OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Produções Didático-Pedagógicas
Versão Online ISBN 978-85-8015-079-7Cadernos PDE
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FICHA PARA IDENTIFICAÇÃO
PRODUÇÃO DIDÁTICO – PEDAGÓGICA
Título: Escravidão, Cotidiano e Historiografia: o uso da fotografia enquanto
fonte histórica para o Ensino da História e Cultura afro-brasileiras.
Autor: Isabel Uliana
Disciplina/Área:
História
Escola de Implementação do Projeto e sua localização:
Escola Estadual Princesa Izabel – Ensino Fundamental, situado Rua Carlos Roberto Seghezzi, 1386.
Município da escola: Paiçandu
Núcleo Regional de Educação: Maringá
Professor Orientador: Profª Dra Vanda Fortuna Serafim
Instituição de Ensino Superior: Universidade Estadual de Maringá
Relação Interdisciplinar:
História e Sociologia
Resumo:
A unidade didática objetiva apresentar novas perspectivas historiográficas sobre os estudos de escravidão, para tanto, buscará analisar fotografias como fonte histórica para ensinar escravidão; destacar os aspectos culturais e cotidianos da vida dos escravos no Brasil e apresentar uma perspectiva que priorize a percepção dos escravos africanos enquanto sujeitos históricos.
Palavras-chave:
História. Educação. Escravidão. Cotidiano.
Fotografia.
Formato do Material Didático: Unidade didática
Público:
Alunos do 9° ano
ISABEL ULIANA
ESCRAVIDÃO, COTIDIANO E HISTORIOGRAFIA: O USO DA
FOTOGRAFIA ENQUANTO FONTE HISTÓRICA PARA O ENSINO DA HISTÓRIA
E CULTURA AFRO-BRASILEIRAS.
MARINGÁ
2014
ISABEL ULIANA
ESCRAVIDÃO, COTIDIANO E HISTORIOGRAFIA: O USO DA
FOTOGRAFIA ENQUANTO FONTE HISTÓRICA PARA O ENSINO DA HISTÓRIA
E CULTURA AFRO-BRASILEIRAS.
Produção Didático-pedagógica apresentada à
Coordenação do Programa de Desenvolvimento
Educacional-PDE, da Secretaria de Estado da Educação
do Paraná, em convênio com a Universidade Estadual
de Maringá como requisito para o desenvolvimento das
atividades propostas para o período de 2014/2015 sob
orientação da Profª Dra Vanda Fortuna Serafim.
MARINGÁ
2014
LISTA DE FOTOGRAFIAS
Fotografia 01 – Monjolo
Fotografia 02 – Mina
Fotografia 03 – Retrato de escravo não identificado
Fotografia 04 – Retrato de escravo não identificado
Fotografia 05 – A roda da mandioca
Fotografia 06 – A cozinha na roça
Fotografia 07 – Escravo descansando após trabalho
Fotografia 08 – Vendedor de aves
Fotografia 09 – Escravo na colheita de café
Fotografia 10 – Quitandeira na rua do Rio de Janeiro
Fotografia 11 – Negra com filho
Fotografia12 – Senhora na liteira
Fotografia 13 – Retrato de grupo sem identificação
Fotografia 14 – Retrato casal
Fotografia 15 – Ama de leite
Fotografia 16 – Crianças negras
Fotografia 17 – Mulheres negras
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1. APRESENTAÇÃO
O presente trabalho tem por finalidade apresentar novas perspectivas
historiográficas sobre os estudos de escravidão. Acredita-se que a partir do século
XIX a análise de fotografias como fonte histórica pode ser uma importante
abordagem para ensinar escravidão. Especialmente, na medida em que possibilita
destacar os aspectos culturais e cotidianos da vida dos escravos no Brasil. Visa-se,
dessa maneira, apresentar uma perspectiva que priorize a percepção dos escravos
africanos enquanto sujeitos históricos.
O conteúdo trabalhado na disciplina de História só é relevante para os alunos
se os mesmos compreendem o porquê de estudá-los, isto é, que transformações
esses conteúdos podem trazer em seu dia a dia, na sociedade que estão inseridos.
Refletir sobre escravidão, implica em repensar temas da sociedade atual como a
valorização da cultura afro- brasileira, a luta contra a discriminação, a busca pelo
respeito ao ser humano sem distinção de cor, credo ou classe social.
Discutir sobre a escravidão e o cotidiano dos escravos atende ao proposto
pela Lei 10.639 que ressalta a importância do trabalho que valorize a presença da
cultura afro-brasileira e africana na sociedade, e permite resgatar o que é primordial
na figura do escravo: o ser humano. Neste sentido, apresentá-los como formadores
e constituintes da sociedade brasileira representa não negar a sua historicidade,
mas considerá-los sujeitos históricos.
Partindo deste princípio o trabalho tem como respaldo discussões ancoradas
em uma historiografia que aborda o escravo não como um ser anômico, mas como
articulador de estratégias para que sua vida na senzala fosse possível de ser vivida.
Esta análise se distancia da visão da historiografia tradicional que aponta o escravo
como mercadoria valiosa, indispensável para a construção do Brasil colonial, e
apenas isto.
Verifica-se assim que a visão tradicional mantém-se ainda arraigada nos
discursos dos livros didáticos. É preciso, pois ir além, transpor esse discurso,
possibilitando um conhecimento mais amplo para os alunos.
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2. POR QUE ESTUDAR A ESCRAVIDÃO?
Pensando particularmente na escravidão brasileira, as discussões vigentes
acerca do tema até o século XIX traziam uma concepção tradicional de
interpretação, isto é, a maioria dos estudiosos que se propuseram a debruçar sobre
o tema, para analisá-lo, discutiam basicamente do ponto de vista econômico.
Enfatizava-se a visão dos escravos africanos como seres anômicos. A importância
dos escravos pautava na contribuição destes para o desenvolvimento econômico do
país no sentido de ser uma mercadoria indispensável para a exploração agrícola
brasileira.
As costas brasileiras receberam por quase três séculos aproximadamente
quatro milhões de africanos que ao desembarcarem transformavam-se em produtos
e eram vendidos. A partir da negociação realizada eram, por seus donos, destinados
a ocupações diversas, indo desde o trabalho na lavoura, extração de minerais
valiosos, até carregadores de dejetos humanos. No Brasil do século XIX, ter escravo
representava status social. Quanto mais poder, maior era o número de escravos que
o indivíduo possuía. A escravidão se fez, então, como parte da história da formação
de nosso país. A naturalização deste processo é facilmente encontrada nas obras
escritas por todo o período em que este sistema esteve presente e permaneceu
praticamente por todo o século XIX.
Por ser a escravidão uma prática de comunidades africanas, justificava-se
assim todo o processo a qual foram submetidos os escravos africanos. Através do
tráfico transatlântico eram conduzidos à escravidão e esta seria capaz de
transformá-los em filhos de Deus. Ao serem escravizados estariam livres da barbárie
que viviam enquanto gentis, dando a oportunidade de salvarem suas almas. Há que
se destacar, todavia, que a escravidão a que foram submetidos na América,
especificamente no Brasil, adotou nuances diferentes daquela que muitos tinham
presenciado em sua terra natal. O número de indivíduos escravizados, a riqueza
proporcionada pelo tráfico, a quantidade de africanos mortos por diversos motivos,
fosse durante as viagens ou nas fugas, intensificou rivalidades, destruiu famílias,
comunidades.
A historiografia tradicional destaca a escravidão como a mão de obra
essencial no cultivo da cana de açúcar, apontando que a manutenção da economia
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canavieira só foi possível devido ao trabalho escravo. Embora não haja
convergência entre os autores tradicionais consagrados na História do Brasil, é
possível observar um discurso com algumas similitudes quanto à valiosa mercadoria
que os escravos representavam e a ausência de aspectos humanos para esses.
