I SEMINÁRIO NACIONAL: Família e Políticas Sociais no Brasil - UFV
GT 1 – FAMÍLIA E POLÍTICAS PÚBLICAS
O acesso e o uso da energia elétrica através do Programa “Luz para
Todos”: uma análise de famílias rurais de Brás Pires-MG
Lívia Aladim Matosinhos1
Marco Aurélio Marques Ferreira2
Ana Paula Teixeira de Campos3
Resumo: O estudo propôs analisar os efeitos do acesso e uso da energia elétrica, fornecida no
âmbito do programa “Luz para Todos” (PLT), sobre diversos aspectos do cotidiano e do
trabalho das famílias rurais beneficiárias. Para tanto, utilizou-se o estudo de caso como
método de pesquisa, através da aplicação de questionários semiestruturados a famílias
atendidas pelo PLT no município de Brás Pires – MG. Dentre as principais descobertas,
destacou-se a unanimidade quanto à percepção de que a eletrificação rural foi capaz de
impactar positivamente a vida das famílias, tanto nos aspectos sociais quanto naqueles
relacionados à produção da agricultura familiar.
Palavras-chave: eletrificação rural; agricultura familiar; Luz para Todos; Brás Pires; Minas
Gerais
Abstract: This work analyzed the use of electric energy effect provided through the “Luz para
Todos” (PLT) program, on aspects of daily life and work of the rural families participants.
Therefore, a case study was conducted as research technique, through the application of semi-
structured questionnaires to families served by the PLT in the municipality of Brás Pires - MG.
Among the main findings, there was unanimity regarding the perception that rural
electrification was able to affect positively in the lives of the beneficiary families, both in social
aspects and in those related to the family farming production.
Key-words: rural electrification; family farming; Luz para Todos; Brás Pires; Minas Gerais
1. INTRODUÇÃO
O acesso à energia elétrica é, há tempos, considerado como um fator preponderante para
a elevação do nível de bem-estar da população, tendo em conta que a distribuição equitativa de
eletricidade pode ser vista como um meio relevante de se alcançar um desenvolvimento mais
justo (OBERMAIER et al., 2012). Todavia, especialmente em países menos industrializados e
regiões mais remotas, uma significante parcela da população ainda se encontra excluída do
processo de eletrificação. Em geral, os residentes das áreas rurais e de regiões mais afastadas
dos grandes centros urbanos são aqueles que mais se encontram nessa situação de exclusão.
1 Bacharela em Administração. Mestranda em Extensão Rural. Departamento de Economia Rural, Universidade
Federal de Viçosa (MG), Brasil. [email protected]. 2 Pós-doutor em Administração Pública, Doutor em Economia Aplicada. Professor Associado da Universidade
Federal de Viçosa (MG), Brasil. [email protected] 3 Doutora em Ciências Sociais em Desenvolvimento Agricultura e Sociedade. Pós-doutoranda em Administração
Pública. Universidade Federal de Viçosa (MG), Brasil. [email protected]
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Diversos países, em grande parte financiados por entidades internacionais como o Banco
Mundial, lançaram programas de eletrificação rural nas últimas décadas. Considerando as
potenciais implicações que o processo de eletrificação pode ter sobre o desenvolvimento
socioeconômico das regiões atendidas, é possível apontar que, além da função de alocação de
infraestrutura, esses Governos atuam também de forma distributiva4, destacando a vertente
social dos programas de eletrificação.
No Brasil, várias foram as iniciativas e políticas destinadas à eletrificação rural5, como
as cooperativas de eletrificação rural na região Sul e programas instituídos por governos
estaduais e federal. Em termos de resultados efetivos, porém, destaque é dado à mais recente
iniciativa promovida pela União, qual seja o Programa Nacional de Universalização do Acesso
e Uso da Energia Elétrica – “Luz para Todos”, doravante expresso pelo acrônimo PLT. Este
programa foi instituído pelo Governo Federal através do Decreto nº 4.873 de 11 de novembro
de 2003, tendo inicialmente como prazo final de atuação o ano de 2008. Contudo, foram
realizadas sucessivas prorrogações, estando o ano de 2018 como atual prazo de conclusão das
atividades do programa. Para o Governo Federal, o PLT atuaria como indutor de melhorias
relacionadas ao desenvolvimento social e econômico de famílias rurais (BRASIL, 2017).
