 2012: 30-33). Nas ciências de sua época,

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Auguste Comte destacou-se por seus estudos matemáticos. Em Discurso sobre o conjunto do

Positivismo (1848), Comte parte das feições reais do termo “positivo” para atingir uma

significação moral e social maior, a fim de reorganizar a sociedade, com a supremacia do

amor e da sensibilidade sobre o racionalismo. O ápice dessa tese é a religião da humanidade.

(SÊGAS, 2004: 3).

A unidade do conhecimento positivo passa a ser coletiva em busca da fraternidade

universal e da convivência em comum. A união entre teoria e experiência seria baseada no

conhecimento das ações repetitivas dos fenômenos e sua previsibilidade científica. Assim,

seria possível o aprimoramento tecnológico. O estágio positivo corresponderia à atividade

fabril (industrial-burguesa) e à transformação da natureza em mercadorias, explicando o

domínio da natureza pelo homem. Se entendermos a ciência como a investigação da realidade

física, o positivo é o objeto e o resultado dessa investigação. Dessa forma, a sociedade

também é passível dessa análise e a fase positiva será caracterizada pela passagem do poder

político para os sábios, que se distinguiriam pelo conhecimento, para ele, separado, como

vimos, de qualquer determinação ideológica, política e social (SÊGAS, 2004: 3-4).

A segunda etapa dos trabalhos de Comte é representada em sua obra Sistema de política

positiva (1851-1854), que preconiza a “religião da humanidade”, cuja liturgia é baseada no

catolicismo romano, estabelecida em O catecismo positivista (1852). A essa altura, a doutrina

positivista adquire feição religiosa com credo na ciência. Ele propõe toda uma liturgia,

extremamente rígida, para o credo da ciência. Essa divisão do pensamento comteano também

separou seus seguidores em duas correntes: os ortodoxos, que seguiram Comte em seu

período religioso; e os heterodoxos, que se conservaram perseverantes ao período científico e

filosófico do positivismo.

O líder dos heterodoxos, Émile Littré, autor de Fragmentos de filosofia positiva e

sociologia contemporânea (1876), concebeu o período religioso de Comte como um

retrocesso. Já o ortodoxo Pierre Laffitte chegou a sacerdote máximo da “religião da

humanidade” (MAESTRI, 2011: 6). As teorias científicas de Comte sofreram severas críticas

de ordem metodológica, principalmente por desconsiderarem os procedimentos hipotéticos e

dedutivos e, sobretudo, a determinação social das práticas sociais. Entretanto, o positivismo

influenciou diversos pensadores no mundo ocidental, com destaque a vertente americana,

sobretudo a brasileira, chilena, colombiana, mexicana, etc. Destaque-se que, ao enraizar-se,

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no Brasil, dominava na grande nação americana organização social pré-capitalista, escravista,

que prosseguiu, de certo modo, em boa parte, até os anos 1930. Possivelmente esta seja uma

significativa contribuição positivista ortodoxa no Brasil, ou seja, a crítica de sociedade pré-

burguesa e pré-industrial.

Condorcet e Saint-Simon foram as mais significativas influências de Augusto Comte.

Marie Jean Antoine Nicolas de Caritat, marquês de Condorcet (1743-1794), definia que o

objetivo do positivismo seria emancipar o conhecimento social dos “interesses e paixões” das

classes dominantes. Condorcet formulou a ideia de “matemática social”, era contra o controle

do conhecimento social pelas classes dominantes (Igreja e Estado). Ele lutava contra o

obscurantismo clerical da Igreja e os dogmas imutáveis da era feudal, contra o

tradicionalismo, por isso se afiliam aos anseios dos iluministas e se aproximam de pensadores

como Bacon e Descartes (LÖWY, 1994: 20). Sua visão de mundo pró-burguesa, tinha sentido

claramente revolucionário.

