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O SAMBA ENQUANTO MANIFESTAÇÃO CULTURAL E SUA UTILIZAÇÃO COMO
SÍMBOLO NACIONAL DURANTE O ESTADO NOVO (1937-1945)
Douraci Agostini Duarte1
Frank Antonio Mezzomo2
RESUMO: A pesquisa busca historicizar e compreender o processo de institucionalização
do samba como símbolo da cultura nacional no Estado Novo (1937-1945). A discussão parte
da contextualização sobre a escravidão negra no Brasil, os processos de inserção cultural e
econômica, a resistência afro-brasileira, e, a exclusão étnico-racial brasileira. Analisa ainda
o contexto socioeconômico do Estado Novo e a instrumentalização política do samba. Por
fim, entende-se que a análise histórica é fundamental para a compreensão da formação da
cultura nacional.
Palavras-chave: Samba. Institucionalização. Estado Novo.
Introdução
O objetivo do artigo é pesquisar o processo de institucionalização do samba como
símbolo da cultura nacional no contexto político-cultural do Estado Novo (1937-1945) e sua
possível instrumentalização política. Reconhecendo a predominância da concepção histórica
eurocêntrica, bem como a relevância da desconstituição do preconceito contra os afro-
brasileiros e sua cultura, o presente trabalho justifica-se pelo conteúdo da Lei Federal nº
11645/08 e realiza-se no contexto de uma educação para as relações étnico-raciais.
Numa sociedade plural como a brasileira, é preciso respeitar as diferentes etnias e
culturas que a constituem. Apesar de nas últimas décadas os movimentos sociais ligados à
população afro-descendente terem obtido consideráveis conquistas, percebe-se que ainda
hoje, não estão resolvidas questões de discriminação étnico-racial em nosso país. Conhecer
o que essas questões traduzem é ponto de partida para que sejam repensadas e alteradas.
Nesse sentido, as Diretrizes Curriculares Nacionais enfatizam:
o estudo dos temas decorrentes da história e cultura afro-brasileira e africana não se restringe à população negra, ao contrário, diz respeito a todos os brasileiros, uma vez que devem educar-se enquanto cidadãos atuantes no seio de uma comunidade multicultural e pluriétnica, capazes de
construir uma nação democrática. (Diretrizes Curriculares Nacionais, 2005, p. 17).
1 Professora de História da Escola Estadual Moreira Salles – Ensino Fundamental, Núcleo Regional
de Goioerê-PR. Integrante do Programa de Desenvolvimento Educacional(PDE), turma 2012. 2 Professor do Programa de Mestrado Interdisciplinar “Sociedade e Desenvolvimento” e do Curso de
História da Universidade Estadual do Paraná, Câmpus de Campo Mourão.
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Em pesquisa divulgada em 2008, realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEA, 2013), com dados relativos ao período de 1993 a 2007, a segunda maior
taxa de analfabetismo está entre os homens negros, cabendo às mulheres negras, a
primeira maior taxa. De acordo com o levantamento, no que diz respeito ao tempo de
permanência na escola, o estudo mostra que, em 2007, entre os brancos, a média era de
8,1 anos de estudo e entre os negros, de 6,3 anos. O estudo aponta ainda que das
residências que se encontravam em favelas ou semelhantes, 40,1% são chefiadas por
homens negros e 21,3% por homens brancos, e ainda, que os negros são os que ganham
menos, registra as maiores taxas de desemprego, as menores de emprego formal.
Estudos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizados em 2012,
indicam que em média, o trabalhador preto ou pardo ganha 56,1% do rendimento recebido
por trabalhadores da cor branca. Do universo de ocupados de cor branca em 2003, 41,2%
tinham carteira assinada, ao passo que, entre os ocupados de cor preta ou parda, a
proporção era 37,7%, ou seja, havia uma diferença de 3,5 pontos percentuais entre as duas
classes. Em 2012, a diferença caiu para 0,2 pontos percentuais (49,4% para brancos e
49,2% para pretos ou pardos). Assim, os índices confirmam o teor da Lei Federal nº
11645/08.
Estas questões apresentadas acima apontam para uma exclusão étnico-racial
brasileira resultante do processo histórico da escravidão do negro. O samba é considerado o
elemento máximo de manifestação e difusão da cultura afro-brasileira. Assim, na tentativa de
contribuir para a extirpação dessa exclusão por meio do conhecimento e da valorização da
cultura afro-brasileira, o presente artigo, desenvolvido no âmbito do PDE3 busca
compreender o contexto sócio-econômico-cultural-político/ideológico da institucionalização
do samba como símbolo nacional durante o Estado Novo. Para tanto, dividiu-se o trabalho,
nas seguintes etapas: O contexto histórico do Estado Novo (1937-1945); O poder do rádio
no Estado Novo (1937-1945); A trajetória do samba: de prática marginalizada à Símbolo
Nacional; Análise do samba enquanto elemento de manifestação e difusão da cultura afro-
brasileira a serviço da ideologia Estadonovista (1937-1945); Experiências na aplicação do
Caderno Pedagógico em sala de sala de aula ; Considerações Finais.
3 Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) que visa contribuir para a melhoria da qualidade
da educação básica do estado do Paraná, desenvolvido por professores da rede pública estadual de educação, no período de dois anos, composto por aulas teóricas presenciais, elaboração de projeto de pesquisa, elaboração e implementação do material didático junto aos alunos, aplicação do GTR (Grupo de Trabalho em Rede formado por professores da SEED, sob a plataforma Moodle para a troca de experiências e discussões acerca da pertinência e da aplicabilidade do tema e do material didático produzido pelo professor PDE nas escolas da rede pública estadual de educação.), produção do artigo científico.
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O contexto histórico do Estado Novo (1937-1945)
Vargas esteve na presidência do Brasil de 1930 a 1945 (Era Vargas). Esse período,
considerado de grande importância histórica em virtude das profundas transformações
econômicas, políticas e culturais ocorridas no cenário nacional. A historiografia costuma
dividir os primeiros 15 anos do governo Vargas em: Governo Revolucionário ou
Inconstitucional (1930-1934); Governo Constitucional (1934-1937); Governo Ditatorial ou
Estado Novo (1937-1945).
Durante o governo Vargas, no plano internacional, havia a “Política de Boa
Vizinhança” (1933-1945) que consistia em investimentos e venda de tecnologia norte-
americana aos países latino-americanos, em troca do apoio destes àquela política
imperialista e de uma aproximação cultural entre EUA e a América Latina. Porém, enquanto
na América Latina propagavam-se as qualidades da cultura norte-americana como o
industrialismo e modernização, nos EUA caracterizava-se a cultura latina pelas belezas
naturais e o exotismo. O personagem brasileiro Zé Carioca, por exemplo, foi criado nesse
período. (CATELLI, 2009, p. 119).
No âmbito econômico ocorria a transição do sistema agrícola ao urbano industrial
capitalista, em decorrência do crescimento industrial que provocava o aumento da mão-de-
obra, do mercado consumidor, o florescimento da vida urbana e da modernidade. Na
agricultura, o Governo obteve êxito na aplicação da política de valorização do café com a
queima dos excedentes e fixação de taxas de exportação, incentivou o aumento da
produção e a diversificação dos cultivos. (SCHMIDT, 2004, p. 147-148).
No campo político, a ditadura de Vargas buscava uma modernização ligada à
construção de uma identidade nacional e de uma brasilidade. Utilizava o nacionalismo como
objeto de ideologia política e o mito da democracia racial para beneficiar seu governo,
promover a auto-imagem do Brasil e elaborava em 1937 a Constituição, de inspiração
fascista, para legitimar o regime.
Com o desenvolvimento da indústria o número de trabalhadores cresceu
consideravelmente. Vargas, temendo que os operários provocassem uma revolução
socialista e querendo-os obedientes, disciplinados e produtivos, usou táticas como a
repressão e o pacto populista que consistia numa troca: os operários se comprometiam a
trabalhar duro e a não fazer greves e protestos e o governo a fazer, sempre que possível,
algumas leis de proteção social. As leis trabalhistas de Getúlio tornaram-se célebres: a
jornada de trabalho diária ficou reduzida à oito horas, proibiu-se empregar crianças com
menos de 14 anos, os patrões foram obrigados a pagar o salário mínimo no mês de férias,
instituiu-se o salário mínimo (1940), pagamento de horas-extras, descanso semanal
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remunerado, criou-se a aposentadoria para os idosos e o feriado de 1º de Maio. Em 1943,
as leis trabalhistas foram consolidadas na CLT.
