Versão On-line ISBN 978-85-8015-075-9Cadernos PDE
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Produções Didático-Pedagógicas
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE DO PARANÁ CAMPUS DE CORNÉLIO PROCÓPIO
SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL - PDE
PRODUÇÃO DIDÁTICO-PEDAGÓGICA
FICHA DE IDENTIFICAÇÃO
Título: Gêneros textuais e Método Recepcional: Uma proposta dialógica sobre o
papel da mulher na sociedade contemporânea
Autor: Luciane Romanisio Francischini
Disciplina/área: Língua Portuguesa
NRE: Cornélio Procópio
Escola de implementação: Colégio Estadual João Turin. Ensino Fundamental e
Médio.
Município: São Sebastião da Amoreira
IES: UENP – Campus Cornélio Procópio
Professor Orientador: Dda. Maria Aparecida de Fátima Miguel
Relação interdisciplinar: História
Resumo: Conhecido o papel da instituição escolar na qualificação e capacitação de leitores, para garantir o acesso ao conhecimento sistematizado, esta Unidade Didática focaliza o trabalho com Literatura na escola, na busca de caminhos para a formação do leitor competente. Encampam-se os pressupostos e as etapas do Método Recepcional e os gêneros discursivos, para a ampliação da competência linguística e discursiva dos alunos, bem como para revelar-lhes as muitas maneiras de participação social, possíveis por meio da linguagem. Assume-se que, para que ocorra o letramento de fato, o docente precisa colocar o aluno em contato a leitura de textos das diversas esferas sociais (literária, jornalística, publicitária, digital, etc). Além dos textos escritos e falados, as práticas discursivas devem abarcar o diálogo da linguagem verbal com outras linguagens, em direção ao desejável multiletramento (PARANÁ, 2008) Como resultado do trabalho, espera-se contribuir para a criação do gosto pela leitura literária, a partir dos diálogos temáticos entre o gênero conto com outros da esfera literária ou de outras esferas de circulação social, prevendo-se a sequência proposta no Método Recepcional, tendo como fio condutor a temática do papel da mulher na sociedade contemporânea.
Palavras-Chave: Formação de leitores; Gêneros discursivos; Método Recepcional;
Mulher contemporânea
Formato: Unidade Didática
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Público-alvo: Alunos do 9º Ano do Ensino Fundamental
APRESENTAÇÃO
Ao se considerar que grande parte do conhecimento escolar e extraescolar é
veiculada pela escrita, assume-se, sem qualquer sombra de dúvida, que a formação
de leitores competentes deve ser a principal meta, não somente do professor de
Língua Portuguesa, mas da instituição escolar como um todo.
Como analisa Perini (2005), grande parte da população saída da escola
demonstra insuficiência na leitura inteligível de textos. Esse fato, que o autor
denomina analfabetismo funcional, elege a questão da formação do leitor como um
dos principais problemas da educação brasileira, instituindo um vigoroso argumento
para propostas de intervenção nessa realidade.
Contrariamente à concepção de atividade mecânica de decodificação de
símbolos, considera-se que a leitura implica uma resposta do leitor ao que lê,
momento em que se funda um diálogo em um tempo e espaço determinados. Em
outros termos, no ato da leitura, o leitor é convocado pelo texto, mobilizando seu
próprio saber e experiência de vida para sua construção individual de significados.
Nesta Unidade Didática, para contemplar o conteúdo estruturante de discurso
como prática social, aborda-se a multiplicidade de gêneros discursivos das diversas
esferas sociais, com ênfase na esfera literária, mas especificamente nos contos.
Essa visão coaduna-se com a proposta das Diretrizes para a disciplina de Língua
Portuguesa para a leitura:
Ler é familiarizar-se com diferentes textos produzidos em diversas esferas sociais: jornalísticas, artística, judiciária, científica, didático-pedagógica, cotidiana, midiática, literária, publicitária, etc. No processo de leitura, também é preciso considerar as linguagens não-verbais. A leitura de imagens, como: fotos, cartazes, propagandas, imagens digitais e virtuais, figuras que povoam com intensidade crescente nosso universo cotidiano, deve contemplar os multiletramentos mencionados nestas Diretrizes (PARANÁ, 2008, p.71).
No processo, enfatiza-se a atuação do professor como mediador, de
provocador dos alunos, na busca do desenvolvimento de uma atitude crítica que
lhes possibilite a percepção do sujeito presente nos textos bem como a resposta a
esses textos. Nessa direção, o mais alto nível de proficiência em leitura será atingido
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quando o aluno conseguir apreender os implícitos e as intenções por trás das
palavras presentes no texto.
Por isso, a tônica deste trabalho é a abordagem de diversos gêneros
discursivos para contemplar a necessária diversidade de textos com que se deve
interagir em sala de aula. Inicialmente, o leque de gêneros será mais amplo, para a
diferenciação inicial do gênero conto, nas especificidades que o tornam „literário‟, em
oposição aos gêneros discursivos de outras esferas. Na sequência, o trabalho terá
como fio condutor o conto, abrindo-se as possibilidades de diálogos com outros
gêneros.
Quanto à metodologia de trabalho com a Literatura, pensando-se em uma
possível gradação dos textos em nível de dificuldade para a turma, assumem-se os
pressupostos e as etapas do Método Recepcional, discutidos na metodologia desta
Unidade Didática. Na mesma seção, na parte final desta produção didática, serão
abordados os gêneros discursivos, em seu potencial de ampliar a competência
linguística e discursiva dos alunos, bem como de apontar-lhes as muitas maneiras
de participação social, possíveis por intermédio da linguagem.
Com base no exposto, esta Unidade Didática tem como objetivo geral
contribuir para a criação do gosto pela leitura literária, a partir de diálogos temáticos
entre o gênero conto com outros da esfera literária ou de outras esferas de
circulação social, prevendo-se a sequência proposta no Método Recepcional e a
temática da violência doméstica contra a mulher.
Como objetivos específicos, propõe-se:
-Sondar o horizonte de expectativa dos alunos participantes da proposta de
implementação na escola, em relação a temas de interesse;
-Identificar o gênero conto literário dentro da esfera de circulação social
literária, apontando suas características diferenciadas em relação a outros gêneros
de esferas não-literárias;
-Ler e explorar gêneros variados, nos aspectos temporais e espaciais, com
base na sondagem inicial do horizonte de expectativa dos alunos;
-Explorar os diversos gêneros literários em diálogo com outros gêneros
textuais de diferentes esferas a partir do assunto Violência contra a mulher, temática
a ser inserida como alargamento do horizonte de expectativas;
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-Levar à percepção de diálogos entre os textos focalizados (intertextualidade);
O público-alvo desta proposta didática é constituído de alunos do 9º Ano do
Ensino Fundamental. Sem desconsiderar a necessidade de projetos para formação
de leitores em todos os graus de ensino, a escolha desse nível de escolaridade
justifica-se também pela preparação dos alunos do 9º ano para as reflexões mais
sistemáticas sobre Literatura, com as quais se defrontarão no decorrer do Ensino
Médio.
