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  • Antnio Goucha Soares* Anlise Social, vol. xxxii (142), 1997 (3.), 627-648

    O dfice democrtico da Unio Europeia:alguns problemas conexos

    O chamado dfice democrtico do processo de construo europeia cons-titui um dos temas centrais do debate sobre a reforma da Unio Europeia. Naverdade, a democratizao do funcionamento do sistema poltico comunit-rio ocupou um lugar de destaque no apenas na agenda das confernciasintergovernamentais que nos ltimos anos introduziram sucessivas alteraesao quadro constitucional de referncia do processo de integrao Actonico Europeu, Tratado de Maastricht e Tratado de Amsterdo , mastambm no discurso poltico, em geral, e na literatura acadmica da especia-lidade.

    Em termos gerais, diramos que por dfice democrtico se entende ainsuficiente participao do elemento democrtico no sistema poltico comu-nitrio, ou seja, o sistema poltico originrio do processo de integrao fun-dado nas Comunidades Europeias. Elemento democrtico este que se refereao rgo a quem no quadro institucional do sistema comunitrio incumbe arepresentao dos povos dos Estados membros da Unio Europeia: o Parla-mento Europeu. Donde o dfice democrtico constitua uma questo cujasorigens so de encontrar no prprio equilbrio interinstitucional de poderesinicialmente estabelecido no seio das Comunidades Europeias.

    Diga-se, porm, que o problema do dfice democrtico se colocou demodo acrescido a partir do momento em que o mandato dos deputados aoParlamento (Europeu passou a resultar de eleio por sufrgio directo e uni-versal dos cidados dos Estados membros da Comunidade, pois nas primei-ras dcadas de funcionamento os membros do Parlamento Europeu eramdesignados pelas assembleias parlamentares nacionais. Com a realizao deeleies directas para o Parlamento Europeu tomou vulto o problema do

    * Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa. 627

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    desequilbrio existente entre o tipo de investidura que assistia a esta institui-o expresso mxima do poder democrtico e a pouca relevncia dospoderes que lhe haviam sido conferidos pelos actos institutivos das Comu-nidades Europeias. Da a questo do dfice democrtico.

    Refira-se ainda que a insuficincia democrtica no sistema poltico comu-nitrio susceptvel de ser analisada noutras vertentes menos discutidas. Porexemplo, o reforo da governamentalizao que o processo de integraoeuropeia comporta. Com efeito, quer a implementao do contedo dos tra-tados constitutivos, quer a prpria dinmica de integrao, tm implicadouma crescente transferncia de atribuies dos Estados para a Comunidade.Atribuies estas que, em boa medida, se exercidas no plano nacional, rele-vavam da esfera de actuao dos respectivos rgos parlamentares. A partirdo momento em que tais atribuies passam a ser exercidas no plano comu-nitrio, elas so retiradas do alcance dos parlamentos nacionais e so confia-das vontade da instituio comunitria que rene os representantes dosgovernos nacionais: o Conselho. Pelo que atravs do processo comunitriode integrao se verificou uma alterao no equilbrio de poderes a nvelnacional, com evidente benefcio da posio relativa dos rgos executivosdos Estados.

    Ao longo do presente texto comearemos por passar em revista o modocomo o problema do dfice democrtico foi abordado no seio do sistemacomunitrio e que tipo de alteraes foram neste introduzidas com o objec-tivo da sua reduo (1). Seguidamente, abordaremos questes conexas como dfice democrtico e a sua superao no sistema comunitrio, as quaisveiculam algumas das nossas perplexidades quanto ao alcance p sentido detais transformaes. Assim, focaremos a nossa ateno na alegada maiorlegitimidade democrtica que assiste instituio parlamentar no quadro dosistema poltico comunitrio (2). Veremos tambm a relao que se estabe-lece entre a opinio pblica e a governao comunitria enquanto elementoconstitutivo da democracia (3). Por fim, uma pequena reflexo sobre o sen-tido dominante das alteraes introduzidas nos mecanismos de representaopoltica, bem como as consequncias que as mesmas possam provocar numsistema de moldura federal (4).

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    1. A REDUO DO DFICE DEMOCRTICO

    A construo europeia sofreria ento de um dfice democrtico do seuaparelho institucional. Haveria, por isso, que repensar a arquitecturainstitucional comunitria na perspectiva do incremento da participao dorgo corporizador do elemento democrtico no processo poltico da Comu-nidade Europeia. I

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    Como fazer essa melhoria da posio relativa do Parlamento Europeu nocontexto do funcionamento institucional comunitrio? Poderamos dizer queos esforos realizados com esse intuito se concentraram, fundamentalmente,ao longo de dois eixos principais: o processo de deciso comunitrio e oexerccio da funo de controle poltico por parte da instituio parlamentar.

    No que respeita ao processo de deciso comunitrio, encontramos, desdea dcada de 70, um conjunto de alteraes cujo denominador comum assentano reforo da participao do Parlamento Europeu. Assim, e na sequnciadas alteraes do sistema de recursos financeiros da Comunidade Europeia,com a passagem de um sistema de contribuies financeiras dos Estados como normalmente sucede nas entidades internacionais para um sistemade recursos prprios, o Parlamento Europeu adquire o seu primeiroprotagonismo decisional ao ser associado s demais instituies polticascomunitrias |no processo de aprovao do oramento da Comunidade. Estaalterao afigurava-se tanto mais justificvel quanto o facto de a passagema um sistema de recursos prprios havia retirado s finanas comunitrias oltimo elo de ligao com um qualquer tipo de controle democrtico dasdespesas comunitrias. Na verdade, enquanto o oramento comunitrio erasustentado apenas pelas contribuies financeiras dos Estados poder-se-iaainda afirmar a existncia de um controle parlamentar indirecto exercido noplano nacional no momento da dotao dos montantes a transferir para aComunidade. A partir do momento em que a Comunidade adquiriu autono-mia financeira relativamente aos seus Estados membros importavarestabelecer o controle exercido pelo rgo representativo do cidado-con-tribuinte na afectao das receitas comunitrias, em sintonia, alis, com atradio liberal europeia, que olhava a gesto dos dinheiros pblicos comouma funo clssica dos rgos resultantes do sufrgio eleitoral. Donde aoportunidade e a convenincia desta associao do Parlamento Europeu aoprocesso oramental.

    A tendncia para aumentar o protagonismo do Parlamento Europeu noprocesso de deciso comunitrio no se circunscreveu, obviamente, verten-te oramental, verificando-se, pelo contrrio, uma maior presso no sentidode fazer participar activamente esta instituio no desenvolvimento da acti-vidade normativa da Comunidade. semelhana do que sucede no planonacional. Assim, a partir dos anos 80 coloca-se sempre com maior acuidadeo problema de introduzir o Parlamento na funo normativa comunitria.Pelo que, aquando da adopo do chamado Acto nico Europeu, em 1986 a primeira reviso sistemtica dos tratados institutivos das ComunidadesEuropeias , a questo do reforo democrtico do sistema institucionaltenha assumido foros de primeira grandeza.