Não se trata aqui de realizar uma crítica a esses autores, nem de negar a
importância destes para a compreensão de aspectos diversos referentes à
escravidão. As discussões por eles realizadas estão inseridas dentro de um contexto
específico, isto é, para compreendê-las é necessário relacioná-las com o momento
histórico em que foram produzidas. A importância da contribuição destes para a
História do Brasil é inegável.
Mas trata sim, de refletir sobre os pontos que ficam ausentes nessas
abordagens, aspectos fundamentais para compreender o escravo sob uma
perspectiva que privilegie suas expectativas, suas vidas, as táticas utilizadas para
sobreviver à escravidão. Realizando alguns apontamentos sobre a historiografia
tradicional em relação a História do Brasil, podemos citar Sodré quando este afirma
que o comércio negreiro ao fornecer braços para a lavoura canavieira possibilita o
progresso desta. (SODRÉ, 1939). Em discursos que apresentam as mesmas
conotações temos ainda Paulo Freyre (1933), Caio Prado Junior (1978), Florestan
Fernandes (1965). As análises destes autores coadjuvam para a total ausência de
instituição familiar entre os escravos e da negação de sua historicidade.
Caio Prado (1978), afirma que os escravos não tiveram participação no
processo da escravidão, embora fossem a maioria da população. Em Florestan
Fernandes (1965), a destruição das normas familiares resultou em uma
desmotivação para a formação de famílias ao longo do tempo. Tem-se então uma
perspectiva historiográfica em que acentua a ênfase da inviabilidade dos escravos
terem criado organizações, corroborando neste aspecto para que prevaleça
sobremaneira a destituição de valores e sentimentos em relação a estes.
Uma historiografia mais recente, todavia, preocupada com novos problemas,
novas abordagens e novos objetos, possibilitou novas reflexões sobre a história do
escravo no Brasil. Discutindo sobre essa vasta historiografia, Lara (1998), observa
que os escravos foram excluídos dessa história. Nas discussões sobre a história do
trabalho, as referências são sobre os imigrantes, estabelecendo uma ruptura entre
escravidão e trabalho livre. Esta ausência também se faz presente nos livros
didáticos. Todavia, os escravos não desapareceram do cenário brasileiro após a
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abolição. Eles estavam presentes, convivendo com os imigrantes em diversos
contextos, como nas fábricas ou no campo.
A exaltação do imigrante branco, associado a incapacidade do negro para o trabalho e a afirmação da passividade dos nacionais devidamente depuradas de seus termos racistas, reapareceu na base das teses reformuladas pelos sociólogos e historiadores do século XX sobre a transição da escravidão para o trabalho livre, da substituição do escravo negro pelo imigrante italiano. (LARA, 1998, p. 29).
A historiografia também exclui o escravo liberto das discussões sobre o
movimento operário. O sujeito histórico novamente é o homem branco que provindo
de outros países, constrói a nossa história. De acordo com Lara (1998), “De modo
geral, a oposição entre escravidão e trabalho livre, e o paradigma da ‘transição’ e da
substituição encarregaram de afastar os ex-escravos da cena histórica”. (LARA,
1998, p. 33). Lara aponta ainda que foi no final do século XIX que o escravo durante
e após a abolição começa a ganhar espaço nas discussões historiográficas e
demais áreas.
Escravo ou liberto, esses seres são indivíduos sociais, que estabelecem relações diversas, possuem organizações e ações perante a sociedade da qual estavam inseridos. As novas interpretações, as diversas fontes tornam possíveis “[...]. acompanhar por algumas décadas as histórias de vida de alguns libertos e verificar o quanto os laços de solidariedade [...] bem como práticas econômicas e sociais, construídas no período do cativeiro, forma reservadas e preservadas na liberdade.” (LARA, 1998. p. 34).
Em grande parte dos livros didáticos de História, há ainda uma abordagem
enfática sobre o trabalho dos escravos nos engenhos. Não que esse aspecto não
deva ser trabalhado com os alunos, mas é preciso que novos sujeitos históricos
também sejam abordados, para que esses analisem a História em todas as suas
dimensões. As discussões sobre o cotidiano dos escravos não é nova, iniciou-se no
século XX, e é pouca ainda a presença desse novo olhar nos livros utilizados nas
escolas.
Há no discurso tradicional sobre a escravidão a predominância do uso de
fontes escritas, o que era característico daquele período. Os historiadores apoiavam
suas análises, suas interpretações a partir da verdade que acreditavam estar posta
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por esses documentos. A análise possibilitada pelo uso de novas fontes representa
também novas reflexões. E isso deve ser oportunizado também em sala de aula,
para que os alunos se apropriem das novas pesquisas que vão sendo realizadas e
construam novos conhecimentos.
Ao analisar novas perspectivas de leitura sobre a escravidão, tendo como
marco o século XIX da História do Brasil, significa oferecer aos alunos não uma
história construída por poucos, mas uma história produzida por diferentes sujeitos.
Essa mudança na forma de olhar para a História representa uma mudança de
conduta social, estimulando a construção de um conhecimento mais significativo
para suas ações. Possibilitar aos alunos pensar historicamente implica em
reconhecer que o conhecimento histórico é construído em uma ação conjunta, e a
História não seja organiza a revelia disto.
Atividades
Questões para refletir o conceito de escravidão:
- O que é ser escravo?
- O que é ser livre?
Discutir junto aos alunos a importância da fotografia como fonte histórica.
- Menção a artificialidade de fotografias nas diversas redes sociais pode ser
salutar a compreensão de a fotografia não é sinônimo de verdade.
Sugestão de vídeo:
"A escravidão no Brasil em fotos reais inéditas"
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=jRZRa4H8674. Acesso:
11/11/2014.
Problematizando o vídeo:
- Quem são os personagens retratados?
- Quais características dos personagens são percebíveis nas imagens?
- Que experiências os retratados trouxeram consigo?
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Análise da música “Vida de negro” de Dorival Caymmi, refletindo sobre a vida dos
escravos a partir de sua saída da terra natal.
Vida de Negro Dorival Caymmi
Lerê, lerê, lerê, lerê, lerê Lerê, lerê, lerê, lerê, lerê Lerê, lerê, lerê, lerê, lerê Lerê, lerê, lerê, lerê, lerê
Vida de negro é difícil, é difícil como o quê Vida de negro é difícil, é difícil como o quê
Eu quero morrer de noite, na tocaia me matar Eu quero morrer de açoite se tu, negra, me deixar
Vida de negro é difícil, é difícil como o quê Vida de negro é difícil, é difícil como o quê
Meu amor, eu vou-me embora, nessa terra vou morrer Um dia não vou mais ver, nunca mais eu vou te ver
(Disponível em: http://letras.mus.br/dorival-caymmi/1622447/. Acesso: 11/11/2014.)
Excerto para reflexão:
Texto 1: “Por que sentiria o pai [escravo] as austeras e tantas alegrias do trabalho?”, perguntava o viajante francês Charles Ribeyrolles, em seu livro Brazil pittoresco (1859). “Ele não tem interesse algum na terra, na colheita. O trabalho, para ele, é aflição é suor, é a servidão.” Da mesma maneira, “por que manteria a mãe seu cubículo e os filhos limpos? Os filhos lhe podem ser tomados a qualquer momento, como os pintos ou os cabritos da fazenda, e ela mesma não passa de um semovente”. A partir desse raciocínio, Ribeyrolles concluía que nas senzalas “não há famílias, apenas ninhadas”. O passado, para os escravos, era a “dor”, enquanto o futuro estava “fechado”. Portanto, eles não podiam criar símbolos que cintilasse a memória, iluminando-lhes o que vinha pela frente. Um “galho de roseira seco”, para um velho trabalhador Frances, poderia lembrar-lhe “a pátria [...], a mãe ou a noiva” e confortá-lo na hora do encontro com a morte. Já “nos cubículos dos negros, jamais vi uma flor: é, que lá não existem nem esperanças nem recordações”. (RIBEYROLLES, 1859, apud SLENE:S, 139).
