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OS PAPÉIS DAS EDUCADORAS: AS PERSPECTIVAS DAS CRIANÇAS

Júlia Oliveira-Formosinho*

Dalila Maria Brito da Cunha Lino**

Resumo O artigo focaliza aspectos concernentes às interações adulto-criança, no tocante aos papéis assumidos no plano relacional, consideradas as questões do exercício do poder e da autoridade. Trata-se do relato de uma pesquisa que indica a clareza como o público infantil pode perceber questões próprias das relações que se estabelecem no plano educativo entre adulto e criança. Palavras-chave: Adulto-criança. Exercício do poder e da autoridade.

Abstract This research emphasizes adult/child interaction aspects, mainly the roles assumed in the relation level, specifically about power and authority practice. From this study is possible to perceive clearly how children are able to observe relation questions present in educational level between adult and child.Keywords: Adult/child. Power and authority practice.

* Professora Associada do Instituto de Estudos da Criança (IEC) da Universidade do Minho – Braga – Portugal, onde dirige o Projecto Infância e o mestrado em Pedagogia da Infância e Supervisão de Educadoras. Vice-presidente da Associa-ção Criança. Assessora Internacional da Rede de Pesquisadores dos Contextos Integrados de Educação Infantil, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo e membro da direcção da Associação Européia de Investigação em Educação da Infância.

** Doutora em Estudos da Criança na Universidade do Minho – Braga – Portugal. Professora Auxiliar no Instituto de Estudos da Criança (IEC). Membro do Pro-jecto Infância: modelos pedagógicos de qualidade para a educação de infância e da Associação Criança. Representante Nacional no World Fórum on Early Care and Education.

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ResuméL’ article met en évidence des aspects qui touchent les interations entre les adultes et les enfants, relatif aux papiers pris sur soi dans le plan relationnel, considerées les questions de l’exercices du pouvoir et de l’autorité. Il s’agit de l’histoire d’une recherche qui indique la clarté comme le public infantile peut percevoir des question propres des relations qui s’établissent dans le plan éducatif entre adulte et enfant. Mots-clés: Les adultes et les enfants. L’exercices du pouvoir et de l’autorité.

Toda a investigação recente tem mostrado o valor formativo dos anos da infância e a competência precoce da criança pequena. Fala-se de uma criança competente que tem mais resistências e mais potencialidades que a prática quotidiana da educação nas famílias, nas creches e nos jardins de infância pressupõe. A educação de infância deve ser um tempo e um espaço de aproveitamento e dinamização dessa competência, e a investigação mostra que a educação da in-fância só tem consequências no presente e no futuro das crianças se for um serviço educacional de qualidade. O modo de o fazer é a formação de professores em contexto concomitantemente com o desenvolvimento da organização, partindo e concentrando-se nos problemas praxiológicos (Oliveira-Formosinho e Formosinho, 2001; Oliveira-Formosinho e Tizuko, 2001; Oliveira-Formosinho, 2007).

Esta imagem da criança pequena está inscrita na visão da Associação Criança.1 A potenciação da sua competência está inscri-ta na sua missão. A procura da qualidade nos contextos de educa-ção de crianças apoiados pela Associação é uma concretização des-ta missão. Promover a competência, garantir o direito à educação de qualidade, pois só a qualidade cria oportunidades reais.

Na sequência destes princípios procuramos, nesta investi-gação, dar voz às crianças em relação ao microssistema escolar que experienciam mais concretramente à compreensão que as crianças têm dos papéis dos professores. Procuramos, assim, mostrar que as crianças são competentes para descrever e interpretarem o que se passa nos contextos educacionais e que, por isso, é muito im-portante aproveitar essa competência para a sua educação escolar e cívica.

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Escutar a voz das crianças para conhecer as suas interpre-tações é um dos objectivos deste trabalho, o que se realiza pondo a criança, através da entrevista, a descrever e interpretar o quotidiano no jardim-de-infância sobre os papéis que a educadora desempenha.

Um segundo objectivo é por estas perspectivas das crian-ças em diálogo com outras perspectivas – com as professoras e com as investigadoras. Conceptualizar a qualidade de uma forma situacional, democrática, multireferencial requer ter em conta di-ferentes perspectivas e os muitos níveis de interacção e interfaces entre essas perspectivas (Pascal e Bertram, 1999; Oliveira-Formo-sinho, 2001). Mas o mero envolvimento de um grande número de perspectivas de indivíduos isolados não é suficiente; é necessário desenvolver perspectivas interactivas acerca de assuntos-chave para a vida das crianças pequenas2.

