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Edson Bueno de Camargo

O MapaDo Abismo

e

Outros Poemas.

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2003 Edson Bueno de Camargoemail: [email protected]

Endereço: Rua José Cezário Mendes, 104Vila Noemia – Mauá – SP

CEP – 09370-600

1ª Edição.

Tiragem:

tEdições

Tigre Azul

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Impressões sobre o Mapa do Abismo e Outros Poemas de Edson Bueno de Camargo

A primeira impressão , após a primeira leitura deste O Mapa do Abismo e Outros Poemas do Edson Bueno de Camargo – a quem chamarei aqui de “EBC” foi “Ufa!” Terminei, afinal!

Muito denso, escrita multifacetada, revela toda inquietação nebulosa, baudelaireiana – traço marcante do poeta EBC, quem conheci jovem estudante no final dos anos 70; já sombrio, inquieto, questionador. Espírito crítico aguçado, cada detalhe observado detona nele uma impressão sensual; ‘Fui ao campo/ e apanhei uma flor branca/ que nascia por entre a grama/ como é o nome desta flor?/ é um nome de mulher/ tem perfume que me lembra o de jasmim.” in Algo com Som, de repente, no último verso, o ritmo quebrado pelo cheiro feminino exalado pela flor, sugere a sensualidade lembrada pela visão de uma flor nascida à toa, uma visão refrescante, tanto lúbrica, pueril até, os poemas se sucedem, neste Mapa do Abismo... que bem poderia ser apenas Abismos, já que cada poema dele é convite ao delírio, ao vôo no escuro.

Os escritos se sucedem como cenas de um filme, rápidas, já que o Autor em seu “Posfácio” do folheto “Não verás o Mar Como eu vi”, revela que dois livros escritos na juventude não foram publicados. Daí, quem sabe, uma explicação de que poesia guardada em gavetas e no “look” atual em disquetes, quando liberados de suas respectivas prisões, se acotovelam numa obra poética como esta, na maturidade. Porém, o grande mérito do Autor é a coragem. A leitura de seus escritos, uma viagem. Como interpretar tal viagem? Como queira o leitor. A mim, causou-me surpresa belas imagens do cotidiano como em Vigia o gato “... há algo egípcio/ de orgulho antigo,/ perdido nas eras do tempo/ e nas pontas dos cobertores” , em Distração “... no momento em que o dragão é vencido/ uma goteira irrompe o teto/ ao lado da distraída leitora/, em Café Filosófico “ Será feliz o vendedor de mandioca,/ fruto do ventre da terra?” - nos remete ao lado telúrico e essencial do ser terráqueo, vivente no planeta Terra, o homem em especial, vive sobre a terra e se dispõe (vende, negocia) dela para sobreviver. A dúvida sugerida pelo “Será?” revela um crítica ferina quanto à atividade vender mandioca produzido no âmago do solo onde ele vive, como se fosse condenável vender, negociar o alimento (mandioca). Excessos do poeta. Como tal, tudo bem: até vale sacralizar a mandioca.

Resta então, o convite: caro (a) leitor (a) leia, desarmado, leve, livre de preconceito, este novo ( e velho) livro de poesias de Edson Bueno de Camargo. Este abismo de olhar o mundo caótico em que vivemos. Olhar de um jovem que, macambúzio, percorreu a pé, de trem, de ônibus, de carro, solitário ou de mãos dadas com as duas mulheres de sua vida – a esposa Cecília e a filha Sarah, seus caminhos tortuosos. Poemas que revelam o espanto, o encanto, o desencanto frente às atrocidades do homem que sobrevive amontoado nos morros de Mauá a Singapura; fica Faltando, agora, seu olhar sobre o do Autor, EBC. E Boa Viagem!

Diretamente do Litoral Norte,Caraguatatuba (SP), setembro de 2.003.

Katsuko Shishido Pastore

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Poema do Aviso FinalTorquato Neto

“É preciso que haja alguma coisaalimentando o meu povo;

uma vontadeuma certeza

uma qualquer esperança.É preciso que alguma coisa atraia

a vidaou tudo será posto de lado

e na procura da vidaa morte virá na frente

e abrirá caminhos.É preciso que haja algum respeito,

ao menos um esboçoou a dignidade humana se afirmará

a machadadas.”

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antes fosse palavra soltacomo óbolo que se dá ao vento

mas, os sonhos estão enterrados no are o mapa foi há muito perdido

dedicaraos amigos

à filha ao neto

para minha amadanaquilo que somos imortais

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O Mapa Do Abismo.

“Aquele que luta com monstros deve acautelar-se; para não tornar-se também um monstro.

Quando se olha muito tempo para um abismo,o abismo olha para você.”

