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FILOSOFIA: O QUE É DIALÉTICA - Resenha
KONDER, Leandro. O que é dialética. 5ª reimp. da 28.ed. São Paulo: Brasiliense, 2004.
(Coleção primeiros passos, 23). p.88.
Leandro Konder, nascido em 1936, na cidade de Petrópolis – Rio de Janeiro – Brasil,
Doutor em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, professor de
Filosofia da Educação na PUC/Rio e autor de mais de 20 livros e ensaios, entre os tais:
“Bartolomeu”, “O Futuro da Filosofia da Práxis”, “Flora Tristan”, “A poesia de Brecht
e a História”, “Fourier, o Socialismo do Prazer” e outros, oportuniza-nos uma interação
intelectual sobre a dialética.
Embalado sob este título “O que é dialética?”, organizado em um índice didático que
percorre um diálogo sobre “Origens da Dialética”; “O Trabalho”; “A Alienação”; “A
Totalidade”; “A Contradição e a Mediação”; “A „Fluidificação‟ dos conceitos”; “As
Leis da Dialética”; “O Sujeito e a História”; “O Indivíduo e a Sociedade”; e “Semente
de Dragões”, Leandro Konder nos conduz a um espelhamento que nos trás à luz os
polígonos teórico-ideológicos traçados sobre pontos e tangentes que tocam em Zênon de
Eléa, Sócrates, Heráclito de Éfeso, Parmênides, Aristóteles, Petrus Damianus, Averróes,
Abelardo, Guilherme de Ockan, Nicolau Copérnico, Galileu, Descartes, Pico de la
Mirandola, Giordano Bruno, Pascal, Giambattista Vico, Leibniz, Spinoza, Hobbes,
Pierre Bayle, Montaigne, Denis Diderot, Jean-Jacques Rousseau, Imanuel Kant,
Napoleão Bonaparte, Adam Smith, Luckács, Evald Iliênkov, Lucien Goldmann, Padre
Henri Chambre, Feuerbach, Gramsci e, de modo intensamente mais destacado, em
Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770 – 1831), Friedrich Engles (1820 – 1895) e Karl
Marx (1818 – 1883), especialmente porque este último acusa que os filósofos até seu
tempo tinha-se prestado a um serviço limitado apenas a interpretar o mundo, carente da
ação para transformá-lo. Ora esses pontos e tangentes servem para contornar desenhos
ideológicos convergentes, ora para negar e antagonizar delineamentos conceituais
postos, das configurações estáticas às dinâmicas, ainda que breve, mas de rica síntese.
Daí que, em seu marco inicial, traduz-se a dialética como referir-se à arte do diálogo, no
contexto da Grécia Antiga que, depois, veio a referir-se à “arte de, no diálogo,
demonstrar uma tese por meio de uma argumentação capaz de definir e distinguir
claramente os conceitos envolvidos na discussão”, cuja delimitação conceitual alguns
atribuíra a Zênon de Eléa (490 – 430 aC), outros a Sócrates (469 – 399 aC.). Em
contexto teórico moderno, dialética nos indica “o modo de pensarmos as contradições
da realidade, o modo de compreendermos a realidade como essencialmente
contraditória e em permanente transformação”. Como nos mostra o autor, essa formação
sobre a dialética se dá nos enlaces de processos de construções conceituais e na ação
concreta sobre a natureza, inclusive no ser humano e na história das realidades da
natureza e das realidades criadas e/ou significadas pela humanidade, apreendidas em
seus acontecimentos e movimentos contínuos e dinâmicos, nas suas “imagens” e
“contra-imagens”, em perspectivas planas, prismáticas e volumétricas.