Indicação complementar: Conto Pai contra mãe
Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000245.pdf
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3. A FOTOGRAFIA COMO FONTE HISTÓRICA
O ensino de História para a atualidade tornou-se um desafio para os
professores. Os alunos inseridos em um mundo repleto de informações, de
tecnologia apresentam desinteresse e desmotivação. Consideram as aulas de
História distante de suas realidades. Diante desse quadro o uso das fontes históricas
nas aulas é de extrema importância para auxiliar os alunos na compreensão e na
reflexão crítica acerca dos conteúdos abordados.
O uso das fontes possibilita também a realização do diálogo entre passado e
presente, tornando os assuntos discutidos em sala significante para o dia a dia dos
alunos, para a compreensão da sociedade da qual eles fazem parte. Há que se
destacar, porém, que as fontes não devem ser usadas apenas como ilustração,
assim sendo, elas estarão descaracterizadas do seu real significado no processo
ensino-aprendizagem.
O papel do professor é fundamental na utilização das fontes históricas em
suas aulas. As indagações, as análises realizadas oportunizará aos alunos a
elaboração do conhecimento histórico significativo para a vivência em sociedade
bem como na apropriação dos conteúdos. Como afirmam Schmidt; Cainelli (2009),
“[...], para o ensino de história, o trabalho para entender e desvelar o discurso
histórico impõe uma atividade incessante e sistemática com o documento em sala
de aula.” (SCHMIDT; CAINELLI, 2009, p. 111).
O uso da fotografia como fonte para o trabalho do historiador é algo recente.
Embora existam algumas preocupações em torno do trabalho com a fotografia,
como o aspecto ilustrativo que ela pode ocasionar, não há, todavia como negar o
aspecto histórico que ela traz. A fotografia amplia o leque de análise, de
desconstruções que o professor pode proporcionar junto aos alunos frente aos
conteúdos trabalhados, como no caso especifico da escravidão e cotidiano no
século XIX.
Ao fazer a opção da fotografia para discutir com mais afinco o século XIX, foi
partindo do princípio de que a fotografia é de fato um produto social, assim ela traz
consigo partes de uma história, estabelecendo relações entre passado e o presente.
(CANABARRO, 2005).
Outro ponto que merece destaque é que a fotografia traz em cena diferentes
sujeitos e seu cotidiano, tantas vezes deixados no obscurantismo por outras fontes.
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As imagens fotográficas possibilitam ampliar a visão do historiador, colocam em cena atores sociais em diferentes situações de atuação e permitem que conheçam os cenários onde atividades cotidianas desenvolvem-se, como também, a diversidade de articulações e das vivências dos atores sociais que atuavam em um determinado contexto sociocultural. (CANABARRO, 2005, p. 27).
Um ponto comum entre os estudiosos da fotografia é de que ela, assim como
os demais documentos, não fala por si só.
[...] o pesquisador procurará de acordo com as suas hipóteses, indagar ao documento aquilo que ela não deseja revelar, priorizando as informações, ou as “pistas” contidas nas “entrelinhas” do mesmo, sem perder a perspectiva do contexto histórico [...]. (Albuquerque, 1997, P. 228).
De acordo com Miriam Moreira Leite (1993), é preciso realizar uma
abordagem crítica para que a fotografia se revele. Adotar a fotografia como fonte
requer uma postura daquele que a observa. O que em evidência nas imagens, por
vezes pode ir além do que se vê, do que transparece. Para realizar a leitura de uma
fotografia, há que ser conhecedor do contexto retratado, buscar o que não está
visível. Assim conhecer o assunto, o tema, a história mostrada pela fotografia dará
sentido ao olhar para ela. É fundamental também conhecer o contexto histórico dos
fotógrafos por aqueles que estudam sob o respaldo desta. “Jamais se poderão
decodificar tais informações [...] se não houver um mergulho naquele momento
histórico”. (KOSSOY, 2012, p. 166).
E a fotografia representaria um momento congelado determinado pela
vontade de alguém: do fotógrafo, do fotografado? Frente a essas considerações
Kossoy (2012), assinala que “Toda fotografia tem sua origem a partir do desejo de
um indivíduo que se viu congelado em uma imagem, um aspecto da vida real, em
determinado lugar e época.” (KOSSOY, 2012, p. 38). O autor destaca, ainda, a não
neutralidade da fotografia, “[...] ela é resultado da ação do homem, do fotógrafo, que
em determinado espaço e tempo, optou por um assunto em especial e que, para seu
devido registro emprega os recursos pela tecnologia”. (KOSSOY, 2012).
Da mesma forma para Leite (1993), “[...]. A fotografia é uma redução e um
arranjo cultural e ideológico do espaço geográfico num determinado espaço
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geográfico, num determinado instante”. (LEITE, 1993, p. 19). De acordo com Kossoy
(2012), a partir da fotografia ampliou também a forma de obter conhecimento.
Através dela pode-se conhecer o mundo, sendo que este mundo se tornou mais
familiar. Entretanto, esse conhecimento pode ser ao mesmo tempo amplo e também
fragmentário. (KOSSOY, 2012).
De forma semelhante ao que ocorre com o texto escrito, ao realizar a leitura
da fotografia é preciso ler as ‘entrelinhas’, isto é, perceber o que ela reproduz do
grupo retratado, o que ela silencia desse grupo e os indícios que permitem ao
observador sentir outras realidades como sentimentos, normas sociais, rebeldia.
(LEITE, 1993, P. 75). Sobre esse aspecto Kossoy enfatiza que é um engano pensar
que ao usar a imagem pode-se abdicar do signo escrito. Resalta também que toda
fotografia tem atrás de si uma história e representa um artefato do passado.
(KOSSOY, 2012).
Neste sentido fica evidente que enquanto fonte para estudar o passado,
assim como outra fonte, a trajetória da fotografia deve ser recuperada, pois assim
possibilita pensar na análise que poderá ser efetivada.
Kossoy (2012), alerta para um aspecto central em relação ao uso da
fotografia.
[...]. A imagem fotográfica pode e deve ser utilizada como fonte histórica. Deve-se, entretanto ter em mente que o assunto registrado mostra apenas um fragmento da realidade, [...] é o resultado de uma seleção de possibilidade de ver, [...], cuja decisão cabe exclusivamente ao fotografo, [...]. Reside nesta seleção uma primeira manipulação/ interpretação da realidade, [...]. (KOSSOY, 2012, p. 119).
A fotografia foi desenvolvida no século XIX e chegou ao Brasil na década de
1940. D. Pedro era um apaixonado por fotografias, e aos 15 anos tornou-se o
primeiro fotógrafo brasileiro. Todavia, não foi a partir das lentes de fotógrafos
brasileiros que a imagem do Brasil era difundida no exterior, mas sim das lentes de
estrangeiros. Foi assim, sob olhar desses estrangeiros, que aqui transitaram que a
imagem do Brasil foi desenhada. Neste momento a fotografia ganha contornos de
reprodutora da imagem da elite imperial. Neste contexto Mauad (1997), chama a
atenção para a importância da fotografia.
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“Numa sociedade em que a maioria da população era analfabeta, tal experiência possibilita um novo tipo de conhecimento, mais imediato, mais generalizado, ao mesmo tempo em que habilita os grupos sociais a formas de auto-representação até então reservadas à pequena parte da elite que encomendava a pintura de seu retrato. (MAUAD, 1997, p. 189).
Neste momento não cabe dar ênfase a discussão do papel da fotografia junto
à elite imperial, e aos padrões que pretendia divulgar com ela. Cabe apenas
destacar que a fotografia não ficou restrita apenas a elite, as demais camadas
sociais também passaram a ter acesso a ela e se adequar aos moldes do padrão
europeu para serem fotografados. Por meio da fotografia buscou transparecer a
imagem de um Brasil moderno e exótico.
