ESCOLA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA
GISELE AMORIM SOTERO PIRES
O GARANTISMO PENAL NO COMBATE
AOS CRIMES DE FORMAÇÃO DE CARTEL
Florianópolis
2009
GISELE AMORIM SOTERO PIRES
O GARANTISMO PENAL NO COMBATE
AOS CRIMES DE FORMAÇÃO DE CARTEL
Monografia apresentada ao Curso de Especialização em Direito Penal e Processual Penal da Escola do Ministério Público do Estado de Santa Catarina, como requisito parcial à obtenção do título de Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade do Vale do Itajaí.
Orientador: Prof. Msc. Andreas Eisele
Florianópolis
2009
8
GISELE AMORIM SOTERO PIRES
O GARANTISMO PENAL NO COMBATE
AOS CRIMES DE FORMAÇÃO DE CARTEL
Esta Monografia foi julgada adequada à obtenção do título de Especialista em Direito
Penal e Processual Penal e aprovado em sua forma final pelo Curso de
Especialização da Escola do Ministério Público do Estado de Santa Catarina,
certificado pela Universidade do Vale do Itajaí.
Área de Concentração: Direito Penal e Processual Penal
Florianópolis, 30 de novembro de 2009.
________________________________________
Prof. Msc. Andreas EiseleEscola do Ministério Público
Orientador
________________________________________
Prof.
________________________________________
Prof.
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
O GARANTISMO PENAL NO COMBATE
AOS CRIMES DE FORMAÇÃO DE CARTEL
Declaro, para todos os fins de direito e que se fizerem necessários, que
assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico e referencial conferido ao
presente trabalho, isentando a Escola do Ministério Público do Estado de Santa
Catarina, a Coordenação do Curso de Especialização em Direito Penal e Processo
Penal, a Banca Examinadora e o Orientador de todo e qualquer reflexo acerca desta
monografia.
Estou ciente de que poderei responder administrativa, civil e criminalmente
em caso de plágio comprovado do trabalho monográfico.
Florianópolis, 30 de novembro de 2009.
GISELE AMORIM SOTERO PIRES
RESUMO
As deficiências estruturais da sociedade moderna respondem à evolução do Estado
Liberal ao Estado Democrático de Direito, que não ofereceu satisfatoriamente as
condições de existência dignas à totalidade da população. No caso brasileiro, o
impacto das mudanças tidas no ambiente econômico, por força do avanço
tecnológico e das relações comerciais e financeiras, contribuem para a proliferação
de comportamentos abusivos que comprometem o equilíbrio da ordem econômica
brasileira baseada na sustentação de liberdades concorrenciais. Sob esta
perspectiva, o sistema penal garantista apresenta critérios e fundamentos
compatíveis com o bem jurídico-penal tutelado auxiliando a aplicação das normas de
Direito Penal Econômico no combate aos crimes econômicos, em especial ao crime
de formação de cartel. Muito embora a função garantista do Direito Penal Econômico
possa escapar da sua praticidade esperada e desejada pela população vitimada nas
incursões do empresariado que atinge a ordem econômica, sobretudo abusando do
seu poder econômico para dominar o mercado, as contribuições para a proteção do
bem jurídico difuso e supra-individual é maior que as possibilidades de repressão
contida na esfera administrativa. Diante disto, demonstra-se que o Direito Penal
ainda detém as ferramentas mais eficazes para combater os crimes mais perniciosos
à organização econômica brasileira.
Palavra-chave: Ordem Econômica. Direito Penal Econômico. Crime de perigo.
Cartel.
ABSTRACT
Structural defects of modern society respond to the evolution of the state Liberal
Democratic State, which did not offer satisfactory conditions of life worthy of the
whole population. In Brazil, the impact of changes in the economic environment
taken by virtue of technological advance and commercial and financial relations,
contribute to the proliferation of abusive behaviors that threaten the balance of the
Brazilian economic order based on the support of freedom of competition. From this
perspective, the criminal justice system provides assurance criteria and consistent
with the law and criminal justice ward helping the application of the Criminal Law in
Economic combat economic crime, especially crime of restraint of trade. Although the
function guarantees from the Economic Penal Law to escape its practicality expected
and desired by the people victimized in the incursions of business that affects the
economic order, especially abusing their economic power to dominate the market,
contributions to the protection of the legal diffuse and supra-individual is greater than
the chances of prosecution contained in the administrative sphere. Given this, it is
shown that the criminal law still holds the most effective tools to combat the crimes
more damaging to the organization of the Brazilian economy.
Word-key: Economic Order. Economic Criminal Law. Crime of danger. Cartel.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...........................................................................................................07
1 DIREITO PENAL ECONÔMICO, SOCIEDADE DE RISCO E ORDEM
ECONÔMICA............................................................................................................ 09
1.1 SOCIEDADE DE RISCO E AS IMPLICAÇÕES JURÍDICO-PENAIS.................. 09
1.2 ORDEM ECONÔMICA: BEM JURÍDICO COM DIGNIDADE PENAL..................15
1.2.1 Conceito de bem jurídico-penal.........................................................................16
1.2.2 Ordem econômica penalmente protegida.........................................................17
2 CRIMES DE FORMAÇÃO DE CARTEL.................................................................30
2.1 CARTEL CLÁSSICO E CARTEL DIFUSO...........................................................30
2.2 ABUSO DO PODER ECONÔMICO.....................................................................36
2.3 DOMINAÇÃO DO MERCADO E ELIMINAÇÃO DA CONCORRÊNCIA..............38
2.4 ELEMENTO VOLITIVO........................................................................................41
2.5 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA...........................................................................44
3 GARANTISMO PENAL E OS CRIMES CONTRA A ORDEM
ECONÔMICA.............................................................................................................47
3.1 CRIMES DE PERIGO CONCRETO E DE PERIGO ABSTRATO........................49
3.2 GARANTISMO PENAL.........................................................................................53
3.3 A CRIMINALIDADE TRADICIONAL.....................................................................59
3.4 A CRIMINALIDADE ECONÔMICA.......................................................................60
3.5 A CRIMINALIDADE ECONÔMICA E O CARTEL................................................62
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................65
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................67
7
INTRODUÇÃO
O presente estudo tem por objetivos efetuar a investigação, analisar e
explicar o perfil normativo do crime contra a ordem econômica consubstanciado no
abuso do poder econômico mediante a modalidade associativa empresarial ilícita
designada por cartel, nos moldes da conduta descrita na alínea “a” do inciso I do
artigo 4º da Lei Federal n. 8.137/1990.
Reza este dispositivo legal que abusar do poderio econômico, dominando
o mercado ou eliminando, parcial ou totalmente, a concorrência através da
realização de acordos entre empresas constitui crime contra a ordem econômica,
cuja sanção aplicada é de dois a cinco anos de reclusão.
Esta pauta de discussão faz-se presente na atualidade tendo em vista
que a aquisição abusiva do poder de mercado vulnera, em suas múltiplas formas, a
liberdade de competição e implica na eliminação do livre acesso dos agentes
econômicos ao mercado para ofertar bens e serviços.
A despeito da expressiva produção da literatura jurídica nacional, poucas
conseguem abordar o tema da repressão aos crimes de formação de cartel sob a
ótica direta das garantias e direitos fundamentais, como pretende este trabalho
acadêmico.
O crime contra a ordem econômica torna-se, aceleradamente, o novo foco
da tutela criminal no mundo globalizado e faz frente às políticas de prevenção e
combate à criminalidade econômica. Esse tipo de crime econômico tem deixado
sequelas que não são fáceis de resolver, no campo judicial, ao contrário do que
acontece no mercado financeiro e empresarial brasileiro que rapidamente encontra
mecanismos de absorver e solucionar os prejuízos.
Uma atuação com qualidade profissional na seara das investigações que
se seguem a cada indício de conduta empresarial ilícita, bem como no julgamento
destes delitos a partir da sobreposição de princípios, garantias e direitos formadores
dos institutos fundamentais do processo penal, tanto em relação ao indivíduo
processado, quanto no tocante ao bem difuso e meta-individual a ser protegido,
ganham destaque neste trabalho, cujo objetivo principal é apresentar ferramentas
garantistas para solucionar as dificuldades enfrentadas pelas autoridades no
combate aos cartéis.
8
No Brasil, a trajetória da criminalização da realização de acordos
empresariais restritivos da concorrência e nocivos à ordem econômica é longa,
porém pautada pela ampla ineficácia.
A Constituição de 1988, em seu art. 170, acautelou os valores da livre
iniciativa e concorrência, amparando-os como princípios regentes da ordem
econômica do Estado. A Lei Federal 8.884/94 demonstra que a esfera administrativa
de prevenção e coerção não é suficiente às respostas aos novos riscos alertados
por Ulrich Beck, contudo a evolução do Direito Penal Econômico demonstra que os
institutos brasileiros de combate aos cartéis, ao lado da Lei Federal 8.137/90 e da
Constituição Federal, caminham juntos na proteção à ordem econômica
estabelecida no Estado Democrático de Direito.
Na primeira oportunidade é contextualizado o tema a partir da
investigação da evolução do Direito Penal Econômico e o impacto do processo de
globalização na consolidação da insegurança jurídica a partir do surgimento novos
riscos no tecido social, com o surgimento de novos bens jurídico-penais a serem
tutelados.
Em seguida, aborda-se o aumento da criminalidade econômica e as
vicissitudes da figura do cartel, sendo destacada a visão garantista do combate aos
cartéis como uma das formas de diminuição da insegurança jurídica no setor
econômico. Ao final, comprova-se que as normas de Direito Penal Econômico
Garantista pode contribuir ao desenvolvimento de ferramentas e mecanismos de
combate aos crimes de formação de cartel.
Muito embora a função garantista do Direito Penal Econômico possa
escapar da sua praticidade esperada e desejada pela população vitimada nas
incursões do empresariado que atinge a ordem econômica, sobretudo abusando do
seu poder econômico para dominar o mercado, as contribuições para a proteção do
bem jurídico difuso e supra-individual é maior que as possibilidades de repressão
contida na esfera administrativa. Diante disto, demonstra-se que o Direito Penal
ainda detém as ferramentas mais eficazes para combater os crimes mais perniciosos
à organização econômica brasileira.
9
1 DIREITO PENAL ECONÔMICO, SOCIEDADE DE RISCO E ORDEM
ECONÔMICA
As conseqüências perversas da pós-modernidade acompanham a
evolução tecnológica, científica e industrial provocando o surgimento de males
modernos experimentados pela maioria da população, como por exemplo a
proliferação da violência urbana (criminalidade tradicionalmente que lesiona bens
individuais) e em outro extremo a violência econômica (criminalidade emergente que
ofende bens coletivos e transindividuais).
Não raro, essa perversidade é reflexiva no ordenamento jurídico, cuja
ausência de elementos capazes de amenizá-la instaura um sentimento de
insegurança nas instituições democráticas, fundamentalmente do Estado
Democrático de Direito.
Desta forma, a sociedade de risco se apresenta como um estado anímico
dos indivíduos que a constituem como conseqüência de um mundo de contrates.
Esta profusão de riscos na sociedade contemporânea requer a interferência penal
em novas searas, como a economia.
De fato, são discutíveis os limites da intervenção penal no setor
econômico. Por mais que as escolas criminais da atualidade, na busca por melhor
Justiça, percorram caminhos variados, todas identificam problemas e dificuldades na
resolução de casos nestas fronteiras.
O justo e o injusto assemelham-se, em certa medida, cada vez mais,
incrementando as dificuldades enfrentadas pelo Direito Penal Econômico em
regulamentar as condutas de seus atores, isto é, dos sujeitos ativos na prática de
crimes contra a ordem econômica.
1.1 SOCIEDADE DE RISCO E AS IMPLICAÇÕES JURÍDICO-PENAIS
As deficiências estruturais da sociedade moderna respondem à evolução
do Estado Liberal, de cunho individualista, ao Estado Democrático de Direito, voltado
10
às questões coletivas e mais pluralistas, que não ofereceu satisfatoriamente as
condições de existência dignas à totalidade da população.
A partir dos estudos de Michel Maffessoli é possível verificar que o
trânsito de capitais segue a mesma tendência do fluxo social, uma vez que as
disparidades econômicas conduzem aos deslocamentos maciços de comunidades
afetadas. Falar em nomadismo social também há que considerar o nomadismo de
capitais.1
Outrossim, as atividades econômicas encontram-se em constante
mutações influenciadas pela evolução tecnológica e o processo de globalização,
trazendo consigo a consequente incapacidade dos Estados em administrar, pelas
fórmulas tradicionais, os efeitos negativos deste fenômeno.
Os impactos inerentes do processo de globalização, multiculturalismo e
diversidades da realidade humana fez florescer novos dilemas criminais na
conhecida sociedade de risco.
Essa tendência responde, de certo modo, aos riscos apresentados pela
sociedade contemporânea que acabam por provocar no tecido social uma profunda
sensação de insegurança, fazendo parte do cotidiano pós-moderno.
Os riscos ora tratados não são aqueles riscos toleráveis em razão da sua
adequação social, como, por exemplo, os inerentes às atividades esportivas. Os
riscos sociais estudados ofendem bens jurídicos ou valores essenciais e, portanto,
intoleráveis pela sociedade como exemplos o crime organizado, a destruição ou
contaminação do meio ambiente, crimes contra a humanidade, crimes contra a
economia popular e, não para finalizar, mas apenas para enfatizar, os crimes contra
a ordem econômica.
Segundo a teoria da imputação objetiva, os riscos perversos capazes de
atrair a atenção e a indispensável proteção criminal é aquele risco com capacidade
de provocar um resultado juridicamente desaprovado.2
A ideia de sociedade de risco surgiu com o sociólogo alemão Ulrich Beck
em 1986 como explica Renato de Mello Jorge Silveira:
Reconhece ele que existem muitos lados perversos da modernidade avançada. A produção social de grande parte da riqueza vem, indistintamente, acompanhada por uma igual produção de riscos. Na medida em que são alcançados cada vez maiores níveis de forças
1 MAFFESSOLI, Michel. Sobre o nomadismo: vagabundagens pós-modernas. Trad. Marcos de Castro. Rio de Janeiro: Record, 2001. p. 19/26.2 ROXIN, Claus. Funcionalismo e imputação. Trad. Luis Greco. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 60.
11
produtivas humanas e tecnológicas, acabam por se ver criados muitos riscos, até então desconhecidos. Com esse novel surgimento, conflitos sobre a distribuição dos males modernos tendem, não raro, a suplantar os conflitos sobre a distribuição dos bens (como renda, trabalho e seguridade social), que constituem o conflito básico da sociedade industrial. As novas tecnologias, sem igual na história, bem como um fantástico desenvolvimento de diversas áreas do saber humano, criam novas situações. Todo esse novo estado de coisas, sinteticamente, se constitui nesta alcunhada sociedade de riscos.3
É óbvio que não é objetivo do Direito Penal Econômico afastar todos os
perigos impostos aos cidadãos, pois assim paralisaria o desenvolvimento da vida
econômica moderna. De toda sorte, o que se busca é proteger certos bens
econômicos contra certas formas de agressões. Não há como proteger todos os
bens contra todas as formas de ofensas ou violações.4
Por mais evidente que possa parecer, os riscos sociais são inerentes à
vida humana e, por via de consequência, à vida em sociedade. Com isso, as ações
perniciosas sobre a organização econômica comprometem não apenas o
desenvolvimento do próprio Estado, mas principalmente afeta suas estruturas e
sustentáculos.
No que pertine ao setor econômico, as questões técnicas do mercado
agrava a situação de risco operacional, eis que as operações reconhecidamente de
risco exige de qualquer participante responsável informações seguras e precisas do
mercado e do grau de risco envolvido na transação econômica.
A formação de ambientes supranacionais e a integração econômica sem
limites geográficos ou barreiras político-econômicas são fatores exemplares que
possibilitam a livre circulação de mercadorias e capitais.
Nada obstante às céleres e radicais mutações tecnológicas, políticas,
comerciais e financeiras experimentadas destacam-se com altivez os inexoráveis
problemas enfrentados nestas atividades descontroladas de circulação de produtos:
Além disso, entre as profundas transformações geradas por essa ordem mundial emergente, pode-se dar destaque à inexorável ineficácia dos processos econômicos, não só em nível de circulação de ativos, de produção em escala mundial e de maximização de lucros, mas também no atinente ao exercício do poder econômico, o qual, quando abusivo, vulnera o normal funcionamento dos mercados.5
3 SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito Penal Econômico como direito penal de perigo. São Paulo: RT, 2006. p. 33.4 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de Direito Penal: de acordo com a Lei 7.209/84 e a Constituição de 1988. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 17.5 OLIVEIRA JÚNIOR, Gonçalo Farias de. Ordem jurídica da atividade econômica. In: Ordem econômica e Direito Penal Antitruste. PRAZO, Luiz Regis e EL TOSSE, Adel (Coord). 2 ed. Curitiba: Juruá, 2009. p. 35.