    Em resultado, o Acto nico consagrou dois novos modelos decisrios naComunidade: o parecer favorvel do Parlamento Europeu e o chamado pro- 629

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    cedimento de cooperao, os quais vieram a somar-se ao modelo comumprecedente sem, contudo, o erradicarem , onde o Parlamento era cha-mado a pronunciar-se apenas a ttulo de consulta e sem quaisquer efeitosvinculativos. Destas duas novas modalidades decisrias, a do parecer favo-rvel traduzia-se num efectivo poder do Parlamento, ainda que confinado aduas reas especficas dos acordos internacionais celebrados pela Comunida-de com terceiros. Por sua vez, o procedimento de cooperao aparecia dentrode um contexto mais amplo, o dos domnios relativos realizao do mer-cado interno, e associado a uma outra transformao essencial ocorrida noprocesso de deciso: a passagem ao voto maioritrio no seio do Conselho,com o consequente abandono da regra de consenso.

    Todavia, a mais-valia decisria retirada pelo Parlamento da adopodeste novo procedimento teve um sabor a fel. Na verdade, e apesar de oParlamento ter sido associado de um modo muito mais intenso formaoda vontade normativa comunitria atravs de um mecanismo que aumen-tou consideravelmente a complexidade deste procedimento , o saldo finaldo poder decisrio efectivo adquirido pelo Parlamento Europeu revelou-seclaramente insatisfatrio. Com efeito, o apport resultante da funo do Par-lamento Europeu no quadro do procedimento de cooperap foi apenasidentificvel em termos negativos, ou seja, pela possibilidade de bloquear aaprovao de actos adoptados por esta via, e, mesmo assim, um tal bloqueiono poderia decorrer autonomamente da expresso da vontade parlamentar,porquanto necessitava de capturar o apoio estratgico de pelo menos umEstado membro.

    A posio subalterna que o Parlamento Europeu mantinha no processo dedeciso comunitrio colocou de novo a questo do reforo do elementodemocrtico como tema central de futuros arranjos constitucionais. Pelo queno ser de estranhar a importncia de que o tema se revestiu na reforma quese seguiu ao Acto nico Europeu: a conferncia intergovernamental quepreparou o acordo de Maastricht. A ambio do Parlamento Europeu apon-tava ento para ver consagrado no novo texto um estatuto de algum modoequivalente ao protagonizado pelo Conselho no exerccio da funonormativa.

    O Tratado da Unio Europeia, ento adoptado, acabou por ser uma so-luo de compromisso entre as pretenses vrias que se apresentaram nestamatria. Criou-se uma nova modalidade decisria inspirada pelo ideal da co--deciso entre Parlamento e Conselho, procedimento este que no veio subs-tituir nenhum dos precedentemente referidos, mas apenas a acrescentar-se--lhes. Ou seja, em termos gerais, o processo de deciso comunitrio passoua contar com quatro modalidades bsicas distintas. Porm, estas diferentesmodalidades so actuveis segundo critrios dificilmente perceptveis. Sem

    630 esquecer ainda a existncia de uma srie de outros procedimentos especficos

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    que permitem elevar o cmputo geral das modalidades decisrias, no quadrocomunitrio, acima das duas dezenas. Uma situao dificilmente intelegvele que o recm-aprovado Tratado de Amsterdo pouco contribui para clari-ficar.

    Duas pequenas notas a propsito do chamado processo de co-decisosado do Tratado de Maastricht. Uma, a propsito da metodologia seguida,a outra, relativa ao objectivo alcanado. Quanto ao mtodo, o referido pro-cesso de co-deciso inspira-se no procedimento de cooperao preexistente,mas aumentando de duas para trs a tramitao das fases decisrias entre asinstituies envolvidas, fazendo da co-deciso um procedimento complicadoe ainda mais moroso. Relativamente ao resultado, a mais-valia decisriaalcanada pelo Parlamento Europeu tem, de novo, uma configurao nega-tiva, traduzida na sua capacidade de bloquear autonomamente a adopo deactos do Conselho, libertando-o to-somente do precedente requisito que oobrigava a estabelecer uma sintonia de posicionamento com um qualquerEstado membro para impedir a aprovao final de um novo acto.

    Para terminar este ponto, relativo s transformaes institucionais ocor-ridas em vista da reduo do chamado dfice democrtico comunitrio, cabefazer ainda uma breve referncia funo de controle exercida pela institui-o parlamentar. O controle poltico das assembleias parlamentares sobre osrgos executivos um elemento estruturante da tradio democrticaeuropeia, traduzido no mecanismo constitucional da responsabilidade daque-les ltimos perante os respectivos parlamentos nacionais. Na gnese daComunidade Europeia havia sido prevista a figura da confiana poltica doexecutivo comunitrio perante o Parlamento Europeu. Porm, tal previsoera despida de eficcia prtica, na medida em que o Parlamento no parti-cipava na investidura da Comisso. Para remediar esta situao e acolhen-do uma aspirao h muito formulada por diversos sectores , o Tratado daUnio Europeia veio associar o Parlamento Europeu ao processo de escolhado presidente da Comisso, bem como aprovao do colgio de comiss-rios que este tenha inteno de constituir.

    Donde resulta, em nosso entender, que a posio relativa do ParlamentoEuropeu no contexto do equilbrio de poderes entre as instituies polticasda Unio Europeia tem vindo a conhecer um incremento significativo desdemeados da dcada de 80, num processo, provavelmente, ainda no termina-do. As alteraes introduzidas a este ttulo so reconduzveis ao figurino dasassembleias parlamentares nacionais, ou seja, de rgos de soberania sobrequem incumbe a responsabilidade poltica dos respectivos governos e deentidades que desempenham um papel de primeira grandeza no exerccio dafuno normativa. Pelo que a arquitectura institucional comunitria pareceorientar as suas alteraes internas ditadas pelo propsito da reduo dochamado dfice democrtico pelo paradigma do modelo estadual. 631

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    2. LEGITIMIDADE E DEMOCRACIA

    O processo de reforo de poderes do Parlamento Europeu, a que temosvindo a assistir no quadro das conferncias intergovernamentais que introdu-ziram sucessivas alteraes aos tratados institutivos das ComunidadesEuropeias, tem por objectivo a superao do chamado dfice democrticocomunitrio. Dfice democrtico derivado do facto de, alegadamente, ins-tituio comunitria investida de maior legitimidade poltica democrtica nocorresponderem as funes que deveriam competir a um rgo cujo mandatoresulta da eleio por sufrgio directo e universal. Nestes termos, a motiva-o das alteraes ao esquema da separao de poderes comunitrios seriajustificvel em virtude da superior forma de legitimao do exerccio depoder por parte do Parlamento Europeu: uma legitimao democrtica resul-tante do voto dos cidados dos Estados membros da Unio Europeia.

    Donde, nesta perspectiva, o estabelecimento de uma intrnseca ligao entreos conceitos de legitimidade e de democracia no sistema institucional comuni-trio. Se, no tocante ideia de democracia nomeadamente na tradio domodelo europeu de democracia representativa , no restam dvidas quantoao alcance da essencialidade e primazia dos rgos parlamentares nos sistemaspolticos democrticos, j no referente ao conceito de legitimidade e sobre-tudo de legitimao democrtica das formas de poder podem suscitar-sealgumas dificuldades, sobretudo na sua aplicao ao sistema poltico da UnioEuropeia.

