Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
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A FORMAÇÃO DO LEITOR LITERÁRIO ATRAVÉS DE HISTÓRIAS
EXTRAORDINÁRIAS
Evangeline Fatima Santos1
Márcio Matiassi Cantarin2
RESUMO
Este artigo apresenta informações a respeito do trabalho realizado com alunos que frequentam o 9º ano do Colégio Estadual Olindamir Merlin Claudino, localizado no município de Fazenda Rio Grande, no Estado do Paraná. A temática desenvolvida teve como ênfase a formação do leitor literário e os benefícios à escrita que esta pode proporcionar. Vivemos cercados por infinitos textos, verbais e não-verbais, e principalmente por gêneros da internet, textos que se apresentam em suas mais variadas modalidades comunicativas. Diante de tantas possibilidades de leitura, gêneros e suportes textuais é de extrema necessidade incentivar o letramento literário dos alunos. É necessário estimular e consolidar nos leitores em formação o gosto permanente pela leitura literária, ampliando o vocabulário, habilidades orais e escritas e desenvolvendo a criatividade. Diante disso e acreditando que o professor de Literatura deva agir como mediador entre leitor e obra literária, foram apresentadas estratégias para o desenvolvimento de ações no ensino de literatura em sala de aula utilizando contos de Edgar Allan Poe e fundamentadas no Método Recepcional. Este trabalho promoveu o encontro eficaz da leitura, aproveitando os efeitos característicos que o conto fantástico produz em quem o lê, com a escrita, promovendo a criação de textos que, ao final do projeto foram publicados em um livro.
Palavras-chave: Literatura; Escrita; Formação do Leitor.
1 INTRODUÇÃO
O trabalho foi desenvolvido no primeiro semestre do ano de 2014 e realizado
no Colégio Estadual Olindamir Merlin Claudino – EFM, situado no município de
1 Licenciada em Letras Português. Universidade Federal do Paraná. Curitiba/Paraná, 1999. E-mail:
[email protected] 2 Doutor em Letras pela Universidade Estadual Paulista – UNESP/Assis. Professor Adjunto da
Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR/Curitiba. E-mail: [email protected]
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Fazenda Rio Grande, área metropolitana de Curitiba. Contou com a participação
de educandos dos nonos anos, matriculados no período vespertino que
participavam do projeto durante as aulas de Português e no contraturno. Este
artigo visa relatar fatos que permearam o processo de incentivo à formação do
leitor literário utilizando contos fantásticos, mais especificamente, contos de
suspense e de terror de Edgar Allan Poe, como forma de desenvolver as
habilidades de leitura e escrita.
Na realidade, vivemos cercados por infinitos textos, verbais e não-verbais, e
principalmente por gêneros da internet, textos que se apresentam em suas mais
variadas modalidades comunicativas. Diante de tantas possibilidades de leitura,
gêneros e suportes textuais é de extrema necessidade incentivar o letramento
literário dos alunos. É necessário estimular e consolidar nos leitores em formação
o gosto permanente pela leitura literária, ampliando o vocabulário, habilidades
orais e escritas e desenvolvendo a criatividade.
Outro ponto fundamental é o de que a escola deve estabelecer um vínculo
entre a cultura dos jovens e o texto a ser lido. Se assim for feito, o aluno passa a
se reconhecer na obra, porque a realidade representada lhe diz respeito.
Sabemos que os alunos leem com grande interesse e até compulsão os best-
sellers da série Crepúsculo, por exemplo, que são livros amplamente divulgados
por estratégias de marketing e sempre viram filmes. É indiscutível que, mesmo
sendo pelo valor mercadológico sempre é bom ler. Livros como esses atingem
uma gigantesca parcela da população que ainda não começou a enveredar pelos
caminhos literários. No entanto, ler apenas narrativas superficiais e limitadas do
ponto de vista linguístico pode não contribuir para a formação dos alunos.