Estudos conduzidos à época da formulação do PLT indicavam que aproximadamente
90% das famílias rurais excluídas do processo de eletrificação poderiam ser enquadradas na
concepção de agricultura familiar, possuindo renda inferior a 3 salários-mínimos (IICA, 2011).
No contexto da presente pesquisa, destaca-se que o PLT foi implementado justamente em uma
época de significativa atenção do poder público para com a agenda da agricultura familiar no
Brasil. A concepção do programa e sua posterior operacionalização tiveram lugar entre dois
marcos da agricultura familiar no País, quais sejam a instituição do Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF em 1996, e a delimitação formal do
conceito de agricultor familiar pela Lei 11.326/2006. Legalmente, esse conceito foi construído
através da consideração de distintos critérios, tais como o tamanho da propriedade, a
composição da força de trabalho e dos rendimentos, e a gestão familiar do estabelecimento
agropecuário, de modo a torná-lo um grande guarda-chuva conceitual capaz de abranger as
diversas situações existentes no Brasil (ALTAFIN, 2007).
4 Políticas distributivas, pela tipologia de Lowi (1964), geram benefícios concentrados em alguns grupos com os
custos sendo repartidos por toda a sociedade. 5 Para maiores informações acerca da história da eletrificação rural no Brasil, recomenda-se a leitura do recém-
lançado livro “Eletrificação rural no Brasil: uma visão histórica”, publicação do Centro da Memória da Eletricidade
no Brasil (2017).
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A literatura especializada, tanto no Brasil quanto no exterior, tem enfatizado a
importância do acesso à energia elétrica para o desenvolvimento socioeconômico das regiões
beneficiadas por políticas de eletrificação rural (e.g. BERNARD, 2010; CAMARGO;
RIBEIRO; GUERRA, 2008; KANAGAWA; NAKATA, 2008; COOK et al., 2005). De modo
geral, estes estudos destacam possíveis melhorias relacionadas ao acesso à energia elétrica por
parte da população rural, cujos efeitos recaem sobre um expressivo conjunto de fatores, como:
condições de estudo; capacidade de aquisição de bens de consumo que proporcionem maior
possibilidade de comunicação e informação (aparelhos televisores e computadores) e
conservação de alimentos (geladeira); diversificação produtiva e menor dependência das
atividades agrícolas, levando à geração de novos empregos e aumento da renda no meio rural;
maior participação das mulheres no mercado de trabalho pela possibilidade de execução de
tarefas domésticas durante o período noturno (por parte de mulheres e homens); além de maior
segurança para famílias residentes no campo através da iluminação pública.
Neste contexto, o presente estudo objetivou analisar os possíveis efeitos do acesso e uso
da energia elétrica, fornecida no âmbito do programa “Luz para Todos”, sobre diversos aspectos
do cotidiano e do trabalho das famílias rurais atendidas. Partiu-se da hipótese de que os
beneficiários percebem o acesso e uso da energia elétrica como indutores de melhorias em suas
vidas. Para tanto, utilizou-se o estudo de caso como metodologia de pesquisa, aplicando-se
questionários semiestruturados a famílias atendidas pelo PLT no município de Brás Pires – MG.
Além desta introdução, o estudo é dividido em mais três seções. Primeiro se introduz a
unidade de estudo e os métodos empregados. Posteriormente são expostos e discutidos os
principais resultados encontrados. Por fim, apresentam-se as principais conclusões obtidas
através desta pesquisa.