Discípulo de Condorcet, Claude-Henri De Rouvroy, o Conde de Saint Simon (1760-

1825), foi o primeiro a usar o termo “Ciência Positiva”. Ele era de uma linha de pensamento

denominada “socialismo utópico”, considerava a aristocracia e o clero como parasitas da

sociedade. Saint Simon acreditava que a ciência do homem deveria se tornar positiva

utilizando os métodos das ciências naturais, “pois não existe fenômeno que não possa ser

observado do ponto de vista da física dos corpos brutos ou do ponto de vista da física dos

corpos organizados que é a fisiologia.” (SIMON, 1876: 29-30). O mesmo autor concebia que

a ciência política positiva poderia ser neutra e objetiva contornando os pontos de vistas

contraditórios, pois até então a ciência social era imatura e vivia sua fase de infância. Saint

Simon era identificado com as classes trabalhadoras, pois reivindicava a luta dos produtores

contra os parasitas clericais-feudais, daí ser considerado um dos precursores do denominado

socialismo utópico, como referido (LÖWY, 1994: 20). Sua visão de mundo anti-feudal,

superava o sentido pró-burguês e assumia caráter fortemente social, que expressava o agir das

classes exploradas durante a Grande Revolução, de 1789, na França.

Auguste Comte torna-se pensador maduro quando as classes burguesas assumem

ferreamente o poder e conhecem a crítica e proposta dissolvente das classes trabalhadoras,

explícitas já na Conspiração dos Iguais, de Gracus Babeuf, executado em 1797. Apesar das

nítidas influências de Saint Simon, Augusto Comte era contra as ideias críticas, dissolventes,

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negativas, revolucionárias e subversivas que germinavam do iluminismo e do socialismo

utópico, assim pretendia estabelecer um princípio metodológico de uma ciência natural da

sociedade. Ele adotou o positivismo para designar toda uma diretriz filosófica marcada pelo

culto da ciência e pela sacralização do método científico. Comte definia que seu método

positivo deveria consagrar à defesa da ordem social instituída. Ou seja, como na filosofia

dialética idealista de F. Hegel, a sociologia positiva de Auguste Comte assumia caráter anti-

dialético, ao ver na instituição da ordem burguesa-industrial verdadeiro fim da história.

No século 19, o positivismo expressava um tom geral de confiança nos benefícios da

industrialização, otimismo em relação ao progresso do capitalismo, guiado pela técnica e pela

ciência experimental. A doutrina comteana seria uma espécie de “Física social”, pois a

sociedade seria submetida a leis invariáveis, considerava-se indispensável a concentração de

riqueza e a resignação do proletariado frente a ela. Em 1825, em Considerações filosóficas a

respeito das ciências e dos sábios, Comte assinalava

entendo por física social a ciência que tem por objeto o estudo dos

fenômenos sociais considerados dentro do mesmo espírito que os fenômenos

astronômicos, físicos, químicos e fisiológicos, quer dizer, como sujeitos a

leis naturais invariáveis, cuja descoberta é o objetivo específico de suas

pesquisas (ARNAUD, 1965: 71).

Desse modo, o autor procurava estabelecer parâmetros fixos às ciências das

humanidades, típicos das ciências exatas, buscava-se uma homogeneidade epistemológica,

neutra e livre de julgamentos. A ciência da sociedade (física social, mais tarde definida como

sociologia) pertenceria ao sistema das ciências naturais. A busca pela manutenção do status

quo burguês fica evidente quando se entende que a concentração de capital pelos chefes

industriais era um fenômeno pertinente “há de preparar os proletários para respeitarem, e

mesmo reforçarem, as leis naturais da concentração do poder e da riqueza” (COMTE, 1869:

357).

Seguindo na mesma linha de pensamento

Ele (o positivismo) tende poderosamente, por sua natureza, a consolidar a

ordem pública, através de uma sábia resignação... Evidentemente só é

possível haver uma verdadeira resignação, isto é, uma permanente

disposição para suportar com constância e sem nenhuma esperança de

compensação, qualquer que seja, os males inevitáveis que regem os diversos

gêneros de fenômenos naturais, a partir de uma profunda convicção de

invariabilidade das leis. E, pois, exclusivamente com a filosofia positiva que

se relaciona tal disposição, em qualquer tema que ela se aplique, e, por

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conseguinte, e, relação também aos males políticos (COMTE, 1869: 100-

101).

Ou seja, a visão positivista comtiana de mundo naturalizava a ordem capitalista-

industrial. Tudo que fosse contra ela, era, portanto, contra a natureza objetiva das coisas.

