O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ E A ARBITRAGEM
Curitiba
2010
Alessandra Veit
O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ E A ARBITRAGEM
Trabalho de Conclusão de Curso apresentada ao
Curso de Direito da Faculdade de Ciências
Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como
requisito parcial para a obtenção do grau de
Bacharel.
Orientador: Ivete do Rocio Annies
CURITIBA
2010
TERMO DE APROVAÇÃO
Alessandra Veit
O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ E A ARBITRAGEM Esta Monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do grau de Bacharel em Direito no Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná.
Curitiba, 15 de Março de 2010.
_______________________________________
Prof. Dr. Eduardo de Oliveira Leite
Coordenador do Núcleo de Monografias
Curso de Direito
Universidade Tuiuti do Paraná
Orientador : Profª. Ivete do Rocio Annies
Universidade Tuiuti do Paraná
Departamento de Ciências Jurídicas
Prof. ______________________
Universidade Tuiuti do Paraná
Departamento de Ciências Jurídicas
Prof. _______________________
Universidade Tuiuti do Paraná
Departamento de Ciências Jurídicas
DEDICATÓRIA
Cada letra, espaço, ponto ou vírgula
desta monografia eu dedico à minha
família. Ao meu amado filho Riad,
meus pais Zeno e Loni, meus
irmãos Jefferson e Zeno Júnior, e
também ao Ali, que foi um
companheiro por tantos anos e
ainda hoje se faz presente com seu
apoio e amizade.
AGRADECIMENTO
Aos Mestres que ao longo de todo o Curso partilharam de sua sabedoria
e conhecimento, me inspirando a seguir em frente na busca por um ideal
de Justiça na aplicação do Direito.
À minha Orientadora Profª Ivete do Rocio Annies, que além de me
inspirar na busca do tema, me mostrou que a pesquisa para o
desenvolvimento de um bom trabalho deve ser feita através de estudo.
Ao Prof. Paulo Roberto Ribeiro Nalin da Universidade Federal do Paraná
que, apesar de não ser meu orientador nem mesmo professor,
generosamente me auxiliou neste trabalho contribuindo com o que ele
modestamente chamou de “dica”, mas que foi relevante para a
conclusão do mesmo.
Aos meus colegas, que apesar de já não serem os mesmos do início da
jornada, desempenharam papel de família, estando juntos diariamente
nessa busca.
Em especial, quero agradecer a todos os meus amigos, que em maior
ou menor intensidade, mas ainda assim presentes, tive o prazer de
conhecer e de poder compartilhar de sua amizade.
EPÍGRAFE
A verdadeira luta pelo Direito
Público se faz no Direito Privado
Rudolf Von Jhering
RESUMO
O objetivo do presente trabalho é demonstrar a importância de dois Institutos do Direito que se fazem relevantes no atual contexto globalizado de contratos. Fez-se uma pesquisa histórica do Princípio da Boa-fé e da Arbitragem, para se demonstrar a importância de ambos, bem como uma demonstração de sua utilização nos contratos internacionais, traçando um parâmetro de comparação entre no Direito Privado Interno e o Direito Privado Internacional. Buscou-se ressaltar o resgate do Princípio da Boa-fé e sua necessidade de aplicação na Arbitragem, como forma de utilização alternativa desta ao judiciário moroso que aí se encontra. Como método de pesquisa, utilizou-se o estudo da Doutrina e Jurisprudência, bem como a análise da Legislação pátria e mundial que tratam desses ambos os assuntos e, em decorrência disso traçar congruência entre ambos. Palavras-Chave: Princípio da Boa-fé; Arbitragem; Princípio da Boa-fé na Arbitragem.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO 9
2. O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ 11
2.1. ORIGEM HISTÓRICA 12
2.1.1. A origem da boa-fé no Direito Romano 12
2.1.2. A origem da boa-fé no Direito Germânico 15
2.1.3. A origem da boa-fé no Direito Brasileiro 16
3. O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ E OS CONTRATOS 22
3.1. O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ NOS CONTRATOS INTERNACIONAIS 23
4. A ARBITRAGEM 24
4.1. BREVE RELATO HISTÓRICO 26
4.1.1. A origem da Arbitragem no mundo 26
4.1.2. A origem da Arbitragem no Brasil 27
4.2. PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DA ARBITRAGEM 29
4.3. VANTAGENS E DESVANTAGENS DA ARBITRAGEM 30
5. A RELAÇÃO ENTRE O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ E A ARBITRAGEM 32
6. CONCLUSÃO 36
REFERÊNCIAS 42
9
1. INTRODUÇÃO
O surgimento do Direito se confunde com o surgimento da própria
humanidade, não sendo possível precisar em que momento surge um ou outro. Os
Princípios do Direito são pilares deste que existem no campo da Justiça mesmo
antes do surgimento que qualquer legislação, eram eles que serviam de modelo
para que se obtivesse um resultado justo nos conflitos entre as pessoas. Dentre
estes Princípios destaca-se o da Boa-fé, que funda-se nos principais aspectos
inerentes ao ser humano, quais sejam, a confiança, a lealdade, a honra.
A constante evolução do mercado globalizado e dos institutos contratuais
apresenta ao Direito uma problemática quanto à celeridade na resolução dos
possíveis conflitos que possam surgir em decorrência das relações contratuais. No
Brasil, bem como sistema jurídico mundial, nota-se a preocupação com esse
aspecto de urgência que a nova lex mercatoria exige, e a cada dia busca-se adaptar
o Direito a esse novo âmbito contratual.
O presente trabalho buscou detectar junto à Doutrina e a legislação pátria e
mundial, possíveis ferramentas jurídicas aptas a serem aplicadas para que o Direito
possa acompanhar essa evolução. Tal qual não foi a surpresa ao deparar
justamente com um dos Princípios mais antigos do ordenamento mundial: o
Princípio da Boa-fé, que ressurge no panorama jurídico e comercial mundial,
impondo comportamentos baseados na confiança e lealdade de forma objetiva,
buscando nesses conceitos a estrutura fundamentada para sustentar essa continua
evolução.
Não obstante à importância do Princípio da Boa-fé, que encontrou nessa nova
visão uma forte justificativa para a sua aplicação, vez que é sabido que não se
10
poderia crer que o ordenamento tal qual como se encontrava, poderia servir de
escopo às transações e contratos que requerem urgência e acima de tudo confiança
na manutenção da palavra empenhada. Encontra-se porém, a problemática local
quanto à resolução dos conflitos que possam vir a surgir dessas contratações.
O judiciário no Brasil, caminha a passos lentos, resultado de uma
superlotação de processos nas câmaras cíveis; processos que se arrastam por um
tempo ao qual a urgência global não pode esperar. É nesse cenário que encontra-se
um instituto, quase tão antigo, ou diria de mesma data, quanto o Princípio da Boa-fé,
e que se mostra juntamente com este, como uma ferramenta acertada a esse
problema. A Arbitragem é uma forma de soluções de conflitos decorrentes de
contratos, que tem sua utilização amplamente aceita e efetiva no âmbito dos
contratos internacionais. Ela representa uma alternativa célere, visto que o prazo
para sua sentença pode ser estipulado entre as parte não podendo, porém ser
superior a seis meses, prazo esse inimaginável na justiça comum.
O ponto central desse estudo foi estabelecer uma necessária união dos dois
institutos no âmbito jurídico nacional, demonstrando através do histórico dos dois, e
principalmente relevância dos destes nesse novo cenário global. O estudo buscou
abordar os aspectos de ambos, apontando para os pontos positivos e negativos,
porém com ênfase na utilização de ambos na problemática da morosidade do
judiciário nacional.
A pesquisa utilizou-se de textos de diversos doutrinadores, bem como de
jurisprudência e legislação nacional e internacional. O estudo está separado em
quatro capítulos centrais quais sejam: 2) O Princípio da Boa-fé, que abordou desde
o seu histórico ate sua atual relevância. 3) O Princípio da Boa-fé e os contratos, que
buscou dar um panorama mundial de sua aplicação principalmente nos contratos
11
internacionais para traçar uma comparação. 4) A Arbitragem, demonstrando sua
relevância desde seu histórico até a atualidade, apontando vantagens e
desvantagens na sua utilização. 5) A relação entre o Princípio da Boa-fé e a
Arbitragem, que consiste no ponto central do trabalho, e que procurou demonstrar a
necessidade da aplicação concomitante dos dois.