MATERIAL DIDÁTICO
Módulo 1 - Determinação do horizonte de expectativas
Objetivo: Identificar as atitudes e interesses dos alunos em relação à leitura, como
subsídio à condução mais adequada das estratégias para a ruptura e ampliação de
seus horizontes de expectativas.
Nesta etapa, será aplicado aos alunos um questionário, como forma de
apreendermos seus horizontes de expectativas frente à leitura, como forma de
obtenção de dados sobre seu meio social, de estilo de vida, lazer e outros relevantes
à condução da implementação do projeto. Antes da aplicação do questionário,
vamos ler e comentar as questões juntamente com eles, como forma de incentivá-
los a responder. Frisaremos que a atividade não tem finalidade avaliativa, solicitando
que respondam com toda a sinceridade ao que está sendo perguntado.
Devido à extensão o questionário poderá ser dividido em duas partes e
aplicado em dois momentos distintos.
Questionário sobre hábitos e interesses de leitura:
Identificação:
Idade: _______
Sexo: ( ) Masculino
( ) Feminino
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Profissão do pai:________________
Profissão da mãe: ________________
Assinalar e escrever:
1) Existem livros na sua casa?
( ) Sim ( ) Não
Número aproximado de livros: ____
2) E revistas?
( ) Sim ( ) Não
Número aproximado de exemplares de revistas: _____
3) A família é assinante de jornal?
( ) Sim ( ) Não
4) Você tem acesso à internet em casa?
( ) Sim ( ) Não
5) Você gosta de ler? ( ) Sim ( ) Não ( ) Às vezes
6) Você lê mais:
( ) Livros ( ) Revistas ( ) Textos da internet
( ) Outros (o quê?): ________________________
7) Quando você lê um livro, uma revista ou um texto, você costuma:
( ) Ficar só no começo
( ) Parar na metade
( ) Ir até o fim
( ) Só olhar os desenhos e fotos.
8) Onde você lê mais?
( ) Na escola ( ) Fora da escola
Qual é melhor? Por quê?
__________________________________________________________________
Responder:
9) Que livro você mais gostou de ter lido até hoje? Por quê?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
10) Que revista você mais gosta de ler? Por quê?
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___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
11) Escreva três assuntos sobre os quais você mais gosta de conversar:
Se você fosse escrever um livro, qual seria o assunto dele?
Assinalar e/ou escrever, conforme se pede:
12) Você lê mais textos: ( ) Impressos ( ) Digitais (Internet e outros)
13) Que tipo de livro você prefere ler?
( ) Aventura
( ) Romance
( ) Ficção científica
( ) Policial
( ) Biografia
( ) Poesia
( ) Teatro
( ) Livros técnicos
( ) Outros: ______________________________
14) Quem mais o incentiva a ler?
( ) Pai ( ) Mãe ( ) Professor(a) ( ) Ninguém
( ) Outro: ________________________
15) Você costuma ver alguém de sua família lendo? ( ) Sim ( ) Não
Quem? ____________________________
16) Ler para você significa:
( ) Obrigação
( ) Prazer
( ) Passatempo como outro qualquer
( ) Meio de valorização pessoal
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17) Se você não lê, qual seria o motivo?
( ) Falta de gosto e interesse
( ) Preferência pelo esporte
( ) Preferência pela televisão
( ) Preferência pelo computador e internet
( ) Falta de livro interessante em casa ou na escola
( ) Outro motivo: ________________________________
18) No seu tempo livre, a atividade que você mais faz é (pode marcar até três
alternativas, numerando de 1 a 3, em ordem de importância para você):
( ) Brincar
( ) Assistir TV/Vídeo
( ) Ouvir Música
( ) Conversar com os amigos
( ) Falar no celular
( ) Navegar na Internet
( ) Jogar no computador/ playstation
( ) Ler
( ) Trabalhar
( ) Fazer serviço de casa
( ) Praticar esporte
( ) Descansar
( ) Outro: ___________________
19) Você está lendo algum livro no momento? ( ) Sim ( ) Não
Qual? __________________________________________________________
20) O que mais agrada você na biblioteca do Colégio?
( ) O ambiente
( ) A organização
( ) Disponibilidade dos funcionários
( ) Variedade de livros
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( ) Os equipamentos de informática
( ) Outro: ______________________
21) O que mais desagrada você na biblioteca?
( ) O ambiente
( ) A falta de organização
( ) Falta de boa vontade dos funcionários
( ) Pouca variedade de livros
( ) A falta de equipamentos de informática
( ) Outro: ______________________
22) De maneira geral, em sua opinião, a biblioteca do Colégio é:
( ) Má
( ) Razoável
( ) Boa
( ) Muito Boa
( ) Excelente
23) Você costuma tomar emprestados livros da biblioteca do Colégio? Mais ou
menos quantos por ano?
______________________________________________________________
24) Indique um livro que você gostaria que a biblioteca do Colégio comprasse para
disponibilizar aos alunos:
_______________________________________________________________
Conforme a disponibilidade e circunstâncias à época da implementação na
escola, pretende-se programar uma visita guiada à biblioteca do Colégio. Com
auxílio da funcionária do setor, intenta-se mostrar aos alunos a organização do
acervo. Em seguida, será proposto um momento de leitura livre, em que os alunos
poderão pegar qualquer material que lhes interesse. Nesse momento, as obras
escolhidas por eles serão observadas e anotadas.
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Dessa forma, com base no questionário e nessa visita à biblioteca, pretende-
se analisar os interesses e níveis de leitura dos alunos, como forma de obtenção de
subsídios para o prosseguimento do projeto de leitura.
Na aula seguinte a essa atividade, será solicitado que pensem em um livro
que leram, um filme a que assistiram ou uma música de que gostam e façam uma
ilustração sobre ela. Na folha do trabalho, deve constar o nome do aluno, ao título do
livro, filme ou música e o desenho. Se atividade for dada como tarefa, poderão
também ilustrar por meio de colagens diversas.
Módulo 2 - Atendimento ao horizonte de expectativas
Objetivo: Oferecer aos alunos textos relacionados a seus anseios, valores e
familiaridades com leitura, por meio de estratégias de ensino também conhecidas
deles.
Como a elaboração desta Unidade Didática está se dando anteriormente à
implementação escolar, tem-se ciência de que sua aplicação sofrerá as adequações
necessárias, a partir das atividades iniciais de determinação dos horizontes de
expectativas dos alunos. Porém, pela vivência na instituição escolar da intervenção,
sabe-se de antemão que nossos alunos vivem em uma cultura predominantemente
visual e que o mundo digital é parte integrante da vida da maioria deles. Na pior das
hipóteses, muitos têm acesso à internet pelo celular, por meio do qual acessam e
interagem nos sites de redes sociais, como o facebook, tweeter e outros.