A triangulação de pontos de vista que propõe estas perspec-tivas permitir-nos-á mostrar a competência da criança pequena na compreensão do quotidiano do seu contexto escolar. Permitir-nos-á igualmente compreender, no diálogo com as outras vozes, a especifici-dade da voz da criança e da sua competência. Com isto teremos uma compreensão melhor, porque mais abrangente, do quotidiano do jar-dim-de-infância. Com isto afirmamos não só a competência da criança mas também o seu direito a participar (Oliveira-Formosinho, 2007).

As perspectivas das crianças acerca dos papéis, relações e interacções

Podemos dizer que evoluimos como sociedade, na medida em que evoluimos na imagem de criança, agora conceptualizada como mais competente. Uma breve análise de manuais para a for-mação dos educadores de infância3 revela que as crianças são defi-nidas como activas e competentes.

No entanto, os níveis de competência da criança que são mais investigados e ensinados são selectivos: o desenvolvimen-to cognitivo, social, motor, linguístico. Efectivamente, são menos apresentadas as áreas do desenvolvimento expressivo e estético (Malaguzzi, 1998). E são quase esquecidos os pontos de vista das crianças acerca do comportamento, funções, papéis e interacções do adulto, assim como problemas e questões sociais. Sobre estas questões, como naturalmente sobre outras - acontecimentos, situ-

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ações, processos e relações que experienciam e com os quais inte-ragem - as crianças têm conhecimentos emergentes e implícitos, e demonstram toda a investigação apresentada neste livro bem como noutras investigações uma grande capacidade de observa-ção, análise e interpretação (Clark, Kjorholt e Moss, 2005)

De facto, desde os primeiros tempos de entrada na esco-la, a criança sabe quem manda e quem obedece, como o poder é exercido (Oliveira-Formosinho, 1996), quais os tipos de interacções mais frequentes e aquilo de que gosta e não gosta nesses âmbitos (Campos e Cruz, 2006; Oliveira-Formosinho e Araújo, 2006). De facto, a criança chega à compreensão destas questões primeiro nos seus contextos ecológicos mais próximos, os microssistemas.

De acordo com Bronfenbrenner:

Um microssistema é um padrão de actividades, papéis e relações interpessoais experienciado pelas pessoas em de-senvolvimento num ambiente com características físicas e materiais específicas.Um ambiente é um lugar onde as pessoas podem, realmen-te, envolver-se em interacções face a face – casa, jardim de infância, parque, etc. Os factores de actividade, papel e a re-lação interpessoal constituem os elementos ou blocos de construção do microssistema (Bronfenbrenner, 1979, p. 22).

O estudo que se vai apresentar pesquisa o modo como as crianças experienciam o microssistema sala de jardim de infância e as interacções, e papéis que lá se desenvolvem. A experiência de interacção com a educadora é uma introdução à experiência das relações de poder (Oliveira-Formosinho, 1996; Oliveira-Formosi-nho, 2005) e, provavelmente, um importante factor na formação da atitude das crianças face à autoridade e ao poder.

Metodologia da investigação

Para concretizar este objectivo entrevistaram-se crianças acerca da sua experiência quotidiana do tempo, espaço, projectos e interacções em diferentes ambientes (Pascal e Bertram, 1999), e, ain-da acerca de outras questões sociais relevantes. Na última década, para os investigadores preocupados com a criança como participante nos processos educativos, a entrevista às crianças tem sido um ins-

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trumento vital (Graue e Walsh, 1998; Cristensen e James, 2000; Woo-dhead e Faulkner, 2000; Oliveira-Formosinho e Araújo, 2006).

A entrevista desenvolvida para esta investigação foi inspira-da em Pascal e Bertram (1999). Integra questões tais como:

1. O que é uma professora?2. O que faz uma professora?3. Tens outro adulto na sala? O que é que ele faz?4. Quem te diz o que deves fazer na sala?4

As entrevistas foram conduzidas com crianças de quatro e cinco anos de dois contextos da rede solidária. As entrevistas foram conduzidas por investigadores treinados nesta tarefa, isto é, na tare-fa de entrevistar crianças e que são conhecedores da pedagogia da infância (Oliveira-Formosinho, Kishimoto e Pinazza, 2007).

Os dois contextos referidos integram-se em instituições di-ferentes, com histórias diferentes e diferentes visões da criança, da aprendizagem e do papel dos adultos.

Os dados aqui apresentados e as respectivas análises e in-terpretações são baseados numa amostra de 80 crianças (20 crian-ças por sala). Chamaremos às salas de quatro anos a sala da Rita e a sala da Ana e às salas de cinco anos a sala da Inês e a sala da Maria (nomes supostos).