2 O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ
No ordenamento jurídico mundial, encontramos, além das normas, os
princípios. Princípios são preceitos decorrentes de regras costumeiras observadas
na aplicação do direito tendo por escopo a garantia da ordem jurídica e a segurança
da correta aplicabilidade das normas.
A definição de Bandeira de Melo para princípio é:
“Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o verdadeiro espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a tônica que lhe dá sentido harmônico.” (1981, p.247).
Existem princípios universais de direito que estão presentes em toda a
ordem jurídica mundial, garantindo dessa forma um sistema homogêneo, e outros
próprios de cada nação ou relacionados a determinadas ações, sejam elas públicas
ou privadas.
Segundo Martins-Costa, “o caminho para a unificação do material jurídico foi
polarizado pela construção, a partir dos elementos pré-sistemáticos e dispersos, de
grandes princípios que teriam a função de proporcionar o tratamento global de
certos setores”. (2000, p.110).
12
O princípio da boa-fé é um princípio universal e tem ampla aplicabilidade nos
mais diversos ramos do direito principalmente o privado, mas presente também no
direito público. Ele é decorrente da conduta proba requerida e almejada em todas as
relações recíprocas, e tem sua origem no direito romano antigo através da bona
fides que significa honestidade, confiança, lealdade e fidelidade.
Os primeiros acordes da boa-fé surgiram no direito romano, assim como
afirma Judith Martins-Costa: “com efeito, a primeira sistemática retomou aspectos da
bona fides romana que haviam ficado na sombra durante a Idade Média, a fim de
sistematizar, ou ordenar, a matéria jurídico-obrigacional, especialmente no que
concerne ao direito contratual”. (ibid., p.110).
Dessa forma faz-se necessário um aprofundamento no estudo do direito
romano a fim de compreender melhor a acepção moderna de boa-fé.
2.1 ORIGEM HISTÓRICA
2.1.1 A boa-fé no Direito Romano
Como já citado anteriormente, do direito romano originou-se o conceito de
boa-fé, que primordialmente apresentava-se somente como fides e possuía distintos
prismas, dependendo das relações a que se remetiam e das influências filosóficas
recebidas pelos juristas romanos, das quais destacaram-se três: a fides sacra, fides
facto e a fides ética1 respectivamente relacionadas relações de clientela, direito
obrigacional e direitos reais.
1 “A fides sacra está documentada na Lei das XII Tábuas, no culto da deusa Fides e na análise dos poderes atribuídos ao pater e nas fórmulas iniciais de sua limitação, documentos que não permitem, segundo Menezes Cordeiro, o esclarecimento dos institutos singulares que pudessem derivar desta conotação. A fides facto, cuja denominação reside no fato de “se apresentar despida de conotações religiosas ou morais”, tem sido reconduzida à noção de garantia. A fides ética, por sua vez, implicaria o sentido de dever, “ainda que não recebida pelo direito”, vinculando-se, nesse sentido, à idéia de
13
Nesse sentido, se manifesta Martins-Costa
“Nascida no mundo romano, a idéia de fides recebeu, neste, notável expansão e o largo espectro de significados, que variarão conforme as influências filosóficas recebidas pelos juristas romanos e consoante o campo do direito onde instalada [...] importa, contudo, registrar apenas três dos setores aos quais se dirigiu, quais sejam o das relações de clientela, o dos negócios contratuais e o da proteção possessória: o primeiro, porque lhe marca a mais remota origem; o segundo, incidente no direito obrigacional; e o terceiro, nos direitos reais”.(ibid., p.111)
No que tange às relações de clientela, estas embasavam-se em poderes e
deveres entre cidadãos livres (patrícios) e os clientes (cliens); poder de direção e
proteção por parte do patrão (pater), em contrapartida ao dever de respeito,
obediência e abnegação dos clientes (cliens), sendo dessa forma instituída a
promessa de proteção e a garantia da palavra dada, sendo esta última relevante no
tocante às relações civis.
Também segundo Martins-Costa:
“Traduzindo a relação entre pessoas juridicamente desiguais, o cidadão livre (patrício) e o cliente, as relações de clientela são dominadas pela fides, compreendida tanto como poder do patrão (poder de direção) e o dever do cliens (dever de obediência), quanto sob a forma de promessa de proteção, “acto pelo qual uma pessoa era recebida na fides doutra”. Essa segunda vertente, a da fides promessa, vai conhecer longa linha evolutiva, espraiando-se em vários institutos promissórios, dos quais o mais importante para as relações civis residia na promessa enquanto garantia da palavra dada.” (ibid., p.112-113).
No âmbito das relações obrigacionais, o surgimento da fides se confunde com
o surgimento do Direito Internacional Privado, no momento em que Roma inicia sua
abertura para o mercado internacional; através do Tratado Roma-Cartago que
garantia o respeito e a proteção aos cidadãos de ambas as cidades quando estes se
encontravam em território estrangeiro. Segundo Martins-Costa, “o primeiro tratado
entre Roma e Cartago, inseriu regra segundo a qual cada uma das partes
garantia que colore a fides facto. Para estas observações e para o exame da crítica de que sãos passíveis os prismas semânticos indicados, Menezes Cordeiro, Da boa-fé..., cit., p. 54-58.” ( ibid., p.111 – rodapé)
14
contraentes prometia, sobre a própria fé – publica fides, ou seja, sobre a fé que liga
a coletividade ao respeito das convenções livremente pactuadas-”. (ibid., p. 113)
Neste ponto, a fides deixa de ser unicamente relacionada aos negócios
jurídicos privados e atinge a esfera estatal, pois o Estado passa a regular esses
contratos internacionais, tomando a fides como núcleo normativo.
A partir desse ponto a fides ganha dois contornos distintos2 que mais tarde a ela
agregarão o adjetivo bona.
Sobre esses contornos distintos, afirma Judith Martins-Costa:
“Nas relações intrasubjetivas tem função de autolimitação (fides promessa) e intento protetivo. Já nas relações intersubjetivas a função é a de garantia do respeito à palavra dada (fit quod dicitur). Observa-se aí a transmutação do campo semântico, de um prisma primeiramente conotado à esfera das relações de clientela às relações negociais privadas.” (ibid., p.114).
Apesar de a bona fides já estar caracterizada, ainda não se amoldava aos
parâmetros que vislumbramos hodiernamente, pois não era reconhecida
jurisdicionalmente e apesar disso, vinculava os envolvidos na relação e impunha o
cumprimento do que fora acordado entre as partes.
O reconhecimento jurisdicional da boa-fé adveio através do bonae fidei
iudicium que se baseava em uma fórmula apresentada ao pretor e que consistia em
demonstrar uma pretensão não calcada em uma lei, mas calcada na fides, o que
ordenava ao juiz que julgasse determinada ação conforme os ditados da boa-fé.
Para demonstrar tal fato, Judith Martins-Costa afirma:
“É justamente aqui se embricam os bonae fidei iudicium: estes consistiam em um procedimento perante o juiz no qual o demandante apresentava uma fórmula especial – embora postulando actiones in ius conceptae – na qual, não podendo demonstrar uma intentio baseada na lex, a fundava na fides, ordenando então o pretor que o juiz sentenciasse conforme os ditados da boa-fé. Esta fórmula especial, denominada oportet ex fides bona, era alegada pelos bonae fidei iudicia, isto é, os que, postulando
2 “Num deles a fides se apresenta como núcleo das relações internas de uma coletividade, o que Paolo Frezza denomina de relações intrasubjetivas, vale dizer, as relações de clientela; no outro, se aloja numa esfera que, por tratar de relações entre sujeitos pertencentes a coletividades entre si distintas, se pode chamar de relações intersubjetivas.” ( ibid., p. 114).
15
actiones in ius conceptae, não tinham uma intentio baseada no texto expresso em lei, mas apenas na alegação da fides bona.” ( ibid., p. 120).
Remete-se dessa forma à boa-fé em sentido objetivo, sem relação com a
moral inicial ao seu contexto, mas sim, como um expediente técnico auxiliar ao juiz
no julgamento levando-se em consideração além do fato central do litígio, outros
relacionados ao mesmo.
Após essa primeira formulação da boa-fé objetiva, esta sofreu diluições e
transformações, sendo utilizada de diferentes formas e em diferentes ramos do
direito, sendo somente reconhecida como aí está após a influência do direito
germânico.
2.1.2 A boa-fé no Direito Germânico
No direito germânico a boa-fé obteve significados diversos daqueles do direito
romano, e isto viria a influenciar diversos sistemas jurídicos que tiveram sua
legislação baseada no modelo alemão, tal qual o direito brasileiro.