Dessa forma, para introduzir a temática da mulher e abordar sua
representação na Literatura, os trabalhos serão iniciados com vídeos de propaganda
de cerveja e de chinelo, nos quais se revela uma visão da mulher sob um
estereótipo de símbolo sexual.
ATIVIDADE 1
Vídeos: Propaganda de cerveja
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A serem assistidos conforme a disponibilidade de tempo. A proposição de
vários vídeos serve para mostrar que o uso da imagem é recorrente na publicidade
de cerveja.
https://www.youtube.com/watch?v=BMr6zI_3I-k
https://www.youtube.com/watch?v=FrNkOYe_mHM
https://www.youtube.com/watch?v=WtgqwT3utX4
https://www.youtube.com/watch?v=p4y-Mq7aZ_I
https://www.youtube.com/watch?v=V4BgVE-Y5is
Vídeos: Chinelo
https://www.youtube.com/watch?v=EO_wzpQ0O7U
https://www.youtube.com/watch?v=3n4fq0NG2MI
Vídeos: Propagada de margarina
Há outros vídeos, como alguns de propaganda de margarina mais antigos que
promovem o papel da mulher como dona de casa exemplar e incansável, a exemplo
de:
https://www.youtube.com/watch?v=9QR6jjIaA4M
Porém, no anúncio publicitário abaixo a fabricante da margarina parece reagir
às críticas de suas campanhas publicitárias que mostram a mulher sempre
sobrecarregada com as tarefas domésticas, de maneira a naturalizar esse papel.
Para isso, enfoca alguns “avanços” na condição da mulher. Mesmo assim, elas são
mostradas como românticas e passivas. O vídeo do link abaixo enfoca as mudanças
sociais sobre a condição da mulher – elas falam sobre seu “primeiro beijo”:
https://www.youtube.com/watch?v=ITz_eoOit2s
O questionamento colocado em sala deve abordar como a mulher é vista em
cada um dos comerciais. Pode-se discutir com os alunos os papéis da mulher como
símbolo sexual, de dona de casa exemplar, submissa e multifuncional (faz-tudo). No
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caso da cerveja, por exemplo, as estratégias publicitárias fazem com que a cerveja
seja vista como um poderoso afrodisíaco que também torna os homens irresistíveis
para mulheres lindas e de corpos mais que perfeitos. Vale lembrar que os
comerciais mostram o ponto de vista masculino sobre a mulher. Nesse sentido, ela
parece nem ter opinião, é apenas um corpo.
ATIVIDADE 2: Ainda dentro do horizonte de expectativas dos alunos, mas
avançando um pouco, apresenta-se a música “Piriguete” em ritmo de funk, do MC
Thiago, cuja letra reitera o lugar da mulher como objeto sexual, acrescentando que
coloca seu corpo como valor de troca, estigmatizando e denegrindo sua imagem.
A música se encontra disponível no link:
https://www.youtube.com/watch?v=i1x-y4-CFBI
A essa altura, pode-se trabalhar também um pouco da questão do gênero.
Uma possibilidade é que se entregue a letra da música (próxima atividade) antes
para os alunos, sem dizer que é a letra de uma canção e se pergunte a eles que tipo
de texto seria aquele. Será um poema? Por quê? Quais características os fazem
pensar que se trata de um poema? Só então, revela-se que se trata da letra de uma
música e rodamos para eles a gravação ou o vídeo. Pode-se avançar um pouco e
falar sobre os agrupamentos de gêneros textuais e pedir que classifiquem a letra da
música. E o videoclipe da música, já seria outro gênero? Comenta-se então da
explosão de gêneros presentes na atualidade, destacando-se que os gêneros
surgem para atender as necessidades comunicativas do homem na sociedade, em
determinado tempo e lugar.
ATIVIDADE 3: Como forma de mostrar a mulher reduzida aos limites do lar, que
todos os dias faz tudo sempre igual e vive sua vida para servir ao marido,
esperando-o todo dia no portão, apresentam-se aos alunos a letra e a gravação da
música “Cotidiano” de Chico Buarque. Há um vídeo com o cantor e compositor
interpretando a canção no link:
https://www.youtube.com/watch?v=FB4IaqWITB8
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A letra completa da música está disponível em:
http://letras.mus.br/chico-buarque/82001/
ATIVIDADE 4: A essa altura pode-se fazer a distinção entre gêneros da esfera
literária de outros das outras esferas, fazendo a leitura, por exemplo, de alguma
notícia de jornal ou reportagem tratando da questão da violência doméstica contra a
mulher ou de suas lutas. Faz-se um levantamento das características da letra de
música de Chico Buarque, assim como do texto lido, da esfera jornalística.
Módulo 3 - Ruptura do horizonte de expectativas
Objetivo: Apresentar textos que mexam com as certezas dos alunos no tocante à
Literatura. Para que se mantenha o terreno conhecido e o aluno continue
participando, mantém-se a temática (mulher) e avança-se nos conceitos literários,
especialmente quanto à mudança da representação da mulher na literatura, a partir
da introdução de textos de escritoras.
ATIVIDADE 5 - Para começar, propõe-se a leitura da letra da música “Mulher - Sexo
Frágil”, de Erasmo Carlos, para depois também se ouvir a gravação em áudio ou
vídeo. A letra está disponível em:
http://letras.mus.br/erasmo-carlos/1162513/
Há também um belíssimo vídeo disponível em:
http://www.youtube.com/watch?v=MxSUGCfFRmg
Para questionamento desse texto, propõe-se a discussão com os alunos
sobre:
- Quem fala no texto?
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- Qual a visão que o homem tem da mulher? Qual é a participação dela na
vida dele?
- Que argumentos ele coloca para dizer que a mulher é forte?
- Há uma referência à religião (à Bíblia). Você consegue identificá-la.
- Na sua visão, é uma visão positiva ou negativa da mulher?
ATIVIDADE 6 - Logo na sequência, é proposta a leitura e audição da música de Rita
Lee, cuja letra está disponível em:
http://letras.mus.br/rita-lee/48504/
Também é possível ouvir a música no mesmo link.
Para discussão: Informa-se aos alunos que a composição é de Rita Lee e Roberto
de Carvalho.
- E nessa letra, qual é a visão da mulher, ou melhor, qual a visão que os narradores
não aceitam para a mulher?
- Há a referência a dois contos de fadas? Vocês conhecem as histórias?
Aqui se indica a leitura dos dois contos de fadas, encontrados em qualquer
biblioteca escolar. Também, dependendo do desenvolvimento das atividades,
solicita-se que os alunos pesquisem e tragam os contos.