Ateliês fotográficos se espalharam pelo Brasil. Nesses ateliês ou pelas ruas
das cidades os fotógrafos produziram inúmeros cartes de visite, dos escravos em
suas atividades diárias. Essas fotografias retratavam temas mais amplos do que os
abordados pelas pinturas sendo comercializadas nas cidades pelos fotógrafos.
Como aponta Mauad (1997):
“Alguns fotógrafos produziram imagens de escravos dentro e fora de seus ateliês. [...], em que os escravos apareciam em atividades cotidianas, encenadas nos estúdios dos fotógrafos; em outras, posavam em trajes bem cuidados, as mulheres com turbantes e os homens de terno, mas todos descalços. (MAUAD, 1997, p. 205).
A fotografia trouxe nova roupagem à visualidade no Brasil antes centrada na
pintura de artistas renomados como Jean- Baptiste Debret e Johann Moritz
Rugendas. A ela veio a reiterar temas tratados pela pintura como o belo, e a
imitação da natureza, todavia procurou dar-lhes novos significados. As fotografias
dos negros e libertos surgem então em um mercado de imagem já existente e com
padrões pré-estabelecidos pela pintura, entretanto devem ser entendidas a partir do
princípio da alteridade.
De acordo com Mauad (1997), o retrato fotográfico do tipo carte de visite era
produzido em massa e sua importância para a história é indiscutível, pois conserva a
fisionomia de diferentes tipos humanos e de grupos sociais diversos. (MAUAD,
1997).
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A presente proposta terá então como norte algumas fotografias produzidas
neste período.
Em sala de aula a fotografia adquire as mesmas características que possui
nas mãos do historiador. Pensando que o conhecimento histórico deve ter
significado para o aluno, propiciando a ele condições para a compreensão do
processo histórico, propõe-se ampliar o leque de interpretação sobre escravidão.
Atividades
Analisar as fotografias: “10 raras fotografias de escravos brasileiros feitas 150
anos atrás”. Disponível em: http://www.historiailustrada.com.br/2014/04/raras-
fotografias-escravos-brasileiros.html#.U150fvldUX9. Acesso: 11/11/2014.
Questões sugeridas:
- Quais os aspectos das imagens que mais chamam a atenção? Por quê?
- Quais fotos representam a realidade e qual foto transparece como uma
representação momentânea?
- Analisar a legenda de cada foto.
Leitura de imagem de Jean-Baptiste Debret “Escravas negras de diferentes nações”
Disponível em: http://negromidiaeducacao.xpg.uol.com.br/repres _escravo.htm.
Acesso: 11/11/2014.
Questões sugeridas:
- Em que aspectos a imagem representa ou não o real da época?
- É possível relacionar as características observadas na imagem com as
características observadas nas mulheres negras na atualidade?
Sugestão de letra de música para ser trabalhada: “Zumbi” de Caetano Veloso
Disponível em: http://letras.mus.br/caetano-veloso/919300/. Acesso:
11/11/2014.
Indicação complementar: Documentário: “Quanto Vale Ou É Por Quilo” Disponível
em: http://www.youtube.com/watch?v=fZhaZdCqrHg. Acesso: 11/11/2014
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4. FOTOGRAFIAS E FOTÓGRAFOS ANALISADOS
A viabilidade do trabalho com fotografias no Brasil do século XIX, se efetiva
devido ao grande acervo que existe desta fonte, corroborando com a construção do
conhecimento a partir dela. O historiador Boris Kossoy, que desde a década de 1970
se firmou como um dos grandes teóricos e historiadores da fotografia do Brasil, em
seu livro O olhar europeu: o negro na iconografia brasileira do século XIX (1994), faz
uso da fotografia e por meio dela analisa o olhar que o europeu em visita ao Brasil
tinha sobre o escravo africano. Essa análise reafirma que as informações presentes
nas imagens fotográficas muitas vezes transparecia o que se deseja ver. O olhar do
fotógrafo se sobrepunha ao desejo do fotografado.
O livro é composto por pinturas, fotografias que expressam esse olhar
estrangeiro em relação ao negro e a escravidão no Brasil. Nestas é possível
observar as diversidades culturais captadas pelos artistas sem, contudo questioná-
las. Partindo, em específico, de algumas fotografias presentes no livro, pretende-se
pensar que “as fontes iconográficas nas suas diferentes modalidades nos informam
não apenas acerca dos assuntos retratados, mas principalmente acerca dos próprios
autores das representações.” (KOSSOY, 1994, p. 174).
Realizando uma análise das fotografias, Kossoy (1994), retira delas o que
ficou ausente no olhar do europeu, levantando questionamentos, rompendo com a
construção de uma verdade estabelecida sobre os escravos africanos. Verdade essa
que coloca no ostracismo os escravos, trazendo em cena apenas um cenário: o
trabalho nos engenhos.
Originária de um mesmo continente, aquela população negra apresentava de fato, diferenças étnicas salientadas por marcas de nações, etnias e portos de origem. Marcas de etnia foram representadas a partir de traços fisionômicos, cor da pele, sinais no rosto, e até mesmo, por traços psicológicos. (KOSSOY, 1994, p. 27).
As fotografias utilizadas para análise foram realizadas pelos fotógrafos José
Christiano Henriques Junior, Victor Frond, Marc Ferrez, do brasileiro Militão Augusto
de Azevedo e pelo fotógrafo teuto-brasileiro Alberto Henschel.
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4.1 José Christiano Henriques Junior
Christiano Junior nasceu em Portugal e se mudou para o Brasil no ano de
1855. Iniciou a atividade como fotógrafo por volta de 1860. Suas fotografias
representam uma oportunidade para conhecer a população que viveu no Rio de
Janeiro da década de 1860, bem como suas características. O que mais chama a
atenção no trabalho de Christiano Junior são os retratos da população cativa do Rio
de Janeiro, realizada em forma de Carte de visite1. Neste consta a identificação da
região de origem, evidenciando assim a diversidade desta população. Nas
fotografias de corpo inteiro é possível identificar também os diferentes ofícios
realizados pelos negros nas cidades como escravos de ganho, barbeiros,
vendedores, etc.
Fotografia 01
Jose Christiano de Freitas Henriques Jr. MONJOLO (segundo identificação do
fotógrafo), c. 1865. Fonte: Kossoy, 1994, p.41
Fotografia 02
José Christiano de Freitas Henriques Jr. MINA (segundo identificação do autor), c.
1865 Fonte: Kossoy, 1994, p.39
1carte-de-visite era uma pequena foto colada sobre um retângulo de papelão rígido do tamanho de um cartão de
visita. Emoldurado por desenhos de flores e arabescos, fez na França a fortuna de seu inventor – André
Adolphe Eugène Disdéri (1819-1889) – e se espalhou pelo mundo.
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Fotografia 03
José Christiano de Freitas Henriques Jr. Retrato de escravo não identificado, c.
1865 Fonte: Kossoy, 1994, p.134
Fotografia 04
José Christiano de Freitas Henriques Jr. Retrato de escravo não identificado, c.
1865 Fonte: Kossoy, 1994, p.152
4.2 Victor Frond
O trabalho escravo foi observado e fotografado pelo viajante estrangeiro tanto
nos engenhos, nas minas e nas cidades. “Era fundamental registrar detalhes e
sequências das atividades do trabalho escravo: verdadeira força- motriz da máquina
que movia a economia de um país atrasado tecnológica e culturalmente” (KOSSOY,
1994, p. 71).