Nesse sentido, os contos fantásticos de suspense e terror como leitura
literária são imensamente enriquecedores para a formação dos jovens e por
apresentarem características que despertam o interesse dos alunos como lugares
sombrios, escuros, mortes inexplicáveis, crimes a serem desvendados, se
configuram em estratégias interessantes para formar leitores permanentes. E,
sendo contos de Edgar Allan Poe, autor que escreve perfeitamente o horror, o
terror psicológico e o suspense acompanhados do sobrenatural, a probabilidade
dos adolescentes desenvolverem o gosto efetivo pela leitura literária se torna
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grande. A escolha do conto fantástico deu-se por ser um gênero que desperta
certo interesse nos adolescentes que não têm o hábito de ler e acham a produção
escrita muito difícil, como o contexto de minhas salas de aula demonstra.
Para a realização do trabalho citado, foi elaborada uma Unidade Didática.
Esta Unidade Didática apresenta ao professor alternativas metodológicas, através
de atividades para o desenvolvimento de ações educacionais no ensino de
literatura em sala de aula, fundamentadas na sistematização do Método
Recepcional, de Maria da Glória Bordini e Vera Teixeira de Aguiar (1993).
De acordo com sistematização feita pelas autoras Bordini e Aguiar (1993),
o método recepcional se dá com a aproximação entre o texto e o leitor, em que
toda a historicidade de ambos vem à tona. O leitor possui um horizonte que o
limita, mas que pode transformar-se continuamente, abrindo-se. Esse horizonte é
o do seu mundo, com vivências pessoais, sócio-históricas, religiosas, estéticas,
ideológicas, que orientam ou explicam tais vivências. Munido dessas referências,
o sujeito busca inserir o texto apresentado dentro do seu horizonte de valores. Por
sua vez, o texto pode confirmar ou perturbar esse horizonte em termos das
expectativas do leitor, que o recebe e julga por tudo o que já conhece e aceita. O
texto, quanto mais se distancia do que o leitor espera por hábito, mais amplia o
seu horizonte de expectativas. O método está dividido em cinco etapas distintas,
mas articuladas entre si, trabalhando a recepção do leitor diante do texto literário,
horizontes de expectativas que podem ser ampliados ou refutados, conforme os
textos vão sendo apresentados. O material didático, elaborado a partir das cinco
etapas do Método Recepcional de leitura apresentou como temática o medo,
verificando-se de que modo ele é trabalhado e analisado nos diversos gêneros
discursivos, principalmente na obra literária.
O projeto foi desenvolvido em etapas que incluíram leituras para a
fundamentação teórica, apresentação do Projeto de Intervenção Pedagógica e da
Produção Didático-Pedagógica para direção, professores, equipe pedagógica e
funcionários, aplicação das atividades da Unidade Didática e organização do
momento final com lançamento do livro “Os melhores Contos de Terror – OMC”,
tarde de autógrafos e apresentação do musical “Você tem medo de quê?”.
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2 REVISÃO DA LITERATURA
“Ler e escrever faz parte da gente.”, essa afirmação de Lya Luft em artigo
de opinião publicado na Revista Veja, instiga a pensar na importância da leitura e
da escrita em sala de aula (LUFT, 2009, p.22).
O aprendizado da leitura e da escrita é um dos grandes desafios da escola
e um dos mais valorizados pela sociedade.
Mas esse trabalho precisa ser ministrado de forma dinâmica e criativa, é
necessário transformar o ensino da leitura e da escrita. Em relação à leitura, os
professores precisam ensinar a ler e a gostar de ler. Sem uma atenção cuidadosa
às suas práticas pedagógicas de leitura será impossível para o professor criar o
gosto permanente pela leitura. Sobre isso afirma Paulo Freire:
Creio que muito de nossa insistência, enquanto professoras e professores, em que os estudantes “leiam”, num semestre, um sem-número de capítulos de livros, reside na compreensão errônea que às vezes temos do ato de ler. Em minha andarilhagem pelo mundo, não foram poucas as vezes em que os jovens estudantes me falaram de sua luta às voltas com extensas bibliografias a serem muito mais “devoradas” do que realmente lidas ou estudadas. (FREIRE, 2005, p.17)
O mesmo ocorre com a escrita. Muitos identificam a qualidade de seu
trabalho, ou não, com a quantidade de páginas escritas (FREIRE, 2005, p.18).