Após a leitura, fala-se também um pouco desse gênero, bem familiar aos
alunos. A maioria tem ou teve contato com essas histórias, seja nos primeiros anos
do Ensino Fundamental, seja nas releituras televisivas ou cinematográficas.
ATIVIDADE 7 - Na sequência, é proposta a leitura um texto um pouco mais
complexo e longo, o conto “I Love my husband” de Nélida Pinõn. Tem-se ciência de
que haverá uma ruptura significativa no horizonte de expectativas dos alunos, mas
acredita-se que a preparação prévia já possibilite esse avanço.
O texto está disponível em:
http://www.releituras.com/npinon_husband.asp
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O texto será trazido de forma impressa para a sala de aula, por se acreditar
que isso possibilitará uma leitura mais atenta.
O texto de Nélida Pinõn é de 1980 e pode ser lido como o retrato do
casamento burguês, em que a mulher costumava ser alienada. O texto é permeado
por duas vozes: a voz social, representada pelo marido, que confirma o lugar da
mulher como mãe e esposa. Essa voz é repetida pela narradora. A outra voz é da
mulher que, ao mesmo tempo, questiona esse modelo patriarcal. Na verdade, o
texto é muito irônico, porque a história mostra uma personagem feminina que
procura independência e libertação, mas, por medo da rejeição social, fica presa
àqueles padrões familiares que determinam seu lugar.
Vale mencionar aos alunos que o chamado sistema patriarcal de família é
aquele no qual o homem é a maior autoridade e as outras pessoas da família devem
obediência a ele. Dando continuidade a essa etapa, faz-se uma reflexão com os
alunos sobre o lugar ocupado pela mulher na sociedade de hoje. Será mesmo que
elas conquistaram uma independência em comparação ao homem e liberdade na
sociedade ou ainda se podem perceber resquícios ideológicos do sistema patriarcal
na representação da mulher, por meio de estereótipos ou inferiorizações?
ATIVIDADE 8 - Na sequência, procede-se à leitura do conto “Apelo”, do escritor
Dalton Trevisan. O texto está disponível no link:
http://www.releituras.com/daltontrevisan_apelo.asp
Após a leitura atenta, pede-se aos alunos reflitam sobre as questões.
- O narrador sentiu falta da mulher no início? Do que ele mais gostou do fato
de estar sozinho?
- Por que a falta da mulher começou a “apertar” depois de um mês? O que a
falta dela causou na casa?
- Qual é a visão da mulher que transparece no conto?
No sistema patriarcal, como está no centro dos interesses, o homem acaba se
sentindo dono de tudo, até da mulher. O pior resultado disso é quando, ao menor
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sinal de contrariedade ou mesmo sem motivo algum, a mulher sofre violência por
parte do companheiro, principalmente quando o fator álcool entra na história.
ATIVIDADE 9: Aqui faz-se referência à história da vida e luta de Maria da Penha,
que sofreu violência constante por parte do marido.
Transcreve-se, para leitura com a classe, um texto da Wikipédia, disponível em:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Maria_da_Penha
Maria da Penha Maia Fernandes (Fortaleza, Ceará, 1945) é uma
biofarmacêutica brasileira que lutou para que seu agressor viesse a ser condenado.
Com 68 anos e três filhas, hoje ela é líder de movimentos de defesa dos direitos das
mulheres, vítima emblemática da violência doméstica.
Em 7 de agosto de 2006, foi sancionada pelo então presidente do Brasil Luiz
Inácio Lula da Silva a Lei Maria da Penha, na qual há aumento no rigor das punições
às agressões contra a mulher, quando ocorridas no ambiente doméstico ou familiar.
Em 1983, seu marido, o professor colombiano Marco Antonio Heredia
Viveros, tentou matá-la duas vezes. Na primeira vez atirou nela simulando um
assalto e, na segunda, tentou eletrocutá-la. Por conta das agressões sofridas, Penha
ficou paraplégica. Dezenove anos depois, seu agressor foi condenado a oito anos de
prisão. Por meio de recursos jurídicos, ficou preso por dois anos. Solto em 2002,
hoje está livre.
O episódio chegou à Comissão Interamericana dos Direitos Humanos da
Organização dos Estados Americanos (OEA) e foi considerado, pela primeira vez na
história, um crime de violência doméstica. Hoje, Penha é coordenadora de estudos
da Associação de Estudos, Pesquisas e Publicações da Associação de Parentes e
Amigos de Vítimas de Violência (APAVV), no Ceará. Ela esteve presente à
cerimônia da sanção da lei brasileira que leva seu nome, junto aos demais ministros
e representantes do movimento feminista.
A nova lei reconhece a gravidade dos casos de violência doméstica e retira
dos juizados especiais criminais (que julgam crimes de menor potencial ofensivo) a
competência para julgá-los. Em artigo publicado em 2003, a advogada Carmem
Campos apontava os vários déficits desta prática jurídica, que, na maioria dos
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casos, gerava arquivamento massivo dos processos, insatisfação das vítimas e
banalização da violência doméstica.
Na sequência, exibe-se o vídeo em que a própria Maria da Penha conta parte
da sua história:
https://www.youtube.com/watch?v=capw5BbMYTM
ATIVIDADE 10: Como parte do estudo dos diferentes gêneros e complementação
dessa etapa, trabalha-se com os alunos a leitura de trechos da Lei Maria da Penha
(Lei Nº 11.340 de 07 de agosto de 2006), para que conheçam parte de seu conteúdo
e das características desse gênero da esfera jurídica.
O texto da Lei na íntegra está disponibilizado em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm
Esta será uma leitura complementar em que se chamará a atenção para as
expressões típicas de esfera jurídica e as características formais de organização de
uma lei.
Módulo 4 - Questionamento do horizonte de expectativas
Objetivo: Promover uma discussão com os alunos para a identificação de quais
textos das etapas anteriores exigiram mais reflexão para a descoberta dos sentidos
possíveis, quanto a seus temas e construção. Considera-se que os textos
literariamente mais densos dão mais trabalho para serem compreendidos, mas as
recompensas também são maiores.
Este passo do Método Recepcional é o momento de conversar sobre as
leituras feitas anteriormente. Pode-se começar com o básico, perguntando sobre
qual dos textos literários o aluno mais gostou ou com qual se identificou. Também se
pode questionar:
ATIVIDADE 11:
- O uso da linguagem e a forma do texto foram é igual em todas as obras lidas?
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- Na sua opinião, qual dos textos tem uma linguagem mais simples e direta?
- E qual deles tem a linguagem mais complicada?
- Qual texto você achou mais criativo ou diferente de tudo o que você já viu?
- Quais são mais parecidos entre si no assunto?
- Quais são mais parecidos entre si na forma?
ATIVIDADE 12: Proposta de produção de texto:
Após esse trabalho de discussão sobre os textos lidos antes, pedimos aos
alunos que produzam um texto sobre as semelhanças e diferenças na
representação da mulher, nas propagandas, nas músicas e nos outros textos.