As crianças foram entrevistadas em grupos de três, pois que a literatura na área de entrevistas a crianças aponta nesta direc-ção (Graue e Walsh, 1998; Oliveira-Formosinho e Araújo, 2006).

Foi feita uma análise de conteúdo das respostas das crianças às questões referidas (Vala, 1986) e foram criadas cate-gorias emergentes.

Apresentação dos resultados das entrevistas às crianças

A primeira questão - O que é uma professora? - revelou-se de difícil resposta para muitas crianças: muitas não respondem, outras respondem com o nome da sua educadora. Algumas, no en-tanto, deram alguma informação que será tratada noutro estudo.

As respostas das crianças à segunda questão - O que faz uma professora? - revelam uma vasta informação relacionada com a experiência diária deste aspecto importante da vida no microssis-

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tema que é a sala de jardim-de-infância e os papéis que a educadora desenvolve no jardim-de- infância.

As categorias que emergiram da análise de conteúdo das respostas das crianças são, por si só, reveladoras:

QUADRO 1 – O que faz uma professora? – Salas dos quatro anos

Categorias Emergentes

Respostas das crianças da sala da

Rita

Respostas das crianças da sala da

Ana

Dá ordens (cala-te, arruma os brinquedos...) 6 6

Relembra as regras (não dar pontapés, não estragar os livros...)

0 4

Faz coisas para as crianças (recortar, escrever, desenhar)

12 0

Faz coisas (organizar dossiers) 0 0

Inspecciona e toma conta das crianças 4 2

Ensina a escrever 0 0

Ensina 0 0

Brinca e trabalha com as crianças 1 9

Ajuda 0 0

Amiga 0 0

Sai – Ausenta-se para o café 1 0

Outras 1 1

Número de crianças 20 20

Número de respostas (algumas crianças dão mais de uma resposta)

25 22

A educadora Rita é vista pelas crianças como alguém que pro-videncia a lei e a ordem e que faz trabalhos para as crianças. A Educadora Ana é vista pelas crianças como alguém que exerce autori-dade, que organiza o trabalho e o jogo e apoia a aprendizagem.

Na sala da educadora Rita, providenciar lei e ordem (seis referências), fazer coisas para as crianças (doze referências, é este o número mais elevado de referências) e ainda inspeccionar (quatro referências) configuram um padrão de pedagogia muito diferente do outro padrão de pedagogia (o da sala da Ana), onde o número

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mais elevado de referências se verifica na categoria brinca e trabalha com as crianças.

QUADRO 2 – O que faz uma professora? - Salas dos cinco anos

Categorias emergentes

Respostas das crianças da sala da

Inês

Respostas das crianças da sala da

Maria

Dá ordens (cala-te, arruma os brinquedos...) 6 0

Relembra as regras (não dar pontapés, não estragar os livros...)

4 1

Faz coisas (organizar dossiers) 4 2

Inspecciona e toma conta das crianças 8 2

Ensina a escrever 1 0

Ensina 0 4

Brinca e trabalha com as crianças 2 8

Ajuda 0 3

Amiga 0 1

Sai – Ausenta-se para o café 2 0

Outras 0 1

Número de crianças 20 20

Número de respostas (algumas crianças dão mais de uma resposta)

27 22

A educadora Inês é vista pelas crianças como alguém que providencia a lei e a ordem. A educadora Maria é vista pelas crian-ças como alguém que brinca, trabalha, ajuda e ensina as crianças, ou então como alguém que organiza o trabalho e o jogo e apoia a aprendizagem. O contraste entre o estilo de acção pedagógica é claramente percebido pelas crianças. Configura-se novamente uma pedagogia de controlo (num dos casos, na sala da educadora Inês) e uma pedagogia de colaboração e participação (educadora Maria)5.

De facto, isto revela-nos como cada um destes microssiste-mas é experimentado pelas crianças de uma forma diferente. Pode pensar-se com Bronfenbrenner que os aspectos do contexto educa-cional mais poderosos no decorrer da aprendizagem e desenvolvi-mento da criança são aqueles a que ela atribui significado.

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Um termo crítico na definição do microssistema é experi-mentado. O termo é usado para indicar que as características cientificamente relevantes de qualquer ambiente incluem, não só as suas propriedades objectivas, mas também a for-ma como estas propriedades são percebidas pelas pessoas desse ambiente. A ênfase numa visão fenomenológica não surge de uma antipatia pelos conceitos behavioristas, nem de uma predilecção pelas fundações existenciais e filosóficas. Só algumas das influências externas afectam significativamente o comportamento humano e o desenvolvimento pode ser descrito em termos das condições e acontecimentos físicos e objectivos; os aspectos do ambiente que são mais poderosos na formação do crescimento do curso psicológico são essen-cialmente aqueles que têm significado para a pessoa numa dada situação. (Bronfenbrenner, 1979, p. 22).