É preciso, urgentemente, superar estas visões. Diante de tantas
possibilidades de trabalhar a leitura e a escrita em sala de aula é necessário
buscar alternativas que tragam o letramento literário aos alunos e vão ao encontro
de suas preferências. Isso posto, a utilização de contos fantásticos de suspense e
terror se dá pela atração que o gênero provoca. Narrativas envoltas em uma aura
de mistério, criaturas assustadoras e o uso eficaz do medo, um dos sentimentos
mais antigos, garantem a esse gênero uma legião de fãs, conduzidos por mestres
como Edgar Allan Poe, que criou textos que refletem a sociedade e seus maiores
pavores, fundamentados ou não.
2.1 LITERATURA FANTÁSTICA
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A literatura fantástica origina-se da imaginação, é o que não existe no
mundo real. É um tipo de literatura que não tem a menor preocupação em relatar
fatos, próprios desse mundo. A literatura fantástica abrange o imaginário, o
mágico, o surpreendente, o encanto e, até mesmo, o assustador (TELES, 2011,
p.2).
A crítica, no geral, afirma que o aparecimento da narrativa fantástica
enquanto gênero data do final do século XIX. Seu surgimento estaria relacionado
a certos questionamentos quanto às certezas da racionalidade, principalmente
diante de crenças e elementos que contrariavam o pleno desenvolvimento da
ordem burguesa, representante da racionalidade. Dessa forma, ela é fruto do
racionalismo do século XIX, só surgindo após o triunfo da concepção científica do
mundo, quando este já não se ilude apenas nas crenças milagrosas. O que
escapa a ordem racional do mundo passa agora a causar medo, porque a ciência
excluiu de vez o outro mundo, e as pessoas sabem que o mistério não é mais o
que não se pode compreender, mas o que ainda não foi explicado. Atribui-se ao
desconhecido uma importância apavorante e sem conforto. O fantástico seria
assim, a percepção torta de que existem coisas inexplicáveis numa época em que
estas não podem ser consideradas milagres.
Para Todorov, “o fantástico é a hesitação experimentada por um ser que só
conhece as leis naturais, face a um acontecimento aparentemente sobrenatural.”
(TODOROV, 2004, p. 39). Portanto, como não pode mais apelar para o sagrado e
a racionalidade não cumpre mais suas promessas de totalização, surge nas
pessoas o sentimento do fantástico, caracterizado por essa ambiguidade
fundamental que Todorov chama de “hesitação”, e que poderia ser definida pela
falta de capacidade de sustentar totalmente no racional, sem poder se livrar dele.
O fantástico se caracteriza pela hesitação. A incerteza, a hesitação chega ao auge. Cheguei quase a acreditar: eis a fórmula que resume o espírito do fantástico. A fé absoluta como incredulidade total nos leva para fora do fantástico; é a hesitação que lhe dá vida. O fantástico implica, pois, uma integração do leitor no mundo das personagens; define-se pela percepção ambígua que tem o próprio leitor dos acontecimentos narrados. (…) A hesitação do leitor é, pois, a primeira condição do fantástico. A seguir essa hesitação pode ser igualmente experimentada por uma personagem; desta forma, o papel do leitor é, por assim dizer, confiado a uma personagem e ao mesmo tempo a hesitação encontre-se representada, torna-se um dos temas da obra (TODOROV, 2004, p. 36-37).
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Já o século XX foi de grandes descobertas, mudanças de paradigma e a
literatura também sofreu influências consideráveis. Em face do acelerado
desenvolvimento científico, tecnológico, cultural e social, a racionalidade é
superada e já não consegue solucionar algumas dificuldades recorrentes dessas
transformações. O mundo contemporâneo traz conflitos de ordem existencial,
angústia da alma, da mente e, dessa forma, há uma busca da fantasia para
resolver esses problemas. Assim, a literatura fantástica tornou-se um importante
tópico da literatura contemporânea.
Mas indiferentemente à época, a narrativa fantástica não se preocupa em
retratar a realidade, tal como a vivenciamos.
Segundo Coelho, conforme a época, o realismo ou o imaginário acabam
por predominar no ato criador ou no gosto do público (COELHO, 1987, p. 32).