Módulo 5 - Ampliação do horizonte de expectativas
Objetivo: Identificar se houve ampliação do horizonte de expectativas dos alunos
revelado no aumento de seu nível de exigência e na capacidade de perceber as
nuances de um texto literário.
Nesta etapa, pretende-se deixar claro para os alunos que a leitura não deve
ser apenas uma tarefa escolar, mas se constitui em oportunidade de ver o mundo
numa perspectiva mais global. Isso significa ampliar os horizontes. Idealmente se
espera que o aluno se torne autor de sua própria aprendizagem, dirigindo ele
mesmo a continuidade do processo, num contínuo enriquecimento social e cultural.
Isso porque o Método Recepcional evolui em uma espiral, de maneira que esta
última etapa é, na verdade, a primeira de um novo ciclo progressivo de ascensão
cultural por meio da leitura literária.
Encerra-se esse ciclo com contos de Marina Colasanti, sobre quem escrevem
Regina Célia dos Santos Alves e Ângela dos Santos Alves, no artigo “A
representação da violência contra a mulher em alguns contos de Marina Colasanti”,
disponível em:
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http://www.ufjf.br/revistaipotesi/files/2009/10/a-represeta%C3%A7%C3%A3o-da-
viol%C3%AAncia-contra-a-mulher.pdf
ATIVIDADE 13: Transcreve-se abaixo o trecho biográfico sobre Colasanti, para
leitura com a classe:
Marina Colasanti é uma escritora contemporânea, que teve uma atuação
importante, principalmente como jornalista no sentido de esclarecer e dar maior
consciência às mulheres brasileiras quanto à sua condição. Casada com o escritor e
crítico Affonso Romano de Sant‟Anna, a autora nasceu na Etiópia em 1937 e vive no
Brasil desde os onze anos. Na área literária, escreveu mais de quarenta obras,
incluindo contos, crônicas, poesias, ensaios e histórias infantis.
Nas décadas de 70/80, quando a situação da mulher brasileira ainda era de
submissão, a ação feminista de Colasanti, tanto na imprensa (jornais e revistas)
como nos livros que publicou sobre o assunto, ajudou a modernizar os costumes no
Brasil.
Foi duas vezes vencedora do Prêmio Jabuti: em 1994, com Rota de Colisão
(poesia), e em 1997, com Eu sei, mas não devia (contos). Outros prêmios
conquistados pela autora foram os da Câmara Brasileira do Livro, da Associação
Brasileira de Críticos de Arte, do Concurso Latinoamericano de Cuentos para Niños,
promovido pela FUNCEC/UNICEF, e o Prêmio Norma-Fundalectura latino-
americano.
A autora escolheu o feminismo como opção política e teve um trabalho
jornalístico intenso, colaborando em diversas publicações do país em revistas.
ATIVIDADE 14: Leitura
O lindo conto “A moça tecelã”, de Marina Colasanti está disponível no site:
http://www.releituras.com/i_ana_mcolasanti.asp
Questões para interpretação:
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- O texto de Marina Colasanti é um conto de fadas moderno. Quais fatos do enredo
revelam que a história possui elementos mágicos?
- O que fez a moça para acabar com sua solidão?
- Após a chegada do marido, ela continuou a tecer com satisfação? Por quê?
- O papel da mulher em fazer os gostos do marido lhe trouxe felicidade? O que a
autora quis dizer com esse conto em sua opinião?
- Nesse conto de fadas moderno, parece que não houve o “E foram felizes para
sempre”. Em que momento a história se encaminha para um final feliz?
Resta comentar com os alunos que, com esse conto, a autora mostra que
existe esperança e que a situação de sujeição feminina pode ser mudada. Essa
submissão é mantida durante um certo tempo pela moça. Mas, no final da história,
cansada de sua posição inferior e da exploração do marido, a jovem tecelã ganha
coragem de mudar seu destino, removendo o marido de sua vida.
ATIVIDADE 15: Agora um outro conto da autora. Aliás, um conto curtíssimo, por isso
chamado de miniconto. Está disponível em:
https://webapp6.pucrs.br/lapren//conteudo/64/porem_igualmente.swf
Apesar de sua leitura levar poucos segundos, o miniconto de Marina
Colasanti é muito intenso em seu significado.
Questões para a interpretação:
- Com certeza D. Eulália sofria agressões frequentes do marido, que bebia. Por que
os vizinhos a chamavam de “Santa” e os parentes de “Anjo”?
- Que recursos da linguagem, no início do conto, dão a ideia de continuidade da
violência?
- O narrador conta de uma forma indireta, em linguagem figurada, o desfecho da
história. O que aconteceu?
- Por que será que o narrador usa a expressão “rompeu em asas o voo de sua
trajetória”? Em que essa expressão se relaciona com o restante da história?
20
ATIVIDADE 16: O próximo texto é “Para que ninguém a quisesse”, um pequeno
conto de Marina Colasanti que explora o ciúme e o sentimento de poder que o
homem deseja ter sobre a mulher.
Este conto está disponível em vários sites, entre eles:
http://primaveraentreosdentes.blogspot.com.br/2006/10/para-que-ningum-quisesse-
marina.html
Questões para refletir:
- O que incomodava o homem dessa narrativa?
- Como o homem dessa narrativa atinge a vaidade e a autoestima da mulher?
- O homem acabou sendo vítima de suas próprias ações. Por quê?
- O marido sentia falta da companhia da mulher, de sua personalidade e caráter ou
de sua beleza, de sua aparência física?
- Nesse caso, houve violência física? Pode-se dizer que houve algum tipo de
violência?
- O ciúme do homem não é visto como ridículo, porque na sua visão, ele está
defendendo um direito sagrado de posse. O que você pensa sobre isso?
Para finalizar de forma lúdica, aborda-se um texto do gênero literatura de
cordel. Embora o tom humorístico predomine, o texto trata de várias das questões
da relação homem e mulher vistas nesta proposta, além de outras, a serem
comentadas com os alunos.
ATIVIDADE 17: Procede-se à leitura do texto sobre a história do cordel disponível
na página da Academia Brasileira de cordel, no endereço:
http://www.ablc.com.br/ocordel.html
Para a leitura, propõe-se o poema de cordel “A mulher que vendeu o marido
por 1,99”, de Janduhi Dantas, encontrado no endereço eletrônico:
http://www.camarabrasileira.com/cordel48.htm
Questões que podem ser abordadas:
21
- Direitos iguais;
- Mulher: artigo de cama e mesa;
- Referência a música “Amélia”, de Mario Lago;
- Divisão do trabalho doméstico;
- Mulheres em serviços que homens faziam;
- Salário mais baixo da mulher;
- Infidelidade no casamento;
- Marido alcoólatra;
- Referência a mulheres marcantes da vida brasileira;
- Revanche da mulher.