Com sua política populista, Vargas conquistou o apoio das massas, passando a ser
chamado de “pai dos pobres” ou “protetor dos trabalhadores”, tornou-se um mito político.
(SCHMIDT, 2004, p.149-151). Entretanto, enquanto 60% dos brasileiros viviam na área
rural, as leis trabalhistas valiam só para os trabalhadores urbanos e o governo que jamais
falou em Reforma Agrária, só permitia a existência dos sindicatos pelegos, exercendo
assim, o controle sobre o movimento operário. De acordo com Boris Fausto (1984), o Estado
Novo brasileiro (1937-1945) buscava constituir uma cultura nacional capaz de unificar o país
sob a égide do Estado, de alcançar um novo patamar de “civilização” e de incorporar a
ideologia propugnada pelo Estado, eliminando seus aspectos indesejáveis.
Vargas desenvolveu uma política voltada para o nacionalismo que utilizava diversas
formas de propaganda através dos meios de comunicação como o rádio, imagens,
discursos, jornais, com o intuito de propagar suas ideias criando uma noção de nação
igualitária, patriótica, moderna e forte. Utilizou instituições como a família e a igreja para
neutralizar as lutas de classe, projetando para a sociedade imagens do retrato de uma
nação-família feliz e conformada com a situação por não haver privilégios e sim conciliação
de classes sociais que colaboravam entre si. A utilização da imagem de Jesus Cristo
crucificado nas fábricas era corriqueira e buscava incutir no trabalhador o exemplo e
aceitação pacífica de sua condição social de submissão. A militarização do corpo foi outra
estratégia utilizada para forjar um indivíduo despolitizado, disciplinado, trabalhador,
produtivo e submisso. Usou a Educação Física para alienar o indivíduo, prepará-lo para
servir à nação, à pátria, e constituir-se em mão-de-obra forte, ágil, robusta e disciplinada
para atender ao mercado de trabalho. (LENHARO, 1986).
No âmbito cultural, havia a influência do Modernismo opondo-se aos modelos culturais
europeus e buscando valorizar as raízes culturais e históricas nacionais. Assim, a educação
nacional moldou-se para adequar aos interesses do Estado Novo e a Educação Física que
se vinculava à ideia de Segurança Nacional, passou a formar indivíduos fisicamente
preparados para a defesa da pátria e para assegurar o processo de industrialização do país,
a formar uma mão-de-obra fisicamente capacitada, uma juventude consciente (doutrinada)
em relação ao sentimento de civismo e disposta a melhorar costumes sociais que pudessem
interferir na construção de uma nova identidade nacional, de uma nação forte e unida, com a
prática de esportes, por exemplo.
O Estado Novo articulou uma dupla estratégia de atuação na área cultural, incentivava
a pesquisa e a reflexão conduzidas pelos intelectuais reunidos no ministério chefiado por
Gustavo Capanema, e, ao mesmo tempo, estabelecia uma rígida política de vigilância em
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relação às manifestações da cultura popular. Cabia ao Departamento de Imprensa e
Propaganda (DIP), fundado pelo governo em 1939, analisar os conteúdos dos livros
didáticos e das cartilhas distribuídas aos estudantes, bem como produzir cartazes e livros
que exaltassem a figura de Getúlio Vargas e suas decisões políticas, censurar funções
esportivas e recreativas, organizar manifestações cívicas e festas patrióticas nas quais a
Educação Física tornava-se imprescindível.
Para Lenharo:
Persegue-se obstinadamente não somente a configuração de um tipo físico único para o brasileiro; ambiciona-se também a definição de um só perfil racial, a ponto de ser estabelecida uma relação simples entre raça e Nação constituída. A importância do trato do corpo é crucial para uma sociedade que se vê somatizada; a saúde, a força do corpo e a sua saúde e sua força estimadas. A projeção mesma de uma parte física e equilibrada com a espiritual dimensiona um conjunto social equilibrado, no qual as tensões e conflitos ficam fora de lugar pela natureza singular de sua constituição. Afinal, um projeto articulado de corporativização avança nos anos 30 e a imagem do corpo humano impunha-se como necessariamente positiva e acabada para o conjunto da sociedade. (LENHARO, 1986, p. 79).
Desta forma, a ideologia do regime era transmitida através das cartilhas infanto-
juvenis, dos jornais nacionais, pelo teatro e cinema, pela música, e se fazia presente nos
carnavais, festas cívicas e populares.
O poder do rádio no Estado Novo (1937-1945)
A propaganda do regime foi facilitada pelo controle governamental dos mais variados
meios de comunicação, principalmente o rádio. Em 1923 foi fundada a primeira estação de
rádio do Brasil, chamada de Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, inaugurando a era da
comunicação de massa no país. Essa e outras rádios foram fundadas com o objetivo de
contribuir para a formação cultural da população brasileira e suas programações variavam
entre a leitura de textos literários e a apresentação de músicas clássicas.
Em 1932, com a autorização legal da inserção de propagandas comerciais, o rádio
deixou de ter apenas função educativa e passou a ser utilizado também como
entretenimento. Havia programas de música, de humor, de calouros, radionovelas e
noticiários. Esse poderoso meio de comunicação alterou antigos hábitos populares e
influenciou as tendências da moda na época, pois, da década de 1930 torna-se o meio de
comunicação de massa mais eficaz do país, milhares de aparelhos foram vendidos e as
noticias do Brasil e do mundo passaram a chegar com maior rapidez aos ouvintes
brasileiros.
Vargas, percebendo o poder do rádio em transmitir, influenciar e padronizar os valores
culturais brasileiros passou a usá-lo para a afirmação da cultura nacional tentando criar uma
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identidade nacional e para afirmar a política getulista, levando diariamente ao ar noticias
referente ao Estado Novo e privilegiando os programas que valorizassem a cultura brasileira
(PELLEGRINI, 2009, p. 108-109). O DIP, criado com o objetivo de difundir a ideologia do
Estado Novo junto às camadas populares, possuía os setores de divulgação, radiodifusão,
teatro, cinema, turismo e imprensa. Cabia-lhe também coordenar, orientar e centralizar a
propaganda interna e externa, fazer censura ao teatro, cinema e as funções esportivas e
recreativas, dirigir o programa de radiodifusão oficial do governo: “A Hora do Brasil”, que,
criado em 1938, transmitido das dezenove às vinte horas, veiculava notícias sobre os fatos
políticos do país, os atos diários do presidente, temas sobre a História do Brasil, discursos
de Getúlio e seus ministros, músicas regionais e de autores brasileiros consagrados como
Francisco Alves, Carmen Miranda e outros nomes de sucesso do samba. A partir de 1939,
todas as estações de rádio foram obrigadas a transmitir o programa “A Hora do Brasil”.
A partir de 1938, foi ao ar o programa “A Hora do Brasil” - programa de radiodifusão
oficial do governo. Em seus discursos, Vargas usava artifícios, metáforas e simbologias para
a formação de um espírito cívico, nacional, patriótico em torno de sua figura. Buscou-se
difundir o uso do rádio nas escolas, nos estabelecimentos agrícolas e industriais para
promover a cooperação entre a União, os Estados, os Municípios e particulares.
Com o Estado Novo, as emissoras de rádio passaram a ser controladas e censuradas
por funcionários do governo, que aprovavam ou vetavam os programas e censuravam as
letras de músicas colocadas no ar, especialmente dos sambas, pois este era o principal
gênero musical na época. Vários estados possuíam órgãos filiados ao DIP, os chamados
DEIPS e essa estrutura altamente centralizada permitia ao governo exercer o controle da
informação, assegurando-lhe o domínio da vida cultural do país.
No entendimento de Lenharo:
Dos dispositivos utilizados em larga escala, o rádio foi o principal deles pelo clima e pelo teor simbólico que alcançava entre emissores e receptores.... O rádio permitia uma encenação de caráter simbólico e envolvente... de ilusão participativa e de criação de um imaginário homogêneo de comunidade nacional... para se atingir determinadas finalidades de participação política. (LENHARO, 1986, p. 40-41).