    No discurso contemporneo sobre o problema da legitimao do poder,a ideia de legitimidade tende a ser colocada de forma autnoma em relaoa um outro conceito que desde longe lhe havia andado associado: o conceitode legalidade. O que nem sempre sucedeu.

    Na verdade, na perspectiva liberal, a legitimidade do poder decorreria daestrita observncia da legalidade aquando do seu exerccio. Legitimidade elegalidade seriam conceitos praticamente coincidentes. Nesta linha se concebea posio de Max Weber, o qual defendia que a legitimidade do Estado lheadvinha de uma crena absoluta na legalidade do exerccio do poder, o quefaria com que os ordenamentos estaduais das modernas sociedades ocidentaisse materializassem atravs de formas de exerccio de um poder legal1.A legitimidade desse poder proviria ento da racionalidade intrnseca s pro-priedades formais do prprio direito: o carcter sistemtico do ordenamentojurdico; a forma universal e abstracta da lei; o rigor dos procedimentos quelimitavam a discricionariedade da justia e da administrao. O direito que

    1 M. Weber, Wirtschaft und Gesellschaft. Gundriss der verstehenden Soziologie. Seguiu--se a verso em lngua inglesa, Economy and Society an Outline of Interpretive Sociology,

    632 vol. ii, University of California Press, Berkeley, 1978, pp. 904 e segs.

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    suportaria a legitimao do Estado liberal seria, pois, um direito despido deconceitos morais que ameaassem a sua prpria racionalidade.

    A emergncia do chamado Estado social veio pr em causa esta concep-o formalista do direito. O discurso jurdico foi invadido pela finalidade2.As necessidades regulatrias instrumentais crescente interveno do Estadonas esferas pblicas da economia e da sociedade vieram destroar a coe-rncia lgica em que repousava a concepo liberal do sistema jurdico.O Estado social introduz exigncias de justia material no ordenamento ju-rdico. A ideia de um discurso jurdico centrado num universo fechado denormas dotadas de validade universal e permanente comea a ceder peranteos propsitos finalistas inerentes produo regulatria do Estado social.O direito adquire uma dimenso moral traduzida pela procura e pela ava-liao complexiva de um sistema de valores que pretende corporizar.

    Neste contexto, marcado por uma profunda transformao do papel doEstado, se entende a recusa em aceitar que a legitimidade de um poder legalpossa ser reconduzvel apenas a um sistema de normas jurdicas dotadas deracionalidade prpria e moralmente neutras. Donde ser necessrio autonomi-zar o conceito de legitimidade da ideia de legalidade.

    Habermas considera que o poder poltico deve fundar a sua legitimidadenos contedos morais implcitos s qualidades formais do seu ordenamentojurdico. Em seu entender, o factor legitimante do poder encontra-se nainstitucionalizao de procedimentos jurdicos que sejam permeveis ao dis-curso moral3. Uma legitimidade fundada na legalidade ser possvel apenasno caso em que os procedimentos relativos produo de normas jurdicassejam aceitveis na perspectiva da sua racionalidade processual de tipo pr-tico-moral. Pelo que a fonte de legitimao no deve apenas procurar-se nopoder legislativo, no poder judicial ou na administrao, mas ter em contatambm as formas tpicas do direito regulatrio que pontificam no Estadosocial.

    Relativamente ao sistema institucional comunitrio, Weiler introduz naanlise do problema da legitimidade democrtica do seu funcionamento adistino entre legitimidade formal e legitimidade social.

    A legitimidade formal de um sistema poltico resultaria do cumprimentode todos os requisitos legais na formao e desenvolvimento desse mesmosistema. Neste sentido, a legitimidade formal de um sistema coincidiria coma ideia de legalidade. Na medida em que o sistema poltico da UnioEuropeia advm da reunio de um conjunto de Estados aos quais se exigeque, como condio prvia da sua adeso, constituam eles prprios sistemas

    2 J. Habermas, Recht und moral, in Tanner Lectures. Seguiu-se a traduo italiana,Diritto e morale, in Morale, diritto, poltica, Einaudi, Turim, 1992, p. 9.

    3 Id, ibid., p. 18. 633

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    polticos democrticos, poder-se- inferir que este um sistema dotado deinquestionvel legitimidade formal e que essa mesma legitimidade possui umfundamento democrtico4. Ou seja, a Comunidade e, em seguida, a UnioEuropeia resultaram de tratados internacionais assinados pelos governos dosseus Estados membros e sucessivamente ratificados pelos respectivos parla-mentos nacionais. Trata-se, pois, de um sistema poltico formalmente legiti-mado no apenas em virtude do respeito pela legalidade dos seus procedi-mentos constitutivos, mas tambm pelo facto de esses procedimentos seremem si prprios procedimentos de raiz democrtica. No fundo, temos que osistema comunitrio tem uma gnese constitutiva que supera a simples lega-lidade encarada numa perspectiva clssica, sendo que pode afirmar-se que asua formao obedeceu aos requisitos susceptveis de lhe conferirem a ne-cessria legitimidade formal, entendida esta como legitimidade fundada emprocedimentos democrticos.

    Diversamente se coloca o problema da legitimidade social de um deter-minado sistema poltico. A legitimidade social ou emprica de um sistemapoltico refere-se questo da sua aceitao societria. A legitimidade socialpressupe um elemento de carcter material: a identificao do poder com osvalores polticos dominantes de uma determinada sociedade numa determi-nada poca. Pelo que um poder dotado de legitimidade social ser, em prin-cpio, um poder poltico que gozar tambm de legitimidade formal, nosentido em que a sua constituio se processou no respeito da chamadalegalidade democrtica5. Tendo presente que os valores democrticos nosquais se fundam os regimes polticos ocidentais reflectem, no fundamental,os valores polticos intrnsecos s respectivas sociedades, como sejam osideais de liberdade, de justia e de bem-estar.

    A questo que devemos colocar incidir ento sobre o problema da legi-timidade social no quadro do sistema poltico comunitrio. Desde logo,qualquer sistema poltico democrtico um sistema que assenta em institui-es sadas do sufrgio universal e que confia um mandato governativo ssuas instituies polticas nos termos do princpio maioritrio. Porm, esteparece o aspecto mais problemtico ao pretender-se transportar para o siste-ma comunitrio os fundamentos da teoria democrtica de governo. Comefeito, os princpios referidos operam dentro de uma determinada sociedadepoltica, ou seja, tm como pressuposto a existncia de uma determinada

    4 J. H. H. Weiler, The transformation of Europe (1991), in The Yale Law Journal,n. 100, p. 2468.

    5 O que nem sempre aconteceu. Pense-se, por exemplo, no regime poltico de Salazar.Tratava-se de um regime poltico que no gozaria por certo de legitimidade formal no sentidoreferido, mas que se considerarmos apenas o perodo que vai at ao final do segundoconflito mundial ter tido, provavelmente, um tipo de aceitao societria que permitir

    634 afirmar que o mesmo disporia de legitimidade social.