As respostas das crianças à quarta questão - Quem te diz o que podes fazer na sala? - são as seguintes:

QUADRO 3 – Fonte da autoridade – Salas dos quatro anos

CATEGORIASRespostas das crianças

da sala da RitaRespostas das crianças

da sala da AnaEducadora de infância 166 9Auxiliar de educação de infância

5 0

Criança 8Estagiário 4

A experiência das crianças nestas duas salas é, de novo, muito diferente. Na sala da Rita, a experiência do processo acerca do que fazer é uma experiência dirigida pelos adultos (educadora e auxiliar). Na sala da Ana, a experiência do processo acerca do que fazer é uma experiência partilhada entre adultos e crianças. A questão da distri-buição do poder é diferenciadamente experimentada pelas crianças que estão a ser educadas em cada uma destas salas.

QUADRO 4 – Fonte da autoridade – Salas dos cinco anos

CATEGORIASRespostas das crianças

da sala da InêsRespostas das crianças

da sala da MariaEducadora de infância 147 7Auxiliar de educação de infância

5 3

Criança 3 9Estagiário 0 1

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A experiência das crianças é, novamente, muito diferente nestas duas salas. Na sala da Inês, a experiência do processo acerca da tomada de decisão acerca do que fazer é uma experiência dirigi-da pelos adultos (educadora e auxiliar). Na sala da Maria, a experi-ência das crianças do processo de tomada de decisão acerca do que fazer é uma experiência partilhada entre adultos e crianças.

Um processo de triangulação

Como dissemos atrás, escutar a voz das crianças para co-nhecer as suas interpretações é apenas um dos objectivos deste tra-balho. Um segundo objectivo é pôr estas perspectivas das crianças em diálogo com outras perspectivas – com a dos professores, com a dos investigadores porque esta investigação situa-se no “paradigma da complexidade” (Morin, 1982) onde a pluralidade de vozes e de metodologias para as investigar se torna central.

A triangulação dos dados que veiculam estas perspectivas permitir-nos-á mostrar a competência da criança pequena na com-preensão do quotidiano do seu contexto escolar. Confrontar as perspectivas das crianças sobre o papel da educadora com as pers-pectivas das próprias professoras sobre o seu papel, e ainda com a perspectiva das investigadoras, é uma forma de análise metodológi-ca plural de uma realidade que é caleidoscópica.

As perspectivas das educadoras de infância das salas estu-dadas foram recolhidas através de entrevistas semi-estruturadas incorporadas no portfólio da investigação (Oliveira-Formosinho, 2002). O portfólio da investigação é um instrumento de investigação onde são registadas notas de campo de aspectos relevantes, obser-vações feitas com escalas, etc. incidentes críticos, sucessos e insuces-sos da intervenção e investigação. Neste caso, foram registadas as percepções das educadoras acerca da imagem da criança, acerca da natureza do ensino e da aprendizagem e acerca da escola.

Quais são então as percepções destas educadoras so-bre o seu papel, tal como recolhidas no portfólio da investi-gação?

As educadoras Rita e Inês, que trabalham no mesmo contexto, têm perspectivas acerca do seu papel na aprendizagem e ensino das crianças que se diferenciam das perspectivas das educadoras Ana e Ma-ria que trabalham em outro contexto. Rita considera que o seu papel é preparar a escolarização das crianças e, para tal, deve organizar o tra-

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balho de modo a que estas façam aprendizagens que são fundamentais para os anos seguintes da escolaridade. Para Rita é fundamental que as crianças aprendam as regras para conviver em sociedade.

As suas afirmações, retiradas das notas de campo, ilustram esta sua preocupação:

Sabe, eu tenho que ter a certeza que elas estão a aprender coisas e que essas coisas as vão preparar para o próximo ano, quando transita-rem para a sala dos cinco anos.

As crianças têm que ter capacidades e destrezas que lhes permi-tam, mais tarde, aprender a ler, escrever, contar, comportar-se em socie-dade. Para mim isto é fundamental que saibam as regras para conviver em sociedade, elas têm que saber estar em grupo e têm que fazer os seus trabalhinhos.

Se não preparo os trabalhos que elas têm de fazer, não tenho a certeza que estão a trabalhar as destrezas e capacidades fundamentais.