Friedrich W. Nietzche - “Além do Bem e do Mal.“

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Fragmentos.

carrego fragmentos de poemas nos bolsosum poema inconclusivo, como sementes estéreis

há números de telefone misturados,estratos bancários, propagandas de rua,papeis de bala,coisas que vou colocando nos bolsos e esquecendo

só não esqueço este poemaque não vem, mas que também não vai embora

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Espectros.

se tivesse poder de vida e mortemandaria matar meus poemas no nascedouropara que não pudessem mais estes, me atormentaremcomo espectros de criaturas não nascidas

palavras que me rondam a cabeça dia e noiteme perseguindo no escuro como fantasmasse dissolvendo como expostos a luz da manhãquando apresentados à caneta e ao papel

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Uma casa.

uma casa para mim seria o suficienteme basta o espaço de quatro paredesonde pudesse ser eu mesmo o tempo todoe a verdade fosse a única religião

um lugar onde não me sentisse um estrangeiroum alienígenaum alienadoum exilado do próprio chão

um refúgio onde estivesse a salvaguardasem salvo condutospassaportesdocumentos pessoaishabeas corpus

uma embaixada pessoala salvo

sob a proteção da ONUdas leis internacionaisda Convenção de Genebrada Declaração Universal dos Direitos do Homem

onde um homem e uma mulherpudessem ser amantes sem pudoressem doressem culpassem desculpassem cobranças de nenhuma espécie

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Olhar pela Janela.

conversas de corredorsussurros no salãosemi-escuridão espectral

conspirações são urdidas na calada da noitetraiçõesrevanchesvendetas

a paz espreita lá forana forma de um galho de arvoree de um passarinho

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Algo com Som.

fui ao campoe apanhei uma flor brancaque nascia por entre a grama

como é mesmo o nome desta flor?é um nome de mulhertem perfume que me lembra o de jasmim

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Sob a Sombra.

minguante no horizontesob a sombra da arvoremisterioso passante

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Tramar.

pois tudo que eu pensaraera delicadamente atadocom fios de pura sedafabricados por uma aranha negra

ao cair da noitebanhado pela luz da luaas gotas do serenoformavam pequenos cristais na teia

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Útero da terra.

útero da terraumidadegrossas raízes

húmuspequenas criaturasverve do chãoâmagovelha paixão

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Aquário Vazio.

procuro por peixesno aquário vazio

no canto da salasó tem solidão

as pedras no fundoestão lá sem razão

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Evanescentes.

escuto um zumbido permanente em meus ouvidosserão palavras vindas de um mundo distantefadas invisíveis com suas asas e vestes cor de rosa pastelvespas inflamadas, pirilampos feéricosmundos transparentes

sinto uma apreensãosensação de eminênciavisões de sonho e pesadelo

existem as portas que não devem ser abertas (quem proibiu?)mas serão pela curiosidade despertanão há aprendizado sem dor.

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Pax Panis.

me sinto perseguidopor visões do paraísoum branco luminoso sem fimum terror imóvel e gélido que me consome

uma paz que me incomodatriste e desolada

será deveras o infernoo fim de todo o movimentoo mirar no espelho sem reflexo algum?

a passagem do tempo sem percepçãonunca dormirnem acordar

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Urge.

urge que ouçamos o chamado (eco)bramam anjos de fogo no céua lua vermelha se esconde sob negro véu

cavalgada de guerra, corcéis,brandem o ferro e o bronze, reluzente metalespelho do horrorrompem escudos e carnefogo e negro fumo

negará sua face disformecom os dentes a mostra a reluzir?

ouçao cortejo de anjos marchandoo Deus guerreiro e generala buzina, a trombeta, os tambores marciaiscom forte ruído a produzir

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Aluagem.

a lua esta a pinonão respeita os horáriosimpostos pelo solcravados em nossa menteregulados pelo relógio

nasce no meio da tardeem pleno sol da primaveraobscurecida pelo diaque não é o seu reinado

esta a pino ao anoitecer

se põe no meio da noitepara repentinamente na madrugadaameaçar nascer de novo

como quequerendo competir com o solque começa finalmente a nascer

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Alma de Cristal.

no alto da colinaas rochas que cantam

no campoentoam cânticosde antiga religião

alma de cristalno centro da terrano tempo das eras

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Cidades Antigas.

igrejinhas barrocas ( alvas de doer os olhos )com santos dourados e azuis

pequenas cidades em forma de jogo da velhaantigos segredos guardados

maçonsgrades sagradasonfalostorres vigiadasmontanhas encantadas

cemitérios, fantasmastesouros escondidos

passeios no campoboa comida,parentelaconversas na varandacachaça de alambique ( crisóis, alquimistas )licores, bolos e café com leite

soverte e algodão doce na praçanamoro sem graçabeijos roubadose muitas lembranças

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Venho Vento.

venho vento trazer a boa novaaquela soada na trombeta dos anjos

tenho uma fome antigaque carrego de outras erasdaquelas de devorar os livros da estantepalavra por palavraletra por letrarazão e emoção

conheço os caminhos do tempocomo a palma da mãocomo a luminescência estranha de certas tardes

dos sois amarelosdos dentes ao soldas amarras e nós de atamentoda relva molhada pela chuvado amoreste que perdura

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Café Filosófico.

caminham pela ruaempurrando suas carriolas carregadaspai e filhocéu azul e limpo ( quase sem nuvens )calcada de cimentoasfalto negro e áspero

carregam o fardo do trabalhoe a esperança de dinheiro ( alimentação? desejos? )

sentem eles a falta da Cultura?dos livros que permeiam a minha vidaas angustias aflitivas

tenho lido Nietzche, Walter Benjamim e Adornodivagado a respeito do universodo nascimento e morte das estrelasda ligação que tem todas as coisasmas não sou feliz

será feliz o vendedor de mandioca,fruto do ventre da terra?