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    fronteira, onde se estabelecem vnculos de pertena devidamente consolida-dos. Estes vnculos derivam, em si mesmos, de uma partilha prolongada deexperincias histricas, polticas, lingusticas e culturais6.

    Em geral, no caso europeu, a demorada e difcil afirmao e consolidaodos Estados nacionais fez com que no se coloquem presentemente proble-mas de identificao, no plano interno dos Estados, com o exerccio do poderpor parte de rgos de soberania nos termos do princpio maioritrio.

    E no espao comunitrio? Ser que o espao resultante da soma de todosos territrios nacionais que compem a Unio permite uma generalizadaaceitao social de rgos polticos designados com base no princpiomaioritrio? Ser que o perodo de tempo decorrido desde o incio da expe-rincia comunitria permitiu a formao de uma identidade comum, nasvariadas vertentes integradoras da dimenso societria, que nos faa supor aexistncia de um substrato humano homogneo que confie o poder, nas reasde interveno da Unio, com base numa lgica maioritria? Talvez a for-mulao deste tipo de questes permita uma maior aproximao ao problemada legitimidade social no espao comunitrio.

    Na sua anlise do sistema comunitrio Weiler insiste na contraposioentre a dimenso intergovernamental do seu processo poltico de deciso eo carcter supranacional do seu ordenamento jurdico. Teria sido o antago-nismo verificado entre estes elementos que teria possibilitado a afirmao doprojecto comunitrio, onde um sistema de vinculao efectiva dos Estadosmembros era compensado pelo domnio que estes exerciam na formao davontade poltica da Comunidade atravs da consensualidade do seu processode deciso. As alteraes introduzidas no Acto nico Europeu no sentido dovoto maioritrio, teriam suscitado as primeiras crises de legitimidade dosistema. Com efeito, a passagem ao voto maioritrio, realizada na segundametade da dcada de 80 aparentemente acompanhada por um reforo daparticipao do Parlamento no processo de deciso , introduziu uma maiorinsegurana do eleitorado no prprio processo comunitrio. Se at ento aprtica do consenso decisrio poderia funcionar como uma garantia para oscidados na defesa de interesses fulcrais dos Estados no quadro comunitriopor parte de governos democraticamente eleitos e sujeitos verificao pe-ridica de mandatos, a mudana para o voto maioritrio acarretou uma realdiminuio da responsabilidade poltica dos Estados perante o processopoltico de formao da vontade comunitria7. No podendo realisticamenteafirmar-se que a maior participao da instituio parlamentar europeia tenha

    6 J. H. H. Weiler, After Maastricht: Community legitimacy in post-1992 Europe, inW. A. Adams, Singular Europe Economy and Polity of the Enropean Community after1992, The University of Michigan Press, Ann Arbor, 1992, p. 22.

    7 Id., The transformation of Europe, op. cit, p. 2473. 635

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    de algum modo contribudo para suprir a reduo da responsabilidade pol-tica dos executivos nacionais. Pelo que, em termos efectivos, a capacidadepoltica dos eleitores de influenciarem as decises comunitrias foi ulterior-mente reduzida.

    neste contexto que compete colocar o problema da legitimidade social.Se em democracia se pretende de algum modo reforar a proximidade entreeleitos e eleitores de forma a incrementar a responsabilidade poltica dosprimeiros face aos segundos, nomeadamente atravs da identificao da pr-tica governativa dos governantes com os interesses dos cidados, poder-se-- questionar se esse objectivo no resulta de certo modo prejudicado noquadro do sistema comunitrio atravs do mecanismo do voto por maioria.

    Donde, como refere Weiler, o problema da chamada legitimidade demo-crtica do sistema comunitrio no se colocar tanto ao nvel dos mecanismosformais relativos definio de poderes e actuao da responsabilidadepoltica das instituies, mas interferir com o nvel de aceitao societria daarquitectura institucional do sistema comunitrio8. Neste plano coloca-se aquesto da relao de pertena dos cidados eleitores a um determinadoespao poltico no interior do qual seja possvel fazer operar as regras dademocracia, nomeadamente o princpio maioritrio.

    As crises recentes do processo comunitrio e, em particular, a fragilidadedo apoio eleitoral que este processo conseguiu aquando da realizao dosreferendos relativos ratificao do Tratado da Unio Europeia deverotambm ser analisadas luz de uma diminuio da aceitao social de umareforma do seu funcionamento institucional inspirada pelo modelo estadual.Na verdade, o prprio processo de construo europeia ainda no alcanouum nvel de desenvolvimento tal que tenha permitido a gestao de umaidentidade prpria entre os cidados dos Estados participantes e a percepode uma solidariedade colectiva consentnea com a plena aceitao do prin-cpio maioritrio.

    Tambm na opinio de Linz, quer a realizao de eleies directas parao Parlamento Europeu, quer a representao dos cidados europeus nesteParlamento, quer ainda a responsabilidade poltica da Comisso Europeia,no podem ser vistas como factores legitimantes da autoridade poltica dosistema comunitrio. Em seu entender, enquanto no existir um forte senti-mento de identidade popular com o exerccio do poder por parte da autori-dade comunitria, a realizao de eleies democrticas para as instituieseuropeias no constituir um factor legitimador deste mesmo poder9.

    Id., After Maastricht: Community legitimacy in post-1992 Europe, op. cit., p. 24.J. Linz, Democracy Today: An Agenda for Students of Democracy (1997), Scandinavian

    636 Political Studies, n. 20, p. 129.

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    Poderamos, razoavelmente, afirmar que a Europa comunitria atravessaum perodo que seria possvel designar por constituinte cujo incio reportvel s origens dos primeiros actos institutivos das Comunidades ,pelo que as transformaes que sejam introduzidas no seu funcionamentoinstitucional no podero orientar-se por princpios enformadores de siste-mas polticos erguidos h longo tempo. Se existe um problema de aceitaosocietria do projecto europeu, e se da implementao deste mesmo projectose verifica uma diluio da responsabilidade poltica entre governantes egovernados, ento parece que, na fase actual, ser prefervel pautar as alte-raes institucionais que se pretendam introduzir numa direco que nodiminua o peso das unidades polticas criadoras desse mesmo sistema10. Sobpena de se agravar o problema da legitimidade social do sistema em forma-o.

    3. OPINIO PBLICA E CONSENSO

    Nas democracias representativas os momentos culminantes do exercciode poder pelo povo so os actos eleitorais. Atravs da vontade formulada emeleies livres, o povo confere mandato aos governantes para que exeramo poder enquanto seus legtimos representantes. Mas as eleies so momen-tos polticos descontnuos que se realizam em grandes intervalos de tempo.Atravs das eleies escolhem-se sobretudo os actores polticos que intervi-ro no exerccio do poder, pouco se interferindo com o contedo dagovernao da resultante11. Donde a grande margem de discricionariedadede que dispem os actores polticos no exerccio desse mesmo poder.