Inês considera que deve preparar as crianças para que es-tas sejam bem sucedidas no ensino básico e nos restantes ciclos da escolaridade. Isto é bem claro quando caracteriza o seu papel de educadora e afirma, conforme registros recolhidos nas notas de campo e integradas no portfólio da investigação:

Não podemos deixá-los fazerem tudo o que querem, senão no pró-ximo ano vão estranhar muito. Têm que estar preparados, saber contar, conhecer os números, saber escrever o seu nome e conhecer as letras. (Inês)

Não podem estar sempre a brincar, a vida é dura e precisam de se ir preparando. Não podemos «apaparicá-los» sempre, na escola não vão ter todas essas atenções e depois vão sentir muito mais. (Inês)

Eu gosto muito dos meus meninos e por isso é que os ajudo a preparem-se para, no futuro, resolverem melhor os problemas que en-contrarem. (Inês)

Ana e Maria têm uma perspectiva bastante diferente acerca dos seus papéis de educadoras. Ana considera que deve apoiar estas crianças de modo a que aprendam regras de comportamento que lhes

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permitam actuar de uma forma adequada quando estão em grupo. Esta educadora considera que é muito importante brincar e trabalhar com as crianças para as conhecer e apoiar os seus interesses e necessidades.

Algumas das suas afirmações, retiradas das notas de campo, permitem caracterizar esta sua perspectiva:

O meu grupo é muito difícil ao nível das relações interpessoais. Têm muita difi culdade de partilhar e estão sempre a envolver-se em confl itos. Uma das minhas grandes preocupações é ajudá-los a aprender a estar em grupo de forma adequada. Isto é muito importante para todas as outras aprendizagens.

Quando trabalho com as crianças elas aprendem formas de se comportar em grupo.

Brinco muito e trabalho sempre com eles, se não como os fi co a conhecer? Assim, fi co a conhecer os seus gostos, preferências e e difi culda-des e posso ajudá-los melhor.

Para Maria, o mais importante é conhecer bem as crianças com quem trabalha para responder adequadamente aos interesses e necessidades individuais e do grupo.

Algumas das suas afirmações, retiradas das notas de campo, ilustram esta sua preocupação:

Para mim é muito importante que as crianças estejam bem, procuro sempre, primeiro que tudo, estabelecer uma boa relação, de afecto e confi ança. Mas isso não é sufi ciente, é preciso apoia-los para que aprendam coisas e aprendam a fazer coisas. (Maria)

É muito importante identifi car os gostos e preferências das crianças para planear as actividades e criar novos desafi os. É claro que temos que estar muito atentas, observar as crianças e assim podemos apoiar o grupo e cada criança individualmente. Isto é que vai ajudar as crianças a aprender, a gostar da escola e a desenvolverem-se. (Maria)

A outra comparação que enriquece este processo de trian-gulação é a comparação entre as perspectivas das crianças e das educadoras com as nossas perspectivas as perspectivas das investigadoras.

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Estas quatro educadoras fazem parte de uma amostra de educadoras com as quais estamos a usar a Escala do Empenha-mento do Adulto (Laevers, 1994) que avalia os estilos de interacção adulto-criança. Esta escala integra três subescalas: sensibilidade, es-timulação e autonomia. Cada uma das subescalas é pontuada numa escala Lickert de 1 a 5 e dá-nos informação sobre a sensibilidade da educadora às necessidades e motivações das crianças, a estimu-lação proporcionada à criança nos desafios educacionais que se lhe apresentam e a autonomia que se lhe confere no processo educa-tivo. Esta escala permite observar o perfil da educadora e, assim, caracterizar o seu estilo interactivo.

A aplicação da Escala do Empenhamento8 na sala da educa-dora Rita revela uma média de 3 para a subescala da sensibilidade, 1.4 para a subescala da estimulação e 1.2 para a subescala da autonomia.

A aplicação da Escala do Empenhamento na sala da educa-dora Inês revela uma média de 3 para a subescala da sensibilidade, 1 para a subescala da estimulação e 1.4 para a subescala da autonomia.

A aplicação da Escala do Empenhamento na sala da educa-dora Ana revela uma média de 3 para a subescala da sensibilidade, 2 para a subescala de estimulação e 3 para a subescala da autonomia.

A aplicação da Escala do Empenhamento na sala da educa-dora Maria revela uma média de 4.6 para a subescala da sensibilidade, 3 para a subescala da estimulação e 4 para a subescala da autonomia.