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Vestígios.

no quartosemi-escuroum resto de perfume no ar

sentar o cansaço sobre o leitocair de costasmergulhando em lembranças

como fotos preto e brancas amarelecidasalgumas esmaecidascomo um lento esquecimento

o ocaso toma conta da mentefragmentando os acontecimentosembaralhando – os

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Em Silêncio.

comerei em silêncio e sozinhoo pão amargo da saudadecom o sal e a água das minhas lágrimas

do outro lado da mesame espreitauma cadeira vaziaum lugar vagoum prato servido sem convivas

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Atravessar a Sala.

atravessar os passos, a salao ranger, o velho assoalhocansado e o pó dos tempossem centelha de luzsem nenhuma certezacom alguma tristeza

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Possível Fim.

a cama é o frio do invernotosse

o vento nas cortinas amareladasas velhas dores no profundo da noite

remédios no criado mudo( Dorflex, Profenide, Voltaren, mais o que? )

na gaveta um revolver semi - esquecido,será que as balas ainda funcionam?

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O dia da Lua.

todos os mesesnos seus diascomo um ritualmarca no calendárioa palavra mulher em assíriono dia correspondente

o símbolo cuneiformegrafado em tinta azulde caneta esferográficacria uma dicotomiade uma escrita tão antigaem um modo tão contemporâneo

remete o pensamentoaos cultos de fertilidadeda “kubaba” sagradaa mãe de todas as mães

o dom de ser mulherdesde o principio dos tempos

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Cotidiano.

todos os diastoda manhão cheiro de café sendo feitoinvade a rua

e na calcada a caminho do trabalhopelo aromao passante imagina o paladar

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Do Incerto.

não será mais que aquela manhão pão e o leite sobre a mesamais um dia sem nenhuma certeza

quanto tempo se passoudesde a última vez que olhou no relógioquantos dias, quantas noitesque passam sem que se aperceba

do incerto

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Outro Dia.

abrir as portas,escancarar as janelas,para iluminar a sala,arejar a casa

ferver a águafazer um cháler o jornal da manhãcom suas notícias velhas e dobradasde um mundo distante e perdido

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Para que o dia amanheça.

fazer o cafépara que o dia amanheçapara que você não me esqueçaé preciso ter fé

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As Primeiras Sementes.

as primeiras sementes do ano novocrescerão na palma de minha mãobrotarão como bandeiras do povoas palavras no meio da escuridão

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Arrabaldes.

viver é uma grande mentiraneste estranho arrabaldecom suas casas dependuradas no nada

suas noites incandescentescastelos dos olhos que vêemluas cheias enormeslagartos a rastejarno claro e na escuridão

onde está minha infância?infame ignorânciade mentir para viver

viver é uma grande mentiraneste singular arrematede cidade, rios com esgoto e negrume,

onde está minha ignorância?ignóbil inocênciade na mentira viver.

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Toda Manhã.

toda manhãacordar e ainda sonolentalavar o rosto

sentar na mesafitar os olhos vazios da mãee rezar

reza baixinhonão quer ficar igual a mãenão que um homem mandando em sua dor

toda manhãtorce para não acordarquer morrer no sono dos justosnão quer mais escutar os gemidos e chorosnão quer o medo como canção de ninarnão quer a nova manhã

mas o sol implacável nascetrazendo um novo dia

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Bem - Amados.

Oñemboapyka pota jeayú porangue i rembi rerouy’ a rã i.Esta - se a dar assento a um ser para alegria dos Bem-amados.

Tradição oral Guarani.

1 –

no princípio da terratodos os homens eram como um sóe não havia dor

o pecado não existiae todos andavam nus no paraíso

a filha e o filho da terrafrutificavamassim como as plantas e os animais

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2 –

quanto tempo perdidodas memórias da terraque o medo nos empurrou à gloriaa agonia e a dor dos filhos dos homens

os Bem Amados alijados da terra de seus paiso regato de água doce poluídoa mata queimadao solo violentado pelo aradoe pelas patas do boi

a razão perdidaa insanidade daqueles que afixam preços a seus corposa cruz, o aço, a pólvora e o chumboa doençaa descrençaa ganância

vão se os anos idosna esperade uma bandeira verdadeira de esperançapara que as profecias se cumprama do índio, mais puraa do branco, agora sem hipocrisia

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Leito de Flores Brancas.