Se Comte foi “o pai do positivismo”, David Émile Durkheim (1858-1917) pode

considerado “o pai da sociologia”. Durkheim reconheceu a influência e a importância de

Comte e até mesmo ajudou a propagar alguns ideias da teoria comteana. A ciência social não

poderia realmente progredir mais senão se houvesse estabelecido que as leis das sociedades

não são diferentes das leis que regem o resto da natureza e que o método que serve para

descobri-las não é outro senão o método das outras ciências. Esta seria a contribuição de

Augusto Comte à ciência social.

Em As regras do método sociológico Durkheim descreve

A primeira regra e a mais fundamental é a de considerar os fatos sociais

coisas. Comte, de fato, proclamou que os fenômenos sociais são fatos

naturais submetidos a leis naturais. Com isso, ele implicitamente reconheceu

o seu caráter de coisas; pois não senão coisas na natureza (Durkheim, 1956:

15).

A economia política foi uma das precursoras da démarche positivista nas ciências

sociais. Os economistas foram os primeiros a proclamar que as leis sociais são tão necessárias

como as leis físicas. Segundo eles, é tão impossível a concorrência não nivelar pouco a pouco

os preços... como os corpos não caírem de forma vertical...Estenda esse princípio a todos os

fatos sociais e a sociologia estará fundada (Durkheim, 1970: 80-81).

Entretanto, Durkheim não incorporava em sua crítica a visão marxiana das

determinações sociais das leis econômicas, produto de relações entre homens, e não entre

coisas, e sua ação eminentemente tendencial. Por isso o Positivismo na Europa se tratava de

doutrina arcaica, já superada substancialmente. A partir dessas colocações de Durkheim são

criadas as condições para a criação da lei social natural aos fenômenos humanos, em um

sentido igualmente conservador, elitista, anti-social e anti-histórico.

É ainda ao professor de filosofia que cabe despertar nos espíritos que lhe são confiados

a ideia de que é uma lei; de lhes fazer compreender que os fenômenos físicos e sociais são

fatos como os outros, submetidos a leis que a vontade humana não pode interromper a sua

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vontade, e que, por consequência, as revoluções no sentido próprio do termo são coisas tão

impossíveis como os milagres (DURKHEIM, 1975: 485).

Até mesmo a desigualdade social Durkheim classifica como algo pertinente as leis

naturais da sociologia humana. A sociedade é como “um sistema de órgãos diferentes no qual

cada um tem um papel particular” determinados órgãos têm “uma situação especial e, se quer,

privilegiada”, por exemplo, “nos animais, a predominância do sistema nervoso sobre os

outros sistemas se reduz ao direito (…) de receber um alimento mais seleto mais seleto e de

receber sua parte antes dos outros.”

Destaque-se que o contexto francês da época da produção de Durkheim, contemporâneo

à Comuna de Paris (1871), era de ascensão de um sindicalismo revolucionário, possivelmente

por isso o pensador reitere uma necessidade de solidariedade orgânica entre os diversos

grupos sociais e apresente os conflitos de classe como algo patológico, prejudicial ao corpo

social. Durkheim era contra o internacionalismo operário. Em 1906, em um debate com o

sindicalista revolucionário Lagardelle, ele defendeu que

nos meios operários, pretende-se substituir a pátria atual por uma pátria

superior que seria formada pela ampliação de uma só classe social, pelo

advento do proletariado internacional. É fácil demonstrar que esta concepção

se apoia numa confusão: uma classe mesmo ampliada não é, não pode ser,

uma pátria: não é senão um fragmento de uma pátria, como um órgão não é

senão um fragmento de um organismo. É porque desconhece esta verdade

elementar que o internacionalismo é muito frequentemente a negação pura e

simples de toda sociedade organizada (DURKHEIM, 1970: 299).

Assim como Augusto Comte, Émile Durkheim estava ciente do caráter conservador e

do antirrevolucionário do seu método positivista, conforme expôs no prefácio de Regras do

método. “Nosso método não tem nada de revolucionário. Ele é até, em um sentido,

essencialmente conservador, já que considera os fatos sociais como coisas cuja natureza, por

mais flexível e mais maleável que seja, não é, porém, modificável pela vontade.”

(DURKHEIM, 1956: 30). O método positivista de Durkheim, assim como em Comte, procura

legitimar a ordem burguesa estabelecida através de argumentos científico-naturais. Pretende-

se comprovar uma homogeneidade epistemológica nas ciências naturais e do homem,

conforme sua explanação que vai da seleção natural e das leis naturais da sociedade e dos

organismos vivos aos organismos sociais.