Para o direito germânico, a boa-fé tem uma conotação mais objetivada
baseada na Treu und Glauben que remete à idéia de lealdade e crença que se
originaram das tradições medievais dos cavalheiros, que segundo Martins-Costa,
deveriam se portar com “[...] generosidade, lealdade contratual, elegância de
coração e de maneiras, polidez constante, em suma, capacidade de conduzir-se
bem em sociedade em relação a quem quer que seja”. ( ibid., p. 125).
Esse comportamento probo, nos conduz a uma identificação, além dos
valores ligados à moral, a uma questão ética garantidora da manutenção do
cumprimento da palavra dada, implicando em uma reciprocidade de condutas
estabelecendo dessa forma uma regra de comportamento social.
16
Para Martins-Costa, essa fórmula de comportamento cavalheiresco, quando
aplicada no campo das relações contratuais remete ao “[...] cumprimento exato dos
deveres assumidos, vale dizer, a obrigação de cumprir exatamente os deveres do
contrato e a necessidade de se ter em conta, no exercício dos direitos, os interesses
da contraparte”. (ibid., p. 126).
Dessa forma o direito germânico trouxe uma interpretação diversa a do direito
romano, conferindo-lhe um conjunto de valores novos, tornando-o objetivo e que
foram instituídos no ordenamento mundial através do BGB (Bürgerliches
Gesetzbuch – Código Civil alemão) em 1900, que traz em seu texto inúmeras
referências ao princípio da boa-fé e em seu §242 o faz objetivamente.
O Código Civil alemão disciplinou a boa-fé objetiva que dá aos magistrados a
possibilidade de julgar determinadas lides de acordo com outros preceitos e não
somente os constantes na letra fria da lei, tal qual era em outras codificações como
por exemplo o Código Napoleônico (Code Napoléon) em 1804, que previa somente
a boa-fé de forma subjetiva, conferindo-lhe dessa forma um papel secundário pois
sua aplicação depende da interpretação do magistrado o que era inviável no âmbito
de tal codificação baseada exclusivamente na norma positivada.
Tal subjetivação esteve também presente na influencia do direito canônico o
qual a boa-fé relacionava-se com o conceito de pecado, ou melhor, dizendo,
ausência de pecado, sendo somente atribuída a quem tivesse agido de boa-fé desde
o princípio, ou seja, somente sendo conferida ao não pecador.
Dessa forma, somente após a codificação civil alemã, que possui ampla
influência expansionista em outros ordenamentos e que prevê a boa-fé
objetivamente e, posteriormente a interpretação jurisprudencial alemã que deu ao
17
instituto os devidos contornos hodiernamente conhecidos, é que se chegou ao que o
principio da boa-fé representa nas relações recíprocas.
Nesse sentido, Teresa Negreiros diz que:
"não é exagero afirmar que os contornos atuais da boa-fé objetiva no pensamento jurídico ocidental são resultado direto da doutrina e, principalmente, das jurisprudências alemãs. É comumente reconhecido que o desenvolvimento da cláusula geral da boa-fé constante do BGB pelo Poder Judiciário daquele país foi o principal responsável pela difusão do princípio em outros sistemas de direito codificado." (1998, p. 48-49).
2.1.3. A boa-fé no Direito Brasileiro
Assim como dito anteriormente, o direito civil brasileiro recebeu forte
influência do direito germânico, dessa forma, o Novo Código Civil Brasileiro de 2002
adotou o conceito objetivo do princípio da boa-fé, trazendo dessa forma inovações
ao seu conceito e à sua aplicabilidade no direito civil.
A Constituição Federal trata o princípio de forma implícita relacionando-o com
o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, principalmente no que concerne a
relações consumeristas onde resguarda-se o elo mais enfraquecido da relação,
tangendo dessa forma uma relação entre Ética e Direito, assegurando assim uma
das maiores prerrogativas constitucionais que é a igualdade.
A primeira referência no ordenamento jurídico brasileiro, ao instituto da boa-
fé, foi no Código Comercial de 1850, anterior ao BGB, que dispunha a respeito e que
hoje porém encontra-se revogado. Dizia o artigo 131 do código comercial:
Art. 131. "Sendo necessário interpretar as cláusulas do contrato, a interpretação, além das regras sobreditas, será regulada sobre as seguintes bases: 1. a inteligência simples e adequada, que for mais conforme a boa-fé, e ao verdadeiro espírito e natureza do contrato, deverá sempre prevalecer à rigorosa e restrita significação das palavras.”
Porém, sua aplicação ficara restringida à mera interpretação e não como uma
norma criadora de deveres, em virtude da não aceitação por parte da doutrina e da
18
jurisprudência da época. Nesse sentido Negreiros (1998), explica que assim a boa-fé
foi colocada em contraposição ao sentido literal das cláusulas contratuais na medida
em que deveria incidir não somente na relação inter-partes, mas no núcleo da
vontade intencionada.
O Código Civil de 1916, também conhecido como Código de Beviláqua,
remetia à boa-fé subjetiva, afastando dessa forma sua utilização nos moldes do
código germânico e, restringindo sua aplicação, sendo assim somente utilizado nas
questões relacionadas à posse, onde figurava como ignorância ao conhecimentos
de vícios impeditivos.
Para Martins-Costa,
“[...] a pretensão de Clóvis Beviláqua à plenitude e de sua excessiva preocupação com a segurança, certeza e clareza não permitiram a inserção de cláusulas gerais e, por essa razão, a boa-fé ficou restrita às hipóteses de ignorância escusável, mormente em matéria de direito de família e em questões possessórias.”(2000, p. 267).
Somente com o advento do Código de Defesa do Consumidor em 1990, é
que o princípio da boa-fé objetiva passou ao status de cláusula geral, obrigando
dessa forma aos contratantes que se comportem com lealdade, remetendo ao ideal
de cavaleiros germânicos, antes, durante e após o termino contratual, garantindo
dessa forma o cumprimento das obrigações pactuadas.
Em seu texto, o CDC alude expressamente a boa-fé, como norma geral e
imprescindível nas relações contratuais, sendo vetado aos contratantes sua não
observação sob pena de nulidade.
O texto do artigo 4º, III, nos remete à boa-fé como norma de observância e
interpretação geral das relações contratuais, conferindo ao princípio um caráter
teleológico e abrangente, pois se reflete em todas as relações consumeristas, e nos
19
trás a idéia de uma maior abrangência relacionando-o com os demais princípios
constantes no CDC.
Esse dever de agir objetivamente com boa-fé estende-se a todos os atos
relacionados às relações de consumo, não somente às obrigações de dar ou de
prestar, mas também ao dever de informar devidamente o consumidor acerca de
todos os pormenores existentes na relação.
E nesse sentido a jurisprudência se manifesta categoricamente:
Direito do consumidor. Recurso especial. Ação de indenização por danos morais e materiais. Viagem ao exterior. Passageira boliviana que adquiriu bilhete aéreo com destino à França e teve seu ingresso negado naquele país por não possuir visto consular. Fornecedor que não prestou informação adequada sobre a necessidade de obtenção do visto. Vício do serviço configurado. - De acordo com o § 2º do art. 20 do CDC, consideram-se impróprios aqueles serviços que se mostram inadequados para os fins que razoavelmente deles se esperam. - A aferição daquilo que o consumidor razoalmente pode esperar de um serviço está intimamente ligada com a observância do direito do consumidor à informação, previsto no inciso III do art. 6º do CDC. - Além de claras e precisas, as informações prestadas pelo fornecedor devem conter as advertências necessárias para alertar o consumidor a respeito dos riscos que, eventualmente, podem frustrar a utilização do serviço contratado. - Para além de constituir direito básico do consumidor, a correta prestação de informações revela-se, ainda, consectário da lealdade inerente à boa-fé objetiva e constitui o ponto de partida a partir do qual é possível determinar a perfeita coincidência entre o serviço oferecido e o efetivamente prestado. - Na hipótese, em que as consumidoras adquiriram passagens aéreas internacionais com o intuito de juntas conhecer a França, era necessário que a companhia aérea se manifestasse de forma escorreita acerca das medidas que deveriam ser tomadas pelas passageiras para viabilizar o sucesso da viagem, o que envolve desde as advertências quanto ao horário de comparecimento no balcão de "check-in" até mesmo o alerta em relação à necessidade de obtenção do visto. - Verificada a negligência da recorrida em fornecer as informações necessárias para as recorrentes, impõe-se o reconhecimento de vício de serviço e se mostra devida a fixação de compensação pelos danos morais sofridos. Recurso especial provido para condenar a recorrida a pagar às recorrentes R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a título de compensação por danos morais. Ônus sucumbenciais redistribuídos. (REsp 988.595/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/11/2009, DJe 09/12/2009)
Porém, e segundo o entendimento de Negreiros (NEGREIROS, 1998), é no
artigo 51, IV do CDC que se observa a grande inserção da boa-fé objetiva no
20
ordenamento jurídico pátrio, pois prevê a nulidade de cláusulas contratuais
incompatíveis com a boa-fé.