12
Percebe-se, em certa medida, que alguns pontos pertinentes aos fatores
nocivos à economia nacional decorrentes das transformações pós-modernas, muitas
vezes instantâneas e imperceptíveis, conduzem a necessidade de intervenção do
Direito Penal, na figura das normas mais específicas de Direito Penal Econômico.
Oportuna a colocação de Rodolfo Tigre Maia:
Com efeito, agora se tornou muito mais árdua a tarefa de assegurar a legitimidade e de garantir a eficácia dos mandamentos valorativos que integram determinado ordenamento jurídico, diante de uma realidade social confrontada permanentemente por numerosas, profundas e céleres transformações. Nos dias de hoje, no âmbito da doutrina penal, a invocação do chamado processo de globalização ou a abordagem do surgimento da denominada sociedade de risco e de seus efeitos atingiram a condição de uma espécie de indispensável rito de passagem, aparecendo como o palco cênico da específica atividade intelectiva que se realize.6
Tal atmosfera de liberdade de atuação no mercado constituiu elemento
essencial para a regulamentação do desempenho destes agentes econômicos como
forma de garantir a livre iniciativa e a livre concorrência.
Por outro lado, criou-se um ambiente propício ao aparecimento de
comportamentos abusivos tendentes a controlar preços e manipular concorrentes
com o fito de dominar o mercado. Assim, acumulando cada vez mais capitais e
restringindo os direitos de liberdade já garantidos, a criminalidade faz-se presente
nas comunidades modernas.
Como esclarece Roberto Lyra:
No momento em que determinado número de empresas fortes se aliam para tomas conta do mercado, surgem as combinações, os ‘trusts’ e os ‘cartéis’. Os preços passam a ser decretados por uma minoria de especuladores, cujo âmbito de ação se irradia de acordo com os lucros obtidos artificiosamente, resultando daí a sujeição da imensa maioria aos seus desígnios, que, dentro de pouco, ultrapassam o simples terreno econômico.7
Denota-se que a máscara perversa contida na liberdade que dita a ordem
econômica, bem como a livre concorrência, acena para as atividades tendenciosas
ao abuso do poder econômico, como ocorre nos crimes de formação de cartel na
medida em que estes delitos abrangem comportamentos limitadores daquelas a
partir do exercício abusivo do poder econômico.
6 MAIA, Rodolfo Tigre. Tutela penal da ordem econômica: o crime de formação de cartel. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 17/18.7 LYRA, Roberto. Crimes contra a economia popular. Rio de Janeiro: Jacinto, 1940. p. 86.
13
Estas condutas que se apresentam no mercado afetam negativamente o
bem-estar coletivo afligindo seus direitos e garantias fundamentais.
Se por um lado estes riscos que permeiam a ordem econômica sempre
existiram, eis que inerentes à convivência do homem em sociedade, o perigo nunca
alcançou em pouco tempo tamanha proporção social, tendo em vista as
conseqüências perniciosas como acontece, por exemplo, com o abuso do poder
econômico.
A despeito da sua magnitude, questiona-se se estes riscos podem ser
previstos ou prevenidos pelo Estado a ponto de manter certa ordem no setor
econômico, principalmente no tocante ao combate aos cartéis.
A formação de cartel constitui crime contra a ordem econômica, de modo
a intervir no mecanismo de mercado através de acordo de preços, controle das
quantidades ou divisão de mercado entre empresas concorrentes. O consumidor sai
sempre perdendo, eis que a renda dos consumidores é transferida para os
organizadores do cartel, reduzindo o bem-estar da sociedade.
Cumpre ao Estado o papel de exercer controle mais efetivo na seara
econômica, não apenas orientando a atuação dos seus atores, mas aplicando
normas de poder coercitivo mais eficaz sem deixar de observar o sistema garantias
e direitos fundamentais.
Necessário referir-se que o presente estudo não tem, por óbvio, a
pretensão de esgotar o tema, haja vista a complexidade que lhe é inerente.
Pretende-se apenas apontar algumas considerações que levam a acreditar a forma
como a sociedade de risco exigiu novos mecanismos de controle penal, em especial
em seu tecido econômico.
Caminhando mais além, alerta Gesner Oliveira que a atuação do Estado
merece uma mudança concomitante do comportamento do empresariado:
Contudo, o avanço no combate aos cartéis não requer apenas alterações nas instituições públicas, mas também mudança cultural. É preciso alterar a mentalidade de parte do empresariado brasileiro, que durante décadas foi educado pelo próprio Estado a organizar cartéis, através da fixação estatal de preços e cotas de produção. Tal mudança cultural não pode se restringir ao setor privado. As empresas públicas e os formuladores de política nos diversos ministérios setoriais também precisam se enquadrar à nova mentalidade.8
8 OLIVEIRA, Gesner e FUJIWARA, Thomas. Avanços e riscos no combate aos cartéis. Disponível em: <http://www.goassociados.com.br/Papers/Artigo_Valor.pdf>. Acesso em 31 ago 2009.
14
Tendo em vista a ineficiência do próprio mercado regular seus
mecanismos de proteção da organização econômica vigente, justifica-se a repressão
penal sobre as condutas atentatórias à ordem jurídica da economia, como sublinha
Leonardo Sica:
[...] revelam-se de enorme gravidade, causando desarmonia na ordem jurídica e pública, a exigir pronta e eficaz intervenção do Poder Público, poisseria ingênuo e inverossímil crer que o próprio mercado é incapaz de criar mecanismos de proteção aos princípios constitucionais. A lógica do capitalismo é individualista e a busca do lucro, o fim dos agentes atuantes. A justiça social só pode ser preservada pelo Estado.9
No que diz respeito às implicações do fenômeno da globalização sobre o
Direito Penal Econômico, destaca-se a sua influência na construção da política
criminal de defesa da concorrência implantada em cada comunidade. A força do
efeito das transformações sobre a realidade política, social e econômica
multifacetada fornece elementos essenciais para determinar o modelo penal
vigente10.
No caso brasileiro, o impacto das mudanças tidas no ambiente
econômico, por força do avanço tecnológico e das relações comerciais e financeiras,
contribuem para a proliferação de comportamentos abusivos que comprometem o
equilíbrio da ordem econômica brasileira baseada na sustentação de liberdades
concorrenciais, por exemplo no caso do presente estudo.
O abuso do exercício desta liberdade, aliada ao poderio econômico dos
agentes propulsores dos ilícitos provocam restrições dos direitos e garantias de toda
a população, ocasionando danos de difíceis reparações para o mercado interno e
comprometendo a situação do país em suas relações com agentes econômicos
externos.
Porquanto, forçoso reconhecer que o Estado ainda não encontrou uma
fórmula mais adequada e eficaz para enfrentar as perturbações da ordem
econômica e da livre concorrência. As normas de Direito Penal Econômico ainda
contem o condão da insegurança jurídica alimentado pela atmosfera de impunidade
que circunda o Direito Penal como um todo.
9 SICA, Leonardo. Caráter simbólico da intervenção penal da ordem econômica. In: Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo. n. 2. jul./dez. 1998. São Paulo: IASP. p. 107.10 MAIA, Rodolfo Tigre. Tutela penal da ordem econômica: o crime de formação de cartel. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 18.
15
Com efeito, as peculiaridades contidas no Direito Penal Econômico pode
auxiliar o sustento do sistema de garantias previsto na Carta Magna e, senão
dizimar, ao menos amenizar a insegurança contida na sociedade de risco, mediante
os fundamentos do modelo penal garantista de aplicar as suas normas.
Assim, com o fito de orientar o controle dos riscos e perigos atuantes
sobre o bem jurídico supra-individual tutelado pelo Direito Penal Econômico, o
modelo garantista pode contribuir sobremaneira aos enredamentos dos nódulos
problemáticos vividos pelo setor.
Os nódulos tratados neste estudo são aqueles que se apresentam nos
crimes contra a ordem econômica, mais especificamente aqueles que restringem a
livre concorrência, eliminando-a total ou parcialmente, como ocorre nos cartéis
econômicos.
Nestes casos será apresentado um Direito Penal Econômico Garantista
como um instrumento eficiente à tutela penal da ordem econômica com vistas às
garantias dos direitos e garantias fundamentais consagrados em nossa Constituição
Federal de 1988.
Sob esta ótica, em seguida, será analisada a função garantista do bem
jurídico supra-individual caracterizado pela ordem econômica, cuja legitimidade da
proteção justifica a tutela penal aos interesses fundamentais da vida social.
1.2 ORDEM ECONÔMICA: BEM JURÍDICO COM DIGNIDADE PENAL
O bem jurídico deve representar os anseios sociais daquilo que é ou não
considerado um injusto penal, servindo como critério de seleção dos fatos puníveis,
ou como ensina Miguel Reale Júnior, “preexiste à construção normativa, sendo
objeto da escolha do legislador enquanto valor digno de tutela seja penal, seja no
âmbito administrativo”.11
Entretanto, a viabilidade dessa proteção apresenta-se na dependência de
diversos princípios que se encontram inseridos no contexto do Estado Democrático
11 REALE JR. Miguel. Despenalização no Direito Penal Econômico: uma terceira via entre crime e a infração administrativa? In: Revista Brasileira de Ciências Criminais. Ano 7. n. 28. São Paulo: RT, out/dez 1999. p. 121.
16
de Direito.
Nem todo bem jurídico pode ser erigido à classe de bem jurídico-penal,
pois o Direito Penal deve somente se ater àqueles bens dignos de sua especial
proteção em razão as peculiaridades que esta seara jurídica requer.
1.2.1 Conceito de bem jurídico-penal
O bem jurídico com dignidade penal consiste naquele bem essencial à
vida humana que devido à sua importância à vida social exige proteção jurídica. A
ameaça da sua dignidade inspira proteção penal quando os seus valores ético-
sociais contribuem para assegurar os interesses individuais e coletivos
fundamentais.
Para Luis Regis Prado, o bem jurídico para ter tutela penal deve ater-se
ao seu valor social:
O valor social do bem merecedor de garantia penal deve estar em consonância com a gravidade das conseqüências próprias do Direito Penal. a exigência de uma particular relevância social para os bens jurídico-penais significa postular sua autonomia axiológica – tais bens devem ser considerados fundamentais para o indivíduo e a vida social.12
A partir desta noção de bem jurídico-penal é possível identificar que a
proteção de bens característicos de uma sociedade pós-moderna, inserida na teoria
da imputação objetiva da sociedade de riscos.
Sob esta perspectiva está inserida a tutela de bem social, coletivo, difuso,
supra-individuais ou meta-individual; como explica Renato de Mello Jorge Silveira:
O Estado liberal democrático, sem dúvida, impôs uma preocupação exacerbada quando a bens jurídicos, orbitantes à pessoa. Isso, porém, não implica uma desconsideração quanto a outros bens, tais como: a fé pública, a adminsitração pública, ou mesmo a saúde pública. Todavia, e sempre com olhos num liberalismo democrático à pessoa, não se vislumbra a necessidade de intervenção nos processo sociais e econômicos. Assim, ao lado desses bens de cunho clássico (de caráter individual ou mesmo supra-individual), formatam-se, no momento de criação das sociedades de risco pós-industriais, novos bens jurídicos, supra-individuais.13
12 PRADO, Luis Regis. Bem jurídico-penal e Constituição. 3 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2003. p. 105.13 SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito Penal supra-individual: interesses difusos. São Paulo: RT, 2003. p. 56/57.
17
Deste modo, a função garantista do bem jurídico já empregada na atual
dogmática jurídica destaca a legitimação da tutela penal destes bens supra-
individuais como garantia dos institutos do Estado Democrático.
Contudo, um elemento que constitui polêmica desafiadora da comunidade
jurídica é a necessidade de comprovação efetiva da lesão a um bem individual para
ensejar a devida proteção aos bens coletivos, visto que há perigos concretos e
perigos abstratos, igualmente periclitantes à vida em sociedade.
Não raro são os casos concretos em que a proteção de bens individuais e
difusos são postos em tutela ambivalente. Tendo em vista que ambos devem ser
identificados e definidos a partir da sua relação dentro do tecido social e em
consonância com o sistema social, como o é com a questão da economia, em que
existe a preocupação dos agentes econômicos individualmente considerados de um
lado, e a preocupação do Estado com a ordem econômica de outro.
1.2.2 Ordem econômica penalmente protegida
A Constituição brasileira é muito clara ao determinar a ordem econômica
como um bem jurídico coletivo. Em seu artigo 170, consagra a ordem econômica
como bem jurídico a ser resguardado, já que por detrás dele está o alcance de uma
“existência digna, conforme os ditames da justiça social”, consoante os princípios ali
elencados.14
Desta forma, o substrato do bem jurídico tutelado é, portanto, a ordem
econômica, institucionalizada para assegurar a todos uma existência digna a partir
construção de um Estado Democrático de Direito com um modelo econômico que
propicie o progresso e o bem estar da sociedade.
A partir deste aspecto, extrai-se que a ordem econômica constitui em um
bem difuso e supra-individual, resta saber, contudo, se detém dignidade penal para
merecer esta tutela.
14 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Vade Mecum. São Paulo: Saraiva, 2009.
18
Os bens jurídicos coletivos são detentores de uma relação social entre o
indivíduo e a sociedade na qual esta inserido baseando na satisfação das
necessidades de cada um dos seus membros.
Na realidade do mundo do ser, como explica o ministro Eros Roberto
Grau, a ordem econômica consiste em uma expressão que por já se apresentar
regulamentada no art. 170 da Carta Política, não precisaria de outra ordenação.15
Todavia, a organização econômica brasileira não aparece suficientemente
normatizada ante o aumento da chamada criminalidade econômica, verdadeira
incitação da insegurança jurídica que tempera o Direito Penal Econômico.
O atual paradigma da dogmática penal evidentemente presencia uma
mudança do objeto de proteção, principalmente se considerar que o Direito Penal
não consegue proteger todos os bens jurídicos de todas as agressões ou iminência
destas.
A seleção destes importantes bens da vida sempre sofre influxos
consoante o grau de importância dos valores envolvidos para a sociedade que se
altera com o tempo e com a evolução da humanidade.
Na tentativa de amenizar as privações do setor surge a necessidade de
(re)discussão sobre a tutela penal. Percebe-se que a ordem econômica e a livre
concorrência podem ser erigidas a um bem jurídico-penal na medida em que a sua
ofensa ou ameaça a lesão proporciona relevante danosidade social, fator que
justifica efetiva tutela criminal.
Novos contornos tomam a matéria quando se vislumbra a necessidade de
comprovação de uma danosidade social da conduta delitiva, pois a proteção penal
dos bens jurídicos supra-individuais perfaz-se de modo muito peculiar, mediante
criação de crimes de perigo abstrato alvo de críticas.
O substrato do bem jurídico supra-individual definido no artigo 4º da lei
8.137/90 é a ordem econômica institucionalizada, cujo fim é assegurar a todos a
existência com dignidade, o progresso coletivo e o bem-estar da coletividade
proporcionando a consagração do Estado Democrático de Direito.
15 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 12 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 69.
19
1.3 FUNDAMENTOS DA TUTELA PENAL DA ORDEM ECONÔMICA
Tal qual ocorria nas civilizações antigas, a vida social moderna sempre é
influenciada pelas questões econômicas. Em especial a partir do fenômeno da
globalização, a construção do sistema jurídico-econômico tende a acompanhar este
enredamento social.
A preocupação com os atuais problemas econômicos é conduzida pelos
contrapontos dos aspectos conceituais emergentes que decorrem destas freqüentes
transformações provocadas pelo processo de globalização.
O efeito gobalizador desafia todo experimento de regulação jurídica na
medida em que estimula profundas e céleres mudanças na realidade social das
comunidades, dificultando todo ensaio de ordenar suas estruturas.
Essas significativas alterações no universo cultural do indivíduo são tão
profundas que fizeram surgir novos paradigmas em diversos campos do
conhecimento humano, que passaram a acompanhar a condução da vida moderna.
As mudanças de paradigmas atingem, sob vários primas, o Direito Penal,
em cujas múltiplas derivações de atuação (como o Direito Penal Ambiental, Direito
Penal do Consumidor, etc.), ganha espaço no presente estudo o Direito Penal
Econômico que se destaca com sua tentativa de controlar estes aspectos
econômico-sociais emergentes tutelando bens essenciais concernentes a esfera
econômica.
Discutível é a questão relacionada ao momento histórico do aparecimento
do Direito Penal Econômico, bem como a forma com que se desenvolveu.
O emaranhado de leis especiais aplicáveis como instrumento regulador
do setor econômico sancionando e criminalizando determinadas condutas do
comércio, sempre acompanharam a evolução da humanidade.