Victor Frond nasceu na França e, filho de pequenos proprietários, trabalhou
no corpo de bombeiros, mas opositor da revolução de 1851 foi enviado á prisão de
Argélia. Fugiu e exilou-se na Inglaterra, indo após para Lisboa onde se tornou
fotógrafo. Frond abriu um estúdio no Rio de Janeiro entre 1858 e 1862. Em 1859
participou da elaboração do 1º livro de registros fotográficos no Brasil: Le Bresil
Pittoresque. O texto é de Charles Riberyrolles. Neste é apresentado paisagens do
país e fotografias2 do cotidiano, inclusive de escravos. De acordo com Kossoy
(1994):
2 Suas fotografias, tomadas por volta de 1859, prestaram-se, logo a seguir, a reproduções litográficas que forma
executadas em paris por Benoist, Bachelier, Aubrun, Cicéri, Jacottet e Charpentier, entre outros. Não se pode
18
“O dia-a-dia do trabalho escravo nas áreas rurais é documentado diante da monumentalidade do mundo do engenho: a caso do senhor, a usina [...], as senzalas, armazéns, celeiros e a terra a perder de vista. [...] ao a dimensão da onipotência do senhor de engenho que predomina simbolicamente como figura de grande poder, [...]. (KOSSOY, 1994, P. 72).
E continua, “Entre a edificação e o rio, a silhueta do escravo domina apesar
de dominado, simbolizando o ritmo, o ruído, a força e a vida que move o engenho.”
(KOSSOY, 1994, p. 72).
Fotografia 05 Victor Frond
A RALA DA MANDIOCA, c. 1859 Fonte: Kossoy, 1994, p.80
Fotografia 06 Victor Frond
A COZINHA NA ROÇA, c. 1859 Fonte: Kossoy, 1994, p.91
Fotografia 07 Victor Frond
Escravas descansando após o trabalho, Rio de Janeiro, cerca de 1858, litografia com base
em foto de Frond. Fonte:
http://www.historia.seed.pr.gov.br/modules/galeria/fotos.php?evento=1&start=40. Acesso em
01/09/2014
Fotografia 08 Victor Frond
VENDEDOR DE AVES, NA ROÇA, c. 1859 Fonte: Kossoy, 1994, p. 104
aquilatar em que medida os litógrafos intrferiram nas imagens originais, uma vez que se desconhece o paradeiro
das fotos de Frond.
19
4.3 Marc Ferrez
De acordo com Kossoy (1994), por mais que os viajantes europeus
buscassem se manter neutros ao realizar suas crônicas, seu relatos, suas imagens,
eram portadores de uma visão já concebida em relação ao que iriam encontrar no
Brasil. As imagens dos negros fossem escravos ou fossem libertos foi de certa forma
manipulada por alguns fotógrafos e essa imagem foi transformada em mercadoria e
os escravos em “coisas”.
As imagens vendidas na Europa aguçava a curiosidade sobre o Brasil. Marc
Ferrez foi um representante desses fotógrafos e, também, um dos mais importantes
fotógrafos brasileiros do século XIX. Era filho de um escultor e gravador Francês que
chegou ao Brasil em 1816. Órfão de pai e mãe aos 7 anos, retornou à França para
estudar. Voltou ao Brasil em 1859 e passou a trabalhar numa livraria e tipologia do
Rio de Janeiro. Em 1860 iniciou a carreira fotográfica com o alemão Franz Keller,
produzindo vistas do Rio de Janeiro e arredores para venda aos turistas
estrangeiros. Enquanto fotógrafo documentarista, sua atividade abrange um largo
espectro de temas: arquitetura, assuntos navais, estradas de ferro, vistas urbanas,
monumentos, fazendas de café. Seu interesse antropológico se evidencia em seus
retratos de negros, índios e vendedores de rua.
Nas fotos do Brasil oitocentista há a naturalização da escravidão. Nessa os
negros tomados em cenas rotineiras ou em cenas montadas nos estúdios. Captando
os naturais do Brasil, Ferrez transparece as fazendas com sua principal mão de
obra.
Fotografia 09
Escravos na colheita do café, Rio de Janeiro, 1882 (Marc Ferrez/Acervo Instituto Moreira Salles).
http://www.blogdoims.com.br/ims/escravos-de-marc-ferrez-por-lilia-moritz-schwarcz
Acesso em 03/09/2014
Fotografia 10
http://www.historiailustrada.com.br/2014/04/raras-fotografias-escravos-brasileiros.html
Quitandeiras em rua do Rio de Janeiro, 1875 (Marc Ferrez/Acervo Instituto Moreira Salles).
Aceso em 03/09/2014
20
Fotografia 11
Negra com o filho, Salvador, em 1884 (Marc Ferrez/Acervo Instituto Moreira Salles).
Fonte: http://www.historiailustrada.com.br/2014/04/raras-fotografias-escravos-brasileiros.html. Acesso em
03/09/2014
Fotografia 12
Senhora na liteira (uma espécie de "cadeira portátil") com dois escravos, Bahia, 1860
(Acervo Instituto Moreira Salles). Fonte:
http://www.historiailustrada.com.br/2014/04/raras-fotografias-escravos-brasileiros.html. Acesso em
03/09/2014.
4.4 Militão Augusto de Azevedo
As fotografias de Militão Augusto de Azevedo traz em evidência aspectos
destacados por Kossoy. Nelas observa-se a “hierarquia do senhor branco diante de
seus escravos” (KOSSOY, 1994, p. 175). Embora atendendo aos requintes exigidos
pela fotografia nos moldes aristocráticos, as características dos escravos
encontravam destacadas. A marca essencial, os pés descalços, pode ser observada
representando a expressão do sistema escravista.
Militão Augusto de Azevedo nasceu no Rio de Janeiro em 1837, mas viveu
desde 1862 em São Paulo, onde morreu em 1905. Foi ator antes de se dedicar à
fotografia. Encontrou nesta uma forma segura de ganhar a vida. Realizou várias
tomadas de São Paulo. Nota em seu trabalho a preocupação com as vistas
panorâmicas. Passaram por seu estúdio figuras tradicionais da sociedade paulista,
tipos populares, crianças, coristas, estudantes de Direito e até o imperador dom
Pedro II.
Suas imagens traz em cena grande quantidade de negros que buscam sua
afirmação social, procuram se distanciar da escravidão e se apresentam como
21
indivíduos livres. Neste sentido as carte de visite os aproximam do status da
sociedade burguesa, sendo esse um bem de consumo burguês.
Fotografia 13
Militão Augusto de Azevedo Retrato de grupo sem
identificação, s.d Fonte: Kossoy, 1994, p.192
Fotografia 14
Militão Augusto de Azevedo
Retrato de casal sem identificação (escravos alforriados?), c. 1879
Fonte: Kossoy, 1994, p.179
Fotografia 15
Militão Augusto de Azevedo Ama de leite
Fonte:http://olhardascienciassocias.blogspot.com.br/2011/01/amas-de-leite-ambigua-relacao-entre-
o.html. Acesso em 02/09/2014
4.5 Alberto Henschel
Albert Henschel chegou ao Brasil em meados dos anos de 1860. Durante 15
anos trabalhou como fotógrafo e empresário. Abriu vários estabelecimentos em
Recife, Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo. Foi fotógrafo da Casa Imperial e
realizou uma série de retratos de escravos ou libertos em seus estúdios.
As imagens apresentadas representam um viés diferente a seguir para
compreender a escravidão no Brasil. Não significa que ela sozinha consiga atender
a essa tarefa tão árdua, mas em conjunto com outras fontes, através de um diálogo
próximo, é possível fazer com os que os alunos tenham um conhecimento
significativo, mas principalmente que, de fato, se efetive a apropriação deste
22
Fotografia 16
Crianças negras Fonte:
http://veja.abril.com.br/241104/p_132.html. Acesso em 05/09/2014.
Fotografia 19
Mulheres negras Alberto Henschel
Fonte:http://blogdoramonpaixao18.blogspot.com.br/2014/01/exposicao-de-fotos-de-alberto-henschel.htm. Acesso
em 05/09/2014
.
Atividades
- Identificar nas fotografias as diferentes atividades realizadas pelos escravos
a fim de romper a com a visão de que sua atividade se dava basicamente na zona
rural.
- Discutir sobre quem eram os fotógrafos por meio da apresentação de um
texto informativo sobre cada fotógrafo.