    Nas sociedades polticas contemporneas, os elementos fundamentais davida democrtica no se esgotam nos momentos eleitorais. Do mesmo modo,a formao da vontade intraparlamentar representa apenas um pequeno seg-mento da vida pblica. A qualidade racional do processo de tomada dedecises e do processo de produo normativa no depende unicamente daactuao da maioria poltica no interior do Parlamento e do respeito pelasminorias nele representadas. Depende tambm do grau de informao e declareza com que os problemas objecto de deciso sejam apresentados so-ciedade civil e dos procedimentos participativos que lhe sejam assegurados.Ou seja, a qualidade da vida poltica democrtica no prescinde de modosno institucionalizados de formao da opinio pblica12.

    10 R. Dehousse, Constilutional reform in the European Union: are there alternatives tothe majoritarian avenue? (1995), in West European Politics, n. 18 p. 131.

    11 G. Sartori, Democrazia cosa , Rizzoli, Milo, 1995, p. 59.12 J. Habermas, Recht und moral, in Tanner Lectures, cit., p. 39. 637

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    No mbito da sociedade civil entendida como esfera das relaessociais no reguladas pelo Estado e, portanto, como expresso do conjuntode entidades representativas de classes sociais e profissionais, grupos deinteresses, movimentos de opinio, rgos de comunicao, associaes eorganizaes vrias com finalidades sociais contrapostas s instituies p-blicas encarregadas do exerccio do poder poltico emerge tambm ofenmeno da opinio pblica. Opinio pblica entendida como forma deexpresso pblica do consenso ou dissenso no confronto do exerccio dopoder poltico por parte dos respectivos titulares13. Sem opinio pblica, algica de interveno dos movimentos vrios que compem a chamada so-ciedade civil sofrer um natural esvaziamento do sentido til da sua actua-o.

    Donde a democracia se fundar no apenas sobre os procedimentos rela-tivos escolha dos titulares dos poderes pblicos, mas pressupor tambmuma sintonia da actividade governativa destes ltimos com a opinio dosgovernados. Um governo cuja investidura resulte da livre escolha dos elei-tores e que desenvolva a sua actividade poltica em sintonia com os estadosprevalentes da opinio pblica um governo apoiado no consenso dos seuscidados. Donde o consenso como um elemento central da relao constitu-tiva democracia-opinio pblica.

    Por seu turno, o consenso dos governados em democracia um conceitocomplexo. Desde logo, porque as sociedades democrticas necessitam, paraalm do necessrio consenso popular nos termos acima referidos, de umadose mnima de conflitualidade no desenvolvimento da actividade governa-tiva que assegure a vitalidade das prprias instituies polticas. Por estefacto, Sartori prefere separar trs diferentes estratos na formao do consen-so da opinio pblica numa determinada sociedade poltica: consenso devalores, consenso quanto s normas que regulam o funcionamento democr-tico e consenso relativo ao desenvolvimento da actividade de governo14.

    O primeiro estrato respeita aos valores da organizao poltica de umadeterminada sociedade, como sejam a democracia, a liberdade, os direitosfundamentais e a solidariedade social. Todavia, nas pocas de mudana, oude ruptura, poder ser mais difcil encontrar um acervo de valores fundantesdessa mesma comunidade poltica. O consenso quanto s regras do jogopoltico ser, porventura, a espinha dorsal de cada sociedade poltica. Res-peita organizao do poder poltico, separao de poderes, aos modos deeleio dos titulares dos cargos pblicos. Certo, porm, que um sistemacapaz de fundar o consenso popular na base de um conjunto de procedimen-

    13 N. Bobbio, Stato, governo, societ frammenti di un dizionario poltico, Einaudi,Turim, 1995, p. 27.

    638 l4 G. Sartori, Democrazia cosa , cit., p. 61.

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    tos atinentes identificao de quem compete tomar decises e ao modo decomo tomar essas mesmas decises um sistema que encontrou o consensosuficiente para confiar a sua governao nos termos do princpio maiorit-rio15. Por fim, temos o consenso quanto actividade de governo. Este , pornatureza, o nvel que melhor reflecte a formao das relaes mutveis deconsenso ou dissentimento por parte da opinio pblica. A grande virtudedas democracias representativas advm-lhes sobretudo do facto de, se osgovernos romperem o consenso com a opinio pblica no prosseguimento dasua actividade poltica, os eleitores terem, em devido tempo, a possibilidadede remover aqueles governantes e substitu-los por outros pertencentes a umpartido poltico que se apresente em alternativa.

    Interessa agora colocar a questo da opinio pblica e das formas deconsenso que se estabeleam no quadro do sistema da Unio Europeia. Quala relao da opinio pblica com o seu embrionrio sistema poltico? Antesdisso poder-se-ia questionar que opinio pblica deva ser objecto de consi-derao. Se deveremos abordar uma eventual opinio pblica comunitria oureferir apenas o entendimento das opinies pblicas nacionais relativamenteao processo de integrao europeia? Na verdade, no segura a existnciade uma verdadeira e prpria opinio pblica comunitria, com processos deformao de opinio em cascata a partir de elites culturais e lderes deopinio comummente aceites como tal, nem que hajam surgido ao longo doespao comunitrio movimentos populares de gerao espontnea que in-fluenciem a opinio pblica em reas relativas interveno da Unio, nemmesmo, eventualmente, que existam grupos de referncia transnacionaissusceptveis de provocarem fenmenos de identificao com a respectivamensagem no plano comunitrio.

    Mesmo aceitando a eventual inexistncia de uma verdadeira opiniopblica comunitria, problema que transcende a presente reflexo, o facto que se afigura impossvel refutar a centralidade do tema da integraoeuropeia no quadro da opinio pblica dos Estados membros. Se o processode construo europeia foi durante dcadas um assunto de polticos, burocra-tas e alguns acadmicos particularmente envolvidos na sua discusso, o certo que a campanha propagandista desencadeada pelas instituies comunit-rias na sequncia da adopo do programa para a realizao do mercadointerno e, mais tarde, o alcance e significado das matrias objecto do Tratadode Maastricht colocaram a questo europeia como um tema de primeira linhada ateno das opinies pblicas nacionais. As controvrsias havidas emdiversos Estados membros relativas ratificao do Tratado da Unio Euro-peia, nomeadamente naqueles em que este processo foi acompanhado dereferendo popular, tiveram, pelo menos, o mrito de capturar de modo de-

    Id., ibid., p. 63. 639

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    finitivo o interesse da opinio pblica dos Estados para a evoluo da inte-grao europeia16. Prova disso o peso que a sombra de eventuaisinsucessos nos processos de ratificao teve nas negociaes conducentes assinatura do Tratado de Amsterdo e os escassos resultados que este actoveio consagrar.

    Do contexto histrico-poltico que presidiu emergncia do processocomunitrio de integrao retira-se que a paz tenha sido o valor maior nodespoletar deste mesmo processo. A paz entre os Estados membros dasComunidades Europeias como um imperativo moral da reconstruoeuropeia na sequncia do segundo conflito mundial, objectivo para o qual oesforo de integrao sectorial da primeira das Comunidades estariaideologicamente dirigido. A paz entre os povos europeus , com certeza, umvalor partilhado e indiscutvel do patrimnio poltico da construo europeia.