A jurisprudência traz nesse sentido o seguinte entendimento:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. PLANO DE SAÚDE. ALTERAÇÃO UNILATERAL DO CONTRATO. INTERNAÇÃO EM HOSPITAL NÃO CONVENIADO. CDC. BOA-FÉ OBJETIVA. 1. A operadora do plano de saúde está obrigada ao cumprimento de uma boa-fé qualificada, ou seja, uma boa-fé que pressupõe os deveres de informação, cooperação e cuidado com o consumidor/segurado. 2. No caso, a empresa de saúde realizou a alteração contratual sem a participação do consumidor, por isso é nula a modificação que determinou que a assistência médico hospitalar fosse prestada apenas por estabelecimento credenciado ou, caso o consumidor escolhesse hospital não credenciado, que o ressarcimento das despesas estaria limitado à determinada tabela. Violação dos arts. 46 e 51, IV e § 1º do CDC. 3. Por esse motivo, prejudicadas as demais questões propostas no especial. 4. Recurso especial provido. (REsp 418.572/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 10/03/2009, DJe 30/03/2009).
Destarte, o princípio da boa-fé objetiva, é presente e efetivo para as relações
de consumo, tendo uma abrangência significativa e eficaz, regulando os atos dos
envolvidos a fim de garantir o devido cumprimento contratual. Ambos os pólos da
relação devem agir como os aludidos cavaleiros, respeitando-se mutuamente,
agindo com lealdade e prestando corretamente todas as informações inerentes ao
objeto em questão.
Alguns doutrinadores demonstram o mesmo entendimento, tal qual o faz
Fábio Ulhoa Coelho, que diz:
“É necessário, contudo, que as partes nutram mútuo respeito, que prestem sempre informações completas, claras e verdadeiras, não enganem nem busquem ocultar com subterfúgios aspectos essenciais ao negócio (Silva, 1976). Se as ações ou omissões de um sujeito denunciam ou sugerem desrespeito aos direitos do outro contratante, considera-se que ele descumpriu o dever geral de boa-fé objetiva. (2007, p.33).
É nesse sentido que o Código Civil de 2002 trouxe em seu texto uma nova
conotação ao princípio da boa-fé, diferenciando do aludido no código de Beviláqua,
objetivando-o e equiparando-o ao princípio constante do BGB. Essa nova face da
21
boa-fé influencia diretamente as relações contratuais, não obstante figure também
nos demais ramos do direito civil, e nos demais ramos do direito brasileiro e
internacional.
O Código Civil atual prevê expressamente o princípio da boa-fé nos artigos
113, 187 e 422, sendo esse último o de maior repercussão.
O artigo 113 dispõe que: “os negócios jurídicos devem ser interpretados
conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”. Referenciando assim a
boa-fé na interpretação de todos os negócios jurídicos, independentemente do
objeto ou finalidade.
Já o artigo 187 tem sua aplicabilidade relacionada aos atos ilícitos, onde a
inobservância do princípio da boa-fé acarreta ao titular de um determinado direito às
penalidades previstas e a obrigação de reparação.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
É porém, no artigo 422 que o Novo Código Civil trouxe a maior inovação, pois
obriga os contratantes a resguardarem o princípio da boa-fé antes, durante e após a
conclusão do contrato, ou segundo as palavras de Diniz, ele age “impondo que haja
entre as partes uma colaboração no sentido de mútuo auxílio na tratativa negocial,
na formação, na execução e na extinção do contrato, impedindo que uma dificulte a
ação da outra.” (DINIZ, 2007, p.34). Essa obrigação, segundo a visão da
doutrinadora, deveria estender-se às fases anteriores à efetivação do contrato, bem
como ir além de seu término efetivo, devendo abranger as soluções de possíveis
conflitos entre as partes.
Nesse mesmo sentido, Ulhoa Coelho afirma que “é necessário, contudo, que
as partes nutram mútuo respeito, que prestem sempre informações completas,
claras e verdadeiras, não enganem nem busquem ocultar com subterfúgios aspectos
22
essenciais ao negócio.” (ULHOA COELHO, 2007, p.33). Sendo assim fica claro que
esse dever mútuo de lealdade deve ser adotado pelas partes, a fim de que o seu
descumprimento não caracterize quebra do pacto firmado.
A partir dessa nova interpretação do princípio da boa-fé no direito pátrio, é
que podemos traçar considerações acerca de sua relação com os contratos, quer
sejam eles no direito interno, ou no âmbito internacional.
3. O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ E OS CONTRATOS
Com a instituição da boa-fé objetiva a partir do Código Civil de 2002, originou-
se uma revolução do campo contratual, pois conferiu ao magistrado a possibilidade
de analisar as relações contratuais para além do estrito adimplemento ou não do
que fora acordado, podendo ele dessa forma observar se no decorrer de toda a
contratação as partes agiram com lealdade, sem abuso e sem lesionar a parte
oposta da relação.
O Professor Geraldo Doni Júnior, compactua desse pensamento, como
demonstrado em material utilizado em aula na Faculdade de Ciências Jurídicas da
Universidade Tuiuti do Paraná, na disciplina de Direito Cível/Contratos (distribuído
em 25/07/2005).
. Esse pensamento se reflete da seguinte maneira:
“Portanto, como se observa, a cláusula feral da boa-fé objetiva é norma jurídica que, entretanto, possui características próprias que a distingue de outras normas jurídicas positivas. É uma “ordem geral da lei ao juiz” para que profira sentença, observando a lealdade e a boa-fé, segundo os usos e costumes, ou que simplesmente possa agir mediante juízo lógico de subsunção. Essa norma (cláusula feral da boa-fé objetiva) se diferencia das outras regras de direito positivo somente por duas circunstâncias: a) primeiro por intermédio de sua indeterminação (daí a denominação cláusula geral); b) pela referência não aos preceitos positivos, mas a mandamentos (lealdade e boa-fé) ou critérios (usos e costumes) sociais e metajurídicos.” (2005, p. 97).
23
Podemos concluir, partindo de tal afirmativa, que muito além de julgar os
possíveis pontos obscuros ou discordantes de um contrato, o juiz deverá analisar
toda a relação decorrente deste, atentando ao comportamento das partes.
Tal modo de agir, já regula os contratos internacionais desde o seu
surgimento no direito romano, passando por diversas transmutações e evoluções e,
se propagando tanto na Civil Law quanto na Common Law. A lealdade contratual é
matéria unânime no direito moderno mundial, vez que já fora estipulado desde 1980
na Convenção de Viena e posteriormente em 1994 quando da instituição dos
Princípios da UNIDROIT3, sendo dessa forma um dos requisitos para a contratação
internacional.
O estudo do Direito Comparado não é o objetivo deste trabalho, porém faz-se
necessário algumas considerações a despeito do Princípio da Boa-fé nos contratos
internacionais.
3.1 O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ NOS CONTRATOS INTERNACIONAIS
No contexto internacional o princípio da boa-fé tem ampla aceitação, por se
tratar justamente de um princípio geral do comercio internacional, desde a expansão
do território romano.
Ele tem por finalidade, unificar as contratações e o comércio internacional,
uniformizando as regras e servindo de parâmetro para criações de novas legislações
internas de países que queiram regular suas atividades mercantis.
A boa-fé está prevista, internacionalmente, em diversos tratados e
convenções que objetivam dessa forma uma facilitação do comercio internacional, 3 O Instituto para a Unificação do Direito Privado – UNIDROIT – foi criado em 1926, pela Liga das Nações, com a finalidade de preparar gradualmente a adaptação, por diversos Estados, de uma legislação de direito civil uniforme.
24
pois uma vez que se saiba que existem normas que regularão tais atos, fluirá mais
facilmente a contratação.
Dentre os tratados e convenções podemos destacar alguns: A Convenção de
Viena em 1980, Os Princípios da Unidroit editados em 1994 e também os Princípios
do Direito Contratual Europeu.