QUADRO 5 Empenhamento das educadoras Rita, Inês, Ana e Maria

Empe-nhamento da educa-dora Rita

Empe-nhamento da educa-dora Inês

Empe-nhamento médio da instituição

Empe-nhamento suficiente

Empe-nhamento médio da instituição

Empe-nhamento da educa-dora Ana

Empe-nhamento da educa-

dora Maria

Sensibili-dade

3

Sensibili-dade

3

Sensibili-dade3,2

Sensibili-dade

3

Sensibili-dade3,5

Sensibili-dade

3

Sensibili-dade4,6

Estimula-ção1,4

Estimula-ção1

Estimula-ção1,8

Estimula-ção3

Estimula-ção 2,2

Estimula-ção2

Estimula-ção3

Autono-mia 1,2

Autono-mia 1,4

Autono-mia 2,4

Autono-mia 3

Autono-mia 2,8

Autono-mia 3

Autono-mia 4

Número de educa-

doras

5 (este número inclui a Rita e a

Inês)

4 (este número inclui a Ana e a Maria)

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Desta utilização resulta uma caracterização da actuação da professora Rita e da professora Inês como tendo uma preocupação central com o controle do comportamento, ao contrário das pro-fessoras Ana e Maria que criam espaço e apoiam, colaboram com a criança na organização e extensão das aprendizagens, estimulando-as em direcção aos instrumentos culturais.

As médias obtidas com a aplicação da escala na sala da educadora Rita revelam uma pontuação considerada suficiente na subescala da sensibilidade e de insuficiente nas subescalas da esti-mulação e da autonomia.

A análise das médias do desempenho da educadora Inês revela uma pontuação considerada suficiente na subescala da sensibilidade9 e insuficiente nas subescalas da estimulação e autonomia.

A utilização da escala com a educadora Ana revela uma mé-dia considerada suficiente para as subescalas da sensibilidade e da autonomia e de insuficiente para a subescala da estimulação.

As médias obtidas na aplicação da escala à educadora Maria revelam uma pontuação considerada suficiente para a subescala da estimulação, uma pontuação de bom para as subescalas da sensibi-lidade e autonomia.

Os níveis de desempenho das quatro educadoras em cada uma das subescalas apresentam, assim, pontuações bastante diferentes quando comparamos os dois contextos. A educadora Rita demonstra ser sensível aos interesses e necessidades das crianças quando fala num tom de voz positivo, se coloca ao seu nível físico, é carinhosa e demonstra afectividade. As outras dimensões avaliadas, estimulação e autonomia revelam que a educadora controla o poder na sala, dá orientações às crianças acerca do que fazer, quando fazer e como fazer, não participa nos jogos e brincadeiras das crianças. O tempo educativo é divido entre a preparação de fichas para as crianças reali-zarem, a vigilância da realização dessas fichas por parte das crianças e a garantia do cumprimento das regras estabelecidas pelo adulto.

Na sua interacção com as crianças, Inês demonstra ser sensível aos seus interesses e necessidades quando, por exemplo, as escuta atentamente, se coloca ao seu nível físico, fala com as crianças usando um tom de voz positivo. As outras duas dimensões avaliadas, estimulação e autonomia, revelam um estilo interactivo autoritário e dominante. A educadora controla as conversas das crianças, dá orientações e dirige as actividades (quer as escolhidas pelas crianças, quer as que ela própria planificou), não participa nos

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jogos e brincadeiras das crianças, circula pela sala para controlar as actividades que as crianças estão a realizar.

A actuação de Rita e de Inês é orientada em função dos ob-jectivos educacionais que previamente identificaram e que se basea-ram nas suas crenças acerca do que devem saber e fazer as crianças de quatro e cinco anos.

Os estilos de interacção de Rita e de Inês são muito seme-lhantes e diferenciam-se dos estilos de interacção de Ana e de Maria.

O estilo de interacção da educadora Ana revela que esta demonstra ser sensível aos interesses e necessidades das crianças quando, por exemplo, mostra empatia com as necessidades e pre-ocupações das crianças, encoraja-as a ter confiança, envolve-se e participa activamente nos suas actividades. A educadora encoraja as crianças a resolverem os conflitos, a formularem e aplicarem re-gras e a assumirem responsabilidades, expressando as suas próprias ideias acerca dos seus trabalhos e comportamentos.

A análise da Escala do Empenhamento permite caracteri-zar o estilo de interacção da professora Maria que demonstra ser sensível aos interesses e necessidades das crianças, observando-as e escutando-as atentamente. Maria envolve-se activamente nos jogos e brincadeiras das crianças, respeita as suas escolhas, encoraja-as e apoia-as na concretização das suas iniciativas e respeita os seus diferentes ritmos de trabalho.

Podemos ver no quadro 6 uma síntese desta triangulação dos dados.

QUADRO 6 - Síntese da triangulação de dadosEntrevistas às

criançasNotas de Campo

Escala do Em-penhamento

RIT

A

A educadora Rita é vista pelas crianças como alguém que providencia a lei e a ordem.