Sobre uma foto de uma menina palestina morta estampada na primeira pagina do Jornal Folha de São Paulo em 08/04/2002.

parece que esta dormindouma criançaem seu leito de flores brancas e vermelhasuma bandeira por cobertores

em algum lugaruma mãe se desesperanum choro, num grunhido insano espera

quem pagará por seus crimes de guerra?ter nascido na hora e lugar erradopalestina, menina, em terra de Israelpobre no “terceiro mundo”, imundo

ter brincado impune entre os escombrosesgotos correndo a céu livre e capsulas usadasáreas deflagradas

poderia ter sido nos morros cariocas.no Jardim Angela em São Paulo,em um subúrbio de Vitória

ali inerteespera que lhe cubra a terralhe agasalhe em seu ventresem ódio e sem medofinalmente a sua terra natal

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Dormentes Molhados.

curva ferroviáriapedras molhadas de garoa,neblina branca, serra úmidamata atlântica primitiva

cravada na rocha, como uma cidade fantasmaponte ligando vilas,a plataforma esperaum relógio marca a nova erano limiar do século (XIX)

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No Passado.

ataminh’ alma no passadoaveventoágua correnteferro, ferrugemneblina e frio

Paranapiacaba não tem formas esta tardeos trilhos me levam para o vazio

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Sol Impressionista.

“Há neste inverno (outono??),um sol impressionista,

mas que jamais nasce,apenas se põe, me deixando na escuridão.”

Sarah Helena

vermelho poentesol impressionistapassam pela minha vistaoutonos esquecidos

quantos dias passadosem ocasos sonolentosnoites mal dormidas

meus quarenta anos mal vividosminhas reminiscênciasmuxoxos de velhosamigos esquecidos

mas o céu é tão beloque não dá para ser tristenesta tarde a caminho de casa

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Da Lua e Da Maré.

redes, anzóisbarcos encalhados na areiavelas velhas encharcadas de chuvauma barra de areia branca invadindo o mar

luta da lua e da maréágua salgada corroendo horizonteslágrimas dos deuses esquecidos

uma sonolência encantadasortilégios de sereiascardumes invisíveiscantos de naufrágios nas pedras

rochas escondidas, faróisgaleões fantasmasa navegar nas espumas do arnuvens ondas a arrebentaroutro mar

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Céu Lilás.

naquela tardeo céu estava liláse as nuvens cor de rosa

o horizonte negrose estendia e abraçava a terra

ao longe, em meio as brumasimaginavam-se cais intermináveisvelhos navios enferrujadoschaminés fumacentas

o gosto amargo de sal marinhocachimbos mau – cheirosospragas de marinheiroa maresia nauseantee a velha saudade de lugares nunca vistos

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Em Pleno Ar.

galeões e caravelas fantasmas em pleno arcordames e velas podresmadeira antiga a rangeraos ventos e o peso dos canhõesborrascas e esqueletosespumas e vagasem pleno ar

acordar suado e assustadoquando ao longe, se afastandoo terrível gargalhar

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Ódio Antigo.

amarrei junto ao peitocom corda de palha de buritipara que nunca se rompesseum ódio antigo e escondido

este me tem envenenandocomo todo ódio que se prezeo meu sangue um pouco por dia

mas se diz na velha terra“ódio velho não cansa”este tenho carregadocomo se fosse um filho amado

um dia quem sabe este me mateou eu ao dito dê caboum dia destes quem sabe

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Dinossauro.

hoje amanhecicom um desejo doido de me matarde acabar de uma vez por todascom a minha consciência

(tentei em uma ocasião,afoga-la em álcool,mas a danada boiou)

por que me sintocomo um dinossaurodesgarrado de seu bandoque insiste em não se extinguir

como um velho navio enferrujadoestou permanentemente ancoradoem valoresque não tem mais sentido algum

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Se estou condenado.

se estou condenado definitivamente ao infernoque minha entrada seja em grande estilocom uma grande turba em urros e gritosanunciando a minha chegada

que por uma corte de meus detratores e inimigosseja eu precedido

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Herança.

eu desisto,definitivamente e irreversivelmente,neste dia;

não sei qual pecado que cometi,mas o castigo agora me parece maior que o delito,seja qual tenha cometido,( confesso minha ignorância e falta de lembrança)

desisto,de meus valores,de minhas crenças,de minha herança cultural,de minha ascendência genética,de meu direito a vida,do amor,do ódio,da indiferençade minha alma eterna (se ainda a possuir),

renuncio,a Deus,a todos os deuses de deusas,ao diabo,a bondade,a generosidade,a honra,

a mesquinhez,a avareza,a minha santa ira,ao medo,a dor,

que a todos se proclameque a partir deste dia não mais existoembora ainda vos incomode com minha presença

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Mapa do Abismo.

Nas pontes sobre os abismos

observo pássaros que lastimamque emitem gritos lancinantescavalgo ligeiro, com medo

é necessário que toda a coragem que trago escondidaapareça a tona

que estranhos mistériosque novos segredosme esperam

sussurros de dor do fundo do abismome clamam para saltar

resisto,me cobro de luto pelos que se forame firmo a fépara que minha armaduranão se torne minha mortalha.