2. MÉTODO
Diversos aspectos levaram à escolha do município de Brás Pires como local de
investigação do problema abordado no presente estudo. Além da proximidade geográfica com
o município de Viçosa (e a UFV), o município de Brás Pires foi escolhido para realização desta
pesquisa devido ao fato de mais de 50% de seus 4.637 habitantes residirem no meio rural,
conforme apontado pelo Censo Demográfico de 2010 (BRASIL, 2010). Ademais, destaca-se a
expressiva evolução no indicador de acesso à energia elétrica no meio rural do município,
passando de 62% para 95% de domicílios rurais eletrificados entre os anos 2000 e 2010.
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Apesar de grande parte da população residir no meio rural, conforme apontado
anteriormente, a atividade agropecuária do município respondeu por apenas 16% do PIB –
Produto Interno Bruto municipal, gerando 5,25 milhões de reais de um total estimado em
aproximadamente 32,27 milhões de reais no ano de 2014 (BRASIL, 2016). No ano de 2016,
661 agricultores familiares foram contabilizados pela Emater-MG em Brás Pires, estando
distribuídos por mais de 30 comunidades/localidades rurais. Ainda de acordo com dados
levantados pelo escritório local da Emater-MG no município, dentre as atividades
agropecuárias lá conduzidas, se destacam a produção de leite, o cultivo de milho, feijão e cana-
de-açúcar, e o plantio de eucalipto.
Caracteriza-se o presente trabalho como um estudo de caso que, segundo Ventura
(2007), trata-se de um aporte metodológico utilizado na investigação de casos específicos, bem
delimitados e contextualizados para a obtenção de informações acerca do objeto de estudo. Para
a execução de um estudo de caso, é possível tanto a utilização de metodologias quantitativas,
quanto qualitativas (YIN, 2001). Optou-se pela aplicação de um questionário semiestruturado
a habitantes da zona rural do município de Brás Pires, cujos domicílios foram contemplados
pelo acesso à energia elétrica através do PLT. Neste tipo de questionário, combina-se perguntas
fechadas e abertas, dando ao entrevistado a oportunidade de discorrer sobre o assunto proposto
(BONI; QUARESMA, 2005). Com isso, torna-se possível alcançar maior riqueza de detalhes
acerca de todo o processo estudado.
Quanto à definição do número de respondentes desta pesquisa, foi cedido pelo escritório
local da Emater, o cadastro prévio feito por habitantes da zona rural do município interessados
em serem contemplados por este programa. Optou-se pelo cálculo amostral que, com base em
Triola (2005), define-se pela Equação 1,
𝑛 =𝜎2 × 𝑝 × 𝑞 × 𝑁
𝜀2(𝑁 − 1) + (𝜎2 × 𝑝 × 𝑞) (1)
em que, dada uma população (N) de 70 cadastros, n corresponde ao número estimado para a
amostra, a um nível de confiança (σ) de 95%, com probabilidades de ocorrência e não
ocorrência do fenômeno (p:q) de 0,5, e probabilidade de erro amostral (ε) estimada em 10%.
Para esta pesquisa, obteve-se um número amostral de 17 entrevistas com beneficiários do
programa. A escolha dos entrevistados foi feita de forma aleatória sistemática.
3. RESULTADOS OBTIDOS
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A proporção de gênero entre os entrevistados, de 56% masculino e 44% feminino, se
aproxima da situação geral do município que, de acordo com dados censitários disponibilizados
sobre o ano de 2010, possuía uma proporção de 51% de seus habitantes pertencentes ao gênero
masculino e, consequentemente, 49% de habitantes do gênero feminino (BRASIL, 2010). A
média de idade dos respondentes se aproximou de 56 anos, sendo que o entrevistado mais jovem
informou ter 26 anos enquanto que, o de maior idade, possuía 85 anos. Novamente, percebe-se
na amostra entrevistada um retrato da realidade de Brás Pires, onde se evidencia uma tendência
de envelhecimento da população deste município, tendo em vista que o percentual de pessoas
com mais de 65 anos nos anos de 1991, 2000 e 2010 foram de, respectivamente, 5,23%, 8,17%
e 11,86% (ATLAS BRASIL, 2013).