Desde o período das Civilizações Antigas podem ser identificadas
ocorrências de alguns problemas iniciais no setor econômico das sociedades, mas é
na Grécia que discussões concretas sobre o tema da economia foram
desenvolvidas. Pensadores como Platão e Aristóteles trouxeram conceitos e
análises filosóficas acerca da estrutura social, política e econômica do Estado.
Em “A República”, Platão desenvolveu a estrutura de um Estado ideal que
deveria ser construído a partir da supervisão da propriedade privada e do comércio,
20
bem como com o estímulo ao desenvolvimento da agricultura, mas sem escapar as
limitações ao acúmulo de riquezas.16
O próprio filósofo grego Aristóteles, no Século IV a.C, já havia feito
menção ao evento da troca e dos monopólios em sua obra “Política”, fazendo
referência à oferta e à procura que já influenciavam a determinação do preço.
Nesta obra, Aristóteles cria conceitos novos no que diz respeito às
atividades econômicas a distância, estas seriam chamadas de crematícia, ao passo
que as atividades econômicas ligadas à cidade e a agricultura seria a chamada de
economia17.
Ademais, destaca Cláudio Monteiro Considera, Ex-Secretário de
Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, ao citar o professor grego
Lambros E. Kotsiris, que no período compreendido entre 388-386 a.C, comerciantes
de milho e trigo de Atenas foram partes no primeiro caso de defesa da livre
concorrência relatado na história da antiguidade.
Segundo o relato do dito professor, na pequena região da Ática, em
Atenas, o solo era pobre e a oferta de grãos estava condicionada às importações.
Assim, para proteger a população do comportamento abusivo dos comerciantes, o
governo editou uma série de leis e regulamentos que, na medida em que
incentivavam a importação de grãos, limitavam seus estoques de forma a prefixar o
lucro máximo que o comerciante poderia adquirir.18
Conta-nos, ainda, Cláudio Monteiro Considera que durante o inverno de
388-387 a. C., o comércio internacional de grãos foi dificultado pela ocorrência de
guerras nas regiões em que a mercadoria passava, ocasionando o aumento de
preços do milho, trigo e seus derivados. Diante disto, os comerciantes, seguindo
orientações do comissário do governo chamado Anytys, organizaram-se para por fim
à competição formando uma espécie de associação, comprando e estocando o
produto e, desta forma, mantendo os preços em níveis razoáveis.19
Tais fatos repetiram-se no inverno seguinte, entre os anos de 387-386 a.
C., os comerciantes inventavam boatos de guerras, perdas de navios, bloqueio de 16 PLATÃO. A República. Coleção obras primas de cada autor. 15. ed. São Paulo: Martin Claret, 1998.17 ARISTÓTELES. Política. Coleção a obra-prima de cada autor. 15. ed. São Paulo: Martin Claret, 1998.18 CONSIDERA, Cláudio Monteiro. Uma breve história da economia política da defesa da concorrência. nov 2002, p. 7. Disponível em: <http://www.seae.fazenda.gov.br/central_ documentos/documento_trabalho/2002>. Acesso em: 19 fev 2009.19 CONSIDERA, Cláudio Monteiro. Uma breve história da economia política da defesa da concorrência. nov 2002, p. 7. Disponível em: <http://www.seae.fazenda.gov.br/central_ documentos/documento_trabalho/2002>. Acesso em: 19 fev 2009.
21
portos para aumentarem seus lucros acima do limite legal. Entretanto, os
importadores, sentindo-se lesados, acusaram os comerciantes no comitê executivo
do Senado (Prytanes). Ao passo que estes admitiam a conduta abusiva,
argumentavam que seguiram ordens dos comissários do próprio governo para
estocar os produtos.
O caso gerou tamanha exaltação na população, que, mesmo sem
julgamento, tentaram executar os acusados, momento em que o Senado viu-se
obrigado a pronunciar-se a respeito e levaram o caso à Corte Heliástica de
Julgamento, órgão com competência para impor penas de morte.20
Este episódio, apesar de não haver indicativos do resultado do
julgamento, revela que a defesa da concorrência, mesmo antes da época moderna,
já encontrava fundamento no interesse público. Tal atitude também foi verificada
durante o período da Roma antiga, onde o monopólio do sal garantia boa parte das
receitas do governo da época.21
O Direito Romano foi retratado por Jorge de Figueiredo Dias e Manoel da
Costa Andrade ao considerar ilegais as práticas que afrontavam o desenvolvimento
do comércio e a importação de determinados produtos:
No direito romano, a Lex Julia de annona, editada no tempo de César e cuja vigência se prolongou até Justiniano, punia severamente a altos preços e o ilícito em matéria de importação e comércio de cereais. A punição poderia até ir à pena de morte.22
Já no final do Império Romano, no ano de 483, a fim de aumentar seus
recursos, o Estado Romano regulamentou com o Édito de Zenão a concessão de
inúmeros monopólios aos particulares, no setor alimentício, chegando a
compreender toda a distribuição de alimentos.23
Na Idade Média, a dinâmica comercial criou um novo conceito de
monopólio, pois o termo ligava-se, agora, aos privilégios e regalias que o Estado
concedia aos agentes econômicos privados, como forma de estimular a expansão
comercial e colonial, sempre respeitando, contudo, o direito de preferência e
exclusividade deste na aquisição de mercadorias.
20 CONSIDERA, Cláudio Monteiro. Uma breve história da economia política da defesa da concorrência. nov 2002, p. 7. Disponível em: <http://www.seae.fazenda.gov.br/central_ documentos/documento_trabalho/2002>. Acesso em: 19 fev 2009.21 FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. 2. ed., 2. tir. rev. e atual. São Paulo: RT, 2005. p. 37.22 DIAS, Jorge Figueiredo. Problemática geral das infrações contra a economia nacional. In: Temas de direito penal econômico. São Paulo: RT, 2000. p. 7023 FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. 2. ed., 2. tir. rev. e atual. São Paulo: RT, 2005. p. 37.
22
Com o escopo de neutralizar a concorrência entre os comerciantes
venezianos nos mercados da Síria, em 1358, banqueiros e mercadores aderiram a
um histórico consórcio visando monopolizar a exportação cipriota de vários produtos
provenientes da Síria, como o algodão, o açúcar e o sal.
Muitos autores identificam este período da Idade Média como sendo a
origem de muitas regras de defesa da concorrência, a partir das quais foram
positivados muitos princípios inspiradores dos atuais sistemas legais da
concorrência.24
Contudo, as primeiras legislações contemplando os aspectos penais-
econômicos da sociedade que acabou por influenciar os demais ordenamentos
jurídicos europeus foram elaboradas em Roma.
A guiza de exemplo retrata Francisco Quintanilha a utilização de
princípios do Direito Romano nos diversos ordenamentos europeus da Idade Média:
A ordem legal capitalista encontrou substratos fundantes no sistema romano germânico, não nos seus aspectos materiais já ultrapassados, mas sim nos seus aspectos racionalizantes, que permitiram a certeza e a segurança do cálculo capitalista nas modernas economias. A Commun Law sofreu a influência da ordem romana através dos tribunais de chancelaria e que geraram as regras da equity. Mesmo o direito socialista real, que dominou parte do século XX, incorporou a forma codificada e constitucionalizada da rigidez adotada no sistema romano germânico.25
Já no Século XVII, a ascensão da burguesia no cenário político do Estado
alterou a estrutura da sociedade européia medieval, as restrições escolásticas foram
desaparecem pouco a pouco e a política do Mercantilismo fez surgir o capitalismo
comercial e financeiro com a atuação mais presente do Estado nas legislações que
limitavam a concessão de monopólios reais sobre alguns produtos.
Em 4 de outubro de 1540, Carlos V promulga uma lei determinando a
vedação aos acordos sabidamente realizados com o propósito de açambarcar
mercadorias e, além disso, legalizava os monopólios realizados com o propósito do
bem comum. O espírito inovador do mercantilismo ajudou a desenvolver, nas
cidades italianas, um sentimento de condenação dos monopólios, visando minimizar
os efeitos indesejáveis do abuso do poder econômico.26
Na primeira metade do século XVI, a política mercantilista das grandes
metrópoles era baseada no monopólio de compra, venda e transporte de produtos
24 FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. 2. ed., 2. tir. rev. e atual. São Paulo: RT, 2005. p. 43.25 FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. 2. ed., 2. tir. rev. e atual. São Paulo: RT, 2005. p. 43.26 FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. 2. ed., 2. tir. rev. e atual. São Paulo: RT, 2005. p. 45.
23
de suas colônias, estruturando um sistema das históricas “companhias
privilegiadas”, as quais detinham exclusividade no comércio com as colônias. Em
contrapartida, no final do Século XVI, na Inglaterra, iniciou-se um movimento de
reação a esse poder soberano sobre os monopólios.27
Relata Paula A. Forgioni que, em 1598, a rainha Elizabeth concedeu a
Edward Darcy o monopólio da importação e fabricação de cartas de jogo em seu
reino, sob o argumento de que eram permitidas as diversões de seus súditos, desde
que razoáveis e adequadas.28
Entretanto, em 1603, a licitude do monopólio foi discutida na Common Law
e restou, finalmente, condenado por três razões: (i) prática potencial de preços de
monopólio; (ii) diminuição potencial da qualidade do produto; e (iii) estabelecimento
de barreiras à entrada de novos agentes econômicos no mercado.
Este episódio ficou conhecido como “O Caso dos Monopólios”,
inaugurando grandes decisões dos tribunais ingleses a cerca do assunto. A
contenda foi tão grande que no ano de 1624, o Parlamento Inglês aprovou o Statute
of Monopolies, de maneira a limitar o consentimento real de monopólios que
limitasse o poder do soberano.
Este cenário teve grandes mudanças com a Revolução Industrial, pois o
sistema de produção evoluiu com os grandes investimentos em maquinários, mão-
de-obra e organização industrial. A classe empresária formada pela burguesia
cobiçava maior liberdade de atuação no mercado para ampliar suas vendas,
obtendo mais lucros com a imposição de preços convenientes.
Após este período, sob as influências das doutrinas liberais, os
fenômenos sociais estimularam correntes ideológicas contrárias ao modelo
econômico até então vigente.
Esse cenário de insatisfação, acentuado pelos efeitos das Grandes
Guerras, proporcionou um colapso sem precedentes na economia mundial. Sendo
assim, no Século XX, voltou a surgir com maior força o intervencionismo penal
estatal na economia.29
27 DIAS, Jorge Figueiredo. Problemática geral das infrações contra a economia nacional. In: Temas de direito penal econômico. São Paulo: RT, 2000. p. 51/52.28 FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. 2. ed., 2. tir. rev. e atual. São Paulo: RT, 2005. p. 45.29 DIAS, Jorge de Figueiredo Dias e ANDRADE, Manoel da Costa. Problemática geral das infrações contra a economia nacional. In: Direito penal econômico europeu: textos doutrinários. vol. 1. Coimbra: Coimbra, 1998. p. 323.
24
Na verdade, o começo da história recente do Direito Penal Econômico
aponta para o período da Primeira Grande Guerra. As necessidades que se
emergiam com este acontecimento histórico, impulsionava o Estado a adotar
medidas mais drásticas na economia.
Assim, assinala Jorge de Figueiredo Dias e Manuel da Costa Andrade:
Este acontecimento, pelos conflitos sociais que o acompanharam, pela necessidade de direção e mobilização da economia para os esforços da guerra, obrigou o Estado a assumir o papel de responsável maior pelo curso da vida econômica, dirigindo-o, conformando-o e defendendo-o. Isto obrigou ao esquecimento – que seria definitivo e irreversível – do modelo liberal de separação entre o direito e a economia, o Estado e a sociedade. E criaram-se, por outro lado, os pressupostos do recurso ao Direito Penal (Econômico) como meio preferencial de defesa do modelo econômico desejado pelo Estado.30
A par dessa visão, afirma-se que a ordem econômica “adquiriu dimensão
jurídica a partir do momento em que as constituições passaram a discipliná-las
sistematicamente, o que teve início com a Constituição mexicana de 1917”.31 Porém,
foi a Constituição da Alemanha que inspirou a regulamentação jurídico-econômica
que se seguiu após as Grandes Guerras.
Na Alemanha do Século XX, a repercussão do Direito Penal Econômico
consolidou-se de modo efetivo. A conhecida República de Weimar estruturou-se sob
as carências provocadas pela guerra, impulsionando a elaboração de leis
intervencionista, principalmente, no âmbito econômico.
Foi durante este período, inclusive, que surgiu a primeira teoria sobre a
existência de uma criminalidade econômica. No ano de 1939, o professor Sutherland
abalou a Sociedade Americana de Sociologia e a academia ao proferir a palestra
intitulada “White collar criminality”, cujo conceito de crime de colarinho branco
despertou interesse do Direito Penal Econômico a partir de sua explicação da
formação de uma criminalidade dos poderosos, como explica Maurício Shaun Jalil:
Para esse mencionado estudioso americano o crime não é hereditário, patológico, fortuito, irracional, não se imita, mas sim aprende-se. A habilidade, prestreza, motivação para o cometimento do ilícito penal decorre de um processo de aprendizado; estímulos adquiridos ao longo de contínuos e normais processos de comunicação, mediante o contato,
30 DIAS, Jorge de Figueiredo Dias e ANDRADE, Manoel da Costa. Problemática geral das infrações contra a economia nacional. In: Direito penal econômico europeu: textos doutrinários. vol. 1. Coimbra: Coimbra, 1998. p. 71.31 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 13 ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 718.
25
assimilação de valores, posturas, entendimentos, interação com outras pessoas, com os diversos grupos de que faz parte.32
Os estímulos do ambiente mencionados acima pelo autor, construído por
pessoas aproximadas pelas características e objetivos assemelhados, seguem a
tendência das incitações fortalecidas por fenômenos radicais, como uma guerra ou
uma depressão econômica, que acabam provocando a prática de novos delitos.33
Por conseguinte, tais estímulos faz surgir normas diversas dentro do
ordenamento jurídico de forma esparsa, oferecendo uma certa tentativa de amenizar
o impacto desses novos tipos de ilícitos na sociedade moderna.
A esta proliferação incontrolada de normas de direção da vida econômica,
que recorriam quase sempre às sanções penais como garantia de eficácia e de
prevenção, foram editadas muitas leis reguladoras, como assinalam Jorge de
Figueiredo Dias e Manuel da Costa Andrade:
[...] só em matéria de luta contra formas especulativas foram publicados mais de quarenta mil disposições penais, que depois veriam a sua vigência prolongada para além do termo da guerra na forma de leis reguladoras dos preços.34
No Brasil, não haviam regulamentações das atividades econômicas até a
promulgação da Constituição de 1934, quando o Estado passou a intervir
moderadamente no setor econômico, inclusive, editando normas intituladas “Ordem
Econômico Social”, disciplinando a propriedade privada e a liberdade contratual.
Espelhada na constituição alemã da República de Weimar, bem como sob
o contexto da crise econômica de 1929, esta constituição brasileira colocou em
cheque o liberalismo econômico clássico.35
Registra-se, contudo, que antes mesmo do processo de
constitucionalização pelo qual se submeteu a ordem econômica, a ordem jurídica
estava presente cercando o Estado de instrumentos de implementação de políticas
públicas como forma de intervir, regulamentar e garantir esta ordem.36
Neste sentido, acrescenta Eros Roberto Grau:
32 JALIL. Maurício Shaun. Criminalidade econômica e as novas perspectivas de repressão penal. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 29.33 CORREIA. Eduardo. Notas críticas à penalização de atividades econômicas. In: Direito Penal Econômico: ciclo de estudos. Coimbra: Coimbra, 1985. p. 13.34 DIAS, Jorge de Figueiredo Dias e ANDRADE, Manoel da Costa. Problemática geral das infrações contra a economia nacional. In: Direito penal econômico europeu: textos doutrinários. vol. 1. Coimbra: Coimbra, 1998. p. 71.35 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 118/122.36 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 12 ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 94/109.
26
Assim, mesmo anteriormente ao advento das Constituições escritas, lá se encontravam, em cada sociedade, no bojo de suas ordens jurídicas, como parcelas delas, normas institucionalizadoras das ordens econômicas (mundo do ser) nelas praticadas.37
Para compreender a relevância dessa mudança no campo jurídico-
econômico, basta consignar que adotando as ideologias liberais e neoliberais, as
constituições que se seguiram agruparam dispositivos legais genéricos relativos aos
assuntos econômicos.