Diante do lúgubre castelo

paredes de úmido limbodiante dos olhos

será que são fantasmas perseguidos?

Que sonhos desvairados, os que são perseguidos?A cruz de dourado brilhanteresplandece no frio aço sobre o peitocriando a nova certeza, da justiça da causa

dançam de outrem figurasde fumaça na névoa ligeiracarregada pelo vento

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este que assovia nos ouvidos como assombraçãopor fim diante do inimigo.

Afinal por que a dúvida me assalta

não são justos os propósitosnão é digna a razãonão é correto o motivo de inspiração?

Desembainhar a espadae lutar na certezaque a vitória,é sempre a dos justos.

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O Abismo Te Observa.

aqui jaz, esperandoa espreita de seu próprio destino

sentado a beira do abismo,penhasco, onde batem as ondasbrancas com o impacto

passa a vidadiante dos olhoscomo um velho cinema mudomas, como num pesadeloesquece de tudo imediatamente,

ali,no aguardo do que já não sabe

a pedraa areiaa gramaa chuvao grande rio negro ao longea barrao sal resplandecenteacompanham

absorto no esquecimento,espreita

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Outros Poemas.

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“já me matei faz muito tempome matei quando o tempo era escassoe o que havia entre o tempo e o espaçoera o de semprenunca mesmo o sempre passo

morrer faz bem à vista e ao baço melhora o ritmo do pulsoe clareia a alma

morrer de vez em quandoé a única coisa que me acalma”

Paulo Leminsk

Reduzir.

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Re(pro)du[(lu)zir]cr(ia)er

cria[(cul)tura]cria(ção)

!

Olhos I.

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São os olhos que me observam, brilhando no canto da sala, o estranho me espreita, não sei se como presa ou fera,escuto batendo no peito, o meu coração que batia, com um compasso quebrado, dentro do meu ouvido. Lá parado, sem se mover um centímetro, não piscavam, faiscavam na penumbra.

Olhos II.

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Estava num canto da casa, me lembro do brilho de seus olhos no escuro, toda a casa me parecia estranha, como que se as mesmas coisas de sempre não fossem elas, as mesmas, não reconhecia nem mesmo, a cama em que havia dormido até aquele momento, foi quando a criatura que se escondia, se desvendou por completo.

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Não Ver.

...as paredes se debruçam sobre mim, não sei se estou sonhando, se estou morto ou acordado! Há grossas lágrimas correndo sobre meu rosto, meu olhos embaçados...

...por quanto tempo aqui sentado, com os olhos fechados, sinto-o respirar sobre o meu rosto, um hálito de pântano estagnado, temo abrir os olhos e ver, temo abrir os olhos e não ver...

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A busca.

acredite, havia algo muito estranho, escondido sob aquele assoalho de ripas de carvalho, algo que cheirava a podre e azedo, mas ao mesmo tempo exalava um forte perfume, um tanto quanto adocicado, um tanto quanto frutado, alfazema, anis estrela, flores silvestres murchas, cravos adormecidos, jasmins amanhecidos... estava colado na poltrona, e sei que “aquilo” andava sob meus pés, remexendo no porão, numa busca que temia que terminasse a qualquer instante...

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Um Velho Gato Malhado.

em uma sala conversam sete velhinhastomando bolo e chásete tricôs começadosbule, xícaras pires e bolo, na mesa arranjados

dormindo no canto da salasobre uma velha almofadaum velho gato malhado, gordo e preguiçoso

e o velho gato sonhadosete sonhos um dentro do outroum sonho para casa vida perdida(agora, só lhe restam mais duas)

em cada sonho um dentro do outrosete velhinhas conversamcom seus tricôs começadose no centro da sala arranjadosbule, xícaras, pires e bolo

e dormindo no canto da salasobre uma velha almofadaum velho gato malhado, gordo e preguiçoso

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Vigia O Gato.

vigia o gato,com seus olhos verdesfaiscando no escuro,a porta

como o guardade uma pirâmide,o quarto de dormir

há algo de deus egípciode orgulho antigo,perdido nas eras do tempoe nas pontas dos cobertores

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Paraísos.

no paraíso dos pombosexistem milhares de pipoqueiros distraídosnum jardim infindávelcom tardes mornasvelhinhos e velhinhas em bancos de praçajogando amendoim

não há criançascom sua curiosidade discretasempre tentando agarrar tudo que se movenão há gatos de garras afiadas(estes estão no paraíso dos gatos)

mas há arvores frondosas e com grandes galhosvelhas casas em ruínascom sótãos espaçosos e abertosonde nunca há corujas escondidas

e sempre é primaverasempre tardezinhasempre silencioso

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Distração.

a moça lê poemas atras do balcãosonhando um príncipe encantadoem um cavalo alado

lá fora a rua é indiferenteos carros passam em procissãovão e vem,mas ninguémsabe para onde

começa uma forte chuvamas a moça não se apercebe

no momento em que o dragão é vencidouma goteira irrompe no tetoao lado da distraída leitora

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Mulheres Redondas.

mulheres redondasem seus grandes vestidos floridospasseiam pelas tardes ensolaradas(um sol redondo como a lua, alaranjado )com suas sombrinhas chinesas

pisam sobre pavimentos de pedrasgranito cortadocom regular presteza

são pedra antigas e carcomidaslisas pelo uso contínuoburiladas por ferraduras, rodas de carroçae areia do tempodestas que ficam escorregadiasnos dias de garoa

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O Rio.