Os contratos internacionais de compra e venda são regulados pela
Convenção de Viena, e estabelece em seu artigo 7º, primeira alínea, que, ter-se-á
em conta o seu caráter internacional bem como a necessidade de promover a
uniformidade da sua aplicação e de assegurar o respeito da boa-fé no comércio
internacional.
A compilação de Princípios da Unidroit, que serve para nortear a contratação
internacional, prevê a boa-fé contratual expressamente no artigo 1.7, §1º que diz
que: Cada parte deve agir em conformidade com a boa-fé no comércio internacional.
As partes não podem excluir ou limitar esta obrigação. E faz menção a ela em
diversos outros, tal qual os menciona Nasser Vidal:
“Vale ainda acrescentar que na íntegra dos Princípios há inúmeros outros dispositivos que constituem, direta ou indiretamente, aplicações do princípio da boa-fé. Observa-se por exemplo, os artigos 2.4(2) (b), 2.15, 2.16, 2.18, 2.20, 3.5, 3.8, 3.10, 4.1(2), 4.2(2), 4.6, 4.8, 5.2, 5.3, 6.1.3, 6.1.5, 6.1.16(2), 6.1.17(1), 6.2.3(3)(4), 7.1.2, 7.16, 7.1.7, 7.2.2(b) (c), 7.4.8 e 7.4.13. Isto significa que a boa-fé pode ser considerada um dos ideais fundamentais dos Princípios da Unidroit de 1994. (2004, p.157).”
Nessa mesma linha, a Europa por seus Princípios do Direito Contratual
Europeu (PECL), trata da boa-fé de maneira muito similar aos Princípios da Unidroit,
associando ainda a ela, boa-fé, ao fair dealing4, conferindo dessa forma o mesmo
caráter objetivo ao princípio. O Princípio da boa-fé está previsto no artigo 1.106 da
PECL, e que segundo tradução livre prevê que, no exercício dos seus direitos e
4 Segundo a tradução livre do termo, significa “Tratamento Justo”
25
deveres cada parte deverá agir em de acordo com a boa-fé a fair dealing. As partes
não poderão limitar ou excluir esse direito.
Art. 1.106. In excercising his rights and performing his duties each parties must act in accordance with good faith and fair dealing. The parties may not exclude or limit his duty.
Percebe-se que o Princípio da Boa-fé tem relevante papel no comércio
internacional, e, no mundo globalizado que vivemos hodiernamente, onde
praticamente todos os países estão comercializando entre si, seja de forma pública
ou privada isto o torna base do desenvolvimento comercial.
Além de observarmos a importância já enumerada da boa-fé nos contratos
internacionais e nacionais, deve-se tomar em consideração outro fator relevante
aplicado às contratações, seja ele o instituto da Arbitragem que está intimamente
ligado ao comércio internacional e que agora surge no plano interno.
4. A ARBITRAGEM
Arbitragem é uma forma de solução de possíveis conflitos que possam surgir no
decorrer das contratações. É um instituto onde as partes de um contrato recorrem a
árbitros ou câmaras arbitrais por elas instituídos, e onde apresentam a controvérsia
para análise e posterior julgamento. Utilizam-se desse meio a fim de obter uma
solução mais célere e menos rebuscada à do judiciário comum. Essa celeridade
confere à arbitragem uma ampla aplicação no comercio internacional, vez que para
fins de contratos internacionais geralmente relacionados à significativos valores
pecuniários, rapidez é imprescindível.
No Brasil, apesar de o instituto datar desde o código comercial que já previa
esta forma de solução de controvérsias comerciais, sua utilização somente se tornou
26
efetiva com a promulgação da Lei 9.307/96, conhecida como Lei da Arbitragem, que
conferiu a ela um caráter mais objetivo e operacional.
A arbitragem está se popularizando e facilitando as soluções contratuais,
porém ainda restam alguns pontos que devem ser analisados para que ela possa
efetivamente desenvolver seu papel como um melhor recurso à morosidade
judiciária.
Para um melhor entendimento do instituto arbitral mostra-se necessário um
breve relato histórico, bem como uma demonstração dele como um todo,
ressaltando seus principais pontos e apontando para os positivos bem como os
ainda negativos.
4.1 BREVE RELATO HISTÓRICO
4.1.1 A origem da Arbitragem no mundo
O inicio da arbitragem confunde-se com o início do próprio direito, pois antes
mesmo de se criar ordenamentos escritos e codificados, em Roma e antes disso, na
Grécia antiga, a arbitragem já era conhecida e amplamente utilizada para se resolver
atritos entre pessoas.
Em Roma, a arbitragem era utilizada para dirimir quaisquer conflitos que
pudessem surgir do relacionamento entre pessoas, sendo estes decorrentes de
práticas comerciais ou não. Essa breve introdução nos lembra de sua similaridade
com o histórico do Princípio da boa-fé, demonstrando que eles possuem uma intima
ligação. Existiam em Roma duas modalidades de arbitragem, uma estabelecida de
livre acordo entre os litigantes, e outra obrigatória ou típica decorrente do sistema de
fórmulas.
27
Apesar de toda a importância e contribuição do Direito Romano para todos os
ramos do Direito, estima-se que a arbitragem já tenha surgido anteriormente,
havendo menções a ela na Bíblia e no Corão.
Acerca desse aspecto histórico, leciona Carreira Alvin:
“Estima que a arbitragem teria aparecido na Grécia Clássica (século VI a IV a.C.), tendo inumeráveis arbitragens tido lugar nas cidades gregas a partir do século IV a.C. Sólon, introduziu-a nas suas reformas, e Aristóteles distinguiu o juiz do árbitro:” O arbitro visa à equidade, o juiz à lei; a arbitragem foi inventada para que a equidade fosse aplicada.” Em Roma, a arbitragem era conhecida da mais alta Antiguidade: no período arcaico (século VII a VI a.C.), conhecia-se como arbitrium liti aestimandae, pelo qual o árbitro fixava o montante da reparação devida pelo culpado, após o juiz (iudex) ter pronunciado o julgamento sobre sua culpa. [...] No Baixo-Império, a justiça arbitral desenvolveu-se entre os cristãos, com bispos arbitrando as diferenças entre os membros das comunidades cristãs. Essa modalidade de arbitragem teria sido encorajada por Constantino, e também era conhecida pelos visigodos.” (2004, p. 4).
Em virtude da influência do Direito Canônico, em Portugal também se utilizava
a arbitragem, valendo-se do modelo romano amigável de solução de litígios, daí
decorre sua introdução no Direito Brasileiro, que em 1823 passou a adotar as
Ordenações Filipinas que previam em seu Titulo 18 a utilização da arbitragem.
4.1.2 A origem da Arbitragem no Brasil
Assim como supra citado, a arbitragem foi introduzida no Brasil pelas
Ordenações Filipinas e em seguida, a Constituição Imperial trouxe em seu corpo a
expressa aceitação do instituto. Tal previsão encontra-se no dispositivo do artigo 160
que diz: “Nas causas cíveis e nas penais civilmente intentadas, poderão as partes
nomear juízes árbitros. Suas sentenças serão executadas sem recurso, se assim o
convencionarem as partes.”.
28
Observa-se desde essa longa data duas características importantes da
arbitragem: a livre convenção entre as parte, e a irrecorribilidade da sentença
arbitral.
Posteriormente, com o advento do Código Comercial de 1850, a arbitragem
tornou-se obrigatória para determinadas causas, imposição essa que perdurou até
1867, data em que entra em vigor o Decreto nº 3.900, que ainda segundo Carreira
Alvin, (CARREIRA ALVIN, 2004) “ garantiu o julgamento eqüitativo, mediante
autorização das partes, ao árbitro, critério que se expandiu para a legislação
posterior.”.
Até a Constituição de 1988, que consagrou expressamente a arbitragem, não
houve relevantes mudanças em sua aplicabilidade, sendo que, somente em 1996
quando entrou em vigor a Lei 9.307/96 (Lei da Arbitragem) é que se pode vislumbrar
uma mudança mais significativa na sua eficácia e aplicabilidade. O Código Civil de
2002, a exemplo do que ocorreu com o Princípio da Boa-fé, teve, segundo Nádia de
Araújo, grande importância pois “passou a tratar do compromisso arbitral para
resolver litígios entre pessoas capazes de contratar e, igualmente, da inserção da
cláusula compromissória nos contratos, remetendo sua disciplina à legislação
específica.” (ARAÚJO, 2007, p. 462).