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Assim como Augusto Comte, Émile Durkheim acreditava que as diferentes ideologias,

pontos de vista, atrasavam o objetivo, neutro e imparcial progresso científico. Os

preconceitos, as prenoções e as paixões, vistos em outras correntes de pensamento pelos

autores não seriam problemas às suas conservadoras e contrarrevolucionárias teses,

percebidas como verdade elementar da vida social. Desde sua criação, o positivismo segue

influente. Um típico exemplo, de meados do século XX, é do estadunidense Geoge Lundberg

(1895-1966), presidente da American Society of Sociology e editor da revista Sociometry.

Segudno Lundberg (1958, p. 16) “ao considerar a sociologia como uma ciência natural,

vamos estudar o comportamento social humano com o mesmo espírito objetivo que o biólogo

estuda uma colmeia, uma colônia de térmites ou a organização e o funcionamento de um

organismo.” Para obter esta objetividade, segundo o autor, seria necessário livra-nos de

sentimentos e eliminar, na análise das evidências empíricas, a influência das crenças e dos

desejos pessoais. Seria um problemas técnico.

Para os positivistas, o conhecimento histórico é reflexo fiel livre de todo fator subjetivo

(emoções, paixões, sentimentos e condicionamentos sociais); ele é factual e os fatos são

isolados. A sociedade pode ser melhorada, com progresso social, através da ciência e da

industrialização comandada pela burguesia. O papel do historiador seria contemplativo,

passivo, descrevedor de cronologias e não como intérprete do conhecimento, pois esse papel

caberia à sociologia. O objeto se sobrepõe ao sujeito, como se ocorresse uma relação

mecânica, determinista, de causas e consequências. Os fatos devem ser verificáveis e

experimentáveis. O historiador ou o analista social deve ser imparcial, neutro, sem ideologias,

juízos de valores, deve ter plena neutralidade científica, como o cientista analisa o mundo

material.

Aos positivistas, as fontes mais fidedignas são os documentos escritos,

preferencialmente os oficiais, ligados à política institucional de Estado ou da descrição dos

“grandes” vultos históricos. Eles falam por si só. Os membros não iminentes da sociedade não

possuem status decisório nos fatos históricos e sociais, em forma individual ou coletiva. A

história é feita pelas elites, sobretudo masculinas. Somente o que foi documentado

oficialmente seria relevante historicamente.

Positivistas Ortodoxos Brasileiros

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Nos anos 1850 Comte desenvolvera a “religião da humanidade”, cuja liturgia

sacralizava o credo à ciência positiva. Nesse processo, seus seguidores dividiram-se em

ortodoxos, seguidores do chamado período religioso, e heterodoxos, fiéis apenas a etapa

filosófica. A religião seria necessária para a regeneração dos costumes, pois Comte acreditava

que naquele momento da história, pós-revolução francesa, a vida pública e privada estava

desorganizada, pobres insurgiam-se contra os ricos, povos contra governos, filhos contra os

pais, a infância contra as mães, etc. Com a crença no ser supremo, a Humanidade, a hierarquia

coletiva estaria preservada, logo seu credo vangloriava os feitos dos grandes homens, como

Homero para a poesia antiga, Aristóteles para a filosofia antiga, Arquimedes para a ciência

antiga, São Paulo para o catolicismo, Dante Alighieri para a poesia moderna, Gutenberg para

a indústria moderna, Shakespeare para o drama moderno, Descartes para a filosofia

moderna, entre outros, todos eles homenageados no calendário positivista de 13 meses com

28 dias (CALENDÁRIO POSITIVISTA, web).

Era muito rica a simbologia do positivismo comteano. Baseado em monumentos,

estátuas, bustos, calendário e Templos religiosos pretendia-se formar uma harmonia

disciplinadora, com coesão social. Em última instância, a ação religiosa ganhava formato de

fins políticos, como no caso do AP-RJ. Os ortodoxos ligados ao Apostolado do Rio de Janeiro

eram intelectuais públicos, ou seja, procuravam desenvolver a consciência da sociedade civil

pela propaganda e pelo exemplo. Manifestavam-se a propósito de economia, política e

sociedade. Rejeitavam o uso da violência como instrumento político e a intervenção na

própria política. Ainda que favoráveis à ditadura republicana, valorizavam as liberdades

individuais e coletivas de escolha e decisão, como referimos.