    A viso funcional da realizao da paz levou a que a integrao se apre-sentasse nas primeiras dcadas com um perfil essencialmente econmico:uma integrao sectorial das suas economias, seguida de uma integraomais completa, que deveria conduzir criao de uma unio aduaneira e deum mercado comum europeu. Na medida em que tais objectivos andaram, deum modo geral, associados a uma demorada fase de prosperidade e cresci-mento econmico dos Estados comunitrios, foram objectivos nunca contes-tados pelo sentimento comum das respectivas opinies pblicas. O primeirodos objectivos econmicos que suscitaram forte contestao nas opiniespblicas dos Estados foi a moeda nica, sendo que o dissdio manifestadoter ficado a dever-se muito mais ao tipo das polticas econmicas impostaspara a sua realizao do que propriamente natureza da ideia de unificaomonetria.

    De qualquer forma, difcil estabelecer com preciso os motivos quelevaram erupo pblica do dissenso em relao ao processo de integraoeuropeia, dada a concomitncia da fixao do objectivo da unio monetriacom outros aspectos que representavam um salto qualitativo na filosofia deintegrao at a seguida: a instituio de uma cidadania europeia, o assumirdeclarado da dimenso poltica deste projecto com a criao de uma UnioEuropeia actuando nas reas da poltica externa e defesa, da justia e polcia.Muito embora estas ltimas matrias, abrangidas pelos dois novos pilares daUnio, se processassem fora do ncleo duro do constitucionalismo comuni-trio, o efeito conjugado da sua adopo em simultneo com a moeda nicae o espectro de um continuado alargamento dos domnios objecto de inter-veno comunitria causaram incontornveis receios em largas faixas daopinio pblica dos Estados.

    16 W. Wallace e J. Smith, Democracy or technocracy? European integration and the640 problem of popular consent (1995), in West European Politics, n. 18 p. 150.

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    sabido como a construo europeia h muito tinha deixado de poder serconsiderada um fenmeno aprecivel nos limites das organizaes interna-cionais. Da outra parte, a Unio Europeia no constitui um Estado. Situar--se- algures entre esses dois grandes parmetros que definem os principaisactores polticos das relaes internacionais17. Todavia, se as questes dapoltica externa, defesa e justia integrassem o constitucionalismo comunit-rio, em vez de serem abordadas de um modo predominantemente intergover-namental, como sucede na actualidade, ento a natureza estadual da UnioEuropeia apareceria bastante reforada.

    O objectivo do Estado europeu um ideal desde sempre presente noprojecto de construo europeia. A nvel dos responsveis mximos dosEstados membros, apenas uma minoria assume este objectivo poltico de ummodo inequvoco. No plano da opinio pblica dos Estados membros, atentaa experincia havida com a ratificao do Tratado de Maastricht, no parecerazovel inferir-se, na fase actual, que a formao de um Estado federaleuropeu como ideia final a atingir pelo processo de integrao pudesse serum valor susceptvel de granjear um consenso generalizado, ou pelo menosuma aceitao passiva, por parte da opinio pblica dos Estados.

    A crise de legitimidade sentida no sistema comunitrio por ocasio dapassagem ao voto maioritrio, em virtude do Acto nico Europeu, demons-tra tambm a dificuldade em encontrar um amplo consenso pblico quantos regras de jogo que regulam este mesmo sistema poltico. A percepo deque um sistema poltico apoiado num forte aparelho normativo com capaci-dade para tomar e impor decises que afectam interesses importantes decamadas ou grupos de um certo Estado e para cuja adopo o respectivogoverno, enquanto porta-voz desses mesmos anseios, se tenha oposto provo-ca necessariamente um sentimento de desconfiana a nvel nacional sobre ocontrole do processo de deciso comunitrio.

    Por outro lado, a almejada compensao democrtica resultante da simul-taneidade da passagem ao voto maioritrio no seio do Conselho com oincremento dos poderes do Parlamento Europeu no processo de decisocomunitrio no foi suficiente para, do ponto de vista da opinio pblica dosEstados, colmatar a supresso da garantia representada pelo recurso ao vetonacional. Em relao a este aspecto, dir-se-ia que se afigura como bastantereduzido o grau de identificao dos cidados com o contributo normativoda instituio parlamentar. Pelo que no sistema poltico comunitrio a pre-tendida democratizao do processo de deciso provocou um difcil consen-so no apenas quanto ao problema de como decidir, mas tambm sobre aquesto de quem deva decidir.

    17 K.-H. Ladeur, Towards a legal theory of supranationality the viability of thenetwork concept (1997), in European Law Journal, n. 3, p. 54. 641

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    Por fim, a questo da sintonia das opinies pblicas com o contedo daactividade poltica comunitria. J se referiu que a ruptura do consenso pbli-co com a actuao governativa pode, nas democracias representativas, deter-minar a mudana do corpo poltico dirigente aquando do momento eleitoralsucessivo. Na Unio Europeia no existe esta possibilidade real de a opiniopblica manifestar o seu dissdio quanto ao modo de exerccio da funogovernativa. Apesar da realizao de eleies por sufrgio directo e universal,o facto que o sentido dominante dos seus resultados em nada determina ouinfluencia a formao do executivo comunitrio. Mais: em nenhum acto elei-toral comunitrio se coloca uma alternativa de escolha na gesto das polticasprosseguidas. Do voto dos cidados no resulta qualquer tipo de contraposiode programa governativo no quadro das linhas mximas de actuao da Unio.Nunca a escolha eleitoral se colocou entre a consolidao da poltica agrcolaseguida ou a sua radical transformao; entre um alargamento dos apoiosfinanceiros s regies mais carenciadas ou a reduo da poltica de coesosocial; entre um maior protagonismo da Comunidade no exerccio das suascompetncias normativas ou um entendimento mais rgido do princpio dasubsidiariedade; entre um fortalecimento do papel da Unio nas entidades queregem o cenrio da globalizao da economia mundial ou uma actuaopartilhada com os Estados neste mbito; entre um maior protagonismo daComunidade na reduo das desigualdades econmicas entre Estados no planointernacional ou uma diminuio da poltica comunitria de apoio ao desenvol-vimento.

    Donde o exerccio da governao comunitria se ter transformado numarealidade imperceptvel para a opinio pblica dos Estados. Donde tambmo desinteresse com que so encaradas as eleies europeias. Donde ainda afalta de transparncia do sistema poltico comunitrio como um factor deagravamento da sua percepo democrtica pelos cidados. No falando,obviamente, da opacidade em que se movimenta uma larga faixa deregulao social comunitria no quadro desse estranho e impenetrvel edif-cio designado como comitologia.

    4. REPRESENTAO

    O problema da representao um assunto determinante na configuraode qualquer entidade poltica, tenha esta natureza estadual ou de organizaointernacional. Determinante na escolha dos critrios, de base territorial oufuncional, que presidem definio do relacionamento que se estabeleaentre representantes e representados. Determinante na composio das insti-

    642 tuies que suportam o funcionamento dessas entidades e determinante tam-

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    bm no processo de deciso das polticas emanadas no mbito de actuaodestas entidades18.