Observamos aí mais um dos requisitos da Arbitragem, que é a capacidade
das partes.
Porém, a maior e mais significativa mudança que ocorreu com a Lei de
Arbitragem, foi a equiparação do laudo arbitral ao nível de sentença, passando a ser
chamado de Sentença Arbitral, conferindo-lhe dessa forma a força executiva e
tornando-o título executivo judicial.
29
Outra importante inovação da referida lei, foi indistinção entre cláusula
compromissória e compromisso arbitral, sendo agora simplesmente denominados de
convenção de arbitragem, em que pese ainda seja exigido a celebração dos dois
instrumentos para a instauração do juízo arbitral.
O Brasil persegue no aprimoramento da justiça arbitral, vez que mesmo após
o advento da Lei de Arbitragem, continua ratificando convenções que tratam da
matéria, em especial atenção às que tratam do reconhecimento das sentenças
arbitrais estrangeiras.
Como sendo os principais Dolinger e Tiburcio destacam:
“Assim, no âmbito do Mercosul, o Brasil ratificou o Protocolo de Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa de 1992 (Las Leñas – Decreto nº 2.067, de 12/11/96), aprovou o Acordo sobre Arbitragem Comercial Internacional do Mercosul de 1998 (Decreto nº 4.719, de 04/06/2003) e o Acordo sobre Arbitragem Comercial entre o Mercosul, Bolívia e Chile de 1998 (Decreto Legislativo nº 483/2001). Além disso, o Congresso Nacional, visando pôr fim a anos de omissão, aprovou recentemente a Convenção sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, de 1958, também denominada Convenção de Nova York, afinal promulgada em julho de 2002.” (2003, p.41).
Vale ainda acrescentar que a popularização do Direito Arbitral decorre
sobretudo do fato de ele representar uma alternativa mais personalizada, por assim
dizer, aos contratantes, que podem se valer de suas características para moldarem
o processo arbitral e dessa forma esclarecerem suas dúvidas e solucionarem seus
conflitos.
4.2 PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DA ARBITRAGEM Por se tratar de um juízo amoldado às necessidades dos pólos integrantes, a
arbitragem possui características próprias que a conferem uma maior interação entre
os litigantes, bem como uma maior agilidade e menor custo à alternativa judicial.
30
Dentre as principais características da arbitragem, podemos destacar a livre
convenção entre as partes. Cabe as partes a regulamentação de todo o processo
arbitral, incluído a escolha da legislação aplicada, a escolha do foro, escolha do(s)
árbitro(s), o prazo para a sentença, a estipulação de honorários.
Tais prerrogativas estão previstas nos artigos da Lei 9.307/96 que serão
descritos na seqüências.
Quanto à escolha das regras aplicadas:
Art. 2º. A arbitragem poderá ser de direito ou de equidade, a critério das partes. § 1º Poderão as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública. § 2º Poderão, também, as partes convencionar que a arbitragem se realize com base nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio.
Sobre a eleição do local, o prazo para a apresentação da sentença, indicação
da legislação e a fixação dos honorários o artigo prevê:
Art. 11. Poderá, ainda, o compromisso arbitral conter: I – local, ou locais, onde se desenvolverá a arbitragem; III – o prazo para apresentação da sentença arbitral; IV – a indicação da lei nacional ou das regras corporativas aplicáveis à arbitragem, quando assim convencionarem as partes; VI – a fixação dos honorários do árbitro, ou dos árbitros;
Acerca da eleição dos árbitros:
Art. 13. § 3º As partes poderão, de comum acordo, estabelecer o processo de escolha dos árbitros, ou adotar as regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada;
Dessa forma, vale dizer, que as partes que se submetem à arbitragem, tem a
ampla faculdade de escolher todas as regras às quais se submeterão, sendo dessa
forma absolutamente participativas em todos os momentos do processo arbitral.
31
Dito isso, faz-se recordar da similitude com a instituição contratual, onde
também, desde que respeitada a legislação, as partes podem convir quanto às
cláusulas que serão admitidas no contrato.
É nesse ponto que se faz necessária uma análise sobre as vantagens e
desvantagens da arbitragem.
4.3 VANTAGENS E DESVANTAGENS DA ARBITRAGEM
Como já fora demonstrado, a arbitragem possui características peculiares no
tocante a sua instituição e procedimento, além de proporcionar aos litigantes a
solução das divergências da forma mais adequada a ambas as partes.
Por ser a arbitragem, após a nova legislação, uma alternativa relativamente
nova e dessa forma, ainda se desconhece ao certo sua vantagens e desvantagens,
pode-se citar algumas que justifiquem sua utilização.
Para Carreira Alvin, “Se pudéssemos apontar como única vantagem da
arbitragem a possibilidade de julgamento do litígio exatamente no prazo
estabelecido pelas partes, essa instituição já estaria plenamente justificada.”
(CARREIRA ALVIN, 2004, p.54). Além de poderem as partes escolher o órgão
julgador, o que se mostra relevante também, pois podem elas optar por especialistas
no assunto, o que não ocorre na justiça comum, e por vezes o juiz atribuído à
demanda não tem total domínio do assunto abordado.
Uma outra vantagem vislumbrada em sede arbitral é o fato de não se poder
interpor recursos, pois a sentença arbitral é irrecorrível, sendo somente possível
recurso perante o judiciário, da sentença que não apresentar os requisitos legais
32
constantes do artigo 32 da Lei de Arbitragem, ou da sentença que, segundo Araújo
apresentar:
“I. nulidade do compromisso (v.g., incapacidade da parte)”; II. incapacidade do árbitro (v.g., árbitro impedido – art. 14); III. não contiver os requisitos do art. 26; IV. sentença proferida ultra petita; V. sentença proferida infra petita; VI. sentença resultante de crime contra a administração pública; VII. sentença proferida contra os princípios do devido processo legal.” (ARAÚJO, 2004, p. 471).
Fica dessa forma restrita a utilização de formas recursais a fim de protelar o
cumprimento da sentença.
Ainda no campo das vantagens, vislumbra-se a da possibilidade das partes
optarem por submeterem o processo ao julgamento conforme a equidade,
notadamente pelo fato de nem sempre o legal corresponder ao justo.
Outro ponto positivo é o fato de o processo arbitral não estar submetido à
publicidade, ou seja, poderá ele correr em segredo de justiça. Ora, por se tratar de
solução de conflitos decorrentes de contratos, essa prerrogativa se faz altamente
interessante às partes que não queiram que os valores envolvidos em determinado
negócio venham a público. No entanto, a questão de valores pode também ser
apontada como uma desvantagem, vez que em se tratando de contratos de
pequenas montas, isso demandaria um custo excessivamente alto às partes, sendo
dessa forma inapropriado recorrer à arbitragem.
Outra desvantagem, é o fato de que a parte que sai perdedora no processo
arbitral, vem se utilizando de recurso junto ao judiciário, a fim de anular a sentença
alegando nulidade na cláusula arbitral ou em outros vícios existentes anteriormente
a instituição do juízo arbitral. Esse comportamento deveria ser repudiado pelo
judiciário, uma vez que a parte já o poderia ter feito antes de se submeter ao
processo arbitral. Como demonstrado, o processo arbitral requer mútua colaboração
33
entre as partes e denota uma total participação delas em todo o decorrer deste. Se
existia algum impedimento à instituição do juízo arbitral, a parte deveria apresentar
tal problemática ao judiciário e não utilizar desse subterfúgio ao final do processo, o
que demonstra ser uma medida protelatória e sendo assim devendo ser considerada
litigância de má-fé.
Após essa resumida apresentação sobre a Arbitragem, chega-se ao ponto
central deste trabalho, que é traçar uma relação entre o Princípio da Boa-fé e a
Arbitragem, pois conforme o discorrido percebe-se a relevância de ambos no campo
do Direito Privado e das contratações internas e internacionais.
5. A RELAÇÃO ENTRE O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ E A ARBITRAGEM
O intuito da elaboração deste trabalho foi a percepção de que tanto o
Princípio da Boa-fé como a Arbitragem caminham juntamente desde a mais remota
data, aonde os contratos eram instituídos e resolvidos calcados em valores como
lealdade, honestidade, respeito e empenho da palavra dada.
O Direito Privado Internacional, já elenca o Princípio da Boa-fé como sendo
um de seus dos pilares tanto instituição dos contratos, quanto resolução das
divergências decorrentes deles e assim sendo, nota-se que sua aplicabilidade é
cada vez mais emergente.