Quanto ao nível de escolaridade, nota-se que maior parte (81,3%) dos entrevistados não
chegou a completar o ensino fundamental – em grande parte dos relatos, estas pessoas
estudaram apenas até a 4ª série do primário, atualmente 5º ano. De todos os entrevistados,
apenas três completaram o ensino fundamental e, dentre estes, dois indivíduos completaram o
ensino médio, sendo uma, atualmente, estudante do ensino superior. Este caso se assemelha à
realidade do município, onde, mesmo que atualmente os indicadores de escolaridade da cidade
tenham aumentado, a situação das gerações antigas de baixa escolaridade ainda influencia na
média de escolaridade de adultos do município (ATLAS BRASIL, 2013).
No tangente à principal fonte de renda da amostra, apenas 50% das famílias destacou a
atividade agropecuária. Este fato se deve à média de idade da população pois, ainda que a
maioria dos entrevistados pratique alguma atividade relacionada à agricultura familiar em suas
residências, muitos deles recebem aposentadoria rural ou por invalidez (BPC/Loas)6, e esta
acaba se tornando o maior ganho monetário do domicílio. Maior parte das famílias analisadas
nesta pesquisa (62,5%) apresentava renda total inferior ou igual a salário mínimo. Registrou-se
que 81,3% dos pesquisados recebiam auxílios governamentais, sendo 41,7% deles beneficiários
do Bolsa Família e 66,7% aposentados (duas das famílias entrevistadas recebiam os dois
benefícios).
Quanto à agricultura familiar local, dentre os domicílios pesquisados, destaca-se a
produção de leite, café e hortaliças para venda, e feijão e milho, em sua maioria, para consumo
próprio e alimentação da criação. Apenas aqueles entrevistados que informaram uma renda
6 Benefício de Prestação Continuada da Lei Orgânica da Assistência Social: benefício assistencial de um salário
mínimo concedido a idosos com mais de 65 anos ou pessoas com deficiência, cuja renda familiar não exceda ¼ de
salário mínimo. Não é necessária a contribuição para a Previdência por parte do beneficiário (BRASIL, 1995).
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proveniente da agricultura familiar mais elevada (dois) declararam ter utilizado de algum
auxílio governamental destinado à agropecuária, no caso, o Pronaf. Todavia, mesmo com baixo
índice de adesão ao Pronaf por parte dos agricultores familiares beneficiados pelo Luz para
Todos, evidenciou-se que grande parte deles adquiriu algum equipamento elétrico relacionado
à produção agropecuária, com destaque para picadeiras de capim destinadas ao processamento
de alimentação para a criação. Esta é uma evidência de um descompasso entre as políticas
governamentais de eletrificação rural e auxílio produtivo, que dificulta a exploração dos
potenciais benefícios produtivos relacionados ao acesso e uso da energia elétrica por
agricultores familiares. Também é relevante citar a expressiva aquisição de bombas d’água por
parte dos indivíduos entrevistados, devido à escassez de água relatada pelos mesmos. Neste
sentido, a possibilidade de bombeamento de água subterrânea e/ou fluvial é de significativa
importância para o consumo humano e manutenção das atividades agropecuárias.
Os entrevistados foram comtemplados pelo Luz Para Todos, em média, há cerca de 6,7
anos. O entrevistado que alegou ter a energia elétrica por meio do programa há mais tempo, a
possui há 10 anos, enquanto que a ligação mais recente foi feita há um ano, em uma residência
recém-construída. Cerca de 70% dos beneficiários tiveram conhecimento do programa através
do escritório local da Emater e da Prefeitura Municipal (Secretaria Municipal de Agricultura)
– que de acordo com relatos obtidos com a Emater, auxiliaram a concessionária responsável
pelas ligações do programa a divulgar e efetuar o cadastro dos habitantes interessados em serem
contemplados pelo PLT.