Para encerrar:
Ler bem é arriscar-se a ser outro e nunca mais voltar a ser o mesmo; é o
abismo do desconhecido que se abre à nossa frente. Ler exige coragem de não
olhar para as pessoas do mesmo modo que se olhava antes, de não querer fazer
coisas que eram habituais, de perceber que há muito mais vida no mundo do que as
nossas medíocres existências cotidianas.
Não é coisa para fracos.
Ler de verdade é sempre muito perigoso.
(Douglas Ceccagno)
Disponível em: <http://cabecastrocadas.blogspot.com/2009/04/ler-nao-e-uma-
viagem.html>
(Acesso em: 25/11/2013)
ORIENTAÇÕES METODOLÓGICAS
Letramento, leitura e texto
No processo de formação do leitor competente, a escola deve voltar-se ao
letramento do aluno, objetivo que só pode ser efetivado quando se faz o aluno
interagir com a língua por meio de uma variedade de textos com diferentes funções
sociais. Faz-se uma distinção entre letramento e alfabetização, esta entendida como
a atividade mecânica, necessária ao domínio do código linguístico para a codificação
22
e decodificação das mensagens. Por outro lado, conforme Soares (1998), o conceito
de letramento refere-se à capacidade do sujeito não somente de ler e escrever
maquinalmente, mas também de usar efetivamente a leitura e a escrita nas práticas
sociais, posicionando-se e interagindo segundo as exigências a ele colocadas,
fazendo ouvir sua voz entre os discursos.
Assim como o conceito de letramento é mais amplo que o de alfabetização,
também não se compreende o texto apenas dentro de seus limites formais.
Encontra-se em Bakthin (1999), uma ampliação do conceito de texto que ultrapassa
a formalização do discurso verbal ou não-verbal. Coloca-se a relevância do que vem
antes do texto, ou seja, as condições de sua produção e elaboração e o que vem
depois, na resposta ativa do leitor ensejada pela leitura. Desse modo, o texto é
compreendido como articulação de discursos, nas vozes nele materializadas; é ação
humana de uso real da linguagem.
Dessa forma, para Bakthin (1992, apud PARANÁ, 2008), o texto não é um
objeto ligado a um espaço ou momento temporal, uma vez que difunde sentidos no
diálogo com outros textos. Melhor dizendo, ele está sempre se relacionando com
outros textos, do mesmo tempo e espaço ou de outros. Segundo essa visão, a
palavra “diálogo” tem seu sentido aberto: ela não implica apenas a comunicação
face a face de pessoas, mas todo tipo de comunicação verbal.
Quando se assumem tais pressupostos, os esquemas de análise engessados
do livro didático podem ser bastante limitadores das possibilidades significativas do
texto literário. Dado que a obrigação de formar leitores é atribuída quase que
exclusivamente à escola, atenta-se ao papel insubstituível do professor, tornando-se
imperativo que ele adquira uma sólida formação teórica e principalmente um amplo
repertório de leituras, para que ultrapasse os sentidos propostos pelos autores de
livros didáticos. Somente assim o professor pode assumir sua aula de maneira
autônoma, colocando o livro didático em seu lugar de ferramenta de apoio, mas não
de legitimador das interpretações dos textos literários.
Metodologicamente, esta Unidade Didática busca refinar os desdobramentos
do Método Recepcional para a contemplação das perspectivas de leitura aqui
descritas, adotando o gênero literário conto como fio condutor para diálogos
23
possibilitadores da transcendência dos horizontes de expectativa dos alunos, a partir
do tema da Violência contra a mulher.
Ensino de Literatura e Estética da Recepção
Como produção humana, a Literatura está entrelaçada à vida social. Assim, a
definição do que seja essa arte depende dos diferentes períodos históricos, razão
pela qual uma definição só pode ser apresentada no diálogo com outros textos e em
articulação com as questões determinadas pelo contexto de produção, pela crítica
literária, pela cultura e pela economia, entre outros (PARANÁ, 2008).
Para Antônio Candido (1972), a Literatura é uma arte que transforma e
humaniza o homem e a sociedade. O autor atribui à arte literária três funções: a
psicológica, a formadora e a social. A função psicológica permite ao ser humano a
imersão em uma dimensão de fantasia possibilitadora de catarse, pela reflexão e
pela identificação com pessoas.
A respeito da função formadora, Candido considera que a Literatura por si só
age como instrumento educativo. Quando revela realidades camufladas pela
ideologia dominante, ela coopera para o desenvolvimento do indivíduo, ao fazê-lo
descobrir o mundo tal como ele é. Por isso, a Literatura tende a formar, mas não em
concordância com uma pedagogia oficial, menos ainda como um manual de moral e
civismo. A função social da Literatura, por seu turno, remete à retratação por ela
feita dos diferentes segmentos da sociedade e dos tipos humanos representados.
A respeito do ensino da Literatura, as Diretrizes Curriculares (PARANÁ, 2008)
recomendam como bases teóricas a Estética da Recepção e a Teoria do Efeito, para
a formação de um leitor habilitado a sentir e expressar o sentido apreendido na obra
literária. Sob esse prisma, na relação entre leitor e obra, o entendimento de mundo
do autor interage com a concepção de mundo do leitor, em um ato dialógico pelo
qual o leitor dilata seu universo, mas amplia também o universo do texto literário a
partir de sua experiência cultural.
Conforme exposto, os estudos da Estética da Recepção, de Hans Robert
Jauss, dão suporte teórico-metodológico a esta Unidade Didática. Conforme a visão
de Jauss, o sujeito ganha papel fundamental no processo de conhecimento. Na
relação com os textos, fica reestabelecido o lugar do leitor nas relações dialógicas
com a obra literária. Do ponto de vista metodológico, segundo explicitado em Bordini
24
& Aguiar (1988), a relação com o texto literário começa a partir do horizonte de
expectativas do leitor.
Nessa direção, o Método Recepcional, descrito pelas autoras para o ensino
de leitura literária, coloca como fundamental a atitude participativa do aluno no
contato com diferentes gêneros textuais. No processo de amadurecimento da leitura,
a partir de obras consonantes ao seu horizonte de expectativas, o aluno vai entrando
em contato com textos cada vez mais complexos, confrontando-os com sua
expectativa inicial. Porém, “o processo de recepção textual (...) implica a participação
ativa e criativa daquele que lê, sem com isso sufocar-se a autonomia da obra”
(BORDINI & AGUIAR, 1988, p.85-87).
Dessa forma, espera-se que o ensino de Literatura explorado pelo Método
Recepcional leve o aluno à realização de leituras abrangentes e críticas, assim como
à disposição para leituras de outros textos, numa contínua ressignificação de leituras
anteriores. Nessa visão, as autoras destacam o caráter social do método, quando se
considera o sujeito em sua incessante interação com os demais, por meio do
debate, o que o torna sujeito da História (BORDINI & AGUIAR, 1988).