    Na Comunidade Europeia, atendendo sua gnese de organizao interna-cional, os dois traos fundamentais do seu sistema de representao foram aigualdade e a ponderao. Por um lado, a Comunidade acolhe o tradicionalprincpio da representao igualitria dos Estados no quadro do seu sistemainstitucional. Por outro lado, e atendendo prpria especificidade desta orga-nizao, moderou-se o estatuto paritrio dos Estados membros atravs dorecurso ideia de ponderao: ponderao na composio das instituies;ponderao do peso dos Estados na formao das suas decises, como sucedesempre que o Conselho deve pronunciar-se atravs do voto por maioria qua-lificada.

    De entre as vrias manifestaes do critrio da ponderao na represen-tao institucional comunitria na alocao nacional de deputados ao Par-lamento Europeu que se verifica uma maior diferenciao entre o peso rela-tivo dos diversos Estados membros. Sobretudo a partir do Conselho Europeude Edimburgo de 199219, a ideia de ponderao passou a denotar inequivo-camente o critrio em que esta se fundava em termos de representao co-munitria o elemento demogrfico dos Estados membros , tendo sido,em consequncia, aprofundadas as diferenas existentes entre o nmero derepresentantes eleitos em cada Estado membro de acordo com a populaode cada pas. Assim, introduziram-se no apenas distines entre os manda-tos pertencentes aos eleitos dos diversos grupos de Estados tendo, porexemplo, a Alemanha, no chamado grupo dos grandes, beneficiado de umaumento de deputados em relao aos demais que reflectisse o incrementopopulacional havido por via do seu processo de unificao20, ou tambm aHolanda, que viu reconhecida a sua superioridade demogrfica no mbito dogrupo dos Estados de mdia dimenso21 , como de algum modo se intro-duziu um subtil aumento na prpria escala de ponderao da representaodas diversas tipologias de Estados em benefcio dos pases de maior popula-

    18 D. Olson e C. Franks, Representation and Policy Formation in Federal Systems,University of Califrnia, Berkeley, 1993, p . 5.

    19 O Conselho Europeu de Edimburgo, de Dezembro de 1992, veio concretizar, na parterelativa ao nmero de deputados ao Parlamento Europeu, a Declarao n. 15 anexa ActaFinal da Conferncia que adoptou o Tratado da Unio Europeia.

    20 Alemanha, Frana, Itlia e Reino Unido dispunham de 81 representantes cada um. Como novo sistema, a Alemanha passou a dispor de 99 membros e os outros trs Estados virama sua quota de representao fixada em 87 deputados.

    21 Holanda, Blgica, Grcia e Portugal dispunham de 24 representantes cada um. Com onovo sistema, a Holanda passou a dispor de 31 membros e os outros trs Estados viram a suaquota de representao fixada em 25 deputados.

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    o, acolhendo uma pretenso destes ltimos, que se consideravam excessi-vamente penalizados22.

    Donde o reforo e aprofundamento da ideia de ponderao na represen-tao institucional comunitria. Reforo este que se faz na base de um cri-trio de ndole demogrfica, aumentando, por isso, o peso relativo dos gran-des Estados no confronto com os seus pares.

    Por outro lado, referiu-se a tendncia em curso para melhorar a partici-pao do Parlamento Europeu no sistema poltico comunitrio. Em particu-lar, no seu processo normativo. Tal tendncia traduz-se pela evoluo do tipode procedimentos normativos que tm sido estabelecidos em vista do aumen-to de poderes do Parlamento e prefigura, a prazo, que esta instituio possavir a alcanar um estatuto legislativo idntico ao desempenhado pelo Con-selho.

    Assim, quer as alteraes ao nmero de representantes eleitos por cadaEstado membro ao Parlamento Europeu23, quer as sucessivas modificaesintroduzidas no equilbrio interinstitucional de poderes do sistema polticocomunitrio em nome da superao do dfice democrtico , vieramfragilizar, em termos reais, a posio relativa da representao poltica dosEstados de pequena e mdia dimenso. Refira-se ainda que, no existindo nocenrio da Unio Europeia uma verdadeira oferta de polticas que se apre-sentem em alternativa de escolha e corporizadas por verdadeiros partidospolticos a nvel europeu, os deputados ao Parlamento Europeu tendem fre-quentemente a alinhar o sentido do seu voto nesta instituio mais pormotivos de ordem nacional do que no seguimento de uma estratgia polticadefinida pelos respectivos grupos parlamentares.

    Na outra grande manifestao da ideia de ponderao no sistema polticocomunitrio a ponderao do peso relativo dos Estados nas decisesproferidas pelo Conselho atravs do voto maioritrio encontramos tam-bm uma presso crescente dos grandes pases comunitrios no sentido deum aprofundamento da diferenciao do peso especfico destes relativamenteaos seus pares. Esta pretenso da alterao da ponderao dos votos nacio-nais no seio do Conselho foi objecto de um protocolo anexo ao Tratado deAmsterdo, onde se estabelece que a sua realizao ficar dependente daintroduo de modificaes composio da Comisso.

    De todo o modo, resulta que no Conselho existe tambm uma tendnciaem curso para alterar os critrios de ponderao dos votos dos representantes

    22 O gupo dos chamados pequenos Estados viu a sua representao inalterada Dina-marca e Irlanda, com 16 membros; Luxemburgo, com 6 , assim como o grupo dos pasesmdios manteve, com excepo da Holanda, praticamente a mesma representao. Diferente-mente, as alteraes mais significativas efectuaram-se na representao dos Estados grandes.

    23 Ac tua lmente , os chamados quatro Estados grandes detm, em conjunto, 360 represen-644 tantes num total de 626 deputados.

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    nacionais no sentido de alargar a actual grelha de diferenciao em favor doreforo do peso especfico dos chamados Estados grandes.

    Portanto, pode afirmar-se que, nos termos da evoluo que se delineia daarquitectura constitucional comunitria, as instituies protagonistas, quer nadeciso do seu processo normativo, quer no exerccio do controle polticosobre o rgo executivo Conselho e Parlamento , evidenciam ambasuma tendncia para a mudana do modo de representao dos Estados mem-bros num sentido que visa aprofundar a ideia de ponderao. Aprofundamen-to da ideia de ponderao orientada, como se verifica, pelo peso populacio-nal dos Estados.

    Donde resulta que as alteraes em curso no sistema comunitrio derepresentao introduzem em ambas as instituies referidas uma modifica-o do equilbrio inicialmente estabelecido, a qual , por sua vez, inspiradapor uma filosofia de representao ponderada com base num critriodemogrfico. Em detrimento dos elementos de compensao igualitria ori-ginariamente previstos no sistema.

