1.1 Paisagem, estética e GeoecologiaA palavra paisagem tem um lugar bastante especial na Geogra-
fia brasileira. Nos Parâmetros Curriculares Nacionais da área
de Geografia, é mencionada 232 vezes no singular, no plural ou
como adjetivo (paisagístico). No documento que apresenta essa
área para o ensino fundamental, é usada 162 vezes. Trata-se de
uma importante categoria de análise da Geografia, mas qual é
mesmo seu significado nessa disciplina?
Santos (2008, p. 67-68) define paisagem da seguinte maneira:
Tudo o que nós vemos, o que a nossa visão alcança, é a paisagem.
Esta pode ser definida como o domínio do visível, aquilo que a
vista abarca. É formada não apenas de volumes, mas também de
cores, movimentos, odores, sons etc.
Seguindo essa linha teórica, a paisagem abrange uma dimen-
são basicamente visual e, portanto, ligada à percepção. É desse
modo que a paisagem é vista também pelo paisagismo, pela pintu-
ra e pela fotografia. A própria tentativa de valorização da estética
paisagística, como no caso do Jardim Botânico de Curitiba (Fig. 1.1),
surge da concepção de paisagem como aquilo que a vista alcança.
Contudo, essa não é a única linha teórica que define o conceito
de paisagem na Geografia. Rodriguez, Silva e Cavalcanti (2004, p. 18)
afirmam que uma paisagem “é definida como um conjunto inter-
relacionado de formações naturais e antroponaturais” e que possui,
além de uma estrutura (forma e arranjo espacial), um conteúdo
dinâmico e evolutivo. Esses autores ainda definem paisagem natural
1O que é uma paisagem?
cartografia_paisagens.indb 11 08/07/2014 12:42:33
12 cartografia de paisagens
como sinônimo de geossistema, que é uma categoria de sistemas
abertos, dinâmicos e hierarquicamente organizados (Sochava, 1977).
No exemplo da Fig. 1.2, a borda leste da bacia sedimentar do
Jatobá, no Parque Nacional do Catimbau (PNC), em Pernambu-
co, reúne um conjunto de morros-testemunhos que surgiram em
decorrência da dissecação do arenito Tacaratu. O clima semiárido
do sertão pernambucano, associado a um determinado regime de
Fig. 1.1 Jardim Botânico de Curitiba: paisagem pensada pelo arquiteto Abrão Assad
Fig. 1.2 Morros-testemunhos do Parque Nacional do Catimbau (PE): o arranjo espacial único é resultado da história das interações entre os processos geoecológicos na borda leste da bacia sedimentar do Jatobá
cartografia_paisagens.indb 12 08/07/2014 12:42:35
O conhecimento científico busca explicar a realidade por meio
da criação de modelos, sendo necessário, para tanto, classificar
os objetos estudados. Com a abordagem científica das paisa-
gens não seria diferente.
No Brasil, a tentativa mais frutífera de diferenciação das paisa-
gens foi realizada por Aziz Nacib Ab’Sáber (1924-2012), ex-professor
titular da Universidade de São Paulo, ligado ao Instituto de Estu-
dos Avançados da mesma instituição e um dos mais respeitados
geógrafos do Brasil, reconhecido e premiado internacionalmen-
te sobretudo por seus trabalhos nas áreas de Geografia Física e
Geomorfologia e por seu envolvimento com a questão ambiental
e o planejamento do território (Ab’Sáber; Menezes, 2009). Em sua
proposta teórica, as paisagens, trabalhadas de um ponto de vista
geoecológico, correspondem a conjuntos em que se repetem
padrões climáticos, geológicos, geomorfológicos, pedológicos e
fitofisionômicos.
Para designar um sistema de unidades taxonômicas, Ab’Sáber
destaca duas zonas paisagísticas: uma tropical e outra subtropical.
Essas zonas são divididas em seis domínios de natureza (como sinô-
nimos, ele ainda usa os termos domínios paisagísticos, macrobiomas,
domínios morfoclimáticos e fitogeográficos e espaços macropaisagísticos
e macroecológicos, entre outros), que são os seguintes: amazônico,
cerrado, mares de morros, caatingas, araucárias e pradarias. Além
disso, eles são separados por faixas de transição (Fig. 2.1).
