Download - OpNewCF_100610_v1
-
8/9/2019 OpNewCF_100610_v1
1/4
Reflexes preliminares sobre o novo Cdigo Florestal
Prof. Gerd Sparovek, USP
Esta anlise reflete as primeiras impresses aps consulta rpida ao substitutivo ao projeto de lei # 1.876 de
1999 apresentado pelo Relator Deputado Aldo Rebelo na sesso de 8 de junho de 2010. Elas visam ajudar o
incio das discusses em torno do tema, j que como preliminares, ainda so incertas, incompletas, carentes de
comprovao factual e emprica, e sujeitas a muitas revises.
Consideraes gerais
O artigo 471 estabelece um perodo de certezas que ir durar 5 anos, seguido de um perodo de absoluta
incerteza. A certeza durante os prximos 5 anos da votao do novo Cdigo, e assumindo que desta vez ele
ser cumprido uma vez que suas verses anteriores no foram integralmente seguidas, a interrupo
temporria de novos desmatamentos, j que estes ficam suspendidos. Com isto a pecuria ter que se
desenvolver por ganhos de produtividade e eficincia e esquecer por algum tempo a abertura de novas reas.
A agricultura ter que ocupar as reas de elevada aptido agrcola j abertas pela pecuria e, em muitos casos,
usadas com baixa eficincia. O setor siderrgico ter que se virar para encontrar seu carvo com origemconhecida de florestas plantadas. A madeira ter que vir de florestas manejadas. Enfim, teremos um perodo
de desenvolvimentos mais sustentado e atento s coisas do ambiente.
Aps este perodo, durante o qual a Nao ir se adaptar as novas regras, surgem as incertezas. Estas tm
como fundamento dois novos princpios. O primeiro est ancorado no fato dos Estados passarem a ter o poder
de definir regras prprias em relao s demandas por reas de Preservao Permanente (APP) e Reserva
Legal (RL) ajustando os limites definidos na Lei para mais ou para menos em 50%. O segundo fundamento est
no seu Captulo VI que define as regras em relao aos passivos ou desobedincias ao cdigo atual. Os
Programas de Regularizao Ambiental e de compensao de Reserva Legal, que sero adotados para resolver
as no conformidades, tambm sero definidos nos Estados. No caso das APP o limite mnimo que o novoCdigo estabelece a anistia total, isto , no precisa recuperar nada, contanto que no continue
desmatando. No caso das RL, os mecanismos de compensao foram ampliados. Ela pode ser coletiva; dentro
do Estado, do Bioma; pode ser feita por arrendamento ou pela compra de cotas de Reserva Ambiental
oferecidos por aqueles que ainda tm vegetao nativa de sobra e queiram compartilhar. Pode tambm ser
compensada com APP caso esta esteja recuperada. Tudo ao sabor de um acordo feito dentro dos Estados com
o seu rgo ambiental competente. Aos pequenos; que so muitos mas tm pouca terra, nem se aplica mais o
conceito de Reserva Legal, estes foram completamente anistiados. Vai caber aos Estados decidir cumprir o
Cdigo como foi sugerido, apertar as coisas para que a conservao e recuperao das APP e RL sejam
ampliadas, ou flexibilizar as coisas at um ponto que em que quase no haver necessidade de recuperao.
Tudo dependendo de Zoneamentos Ecolgio-Econmicos, Planos de Recursos Hdricos e outros estudosrealizados por rgos oficiais de pesquisa a pedido dos Estados para justificar suas decises.
Certamente haver foras empurrando estas tendncias para os dois lados.
Para o lado da flexibilizao o que podemos esperar: i) os estados competirem entre si para ver quem
flexibiliza mais, a fim de atrair aqueles interessados nos seus recursos florestais ou na expanso da
agropecuria a custa da abertura de novas terras. Vale lembrar que os recursos florestais so muito
abundantes em diversos Estados pobres e que podem ver na atrao destes grupos de interesse uma forma de
levantar fundos, em troca de suas florestas e cerrados; ii) ingerncia dos setores habituados a de desenvolver
atravs da abertura das florestas e Cerrados como so a pecuria extensiva, o setor madeireiro informal, a
11 Captulo XII, Artigo 47, das disposies complementares, transitrias e finais: No caso a redao no ser permitida asupresso de florestas nativasseja entendida como no ser permitida a supresso de vegetao nativaj que o artigomais adiante se refere ao corte ou supresso de vegetaoe no apenas de florestas.
-
8/9/2019 OpNewCF_100610_v1
2/4
produo de carvo de origem de desmatamento, entre outros no resultado dos estudos que comprovaro a
necessidade ou no de tais atos; iii) a percepo de que os custos de recuperao so muito elevados, e que a
conta fecha mais barata se as culpas do passado forem anistiadas. Nenhum desses lees manso!