Questões sobre as fotografias
- O que as fotografias apresentam sobre a vida dos escravos?
- Elas traduzem a realidade da vida que levavam?
- O que os autores procuravam ocultar nas imagens produzidas?
Apresentar e discutir a música “Milagres do povo” de Caetano Veloso.
Milagres do Povo
23
Caetano Veloso
Quem é ateu e viu milagres como eu/ Sabe que os deuses sem Deus/ Não cessam de brotar, nem cansam de esperar/ E o coração que é soberano e que é senhor/ Não cabe na escravidão, não cabe no seu não/ Não cabe em si de tanto sim/ É pura dança e sexo e glória, e paira para além da
história
Ojuobá ia lá e via/ Ojuobahia/ Xangô manda chamar Obatalá guia Mamãe Oxum chora lagrimalegria/ Pétalas de Iemanjá Iansã-Oiá ia
Ojuobá ia lá e via/ Ojuobahia/ Obá
É no xaréu que brilha a prata luz do céu/ E o povo negro entendeu que o grande vencedor Se ergue além da dor/ Tudo chegou sobrevivente num navio/ Quem descobriu o Brasil?
Foi o negro que viu a crueldade bem de frente/ E ainda produziu milagres de fé no extremo ocidente
Ojuobá ia lá e via/ Ojuobahia/ Xangô manda chamar Obatalá guia
Mamãe Oxum chora lagrimalegria/ Pétalas de Iemanjá Iansã-Oiá ia Ojuobá ia lá e via/ Ojuobahia/ Obá
Ojuobá ia lá e via/ Quem é ateu
Disponível em: http://letras.mus.br/caetano-veloso/44749/. Acesso: 11/11/2014.
Texto para reflexão: Uma história do negro no Brasil
“Depois da longa travessia atlântica e do desembarque em algum porto das grandes cidades do Brasil, ou em alguma praia deserta após a proibição, os africanos logo percebiam que sobreviver era o grande desafio que tinham pela frente. Dali por diante teriam que conviver com o trauma do desenraizamento das terras dos ancestrais e com a falta de amigos e parentes que deixaram do outro lado do Atlântico. Logo percebiam que viver sob a escravidão significava submeter-se à condição de propriedade e, portanto, passíveis de serem leiloados, vendidos, comprados, permutados por outras mercadorias, doados e legados. Significava, sobretudo, ser submetido ao domínio de seus senhores e trabalhar de sol a sol nas mais diversas ocupações. Por mais de trezentos anos a maior parte da riqueza produzida, consumida no Brasil ou exportada foi fruto da exploração do trabalho escravo. As mãos escravas extraíram ouro e diamantes das minas, plantaram e colheram cana, café, cacau, algodão e outros produtos tropicais de exportação. Os escravos também trabalhavam na agricultura de subsistência, na criação de gado, na produção de charque, nos ofícios manuais e nos serviços domésticos. Nas cidades, eram eles que se encarregavam do transporte de objetos e pessoas e constituíam a mão-de-obra mais numerosa empregada na construção de casas, pontes, fábricas, estradas e diversos serviços urbanos. Eram também os responsáveis pela distribuição de alimentos, como vendedores ambulantes e quitandeiras que povoaram as ruas das grandes e pequenas cidades brasileiras.” DE ALBUQUERQUE, Wlamyra Ribeiro; FRAGA FILHO, Walter. Uma história do negro no Brasil. Centro de Estudos Afro-Orientais, 2006.
5. OLHARES POSSÍVEIS SOBRE A ESCRAVIDÃO
A historiografia apresentada traz em cena uma discussão que oferece
respaldo ao trabalho proposto. A mesma discute pontos essenciais para
compreender um período que marcou a nossa história. Evidentemente são
24
discussões que não se esgotam, mas lançam questões para reflexões necessárias
para realização do trabalho sobre o assunto em sala de aula. Atentemos para
algumas possibilidades de pensarmos a presença de escravos no Brasil do século
XIX, voltando um olhar especial às suas práticas socioculturais.
5.1 Mary C. Karasch e A vida de escravos no Rio de Janeiro (1808. 1850).
Mary Karasch, ao tratar do Rio de Janeiro, oferece uma visão ampla sobre a
escravidão no Brasil, discutindo pontos essenciais como a origem dos escravos, o
comércio, as atividades que os escravos realizavam na área urbana, a violência
imposta pela escravidão, seja em relação aos castigos, à forma de vida, aos
problemas de saúde. Tendo como foco de estudo o cotidiano dos escravos, traz
possibilidade de compreender a importância destes, não apenas nas áreas de
plantações, mas também no contexto urbano. É incontestável a relevância da
participação dos africanos escravizados na construção de nossa sociedade.
Há neste sentido o rompimento com uma historiografia que ignora o negro
enquanto sujeitos sociais que exerceram e exercem papel determinante em nossa
cultura. Segundo Karasch (2000), um milhão de africanos aproximadamente viveram
no Rio de Janeiro entre 1800 a 1850. Provenientes de diferentes regiões da África
como Congo, Angola, Cabinde, Monjolo.
Os escravos estavam pelas ruas contando histórias da saudade da família
deixada para trás, tocando instrumentos que fizesse lembrar sua terra natal.
Exceto por uma pequenina minoria nascida na corte, eles eram estrangeiros sem parentes numa terra alheia na qual teriam de lutar para sobreviver contra a probabilidade de uma morte precoce, adaptar-se a senhores estrangeiros e costumes estranhos, e tentar fugir de seu infortúnio. Porém não fariam tudo isso sozinhos, pois construiriam novas lealdades a novas nações e formariam novas famílias e comunidades para ajudá-los a sobreviver, lidar com a situação e resistir; mas as memórias de suas terras natais e de suas famílias permaneceriam com eles nos anos difíceis que teriam pela frente, enquanto relembravam “minha terra e minha nação”. (KARASCH, 2000, p. 66).
Ao chegar ao Brasil os escravos eram comercializados na Rua do Valongo.
Neste local como mercadorias eram preparados para a venda. Chegavam em
situação desumana e assim eram alimentados, vestidos para aparentar situação
compatível para o comércio. “A fim de convencer os compradores de que os
25
escravos não estavam deprimidos, os negociantes davam-lhe estimulantes para
evitar a ‘preguiça’ e a depressão.” (KARASCH, 2000, p. 80). Karasch rompe com a
visão de que apenas os castigos físicos matavam os escravos. A grande mortalidade
do escravo africano era resultado da negligência de seus donos. A vida na cidade
representava viver em meio a sérios riscos de saúde. O ambiente insalubre das
cidades fazia com que o cativeiro urbano fosse tão violento quanto o cativeiro rural.
Porém, até 1850, eram os escravos que sofriam o pior impacto do estado lastimável de saúde pública, porque eram eles que moravam e se vestiam mal, eram sepultados como animais, e, sobretudo, tinham de carregar dejetos, limpar as ruas, matar animais, cuidar dos doentes e aterrar os pântanos. (KARASCH, 2000, P. 196).
É claro no discurso de Karasch que o mundo rural não era o único dos
escravos. Eles estavam por toda a parte nas cidades trabalhando como escravos de
ganho, comercializando diferentes produtos, para obter o sustento de seu senhor e o
seu. Essa forma de trabalho representava para esses uma possibilidade de juntar
um pecúlio e um dia poder sonhar a compra de sua alforria.
Pode-se então verificar a partir do discurso de Karasch que as diferentes
etnias trouxeram um universo cultural que infiltrou aspectos diversos de nossa
cultura; fosse na música, dança, alimentação, religião.
5.2 Luiz Felipe de Alencastro e A vida privada e ordem privada no
Império
Alencastro aponta que no final do século XVIII a baia de Guanabara se
converteu no maior terminal negreiro da América. O crescimento que marcou o Rio
de Janeiro a partir desse momento, fosse no aspecto econômico ou populacional
foram significativos. No aspecto populacional Alencastro (1997), discute que na corte
brasileira, metade da população, dois quintos eram escravos. Esta afirmação
contribui para mostrar que a população africana marcou decisivamente a
constituição de nossas características culturais.