Por outro lado, as possibilidades dialógicas do leitor com a obra estão
relacionadas ao tanto de identificação ou de distanciamento do leitor com o texto, a
partir do contexto sociocultural em que ambos, leitor e obra, estão inseridos. Na
perspectiva da estética recepcional, fica evidente que a atitude do aluno-leitor é
altamente participativa, no percurso de interação entre sua historicidade com a
historicidade subjacente ao texto (BORDINI & AGUIAR, 1988).
Por conseguinte, para as autoras, uma metodologia para o ensino de
Literatura deverá pensar a obra e o leitor em uma realidade cheia de contradições.
Com base nisso, devem ser propostos meios para a coordenação de esforços
visando o principal interessado: o aluno e suas necessidades enquanto leitor, numa
sociedade em contínua transformação.
Na sistematização colocada por Bordini & Aguiar (1988), o planejamento de
unidades para o ensino de Literatura deve seguir estas etapas:
a) Determinação do horizonte de expectativas:
Prevendo estratégias de ruptura e modificação das expectativas, o
professor, por variados meios, procura identificar os interesses atuais dos
25
alunos. Inspirada nas estratégias propostas por Bordini & Aguiar(1988),
para a delimitação dos horizontes de leituras dos alunos, esta Produção
Didático-Pedagógica propõe outros meios para essa sondagem inicial.
b) Atendimento ao horizonte de expectativas:
São oferecidos aos alunos textos que considerem seus anseios, valores e
familiaridades com Literatura. Além das experiências com obras literárias
do universo dos alunos, defende-se também que as estratégias de ensino
considerem o gosto do aluno.
c) Ruptura do horizonte de expectativas;
A essa altura são introduzidos textos e atividades de leitura que balançam
a certeza e hábitos dos alunos, seja em termos de Literatura ou de
vivência cultural. O tema, o tratamento, a estrutura ou a linguagem, um ou
outro podem ser os mesmos, mas pelo menos algum aspecto inusitado
deve ser introduzido. Contudo, deve-se assegurar que o aluno não rejeite
a experiência com alterações muito radicais na rota da experiência literária
em construção.
d) Questionamento do horizonte de expectativas;
A turma faz uma análise dos textos vistos, buscando identificar quais
textos exigiram mais reflexão para a descoberta dos sentidos possíveis,
quanto a seus temas e construção. Supõe-se que os textos mais densos
artisticamente dão mais trabalho na garimpagem de seus sentidos, mas as
recompensas são maiores.
e) Ampliação do horizonte de expectativas
Nesta fase, espera-se que os alunos tenham se conscientizado de que a
leitura não é mais somente uma tarefa escolar. A experiência com a
Literatura terá proporcionado ampliações e aquisições em relação ao
horizonte inicial de leituras. Idealmente, espera-se que o nível de
26
exigência tenha aumentado, conjuntamente à capacidade de interpretar as
nuances de uma obra literária.
Nesta Unidade Didática, as sequências procuram levar em conta essa
progressão para um trabalho sistemático com a Literatura. No entanto, tem-se em
perspectiva que importa criar o gosto pela leitura, fugindo-se de uma possível rigidez
de aplicação metodológica que possa sufocar a viva interação do aluno com a obra
literária.
Gêneros textuais e diálogo temático
Mesmo que o estudo dos gêneros esteja bem presente nos meios
acadêmicos e nas transposições didáticas que chegam à escola, seu estudo não é
novo. Nas discussões de filósofos como Platão e Aristóteles, a noção de gênero
esteve presente, relacionando-se apenas à Literatura, entretanto. Desses
pensadores, passou-se por Horácio e Quintiliano, pela Idade Média, pelo
Renascimento, chegando ao século XX. Contemporaneamente, a concepção de
gênero tem ido além do texto literário, passando a se referir a uma categoria
distintiva de discurso falado ou escrito, de qualquer tipo, independentemente de
aspirações literárias (MARCUSCHI, 2008).
Em Bakthin (2010), qualquer enunciado considerado de forma isolada é,
evidentemente, individual. Mas cada esfera social de emprego da língua forma seus
tipos relativamente estáveis de enunciados, chamados de gêneros do discurso.
Melhor dizendo, pode-se entender os gêneros como “modelos” de textos que
circulam socialmente, constituídos de formas próprias de organização do discurso.
Marcuschi (2008) enfatiza a ligação dos gêneros textuais em sua ligação
histórica à vida social e cultural, pois são resultado de trabalho coletivo de
ordenação e estabilização de atividades cotidianas. Por conseguinte, são tidos como
entidades sociodiscursivas advindas das inúmeras formas de ação social geradas
pelas múltiplas situações comunicativas. Nessa linha de pensamento, considera-se
que todo texto é organizado a partir de determinado gênero, existente na cultura
como forma relativamente estável de enunciado. Os gêneros são caracterizados por
três elementos constituintes: o conteúdo temático, o estilo e a construção
27
composicional. Estendendo a explicação, podem-se tomar os gêneros como
“famílias” de textos que compartilham características comuns, embora com muitas
variações. Tal heterogeneidade tem a ver com o tipo de suporte comunicativo, a
extensão e o grau de literariedade, explicando-se a profusão de gêneros na
contemporaneidade.
Acrescente-se que, nos últimos dois séculos, os avanços na tecnologia
comunicacional fizeram aparecer novos gêneros textuais. Essa profusão deve-se à
força do uso dessas tecnologias em sua interferência nas ações comunicativas
cotidianas. Dessa forma, o rádio, a televisão, o jornal, a revista, a internet, entre
outros, vão criando ou abrigando novos gêneros textuais bem característicos, a
exemplo de: editoriais, telemensagens, teleconferências, videoconferências, e-mails,
chats e aulas virtuais (MARCUSCHI, 2008).
No tocante ao ensino, defende-se, a exemplo de Porto (2009), que o trabalho
com os diversos gêneros textuais tende a ampliar bastante a competência linguística
e discursiva dos alunos. Acrescenta que ensinar a partir dos gêneros textuais mostra
aos alunos as muitas formas de participação social, possibilitadas pela linguagem.
Na leitura de textos literários, torna-se mais relevante mostrar aos alunos que
muitas vezes os literatos modificam, criam, recriam e até subvertem os gêneros, no
exercício da liberdade criadora própria da arte literária. Nessa esfera, o gênero se
torna lugar de transformação, de exploração, de enriquecimento de possibilidades.
Desse modo, de forma especial na Literatura, por meio dos textos, os sujeitos
produzem, reproduzem ou desafiam as práticas sociais.
Na classificação tomada a Dolz & Schneuwly (2004), o gênero conto,
escolhido para essa materialização didática, pertence ao domínio social da
comunicação, especificamente à cultura literária ficcional, sendo a capacidade
dominante de linguagem envolvida a de Narrar.