A trajetória do samba: de prática marginalizada a símbolo nacional
Para compreendermos as relações entre o samba e o Estado Novo, faremos um breve
e contextualizado relato da trajetória e das transformações sofridas por aquele que de
prática marginalizada, tornou-se símbolo oficial da cultura nacional no Estado Novo, o
samba.
O termo samba, de origem africana, tem seu significado ligado às danças típicas
tribais africanas. Os escravos africanos de origem banto trouxeram para a Bahia, no período
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colonial, os ritmos e instrumentos musicais africanos, estes, misturados ao ritmo brasileiro,
deram origem ao samba, que atualmente possui diversos tipos (subgêneros). À princípio,
influenciado pelo lundu e pelo maxixe, era formado por um balanço rápido, um ritmo
repetitivo, letras simples, palmas, cantos e pessoas que dançavam dentro de uma roda, ao
som de viola, atabaque, berimbau, chocalho e pandeiro. Foi denominado samba rural,
baiano ou de roda.
Com as características atuais, chegou ao Rio de Janeiro no século XX, trazido pelos
negros que expulsos da zona rural com a crise da lavoura cafeeira, instalaram-se nos
morros da então capital brasileira, em busca de trabalho e trouxeram consigo sua cultura.
Muitos desses negros, excluídos da sociedade e marginalizados por não terem acesso às
vagas de emprego na indústria, dada a preferência pela mão-de-obra dos imigrantes, na
ociosidade, exercitavam suas raízes culturais, compondo sambas, cantando e vivendo da
boemia, pois esta era uma das únicas opções de sobrevivência que lhes restava.
Esses negros reuniam-se também nas chamadas casas das “tias” que eram locais de
moradia de baianas que promoviam em suas casas encontros em que praticavam ao
mesmo tempo e em espaços diferentes da casa, rituais religiosos e festejos com comidas,
música e dança de origens africanas. Numa área do Rio de Janeiro chamada Pequena
África pelo grande contingente de negros que ali habitavam, na Rua Visconde de Inhaúma,
localizava-se a casa de Tia Ciata, onde se reunia todos os tipos de gente, pessoas de
terreiro, boêmios e profissionais da música. Hilária Batista de Almeida, conhecida
popularmente como Tia Ciata, nascida no Recôncavo Baiano, ficou conhecida no Rio de
Janeiro por suas festas, onde vários sambas foram criados. (TINHORÃO, 2009).
Assim, o samba torna-se ligado à vida nos morros, com letras que falam da vida
urbana, dos trabalhadores, das dificuldades da vida de uma forma amena, muitas vezes
humorística, e, mais tarde, ganha uma conotação de mistura de raças e uma estética mais
estilizada. Ainda de acordo com Tinhorão (2009), aos poucos, as casas das “tias” passam a
ser frequentadas por pessoas dos mais diversos grupos sociais, inclusive da elite. Essas
pessoas, atuando como expectadores ou querendo aproximar-se das religiões ali
praticadas, contribuíram para a disseminação da cultura popular e do samba para outras
camadas sociais, mesmo havendo repressão à cultura popular e principalmente à cultura
negra.
O primeiro samba registrado na Biblioteca Nacional em 1917 “Pelo telefone”, de
autoria de Donga e Mauro de Almeida, foi gravado por Baiano, naquele mesmo ano, mas
pouca semelhança há entre o primeiro samba e os que se ouvem atualmente, pois, na
gravação de Baiano não há a percussão característica do samba atual e os instrumentos,
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com exceção do violão, não parecem os mais utilizados no samba. No entanto, já estava
presente aí o embrião de um novo ritmo. (CATELLI, 2009, p. 112).
Com a Primeira Guerra Mundial, os valores até então ditados ao mundo pela Europa
foram afetados, em 1922, houve a Semana de Arte Moderna que abriu novas possibilidades
para a cultura nacional ao dar início à busca e valorização das raízes culturais e históricas
do país e das práticas culturais populares. Nos desfiles carnavalescos cariocas, que já
ocorriam desde 1920, o samba “rural”, dançado em rodas, no estilo umbigada, não podia
mais ser usado, pois os componentes das escolas de samba que faziam das alegorias
tentativas de se parecer com a elite, dançavam em movimentos de marcha, em blocos, nas
ruas. Daí surge a bateria que traz consigo mais uma transformação do samba.
Segundo Vianna (2004), o Bairro do Estácio, região entre morros cariocas, graças a
seu desenvolvimento industrial, na década de 1930, já era um forte reduto da cultura negra
e do samba. Ali, o samba ganha novos moldes. Surge então o samba moderno ou samba
urbano, um samba mais batucado, que rapidamente ganha os morros, os desfiles
carnavalescos, os botequins, os cinemas e os ouvidos de jovens brancos de classe média,
os quais passam a compor sambas com melodias mais lentas e românticas, dando origem
ao samba-canção, que se expande para as camadas mais populares, fazendo adeptos
como Nelson Cavaquinho e Cartola.
Ainda no início do século XX, com o surgimento da indústria fonográfica e radiofônica
no Brasil, diante da inexistência de regulamentação sobre direitos autorais, agentes de
compositores ou gravadoras, passam a comprar, geralmente a preços muito baixos, as
composições de sambas, muitas vezes passando a afirmar-se como seu próprio autor,
negando a autoria de seu verdadeiro compositor, o negro do morro carioca. Nos anos de
1930, o rádio tornou-se o principal meio de comunicação de massa do país e foi
rapidamente utilizado para propagar a imagem de Vargas em todo o território nacional, por
meio de estratégias diversas, dentre delas, a censura aos sambas que não atendiam aos
seus interesses político-ideológicos.
No Estado Novo, com o intuito de exigir a “adequação” dos sambas-enredo, a
prefeitura carioca patrocinava as escolas de samba aceitas oficialmente pelo DIP. Assim,
enquanto se institucionalizava a escola de samba, se legitimava aquele que até então era
perseguido policialmente, como expressão máxima da cultura popular brasileira, o samba. A
Rádio Nacional tornou-se patrimônio da União controlada pelos Estados, foi criada a
Orquestra Nacional que em suas apresentações na Rádio agregou instrumentos populares
como o violão e o cavaquinho. O DIP estabeleceu uma distinção entre os sambas. Os
sambas considerados evoluídos, por seu tom nacionalista, por seu ufanismo, eram
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chamados de “samba positivo”, os caracterizados por letras que se identificassem com a
temática do malandro e da malandragem, eram considerados “samba negativo”.
O governo que propagava o trabalhismo, a idéia da importância da família e do
casamento, passou a censurar por meio do DIP, tudo que não exaltasse o trabalho, a
família, e a repreender a “vadiagem” e a “malandragem”. A aversão ao trabalho e ao
casamento era expressa, ora de forma ambígua e irônica, ora de forma direta e realista, em
muitas letras de sambas da época, pois era considerado “malandro” aquele que não tinha
emprego fixo, que vivia da boemia, enfim, em regra, era considerado “malandro”, o negro.
Nesse contexto, nota-se o surgimento de sambas que aderiram à imposição do Estado
fazendo surgir o samba-exaltação (subgênero), caracterizado por um caráter grandioso, por
ser composto por letras que exaltavam as belezas do Brasil e ter grande arranjo orquestral.
O samba exaltação (subgênero), teve em Ary Barroso com a canção Aquarela do Brasil, seu
maior representante (PARANHOS, 2004, p. 21).
Assim, numa relação de poder em que o Estado exerce além da repressão, a censura
por meio do DIP, os sambas que não atendiam aos seus interesses, foram censurados e
descartados das rádios, enquanto que os sambas “evoluídos” como Aquarela de Ary
Barroso, por exemplo, numa espécie de barganha com o Estado, passaram de prática
marginalizada à símbolo nacional, propagando interna e externamente o Estado Novo. De
acordo com Vianna (2004), em sua obra O Mistério do Samba, ao mesmo tempo em que é
reprimido, o samba passa a ser considerado pelo Estado o símbolo da nossa cultura
mestiça e aos poucos vai sendo institucionalizado pelo Estado.