Contudo, em matéria de literatura, nenhuma forma, literatura real ou
literatura irreal, é melhor ou pior. O que existe é uma relação de conhecimento
entre os homens e o mundo em que se encontram.
Ainda a autora chama a atenção para a forma como as narrativas eram
escritas em seus primórdios.
[...] a literatura foi essencialmente fantástica: Na infância da humanidade, quando os fenômenos da vida natural e as causas e princípios das coisas eram inexplicáveis pela lógica, o pensamento mágico ou mítico dominava. Ele está presente na imaginação que criou a primeira literatura: a dos mitos, lendas, sagas, cantos, rituais, contos maravilhosos, novelas de cavalaria, etc. (COELHO, 1987, p. 32).
À medida que o homem avança nos conhecimentos científicos e
tecnológicos, explica os acontecimentos pela razão. No entanto, como nenhuma
conquista da ciência é permanente, a todo tempo aparecem novas descobertas, o
que é verdade hoje, amanhã pode não ser, assim as épocas de convicção na
ciência se misturam com descrenças. Vemos sempre surgir a fantasia e a
imaginação. Mas isso não quer dizer que o tema tratado no gênero fantástico seja
diferente dos assuntos tratados na literatura geral, o que acontece é que no
fantástico existe o discurso figurado elevado ao extremo, chega-se dessa maneira
ao exagero.
Em suma, a narrativa fantástica é preenchida de acontecimentos
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inexplicáveis, fora do nosso cotidiano, que a razão não consegue explicar, e quem
percebe esses fatos estranhos tem que escolher, se eles realmente aconteceram
ou se é algo de sua imaginação.
2.2 EDGAR ALLAN POE
Considerado o precursor do gênero fantástico na literatura, foi escritor,
poeta, romancista e crítico literário. Mas em qualquer aspecto ele é perfeito, como
tão bem define Clarice Lispector.
É importante e brilhante em qualquer um deles. Nas críticas em que fazia guerra às imitações tolas, aos falsos raciocínios, aos barbarismos e a todos os delitos literários que se cometem diariamente nos jornais e nos livros, pregava com o exemplo. Seu estilo é puro, adequado às ideias, dando a elas a expressão exata. (LISPECTOR, 2005, p.7).
Segundo o perfil do autor, apresentado no livro “Histórias Extraordinárias” e
traduzido e adaptado por Clarice Lispector, Edgar Allan Poe nasceu em Boston,
em 1809. Órfão aos três anos, foi adotado por um tio rico, tendo a infância
marcada pela insegurança e amargura.
Seu estilo desregrado levou-o ao rompimento com seus pais adotivos. Em
1835, casou-se com sua prima Virgínia Clemm e assumiu a editoria da revista
Southern Literary Messenger, na qual produziu contundentes críticas literárias.
Ele era, sobretudo, sensível à perfeição da estrutura e à correção da execução; desmontando obras literárias como se fossem peças mecânicas defeituosas (em relação à meta que visam alcançar), apontando cuidadosamente os vícios de fabricação; e, quando passava ao detalhe da obra, à sua expressão plástica, ao estilo, em uma palavra, descascava, sem omissão, as falhas de prosódia, os erros gramaticais e toda essa massa de dejetos, que, entre os escritores que não são artistas, maculam as melhores intenções e deformam, as concepções mais nobres (BAUDELAIRE, 2012, p.16).
Poe mostrou-se também um poeta fabuloso, sendo “O Corvo” um dos
poemas mais traduzidos no mundo. Além disso, elevou o gênero conto do
patamar de anedota a categoria de arte. Baudelaire, surpreendido pela forma
como Poe escrevia seus contos, pontuou:
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O artista, se é hábil, não acomodará seus pensamentos aos incidentes; mas, tendo concebido deliberadamente, a seu bel-prazer, um efeito a produzir, inventará os incidentes, arranjará os eventos mais apropriados para conduzir ao efeito desejado. Se a primeira frase não for escrita de forma a preparar a impressão final, a obra é deficiente desde o começo. Ao longo da composição não se deve soltar uma única palavra que não seja uma intenção, que não tenda, direta ou indiretamente, a percorrer o plano traçado (BAUDELAIRE, 2012, p. 17).