Para o lado da manuteno das regras novas como foram propostas, ou da sua intensificao para o lado da
recuperao e conservao podemos contar com: i) uma sociedade cada vez mais educada, preocupada e
organizada em torno de um desenvolvimento do qual ns e nossos filhos no se arrependam no futuro; ii) em
alguns mecanismos inseridos no novo Cdigo que oferecem prmios para os que decidem conservar, como asCotas de Reserva Ambiental, ou a possibilidade de compensar a RL em reas de APP se estas estiverem
recuperadas, o que pode estimular aes neste sentido em algumas regies, iii) provavelmente os Estados
conheam melhor sua realidade e possam criar mecanismos mais eficientes regionalmente do que uma regra
geral que no vai se adaptar a nenhuma situao especfica, j que estas so muito variveis na relao entre o
uso agropecurio implantado, as reas com vegetao natural ainda existentes e as fragilidades ambientais
especficas, iv) pode haver uma sinalizao do mercado; via REDD, certificao, crditos de carbono, MDL e
outros mecanismos de que haver prmios ou acesso aos produtos que vem de regies em que a conservao
das florestas foi respeitada. Alguns Estados podero ver na proteo de suas florestas alm do que a Lei exige,
uma forma de se diferenciar ou ampliar seu mercado. No sei se algum destes lees bravo!
Para onde o pndulo vai balanar ainda cedo para saber, por ora cabe apenas um palpite: guardem bem as
motosserras e os correntes, vamos precisar deles em breve! Espero que o palpite esteja errado e que aquilo
que a nova proposta trouxe de bom prevalea.
Consideraes especficas:
Captulo II, Seo 1, Artigo 3, I a) largura mnima de APP nas faixas marginais de qualquer curso d`gua: insere
a largura de mnima de 15 metros (no lugar de 30m do Cdigo anterior) para cursos d`gua com menos de 5m.
A extenso dos rios de ordem primria (prximo das nascentes, como so os rios com largura
menor do que 5m) maior do que aquela de ordens maiores. Com isto haver reduo (ou
retirada) de mata ciliar das cabeceiras dos rios, justamente nas reas de recarga, e em
quantidade maior quando comparado a uma reduo feita nos rios de maior largura. Para
conciliar a vontade de manter a funo da mata ciliar em melhorar a qualidade da gua com a
vontade de reduzir a rea necessria para isto, seria mais lgica a diminuio das larguras de
APP em rios maiores. Na prtica a mata ciliar ser reduzida em grande quantidade justamente
onde ela mais necessria.
Captulo II, Seo 1, Artigo 3, 1: Os estados e o Distrito Federal, podero, por lei, aumentar ou reduzir em at
50% (cinqenta por cento) as faixas mnimas previstas para APP, com base em recomendaes do ZEE, e Plano
de Recursos Hdricos:
Abre precedente para negociao de redues extremas, por exemplo, as APP de 15m serem
reduzidas para 7,5m tirando completamente sua funo ecolgica e a possibilidade delas se
perpetuarem. O efeito de borda ser contnuo e no haver regenerao da floresta
implantada ou recuperada. Fica o princpio legal e a obrigao de manter a APP, e perde-se
totalmente a funo ecolgica.
Captulo II, Seo 1, Artigo 3, 3: No considerada APP a vrzea fora dos limites previstos para largura de
APP a partir da calha do rio.
Resolve o problema de legalidade do uso produtivo das vrzeas arrozeiras do Rio Grande do
Sul, Maranho e outras regies produtoras. Cria uma opo legal para os sistemas tradicionais
-
8/9/2019 OpNewCF_100610_v1
3/4
de cultivo da regio semi-rida do nordeste em relao s lavouras de vazante e a utilizao
das suas reas mais produtivas e viveis para agricultura familiar.
Captulo IV, Seo 1, Artigo 14: Isenta os imveis com menos de 4 mdulos fiscais da necessidade de manter
Reserva Legal:
Isto afeta relativamente pouco o total de RL necessria, mas representa grande diminuio da
RL necessria nas reas de agricultura muito consolidada, portanto com estrutura fundirianaturalmente subdividida ou de predominncia de agricultura familiar. A grande concentrao
fundiria faz com que a rea de imveis abaixo de 4 mdulos seja pequena, mas
geograficamente concentrada na metade norte RS, SC, centro e oeste PR, sul de SP, sul de MG,
agreste e serto nordestinos e toda a rea de assentamentos do INCRA e Crdito Fundirio.