Marcado por sua síncopa (ritmo com deslocamento do acento da nota musical forte
para a fraca, prolongando-a com uma pausa), tocado basicamente por instrumentos de
percussão e acompanhado por instrumentos de corda como o cavaquinho, violão, pandeiro,
tamborim, tantã, bandolim, o samba foi se transformando, e assim, ramificando-se. Foram
surgindo seus mais diversos estilos e subgêneros musicais como o samba-raiz, samba de
roda, samba choro, samba-enredo, samba de partido alto, pagode, samba-canção, samba
carnavalesco, samba-exaltação, samba de breque, samba de gafieira, sambalanço, samba
reggae, samba-rock, dentre outros.
Análise do samba enquanto elemento de manifestação e difusão da cultura afro-
brasileira a serviço da ideologia Estadonovista (1937-1945)
Nos anos de 1930, o Estado Novo coloca em foco o nacionalismo, a identidade
nacional, a valorização da miscigenação pelo uso do discurso disfarçado de democracia
racial. A política getulista voltada aos ideais modernizantes e à abertura do país ao
capitalismo, cria a figura do trabalhador brasileiro nº 1. O Estado faz uma campanha de
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propaganda política que projeta a imagem de Vargas como um grande líder nacional cujo
discurso sempre fazia menções à legislação social e aos trabalhadores que eram os
“responsáveis pela construção da pátria”, dotados de ânimo, interesse e capacidade.
Preocupado com a integração étnica nacional (nome oficial da miscigenação) o governo faz
a lei dos 2/3, pela qual todas as empresas deveriam ter no mínimo essa quantidade de
trabalhadores brasileiros, medida que oportunizava trabalho ao negro. Essas propagandas
somadas às questões do trabalhismo contribuíram para Vargas se associar à imagem de
“pai dos pobres”.
Em 1939, Getúlio Vargas que cultuava a família e pregava que o trabalho conduz o
homem à felicidade pessoal e o país ao desenvolvimento, divulgou uma portaria que proibia
a exaltação da malandragem. Assim, para servir como instrumento de legitimação de seu
governo ditatorial de inspiração nazifascista europeia, o samba deveria mudar sua temática,
deixando de referir-se à malandragem. O DIP censurava qualquer canção que tivesse temas
que na visão do “poder”, fizessem apologia, culto à malandragem e à boêmia, estivesse
relacionado à vadiagem e ao não-trabalho, logo, os sambistas eram desestimulados a
escrever sambas deste gênero (CATELLI, 2009, p. 12).
Muitas músicas tiveram suas letras negadas pela censura e até modificadas, como na
canção o “Bonde de São Januário”, um dos casos mais famosos que envolveu dois grandes
compositores e parceiros da história da Música Popular Brasileira, Wilson Batista e Ataulfo
Alves. No início dos anos de 1940, os compositores do samba "O Bonde de São Januário",
um sucesso na voz de Ciro Monteiro, para evitar problemas com o DIP fizeram cortes
exigidos pelo órgão, ficando assim a música:
Canção: Bonde de São Januário
Gênero Musical: Samba
Compositor: Wilson Batista e Ataulfo Alves
Ano: 1940
Intérprete: Ciro Monteiro
Trechos da letra
Quem trabalha é que tem razão
O Bonde São Januário
...Leva mais um operário
Antigamente eu não tinha juízo...
... A boemia não dá camisa a ninguém
Disponível em: http://letras.terra.com.br/wilson-batista/259906/. Acesso em 09 set. 2013.
Trechos da letra censurada pelo DIP.
Canção: Bonde de São Januário – Letra
censurada
Gênero Musical: Samba
Compositor: Wilson Batista e Ataulfo Alves
Ano: 1940
Trechos da letra
Eu digo e não tenho medo
O Bonde São Januário
...Leva mais um sócio otário
Sou eu que não vou trabalhar...
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Intérprete: Ciro Monteiro
Vivo muito bem a boemia
... Passe bem!
Disponível em: http://www.drzem.com.br/2009/12/o-bonde-sao-januario-o-bonde-que-leva.html.
Acesso em: 09 set. 2013.
Antes da censura do DIP a letra da música dizia: “O Bonde São Januário/ Leva mais
um sócio otário / Sou eu que não vou trabalhar..."A alteração compreende a mudança de
sócio otário” por “operário” / “Sou eu que não vou trabalhar” por “Sou eu que vou trabalhar”
A questão da identidade do malandro muito presente nos sambas, gerou um conflito
entre dois compositores da época: Noel Rosa e Wilson Batista. Em 1933 Wilson Batista
compôs “Lenço no Pescoço”, samba que descreve o malandro com suas características
típicas, entre elas a da malandragem:
Canção: Lenço no Pescoço
Gênero Musical: Samba
Compositor: Wilson Batista
Ano: 1933
Intérprete: Wilson Batista
Trechos da letra
Lenço no pescoço...
... Eu tenho orgulho
Em ser tão vadio.
Disponível em: http://letras.mus.br/wilson-batista/386925/. Acesso em: 09 set. 2013.
Noel Rosa, que não concordava com essa imagem do malandro estigmatizado, e
costumava falar do malandro de forma mais amena e menos caracterizada, em resposta,
compõe no mesmo ano, a canção “Rapaz Folgado”:
Canção: Rapaz Folgado
Gênero Musical: Samba
Compositor: Noel Rosa
Ano: 1933
Intérprete: Noel Rosa
Trechos da letra
E tira do pescoço o lenço branco
... Propondo ao povo civilizado
... Não te chamar de malandro
E sim de rapaz folgado.
Disponível em: http://letras.mus.br/noel-rosa-musicas /397357/. Acesso em: 09 set. 2013.
Diante da valorização da família imposta pelo sistema, outros sambas, em suas
temáticas, retratam a vontade do sambista de largar a vida boêmia, a malandragem, e de
casar-se, constituir família. Exemplo: Música “A Malandragem” de Bidê e Francisco Alves,
de 1927. Observamos:
Canção: A Malandragem
Gênero Musical: Samba
Trechos da letra
A malandragem eu vou deixar
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Compositor: Bidê e Francisco Alves
Ano: 1927
Intérprete: Francisco Alves
Eu não quero saber da orgia
Mulher do meu bem querer
Esta vida não tem mais valia.
Disponível em: http://letras.mus.br/francisco-alves/593845/. Acesso em: 09 set. 2013.
Exemplos semelhantes encontramos ao analisar e comparar trechos das letras das
canções “Caixa Econômica” composta por Nassara e Orestes Barbosa em 1933, “Canção
do Trabalhador” composta por Ary Kerner em 1940 e “É negócio casar” composta por
Ataulfo Alves e Felisberto Martins em 1941.
Canção: Caixa Econômica
Gênero Musical: Samba
Compositor: Nassara e Orestes Barbosa
Ano: 1933
Intérprete: João Petra de Barros e Luiz
Barbosa
Trechos da letra
Você quer comprar o meu sossego
Me vendo morrer num emprego...
... Esta vida é muito cômica
Eu não sou Caixa Econômica
... Por isso eu nasci cansado
Disponível em: http://www.brasileirinho.mus.br/artigos/trabalhompb.html. Acesso em: 09 set. 2013.
Canção: Canção do Trabalhador
Gênero Musical: Samba
Compositor: Ary Kerner
Ano: 1940
Intérprete: Carlos Galhardo
Trechos da letra
Somos a voz do progresso
E do Brasil a esperança
... Trabalhador
...Exalta o Brasil
...Expressão verdadeira
Do lema altivo da nossa bandeira
Disponível em: http://www.brasileirinho.mus.br/artigos/trabalhompb.html. Acesso em: 09 set. 2013.
Canção: É negócio casar
Gênero Musical: Samba
Compositor: Ataulfo Alves e Felisberto
Martins
Ano: 1941
Intérprete: Ataulfo Alves
Trechos da letra
Veja só...
A minha vida como está mudada
... Porque a vida é do trabalhador
... E sou feliz com meu amor
O estado novo
Veio para nos orientar
No Brasil não falta nada
Mas precisa trabalhar
Disponível em: http://letras.mus.br/ataulfo-alves/1251895/. Acesso em: 09 set. 2013.