Segundo os ensinamentos de Washington Peluso Albino de Souza, as
Cartas de 1937 e de 1946 foram incisivas quanto à intervenção do Estado no
domínio econômico:
[...] para suprir as deficiências da iniciativa individual e coordenar os fatores da produção, de maneira a evitar ou resolver os seus conflitos e introduzir no jogo das competições individuais o pensamento dos interesses da Nação, representados pelo Estado.38
Quanto à Constituição de 1967, complementa este mesmo autor, trouxe
ao país uma inovação no sentido de estabelecer como regra à ordem econômica a
livre concorrência e, como exceção a esta regra, a possibilidade de intervenção do
Estado neste setor.39
Por seu turno, a Constituição Federal de 1988 consolidou a disciplina das
matérias concernentes à ordem econômica separadamente das matérias relativas à
ordem social. Dentre as inovações, destaca-se a adoção de princípios gerais
orientadores, demonstrando o comprometimento pontual de um tratamento
sistemático da atual Carta Política.
O novo papel do Estado restabeleceu-se com a edição do artigo 173 da
Constituição vigente, ao explicar que “(...) a exploração direta da atividade
econômica do Estado só será permitida quando necessária aos imperativos de
segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”.40
E continua a definir a restrição da atuação do Estado no artigo 174 que
determina que este “como agente normativo e regulador da atividade econômica”
37 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 12 ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 72/73.38 SOUZA, Washington Peluso Albino de. Teoria da constituição econômica. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.p. 90.39 SOUZA, Washington Peluso Albino de. Teoria da constituição econômica. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 93.40 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Vade Mecum. São Paulo: Saraiva. 2009.
27
exercerá somente “(...) as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo
este determinante para o setor político e indicativo para o setor privado”.41
De fato, com o advento da Constituição de 1988, o Brasil adotou a
economia de livre mercado e se incumbiu da missão de promover desenvolvimento
sócio-econômico e bem-estar social, sendo a livre concorrência um dos princípios
inerentes ao sucesso da livre iniciativa para o fim de atender a função social, de
modo que erigida à condição de fundamento da ordem econômica nacional.
Repetindo dispositivos constantes em textos constitucionais anteriores, consignou-
se no art. 173, §4º, que incumbe à lei reprimir o abuso do poder econômico.42
A tutela jurídico-penal da concorrência sofre então uma renovação em
1990, quando editada a Lei nº. 8.137, oriunda da conversão de medida provisória,
que define os crimes contra a ordem econômica e tributária, entre inúmeras outras
condutas que se tem por anticoncorrenciais. De tal modo tratou a sua exposição de
motivos no tocante à justificativa da tutela penal:
Concomitantemente, o projeto busca coibir a prática dos crimes de abuso de poder econômico, que tanto têm sobressaltado a sociedade brasileira, com notório agravamento nos últimos tempos, diante da crise econômica, social e de exercício de legítima autoridade que propicia, mormente no campo da atividade econômica monopolizada ou oligopolizada, o florescimento da impunidade dos agentes de tais delitos.43
Conforme verificaremos em momento pertinente, até o momento a
referida lei tem sido pautada pela ineficácia, fator que pode ser contornado com a
aplicação do modelo garantista na utilização da legislação penal econômica tratada
mais adiante.
De fato, quando se fala em tutela penal da ordem econômica questiona-
se a eficácia da legislação penal aplicável ao caso na diminuição dos delitos, em
especial dos crimes de formação de cartel.
Muito embora a teoria garantista não seja isenta de críticas eis que não
consiste em um modelo perfeito de decodificação penal, pode contribuir
sobremaneira para o combate aos crimes de formação de cartel e cumprir com o
papel do Estado Democrático de Direito, especialmente, em manter a livre
concorrência.
41 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Vade Mecum. São Paulo: Saraiva. 2009.42
RAGAZZO, Carlos Emmanuel Joppert. Notas introdutórias sobre o princípio da livre concorrência. In: Revista de Direito da Concorrência. Brasília. nº 6. abr-jun, 2005. p. 20-21.43 BRASIL. Congresso Nacional. Diário do Congresso Nacional. Brasília. 29.03.1990, p. 2.227.
28
2 CRIMES DE FORMAÇÃO DE CARTEL
A tutela penal dos crimes econômicos não deve ser compreendida como
uma punição contra-arrazoada por parte do Estado, mas como garantia à defesa dos
direitos difusos e supra-individuais ofendidos ou ameaçados de lesão.
A teoria do garantismo penal, aplicando ao processo penal as garantias
constitucionais do Estado Democrático de Direito, revela-se como instrumento apto
para limitar o poder punitivo na defesa dos Direitos Fundamentais dos cidadãos
processados. Estas garantias já se encontram previstas na Constituição Federal de
1988, cabendo ao aplicador do Direito realizar a devida interpretação constitucional
da legislação penal econômica referida no presente estudo, datada de 1990.
O conceito econômico de cartel é o acordo explícito entre dois ou mais
agentes econômicos para que, em conjunto, pratiquem determinadas condutas,
como combinação de preços e níveis de produção, para que com esta coalizão
possam a maximizar os seus lucros.44
Nada obstante, o inequívoco acordo entre concorrentes que restringe a
competição no mercado não necessariamente produz uma infração administrativa
punida pela Lei Federal 8.884/94, ou ainda um ilícito penal punido pela Lei Federal
8.137/90. Isso se deve aos efeitos nocivos à ordem econômica trazidos por estes
ajustes, conseqüências cuja possibilidade de resultado somente é verificada em
momento posterior ao cartel.45
2.1 CARTEL CLÁSSICO E O CARTEL DIFUSO
O cartel pode ser classificado, segundo seus atos, de duas formas: o
Clássico ou Integral e o Difuso. Sendo ambos realizados através da confecção de
acordos secretos entre concorrentes para fixar preços e condições de venda, dividir
competidores, definir níveis de produção, impedir a entrada de novos concorrentes
44 VARIAN, Hal R. Microeconomia e princípios básicos. 6 ed. Rio de Janeiro: Campus, 2003. p. 507.45 GUIMARÃES, Denis Alves. Prova econômica e cartéis: reflexões a partir da jurisprudência. In: Revista de Direito da Concorrência. Brasília: Iob; CADE. n. 13, p.31. jan./mar. 2007.
29
e/ou fraudar licitação, eles se diferenciam a partir dos mecanismos estruturais
adotados.46
Enquanto o Cartel Clássico, também tratado como Hard Core Cartel pela
literatura estrangeira, opera através de uma ação coordenada com mecanismos
institucionalizados, como a organização de manuais, reuniões periódicas e o
monitoramento do comportamento dos participantes do cartel; o Cartel Difuso não se
utiliza de mecanismos permanentes para alcançar os objetivos, pois seu caráter é da
eventualidade e não é institucionalizado.47
Um exemplo do Cartel Difuso ocorre quando agentes econômicos
celebram acordos de fixação de preços, os conhecidos cartéis de preços, quer
acima, quer abaixo do preço de mercado, estes agentes operam eventualmente,
justificando-se pela ocorrência de um evento estranho ao mercado que vem afetar
suas atividades econômicas durante certo período48.
A partir destas constatações, para efetuar a caracterização do Cartel
Clássico, o Conselheiro Relator Luiz Carlos Thadeu Delorme Prado propõe a
reflexão sobre duas teorias, a regra da razão e a regra per se e explica:
O instrumental jurídico e a base conceitual econômica são os instrumentos que nos permitem analisar os fatos sob o ponto de vista concorrencial. Em qualquer domínio jurídico é necessário estabelecer regras para decidir a ilicitude do comportamento. Em qualquer campo econômico é necessário estabelecer condições para caracterização de determinado resultado. O exato ponto em que tais condições são dadas, depende da fundamentação teórica e da verificação empírica da existência de elementos suficientes para indicar uma determinada prática delituosa ou a alta probabilidade de um efeito concorrencial.49
A idéia dos comportamentos ilegais considerados per se, trazidos pela
experiência norte-americana, decorre da consideração do Cartel Clássico nos
mesmos aspectos de um ilícito penal, como retrata o comentário trazido pelo
Conselheiro de um de seus companheiros do CADE, Conselheiro Luiz Fernando
Schuartz:
46 BRASIL, Ministério da Justiça. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Jurisprudência. Processo n. 08012.002127/2002-14. Relatório. Disponível em:< http://www.cade.gov.br/jurisprudencia/dprocesso.asp?pc=2434>. Acesso em: 15 abr 2009.47 BRASIL, Ministério da Justiça. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Jurisprudência. Processo n. 08012.002127/2002-14. Relatório. Disponível em:< http://www.cade.gov.br/jurisprudencia/dprocesso.asp?pc=2434>. Acesso em: 15 abr 2009.48 FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. 2. ed. 2. tir. rev.e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 399.49 BRASIL, Ministério da Justiça. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Jurisprudência. Processo n. 08012.002127/2002-14. Parecer ProCADE. Disponível em:< http://www.cade.gov.br/jurisprudencia/dprocesso.asp?pc=2434>. Acesso em: 15 abr 2009.
30
“Cartéis hardcore são os vilões por excelência do direito da concorrência.
eles são considerados não apenas em toda parte como ilícitos antitrustes, mas em
vários ordenamentos também como criminosos”.50
No mesmo sentido, foi o voto do Conselheiro Afonso Arinos de Mello
Franco Neto, em processo administrativo que condenou o cartel dos postos de
gasolina de Florianópolis:
A regra de condenação de condutas "per se" parte do pressuposto de que a conduta em questão não precisa ser examinada quanto aos seus efeitos, ainda que potenciais, porque tipicamente não encerra qualquer perspectiva de benefício colateral aos mercados, enquanto por outro lado, traz malefícios garantidos à concorrência. Na aplicação da regra "per se" após evidenciada a conduta, a consideração de que qualquer outra circunstância adicional seria dispensada para a análise de mérito, em nome da economia e da conveniência administrativa. Este, todavia, não é o caso da diretiva do art. 20 que, ao contrário, exige justamente a avaliação dos efeitos do comportamento guerreado sobre a concorrência, de acordo com as categorias dos incisos. Nesse sentido, as vias de prova de ato anticoncorrencial pela conjugação dos artigos 20 e 21 da Lei 8.884/94 adotam explicitamente a "regra da razão" como metodologia geral de análise do mérito. Nesse espírito estão a exigência de prova da intencionalidade de efeito nocivo à concorrência ou de prova de potencialidade de geração de efeitos anticoncorrenciais para a identificação do ato infrativo.51
Portanto, tendo em vista a dinamicidade do objeto material tutelado, traçar
a objetividade jurídica do crime de formação de cartel é tarefa difícil e desafiadora
aos institutos da ciência criminal. A complexidade estrutural engloba direta ou
indiretamente outros bens jurídicos privilegiados com a conservação daquele.
Nestes termos, ainda que a prática de uma ou algumas condutas
elencadas no tipo penal possa ser tida como prejudicial ao bem “concorrência”, se
esta for considerada umbilicalmente, a competitividade no mercado nacional estará
comprometida de maneira a reproduzir um comportamento típico em segmentos
variados do setor.
Portanto, a estruturação do crime de formação de cartel requer o
desdobramento de fenômenos fáticos que sejam capazes de produzir certos
resultados nocivos à evolução econômica da sociedade.
Com efeito, tendo como pressuposto lógico o ajuste entre seus agentes
atuantes no mercado econômico, o tipo de formação de cartel configura-se a partir 50 BRASIL, Ministério da Justiça. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Jurisprudência. Processo n. 08012.002127/2002-14. Parecer ProCADE. Disponível em:< http://www.cade.gov.br/jurisprudencia/dprocesso.asp?pc=2434>. Acesso em: 15 abr 2009.51 BRASIL, Ministério da Justiça. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Jurisprudência. Processo n.08012.002299/2000-18. Votos. Disponível em:< http://www.cade.gov.br/jurisprudencia/dprocesso.asp?pc=3738>. Acesso em 15 abr 2009.
31
de uma ação nuclear: dominação do mercado e/ou eliminação parcial ou total da
concorrência.
Como todo tipo penal é composto por diversos elementos normativos,
impende cingir de sua estrutura cada um deles para tornar possível o alcance da
objetividade jurídica do ilícito estudado.
O primeiro componente perceptível que se enuncia no crime de formação
de cartel descrito no artigo 4º da Lei 8.137/90 relaciona-se à realidade fática:
“constitui crime contra a ordem econômica”.
Este mandamento dá início a uma das diversas interfaces do chamado
crime econômico, cuja definição encontrada pelas Nações Unidas revela a
preocupação que o Estado deve ter para se armar no combate a mais esse tipo de
crime amplificado pelo fenômeno global derivados das transformações da sociedade
pós-moderna:
Por “crime econômico e financeiro” entende-se, de um modo geral, toda a forma de crime não-violento que tem como conseqüência uma perda financeira. Este crime engloba uma vasta gama de actividades ilegais, como a fraude, a evasão fiscal e o branqueamento de capitais. É, no entanto, mais difícil definir a noção de crime econômico e o seu conteúdo exacto continua a ser um desafio. A tarefa complicou-se ainda mais devido aos avanços rápidos das tecnologias, que proporcionam novos meios de perpetuar os crimes desta natureza.52
Percebe-se que agasalhar as atividades econômicas mediante os
parâmetros do sistema penal requer uma resposta imediata à violação do bem
jurídico-penal protegido.
Contudo, há que se levar em conta que nem toda conduta colusiva é
considerada crime e, por isso, crime de formação de cartel. A Lei 8.137/90 considera
ilícitos apenas os acordos entre agentes econômicos, não taxativos, inscritos em seu
artigo 4º:
Art. 4° Constitui crime contra a ordem econômica:I - abusar do poder econômico, dominando o mercado ou eliminando, total ou parcialmente, a concorrência mediante:a) ajuste ou acordo de empresas;b) aquisição de acervos de empresas ou cotas, ações, títulos ou direitos;c) coalizão, incorporação, fusão ou integração de empresas;d) concentração de ações, títulos, cotas, ou direitos em poder de empresa, empresas coligadas ou controladas, ou pessoas físicas;e) cessação parcial ou total das atividades da empresa;
52 Organização das Nações Unidas. Crimes econômicos e financeiros: desafios ao desenvolvimento sustentável. 11º Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção do Crime e Justiça Penal. Gabinete da ONU contra a Droga e a Criminalidade. Banguecoque, Tailândia. 18 a 25 de abril de 2005. Disponível em: < http://www.unis.unvienna.org/pdf/cp509por.pdf >. Acesso em 17 ago 2009.
32
f) impedimento à constituição, funcionamento ou desenvolvimento de empresa concorrente.[...]Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou multa.53
Os acordos de agentes econômicos regulamentados pela legislação penal
econômica são aqueles que visam restringir a concorrência, os quais tendem a
viabilizar condições monopolíticas ou oligopolísticas dentro do mercado em que
atuam.
Desta maneira retrata Paula A. Forgioni:
A união entre agentes (concorrentes ou não) pode proporcionar um poder econômico tal que permita aos partícipes desfrutar de uma posição de indiferença e independência em relação aos outros agentes econômicos. Nosso sistema jurídico, desde que nele foram introduzidas normas destinadas a tutela a livre concorrência e reprimir o abuso ao poder econômico, sempre determinou a ilicitude de acordos entre empresas que fossem nocivas, em seu objeto ou efeito, à concorrência.54
De acordo com o Anexo I da Resolução 20, de 9 de junho de 1999,
editada pelo CADE, os acordos restritivos da livre concorrência são classificados
conforme o mercado relevante em que os agentes econômicos atuam. Assim, serão
horizontais:
As práticas restritivas horizontais consistem na tentativa de reduzir ou eliminar a concorrência no mercado, seja estabelecendo acordos entre concorrentes no mesmo mercado relevante com respeito a preços ou outras condições, seja praticando preços predatórios. Em ambos os casos visa, de imediato ou no futuro, em conjunto ou individualmente, o aumento de poder de mercado ou a criação de condições necessárias para exercê-lo com maior facilidade. 55
E complementa com os acordos restritivos verticais:
As restrições verticais são anticompetitivas quando implicam a criação de mecanismos de exclusão dos rivais, seja por aumentarem as barreiras à entrada para competidores potenciais, seja por elevarem os custos dos competidores efetivos, ou ainda quando aumentam a probabilidade de exercício coordenado de poder de mercado por parte de produtores/ofertantes, fornecedores ou distribuidores, pela constituição de mecanismos que permitem a superação de obstáculos à coordenação que de outra forma existiriam. 56
53 BRASIL. Lei 8.137/90. Define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/ L8137.htm>. Acesso em 11 set 2009.54 FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. 2. ed. 2. tir. rev. e atual. São Paulo: RT, 2005. p. 394.55 BRASIL, Ministério da Justiça. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Resolução n. 20/99. Disponível em:< http://www.cade.gov.br/legislacao/resolucoes/ resolucoes.asp>. Acesso em: 10 abr 2007.56 BRASIL, Ministério da Justiça. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Resolução n. 20/99. Disponível em:< http://www.cade.gov.br/legislacao/resolucoes/ resolucoes.asp>. Acesso em: 10 abr 2007.