“Já no campo do Direito Privado Interno, vislumbra-se um crescimento na
aplicação do Princípio da Boa-fé, pois segundo o entendimento de Nalin (NALIN,
2002, p.126),” esse crescimento nasce da necessidade de entendimento da
complexidade da relação obrigacional e da fiscalização do comportamento dos
contratantes”.
34
No tocante à aplicação nas fases contratuais, nota-se que a boa-fé objetiva
vem se difundindo e abrangendo-as sendo observada sua aplicabilidade em todas
as fases.
Por entender que a Arbitragem é uma extensão do contrato, vez que sua
instituição está inserida nele através de cláusula, a aplicação do Princípio da Boa-fé
deve a ela ser estendida, sendo obrigatório às partes agirem de boa-fé em todo o
decorrer da arbitragem, quer nas fases preliminares, no decurso e principalmente no
que se refere ao cumprimento da sentença arbitral.
O não cumprimento da sentença arbitral, além de constituir quebra da boa-fé
objetiva, age como contra-senso, pois a parte de após se submeter a todo o
processo arbitral deixa de cumprir o que lhe fora ordenado, age em desacordo com
a sua própria vontade inicial, que era a solução do ponto controverso da relação
contratual.
Dessa forma, a parte que ao final do processo arbitral recusa-se a cumprir
sua sentença age em desacordo com comportamento assumido anteriormente,
constituído dessa forma o que se conhece como venire contra factum proprium.
Para Menezes Cordeiro, o conceito de venire contra factum proprium, “se
consubstancia como o exercício de posição jurídica contrária a uma atuação
anteriormente assumida”. Há dois comportamentos lícitos e diferidos no tempo que
são ligados por um liame; a segunda conduta segue direção oposta à primeira.
(MENEZES CORDEIRO, 2001, p 743).
Nesse mesmo sentido, Martins-Costa afirma que” o preceito do venire contra
factum proprium se enquadra na teoria dos atos próprios em que se reconhece
como ilícito o sujeito exercer seu direito em contra-senso a um comportamento
objetivo assumido anteriormente”.(op.cit.,1999, p.469).
35
A vedação ao comportamento contrário, não seria nesse caso uma limitação à
garantia fundamental à liberdade elencada na Constiuição Federal, mas sim
considerada uma frustração à expectativa criada na outra parte por esse
comportamento inicial descumprido posteriormente.
A instiutição e a instrução do juizo arbitral do criam nas partes a expectativa
de que ao final, sua sentença será cumprida, sendo essa uma expectativa como
direito pois se encontra nele fundada de forma objetiva e não meramente uma
expectativa de direito subjetivo.
Se a parte que não logrou êxito no processo arbitral, usa de artifícios
jurídicos para não cumprir ou para retardar o cumprimento da sentença, age em
desacordo com a boa-fé objetiva requerida e almejada pelo pólo oposto na relação.
Nesse contexto, Menezes de Cordeiro exprime com clareza a afirmativa de
que:
“a tutela da confiança no venire se baseia em três premissas, são elas: a justificação da confiança que se funda em elementos objetivos aptos à provocarem uma crença plausível, o investimento na confiança manifestado através dos atos praticados pelo sujeito, baseados na expectativa que foi criada, e por fim, a imputação da situação de confiança que denota a existência de boa-fé da parte que confiou”. (2002, p. 411).
Consubstanciando com esse pensamento, Camargo Penteado afirma que "a
frustração dessa expectativa seria uma obstação do fato ou condição subordinante,
o que pode implicar venire contra factum proprium, nos casos em que viola a regra
da boa-fé obstando a conversão da expectativa em direito adquirido" (CAMRGO
PENTEADO, 2006, p. 06).
A relação entre o Princípio da Boa-fé e a Arbitragem requer uma atenção
maior por parte dos magistrados que recebem em suas mãos um recurso de uma
sentença arbitral. Deverá ele atentar ao real objetivo daquele recurso, levando em
36
consideração, assim como nos contratos, toda a relação entre as partes, se atendo
principalmente à esse detalhe que apresenta de suma importância para uma maior
efetividade das sentenças arbitrais e por consequência do instituto da arbitragem
como um todo.
A arbitragem representa um novo caminho a ser adotado e deve ter o seu
papel plenamente reconhecido pelo sistema jurídico nacional, a exemplo de como já
o fazem os mais expoentes ordenamentos mundiais.
Faz-se portanto, necessário o atrelamento da Arbitragem ao Princípio Boa-
fé, para que se possa colocá-los sob uma mesma ótica de análise, contribuindo
assim para que a utilização do instituto arbitral nacional ganhe credibilidade e possa
ser uma ferramenta auxiliar no desafogamento do judiciário. Judiciário este que
deverá desempenhar seu papel inibindo o comportamento protelatório dos
recorrentes das sentenças arbitrais.
6. CONCLUSÃO
Em conclusão ao que fora discorrido e da pesquisa efetuada para a
confecção deste trabalho, podemos ressaltar que:
a) O princípio da boa-fé é um princípio universal e tem ampla aplicabilidade
nos mais diversos ramos do direito principalmente o privado, mas presente também
no direito público. Ele é decorrente da conduta proba requerida e almejada em todas
as relações recíprocas, e tem sua origem no direito romano antigo através da bona
fides que significa honestidade, confiança, lealdade e fidelidade.
b) Remete-se dessa forma à boa-fé em sentido objetivo, sem relação com a
moral inicial ao seu contexto, mas sim, como um expediente técnico auxiliar ao juiz
37
no julgamento levando –se em consideração além do fato central do litígio, outros
relacionados ao mesmo.
c) O Código Civil alemão disciplinou a boa-fé objetiva que dá aos magistrados
a possibilidade de julgar determinadas lides de acordo com outros preceitos e não
somente os constantes na letra fria da lei.
d) Assim como dito anteriormente, o direito civil brasileiro recebeu forte
influência do direito germânico, dessa forma, o Novo Código Civil Brasileiro de 2002
adotou o conceito objetivo do princípio da boa-fé, trazendo dessa forma inovações
ao seu conceito e à sua aplicabilidade no direito civil.
e) A partir dessa nova interpretação do princípio da boa-fé no direito pátrio, é
que podemos traçar considerações acerca de sua relação com os contratos, quer
sejam eles no direito interno, ou no âmbito internacional.
f) Com a instituição da boa-fé objetiva a partir do Código Civil de 2002,
originou-se uma revolução do campo contratual, pois conferiu ao magistrado a
possibilidade de analisar as relações contratuais para além do estrito adimplemento
ou não do que fora acordado, podendo ele dessa forma observar se no decorrer de
toda a contratação as partes agiram com lealdade, sem abuso e sem lesionar a
parte oposta da relação.
g) A boa-fé está prevista, internacionalmente, em diversos tratados e
convenções que objetivam dessa forma uma facilitação do comercio internacional,
pois uma vez que se saiba que existem normas que regularão tais atos, fluirá mais
facilmente a contratação.
h) Percebe-se que o Princípio da Boa-fé tem relevante papel no comércio
internacional, e, no mundo globalizado que vivemos hodiernamente, onde
38
praticamente todos os países estão comercializando entre si, seja de forma pública
ou privada isto o torna base do desenvolvimento comercial.
i) Além de observarmos a importância já enumerada da boa-fé nos contratos
internacionais e nacionais, deve-se tomar em consideração outro fator relevante
aplicado às contratações, seja ele o instituto da Arbitragem que está intimamente
ligado ao comércio internacional e que agora surge no plano interno.
j) Arbitragem é um forma de solução de possíveis conflitos que possam surgir
no decorrer das contratações. É um instituto onde as partes de um contrato recorrem
a árbitros ou câmaras arbitrais por elas instituídos, e onde apresentam a
controvérsia para análise e posterior julgamento. Utilizam-se desse meio a fim de
obter uma solução mais célere e menos rebuscada à do judiciário comum. Essa
celeridade confere à arbitragem uma ampla aplicação no comercio internacional, vez
que para fins de contratos internacionais geralmente relacionados à significativos
valores pecuniários, rapidez é imprescindível.
k) O inicio da arbitragem confunde-se com o início do próprio direito, pois
antes mesmo de se criar ordenamentos escritos e codificados, em Roma e antes
disso, na Grécia antiga, a arbitragem já era conhecida e amplamente utilizada para
se resolver atritos entre pessoas.