26
Considerando que a produção do município praticamente dobrou nos anos de 1821 a 1849, a corte agregava nessa última data, em números absolutos a maior concentração urbana de escravos existentes no mundo desde o final do império romano. (Alencastro, 1997, p. 24).
Do levantamento realizado em 1849 aponta que para cada três habitantes do
Rio de Janeiro, um era africano, fosse escravo ou livre. Esses dados contudo podem
não corresponder com a realidade presente, pois neste período o tráfico já estava
proibido e assim muitos proprietários ocultavam a origem de seus escravos.
(ALENCASTRO, 1997). O tráfico internacional não significou, portanto, a única forma
de separação dos escravos de seus familiares, de sua comunidade. Com o fim do
tráfico externo os escravos passaram a enfrentar o problema do tráfico interno que
resulta então em fugas e revoltas. Esse tráfico fazia com que se deparasse com
situações que mudassem a sua vida, indo para senhores mais violentos, sem
experiências com a escravidão.
Diante desse contexto Alencastro afirma que “Toda a escravidão é perversa,
mas a escravidão inteligente é de vez mais perversa que a escravidão brutal. Uma
odeia por instinto. A outra por instinto e reflexão.” (ALENCASTRO, 1997, p. 92). O
escravo ciente de sua situação não se adapta a ela, mas procura resistir.
Transparece assim o discurso que nega a anomia do escravo.
Alencastro (1997), chama a atenção para uma característica que diferenciava
os escravos dos demais indivíduos: o andar descalço. Neste sentido, documentos da
época, como as fotografias, apontam essa marca. Assim mesmo que um escravo de
ganho conseguisse adquirir acessórios que o igualasse a um liberto, essa marca o
diferenciava. “[...] um escravo de ganho podia ter meio de vestir calças bem postas,
paletó de veludo, portar relógios de algibeira, anel de pedra, chapéu de coco a até
fumar charuto em vez de cachimbo. Mas tinha que andar descalço.” (ALENCASTRO,
1997, p. 79).
5.3 Manolo Florentino e A paz nas senzalas.
A historiografia apresentada tem como proposta um olhar modificado sobre a
ideia da “passividade” do escravo. O sujeito dotado de anomia dá espaço para um
individuo autônomo, que elabora táticas de resistência utilizadas para estabelecer
um convívio que mantivesse suas raízes e eliminasse os conflitos nas senzalas.
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Manolo Florentino afirma que “[...] não se pode pensar a escravidão apenas do
aspecto econômico, mas representa um aspecto político.” (FLORENTINO, 1997, p.
31).
O cativeiro é pensado comumente sobre a ótica da relação senhor versus
escravo. Nesta relação o escravo era desprovido das suas características humanas.
O escravo só era visto como humano quando cometia um crime e tinha que pagar
por ele. Um exemplo da ignorância em relação ao lado humano do escravo é a
separação de seus familiares que ocorria em momentos de compra e venda,
transparecendo a visão de mercadoria em relação a esses. Compreende-se então
que novas perspectivas de analisar as relações estabelecidas pelos escravos nas
senzalas devem ser discutidas em sala de aula. Essas novas perspectivas colocam
esses indivíduos além do confronto com seus senhores, um confronto que se
firmava entre castigo e obediência. Há, pois um posicionamento diferenciado dos
escravos, que através de táticas próprias procuravam manter a paz nas senzalas.
Manolo Florentino (1997), ultrapassa o pensamento da passividade escrava e
atribui a ele o papel de articulador de sua própria história. Os escravos construíam
articulações que auxiliavam na manutenção da paz, mas não se restringia somente
a isso, significava também dar vida as suas raízes. Uma maneira de garantir esses
aspectos era o parentesco. Deve haver uma atenção especial dos historiadores aos
buscar os documentos que deixam transparecer esses laços, pois muitas vezes os
registros ocultam algumas informações como a adoção de sobrenomes do senhor
pelo escravo e a própria negação de crioulos sobre sua origem africana.
(FLORENTINO, 1997).
Florentino (1997), discute ainda que há um consenso entre alguns
historiadores em afirmar que não havia relações entre os escravos que fossem
estáveis, o que havia era um desregramento. Mas análises documentais realizadas
pelo mesmo autor mostram que ao contrário do que comumente se pensava, essas
relações representavam algo que deveria ser respeitada por todos e quando isso
não ocorresse poderia resultar em crimes como assassinatos. Conforme relata
Florentino “As transgressões faziam com que homens e mulheres se despissem de
suas vestes jurídicas de livre e cativo, pondo-se frente a frente na condição de
homens e mulheres” e complementa, “Havia um amplo reconhecimento social destes
laços, em particular daqueles de base consanguínea, inclusive pelos que escravos
ou livres não faziam parte daquele grupo.” (FLORENTINO, 1997, p. 80-81).
28
As relações que se confirmavam mesmo que não reconhecidas oficialmente
era algo a ser respeitado e significava para os escravos muito mais do
aparentemente deixava transparecer. Um ponto importante a ser destacado era o
cuidado que os proprietários tinham no momento de adquirir seus escravos. A
preferência era por escravos de etnias diferentes, isto é provindo de regiões distintas
da África. Isso dificultava a organização dos cativos.
Entretanto as táticas dos escravos ultrapassavam essas limitações. A família
era para os escravos não apenas uma estratégia, representava laços afetivos,
Significava também uma forma de aproximação de sua cultura, de suas tradições.
Através das famílias os escravos criavam uma identidade própria nas senzalas. A
família representava para o escravo um pacto de paz, não apenas entre seus pares,
mas também com o próprio senhor. Para além do casamento, primeira forma de
reconhecimento social, havia também os laços de compadrio. “A família escrava se
abria, pois e, no contexto específico da escravidão, tal abertura tinha sentido
eminentemente político.” (FLORENTINO, 1197, p. 90).
A ampliação dos laços sociais, muitas vezes, para além da fazenda que eram
cativos, representava proteção, solidariedade entre os seus. Esses laços diminuíam
os conflitos, as tensões provindas do tráfico, dando a esses uma aparente
segurança. “[...] é possível acrescentar à rede de escravos aparentados os laços
criados pelo batismo cristão. De fato, o compadrio é uma relação parental de base
espiritual [...]”. (FLORENTINO, 1997, p. 91).
A manutenção da família escrava significou reconhecer os escravos como
sujeitos históricos. O parentesco fosse por casamento ou por nascimento,
representavam “[...] estratégias políticas por excelência, voltadas a pacificação da
escravaria. Pacificando, organizando a vida no cativeiro, a família amainava os
enfrentamentos entre os cativos. [...]. A pacificação e a organização parental eram
importantes também para o próprio sistema”. (FLORENTINO, 1997, p. 175).
5.4 Robert Slenes e A família escrava
Robert Slenes apresenta também uma nova proposta para olhar o mundo dos
escravos. Para ele os viajantes tiveram uma visão equivocada, uma visão imbuída
de preconceito, chegando a comparar os escravos a animais. Para estes os
29
escravos eram seres sem normas, sem regras. Tendo respaldo em outras fontes
Slenes volta seu olhar para a existência de vínculos familiares entre os escravos.
Rompendo também com a historiografia tradicional que negava qualquer
chance de formação de família pelos escravos Slenes (2011), diferente do que
afirmou Ribeyrolles em visita ao Brasil, que na senzala era impossível ver uma flor,
isto é, ver qualquer esperança, qualquer recordação, afirma que sim, é possível ver
esta flor na senzala. Para Slenes a flor que Ribeyrolles não conseguiu ver
representa a instituição familiar. Era na família que os escravos depositavam suas
esperanças.