33
Portanto, enquanto nos acordos horizontais os agentes econômicos estão
em direta relação de competição, pois atuam no mesmo mercado relevante; nos
acordos verticais os agentes desenvolvem suas atividades de forma complementar,
em mercados relevantes material diversos, atuando em várias fases da produção e
comercialização de bens e serviços.57
O Anexo I da Resolução 20 apresenta uma lista não exaustiva das
situações mais comuns de acordos verticais e horizontais que podem merecer
atenção do CADE. Desta feita, o mérito do presente trabalho acadêmico atém-se ao
acordo horizontal figurado na prática do cartel, em razão das dificuldades de sua
identificação.
Alguns comportamentos atinentes aos acordos horizontais, entre agentes
econômicos atuantes no mesmo mercado relevante, podem gerar benefícios ao
mercado, casos em que o CADE recomenda a aplicação do princípio da
razoabilidade.58
Um exemplo típico da aplicação do princípio da razoabilidade aos casos
de ocorrência de acordos restritivos de concorrência foi constatado em processo
administrativo analisado pelo CADE sob a suspeita de formação de cartel entre os
taxistas do aeroporto da cidade de Natal:
EMENTA: Processo Administrativo. Apuração de formação de cartel, entre outras práticas infratoras à concorrência. Análise de infração à concorrência no âmbito de serviço regulado. Conclusão: adoção de uma série de normas regulatórias, fulcradas no poder de polícia da Administração Pública Municipal, que se destinam a estabelecer limites e condições às fontes do mercado (preço e entrada). Decisões regulatórias foram conseqüências imediatas de políticas expressas e bem definidas de regulação e encontram-se devidamente fiscalizadas. Razoabilidade das normas regulatórias vis a vis o princípio constitucional da livre concorrência. Fatos descritos não configuram infração à ordem econômica. Voto pelo arquivamento do processo.59
Todavia, em geral, os acordos horizontais causam potenciais impactos no
mercado por implicarem a existência ou a busca de posição dominante.
O Anexo I da Resolução 20/99, editada pelo CADE enumera as situações
mais comuns de práticas restritivas horizontais, ainda que outras sejam possíveis,
dentre elas está a formação de cartel.
57 FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. 2. ed. 2. tir. rev. e atual. São Paulo: RT, 2005. p. 396.58 BRASIL, Ministério da Justiça. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Resolução n. 20/99. Disponível em:< http://www.cade.gov.br/legislacao/resolucoes/ resolucoes.asp>. Acesso em: 10 abr 2007.59 BRASIL, Ministério da Justiça. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Acórdão. Processo Administrativo n. 08012.006507/ 1998-81. Disponível em:< http://www.cade.gov.br/ASPintranet/ andamento.asp?pro_codigo=743>. Acesso em 17 abr 2009.
34
Dito isso, verifica-se que o acordo será considerado para efeitos de
constituição de crime econômico, formação de cartel quando incidir em algumas das
figuras típicas descritas no dispositivo acima destacado ou quando determinar o
abuso do poder econômico através da eliminação total ou parcial da concorrência.
Com isso, passa-se à análise do comportamento que constitui em abusar
do poderio econômico.
2.2 ABUSO DO PODER ECONÔMICO
A conduta proibida ou que não se deve praticar é o núcleo “abusar do
poder econômico”. Deste elemento extrai-se o excesso ou mau uso do poder
econômico a partir de um desvirtuamento ou mesmo uma adoção de uma atitude
ardilosa direcionada à produção do terceiro fator que compõe o tipo penal.
Neste contexto, consoante a expressão poder econômico, pontifica Paula
A. Forgioni:
Diz respeito a uma posição de poder econômico detida por uma empresa, que lhe confere o poder de obstar a efetiva concorrência no mercado em análise, facultando-lhe comportamentos independentes em relação aos próprios concorrentes, clientes, consumidores e sem que, por isso, deva sofrer qualquer conseqüência prejudicial.60
Bem oportuna a análise de Leonardo Arquimimo de Carvalho:
O poder econômico pode limitar a liberdade de escolha – de agentes, consumidores e produtores -, quando for suficiente para criar barreiras à entrada de concorrentes, ou quando os agentes menos poderosos já existentes estejam sujeitos ao comportamento de outra empresa, detentora de posição dominante no mercado.61
Diante disto, é possível afirmar que a posição dominante em um mercado
determinado, dito relevante, assegura ao agente econômico possibilidades de atuar
independente e indiferente às leis de concorrência, de modo a proporcionar
60 FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. 2. ed. 2. tir. rev. e atual. São Paulo: RT, 2005. p. 269.61 CARVALHO, Leonardo Arquimimo de. Manual de direito da concorrência. São Paulo: IOB Thompson, 2005, p.30.
35
estratégias consideradas arriscadas sem provocar qualquer prejuízo significativo
para si.62
O agente detentor de parcela relevante de posição dominante no mercado
tem habilidade suficiente de criar uma condição desestimulante à concorrência,
estabelecendo preços que lhe são apropriados e prejudiciais à população, além de
outros prejuízos.
Luis Regis Prado explica o real sentido de dominar o mercado:
Dominar significa estar em condições de impor sua vontade sobre o mercado e isso independe de o domínio ser exercido em apenas uma parcela pequena do território nacional, já que, em razão da natureza do produto, qualidade e preço dos transportes, o mercado pode ser nacional, regional ou local.63
Ensina André Ramos Tavares que o exercício do poder econômico deve
ser baseado no interesse maior da coletividade, sem limitar, de qualquer forma, a
liberdade de iniciativa dos demais agentes econômicos que se encontrem em uma
conjuntura menos favorável, ou seja, os concorrentes.64
O exercício abusivo de posição dominante consiste no controle abusivo
ou monopolístico conduzido por um agente econômico ou um grupo deles dentro de
um segmento do mercado relevante, como explica Simone Letícia de Souza Caixeta,
sendo “na qualidade de fornecedor, adquirente, financiador ou intermediário do
produto, serviço ou tecnologia”.65
Com efeito, o exercício abusivo do poder de mercado deve ser reprimido
pela lei penal e através do inciso I, do artigo 4º da Lei 8.137/90, o Estado afora
proteger a concorrência em qualquer condição de supressão desta, isto é, através
de qualquer conduta que ameace sua estrutura abusivamente.
62 FORGIONI, Paula A. Posição dominante e seu abuso. In: Revista de Direito Econômico. n. 26. 1997. Disponível em: <http://www.cade.gov.br/publicacoes/revista.asp>. Acesso em: 17 abr 2007.63 PRADO, Luis Regis. Direito Penal Econômico: ordem econômica, relação de consumo, sistema financeiro, ordem tributária, sistema previdenciário, lavagem de capitais. 2 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2007. p. 45. 64 TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. 2. ed. São Paulo: Método, 2006, p. 265.65 CAIXETA, Simone Letícia de Souza. Regime jurídico da concorrência: as diferenças entre concorrência desleal e infração à ordem econômica. Curitiba: Juruá, 2004, p. 123.
36
2.3 DOMINAÇÃO DO MERCADO E ELIMINAÇÃO DA CONCORRÊNCIA
Percebe-se que a ocorrência concreta do ilícito exige a integração
valorativa de todos estes dados. Assim, o terceiro elemento normativo aponta os
resultados indesejados: “dominando o mercado ou eliminando, total ou parcialmente,
a concorrência”.66
Esta manifestação de dominação do mercado dá-se de várias formas,
enquanto algumas medidas são detectadas com facilidade; outras, por serem mais
sofisticadas, empregam condutas fraudadas e de difícil identificação, como os
acordos entre os agentes econômicos restritivos da concorrência, incluindo-se no
caso a prática de Cartel.
Os mais típicos indícios de prática de abuso de posição dominante são: a
imposição de preços excessivos (preços muito acima do custo marginal), imposição
injustificada de preços abaixo do custo marginal (estratégia de conquista de
mercado ou desvio de clientela), a prática de preços predatórios, a prática do preço
opressivo (a semelhança do que ocorre com o açambarcamento de mercadorias) e a
venda casada.67
A SEAE define a prática de preços predatórios:
Situação em que uma firma reduz o preço de venda de seu produto, incorrendo em perdas no curto prazo, objetivando eliminar rivais do mercado, ou possíveis entrantes, para, posteriormente, quando os rivais saírem do mercado, elevar os preços novamente, obtendo, assim, ganhos a longo prazo. Em muitas definições existentes na literatura micro-econômica, a firma reduz o preço de seu produto abaixo de alguma medida de custo, como por exemplo, o custo marginal. Em mercados em que as firmas são idênticas (isto é, igualmente eficientes, com custos marginais parecidos), a prática de preços predatórios não é uma estratégia que deverá ser adotada, pois a "firma predatória" não terá certeza se as outras realmente sairão do mercado. Já em mercados em que as firmas não são idênticas, a mais eficiente poderá ter incentivo em abaixar preço, fixando-o entre (ou até) o custo marginal dela (mais baixo) e o das outras (mais altos), pois ela terá, no máximo, lucro zero no curto prazo, enquanto as outras, se a seguirem, poderão ter grandes prejuízos.68
66 BRASIL. Lei 8.137/90. Define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/ L8137.htm>. Acesso em 11 set 2009.67 FORGIONI, Paula A. Posição dominante e seu abuso. Revista de Direito Econômico. n. 26. 1997. Disponível em: <http://www.cade.gov.br/publicacoes/revista.asp>. Acesso em: 17 abr 2007.68 BRASIL. Secretaria de Acompanhamento Econômico. Conheça a SEAE. Disponível em: <http://www.seae.fazenda.gov.br/conheca_seae>. Acesso em: 20 jan 2009.
37
No que diz respeito ao exercício proibido de venda casada, a mesma
secretaria esclarece no seguinte sentido:
Prática comercial que consiste em vender determinado produto ou serviço somente se o comprador estiver disposto a adquirir outro produto ou serviço da mesma empresa. Em geral, o primeiro produto é algo sem similar no mercado, enquanto o segundo é um produto com numerosos concorrentes, de igual ou melhor qualidade. Dessa forma, a empresa consegue estender o monopólio (existente em relação ao primeiro produto) a um produto com vários similares. A mesma prática pode ser adotada na venda de produtos com grande procura, condicionada à venda de outros de demanda inferior.69
No caso da prática de preços opressivos (ou price squeeze), o agente
econômico pode aumentar diretamente os custos dos seus concorrentes à medida
que aumenta o preço das matérias-primas, serviços ou tecnologias essenciais à
atividade econômica do concorrente.70
Pontifica Paula A. Forgioni que a prática do price squeeze é mais
vantajosa que o preço predatório, pois o agente econômico que o impõe não suporta
uma eventual guerra de preços no mercado e o retorno do investimento é quase
imediato.71
Outra prática nociva à concorrência é o açambarcamento de mercadorias,
quando o agente econômico acumula mercadorias em grande quantidade para
provocar a sua falta no mercado e vende-las, posteriormente, a preços elevados.
Portanto, a eliminação da livre concorrência atinge o coração da ordem
econômica, inviabilizando metas constitucionalmente cominadas, sempre prejudicial
aos consumidores.
Deste modo, o objeto formal do crime de formação de cartel é identificado
como o próprio ajuste entre os agentes econômicos, constituindo o estágio inicial do
processo executivo, mediante o qual externam suas intenções de dominar o
mercado, eliminar a concorrência e aumentar seus lucros, este objeto materializa-se
como o crime-meio do delito de formação de cartel72.
Os acordos empresariais em geral são indicativos da colusão entre as
empresas que prenunciam a implementação de práticas empresariais ilegais, seja
por abusivas do poder econômico, seja por erradicarem a concorrência.
69 BRASIL. Secretaria de Acompanhamento Econômico. Conheça a SEAE. Disponível em: <http://www.seae.fazenda.gov.br/conheca_seae>. Acesso em: 20 jan 2009.70 FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. 2. ed. 2. tir. rev. e atual. São Paulo: RT, 2005. p. 370.71 FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. 2. ed. 2. tir. rev. e atual. São Paulo: RT, 2005. p. 371.72 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal – a nova parte geral. 10 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986. p. 275.
38
Contudo, estabelecer que certas modalidades de acordos per se buscam
afetar automaticamente quaisquer destes aspectos da estrutura econômica do
Estado Democrático de Direito viabilizando uma ocupação no mercado análoga a
um oligopólio ou monopólio, permite a atuação da repressão criminal de modo
imediato e decisivo.
Deste modo, é possível destacar o objeto material da formação de cartel
compreende na etapa de execução das condutas tipificadas na Lei 8.137/90,
caracterizando o crime-fim de eliminação da concorrência e efetivo ataque à
organização da economia nacional.73
Para Heleno Cláudio Fragoso, o objeto formal do crime pode ser definido
como “a ofensa sempre irrogada pela ação delituosa ao direito público subjetivo do
Estado à observação do preceito penal”.74 Ao passo que, quanto ao objeto material
do crime, o que há é “aquela porção do mundo exterior sobre a qual incide a
atividade delituosa”.75
De fato, independentemente da efetiva produção dos resultados que, no
caso, é condição despicienda, depreende-se que a coercitibilidade permeia na real
intenção do seu agente que pratica determinadas condutas com a finalidade de
otimizar seus ganhos obtendo vantagem superior ao que ocorreria em uma situação
normal de concorrência, comprometendo a ordem econômica sob as sua formas
basilares contidas na livre concorrência e livre iniciativa.
Não menos importante e, da mesma forma, essencial à configuração
deste delito econômico, passa-se à verificação do seu elemento volitivo.
2.4 ELEMENTO VOLITIVO
Além do dolo (elemento subjetivo geral), os tipos objetivos deste delito
econômico demandam um desígnio delitivo exclusivo (elemento subjetivo especial)
73 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal – a nova parte geral. 10 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986. p. 275.74 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal – a nova parte geral. 10 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986. p. 275.75 BETTIOL. Guiseppe. Direito Penal. vol 1. Trad. Paulo José da Costa Jr. e Alberto Silva Franco. São Paulo: RT, 1977. p. 229.
39
representado pela intentio de dominar o mercado ou eliminar, total ou parcialmente,
a concorrência.
Como já acentuado, ambos os momentos do iter criminis permitem ao
infrator a consecução dos seus objetivos ilícitos, pois realizando os atos executivos,
os agentes infratores praticam rigorosamente dois crimes.
Sendo assim, os tipos objetivos descritos na lei em comento determina
que o cometimento do crime inicial constitui fase de realização do outro, que lhe
sucede, operando uma transmutação finalística do primeiro para o segundo delito.
Como as pessoas jurídicas são criadas por ficção jurídica, a realização de
condutas e a expressão de vontades depende da intervenção de indivíduos
faticamente capazes de vinculá-las às respectivas ações concretas no mercado em
que atuam.76
Nestes termos, o tipo em exame caracteriza-se como um crime próprio ou
especial, pois somente pode ser praticado por pessoas capazes de realizar acordos
desta magnitude, comprometendo suas respectivas ficções jurídicas concretamente
vinculadas.
Com efeito, o crime de formação de cartel não exige uma qualificação
específica da pessoa que realiza o acordo para efetivamente incidir na conduta
criminalmente tipificada, de modo que o sujeito ativo precisa tão somente possuir
capacidade jurídica suficiente para comprometer a empresa no ajuste cominado em
delito.
Assim, explica Rodolfo Tigre Maia:
Nestas hipóteses, para fins de delimitação do início penalmente relevante do iter criminis, será preciso distinguir: (a) se ausente a qualidade jurídica de representante legal da pessoa jurídica pelo agente que pactuou o ajuste ou acordo em seu nome, inexistirá, no plano probatório, a presunção juris tantum do engajamento eficaz da empresa beneficiária no mesmo; e (b) sendo o agente formalmente vinculado a ela, a efetividade da avença estaria pressuposta, como corolário jurídico dos poderes de representação da empresa por ele enfeixados. Será necessário, então, no caso concreto, para reconhecer o início da execução, comprovar que o compromissário tinha os poderes fáticos de direção ou de controle da empresa, sendo capaz de estabelecer um vínculo negocial entre ambas, que tenha aptidão para produzir efeitos concretos nas atividades das empresas pactuantes, seja no mercado em que já atuam, seja naquele no qual pretendem atuar conjuntamente.77
76 Artigo 47 do Código Civil: obrigam as pessoas jurídicas os atos dos administradores, exercidos nos limites de seus poderes definidos no ato constitutivo.77 MAIA, Rodolfo Tigre. Tutela penal da ordem econômica: o crime de formação de cartel. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 202.
40
Diante disto, verifica-se que na esfera probatória o crime estudado
esbarra em mais um aspecto difícil de ser resolvido pelas autoridades.