l) Até a Constituição de 1988, que consagrou expressamente a arbitragem,
não houve relevantes mudanças em sua aplicabilidade, sendo que, somente em
1996 quando entrou em vigor a Lei 9.307/96 (Lei da Arbitragem) é que se pode
vislumbrar uma mudança mais significativa na sua eficácia e aplicabilidade. O
Código Civil de 2002, a exemplo do que ocorreu com o Princípio da Boa-fé, teve,
segundo Nádia de Araújo, grande importância pois “ passou a tratar do compromisso
arbitral para resolver litígios entre pessoas capazes de contratar e, igualmente, da
39
inserção da cláusula compromissória nos contratos, remetendo sua disciplina à
legislação específica.” (2007, p. 462).
m) Vale ainda acrescentar que a popularização do Direito Arbitral decorre
sobretudo do fato de ele representar uma alternativa mais personalizada, por assim
dizer, aos contratantes, que podem se valer de suas características para moldarem
o processo arbitral e dessa forma solucionarem suas dúvidas e conflitos.
n) Por se tratar de um juízo amoldado às necessidades dos pólos integrantes,
a arbitragem possui características próprias que a conferem uma maior interação
entre os litigantes, bem como uma maior agilidade e menor custo à alternativa
judicial. Dentre as principais características da arbitragem, podemos destacar a livre
convenção entre as partes. Cabe as partes a regulamentação de todo o processo
arbitral, incluído a escolha da legislação aplicada, a escolha do foro, escolha do(s)
árbitro(s), o prazo para a sentença, a estipulação de honorários.
o) Dessa forma, vale dizer, que as partes que se submetem à arbitragem, tem
a ampla faculdade de escolher todas as regras às quais se submeterão, sendo
dessa forma absolutamente participativas em todos os momentos do processo
arbitral.
p) Uma desvantagem porém, é o fato de que a parte que sai perdedora no
processo arbitral, vem se utilizando de recurso junto ao judiciário, a fim de anular a
sentença alegando nulidade na cláusula arbitral ou em outros vícios existentes
anteriormente a instituição do juízo arbitral. Esse comportamento deveria ser
repudiado pelo judiciário, uma vez que a parte já o poderia ter feito antes de se
submeter ao processo arbitral. Como demonstrado, o processo arbitral requer mútua
colaboração entre as partes e denota uma total participação delas em todo o
decorrer deste. Se existia algum impedimento à instituição do juízo arbitral, a parte
40
deveria apresentar tal problemática ao judiciário e não utilizar desse subterfúgio ao
final do processo, o que demonstra ser uma medida protelatória e sendo assim
devendo ser considerada litigância de má-fé.
q) O intuito da elaboração deste trabalho foi a percepção de que tanto o
Princípio da Boa-fé como a Arbitragem caminham juntamente desde a mais remota
data, aonde os contratos eram instituídos e resolvidos calcados em valores como
lealdade, honestidade, respeito e empenho da palavra dada.
r) Por entender que a Arbitragem é uma extensão do contrato, vez que sua
instituição está inserida nele através de cláusula, a aplicação do Princípio da Boa-fé
deve à ela ser estendida, sendo obrigatório às partes agirem de boa-fé em todo o
decorrer da arbitragem, quer nas fases preliminares, no decurso e principalmente no
que se refere ao cumprimento da sentença arbitral.
s) Dessa forma, a parte que ao final do processo arbitral recusa-se a cumprir
sua sentença age em desacordo com comportamento assumido anteriormente,
constituído dessa forma o que se conhece como venire contra factum proprium.
t) A vedação ao comportamento contrário, não seria nesse caso uma
limitação à garantia fundamental à liberdade elencada na Constiuição Federal, mas
sim considerada uma frustração à expectativa criada na outra parte por esse
comportamento inicial descumprido posteriormente.
u) A relação entre o Princípio da Boa-fé e a Arbitragem requer uma atenção
maior por parte dos magistrados que recebem em suas mãos um recurso de uma
sentença arbitral. Deverá ele atentar ao real objetivo daquele recurso, levando em
consideração, assim como nos contratos, toda a relação entre as partes, se atendo
principalmente à esse detalhe que apresenta de suma importância para uma maior
41
efetividade das sentenças arbitrais e por consequência do instituto da arbitragem
como um todo.
v) Faz-se portanto, necessário o atrelamento da Arbitragem ao Princípio
Boa-fé, para que se possa colocá-los sob uma mesma ótica de análise, contribuindo
assim para que a utilização do instituto arbitral nacional ganhe credibilidade e possa
ser uma ferramenta auxiliar no desafogamento do judiciário. Judiciário este que
deverá desempenhar seu papel inibindo o comportamento protelatório dos
recorrentes das sentenças arbitrais.
Conforme o apresentado, conclui-se que a relação entre o Princípio da Boa-
fé e a Arbitragem é uma perspectiva e uma urgência do novo Direito que traz
consigo aspectos globalizados da nova lex mercatoria.
É importante ressaltar também, o fato de um Princípio que tem seu
surgimento atrelado ao surgimento do homem como ser racional, e tendo
desempenhado ao longo de tantos anos um papel tão relevante nas relações deste,
e ainda assim ser redescoberto nesse momento de grande interação entre as
economias mundiais como sendo seu principal fundamento e base.
42
REFERÊNCIAS
ALVIN, José Eduardo Carreira. Direito Arbitral. 2ª ed. Rio de Janeiro: 2004.
ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado – Teoria e prática brasileira. 3ª ed.
rev. aum.Rio de Janeiro: Renovar, 2007.
________. Contratos Internacionais: Autonomia da Vontade, Mercosul e
Convenções Internacionais. 3ª ed. rev. aum. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Eficácia das Normas Constitucionais sobre
Justiça Social. RDP jan./Jun. 1981, v. 57-58, p.247.
BRASIL, Vade Mecum Referenciado da Legislação Brasileira – Código Comercial. 7ª
ed. São Paulo: Primeira Impressão, 2009.
BRASIL, Vade Mecum Referenciado da Legislação Brasileira - Código de Defesa do
Consumidor. 7ª ed. São Paulo: Primeira Impressão, 2009.
BRASIL, Vade Mecum Referenciado da Legislação Brasileira – Lei 9.307/96. 7ª ed.
São Paulo: Primeira Impressão, 2009.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. 2ª ed. rev., São Paulo: Saraiva, 2007,
v. 3.
CORDEIRO, Antonio Manuel da Rocha Menezes. Da boa-fé no direito civil. Coimbra:
Almedina, 1984.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 23ª ed. rev. e atual. São
Paulo: Saraiva, 2007, v. 3.
DOLINGER, Jacob; TIBURCIO, Carmen. Direito Internacional Privado – Arbitragem
Comercial Internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
DONI JÚNIOR, Geraldo, Contratos – Noções Gerais. Material apresentado em sala
de aula na disciplina de Direito Civil. Curitiba: 2005
43
MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo
obrigacional. 1ª ed., 2ª tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
NALIN, Paulo Roberto Ribeiro. Contratos & Sociedade – Princípios de Direito
Contratual. Curitiba: Juruá, 2004.
NEGREIROS, Teresa. Fundamentos para uma interpretação constitucional do
princípio da boa-fé. Rio de Janeiro: Renovar, 1998.
PENTEADO, Luciano de Camargo. Figuras Parcelares da boa-fé objetiva e venire
contra factum proprium. Disponível em www.flaviotartuce.com.br/artigos. Acessado
em 01 de março de 2010.
SÃO PAULO: Superior Tribunal de Justiça. Ação de indenização por danos morais e
materiais. Recurso Especial nº 988.595/ SP. Relatora Ministra Nancy Andrighi,
Terceira Turma. Julgado em 19/11/2009. Publicado no Diário de Justiça estadual em
09/12/2009. Site do Superior Tribunal de Justiça, consultas jurisprudenciais.
SÃO PAULO: Superior Tribunal de Justiça. Alteração Unilateral de Contrato.
Recurso Especial nº 418.572/ SP. Relator Ministro Luis Felipe Salomão. Quarta
Turma. Julgado em 10/03/2009. Publicado no Diário de Justiça estadual em
30/03/2009. Site do Superior Tribunal de Justiça, consultas jurisprudenciais.
VIDAL, Rodrigo César Nasser. Princípios Fundamentais dos Contratos
Internacionais. In: NALIN, Paulo Roberto Ribeiro. Contratos & Sociedade –
Princípios de Direito Contratual. Curitiba: Juruá, 2004.
�����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������