Recuando as suas origens no Brasil, o pensamento positivista comteano chegou ao país

em torno de 1850, trazido por brasileiros que estudaram na França, sendo que, alguns deles,

haviam sido alunos de Comte. No Rio de Janeiro, os principais meios educacionais, como a

Escola Militar, o Colégio Pedro II, a Escola da Marinha, a Escola de Medicina e a Escola

Politécnica, tiveram diversos trabalhos e teses defendidas, tendo como base teórico as

reflexões oriundas do positivismo (LINS, 1967: 37). Já o positivismo de vertente religiosa

pôde ser atestado no Apostolado Positivista, a partir da criação da Sociedade Positivista em

1876 e especialmente devido a institucionalização e fundação definitiva do AP em 1881, fruto

sobretudo da iniciativa de Miguel Lemos e Raimundo Teixeira.

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Entre 1881 e 1927, o AP teve de 50 a 300 membros efetivos que contribuíam

financeiramente com o “subsídio”. Entre 1881 e 1903, Miguel Lemos foi o dirigente máximo

da instituição, sendo que entre 1903 e 1927, Teixeira Mendes ocupou tal posição. Também

foram dirigentes atuantes do AP Joaquim Bagueira Leal, Joaquim da Silveira Santos, José

Mariano de Oliveira, Mário Barbosa Carneiro e um núcleo de aparentados que formavam uma

espécie de confraria familiar. Aos domingos fazia-se exposição do Catecismo Positivista

(PEZAT, 1997: 79). Sempre com base na doutrina comteana realizava-se também cerimônias

cívicas a personagens da história brasileira como Tiradentes e José Bonifácio, por exemplo.

Nessas cerimônias os ortodoxos confabulavam sobre os rumos que a Igreja Positivista devia

adotar sobre os mais variados assuntos da política nacional.

No Brasil, o positivismo manteve-se inicialmente como filosofia da ciência, sem

interferir na vida política do Império. As classes médias em especial os setores militares

foram os meios mais sensíveis as propostas então modernizadoras do positivismo ao contexto

brasileiro, embora, como dito, já fosse doutrina defasada se comparada ao avanços do

marxismo na Europa, onde, por exemplo, o Manifesto Comunista fora publicado em 1848.

O pequeno grupo de positivistas ortodoxos brasileiros lutou por políticas que pensavam

ser mais benéfica a excludente sociedade brasileira da época. Através de cartas aos jornais, de

declarações, de folhetos, de manifestações, de comissões e de petições ao parlamento os

seguidores de Comte defenderam políticas como o fim do incentivo a imigração chinesa ao

Brasil, a não criação de uma Universidade pública no RJ, a secularização dos cemitérios, o

combate ao ensino obrigatório, o asseguramento de direitos às populações indígenas, o fim do

serviço militar obrigatório, a reforma ortográfica da língua portuguesa, a não obrigatoriedade

da vacinação contra a varíola, uma maior integração com as nações latino-americanas, a

entrega dos troféus militares e o perdão as dívidas de guerra do Paraguai, a revisão dos

tratados de fronteira com o Uruguai, a condenação da repressão governamental a diversas

greves, etc. Os temas mencionados eram debatidos pelo núcleo do AP antes de ser expostos

ao grande público também por meio de boletins e circulares, grande parte das vezes assinados

pelos dois dirigentes mais influentes do período.

Raimundo Teixeira Mendes (1855-1927) nasceu em Caxias, no Maranhão. Oriundo de

família católica de muitas posses, ele frequentemente é lembrado pela historiografia

tradicional devido a sua autoria do dístico Ordem e Progresso da bandeira nacional. Ainda

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jovem, Raimundo foi para o Rio de Janeiro estudar em um colégio de jesuítas e depois no

Pedro II, onde cursou matemática e filosofia se aproximando das ideias positivistas de comte.