Mas foram seus contos de terror que lhe trouxeram maior reconhecimento,
sendo considerado o precursor da literatura policial ao inventar a figura do
detetive antes mesmo de o termo existir, precedendo Sherlock Holmes.
Foi muito criticado, sobretudo por sua conduta. Depois da morte da esposa
se entregou definitivamente à bebida. Em 1849, foi encontrado inconsciente em
uma rua de Baltimore e morreu três dias depois.
3.3 A LITERATURA FANTÁSTICA DE EDGAR ALLAN POE
Edgar Allan Poe é considerado um dos maiores representantes da
literatura fantástica de suspense e terror. Para Lovecraft, Poe fez o que nenhum
outro autor de contos fantásticos havia feito, e a ele devemos a moderna história
de horror em seu estado final e aprimorado (LOVECRAFT, 2008, p. 62).
O autor afirma:
Antes de Poe, o grosso dos escritores fantásticos havia trabalhado, largamente, no escuro, sem compreender a base psicológica da atração do horror e prejudicados, em maior ou menor grau, pela obediência de certas convenções literárias vazias como a do final feliz, a da virtude recompensada e, em geral, por um didatismo moral oco, a aceitação de valores e modelos populares e o empenho do autor para imiscuir suas próprias emoções na história e se alinhar com os partidários das ideias artificiais da maioria (LOVECRAFT, 2008, p. 62).
Poe, sem dúvida, era um mestre da imaginação. Para Baudelaire, nos
contos do autor, “a imaginação é rainha das faculdades.” No entanto, a
imaginação não é a fantasia, não é a sensibilidade. É uma faculdade quase divina
que percebe tudo com antecedência. O valor que Poe confere a imaginação é tão
grande que faz com que um autor sem imaginação seja um falso autor ou, quando
muito, um autor incompleto (BAUDELAIRE, 2012, p. 16).
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Edgar Allan Poe, em sua época, não obteve nenhum êxito editorial, mesmo
publicando cerca de trinta livros, entre contos, romances, poemas, artigos críticos
e textos teóricos sobre literatura.
Atualmente, a obra Histórias Extraordinárias é considerada um marco na
literatura norte-americana e seu valor é merecidamente reconhecido como tão
bem define Todorov:
A obra de Poe é vasta em gênero e qualidade artística. O autor escreveu desde poemas, a novelas e contos. Exerceu grande influência sobre autores como Baudelaire, Maupassant e Dostoievski. Além disso, Poe é considerado um dos grandes escritores da literatura mundial, não apenas pela variedade, mas também pela extensão de sua produção literária, até mesmo Paul Valery o aclamou como “o mestre da imaginação material” (TODOROV, 2004, p.75).
3 METODOLOGIA
Quanto ao procedimento esta pesquisa foi: uma pesquisa-ação de caráter
bibliográfico que pressupõe a fundamentação teórica a partir da importância
detectada na prática docente em sala de aula e consequente produção de
Material Didático para o projeto de Intervenção Pedagógica.
A pesquisa-ação é uma metodologia muito utilizada em projetos de
pesquisa educacional. Para Vazquez e Tonus, a pesquisa-ação apresenta uma
orientação metodológica que dá condição aos profissionais pesquisadores da
educação de produzir informações e conhecimentos de uso mais efetivo, o que
promoveria condições para ações e transformações de situações dentro da
própria escola (VAZQUEZ e TONUS, 2013, p.2).
A opção pela pesquisa-ação foi tomada em função de ela abranger toda
tentativa continuada e sistemática de aprimorar a prática. É uma estratégia para o
desenvolvimento dos professores e pesquisadores de modo que possam utilizar
suas pesquisas para aprimorar o ensino e, em decorrência, o aprendizado dos
alunos.
Segundo Elliott, a pesquisa-ação faz com que os espaços existentes entre
a pesquisa na área da educação e a prática do professor sejam preenchidos. A
teoria e a prática se completam, e os resultados aumentam a compreensão dos
professores, favorecendo mudanças significativas (ELLIOTT, 1998, p. 15).