13
De acordo com Catelli, a partir de 1941, no transcorrer da Segunda Guerra Mundial,
em troca de subsídios para o parque industrial brasileiro em pleno desenvolvimento, Getúlio
apoia formalmente os Estados Unidos por meio de um acordo que incluía um investimento
na imagem dos dois países, interessando ao Brasil o papel de país líder da América Latina e
aos EUA que os brasileiros tivessem uma imagem positiva daquele país. Assim, surgem
personagens como Zé Carioca nas produções de Walt Disney, Hollywood produz filmes
estrelados por Carmem Miranda sob a trilha sonora de Ary Barroso, etc. O Estado também
mobilizou intelectuais, artistas e músicos para ajudarem na legitimação do governo,
contribuindo para difundir sua ideologia. O uso da cultura popular de massas se fez
principalmente com a utilização da música popular, sobretudo o samba.
Conforme Catelli, José Ramos Tinhorão lembra como Vargas utilizava os artistas
para promover sua imagem. Segundo ele, em 1935,
Getúlio Vargas visitara a Argentina e o Uruguai, e um grupo de artistas brasileiros acompanhava a comitiva oficial com a missão de reforçar a simpatia do sorriso do presidente. Entre esses artistas estaria Carmen Miranda e o conjunto Bando da Lua... E a prova de que Getúlio Vargas era quem pessoalmente determinava as diretrizes para o uso de artistas populares em sua propaganda política estaria não apenas no fato de ter ordenado a criação de uma Hora do Brasil na Rádio El Mondo, de Buenos Aires, logo no segundo ano de sua gestão como ditador do Estado Novo, mas no de ter recebido a mesma Carmen Miranda e os músicos do Bando da Lua na estância balneária de Caxambu na penúltima semana de abril de 1939, para recomendar à cantora que não aceitasse o convite do empresário Lee Schubert, da Broadway, sem a inclusão dos músicos brasileiros que a acompanhavam. Carmen Miranda se encarregaria de divulgar, ao declarar ao repórter Henry C. Pringle, da revista norte-americana Colliers: “O presidente do Brasil”, disse ela por meio do intérprete, “não acha prudente que eu vá sem minha própria orquestra”. (CATELLI, 2009, p. 118).
O DIP incentivava músicas com temas que exaltassem as virtudes e belezas do
Brasil, tais músicas ficaram conhecidas como “samba-exaltação” ou samba “apologético-
nacionalista”, pois se adequavam à ideologia do Estado Novo. O samba carnavalesco de
Ary Barroso conhecido como “Aquarela do Brasil” (1939) com sua temática ufanista e
patriótica se adequou perfeitamente ao governo nacionalista de Vargas e Ary Barroso
tornou-se o maior representante desse tipo de samba ao compô-la em 1939, ao seu lado,
teve “Brasil Pandeiro” composta por Assis Valente em 1940.
A letra de “Aquarela do Brasil” tem como características o ufanismo, uma exaltação
às belezas do país, considerando sua natureza, cultura e povo somente exaltando as coisas
positivas do país. Podemos observar diversos aspectos que dizem respeito à cultura
nacional, tais como folclore, religiosidade, mitos, multiculturalismo e aspectos naturais que
particularizam e valorizam o Brasil. Abrange a cultura popular, citando o carnaval, festa
14
folclórica brasileira através da qual o povo expressa sua identidade e mantém viva uma
conexão com ritos, mitos, festas, crenças, que foram importantes no passado e que são
revividos e recontados durante os dias em que a festa é realizada. Consegue mostrar a
miscigenação do Brasil com os versos: Meu mulato inzoneiro / Tira a mãe preta do cerrado /
Bota o rei congo no congado / Da morena sestrosa. Ary Barroso declara amor à terra boa de
se viver, à tranquilidade, à sensualidade, à alegria do povo e às tradições brasileiras.
Ufanismo: Brasil para mim / Terra boa e gostosa / Brasil lindo e trigueiro.Belezas naturais e sossego: Esse coqueiro que dá coco / Nas noites claras de luar / fontes murmurantes / onde amarro a minha rede. Gingado brasileiro e sensualidade: O Brasil samba que dá bamboleio que faz gingar / Terra de samba e pandeiro / Pelos salões arrastando / Morena sestrosa do olhar indiscreto.
Canção: Aquarela do Brasil
Gênero Musical: Samba
Compositor: Ary Barroso
Ano: 1939
Intérprete: Vários Artistas
Trechos da letra
Brasil!
Meu Brasil brasileiro
...Vou cantar-te nos meus versos
O Brasil, samba que dá
...O Brasil, do meu amor
Terra de Nosso Senhor
Brasil! Pra mim! Pra mim, pra mim
...Terra boa e gostosa
Disponível em: http://letras.mus.br/gal-costa/46099/. Acesso em: 09 set. 2013
Canção: Brasil Pandeiro
Gênero Musical: Samba
Compositor: Assis Valente
Ano: 1940
Intérprete: Assis Valente
Trechos da letra
Chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu
valor
... O Tio Sam está querendo conhecer a nossa
batucada
Brasil, esquentai vossos pandeiros
Iluminai os terreiros que nós queremos sambar
Disponível em: http://letras.mus.br/os-novos-baianos/122199/. Acesso em: 09 set. 2013.
Assim, a arte de compositores e intérpretes como Wilson Batista, Ary Barroso e
Carmem Miranda, ainda que sem intenção, serviram de instrumento político.
Alguns sambas da época também exaltam o próprio Getúlio Vargas, colocando-o
como símbolo do Brasil e o “Salvador da Pátria”. Observemos um trecho do samba “Glórias
do Brasil” composto por Zé Pretinho e Antonio dos Santos em 1936. Na sequência,
acompanhemos a análise do mesmo realizada por Franklin Martins.
15
Canção: Salvador da Pátria
Gênero Musical: Marcha
Compositor: Zé Pretinho e Antonio dos
Santos
Ano: 1936
Intérprete: Nano Roland
Trechos da letra
Esses atos de patriotismo.
Hoje tens nome na história
Na emergência de teu negro abismo.
Porque existia em seu seio,
Entre os valores verdadeiros,
Getúlio Vargas, que veio
Mostrar ser o Brasil dos brasileiros
Disponível em: http://www.franklinmartins.com.br/som_na_caixa_gravacao.php?titulo=glorias-do-
brasil. Acesso em: 09 set. 2013.
Segundo Franklin Martins
Parece ser feita de encomenda para glorificar a figura de Getúlio que a essa altura do campeonato, depois de dominar o putsch integralista de março de 1938 [...], havia liquidado toda forma de oposição a seu governo. Não fica claro quem, na visão de Zé Pretinho e de Antonio dos Santos, queria dominar o povo brasileiro. Seriam os comunistas ou os integralistas? Provavelmente, ambos. Ao menos, esse era o discurso oficial da época. (MARTINS, Franklin, 2007, p.1).
As mudanças na sociedade brasileira fizeram com que o samba sofresse
transformações realizadas por pessoas, pelo Estado, pelo capital, pelos negros. Exemplo
dessas transformações ao longo de sua história são suas inúmeras classificações e
subgêneros. Sua consolidação foi importante também porque desencadeou novas
discussões sobre questões como o direito autoral, a profissionalização do músico e o
desenvolvimento de um mercado musical. Sua diversidade atesta que ele é brasileiro, pois
contém os aspectos de nossa cultura, é popular, espontâneo, complexo, como disseram os
compositores das músicas abaixo:
Canção: Tem Mais Samba
Gênero Musical: Samba
Compositor: Chico Buarque de Holanda
Ano: 1964
Intérprete: Chico Buarque de Holanda
Trechos da letra
Tem mais samba no encontro que na espera
Tem mais samba a maldade que a ferida
O coração de fora
Samba sem querer
Vem que passa
Teu sofrer
Se todo mundo sambasse
Seria tão fácil viver
Disponível em: http://letras.mus.br/chico-buarque/86063/. Acesso em: 09 set. 2013.
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Canção: Poder da Criação
Gênero Musical: Samba
Compositor: João Nogueira e Paulo César
Pinheiro
Ano: 1980
Intérprete: Diogo Nogueira, Alcione.