Lá em Heráclito de Éfeso (540 – 480 aC.), já encontramos elementos para nutrir a
discussão da dialética, a considerar sua teoria do “eterno devir” das coisas e sua idéia de
que as realidades se transformam em outras. Em Parmênides, encontra-se a idéia de que
a essência profunda das coisas é imutável, enquanto as mudanças operam apenas em
nível da superfície. Esta compreensão metafísica ilustrada em Parmênides predominou
no curso da História, sob defesa das classes dominantes das sociedades ocidentais, a fim
de manter a ordem estabelecida e o conjunto de valores nutridos em seus aparelhos
ideológicos vigentes. Sob as regras hegemônicas dessa mentalidade reinante, o cenário e
as correlações de forças dos atores não tendem à mudança, mas à imobilidade social e à
imobilidade da criatividade humana sobre o conhecimento. “Mas a dialética não
desapareceu”, posto que fora nutrida no pensamento de grandes filósofos, como
Aristóteles (384 – 322 aC.), que recolocara a defesa do “movimento” em processos de
mudanças atuantes em alterações mecânicas e quantitativas das coisas, bem como nas
modificações qualitativas ou nascimento de novas realidades, firmadas em seus
conceitos de “Ato” e “Potência”, potencialidades e possibilidades nutrindo processos de
transformações. Já em se tratando do contexto histórico da Idade Média Ocidental, sob
monopólio da Igreja Católica, teocêntrica, teológica e fundamentalista, com a idéia de
um deus criador de tudo e explicação religiosa imposta para predicar todos os
acontecimentos naturais e humanos, os processos criativos sob escolha e
governabilidade das operações dos seres humanos ficaram reprimidos, inclusive a
produção de racionalidade filosófica; a dialética fica sufocada e é empregada como
sinônimo linear de lógica e em sentido pejorativo. Daí, sujeito desse contexto, o
ideólogo Petrus Damianus defende que a única coisa importante para o ser humano era
salvar sua alma e que a via mais segura para isso residia em tornar-se monge, que não
precisava de filosofia. Sem grandes produções de mudanças estruturais, a filosofia
segue sustentada em vários filósofos, tais como Averróes, Abelardo, Guilherme de
Ockam e outros, até em cursos do século XV. A partir do século XVI, uma revolução
estrutural no pensamento Ocidental se processa, a considerar a revolução copernicana
defendida pelo astrônomo polonês Nicolau Copérnico (1473 – 1543), que trouxe em seu
núcleo a tese do heliocentrismo em contestação e antagonismo radical à formulação de
Ptolomeu que defendia o geocentrismo. Segue em Galileu (1564 – 1642) e Descartes
(1596 – 1650) a defesa de que a condição natural dos corpos consiste no estado de
movimento e não em estado de repouso. Isto encontra sintonia com a idéia de que a
figura humana é um ser inacabado (Pico de la Mirandola, 1463 – 1494) e porta
capacidade de dominar forças da natureza, bem como de modificar criadoramente o
mundo (Giordano Bruno, 1548 – 1600). Este período histórico, conhecido como
Renascimento, torna-se cenário fértil à demarcação da dialética e ao método dialético,
adubado com a aceitação do caráter instável, dinâmico e contraditório da condição
humana e histórica por parte de pensadores considerados conservadores, tais como
Pascal (1623 – 1624) e Giambattista (1680 – 1744), em cujos séculos XVI e XVII já se
verificam elementos da dialética em vários de seus pensadores, tais como aqueles
revelados em Montaigne (1533 – 1592), Leibniz (1646 – 1716), Spinoza (1632 – 1677),
Hobbes (1588 – 1679), Pierre Bayle (1647 – 1706) e outros. O século XVIII, com os
acontecimentos históricos que desencadearam a Revolução Francesa, possibilita uma
compreensão mais consistente das dinâmicas das transformações sociais e, no plano das
idéias, resulta o iluminismo, com filósofos que acompanham de perto a mobilização e
articulação dos atores sociais e seus objetos de buscas que dão nova configuração ao