Até meados das décadas de 60 e 70, a historiografia discutia sobre a senzala
apresentando-a como um local de promiscuidade sexual, de uniões instáveis. A
partir de 1970 a historiografia norte americana inicia uma revisão sobre como olhar
para a senzala. Esse olhar caminhou para a direção de não mais negar a existência
de famílias nas senzalas, mas a apontar que havia sim na senzala uma flor.
Não há pretensão de fazer com que as novas discussões sobre a escravidão
apague os horrores que esse período representou, que sejam ignorados,
mascarados, mas sim, que apesar dos horrores causados, os indivíduos que lá
estavam eram seres humanos, eram sujeitos históricos com esperanças, com
recordações, com sonhos. Os sujeitos negados pela historiografia tradicional são
agora vistos e ouvidos. “Afinal, argumentar que a família era uma instituição
extremamente importante para pais e filhos escravos não implica sustentar que os
escravos tinham uma vida doce” (SLENES, 2011, p. 120).
A instituição familiar era um nexo importante para formar a memória da
população escrava, para realizar seus projetos e a sua identidade. (SLENES, 2011,
p. 27). Slenes observa, porém, que a constituição familiar não era algo simples, e
que todos estabeleciam. Havia com certeza limites, empecilhos que iam contra a sua
organização. O próprio senhor utilizava dela para exercer a coerção sobre seus
escravos. Os escravos que possuía família pensariam para fugir, para cometer um
crime, pois seus familiares poderiam sofrer punições.
[...]. a família escrava transformava os cativos em ‘ reféns’, tanto de seus próprios anseios quanto do proprietários. Os senhores certamente sabiam disso quando refletiam sobre os ditames da ‘ humanidade’ e da ‘boa razão’. [...].
30
A família, além disso, estava associada ao sistema de incentivos senhoriais: daí, certamente um de seus atrativos para os escravos. As ocupações com autonomia de trabalho, as possibilidades de acumular um pecúlio e escapar da dura labuta no eito eram distribuídas a cativos de mais longo contato com o senhor, que tendiam a ser aqueles com uma história familiar na propriedade. (SLENES, 1997, p. 277).
Há, pois, a evidência de que não era apenas a vontade do senhor que era
posta, também a dos escravos. Eles também articulavam suas estratégias para
atingir seus propósitos, e a família de acordo com Slenes também convergia para
esse fim. Quando os visitantes estrangeiros estiveram no Brasil, olharam para a
escravidão com o olhar europeu, como já afirmou Kossoy. Assim compreender a
relação entre senhor e escravo, bem como as mudanças no sistema sem olhar com
os olhos dos escravos permite que lacunas representem obstáculos para uma
análise que dê uma explicação mais ampla sobre a escravidão. Afirma Slenes que
[...], não é possível entender a dinâmica da relação entre cativo e senhor nem as contradições e mudanças no sistema escravistas sem ‘ entrar na cabeça’ dos escravos, sem conhecer suas armas simbólicas e suas possibilidades de ativar e coordenar essas armas entre si.” (SLENES, 2011, p. 141).
Relacionar a senzala apenas a privações e punições é negar que os escravos
buscassem superar os limites impostos pela escravidão. Ao realizarem associações
visavam romper ao menos o mínimo com todos os entraves que enfrentavam. O
casamento, a união representava o passo primordial para isso, era a brecha para ver
na senzala uma flor.
Não há como generalizar, mas também não há como negar que os escravos
buscavam estratégias de vida para suportar ou até mesmo se livrar da escravidão.
Por mais que houvesse por parte de alguns senhores incentivos oferecidos aos
escravos para controlar as fugas, para manter os subalternos ainda mais sob seu
poder, havia também do outro lado o escravo que como estratégia de vida aceitava
esses incentivos. “Abre-se uma janela que nos permite entrever a luta dos escravos
pela sobrevivência: as tramas senhoriais iam ao encontro de certas estratégias dos
cativos para lidar com um mundo inseguro em extremo.” (SLENES, 1997, p. 267).
Slenes (2011), já afirmava que “O que chama a atenção nessa história é [...] a
presença significativa de famílias nucleares com pais presentes. [...] e que essas
31
famílias foram mantidas juntas, apesar da dispersão da maior parte da comunidade
por venda.” (SLENES, 199, p. 274). Dar voz somente ao senhor, vê-lo como o único
que utiliza de meios diversos para manter seus escravos submissos e passivos, é
continuar dando voz aos viajantes estrangeiros, que apontavam em suas análises os
escravos como seres sem história. Slenes auxilia na conclusão afirmando que, “Para
superar esse desvio de olhar, é necessário reconhecer o escravo como sujeito
histórico e deslocar o enfoque para as coisas miúdas”. (SLENES, 2011, p. 213).
Atividades
- Refletir sobre o papel que a família exercia junto ao escravo, a fim de vê-los
como indivíduos portadores de sentimentos e humanidade.
- Compreender a importância da família escrava na conjuntura da escravidão
a fim de construir um conhecimento que ultrapasse o discurso do escravo apenas
como instrumento de trabalho.
Textos para reflexão:
“A primeira loja de carne em que entramos continha cerca de trezentas crianças, de ambos os sexos; o mais velho poderia ter doze ou treze anos e o mais novo, não mais de seis ou sete anos. Os coitadinhos estavam todos agachados em um imenso armazém, meninas de um lado, meninos de outro, para melhor inspeção dos compradores; tudo o que vestiam era um avental xadrez azul e branco amarrado na cintura; [...] O cheiro e o calor da sala eram muito opressivos e repugnantes.Tendo meu termômetro de bolso comigo, observei que atingia 33ºC. Era então inverno [junho]; como eles passam a noite no verão, quando ficam fechados, não sei, pois nessa sala vivem e dormem, no chão, como gado em todos os aspectos. (BRAND, apud KARASCH, 2000, p.76)
Indicação complementar: O Atlântico negro, na rota dos Orixás. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=5h55TyNcGiY Acesso: 11/11/2014
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“Em 24 de agosto de 1899, Simão Alves compareceu na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição de Campina para “abrir novo lançamento do ato de casamento celebrado entre Policarpo Salvador e Afra”. As testemunhas desse novo registro – Egydio Franco e José Antonio Aranha – declararam que Policarpo e Afra “eram marido e mulher – por ser casados – sendo o ato religioso realizado na Matriz Velha desta Cidade no tempo em que os mesmos eram escravos do Sr. Thomaz Luiz Alves Cruz – no ano mil oitocentos cinquenta e oito a cinquenta e nove mais ou menos”. Egydio e José Antonio “acrescentaram que foram companheiros de escravidão [de Policarpo e Afra] e que há 30 e 24 anos os conhecem sempre como casados”. Suas palavras são fidedignas. Embora não seja possível confirmar essa história com o assento original de casamento (os registros de matrimônio de escravos para a maior parte de 1858 e 1859 sumiram dos arquivos da igreja em Campinas - o que talvez tenha sido o motivo par o “novo lançamento” de 1899), outro documento comprova sua veracidade. Em 19 de outubro de 1862, foi batizada no município Benedicta, de 13 dias de idade, “filha de Policarpo e Afra, escravos de Thomas Luis Alvares”. (SLENES, 2011, p. 77).
Gráficos para análise:
Fonte: FLORENTINO, Manolo. GOES, José Roberto. A paz das senzalas: famílias
escravas e o tráfico atlântico. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997. p. 95; 117.
Questões sugeridas:
- Que leitura pode ser realizada sobre a formação da família escrava a partir
do gráfico 5?
- Em que tipo de propriedade a presença de escravos aparentados era maior?
-Que possíveis conclusões podem ser realizadas em relação ao interesse dos
senhores na manutenção das famílias escravas. (gráfico 9)
Indicação complementar:
Vídeo: “Vista a minha pele”. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=LWBodKwuHCM. Acesso: 11/11/2014
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REFERÊNCIAS:
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escravas e o tráfico atlântico. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997.
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