Para fins de controle penal, a eficácia do acordo nestes tipos de delito
econômico, ainda que não postos em prática pelos sujeitos ativos, deve reverberar
concretamente ou apresentar elementos intencionais de alcançar os objetivos
descritos no tipo penal como resultados a serem alcançados (abuso do poder
econômico e/ou eliminação total ou parcial da concorrência).
Por outro lado, registra-se em bom tempo que neste caso também se
aplica as regras do concurso de agentes previstas no artigo 29 do Código Penal78,
na medida em que os participantes do crime, detendo capacidade jurídica (inerente
aos sujeitos ativos deste ilícito) possam influir de algum modo na realização dos
ajustes, sendo ou não gestores de fato ou de direito das empresas envolvidas.
De todo modo, a fixação da responsabilidade penal pela prática de delitos
econômicos esbarra na chamada teoria monista ou unitária adotada pelo
ordenamento penal brasileiro.
Muito embora a Constituição de 1988 trate da responsabilidade penal da
pessoa jurídica em duas situações, artigos 173, parágrafo 5º, e 225, parágrafo 3º,
crimes econômicos e ambientais respectivamente, a doutrina não é uníssona em
reconhecer o caráter "penal" dessa responsabilização.
Para alguns autores, a responsabilidade penal da pessoa jurídica não é
compatível com o sistema penal brasileiro que adotou o ius libertatis, no qual reinam
os princípios da responsabilidade pessoal, subjetiva, da culpabilidade, da
personalidade da pena etc.
Não obstante as correntes doutrinárias ainda divergirem, o Supremo
Tribunal Federal ainda não se manifestado sobre a questão. Por outro lado, o
Superior Tribunal de Justiça já apreciou o tema no julgamento do RHC 19.119/MG:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ARTS. 62 E 3º, DA LEI Nº 9.605/98. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. INOCORRÊNCIA. DILAÇÃO PROBATÓRIA. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA. I - O trancamento de ação por falta de justa causa, na via estreita do writ, somente é viável desde que se comprove, de plano, a atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção da punibilidade ou ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito, hipóteses não ocorrentes na espécie (Precedentes). II - Qualquer entendimento contrário, i.e., no sentido de se reconhecer a atipicidade da
78 BRASIL. Código Penal Brasileiro, Decreto-Lei nº. 3.689, de 03.10.1941. Vade Mecum. São Paulo: Saraiva, 2009.
41
conduta do ora paciente, demandaria, necessariamente, o revolvimento do material fático-probatório o que, nesta estreita via, mostra-se inviável (Precedentes). III - Admite-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício, uma vez que "não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio" cf. Resp nº 564960/SC, 5ª Turma, Rel. Ministro Gilson Dipp, DJ de 13/06/2005 (Precedentes). Recurso desprovido.79
Neste caso, o ministro seguiu entendimento da desta Corte Superior para
admitir a responsabilização da pessoa jurídica desde que presente a imputação
simultânea do ente moral e da pessoa física.
Neste sentido explica a aplicação desta teoria
É uma responsabilidade por ricochete, porque prioritariamente deve ser incriminada a pessoa física. Por reflexo, a pessoa jurídica acaba também sendo processada, desde que preenchidos os requisitos legais (atuação em nome da pessoa jurídica, benefício da pessoa jurídica etc.). Quando não se constata nenhum benefício para a pessoa jurídica, não há que se falar em processo contra ela".80
Diante do exposto, no caso dos crimes de formação de cartel a
responsabilização é feita sobre as pessoas físicas dirigentes das empresas, são
considerados sujeitos ativos os agentes que estejam a frente das negociações e dos
ajustes, bem como os envolvidos no ato ilícito.
2.5 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA
O crime cometido no Brasil é consumado, consoante a determinação do
artigo 14, inciso I, do Código Penal, “quando nele se reúnem todos os elementos de
sua definição legal”.81
Contudo, a conduta penalmente reprimida pode antecipar-se ao momento
da consumação do ilícito repercutindo resultados lesivos, de todo modo. Deste modo
a tentativa é punível no iter criminis conforme disposto no inciso II do mesmo
79 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso em Habeas Corpus 19119/MG. Min. Félix Fichser - 5ª Turma. j. 04/09/2006.80 PEREIRA, Maria Rachel Coelho. A responsabilidade da pessoa jurídica nos crimes ambientais. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2008-mar-09/crimes_ambientais_responsabilidade_empresas >. Acesso em 01 nov 2009.81 BRASIL. Código Penal Brasileiro, Decreto-Lei nº. 3.689, de 03.10.1941. Vade Mecum. São Paulo: Saraiva, 2009.
42
dispositivo legal, ou seja, “tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma
por circunstâncias alheias à vontade do agente”.82
Muito embora a tentativa não seja punível em todos os tipos penais, eis
que nos denominados delitos unisubsistentes não permite cisão do iter criminis,
assim como nos crimes culposos, nos omissivos próprios, etc., a tentativa do crime
de formação de cartel é punível em razão das particularidades do seu tipo objetivo.
Neste sentido, anota Rodolfo Tigre Maia:
Com efeito, para a exigência do abuso do poder econômico o tipo remete à exigência de que este resulte em um dado atingimento da ordem econômica, configurando através da conjugação entre certo meio, que deve estar necessariamente presente (o ajuste ou acordo), indicando o início da execução, e determinados resultados previstos como decorrências efetivas propiciadas por este instrumento (a dominação do mercado ou a eliminação total ou parcial da concorrência).83
Deste modo, para a configuração objetiva do tipo penal em voga é
indispensável o nexo causal entre o ajuste e sua repercussão no mercado, conforme
os resultados descritos na lei (eliminação da concorrência total ou parcialmente
considerada).
Assim, complementando os ensinamentos já exposto por Heleno Fragoso,
a produção do resultado permanece indiferente, porém continua essencial a
configuração do acordo e da vontade dos agentes na produção dos mencionados
resultados.
Nesta perspectiva, a consumação quase sempre será antecedida pela
realização de um conjunto articulado de ações tipicamente relevantes. Como estas
ações podem ser fracionadas, poderá ser interrompida a execução por forças
alheias à vontade dos agentes envolvidos na sua prática, sendo, portanto,
caracterizada a tentativa.
Deste modo, os atos preparatórios do cartel a realização do acordo
configura o início da execução e, por isso, pode ser punido como tentativa.
De outro norte, alguns destes atos preparatório per se já configuram
posição abusiva do poder econômico e, desde já, detém condições de eliminar total
ou parcialmente a concorrência. Assim, o crime de formação de cartel restou
82 BRASIL. Código Penal Brasileiro, Decreto-Lei nº. 3.689, de 03.10.1941. Vade Mecum. São Paulo: Saraiva, 2009.83 MAIA, Rodolfo Tigre. Tutela penal da ordem econômica: o crime de formação de cartel. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 197.
43
configurado e, inadmissível a tentativa, pois constituiu crime instantâneo e
unissubsistente.
Como ressalta Nelson Hungria:
[...] só não é concebível a tentativa nos crimes de perigo que unico actu perficiuntur; mas o mesmo acontece com todo e qualquer crimeunissubsistente, isto é, cuja execução se opera em um só ato, pois a tentativa pressupõe a possibilidade de cisão do processo executivo ou de execução por atos sucessivos.84
Neste aspecto destaca-se o já mencionado Cartel Clássico ou Hard Core
Cartel uma vez que para caracterizá-lo, em geral, não se possui a prova material do
acordo, porém através da identificação de determinados comportamentos do agente
dentro do mercado em que atua é possível chegar até o ajuste e, por conseguinte,
utilizar de instrumentos processuais penais na persecução deste delito.
Visto isso, a ação tipicamente essencial e aquelas que materializam o
ilícito estudado são hábeis a produzir os resultados associados à mesma.
84 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal (Artigos 121 a 136). vol 5. Rio de janeiro: Forense, 1979. p. 375.
44
3 O GARANTISMO PENAL E OS CRIMES CONTRA A ORDEM ECONÔMICA
Como visto, a dogmática do sistema penal clássico não consegue
abranger as rápidas transformações vividas pelas comunidades, bem como atualizar
seus mecanismos de controle para prevenir ou estancar os riscos e perigos
experimentados pelos seus indivíduos.
Sob esta perspectiva, o sistema penal garantista apresenta critérios e
fundamentos compatíveis com o bem jurídico-penal tutelado auxiliando a aplicação
das normas de Direito Penal Econômico no combate aos crimes econômicos, em
especial ao crime de formação de cartel.
A insegurança jurídica e as arbitrariedades características da
aplicabilidade das legislações penais econômicas sugerem questões relevantes para
compreender a antecipação da tutela penal a partir da exposição dos bens supra-
individuais aos riscos e perigos abstratamente considerados na sociedade
contemporânea.
Essa exposição do indivíduo a estes tipos de perigo favorece à uma
propagação de injustos penais na atualidade qualificados como crimes de perito
abstrato, como justifica Luigi Ferrajoli:
Temos assistido a uma crescente antecipação de tutela, mediante a configuração de delitos de perigo abstrato, com caráter hipotético e muitas vezes improvável do resultado lesivo e pela descrição aberta e não taxativa da ação.85
Outrossim, argumenta Luiz Augusto Brodt:
A punição por perigo abstrato significa uma sanção fundamentada apenas no desvalor da ação, independentemente da presunção de qualquer resultado, pois é a mera presunção do perigo. A intervenção penal nessa seara deve ser evitada, porque fundamentada em mera desobediência à norma, o que, além de contrariar a própria razão de ser da norma penal (...) é cruel e vedado pelo nosso Código penal que não admite crimes sem resultado.86
Não obstante a crítica apresentada por Ferrajoli, no caso dos crimes de
formação de cartel, objeto do presente estudo, a utilização de tipos penais em
85 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: RT, 2006. p. 436.86 BRODT, Luiz Augusto. Do estrito cumprimento de dever legal. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 2005. p. 113.
45
branco não conduzem a uma incriminação desvairada sem considerar os resultados
improváveis.
Ao contrário, a disposição dos tipos penais no artigo 4º da Lei 8137/90,
aliado aos preceitos garantistas, explora comportamentos diversos que podem
ocasionar na restrição ou eliminação da concorrência.
A produção do resultado independe para a caracterização do delito, pois a
prática de algumas das condutas descritas no referido dispositivo legal, por si só,
caracteriza a intenção do agente em atingir estes resultados.
Assim, para analisar os crimes econômicos sobrepondo os aspectos
garantista é imprescindível o estudo de algumas características destes ilícitos como
o perigo abstrato a pouco retratado, bem como os aspectos de sua criminalidade.
Ademais, os bens pluriofensivos, como denomina Renato de Mello Jorge
Silveira os bens supra-individuais, são expostos a condutas reiteradas e distorcidas
ou mascaradas o que dificulta sobremaneira a constatação do ilícito e impossibilita a
sua criminalização:
Estes bens pluriofensivos muitas vezes são concebidos como ‘bens jurídicos intermediários espiritualizados’, conforme a expressão de Schunemann, em que somente poder-se-á considerar o bem jurídico protegido como lesionado se ocorrer reiteração generalizada de condutas que não respeitem as regras básicas. Com a dificuldade inerente à constatação de qual, dentre diversas condutas, realmente vem a causar efetiva lesão ao bem protegido, entende-se permitido um socorro às técnicas de crimes de perigo, em especial o abstrato, por onde procurar-se-á resguardar o interesse de todo e qualquer atentado, e não só àqueles realmente danosos.87
Diante disto, vislumbra-se que a utilização de tipos penais de perigo
abstrato constitui em uma ferramenta do legislador, e por conseguinte, dos demais
autoridades encarregadas de combater crimes da mesma natureza, tem o condão
de contornar a danosidade social da conduta delitiva e enfrentar a questão da
insegurança jurídica provocada pelos riscos a que são expostos os bens jurídicos já
mencionados.
87 SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito Penal supra-individual: interesses difusos. São Paulo: RT, 2003. p. 64.
46
3.1 CRIMES DE PERIGO CONCRETO E DE PERIGO ABSTRATO
Segundo Immanuel Kant, o direito consiste no reconhecimento normativo
das liberdades individuais e iguais, as quais contem um mandamento implícito para
a coerção de qualquer conduta de ameaça a estas liberdades, no sentido de
resguardá-las das ofensas apresentadas na sociedade.88
Neste sentido, Ghunter Jakobs estabelece sua definição de inimigo como
o delinquente não integrado no meio social, aquele indivíduo que não reconhece o
pacto social a ponto de respeitá-lo como norma organizadora das liberdades
individuais e coletivas.
Este indivíduo delituoso permanece fora do ordenamento jurídico de
espírito democrático e exposto à coação estatal ao tentar contra o pacto social,
como explica aquele autor: “O Direito penal do cidadão mantém a vigência da
norma, o direito penal do inimigo (em sentido amplo: incluindo o Direito das medidas
de segurança) combate perigos”.89
Deste modo, o aspecto kantiano apresenta as expectativas do
comportamento do homem médio conforme o tecido social, de modo a identificar o
cidadão que foge a estas expectativas, realizando condutas em confronto e
ofendendo a norma expressa pela vontade geral.
No caso dos crimes econômicos, nota-se que os agentes econômicos não
estão fora da constituição cidadã ditada por Kant, ao contrário, sentem-se
pertencentes a esta mesma ordem e praticam condutas com aparência de
legalidade, adotando mecanismos legais em detrimento dos interesses da
coletividade.
A identificação destes indivíduos como inimigos do Estado Democrático
de Direito, que para instalar a segurança da economia nacional resguardou a ordem
econômica um dos seus pilares, é muito mais complexa do que Kant imaginou. Para
responder a estes tipos de comportamentos, o Estado utiliza-se de tipos penais de
perigo concreto e abstrato como tratado a seguir.
88
Kant, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes e outros escritos. São Paulo: Martins Claret. 2003. p.62/64.89 JAKOBS, Ghunter. Direito Penal do Inimigo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 30.
47
Pelo até aqui exposto, vislumbra-se que é delicada a discussão em torno
da caracterização da lesão ao bem supra-individual com a mera situação de perigo a
que é submetido o bem, pois a delimitação do Direito Penal de situações abstratas
constitui grande impasse na atualidade.
Por outro lado, significativa é a confirmação de que determinadas
formulações acerca da limitação do jus puniendi são ineficazes, uma vez que
sustentam a utilização daquela técnica legislativa como inadequada e confusa, por
vezes apontando normas penais em branco e comparando superficialmente as
esferas administrativa e criminal.90
Discussões a parte, impende destacar inicialmente, antes de se abordar
os crimes de perigo abstrato, o fundamento da criminalização de condutas que
expõe determinado bem jurídico-penal a perigo concreto.
Neste sentido, o fundamento da punição dos crimes de perigo concreto
encontra-se no fato de "o legislador querer, sem duvida proteger um determinado
bem jurídico e pode fazê-lo porque considera que o por em perigo é elemento
bastante para justificar uma pena criminal", como acentua José Francisco de Faria
Costa.91
Releva-se que o comportamento que coloca o objeto jurídico em uma
situação de perigo real de dano devem ser reprimidos pela lei penal, sendo
identificado como um resultado em potencial o perigo real de dano ao objeto
protegido.
Nos crimes de perigo concreto, a realização do tipo pressupõe efetiva
produção de perigo para o objeto da ação, de modo que a ausência de lesão para o
objeto da tutela penal pareça meramente obra do acaso.
Juarez Cirino dos Santos aduz que "segundo a moderna teoria normativa
do resultado de Schünemann, o perigo concreto se caracterizaria pela ausência
casual do resultado, e a casualidade representa circunstância em cuja ocorrência
não se pode confiar".92
90 REALE JÚNIOR, Miguel. Indícios e prova de Cartel. In: Reunião do Conselho Superior de assuntos Jurídicos e Legislativos (CONJUR). São Paulo: FIESP/CIESP, 27.03.2003. Disponível em <www.terciosampaioferrazjr.com.br/manager/.../download.php?4>. Acesso em 25 out 2009; FERRARI, Eduardo Reale; e SILVEIRA, João Augusto Prado da. O cartel de empresas e seus aspectos criminais. Disponível em: < http://www.realeadvogados.com.br/opinioes%5Cedu_joao.pdf >. Acesso em 25 out 2009.91 FARIA COSTA, José Francisco de. O perigo em Direito Penal. Coimbra: Coimbra, 2000. p. 623.92 SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2000. p. 40.
48
Tendo em vista que o Direito Penal é norteado pelo princípio da
intervenção mínima, esta agressão concreta deve ocorrer de forma expressa e
evidente para merecer uma sanção penal. Para tanto, há que se considerar, ainda,
se o bem ofendido tem dignidade penal merecedora de sanção.
No caso particular dos bens difusos ou supra-individuais, como a ordem
econômica tutelada pela norma de combate aos crimes contra a ordem econômica,
devido as suas características próprias de impessoalidade, nem sempre serão
confirmados a ocorrência de um dano evidente.