Sobre a relação entre a existência da energia elétrica no meio rural e a permanência no
campo, pouco mais da metade dos entrevistados alegou acreditar que, caso não houvesse
alguma iniciativa governamental que facilitasse o acesso à energia elétrica no meio rural, a
chance de permanência dos habitantes neste local seria muito baixa. Aqueles que responderam
o contrário afirmaram que a permanência no meio rural não estaria relacionada à energia
elétrica, mas sim ao baixo poder aquisitivo desta população, que os impossibilita de se mudar
para o meio urbano. Percebe-se aqui uma conexão com o chamado “balanço permanência-
migração”, onde a decisão de ficar no meio rural é motivada pelo reconhecimento de que,
levando em conta suas características sociais, as famílias se inseririam na camada mais pobre
da sociedade urbana e perderiam sua autonomia (MANCUSO; RAMIRO, 2010).
Diversos foram os aspectos apontados pelos respondentes como tendo sido
influenciados pelo acesso à energia elétrica. Os pontos mais destacados, assinalados por quase
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todos os indivíduos, foram as atividades domésticas e as condições de moradia. Como afirma a
entrevistada 3,
“É como diz, né: a energia melhora de um tudo. Nas condições de moradia
porque a gente tem mais conforto dentro de casa, com a luz, com a televisão...
E na cozinha também, pra bater o feijão e fazer a janta mais a noite, sem muita
pressa” (Entrevistada 3, 47 anos, dona de casa).
Grande parte dos respondentes lembraram também das atividades agropecuárias, das
atividades escolares noturnas e da segurança da comunidade. Evidencia-se, deste modo, que
uma das primeiras conexões feitas pelos beneficiários é justamente com as facilidades
observadas no cotidiano, especialmente com relação ao domicílio e às tarefas nele realizadas.
Ao serem indagados se o acesso e uso da energia elétrica proporcionou um aumento na
renda total familiar, apenas 25% dos entrevistados deram resposta afirmativa. Este fato pode
ser explicado i) devido à grande quantidade de famílias que têm na aposentaria – e não na
agricultura familiar – a maior fonte de renda domiciliar; ii) pela falta de recursos financeiros e
dificuldade de acesso a auxílios governamentais voltados para atividades agropecuárias, já
relatadas nesta pesquisa. Dentre os motivos apontados por aqueles que perceberam tal relação
entre eletrificação rural e aumento renda familiar, destaca-se a aquisição de
picadeiras/trituradores de capim7 e, consequentemente, de gado; a maior facilidade de acesso à
água para a manutenção de plantações, por meio de uso de bombas d’água; e a oportunidade de
utilização de freezer para a conservação de leite e queijo. Como relatado pela jovem
entrevistada 1,
“Tendo luz em casa, deu pra comprar uma vaquinha e a máquina de moer
capim, aí não tem que gastar mais muito com ração. Dá pra moer a noite, se
precisar! Aí a gente já tem leite pra beber e também fazer uns queijinhos pra
vender e guardar pras coisas pro bebê que vai nascer” (Entrevistada 1, 26 anos,
dona de casa).
Tais relatos reforçam a perspectiva de que o acesso e uso da energia elétrica no meio
rural seriam capazes de induzir o desenvolvimento socioeconômico das famílias ali residentes
(CECELSKI; GLATT, 1982; TORERO, 2015; BHATTACHARYYA, 2006; DINKELMAN,
2011).
Outro fator relacionado à melhoria do bem-estar de famílias rurais por meio do acesso
e uso da energia elétrica é a oportunidade de aquisição de bens de consumo duráveis. A
utilização destes bens nos domicílios rurais proporciona, por exemplo, maior conforto e asseio
7 A utilização destes equipamentos no processamento do capim auxilia o agricultor a preparar com maior facilidade
a alimentação suplementar da criação pecuária.
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provenientes do uso de chuveiros elétricos, lazer e informação por meio da aquisição de
televisão, saúde e maior variedade de alimentos graças à conservação dos mesmos com sua
refrigeração e otimização do trabalho doméstico com o uso de eletrodomésticos portáteis
(CAMARGO; RIBEIRO E GUERRA, 2008; WORLD BANK, 2008). Quanto à investigação
sobre este fator na presente pesquisa, todos os respondentes afirmaram ter adquirido ou ganhado
geladeira, televisão, chuveiro e algum tipo de eletrodoméstico portátil (em especial, o
liquidificador e ferro de passar roupas), além de aparelho celular. Além destes bens, 80% das
residências possuem, atualmente, máquina de lavar roupas e/ou tanquinho.