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O público-alvo constituiu-se dos alunos dos 9º anos do Colégio Estadual
Olindamir Merlin Claudino – EFM, situado em Fazenda Rio Grande – PR. Os
instrumentos de pesquisa contaram com a observação da prática de sala de aula,
em atividades de leitura/ análise/ escrita; levantamento bibliográfico para a
fundamentação teórica e produção do material didático; aplicação da metodologia
de leitura através dos pressupostos da estética da recepção. Estes pressupostos
consideram a Literatura enquanto produção, recepção e comunicação, ou seja,
uma relação dinâmica entre autor, obra e leitor.
O levantamento bibliográfico constituiu-se da leitura e análise de livros,
artigos, periódicos sobre literatura, leitura e escrita, bem como literatura fantástica
e Edgar Allan Poe. Também pelo acesso a sites confiáveis de pesquisa na
internet.
O 1º e o 2º semestres do PDE 2013 destinaram-se a participação em
cursos e eventos relacionados às questões de pesquisa e temáticas das
disciplinas; leituras e pesquisas para a fundamentação teórica; encontros com o
professor orientador das IES (Instituição de Ensino Superior) para a produção
escrita.
No 1º e no 2º semestres de 2014 ocorreu o retorno para a sala de aula,
onde o professor utilizou o material didático no processo de ensino-aprendizagem.
Esta etapa é denominada de Implementação Pedagógica e foi planejada,
acompanhada e avaliada, constituindo uma das ações mais relevantes do projeto.
No que tange aos métodos, nessa Implementação ocorreu a inserção de
atividades diferenciadas como dinâmica de grupo, teatro, filme, desenho,
associando-os às aulas de leitura. Como afirma Bordini e Aguiar:
Este alinhamento do aluno em toda a dinâmica do processo literário concretiza-se na medida do prazer que o trabalho provoca. As atividades lúdicas vão ao encontro dos interesses da criança e do jovem, que têm no jogo o exercício simbólico das práticas sociais e dos sentimentos humanos. Suscitadas a partir dos textos, estas atividades são expedientes importantes na formação e na continuidade do gosto pela leitura (BORDINI e AGUIAR, 1993, p.26).
Partindo da leitura, posteriormente os alunos tiveram acesso às
características dos contos fantásticos de suspense e terror de Edgar Allan Poe
através de aulas expositivas. Em seguida, produziram contos do gênero, que
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constituíram um livro.
4 DESENVOLVIMENTO DA PRÁTICA PEDAGÓGICA
O projeto foi desenvolvido no primeiro semestre de 2014. Participaram duas
turmas de nonos anos do período vespertino do Colégio Estadual Olindamir
Merlin Claudino - EFM, constituídas por 31 e 33 alunos, totalizando 64 alunos
participantes no projeto.
Para o desenvolvimento deste houve a necessidade da elaboração de um
material didático de apoio, no caso, uma unidade didática composta por
atividades para o desenvolvimento de ações educacionais no ensino de literatura
em sala de aula, fundamentadas no Método Recepcional. A produção desta
unidade didática foi necessária para subsidiar o desenvolvimento do projeto de
intervenção pedagógica, a partir de atividades que tratam do assunto de forma
didática, facilitando a compreensão do educando e favorecendo a melhoria do
processo de ensino-aprendizagem.
A primeira etapa do projeto foi a de, segundo o Método Recepcional,
“determinação do horizonte de expectativas” na qual foi investigado o
conhecimento dos alunos sobre contos fantásticos de suspense e terror, o que
achavam e sabiam sobre. Houve o preparo da receptividade através da dinâmica
“Caixa do Medo”, análise das músicas “Medo” da Pitty e “Medo” dos Titãs, e
produção de paródias do quadro “O Grito” de Edvard Munch. Nesse momento o
interesse dos alunos na participação das atividades foi bastante relevante. Essas
atividades são essenciais para a formação do leitor. Como afirma Silva:
Nessa perspectiva, a Estética da Recepção traz como contribuição a possibilidade de maior liberdade no ato da leitura, sem querer impor uma “leitura correta”. Sua crença na produção dos significados e seus locais de construção, suas interpretações, sempre na área do confronto entre a construção do autor e as reconstruções do leitor; observando as diferenças à luz de mediações históricas e sociais (SILVA, 2013, p.36).