I-

o maciço de serra nasce em tempos imemoriais,um cristal antigo, que se perde no tempo da criação do próprio planeta Terra,gerado antes de qualquer vida, dos minúsculos protozoários, do mármore, do

diamante,

os ventres vulcânicos, que vomitaram o granito e o basalto,se dissolveram nas eras, desapareceram sem deixar vestígios

o manto de lava endurecidoaos poucos foi modelado pelas águas teimosas de um pequeno rio,

que se forma com o princípio da chuva,

rompe a dureza do chão feito de um quartzo ancestral,laje de pedra primeva, de antes das areias e do solo,

burilada pela água e areia, lentamentedeterminou seu traçado, sinuoso e sem linhas retas,

como um servo amado da terra,se vergou a cada obstáculo, contornando sem ferir, sem se ferir,

e quando os neolíticos primordiais habitantes do chão beberam de seu presente,afirmaram sua Graça, o rio de muitas voltas, “tamandetay”.

II-

recusa o mar, e no mar nunca deságua,é certo, que haverá sempre uma pequena porção de suas águas no Rio da Prata,

entrando no sal dos mares platinos,mas ali, em meio ao mar de água doce, não será jamais Tamanduateí.

III-

buscou o interior do continente, dando de encontro com o Rio Tietê,nascer e morrer no planalto, vislumbrando da serra, o mar que te espera, não terá foz

nem deltanão desbravará sertões, não conduzirá monções, não correrá no solo macio da

planície,terá sempre a tranqüilidade dos remansos e águas grandes, várzeas inundadas, poços

e vazantes

mas o vassalo do grande rio, seus tributários tem também:

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Corumbê, Capitão João, Itrapoá, Cassaguera, Oratório, ...alguns que arremedam o mestre, fugindo para outras paragens,

mas cedo ou tarde, desembocam em suas margens,

seguidos de muitos outros menores, sem nome e sem memória, seguem o mesmo destino,

olhos d’água, bicas nas barranqueiras (onde mulheres lavavam a roupa e crianças matavam a sede).

IV-

no passado pré-histórico, uma floresta tropical se instala, nos contrafortes da serraria,monumentais e seculares jequitibás, aroeiras, ipês, pau cedro, pau brasil,

perobeiras, ...uma infinidade incontável de madeiras de lei, folhagem miúda, plantas desconhecidas,

que queimaram lentamente, anos a fio, nas primitivas fogueiras, nos primeiros fogões de lenha, nas coivaras,

depois no ventre das locomotivas, nas caldeiras industriais,nos fornos das olarias (a capital precisava de tijolos) e cerâmicas industriais

gabiroba, araçá, capote, caraguatá, ananás. abil, cambuci, jatobá, ingá,frutas do mato, primitivas goiabeiras e abacateiros, ...

que alimentaram primatas, aves, lagartos e pequenos mamíferos,testemunhas e vítimas do desmatamento insano.

V-

serviu de regaço a expedições de caça a tamoios e guaianazes,que não conheciam o homem branco europeu,

parada obrigatória de tropas sem fim,indo de Mogi das Cruzes para a Vila de Piratininga ( que um dia será São Paulo)

caminho de idas e vindas, pela estrada “ del rey “ (hoje ainda, lhe resta um pedaço)

mas ao senhor, o rei de Portugal,pouco ou nenhum interesse tinham estas terras, de selvagens hostis e pagãos,

que, capturados, no trabalho morriam de cansaçonão tinha ouro no cascalho do rio e riachos e cana não dava neste chão

quando haviam as matas, foi caminho de negros fugidos das lavouras de café do interior

que procuravam os quilombos de Peruíbe e Iguapeescondeu em suas ramagens a vergonha da escravidão

beberam destas águas, caldeiras ardentes,das máquinas a vapor, locomotivas da ferrovia que cortou a serra em dois,

dormentes assentados um a um, cravo e marreta, trilhos do aço estrangeiro,que trouxe de outros países, gentes.