É da Exposição de Motivos do Código Penal Brasileiro que não haverá
crime sem resultado:
[...] o projeto acolhe o conceito de que não há crime sem resultado. Não existe crime sem que ocorra, pelo menos, um perigo de dano, e sendo o perigo um ‘trecho da realidade de’ (de um estado de fato que contem as condições de superveniência de um efeito lesivo), não pode deixar de ser considerado, objetivamente, como resultado, pouco importando que, em tal caso, o resultado coincida ou se confunda, cronologicamente, com a ação ou omissão [...].93
Como demonstrado acima, a idéia de proteger um determinado bem que
possui dignidade penal e, portanto, merecedor de sanção quando ameaçado de
lesão ou efetivamente ofendido em sua natureza, em momento anterior ao resultado,
consiste em uma verdadeira antecipação da tutela penal que entra em aparente
contradição com o princípio norteador da ciência criminal da intervenção mínima.
Ocorre que, não raro, há de se perceber perigos não-concretos sem
resultados a serem avaliados, situações que merecem compreensão e estudos mais
complexos do Direito Penal Econômico nesta etapa de antecipação da tutela penal.
Uma característica que se destaca nesta antecipação e a evolução dos
crimes de perigo abstrato, em cuja própria conduta recai o castigo punitivo,
independentemente de eventual lesão ao bem jurídico protegido, ou ainda sem
cogitar-se qualquer dolo na produção do resultado danoso.
Vislumbra-se, deste modo, que estes ilícitos não buscam responder a
determinado dano ou prejuízo social realizado pela conduta, mas ao contrário, evitá-
la, prevenindo e protegendo o bem jurídico-penal de lesão antes mesmo de sua
exposição a perigo real, concreto, efetivo de dano.
93 BRASIL. Código Penal Brasileiro, Decreto-Lei nº. 3.689, de 03.10.1941. Vade Mecum. São Paulo: Saraiva, 2009.
49
Esta necessidade de antecipação da tutela penal nos crimes de perigo
abstrato responde à tendência preventiva do Direito Penal contemporâneo,
especialmente do Direito Penal Econômico, orientado na diminuição dos riscos, e no
combate a estes crimes proporcionando melhor segurança ao corpo social.
A definição jurídica de tal modalidade delitiva dependerá não da previsão
de uma conduta com probabilidade concreta de dano, isto é, de um resultado
efetivamente perigoso para a vida social, mas da prática de um comportamento
simplesmente contrário a uma lei formal.
Como atesta Renato de Mello Jorge Silveira:
O perigo abstrato é, pois, genérico e indeterminado; em um caso específico, pode ou não acontecer. [...] De fato, a característica que tradicionalmente define os crimes de perigo abstrato reside, como se viu, na ausência de perigo no tipo. Este não menciona o perigo entre seus elementos, mas se limita a definir uma ação perigosa, pois entende que o surgimento do perigo se deduz da realização de uma ação com características. Parece considerar que, nesses casos, há uma transação da decisão do perigo do juiz ao legislador. A presunção juris et de jure do perigo obriga o aplicador da lei a não considerar o caso fático, aplicando a lei in genere. É interessante, pois, a constatação de que, com a prova de um perigo atentatório a bem jurídico, poderá ocorrer um verdadeiro desvirtuamento do crime de perigo abstrato, já que esta prova o converterá em um crime de perigo concreto (formalmente provado e comprovado).94
Nota-se que o legislador facilita os caminhos da punição criminal, pois se
renuncia a prova de um dano e a prova da causalidade entre a conduta e o
resultado, já que este e presumido, na busca de uma efetiva repressão ao crime.
Com efeito, nos casos de bens difusos e supra-individuais, não há outra
solução senão o uso do perigo abstrato para amenizar e combater os danos de
proporções ilimitadas.
A antecipação da tutela, nesses casos se justifica, e o Direito Penal
Econômico como Direito Penal de perigo se sobrepõe às espécies da tutela penal
para orientar a Justiça e legitimar a tutela penal nos crimes econômicos.
Delimitando-se aos fundamentos básicos de proteção à dignidade
humana e à promoção do bem estar de todos os cidadãos, o sistema garantista
busca equilibrar a força do jus puniendi na tutela dos bens difusos e supra-
individuais, a partir da promoção de tipos penais abstratos.
94 SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito penal econômico como direito penal de perigo. São Paulo: RT, 2006. p. 119.
50
Assim, para compreender a antecipação de tutela nos crimes de formação
de cartel, como um delito de perigo abstrato que o é, cabe a exposição de todas as
suas variantes que justificam e fundamentos o Direito Penal Econômico Garantista.
E para que isso seja possível, como forma de asseverar a tutela penal dos
crimes contra a ordem econômica, passa-se a análise da incidência motivadora
destes crimes, isto é, a criminalidade econômica e do garantismo penal.
3.2 GARANTISMO PENAL
Com o avanço dos pensamentos liberais, o homem passou a ser
caracterizado como cidadão e os valores fundamentais da vida ganharam respeito
nas legislações da sociedade moderna, com profundo amparo à pessoa humana e
às liberdades individuais, de consciência e de expressão.
Os ideais iluministas do Século XVIII trouxeram concepções de igualdade
e liberdade que influenciaram sobremaneira os entendimentos da Ciência Criminal,
provocando uma ruptura na estrutura do Direito Penal clássico a partir da absoluta
separação entre Direito e Moral, com o conseqüente divorcio entre Estado e Igreja.95
Esta nova concepção de Direito Penal marca o rompimento da sociedade
com uma antiga ordem caracterizada por um longo processo histórico de cunho
autoritário.
Segundo Luiz Augusto Brodt este momento histórico marca:
[...] o reconhecimento da existência de um núcleo inviolável de direitos, constituído pelos direitos fundamentais, cuja tutela é a prioridade máxima do Estado e que não podem ser suprimidos nem mesmo a pretexto de atender à vontade da ampla maioria.96
A humanização do Direito Penal promovida pelo Iluminismo é referida por
Ney Fayet Júnior:
A influência da filosofia humanista contribuiu, amplamente, para a humanização do Direito Penal (imprimindo, definitivamente, o esvaziamento de sua fundamentação anterior teológica), ampliando o entendimento que o Direito Penal é instituição sustentada pelo Estado e pela sociedade, para a
95 CERQUEIRA, Atilo Antonio. Direito Penal garantista e nova criminalidade. Curitiba: Juruá, 2006. p. 35.96 BRODT, Luiz Augusto. Do estrito cumprimento de dever legal. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 2005. p. 33.
51
defesa da harmonia social, onde a discussão sobre a finalidade e justificação deste ramo do direito adquire significado.97
No mesmo sentido, Maurício Antonio Ribeiro Lopes a respeito da estreita
ligação entre o Iluminismo e o Direito Penal de garantias assevera:
[...] a legislação penal contemporânea corresponde à idéia legislativa que inspirou a codificação do Direito Penal posteriormente à Revolução Francesa de 1789. Concretamente se pode dizer que o Direito Penal Moderno está edificado sobre a herança do iluminismo e se apresenta na atualidade como a condensação de diferentes correntes intelectuais de signos opostos que foram sendo superpostas ao largo de seu desenvolvimento.98
Percebe-se a notável influência do modelo garantista na consolidação do
próprio Estado Democrático de Direito, ante a reunião de garantias e direitos
fundamentais na Carta Constitucional do país.
Por imposição constitucional, o modelo de Direito Penal moderno passou
a se pautar com característica eminentemente objetiva e fundada na proteção de
bens jurídicos fundamentais contra o arbítrio punitivo do Estado.
Assim, o modelo penal garantista foi concebido pelo movimento iluminista
para dar legitimidade da legislação e da jurisdição penal vinculando-se
normativamente as suas normas com princípios e garantias constitucionalmente
reconhecidos e limitadores do poder arbitrário do Estado.
Para privilegiar um sistema penal centrado nas liberdades individuais e no
princípio moral de respeito à pessoa humana, o modelo do garantismo penal é
“expressão de um modelo de Estado Democrático e Constitucional de Direito e dos
direitos fundamentais(...)”.99
Tal constatação demonstra o conteúdo do Direito Penal de garantias
concebido para proteger o cidadão contra o arbítrio punitivo do Estado, como acima
alertado. Desta forma, a violência penal somente será legítima nos casos em que
em que efetivamente estiver na legislação como retribuição aos comportamentos
ofensivos aos bens jurídicos fundamentais.100
97 FAYET JÚNIOR, Ney. Crime e sociedade. BITTENCOURT, Cezar Roberto (Org.). Curitiba: Juruá, 1999. p. 247/250.98 LOPES, Maurício Antonio Ribeiro. Direito Penal, estado e constituição. São Paulo: Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, 1997. p. 30.99
GOMES, Luiz Flávio. O princípio da ofensividade no Direito Penal. São Paulo: RT, 2002. p. 16/17.100 BRODT, Luiz Augusto. Do estrito cumprimento de dever legal. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 2005. p. 115.
52
Como distinção aos modelos penais conflitantes (modelo autoritário e
modelo garantista), Luigi Ferrajoli construiu a base do Direito Penal de Garantias a
partir de confrontos de pressupostos filosóficos. Com referência a ambos os
modelos, esclarece Salo de Carvalho:
A cadeia principiológica elaborada pelo autor (Ferrajoli) serve como instrumento avaliativo de toda a incidência do sistema penal desde a elaboração da norma pelo legislativo até a irrogação da pena. Viabiliza ao intérprete uma principiologia adequada para a legitimação/deslegitimação de todo o espectro teórico sistemático da atuação penal, da teoria da norma (princípio da legalidade em sentido amplo e estrito e princípio da lesividade ou ofensividade) à teoria do delito (princípio da materialidade e princípio da culpabilidade) e da teoria da pena (princípio da retribuição jurídica), bem como da teoria processual penal (princípio da jurisdicionalidade em sentido amplo, princípio da presunção de inocência, princípio do acusatório, princípio da verificabilidade probatória, princípio do contraditório e princípio da ampla defesa).101
Portanto, o sistema de garantias consolidado pela Constituição Federal de
1988 pretende suplantar as deficiências enfrentadas, tendo em vista o objeto do
presente estudo, pelo Direito Penal Econômico na forma de contenção da
criminalidade econômica.
A Carta Magna ampara em seu artigo 173 regras e princípios gerais
concernentes à atividade econômica, responsabilizando os sujeitos que pratiquem
atos que venham a ofender efetivamente a ordem econômica e financeira.
Entretanto, verifica-se o sistema de garantias, não é suficiente para
adequar a conduta desviante à forma, pois existem normas incriminadoras que
trazem em seu conteúdo hipóteses em que não se submete o conteúdo a perigo
concreto102.
Pelo princípio da ofensividade do Direito Penal, o comportamento delitivo
que expõe a perigo um bem constitucionalmente protegido inclusive por normas
penais deve necessariamente ser considerado potencialmente lesivo para receber a
interferência do Direito Penal.
Assim assevera Luigi Ferrrajoli: “A necessária lesividade do resultado,
qualquer que seja a concepção que dela tenhamos, condiciona toda justificação
101 CARVALHO, Salo de. Garantismo e sistema carcerário: crítica aos fundamentos e à execução da pena privativa de liberdade no Brasil. Curitiba, 2000. Tese doutorado pela Universidade Federal do Paraná, 2000.102
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito Penal supra-individual: interesses difusos. São Paulo: RT, 2003. p. 188.
53
utilitarista do direito penal como instrumento de tutela e constitui seu principal limite
axiológico”.103
No mesmo sentido também explica Luiz Augusto Brondt que o perigo
concreto constitui pressuposto à tipificação penal e “a sanção penal só se justifica
quando a conduta do agente tenha submetido o bem jurídico tutelado penalmente
pelo menos a um perigo real, concreto”.104
Neste aspecto, destaca-se que não é possível incriminar condutas que
não trazem a possibilidade concreta de dano, pois não é suficiente uma constatação
meramente formalista do delito.
Portanto, a compreensão da criminalização dos delitos de perigo abstrato
fundamenta-se na validade de uma medida punitiva que não dependa apenas de
requisitos formais, como estes autores destacaram. Exige-se, para tanto, o risco de
se sacrificar as garantias essenciais da coletividade.
As dimensões dos danos que a criminalidade econômica provoca para a
coletividade é tão imprevisível e de proporções ilimitadas, ante a habilidade dos
agentes em mascarar de legalidade as atividades ilegais, bem como diante do
elevado grau tecnicismo do setor, as normas incriminadoras devem antever tamanha
façanha dos delinqüentes para proibir toda e qualquer ação ilícita no setor
econômico.
Ademais, não se pode refutar, à soma deste insucesso, o contexto do
direito punitivo característico da realidade brasileira, baseado na desigualdade
político-social da repressão criminal, como defende Heleno Fragoso:
Entre nós o direito penal tem sido amargo privilégio dos pobres e desfavorecidos, que povoam nossas prisões horríveis e que constituem a clientela do sistema. A estrutura geral de nosso direito punitivo, em todos os seus mecanismos de aplicação, deixa inteiramente acima da lei os que tem poder econômico ou político, pois estes se livram com facilidade, pela corrupção e pelo tráfico de influencias. Denunciamos, portanto, entre nós, como fenômeno generalizado, o da desigualdade com que funciona o sistema punitivo, que serve a uma estrutura político-social profundamente injusta e opressiva.105
103
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. 2ª edição. São Paulo: RT, 2006. p. 428.104 BRODT, Luiz Augusto. Do estrito cumprimento de dever legal. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 2005. p. 114.105 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Direito Penal Econômico e Direito Penal dos Negócios. In: Revista de Direito Penal e Criminologia. n. 33. Rio de Janeiro: Forense. jan.-jun. 1982. p. 122/129. Disponível em <http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/ viewFile/11344/10909 >.
54
A exemplo do que os tribunais tem reconhecido sobre crimes de mesma
natureza, o Tribunal Regional Federal do Rio Grande do Sul tratou da seguinte
forma:
[...] a convivência deste típico criminoso no meio social caracteriza um perigo muito maior do que a manutenção do criminoso de violência urbana no meio social, porque estamos autorizando a permanência de pessoas que desenvolvem atividades sempre com a finalidade de fraudar o Poder Público, o Erário, e causar o grande dano social, que é o prejuízo na arrecadação de tributos, que faltam ara saúde, para educação e para a segurança pública.106
Os mecanismos nacionais dificilmente conseguem combater o crime à
escala global, como enfatiza José de Faria Costa:
Os sistemas formais de controle são, manifestamente, pesados e de difícil adaptação ou adequação às novas realidades. Por outras palavras: o processo de adaptação da criminalidade, até porque não tem peias ou limites, é indesmentivelmente superior ao dos sistemas formais de controle (polícias, Ministério Público).107
Neste contexto, a criminalidade empresarial aprimora suas técnicas
limitadoras da concorrência, maquiando suas condutas nas relações empresariais
com o fito de burlar a fiscalização favorecendo-se dos tipos penais em branco
dependentes de termos voláteis que cercam a economia, acabando por escapar da
aplicação da lei penal com grande astúcia.
[...] com o paradoxo aparente, à inflação legislativa corresponde a ausência de regras, de limites e controles sobre os grandes poderes econômicos transnacionais, como já afirmei, caracteriza-se, no plano jurídico, por um vazio de direito público no qual evoluem livremente formas de poder neo-absolutistas cuja única regra é a lei do mais forte. O resultado desta bancarrota é um direito penal máximo, produzido à margem de qualquer projeto racional, e por isso todos os seus princípios garantistas clássicos de legitimação entraram em crise [...].108
Com isso, o consumidor e o próprio desenvolvimento econômico-social do
país herdam prejuízos imensuráveis a começar pela promoção de uma insegurança
e um descrédito do Poder Judiciário.
Assim, o ex-conselheiro do CADE Antônio Fonseca já advertiu:
A defesa da concorrência ou é bem feita ou é inócua. Até agora o sistema de repressão e prevenção parece um cão sem dentes, que promete quase tudo e realiza quase nada. É preciso discutir se a criminalização deve ser mantida. Talvez seja caso de criminalizar apenas algumas condutas. Nessa
106 BRASIL, Tribunal Regional da 4ª Região. Habeas Corpus n. 2001.04.01.088454-7/RS. Des. Federal José Luiz B. Germano da Silva - 7ª Turma. j. 15/01/2002. p. 06/03/2002.107 FARIA COSTA, José de. Direito penal econômico. São Paulo: Quarteto. 2003, p. 57.108 FERRAJOLI, Luigi. Criminalidade e globalização. In: Revista do Ministério Público. São Paulo, Out / Dez 2003, n. 96. p. 13.