No momento seguinte, foram trabalhados textos literários menos
complexos e atividades que poderiam satisfazer as necessidades dos alunos,
obtendo-se também uma participação considerável dos mesmos.
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Os problemas começaram a surgir nas etapas seguintes, onde além de
introduzir textos e atividades que abalassem as certezas e costumes dos alunos
em termos de literatura ou de vivência cultural, era necessário buscar um
distanciamento crítico do horizonte cultural do aluno, para que as propostas
despertassem maiores exigências interpretativas e extrapolassem o lugar-comum,
fazendo com que os alunos percebessem que as leituras realizadas não eram
apenas para tarefas escolares, mas que se sentissem modificados com relação à
forma como veem o mundo e tomassem consciência das alterações e aquisições,
adquiridas através da experiência literária.
Nesse momento, ficou evidente que os alunos não têm o hábito da leitura e
quando o texto passa de uma página, torna-se penoso. Então, foram necessárias
muitas paradas, conversas e, foi possível perceber que é necessário desmistificar
o conceito que, a priori, ler é prazeroso. Ler, às vezes, é penoso, exige dedicação,
concentração e esforço, principalmente dos adolescentes, que estão sempre
cercados de tantos atrativos que lhes são muito mais interessantes. Dessa forma,
a tarefa tornou-se mais difícil, mas não menos motivadora. Foi necessário fazer
algumas alterações no projeto, como por exemplo, alteração do filme de terror,
indicado pelos próprios alunos, mas previamente assistido pela professora e
autorizado pelos pais. Também foram assistidos vídeos que falavam sobre Edgar
Allan Poe com uma linguagem mais próxima da dos alunos melhorando a
receptividade. Na contação de histórias de terror houve o preparo do ambiente,
com objetos que remetiam ao tema como velas e caveiras, a sala foi escurecida e
a participação dos alunos foi bastante considerável. No momento das produções
percebeu-se que os alunos encantaram-se com a possibilidade de seus contos
serem escolhidos para fazer parte do livro dedicando-se bastante nas reescritas.
A última etapa foi, sem dúvida nenhuma, a mais empolgante. Após o livro
pronto para o lançamento foram criados cenários, figurinos e coreografias.
Elaborou-se um musical de terror que foi apresentado no dia do lançamento do
livro. Para Silva:
O contato com a obra literária necessita ser conduzido de forma prazerosa e encantadora, pois, pela forma coercitiva como muitas vezes ela é introduzida no ambiente escolar, perde sua função fruitiva, condição essencial para deflagrar o processo de formação de leitores (SILVA, 2013, p.22).
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Em relação à educação, sempre que se pensa em Projetos, buscam-se
logo as soluções que sejam mais interessantes e viáveis para que os alunos
tenham interesse e participação nos assuntos trabalhados.
Para a Fundação Educacional George Lucas, muitas pesquisas
acadêmicas estimulam a utilização de projetos no ambiente escolar, afirmando
que estes trazem benefícios como, maior participação dos alunos nas atividades
desenvolvidas, a diminuição da evasão escolar e a melhora na qualidade e do
desempenho dos alunos (LUCAS, 2001, p.2).
Mas, nem sempre tudo o que é proposto num projeto é passível de
execução e, às vezes, alterações são necessárias:
No entanto, o ato de projetar requer abertura para o desconhecido, para o não-determinado e flexibilidade para reformular as metas à medida que as ações projetadas evidenciam novos problemas e dúvidas (PRADO, 2014, p.14).
Como diz Paulo Freire:
Ninguém caminha sem aprender a caminhar, sem aprender a fazer o caminho caminhando, refazendo e retocando o sonho pelo qual se pôs a caminhar (FREIRE, 1997, p.155).