Sabe, eu tenho que ter a certeza que elas estão a aprender coisas e que essas coisas as vão preparar para o próximo ano, quando transi-tarem para a sala dos cinco anos. As crianças têm que ter capacidades e destrezas que lhes permitam, mais tarde, aprender a ler, escrever, contar, comportar-se em sociedade. Para mim isto é fundamental que saibam as re-gras para conviver em sociedade, elas têm que saber estar em grupo e têm que fazer os seus trabalhinhos. Se não preparo os trabalhos (fichas) que elas têm de fazer, não tenho a certeza que estão a trabalhar as destrezas e capacidades funda-mentais.

Sensibilidade 3

Estimulação 1,4

Autonomia 1,2

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Entrevistas às crianças

Notas de CampoEscala do Em-penhamento

INÊ

S

A educadora Inês é vista pelas crianças como alguém que providencia a lei e a ordem.

Não podemos deixá-los fazerem tudo o que querem, senão no próximo ano vão estranhar muito. Têm que estar preparados, saber con-tar, conhecer os números, saber escrever o seu nome e conhecer as letras. Não podem estar sempre a brincar, a vida é dura e precisam de se ir preparando. Não podemos «apaparicá-los» sempre, na escola não vão ter todas essas atenções e depois vão sentir muito mais.

Sensibilidade 3

Estimulação 1

Autonomia 1,4

AN

A

A Educadora Ana é vista pelas crian-ças como alguém que providencia a lei e a ordem, que organiza o trabalho e o jogo e apoia a aprendizagem.A educadora par-ticipa activamente nos jogos e brinca-deiras das crianças.

O meu grupo é muito difícil ao nível das re-lações interpessoais. Têm muita dificuldade de partilhar e estão sempre a envolver-se em conflitos. Uma das minhas grandes preocupa-ções é ajudá-los a aprender a estar em grupo de forma adequada. Isto é muito importante para todas as outras aprendizagens.Quando trabalho com as crianças elas apren-dem formas correctas de se comportar em grupo.Brinco muito e trabalho sempre com eles, senão como os fico a conhecer? Assim, fico a conhecer os seus gostos, preferências e e dificuldades e posso ajudá-los melhor.

Sensibilidade 3

Estimulação 2

Autonomia 3

MA

RIA

A educadora Maria é vista pelas crian-ças como alguém que brinca, traba-lha, ajuda e ensina as crianças, ou en-tão com alguém que organiza o trabalho e o jogo e apoia a aprendizagem

Para mim é muito importante que as crianças estejam bem, procuro sempre, primeiro que tudo, estabelecer uma boa relação, de afecto e confiança. Mas isso não é suficiente, é preciso apoia-los para que aprendam coisas e apren-dam a fazer coisas.É muito importante identificar os gostos e preferências das crianças para planear as acti-vidades e criar novos desafios...

Sensibilidade 4,6Estimulação

3Autonomia

4

A agência do professor como poder para a diferença na pedagogia requer transformar estruturas, sistemas, processos que eventualmente se constituem em constrangimento à agência do aluno e, assim, a mediar (Oliveira-Formosinho, 2004).

Mediar a agência do aluno requer a compreensão da inter-dependência entre a criança/aluno que aprende e o contexto de aprendizagem (Oliveira-Formosinho, 2007).

Os processos de aprendizagem que permitem ao aluno intervenção constante no curso dos acontecimentos envolvem, na

Continuação Quadro 6

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linguagem de Giddens, o ser humano encarnado a exercer os seus poderes internos num contexto de liberdade. A interdependência entre o poder para intervir e o contexto do exercício desse poder requer do professor que o seu exercício profissional comece no contexto como forma de criar condições de liberdade para o aluno poder participar com agência. Entende-se que os estilos de inte-racção adulto criança são um mediador da participação entendida como envolvimento nas actividades e projectos promovendo (ou não) a agência. Entendendo-se que os estilos de interacção são uma variável central da educação de infância, denotando o tipo de peda-gogia que se pratica (Oliveira-Formosinho, 2004).

Conclusão

A criança aprende em contexto. O quotidiano do contex-to da sala das actividades das crianças pequenas varia bastante e depende de muitos factores, tais como as concepções que a edu-cadora tem de criança, e de aluno, do processo de aprendizagem mas depende também do acesso a “gramáticas” pedagógicas his-toricamente desenvolvidas (Oliveira-Formosinho, 2007).