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VI-

tudo correria tranqüilo até os dias de hoje, não fosse a irrequieta presença dos homens,

colonos portugueses, uns se foram outros ficaram, vieram imigrantes italianos,de todas as nações do velho continente, asiáticos, japoneses do outro lado do mundo,migrantes nordestinos e mineiros, de todos os estados, todos sem exceção em busca

de trabalho,de enriquecimento, de sonhos, simples e laboriosos, gente de bem,

tombou-se também as matas secundárias, verde teimoso em florescer,que tenta em vão recuperar a floresta do passado,

rasgam-se os morros inclementemente com tortuosas ruas,loteamentos clandestinos, terra barata para os trabalhadores,

se assoreia o leito do rio com areia e aluvião, lixo e entulho de construção,turvam-se as águas, com esgoto e lixo industrial, fezes, urina e alcatrão,

colocam-se os afluentes em tubos, bloqueando os lençóis e veios da terra,morrem as bicas e minas (os meninos sem diversão),

crescem industrias, e chaminés como arvores mortas, enegrecem o céu com fumaça,encapam o chão com asfalto e cimento, e quando seu leito entupido, não suportou

mais a carga,sob a chuva inclemente,chamaram-no enchente.

VII-

agora, se observar suas águas fétidas,se vê ainda, a beleza do rio correndo, as pedras, o movimento gracioso da

correnteza,

quando serão limpas suas águas, como um Tâmisa?qual governante louco e delirante, pescará em suas águas novamente límpidas,

lambaris açus de rabo vermelho,ao lado do seu povo, feliz, contente e agradecido?

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Apêndice.

Folhetos Poéticos.

Os anos de 2001 e 2002 foram anos importantes no que se diz respeito a minha poesia, um período de tempo muito produtivo, quando finalmente transformei poemas guardados e dispersos, em um livro de fato (Poemas Do século Passado –1982-2002), mas, da produção do livro para a sua publicação, principalmente de forma independente, demanda tempo, energia e requer uma grande dose de paciência. Neste ínterim algo deveria ser feito, com varias atividades culturais e de literatura acontecendo na cidade (Mauá-SP) e no Grande ABC, apesar de ter “saído da gaveta” com a publicação do livro, havia uma ansiedade de mostrar alguma coisa impressa em papel, foi daí que surgiu a idéia de se criar os folhetos poéticos, na forma de um folder publicitário, para distribuição, de mão em mão, deixar nos saguões de teatros, bibliotecas e mais onde fôsse possível.

Estes folhetos ( “Reminiscências” e “Não Verás O Mar Como Eu Vi”) estão sendo reproduzidos neste livro em seu conteúdo original, em forma de um apêndice, uma vez que os poemas neles publicados são inéditos na forma de livro.

O autor.

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REMINISCÊNCIAS.

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A Teia.

a aranha tece a teiafrágil ao meu toque

diferença fatalda vítima que se envolve.

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Observações.

tudo tem seu tempoa aranha morre em sua teiao vento frio morde as telhas

o herói late no quintal.

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Medo no Espelho.

brilha a lágrimacomo um cristal partido

fio a fiofino de seda

e nos ata as almas

por que não maisque apenas o medo

o terror que envolve o espelho

nos cerca agora.

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Dançarinos de Arame.

dançam na areiadançarinos de arame

frágil estruturade aço e barbante

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Girassóis.

crescem os girassóisbalançam a brisa de verão.

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Escadas.

meus olhos trememmas minha boca não diz palavras

penso em escadas (quais?)

úmida bocamolha o medonas sombras.

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Varais.

não esqueçade olhar para o céu

por entre as roupas dos varais

por que não hánada mais branco

do que algodão ao sol

por que seus olhosme disseram muito mais

que todos os livros que já li.

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Por do Sol.

vermelhouma massa vermelha escurase desloca do céu violáceo

poeira em grãos satélitesmigram, no lugar da velha lua

na rua cinzenta e cálidase esquecem os sons da mesma

a tarde me aqueceapesar de fria

os olhos cheios de sonhosno mesmo inverno.

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Palavras vazias.

palavras vazias escrevisobre fumaça ao vento

e nada sobroua não ser o vento soprando

que estranho sentimentover palavras fugirem ao ar

como aves novasque se põem a voar

esqueci as palavras do ventoe o que significavam

ficou somente a estranhezade ver palavras voarem

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Posfácio do folheto “Reminiscências”.

Edson Bueno de Camargo, nasceu no ano de 1962, na Cidade de Santo André – SP, vive desde o seu nascimento na cidade de Mauá – SP. Sobrevive ao aspecto mais suburbano da realidade paralela do Grande ABC, uma mistura de disciplina operária, socialismo, fascismo, um pouco de anarquismo, fanatismo religioso, miscigenação, analfabetismo, sincretismo e ódios raciais mal disfarçados, onde imigrantes europeus e migrantes de absolutamente todos os estados do Brasil, convivem num “caldeirão do diabo”, subproduto do “milagre Brasileiro”. Desta subcultura nasce uma Poesia com todas as influências e ao mesmo tempo que não deve nada a ninguém. Participou em sua juventude do Colégio Brasileiro de Poetas de Mauá -SP, publicou o panfleto poético Cortinas, e no momento tem dois livros escritos e não publicados, Poemas do Século Passado e O Zen e a Arte de Plantar Papoulas...

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Não

Verás

O

Mar

Como

Eu

Vi!