Em relação ao trabalho e cotidiano, foram elencadas muitas melhoras com a vinda da
eletrificação. Dentre elas, destacam-se o fim da ociosidade durante o período noturno com a
possibilidade de dar continuidade ao trabalho dentro (doméstico) e fora (agropecuário) de casa,
e de lazer (com o uso da televisão, rádio, celular, etc); o maior acesso à água (antes do
bombeamento, era preciso caminhar até as fontes de água existentes e carregá-la até o
domicílio); possibilidade de estocar o leite ordenhado, evitando viagens diárias até a cidade
para vendê-lo fresco; menor esforço para o processamento de capim e alimentos; maior conforto
para higiene pessoal (banho quente com chuveiro); maior limpeza e saúde em casa (por não
haver mais necessidade de manejar lenha e utilizar lampião/lamparina que produzem fumaça);
e facilidade para a limpeza das roupas com o uso de máquina/tanquinho. Para as mulheres, foi
evidenciada a possibilidade de se conciliar as atividades domésticas com o trabalho fora de
casa, devido à capacidade de realizar serviços domésticos no período da noite, liberando o dia
para trabalhos de outras naturezas.
Também indagou-se, a respondentes que informaram a existência de crianças e
adolescentes em idade escolar em seus domicílios (58,8% do total), se o acesso e uso da energia
elétrica exerceu influência no rendimento escolar dos mesmos. O Entrevistado 2, pai de um
menino de 11 anos, relatou:
“Ajuda demais nos estudos do meu menino. Até pra fazer uma pesquisa hoje
facilita, uai. Sempre que chega da escola já tá escurecendo, que ele estuda a
tarde. Assim que ele chega já dá pra fazer as tarefas todas e estudar pras
provas, se precisar” (Entrevistado 2, 35 anos, afastado/auxílio-doença).
Com exceção de um respondente que alegou que o filho não praticava atividades
escolares em casa, todos constataram melhoras nos estudos após a chegada da luz. Tais
melhorias foram relacionadas ao acesso a canais de televisão educativos; oportunidade de fazer
pesquisas, leituras e se preparar para provas durante a noite; e facilidade de locomoção para
aulas matutinas (no horário de verão, quando ainda está escuro pela manhã) e eventos escolares
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programados para a noite. Tais relatos corroboram a ideia sustentada pela literatura (e.g.
KANAGAWA; NAKATA, 2008) de que o acesso à energia elétrica cria ambientes mais
propícios para o desenvolvimento de atividades educacionais.
Similarmente, questionou-se acerca de como os respondentes enxergavam suas vidas
antes da chegada da energia elétrica a seus domicílios. A questão mais lembrada diz respeito à
forma de iluminação da residência, quando ainda utilizavam lamparinas, querosene e velas.
Este ponto se conecta diretamente à questão da saúde da família, pois a iluminação por
lâmpadas elétricas foi capaz de mitigar os problemas respiratórios, principalmente de crianças
e idosos. Nas palavras dos respondentes, a vida sem o acesso e o uso da energia elétrica era
“triste demais”, “muito difícil”, “péssima”, “sofrida” e “sem sentido”. Pode-se atribuir estes
relatos a todas as dificuldades enfrentadas por famílias residentes no meio rural dada a falta da
eletricidade e de tudo aquilo que dela advém, como conforto, saúde, informação e praticidade
(CARDOSO; OLIVEIRA; SILVA. 2013).
Por fim, buscando investigar a percepção dos sujeitos rurais quanto ao benefício da
energia elétrica, indagou-se acerca do que significou o acesso a este serviço. Ao formular suas
respostas, os beneficiários inconscientemente confrontavam a realidade atual com aquela onde
não possuíam acesso à energia elétrica, temendo a sua falta. Grande parte dos respondentes
afirmou que a energia elétrica era tudo em suas vidas, devido às melhorias induzidas por ela no
cotidiano de suas famílias, ressaltando o caráter essencial que este serviço passou a apresentar.