Concomitante ao período de desenvolvimento do Projeto de Intervenção
Pedagógica também aconteceu o Grupo de Trabalho em Rede (GTR), que
compõe uma das atividades do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE)
e se constitui pela interação virtual entre os Professores PDE e os demais
professores da Rede Pública Estadual. O GTR teve como finalidade: proporcionar
aos professores da Rede Pública Estadual uma alternativa de formação
continuada; possibilitar um ambiente de estudo e discussão sobre as
especificidades do cotidiano escolar; estimular o aprofundamento teórico-
metodológico por meio da troca de ideias e experiências sobre as diversas áreas
do currículo escolar; socializar o Projeto de Intervenção Pedagógica na Escola,
bem como suas etapas de desenvolvimento, com os demais professores da
Rede.
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As atividades desenvolvidas no GTR permitiram a interação dos
participantes, bem como o intercâmbio de conhecimento entre os mesmos.
Através deste pode-se perceber que a questão da formação do leitor literário tem
sido pensada por muitos professores de Português preocupados com os rumos
que a leitura vem seguindo nas escolas. Uma professora relatou:
Na árdua (e feliz) tarefa de cativar leitores e manter os que já são assíduos, o texto literário é fator importante, pois para a maioria dos alunos a escola é o único lugar que terão a oportunidade de entrar em contato com ele. Alguns serão seduzidos por ele e ficarão eternamente apaixonados, outros não se deixarão influenciar tão profundamente, mas um dia hão de lembrar-se do esforço que fizemos (M.L., 2014).
A unidade didática produzida para auxiliar o desenvolvimento do projeto,
teve boa aceitação perante o grupo, pois segundo relatos contribuirá para o
desenvolvimento de um trabalho de formação do leitor literário. Outro aspecto
exposto se deu quanto às atividades propostas na unidade, considerando-as
criativas, interessantes com uma linguagem de fácil entendimento para qualquer
pessoa. Alguns professores já puderam aproveitá-la com suas turmas.
O desenvolvimento deste GTR foi muito importante, pois os participantes
contribuíram efetivamente com o processo seja por meio de estímulos ou por
sugestões dadas durante o desenvolvimento das temáticas. Houve qualidade no
teor das respostas dos cursistas e muita interação entre os mesmos. Percebeu-se
que a problemática da formação do leitor literário está presente entre as
preocupações dos educadores do Estado e muitas ações positivas neste sentido
têm sido desenvolvidas. Para Ezequiel Theodoro da Silva:
Modernamente, o único reduto onde a leitura ainda tem a chance de ser desenvolvida é a escola. O fracasso da escola nessa área significa a morte dos leitores através dos mecanismos de repetência, evasão, desgosto e/ou frustração. A qualificação e a capacitação contínua dos leitores ao longo das séries escolares colocam-se como garantia de acesso ao saber sistematizado, aos conteúdos do conhecimento que a escola tem de tornar disponível aos estudantes (SILVA, 2005, p.39).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ler e escrever com propriedade é um processo complexo. Não se adquire o
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hábito de ler, se conquista dia a dia. Sendo assim, é tarefa primordial do professor
buscar metodologias diversificadas de ensino. Também cabe ao professor
demonstrar seu contato com textos e a forma como a leitura atua e modifica a
vivência dos indivíduos.
A formação do leitor literário não acontece isolada na sala de aula e deve
estar articulada às práticas de produção e análise de textos bem como atividades
diversificadas, para que se caracterize como conhecimento de opções, que à
medida que se tornam conscientes, podem ir sendo utilizadas pelos alunos para
seus propósitos de leitores e autores.
O desafio dessas práticas está na escolha de uma metodologia adequada.
Neste trabalho comprova-se que o Método Recepcional é um caminho possível
para melhorar aulas de leitura e formar leitor literário. O fato de ele ir acontecendo
passo a passo, partindo do que o aluno conhece facilita para que o mesmo vá
construindo o processo junto com seu professor. O Método Recepcional, por ser
dinâmico e bem definido, facilita o trabalho do professor e a compreensão e
participação dos alunos.
A utilização de contos de suspense e terror de Edgar Allan Poe contribuiu
decisivamente para o sucesso do projeto. Assim, pode-se afirmar que as aulas de
leitura, quando bem preparadas, podem sim formar leitores permanentes.
REFERÊNCIAS
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