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Mar Amarelo.

frotas, velhas navesdesvairados ventos

alumbram pelos trigais,

como um mar amareloonde navegam, moinhos e gigantes,

dançarinas lançassarissas de antigas guerras

antenas de oriundas erasnovas línguas, exasperadas,

caminham como zumbis perdidos nesta nova terra

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Sonâmbulos.

ando pela casa,atravessando velhos fantasmas,

que andam, como fossem sonâmbulos,

mortos, que não sabem da própria morte

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O tempo não..

deitar o cansaçolevantar com o sol

levar a faina do dia a diaaté descobrir que o tempo

não mais existe...

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Do Tempo.

é necessárioromper as amarras (do tempo)

para que possamos,libertar nossas almas

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Das Igrejas.

.

processos místicosparabólicas flutuantes

computadores diletantesnovilingüismos absurdos

absortos pelo ruídodos alto falantes das igrejas

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Da Velha Pátria.

por onde andamos arautos da velha pátria

rugas antigasvelhas realidades

do que falamos olhos fundos e brilhantes

de verem de há muito tempo,as novas eras

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Tiamat.

se tornarei,a fonte de toda a destruição

me chamarei pelo nomemais estranho,

o som,que nunca poderei ouvir

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Da Espera.

há uma espadasobre minha cabeça

há um fiopor se romper

não há mais medoque nos entristeça

não mais dordo que esperar

ouço o barulho dos ratosque andam

dentro das paredes,

estes,também estão a esperar

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Da Nau.

há ratos no porãoque roem as cordas

e restos

a deriva da naudepende

das velas e dos ventos

que assobiam nos sótãose rangem as portas

do fundo das almas desesperadasonde é sempre profundo o oceano

onde não há portos nos sonhossó borrascas e pesadelos salgados

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Do vento.

seus cabelospelo vento espalhados

seus seiospela blusa

fielmente retratados

não sei o quê?não sei por quê?corro do vento

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Passado Guardado.

não consigo folhearálbuns de retratos

sem encontrar um rostoque já se foi

como é difícilencarar a ausênciaporque o passado

é doloroso e próximo

mas mesmo assiminexoravelmente passado

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De Granito.

da pedrase tirará

o que não é o essencialrevelando a alma do granito

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Posfácio do folheto “Não Verás O Mar Como Eu Vi.”

Edson Bueno de Camargo, nasceu no ano de 1962, na Cidade de Santo André – SP, vive desde o seu nascimento na cidade de Mauá – SP. Sobrevive ao aspecto mais suburbano da realidade paralela do Grande ABC, uma mistura de disciplina operária, socialismo, fascismo, um pouco de anarquismo, fanatismo religioso, miscigenação, analfabetismo, sincretismo e ódios raciais mal disfarçados, onde imigrantes europeus e migrantes de absolutamente todos os estados do Brasil, convivem num “caldeirão do diabo”, subproduto do “milagre Brasileiro”. Desta subcultura nasce uma Poesia com todas as influências e ao mesmo tempo que não deve nada a ninguém. Participou em sua juventude do Colégio Brasileiro de Poetas de Mauá -SP, em 1981 publicou o panfleto poético Cortinas, e no momento tem dois livros escritos e não publicados, Poemas do Século Passado-1982-2000 e O Zen e a Arte de Plantar Papoulas..., recentemente (2002) publicou o folheto “Reminiscências”.

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O autor.

Edson Bueno de Camargo, nasceu em Santo André - SP, em 24 de julho de 1962, mora a partir de seu segundo dia de nascimento em Mauá – SP.

 Publicou: “Poemas do Século Passado-1982-2000” edição de autor; “Cortinas”, com poesias suas e de Cecília A. Bedeschi; participou das antologias poéticas “As Cidades Cantam o Tamanduateí que Passa.” da Prefeitura do Município de Mauá e “Poesia Só Poesia” Editora Novas Letras. Junto com os amigos escritores da Oficina Aberta da Palavra, grupo de Mauá-SP, edita o fanzine aperiódico

"Taba de Corumbé". Foi membro do Colégio Brasileiro de Poetas, um grupo de poetas mauaenses,

num curto período, entre o final dos anos setenta e início dos anos oitenta Participa do grupo poético/literário Taba de Corumbê, do qual por aclamação foi intitulado Cacique e das aulas embrionárias da Escola Livre de Literatura de Santo André-SP, como aprendiz de mundo.

Livros inéditos – “O Zen e a Arte de cultivar papoulas em noites de lua cheia em jardins a beira mar.” – hai-kais; “ (índex animi) O Espelho da Alma ou Poemas do Novo Século” – poesia; “Muitos Morreram por Esparta” – poesia; “De Lembranças & Fórmulas Mágicas” _ poesia.

 Edson Bueno de CamargoRua José Cezário Mendes, 104 Vila Noêmia – Mauá – SP – BrasilCEP – 09370-600correio eletrônico: [email protected]

www.secrel.com.br/jpoesia/ebcamargo.htmlwww.paralerepensar.com.br/link_edsoncamargo.htmhttp://www.pd-literatura.com.br/especiais/mar.html#ebcamargo http://www.eldigoras.com/eom03/indic/buenodecamargoedson.htm


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