O maranhense ingressou na Escola Central, depois Escola Nacional de Engenharia, mas

interrompeu os estudos devido a uma divergência com seu diretor, o visconde do Rio Branco,

concluindo o curso em Paris. Na capital francesa fundou o primeiro templo da Religião da

Humanidade, na casa em que morreu Clotilde de Vaux, companheira de Comte. De volta ao

Rio de Janeiro, estudou medicina, sem concluir a graduação. Raimundo Teixeira Mendes

publicou A propósito da liberdade dos cultos (1888), A política positivista e o regulamento

das escolas dos exércitos (1890), A comemoração cívica de Benjamin Constant e a liberdade

religiosa (1892), A liberdade espiritual e a organização do trabalho (1902) e A diplomacia e

a regeneração social (1908), entre outras diversas obras (CRUZ COSTA, 1967: 128).

Miguel Lemos (1854-1917) nasceu em Niterói, Rio de Janeiro. Era filho de um oficial

de marinha. Estudou na Escola Politécnica do Rio de Janeiro, quando conheceu as ideias do

positivismo comtiano. Em viagem à Europa aderiu à linha de Augusto Comte, tornando-se

aspirante ao “Sacerdócio da Humanidade”. Voltando ao Brasil, trouxe novas determinações às

atividades da sociedade, passando depois a dirigir o Apostolado. Publicou com Teixeira

Mendes O Apostolado Positivista no Brasil. Publicou também Pequenos Ensaios Positivistas,

Luís de Camões, A Questão de Limites entre o Brasil e a Argentina, Ortografia Positivista

entre outras obras.

A atuação do positivismo no Brasil pode ter sido uma reação filosófica contra a doutrina

confessional católica, até então soberana reflexão intelectual no país, daí sua relevância às

inovações do conhecimento em terras brasileiras. No país, uma das marcas iniciais do

positivismo mais aceitas é a publicação do livro de Luís Pereira Barreto As três filosofias, em

1874. Dois anos mais tarde, era fundada a Sociedade Positivista Brasileira (origem da Igreja

da Humanidade) no Rio de Janeiro. Contudo, o núcleo irradiador do positivismo seria

transferido para Recife, por iniciativa de Tobias Barreto e, depois, Sílvio Romero e Clóvis

Bevilácqua. (PEZAT, 1997: 69-77).

O positivismo que se consolidava no Brasil configurava-se a partir de um grupo de

algumas dezenas de estudiosos composto por duas facções: os ortodoxos e os dissidentes.

Miguel Lemos e Teixeira Mendes lideravam o primeiro, e um número de políticos com visão

monárquica positivista, junto com Luís Pereira Barreto, Tobias Barreto e Sílvio Romero,

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lideravam o último, e buscavam em Comte a fundamentação teórica para a República (SÊGA,

2004: 04).

O republicanismo brasileiro, nascido da Convenção de Itu, de 1870, gerou duas alas: a

liberal-democrática, de inspiração estadunidense, e a autoritária-burguesa, de inspiração

positivista. Todavia, em um primeiro momento, o programa do Partido Republicano parecia

estar mais atento ao combate objetivo ao Império (monarquia) do que com as divisões

internas. Nessa fase destacam-se os nomes dos chamados republicanos históricos, como Silva

Jardim, Aníbal Falcão e Demétrio Ribeiro.

Professor da Escola Militar e defensor do princípio positivista da valorização do ensino

para alcançar o estado sociocrático, Benjamin Constant Botelho de Magalhães (1833-1891)

destacou-se nesse contexto. No entanto, se para Comte o ensino básico, no continente

europeu, deveria ser destinado às camadas pobres, proletários livres, no Brasil essa meta era

uma verdadeira encruzilhada, devido ao baixo nível de instrução do anêmico proletariado

nacional, numa sociedade de escravos. Assim, a transmissão dos ensinamentos positivistas

acabou se restringindo aos poucos que estudavam nas escolas militares e politécnicas, como

referido.

A atividade doutrinária bem no interior da massa pensante das forças armadas

brasileiras foi fundamental para criar um espírito de corpo na caserna, pois boa parte da

oficialidade se achou imbuída do destino histórico de implantar um regime republicano que

fosse fundamentado na razão e na ciência positivista. Os republicanos jacobinos, radicais,

combatiam os monarquistas e os republicanos liberais, e apregoavam a implantação de uma

república temporária e ditatorial, com o fim de se alcançar a sociocracia preconizada por

Comte. Ocorreu, assim, uma cisão no movimento republicano, e até mesmo entre os

positivistas, pois no episódio de 15 de novembro de 1889 sentimos a presença dos positivistas

dissidentes (militares seguidores de Benjamin Constant), em detrimento dos ortodoxos (civis

seguidores da Igreja Positivista). (SÊGA, 2004: 04). Entretanto, prevaleceu na República o

ordenamento liberal-oligárquico.