A representação da mulher na Literatura
A temática da representação da mulher na Literatura, focalizando o tema da
violência doméstica é introduzida para contemplar o objetivo colocado de ampliar o
horizonte de expectativa dos alunos.
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No correr da história, o papel da mulher se limitava a obedecer e servir; era
considerada como desprovida de vontade própria e opinião, prerrogativas apenas do
homem. A mulher vivia sob três esferas de subordinação: a família, a Igreja e a
escola. Na família, o primeiro ambiente de convívio, a mulher servia à vontade do pai
e depois, à do marido, este também quase sempre um parceiro imposto pela família.
Por sua vez, a Igreja avalizava a sujeição da mulher com base na Bíblia, esta
investida de um ideário patriarcal. Acresce que a mulher sempre esteve relacionada
ao pecado original, sendo frequentemente apontada por suas falhas. Também o fato
de ter nascido de uma costela de Adão, e não diretamente de Deus, na concepção
bíblica, vem alentar a legitimidade de sua dominação pelo homem. A frequência das
meninas à escola servia apenas para reafirmar os valores prezados pela família, no
intento de formar boas esposas. Os meninos, por sua vez, eram preparados para
comandar a casa e o meio social (ZANQUETA & ZOLIN, 2010).
Apenas no século XX, a partir da década de 60, segundo as mesmas autoras,
os pensamentos feministas, na defesa da igualdade de direito entre os gêneros,
trouxeram mais liberdade às mulheres. Nesse período, começaram a surgir
publicações literárias feitas por mulheres, de maneira que as conquistas sociais
delas se estenderam também para as vitórias na área literária. Embora, em sua
maioria os grandes nomes da Literatura ainda sejam homens, as autoras femininas
vêm, aos poucos, ganhando espaço, uma conquista bem recente. Avançando no
mundo literário, a mulher conquista o ensejo de colocar suas ideias, mostrando sua
capacidade intelectual tanto na produção de Literatura como na crítica.
Conforme o relato de Lima & Tavares (2011), a partir do movimento feminista,
escreveu-se bastante sobre gênero, conceito importante nas discussões sobre o
papel e representação da mulher, em contraposição ao ser masculino. Ressalta-se a
distinção feita entre gênero e sexo, ao se discutir essas questões: sexo refere-se a
características especificamente biológicas, enquanto que gênero é uma extensão de
sexo, referindo-se a uma construção sócio-histórica que institui os papéis e
comportamentos para homens e mulheres, ou seja, o gênero é estabelecido
culturalmente.
Dado o fato de que a Literatura é reflexo da História, a arte literária também
retratou, e ainda retrata, de maneira predominante, a mulher a partir da visão do
29
homem. Na Literatura, bem como na história, a figura feminina é sempre balizada
pelas perspectivas, aspirações e interesses dos grupos dominantes, em que o lugar
privilegiado pertence ao homem. Sendo assim, por ser o homem quem encampou
de maneira dominante a arte literária, é ele quem decide o que retratar, bem como a
ordem e contexto da abordagem que faz. Na escolha que faz dos aspectos e do
modo de registros de ações e sentimentos da mulher, ele age, ainda que
inconscientemente, permeado por uma ideologia condizente com o olhar de sua
classe social ou gênero.
Torna-se evidente que a visão feminina só pode aparecer de maneira
significativa quando a Literatura é feita pela mulher. Por isso, na proposta de
Produção Didática, pretende-se enfatizar o trabalho com escritoras, procurando-se
levar os alunos à percepção de como as mulheres se retratam, em comparação à
sua retratação por literatos masculinos.
Entre as autoras, dá-se destaque especial à produção de Marina Colasanti,
escritora contemporânea, cuja atuação principalmente como jornalista foi importante
para despertar a consciência das mulheres brasileiras a respeito de sua condição.
Durante os anos de 70 e 80, quando a situação da mulher brasileira ainda era de
subserviência, a atuação feminista de Colasanti nos jornais, revistas e em livros
publicados por ela, colaborou para as mudanças de costumes no Brasil (ALVES &
RONQUI, 2009). Em alguns de seus contos, Marina Colasanti aborda várias
temáticas ligadas à mulher, desde sua histórica submissão até a violência física,
psicológica e simbólica contra ela praticada. O sociólogo Pierre Bourdieu, na obra A
dominação masculina (2007) chama de violência simbólica aquela representada
pela:
violência suave, insensível a suas próprias vítimas, que se exerce essencialmente pelas vias [...] simbólicas da comunicação e do reconhecimento, ou, mais precisamente, do desconhecimento, do reconhecimento, ou, em última instância, do sentimento (BORDIEU, 2007, p.7).
Espera-se que o foco na obra de Marina Colasanti permita a reflexão sobre o
lugar da mulher na vida e na Literatura nos dias atuais. Isso porque, mesmo com as
conquistas que obteve em vários campos de atividades, a mulher ainda luta com
30
muita coragem por seus direitos, principalmente quando é vítima da violência
doméstica, quer seja sob a forma simbólica ou física.
REFERÊNCIAS:
ALVES, R. C. dos S.; RONQUI, A. S. A representação da violência contra a mulher em alguns contos de Marina Colasanti. Ipotesi, Juiz de Fora, v.13, n.2, p.127-133, jul./dez, 2009.
AGUIAR, V. de; BORDINI, M. da G. Literatura: a formação do leitor: alternativas metodológicas. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1988. BAKHTIN, M. (Volochinov). Marxismo e filosofia da linguagem. Trad. de Michel Lahud e Yara Frateschi. 9 ed. São Paulo: Hucitec, 1999. ______. Estética da criação verbal. Trad. de Paulo Bezerra. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010. BORDIEU, P. A dominação masculina. Trad. Maria Helena Kühner. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007. CANDIDO, A. A Literatura e a formação do homem. Ciência e Cultura. São Paulo, Vol. 4, n. 9, p. 803-809, set/1972. DOLZ, J.; SCHNEUWLY, B. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2004. LIMA, W. dos S.; TAVARES, C. R. da S. A representação literária da mulher, o caso de O continente de Érico Veríssimo. In: XVI SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO. 2011, Cruz Alta. Anais... Cruz Alta-RS: Unicruz, 2011. s.p. MARCUSCHI, Luiz Antonio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. Editora: Parábola, 2008. PARANÁ, Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa para a Educação Básica. Curitiba: SEED, 2008. PERINI, M. A. A leitura funcional e a dupla função do texto didático. In: ZILBERMAN, Regina & SILVA, Ezequiel T. Leitura: perspectivas interdisciplinares. 5ª ed. São Paulo: Ática, 2005. PORTO, M. Um diálogo entre os gêneros textuais. Curitiba: Aymará, 2009. SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 1998.