cenário. No entanto, os filósofos que esperavam a configuração de um mundo racional,
grande parte de seu contingente contentara-se em observar as superfícies do processo de
transformação social que via realizar-se e apoiava, desprezando a investigação e a
produção da crítica sobre as contradições estruturais em fraturas ali, de modo que não
nos deixaram um amplo patrimônio para a dialética, exceto a considerável contribuição
de Denis Diderot (1713 – 1784), quando este expõe compreender a defesa da idéia de
que o indivíduo está condicionado aos movimentos de mudanças da sociedade, do todo
em devir constante em que vive, inclusive do subjugo das instituições políticas, civis e
religiosas. Em semelhante linha de pensamento, Jean-Jaques Rosseau (1712 – 1778), no
contexto da segunda metade do século XVIII, predicou a maior contribuição à dialética,
sob a defesa de que não confiava na razão humana, mas sim na natureza, posto
apreender o sentido de que o ser humano nasce livre, em condição que a natureza lhe
concede a vida com liberdade, porém esta condição original é tolhida pela organização
da sociedade, para cuja mediação de tal conflito defende o estabelecimento de um
Contrato Social que possa assegurar-lhe a compensação da relação entre sua liberdade
natural e os condicionantes da vida social. Rosseau percebeu as contradições das
estruturas da sociedade e indicava que os conflitos de interesses entre os indivíduos
chegaram a dimensões exageradas, bem como fazia uma leitura-de-mundo em que a
propriedade estava muito mal distribuída, muito poder concentrado em poucas mãos e
que o egoísmo escravizava às pessoas, todavia proclamara que os sujeitos coletivos
democráticos não deviam obrigar-se à obediência de critérios formais, ao tempo que
percebera que as mudanças não se faziam em processos que não fossem conflituosos.
Até Imanuel Kant (1724 – 1804), considerado o maior dos pensadores metafísicos
modernos, admite que “a consciência humana não se limita a registrar passivamente
impressões provenientes do mundo exterior, que ela é sempre consciência de um ser que
interfere ativamente na realidade”.
Em Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770 – 1831), filósofo alemão, a contradição é
predicada como sendo um princípio básico que não pode ser suprimida nem da
consciência do sujeito nem da realidade objetiva, mas reconhece que o sujeito humano é
essencialmente ativo e está sempre interferindo na realidade admitindo, no entanto, que
o ritmo e as condições das transformações operadas pelo sujeito humano é, em última
análise, a realidade objetiva. Hegel estudou as atividades políticas e econômicas do
sujeito humano para avaliar seus movimentos no plano concreto, incluindo estudos de
Adam Smith e sobre a revolução industrial inglesa. Resulta que Hegel apreende o
sentido de que o trabalho é a mola do desenvolvimento humano; que é no trabalho que o
homem se produz a si mesmo. Neste filósofo, o trabalho é o núcleo a partir do qual
podem ser compreendidas as formas complicadas da atividade criadora do sujeito
humano. É neste lugar, subjetivo e concreto, que se movimenta a resistência do objeto e
o poder do sujeito humano, a capacidade que o sujeito tem de mobilizar, com habilidade
e persistência, uma superação dialética dessa resistência. Uma ilustração do salto
qualitativo desse tipo de interação se efetiva quando a ação do humano alcança além da
natureza-em-si, visto que esta natureza-em-si somente não resulta na fundação e
expressividade humana como tal, manifesta na autonomia, significação e domínio frente
a dimensões da natureza, como nos ensina o filósofo soviético Evald Iliênkov e o
brasileiro José Arthur Giannotti. Para Hegel, a superação dialética consiste no
movimento simultâneo de “negação de uma determinada realidade, a conservação de
algo essencial que existe nessa realidade negada e a elevação dela a um nível superior”.