Nestas reas haver a extino da RL o que vai formar grandes polgonos sem proteo de
vegetao natural fora de APP, alm de aumentar a presso de desmatamento legal.
justamente nestas regies em que tambm h menor ocorrncia de reas de proteo pblicas
(Unidades de Conservao), muita demanda por recursos hdricos e dficits j acumulados de
RL. Portanto, do ponto de vista ecolgico, justamente nestas reas em que a vegetao
natural ainda existente precisa ser conservada e as aes de recuperao trariam os maioresbenefcios. Na regio Centro-Oeste e outras de ocupao agrcola mais recente as reas com
menos de 4 mdulos ocorrem em menor quantidade, sendo assim o mecanismo mais incuo.
Na regio Amaznica a falta de titulao tambm prejudica a aplicao do mecanismo. Na
prtica, tira a presso de recuperao da RL da agricultura familiar e das reas de estrutura
fundiria mais pulverizada, e como efeito secundrio reduz os benefcios ecolgicos da
manuteno RL justamente das reas em que eles so mais necessrios. Uma reduo, ao invs
de uma anistia, poderia equilibrar melhor os dois interesses.
Captulo IV, Seo 1, Artigo 16, II: Permite computar APP na RL caso a totalidade da APP esteja preservada:
Nas regies com agricultura consolidada geralmente h deficincia de ambos, APP e RL. Nestes
casos o mecanismo pode estimular a recuperao das APP, uma vez que a ao conta em
dobro, ou seja, cada hectare de APP recuperado tambm abate um devido na RL, o custo cai
pela metade; o que favorece aes de recuperao. Nas regies com pouca presso de
ocupao agropecuria geralmente ambos, APP e RL existem em maior abundncia e
conformidade. Nestes casos, o cmputo da APP na RL abate a rea da RL que precisa ser
conservada, aumentando o estoque de terras que pode ser legalmente desmatado. Ajuda
numa situao e prejudica na outra. Justamente este mecanismo que precisa ser tratado
regionalmente no tratado desta maneira, ele se aplica ao Pas todo. No balano esta ao
certamente ir provocar mais desmatamento do que recuperao.
Captulo IV, Seo 1, Artigo 18, I, II e III: Permite aps estudo de ZEE reduzir RL na Amaznia Legal nas
formaes florestais diminuir de 80% para 50% a RL e nas savanas de 35% para 20%; ou aumentar em at 50%
estes porcentuais.
Na prtica em reas consolidadas com formao florestal o mecanismo j existe e vem sendo
aplicado. O sugesto proposta permite a ampliao do conceito para o Cerrado e sua
generalizao nas florestas, mesmo no consolidadas. Se isto ocorrer, pode ampliar
significativamente o desmatamento legalizado em toda Amaznia Legal que representa 60%
do territrio nacional e a regio em que a vegetao natural ainda melhor preservada.Permite tambm bloquear quase totalmente o desmatamento, se o Estado assim decidir.
difcil prever quem vai ganhar.
-
8/9/2019 OpNewCF_100610_v1
4/4
Captulo VI, da Regularizao Ambiental: cria diversos mecanismos para que os Estados decidam como se
adequar como a anistia completa da necessidade de recuperao das APP nas reas j consolidas desde que
no ocorra desmatamento adicional (Artigo 24, 3); a compensao de RL atravs de diversos mecanismos
coma as Cotas de Reserva Ambiental, a ao coletiva de compensao fora da propriedade, tanto no Estado
como no Bioma, o arrendamento de reas sobre regime de Servido Ambiental. A facilidade de alcanar
conformidade com a legislao foi amplificada e criados alguns mecanismo de prmio, como a CRA que podem
render ttulos.
Legalizar as propriedades, se no ficou fcil, pelo menos ficou possvel, e isto muito positivo.
O problema pode ter sido a dose, necessrio avaliar melhor o provvel efeito de cada um
destes mecanismos. Se a dose realmente foi exagerada, pode ser que a legalizao no gere
benefcios ambientais, e ao mesmo tempo, decorrido o perodo de cinco anos de resguardo at
que os desmatamentos sejam novamente legalizados, as motosserras tero muito mais rvores
para derrubar legalmente do que tem hoje.
Diversas decises ficam vinculadas a estudos feitos por rgos de pesquisa oficiais nos Estados, como ZEE,
Plano de Recursos Hdricos entre outros, a serem realizados em cinco anos. Alm das providncias de
demarcao, registros e regulamentaes.
Ser que nossas instituies pblicas esto preparadas para fazer tudo isto no Brasil inteiro de
forma criteriosa e com qualidade, mesmo que, numa viso otimista, os recursos sejam
colocados a disposio?
Lerum, 10 de julho de 2010
Prof. Gerd Sparovek
USP