Trechos da letra
Não, ninguém faz samba só porque prefere
Força nenhuma no mundo interfere
Sobre o poder da criação
... É, faz pensar que existe uma força maior que
nos guia
...E o poeta se deixa levar por essa magia
E um verso vem vindo e vem vindo uma melodia
E o povo começa a cantar, lá laia lá, lalaía,
Disponível em: http://www.letras.com.br/#!diogo-nogueira/poder-da-criacao. Acesso em: 09 set.
2013.
Experiências na aplicação do Caderno Pedagógico em sala de sala de aula
Conforme apontado acima, a experiência pedagógica tratando da compreensão do
contexto sócio-econômico-cultural-político/ideológico da institucionalização do samba como
símbolo nacional durante o Estado Novo, foi aplicada em trinta e duas aulas, aos alunos do
9º ano D da Escola Estadual Moreira Sales - EF II, localizada no município de Moreira Sales.
A referida turma do período vespertino, compunha-se de trinta e cinco alunos.
No Estado Novo (1937-1945) houve uma intensa ação estatal no sentido de formar
uma identidade nacional e os símbolos dessa identidade. O samba foi, então,
institucionalizado como símbolo nacional. Considerando que neste período o Estado
Brasileiro utilizou diversas ferramentas de propagação de seus interesses políticos
ideológicos, bem como a possibilidade da institucionalização do samba ocorrida no período
ser mais uma das ferramentas de propaganda política ideológica utilizada pelo governo
ditatorial de Vargas no período, optamos pelo recorte temporal (1937-1945). A escolha do
trabalho com a Música Popular Brasileira, ocorreu pelo fato da música ser uma fonte
histórica, além de um instrumento didático-pedagógico capaz de suscitar o interesse dos
alunos pelo conhecimento.
Assim, no intuito de trazer para o âmbito escolar as discussões desenvolvidas pelos
professores vinculados ao Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), de
compreender o processo de institucionalização do samba como símbolo da cultura nacional
no contexto político-cultural do Estado Novo (1937-1945) e sua possível instrumentalização
política, realizamos uma pesquisa bibliográfica em livros e artigos produzidos sobre o tema.
A pesquisa fundamentou e instrumentalizou a elaboração do projeto de pesquisa e do
17
material didático de intervenção pedagógica, que teve a forma de um Caderno Pedagógico4,
com temáticas relacionadas ao objeto de estudo.
Com o objetivo de propiciar aos alunos a aquisição de conhecimentos científicos
sobre a cultura e história dos afrobrasileiros, a prática de conceituações para a melhor
compreensão do objeto de estudo foi constante no material didático trabalhado que
relacionou teoria e prática, refletiu a realidade escolar e contou com diversas estratégias
metodológicas: aulas expositivas e dialogadas, trailers de filmes e documentários, vídeos,
estudos de textos, apresentação de seminários, relatórios, interpretação de poesias,
canções e imagens, confecção de mapas, resposta a um questionário de avaliação
diagnóstica aplicado no início de cada unidade e posterior resolução de atividades diversas.
A temática foi desenvolvida de forma contextualizada, com atividades de estudos que levam
à uma compreensão dos processos históricos de permanências e rupturas, das relações de
poder, trabalho e cultura.
No intuito de trabalhar de forma a propiciar o conhecimento da diversidade e o
respeito a ela, buscamos investigar se os jovens constroem conhecimentos históricos por
meio do uso das canções, bem como verificar se após a intervenção houve melhoria na
capacidade de compreensão histórica. Nesse sentido, Moreira entende que:
a aprendizagem significativa caracteriza-se pela interação entre o novo conhecimento e o conhecimento prévio... o novo conhecimento adquire significados para o aprendiz e o conhecimento prévio fica mais rico, mais diferenciado, mais elaborado em termos de significados e adquire mais estabilidade (MOREIRA, 2003, p. 3).
Os cursistas do GTR5 ratificaram a necessidade e a importância de se trabalhar a
temática, bem como a qualidade e a capacidade de envolvimento da metodologia adotada,
conforme observamos nos apontamentos extraídos do excerto6. Para chegarmos ao foco do
presente trabalho foi necessária uma breve contextualização de um pouco da História da
4 O caderno pedagógico foi composto por cinco unidades sequenciais: Unidade I: Continente
Africano; Unidade II: Escravidão no Brasil e no Paraná; Unidade III: A Cultura Afro-brasileira e o Samba; Unidade IV: O Estado Novo (1937-1945); Unidade V: O samba no Estado Novo (1937-1945). 5 GTR (Grupo de Trabalho em Rede formado por professores da SEED, sob a plataforma Moodle
para a troca de experiências e discussões acerca da pertinência e da aplicabilidade do tema e do material didático produzido pelo professor PDE nas escolas da rede pública estadual de educação) 6 “Tomando como exemplo o projeto "O samba enquanto manifestação da cultura afro-brasileira e sua
utilização como símbolo da cultura nacional durante o Estado Novo (1937-1945)" percebemos que no Brasil ao longo das décadas de 1930 e 1940, anos do entusiasmo nacionalista do governo Getúlio Vargas, as ideias de mestiçagem e de democracia racial foram entrelaçadas na construção de uma identidade nacional e o samba foi aos poucos incorporado como símbolo de nacionalidade, expressando a síntese cultural própria do Brasil, sem que isto significasse a inclusão da população negra na categoria de cidadãos.” (Apontamentos escritos por Maria Aparecida Pereira Brandão em 2 de abril de 2013, durante o fórum de discussão do Projeto de Intervenção Pedagógica. Cf. http://www.diaadiaeducacao.pr,gov.br/portalfrm_login.php?acesso=2&origem=moodle).
18
África, da escravidão negra paranaense e dos elementos constitutivos da cultura afro-
brasileira.
Observando os resultados dos questionários de avaliação diagnóstica aplicado aos
alunos no início de cada unidade, constatamos que a maioria possuía uma ideia da África
enquanto um país exótico e miserável, não tinha conhecimento da prática escravista no
estado do Paraná, poucos reconheciam o samba enquanto elemento da cultura afro-
brasileira, desconhecia a trajetória e as transformações deste, desconheciam a figura de
Getúlio Vargas, o Estado Novo e a metodologia para a interpretação de uma canção.
Analisando as atividades e questionários realizados após a implementação de cada
unidade trabalhada, percebemos que os alunos passaram a reconhecer a África como um
continente com história e características próprias, portador de uma cultura riquíssima que
contribuiu na formação da cultura brasileira, que todos tinham conhecimento da existência e
do processo de escravidão paranaense, bem como de diversos outros elementos
constitutivos da cultura afro-brasileira, em especial, o samba. A maioria compreendeu quem
e o que foram Getúlio, a Era Vargas e o Estado Novo, indicou inclusive, Vargas como um
personagem que, apesar de ditador, graças ao apoio ao popular, tornou-se figura política
central nas décadas de 1930 e 1940.
Após toda essa abordagem histórica, iniciamos o trabalho com a música,
contextualizando-a, por meio da análise e interpretação das canções, seguindo as
indicações de Roberto Catteli Júnior (2009): A que gênero ou estilo musical pertence a
canção? Em que época e por quem foi composta? Que relação a canção tem com o
contexto cultura, político e econômico de uma determinada época? O que sua letra expressa
em relação à época de sua composição e interpretação? A que grupo social pertence o
autor? Ele pertence a algum movimento específico de ordem política, musical ou de
qualquer outra ordem? Qual a linguagem da canção? Que visão de mundo a canção
incorpora, traduz? Qual o significado das palavras desconhecidas? Há ambiguidade ou
ironia em sua letra?
A princípio, apesar da boa aceitação dos alunos ao estilo musical, estes tiveram
dificuldades na realização das atividades de interpretação, de pensar o contexto e de
compreender a história enquanto um processo. Com a realização de pesquisas, trocas de
ideias, audição das músicas, intervenções e apontamentos, os estudantes dirimiram dúvidas
e interagiram com as atividades propostas.
Com a implementação do material didático produzido, os alunos puderam
compreender o processo pelo qual o samba, por conta de interesses políticos/ideológicos
passou de prática marginalizada e reprimida pela força policial, à símbolo nacional.