No entanto, sendo idealista, este filósofo subordinava os movimentos da realidade
material à lógica de um princípio que ele chamava de Idéia Absoluta. Com outra
cosmovisão, o pensador alemão Karl Marx (1818 – 1883), materialista, com a ajuda de
Friedrich Engels (1820 – 1895), defende que o trabalho se constitui na atividade pela
qual o humano domina forças naturais, humaniza a natureza e, portanto, cria a si
mesmo. Porém, contesta no sentido de que Hegel só conhece e reconhece o trabalho
abstrato do espírito – trabalho intelectual – enquanto que não considerava a significação
do trabalho físico, material. Marx, por sua vez, caminha sob o percurso das seguintes
preocupações filosóficas: 1) Em se constituindo o trabalho do humano na atividade e
condição natural para alcançar sua realização como tal, como o trabalho chegou à
condição de tornar-se o algoz do homem? 2) Como o trabalho chegou a ser
transformado em uma atividade que é sofrimento? Em uma força que é impotência? Em
uma procriação que é castração? Daí, percorre na conduta de que a divisão social do
trabalho, o surgimento das classes sociais e a apropriação privada dos meios de
produção por uma classe de homens exploradores em detrimento de outra classe de
homens explorados, indicam a causa original dessas contradições da vida referente ao
trabalho humano, em contextos típicos do sistema do capitalismo, em cuja correlação de
forças os resultados do trabalho pertencem a um ente que não é o trabalhador que o
construiu com sua força de trabalho convertida em mercadoria. Dessa correlação de
forças “explorador versus explorado”, o humano não alcança realizar-se, libertar-se,
reconhecer-se em sua criação, mas, do contrário, é alienado, ameaçado e oprimido. Para
tanto, o pensamento marxista indica como solução para tal deformação, o
reconhecimento da luta de classes socio-econômicas postas, a tomada de consciência
sobre a natureza e finalidade dessas relações e a promoção da revolução socialista
organizada pelos trabalhadores. Neste contexto teórico, a dialética concebe o mundo
natural, bem como a criação do gênero humano, como sendo sistemas e cadeias de
sistemas contínuos, dinâmicos, contraditórios e inacabados, onde qualquer elemento
concreto ou subjetivo é sempre parte de um todo sistêmico, de tal modo que, para
intervir resolutivamente sobre um problema, o sujeito humano e histórico precisa lançar
sua percepção consciente sobre a síntese (que não é soma) da estrutura significativa do
conjunto dos problemas que inter-relacionam-se, nutrem-se ou se negam, virtuosa ou
viciosamente, sem olvidar que essas totalidades são, sempre, mais amplas do que o
conhecimento que detemos sobre elas, além de que sua condição não é a da estática, da
imobilidade, mas da transformação dinâmica e complexa. De modo plural, encontramos
totalidades com níveis de abrangências diferentes, por exemplo: um indivíduo; um
grupo social; um Estado; um país; um continente; o mundo capitalista; uma teoria; a
humanidade etc, cujo critério nos exige um reconhecimento teórico dos limites de nossa
observação e da experienciação social consciente em relação às totalizações e em
relação aos acontecimentos que demarcam suas sínteses estruturantes, tanto no que
tange às suas dimensões imediatas como às dimensões mediatas e, ainda, às suas
contradições internas e externas. Por conseguinte, ressalte-se que Marx, ao contrário da
dialética de Hegel, reconhece a dimensão concreta da natureza humana e não reconhece
a manifestação de nenhum aspecto da realidade humana situada acima da história ou
fora desta. Este caráter materialista da dialética de Marx é reforçado em Engels, que
chegou a sintetizar três leis essenciais à história humana e à natureza, quais são: 1) a Lei
da passagem da quantidade à qualidade (e vice-versa) das coisas e das totalidades; 2) a
Lei da interpenetração dos contrários, que tudo tem a ver com tudo; tudo está
entrelaçado; e 3) a Lei da negação da negação.
Na dialética marxista, o ser humano é concebido como sujeito efetivo capaz de tomar a
iniciativa de mobilizar a construção da história, processo no qual a prática requer um
constante reexame da teoria e a teoria se presta para criticar e autocriticar a prática, em
profundidade. Resulta disso que a mudança se dá em processo dialeticamente inevitável,
cujo palco dessas operações é o ambiente das tensões criativas das sociedades humanas.
Após essa construção do marxismo, várias décadas se seguiram de produções
antagônicas e análogas, por teóricos de matizes diversas, até os dias atuais. Como a
própria dialética sugere, trata-se de um processo que se nutre dessas mesmas
contradições da vida.
Créditos da resenha da obra para:
Áureo João de Sousa
Faculdade Religare Teologia. Curso de Filosofia. Lógica II. 8º Período 2007.1; Turma
28. Turno: Tarde; Sala: 05. Orientador: Prof. Ms. Ariosto Moura. Teresina/PI, junho.
2007.