    FEDERALISMO E REPRESENTAO

    Um trao comum na evoluo contempornea dos sistemas polticos detipo federal a irresistvel tendncia que estes denotam para a centraliza-o24. Os desafios modernos que se deparam aos governos implicam umcrescente protagonismo das polticas pblicas e, por motivos atinentes quer eficincia da conduo dessas polticas, quer igualdade da sua aplicao,requerem que tais polticas sejam crescentemente lanadas pelo centro pol-tico do sistema em detrimento da sua adopo pelas suas unidades consti-tuintes. Donde a tendncia centralizadora verificada nos sistemas federais, aqual se faz em detrimento da margem de actuao dos demais poderes com-ponentes da entidade federal.

    Em termos normativos, a tendncia para a centralizao existente nossistemas federais pe em causa o equilbrio constitucional originariamenteestabelecido relativo repartio de competncias entre o poder polticoexercido a nvel central e o poder poltico das suas unidades constituintes.Ou seja, o problema da gradual eroso das competncias destes ltimos pormotivos inerentes prpria dinmica da governao federal.

    No sistema comunitrio o tema da repartio de competncias entre aComunidade e os Estados um dos problemas fulcrais do debate constitu-cional. Tambm neste sistema se verificou uma galopante tendnciacentralizadora das competncias comunitrias, fundamentalmente nas dca-

    24 D. J. Edwards, Fearing federalistas failure: subsidiarity in the European Union(1996), in The American Journal of Comparative Law, n. 44, p. 541. 645

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    das de 70 e 80, que provocou uma profunda eroso das competncias nacio-nais de actuao. Tendncia esta que os Estados procuraram contrariar atra-vs da adopo do princpio constitucional da subsidiariedade aquando daassinatura do Tratado de Maastricht.

    Porm, e para que o princpio da subsidiariedade possa constituir umverdadeiro freio centralizao de competncias, necessrio garantir orespeito efectivo da sua implementao. A implementao da subsidiarieda-de depender, em boa medida, da realizao de um escrutnio prvio adop-o dos actos comunitrios sobre a questo da alocao da respectiva com-petncia.

    No restam dvidas de que a aplicao do princpio da subsidiariedade seencontra sujeita ao controle jurisdicional de legalidade no mbito do orde-namento comunitrio. No entanto, a questo da resoluo dos conflitos re-lativos repartio de competncias uma temtica to central e topolitizada na actualidade comunitria que o Tribunal de Justia nesta matriaenfrenta os riscos de uma excessiva exposio pblica. Para alm do factode os mtodos de interpretao seguidos por este rgo favoreceremtendencialmente o exerccio comunitrio das competncias.

    Para remover esta espcie de batata quente das mos do Tribunal deJustia da Comunidade, e sobretudo com o objectivo de restaurar a confianada opinio pblica na inviolabilidade dos limites nacionais de interveno,Weiler foi ao ponto de propor que a ltima conferncia intergovernamentalconsentisse na criao de um novo rgo o Conselho Constitucional encarregado de supervisionar o problema da repartio de competncias25.Tal rgo seria presidido pelo presidente do Tribunal de Justia e compostopor um membro dos tribunais constitucionais de cada Estado. A sua missoconsistiria na realizao de um rastreio sobre os actos adoptados pelas ins-tituies comunitrias no perodo que antecede a sua entrada em vigor.

    Se olharmos para a experincia norte-americana, poderemos tambm en-contrar uma intrnseca ligao entre esta problemtica central do federalismo a repartio de competncias entre o governo nacional e os Estados e aquesto da representao no sistema poltico. sabido como o equilbrioconstitucional originariamente estabelecido entre as reas de actuao dosEstados e as do poder federal foi erodido progressivamente em virtude docrescente intervencionismo pblico na economia e na sociedade, em particularcom a emergncia do welfare state. Na verdade, o entendimento de duasesferas de interveno governativa claramente separadas foi sendo substitudopela ideia de cooperative federalism. O Supremo Tribunal dos Estados Unidos

    25 J. H. H. Weiler, The European Union belongs to its citizens: three immodest646 proposals (1997), in European Law Review, n. 22, p. 155.

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    foi sendo chamado a arbitrar os conflitos de competncias entre Estados e ogoverno nacional quanto ao alcance dos respectivos limites de actuao.

    Tambm nos Estados Unidos a forma como o Supremo Tribunal adjudicatais conflitos de competncia reflecte, de algum modo, a perspectiva domi-nante que num determinado momento os membros componentes desse rgotenham do federalismo, bem como o seu entendimento dos limites da actua-o do poder jurisdicional no confronto com os demais rgos de soberania.

    Num trabalho clssico sobre o sistema federal dos Estados Unidos,Wechsler considerava que a salvaguarda da soberania dos Estados decorreriada prpria estrutura constitucional adoptada, a qual se materializava atravs dopapel que esses mesmos Estados desempenhavam na escolha do poder execu-tivo, bem como na sua representao igualitria no seio de uma das cmarasdo poder legislativo o Senado26. Este entendimento orgnico da repartiode competncias no federalismo norte-americano haveria de ser retomado peloSupremo Tribunal Federal na dcada de 80 inspirando uma perspectivaminimalista da actuao do poder jurisdicional nesta matria numa decisoem que declarava que a esfera de actuao normativa dos Estados se encon-trava melhor tutelada atravs dos mecanismos processuais atinentes suarepresentao no poder federal do que por intermdio das decises judiciaisque estabelecessem limites interveno do governo nacional27.

    Donde a essencialidade do tema da representao no quadro de um sis-tema poltico federal e, sobretudo, a representao poltica entendida comouma garantia constitucional dos Estados contra as tendncias centrpetasinerentes a este tipo de sistemas.

    Regressando ao sistema poltico comunitrio, se pensarmos que o proble-ma da repartio de competncias se apresenta como um dos aspectos maisdelicados do actual momento constitucional e se recordarmos tambm comoeste problema coloca o Tribunal de Justia numa posio bastantedesconfortvel perante os demais actores deste processo e da opinio pbli-ca, no ser de excluir que, na adjudicao de futuros conflitos de compe-tncias entre a Comunidade e os Estados, o Tribunal de Justia possa vir atomar uma atitude prxima da que foi assumida pelo Supremo Tribunal dosEstados Unidos na dcada de 80. Alis, a experincia constitucional ameri-cana tem servido, algumas vezes, de orientao prpria actividade do rgojurisdicional comunitrio.

    Pelo que a representao no apenas um dos problemas centrais doconstitucionalismo comunitrio, como a sua intrnseca ligao com a essn-

    26 H. Wechsler, The political safeguards of federalism: the role of the states in thecomposition and selection of the national government (1954), in Columbia Law Review,n. 54, p . 546.

    27 No acrdo proferido no caso Garcia v. San Antnio (1985), 469, U. S., 528, p. 552. 647

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    cia federal do sistema a repartio de competncias obriga a que osEstados que no tm sido beneficiados pelas alteraes ao equilbrio derepresentao inicialmente estabelecido encarem as tendncias e as orienta-es dominantes nesta matria com preocupao acrescida. Na verdade, numsistema onde a inviolabilidade dos limites nacionais de interveno no seencontra plenamente garantida consentir numa evoluo do sistema de repre-sentao no sentido de diminuir o peso relativo de certo tipo de Estados poderesultar numa alterao constitucional que se revele duplamente penalizantepara esses pases.

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