Identificaram claramente nas canções do período analisadas, as ideologias presentes como
19
aquelas que enalteciam a figura política de Getulio Vargas no período do Estado Novo
(1937-1945). De maneira especial, no estrondoso sucesso popular da canção símbolo do
samba-exaltação, Aquarela do Brasil, de Ary Barroso identificaram uma visão ufanista e
ideológica que na tentativa de apregoar a farsa da democracia racial brasileira, traz em seu
bojo uma relação direta com as questões referentes à identidade individual e nacional, ao
sentimento de pertencimento (ou ausência dele) vivido cotidianamente pelos brasileiros.
Que tais questões, ao envolverem aspectos etários, étnicos e de classe social no Brasil,
permearam historicamente o processo de formação cultural da nação. Concluíram que
alguns valores do Brasil existem há muito tempo e estão na história do país e no dia-a-dia
dos brasileiros, graças às práticas sociais que ao mesmo tempo em que reproduzem tais
valores, os reconstroem. Que as canções trazem consigo representações, (re)forçam o
imaginário social, uma vez que a linguagem é a condição para que os pensamentos se
construam, os estereótipos se propaguem e as práticas sociais continuem a constituir a
realidade.
Sugeriram ainda uma maior utilização da canção como ferramenta didática nas
aulas de História e o desenvolvimento de trabalhos e atividades escolares como este, que
de forma prazerosa, promovam a compreensão histórica, um maior apoio social ao
movimento negro, a realização de campanhas envolvendo maior participação dos
afrodescendentes de nossa escola e município tais como aquelas voltadas para a negação
da violência; o incentivo à denúncia de práticas preconceituosas, discriminatórias e racistas
às instâncias e órgãos públicos competentes, e, principalmente, às atividades escolares que
contemplem o estudo do samba como forma de valorização da cultura afro-brasileira.
Considerações finais
O reconhecimento da necessidade da desconstrução do racismo, do preconceito de
que ainda são vítimas os negros e afrodescendentes brasileiros, da necessidade da
promoção de ações que contribuam para a extirpação das representações sociais negativas
impostas à população negra, e, a crença na possibilidade de mudanças advindas da
aquisição do conhecimento, motivou a realização desse trabalho que propôs ações de
compreensão, reconhecimento e respeito à etnia negra, de forma especial, por meio do
conhecimento e do envolvimento com o samba, o elemento genuíno da cultura afro-
brasileira.
Os conhecimentos produzidos por meio de pesquisa científica, aulas presenciais, e
as trocas de experiências com os participantes do GTR, propiciaram uma prática
pedagógica de maior qualidade que resultou numa melhor aprendizagem dos alunos. A
implementação desta metodologia diferenciada mostrou que é possível o aluno
20
compreender que a história pode estar presente em práticas de seu cotidiano, como por
exemplo, ao ouvir uma canção. O uso da canção como fonte histórica no estudo da História,
motivou os alunos, tornando o processo de ensino aprendizagem mais significativo,
propiciando a construção de conhecimentos históricos e uma melhora significativa na
capacidade de compreensão histórica.
Desta forma, o trabalho apontou sugestões metodológicas para a construção do
conhecimento histórico, suscitou reflexões e mudanças de atitudes preconceituosas,
contribuindo assim, para o respeito e a valorização da população afrodescendente,
consequentemente, para a melhoria da qualidade da Educação Básica e para uma
sociedade mais justa e igualitária.
21
Fontes
A Malandragem. Disponível em: http://letras.mus.br/francisco-alves/593845/. Acesso em 26 set. 2013.
Aquarela do Brasil. Disponível em: <http://letras.mus.br/gal-costa/46099/>. Acesso em 26 set. 2013.
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Bonde São Januário. Disponível em: <http://letras.terra.com.br/wilson-batista/259906/>. Acesso em 26 set. 2013.
Brasil Pandeiro. Disponível em: <http://letras.mus.br/os-novos-baianos/122199/>. Acesso em 26 set. 2013.
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Caixa Econômica. Disponível em: <http://www.brasileirinho.mus.br/artigos/trabalhompb.html>. Acesso em 26 set. 2013.
É negócio é casar. Disponível em: <http://letras.mus.br/ataulfo-alves/1251895/>. Acesso em 26 set. 2013
FIGUEIREDO, Nayara. Mulheres negras ainda são prejudicadas no desenvolvimento
profissional. Disponível em: http://www.dci.com.br/politica-economica/mulheres-negras-
ainda-sao-prejudicadas-no-desenvolvimento-profissional-id335566.html. Acesso em 17 ago. 2013.
Glórias do Brasil. Disponível em: <http://www.franklinmartins.com.br/som_na_caixa_gravacao.php?titulo=glorias-do-brasil>. Acesso em 26 set. 2013.
Ipea lança 3ª edição do “Retrato das Desigualdades”. Disponível em: http://www.afrobras.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=101:ipea-lanca-3o-edicao-do-retrato-das-desigualdades&catid=38:pesquisas&Itemid=73. Acesso em: 09 ago. 2013.
Lenço no Pescoço. Disponível em: http://letras.mus.br/wilson-batista/386925/>. Acesso em 26 set. 2013.
Poder da Criação. Disponível em: http://www.letras.com.br/#!diogo-nogueira/poder-da-criacao>. Acesso em 26 set. 2013.
Rapaz Folgado. Disponível em: http://letras.mus.br/noel-rosa-musicas/397357/>. Acesso em 26 set. 2013.
Samba. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Samba. Acesso em 17 ago. 2013.
Tem Mais Samba. Disponível em: <http://letras.mus.br/chico-buarque/86063/>. Acesso em 26 set. 2013.
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CATELLI JÚNIOR, Roberto. Temas e linguagens da história: ferramentas para sala de aula no ensino médio. São Paulo: Scipione, 2009..
22
FAUSTO, Boris (org.) História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo: Difel, 1984. Tomo III, 4 vol, p. 503-523.
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. 19 ed. São Paulo: Loyola, 2009.
FREYRE, Gilberto. Casa-grande e senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. 49 ed. São Paulo: Global, 2004.
GARCIA, Tania da Costa. O “it verde amarelo” de Carmem Miranda (1930-1946). São Paulo: Anablume, 2004.
LENHARO, Alcir. Sacralização da política. Campinas, Papirus, 1986.
MOREIRA, Marco Antonio. Aprendizagem significativa crítica. Atas do Terceiro Encontro Internacional sobre Aprendizagem Significativa. Lisboa, 2000.
NABUCO, Joaquim. A Escravidão. Acervo Digital, Recife: Massanga, 1988. Disponível em: http://digitalização.fundaj.gov.br/. Acesso em: 07 nov. 2012.
PARANÁ, Secretaria de Estado da Educação do. Diretrizes Curriculares de História para o Ensino Fundamental. Curitiba: 2008.
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SEVERIANO, Jairo. Getúlio Vargas e a música popular. Rio de Janeiro: FGV, 1983.
PELLEGRINI, Marco César. Vontade de saber história, 9º ano. São Paulo: FDT, 2009.
SCHMIDT, Mario Furley. Nova história crítica. São Paulo: Nova geração, 2004.
STECA, Lucinéia Cunha; FLORES, Mariléia Dias. História do Paraná: do século XVI à década de 1950. Londrina: UEL, 2002.
TINHORÃO, José Ramos. História Social da Música Popular Brasileira. São Paulo: Editora 34, 1998.
TUMA, Magda Madalena Peruzin. Viver é descobrir – História do Paraná. São Paulo: FDT, 2008.
VIANNA, Hermano. O mistério do samba. 5. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.
1
Anexo I – Letra das Músicas
A Malandragem
Composição: Francisco Alves
A malandragem eu vou deixar
Eu não quero saber da orgia
Mulher do meu bem-querer
Esta vida não tem mais valia
Mulher igual para a gente é uma beleza
Não se olha a cara dela
Porque isso é uma defesa
Arranjei uma mulher
Que me dá toda vantagem
Vou virar almofadinha
Ou tentar a malandragem
Esses otários que só sabem
É dar palpite
Quando chega o Carnaval
A mulher lhe dá o suite
Você diz que é malandro
Malandro você não é
Malandro é Seu Abóbora
Que manobra com as mulhé.