O positivismo tornou-se uma filosofia central no contexto político no Brasil do século

19, pois o regime republicano foi instalado sob sua base teórica. O 15 de novembro pode ser

considerado o ápice do positivismo no Brasil, em razão da grande quantidade de adeptos de

Augusto Comte que assumiram cargos de relevo no novo regime (Benjamin Constant chegou

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a ministro da Guerra e, a seguir, da Educação). Entretanto, não profundas as influências do

positivismo na organização formal da República brasileira, sendo a maioria das propostas

comtianas rejeitadas quando da primeira constituição republicana, à exceção de questões de

forma, como o dístico Ordem e Progresso da bandeira, o fim do anonimato na imprens, o

decreto dos feriados. Algumas medidas sugeridas pelos positivistas eram igualmente parte do

programa liberal: separação da Igreja e do Estado; o estabelecimento do casamento civil; o

exercício da liberdades religiosa e profissional; a; a revogação das medidas anticlericais e a

reforma educacional proposta por Benjamin Constant. (SÊGA, 2004: 04). A decadência da

influência veio somente após a revolução de 1930 e como o Estado Novo (MAESTRI, 2011:

03).

O estado do Rio Grande do Sul tornou-se um dos principais berços do positivismo no

Brasil com o novo governo republicano, liderados por Júlio Prates de Castilhos (1860-1903) e

por seu sucessor Borges de Medeiros (1863-1961), que adotaram rigidamente os preceitos

positivistas. Em 1891, eleito presidente do Estado pela Assembleia Legislativa, Júlio de

Castilhos redigiu e fez aprovar quase que integralmente a nova Constituição estadual. Era

uma Carta autoritária, atribuindo poderes extraordinários ao presidente do Estado, tais como:

nomear o vice-presidente, reeleger-se, atribuir papel meramente deliberativo ao Legislativo

estadual e o voto descoberto. Castilhos pretendia criar no Rio Grande do Sul uma ditadura

republicana comteana, ou ditadura científica positivista, que consolidou os setores emergentes

diante das oligarquias pré-capitalistas (MAESTRI, 2010: 252-253). O novo ordenamento

constitui superação, no Sul, a ordem liberal-oligárquica pastoril, em um sentido pró-capitalista

autoritário.

Do ponto de vista doutrinário, o positivismo não compartilha os princípios da

representação eleitoral preconizados pela democracia liberal burguesa, e seu princípio de

delegação política por meio da eleição à representação de cargos. Para os positivistas, o

direito ao voto é um dogma metafísico e, dessa forma, Júlio de Castilhos acreditava na

legitimidade do regime republicano em razão de razões históricas e científicas, e não por

motivos populares. (SÊGA, 2004, p. 04). Com base na doutrina positivista, os castilhistas

ficaram no poder no Rio Grande do Sul por quase quatro décadas, primeiro com Júlio de

Castilhos, depois com Antônio Borges de Medeiros, designado como seu sucessor, por Júlio

de Castilho, como determinava o credo positivista. Borges de Medeiros se elegeu

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sucessivamente quatro vezes para a presidência daquele Estado. Tendo influenciado

poderosamente o movimento que levou à Proclamação da República, o positivismo foi a

principal corrente de pensamento na formação intelectual dos militares que cursaram as

escolas militares, influência que se estendeu às rebeliões tenentistas da década de 20.

Das suas origens francesas as terras tupiniquins o positivismo construiu um

considerável legado na formação republicana e intelectual brasileira. Desde Augusto Comte a

Benjamin Constant, Miguel Lemos e Raimundo Teixeira Mendes, a doutrina positivista

representou um avanço ao conhecimento científico produzido no país, enfatizando a

importância da ciência, da industrialização, aos estudos sobre a sociedade, buscando alinhar

um método para o progresso do país, embora haja de se destacar o caráter burguês,

conservador e ademocrático da ideologia germinada em solo europeu que naquele momento

perida espaço para as reflexões marxianas privilegiadoras das relações sociais dialéticas entre

os homens, da luta de classes e do materialismo histórico.

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