O domínio (ou macrodomínio) amazônico é marcado por terras
baixas florestadas equatoriais, enquanto o cerrado apresenta
chapadões tropicais interiores com cerrados e florestas de gale-
2 Princípios metodológicos
cartografia_paisagens.indb 23 08/07/2014 12:42:44
24 cartografia de paisagens
Fig. 2.1 Domínios de natureza no Brasil: (A) mares de morros florestados; (B) depressões interplanálticas com caatingas; (C) planaltos subtropicais com araucárias; (D) chapadões tropicais interiores com cerrados e florestas de galeria; (E) terras baixas florestadas equatoriais; (F) coxilhas subtropi-cais com pradarias mistas
Fotos: (A) Raquel Cavalcanti; (D) Tiago H. S. Pinho; (E) Tatiany O. da Silva; (F) Sherindon/Wikipedia.org.
cartografia_paisagens.indb 24 08/07/2014 12:42:45
2 princípios metodológicos 29
Fig. 2.4 Estrutura de um complexo geoecológico desenvolvido em inselbergue granítico em clima semiárido: (A) foto panorâmica exibindo um minibio-ma em primeiro plano; (B) perfil apresentando a estrutura do complexo A, dividido conforme a direção do fluxo (I e II) e os minibiomas (1 a 9); (C) detalhe de um minibioma com pedogênese incipiente e caatinga rupestre
Fig. 2.3 Microbioma em fratura com diferentes espécies de herbáceas
1 2 3 4 5 6 7 8 9
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cartografia_paisagens.indb 29 08/07/2014 12:42:50
No âmbito da Geografia, as paisagens geralmente têm sido
representadas por meio de ferramentas metodológicas, entre
as quais se destacam o transecto (seções-tipo), os quadros de
correlação e a carta (Monteiro, 2000). Este capítulo descreve
essas diferentes técnicas de representação e algumas de suas
variações metodológicas.
3.1 Seções-tipoQualquer representação da paisagem em um perfil topográfi-
co é denominada seção-tipo. Trata-se de um modelo que busca
caracterizar as variações paisagísticas ao longo de um gradien-
te de relevo (Fig. 3.1).
Em áreas de rocha cristalina, no semiárido nordestino, foram
observados, em janeiro de 2013, 14 pontos ao longo de 7 km, em
altitudes de 560 m a 630 m, próximos à localidade do Xilili (municí-
pio de Tupanatinga, em Pernambuco), com o objetivo de constituir
uma seção-tipo representativa.
No perfil do Xilili, a paisagem desenvolve-se sobre um pedimen-
to estruturado em rochas metamórficas ocasionalmente inumadas
por um manto arenoso, às vezes raso (havendo migração da argila
do cristalino por capilaridade), às vezes profundo, evidenciando a
base dissecada de algum antigo morro-testemunho (Fig. 3.2).
Nesse contexto, desenvolvem-se solos rasos sobre camadas alte-
radas de rocha ou sobre algum material transportado, geralmente
com clastos de tamanhos variados, compondo pavimentos detríticos
que ocasionalmente são intercalados com afloramentos rocho-
sos (neossolos litólicos) e dificilmente guardam um horizonte A.
3Técnicas de representação das paisagens
cartografia_paisagens.indb 37 08/07/2014 12:42:54
38 cartografia de paisagens
Muitas vezes, o solo reflete a planura do relevo e seu efeito sobre a
estagnação da água resulta na formação de um horizonte B bastan-
te argiloso de cor reduzida (B plânico).
Onde a cobertura arenosa é rasa, a argila do horizonte B plânico
migra por capilaridade e é percebida na camada arenosa superior.
Onde, por sua vez, a cobertura arenosa é mais profunda, o efeito
da migração da argila não é percebido (neossolos quartzarênicos),
e, no caso observado, esses solos são acompanhados pela presença
de elementos florísticos peculiares aos solos arenosos (Cnidoscolus
pubescens e Pilosocereus tuberculatus).