Caixa Econômica
Composição: Nássara e Orestes
Barbosa
Você quer comprar o seu sossego
Me vendo morrer num emprego
Pra depois então gozar
Esta vida é muito cômica
Eu não sou Caixa Econômica
Que tem juros a ganhar.
Você diz que eu sou moleque
Porque não vou trabalhar
Eu não sou livro de cheque
Pra você descontar
E você vive tranquila
Rindo e fazendo chiquê
Sempre na primeira fila
Me fazendo de guichê
(E você quer comprar o quê, hein?)
Meu avô morreu na luta
E meu pai, pobre coitado,
Fatigou-se na labuta
Por isso eu nasci cansado
E pra falar com justiça,
Eu declaro aos empregados
Ter em mim essa preguiça, herança
De antepassados.
2
Aquarela do Brasil
Composição: Ary Barroso
Brasil!
Meu Brasil brasileiro
Meu mulato inzoneiro
Vou cantar-te nos meus versos
O Brasil, samba que dá
Bamboleio, que faz gingar
O Brasil, do meu amor
Terra de Nosso Senhor
Brasil! Pra mim! Pra mim, pra mim
Ah! abre a cortina do passado
Tira a mãe preta do cerrado
Bota o rei congo no congado
Brasil! Pra mim!
Deixa cantar de novo o trovador
A merencória luz da lua
Toda canção do meu amor
Quero ver a sá dona caminhando
Pelos salões arrastando
O seu vestido rendado
Brasil! Pra mim, pra mim, pra mim!
Brasil!
Terra boa e gostosa
Da morena sestrosa
De olhar indiscreto
O Brasil, samba que dá
bamboleio que faz gingar
O Brasil, do meu amor
Terra de Nosso Senhor
Brasil! Pra mim, pra mim, pra mim
Oh esse coqueiro que dá coco
Onde eu amarro a minha rede
Nas noites claras de luar
Brasil! Pra mim
Ah! ouve estas fontes murmurantes
Aonde eu mato a minha sede
E onde a lua vem brincar
Ah! esse Brasil lindo e trigueiro
É o meu Brasil brasileiro
Terra de samba e pandeiro
Brasil! Pra mim, pra mim! Brasil!
Brasil! Pra mim, pra mim! Brasil!, Brasil!
Glórias do Brasil
Composição: Zé Pretinho e Antônio
dos Santos
Brasil, ó rincão querido,
Prezado pelo mundo novo,
Destruído estava seu futuro,
Porque pretendiam dominar seu povo.
Surgiu Getúlio Vargas,
O presidente brasileiro,
Que entre seus filhos
Como um herói foi o primeiro.
Ainda temos na memória
Esses atos de patriotismo.
Hoje tens nome na história
Na emergência de teu negro abismo.
Porque existia em seu seio,
Entre os valores verdadeiros,
Getúlio Vargas, que veio
Mostrar ser o Brasil dos brasileiros.
3
Bonde São Januário – Letra
Censurada
Composição: Wilson Batista e Ataulfo
Alves
Quem trabalha
É quem tem razão
Eu digo
E não tenho medo
De errar
Quem trabalha...
O Bonde São Januário
Leva mais um operário
Sou eu
Que vou trabalhar
O Bonde São Januário...
Antigamente
Eu não tinha juízo
Mas hoje
Eu penso melhor
No futuro
Graças a Deus
Sou feliz
Vivo muito bem
A boemia
Não dá camisa
A ninguém
Passe bem!
Bonde São Januário
Composição: Wilson Batista e Ataulfo
Alves
Quem trabalha
É quem tem razão
Eu digo
E não tenho medo
De errar
Quem trabalha...
O Bonde São Januário
Leva mais um sócio otário
Sou eu
Que não vou trabalhar
O Bonde São Januário...
Antigamente
Eu não tinha juízo
Mas hoje
Eu penso melhor
No futuro
Graças a Deus
Sou feliz
Vivo muito bem
A boemia
Não dá camisa
A ninguém
Passe bem!
4
É Negócio é Casar
Composição: Ataulfo Alves e
Felisberto Martins
Veja só...
A minha vida como está mudada
Não sou mais aquele
Que entrava em casa alta madrugada
Faça o que eu fiz
Porque a vida é do trabalhador
Tenho um doce lar
E sou feliz com meu amor
O estado novo
Veio para nos orientar
No brasil não falta nada
Mas precisa trabalhar
Tem café petroleo e ouro
Ninguem pode duvidar
E quem for pai de 4 filhos
O presidente manda premiar...
[breque] é negócio casar
Brasil Pandeiro
Composição: Assis Valente
Chegou a hora dessa gente bronzeada
Mostrar seu valor
Eu fui na Penha, fui pedir ao Padroeiro
Para me ajudar
Salve o Morro do Vintém,
Pendura a saia eu quero ver
Eu quero ver o tio Sam
Tocar pandeiro para o mundo sambar
O Tio Sam está querendo conhecer
A nossa batucada
Anda dizendo que o molho da baiana
Melhorou seu prato
Vai entrar no cuzcuz,
Acarajé e abará.
Na Casa Branca já dançou
A batucada de ioiô, iaiá
Brasil, esquentai vossos pandeiros
Iluminai os terreiros
Que nós queremos sambar
Há quem sambe diferente
Noutras terras, noutra gente
Num batuque de matar
Batucada, Batucada, reunir nossos
valores
Pastorinhas e cantores
Expressão que não tem par, ó meu
Brasil
Brasil, esquentai vossos pandeiros
Iluminai os terreiros que nós queremos
sambar
Ô, ô, sambar, iêiê, sambar...
Queremos sambar, ioiô,
Queremos sambar, iaiá
5
Lenço no Pescoço
Composição: Wilson Batista
Meu chapéu do lado
Tamanco arrastando
Lenço no pescoço
Navalha no bolso
Eu passo gingando
Provoco e desafio
Eu tenho orgulho
Em ser tão vadio
Sei que eles falam
Deste meu proceder
Eu vejo quem trabalha
Andar no miserê
Eu sou vadio
Porque tive inclinação
Eu me lembro, era criança
Tirava samba-canção
Comigo não
Eu quero ver quem tem razão
E eles tocam
E você canta
E eu não dou
Poder da Criação
Composição: João Nogueira e Paulo
César Pinheiro
Não, ninguém faz samba só porque
prefere
Força nenhuma no mundo interfere
Sobre o poder da criação
Não, não precisa se estar nem feliz,
nem aflito
Nem se refugiar em lugar mais bonito
Em busca da inspiração
Não, ela é uma luz que chega de
repente
Com a rapidez de uma estrela cadente
Que acende a mente e o coração
É, faz pensar que existe uma força
maior que nos guia
Que está no ar,
Bem no meio da noite ou no claro do
dia
Chega a nos angustiar
E o poeta se deixa levar por essa
magia
E um verso vem vindo e vem vindo
uma melodia
E o povo começa a cantar, lá laiá
Lá, lalaía, laiá
6
Rapaz Folgado
Composição: Noel Rosa
Deixa de arrastar o teu tamanco
Pois tamanco nunca foi sandália
E tira do pescoço o lenço branco
Compra sapato e gravata
Joga fora esta navalha que te atrapalha
Com chapéu do lado deste rata
Da polícia quero que escapes
Fazendo um samba-canção
Já te dei papel e lápis
Arranja um amor e um violão
Malandro é palavra derrotista
Que só serve pra tirar
Todo o valor do sambista
Proponho ao povo civilizado
Não te chamar de malandro
E sim de rapaz folgado
Tem Mais Samba
Composição: Chico Buarque de
Holanda
Tem mais samba no encontro que na
espera
Tem mais samba a maldade que a
ferida
Tem mais samba no porto que na vela
Tem mais samba o perdão que a
despedida
Tem mais samba nas mãos do que nos
olhos
Tem mais samba no chão do que na
lua
Tem mais samba no homem que
trabalha
Tem mais samba no som que vem da
rua
Tem mais samba no peito de quem
chora
Tem mais samba no pranto de quem vê
Que o bom samba não tem lugar nem
hora
O coração de fora
Samba sem querer
Vem que passa
Teu sofrer
Se todo mundo sambasse
Seria tão fácil viver