55
hipótese, não haveria penas administrativas para as mesmas práticas. Os órgãos administrativos dariam apoio logístico ao Ministério Público, a quem cabe a persecução criminal. Qualquer que seja o formato do sistema é preciso mais comprometimento e autonomia dos órgãos ou entidades encarregados da defesa da concorrência.109
Ives Granda da Silva Martins, ao tratar do tema, explica que esta
insegurança jurídica é provocada pela “falta de definição do Poder Judiciário quanto
aos grandes temas econômicos e tributários”.110
Neste sentido, comprovam os estudos do Instituto Nacional da Qualidade
Judiciária (INQJ):
Ronald Coase e Douglas North, com quem o INQJ tem entrado em contato para estudos, são dois prêmios Nobel de economia que defenderam teses semelhantes, no sentido de que a instabilidade jurídica não é compatível com a economia de mercado, pois afasta investimentos e poupança e gera “spreads” elevados para compensar os riscos de mudanças legislativas e jurisprudenciais constantes.111
Neste diapasão, ao utilizar critérios repressivos inseridos na mesma lógica
punitiva do Direito Penal Clássico, as inconsistências e ineficácias do sistema
migrarão para este setor e permanecerão insustentáveis.
Em razão deste panorama já conhecido, o garantismo penal apresenta-se
como uma veia aorta para fazer ressuscitar e fortalecer os mecanismos e
fundamentos do Direito Penal Econômico no combate à criminalidade econômica,
em especial, no combate aos cartéis.
Desta forma, o Direito Penal Econômico Garantista aparece para reprimir
tal delinqüência edificando a livre concorrência, inserida na tutela da ordem
econômica, como um bem jurídico meta-individual a ser tutelado por sanções com
nítido caráter criminal112 sob a égide dos direitos e garantias fundamentais. O certo é
que a compreensão dessa criminalidade traz possibilidades de aprimoramento das
formas de punição e prevenção a esses crimes.
109 FONSECA, Antonio. Defesa da concorrência: Questões Controvertidas da Lei número 10.149/00. Disponível em: < http://www.mundolegal.com.br/?FuseAction =Doutrina_Detalhar&did=9573>. Acesso em 06 maio 2009.110 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Qualidade Judiciária. In: Academia Brasileira de Direito. Disponível em <http://www.abdir.com.br/doutrina/ver.asp?art_id=&categoria=Intervenção do Estado no domínio econômico> Acesso em: 6 maio 2009.
111 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Qualidade Judiciária. In: Academia Brasileira de Direito. Disponível em <http://www.abdir.com.br/doutrina/ver.asp?art_id=&categoria=Intervenção do Estado no domínio econômico>Acesso em: 6 maio 2009.
112 DIAS, Jorge de Figueiredo Dias e ANDRADE, Manoel da Costa. Problemática geral das infrações contra a economia nacional. In: Temas de direito penal econômico. São Paulo: RT, 2000. p. 64/65.
56
3.3 A CRIMINALIDADE TRADICIONAL
Conforme se reconhece no cotidiano brasileiro, a criminalidade
tradicionalmente concebida tem estreitos limites com o Direito Penal clássico, uma
vez que a maioria das transgressões penais praticadas desvenda a existência de um
vínculo entre o autor e a vítima.
A prática ostensiva do crime é característica latente deste tipo de
delinquência, não havendo distanciamento físico entre os sujeitos ativos e passivos
e o bem lesionado.
Outro aspecto a ser considerado é a visibilidade social observada por
William Terra de Oliveira na media em que autor e vítima se arrostam permitindo
“sentir a ardência do crime e suas manifestações imediatas”.113
Também conhecida como uma criminalidade de massa, em parte
identificada pelas dificuldades econômicas sociais, Cezar Roberto Bittencourt, com
base em estudos realizados por Hassemer, definiu-a:
A criminalidade de massa compreende assaltos, invasões de apartamentos, furtos, estelionatos, roubos e outros tipos penais de violência contra os mais fracos e oprimidos. Esta criminalidade afeta diretamente toda a coletividade, quer como vítimas reais quer como vítimas potenciais. Os efeitos desta forma de criminalidade são violentos e imediatos: não são apenas econômicos ou físicos, mas atingem o equilíbrio emocional da população e geram uma sensação de insegurança.114
Ao contrário de todas as ponderações acerca da delinqüência tradicional,
encontra-se a criminalidade empresarial que se apresenta como uma ameaça
constante aos alicerces da sociedade moderna seja pela sua capacidade para
sobreviver às mudanças sociais e políticas ou para adaptar suas defesas frustrando
as ações repressivas.
A preocupação em combater ou amenizar os danos materiais e morais
provocados por esse tipo de delinqüência alimenta a investigação de formas
eficazes para frustrar as ações dos agentes econômicos envolvidos em ações
perniciosas como os cartéis.
113 OLIVEIRA, William Terra de. Algumas questões em torno do novo direito penal econômico. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais. n. 3. São Paulo. Jul/set, 1995. p. 236.114 BITENCOURT, Cezar Roberto. Princípios garantistas e a delinqüência do colarinho branco. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais. n. 3. São Paulo. Jul/set, 1995. p. 123.
57
3.4 A CRIMINALIDADE ECONÔMICA
Uma das imediatas distinções que se pode fazer do tipo de criminalidade
apresentado anteriormente é a vitimização difusa da criminalidade empresarial. Os
interesses coletivos e metaindividuais atingidos pelas suas atividades ilícitas
conduzem a uma compreensão mais abrangente deste segmento criminoso.
Por seu turno, os interesses difusos caracterizam-se pela impossibilidade
de nomear-se um titular ou titulares. Mauro Cappelletti, juntamente com Bryant
Garth, discorre a respeito o consumo de massa elemento de identificação da
coletividade como vítima real e potencial dos crimes contra os consumidores:
O consumo: basta que um produto apresente um defeito mínimo, e já milhares ou milhões de consumidores sofrerão um dano. O produtor, causante de tal prejuízo, não é somente violador de um direito individual, não está em confronte com uma ou outra pessoa, ou, no máximo, duas, três, cinco outras pessoas, mas é tipicamente produtor de um ‘dano em massa’.115
Outro manifestação criminógena com capacidade de elencar vítimas
indetermináveis são os delitos financeiros, como relata João Marcelo de Araújo
Júnior:
A essa nova categoria, que no Brasil, segundo Cernicchiaro, tem conceito restrito, pertencem os bens jurídicos tutelados pelo Direito Penal Econômico e, em especial, os que são violados pelos delitos contra o sistema financeiro. Neles, a despeito da lesão ao patrimônio individual que possam causar, a tônica da reprovação social está centrada na ameaça ou dano que representam para o sistema financeiro, que se caracteriza como um interesse jurídico supra-individual e no qual se destacam os seguintes aspectos: a) a organização do mercado; b) a regularidade dos seus instrumentos; c) a confiança neles exigida, e d) a segurança dos negócios.116
No tocante à personalidade do empresário delinqüente, Maurício Schaun
Jalil destaca duas questões relevantes, qual seja o perfil do cidadão “acima de
qualquer suspeita” e, até certo modo, a identificação da comunidade com esses
delinqüentes ante a roupagem de licitude da atividade desempenhada para abusar
115 CAPPELLETTI, Mauro; e GARTH, Bryant. Tutela dos interesses difusos. In: Revista da AJURIS. n. 3. Porto Alegre: AJURIS, 1985. p. 171.116 ARAÚJO JÚNIOR, João Marcello de. Os crimes contra o sistema financeiro no esboço da nova parte especial do código penal de 1994. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais. n. 3. São Paulo. Jul/set, 1995. p. 148/149.
58
do seu poderio econômico em detrimento da mesma população que o identifica
como homem de bem.117
Os contrastes entre a criminalidade de massa e a criminalidade
empresarial acentuam, sob a ótica das características de suas vítimas, o fenômeno
da vitimização difusa emergente nos dias atuais.
Tendo em vista que dos interesses perquiridos pela delinqüência
econômica são de origem supra-individuais, a multiplicidade de vítimas é
conseqüência direta, bem como os prejuízos financeiros de grande monta, tanto no
mercado financeiro quanto na iniciativa privada, podendo ocasionar em uma crise
econômica generalizada.
Por todo o exposto, na penosa tarefa de tipificar delitos econômicos, é
preciso aliar a heterogeneidade do setor às garantias constitucionais em favor da
coletividade, para que os elementos causados de prejuízos generalizados na
organização da economia possam ser devastados.
3.5 A CRIMINALIDADE ECONÔMICA E O CARTEL
Os cartéis consistem em acordos solenizados entre agentes econômicos
concorrentes, isto é, participantes do mesmo mercado relevante geográfico e
material, que buscam neutralizar a concorrência existente entre eles.
Estes acordos, explícitos ou tácitos, pretendem envolver parte
considerável do mercado relevante, abarcando itens essenciais como preços, quotas
de produção, distribuição e divisão territorial, a fim de obter lucros conjuntamente118.
Neste sentido, coloca-se Paula A. Forgioni, ao citar Nelson de Azevedo
Branco e Celso de Albuquerque Barreto em sua obra “Repressão ao Abuso do
Poder Econômico”:
O cartel tem como precípuo objetivo eliminar ou diminuir a concorrência e conseguir o monopólio em determinado setor de atividade econômica. Os empresários agrupados em cartel têm por finalidade obter condições mais vantajosas para os partícipes, seja na aquisição da matéria-prima, seja na
117 ARAÚJO JÚNIOR, João Marcello de. Os crimes contra o sistema financeiro no esboço da nova parte especial do código penal de 1994. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais. n. 3. São Paulo. Jul/set, 1995. p. 35.118 BRASIL, Ministério da Justiça. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Resolução n. 20/99. Disponível em:< http://www.cade.gov.br/legislacao/resolucoes/ resolucoes.asp>. Acesso em: 10 abr 2007.
59
conquista dos mercados consumidores, operando-se, desta forma, a eliminação do processo normal de concorrência.119
Neste diapasão, Calixto Salomão Filho explica essa dificuldade de se
detectar os fundamentos de um cartel em razão da insuficiência da doutrina
econômica e jurídica em matéria antitruste.
De um lado, a doutrina econômica, através do estudo matemático clássico
sobre os oligopólios, incorporou um cientificismo à caracterização dos cartéis,
restando, ao final das pesquisas, a certeza de que não existe um critério definido
para detectar a presença de cartéis. De outro norte, a resposta jurídica restringe-se
a questão da prova.120
Diante dessa falta de aprofundamento jurídico em matéria de formação de
cartéis, Calixto Salomão Filho critica a posição dos aplicadores do direito no sentido
de não buscarem o aperfeiçoamento sistemático dos fundamentos legais da espécie
cartel, mas apenas de preocuparem-se com a definição forma e com as provas:
Constatada a insuficiência do raciocínio econômico, passou-se a buscar provas materiais da existência de cartéis, investigando reuniões, interpretando documentos, etc. relegou-se, portanto, a discussão sobre os cartéis a uma mera questão de prova, deixando-se completamente de lado a discussão sobre os critérios corretos para definição da fattispecie. O resultado só poderia ser, de um lado, a absoluta ineficácia do controle dos cartéis e, de outro, uma série sucessiva de ilegalidades e desrespeito a direito individuais.121
Tal repreensão ao modo como são conduzidos os processos
administrativos no CADE há dificuldade de se identificar a prática de cartel. Como
ensina Paula A. Forgioni, a prova do conluio dos agentes econômicos não pode
restringir-se “a simples comparação da curva de preços praticados em um
determinado mercado relevante”.122
A propósito alerta Mauro Grinber, ex-Conselheiro do CADE:
É preciso lembrar que não se costuma estabelecer por escrito as condições cartelizadoras, sendo certo que, quando algumas empresas concorrentes eliminam a concorrência entre elas, não costumam fazê-lo de maneira a deixar provas escritas. Assim, os órgãos de defesa da concorrência – e isso onde quer que eles existam – trabalham com provas indiretas, examinando
119 FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. 2. ed. 2. tir. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 399.120 SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação e concorrência (estudos e pareceres). São Paulo: Malheiros, 2002.p. 190.121 SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação e concorrência (estudos e pareceres). São Paulo: Malheiros, 2002.p. 198.122 FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. 2. ed. 2. tir. rev. e atual. São Paulo: RT, 2005. p. 414.
60
as conseqüências do ato na economia, os comportamentos das empresas em questão (sobretudo no que se refere aos preços) e outros fatores.123
Assim, para suprir a tendência dos órgãos antitrustes em utilizar
suposições em torno da concretização dos acordos, que contribui tanto para a
violação de diversos direitos individuais, quanto para procedimentos investigatórios
estéreis, o Brasil experimentou, nos últimos quatro anos, significativos avanços em
sua política de repressão às infrações contra a ordem econômica.
O mesmo não ocorre com a instrução criminal destes delitos, o
ordenamento jurídico penal brasileiro não autoriza a aplicação de sanção criminal
para colusão tácita ou mero paralelismo de condutas, como ocorre no Direito Penal
Antitruste.
A prova da prática de cartel é relativamente fácil quando a existência do
acordo é inequivocamente comprovado, ou seja, quando é possível identificar um
contrato entre as empresas envolvidas dividindo clientes, fixando preços, etc.
Neste caso, o crime de formação de cartel torna-se um delito de perigo
concreto, contudo, isso dificilmente ocorre na prática. O que se verifica com maior
freqüência são os cartéis difusos, cujas práticas dificilmente são descobertas e, por
isso, quase nunca punidos, pois utilizam-se de praticas disfarçadas de legalidade.
Tais condutas justificam a criação de tipos penais de perigo abstrato para
criminalizar estes cartéis.
123 GRINBERG, Mauro. Processos atacam prática de cartel. Revista química e derivados: QD. n. 381. mar 2000. Disponível em: <http://www.quimica.com.br/revista/qd381/cartel.htm>. Acesso em: 10 abr 2009.
61
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O controle jurisdicional do comportamento humano, inserido no ideal
democrático, conduz à formatação de uma sociedade compacta, demarcada pelas
regras de contornos discutíveis, porém necessários.
Diante disto, tomou o Estado a tutela da ordem econômica, no sentido de
resguardar o interesse coletivo de praticar a livre concorrência e a livre iniciativa
como forma de contribuir para a manutenção da dignidade do ser humano,
ultimando a justiça social.
A disciplina jurídica dos Cartéis, como se verificou no presente estudo,
remonta ao período de regulamentação da tutela pelo Estado da livre concorrência,
em que ensaiava um esforço de garantir o bem-estar social no sentido de fomentar o
livre comércio e evitar a aglutinação da concorrência.
Neste contexto, a Constituição de 1988 resguardou os valores da ordem
econômica colocando a livre iniciativa e a livre concorrência como princípios
regentes do Estado Democrático de Direito, porém os agentes econômicos
aproveitando-se das especificidades e tecnicismo do setor contribuem para a
proliferação de uma nova categoria de delinqüência provida pela criminalidade
econômica.
Sendo o mundo dos negócios firmado sobre a máxima “o segredo é a
alma do negócio”, como em qualquer outra parte do mundo, aqui não poderia ter
sido diferente. A trajetória da criminalização da realização de acordos empresariais
restritivos da concorrência e nocivos à ordem econômica é longa, porém pautada
pela ineficácia, primordialmente em razão da dificuldade de se conhecer os
comportamentos mascarados de legalidade, mas que efetivamente buscam a
dominação do mercado e a restrição da competição.
Portanto, a consolidação de uma legislação penal econômica é resultado
de um trabalho árduo e longo, desenvolvidos a partir da operacionalização de
conceitos econômicos e jurídicos específicos que requer a aplicação do sistema
garantista baseada na proteção das garantias e direitos fundamentais individuais e
coletivos, especialmente, na prevenção das práticas de abuso do poder econômico e
acordos entre sociedades empresárias.
Tal encargo proporcionará a inserção do Brasil entre os países que
apresentam uma posição ativa em prol da competição e da instalação de um
62
mercado seguro e saudável a todos os tipos de investimentos. Para que isso ocorra,
o aparato legal adotado precisa garantir as eficiências das forças competitivas,
adequando-as perante o progresso econômico vivenciado pelo mundo após o
fenômeno da globalização.
Confia-se que o presente estudo tenha contribuído para a construção de
um modelo teórico sobre a legislação penal econômica e o combate aos cartéis.
Pretende-se que os elementos aqui debatidos sirvam ao incremento das
condenações de cartéis clássicos nos conselho e tribunais do Brasil, de maneira a
reduzir as iniqüidades das condutas de agentes econômicos atuantes no mercado
nacional.
Se as ponderações aqui lançadas servirem à defesa dos interesses
coletivos e ao progresso do desenvolvimento social inserido pelos propósitos
garantidos pelo Sistema Brasileiro de Defesa Econômica, o trabalho terá valido a
pena e seus objetivos terão sido alcançados.
63
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