As características das experiências vividas pelas crianças, tal como reportadas nas entrevistas, revelam que as crianças conhecem as características dos contextos educativos. Percebem, descrevem, analisam, interpretam esses contextos naquilo que são as suas ex-periências dos papéis do adulto. Revelam também que têm uma grande competência para comunicar sobre o quotidiano em que vivem. O desafio é o de as ouvir no que têm para nos dizer e o de as escutar, isto é tornar as suas falas centro da compreensão dos contextos educativos e da sua transformação (Oliveira-Formosi-nho, 2007). Observar, escutar, negociar com a(s) criança(s) a acção educativa representa um desafio para a inovação em pedagogia e para a investigação acerca dos contextos de vida da criança, do que lá experienciam, do que pensam e sentem em espaços onde passam tanto do seu tempo de vida. De facto, elas formam uma ideia acerca das acções das educadoras que está muito próxima da imagem das próprias educadoras, bem como das perspectivas das investigado-ras. E isto verifica-se, quer para as crianças de quatro anos, quer para as crianças de cinco anos. A triangulação metodológica permi-tiu fazer essa verificação. Consolidou a crença enraizada, profunda

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e documentada que temos acerca da competência precoce da crian-ça. Foi igualmente importante como fomentador de estratégias de formação em contexto, permitindo continuar o importante diálogo e trabalho colaborativo com as educadoras, quer sobre a imagem da criança como competente e participante, quer sobre modelos peda-gógicos que lhes permitam honrar, no quotidiano, essa imagem.

Se queremos contribuir para o desenvolvimento cívico de cidadãos participativos desde os anos da infância, temos que estar conscientes da necessidade de promover organizações, construir instituições de educação de infância como comunidades de práti-cas (Wenger, 2001) e as salas de actividades como comunidades de aprendizagem, onde as vozes das crianças são escutadas no proces-so de construção do sentido da realidade e onde as suas falas são incorporadas na acção e na investigação.

Se queremos contribuir para o desenvolvimento cívico de cidadãos participativos desde os anos da infância, temos de pro-videnciar experiências onde as crianças se sintam participantes, se sintam com poder.

Se queremos contribuir para o desenvolvimento cívico de cidadãos participativos desde os anos da infância, temos de saber construir um quotidiano dialogante nas instituições de educação de infância, um quotidiano onde a prática de escutar o outro é sustentada, onde escutar as crianças não é um processo selectivo de que nos interessa ouvir… mas antes um processo aberto, sentido como necessário, desafiante e ético.

Se queremos contribuir para o desenvolvimento cívico de cidadãos participativos desde os anos da infância, temos que dar voz às crianças em questões relevantes, tais como as do papel do adulto e o delas próprias no processo de ensino aprendizagem.

As crianças não devem ser consideradas nem sujeitos, nem objectos mas participantes (Woodhead e Faulkner, 2000).

Notas

1 Para informação sobre a Associação Criança ver Oliveira-Formosinho e Formosi-nho (2001).

2 Por exemplo, se considerarmos as interacções como dimensões chave para a cons-trução de significado acerca da qualidade e do seu desenvolvimento no quotidiano do jardim-de-infância, temos que ouvir, num primeiro momento, as diferentes perspectivas acerca das interacções (a educadora, a criança, a investigadora) e, num segundo momento, temos que reconstruir a realidade educacional, pondo em diá-

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logo estas perspectivas mesmo quando, eventualmente, isso signifique algum des-conforto e conflito entre as diversas perspectivas em jogo.

3 Um exercício de investigação comparável ao realizado por Martin Woodhead para as perspectivas sobre o trabalho infantil (Woodhead, 1999).

4 Neste estudo são analisadas apenas as questões dois e quatro.5 A visão das crianças acerca da professora como alguém que providencia a lei e a

ordem foi também bastante marcante numa pesquisa realizada em quatro estados brasileiros (Campos e Cruz, 2006), o que pode ser um indicativo do estilo pedagó-gico predominante nos contextos enfocados.

6 Algumas vezes as crianças dão mais do que uma resposta.7 Algumas vezes as crianças dão mais do que uma resposta.8 A Escala do Empenhamento do Adulto tem sido amplamente usada na investiga-

ção da Associação Criança e concretamente na pesquisa da primeira autora deste trabalho. Para mais informação ver Oliveira-Formosinho (2002).

9 O autor da Escala do Empenhamento, Laevers (1994), considera que a pontuação média - 3 - é considerada suficiente, a pontuação 1 e 2 é considerada insuficiente, a pontuação 4 é considerada boa e a 5 muito boa quando se avalia o desempenho dos adultos ao nível da sensibilidade, estimulação e autonomia. Esta escala foi adaptada ao contexto inglês por Bertarm (1996).

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