Foi nítida a percepção do quão entranhada a obtenção e utilização da energia elétrica e de seus
benefícios já estava no cotidiano daquelas famílias em tão pouco tempo, e o quanto já a
consideram como indispensável em suas vidas. Estes resultados vão ao encontro daqueles
apresentados por Cardoso, Oliveira e Silva (2013), onde a maior parte dos respondentes apontou
a energia elétrica como o item mais importante relacionado à qualidade de suas vidas.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da avaliação das respostas dadas pelos indivíduos entrevistados, foi possível
confirmar a hipótese inicialmente levantada. Ou seja, a de que os beneficiários, de modo
unânime, perceberam melhorias em suas vidas a partir do acesso e do uso da energia elétrica
propiciado pelo Programa Luz para Todos. Os fatores mais influenciados pelo processo de
eletrificação rural, na perspectiva dos beneficiários estudados, foram, principalmente, as
atividades domésticas e as condições de moradia, seguidas das atividades agropecuárias.
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Evidencia-se, deste modo, a importância da energia elétrica para as famílias rurais, devido ao
fato de ela estar presente em todas as dimensões de suas vidas.
Embora a literatura ressalte a capacidade do processo de eletrificação rural em alavancar
a renda das famílias atendidas através da otimização do trabalho agropecuário, não se percebeu,
no município de Brás Pires, o acesso dos agricultores familiares beneficiados pelo Programa
Luz para Todos à linhas de crédito e financiamento governamentais. Deste modo, apesar do
acesso à energia elétrica, a maior parte das famílias permanecem financeiramente
impossibilitadas de realizarem investimentos para a aquisição de equipamentos produtivos, seja
por falta de conhecimento, oportunidade ou interesse no acesso às linhas de crédito
governamental disponíveis.
Apesar do descompasso entre o acesso à energia elétrica e auxílios governamentais
voltados para o fortalecimento da agricultura familiar, deve-se ressaltar que os benefícios
sociais concedidos pelo Governo – aposentadoria rural e bolsa família – foram capazes de
auxiliar na aquisição de bens de consumo pelas famílias beneficiadas com a eletrificação rural.
Percebe-se, deste modo, a complementariedade entre políticas governamentais de diferentes
naturezas para a elevação do bem-estar das famílias rurais e o consequente aumento do nível
de desenvolvimento social do município.
Vale destacar que uma parcela dos respondentes se mostrou relativamente insatisfeita
com a qualidade dos serviços oferecidos pela concessionária responsável pela distribuição de
energia elétrica no município. Apesar de exaltarem o acesso à energia elétrica, alguns
beneficiários se mostraram desapontados com a carga (monofásica) disponibilizada em seus
domicílios, tendo em vista a força exigida por máquinas voltadas à melhoria da produção
agropecuária, como picadeiras e freezers. Ou seja, aqueles que conseguem adquirir tais
equipamentos mesmo sem o amparo financeiro do Governo, acabam prejudicados pela
impossibilidade de explorar todo o potencial desses maquinários8. Por fim, foram relatados
diversos casos de famílias que não obtiveram o benefício da energia elétrica no meio rural de
Brás Pires, não sendo expostos os motivos do não-atendimento. Tendo em vista a proximidade
do prazo de finalização das ações do PLT, seria recomendável que o programa passasse a
possuir um caráter contínuo até a completa universalização do acesso e do uso da energia
elétrica no meio rural brasileiro. Por fim, torna-se importante ressaltar que os resultados
8 Há uma possibilidade de aumento da carga elétrica disponibilizada no domicílio, porém, é necessária participação
financeira do interessado.
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contribuem significativamente para o estoque de conhecimentos em políticas públicas para o
meio rural, em especial no que diz respeito aos benefícios e externalidades positivas das
políticas distributivas.
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