A vegetação é de baixo porte, geralmente com indivíduos de
Poincianella, Cnidoscolus, Mimosa e Aspidosperma de 3 m a 4 m compon-
do o dossel aberto e elementos arbóreos emergentes de Schinopsis
e, secundariamente, Commiphora. Essa vegetação recobre um pedi-
mento desenvolvido, por vezes dissecado.
Fig. 3.1 Seção-tipo. 1 = pedimento rochoso no cristalino; 2 = pedimento com estagna ção sazonal de água; 3 = glacis arenoso conservado; 4 = inselbergue baixo em serpentinito; 5 = Poincianella; 6 = Mimosa; 7 = Maytenus; 8 = Ipomoea; 9 = Commiphora; 10 = Ziziphus; 11 = Tacinga; 12 = Aspidosperma; 13 = Schinopsis; 14 = Croton; 15 = Jatropha; 16 = Prosopis; 17 = Pilosocereus (pachycladus e/ou gounellei); 18 = Pilosocereus (tuberculatus); 19 = Cnidoscolus (cf. quercifolius); 20 = Cnidoscolus (cf. pubescens)
630 m
560 m
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cartografia_paisagens.indb 38 08/07/2014 12:42:55
3 técnicas de representação das paisagens 43
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13).
cartografia_paisagens.indb 43 08/07/2014 12:43:02
Como visto anteriormente, é possível utilizar diversos recursos
para a Cartografia de Paisagens. Em muitos casos, não é preci-
so sequer ir a campo, em razão da boa qualidade dos dados
temáticos e da alta resolução das imagens de satélite ou das
fotografias aéreas disponíveis. Contudo, para a elaboração de
um mapeamento mais detalhado, visando compreender em
detalhes a estrutura das paisagens, é necessário seguir um
conjunto de etapas e subetapas que vão desde o planejamento
do serviço de campo até a confecção da carta (Quadro 4.1).
Inicialmente, é preciso escolher a área de estudo e reunir infor-
mações sobre ela, como imagens de satélite de alta resolução,
fotografias aéreas, cartas topográficas e dados temáticos (geologia
e solos, entre outros), com o objetivo de subsidiar o serviço.
Em seguida, inicia-se a etapa das descrições físico-geográficas
em campo, uma atividade fundamental para a cartografia de paisa-
gens locais e que consiste na observação e no registro de atributos
físico-geográficos da paisagem. Essa etapa envolve a descrição das
formas do relevo, do regime de drenagem, do litotipo, dos solos,
da vegetação e do uso da terra, além de outras informações que
sejam relevantes para a caracterização de alguma área. Em geral,
as observações são realizadas em parcelas de 30 m × 30 m.
A descrição físico-geográfica pode ser de dois tipos: completa
ou simples. Qualquer atividade de cartografia de paisagens inicia-
-se com a elaboração de descrições completas, que consistem em
observações mais detalhadas, com controle seletivo dos locais
observados, de modo a se obter o reconhecimento da maior diver-
sidade possível de paisagens da área que está sendo mapeada.
4 Critérios para a observação da paisagem
cartografia_paisagens.indb 53 08/07/2014 12:43:06
4 critérios para a observação da paisagem 63
ra variável, ou seja, figuras geométricas regulares cujas dimensões
horizontais são sempre maiores que as verticais (IBGE, 2007). Na
estrutura granular, as partículas estão arranjadas em torno de um
ponto e formam agregados arredondados, e o contato entre as
unidades ocorre não por meio de faces, mas de pontos. Na estrutu-
ra prismática, as partículas se arranjam em forma de prisma (com
faces e arestas) e sua distribuição acontece preferencialmente ao
longo de um eixo vertical. Os limites laterais entre as unidades são
relativamente planos, portanto as dimensões verticais são maiores
que as horizontais.
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Fig. 4.6 Triângulo da determinação texturalFonte: baseado em Thien (1979).
cartografia_paisagens.indb 63 08/07/2014 12:43:10
64 cartografia de paisagens
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cartografia_paisagens.indb 64 08/07/2014 12:43:11
Algumas considerações se fazem necessárias para aprofundar o
debate sobre a Cartografia de Paisagens e sua estrutura teórica.
Este capítulo apresenta e discute alguns princípios gerais que
norteiam a identificação de paisagens para fins cartográficos,
que incluem: modelo hierárquico, abordagem de identificação,
método de classificação e sistema léxico.
5.1 Modelos hierárquicos e seus problemasQualquer simples reflexão sobre a organização espacial das
paisagens leva à percepção de uma estrutura hierárquica, por
exemplo: o domínio das caatingas, descrito por Ab’Sáber, apresen-
ta clima semiárido, relevo plano com solos rasos e pedregosos
e vegetação xerofítica, entre outras características. Contudo,
dentro desse domínio é possível encontrar áreas com solos
profundos, a exemplo daquelas de bacia sedimentar, e áreas
com climas subúmidos (nas partes elevadas), bem como áreas
alagadas com vegetação higrófita nos sopés de escarpamen-
tos (brejos de pé de serra). Em resumo, dentro de um domínio
existe todo um mosaico de unidades intradominais.
Essa organização hierárquica das paisagens é reconhecida pela
Geografia pelo menos desde o final do século XIX. Desde então, muitos
autores têm apresentado modelos hierárquicos, com níveis definidos
pela manifestação do fenômeno paisagístico. Um modelo conhecido
no Brasil é o de Bertrand (1968, 1972), que divide o planeta em zonas,
domínios, regiões naturais, geossistemas, geofácies e geótopos.
A zona intertropical contém domínios de florestas equatoriais
úmidas, os quais se dividem em regiões naturais de terra firme e
5Considerações teórico- -metodológicas avançadas
cartografia_paisagens.indb 83 08/07/2014 12:43:15
84 cartografia de paisagens
planícies de inundação. Essas planícies, por sua vez, dividem-se em
geossistemas de diferentes tipos, e assim por diante. É isso que se
quer indicar aqui quando se fala de modelo hierárquico, ou seja,
uma representação teórica da organização estrutural das paisagens.
Dezenas de modelos, talvez centenas, já foram propostos por
vários pesquisadores, não só geógrafos, para a representação da
diversidade ambiental, razão pela qual se percebeu que alguns
modelos são melhores do que outros para determinados ambien-
tes. O de Bertrand, por exemplo, foi aplicado ao Brasil não sem
dificuldades, e seus limites foram expostos desde cedo por Montei-
ro (1976) e Ab’Sáber (2003).
Alguns autores têm sugerido que qualquer modelo hierárquico
que predetermine uma quantidade de níveis (por exemplo, zona,
domínio, região natural, geossistema, geofácies e geótopo) é mais a
representação de um caso específico do que uma regra geral (Khoro-
shev; Merekalova; Aleschenko, 2007). Note-se que mesmo alguns
modelos bem testados, como aqueles desenvolvidos na Rússia e na
antiga União Soviética, têm apresentado dificuldades de aplicação
em certos casos (Chernykh; Zolotov, 2007; Mamay, 2007).
No Brasil, as dificuldades de implementação de modelos hierár-
quicos rígidos foram recentemente bem discutidas e explicadas por
Lima (2014), que correlacionou propostas hierárquicas distintas no
âmbito da ciência geomorfológica e concluiu que modelos hierár-
quicos rígidos servem como boas referências para identificação,
mas muitas vezes não se adequam à realidade de todas as áreas.
Khoroshev, Merekalova e Aleschenko (2007) chegam a sugerir
que modelos que usam níveis predefinidos sejam abandonados,
apontando uma série de considerações práticas para evitar o
problema, das quais se destacam as seguintes:
• a consideração de níveis superiores e inferiores ao nível
estudado;
• a consideração da hierarquia (espacial e temporal) particular
de cada componente (relevo, solos e vegetação, entre outros);
cartografia_paisagens.indb 84 08/07/2014 12:43:15
5 considerações teórico-metodológicas avançadas 89
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